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TEXTO PARA DISCUSSÃO N O 420 Propostas de Reforma do Sistema Tributário Nacional Fernando Rezende MAIO DE 1996

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TEXTO PARA DISCUSSÃO NO 420

Propostas deReforma do SistemaTributário Nacional

Fernando Rezende

MAIO DE 1996

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* Presidente do IPEA.

TEXTO PARA DISCUSSÃO NO 420

Propostas de Reforma do SistemaTributário Nacional

Fernando Rezende*

Brasília, maio de 1996

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M I N I S T É R I O D O P L A N E J A M E N T O E O R Ç A M E N T OM i n i s t r o : J o s é S e r r aS e c r e t á r i o E x e c u t i v o : A n d r e a S a n d r o C a l a b i

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

P res i denteF e r n a n d o R e z e n d e

D I R E T O R I A

C l a u d i o M o n t e i r o C o n s i d e r a

G u s t a v o M a i a G o m e s

L u i z A n t o n i o d e S o u z a C o r d e i r o

L u í s F e r n a n d o T i r o n i

S é r g i o F r a n c i s c o P i o l a

O IPEA é uma fundação pública vinculada ao Ministériodo Planejamento e Orçamento, cujas finalidades são:auxiliar o ministro na elaboração e no acompanhamentoda política econômica e promover atividades depesquisa econômica aplicada nas áreas fiscal,financeira, externa e de desenvolvimento setorial.

TEXTO PARA DISCUSSÃO tem o objetivo de divulgar resultadosde estudos desenvolvidos direta ou indiretamente pelo IPEA,bem como trabalhos considerados de relevância para disseminaçãopelo Instituto, para informar profissionais especializados ecolher sugestões.

Tiragem: 350 exemplares

SERVIÇO EDITORIAL

Brasília — DF:SBS Q. 1, Bl. J, Ed. BNDES, 10o andarCEP 70076-900

Rio de Janeiro — RJ:Av. Presidente Antonio Carlos, 51, 14o andarCEP 20020-010

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SUMÁRIO

SINOPSE

1. INTRODUÇÃO 7

2. AS PROPOSTAS RADICAIS 7

3. O PROJETO FRANCISCO HORTA 18

4. OUTROS PROJETOS 22

5. CONCLUSÃO 25

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SINOPSE

O destaque alcançado pelo tema fez com que distintas propostasde reforma do sistema tributário brasileiro fossem apresentadas àComissão Especial da Câmara dos Deputados encarregada daanálise da matéria. Por dispositivo regimental, essas propostas fo-ram anexadas ao Projeto de Emenda Constitucional enviado peloPoder Executivo ao Congresso (PEC no 175/95), que está sendoapreciado na referida comissão.

Nesse conjunto, incluem-se propostas radicais de mudança, querompem totalmente com o modelo existente, e outras sugestõesque trilham a rota mais prudente do aperfeiçoamento.

Este texto analisa as propostas em questão, à luz de distintosaspectos a serem observados no exame das conseqüências de mu-danças tributárias, chamando atenção, ao final, para a necessida-de de ser adotada uma postura mais realista, a fim de evitar umaindesejável paralisia que poderá comprometer o objetivo de irajustando, progressivamente, o sistema tributário brasileiro às exi-gências do momento.

O CONTEÚDO DESTE TRABALHO É DA INTEIRA E EXCLUSIVA RESPONSABILIDADE DE SEU AUTOR, CUJAS OPINIÕES

AQUI EMITIDAS NÃO EXPRIMEM, NECESSARIAMENTE, O PONTO DE VISTA DO

MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO.

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AS PROPOSTAS DE REFORMA DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL 7

1. INTRODUÇÃO

Além das propostas de reforma tributária enviadas pelo Executi-vo federal ao Congresso Nacional, outras emendas, subscritas porparlamentares de diversos partidos, estão sendo analisadas naComissão Especial para esse fim constituída, conforme despachoproferido pelo presidente da Câmara dos Deputados. São elas: aPEC no 14-A/91, do sr. deputado Luiz Carlos Hauly; a PEC no 46-A/95, de autoria do sr. deputado Luiz Roberto Ponte e outros; aPEC no 47-A/95, do sr. deputado Luiz Carlos Hauly e outros; a PEC

no 38-A/95, do sr. deputado Paulo Gouvea e outros; a PEC no 110-A/92, do sr. deputado Germano Rigotto; a PEC no 176-A/93, do sr.deputado Eduardo Jorge; a PEC no 195-A/95, do sr. deputado Vic-tor Faccioni e outros; e a PEC no 124-A/95, do sr. deputado Firmode Castro. A PEC no 182/95 de autoria do sr. deputado FranciscoHorta e outros, embora não incluída no conjunto original, tambémestá sendo analisada. Com exceção das PECs nos 14-A/91, 38-A/95e 176-A/93, que abordam mudanças tópicas na Constituição, asdemais promovem uma reformulação significativa do texto consti-tucional. Dessas últimas cuida o presente texto.

2. AS PROPOSTAS RADICAIS

Das várias propostas de emenda constituci-onal ao capítulo tributário da Constituição

Federal que estão sendo analisadas na Comissão Especial encar-regada da análise desse tema na Câmara dos deputados, a quetem merecido maior destaque, pelo tempo em que vem sendo dis-cutida e pelo ardor com que é defendida pelo seu patrocinador, é acapitaneada pelo deputado Luiz Roberto Ponte. Seus méritos eseus vícios já foram longamente expostos em vários simpósios rea-lizados em todo o país ao longo dos últimos anos. Não cabe aqui,portanto, repisar em pontos que já foram exaustivamente debati-dos, mas apenas ressaltar problemas que, apesar do esforço doautor em acolher algumas críticas ao seu projeto nas sucessivasversões que preparou, permanecem sem solução. Na verdade, asalterações processadas no projeto com o intuito de rebater algu-mas das mais comuns críticas a ele formuladas acabaram por des-

2.1 O Projeto Pon-te

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virtuar o que de interessante existia na versão original e tornaramainda mais difícil a sua sustentação.

Uma leitura atenta da última versão da emenda (PEC no 46/95)revela que é enorme a distância que separa a intenção e o discursoda realidade. Resumidamente, os principais pontos a destacar são:

• ao invés de promover uma grande simplificação tributária, faci-litando a vida do fisco e dos contribuintes, o projeto agravaria acomplexidade do sistema tributário brasileiro;

• o acordo duramente firmado após exaustivos debates na As-sembléia Nacional Constituinte, com respeito à repartição do bolotributário na Federação brasileira, seria imediatamente rompido,acarretando um desarranjo na distribuição das receitas fiscais in-compatível com as dificuldades do momento e o avanço do proces-so de descentralização;

• a intenção de reduzir o número de impostos e as alíquotas deimpostos existentes seria suplantada por uma imperiosa necessi-dade de gerar recursos para corrigir os desajustes acima assinala-dos — garantia até 2005 das receitas estaduais e municipais — ,mediante recursos à competência residual que permaneceria emaberto;

• o automatismo dos repasses seria rapidamente transformadoem ficção. Repasses automáticos seriam superados por aportesdiscricionários para atender às garantias mencionadas;

• a segurança e a transparência seriam substituídas por umagrande incerteza com respeito ao desdobramento do processo dareforma tributária.

