8
9 www.vponline.com.br Érica de Jesus dos Santos e Camilla Almeida Menezes Análise contextual dos alimentos transgêni- cos no âmbito da segurança alimentar e nutricional no Brasil Analysis of transgenic foods in the context of food security and nutrition in Brazil Resumo Desde a década de 1950, é constante a preocupação em solucionar o problema da fome mundial. A produção de alimentos em larga escala, os avanços biotecnológicos, os organismos geneticamente modificados e os organismos transgênicos surgiram como alternativas para solução desse problema. O Brasil é, atualmente, o segundo maior produtor mundial de transgênicos. O presente estudo de revisão bibliográfica teve por objetivo analisar os avanços das políticas públicas de segurança alimentar e nutricional em relação ao cultivo e comercialização de alimentos transgênicos no Brasil. Nesse sentido, observa-se a necessidade, por parte dos órgãos fiscalizadores, de atualizar os métodos existentes para autorização do cultivo e comercialização desses alimentos, a fim de garantir a toda população brasileira alimentação adequada e segura, conforme consta na legislação. Palavras-chave: Alimentos transgênicos, Organismos Geneticamente Modificados, Segurança Alimentar e Nutricional. Abstract Since the 1950s, solving the problem of world hunger is a constant concern. The production of food in large-scale, biotechnological advances, genetically modified organisms and transgenic organisms (GMOs) have showed as alternatives to solve this problem. Brazil is currently the second largest producer of GM crops. This literature review aimed at analyzing the progress of public policies on food security and nutrition in relation to the cultivation and marketing of transgenic foods in Brazil. In this sense, it is necessary to update existing methods for authorizing the cultivation and marketing of these foods, by the regulatory agencies, in order to ensure adequate and safe food for the population, as stated in the legislation. Keywords: Transgenic food, GM Food, Genetically Modified Organisms, Food Security and Nutrition.

e esus os os e m me eees Análise contextual dos alimentos ... · A inserção dos alimentos transgênicos no Brasil De acordo com Cavalli 1, o cultivo de alimentos transgênicos

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: e esus os os e m me eees Análise contextual dos alimentos ... · A inserção dos alimentos transgênicos no Brasil De acordo com Cavalli 1, o cultivo de alimentos transgênicos

9

ww

w.v

ponl

ine.

com

.br

Érica de Jesus dos Santos e Camilla Almeida Menezes

Análise contextual dos alimentos transgêni-cos no âmbito da segurança alimentar e

nutricional no Brasil

Analysis of transgenic foods in the context of food security and nutrition in Brazil

ResumoDesde a década de 1950, é constante a preocupação em solucionar o problema da fome mundial. A produção de alimentos em larga escala, os avanços biotecnológicos, os organismos geneticamente modificados e os organismos transgênicos surgiram como alternativas para solução desse problema. O Brasil é, atualmente, o segundo maior produtor mundial de transgênicos. O presente estudo de revisão bibliográfica teve por objetivo analisar os avanços das políticas públicas de segurança alimentar e nutricional em relação ao cultivo e comercialização de alimentos transgênicos no Brasil. Nesse sentido, observa-se a necessidade, por parte dos órgãos fiscalizadores, de atualizar os métodos existentes para autorização do cultivo e comercialização desses alimentos, a fim de garantir a toda população brasileira alimentação adequada e segura, conforme consta na legislação.

Palavras-chave: Alimentos transgênicos, Organismos Geneticamente Modificados, Segurança Alimentar e Nutricional.

Abstract

Since the 1950s, solving the problem of world hunger is a constant concern. The production of food in large-scale, biotechnological advances, genetically modified organisms and transgenic organisms (GMOs) have showed as alternatives to solve this problem. Brazil is currently the second largest producer of GM crops. This literature review aimed at analyzing the progress of public policies on food security and nutrition in relation to the cultivation and marketing of transgenic foods in Brazil. In this sense, it is necessary to update existing methods for authorizing the cultivation and marketing of these foods, by the regulatory agencies, in order to ensure adequate and safe food for the population, as stated in the legislation.

Keywords: Transgenic food, GM Food, Genetically Modified Organisms, Food Security and Nutrition.

