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 Apresenta O ESTADO E A REVOLUÇÃO Vladímir Ilítch Uliânov (Lênin)  APRESENTAÇÃO  O Estado e a Revolução, uma obra capital dentro do marxismo, não é, entretanto, a ''obra mais importante" de Lênin. O livro foi escrito no clímax de sua vida intelectual e política. E é deveras interessante por causa disso. O que escreve um ativista e pensador político do seu porte no momento mesmo em que se lançava, ardorosamente, à frente de um movimento revolucionário que iria abalar tanto a Rússia, quanto o mundo em que vivemos? A localização na história torna-se vital. Lênin chegara a Petrogrado na noite de 3 para 4 de abril de 1917. E para começar, divulga o resumo de suas Teses, as quais subverteram a posição do seu partido diante da revolução russa. Negando a viabilidade do controle revolucionário do poder pela burguesia, ele suscita o problema da transformação do partido, do papel do proletariado na revolução e da tomada do poder pelas classes trabalhadoras. Na verdade, um vulcão desabou sobre a Rússia com a sua chegada, vergando-a sob o peso do marxismo, resgatado em toda a sua pureza como força revolucionaria, A primeira versão desse avanço está contida nas Teses e na forma mais elaborada que elas tomam na brochura As Tarefas do Proletariado em nossa Revolução (1). A outra expressão entrelaçada do mesmo avanço é esta obra, escrita alguns meses depois e sob o impacto da mesma

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Estado e Revolução, LENIN.

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    Apresenta

    O ESTADO E A REVOLUO

    Vladmir Iltch Ulinov (Lnin)

    APRESENTAOO Estado e a Revoluo, uma obra capital dentro do marxismo, no

    , entretanto, a ''obra mais importante" de Lnin. O livro foi escrito noclmax de sua vida intelectual e poltica. E deveras interessante porcausa disso. O que escreve um ativista e pensador poltico do seu porteno momento mesmo em que se lanava, ardorosamente, frente de ummovimento revolucionrio que iria abalar tanto a Rssia, quanto o mundo

    em que vivemos?

    A localizao na histria torna-se vital. Lnin chegara a Petrogradona noite de 3 para 4 de abril de 1917. E para comear, divulga o resumode suas Teses, as quais subverteram a posio do seu partido diante darevoluo russa. Negando a viabilidade do controle revolucionrio dopoder pela burguesia, ele suscita o problema da transformao dopartido, do papel do proletariado na revoluo e da tomada do poder

    pelas classes trabalhadoras. Na verdade, um vulco desabou sobre aRssia com a sua chegada, vergando-a sob o peso do marxismo,resgatado em toda a sua pureza como fora revolucionaria, A primeiraverso desse avano est contida nas Teses e na forma mais elaboradaque elas tomam na brochura As Tarefas do Proletariado em nossaRevoluo (1). A outra expresso entrelaada do mesmo avano estaobra, escrita alguns meses depois e sob o impacto da mesma

    http://www.culturabrasil.org/
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    fermentao histrica. No auge das lutas polticas, Lnin v-se compelidoa proceder quele resgate, libertando o marxismo de uma longa tradiooportunista, que ia diretamente de Lassalle a Bernstein, Kautsky ePleknov, ou travando um combate terico necessrio com osanarquistas.

    Por isso, este livro contm um cunho didtico e polmico, Emprimeiro lugar, ele se volta para o restabelecimento da verdadeiradoutrina de Marx e Engels sobre o Estado e o papel da ditadura doproletariado na revoluo socialista. Como escreve, queremos arevoluo socialista com os homens tais como so hoje. Era preciso irdireto conscincia das massas e converter o marxismo em uma forapoltica real, revolucionria em sua forma, em suas conseqncias e em

    sua marcha para diante. Em segundo lugar, era preciso limpar o terreno,De um lado, afastando o centro da reflexo terica e da atividade prticade qualquer concesso reformista. Quando se pode tomar o poderrevolucionariamente no se deve ficar com um sucedneo do poderrevolucionrio. De outro, demarcando os limites que separam teoriasafins ou convergentes mas que so opostas entre si e se excluem naprtica poltica. Quando se pode tomar o poder revolucionariamenteimpe-se combater todas as confuses e todas as esperanas falsas. Asutopias podem ser perigosas e a revoluo proletria no pode entregar-se ao erro de fortalecer o inimigo encastelado por trs do poder doEstado capitalista.

    No de estranhar-se que O Estado e a Revoluo tenhapreenchido sua funo educativa, de esclarecer a conscincia dasmassas populares e das classes trabalhadoras, e ao mesmo tempotenha recebido uma multiforme campanha de difamaes. Dentro domarxismo, os expoentes e os campees do reformismo, do gradualismoe do oportunismo atacaram o livro sem piedade. O menos que disseram(e foi repetido como um realejo) que Lnin falsificou os textos de Marxe Engels, que extraiu do marxismo a dialtica, o fundamento progressistae o esprito democrtico, Algo duro de entender e de engolir quando severifica o escrpulo com que ele fica rente ao marxismo genuno e ocuidado com que forra as suas interpretaes. Cai, mesmo, no excessode transcries e at da repetio. Por acaso algumas das transcriesforam falsificadas? Ao repetir, com suas palavras, deformou alguma vez

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    argumentos essenciais? Impossvel provar, ele conhecia os textos deMarx e Engels de dentro, para fora... Externamente ao marxismo, osataques equilibrados procedem do anarquismo. Ele prprio revela umgrande respeito pela doutrina anarquista do Estado e concentra-se nasinsuficincias dessa doutrina, quando comparada, passo a passo, com

    as interpretaes dos dois fundadores do socialismo revolucionrio e domovimento comunista. Alm disso, procura prevenir o delrio poltico, aconfuso entre sonhos e realidades, os saltos impossveis com odescarrilamento prematuro da revoluo proletria. Os pensadores"liberais e os vrios representantes do conservantismo poltico tambmatacaram a obra. Os seus ataques no nos devem comover poisdefendiam a sua bastilha e o seu po de cada dia, dentro da lgica dascoisas.

    O que se impe forosamente nossa ateno, nesta breve nota, o significado didtico do livro. Depois que as revolues proletrias sealastraram e irromperam por todos os continentes, ele no perdeu o seuvalor. Ao contrrio, nunca mais apareceu algum com a envergaduraterica de Lnin e to capaz de ligar criadoramente a teoria com a prticapoltica. preciso, em conseqncia, que o leitor se ponha altura dolivro. Ele no uma mera reproduo de idias e de doutrinas. Nadahaveria de mal se fosse. Ocorre que no . Ao estabelecer, toescrupulosamente, o que era central ao marxismo genuno, ele tambmalarga e aprofunda a teoria marxista do Estado, Por qu? Se noquisermos ficar nas representaes de senso comum, porque asistematizao da teoria voltava-se para uma prtica revolucionriaconcreta. Era preciso caracterizar bem o Estado que devia serconquistado e, em seguida, transformado e destrudo. Essa vinculaopoltica define o giro leninista. O marxismo sai de suas mos enriquecido:ele no poderia servir revoluo proletria sem estender e aprofundaras anlises e as interpretaes de Marx e Engels. No h nenhumdesabono em reconhecer este fato, Os dois fundadores do marxismo

    tinham como ponto de referncia maior a Comuna e o Estado burgus docapitalismo competitivo. Lnin experimentara o malogro de 1905 econtava com os marcos - ou o solo histrico - do Poder dos Sovietes, ouseja, da organizao do poder popular e das classes trabalhadoras namarcha da desagregao e da reconstruo da sociedade russa.Portanto, o seu lan inventivo possua outra rotao, como parteintrnseca s revolues proletrias do sculo XX.

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    Desse ngulo, Lnin no retoma, apenas, o que se poderiadesignar como as idias fundamentais de Marx e Engels sobre o Estadocapitalista, em suas diversas formas polticas, e a ditadura do

    proletariado. Se verdade que ele no cria uma "nova teoria", realizandoum salto sobre o pensamento bsico que lhe serve de ponto de partida, preciso reconhecer-se o que ele fez de original. Primeiro, no terreno dasistematizao: cabe-lhe o mrito de ter codificado (ou sistematizado) asdescobertas, concluses e ensinamentos prticos de Marx, Engels eoutros pensadores marxistas, nessa rea to essencial para a explicaoe a transformao da realidade, Ao sistematizar, ele saturou claros,superou lacunas e, principalmente, atualizou a teoria com que lidava,pondo-a em dia com as exigncias do sculo XX. Embora na discussode textos apanhe como ponto de referncia a Comuna, o capitalismocompetitivo ou as formas polticas do Estado capitalista do sculo XIX, opensamento poltico de Lnin opera a partir e contra o desafio docapitalismo da "era do imperialismo". Segundo, graas a seu papelcriador na esfera lgica da codificao (ou da sistematizao) da teoria.-teve de demarcar a importncia relativa de certas concepes polticasno corpus terico do marxismo. Atente-se, a este respeito, para acompreenso e a interpretao da conquista do poder pelo proletariado,do tipo de Estado resultante da ditadura do proletariado, das funesdesse Estado de democracia de maioria (e do significado poltico dessa

    mesma democracia, destinada superao e destruio) e dodefinhamento do Estado mediante o desenvolvimento socialista e aimplantao do comunismo. Diro, alguns, que suas idias so "lineares" e "simplistas", Todavia, ele se ocupou da sistematizao com vistas ao revolucionria concreta, No como "terico de gabinete'' e, muitomenos, como o "cientista poltico " que cava um fosso entre a cincia e arevoluo social. O que se deveria lamentar, no caso, no a ausnciade contribuies originais de importncia, em vrios pontos especficos,mas que a ocasio no lhe permitisse ir alm de uma pedagogia poltica.De fato, foi uma pena que o texto de O Estado e a Revoluo tivesse

    ficado to afastado das anlises concretas de Lnin sobre odesenvolvimento do capitalismo, o carter da revoluo burguesa e asvias da conquista do poder pelo partido do proletariado na Rssia,Terceiro, no terreno puramente prtico: nenhum estrategista poltico ouestadista chegou a cruzar to bem as fronteiras mtuas entre teoria eprtica e, o que crucial, nenhum analista poltico encontrou na prticauma comprovao to completa da teoria. As Teses, As tarefas do

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    Proletariado em nossa Revoluo, o xito do Partido Comunista na''Revoluo de Outubro ", a vitria sobre a contra-revoluo (incluindo-senesta tambm o cerco impiedoso da Entente) e as previses sobre osziguezagues ou as dificuldades do desenvolvimento socialista ulteriorcomprovam o quanto correta sua formulao final da teoria marxista do

    Estado e da revoluo proletria. Em conjunto, este breve arrolamentosugere algo patente: o fogo de combate no impediu que O Estado e aRevoluo viesse a contar seja na histria intelectual das revolues sejana histria da construo de teoria nas cincias sociais. Os que noenxergam isso necessitam alterar sua tica, para ver a aopropriamente poltica como uma fonte de observao, anlise everificao de conhecimentos sobre processos polticos emdeterminadas condies histricas.