A acumulação de efeitos contrários aos anunciados tornariamais sérias as críticas formuladas anteriormente com respeito, porexemplo, à eqüidade tributária é à competição internacional. Notocante à eqüidade, quanto maior tiver que ser a alíquota do im-posto sobre combustíveis, energia e telecomunicações, para aten-der às demandas financeiras da Federação, maior será a carga tri-butária suportada por alimentos básicos vis-à-vis os produtos su-pérfluos1. Com respeito à competitividade, o mesmo fato, aliado àampliação do campo impositivo da tributação do consumo e àabertura do terreno para o exercício da competência residual, cria- 1 Tomemos, por exemplo, dois casos opostos: o frango e a televisão. O peso rela-tivo do transporte, da energia e dos serviços de comunicação no preço final dofrango é muito maior que o índice correspondente para um aparelho de TV.

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rá problemas sérios para o produtor brasileiro, pelo aumento daassimetria do regime fiscal brasileiro vis-à-vis o vivenciado pornossos principais parceiros comerciais.

Simplificação/Sonegação

O charme da proposta está na sua mensagem de um sistematributário composto, predominantemente, de impostos insonegá-veis, de arrecadação e fiscalização automáticas, marcados pela im-pessoalidade das relações fisco-contribuinte e pelo baixo custo deadministração. Esse é o paraíso anunciado. Na realidade, todavia,o texto da emenda estipula algo totalmente distinto. Vejamos porquê.

Em primeiro lugar, a incerteza com respeito aos números fez comque o projeto contemplasse uma situação indefinida. O impostoprincipal não é aquele anunciado, mas sim um imposto que incidenão apenas sobre os bens que preenchem as características assina-ladas, mas também sobre produção, circulação, distribuição ou con-sumo de outros bens ou serviços (art. 153 - II). Além disso, e pelamesma razão, fica preservada a competência residual da União paracriar outros impostos não discriminados na emenda nas condiçõesali estipuladas (art. 154).

A complicação não termina aí. Buscando contornar as incerte-zas financeiras e afastar as críticas de que a abertura para a cria-ção de novos impostos viesse a contrariar o objetivo de aliviar acarga tributária suportada pelos contribuintes, o texto da emendaprevê uma situação inusitada: um teto constitucional para a re-ceita pública (parág. 2o, art. 155), de 20 % do Produto InternoBruto (PIB) para os impostos em geral e de 6% do PIB para o im-posto sobre transações financeiras. Se esse teto for superado, asalíquotas do novo imposto sobre o consumo deverão ser reduzidaspara que o limite seja restabelecido.

Difícil imaginar como esse mecanismo poderá ser posto em prá-tica sem acarretar enormes transtornos para o governo e para oscontribuintes. Como o PIB não é um conceito jurídico e suas esti-mativas são motivo freqüente de disputas entre economistas, é fá-cil prever o acúmulo de conflitos. De um lado, contribuintes pode-riam argüir que as estimativas oficiais superestimam o PIB para es-conder a superação do limite; de outro, o governo defender-se-iausando argumento contrário. Como as interpelações judiciais ale-

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10 AS PROPOSTAS DE REFORMA DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL

gando a violação desse mandamento constitucional serão decidi-das?

Ainda que essa impropriedade pudesse ser superada, um outroproblema permanece. Como a dinâmica econômica alterna, às ve-zes com grande freqüência, períodos de expansão e de retração dosnegócios, as alíquotas do imposto teriam que ajustar-se a cadamomento para evitar a ocorrência de problemas. Normalmente, emmomentos de expansão, a receita de impostos cresce mais rapida-mente que o PIB, criando condições propícias à ultrapassagem doteto estabelecido. Como as estimativas do PIB não são instantâneas(além de imprecisas), quando constatado esse fato, a economia jápode haver revertido sua trajetória, ingressando em um período dedesaquecimento. Não obstante, o governo seria forçado a reduziras alíquotas até que nova medição constatasse que a receita deimpostos estaria de novo abaixo do teto constitucional.

Do ponto de vista econômico, o mecanismo contemplado naemenda teria efeitos distintos. Se o corte de alíquotas ocorre quan-do já mudou a direção do ciclo, tem um efeito anticíclico, ajudandoa recuperação econômica. Como as despesas públicas são rígidas,no curto e médio prazos, o custo é uma ampliação do déficit públi-co, pois a receita cai tanto pelo efeito da recessão como da reduçãode alíquotas, forçando o governo a emitir moeda ou títulos. De ou-tra parte, se a redução ocorre quando a economia ainda está em ex-pansão, o ciclo expansionista seria estimulado a partir do instanteem que a redução de impostos, efetuada para atender ao limite, in-jetar mais poder de compra na economia criando pressões inflacio-nárias.

Como os negócios não caminham de forma uníssona em umamesma direção (em períodos de crescimento há setores que vãomal, e vice-versa), o efeito econômico depende das decisões sobreque alíquotas precisam ser alteradas, e quando. Nessas condições,estipular a proporção necessária de redução nas alíquotas paraque a arrecadação retorne ao limite é uma tarefa complexa —quase impossível. A redução de alíquotas acarretará uma queda naarrecadação dos setores em crescimento, mas poderá, em contra-partida, melhorar o desempenho daqueles que apresentam um ní-vel de atividade insuficiente. Como a dinâmica econômica é com-plexa e a capacidade de resposta da administração tributária amudanças no nível de atividades é limitada, além de lenta, o esta-belecimento de um teto para a arrecadação na forma contemplada

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na emenda constitui uma proposta inexeqüível, ainda que bemintencionada.

Considerações semelhantes aplicam-se ao teto de 6% do PIB es-tipulado como limite para a arrecadação conjunta do Imposto so-bre Transações Financeiras (ITF) e do Imposto de Renda. Na verda-de, aqui o problema é ainda mais complicado, pois propõe-se re-duzir a alíquota do Imposto de Renda (IR) a partir de 1o de janeirodo ano subseqüente àquele em que tiver sido constatada a supera-ção do limite mencionado. Se o limite for ultrapassado em janeiro,a providência para corrigi-lo só poderia ser adotada em janeiro doano seguinte, quando talvez já não seja necessária. Pior, se no anoseguinte o movimento econômico-financeiro for mais reduzido e aarrecadação do ITF cair, os recursos de seguridade social, que de-pendem da receita desses impostos, serão insuficientes para aten-der às necessidades, pois o IR só poderá ser novamente aumentadono ano seguinte. Como se vê, o que à primeira vista parece simplesé, na verdade, uma enorme confusão.