Page 2: e esus os os e m me eees Análise contextual dos alimentos ... · A inserção dos alimentos transgênicos no Brasil De acordo com Cavalli 1, o cultivo de alimentos transgênicos

10

Revi

sta

Bras

ileir

a de

Nut

riçã

o Fu

ncio

nal

Érica de Jesus dos Santos e Camilla Almeida Menezes

AIntrodução

A revolução verde ocorrida entre as décadas de 1950 e 1990 tinha como meta acabar com a fome no mundo. A princípio, as características principais eram a produção de alimentos em larga escala, por meio da inserção de maquinários no campo, do uso de fertilizantes e agrotóxicos. Contudo, na década de 1990 essa revolução tinha como principais características os avanços tecnológicos, com destaque para a biotecnologia e engenharia genética, surgindo, assim, os organismos geneticamente modificados (OGM) e organismos transgênicos (OT)1.

Segundo Tesser2, existe uma diferença entre organismo geneticamente modificado e organismo transgênico. Quando somente o material genético (DNA/RNA) do próprio organismo é modificado, este recebe o nome de OGM; porém, quando o organismo recebe material genético de espécies diferentes como vírus ou bactérias, é denominado OT2.

Na década de 1990, surgiram no Brasil as primeiras sementes transgênicas de soja, oriundas da Argentina, porém essa cultura era irregular, ou seja, o plantio e a comercialização de organismos transgênicos ainda não eram autorizados pelos órgãos governamentais3. A legalização do cultivo só ocorreu no ano de 1995, por meio da Lei nº 8.974, conhecida como a Lei da Biossegurança4.

No que diz respeito à segurança alimentar e nutricional dos alimentos, cabe ao Ministério da Saúde, ao Ministério da Agricultura e Abastecimento, à Agência Nacional de Vigilância Sanitária e ao Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor fiscalizar se a oferta de alimentos atende aos critérios de produção e comercialização1.

Considerando que o Brasil é, atualmente, o segundo maior produtor de alimentos transgênicos5 e o consequente aumento do consumo desses alimentos pela população brasileira, faz-se necessário ampliar o conhecimento acerca do tema, visto que a literatura científica já identifica o impacto negativo do consumo de OT/OGM sobre a saúde da população, como indução de resistência a antibióticos e processos alérgicos6.

O presente trabalho de revisão bibliográfica, pautado em artigos científicos, sites governamentais

e não governamentais, tem como objetivo relatar os avanços da segurança alimentar e nutricional em relação ao cultivo e comercialização de alimentos transgênicos no Brasil.

Metodologia

Os artigos científicos utilizados na construção do trabalho são oriundos das bases de dados PUBMED e SCIELO e de revistas científicas, nas línguas portuguesa e inglesa. Os sites governamentais do Ministério da Saúde, Ministério da Agricultura e Abastecimento, Comissão Técnica Nacional de Biossegurança e do Palácio do Planalto e os não governamentais, como os do Greenpeace e do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, também serviram de subsídio para a construção do artigo. Os critérios de busca utilizados foram: “alimentos transgênicos”, “organismos geneticamente modificados”, “segurança alimentar e nutricional” e “legislações”.

Os alimentos transgênicos

A fome mundial serviu para justificar a revolução verde iniciada na década de 1950. A proposta era aumentar a produção agrícola, a variedade de cultivos, realizar o cultivo em qualquer época do ano e em qualquer local. Contudo, para que isso ocorresse de modo eficaz, os agrotóxicos e fertilizantes sintéticos passaram a ser utilizados de forma excessiva, a fim de garantir

Com base na análise das referências selecionadas, foi realizado um panorama dos alimentos transgênicos desde a sua inserção no Brasil, passando pelo processo de legalização do cultivo até a formação da Comissão e Conselho Técnicos, responsáveis por autorizar a produção e comercialização dos transgênicos. Já os órgãos não governamentais exercem também papel impor tante no desenvolvimento da pesquisa, pois são as entidades que levantam questionamentos quanto à segurança alimentar e nutricional dos alimentos transgênicos. Foi possível, ainda, realizar uma análise no que diz respeito às leis vigentes relacionadas à produção, à comercialização e à biossegurança de organismos transgênicos, e às legislações do Código de Defesa do Consumidor e da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional.

