As Tres Ondas Da Revolucao Industrial

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     AS TRÊS ONDAS DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL: AGENTES ECONÔMICOS,

    ESTRUTURA DE MERCADO E PADRÃO TECNOLÓGICO 

    Zionan Euvecio Lins Rolim 

    O objetivo principal deste artigo é analisar as principais fases

    da Revolução Industrial e relacionar estas fases ao processo de

    industrialização ocorrido no Brasil. Para que isto seja possível,

    examinaremos os processos de industrialização ocorridos em muitos dos

    países que se tornaram economias industrializadas e salientaremos o papel

    representado pelos agentes econômicos, estrutura de mercado e padrão

    tecnológico, e isto nos dará o critério para que possamos dividir o

    processo de Revolução Industrial em três fases ou ondas. 

    Além desta introdução, o artigo é composto de três seções. Na

    primeira seção apresentamos as principais características da primeira

    onda da Revolução Industrial, procedendo-se a uma discussão dos conceitos

    de preparação ou acumulação primitiva de capital e revolução industrial.

    Na segunda seção, discutiremos o caso dos países que chegaram tarde ao

    processo e apresentaram atraso econômico - a industrialização tardia

    ou segunda onda da Revolução Industrial. Na terceira seção sugerimos o

    conceito de terceira onda da Revolução Industrial para a explicação dos

    processos de industrialização ocorridos depois da I Guerra Mundial. Nos

    casos de segunda e terceira onda o conceito de industrialização está

    diretamente ligado aos conceitos de “big industrial spurt” e “take-off”. 

    1. A “PRIMEIRA ONDA” DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL 

    A Revolução Industrial pode ser definida como o processo de mudança

    nos meios de produção e tecnologia produzidos pelo surgimento do sistema

    fabril. Este processo é normalmente associado a mudanças na estrutura

    de classe, taxas de crescimento e padrões de vida. (Hobsbawn, 1969;

    Deane, 1978) O estabelecimento do sistema fabril foi o passo mais

    avançado de um longo processo que teve início no fim da Idade Média com

    o desenvolvimento do comércio e das cidades. Este movimento conduziu areforma da agricultura em algumas áreas, o que provocou transformações

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    na estrutura política e social. Este processo foi desigual no tempo e

    espaço, e as suas condições particulares variavam de país para país. 

    As características do processo de transição do feudalismo para o

    capitalismo são parte de um importante debate. Dobb (1963) afirmou que

    as causas que puseram em marcha o processo de transição podem serencontrados dentro da própria economia feudal, onde ele aponta as

    crescentes necessidades da classe dominante que fez com que se aumentasse

    a pressão sobre os servos até o ponto em que aquela se tornou

    insuportável. Por outro lado, Sweezy, ao criticar as ideias de Dobb,

    sugeriu que o sistema feudal era estável ou estático e por isto era um

    sistema onde os métodos e as relações de produção tendiam a se

    reproduzir, dado que era um sistema de produção para o uso, não havendo

    pressão para o aperfeiçoamento contínuo nos métodos de produção do tipo

    em que existe no sistema capitalista. Sweezy conclui que o feudalismo

    desintegrou-se através do impacto do comércio de longa distância, o que

    deu início a um processo de produção para troca lado a lado do sistema

    feudal de produção para o uso (Sweezy, 1976, p.35).  

    A Revolução Industrial teve início na Grã-Bretanha na segunda

    metade do século XVIII. O processo de estabelecimento e consolidação da

    indústria britânica durou cinquenta anos aproximadamente - 1780 até 1830.

    Durante este período, a economia britânica sofreu uma transformação

    completa na sua estrutura produtiva. O que era antes uma sociedade

    agrícola e pré-industrial, transformou-se em uma economia industrial

    (Deane, 1978). 

    Neste ponto, a questão que surge é por que a Grã-Bretanha se tornou

    a primeira nação industrializada, ou em outras palavras, quais seriam

    os pré-requisitos e porque eles apareceram naquele país. Primeiro, foi

    devido ao fato de que a Grã-Bretanha pertencia a Europa, um continente

    que mostrava sinais de mudança desde o fim da Idade Média. Segundo, a

    resposta pode ser encontrada nas transformações sofridas pela economia

    britânica desde o século XVI. 

    O crescimento das cidades e do comércio trouxe em consequência o

    uso do dinheiro, e estabelecimento de mercados e a criação de relações

    comerciais em escala mundial. Até o fim do século XVI foi o sul da Europa

    que mais se beneficiou com este processo de mudança. Contudo, depois da

    longa depressão do século XVI o locus deste processo mudo para algumas

    áreas do norte da Europa (os Países Baixos, França e Grã-Bretanha).

    Antes que o sistema fabril surgisse na segunda metade do século

    XVIII, dois fatores importantes ajudaram a preparar o caminho para a

    industrialização. Primeiro, a transformação no sistema agrário como um

    resultado da expansão do mercado que estava pondo pressão na terra

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    cultivada. Isto, por sua vez, teve duas consequências importantes: a) a

    terra se tornou uma mercadoria; b) a desagregação das relações feudais

    ciou uma população sem terras, que para sobreviver teria agora que vender

    a sua força de trabalho no mercado. Segundo, com a expansão do comércio

    e abertura de novas rotas, ficou difícil continuar com o artesanato.Esta forma de produção deu lugar ao sistema “putting out”. Neste sistema

    os trabalhadores possuíam o capital fixo e trabalhavam nas suas casas,

    e o capital circulante era providenciado pelos comerciantes (Deane, 1978,

    p. 173).

    A Grã-Bretanha foi o país que mais se beneficiou com este processo

    de mudanças, e por conseguinte a Revolução Industrial foi precedida de

    dois séculos de desenvolvimento, o qual preparou o país para as

    transformações subsequentes. Neste ponto, devemos também mencionar o

    sucesso deste país nas guerras coloniais contra os seus principais

    competidores: França e Países Baixos. O ambiente de riqueza e confiança

    no negócios levaram ao desenvolvimento de algumas inovações tecnológicas

    com o intuito de ajustar a produção à demanda crescente. Estas inovações

    tiveram efeito imediato sobre a indústria têxtil (Deane, 1979; Hobsbawn,

    1969). Houve uma queda nos custos como resultado destas inovações, e

    isto fez com que a indústria têxtil se tornasse a mais importante do

    país no espaço de uma geração. Transformações importantes também

    ocorreram na indústria de ferro.