Cabe acrescentar que a vinculação do Imposto de Renda à seguri-dade social só vigorará, nos termos da proposta, a partir da total ex-tinção das contribuições dos empregadores para a seguridade sobrea folha (CPS), o faturamento Contribuição para o Financiamento daSeguridade Social (COFINS) e o lucro Contribuição Social Sobre Lucro(CSL), além da contribuição para o Programa de Integração Social(PIS). Isso significa que o financiamento da seguridade corre sério ris-co de falta de cobertura, caso a arrecadação do ITF não seja capaz degerar os 6% do PIB estipulados como teto constitucional para os re-cursos fiscais a ela vinculados. Tomando por base a experiência doImposto Provisório de Movimentação Financeira (IPMF) — que arre-cadou 1% do PIB — , e o fato de que em uma economia com inflaçãobaixa esse imposto é pouco produtivo, a hipótese de que a elimina-ção das atuais contribuições não seja completada é concreta, o queagravaria as dificuldades dos contribuintes ao invés de reduzi-las.

Outro aspecto que convém ressaltar é a “solução” encontradapelo autor para contornar as críticas que recebeu com respeito aoviés anti-exportador de seu projeto. Essa consiste em atribuir aoSenado Federal competência para, por maioria absoluta de votos,determinar a redução do imposto incidente sobre energia, petróleoe combustíveis, inclusive seus derivados, a empresas que expor-tam bens ou serviços nos quais esses insumos representam maisde 20% do respectivo custo de produção.

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12 AS PROPOSTAS DE REFORMA DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL

Tomemos o exemplo do alumínio, um produto altamente inten-sivo em energia. Como a proposta é cobrar o imposto na usina ge-radora de energia, de forma automática, como identificar, na saídada usina, a energia que está sendo utilizada por uma empresaprodutora de alumínio? Alumínio ainda é um caso mais simples,pois como a produção é concentrada em grandes empresas seriapossível imaginar um mecanismo de devolução do imposto, comefeito semelhante ao de redução de alíquota, de administração nãomuito complicada. Mas e as empresas de transporte? Como redu-zir a alíquota do imposto sobre petróleo e derivados apenas paraaquelas atividades das empresas transportadoras que correspon-dam a serviços exportados?

A lógica da simplicidade não condiz com a complexidade dassituações que precisam ser contempladas no desenho de um sis-tema tributário moderno. Ao tentar abrigar em seu projeto as críti-cas a ele formuladas, o autor abandonou o princípio basilar de suaproposta original sem conseguir solucionar os defeitos apontados.A alternativa ganha em complexidade e perde em eficácia.

A complexidade alcança o seu grau máximo na fórmula encon-trada para contornar as enormes incertezas que cercam o projeto,reveladas com nitidez no esquema de transição proposto. Nele, ficaestabelecida a convivência, por tempo indeterminado, de dois sis-temas tributários paralelos — o novo e o antigo. De forma gradual,e a um ritmo não estabelecido, o novo sistema iria substituindo oantigo, que se extinguiria quando o potencial de arrecadação donovo sistema fosse plenamente alcançado.

Difícil imaginar proposta mais complexa para transição do que acontemplada na emenda constitucional. Diz o texto da emenda: “Alei que instituir o imposto referido no art. 153, II (o imposto seleti-vo), definirá um período de tempo para a implantação gradual dassuas alíquotas, no qual, simultaneamente, serão reduzidas, nasmesmas datas e proporções, até sua total extinção, as alíquotas detodos os impostos e contribuições não abrangidos pelo parágrafoanterior, não expressamente mantidos por esta Emenda” (grifonosso).

Convém examinar o que esse texto significa. Suponha que a in-tenção do autor fosse a de implantar totalmente o novo sistema emum prazo de cinco anos. Como a meta é arrecadar 15% do PIB comesse imposto, as alíquotas iniciais seriam fixadas em 20% do valornecessário para que essa meta seja atendida. Simultaneamente, as

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alíquotas dos impostos antigos que ele deveria substituir seriamreduzidas na mesma proporção, segundo a regra estabelecida, como intuito de assegurar a neutralidade desejada, isto é, a receita donovo imposto deveria ser igual à redução na receita dos impostosvelhos, a cada rodada de ajuste, até a conclusão final do processo.

Na prática, todavia, as coisas não funcionam tal como o pro-posto. Reduzir em 20% a alíquota dos impostos a serem substituí-dos não garante a priori um resultado equivalente ao obtido com aadoção de alíquotas equivalentes a 20% do nível ideal para o novoimposto, uma vez que não existe proporcionalidade entre a redu-ção da alíquota e a arrecadação. Se a redução de alíquotas do Im-posto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) estimulara produção e o consumo de bens e serviços em geral, a queda naarrecadação será menos que proporcional. Como a alíquota do se-letivo é concentrada em alguns insumos, seu efeito sobre o con-sumo é concentrado e não anula o efeito decorrente da redução dealíquotas do ICMS. Se agregarmos a esse raciocínio o fato de queesses efeitos sofrem a influência da dinâmica econômica e da di-versidade de situações encontradas nos distintos setores, fica ain-da mais complicado. Se os setores mais afetados pelo novo im-posto estiverem apresentando um desempenho pior que a média, adesigualdade de impactos sobre a arrecadação seria ainda maisevidente.

Convém ressaltar que essa compensação de efeitos é ainda maisdifícil de ocorrer no caso do financiamento da seguridade social,pois aqui trata-se de bases impositivas muito diferentes. O textopropõe que a implementação gradual do ITF seja feita de forma se-melhante ao Imposto de Circulação de Produtos (ICP), embora semmencionar as condições em que a redução das contribuições hojeexistentes seria feita para que os objetivos sejam alcançados, pois,nesse caso, a não-proporcionalidade é evidente. Aqui teríamos queestabelecer uma alíquota inicial para o ITF, cuja base é altamenteinstável, e calcular qual a redução necessária nas alíquotas dascontribuições de empregadores para a seguridade social (base fo-lha de salários), das empresas para a COFINS (base faturamento),das empresas para a seguridade (base lucro) e das empresas parao PIS (base faturamento). Nem o mais iluminado especialista serácapaz de realizar tal proeza.

O equilíbrio federativo

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14 AS PROPOSTAS DE REFORMA DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL

A incoerência da argumentação revela-se também no dispostono projeto para a repartição dos recursos fiscais na Federação bra-sileira. O texto fixa o rateio do bolo tributário comum ao três entesfederados — União, estados e municípios — de um modo similarao verificado atualmente, mas altera a repartição dos recursos daUnião em benefício do orçamento da Seguridade Social. No entan-to, na extensa argumentação que introduz a proposta, o autor re-vela uma natural insegurança com respeito à divisão sugerida aoadmitir que todos esses parâmetros poderão ser alterados quandodos debates no Congresso Nacional.

Se o argumento enfatiza a idéia de que o modelo seguido contri-buiria para um melhor equilíbrio na repartição dos recursos fiscaisna Federação, como afirmar que qualquer outra solução surgidade um debate carregado de conflitos e da defesa de interesses par-ticulares, conduzido em prazo curto, possa produzir um equilíbriomelhor do que o longamente negociado durante os trabalhos daAssembléia Nacional Constituinte?

A insegurança revela-se em toda a sua plenitude no dispositivoque garante as receitas de cada estado e de cada município até oano 2005. Diz o texto da emenda constitucional:

“A partir da entrada em vigor da Lei que instituir o im-posto referido no art. 153 - II (o seletivo), e até o ano 2005,inclusive, fica assegurada mensal e automaticamente acada Estado e Município, a transferência da parcela da ar-recadação daquele imposto necessária para lhes garantiringressos tributários líquidos totais iguais aos valores dasmédias mensais das receitas tributárias totais líquidas efe-tivamente por eles obtidas nos anos de 1991 a 1994, corri-gida monetariamente”.