Page 3: e esus os os e m me eees Análise contextual dos alimentos ... · A inserção dos alimentos transgênicos no Brasil De acordo com Cavalli 1, o cultivo de alimentos transgênicos

11

ww

w.v

ponl

ine.

com

.br

Análise contextual dos alimentos transgênicos no âmbito da segurança alimentar e nutricional no Brasil

a quantidade e qualidade de alimentos necessários para atender à população7. Já na década de 1990, surge a ideia de uma “nova” revolução verde, tendo como peça principal a genética, devido aos avanços no âmbito da engenharia genética e biotecnologia, que permitiram transformações na agricultura e o surgimento dos transgênicos1.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define organismo geneticamente modificado (OGM) como aquele que tem seu próprio material genético (DNA/RNA) modificado, sem a inserção de material genético de espécie diferente. Já organismos transgênicos (OT) são aqueles que recebem material genético de outras espécies2. Essa definição diferenciada já era descrita por Cegalla8, que classifica como transgênico o organismo que contém material genético tirado de outras espécies com o auxílio da biotecnologia.

Os mais diversos organismos podem ser utilizados para que esse “cruzamento” de material genético ocorra, como vírus, bactérias, fungos e herbicidas, criando, assim, sementes resistentes a pragas, como a soja, que possui resistência às ervas daninhas, e o milho Bt, que possui o material genético da bactéria Bacillus thuringiensis5.

As sementes transgênicas resistentes a herbicidas têm como objetivo resistir à ação das ervas daninhas que podem surgir ao redor da plantação. O fato de utilizar sementes transgênicas resistentes a herbicidas não significa dizer que

a plantação não necessitará de agrotóxicos. Na verdade, ao utilizar sementes transgênicas o agricultor é estimulado a adquirir o agrotóxico específico para o tipo de semente. Porém, a literatura vem demonstrando que as ervas daninhas estão se tornando resistentes aos agrotóxicos, e, consequentemente, o agricultor passa a utilizar o produto de modo excessivo9.

Conforme Ferment et al.5, os cultivos conhecidos como Bt são definidos como plantas inseticidas, em que o gene da bactéria Bacillus thuringiensis é enxertado na semente, o que gera produção de uma toxina que promove a morte do inseto no momento em que tem contato com a plantação. De acordo como mesmo autor, existem determinadas sementes que possuem as duas características, tanto a resistência a herbicidas quanto a ação inseticida.

A inserção dos alimentos transgênicos no Brasil

De acordo com Cavalli1, o cultivo de alimentos transgênicos em escala comercial teve início no ano de 1994, nos Estados Unidos. Observa-se que o cultivo da soja, do milho e do algodão está presente não só nos Estados Unidos, mas também na Argentina, União Europeia, Canadá, Japão e Brasil, conforme Tabela 1.

Tabela 1. Cultivo e comercialização de transgênicos.

Fonte: Adaptado de Cavalli1 e CTNBio10.

Soja

MilhoAlgodão

MilhoAlgodão

Canola

SojaMelãoBatataTrigo

MelãoSoja

TomateAlgodãoBatataCanola Milho

SojaCanolaBatataMilho

Algodão Tomate

TomateCanola

Soja

Milho

BatataAlgodão

Soja

AlgodãoMilho

1994

1995

1996

1997

1998

1999

20052007

Canadá Estados Unidos Japão União Europeia BrasilArgentina

Page 4: e esus os os e m me eees Análise contextual dos alimentos ... · A inserção dos alimentos transgênicos no Brasil De acordo com Cavalli 1, o cultivo de alimentos transgênicos

12

Revi

sta

Bras

ileir

a de

Nut

riçã

o Fu

ncio

nal

Érica de Jesus dos Santos e Camilla Almeida Menezes

No Brasil, no final da década de 1990, sementes transgênicas de soja começaram a ser cultivadas ainda de forma irregular no estado do Rio Grande do Sul, oriundas da Argentina3. O cultivo autorizado de transgênicos no Brasil ocorreu em 1995, por meio da Lei nº 8.974, de janeiro de 1995, que trata sobre os aspectos da biossegurança. Dessa forma, foram estabelecidas as normas de segurança e formas de fiscalizar o cultivo, a comercialização, os avanços genéticos, a manipulação, o consumo, a liberação e o descarte do OGM, com o intuito de promover a segurança da população e do meio ambiente.

A referida legislação foi regulamentada pelo Decreto nº 1.752, de novembro de 1995, quando foi criada a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), que tem como competências: criar a política nacional de biossegurança, realizar o acompanhamento dos avanços da biossegurança, estabelecer as normas para todo o processo, desde a autorização para o cultivo até a comercialização, sendo a segurança alimentar e do meio ambiente os principais objetivos desse decreto11.

