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As Piores Coisas Thomas Watson

AS PIORES COISAS - Thomas Watson

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AS PIORES COISAS - Thomas Watson

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Page 1: AS PIORES COISAS - Thomas Watson

As Piores Coisas

Thomas Watson

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Sermão de Thomas Watson - "A Divine Cordial"

Capítulo - "The worst things work for good to the godly"

(As piores coisas cooperam para o bem do piedoso)

Traduzido e revisado por Diagramado por

Joelson Galvão Pinheiro Fabio Martins

Original aqui: http://www.ccel.org/ccel/watson/cordial.pdf

Imagem de capa: http://c590298.r98.cf2.rackcdn.com/XEF4_017.JPG

Brasil – 2013

Page 3: AS PIORES COISAS - Thomas Watson

INTRODUÇÃO

“E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o Seu propósito”. (Rm 8:28)1

Primeiro precisamos considerar que coisas contribuem para o bem do homem piedoso2; e aqui iremos mostrar que tanto as coisas boas quanto as piores, contribuem para o bem deles.

Não me entenda mal, eu não digo que em sua própria natureza, as piores coisas são boas, pois elas são fruto de uma maldição. Mas embora elas sendo naturalmente más – não obstante, elas são moralmente boas quando a sábia e soberana mão de Deus as governa e as santifica. Como os elementos, embora de qualidades diferentes, Deus os ajusta de tal forma que todos eles irão cooperar de forma harmoniosa para o bem do universo. Ou como num relógio as engrenagens parecem se mover de forma contrária as outras – mas todas fazem com que o relógio funcione. Assim, algumas coisas parecem se mover de forma contrária ao homem piedoso – não obstante, pela maravilhosa providência de Deus, elas contribuem para o bem deles. Entre essas piores coisas, existem quatro coisas más e tristes que contribuem para o bem daqueles que amam a Deus.

1 Todas as citações bíblicas (exceto aquelas com notas que indicam qual a versão ou tradução direta) são da Almeida

Corrigida e Revisada Fiel. Nota do tradutor.

2 Em todo o texto, a palavra “piedoso” é utilizada como aquele que tem devoção às coisas santas, ou seja, o contrário

de “ímpio”. Nota do tradutor.

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1. O MAL DA AFLIÇÃO CONTRIBUI PARA O BEM DO HOMEM PIEDOSO.

Algo que nos aquieta o coração é considerar que em todas as aflições, Deus está operando de forma especial: “O Todo-poderoso me tem feito mal” (Rt 1:21). Instrumentos não podem mais se mexer até que Deus ordene da mesma forma que um machado não pode cortar sem uma mão. Jó viu Deus em sua aflição, mas com Agostinho observa, ele não diz: “O Senhor deu e o diabo tirou”, mas “O Senhor deu e o Senhor tirou”. Seja quem for que nos traz aflição, é Deus quem a envia.

Outra consideração que nos aquieta o coração é que as aflições cooperam para o bem. “Eu os enviei para o cativeiro para o seu próprio bem.” (Jr 24:6)3. O cativeiro de Judá na Babilônia foi para seu bem. ”Foi-me bom ter sido afligido, para que aprendesse os teus estatutos.” (Sl 119:71). Que esse texto, como a vara de Moisés lançada nas águas amargas da aflição, possa fazê-las doce e salutar para que você a beba. Aflições são medicinais para o homem piedoso. Da droga mais venenosa Deus extrai nossa salvação. Aflições são tão necessárias quanto às ordenanças (1 Pe 1:6). Nenhum vaso pode ser feito de ouro sem fogo; assim é impossível que devamos ser vasos de honra, a não ser que sejamos derretidos e refinados na fornalha da aflição. “Todas as veredas do Senhor são misericórdia e verdade” (Sl 25:10). Assim como o pintor mistura cores coloridas com sombras escuras; o sábio Deus mistura misericórdia com julgamento. Aquelas providências aflitivas que parecem ser prejudiciais, são benéficas. Vamos ver alguns exemplos das Escrituras:

Os irmãos de José o jogaram em um poço; posteriormente eles o venderam; depois ele é jogado numa prisão; não obstante, tudo isso contribuiu para seu bem. A sua humilhação foi que causou sua progressão, ele se tornou o segundo homem no reino. “Vós bem intentastes mal contra mim; porém Deus o intentou para o bem” (Gn 50:20).

Jacó lutou com o anjo, e a junta da sua coxa foi deslocada. Isto foi triste, mas Deus o tornou em bem, pois lá ele viu a face de Deus e lá o Senhor o abençoou. “E chamou Jacó o nome daquele lugar Peniel, porque dizia: Tenho visto a Deus face a face” (Gn. 32:30). Quem não estaria disposto a ter um osso deslocado para que pudesse ter uma visão de Deus?

O rei Manassés foi amarrado em cadeias. Foi algo triste – uma coroa de ouro se transformou em grilhões. Mas isso contribuiu para seu bem. “Assim o SENHOR trouxe sobre eles os capitães do exército do rei da Assíria, os quais prenderam a Manassés com ganchos e, amarrando-o com cadeias, o levaram para babilônia. E ele, angustiado, orou deveras ao SENHOR seu Deus, e humilhou-se muito perante o Deus de seus pais; E fez-lhe oração, e Deus se aplacou para com ele, e ouviu a sua súplica, e tornou a trazê-lo a Jerusalém, ao seu reino. Então conheceu Manassés que o SENHOR era Deus.” (2Cr 33:11-13). Ele era mais devedor a sua cadeia de ferro do que a sua coroa de ouro. Uma o fez orgulhoso, a outra o fez humilde.

3 Tradução direta. Nota do Tradutor.

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Jó, um espetáculo de miséria; ele perdeu tudo que sempre teve; ele abundou somente em feridas e úlceras. Foi algo triste; mas isso contribuiu para seu bem, sua virtude foi provada e melhorada. Do céu Deus deu testemunho de sua integridade, e o compensou sua perda dando o dobro de tudo o que antes possuíra (Jó 42:10).

Paulo foi atingido por uma cegueira. Foi algo desconfortável; mas isso se tornou em bem para ele. Deus, pela sua cegueira, fez com que a luz da graça brilhasse em sua alma; isso foi o começo de uma feliz conversão (At 9).

Assim como as duras geadas no inverno trazem as flores na primavera; assim como a noite precede a estrela da manhã: assim, os males das aflições produzem muito bem para aqueles que amam a Deus. Mas estamos prontos a questionar a veracidade disso, e dizer, como Maria disse ao anjo, “Como pode ser isso?” Portanto te mostrarei muitas maneiras de como as aflições cooperam para o bem.

(1). Aflição contribuiu para o bem como nosso pregador e mestre: “Ouvi a vara” (Mq 6:9). Lutero disse que ele não pôde entender corretamente alguns dos Salmos até que ele esteve em aflição.

Aflição ensina o que é o pecado. Na palavra pregada, nós ouvimos como o pecado é uma coisa horrível, ele tanto desfigura quanto condena. Mas nós o tememos tanto quanto um leão numa pintura; portanto, Deus permite a aflição e então sentimos o amargo do pecado em seu próprio fruto. Uma cama enferma geralmente ensina mais que um sermão. Nós podemos ver melhor o feio semblante do pecado quando olhamos pelas lentes da aflição!