    O processo de Revolução Industrial que ocorreu na Grã-Bretanha,

    sendo o resultado de um longo processo de preparação, não necessitou da

    assistência do Estado. O principal agente econômico deste processo foi

    o empresariado privado nacional que no longo processo de preparação

    acumulou capital necessário para seus investimento –  daí não sendo

    necessário recorrer aos bancos para financiamento de longo prazo. Isto

    em parte é explicado dado que o tamanho da firma era pequena, a estrutura

    de mercado era predominantemente competitiva e as firmas tinham acesso

    a mesma tecnologia. Este tipo de industrialização foi seguido pela

    França, Bélgica e Suíça.

    No debate sobre o processo de Revolução Industrial na Europa

    Continental, muito autores tendem a classificar todos aqueles países

    como tardios. Nós preferimos aplicar o conceito de país tardio para se

    referir aqueles países que não só chegaram mais tarde ao processo como

    também apresentavam atraso econômico no início de seus processos de

    industrialização, como foi o caso da Alemanha, Itália, Rússia e Japão.

    Todavia, em outros países europeus como a França, Suíça e Bélgica houve

    processo de preparação (ou acumulação primitiva de capital, ou de

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    estabelecimento dos pré-requisitos). Daí que não aceitamos a

    classificação destes países como tardios, desde que eles chegaram mais

    tarde mas não chegaram atrasados. Nestes países, o tipo de empresa, a

    escala de produção, o tamanho do investimento inicial, as fontes de

    financiamento e padrão tecnológico estava mais próximo do modelobritânico do que do modelo iniciado mais tarde pela Alemanha, Itália e

    Rússia.

    A “SEGUNDA ONDA” DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL 

    Nesta seção discutiremos o processo de Revolução Industrial

    naqueles países que não criaram os pré-requisitos, nem se prepararamatravés de um longo processo. O que vai definir estes processos de

    industrialização como segunda onda é o fato de que apesar de estarem

    despreparados, algumas circunstâncias vão cria as condições para que a

    indústria se estabeleça nestes países, e ao mesmo tempo, agentes e

    instrumentos que antes não tinham sido utilizados serão adotados para

    fazer face ao atraso econômico.

    Neste ponto é importante conceituar países atrasados (backward

    country). Gerschenkron nos deu uma clara definição quando afirmou que:

    “A situação típica existente em um país atrasado antes que

    um processo de industrialização se inicie pode ser descrita

    como aquela caracterizada pela tensão entre o estado real

    das atividades econômicas no país e os obstáculos existentes

    ao desenvolvimento industrial...” (Gerschenkron, 1966, p.

    8).

    Assim que quando falamos de país atrasado (backward) nos referimos

    aos países que atingiram um estágio em que a industrialização aparececomo uma opção concreta, tal como foi o caso da Alemanha e Itália nos

    anos anteriores a suas unificações políticas, ou mesmo a Rússia antes

    da Grande Reforma. A ideia de “backwardness” implica numa comparação

    entre os países que já se industrializaram e aqueles onde existiam

    possibilidades concretas de se vencer o atraso econômico. Como nós vamos

    ver ao longo desta seção o papel do Estado vai ser de fundamental

    importância para se modificar as condições econômicas, remover os

    obstáculos ao desenvolvimento industrial e criar ambiente de confiança

    para os negócios.

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    A Alemanha foi o primeiro país tardio a se tornar industrializado,

    e assim, começando a segunda onda da Revolução Industrial. No tempo da

    Revolução Francesa, a Alemanha, ou o Sagrado Império Romano-Germânico,

    era ainda dividido em 314 territórios independentes, e sendo basicamente

    uma economia agrária com 80 por cento de sua população empregada naagricultura. Mas mesmo assim, algumas novas ideias e técnicas pedidas

    emprestado a Grã-Bretanha e vizinhos ocidentais tinham aos poucos

    penetrado esta região. Esta velha estrutura política veio cair quando a

    França invadiu a Alemanha, e grande parte dos territórios ocidentais

    foram incorporados àquela. Esta região, submetida ao domínio francês,

    foi tocada pelos ideais democráticos liberais revolucionários e

    napoleônicos.

    No séculos XVIII um estado localizado na área oriental – a Prússia

    – se tornou poderoso e começou impor hegemonia sobre os estados vizinhos,

    e mesmo até anexando áreas não-alemães. Apesar disto, a Prússia também

    caiu diante do poder dos exércitos franceses depois da derrota de Jena

    em 1806. A Alemanha era então uma economia agrária e sem unidade

    territorial, e ainda mantendo relações feudais de produção. Por

    conseguinte, não havia um ambiente condizente com expansão industrial.

    Uma superestrutura política moderna teria que ser criada para que aquele

    ambiente pudesse florescer. Foi exatamente dentro das fronteiras de um

    de seus maiores estados – a Prússia – que o processo de mudança começoua mostrar os seus primeiros sinais. O Estado da Prússia, ou a sua classe

    dominante, levou adiante uma série de reformas “de cima” para estabelecer

    instituições políticas mais modernas e criar o necessário ambiente

    condizente com a expansão capitalista industrial. Estas reformas são

    conhecidas hoje como via prussiana para o capitalismo (Lenin, 1972).