Contudo, no ano de 1998, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), o Greenpeace e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA), por meio de ação judicial, solicitaram a suspensão do cultivo e comércio da soja Roundup Ready (RR), que havia sido autorizado pelo CTNBio, devido à falta de estudos que comprovassem que a mesma não causaria impacto ambiental e riscos à saúde e, também, devido à falta de informações contundentes para a aprovação do plantio3.

No ano de 2005, a Lei nº 8.974, referente à biossegurança, foi revogada, passando a vigorar a Lei nº 11.105, que dá origem ao Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) e à Política Nacional de Biossegurança (PNB) e reestrutura a CTNBio. Cabia ao CNBS formular e implementar a PNB, por ser um órgão vinculado à Presidência da República. Foi definida como competência do CNBS “analisar, a pedido da CTNBio, quanto aos aspectos da conveniência e oportunidade socioeconômicas e do interesse nacional, os pedidos de liberação para uso comercial de OGM e seus derivados”12. A legislação de 2005 também tornava legal a comercialização, em todo território

brasileiro, da soja RR resistente ao herbicida glifosato.

Conforme dados da CTNBio10, no Brasil, as plantas transgênicas autorizadas para comercialização são: soja (1998), milho (2007), feijão (2011), algodão (2005) e eucalipto (2015). Contudo, segundo Ferment et al.5, o feijão e o eucalipto ainda não são cultivados. Além dessas, foi autorizado o comércio de outros OT como vacinas, microrganismos, insetos e enzimas.

A ação dos órgãos fiscalizadores no âmbi-to da segurança alimentar e nutricional

Em seu estudo, Cavalli1 ressalta que, no Brasil, o termo segurança alimentar é amplo e se refere tanto ao alimento seguro para a saúde da coletividade, livre de contaminação química, biológica ou patológica (food safety - alimento seguro), quanto à garantia ao acesso a alimentos com qualidade nutricional adequada (food security - segurança alimentar). Cabe ao Ministério da Saúde, ao Ministério da Agricultura e Abastecimento, à Agência Nacional de Vigilância Sanitária e ao IDEC fiscalizar a segurança alimentar e nutricional.

No ano de 2006, foi criada no Brasil a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional – LOSAN13, que tinha como objetivo promover o direito a uma alimentação adequada a todos, e cabia ao poder público garantir a segurança alimentar e nutricional da população e desenvolver políticas e ações para que isso ocorresse.

Visto que a literatura científica ainda não é conclusiva no que diz respeito à segurança dos alimentos transgênicos, de acordo com o disposto na LOSAN, cabe ao poder público criar ações de monitoramento do cultivo, comercialização e consumo de alimentos contendo OGM, para garantia da segurança alimentar e nutricional.

De acordo com Camara et al.6, no que diz respeito à segurança alimentar, vale ressaltar dois critérios opostos. O primeiro critério é o da “equivalência substancial” (ES), no qual o posicionamento é favorável ao cultivo de alimentos transgênicos, uma vez que é considerado igual ao original, não representando risco para saúde humana. Desde o ano 2000, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) utiliza

Page 5: e esus os os e m me eees Análise contextual dos alimentos ... · A inserção dos alimentos transgênicos no Brasil De acordo com Cavalli 1, o cultivo de alimentos transgênicos

13

ww

w.v

ponl

ine.

com

.br

Análise contextual dos alimentos transgênicos no âmbito da segurança alimentar e nutricional no Brasil

o critério de ES como norteador para o cultivo e comercialização de transgênicos, assim como a Argentina e o Canadá. O outro critério se refere ao “princípio da precaução” (PP), utilizado quando não há certeza dos possíveis danos do consumo de alimentos com OGM para a saúde.

O critério de ES é utilizado por aqueles que possuem opinião favorável ao cultivo de transgênicos, alegando que o conhecimento científico sobre transgênicos está em expansão, que as sementes são mais nutritivas, que não oferecem perigo à saúde humana e ambiental devido ao rigor no processo de regulamentação e, principalmente, pelo fato de não existir outra forma de agricultura que possa acabar com o problema da fome do mundo.

Argumentos contrários à produção de transgênicos são embasados no critério PP, pois o conhecimento científico sobre a agricultura de transgênicos ainda é incompleto, por não considerar os possíveis riscos ambientais e à saúde humana. Observa-se, também, que o cultivo de transgênicos parece ser lucrativo apenas para o produtor das sementes e para os grandes agricultores. Além disso, estudos relacionados a agrossistemas sustentáveis estão em desenvolvimento, visando a proteger a biodiversidade e proporcionar ao pequeno agricultor a inserção no mercado, com o objetivo de sanar a questão do aumento da demanda mundial de alimentos6.