Aflição nos ensina a conhecer a nós mesmos. Na prosperidade nós somos na maioria das vezes estranhos a nós mesmos. Deus nos aflige para que possamos nos conhecer melhor. É em tempo de aflições que vemos aquela corrupção em nossos corações que não acreditaríamos que estava lá. A água parece limpa num copo, mas ponha ela no fogo e a sua impureza vai fervilhar. Na prosperidade, um homem parece ser humilde e grato, a água parece limpa; mas ponha esse homem um pouco no fogo da aflição, e suas impurezas começam a fervilhar; muita impaciência e incredulidade começam a aparecer. “Oh”, diz um Cristão, “eu nunca pensei que tinha um coração tão mau, agora eu vejo que tenho! Eu nunca pensei que minhas corrupções fossem tão fortes e minhas virtudes tão pequenas.”

(2). Aflições contribuem para o bem, pois elas são meios de fazer com que o coração seja mais voltado para o alto. Na prosperidade o coração está apto para ser dividido (Os 10:2). O coração se divide em uma parte para Deus e outra para o mundo. É como uma agulha entre dois imãs: Deus puxa de um lado e o mundo do outro. Agora Deus afasta o mundo para que o coração possa se inclinar mais a Ele em sinceridade. A correção põe o coração numa posição reta. Assim como às vezes nós seguramos uma barra de ferro torta sobre o fogo para endireitá-la; Deus nos segura sobre o fogo da aflição para nos fazer mais retos e mais voltados para o alto. Oh, como é bom, quando o pecado nos entorta deixando-nos longe de Deus, aquela aflição pode nos endireitar de novo.

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(3). Aflições contribuem para o bem, pois elas nos conformam a imagem de Cristo.

A vara de Deus é como um pincel que pinta a imagem de Cristo de forma cada vez mais vívida em nós. É bom que deva haver uma simetria e proporção entre a Cabeça e os membros. Seríamos parte do corpo místico de Cristo sem sermos parecidos com Ele? Sua vida, como diz Calvino, foi uma série de sofrimentos, “um homem de dores e que sabe o que é padecer” 4(Is 53:3). Ele chorou e sangrou. Sua cabeça foi coroada com espinhos, e nós achamos que seremos coroados com rosas? É bom ser parecido com Cristo mesmo que seja através das aflições. Jesus Cristo bebeu um amargo cálice, e o só pensar nisso fez Ele suar gotas de sangue; e embora Ele tenha bebido o veneno que havia no cálice (a ira de Deus) ainda há algum absinto no cálice que os santo devem beber; apenas aqui está a diferença entre o sofrimento de Cristo e o nosso: o dEle foi expiatório e o nosso é apenas purificador.

(4). Aflições contribuem para o bem, pois elas são destrutivas para o pecado. O pecado é a mãe, a aflição é a filha; a filha ajuda a destruir a mãe. O pecado é como a árvore que gera um verme, e a aflição é o verme que come a árvore. Há muita corrupção no melhor coração; a aflição trabalha aos poucos para remover essa corrupção, como o fogo trabalha para remover a escória do ouro, “O Senhor fez isso para purificar o seu pecado” 5(Is 27:9) Se tivéssemos mais da nossa aspereza polida, teríamos menos ferrugem! Aflições tiram de nós nada mais do que as escórias do pecado. Se um médico disser a um paciente: “Seu corpo está muito debilitado e com muitas infecções que precisam ser tratadas ou você morrerá. Mas eu vou te prescrever um remédio que embora possa você fazer você ficar doente, ainda sim vai retirar os resíduos da sua doença e salvará sua vida”. Isso não seria para o bem do paciente? Aflições são remédios que Deus usa para nos curar de nossas doenças espirituais; elas curam o inchamento do orgulho, a febre da luxúria, o câncer da avareza. Elas não contribuem para nosso bem?

(5). Aflições contribuem para o bem, pois elas são meios de afastar nosso coração do mundo. Quando você retira terra cavando na raiz de uma árvore, é para afastar a árvore da terra. Assim também Deus cava para retirar nossos confortos mundanos e para afastar nosso coração da terra. Um espinho cresce com qualquer flor. Deus teria o mundo suspenso como um dente frouxo que sendo puxado não nos incomodaria. Não é bom se desacostumar? Os antigos santos precisaram. Por que o Senhor quebra a fonte desse canal, senão para que possamos ir a Ele, em Quem “são todas as nossas fontes” (Sl 87:7)?

4 ARA (Almeida Revista e Atualizada).

5 Tradução direta. Nota do tradutor.

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(6). Aflições contribuem para o bem, pois elas são um meio de nos confortar. “No vale de Acor, há uma porta de esperança” 6 (Os 2:15). Acor significa sofrimento. Deus adoça a dor externa com a paz interna. “A vossa tristeza se converterá em alegria” (Jo 16:20). Aqui é onde a água se transforma em vinho. Depois de uma amarga pílula, Deus nos dá açúcar. Paulo cantou na prisão. A vara de Deus tem mel no final dela. Os santos em aflição tem tido tais doces êxtases de alegria, que eles mesmos pensavam já estar nas fronteiras da Canaã celestial.

(7). Aflições contribuem para o bem, pois elas nos engrandecem. “Que é o homem, para que tanto o engrandeças, e ponhas nele o teu coração. E a cada manhã o visites, e cada momento os proves?” (Jó 7:17-18). Pela aflição Deus nos engrandece de três formas:

(1º) Em nossas aflições Ele irá condescender até nós aqui em baixo. É uma honra que Deus se importe com poeira e cinzas. É um engrandecimento de nós mesmos, o fato de que Deus julga-nos dignos ao ponto de Ele mesmo ser afetado. Deus não nos despreza em meio às aflições. “Por que seríeis ainda castigados?” (Is 1:5). Se você vai continuar no pecado, então siga seu curso indo para o inferno. (2º) Aflições também nos engrandecem, pois elas são insígnias da glória, sinais da filiação. “Se suportais a correção, Deus vos trata como filhos; porque, que filho há a quem o pai não corrija?” (Hb 12:7). Cada marca da vara é um emblema de honra. (3º) Aflições tendem a ser o engrandecimento dos santos, pois elas os tornam renomados no mundo. Soldados nunca foram tão admirados pelas suas vitórias, como os santos pelos seus sofrimentos. O zelo e constância dos mártires em suas provações renderam-lhes fama para a posteridade. Quão eminente foi Jó por sua paciência! Deus deixou seu nome registrado. “Ouvistes qual foi a paciência de Jó, e vistes o fim que o Senhor lhe deu” (Tg 5:11). Jó o sofredor, foi mais renomado que Alexandre o conquistador.

(8). Aflições contribuem para o bem, pois elas são meios de nos fazer felizes. “Eis que bem-aventurado é o homem a quem Deus repreende” (Jó 5:17). Que político ou moralista alguma vez encontrou felicidade nas aflições? Jó encontrou. “Bem-aventurado é o homem a quem Deus repreende”.

Alguém pode dizer: “Como as aflições nos faz felizes?” Nós respondemos que sendo santificadas, elas nos trazem para perto de Deus. A lua quando está cheia parece estar mais distante do sol: assim muitos estão bem longe de Deus na lua cheia da prosperidade. Aflições os trazem para perto de Deus. O imã da misericórdia não nos puxa tanto para perto de Deus quanto as cordas das aflições. Quando Absalão pôs fogo no campo de Joabe, ele veio correndo a Absalão (2 Sm 14:30). Quando Deus põe fogo em

6 Tradução direta. Nota do tradutor.

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nossos confortos mundanos, aí nós corremos para Ele, e encontramos paz nEle. Só quando o pródigo sofreu aperto e necessidade, ele retornou para a casa do seu pai (Lc 15:14). Quando a pomba não pôde encontrar descanso para a sola de seus pés, só então ela voou para a arca. Quando Deus traz um dilúvio de aflições para nós, só então voamos para arca que é Cristo. A fé pode fazer uso das águas das aflições para nadar mais rápido para Cristo.