    O outro dado essencial, que devemos contemplar nesta nota,referente s circunstncias. Pode-se indagar: qual o interesse de tal livro,no obstante sua importncia terica e prtica para o marxismo, onde arevoluo, proletria no se desencadeou ou foi congelada? Osepgonos da II Internacional j fizeram tantas "revises'' de Marx que atseria embaraoso ignorar o assunto. Muito antes do aparecimento destelivro, Bernstein, por exemplo, demonstrara como o capitalismo dostrustes e das grandes organizaes resolvia os problemas doproletariado. Em suma, o capitalismo maduro nada tem a ver com ocapitalismo dos meados do sculo XIX. Um argumento que todos osoportunistas converteram em dogma de seu catecismo poltico (que elesproclamam socialista, apesar de tudo!). Ora, esse revisionismo, apesardas crticas de Rosa Luxemburgo e outros, s tem crescido, comoresposta reativa do cerco capitalista s revolues proletrias esocialistas, Hoje, parece-lhes pacfico que, fora da transio gradual, noh socialismo democrtico (sic!); e a maioria dos partidos socialistas jse contenta com a reforma do capitalismo, esquecendo a proclamaode Marx e Engels: Para ns, no se trata de reformar a propriedade

    privada, mas de aboli-la; no se trata de atenuar os antagonismos declasses, mas de abolir as classes; no se trata de melhorar a sociedadeexistente, mas de estabelecer uma nova". Um texto de 1850! Por acaso,foi ultrapassado pela "soluo da questo operria" no capitalismomaduro? Ou o socialismo revolucionrio, como fora histrica,estabelece exigncias incompatveis com a capacidade de luta dossocialistas reformistas e pseudo democrticos? Desse ngulo, o livroescrito sob a tenso da revoluo social em processo preserva toda a

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    sua necessidade e utilidade. evidente que mesmo as naessocialistas podero encontrar nele ensinamentos para enfrentar osdilemas colocados pela construo do socialismo e pela despolitizaodo Estado.

    Por fim, h uma ponderao marginal. Muitos podero pensar queum livro como este s ser necessrio e til quando existirem condiesmaduras para a tomada do poder revolucionrio pelas classestrabalhadoras. At l, seria melhor manter o livro distncia das massas,dos quadros e das vanguardas do movimento socialista. No entanto, oque cria o qu? So as classes trabalhadoras que criam as condies deuma revoluo social ou, vice-versa, estas que criam as classestrabalhadoras? Pensar dentro de tal esquema seria o mesmo que

    subjugar o movimento operrio a uma tica estreita, estanque edeterminista, cega para a histria produzida pelos homens. A revoluoproletria no como uma fruta madura e no basta erguer a mo paraapanb-1a. Esse raciocnio de aplicao universal e tem valoraxiomtico na periferia do mundo capitalista, na qual o capitalismo nooferece nem alternativas nem compensaes. Como educar as classestrabalhadoras para o socialismo? Como lev-las a compreender a suatarefa revolucionaria na tomada do poder, na destruio do Estadocapitalista e na preparao da transio socialista? Quanto tempo sedever esperar que o capitalismo amadurea (ou apodrea)? bvio quea mencionada linha de argumentao no possui consistncia; e que preciso divulgar o mais possvel a leitura de O Estado e a Revoluo. Odesemburguesamento do proletrio deve comear a partir das lutascontra o capitalismo e pelas reformas de contedo anti-capitalista, Se jse pode enumerar as experincias concretas das naes socialistas, queno so contempladas pelo livro - e nem o poderiam ser - o papelrevolucionrio do proletariado continua ativo, tanto no capitalismomaduro quanto nessas naes. Portanto, parta-se de onde se partir, aconcluso ser a mesma. Esta obra continua fundamental para a

    dinmica das revolues proletrias e sua importncia aumenta quandoa avaliao se faz em termos das situaes predominantes na periferiado mundo capitalista e nas naes em transio para o socialismo.

    A presente reedio aproveita um trabalho feito com notveldedicao, talento e probidade intelectual por Aristides Lobo. Ela surge

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    em um momento propcio, a presso operria e o protesto sindical situam nova luz a questo do espao poltico democrtico no seio de umasociedade capitalista relativamente subdesenvolvida e dependente. Esseespao poltico nunca fora criado antes, por vias burguesas. Ao contrrio,os setores dominantes das classes possuidoras sempre procuraram

    impedir, por todos os meios, o aparecimento e a consolidao desseespao poltico democrtico no Brasil, anulando ou esmagando todas astentativas histricas no sentido de conquist-lo. Preocupados com omonoplio do poder econmico, cultural e poltico, esses setores dasClasses dominantes impuseram seu prprio padro de paz social, deestabilidade poltica e de organizao do Estado. Assim, lograram excluiras classes subalternas de uma participao poltica eficaz e submeteram dominao burguesa todas as organizaes dos trabalhadores. Adivulgao de O Estado e a Revoluo extremamente necessria emum momento como esse, no qual o avano operrio colide com as contrapresses vindas tanto das "iluses constitucionais", quanto das"manipulaes populistas". Concebido como arma de luta, o livro poderdesempenhar um papel deveras importante no despertar de umaconscincia proletria socialista, sem a qual a presso operria e oprotesto sindical esto condenados ao malogro. A ligeireza com que seconfundiu o "desenvolvimentismo" com a redeno nacional exige que seinstrua os trabalhadores, os lderes sindicais e a juventude contestadoraem textos de reflexo crtica to aguda sobre as limitaes do sufrgiouniversal, as debilidades intrnsecas da democracia constitucional e

    representativa, o carter opressivo e repressivo da Repblicademocrtica, a necessidade da revoluo violenta para a instaurao deuma democracia da maioria, etc. Em particular, cumpre que se denuncie,sob todas as formas e com a fora possvel, a f supersticiosa noEstado, algo a que Lnin se prope de ponta a ponta, seguindo a trilhados fundadores do socialismo revolucionrio. A leitura tanto melhorquanto ela contempla tambm como e porque o proletariado deveprimeiro conquistar o Estado burgus para, em seguida, transform-1o edestru-lo. Se no existissem outras razes, esta bastaria para dar a OEstado e a Revoluo um lugar incomum em nossa estante dos clssicos

    do socialismo.

    So Paulo, 6 de novembro de 1978

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    Florestan Fernandes_______________(1) Ver V. I. Lnin, Oeuvres, tomo 24 (abril-junho de 1917. pp. 9-16

    e 47- 84. respectivamente), Paris. ditiom Sociales. Moscou. ditions duProgrs. 1966.

    PREFCIO PRIMEIRA EDIO

    A questo do Estado assume, em nossos dias, particularimportncia, tanto do ponto de vista terico como do ponto de vistapoltica prtica. A guerra imperialista acelerou e avivou ao mais alto grauo processo de transformao do capitalismo monopolizador emcapitalismo monopolizador de Estado. A monstruosa escravizao dostrabalhadores pelo Estado, que se une cada vez mais estreitamente aosonipotentes sindicatos capitalistas, atinge propores cada vez maiores.Os pases mais adiantados se transformam (referimo-nos "retaguarda "desses pases) em presdios militares para os trabalhadores.

    Os inauditos horrores e o flagelo de uma guerra interminveltornam intolervel a situao das massas e aumentam a sua indignao.A revoluo proletria universal est em maturao e a questo das suasrelaes com o Estado adquire, praticamente, um carter de atualidade.

    Os elementos de oportunismo, acumulados durante dezenas deanos de relativa paz criaram a corrente de social-patriotismo quepredomina nos partidos socialistas oficiais do mundo inteiro. Essacorrente (Plekhanov, Potressov, Brechkovskaia, Rubanovitch e, depois,sob uma forma ligeiramente velada, os srs. Tseretelli, Tchernov & Cia.,na Rssia; Scheidemann, Legien, David e outros, na Alemanha;Renaudel, Guesde, Vandervelde, na Frana e na Blgica, Hyndman e os

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    fabianos, na Inglaterra, etc., etc. essa corrente, socialista em palavras,mas patrioteira em ao, se caracteriza por uma baixa e servil adaptaodos "chefes socialistas" aos interesses no s de ''sua" prpria burguesianacional, como tambm do "seu" prprio Estado, pois a maior parte daschamadas grandes potncias exploram e escravizam, h muito tempo,

    vrias nacionalidades pequenas e fracas. Ora, a guerra imperialista notem outra coisa em vista sendo a partilha, a diviso dessa espcie dedespojo. A luta das massas trabalhadoras, para se libertarem dainfluncia da burguesia em geral e da burguesia imperialista emparticular, impossvel sem uma luta contra os preconceitos oportunistasem relao ao "Estado '',

    Primeiro, passemos em revista a doutrina de Marx e Engels sobre o

    Estado, detendo-nos mais demoradamente nos pontos esquecidos oudesvirtuados pelo oportunismo. Em seguida, estudaremos especialmenteo representante mais autorizado dessas doutrinas desvirtuadas, KarlKautsky, o chefe mais conhecido dessa II Internacional (1889-1914) queto tristemente faliu durante a guerra atual. Finalmente, traremos osprincipais ensinamentos da experincia das revolues russas de 1905,e, principalmente, de 1917, Esta ltima, no momento presente (princpiosde agosto de 1917), entra visivelmente no fim de sua primeira j se; mas,toda esta revoluo s pode ser encarada como um anel na cadeia derevolues proletrias socialistas provocadas pela guerra imperialista, Aquesto das relaes entre a revoluo socialista do proletariado e oEstado adquire, por conseguinte, no s uma significao poltica prtica,mas tambm um carter de palpitante atualidade, pois far as massascompreenderem o que devem fazer para se libertarem do jugo capitalistaem futuro prximo.

    O Autor.

    Agosto de 1 917._______________

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    (1) Membros da Fabian Society, fundada em janeiro de 1874 edestinada a lutar por uma transformao paulatina da sociedade, aexemplo do que, em matria militar, fizera o general romano Fbio, oContemporizador. (N. de A.L.)

    PREFCIO A SEGUNDA EDIO

    Esta segunda edio est em quase inteira conformidade com aprimeira. S foi feita uma adio ao pargrafo terceiro do captulo II

    O Autor.

    Moscou, 17-30 de dezembro de -1918.

    I. AS CLASSES SOCIAIS E O ESTADO1. O ESTADO UM PRODUTO DO ANTAGONISMO

    INCONCILIVEL DAS CLASSES

    D-se com a doutrina de Marx, neste momento, aquilo que, muitasvezes, atravs da Histria, tem acontecido com as doutrinas dospensadores revolucionrios e dos dirigentes do movimento libertador dasclasses oprimidas. Os grandes revolucionrios foram sempreperseguidos durante a vida; a sua doutrina foi sempre alvo do dio maisferoz, das mais furiosas campanhas de mentiras e difamao por partedas classes dominantes. Mas, depois da sua morte, tenta-se convert-losem dolos inofensivos, canoniz-los por assim dizer, cercar o seu nome

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    de uma aurola de glria, para "consolo" das classes oprimidas e para oseu ludbrio, enquanto se castra a substncia do seu ensinamentorevolucionrio, embotando-lhe o gume, aviltando-o. A burguesia e osoportunistas do movimento operrio se unem presentemente para infligirao marxismo um tal "tratamento". Esquece-se, esbate-se, desvirtua-se o

    lado revolucionrio, a essncia revolucionria da doutrina, a sua almarevolucionria. Exalta-se e coloca-se em primeiro plano o que ouparece aceitvel para a burguesia. Todos os sociais-patriotas (no riam!)so, agora, marxistas. Os sbios burgueses, que ainda ontem, naAlemanha, se especializavam em refutar o marxismo, falam cada vezmais num Marx "nacional-alemo", que, a dar-lhes ouvidos, teria educadoos sindicatos operrios, to magnificamente organizados, para um guerrade rapina.