Ainda de acordo com Camara et al.6, devem ser levados em consideração os riscos à saúde da população ocasionados pelo plantio e consumo de alimentos transgênicos, como surgimento de alergias e resistência a antibióticos, além dos riscos ao meio ambiente. Por isso, no ano de 2003, a Codex Alimentarius Commission adotou uma série de princípios que devem ser avaliados em relação à produção de transgênicos e segurança alimentar, como toxicidade, alergenicidade, componentes que promovem propriedades nutricionais ou tóxicas, estabilidade do material genético inserido, modificações nutricionais e os efeitos não intencionais que podem vir a ocorrer.

De acordo com a busca literária realizada na presente revisão, é crescente a preocupação relacionada à possível resistência a antibióticos e à alergenicidade causadas pelo consumo de

alimentos transgênicos. A ingestão continuada de alimentos contendo ingredientes transgênicos, nos quais foi inserido material genético de bactérias com o intuito de torná-los resistentes a pragas, pode levar o consumidor à resistência à ação de antibióticos. Da mesma forma, os prováveis promotores de alergias alimentares seriam as proteínas originárias de genes transplantados.

Os alimentos e ingredientes transgênicos De acordo com as referências bibliográficas

analisadas, no que diz respeito à segurança alimentar e nutricional, há pouca informação científica disponível sobre os riscos à saúde da população e do meio ambiente gerados pelo uso de alimentos contendo OT. Apesar dessa realidade, é crescente a comercialização de alimentos transgênicos no Brasil, sendo a soja transgênica o produto mais cultivado.

No Brasil, a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, que deu origem ao Código de Defesa do Consumidor, relata como direitos do consumidor “a proteção da vida, a saúde e segurança, a informação adequada e clara sobre os produtos e serviços relacionados aos riscos que os produtos ou serviços apresentem”14.

No âmbito do direito à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços comercializados, o Brasil parece retroceder. No ano de 2003, foi criado o Decreto de Rotulagem nº 4.680, que obrigava os fabricantes a identificar na embalagem o produto que possui ingrediente transgênico (mais de 1% da sua matéria-prima oriunda de alimentos transgênicos). Essa identificação deveria ser feita por meio da inserção do símbolo, composto por um triângulo amarelo com a letra “T” no centro, impresso na embalagem do produto15.

Contudo, no dia 28 de abril de 2015, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei por meio do qual deixa de ser obrigatória a rotulagem de identificação de ingredientes transgênicos, restando apenas que o mesmo seja aprovado pelo Senado para que se torne efetivo, ou seja, o consumidor brasileiro perderia o direito à informação, estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor16. No dia 12 de maio de 2016, o

Page 6: e esus os os e m me eees Análise contextual dos alimentos ... · A inserção dos alimentos transgênicos no Brasil De acordo com Cavalli 1, o cultivo de alimentos transgênicos

14

Revi

sta

Bras

ileir

a de

Nut

riçã

o Fu

ncio

nal

Érica de Jesus dos Santos e Camilla Almeida Menezes

Superior Tribunal Federal pôs fim ao projeto de lei proposto pelos deputados, logo, o direito à informação na rotulagem quanto aos alimentos transgênicos, independente da quantidade de matéria-prima, foi mantido17.

É importante salientar que uma infinidade de produtos pode conter ingredientes transgênicos na sua composição, como biscoitos, margarinas, embutidos (salsicha, linguiça, mortadela, presunto), farinhas para mingau, óleos, bebidas lácteas, ração para animais, dentre outros.

Consta na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) dos anos de 2008 e 2009 que o cenário da desnutrição infantil no Brasil vem apresentando redução, comparado com as décadas de 1980 e 2000; porém, em relação à obesidade, observa-se que houve aumento quando comparado com a POF 2002-2003, sobretudo em crianças a partir dos 5 anos de idade. Esse cenário pode ser justificado pelo aumento do consumo de alimentos industrializados, como biscoitos, embutidos, farinha refinada e comida congelada, em detrimento do consumo de alimentos tradicionais como feijão, arroz, verduras e frutas. Esses dados tornam o cenário do cultivo e comercialização indiscriminados de OT/OGM ainda mais preocupante, uma vez que é sabido que muitos desses alimentos servem como matéria-prima para fabricação de produtos alimentares industrializados, cada vez mais consumidos pela população brasileira18.