    As reformas na Alemanha começaram na Prússia logo depois da derrota

    de Jena. O Governo começou a implementas um programa de reforma agrária

    que se estendeu por um período de 50 anos aproximadamente, e que não

    pode ser separado do caráter autoritário do processo de integração da

    Prússia a União Alemã (Zoliverein) em 1834. Depois do Congresso de Viena

    em 1815, a Confederação Alemã foi estabelecida sob a liderança da

    Áustria, um outro importante estado alemão. Nesta mesma época a Prússia

    começou a campanha para a sua dominação sobre a Confederação. Alguns

    fatores vieram a favorecer a ambição da Prússia, entre os quais podemos

    salientar o fato da prévia extensão do seu território que lhe deu o

    controle das mais importantes minas de carvão alemães e industrias

    importantes na Rhineland e Westphalia. Além disto, a Prússia controlava

    as mais importantes rotas comerciais. (Henderson, 1967, p. 15).

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    Em 1834, a Prússia conseguiu com sucesso estabelecer a Zoliverein,

    a qual representou a unificação dos estados alemães através de uma união

    aduaneira, e ao mesmo tempo, conseguiu excluir a Áustria desta união.

    Primeiro, por causa das obrigações Austro-húngaro para com áreas não-

    alemães, e segundo, através do poder dos exércitos prussianos na Guerradas Seis Semanas. Este eventos ajudaram a formação da Federação da

    Alemanha do Norte em 1867, e finalmente a Fundação do Império Alemão

    1871, depois da derrota da França na Guerra Franco-Prussiana.

    A liderança da Prússia no processo de unificação da Alemanha,

    resultou na imposição das instituições políticas prussianas sobre o

    conjunto da nova nação unificada. Assim, o caráter autoritário e

    militarístico das instituições políticas prussianas prevaleceram sobre

    o resto dos estados alemães. A reforma agrária prussiana tinha sido

    implementada “de cima”. A classe dominante, os latifundiários “junkers”,

    sentindo que era necessário modernizar o país e, ao mesmo tempo, manter

    o controle sobre o processo de mudança implementaram esta reforma “de

    cima”. Na Alemanha, e especialmente na Prússia, os comerciantes e

    industrialistas não tinham consolidado posições durante os séculos de

    expansão mercantilista, assim, foi necessário a classe proprietária de

    terra reformar ela própria com medo de que estas transformações fossem

    feitas por forças políticas fora de seu controle. O junkers destruíram

    a estrutura feudal para com isto poder criar um ambiente onde asatividades industrias e capitalistas pudessem florescer. Todavia, os

    industrialistas e comerciantes representaram um papel secundário no

    estabelecimento do estado unificado, e em vista de duas fraquezas ele

    não puderam impor suas demandas por um estado democrático (Kemp, 1979,

    p.99).

    Até a criação da União Aduaneira em 1834, o desenvolvimento

    industrial da Alemanha tinha sido bastante modesto. Nesta década a

    Alemanha foi favorecida pelo “boom” das ferrovias que começou na Grã-

    Bretanha e se espalhou pelo continente. Em 1850 o norte, o sul, o leste

    e o oeste já estava ligados. Nesta mesma época o país começou a

    desenvolver motores ferroviários, o que mostra a importância do setor

    de bens de capital na fase inicial do processo de industrialização.

    Tentando acompanhar os passos dos países já industrializados, o

    governo prussiano interviu massivamente em alguns setores como o de

    ferrovias e mineração. Mais tarde, o próprio governo alemão começou a

    nacionalizar empresas, ferrovias, minas, dar assistência a bancos e

    empresas. Depois da unificação de 1871, acelerou-se o processo de

    industrialização. Este processo de implantação da grande indústria

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    exigiu a introdução de novos métodos de organização industrial, dado a

    rapidez do processo. A partir daí, dar-se-á uma tendência a concentração

    industrial, onde a fundação do Rheinish-Westphalian Coal Syndicate em

    1893 aparece apenas como um exemplo (Borchart, 1978). Este tipo de

    industrialização definida como “big industrial spurt” foi oestabelecimento de uma estrutura industrial completa no espaço de duas

    ou três décadas (Gerschenkron, 1966), e apresentou muitas diferenças

    quando comparado com o modelo de industrialização dos países da primeira

    onda da Revolução Industrial. No modelo alemão o setor de bens de capital

    foi o líder no processo, e cresceu mais depressa que o setor de bens de

    consumo. O tamanho da planta e do investimento inicial das industrias

    de bens de capital era relativamente grande, mas ao mesmo tempo isto se

    fazia necessário se caso a Alemanha quisesse competir com os seus rivais

    já industrializados. Por outro lado, a escolha por indústrias de

    tecnologias sofisticadas e plantas maiores eram a opção mais barata para

    um país em processo de implantação de seu parque industrial do que para

    um país já industrializado como a Grã-Bretanha vir a substituir velhos

    por novos métodos de produção (Gerschenkron, 1966). Todavia, o outro

    lado da moeda da concentração e da escolha pelo setor de bens de capital

    se revelou na forma dos bancos de desenvolvimento. O banco de

    desenvolvimento foi o terceiro agente econômico no processo de

    industrialização da Alemanha, juntamente com o empresário privado

    nacional e o Estado. Dado a histórica carência de capital em um país

    atrasado como a Alemanha eles vieram a preencher esta lacuna. A ideia

    da criação deste banco surgiu inicialmente na Bélgica e na França (países

    da primeira onda), mas o tipo de industrialização destes países – baseada

    na pequena empresa e voltada para a produção têxteis – não permitiu que

    esta ideia se desenvolvesse. O Societe Generale e o Branque de Belgique

    foram fundados em 1822 e 1835 respectivamente. A ideia do banco de

    desenvolvimento ganhou mais suporte na França com a Fundação do Credit

    Mobilier dos irmãos Pereira em 1852. Porém foi na Alemanha que a ideia

    conseguiu pleno sucesso. O Darmstadter Bank e o Discontogeselischaft

    foram fundados em 1853 e 1856 respectivamente. Estes bancos combinavam

    funções de fornecer créditos de curto prazo, como um banco comercial

    normal, como as de fornecer créditos de longo prazo para a indústria.

    Estas instituições chegaram a exercer grande influência sobre as empresas

    industriais, e o surgimento dos cartéis fez com que esta influência

    aumentasse ainda mais.