    Em tais circunstncias, e uma vez que se logrou difundir toamplamente o marxismo deformado, a nossa misso , antes de maisnada, restabelecer a verdadeira doutrina de Marx sobre o Estado. Paraisso, teremos de fazer longas citaes das obras de Marx e de Engels.Essas longas citaes tornaro pesada e exposio e no contribuiropara torn-la popular; mas, absolutamente impossvel dispens-las.Todas as passagens de Marx e Engels, pelo menos as passagensessenciais que tratam do Estado, devem ser reproduzidas sob a formamais completa possvel, para que o leitor possa fazer uma idia pessoaldo conjunto e do desenvolvimento das concepes dos fundadores dosocialismo cientfico. Assim, apoiados em provas, demonstraremos, evidncia, que o atual "kautskysmo" as deturpou.

    Comecemos pela mais vulgarizada das obras de Engels, A Origemda Famlia, da Propriedade Privada. e do Estado, cuja sexta edioapareceu em Stuttgart, em 1894. Traduziremos os nossos extratos dooriginal alemo, porque as tradues russas, embora numerosas, so,em sua maior parte, incompletas ou muito defeituosas.

    Resumindo a sua anlise histrica, diz Engels:

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    O Estado no , de forma alguma, uma fora imposta, do exterior, sociedade. No , tampouco, a realidade da Idia moral", "a imagem ea realidade da Razo como pretende Hegel. um produto da sociedadenuma certa fase do seu desenvolvimento. a confisso de que essasociedade se embaraou numa insolvel contradio interna, se dividiu

    em antagonismos inconciliveis de que no pode desvencilhar-se. Mas,para que essas classes antagnicas, com interesses econmicoscontrrios, no se entre devorassem e no devorassem a sociedadenuma luta estril, sentiu-se a necessidade de uma fora que secolocasse aparentemente acima da sociedade, com o fim de atenuar oconflito nos limites da "ordem". Essa fora, que sai da sociedade, ficando,porm, por cima dela e dela se afastando cada vez mais, o Estado.

    Eis, expressa com toda a clareza, a idia fundamental do marxismono que concerne ao papel histrico e significao do Estado. O Estado o produto e a manifestao do antagonismo inconcilivel das classes.O Estado aparece onde e na medida em que os antagonismos declasses no podem objetivamente ser conciliados. E, reciprocamente, aexistncia do Estado prova que as contradies de classes soinconcilivel das classes. O Estado aparece onde e na medida em queos antagonismos de classes no podem objetivamente ser conciliados.E, reciprocamente, a existncia do Estado prova que as contradies declasse so inconciliveis.

    precisamente sobre esse ponto de importncia capital efundamental que comea a deformao do marxismo, seguindo duaslinhas principais.

    De um lado, os idelogos burgueses e, sobretudo, os da pequena

    burguesia, obrigados, sob a presso de fatos histricos incontestveis, areconhecer que o estado no existe seno onde existem as contradiese a luta de classes, "corrigem" Marx de maneira a faz-lo dizer que oEstado o rgo da conciliao das classes. Para Marx, o Estado nopoderia surgir nem subsistir se a conciliao das classes fosse possvel.Para os professores e publicistas burgueses e para os filisteus despidosde escrpulos, resulta, ao contrrio, de citaes complacentes de Marx,

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    semeadas em profuso, que o Estado um instrumento de conciliaodas classes. Para Marx, o Estado um rgo de dominao de classe,um rgo de submisso de uma classe por outra; a criao de uma"ordem" que legalize e consolide essa submisso, amortecendo a colisodas classes. Para os polticos da pequena burguesia, ao contrrio, a

    ordem precisamente a conciliao das classes e no a submisso deuma classe por outra; atenuar a coliso significa conciliar, e no arrancars classes oprimidas os meios e processos de luta contra os opressoresa cuja derrocada elas aspiram.

    Assim, na revoluo de 1917, quando a questo da significao dopapel do Estado foi posta em toda a sua amplitude, posta praticamente,como que reclamando uma ao imediata das massas, todos os

    socialistas-revolucionrios e todos os mencheviques, sem exceo,caram, imediata e completamente, na teoria burguesa da "conciliao"das classes pelo "Estado". Inmeras resolues e artigos dessespolticos esto profundamente impregnados dessa teoria burguesa eoportunista da "conciliao". Essa democracia pequeno-burguesa incapaz de compreender que o Estado seja o rgo de dominao deuma determinada classe que no pode conciliar-se com a sua antpoda(a classe adversa). A sua noo do Estado uma das provas maismanifestas de que os nossos socialistas-revolucionrios e os nossosmencheviques no so socialistas, como ns, os bolcheviques, sempre odemonstramos, mas democratas pequeno-burgueses de fraseologiaaproximadamente socialista.

    Em Kautsky, a deformao do marxismo muito mais sutil."Teoricamente", no nega que o Estado seja o rgo de dominao deuma classe, nem que as contradies de classe sejam inconciliveis;mas, omite ou obscurece o seguinte: se o Estado o produto dainconciliabilidade das contradies de classe, se uma fora superior sociedade, "afastando-se cada vez mais da sociedade ", claro que alibertao da classe oprimida s possvel por meio de uma revoluoviolenta e da supresso do aparelho governamental criado pela classedominante e que, pela sua prpria existncia, "se afasta" da sociedade.Esta concluso teoricamente clara por si mesma, tirou-a Marx, cominteira preciso, como adiante veremos, da anlise histrica concreta dosproblemas da revoluo. E foi precisamente essa concluso que Kautsky

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    "esqueceu" e desvirtuou, como demonstraremos detalhadamente nodecurso da nossa exposio.

    2. FORA ARMADA SEPARADA, PRISES, ETC.

    Contrariamente antiga organizao patriarcal (da tribo ou do cl) -continua Engels - o Estado se caracteriza, em primeiro lugar, pela divisodos sditos segundo o territrio.

    Essa diviso nos parece "natural", mas representa uma longa lutacom a antiga organizao patriarcal por cls ou famlias.

    O segundo trao caracterstico do Estado a instituio de umpoder pblico que j no corresponde diretamente populao e seorganiza tambm corno fora armada. Esse poder pblico separado indispensvel, porque a organizao espontnea da populao emarmas se tornou impossvel desde que a sociedade se dividiu em classes... Esse poder pblico existe em todos os Estados. Compreende no s

    homens armados, como tambm elementos materiais, prises einstituies coercivas de toda espcie, que a sociedade patriarcal (cl)no conheceu.

    Engels desenvolve a noo dessa "fora" que se chama Estado,fora proveniente da sociedade, mas superior a ela e que dela se afastacada vez mais. Em que consiste, principalmente, essa fora? Emdestacamentos de homens armados que dispem das prises, etc.

    Temos o direito de falar em destacamentos de homens armados,porque o poder pblico prprio a cada Estado "j no correspondediretamente" populao armada, isto , sua "organizao espontneaem armas".

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    Como todos os grandes pensadores revolucionrios, Engelsesfora-se por atrair a ateno dos trabalhadores conscientes para o quea medocre pequena. burguesia dominante considera menos digno de

    ateno, mais banal, consagrado por preconceitos no apenasresistentes, mas, pode-se dizer, petrificados. O exrcito permanente e apoltica so os principais instrumentos do poder governamental. Mas,poderia ser de outra forma?

    Para a grande maioria dos europeus do fim do sculo XIX, aosquais Engels se dirige e que no viveram nem observaram de pertonenhuma grande revoluo, no poderia ser de outra forma. No

    compreendem de maneira alguma o que seja a "organizao espontneada populao em armas". De onde vem a necessidade de corposespeciais de homens armados (polcia, exrcito permanente), separadosda sociedade e superiores a ela? Os filisteus da Europa ocidental e daRssia respondem, muito naturalmente, a essa pergunta, por uma ouduas frases colhidas em Spencer ou em Mikhailovsky, e alegam acomplicao crescente da vida social, a diferenciao das

    funes sociais, etc.

    Essas alegaes parecem "cientficas" e tranqilizamadmiravelmente o bom pblico, obscurecendo o principal, o essencial: aciso da sociedade em classes irreconciliavelmente inimigas.

    Se essa ciso no existisse, a "organizao espontnea dapopulao em armas" se distinguiria certamente, por sua complexidade,

    por sua tcnica, etc., da organizao primitiva de um bando de macacosarmados de cacetes, ou da de homens primitivos ou associados em cls,mas seria possvel.

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    , porm, impossvel, porque a sociedade civilizada est divididaem classes hostis e irreconciliveis cujo armamento "espontneo"provocaria a luta armada. Forma-se o Estado; cria-se uma fora especial,criam-se corpos armados, e cada revoluo, destruindo o aparelhogovernamental, pe em evidncia como a classe dominante se empenha

    em reconstituir, a seu servio, corpos de homens armados, como aclasse oprimida se empenha em criar uma nova organizao do mesmognero, para p-la ao servio, no mais dos exploradores, mas dosexplorados.

    Na passagem citada, Engels coloca teoricamente a questo que,na prtica, toda grande revoluo pe diante de ns em plena evidnciae na escala da ao das massas, ou seja a questo das relaes entre

    os destacamentos "separados" de homens armados e a organizaoespontnea da populao em armas". Veremos essa questo evoluir naexperincia das revolues europias e russas.

    Mas, voltemos exposio de Engels.

    Ele mostra que o poder pblico , s vezes, fraco - por exemplo,em certas regies da Amrica do Norte (trata-se - exceo bem rara nasociedade capitalista - de certas regies em que, antes do perodoimperialista, predominava o colono livre) mas, em geral, o poder pblicoaumenta:

    O poder pblico se refora medida que se agravam osantagonismos de classe no interior e medida que os Estados contguosse tornam mais fortes e mais populosos. Basta considerar a Europa

    atual, onde a luta de classes e a competio s conquistas tmaumentado o poder pblico a um tal grau que ameaa absorver toda asociedade e at o prprio Estado.

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    Essas linhas foram escritas, quando muito, pouco. depois de 1890.O ltimo prefcio de Engels tem a data de 16 de junho de 1891. Aevoluo para o imperialismo, caracterizada pela dominao absolutados trustes, pela onipotncia dos grandes bancos, pela poltica colonialem grande escala, etc., mal comeava na Frana e era ainda mais fraca

    na Amrica e na Alemanha. Desde ento, a "competio s conquistas"deu um passo gigantesco, a ponto de o globo terrestre, mais ou menosem 1910, achar-se definitivamente partilhado entre os "conquistadoresrivais", isto , entre as grandes potncias espoliadoras. Os armamentosterrestres e martimos aumentaram em enormes propores e a guerrade rapina de 1914-1917, que devia acarretar a hegemonia universal daInglaterra ou da Alemanha e repartir o despojo, quase levou a umacatstrofe completa a absoro" de todas as foras sociais pelavoracidade do poder governamental.