Os possíveis riscos relacionados ao culti-vo e consumo de alimentos transgênicos

Segundo Ferment et al.5, as questões relacionadas à biossegurança têm sido negligenciadas pelo CTNBio, ANVISA E IBAMA, como o potencial risco da modificação genética de alimentos de promover alteração de vias metabólicas, podendo originar a formação de novas proteínas, com ação tóxica ou alergênica.

contribuem para a aquisição de água e nutrientes pelas árvores. Esse efeito, consequentemente, afetaria de forma negativa o ecossistema local. Contudo, a literatura apresenta limitações quanto à avaliação das alterações da microbiota presente no solo das áreas de cultivo de transgênicos, uma vez que faltam informações quanto à composição da microbiota anterior ao cultivo19.

No artigo de Gilles et al.20, foi realizada uma revisão de outros 19 estudos, entre eles ensaios com mamíferos alimentados com soja e milho transgênicos, a fim de avaliar a possível toxicidade desses compostos alimentares. Foi observado que a dieta composta por OGM levou ao desenvolvimento de problemas hepáticos e renais nos animais estudados. Contudo, o autor sugere que mais estudos venham a ser realizados, com tempo de análise superior a 90 dias, com o intuito de avaliar a toxicidade crônica.

Estudos que avaliam o impacto ambiental relacionado ao cultivo de OGM relatam o surgimento de alterações no solo das áreas de plantio de árvores geneticamente modificadas. Essas alterações parecem ser influenciadas pela mudança da composição da microbiota do solo, em especial a população de fungos micorrízicos, que

De acordo com Hodgson21, a alergenicidade é um dos possíveis riscos ocasionados pelo consumo de OT. No entanto, os testes até então realizados são inconclusivos, pois as proteínas utilizadas nos ensaios clínicos em animais não são as mesmas presentes no OT, mas sim proteínas homólogas a outro alérgeno alimentar. O autor acrescenta que, para melhor esclarecimento do potencial risco do consumo de OT para a saúde, os testes devem ser diretos, rigorosos e com o uso das proteínas oriundas do OT.

A obesidade foi tema de estudo epidemiológico realizado por Shao e Chin22, a fim de avaliar a relação entre consumo alimentar e a crescente incidência de obesidade. Foi observado que alimentos como frango, óleos e queijos não foram relacionados ao aumento da incidência de obesidade. Para surpresa dos pesquisadores, os produtos contendo milho na sua composição apresentaram maior relação. Os pesquisadores ressaltam, ainda, que a epidemia da obesidade surge no mesmo momento dos avanços da bioengenharia dos alimentos transgênicos. De acordo com o autor, parece haver relação positiva entre consumo de alimentos transgênicos e obesogênese.

Com o auxílio da biologia molecular, alguns alimentos passam por um processo de melhoria nutricional que aumenta a concentração de

Page 7: e esus os os e m me eees Análise contextual dos alimentos ... · A inserção dos alimentos transgênicos no Brasil De acordo com Cavalli 1, o cultivo de alimentos transgênicos

15

ww

w.v

ponl

ine.

com

.br

Análise contextual dos alimentos transgênicos no âmbito da segurança alimentar e nutricional no Brasil

nutrientes como ácido fólico, vitaminas A, C, E e ferro. Contudo, a biodisponibilidade desses nutrientes necessita de avaliação criteriosa, com o intuito de comprovar a eficácia dos alimentos melhorados nutricionalmente em promover segurança alimentar23.

Considerações finais

Há dezoito anos o Brasil cultiva e comercializa alimentos transgênicos, ocupando o posto de segundo maior produtor mundial. Contudo, a ação dos órgãos fiscalizadores, no âmbito da

segurança alimentar e nutricional, necessita de maior atenção.

Todos os estudos aqui mencionados reforçam a necessidade da realização de mais pesquisas sobre os possíveis efeitos adversos do consumo de OT, a fim de garantir a segurança alimentar e nutricional desses alimentos, uma vez que os estudos disponíveis são experimentos de curto prazo e com amostragem insuficiente.