(9). Aflições contribuem para o bem, pois elas silenciam o ímpio. Como eles estão prontos para acusar e caluniar o homem piedoso dizendo que eles servem a Deus apenas por interesse próprio. Portanto Deus terá seu povo passando por sofrimentos, para que Ele possa colocar um cadeado nos lábios do ímpio. Quando os ateístas do mundo vêem que Deus tem um povo, que O servem não por algo em troca, mas por amor, isso fecha suas bocas. O diabo acusou Jó de hipocrisia, dizendo que ele era um mercenário, que toda sua religião era baseada em ter prata e ouro. “Porventura Jó debalde serve a Deus? Acaso não o cercaste de sebe?” Etc. “Bem”, diz Deus, “Estende, porém, a tua mão e toca-lhe em tudo que tem” (Jó 1:11). O diabo mal havia recebido a comissão e já desceu destruindo a sebe de Jó; mas Jó ainda adora a Deus (Jó 1:20) e professa sua fé nEle. “Ainda que ele me mate, nele esperarei” (Jó 13:15). Isso silenciou o próprio diabo. Como isso sufoca o ímpio, quando eles vêem que o homem piedoso se manterá perto de Deus mesmo numa condição de sofrimento, e que mesmo quando eles perdem tudo, eles ainda permanecerão na sua integridade.

(10). Aflições contribuem para o bem, pois elas nos guiam para a glória (2Co 4:17). 7Não que elas sejam méritos para a glória, mas elas nos preparam para isso. Como o arado prepara a terra para a colheita, assim as aflições nos prepara e torna-nos aptos para a glória. O pintor coloca a cor dourada sobre as cores escuras, assim Deus primeiro põe as cores escuras das aflições, e só depois ele demonstra a cor dourada da glória. O vaso só é experimentado quando o vinho é derramado nele; os vasos de misericórdia são primeiro experimentados com aflições, só depois o vinho da glória é derramado nele. Deste modo, vemos que as aflições não são prejudiciais, mas são benéficas. Não devemos olhar muito para os males da aflição, como algo bom; não tanto quanto o lado escuro da nuvem como a luz. O pior que Deus faz com seus filhos, é para chicoteá-

los até o céu.

7 “Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente.”

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2. O MAL DA TENTAÇÃO É CONTROLADO PARA O BEM DO HOMEM PIEDOSO

O mal da tentação coopera para o bem. Satanás é chamado de tentador (Mc 4:15). Ele sempre está armando uma emboscada, ele está continuamente ocupado com um santo ou outro. O diabo tem seu caminho e ele o percorre todos os dias; ele ainda não está totalmente aprisionado, mas como um prisioneiro que sai sob fiança, ele anda por aí com o intuito de tentar os santos. Esta é uma grande molestação para um filho de Deus. Com relação às tentações de satanás, há três coisas que precisam ser consideradas:

(1). Seu método usado na tentação.

(2). A extensão do seu poder.

(3). Estas tentações são controladas para o bem.

(1). O MÉTODO de satanás na tentação. Aqui tome nota de duas coisas. Sua violência na tentação; nisso ele é o dragão vermelho. Ele labora para derrubar o castelo do nosso coração, ele lança pensamentos de blasfêmia, ele nos tenta para negar Deus. Esses são os dardos ardentes que ele atira, pelos quais ele inflamaria as paixões. Note também, sua sutileza na tentação; e nisso ele é a antiga serpente. Há cinco principais sutilezas que o diabo usa.

(1.1). Ele observa seu temperamento e constituição, e lança iscas apropriadas de tentação. Como o fazendeiro, ele sabe qual semente é melhor para o solo. Satanás não tentará de forma contrária ao temperamento e a disposição natural. Este é seu plano, ele faz o vento e onda virem juntos; desta forma a onda natural do coração corre e o vento da tentação sopra. Embora o diabo não possa conhecer os pensamentos dos homens, ainda sim ele conhece seus temperamentos, assim ele lança suas iscas adequadamente. Ele tenta o homem ambicioso com uma coroa e o homem lascivo com a beleza.

(1.2). Satanás espera à hora certa para tentar, como um astuto pescador que lança seu anzol exatamente quando o peixe irá morder. Geralmente a hora que satanás usa para nos tentar é depois de uma ordenança; e a razão é: ele acha que nessa hora ele vai nos encontrar mais seguros. Quando acabamos de realizar deveres solenes, estamos aptos a pensar que está tudo feito, aí ficamos preguiçosos, e abandonamos aquele zelo e fervor de antes; como um soldado, que depois da batalha abandona a armadura não mais pensando no inimigo. Satanás fica atento esperando a hora certa, e quando menos suspeitamos, e lança a tentação.

(1.3). Ele faz uso de relações próximas; o diabo nos tenta através de alguém próximo a nós. Deste modo ele tentou Jó através de sua esposa: “Ainda reténs a tua sinceridade? Amaldiçoa a Deus, e morre.” (Jó 2:9). Uma íntima esposa pode ser um instrumento do diabo para tentar ao pecado.

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(1.4). Satanás tenta para o mal por meio daqueles que são bons; e deste modo ele dá veneno num cálice dourado. Ele tentou Cristo usando Pedro. Pedro o dissuade do seu sofrimento: “Mestre, tem pena de ti mesmo”. 8Quem imaginaria encontrar o tentador na boca de um apóstolo?

(1.5). Satanás tenta ao pecado sob uma pretensa religião. Ele deve ser mais temido quando ele se transforma em anjo de luz. Ele veio a Cristo com a Escritura em sua boca: “Está escrito”. O diabo joga seu anzol usando a religião. Ele tenta muitos homens à cobiça e extorsão sob a pretensão de provisão para sua família; ele tenta alguns a irem para bem longe, para que eles não possam mais viver pecando contra Deus; mas então ele os lança no pecado, sob a pretensão de estarem evitando o pecado. Estes são seus sutis estratagemas na tentação.

(2). A extensão do seu PODER; até onde alcança o poder de satanás.

(2.1). Ele pode expor o objeto, como ele expôs a barra de ouro a Acã.9

(2.2). Ele pode envenenar a imaginação e insinuar pensamentos malignos à mente. Como o Espírito Santo nos leva a bons pensamentos, assim o diabo nos leva aos maus. Ele pôs no coração de Judas que ele deveria trair Jesus (Jo 13:2).

(2.3). Satanás pode excitar e provocar a corrupção interior, e operar em algum tipo de inclinação no coração para abraçar a tentação. Embora seja verdade que satanás não pode forçar a vontade a dar consentimento; ainda sim, ele sendo um esperto pretendente pela sua contínua solicitação, ele pode provocar o mal. Deste modo ele provocou Davi a fazer o censo (1Cr 21:1). O diabo pode, pelos seus sutis argumentos, disputar conosco para nos levar ao pecado.

(3). Estas tentações são governadas para o bem dos filhos de Deus. Uma árvore que é balançada pelo vento é mais fixada e enraizada. Desta forma, os ventos de uma tentação fazem um Cristão ficar mais fixado na graça. As tentações são controladas para o bem em oito maneiras.

(3.1). Tentação conduz a alma à oração. Quanto mais furiosamente satanás tenta, mas fervorosamente o santo ora. O cervo, sendo atingido por um dardo, rapidamente corre para a água. Quando satanás atira seus dardos inflamados na alma, ela corre rapidamente para o trono da graça. Quando Paulo teve um mensageiro de satanás

8 Mateus 16:22.

9 Josué 7:20-21. Nota do tradutor.

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esbofeteando-o, ele diz: “Acerca do qual três vezes orei ao Senhor para que se desviasse de mim.” (2Co 12:8). A tentação é um remédio para uma segurança carnal. Aquelas que nos fazem orar mais são as que mais contribuem para nosso bem.