    Engels soube, j em 1891, denunciar a "competio s conquistas"como um dos principais traos, caractersticas da poltica exterior dasgrandes potncias, ao passo que os malandrins do social-patriotismo, em1914-1917, depois que essa rivalidade centuplicada gerou a guerraimperialista, disfaram a sua solicitude pelos interesses espoliadores da"sua" burguesia com frases sobre a "defesa nacional", a "defesa daRepblica e da Revoluo", etc.!

    3. O ESTADO, INSTRUMENTO DE EXPLORAO DA CLASSEOPRIMIDA

    Para manter um poder pblico separado da sociedade e situadoacima dela, so necessrios os impostos e uma dvida pblica.

    Investidos do poder pblico e do direito de cobrana dos impostos -escreve Engels; - os funcionrios, considerados como rgos dasociedade, so colocados acima da sociedade. O respeito livre,voluntrio, de que eram cercados os rgos da sociedade patriarcal (docl) j lhes no bastaria, mesmo que pudessem adquiri-lo.

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    Fazem-se leis sobre a "santidade" e "inviolabilidade" dosfuncionrios.

    "O mais insignificante agente de polcia" tem mais "autoridade" queos representantes do cl; mas, o chefe militar de um pas civilizadopoderia invejar um chefe de cl, que a sociedade patriarcal cercava deum respeito "voluntrio e no imposto pelo cacete".

    Surge, agora, a questo da situao privilegiada dos funcionrios

    como rgos do poder pblico. O ponto essencial este: que que oscoloca acima da sociedade? Veremos como esta questo terica foiresolvida praticamente pela Comuna de Paris em 1871, e contornada porKautsky em 1912, com o emprego de um processo reacionrio.

    Como o Estado nasceu da necessidade de refrear os antagonismosde classes, no prprio conflito dessas classes, resulta, em princpio, queo Estado sempre o Estado da classe mais poderosa, da classe

    economicamente dominante que, tambm graas a ele, se toma a classepoliticamente dominante e adquire, assim, novos meios de oprimir eexplorar a classe dominada.

    No s o Estado antigo e o Estado feudal eram rgos deexplorao dos escravos e dos servos, como tambm:

    O Estado representativo moderno um instrumento de exploraodo trabalho assalariado pelo capital. H, no entanto, perodosexcepcionais em que as classes em luta atingem tal equilbrio de foras,que o poder pblico adquire momentaneamente certa independncia emrelao s mesmas e se torna uma espcie de rbitro entre elas.

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    Tais foram a monarquia absoluta dos sculos XVII e XVIII, obonapartismo do primeiro e do segundo Imprio na Frana, e Bismarckna Alemanha.

    Tal , acrescentaremos ns, o governo de Kerensky na Rssiarepublicana, com a sua poltica de perseguio contra o proletariadorevolucionrio no momento em que os Sovietes so j impotentes emvirtude de seus dirigentes pequeno-burgueses e a burguesia ainda no bastante forte para os dissolver sem cerimnia.

    "Na Repblica democrtica" - continua Engels - "a riqueza utiliza-se

    do seu poder indiretamente, mas com maior segurana", primeiro pela"corrupo pura e simples dos funcionrios" (Amrica), depois pela"aliana entre o Governo e a Bolsa" (Frana e Amrica).

    Atualmente, o imperialismo e o reinado dos Bancos tm"desenvolvido", com uma arte requintada, em todas as repblicasdemocrticas, esses dois meios de manter e exercer a onipotncia dariqueza. Se, por exemplo, nos primeiros meses da Repblica

    democrtica na Rssia, em plena lua-de-mel, por assim dizer, docasamento dos socialistas-revolucionrios e dos mencheviques com aburguesia dentro do governo de coligao, o sr. Paltchinski sabotavatodas as medidas propostas para refrear os apetites desenfreados doscapitalistas e as suas exaes nos fornecimentos militares; se, emseguida, o sr. Paltchinski, sado do ministrio e substitudo, naturalmente,por outro Paltchinski da mesma marca, se v "gratificado" peloscapitalistas com uma boa sinecura rendendo cento e vinte mil rublos porano, que significa isso? Corrupo direta ou indireta? Aliana do governocom os sindicatos patronais ou "apenas" relaes de amizade? Qual o

    papel desempenhado por Tchernov e Tseretelli, Avksentiev e Skobelev?So aliados "diretos" ou apenas indiretos dos milionriosconcussionrios?

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    A onipotncia da "riqueza" tanto melhor assegurada numarepblica democrtica quanto no est sujeita a uma crosta acanhada docapitalismo. A repblica democrtica a melhor crosta possvel docapitalismo. Eis por que o capital, depois de se ter apoderado dessacrosta ideal, graas aos Paltchinski, aos Tchernov, aos Tseretelli e

    consortes, firmou o seu poder de maneira to slida, to segura, quenenhuma mudana de pessoas, instituies ou partidos, na repblicademocrtica burguesa, suscetvel de abalar esse poder.

    preciso notar ainda, que Engels definiu o sufrgio universal deuma forma categrica: um instrumento de dominao da burguesia. Osufrgio universal, diz ele, considerando, manifestamente, a longaexperincia da social-democracia alem, o indcio da maturidade da

    classe operria. Nunca mais pode dar e nunca dar nada no Estadoatual.

    Os democratas pequeno-burgueses, do gnero dos nossossocialistas-revolucionrios e mencheviques, e os seus irmos, os social-patriotas e oportunistas da Europa ocidental, esperam, precisamente,"mais alguma coisa" do sufrgio universal. Partilham e fazem o povopartilhar da falsa concepo de que o sufrgio universal, "no Estado

    atual", capaz de manifestar verdadeiramente e impor a vontade damaioria dos trabalhadores.

    No podemos seno notar aqui essa falsa concepo e salientarque a declarao clara, precisa e concreta de Engels desvirtuada acada passo na propaganda e na agitao dos partidos socialistas"oficiais", isto , oportunistas. Demonstraremos mais amplamente toda afalsidade da idia que Engels aqui repudia, desenvolvendo mais adiante

    as teorias de Marx e Engels sobre o Estado "atual".

    Em sua obra mais popular, Engels resume nestes termos a suateoria:

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    O Estado, por conseguinte, no existiu sempre. Houve sociedadesque passaram sem ele e que no tinham a menor noo de Estado nemde poder governamental. A um certo grau do desenvolvimento

    econmico, implicando necessariamente na diviso da sociedade emclasses, o Estado tornou-se uma necessidade, em conseqncia dessadiviso. Presentemente, marchamos a passos largos para um taldesenvolvimento da produo, que a existncia dessas classes no sdeixou de ser uma necessidade, como se toma mesmo um obstculo produo. As classes desaparecero to inelutavelmente comoapareceram. Ao mesmo tempo que as classes desaparecerinevitavelmente o Estado. A sociedade reorganizando a produo sobrea base da associao livre e igual de todos os produtores, enviar amquina governamental para o lugar que lhe convm: o museu deantigidades, ao lado da roda de fiar e do machado de bronze.

    Na literatura de propaganda da social-democracia contempornea,no se encontra essa citao. E quando reproduz esse trecho, , emgeral, como quem se curva diante de um dolo, como quem faz um ato devenerao oficial por Engels, sem o menor cuidado de refletir sobre aamplitude e profundeza da revoluo que "enviar a mquinagovernamental para o museu de antigidades". A maior parte das vezes,parece que nem sequer se compreendeu o que Engels entende pormquina governamental.

    4. "DEFINHAMENTO" DO ESTADO E A REVOLUOVIOLENTA

    As palavras de Engels sobre o "definhamento" do Estado gozam detal celebridade, so to freqentemente citadas, pem to bem em relevoo fundo da falsificao oportunista do marxismo, que necessrioexamin-las detalhadamente. Citaremos toda a passagem de onde soextradas:

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    O proletariado se apodera da fora do Estado e comea portransformar os meios de produo em propriedade do Estado. Por essemeio, ele prprio se destri como proletariado, abole todas as distinese antagonismos de classes e, simultaneamente, tambm o Estado, comoEstado. A antiga sociedade, que se movia atravs dos antagonismos. de

    classe, tinha- necessidade do Estado, isto , de uma organizao daclasse exploradora, em cada poca, para manter as suas condiesexteriores de produo e, principalmente, para manter pela fora a classeexplorada nas condies de opresso exigidas pelo modo de produoexistente (escravido, servido, trabalho assalariado). O Estado era orepresentante oficial de toda a sociedade, a sua sntese num corpovisvel, mas s o era como Estado da prpria classe que representavaem seu tempo toda a sociedade: Estado de cidados proprietrios deescravos, na antigidade; Estado da nobreza feudal, na Idade Mdia; eEstado da burguesia de nossos dias. Mas, quando o Estado se toma,finalmente, representante efetivo da sociedade inteira, ento toma-sesuprfluo. Uma vez que no haja nenhuma classe social a oprimir; umavez que, com a 'soberania de classe e com a luta pela existnciaindividual, baseada na antiga anarquia da produo, desapaream ascolises e os excessos que da resultavam - no haver mais nada areprimir, e ,um poder especial de represso, um Estado, deixa de sernecessrio.

    O primeiro ato pelo qual o Estado se manifesta realmente comorepresentante de toda a sociedade - a posse dos meios de produo emnome da sociedade - , ao mesmo tempo, o ltimo ato prprio do Estado.A interveno do Estado nas relaes sociais se vai tomando suprfluada por diante e desaparece automaticamente. O governo das pessoas substitudo pela administrao das coisas e pela direo do processo deproduo. O Estado no "abolido": morre. desse ponto de vista quese deve apreciar a palavra de ordem de "Estado livre do povo", tanto emseu interesse passageiro para a agitao, como em sua definitiva

    insuficincia cientfica; , igualmente, desse ponto de vista que se deveapreciar a reivindicao dos chamados anarquistas, pretendendo que oEstado seja abolido de um dia para o outro1.

    Sem receio de erro, pode-se dizer que, de todo esse raciocnio deEngels, de uma notvel riqueza de pensamento, s resta, nos partidos

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    socialistas de hoje, como verdadeira aquisio do pensamento socialista,a frmula de Marx, segundo a qual o Estado "morre, contrariamente doutrina anarquista da "abolio" do Estado. Amputar assim o marxismo reduzi-lo ao oportunismo, pois que, depois de um tal comentrio", nofica seno a concepo de uma, transformao lenta, igual, progressiva,

    sem sobressalto nem tempestade, sem revoluo. A "extino" doEstado, na concepo corrente, espalhada, Esse "comentrio" a maisgrosseira deformao do marxismo em proveito exclusivo da burguesia,deformao baseada teoricamente na omisso das principaiscircunstncias e consideraes indicadas, nas concluses de Engels,que acabamos de citar por extenso.

    1. Logo no incio do seu raciocnio, Engels diz que, ao tomar o

    poder, o proletariado, "por esse meio, abole o Estado como Estado"."No se costuma" aprofundar o que isso significa. Em geral, despreza-seinteiramente esse pensamento ou se v nele uma espcie de "fraquezahegeliana" de Engels. Na realidade, essas palavras significam, emsntese, a experincia de uma das maiores revolues proletrias, aexperincia da Comuna de Paris de 1871, de que falaremos maisdetalhadamente no lugar que lhe compete. De fato, Engels fala da"abolio" do Estado burgus pela revoluo proletria, ao passo que assuas palavras sobre o definhamento e a "morte" do Estado se referemaos vestgios do Estado proletrio que subsistem depois da revoluosocialista. Segundo Engels, o Estado burgus no "morre"; "aniquiladopelo proletariado na revoluo. O que morre 'depois dessa revoluo oEstado proletrio ou semi-Estado.