De acordo com a literatura, cabe aos órgãos competentes realizar as pesquisas científicas necessárias para elucidar os riscos ambientais, alergênicos, de resistência a antibióticos ou qualquer outro efeito adverso que possa ser desencadeado pelo processo de transgenia. Da mesma forma, é fundamental que a população esteja ciente dos seus direitos, pois a alimentação adequada e segura, assim como o acesso à informação sobre a composição dos produtos alimentícios e os seus potenciais riscos à saúde, são direitos garantidos e fundamentados pela legislação brasileira.

Dessa forma, é importante que os avanços do cultivo, comercialização e consumo de alimentos transgênicos no âmbito da segurança alimentar e nutricional continuem sendo acompanhados pela literatura científica.

Referências

1. CAVALLI, S. B. Segurança alimentar: a abordagem dos alimentos transgênicos. Rev Nutr; 14: p.41-46, 2001.2.TESSER, A. Qual a diferença entre alimentos transgênicos e alimentos geneticamente modificados? Publicado em 04 set. 2015. Disponível em: <http://www.nutritotal.com.br/perguntas/?acao=bu&categoria=23&id=855>. Acesso em: 29 set. 2015.3. FUCK, M. P.; BONACELLI, M. B. Sementes geneticamente modificadas: (in)segurança e racionalidade na adoção de transgênicos no Brasil e na Argentina. Rev Iberoam Cienc Tecnol Soc; 4(12), 2009. Disponível em:<http://www.scielo.org.ar/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1850-00132009000100002&lang=pt>. Acesso em 17 out. 2015.4. BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 8.974, de 05 de janeiro de 1995. Comissão Técnica Nacional de Biossegurança. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 23 ago. 2001. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1995/lei-8974-5-janeiro-1995-348748-norma-pl.html>. Acesso em: 05 out. 2015.5. FERMENT, G. et al. Lavouras transgênicas – riscos e incertezas: mais de 750 estudos desprezados pelos órgãos reguladores de OGMs. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2015. 6. CAMARA, M. C. C.; MARINHO, C. L.C.; GUILAM, M. C. R.; NODARI, R. O. Transgênicos: avaliação da possível (in)segurança alimentar através da produção científica. História, Ciências, Saúde – Manguinhos;16(3):669-681, 2009.7. MATOS, A. K.V. Revolução verde, biotecnologia e tecnologia alternativas. Cadernos da FUCAMP; 10(12):1-17, 2010. Disponível em: < http://www.fucamp.edu.br/editora/index.php/cadernos/article/view/134/120>. Acesso em: 20 fev. 2016.8. CEGALLA, D. P. Dicionário Escolar da Língua Portuguesa. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.9. LONDRES, F. Transgênicos no Brasil: as verdadeiras consequências. Disponível em: <http://www.unicamp.br/fea/ortega/agenda21/candeia.htm>. Acesso em: 24 jul. 2015.10. CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança). Resumo Geral de Plantas Geneticamente modificadas aprovadas para Comercialização. Atualizado 04 mar. 2015. Disponível em:< http://bch.ctnbio.gov.br/index.php/content/view/12482.html >. Acesso em: 10 set. 2015.11. BRASIL. Decreto nº 1.752, de 20 de dezembro de 1995. Regulamenta a Lei nº 8.974, de 05 de janeiro de 1995, dispõe sobre a vinculação, competência e composição da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 20 dez. 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D1752.htm>. Acesso em 05 out. 201512. BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 24 mar. 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2005/lei/l11105.htm>. Acesso em 10 out. 2015.13. BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

Page 8: e esus os os e m me eees Análise contextual dos alimentos ... · A inserção dos alimentos transgênicos no Brasil De acordo com Cavalli 1, o cultivo de alimentos transgênicos