    Assim no modelo de industrialização da Alemanha os agentes

    econômicos foram a empresa privada nacional, o Estado e o banco de

    desenvolvimento. O padrão tecnológico foi baseado na indústria pesada

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    (aço, química, máquinas, etc). Esta indústria teve que depender do

    mercado interno no período de sua implantação. Contudo, este fato veio

    a se modificar quando a economia partiu para a maturidade, e a Alemanha

    se tornou um grande exportador de produtos industriais, e quando soaram

    os primeiros tiros da I Guerra Mundial, o país já tinha ultrapassado aGrã-Bretanha em produção industrial, porém o preço pago por estas quatro

    décadas de rápida industrialização veio na forma de ausência de

    democracia e visíveis sinais de desigualdades regionais. Quando se

    considera o desenvolvimento alcançado pelo país, constata-se que as

    províncias localizadas na Prússia Oriental foram deixadas para traz no

    processo de industrialização, tais como Pomerania, Prússia do Leste,

    Prússia do Oeste, Silesia e Posen.

    A Itália é outro exemplo clássico de país tardio. Em 1860 quando

    o Reino da Itália foi fundado o atraso econômico ainda era muito grande,

    mas mesmo assim a província do norte, e especialmente Piedmont e

    Lombardia, estavam seguindo os passos dos vizinhos mais adiantados do

    norte. Porém depois da unificação, estas províncias tiveram suas sorte

    ligadas as províncias atrasadas do sul. O período de preparação para a

    industrialização na Itália está ligada a Revolução Industrial que se

    iniciou na Gr~-Bretanha, na medida em que a expansão industrial britânica

    aumentou a demanda por matérias primas no mundo inteiro. Assim, a Itália

    foi afetada por este desenvolvimento das trocas comerciais, e no casoitaliano foi a seda o produto que ajudou a integrar o país neste processo

    de desenvolvimento capitalista. Latifundiários e banqueiros comerciais

    mostraram interesse nesta atividade, e mais tarde, o crescimento da

    produção da seda atraiu capitais e alemães. A produção da seda não era

    puramente agrícola. Ela ajudou a criação de uma infraestrutura de

    transporte e comunicações, expandiu o comércio e as cidades, e veio a

    fornecer capitais para a indústria que viria a nascer (Cafagna, 1978,

    p. 279).

    Na esfera política a Itália mostrou algumas semelhanças com a

    Alemanha. O atraso no processo de unificação e constituição de um estado

    nacional como também o fracasso da agricultura em se reformar em moldes

    capitalistas produziu uma superestrutura política muito próxima a “via

    prussiana”. Em relação aos agentes econômicos se pode afirmar que o “big

    industrial spurt” italiano de 1896-1913 teve a participação do

    empresariado nacional, do Estado e do banco de desenvolvimento. Tanto

    no caso da Alemanha como no caso da Itália houve um equilíbrio na

    participação destes agentes. No que diz respeito a tecnologia, as

    características do modelo italiano foi também semelhante a Alemanha. A

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    indústria estava baseada nos novos desenvolvimentos nas áreas de aço e

    produtos químicos. Entretanto, a indústria têxtil foi mais importante

    no caso italiano do que no caso alemão. Mesmo assim, um grande progresso

    foi registrado nas áreas de metalurgia, indústria de máquinas e o

    nascente ramo de alguns bens duráveis de consumo (automóveis).

    Apesar de ter tido sucesso na implantação da sua indústria pesada

    e em obter altas taxas de crescimento, a economia italiana apresentava

    no fim daquele período de rápida industrialização uma das mais graves

    disparidades regionais jamais mostradas por qualquer país. Mesmo que

    esta disparidade regional não foi criada durante o processo de

    industrialização, ela foi agravada por ele (Clough, 1965; Fua, 1965).

    O último dos países listado por nós para sintetizar as

    características da segunda onda da Revolução Industrial é a Rússia. ARússia exemplifica o caso de país não só tardio (late comer), mas também

    extremamente atrasado. A Rússia preservou a servidão até 1861, quando a

    Emancipação (ou Grande Reforma) acionou o processo de implantação de uma

    estrutura política condizente com a expansão capitalista industrial. As

    causas da mudança de posição do estado russo podem ser entendidas quando

    se tem em mente que os governos sempre perseguiram a política

    imperialista de grande-potência. Sendo assim, a Guerra da Crimeia (1854-

    1856) revelou ao mundo o atraso da economia russa em comparação com as

    economias ocidentais que já estavam caminhando na estrada da

    industrialização. Até então o poder da Rússia estava baseado em grandes

    exércitos e extenso território. Estes fatores mostrara-se insuficientes

    em tempos de revolução tecnológica e nos transportes. No mesmo ano da

    derrota na Guerra de Crimeia, o Czar Alexander II, falando a uma

    audiência dos nobres de Moscou, disse:

    “É melhor destruir a servidão de cima do que esperar

    até que ela comece a se destruir de baixo” (Kemp, 1979,

    p. 129)

    Esta declaração do Czar Alexander II mostra claramente que a Grande

    Reforma russa foi uma reforma de cima no mesmo modelo de via prussiana

    para o capitalismo, 1861, o ano em que o Czar Alexander II assinou a lei

    que emancipou os servos, pode ser visto como um divisor de aguas na

    história econômica da Rússia. Da mesma maneira que no caso da reforma

    agrária prussiana, o governo russo pretendeu executar uma mudança radical

    na estrutura do país. A reforma tentou preservar os interesses da classe

    dominante, na medida em que fazia com que os servos ficassem presos a

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    terra, e com isto atendesse a necessidade da nobreza por mão-de-obra

    barata.