    2. O Estado "uma fora especial de represso". Esta notvel eprofunda definio de Engels de uma absoluta clareza. Dela resultaque essa "fora especial de represso" do proletariado pela burguesia,de milhes de trabalhadores por um punhado de ricos, deve sersubstituda por uma "fora especial de represso" da burguesia peloproletariado (a ditadura do proletariado). nisso que consiste a "aboliodo Estado como Estado". nisso que consiste o "ato" de posse dosmeios de produo em nome da sociedade. Conseqentemente, essasubstituio de uma "fora especial" (a da burguesia) por outra "foraespecial" (a do proletariado) no pode eqivaler para aquela a um"definhamento".

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    3. Esse "definhamento" ou, para falar com mais relevo e cor, essa"letargia", coloca-a Engels, claramente, no perodo posterior ao "ato deposse dos meios de produo pelo Estado, em nome da sociedade",

    posterior, portanto, revoluo socialista. Todos ns sabemos que aforma poltica do "Estado" , ento, a plena democracia. Mas, nenhumdos oportunistas, que impudentemente desvirtuam o marxismo, concebeque Engels se refira "letargia" e "morte" da democracia. primeiravista, parece estranho; mas, s incompreensvel para quem no refleteque a democracia tambm Estado e, por conseguinte, desaparecerquando o Estado desaparecer. S a Revoluo pode "abolir" o Estadoburgus. O Estado em geral, isto , a plena democracia, s pode"definhar".

    4. Ao enunciar a sua famosa frmula: "O Estado morre", Engelsapressou-se a precisar que essa frmula dirigida contra os oportunistase contra os anarquistas. E coloca em primeira lugar o corolrio queatinge os oportunistas.

    Pode-se apostar que, em dez mil pessoas que leram essas linhas

    ou ouviram falar do "definhamento do Estado, nove mil e novecentosignoram absolutamente ou fingem esquecer que Engels no dirigia asconcluses da sua frmula apenas contra os anarquistas. E, nas dezrestantes, h seguramente nove que no sabem o que o "Estado livredo povo" e porque, atacando-o, Engels ataca ao mesmo tempo osoportunistas. assim que se escreve a histria. assim que se adulterainsensivelmente a grande doutrina revolucionria, at transform-la numabanalidade ao nvel da mediocridade reinante. A concluso contra osanarquistas foi mil vezes repetida, repisada e simplificada, fixando-se noscrebros com a tenacidade de um preconceito. A concluso contra osoportunistas, porm, deixaram-na na sombra e "esquecida!.

    O "Estado livre do povo" era o programa e a frmula corrente dossocial-democratas alemes de 1870. Essa frmula no tem nenhumcontedo poltico, no passando de uma pomposa expresso burguesa

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    da idia de democracia. Engels dispunha-se a "justificarmomentaneamente" o seu emprego na agitao, na medida em que essafrmula aludia legalmente repblica democrtica. Mas era uma frmulaoportunista, pois exprimia no s uma democracia burguesa maldisfarada, como tambm - a incompreenso da crtica socialista do

    Estado em geral. Ns somos partidrios da repblica democrtica comosendo a melhor forma de governo para o proletariado sob o regimecapitalista, mas andaramos mal se esquecssemos que a escravidoassalariada o quinho do povo mesmo na repblica burguesa maisdemocrtica.

    Mais adiante: todo Estado uma "fora especial de represso" daclasse oprimida. Um Estado, seja ele qual for, no poder ser livre nem

    popular. Marx e Engels explicaram isso muitas vezes aos seuscamaradas de partido, mais ou menos em 1870.

    5. Na mesma obra de Engels, de cujo raciocnio sobre odefinhamento do Estado todos se recordam, encontra-se desenvolvida adefinio da revoluo violenta. A apreciao do seu papel histricotorna-se, na obra de Engels, verdadeira apologia da revoluo. Dissoningum "se lembra"; moda, nos partidos socialistas contemporneos,

    no falar nem pensar nunca no assunto; na propaganda e na agitaocotidianas entre as massas, essas idias no desempenham papelalgum. No entanto, esto indissoluvelmente ligadas idia do"definhamento" do Estado, com a qual formam um todo.

    Eis a passagem de Engels:

    Que a violncia desempenha ainda outro papel na histria, umpapel revolucionrio; que , segundo Marx, a parteira de toda velhasociedade, grvida de uma sociedade nova; que a arma com a qual omovimento social abre caminho e quebra formas polticas petrificadas emortas - sobre isso o sr. Dhring silencia. suspirando e gemendo queele admite a possvel necessidade da violncia para derrubar a

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    explorao econmica... Infelizmente, pois a violncia, diz ele, sempredesmoraliza os que a ela recorrem. E isso, a despeito do grande surtomoral e intelectual que nasce de toda revoluo vitoriosa! E isso naAlemanha, onde o choque violento, ao qual o povo poderia serconstrangido, teria, ao menos, a vantagem de destruir o servilismo que

    penetrou na conscincia nacional em seguida s humilhaes da Guerrados Trinta Anos. E essa mentalidade de predicante, sem arrojo, semsabor e sem fora, que pretenderia impor-se ao partido maisrevolucionrio que a histria conhece.

    Como conciliar na mesma doutrina essa apologia da revoluoviolenta, insistentemente repetida por Engels, aos social-democratasalemes de 1878 a 1895, isto , at a sua morte, com a teoria do

    "definhamento" do Estado?

    Costumam concili-las ecleticamente, tomando, por um processoemprico ou sofstico, arbitrariamente, ou para agradar aos poderosos dodia, ora a idia da revoluo violenta, ora a do definhamento; e noventa enove por cento das vezes, seno mais, colocam em primeiro plano

    justamente esta ltima. A dialtica cede lugar ao ecletismo: com relaoao marxismo, a coisa mais freqente e mais espalhada na literatura

    social-democrata oficial dos nossos dias. No uma novidade,certamente, pois o ecletismo j substituiu a dialtica na histria dafilosofia clssica grega. Na falsificao oportunista do marxismo, afalsificao ecltica da dialtica engana as massas com mais facilidade,dando-lhes uma aparente satisfao, fingindo ter em conta todas asfaces do fenmeno, todas as formas de desenvolvimento e todas asinfluncias contraditrias; mas, de fato, isso no d uma noo completae revolucionria do desenvolvimento social.

    J dissemos, e o demonstraremos mais detalhadamente a seguir,que a doutrina de Marx e Engels sobre a necessidade da revoluoviolenta se refere ao Estado burgus. Este s pode, em geral, cederlugar ao Estado proletrio (ditadura do proletariado) por meio darevoluo violenta e no por meio do "definhamento". A apologia queEngels faz da revoluo violenta est plenamente de acordo com as

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    numerosas declaraes, altivas e categricas, de Marx (lembremo-nosdo final de A Misria da Filosofia e do Manifesto Comunista) sobre ainevitabilidade da revoluo violenta; lembremo-nos da crtica aoprograma de Gotha em 1875, quase trinta anos mais tarde, em que Marxflagela desapiedadamente o oportunismo. Essa apologia de Engels no

    , decerto, o produto do "entusiasmo", nem das necessidades dadeclamao ou da polmica. A essncia de toda a doutrina de Marx e deEngels a necessidade de inocular sistematicamente nas massas essaidia da revoluo violenta. a omisso dessa propaganda, dessaagitao, que marca com mais relevo a traio doutrinria dastendncias social-patriticas e kautskistas.

    A substituio do Estado burgus pelo Estado proletrio no

    possvel sem revoluo violenta. A abolio do Estado proletrio, isto , aabolio de todo e qualquer Estado, s possvel pelo "definhamento".

    Marx e Engels desenvolveram essa teoria por uma forma detalhadae concreta, estudando separadamente cada situao revolucionria eanalisando as lies fornecidas pela experincia de cada revoluo emparticular. Passemos a essa parte da sua doutrina. que ,evidentemente, a mais importante.

    _______________(1) F. Engels, Anti-Dhring. (N. de A.L.)

    II - A EXPERINCIA DE 1848-18511. AS VSPERAS DA REVOLUO

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    As primeiras obras do marxismo adulto, A Misria da Filosofia e oManifesto Comunista, aparecem nas vsperas da revoluo de 1848. Emconseqncia desta circunstncia, alm da exposio dos princpiosgerais do marxismo, temos nelas, at certo ponto, um reflexo da situaorevolucionria de ento; assim, creio que ser mais acertado estudar o

    que os nossos autores dizem do Estado, antes de examinarmos as suasconcluses da experincia dos anos de 1848-1851.

    Em lugar da velha sociedade civil - escreve Marx na Misria daFilosofia - a classe laboriosa, no curso do seu desenvolvimento, instituiruma associao onde no existiro as classes nem os seusantagonismos; e, desde ento, no haver mais poder polticopropriamente dito, pois o poder poltico precisamente o resumo oficial

    do antagonismo existente na sociedade civil(2).

    instrutivo aproximar desta exposio geral da idia dodesaparecimento do Estado a exposio feita no Manifesto Comunista,escrito por Marx e Engels alguns meses mais tarde, em novembro de1847:

    Esboando a largos traos as fases do desenvolvimento proletrio,expusemos a histria da guerra civil, mais ou menos latente nasociedade, at a hora em que se transforma em revoluo aberta e emque o proletariado funda a sua dominao pela derrubada violenta daburguesia.

    Como vimos acima, a primeira etapa da revoluo operria a

    constituio (literalmente: a elevao, Erbebung) do proletariado emclasse dominante, a conquista da democracia.

    O proletariado aproveitar a sua supremacia poltica para arrancar,pouco a pouco, todo o capital burguesia, para centralizar todos os

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    instrumentos de produo nas mos d Estado, isto , do proletariadoorganizado como classe dominante, e para aumentar o mais rapidamentepossvel a quantidade das foras produtoras.

    Vemos aqui formulada uma das mais notveis e importantes idiasdo marxismo a propsito do Estado, ou seja a da "ditadura doproletariado" (como Marx e Engels, depois da Comuna de Paris, iriamcham-la); encontramos, depois, uma definio altamente interessantedo Estado, que faz parte, tambm, das "palavras esquecidas" domarxismo: "o Estado, isto , o proletariado organizado como classedominante ".

    Essa definio do Estado nunca foi comentada na literatura depropaganda e de agitao dos partidos social-democratas oficiais. Aindamais: foi esquecida precisamente por ser inconcilivel com o reformismoe absolutamente contrria aos preconceitos oportunistas habituais e siluses burguesas sobre o "desenvolvimento pacfico da democracia".

    O proletariado tem necessidade de um Estado, repisam todos os

    oportunistas, os social-patriotas e os kautskistas, afirmando ser essa adoutrina de Marx, mas "esquecendo-se" de acrescentar: primeiro, que oproletariado, segundo Marx, s tem necessidade de um Estado emdefinhamento, isto , constitudo de tal forma que comece sem demora adefinhar e que no possa deixar de definhar; depois, que o Estado deque os trabalhadores precisam no outra coisa se no "o proletariadoorganizado como classe dominante".