Para evitar polêmica sobre o rateio do bolo tributário, a propostaaduz uma proposição aberrante: atribuir à União a responsabili-dade de fazer com que todos os estados e municípios brasileirostenham garantido um piso de receita igual à média do período1991-1994, até o ano 2005! O absurdo é equivalente a tentar revogara lei da gravidade. Se a atividade econômica cair, a arrecadação deimpostos cai concomitantemente e não pode ser constitucionalmentesustentada. Mais ainda, o comportamento da economia não é espa-cialmente homogêneo. Devido à concentração de produção e à diver-sidade de situações encontradas localmente, a média do período1991-1994 pode ter sido um resultado extremamente favorável para

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AS PROPOSTAS DE REFORMA DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL 15

alguns e muito desfavorável para outros. Assim, estados e municí-pios que apresentaram um bom desempenho de suas economias noperíodo de referência teriam uma garantia mais efetiva, enquantoaqueles que tiveram comportamento oposto não usufruiriam de be-nefício semelhante.

Como o bolo seria um só, aqueles que perderiam com a aplica-ção de média do período 1991-1994 não seriam compensados comum melhor desempenho econômico daqui para a frente, pois ocritério de rateio da parcela desse bolo atribuída a estados e muni-cípios obedeceria a outros fatores. Pela regra da emenda, da par-cela municipal, 35% seriam repartidos de acordo com a população;5% com base na área; 40%, conforme a arrecadação do impostosobre a propriedade imobiliária, Imposto Predial Territorial Urbano(IPTU+ITR); e 20%, para fins de equilíbrio, provisoriamente reparti-dos segundo os critério do Fundo de Participação dos Municípios(FPM).

Tendo em vista que pequenos municípios hoje dependem quaseque exclusivamente das transferências do FPM e do ICMS, que par-cela correspondente a cerca de 1,5% do PIB, dessas transferências,reparte-se por critérios redistributivos, e que 80% do montanteatribuído serão rateados com base em fatores que estão fortementecorrelacionados com a renda municipal, é quase certo que a novarepartição das receitas municipais provoque uma queda impor-tante na participação de pequenos municípios no total, pois ape-nas 1% do bolo municipal será repartido com critérios redistributi-vos.

No caso dos estados, os critérios de rateio estipulados na emen-da sugerem o inverso: os estados mais desenvolvidos é que deve-rão sofrer perda significativa na sua participação no respectivo to-tal, o que exigirá aportes adicionais de recursos para que o pisoinstituído possa ser obedecido. Estimativas preliminares sugeremque recursos adicionais da ordem de 3% a 4% do PIB teriam queser gerados para atender a esse dispositivo.

Na hipótese de o projeto em questão vir a merecer maior apoiono Congresso, será necessário rever os limites ali fixados. Com asdificuldades já enfrentadas para equilibrar o caixa do Tesouro, agarantia prevista para as receitas estaduais e municipais até o ano2005 só poderá ser sustentada com um acréscimo na carga tribu-tária global, superando o limite de 20% do PIB estabelecido naemenda.

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16 AS PROPOSTAS DE REFORMA DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL

Cabe observar que mesmo que o problema numérico seja resol-vido a “solução” encontrada para evitar uma forte reação de esta-dos e municípios à proposta é de uma complexidade operacionalque sepulta definitivamente o argumento de que se trata de umaproposta simples. Pelo estabelecido, o Tribunal de Contas da Uni-ão teria a missão de monitorar as receitas de 28 estados e de maisde cinco mil municípios, mensalmente, de forma a determinar omontante a ser repassado adicionalmente caso o piso não sejaobedecido. Apurado o montante global a ser repassado em um de-terminado mês a título de complementação das receitas estaduaise municipais, a informação seria repassada ao Tesouro Nacional,responsável pelo aporte dos recursos necessários. A emenda esta-belece que esses repasses seriam automáticos, mas, na prática,esse automatismo é impossível de ser efetivado.

Em primeiro lugar, haveria que descobrir uma fórmula de efetu-ar esses repasses sem previsão orçamentária, que não pode serfeita em face do desconhecimento prévio de sua necessidade. Se-gundo, seria necessário que os recursos estivessem disponíveis, atempo e a hora, para efetuar a compensação, o que é pouco prová-vel que aconteça. Terceiro, se não houver recursos disponíveis, se-ria necessário aumentar impostos para gerá-los e aguardar o re-sultado dessa providência. Finalmente, se as estimativas prelimi-nares mencionadas (de que só para os estados seriam necessáriosrecursos adicionais da ordem de 3% a 4% do PIB) forem confirma-das, a compensação integral não poderia ser feita, pois o aumentode alíquotas de impostos esbarraria no limite constitucional de20% do PIB.

Outra conseqüência indesejável de uma eventual adesão aoprojeto Ponte é o engessamento dos recursos orçamentários decor-rente do aumento das vinculações. Pela proposta, dos 15% do PIB

que correspondem à receita do Imposto Seletivo sobre o consumo,cerca de 40% estariam vinculados a estradas e vias urbanas (1,5%do PIB), habitação, saneamento e energia (1,2% do PIB) e educação(3,36% do PIB). Considerada apenas a parcela da União, 36% esta-riam vinculados aos mesmos setores.

Levando em conta a composição atual do gasto público, o aten-dimento dessas vinculações imporia novas exigências de financia-mento, mesmo que o tão esperado ajuste fiscal, baseado em cortede gastos e enxugamento da máquina pública, seja promovido nasua plenitude. Além disso, o acúmulo de vinculações contraria a

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tendência de atribuir à lei orçamentária a responsabilidade de de-cidir sobre a prioridade de uso dos recursos públicos em cadaexercício, de forma a permitir uma mais rápida adaptação das es-colhas públicas às exigências do momento.

Uma última observação sobre o projeto completa a desfiguraçãoprovocada pelo afã de conquistar adesões à proposta. Trata-se dafórmula utilizada para contornar as críticas de inconstitucionali-dade da emenda por esta atentar contra o princípio federativo.Nesse caso, a mudança não cria maior complexidade, apenas re-flete o casuísmo das alterações. Para enquadrar-se no figurino queprevê a repartição das competências tributárias na Federação, oprojeto atribui aos estados a competência para instituir o Impostode Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e, aos municípios, acompetência para instituir adicionais ao Imposto sobre a Proprie-dade! Essa mudança de última hora, feita para conseguir revertero parecer inicial de inconstitucionalidade do projeto, deixa claroque são infinitas as possibilidades de acomodação em face das in-certezas quanto ao resultado da proposta originalmente concebida,cujas virtudes transformaram-se em insanáveis vícios.