    Depois da Grande Reforma, podemos afirmar que dois pré-requisitos

    tinham sido estabelecidos – a conscientização por parte do Estado e a

    expansão agrícola e comercial provocada pela Revolução Industrial (este

    fator se deu da mesma maneira em outros países como a Itália, Suécia,

    etc). Todavia, em um país extremamente atrasado como a Rússia estes pré-

    requisitos são insuficientes para a implantação da indústria pesada, na

    medida em que outros pré-requisitos importantes tais como a acumulação

    de capital, formação de uma burguesia nacional forte, a transformação

    paulatina da agricultura, etc. são praticamente inexistentes. Em países

    atrasados deste tipo será necessário o uso de novos agentes e

    instrumentos econômicos – os chamados substitutos. Aqui, a intervenção

    do Estado vai ser de fundamental importância, e por intervenção n´s não

    queremos dizer apenas proteção tarifária e cambial, mas também o Estado

    intervindo na construção de ferrovias, explorando minas, providenciando

    crédito de longo prazo para a indústria, alterando a política monetária

    e tributária, dando garantia de lucros para as novas indústrias,

    estabelecendo o sistema de preferências para os produtores nacionais de

    material ferroviário, etc. (Gerschenkron, 1966, p. 19; Portal, 1966, p.

    800-872).

    É importante mencionar que os setores mais dinâmicos no processo

    de industrialização russa foram aço e bens de capital, como no caso da

    Alemanha, e também aqui este tipo de produção industrial estava

    fortemente associado com a construção ferroviária. Entre 1860 e 1913 o

    produto industrial da Rússia cresceu a uma taxa de 5% ao ano, chegando

    a atingir 8% nos anos 1890-1900 – a década em que se deu o “big industrial

    spurt”. Em 1913 a Rússia dispunha do quinto maior complexo industrial

    do mundo, depois dos Estados Unidos, Alemanha, Grã-Bretanha e França.

    Apesar do atraso econômico em que a Rússia iniciou o seu processode industrialização, pode-se afirmar que este processo se deu no modelo

    da segunda onda da Revolução Industrial, onde os agentes econômicos

    foram a empresa privada nacional o Estado e o banco de desenvolvimento.

    Porém, apesar de ter implantado sua indústria, a Rússia de 1913

    permanecia sendo um país predominantemente agrário e pobre quando

    comparado a outras economias industrializadas. Em 1913, depois de cinco

    décadas de rápido crescimento e três de industrialização, a população

    urbana da Rússia representava menos de um quinto do total. A mesma coisa

    se pode afirmar em relação a força de trabalho industrial dentro da

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    composição setorial do produto – 80% da população ganhavam a vida na

    agricultura (Grossman, 1976, p. 492-493).

    3. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O DEBATE TEÓRICO E SOBRE A “TERCEIRA

    ONDA” DA REVOLUÇ ÃO INDUSTRIAL

    Nas seções precedentes deste artigo, nós baseamos nossa

    metodologia teórica nos conceitos de “big industrial spurt” e “economia

    atrasada” desenvolvidos por Gerschenkron, e na noção de “estágios” de

    desenvolvimento industrial desenvolvida por Rostow. Nesta seção vamos

    mostrar que tipo de uso nós fazemos destes conceitos e quais são as

    nossas divergências em relação aos dois modelos.

    A análise de Gerschenkron sobre o processo de desenvolvimento

    industrial europeu o levou a rejeitar a ideia de que este processo se

    tinha dado da mesma maneira de país para país. O autor chega a esta

    conclusão ao comparar o processo de industrialização dos primeiros países

    a se industrializarem com o cados dos países tardios (backward

    countries). Nestes países, a industrialização se apresentou como um

    arranco (spurt), o que quer dizer um aumento considerável e súbito na

    taxa de crescimento industrial, e isto seria o resultado das condições

    específicas destes países tardios que fizeram com que houvesse uma

    pressão por industrialização acelerada. Neste caso, quanto mais atrasado

    fosse o país no início do seu “spurt” tanto mais rico e complexo seria

    o quadro da industrialização, uma vez que se supusesse uma dotação

    adequada de recursos e que os grandes obstáculos à industrialização

    tivessem sido removidos (abolição de relações sociais de produção pré-

    capitalistas, etc). No Quadro abaixo, Gerschenkron mostra as diferenças

    entro os diversos estágios (ondas) de desenvolvimento industrial em

    relação aos agentes econômicos (ou fontes de capital) (Gerschenkron,1966, p. 8).

    Quadro 1

    Estágios Área Avançada Área de Atraso

    Moderado

    Área de atraso

    extremo

    I Fábrica Bancos Estado

    II Fábrica Bancos

    III Fábrica

    Fonte: Gerschenkron, 1966, p. 355

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    Neste Quadro 1 se pode ver que Gerschenkron refuta a ideia de que

    todos os países teriam que passar pelos mesmos estágios de

    desenvolvimento industrial, dado o autor que trabalha com a noção de

    país atrasado, ou país que não se preparou para a industrialização, e

    portanto teve que recorrer a instrumentos diferentes. No Quadro acimaele estabelece a relação existente entre fontes de capital (agentes

    econômicos) e os diversos tipos de países. No processo de

    industrialização da área avançada o principal agente econômico foi a

    empresa privada nacional, que ele chama aqui de fábrica. Em seguida o

    autor divide os países atrasados em dois casos: área de atraso moderado

    e área de atraso extremo. Na área de atraso moderado o capital foi

    providenciado pelos bancos de desenvolvimento e pelas fábricas, e

    finalmente, na área de atraso extremo, o capital veio do Estado, bancos

    de desenvolvimento e das fábricas. Países como a Grã-Bretanha, Alemanha

    e Rússia exemplificariam estes três casos, respectivamente.

    A hipótese do autor de que quanto mais atrasado chega o “spurt”

    tanto maior seria o grau das transformações por ele produzidas não

    oferece uma explicação satisfatória para os casos dos países onde havia

    o clima favorável para o estabelecimento da indústria pesada e no entanto

    o spurt não se deu, como são os casos do Brasil e da Espanha no início

    do século XX. E não é totalmente certo que se aplique para explicar

    todos os casos que obtiveram sucesso em implantar a indústria pesada, eum exemplo disto é a Itália, que sendo mais atrasada do que a Alemanha,

    obteve taxas de crescimento menores do que aquela.