    O Estado a organizao especial de uma fora, da foradestinada a subjugar determinada classe. Qual , pois, a classe que oproletariado deve subjugar? Evidentemente, s a classe dosexploradores, a burguesia. Os trabalhadores s tm necessidade doEstado para quebrar a resistncia dos exploradores, e s o proletariadotem envergadura para quebr-la, porque o proletariado a nica classerevolucionria at o fim e capaz de unir todos os trabalhadores e todos

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    os exploradores na luta contra a burguesia, a fim de a suplantardefinitivamente.

    As classes exploradoras precisam da dominao poltica para amanuteno da explorao, no interesse egosta de uma nfima minoriacontra a imensa maioria do povo. As classes exploradas precisam dadominao poltica para o completo aniquilamento de qualquerexplorao, no interesse da imensa maioria do povo contra a nfimaminoria dos escravistas modernos, ou sejam os proprietrios fundirios eos capitalistas.

    Os democratas pequeno-burgueses, esses pseudo-socialistas quesubstituram a luta de classes por suas fantasias de harmonia entre asclasses, fizeram da transformao socialista uma espcie de sonho: paraeles, no se trata de derrubar a dominao da classe exploradora, masde submeter paulatinamente maioria a minoria consciente do seupapel. O nico resultado dessa utopia pequeno-burguesa,indissoluvelmente ligada idia de um Estado por cima das classes, foi atraio dos interesses das classes laboriosas, como o provou a histriadas revolues francesas de 1848 e de 1871, como o provou aexperincia da participao "socialista" nos ministrios burgueses da

    Inglaterra, da Frana, da Itlia e de outros pases, no fim do sculo XIX ecomeo do XX.

    Marx lutou, durante toda a sua vida, contra o socialismo burgus,ressuscitado atualmente, na Rssia, pelos partidos socialista-revolucionrio e menchevique. Marx, conseqente consigo mesmo,aplicou a sua doutrina da luta de classes at na sua teoria do poderpoltico e do Estado.

    A derrocada da dominao da burguesia s possvel peloproletariado, nica classe cujas condies econmicas de existncia atornam capaz de preparar e realizar essa derrocada. O regime burgus,ao mesmo tempo que fraciona, dissemina os camponeses e todas as

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    camadas da pequena burguesia, concentra, une e organiza oproletariado. Em virtude do seu papel econmico na grande produo, so proletariado capaz de ser o guia de todos os trabalhadores e detodas as massas que, embora to exploradas, escravizadas eesmagadas quanto ele, e mesmo mais do que ele, no so aptas para

    lutar independentemente por sua emancipao.

    A doutrina da luta de classes, aplicada por Marx ao Estado e revoluo socialista, conduz fatalmente a reconhecer a supremaciapoltica, a ditadura do proletariado, isto , um poder proletrio exercidosem partilha e apoiado diretamente na fora das massas em armas. Oderrubamento da burguesia s realizvel pela transformao doproletariado em classe dominante, capaz de dominar a resistncia

    inevitvel e desesperada da burguesia e de organizar todas as massaslaboriosas exploradas para um novo regime econmico.

    O proletariado precisa do poder poltico, da organizaocentralizada da fora, da organizao da violncia, para reprimir aresistncia dos exploradores e dirigir a massa enorme da populao - oscamponeses, a pequena burguesia, os semiproletrios - na "'edificao"da economia socialista.

    Educando o partido operrio, o marxismo forma a vanguarda doproletariado, capaz de tomar o poder e de conduzir todo o povo aosocialismo, capaz de dirigir e de organizar um novo regime, de ser oinstrutor, o chefe e o guia de todos os trabalhadores, de todos osexploradores, para a criao de uma sociedade sem burguesia, e istocontra a burguesia. O oportunismo, ao contrrio, desliga da massa eeduca, apenas, no partido operrio, os representantes dos trabalhadores

    mais bem retribudos, que se "instalam " muito confortavelmente emregime capitalista e vendem por um prato de lentilhas o seu direito deprimogenitura, isto , renunciam ao papel de guias revolucionrios dopovo contra a burguesia.

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    "O Estado, isto , o proletariado organizado como classedominante" - esta teoria de Marx est indissoluvelmente ligada a todo oseu ensinamento sobre o papel revolucionrio do proletariado na histria.Esse papel tem como ponto culminante a ditadura proletria, adominao poltica do proletariado.

    Mas, se o proletariado precisa do Estado como de umaorganizao particular da violncia contra a burguesia, natural que sepergunte se uma tal organizao realizvel sem o prvio aniquilamento,a destruio prvia da mquina governamental que a burguesia crioupara o seu prprio uso. O Manifesto Comunista conduz a essaconcluso, e dela se ocupa Marx quando resume as lies da revoluode 1848-1851.

    ________________(2) Karl Marx, Misria da Filosofia. (N. de A.L.)

    2. A EXPERINCIA DE UMA REVOLUO

    A propsito da questo do Estado, e estudando os resultados darevoluo de 1848-1851, Marx, faz, sobre o ponto que nos interessa, oseguinte raciocnio no 18 de Brumrio de Lus Bonaparte:

    Mas,, a revoluo vai ao fundo das coisas. Atualmente, o seucaminho passa ainda pelo purgatrio. Faz a sua obra metodicamente.At 2 de dezembro de 1851, s havia executado metade do seu trabalho

    preparatrio; ocupa-se, agora, da outra metade. Comeou poraperfeioar o poder parlamentar, para que fosse possvel derrub-lo.Atingido esse objetivo, passa a aperfeioar o poder executivo, reduzindo-o expresso mais simples, fazendo dele o nico culpado para poderconcentrar contra ele todas as suas foras de destruio(4). E, quandotiver concludo a segunda metade da sua obra preparatria, a Europa seerguer para gritar-lhe com entusiasmo: "Bem cavado, velha topeira! ".

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    Esse poder executivo, com a sua imensa organizao burocrtica emilitar, com o seu mecanismo complicado e artificial, esse exrcito demais de meio milho de funcionrios, esse espantoso parasita que, como

    uma rede, envolve o corpo da sociedade francesa e lhe tapa todos osporos, nasceu na poca da monarquia absoluta, no declnio dofeudalismo que ele ajudou a precipitar.

    A primeira revoluo francesa desenvolveu a centralizao.

    Mas, ao mesmo tempo, precisou aumentar a extenso, asatribuies e o nmero de auxiliares do poder governamental. Napoleocompletou esse mecanismo. A monarquia legtima e a monarquia de

    julho nada lhe acrescentaram de novo, salvo uma maior diviso dotrabalho...

    Por fim, a repblica parlamentar, na sua luta contra a revoluo,viu-se obrigada a reforar, com suas medidas repressivas, os recursos ea centralizao do poder governamental. Todas as subversesaperfeioaram essa mquina, em vez de a despedaarem(5). Os partidos

    que, cada qual por seu turno, lutavam pela supremacia, viam no ato deposse desse enorme edifcio a presa principal do vencedor.

    Nesse notvel raciocnio, o marxismo realiza um progressoconsidervel em relao ao Manifesto Comunista. A questo do Estadoera ainda posta, no Manifesto, de uma forma muito abstrata, nos termose expresses mais gerais. Aqui, a questo se pe concretamente e adeduo inteiramente precisa, bem definida, praticamente tangvel:

    todas as revolues anteriores no fizeram seno aperfeioar a mquinagovernamental, quando o necessrio abat-la, quebr-la.

    Essa deciso constitui o prprio fundo, o essencial da doutrinamarxista sobre o Estado. E precisamente essa coisa essencial que foi

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    no s esquecida pelos partidos social-democratas oficiais dominantes,mas tambm desnaturada de maneira flagrante (como veremos adiante)pelo mais eminente terico da 11 Internacional, Karl Kautsky.

    O Manifesto Comunista tira as lies gerais da histria; essas liesnos fazem ver no Estado o rgo de dominao de uma classe e noslevam necessariamente concluso de que o proletariado no poderderrubar a burguesia sem primeiro ter conquistado o poder poltico, semprimeiro ter assegurado sua prpria dominao poltica e se ter"organizado em classe dominante" e erigido em Estado - e esse Estadoproletrio comear a definhar logo em seguida sua vitria, porque,numa sociedade onde no existam os antagonismos de classes, oEstado intil e impossvel.

    A questo de saber em que consiste (do ponto de vista dodesenvolvimento histrico) essa substituio do Estado burgus peloEstado proletrio, no levantada no Manifesto.

    Essa questo, colocou-a e resolveu-a Marx em 1852. Fiel sua

    filosofia do materialismo dialtico, funda sua doutrina na experinciahistrica dos grandes anos revolucionrios: 1848-1851. Como sempre, adoutrina de Marx aqui um resumo das lies da experincia, iluminadaspor uma concepo filosfica profunda e um rico conhecimento dahistria.

    A questo do Estado se pe concretamente: Como nasceram,historicamente, o Estado burgus e a mquina governamental necessria

    dominao da burguesia? Quais tm sido as suas transformaes nocurso das revolues burguesas e em presena dos, movimentos deindependncia das classes escravizadas? Qual o papel do proletariadoem relao a essa mquina governamental?

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    O poder centralizado do Estado, caracterstico da sociedadeburguesa, nasceu na poca da queda do absolutismo. As duasinstituies mais tpicas dessa mquina governamental so a burocraciae o exrcito permanente. Marx e Engels falam vrias vezes, em suasobras, das inmeras ligaes dessas instituies com a burguesia. A

    experincia, com um vigor e um relevo surpreendentes, faz com quecada trabalhador conhea essa ligao. A classe operria aprende aconhec-la sua prpria custa. por isso que compreende tofacilmente e assimila to bem a cincia que proclama a inevitabilidadedesses laos, cincia que os democratas burgueses renegam porignorncia e por irreflexo, quando no tm a leviandade ainda maior dea reconhecer "em geral", esquecendo-se de deduzir as conseqnciasprticas.

    A burocracia e o exrcito permanente so "parasitas" da sociedadeburguesa, parasitas engendrados pelos antagonismos internos queesfacelam essa sociedade, parasitas que tapam os poros da vida. Ooportunismo de Kautsky, que predomina, atualmente, na social-democracia oficial, considera essa teoria do Estado parasitrio comoprpria dos anarquistas e somente dos anarquistas. Evidentemente, essadeformao do marxismo altamente vantajosa para os pequenosburgueses que mancharam o socialismo com uma ndoa indelvel,levando-o a justificar a guerra imperialista com nome de guerra de"defesa nacional", mas, nem por isso deixa de ser uma deformaoincontestvel.