Das demais propostas que estãosendo analisadas pela Comissão Es-

pecial da Câmara dos Deputados que cuida da reforma tributária,a subscrita pelo deputado Vitor Faccioni é outra que também en-cerra uma forte polêmica. Inspirada em estudo realizado pela Fun-dação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE)/USP, por encomen-da da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), aproposta em apreço trilha, por caminhos diferentes, a mesma rotade simplificação que vem obtendo grande preferência.

A rigor, essa proposta é a antítese da anterior. Ao invés de con-centrar a tributação em alguns insumos básicos, propõe eleger aúltima etapa do processo de produção, circulação e consumo demercadorias e serviços — o varejo — como base preferencial detributação. No projeto Vitor Faccioni, o sistema tributário seriacomposto pelos seguintes tributos: de competência federal — im-portação, exportação, renda e consumo de fumo, bebidas, armas eloterias; de competência estadual — vendas de bens e serviços; ede competência municipal — propriedade imobiliária urbana e ru-ral. Para o imposto estadual sobre vendas de bens e serviços, oprojeto propõe atribuir aos estados autonomia para decidir sobre ométodo a ser aplicado na sua cobrança, entre as opções de cobrar

2.2 O Projeto Vitor Facci-oni

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o imposto apenas na última etapa (no varejo) ou cobrá-lo segundoo método do valor agregado.

Curioso notar como as propostas que alegam promover umaenorme simplificação tributária acabam por estabelecer uma gran-de complicação. Nesse caso, a hipótese de oferecer aos estados al-ternativas para a instituição do imposto sobre vendas de mercado-rias e serviços, adotada em função da conhecida resistência damaioria deles em aceitar a proposta de incidência apenas no vare-jo, ampliaria as dificuldades que os contribuintes já vêm enfren-tando para conviver com as diferenças de tratamento tributáriopraticadas no âmbito do ICMS.

Se adotado, o projeto em questão consolidará a existência de re-gimes fiscais distintos na Federação brasileira, com conseqüênciasperversas para os propósitos de harmonização fiscal e de reduçãode disparidades regionais. Imaginemos que estados mais desenvol-vidos, cujo comércio varejista já apresente graus de modernidadeque permitam concentrar a arrecadação apenas na venda final,sem riscos de propiciar uma enorme sonegação, optem por adotara tributação no varejo, enquanto os de menor nível de desenvolvi-mento adotem, por cautela, a opção contrária. Nessas condições,haveria um incentivo ao aumento da concentração da produçãoindustrial, uma vez que os insumos produzidos nos estados maispobres competiriam em desvantagem com aqueles produzidos nosestados já industrializados. Além disso, o produto industrializadonesses últimos também gozaria de vantagens tributárias nas ven-das interestaduais, pois seria automaticamente isento do tributo,enquanto aqueles industrializados nos estados que adotarem ométodo do valor agregado sofreriam uma carga tributária equiva-lente à cobrada nas etapas anteriores.

Em ambos os casos, essa discriminação não ocorreria se adota-do o princípio do destino no Índice de Valor Adicionado (IVA) (pre-visto no projeto), e se os produtores dos estados menos desenvol-vidos fossem contemplados com o ressarcimento em dinheiro doimposto pago anteriormente. Ou seja, para evitar o viés concentra-dor do projeto, os estados mais pobres teriam que suportar umaperda de receita que na prática não seria compensada com a co-brança do imposto no comércio varejista de produtos industriali-zados fora da região, devido a dificuldades administrativas.

Uma outra modalidade de guerra fiscal seria implantada, naqual o instrumento mais poderoso seria o incentivo à concentração

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de todas as etapas do processo produtivo naqueles estados quepuderem optar pela tributação exclusiva do varejo (mesmo que oprincípio do destino pudesse ser adotado na sua plenitude, oscustos financeiros incorridos e a perspectiva de atraso no ressar-cimento dão força a essa hipótese), eliminando por completo asvantagens fiscais que hoje fornecem algum estímulo à industriali-zação dos estados menos desenvolvidos.

Ainda que fosse argüido que caberia ao governo federal intervirno sentido de promover a redução das disparidades regionais, essapossibilidade não poderia ser exercida nos termos da proposta emquestão, uma vez que a capacidade financeira da União estariafortemente enfraquecida com a redução dos tributos de sua com-petência, prevista no projeto.

Na questão regional, o projeto Vitor Faccioni vai mais longe aopropor a extinção pura e simples dos atuais fundos constitucionais— o Fundo de Participação dos Estados (FPE), o FPM e os fundosregionais (Fundo Constitucional do Norte-FNO, Fundo Constitucio-nal do Nordeste-FNE, Fundo Constitucional do Centro-Oeste-FCO),rompendo com uma antiga tradição do federalismo fiscal brasilei-ro. Implícita nessa proposta, está a hipótese de que os estadosbrasileiros teriam condições de sobreviver financeiramente apenascom a cobrança do imposto sobre vendas (o projeto também extin-gue o IPVA e o imposto sobre transmissão causa mortis), hipóteseessa que carece de comprovação. Para aqueles estados que neces-sitarem de um tempo para adaptarem-se a essa nova condição, aproposta contempla uma ajuda financeira temporária da União,sob condições e prazos a serem definidos posteriormente.

Na prática, todavia, inexiste a possibilidade de a União concedera ajuda financeira mencionada, ainda que temporária, se aprovadaa limitação das competências impositivas da União prevista noprojeto. Limitada a receita federal aos impostos de renda e de con-sumo de fumo, bebidas, armas e munições, além dos impostos so-bre o comércio exterior, haveria uma queda de 25% na receita daUnião, aí computada a receita de impostos e das contribuições so-ciais administradas pelo Tesouro — COFINS, PIS e CSL — todas elasextintas pelo projeto. Claro está que uma perda dessa envergadurainviabiliza boa parte dos programas hoje sustentados pela União,inclusive os de cunho social, e não poderia ser compensada poraumento da alíquota dos impostos remanescentes .

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Ao extinguir a COFINS e o PIS, o projeto fulmina dois dos mais im-portantes programas sociais do governo — o Sistema Único de Saú-de (SUS) e o Seguro-Desemprego — , além de extinguir a principalfonte de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômicoe Social (BNDES) para financiamento de projetos de desenvolvimento.No caso do SUS, imagina-se que a intenção é forçar uma total transfe-rência para estados e municípios dos encargos com a assistênciamédico-hospitalar, inclusive do seu financiamento. Com respeito aoseguro-desemprego, a situação ficaria ainda mais complicada, pois aproposta eliminaria a possibilidade de a União instituir contribuiçõesem geral, fechando a porta para a instituição de outra modalidade definanciamento do auxílio-desemprego.

Não é só o BNDES que veria desaparecer sua principal fonte derecursos, caso a proposta em questão viesse a ser aprovada. Comoo projeto veda a instituição de contribuições sociais, de interven-ção no domínio econômico e de interesse de categorias profissio-nais ou econômicas, programas de assistência social e de formaçãoprofissional, hoje mantidos com contribuições dessas espécies,também seriam afetados sem perspectiva de solução.