    Como se pode ver no Quadro anteriormente mostrado, Gerschenkron

    coloca a Rússia e a Itália como pertencentes a categorias diferentes.

    Países como Alemanha e Itália pertenciam a “área de atraso moderado” e

    a Rússia estaria na “área de atraso extremo”. A grande diferença entre

    elas, segundo o autor, seria o fato de que na área de atraso extremo o

    papel do Estado foi o instrumento mais importante no processo de

    industrialização, e no caso da área de atraso moderado este papel foi

    secundário. Nós preferimos colocar estes três países numa esma categoria,

    ou seja, como pertencentes a segunda onda da Revolução Industrial, visto

    que nós acreditamos que os países que implantaram as suas indústrias

    entre 1860-1914 enfrentaram os mesmos problemas em relação a tecnologia,

    tamanho da planta, tamanho do investimento inicial, estrutura de mercado,

    etc. Estes processos de industrialização se deram na mesma época do

    desenvolvimento e aplicação das tecnologias de aço, produtos químicos,

    e máquinas; e também quando se deu uma conscientização, por parte do

    Estado lutar contra os obstáculos ao desenvolvimento industrial e puderam

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    em prática um projeto de “reforma de cima”: finalmente, uma terceira

    característica que seria uma consequência direta das outras duas, seria

    que dado a escassez de capital, a escolha tecnológica, e o fato de que

    o Estado estava intervindo na economia, foi fácil se recorrer a novos

    métodos de organização industrial.

    Estes fatores se modificaram após a Primeira Guerra Mundial, na

    medida em que os métodos de centralização e concentração da produção que

    foram utilizados pelos países da segunda onda da Revolução Industrial

    passaram a ser adotados pelos países que tinham se industrializado

    anteriormente. Ao mesmo tempo se dá um aumento geral no processo de

    concentração industrial, e este aumento vem capacitar as empresas de por

    barreiras à entrada, que poderiam ter origem nas economias de escala,

    diferenciação do produto, custos absolutos e exigências de capital (Bain,

    1967, p. 169). Estas mudanças na estrutura de mercado mundial vão tornar

    o processo de transferência de tecnologia muito mais difícil,

    especialmente nas áreas de ponta –  as áreas que foram a base da

    industrialização da segunda onda e aquelas mais recentemente

    desenvolvidas e que só os países que tiveram suas indústrias implantadas

    até o período 1860-1914 puderem assimilar, como foram os casos dos bens

    duráveis de consumo. Os países onde existiram condições concretas para

    se dar um processo de industrialização –  países em que alguns dos

    obstáculos ao desenvolvimento industrial tenham sido já removidos – vãoser afetados por essas mudanças. Estes processos de industrialização,

    enfrentando novas condições de produção e mercado, constitui a terceira

    onda da Revolução Industrial. Estes processos de industrialização

    exigirão novos agentes e instrumentos econômicos visto que agora o país

    industrializante enfrenta condições diferentes. Tendo isto em mente,

    reformularemos o Quadro de Gerschenkron e apresentamos o seguinte como

    alternativa.

    Ondas Agentes econômicos

    (fontes de capital)

    Período

    I Empresa privada (Grã-

    Bretanha, França,

    Bélgica, Suíça, etc)

    1770-1860

    II Empresa Privada, banco

    de desenvolvimento e

    Estado (Alemanha,

    Itália, Rússia, Japão,etc)

    1860-1914

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    III Empresa Privada, banco

    de desenvolvimento e

    Estado e empresa

    multinacional (Brasil,

    México, Espanha,Coréia do Sul, etc)

    A partir de 1929

    De acordo com a nossa classificação apresentada acima, aqueles

    seriam os agentes responsáveis pelo “big Industrial spurt” ou “take-off,

    e este spurt seria basicamente a implantação da indústria pesada. Por

    razões apresentadas ao longo deste artigo, só tem sentido a aplicação

    do conceito de “spurt” a países que se industrializaram durante e depois

    da segunda onda da Revolução Industrial. Entretanto, algumas

    classificações devem ser feitas. Algumas características do processo de

    industrialização geralmente aceitas como verdadeiras durante o

    estabelecimento da indústria pesada tendem a modificar a sua importância

    a sua importância relativa quando este processo se completa e a economia

    já marcha para a maturidade. Em relação aos países que se

    industrializaram durante a segunda onda diversas modificações se fizeram

    notar. Na Alemanha e na Itália, os bancos se desenvolvimento assumiram

    um papel crucial no estabelecimento da Indústria, quando estes bancos

    chegaram a assumir parte do controle acionário de muitas indústrias.

    Porém, quando a indústria já estava firmemente implantada se notou uma

    diminuição da importância destes bancos na economia, e as indústrias

    passaram a caminhar com as suas próprias pernas. A mesma coisa aconteceu

    em relação a importância do mercado interno para a indústria doméstica.

    Todas as economias que implantaram as suas indústrias durante a segunda

    onda tiveram que confiar no mercado interno para a realização da

    produção, onde o Estado interviu e pôs e prática um sistema eficaz de

    protecionismo. Mas uma vez implantada, as forças dinâmicas postas em

    movimento pelo estabelecimento da indústria pesada começou a empurrar

    as economias em direção a maturidade, e estas economias se tornam grande

    exportadores industriais e com capacidade de competição no mercado

    internacional. No que diz respeito a escolha tecnológica adotada também

    se nota modificações. Um exemplo interessante é o caso da Itália. Este

    país implantou a sua indústria na era do desenvolvimento da tecnologia

    do aço, e não desenvolveu tecnologia própria para a fabricação deste

    produto, a Itália adotou a fornalha Martin. No entanto, quando a economiaitaliana terminou de implantar os principais setores da indústria,

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    começou a ganhar competitividade no mercado internacional e começou a

    marchar para a maturidade, foi possível produzir um salto tecnológico,

    e assim, desenvolver tecnologia nas áreas mais avançadas da indústria

    no fim de seu período de “spurt”, como foi o caso das máquinas de

    datilografia, automóveis, pneus, etc.