(3.2). Tentações são meios de se guardar da perpetração do pecado. Quanto mais um filho de Deus é tentado, mais ele luta contra a tentação. Quanto mais satanás tenta o santo à blasfêmia, mais o santo treme em tais pensamentos e diz: “Retira-te satanás”.10 Quando a senhora de José o tentou a cometer uma loucura, a tentação dela foi muito forte, mas mais forte foi a oposição dele. Daquela tentação que o diabo usa como um estímulo ao pecado, Deus faz uma rédea para manter o Cristão longe dela.

(3.3). Tentações contribuem para o bem, pois elas abatem o inchaço do orgulho. “E, para que não me exaltasse pela excelência das revelações, foi-me dado um espinho na carne, a saber, um mensageiro de Satanás para me esbofetear, a fim de não me exaltar.” (2Co 12:7). O espinho na carne era para perfurar o inchaço do orgulho. Melhor é a tentação que me humilha do que um dever que me faça orgulhoso. Para que um Cristão não se torne arrogante, Deus o deixará cair nas mãos do diabo por um tempo, para que ele seja curado do inchaço do seu orgulho.

(3.4). Tentações contribuem para o bem como uma pedra de toque para testar o que há no coração. O diabo tenta para que ele possa enganar; mas Deus permite que sejamos tentados para nos testar. Tentação é um teste de nossa sinceridade. Ela pode argumentar que nosso coração é puro e leal a Cristo quando a olhamos face a face e viramos às costas a ela. Também testa nossa coragem. “Porque Efraim é como uma pomba ingênua, sem entendimento” (Os 7:11). Isso pode ser dito de muitos, eles não têm conhecimento para resistir à tentação. Mau satanás vem com uma isca, e eles já se rendem; como um covarde, que mau se aproxima o ladrão, e ele já entrega sua bolsa. Mas aqui está o cristão valoroso, que brande a espada do Espírito contra Satanás, e prefere morrer a se render. A coragem dos Romanos nunca foi tão realçada quando eles foram atacados pelos Cartaginenses: 11o valor e a coragem de um santo nunca é mais realçada do que no campo de batalha, quando ele está lutando contra o dragão vermelho e pelo poder da fé põe o diabo a fugir. Esta graça é como ouro provado que pode aguentar o fogo ardente da provação e suportar os dados inflamados do diabo.

(3.5). Tentações contribuem para o bem, pois Deus faz com que aquele que está sendo tentado seja um instrumento para confortar outros que estão na mesma angústia. O próprio Cristão deve estar sob as bofetadas de satanás antes que ele possa falar uma palavra no devido tempo para aquele que está fatigado. Paulo era bem versado nas tentações “Para que Satanás não alcance vantagem sobre nós, pois não lhe

10

Mateus 4:10 (ARA). Nota do Tradutor.

11 De Cartago, antiga cidade no norte da África. Nota do tradutor.

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ignoramos os desígnios.” (2Co 2:11). Assim, ele foi capaz de conhecer outras pessoas mesmo com os ardis amaldiçoados de satanás. Um homem que tenha andado sobre um lugar onde existem pântanos e areias movediças, é o melhor para guiar outros através dos mesmos caminhos perigosos. Aquele que já sentiu as garras do leão que ruge, e que já sangrou sob estas feridas, é o melhor homem para lidar com aqueles que são tentados. Ninguém pode descobrir melhor os sutis ardis de satanás do que aqueles que estiveram durante muito tempo nesta escola cercada por tentações.

(3.6) Tentações contribuem para o bem, pois elas despertam a compaixão paternal de Deus para aqueles que são tentados. A criança que está doente e machucada é mais cuidada. Quando o santo está sob as tentações que o ferem, Cristo ora, e Deus o Pai se compadece. Quando satanás deixa a alma febril, Deus vem e traz um medicamento revigorante; isso fez Lutero dizer que as tentações são os abraços de Cristo, pois são nelas que Ele se manifesta mais docemente a alma.

(3.7). Tentações contribuem para o bem, pois elas fazem os santos desejarem mais o céu. Lá, eles estarão livres do fogo cruzado. O céu é um lugar de descanso, nenhum projétil de tentação voa por lá. A águia que voa alto no ar e que se senta sobre altas árvores, não está preocupada com a picada da serpente. Da mesma forma, quando os crentes ascendem ao céu, eles não serão mais molestados pela antiga serpente, o diabo. Nesta vida, quando uma tentação acaba, outra vem. Isto faz o povo Deus desejar a morte, para que eles saiam do campo de batalha, onde os projéteis voam tão rápidos, para receberem a coroa da vitória, onde nem o tambor nem o canhão, mas apenas as harpas e violinos serão ouvidos eternamente.

(3.8). Tentações cooperam para o bem, pois elas engajam a força de Cristo. Cristo é nosso amigo, e quando somos tentados Ele dispõem todo Seu poder a nosso favor: “Porque naquilo que ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer aos que são tentados.” (Hb 2:18). Se uma pobre alma tivesse que lutar sozinha com o Golias do inferno, ela poderia ter certeza que seria vencida. Mas Jesus Cristo em Suas forças auxiliares dá novos suprimentos de graça. “Mas em todas estas coisas somos mais do que vencedores, por aquele que nos amou.” (Rm 8:37). Assim, a tentação é governada para o nosso bem.

Questão. Mas às vezes satanás frustra um filho de Deus. Como isso contribui para o bem?

Resposta. Admito que, através da suspensão da graça divina, um santo pode ser dominado; mas ainda sim, esta frustração por causa de uma tentação, contribuirá para o bem. Através desta frustração Deus abre caminho para o aumento da graça. Pedro foi tentado a ter auto-confiança , ele presumiu sobre sua própria força, e Cristo o deixou cair. Mas isso contribuiu para o seu bem, mesmo lhe custando muitas lágrimas: “E, saindo dali, chorou amargamente.” (Mt 26:75). Agora ele cresce menos auto-suficiente. Ele não ousa dizer que ama a Cristo mais do que os outros apóstolos “Amas-me mais do que estes?”

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(Jo 21:15). Ele não ousa dizer que sim; sua queda no pecado quebrou o pescoço do seu orgulho.12

A frustração que vem através de uma tentação causa mais prudência e vigilância num filho de Deus. Embora satanás, anteriormente o tenha atraído para o pecado, ainda sim, no futuro ele será mais cauteloso. Ele terá o cuidado de não entrar mais na jaula do leão. Ele está mais vigilante e temeroso com relação às ocasiões do pecado. Ele nunca sai sem a sua armadura espiritual, e ele cinge sua armadura através da oração. Ele sabe que anda num chão escorregadio, portanto ele olha atentamente seus passos. Ele mantém estreita sentinela em sua alma, e quando ele observa satanás se aproximando, ele agarra suas armas espirituais e empunha o escudo da fé (Ef 6:16). Este é todo o dano que satanás faz quando ele frustra um santo através da tentação; ele o cura de negligência e o faz vigiar e orar mais. Quando uma fera selvagem ultrapassa a cerca e danifica os grãos, um homem fará uma cerca mais forte. Da mesma forma, quando satanás ultrapassa a cerca da tentação, um Cristão certamente melhorará sua cerca; ele se tornará mais temeroso quanto ao pecado, e cuidadoso nos seus deveres. Assim, o ser vencido pela tentação, contribui para o bem.

Objeção. Mas se ser frustrado contribui para o bem, isso pode tornar os Cristãos descuidados, quer eles sejam superados pelas tentações ou não.