No capítulo da partilha de receitas, a extinção do FPM faria comque a receita municipal dependesse apenas do imposto sobre apropriedade imobiliária — urbana e rural — e da participação dosmunicípios na arrecadação estadual do imposto sobre vendas debens e serviços. O projeto deixa em aberto a delicada questão daporcentagem da receita estadual a ser repartida com os municí-pios, remetendo a questão para a lei estadual. Dessa forma, a re-ceita municipal ficaria não só indefinida como também passível dealteração periódica por lei ordinária, criando grande instabilidadenos recursos à disposição dos municípios e dando margem a fortesconflitos.

Mais grave, ainda, é o fato de o projeto limitar a receita munici-pal à transferências do próprio Estado, eliminando o efeito redutorde disparidades regionais propiciado atualmente pelas transferên-cias federais do FPM. Convém notar que o projeto não estende aosmunicípios a possibilidade de transferências federais temporáriasde recursos para atender aos casos mais necessitados, previstapara os estados.

Em resumo, apesar de meritório no que diz respeito à sua inten-ção de desonerar o setor produtivo, o projeto em questão não pre-enche requisitos mínimos de viabilidade, pois ignora a complexa

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realidade do federalismo fiscal brasileiro, desconsidera as desi-gualdades regionais e urbanas, e deixa em aberto a questão do fi-nanciamento de vários programas sociais prioritários na atualconjuntura brasileira.

3. O PROJETO FRANCISCO HORTA

À diferença das propostas anteriormente comentadas, a PEC no

182/95, de autoria do deputado Francisco Horta e outros, não al-tera as competências tributárias de estados e municípios (à exce-ção da transferência do ITR para os municípios), concentrando su-as atenções no campo impositivo da União. Em essência, as prin-cipais mudanças contempladas nessa proposta são:

• a limitação das competências da União, que perderia o IPI, aCOFINS, o PIS/PASEP, a Contribuição Social sobre o Lucro e o ITR;

• a redução da base de incidência do IR, que deixaria de incidirsobre os salários e o lucro operacional (a base do IR limitar-se-ia aganhos financeiros e rendimentos de capital);

• a criação do Imposto Seletivo (fumo, bebidas e veículos), emsubstituição ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), e doITF, em substituição aos demais tributos federais extintos, ambosno campo impositivo da União.

A preocupação em não alterar os impostos estaduais e munici-pais e as regras aplicadas à partilha e transferência de tributos re-flete o cuidado do autor em evitar conflitos que poderiam dificultara negociação de sua proposta, mas o corte que efetua nos impos-tos federais reduz as bases dos atuais fundos constitucionais, queprecisariam ser recompostos para evitar prejuízos insuportáveispara os orçamentos de estados e municípios.

Outro aspecto positivo da proposta é a extinção do IPI, tambémcontemplada em todos os outros projetos analisados. No entanto, aopção pelo seletivo, como alternativa ao IPI, deixa de lado a oportu-nidade de avançar mais no caminho da simplificação do sistematributário — um dos pontos fortes do projeto — ao preservar ba-ses de incidência distintas para a tributação federal e estadual demercadorias. Nesse caso, a unificação dessas bases de incidência,com a aplicação simultânea de alíquotas federais e estaduais, seriauma opção preferível tanto do ponto de vista da simplificaçãoquanto da preservação dos recursos dos fundos de participação.

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De fato, o projeto do deputado Francisco Horta avança no senti-do da simplificação, mas, ao fazê-lo sem atentar para as restriçõesfinanceiras da União, de estados e municípios, e da SeguridadeSocial, corre o risco de inviabilizar-se. Admite o autor que não ésua intenção reduzir a carga tributária atual, mas sim preservá-lanos níveis atuais de 30% do PIB. Porém, é difícil admitir que essaintenção poderá ser concretizada nos termos propostos. A limita-ção das competências federais — algumas justas — e da base doImposto de Renda é muito ampla para que possa ser compensadacom as medidas contempladas no projeto.

Estimativas preliminares, baseadas na arrecadação atual dostributos federais, sugerem que a receita administrada pela Uniãopoderia reduzir-se a menos da metade, caso outras providênciasnão fossem contempladas para evitar tal resultado. No que diz res-peito às transferências federais, a base dos fundos constitucionaisencolheria para níveis equivalentes a apenas 40% do montanteatual. A saúde, a assistência social, o seguro-desemprego, o Fundode Amparo ao Trabalhador e o BNDES veriam desaparecer suasatuais fontes de financiamento e passariam a depender, não só daarrecadação do ITF, mas também da disputa com outros setorespara assegurar uma participação no orçamento da União compatí-vel com suas reais necessidades.

Claro que os números apontados baseiam-se em uma leituraestrita dos termos da proposta. Admite o autor que a lista de pro-dutos tributados pelo seletivo poderia crescer e que as respectivasalíquotas poderiam ser aumentadas para gerar receita suficientepara compensar a extinção do IPI. No entanto, é difícil imaginar queas alíquotas de fumo e de bebidas poderiam ser ainda aumentadassem promover novos incentivos à sonegação, contrariando o objeti-vo do projeto de combatê-la. De outra parte, se a lista de produtosfor muito aumentada, o seletivo ficaria igual ao IPI, eliminando-se asuposta vantagem da simplificação.

No campo do Imposto de Renda, a redução da base desse im-posto, limitando-se a ganhos financeiros e a rendimentos de capi-tal, é uma tese controversa. De pronto, agravaria a injustiça fiscal,pois o limite de isenção do Imposto de Renda sobre pessoa física jáexonera a maioria dos assalariados brasileiros desse imposto. Nocaso do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), a nova legislaçãorecém-aprovada pelo Congresso já reduziu a incidência do impostosobre o lucro a níveis compatíveis com a prática internacional, não

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havendo justificativa sólida para proceder à sua eliminação. Con-vém notar que a não-tributação do lucro operacional só contribui-ria para que empresas multinacionais deixassem de pagar impostono Brasil para recolher esse imposto nos países de origem, que nãoabrem mão desse tributo. Convém notar, ainda, que a redução doIRPJ afetaria negativamente os atuais incentivos fiscais ao desen-volvimento regional e setorial, sem que sugestões alternativas parao tratamento dessas questões tivessem sido preparadas. Não pare-ce, pois, haver motivos para limitar a aplicação do Imposto deRenda no texto constitucional. Sempre que necessário, a lei poderápromover as alterações necessárias para adequar a cobrança desseimposto às exigências do momento.

De fato, o autor investe tudo no Imposto sobre Transações Finan-ceiras como fonte capaz de gerar recursos suficientes para compen-sar todos os demais tributos que propõe extinguir. Como vimos, paraque isso ocorresse seria necessário que o ITF gerasse receita da or-dem de 40 bilhões de reais — quase oito vezes mais do que foi arre-cadado pelo IPMF em 1994. Se considerarmos apenas a lista restritado seletivo, a receita do ITF teria que alcançar cerca de 48 bilhões dereais — quase dez vezes o IPMF — para que a carga tributária atualseja preservada. Como o autor não pretende reduzir a carga tributá-ria, a aposta no ITF é muito arriscada.