    Em relação a terceira onda da Revolução Industrial, acontecimentos

    similares vem se registrando. Esta “onda” vem englobar os países que

    tiveram a sua oportunidade perdida durante a segunda onda como foi o

    caso do Brasil, ou mesmo países que perderam a oportunidade de se

    industrializarem durante a primeira e segunda, como foi o caso da Espanha

    (Nadal, 1979, p. 532-626). A estes casos mais notórios, podemos

    acrescentar a Coréia do Sul, México, Argentina, Formosa, etc. Todos os

    países acima referidos tiveram suas indústrias pesadas implantadas

    quando a estrutura oligopolista já era hegemônica no capitalismo mundial,

    e portanto as firmas tinham agora poder de impor barreiras à estrada, o

    que tornava muito mais difícil o processo de transferência de tecnologia

    e rápida absorção pela economia nacional, como tinha sido os casos da

    Rússia e da Itália – países que não desenvolveram tecnologia própria nos

    ramos mais dinâmicos da indústria, mas mesmo assim ainda havia condições

    para o Estado patrocinar a importação destas tecnologias. Depois da

    Guerra de 1914-18, e especialmente depois da crise de 1929 e II Guerra

    Mundial o poder das barreiras e controle tecnológico vem aumentarsensivelmente. Isto não quer dizer que a industrialização vai ser

    impossível desta data em diante, mas sim que as condições que tornaram

    possível os processos de industrialização que ocorreram durante a segunda

    onda não mais existirão, e daí ser necessário recorrer a novos agentes

    e instrumentos.

    O Brasil aparece como um exemplo de país que perdeu a oportunidade

    de implantar sua indústria pesada durante a segunda onda, se bem que as

    primeiras transformações (ou preparação para a industrialização)

    começaram a se dar bem antes disso. É bastante conhecido o fato de que

    o esgotamento das minas de ouro um período de decadência se abateu sobre

    a economia colonial brasileira, e o fato que veio a modificar este estado

    de coisas foi a chegada da família real portuguesa e a elevação da

    colônia ao status de Reino Unido. O surto de progresso provocado pela

    administração de D. João VI unido ao sentimento anti-colonialista que

    já tinha então raízes centenárias na Colônia ajudaram a precipitar os

    acontecimentos de 7 de Setembro de 1822. O país tinha conquistado sua

    independência política Todavia, o quid pro quo pelo reconhecimento desta

    independência foi a assinatura de acordos comerciais com a Grã-Bretanha,

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    que favoreciam mais a esta do que ao Brasil. Estes acordos só vem a

    terminar em 1844, e não mais são renovados (Manchester, 1973; Simonsen,

    1939). Desta data em diante, o país era livre para estabelecer suas

    tarifas em função das necessidades de sua economia. No plano econômico

    um novo produto –  o café – vem integrar o país nas novas linhas decomércio abertas pela Revolução Industrial. E como no caso da seda para

    a Itália e do trigo para a Rússia, a produção do café não foi uma

    atividade puramente agrícola. Na medida em que a produção de café assumiu

    a liderança entre os produtos de exportação, a economia atraiu

    investimentos estrangeiros (principalmente ingleses), capitais foram

    investidos em infraestrutura (ferrovias, portos, etc), deu-se um

    crescimento urbano e comercial, a própria criação de um pequeno mercado

    consumidor interno fizeram necessárias as primeiras indústrias leves no

    país, e finalmente, a expansão na produção de café forçou uma mudança

    nas relações sociais de produção, de trabalho escravo para trabalho

    assalariado, primeiro através da importação de mão-de-obra europeia e

    depois com a abolição da escravatura.

    O período da abolição vem coincidir como uma melhoria nas relações

    de troca, saldos positivos na balança comercial, o Brasil chegando a ser

    responsável por 60% da produção mundial de café, e o que é mais

    importante, este progresso induziu a implantação da indústria leve e sua

    subsequente expansão. Roberto Simonsen já registra um surto industrialna década de 1880 (Simonsen, 1939, p. 22-25).

    Este progresso geral produzido pela expansão na produção de café

    insuficiente para levar a implantação da indústria pesada no Brasil

    durante a segunda onda da Revolução Industrial. O Brasil sendo um país

    tardio e extremamente atrasado (como a Rússia) que manteve relações

    sociais de produção pré-capitalistas até quase o final do século XIX,

    não se preparou ou não criou todos os pré-requisitos necessários para a

    industrialização. Sendo tardio, o Brasil teria que recorrer a

    substitutos. No caso brasileiro, política tarifária e cambial por Brasil

    estaria próximo ao caso da Rússia pré-Witte, onde o Estado teria que

    conscientizar-se sobre a necessidade de intervir diretamente na economia

    – criando bancos de desenvolvimento, explorando minas, dando garantia

    de lucros para as novas indústrias, produzindo material ferroviário,

    alterando a política monetária e tributária em favor da indústria, etc.

    Todavia, está bastante claro que esta não foi a política seguida pelo

    Estado brasileiro, que era liberal e que chegou a defender a “teoria das

    vantagens comparativas” e a noção de “indústria natural” em pleno 1900-

    1910 (Ministério da Fazenda, 1897 e 1901; Presidência da República,

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    1892-1910). Aliado a ideologia liberal se somava o positivismo como

    outra fonte de inspiração ideológica de muitos segmentos da sociedade

    que tiveram influência no aparelho de Estado desta época (os militares,

    por exemplo). E como se sabe ambas as correntes nasceram em países que

    se industrializaram durante a primeira onda da Revolução Industrial – países onde existiu um longo processo de preparação, e consequentemente

    não foram necessário transformações econômicas rápidas. O argumento

    geralmente usado para se justificar a não intervenção do Estado para

    implantar a indústria pesada é que o Estado representava s interesses

    dos produtores de café, e portanto era impossível a implementação de uma

    política independente. Este tipo de argumento além de ser economicista,

    onde não se coloca a independência da política em relação à economia,

    via de encontro a pesquisas recentes que mostram a independência do

    Executivo em relações as pressões do setor cafeeiro (Frtsch, 1980, p.