Resposta. Existe uma grande diferença entre cair numa tentação e continuar numa

tentação. O cair numa tentação irá contribuir para o bem, não o continuar nela. Aquele que cai num rio é apto para ajudar outros, mas aquele que continua nele [no rio] é culpado de sua própria morte. É loucura correr para a cova de um leão e nela permanecer. Aquele que corre para a tentação e permanece nela é como o rei Saul que caiu sobre sua própria espada.

De tudo o que foi dito, podemos ver como Deus desaponta a velha serpente, fazendo com que as suas tentações se tornem em bem para o Seu povo. Certamente, se o diabo soubesse quanto benefício reverte para os santos pela tentação, ele iria eximir-se de tentar. Lutero disse certa vez: “Há três coisas que torna um homem piedoso – oração, meditação e tentação.” Paulo, em sua viagem para Roma, encontrou ventos contrários (At 27:2). Assim, o vento da tentação é contrário ao vento do Espírito, mas Deus faz uso deste vento para soprar os santos até o céu.

12

O autor interpreta a pergunta do Senhor Jesus a Pedro da seguinte maneira: “Amas-me mais do que estes outros

me amam?”. E ainda leva em consideração o fato de que o verbo grego traduzido por “amas-me” muda quando a

pergunta é feita pela terceira vez, dando a entender que nesta pergunta do verso 15, é diferente da do verso 17.

Levando em consideração a língua original, esta é uma interpretação possível, mas não há unanimidade entre os

estudiosos e comentaristas quanto a isto. Nota do tradutor.

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3. O MAL DO ABANDONO CONTRIBUI PARA O BEM DO HOMEM PIEDOSO

O mal do abandono coopera para o bem. A esposa reclama por ter sido abandonada: “Eu abri ao meu amado, mas já o meu amado tinha se retirado, e tinha ido” (Ct 5:6). Há uma dupla retirada; quer no que diz respeito da graça, que Deus suspende a influência de Seu Espírito, e detém as participações vívidas da graça; se o Espírito se vai, a graça se esfria e torna-se insensível e indolente. Ou, uma retirada com relação ao conforto. Quando Deus detém as doces manifestações do Seu favor, Ele não aparenta um aspecto agradável – mas cobre Sua face, e parece estar bem longe da alma.

Deus é justo em todas as suas retiradas [abandonos]. Nós o abandonamos antes Dele nos abandonar. Nós abandonamos Deus quando deixamos de ter íntima comunhão com Ele; quando abandonamos Suas verdades e não ousamos comparecer diante Dele; quando deixamos de ser orientados e conduzidos por Sua Palavra e seguimos a luz enganosa de nossas próprias afeições e paixões. Nós abandonamos Deus primeiro, portanto não temos ninguém para culpar, senão a nós mesmos.

O abandono é algo muito triste, pois quando a luz é retirada, o que se segue é a escuridão; assim quando Deus se retira, há escuridão e tristeza na alma. O abandono é uma agonia de consciência. Deus segura alma sobre o inferno. “Porque as flechas do Todo-Poderoso estão em mim, cujo ardente veneno suga o meu espírito; os terrores de Deus se armam contra mim.” (Jó 6:4). Era um costume entre os Persas em suas guerras, mergulhar suas flechas no veneno de serpentes para torná-las mais mortais. Deste modo, Deus atirou “flechas envenenadas do abandono” em Jó sob as feridas de seu espírito que estava sangrando. Em tempos de abandono, o povo de Deus está apto a ser abatido. Eles contestam a si mesmos e pensam que Deus os lançou fora. Portanto, eu irei prescrever algum conforto para a alma abandonada.

O marinheiro, quando não há estrela para guiá-lo, ainda tem luz em sua lanterna que pode ajudá-lo ver sua bússola; assim eu estabelecerei quatro consolações, que são a lanterna do marinheiro, para proporcionar alguma luz quando a pobre alma está navegando na escuridão do abandono e necessita da brilhante estrela da manhã.

(1). Ninguém, a não ser aquele que é piedoso, pode ser abandonado. O ímpio não sabe o que é o amor de Deus, nem o que é sentir a falta dele. Eles sabem o que é sentir falta de boa saúde, amigos, negócios, etc.; mas não o que é sentir falta do favor de Deus. Você teme não ser um filho de Deus por estar abandonado. Não pode ser dito que Senhor pode retirar Seu amor do ímpio, porque eles nunca o tiveram. Estar sendo abandonado é uma evidência que você é um filho de Deus. Como você pode reclamar que Deus se afastou de você se você nunca viu Sua face sorridente e as garantias de Seu amor?

(2). Pode haver a semente da graça, onde não há a flor da alegria. Na terra pode faltar uma safra de grãos e ainda ter uma mina de ouro dentro dela! Um cristão pode ter a graça dentro dele, mesmo que o doce fruto da alegria não floresça. Os navios no mar, que são ricamente cheios de jóias e especiarias, podem estar na escuridão e em meio a tempestades. Uma alma enriquecida com os tesouros da graça pode estar na escuridão

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do abandono a ponto de pensar que será lançada numa tempestade. Davi, num estado de desânimo, ora “Não me retires o teu Espírito Santo” (Sl 51:11). Ele não ora, diz Agostinho, “Senhor, me dá teu Espírito” – mas “Não retires o teu Espírito”; de modo que ele ainda tinha o Espírito de Deus, permanecendo nele.

(3). Estes abandonos são apenas por algum tempo. Cristo pode se retirar e deixar a alma por um tempo, mas ele virá novamente. “Com um pouco de ira escondi a minha face de ti por um momento; mas com benignidade eterna me compadecerei de ti, diz o SENHOR, o teu Redentor.” (Is 54:8). Quando a água estiver baixa, a maré virá de novo. “Porque não contenderei para sempre, nem continuamente me indignarei.” (Is 57:16). A mãe carinhosa pode deixar, em sua indignação, seu filhinho de lado; mas ela irá levá-lo novamente em seus braços e o beijará. Deus, em sua indignação, pode deixar a alma de lado; mas Ele vai retomá-la em Seus queridos abraços, e exibir Sua bandeira do amor sobre ela.

(4). COMO estes abandonos cooperam para o bem do piedoso.

(4.1). O abandono cura a alma da preguiça. Nós vemos a esposa caída na cama da preguiça: “Eu dormia” (Ct 5:2). E logo Cristo se foi: “Eu abri ao meu amado, mas já o meu amado tinha se retirado.” (Ct 5:6). Quem vai falar com aquele que é sonolento?

(4.2). O abandono cura um afeto desordenado pelo mundo. “Não ameis o mundo” (1Jo 2:15). Podemos manter o mundo como um buquê na mão, mas ele não deve estar muito perto do nosso coração! Podemos usá-lo apenas como um lugar onde faremos uma refeição, mas não deve ser a nossa casa. Talvez essas coisas seculares roubam demais o coração. Homens piedosos às vezes são sobrecarregados com uma superabundância de coisas temporais e podem fica embriagados com os deleites da prosperidade. E tendo visto as suas asas de prata e a imagem desfigurada de Deus esfregando-a contra a terra, o Senhor, para recuperá-los e tirá-los disto, esconde Seu rosto numa nuvem. O eclipse tem bons efeitos: escurece toda a glória deste mundo, e a faz desaparecer.