A polêmica sobre o potencial de arrecadação de um imposto so-bre aplicações financeiras é bastante conhecida. O autor argu-menta que inspirou-se em estimativas preliminares efetuadas àépoca do Imposto Único para admitir que uma alíquota equivalentea 0,5% do PIB daria conta do recado. Esqueceu-se, porém, de levarem conta que o potencial de receita desse imposto é significativa-mente reduzido em uma economia com preços estáveis.

Apenas por hipótese, se o IPMF substituísse todos os impostos econtribuições federais, preservando-se apenas os impostos sobre ocomércio exterior, o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), oIR sobre ganhos financeiros e um imposto seletivo, e permanecendoinalterados os impostos estaduais e municipais — pontos básicosda PEC no 182 — , apenas a manutenção dos níveis atuais da re-ceita federal já requereria uma base tributária para o IPMF (supon-do tributação nas duas pontas a uma alíquota de 0,5%) de cercade R$ 6,0 trilhões. Para se ter uma idéia do que isso significa, umestudo realizado em 1992 pela MCM Consultores, com base em da-dos detalhados da Federação Brasileira dos Bancos (FEBRABAN), es-

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timava a base potencial total do IPMF, em um contexto de alta in-flação, como o então vigente, em cerca de US$ 6,9 bilhões. Desin-fladas essas transações com queda da inflação e subtraídas dessemontante global todas as operações sobre as quais não caberia oimposto, como realizado no referido estudo (já que esse montanteenvolve, entre muitas outras, as operações entre governo e todasas transações nominais, e não apenas os rendimentos líquidos nocaso das aplicações financeiras, por exemplo), a base do IPMF re-sultaria substancialmente reduzida e seu potencial efetivo de arre-cadação — a não ser por alíquotas crescentes — seria capaz desubstituir as fontes hoje existentes, falando-se apenas em termosdos orçamentos federais.

Note-se, a propósito, que as várias estimativas feitas no início doanos 90 consideravam uma carga tributária da ordem de 20% a23% do PIB, quando ela alcançou e estabilizou-se em torno de 30%do PIB nos anos recentes.

Assim, diante das incertezas quanto ao resultado, seria reco-mendável uma atitude mais prudente em relação ao referido im-posto, para evitar que a justa preocupação com a manutenção dacarga tributária seja comprometida. Parece, pois, adequado adiar adecisão sobre a conveniência de instituir, em caráter permanente,um imposto sobre transações financeiras, uma vez que um novoteste sobre o seu potencial está para ser feito com a proposta decriação da Contribuição sobre Movimentação Financeira — a CMF.A experiência com a CMF, em um contexto distinto daquele em queo IPMF foi aplicado, dará bases empíricas mais sólidas para avaliaro potencial de arrecadação de um tributo dessa natureza.

Entendido que a reforma tributária é um processo que prevêcontínuos aperfeiçoamentos, a proposta do deputado FranciscoHorta contém pontos positivos que podem ser aproveitados. A bus-ca da simplificação e o combate à sonegação são propósitos co-muns a muitas das propostas que estão sendo discutidas. A extin-ção do IPI e a transferência do ITR para os municípios também sãoparte integrante de um apreciado menu de opções. A não-modificação das regras básicas do federalismo fiscal estabelecidasna Constituição de 1988 é outra medida de inegável bom senso.

Aceita a sugestão de que a instituição do ITF deva ser adiada atéque a CMF forneça o teste definitivo do potencial desse tributo, aproposta do deputado Francisco Horta insere-se na linha daquelasque adotam uma postura cautelosa com respeito a mudanças no

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sistema tributário brasileiro. Como tal, sua contribuição para amodernização tributária do país é bem-vinda.

4. OUTROS PROJETOS

Outros projetos apensados à emenda do Executivo federal têmpretensões mais modestas com respeito à natureza da mudança nosistema tributário brasileiro, comparativamente aos três projetosanteriormente comentados. De um modo geral, seguem a tendên-cia de limitar as competências federais, incorporando sugestõesapresentadas nos recentes debates sobre o tema, como por exem-plo:

• limitar a incidência do IPI, ou propor sua extinção;

• rever a natureza e a base do principal tributo estadual — oICMS;

• incorporar as transações financeiras, de forma permanente, nocampo impositivo da União; e

• rever as bases dos fundos constitucionais e os critérios de rateiodesses recursos.

Na proposta subscrita pelo deputado Firmo de Castro, o IPI ésubstituído por um imposto seletivo sobre fumo, bebidas e veícu-los (e outros produtos e serviços definidos em lei complementar),ampliando, em conseqüência, o campo de aplicação do ICMS. Estepreservaria a maior parte das características atuais e teria, comoprincipais mudanças, a introdução do princípio do destino, isto é,a atribuição integral de receita do imposto ao estado consumidor, ea não-incidência nas exportações. Para a operacionalização dodestino no ICMS, o projeto prevê a aplicação de alíquota zero nasfronteiras interestaduais, o que é amplamente reconhecido comofator de estímulo à sonegação. As demais modificações importan-tes propostas pelo projeto Firmo de Castro são:

a) a criação do ITF na competência federal;

b) a transferência para os municípios do IPVA e do ITR, ambos par-tilhados com os estados;

c) a revisão das porcentagens atribuídas aos fundos constitucio-nais, fixadas com base no total da receita federal e não apenas noIPI e no IR; e

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d) a extinção do Imposto de Transmissão de Bens Intervivos (ITBI) eda Contribuição Social sobre o Lucro.

Dessas propostas de mudança, a mais polêmica é a que alterabases e porcentagens do FPE, do FPM e dos fundos regionais, nãopela sua natureza, mas pelo potencial de conflitos que provoca. Aproposta fixa em 27% da receita federal o montante a ser reparti-do, cabendo 12% ao FPE, 12% ao FPM e 3% aos fundos regionais.Tendo em vista a dificuldade de avaliar com rigor o impacto dasmudanças sugeridas sobre a receita da União, a atribuição dessasporcentagens é uma questão polêmica, cuja reabertura pode invia-bilizar o avanço da reforma constitucional. Além disso, a preferên-cia concedida aos fundos regionais será facilmente contestada. Opotencial de conflitos dessa proposta é reconhecido pelo autor, queacrescenta um dispositivo no seu projeto prevendo que a Uniãocompensará os fundos caso seja constatada uma perda de seusrecursos nos dois anos subseqüentes à aprovação da emenda.

Mudanças semelhantes às anteriores nas competências tributá-rias são previstas no projeto do deputado Luiz Carlos Hauly. Elepropõe limitar o IPI a um imposto seletivo sobre fumo, bebidas, veí-culos, energia, combustíveis e comunicações; transformar o ICM emum IVA de base ampla (incluindo os serviços); reunir o IOF e o ITF

em um só imposto; transferir o ITR e o IPVA para os municípios; erever as bases e os coeficientes de partilha dos fundos constitucio-nais.

O IVA estadual adotaria o princípio de destino, não incidiria nasexportações e incluiria os serviços em sua base, hoje tributadospelo Imposto sobre Serviços (ISS) municipal, que seria extinto. Coma inclusão dos serviços, seria ampliada para 30% a participaçãodos municípios no IVA estadual, cuja fórmula de rateio seria alte-rada para obedecer ao seguinte critério de repartição: dois quintosem razão da população, dois quintos em função do valor adiciona-do e um quinto definido por lei estadual.