    Esse aparelho burocrtico e militar se desenvolve, se aperfeioa ese consolida atravs das numerosas revolues burguesas de que aEuropa tem sido teatro desde a queda do feudalismo. precisamente apequena burguesia que se deixa atrair pela grande burguesia esubordinar-se a ela, graas a esse aparelho que d s camadassuperiores do campesinato, dos pequenos artesos, dos comerciantes,etc., empregos relativamente cmodos, tranqilos e honorficos, cujostitulares se elevam acima do povo. Veja-se o que se passou na Rssia,durante seis meses, depois de 27 de fevereiro de 1917: os empregospblicos, outrora reservados para os ultra-reacionrios, tornaram-sepresa dos cadetes, dos mencheviques e dos socialistas-revolucionrios.No fundo, no se pensava em nenhuma reforma sria; tudo se fazia por

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    adiar as reformas "at Assemblia Constituinte, e essa prpriaAssemblia Constituinte para depois da guerra! Mas, para repartir o.despojo, para ocupar as sinecuras ministeriais, os subsecretariados deEstado,. os postos de generais-governadores, etc., etc., no se perdiatempo e no se esperava nenhuma Assemblia Constituinte! ... O jogo

    das combinaes ministeriais no era seno a expresso desse "avano"que se alastrava de alto a baixo, por todo o pas,. em toda aadministrao central ou local. O resultado objetivo de tudo isso, depoisde seis meses - de 27 de fevereiro a 27 de, agosto de 1917 - incontestvel: as reformas adiadas, a partilha dos empregos realizada, eos "erros" dessa partilha corrigidos por uma srie de outras partilhas.

    Mas, quanto mais se reparte o aparelho administrativo entre os

    partidos da grande e da pequena burguesia (cadetes, socialistas-revolucionrios e mencheviques, para tomar como exemplo a Rssia),tanto mais evidente se torna para as classes oprimidas, proletariado frente, a sua oposio inevitvel a toda a sociedade burguesa. Da anecessidade de todos os partidos burgueses, mesmo os maisdemocrticos, inclusive os "revolucionrios democratas", aumentarem arepresso contra o proletariado revolucionrio, reforarem o aparelho decoero, ou seja, precisamente a mquina governamental. O curso dosacontecimentos obriga, assim, a revoluo a concentrar todas as forasde destruio" contra o poder do Estado; impe-lhe, no o melhoramentoda mquina governamental, mas a tarefa de demoli-la, de destru-la.

    No so dedues lgicas, mas o curso real dos acontecimentos, arude experincia de 1848-1851 que fazem colocar assim o problema. Atque ponto e com que rigor Marx se apia na experincia histrica, v-sebem no fato dele, ainda em 1852, no levantar concretamente a questode saber por qu substituir esta mquina governamental que precisoaniquilar. A experincia ainda no havia respondido a essa pergunta, quea histria s mais tarde, em 1871, ps na ordem do dia. Em 1852, Marxpodia apenas constatar, com a preciso da observao cientficaaplicada histria, que a revoluo proletria, iniciara a tarefa de"concentrar todas as suas foras de destruio" contra o poder doEstado, a tarefa de "quebrar" a mquina governamental.

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    Poder perguntar-se se estamos no direito de generalizar aexperincia, as observaes e as concluses de Marx e aplic-las a umperodo mais largo do que a histria da Frana de 1848 a 1851.Recordemos primeiro, a esse respeito, uma observao de Engels.Passaremos em seguida ao exame dos fatos.

    A Frana - escrevia Engels no prefcio da terceira edio do 18 deBrumrio - o pas onde, mais do que em qualquer outro, as lutashistricas das classes tm tido combates decisivos. o pas onde asformas polticas sucessivas assumem o aspecto mais caracterstico,formas essas em cujos limites se produzem aqueles combates e em quese resumem os resultados dos mesmos. Centro do feudalismo na IdadeMdia, pas clssico da monarquia unitria, desde a poca da

    Renascena, a Frana arruinou o feudalismo, desde a poca de suagrande revoluo, e deu ao predomnio da burguesia um carter depureza clssica que nenhum pas atingiu na Europa. Do mesmo modo, aluta do proletariado, em seu despertar, contra a burguesia dominante,adquire uma acuidade desconhecida nos outros pases.

    Essa ltima observao envelheceu, pois que, depois de 1871,houve uma interrupo na luta revolucionria do proletariado francs;

    contudo, essa interrupo, por longa que tenha sido, no exclui de formaalguma a possibilidade de a Frana, no curso da futura revoluoproletria, revelar-se novamente como o pas clssico da luta de classesa todo o transe.

    Lancemos um olhar de conjunto sobre a histria dos pasescivilizados nos fins do sculo XIX e comeo do sculo XX.

    Veremos que, mais lentamente, com modalidades mais variadas enum teatro mais amplo, se operam: de um lado, o mesmo processo deelaborao do "poder parlamentar", tanto nos pases republicanos,Frana, Amrica, Sua, como nas monarquias, Inglaterra, Alemanha atum certo ponto, Itlia, os pases escandinavos, etc.; de outro lado, o

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    processo de luta pelo poder, dos diferentes partidos burgueses oupequeno-burgueses, que dividem entre si os empregos pblicos, comoum despojo, enquanto os fundamentos do regime burgus se mantmimutveis; por fim, o processo de aperfeioamento e consolidao do"poder executivo" com o seu aparelho burocrtico e militar.

    Sem dvida, so esses os traos comuns de toda a evoluomoderna dos Estados capitalistas. Em trs anos, de 1848 a 1851, aFrana, sob uma forma ntida e concentrada, mostrou, na sua rpidasucesso, todos os processos caractersticos do mundo capitalista.

    O imperialismo, especialmente - poca do capital bancrio, pocados gigantescos monoplios capitalistas, poca em que o capitalismo

    dos monoplios se transforma, por via de crescimento, em capitalismo,de monoplios de Estado - mostra a extraordinria consolidao da"mquina governamental", o inaudito crescimento do seu aparelhoadministrativo e militar, ao mesmo tempo que se multiplicam asrepresses contra o proletariado, tanto nos pases monrquicos comonos mais livres pases republicanos.

    A histria universal leva-nos, indubitavelmente e numa escala

    incomparavelmente mais vasta que em 1852, "concentrao de todasas foras" da revoluo proletria, com o objetivo da "destruio" damquina do Estado.

    Por que coisa a substituir o proletariado? A Comuna de Parisforneceu-nos a esse respeito os elementos mais instrutivos.

    _______________(4) Grifado por ns.(5) Grifado por ns.

    3. COMO MARX PUNHA A QUESTO EM 1852

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    Mehring publicava, em 1907, na Neue Zeit (XXV, 2, 164), extratosde uma carta de Marx a Weidemeyer, de 5 de maro de 1852. Essa cartaencerra, entre outras, a notvel passagem seguinte:

    No que me concerne, eu no tenho o mrito de ter descoberto aexistncia das classes na sociedade contempornea, nem o de terdescoberto a luta dessas classes entre si. Os historiadores burguesesexpuseram, muito antes de mim, o desenvolvimento histrico dessa lutade classes, e os economistas burgueses a anatomia econmica dasclasses. O que eu fiz de novo consiste na demonstrao seguinte: 1)que a existncia das classes s se prende a certas batalhas histricas

    relacionadas com o desenvolvimento da produo (historischeEntwickelungskampfe der Produktion); 2) que a luta das classes conduznecessariamente ditadura do proletariado; 3) que essa prpria ditadura apenas a transio para a supresso de todas as classes e para aformao de uma sociedade sem classes.

    Marx conseguiu exprimir nessas linhas, com surpreendente relevo,o que distingue radicalmente a sua doutrina da dos pensadores mais

    avanados e mais profundos da burguesia e o que a torna fundamentalna questo do Estado.

    A luta de classes o essencial na doutrina de Marx. , pelo menos,o que se escreve o que se diz freqentemente. Mas, inexato.Deformaes oportunistas do marxismo, falsificaes do marxismotendentes a adapt-lo s necessidades da burguesia, so freqentescomo resultado dessa inexatido. A doutrina da luta de classes foi

    concebida no por Marx,. mas pela burguesia antes de Marx, e, demaneira geral, aceitvel para a burguesia. Quem s reconhece a lutade classes no ainda marxista e pode muito bem no sair dos quadrosdo pensamento burgus e da poltica burguesa. Limitar o marxismo lutade classes trunc-lo, reduzi-lo ao que aceitvel para a burguesia. S marxista aquele que estende o reconhecimento da luta de classes aoreconhecimento da ditadura do proletariado. A diferena mais profunda

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    entre o marxista e o pequeno (ou grande) burgus ordinrio est a. sobre essa pedra de toque que preciso experimentar a compreensoefetiva do marxismo e a adeso ao marxismo. No de espantar que,quando a histria da Europa levou a classe operria a abordarpraticamente essa questo, todos os oportunistas e reformistas, e todos

    os "kautskistas " tambm (hesitantes entre o reformismo e o marxismo),se tenham revelado pobres filisteus e democratas pequeno-burgueses,negadores da ditadura do proletariado. A brochura de Kautsky - ADitadura do Proletariado - aparecida em agosto de 1918, isto , muitotempo depois da primeira edio da presente obra, ns oferece ummodelo de deformao pequeno-burguesa do marxismo e, na realidade,de repdio completo dessa doutrina, hipocritamente reconhecida da bocapara fora (ver minha brochura: A Revoluo Proletria e o RenegadoKautsky, 1918.

    O oportunismo contemporneo, encarnado por seu principalrepresentante, o ex-marxista K. Kautsky, cai inteiramente sob a definioda atitude burguesa dada por Marx. Esse oportunismo circunscreve oreconhecimento da luta de classes esfera das relaes da sociedadeburguesa. (No h liberal instrudo que no consinta em admitir "emprincipio", nesses limites, a luta de classe!). O oportunismo no leva oreconhecimento da luta de classes at o essencial, at o perodo detransio do capitalismo ao comunismo, at o perodo de subverso daburguesia e do seu completo aniquilamento. Na realidade, esse perodo, inevitavelmente, o de uma luta de classes extremamente encarniada,revestindo uma acuidade ainda desconhecida. O Estado dessa pocadeve ser, pois, um Estado democrtico (para os proletrios e os no-possuidores em geral) inovador e um Estado ditatorial (contra aburguesia) igualmente inovador.

    Ainda mais. O fundo da doutrina de Marx sobre o Estado s foiassimilado pelos que compreenderam que a ditadura de uma classe necessria, no s a toda sociedade dividida em classes, em geral, nos ao proletariado vitorioso sobre a burguesia, mas .ainda em todo operodo histrico que separa o capitalismo da "sociedade sem classes",do comunismo. As formas dos Estados burgueses so as mais variadas;mas a sua natureza fundamental invarivel: . todos esses Estados sereduzem, de um modo ou de outro, mas obrigatoriamente, afinal de

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    contas, ditadura da burguesia. A passagem do capitalismo para ocomunismo no pode deixar, naturalmente, de suscitar um grandenmero de formas polticas variadas, cuja natureza fundamental, porm,ser igualmente inevitvel: a ditadura do proletariado.

    III. O ESTADO E A REVOLUOA EXPERINCIA DA COMUNA DE PARIS (1871)ANLISE E MARX1. ONDE RESIDE O HEROSMO DA TENTATIVA DOSCOMUNARDOS

    Como se sabe, alguns meses antes da Comuna, no outono de1870, Marx, pondo de sobreaviso os operrios parisienses contra operigo, demonstrava-lhes que qualquer tentativa para derrubar o governoera uma tolice ditada pelo desespero. Mas quando, em maro de 1871, abatalha decisiva foi imposta aos operrios e estes a aceitaram, quando a

    insurreio se tornou um fato consumado, Marx saudou com entusiasmoa revoluo proletria. Apesar dos seus sinistros prognsticos, Marx noteimou em condenar por pedantismo um movimento "prematuro, como ofez o renegado russo do marxismo Plekhanov, de triste memria, cujosescritos instigadores e encorajavam luta os operrios e camponesesem novembro de 1905, e que, depois de dezembro de 1905,gritava comoum verdadeiro liberal: "No deviam pegar em armas! "

    Marx no se contentou em entusiasmar-se com o herosmo doscomunardos, "tomando o cu de assalto segundo a sua expresso. Muitoembora o movimento revolucionrio das massas falhasse ao seuobjetivo, Marx viu nele uma experincia histrica de enorme importncia,um passo para a frente na revoluo proletria universal, uma tentativaprtica mais importante do que centenas de programas e argumentos.