(4.3). O abandono contribui para o bem, pois faz os santos valorizarem o semblante de Deus mais do que nunca. “Porque a tua benignidade é melhor do que a vida” (Sl 63:3). No entanto, a freqüência desta misericórdia, faz com que ela seja diminuída em nossa estima. Quando pérolas se tornaram comum em Roma, elas foram desprezadas. Deus não tem um modo melhor de nos fazer valorizar Seu amor do que retirá-lo de nós por algum tempo. Se o sol brilhasse apenas uma vez por ano, como isso seria valorizado! Quando a alma é surpreendida pela noite do abandono, oh como é bem vindo o Sol da retidão.

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(4.4). O abandono contribui para o bem, pois é um meio de tornar o pecado mais amargo para nós. Pode haver maior miséria do que ter o desprazer de Deus? O que é o inferno, senão Deus escondendo Sua face? E o que faz Deus esconder Sua face, senão o pecado? “Porque levaram o meu Senhor, e não sei onde o puseram.” (Jo 20:13). Desta forma, nossos pecados levam o Senhor para longe, e não sabemos onde Ele está. O favor de Deus é a melhor jóia, pois pode adoçar uma prisão e desarmar a própria morte. Oh, quão odioso então é aquele pecado, que nos rouba a nossa melhor jóia! O pecado fez Deus abandonar Seu templo (Ez 8:6). O pecado o faz aparecer como um inimigo, fazendo-O vestir uma armadura. Isto faz com que a alma persiga o pecado com uma santa malícia para vingar-se dele! A alma abandonada faz o pecado beber fel e vinagre, e com a lança da mortificação, arranca o próprio coração dele!

(4.5). O abandono coopera para o bem, pois faz alma chorar pela perda de Deus. Quando o sol se vai, o orvalho cai; quando Deus se vai, lágrimas caem dos olhos. Como Mica ficou incomodado quando perdeu seus deuses! “Os meus deuses, que eu fiz, me tomastes, juntamente com o sacerdote, e partistes; que mais me resta agora?” (Jz 18:24). Assim, quando Deus se vai, o que mais nos resta? Não é harpa ou o violino que pode consolar quando Deus se vai. É triste sentir falta da presença de Deus, mas é bom lamentar a Sua ausência.

(4.6). O abandono faz a alma buscar a Deus. Quando Cristo se vai, a noiva vai atrás dele: “Pelas ruas e pelas praças buscarei aquele a quem ama a minha alma” (Ct 3:2). E não o tendo encontrado, ela lamenta por Ele: “Vistes aquele a quem ama a minha alma?” (Ct 3:3). A alma abandonada fica em meio a gemidos e suspiros. Ela bate na porta do céu através da oração, e não tem descanso até que a face brilhante de Deus resplandeça sobre ela.

(4.7). O abandono faz o Cristão questionar. Ele questiona a causa do abandono de Deus. Qual é a coisa maldita que fez Deus ficar irado? Talvez orgulho, talvez preguiça, talvez mundanismo. “Pela iniqüidade da sua avareza me indignei, e o feri; escondi-me, e indignei-me” (Is 57:17). Talvez haja algum pecado secreto tolerado. Uma pedra num cano impede a correnteza da água. Da mesma forma, o pecado secreto, impede a correnteza do doce amor de Deus. Assim, a consciência, como um cão de caça, tendo encontrado o pecado e dominando-o, é como se fosse Acã sendo apedrejado até a morte! 13

(4.8). O abandono contribui para o bem, pois nos dá uma visão do que Jesus Cristo sofreu por nós. Se apenas o molhar a boca no cálice é tão amargo, quão amargo então foi beber o cálice cheio que Cristo bebeu até a última gota na cruz? Ele bebeu um cálice de veneno mortal que o fez clamar “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Mt 27:46). Ninguém pode apreciar os sofrimentos de Cristo, ninguém pode estar ardendo

13

Josué 7:25

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de amor por Cristo, como aqueles que foram humilhados pelo abandono e que foram segurados sobre as chamas do inferno por algum tempo.

(4.9). O abandono contribui para o bem, pois prepara os santos para o futuro conforto. O queimar das geadas prepara as flores da primavera. É o modo de Deus primeiro derrubar e depois confortar (2Co 7:6). Quando nosso Salvador estava jejuando, os anjos vieram e ministraram a Ele. Quando o Senhor tem mantido o seu povo por longo jejum, Ele envia o Confortador e os alimenta com o maná escondido. “A luz semeia-se para o justo, e a alegria para os retos de coração.” (Sl 97:11). O conforto dos santos pode estar escondido como uma semente sob o solo, mas a semente está amadurecendo, e vai aumentar, e florescer em uma colheita!

(4.10). O abandono contribui para o bem, pois tornará o céu mais doce para nós. Aqui na terra, nossos confortos são como a lua, às vezes eles estão “cheios”, e às vezes, estão “minguantes”. Deus Se revela a nós por um tempo, e depois Ele se retira de nós. Como isso vai nos fazer desejar mais o céu e fazê-lo mais deleitoso e cativante, quando iremos ter um constante aspecto do amor de Deus! (1Ts 4:17).

Deste modo, vemos que os abandonos contribuem para o bem. O Senhor nos leva para as profundezas do abandono – para que Ele não nos leve para as profundezas da condenação! Ele nos faz passar por um aparente inferno – para nos manter longe do inferno verdadeiro. Deus nos está preparando para aquele dia quando nós iremos desfrutaremos de Seus sorrisos para sempre, quando não haverá mais nuvens em Sua Face ou pôr-do-sol, quando Cristo virá e estará com a sua Esposa, e Sua Esposa nunca mais dirá novamente: “Eu abri ao meu amado, mas já o meu amado tinha se retirado.” (Ct 5:6)

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4. O mal do PECADO coopera para o bem do homem piedoso

O pecado está em nossa própria natureza, e é abominável – Mas Deus em sua infinita sabedoria o domina, e faz com que o bem surja daquilo mais parece opor-se. Na verdade, é algo para se admirar que qualquer mel venha deste leão. 14 Entenderemos isso de duas maneiras.

1. Os pecados dos OUTROS são controlados para o bem do piedoso. Não é problema pequeno para um coração bondoso viver entre os ímpios. “Ai de mim, que peregrino em Meseque e habito nas tendas de Quedar.” (Sl 120:5). Mas mesmo assim, o Senhor torna isto em bem. POIS:

2. Os pecados dos outros cooperam para o bem do piedoso, pois eles produzem tristeza santa. O povo de Deus chora por aquilo que eles não podem reformar. “Rios de águas correm dos meus olhos, porque não guardam a tua lei.” (Sl 119:136). Davi chorava continuamente pelos pecados do seu tempo; seu coração se tornara uma fonte – e seus olhos em rios! Os homens maus se alegram com o pecado. “Quando tu fazes mal, então andas saltando de prazer.” (Jr 11:15).15 Mas os piedosos são pombas que choram; são afligidos pelos juramentos e pelas blasfêmias. Os pecados dos outros, como uma lança, perfura suas almas!

Esta angústia pelos pecados dos outros é boa. Isto demonstra um coração de criança que se ressente com tristeza pelas injurias que são feitas para com o nosso Pai celestial. Também demonstra um coração semelhante ao de Cristo. “Indignado e condoído com a dureza do seu coração” 16(Mc 3:5). O Senhor toma conhecimento especial destas lágrimas. Ele aprecia o nosso choro pela Sua glória, quando esta sofre. É necessário mais graça para sofrer pelos pecados dos outros do que pelos nossos. Podemos sofrer por nossos pecados, por medo do inferno, mas lamentar os pecados dos outros, vem de um princípio de amor a Deus. Essas lágrimas caem como água de rosas, que são doces e perfumadas, e que Deus coloca em Seu odre! “Tu contas as minhas vagueações; põe as minhas lágrimas no teu odre. Não estão elas no teu livro?”(Sl 56:8).