Tendo em vista a dupla incidência — estadual e federal — so-bre alguns produtos (fumo, bebidas, veículos, energia, etc.), o pro-jeto atribui ao Senado Federal competência para estabelecer a alí-quota máxima do IVA para esses produtos. No que diz respeito àoperacionalização do princípio de destino, fica implícita a tese deaplicação de alíquota zero nas fronteiras estaduais.

Com relação aos fundos, sua base seria constituída da receitafederal do Imposto de Renda, do Imposto Seletivo, e do IOF/TF, ca-

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bendo 12% desse montante ao FPE, 13% ao FPM e 5% ao Fundo Re-gional. Seriam também alterados os critérios de rateio desses fun-dos, mediante lei complementar, que contemplaria obrigatoria-mente o “esforço próprio de arrecadação” (relação entre a receitaprópria e estas acrescidas das transferências) na fórmula de cál-culo da cota-parte dos estados e municípios.

Embora com características semelhantes à proposta anterior, oprojeto do deputado Hauly inclui mudanças mais profundas e,portanto, mais polêmicas. A despeito de haver boas razões técnicaspara a incorporação dos serviços ao IVA estadual, sabemos queessa é uma tese que provoca forte reação dos municípios, que járejeitaram essa mesma proposta por ocasião da Assembléia Nacio-nal Constituinte. Na época, propunha-se mudança semelhante,elevando-se, em compensação, a participação dos municípios noimposto estadual (o ICM) de 20% para 25%. Como vimos, o resulta-do foi manter o aumento da participação dos municípios para25%, preservando-se, no entanto, o ISS na competência municipal.É provável que a repetição dessa experiência, se levada adiante,conduza a resultados semelhantes.

A alteração no critério de cálculo da cota-parte municipal no IVA,também prevista na proposta, é outro elemento que conduziria aum resultado semelhante ao observado em 1988. Como a mudan-ça sugerida reduziria em muito a cota dos municípios de maiorbase econômica — capitais e áreas metropolitanas — , promoven-do uma acentuada redistribuição desses recursos, o aumento nobolo a ser repartido entre os municípios seria a única forma deevitar que as perdas que viessem a ser observadas naqueles muni-cípios inviabilizassem seus orçamentos.

A revisão das porcentagens dos fundos constitucionais apre-senta problemas idênticos aos comentados a respeito da propostaanterior. Trata-se de saber se é fácil convencer todos os interessa-dos de que 30% de um novo bolo equivale a 47% do bolo anterior,tendo em vista a enorme incerteza provocada pela substituição doscomponentes que formam a base dessas transferências. De novo, oaumento dos fundos regionais pode vir a sofrer contestação.

Já a proposta do deputado Germano Rigotto, que adota a mes-ma linha de redução do IPI, vai mais longe nesse particular. Elepropõe, pura e simplesmente, a eliminação desse imposto, sem pôrnada em seu lugar. Essa proposta avança ainda mais na direçãoda municipalização das competências tributárias, que seriam re-

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forçadas com a incorporação dos serviços de transportes e comu-nicações ao ISS e a absorção do IPVA e do ITR pelos municípios. Osestados teriam como principal fonte de receita o Imposto de Cir-culação de Produtos — o ICP — , que incidiria sobre o que hoje étributado pelo IPI e pelo ICMS, exclusive os serviços de transportes ecomunicações. O imposto estadual manteria as mesmas caracte-rísticas do atual ICMS e incidiria na exportação de produtos primá-rios e semi-elaborados.

Partilhas e transferências seriam alteradas em função das mu-danças nas competências. Assim, os municípios manteriam a par-ticipação de 25% no imposto estadual, cujo rateio seria feito emfunção do valor adicionado (45%), da receita local (40%) e de crité-rios definidos em lei estadual (15%).

A base do FPE, do FPM e dos fundos constitucionais seria subs-tancialmente reduzida com a extinção do IPI, passando a contarapenas com a receita do Imposto de Renda, mantidas as atuaisporcentagens de rateio entre os fundos. Para compensar essa que-da, o projeto prevê uma transferência de 20% da arrecadação fede-ral dos demais tributos (comércio exterior, IOF e grandes fortunas)para estados e municípios, segundo os seguintes critérios: 50% re-partido em função da arrecadação, e 50% repartido em razão di-reta da população e de indicadores de carência social e em razãoinversa da renda per capita.

Embora a municipalização das competências tributárias e dasrendas públicas seja uma proposta coerente com a tese de munici-palização dos serviços públicos, e conte com muitos adeptos, nãoleva em conta o fato de que um exagerado enfraquecimento financei-ro da União comprometeria as possibilidades da promoção de ummelhor equilíbrio regional mediante programas federais de investi-mento.

Além disso, a proposta Rigotto amputa boa parte dos atuaisfundos de participação, que são, hoje em dia, os principais ins-trumentos fiscais voltados para a redução dos desequilíbrios regi-onais na repartição das receitas tributárias, decorrentes da con-centração espacial da renda e da população. A compensação pre-vista para a retirada do IPI da base desses fundos — transferênciade 20% da arrecadação federal dos impostos sobre o comércio ex-terior, IOF e grandes fortunas — não é suficiente, e dar-se-ia se-gundo critérios não-redistributivos.

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CONCLUSÃO

A análise anterior deixa claro que a despeito da vontade nacio-nal de ser promovida uma profunda reforma no sistema tributáriobrasileiro, a multiplicidade de fatores que precisam ser considera-dos para evitar um impasse na negociação dessa reforma requercautela e prudência de todos aqueles responsáveis pelo seu enca-minhamento. Boas intenções, desprovidas de uma forte dose derealismo, não conduzirão a resultados concretos, frustrando asexpectativas daqueles que anseiam pôr em marcha um processoirreversível de mudanças.

O fetiche do número de impostos não deve obscurecer o pensa-mento. Não é necessariamente a existência de um número mínimode tributos que garante simplicidade, eficiência e eqüidade na tribu-tação. Como vimos, o discurso da simplificação, quando desprovidode fundamento, encobre uma enorme complexidade. Ainda que osistema tributário brasileiro careça de mudanças profundas, estasnão podem ser realizadas de uma só vez, sob pena de compromete-rem o equilíbrio regional e federativo e o financiamento de programassociais indispensáveis à melhoria das condições de vida de grandeparte da população brasileira.

Projetos menos ousados, porém mais realistas, têm maioreschances de desencadear um círculo virtuoso de mudanças capazde promover uma completa modernização do sistema tributáriobrasileiro em um prazo compatível com as exigências desse fim deséculo. Muitas idéias nessa linha já estão sedimentadas, como re-velam alguns dos projetos que estão sendo analisados pelo Con-gresso Nacional. Ao Congresso cabe extrair das lições da história edo debate do momento a proposta mais condizente com as limita-ções e as necessidades do presente e com as demandas do futuro.

A PRODUÇÃO EDITORIAL DESTE VOLUME CONTOU COM O APOIO FINANCEIRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS

CENTROS DE PÓS -GRADUAÇÃO EM ECONOMIA — ANPEC.

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