    160-274), principalmente nas administrações de Campos Sales e Rodrigues

    Alves. Outro argumento utilizado é a afirmação de nesta época apenas a

    tecnologia da indústria leve estava disponível no mercado mundial. As

    experiências da Rússia e Itália mostraram que era possível se

    industrializar mesmo sem desenvolver estas tecnologias, desde que

    houvesse um agente econômico capaz de juntar os recursos necessários

    para adquirir este tipo de tecnologia e pô-la a disposição de grupos

    empresariais nacionais, e dadas as condições de atraso dos países tardios

    só o Estado tinha condições de juntar estes recursos.

    A crise de 1929 vai ser o fator que provocará uma mudança neste

    estado de coisas. O novo Governo revolucionário que emergiu dos

    acontecimentos de 1930 demonstrou pela primeira vez uma preocupação

    verdadeira com relação a necessidade da indústria pesada no país. Em

    1930 é criado o Ministério da Indústria e Comércio. Em 1934 é criado o

    Conselho Federal de Comércio Exterior, que a partir de 1937 vai discutir

    questões relacionadas com a industrialização do Brasil. Em 1941 a

    administração de Getúlio Vargas criou a Companhia Siderúrgica Nacional.

    Com a inauguração da usina siderúrgica de Volta Redonda em 1946,

    pode-se dizer que chegava ao fim do longo período de preparação para a

    indústria e o início do “spurt” brasileiro. Isto não é afirmar que a

    indústria tenha nascido nesta data. As primeiras unidade industriais

    surgiram no Brasil na segunda metade do século XIX, porém este

    crescimento industrial foi incapaz de produzir um “take-off” na economia

    e transformar o modelo de desenvolvimento econômico brasileiro. De 1946

    em diante o Estado vai intervir decisivamente na economia em favor da

    Indústria. O Governo cria o Banco Nacional de Desenvolvimento e a

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    Petrobras em 1952 e 1953 respectivamente. Com o Plano de Metas são

    criadas as condições para a implantação de indústrias importantes do

    setor de bens de capital e duráveis de consumo.

    A crise do início da década de sessenta veio assinalar o fim do

    “big industrial spurt” brasileiro. Os agentes econômicos deste processo

    foram o Estado, a empresa privada nacional, o banco de desenvolvimento

    e a empresa multinacional. O papel do Estado brasileiro veio a ser maior

    do que aquele desempenhado por outros estados durante a segunda onda, e

    isto é explicado não apenas pelo atraso da economia brasileira como

    também pelo fato de que quando o Brasil implantou a sua indústria pesada

    a intervenção do Estado na economia era uma prática aceita por todos os

    países capitalistas. Mas mesmo assim, dado o “atraso”  em que a

    industrialização pesada se deu neste país, seria impossível para o Estado

    entrar para a produção de todos os bens de tecnologia de ponta (e

    permanecer nos marcos do capitalismo), dado que neste período a estrutura

    oligopolista já era hegemônica no sistema capitalista, e o poder das

    firmas de erigir barreiras à estrada bastante significativo. Neste

    período de “take-off” o papel representado pelo mercado doméstico foi

    de fundamental importância para a indústria.

    Depois da recuperação da crise da primeira metade da década de

    sessenta se percebe que o “take-off” brasileiro tinha sido irreversível.

    E algumas das modificação que se registraram quando as economias da

    segunda onda terminaram de implantar as suas indústrias e partiram para

    a maturidade também se fizeram notar no Brasil quando a economia parte

    para a maturidade. Em relação ao mercado interno houveram mudanças

    radicais. Em 1960 97% das exportações brasileiras eram constituídas por

    produtos primários. Em 1983, os produtos primários vão cair para 38%

    enquanto que os produtos industrializados atingirão 62% (PETROBRAS,

    1986, p. 45). Durante o período de “take-off” o Brasil pediu emprestado

    tecnologia estrangeira para os seus setores mais dinâmicos (automóveis,

    por exemplo), porém quando a economia parte para maturidade, há bastante

    evidência de que a economia está dando um “pulo tecnológico”, na medida

    em que se está desenvolvendo no país tecnologia para a produção de

    computadores (software e hardware), aviões, material bélico, química

    fina; avanços significativos tem se registrado na área de bio-tecnologia

    e engenharia genética. Alguns passos também foram dados nas área de

    robots e tecnologia de laser. Outra modificação importante é quanto ao

    papel dos agentes – os papéis as empresas nacionais e multinacionais.

    Durante o período do “take-off”, a empresa privada nacional se

    restringiria aos setores leves da indústria, mas quando se implanta a

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    empresa nacional entra na área dos duráveis de consumo, bens de capital,

    e de alguns setores de tecnologia de ponta. Estas transformações podem

    também ser notadas em outros países que se industrializaram durante a

    terceira onda da Revolução Industrial como a Coréia do Sul, Espanha,

    México, etc. Estas transformações ocorridas no processo deindustrialização, especialmente na transição do “take-off”  para a

    maturidade, vem claramente mostrar que as condições em que se dá a

    implantação da indústria não são estáticas. Uma vez implantada, a

    indústria começa a apresentar forças dinâmicas próprias capazes de impor

    modificações substanciais em relação ao tamanho do mercado, complexidade

    e controle tecnológico e em relação ao papel dos agentes econômicos.

    Isto se deu durante a segunda onda da Revolução industrial e está se

    dando agora durante a terceira onda (Rolim, 1988).

    Como pode ser visto ao longo deste artigo, fizemos uso dos

    conceitos Rostowianos de “pré-condições”  (preparação). “take-off”  e

    “direção à maturidade”, mas no sentido de que acreditamos que o

    desenvolvimento industrial de uma país está sujeito a fases distintas,

    do que cada país deva passar por estes estágios da mesma maneira e de

    forma inevitável, tal como Rostow tenta demonstrar (Rostow, 1979).

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