3. Os pecados dos outros contribuem para o bem do piedoso, pois isto os faz orar mais contra o pecado. Se não houvesse tal espírito de maldade ao nosso redor, talvez não haveria tal espírito de oração. Pecados evidentes causam orações urgentes! O povo de Deus ora contra a iniqüidade vigente para que Deus contenha o pecado, para que Ele o envergonhe. Se eles não podem diminuir o pecado, eles oram contra ele; e Deus as recebe [as orações] amavelmente. Estas orações serão tanto lembradas quanto recompensadas. Ainda que não prevaleçamos em oração, nós não as perderemos.

14

Juízes 14:8.

15 Versão Almeida Imprensa Bíblica.

16 Versão Almeida Revista e Atualizada.

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“Humilhava a minha alma com o jejum, e a minha oração voltava para o meu seio.” (Sl 35:13).

4. Os pecados dos outros contribuem para o bem, pois eles nos faz mais amavéis com graça. Os pecados dos outros realçam mais o brilho da graça. Algo realça aquilo que lhe é contrário: a deformidade realça a beleza. Os pecados dos ímpios os deformam muito. Orgulho é um pecado desfigurante, mas ver o pecado de orgulho dos outros nos faz crescer em amor com humildade. Malícia é um pecado desfigurante, é a figura de satanás; quanto mais disso nós vemos nos outros, mais crescemos em humildade e caridade. Embriaguez é um pecado desfigurante, isto torna o homem em bestas, isso os priva da razão; quanto mais vemos os outros na intemperança, mais devemos amar a sobriedade. A face escura do pecado realça muito mais a beleza da santidade.

5. Os pecados dos outros contribuem para o bem, pois eles operam em nós uma oposição mais forte contra o pecado. “O ímpio tem violado a tua lei; portanto eu amo teus mandamentos” (Sl 119:126,127).17 Davi nunca teria amado tanto a lei de Deus, se os ímpios não tivessem se voltado tanto contra ela. Quanto mais violentamente outros estão contra a verdade, mais corajosamente os santos são a favor dela. Peixes vivos nadam contra a correnteza. Da mesma forma, quanto mais a correnteza do pecado vem, mais o piedoso nada contra ela. As impiedades dos tempos provocam santas paixões nos santos. O ódio sem pecado é aquele que é contra pecado. Os pecados dos outros são como uma pedra de amolar que afiam uma lâmina sobre nós; eles aguçam cada vez mais nosso zelo e indignação contra o pecado.

6. Os pecados dos outros contribuem para o bem, pois eles nos fazem desenvolver mais seriamente nossa salvação. Quando vemos os ímpios sofreram tais dores por causa do inferno, isto nos faz mais produtivos para o céu. Os ímpios não têm nada para encorajá-los, a não ser o pecado. Eles se aventuram na vergonha e na desgraça, eles atravessam toda oposição. A Escritura é contra eles, a consciência é contra eles, existe uma espada flamejante no seu caminho – exceto o pecado deles. Corações piedosos, vendo os ímpios, assim, loucos pelo fruto proibido, e desgastando-se no serviço do diabo – são os mais encorajados e acelerados nos caminhos de Deus. Eles vão tomar o céu como que através da tempestade. Os ímpios são como camelos – correndo atrás do pecado (Jr 2:23). E nós somos como lesmas rastejantes em relação a piedade? Irão os impuros servirem mais o diabo do que nós a Cristo? Irão eles com mais rapidez para a prisão do inferno do que nós para o reino dos céus? Eles nunca estão cansados de pecar e nós estamos cansados de orar? Não temos nós um Mestre melhor que eles? Não são os caminhos da virtude prazerosos? Não há alegria no caminho do dever e no final o céu? A atividade dos filhos de Belial é o pecado – isto é uma espora para os piedosos para fazerem eles corrigirem seus passos, e correrem mais rápido para o céu!

17

Tradução direta. Nota do tradutor.

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7. Os pecados dos outros contribuem para o bem, pois eles são como lentes com as quais podemos ver nossos próprios corações. Vemos um hediondo ímpio miserável? Eis um retrato de nosso próprio coração. Tais nós seríamos – se Deus nos abandonasse! Aquilo que está na prática do ímpio – está também em nossa natureza. O pecado no ímpio é como fogo que incendeia e resplandece, o pecado no piedoso é como fogo nas brasas. Cristão, ainda que você não irrompa nas chamas de um pecado escandaloso – você não tem motivos para se orgulhar, pois tais pecados existem nas brasas de sua natureza. Você tem a raiz de todo pecado em você, e produziria fruto infernal como qualquer ímpio miserável – se Deus não limitasse 18você pelo Seu poder, ou não transformasse você pela Sua graça!

8. Os pecados dos outros contribui para o bem, pois eles são meios de fazer o povo de Deus mais agradecido. Quando você vê outro infectado com a praga, quão agradecido você fica por Deus ter te preservado disso. É um bom uso que pode ser feito do pecado dos outros: fazer-nos mais agradecidos. Por que não poderia Deus nos deixar na mesma impiedade? Pense com você mesmo, Oh Cristão, por que Deus deveria ser mais misericordioso com você do que com outro? Por que ele arrebataria você, como um tição tirado do fogo, e não outro? Como isto pode fazer você adorar a livre graça! O que o fariseu disse de maneira orgulhosa, nós podemos dizer de maneira agradecida: “O Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, etc.” (Lc 18:11).

Se não somos ímpios como os outros – nós devemos adorar as riquezas da livre graça! Toda vez que vemos homens se precipitando no pecado, devemos agradecer a Deus por não sermos como estes. Se virmos uma pessoa insana, damos graças a Deus que não é assim conosco. Muito mais quando vemos outros sob o poder de satanás – quão agradecidos devemos ser, pois esta não é mais nossa condição. “Porque também nós éramos noutro tempo insensatos, desobedientes, extraviados, servindo a várias concupiscências e deleites, vivendo em malícia e inveja, odiosos, odiando-nos uns aos outros.” (Tt 3:3).

9. Os pecados dos outros contribuem para o bem, pois são meios de melhorar o povo de Deus. Cristão, Deus pode fazer com que você ganhe com o pecado dos outros. Quanto mais profanos forem os outros, mais santo você deve ser. Quanto mais o ímpio se entrega ao pecado, mais o piedoso se entrega a oração: “Em recompensa do meu amor são meus adversários; mas eu faço oração.” (Sl 109:4).

10. Os pecados dos outros contribuem para o bem, pois eles nos dão ocasião para fazermos o bem. Se não houvesse os pecadores, não poderíamos estar em tal capacidade para o serviço. Os piedosos são geralmente os meios para a conversão dos ímpios. Seu conselho prudente e seu piedoso exemplo são um chamariz e uma isca para 18

Limitasse o seu pecado. Nota do Tradutor.

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chamarem os pecadores a abraçarem ao evangelho. A doença do paciente contribui para o bem do médico; pois curando o paciente, o médico se enriquece. Assim, por converter os pecadores do erro de seu caminho, nossa coroa se torna maior. “Os que forem sábios, pois, resplandecerão como o fulgor do firmamento; e os que a muitos ensinam a justiça, como as estrelas sempre e eternamente.” (Dn 12:3) Não como lâmpadas ou velas, mas como as estrelas para sempre! Assim, vemos que os pecados dos outros são governados para o nosso bem.