16

Revi

sta

Bras

ileir

a de

Nut

riçã

o Fu

ncio

nal

Érica de Jesus dos Santos e Camilla Almeida Menezes

– SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 15 set 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11346.htm>. Acesso em: 05 out. 2015.14. BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF 11 set 1990. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm>. Acesso em: 08 out. 2015.15. GONZALEZ, I. Rotulagem como direito básico. Disponível em: < http://www.greenpeace.org/brasil/pt/O-que-fazemos/Transgenicos/>. Acesso em: 24 jul. 2015.16. IDEC (Instituto Brasileira de Defesa do Consumidor). Deputados derrubam informação sobre transgênicos ao consumidor. Publicado em 29 abr. 2015. Disponível em: <http://www.idec.org.br/em-acao/em-foco/deputados-derrubam-informaco-sobre-transgenicos-ao-consumidor>. Acesso em: 22 set. 2015.17. IDEC (Instituto Brasileira de Defesa do Consumidor). Vitória: STF garante rotulagem de qualquer teor de transgênicos, fruto de ação do Idec. Publicado em 19 mai. 2016. Disponível em: < http://www.idec.org.br/em-acao/em-foco/vitoria-stf-garante-rotulagem-de-qualquer-teor-de-transgenicos-fruto-de-aco-do-idec >. Acesso em: 20 mai. 2016.18. PESQUISA DE ORÇAMENTOS FAMILIARES 2008-2009. Antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, 2010.19.GALLARDO, F. et al. Soil Effects of Genetically Modified Trees (GMTs). In: VETTORI, C. et al. Biosafety of Forest Transgenic Trees: Improving the Scientific Basis for Safe Tree Development and Implementation of EU Policy Directives. Forestry Sciences. pp 155-172, 2016.20. GILLES, E. S. et al. Genetically modified crops safety assessments: present limits and possible improvements. Environmental Sciences Europe; 23:10, 2011. Disponível em: <http://www.enveurope.com/content/23/1/10>. Acesso em: 20 abr. 2016.21. HODGSON, E. Genetically modified plants and human health risks: Can additional research reduce uncertainties and increase public confidence? Toxicol Sci; 63: 153-156. Disponível em: <http://toxsci.oxfordjournals.org/content/63/2/153.long>. Acesso em: 20 abr. 2016.22. SHAO, Q.; CHIN, K.V. Survey of American food trends and the growing obesity epidemic. Nutr Res Pract; 5(3):253-9, 2011. Disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21779530>. Acesso em: 19 abr. 2016.23. TUCKER, G. Nutritional enhancement of plants. Current Opinion in Biotechnology. Curr Opin Biotechnol;14(2):221-5, 2003. Disponível em: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12732325>. Acesso em: 20 abr. 2016.

Realização

informações e regulamento geralpara expositores e montadoras

RealizaçãoPatrocinador Ouro

siga-nos nas redes sociais

centro de

convenções

Frei Caneca

São Paulo - SP

Dias 29, 30 de Setembro

e 01 de Outubro

2016

Internacional de xIi Congresso

Nutrição Funcional

Patrocinador Ouro

Trabalho

Regulamento

VP��li�e��o���

centro de

convenções

Frei Caneca

São Paulo - SP

Dias 29, 30 de Setembro

e 01 de Outubro

2016

Internacional de xIi Congresso

Nutrição Funcional

Já se inscreveueste para

ano?

VPo�li�e��o���o tempo está acabando!

nos siga nas redes sociais

A programação está no ar! é só escolher

realização

Nutriçao Clínica

funcional

no ar! é só escolher ; )A programação está

corra.

realização

Internacional de xIi Congresso

Nutrição Funcional

Opção de trocar de salas durante o evento*

Materiais personalizados

Ponto de atendimento exclusivo

VP

Precisa

Vantagens?

e

Encontro para bate - papo com o Prof. Murilo Pereira (Coordenador da Academia)

Cadeiras reservadas com lugares privilegiados**

*Mediante disponibilidade de vagas**�omente na sala em �ue �zer a inscrição

Realização

convite

Conheça as vantagens de ser membro da academia

vponline.com.br

+ Informações Acesse

Certificação

Standard

Premium

Gold Contratação de 3 cursos com duração quadrimestral

Contratação de 2 cursos com duração quadrimestral

Contratação de 1 curso com duração quadrimestral

Quanto mais cursos maior a sua

Atualização cientí�ca

Capacitação do Pro�ssional para a prática Clínica

Garantia do atendimento nutricional com excelência

Diferenciação no mercado de trabalho

+

Precisa

raB sa ili em ire ad a dc eA

Nutriçãofuncional

raB sia li em ire ad a dc eA

Nutriçãofuncional

Standard

Contratação de 2 cursos com duração quadrimestral

Contratação de 1 curso com duração quadrimestral

Contratação de 1 curso com duração quadrimestral

Contratação de 1 curso com duração quadrimestral

Certificação

Premium

GoldContratação de 3 cursos

com duração quadrimestral

Quanto mais cursos maior a sua

Standard

Contratação de 2 cursos com duração quadrimestral

Contratação de 1 curso com duração quadrimestral

realização

+ Informações Acesse

VPonline.com.br0

5

25

75

95

100