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    Analisar essa experincia, colher nela lies de ttica e submeter provaa sua teoria, eis a tarefa que Marx se imps.

    A nica "correo" que Marx julgou necessrio introduzir noManifesto Comunista, ele a fez, segundo a experincia revolucionriados comunardos de Paris. O ltimo prefcio do Manifesto Comunista,assinado conjuntamente pelos dois autores, data de 24 de junho de1872. Karl Marx e Friedrich Engels dizem ali que o programa doManifesto "est hoje envelhecido em alguns pontos".

    A Comuna, especialmente, demonstrou que "no basta a classe

    operria apoderar-se da mquina do Estado para adapt-la aos seusprprios fins.

    As ltimas palavras entre aspas dessa citao foram tiradas daobra de Marx: A Guerra Civil em Frana. Assim, Marx e Engels atribuamto grande importncia a uma das lies fundamentais da Comuna, quea introduziram, como modificao essencial, no Manifesto Comunista.

    bastante caracterstico que seja justamente essa modificaoessencial o que os oportunistas deturpam, a tal ponto que sem dvida osnove dcimos, se no os noventa e nove centsimos dos leitores doManifesto, no perceberam seu alcance. Desta deformao falaremosnum dos captulos seguintes, consagrado especialmente sdeformaes. Aqui, bastar salientar a "interpretao" corrente, vulgar,da famosa frmula de Marx por ns citada, segundo a qual a idiaacentuada por Marx seria a do desenvolvimento lento em oposio

    conquista do poder, etc.

    Na realidade, justamente o contrrio. A idia de Marx que aclasse operria deve quebrar, destruir a mquina do Estado", no selimitando apenas a assenhorear-se dela.

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    Em 12 de abril de 1871, isto , precisamente durante a Comuna,Marx escrevia a Kugelmann:

    Reli o ltimo captulo do meu 18 de Brumrio. Afirmo que arevoluo em Frana deve tentar, antes de tudo, no passar para outrasmos a mquina burocrtica e militar - como se tem feito at aqui - masquebr-la (zerbrechen: a palavra grifada por Marx no original). Eis acondio preliminar para qualquer revoluo popular do continente. Eistambm o que tentaram os nossos hericos camaradas de Paris (NeueZeit, XX, 1, 19011902, p. 709)(6).

    Essas palavras - "quebrar a mquina burocrtica e militar doEstado" - condensam a grande lio do marxismo a propsito do papeldo proletariado revolucionrio com relao ao Estado. E precisamenteesta lio que se esquece completamente e que a "interpretao"dominante do marxismo, obra de Kautsky, deturpa completamente!

    Quanto ao 18 de Brumrio, j anteriormente citamos por extenso apassagem a que se refere Marx.

    Nessa passagem, h principalmente dois pontos que assinalar.Primeiro, ele torna extensiva a sua concluso apenas ao continente. Issocompreendia-se em 1871, em que a Inglaterra era ainda um modelo depas puramente capitalista, mas sem militarismo e, at certo ponto, semburocracia. Eis por que Marx excluiu a Inglaterra, onde a revoluo, e

    mesmo a revoluo popular, parecia possvel, e o era, sem a destruioprvia da "mquina do Estado".

    Em 1917, na poca da primeira guerra imperialista, essa restriode Marx cai: a Inglaterra e os Estados Unidos, os maiores e ltimos

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    representantes no mundo da "liberdade" anglo-saxnica, sem militarismoe sem burocracia, se atolam completamente no pntano infecto esangrento das instituies burocrticas e militares europia, onde tudo oprimido, tudo esmagado. Atualmente, tanto na Inglaterra como naAmrica, "a condio prvia para uma revoluo verdadeiramente

    popular" igualmente a desmontagem, a destruio da "mquina doEstado" (levada, de 1914 a 1917, a uma perfeio europia, imperialista).

    Em segundo lugar, o que merece uma ateno especial essaprofunda observao de Marx de que a destruio da mquinaburocrtica e militar do Estado a "condio prvia de qualquerrevoluo verdadeiramente popular". Essa expresso - "revoluopopular" - parece surpreendente na boca de Marx, e os adeptos de

    Plekhanov na Rssia, assim como os mencheviques, esses discpulos deStruve, desejosos de passar por marxistas, poderiam torn-la por um"engano". Reduziram o marxismo a uma doutrina to mesquinhamenteliberal que, afora a anttese - revoluo burguesa e revoluo proletria -nada existe para eles, e, ainda assim, s concebem essa anttese comouma coisa j morta.

    Se tomarmos para exemplo as revolues do sculo XX, temos de

    reconhecer que as revolues portuguesa e turca foram revoluesburguesas. Mas, nem uma nem outra foram "populares". De fato, amassa do povo, a grande maioria, com as suas exigncias econmicas epolticas prprias, no fez sentir a sua influncia nem numa nem noutra.Em compensao, a revoluo burguesa na Rssia em 1905-1907, semter tido os "brilhantes" resultados da portuguesa e da turca, foi, semcontestao, uma revoluo "verdadeiramente popular"; aqui, a massado povo, a sua maioria, as suas camadas sociais inferiores", esmagadassob o jugo da explorao, sublevaram-se espontaneamente e imprimirama todo o curso da revoluo o cunho das suas exigncias, das suastentativas paria reconstruir sua maneira uma nova sociedade no lugarda antiga em vias de destruio.

    Em nenhum dos pases da Europa continental de 1871, a maioriado povo era constituda pelo proletariado. A revoluo capaz de arrastar

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    a maioria do movimento s poderia ser "popular" com a condio deenglobar o proletariado e os camponeses, Essas duas classesconstituam, ento, "o povo". Essas duas classes so solidrias, visto quea "mquina burocrtica e militar do Estado" as oprime, as esmaga e asexplora. Quebrar essa mquina, demoli-la, tal o objetivo prtico do

    "povo", da sua maioria, dos operrios e dos camponeses; tal acondio prvia" da aliana livre dos camponeses mais pobres e doproletariado. Sem essa aliana, no h democracia slida nemtransformao social possvel.

    Era para essa aliana, como se sabe, que tendia a Comuna deParis, que falhou por uma srie de razes de ordem interna e externa.

    Ao falar de uma "revoluo verdadeiramente popular", semesquecer as particularidades da pequena burguesia, a que muitas vezese largamente se referiu, Marx media rigorosamente as relaes de forassociais na maioria dos Estados continentais da Europa, em 1871. Poroutro lado, constatava que os operrios e camponeses so igualmenteinteressados em quebrar a mquina do Estado e em coligarem-se para oobjetivo comum de suprimir o "parasita" e de o substituir por algumacoisa de novo.

    E por que coisa?_______________(6) As cartas de Marx a Kugelmann foram publicadas em russo, em

    duas edies pelo menos, sendo que uma revista e prefaciada por mim.

    2. POR QUE DEVE SER SUBSTITUIDA A MQUINA DOESTADO, DEPOIS DE QUEBRADA?

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    No Manifesto Comunista, em 1847, Marx ainda no dava a essapergunta seno uma resposta completamente abstrata; ou melhor,limitava-se a enunciar o problema sem precisar os meios de o resolver.Substituir a mquina do Estado pelo "organizao do proletariado comoclasse dominante", pela "conquista da democracia", tal era a resposta.

    Para no cair na utopia, Marx esperava da experincia de ummovimento de massas a resposta questo de saber que formasconcretas tomaria essa organizao do proletariado em classedominante e de que modo essa organizao se conciliaria com umainteira e metdica "conquista de democracia".

    Na Guerra Civil em Frana, Marx submete a uma anlise das maisatentas a experincia da Comuna, malgrado a debilidade desta.Citaremos os pontos principais dessa obra:

    No sculo XIX desenvolvia-se, transmitido pela Idade Mdia, "opoder centralizado do Estado, com os seus rgos onipresentes: exrcitopermanente, policia, burocracia, clero, magistratura". Graas ao

    desenvolvimento do antagonismo de classes entre o Capital e oTrabalho, "o poder do Estado assumiu cada vez mais o carter de umafora pblica organizada para a servido social, de um instrumento dedespotismo de uma classe. Toda revoluo que marque uma etapa daluta de classes ressalta, com um relevo cada vez maior, o carterrepressivo do poder do Estado". Depois da revoluo de 1848-49, opoder do Estado torna-se "o grande instrumento nacional da guerra doCapital contra o Trabalho". O segundo Imprio no fez seno consolid-lo.

    "A Comuna foi o antpoda do Imprio" . Foi uma forma "positiva",uma "Repblica que devia suprimir no s a forma monrquica dadominao de uma classe, mas essa prpria dominao".

  • 5/22/2018 LENIN Estado e Revolucao

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    Em que consistia essa forma "positiva" de Repblica proletriasocialista? Que espcie de Estado comeou a Comuna a criar?

    O primeiro decreto da Comuna suprimiu, pois, o exrcitopermanente e substituiu-o pelo povo armado.

    Essa reivindicao encontra-se, hoje, no programa de todos ospartidos que se dizem socialistas. Mas, v-se o que valem os programasdos nossos mencheviques, que, apoia a revoluo de maro, serecusaram precisamente a satisfazer essa reivindicao.

    A Comuna foi constituda por conselheiros municipais eleitos porsufrgio universal nos diferentes bairros de Paris. Eram responsveis e,a todo o tempo, amovveis. A maioria compunha-se, muito naturalmente,de operrios ou de representantes reconhecidos da classe operria.

    A polcia, at ento agente do governo central, foi imediatamente

    despojada das suas atribuies polticas, tornando-se um agenteresponsvel e sempre amovvel da Comuna. O mesmo princpio foiaplicado a todos os funcionrios da administrao. A comear pelosmembros da Comuna, at embaixo, a remunerao do servio pblicono devia ser superior a um salrio normal de operrio. Os direitosadquiridos e os direitos de representao dos altos titulares do Estadodesapareceram com esses mesmos ttulos...

    Suprimidos o exrcito permanente e a polcia, elementos da foramaterial do antigo governo, a Comuna decidiu destruir a fora espiritualde represso, o poder dos padres...

  • 5/22/2018 LENIN Estado e Revolucao

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    Os magistrados deviam perder a sua aparente independncia...Como os demais servidores do povo, os magistrados e os juizes deviamser eleitos, responsveis e amovveis.

    Assim, a Comuna "contentava-se por assim dizer, em substituir amquina do Estado quebrada por uma democracia mais completa:supresso do exrcito permanente, elegibilidade e imovibilidade de todosos funcionrios. Na realidade, ela "contentava-se", assim, em substituir -obra gigantesca - certas instituies por outras instituiesessencialmente diferentes. esse, jus