(2). O senso de sua própria pecaminosidade, será governada para o bem do piedoso. Assim nossos próprios pecados irão contribuir para nosso bem. Isto precisa ser entendido cuidadosamente, quando eu digo que os pecados do piedoso contribuem para o bem, não é que há o menor bem no pecado. Pecado é como veneno, que corrompe e infecta o sangue, e, sem um soberano antídoto, sempre traz morte. Tal é natureza venenosa do pecado – é mortal e condenatório. Pecado é pior que o inferno. Mas Deus, pelo seu poder soberano, faz o pecado resultar em bem para o Seu povo. Por isso o dourado dizer de Agostinho: “Deus nunca permitiria o mal se Ele não pudesse trazer o bem deste mal.” O sentimento da pecaminosidade dos santos, coopera o bem de diversas formas.

(2.1). O pecado os faz ficar cansados desta vida. Aquele pecado no homem piedoso é triste; mas este fardo deles é bom. As aflições de Paulo (com o perdão da expressão) eram apenas brincadeiras de criança para ele em comparação com seus pecados. Ele regozijava nas tribulações (2Co 7:4) Mas como esta ave do paraíso chorava e se lamentava sob seus pecados! “Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” (Rm 7:24). Um crente carrega seus pecados como um prisioneiro as suas algemas. Oh, quanto ele espera pelo dia da libertação! Este senso do pecado é bom.

(2.2). A corrupção interior faz os santos valorizarem mais a Cristo. Para aquele que sente o seu pecado, como um doente sente sua enfermidade – quão bem vindo é Cristo, o médico para ele. Para aquele que sente a ferroada do pecado – quão preciosa é a serpente de bronze para ele! Quando Paulo lamentou o corpo da morte – quão agradecido ele ficou por Cristo! “Dou graças a Deus por Jesus Cristo nosso Senhor.” (Rm 7:25). O sangue de Cristo salva do pecado, e é o sagrado ungüento que mata esta doença mortal do pecado.

(3). Este senso do pecado contribui para o bem, pois é uma ocasião de colocar a alma sobre seis deveres especiais:

(a) O pecado coloca a alma em auto-análise. Um filho de Deus, tornando-se consciente do pecado, toma a vela e a lanterna da Palavra, e examina o seu coração. Ele deseja saber o pior de si mesmo, como um homem que tem uma doença no corpo deseja saber o pior de sua doença. Ainda que nossa alegria

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esteja no conhecimento de nossas graças – ainda há algum benefício no conhecimento de nossa corrupção. Portanto, Jó ora “Quantas culpas e pecados tenho eu? Notifica-me a minha transgressão e o meu pecado.” (Jó 13:23). É bom conhecer nossos pecados para que não adulemos a nós mesmos, ou considerar nossa condição como melhor do que realmente é. É bom desmascarar nossos próprios pecados para que eles não nos desmascarem!

(b) O pecado coloca o filho de Deus sobre uma auto-humilhação. O pecado é deixado no homem piedoso como um câncer em seu peito, ou como uma corcunda em suas costas, para impedi-lo de orgulhar-se. Cascalho e terra são bons para o lastro do navio, e o impede de virar; o senso do pecado ajuda o lastro da alma, para que ela não seja derrubada pelo orgulho. Lemos sobre a mancha dos filhos de Deus (Dt 32:5). Quando um homem piedoso contempla sua face no espelho da Escritura – ele vê manchas de orgulho, luxúria e hipocrisia. Elas são manchas que humilham e fazem as plumas de orgulho caírem. É um bom uso que pode ser feito até mesmo de nossos pecados, quando a ocasião traz pensamentos sobre nós mesmos. Melhor é o pecado que me humilha do que o dever que me faz orgulhoso! O santo Bradford19 proferiu estas palavras sobre si mesmo: “Eu sou apenas um hipócrita disfarçado”; e Hooper 20disse: “Senhor, eu sou o inferno e Tu és o céu”.

(c) O pecado coloca o filho de Deus sobre um auto-julgamento. Ele põe uma sentença sobre si mesmo: “Na verdade eu sou o mais bruto dos homens” (Pv 30:2). É perigoso julgar os outros – mas é bom julgarmos a nós mesmos. “Porque, se nós nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados.” (1Co 11:31). Quando um homem tem julgado a si mesmo, satanás é destituído de seu ofício. Quando satanás começa a cobrar algo de um santo, ele é apto para revidar e dizer: “É verdade satanás, eu sou culpado destes pecados; mas eu já me julguei por causa deles; e tendo condenado a mim mesmo no mais baixo tribunal da consciência, Deus irá me absolver no tribunal superior do céu.”

(d) O pecado coloca o filho de Deus sobre um auto-conflito. Natureza espiritual conflita com a natureza carnal. “Porque a carne cobiça contra o Espírito” (Gl 5:17). Nossa vida é uma grande jornada e uma grande batalha. Há um duelo combatido todos os dias entre as duas sementes. Um crente não deixará o pecado ter uma possessão pacífica. Se ele não consegue retirar o pecado, ele vai derrubá-lo; embora ele não possa vencê-lo completamente – ainda sim ele o está vencendo. “Ao que vencer, dar-lhe-ei a comer da árvore da vida, que está no meio do paraíso de Deus.” (Ap 2:7).

19

John Bradford (1510–1555) Mártir e Reformador. Nota do tradutor

20 John Hooper. Clérigo inglês e reformador. Foi martirizado durante as perseguições de Maria a Sanguinária. Nota do

tradutor.

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(e) O pecado coloca o filho de Deus sobre uma auto-observação. Ele sabe que o pecado é o traidor que habita no coração, portanto ele o observa cuidadosamente. Um coração sutil e enganoso necessita de um olho vigilante. O coração é como um castelo que está continuamente em perigo de ser atacado; isto faz o filho de Deus ser sempre uma sentinela que mantém guarda sobre seu coração. O crente tem um olhar rigoroso sobre si mesmo para que não caia num pecado escandaloso e abra uma comporta por onde todos os seus confortos possam passar.

(f) O pecado coloca a alma sobre uma auto-reforma. Um filho de Deus não só desmascara, mas afasta o pecado. Com um pé ele se põe sobre o pescoço do pecado – e com o outro e ele se volta para os testemunhos de Deus (Sl 119:59). Deste modo os pecados do piedoso contribuem para o bem. Deus faz com que a enfermidade dos santos se torne o remédio deles.

Mas que ninguém abuse desta doutrina. Eu não digo que o pecado contribui para o bem de uma pessoa impenitente. Não, contribui para a sua condenação. O pecado contribui para bem daqueles que amam a Deus; e para vocês que são piedosos, eu sei que vocês não tirarão uma conclusão errada disto, nem irão subestimar o pecado ou dar liberdade a ele. Se você fizer isso, Deus irá fazê-lo custar caro. Lembre-se de Davi. Ele se aventurou presunçosamente no pecado, e o que ele conseguiu com isso? Ele perdeu sua paz, ele sentiu os terrores do Deus Todo-poderoso em sua alma, ainda que ele tivesse toda a ajuda para estar contente. Ela era um rei e tinha habilidade com a música; e ainda nada poderia ser administrado para seu conforto; ele se queixa dos seus “ossos quebrados” (Sl 51:8). E ainda que ele tenha ao menos saído da nuvem escura, ele talvez nunca recuperou sua plena alegria até o dia da sua morte. Se alguns do povo de Deus se intrometerem com o pecado porque Deus o pode tornar em bem, ainda que Deus não os condene – Ele os pode envia ao inferno nesta vida. Ele os pode colocar em tais agonias amargas e convulsões da alma; e enchê-los de terror e fazê-los chegar bem perto do desespero. Que isso seja uma espada reluzente que os mantenha longe da árvore proibida.

E deste modo, eu mostrei, que as piores coisas, pela mão soberana do Grande Deus, cooperam para o bem dos santos.

Novamente digo: não subestime o pecado!