2Sao Miguel as Almas Do Purgatorio e as Balancas

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/27/2019 2Sao Miguel as Almas Do Purgatorio e as Balancas

    1/26

    Campos, A. A. (2004). So Miguel, as Almas do Purgatrio e as balanas: iconografia e veneraona poca Moderna. Memorandum, 7, 102-127. Retirado em / / , do World Wide Web:http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    Memorandum 7, out/2004Belo Horizonte: UFMG; Ribeiro Preto: USP.

    http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    102

    So Miguel, as Almas do Purgatrio e as balanas:

    iconografia e venerao na poca Moderna

    Saint Michael, the Souls of Purgatory and the scales: iconography andveneration in the Modern Epoch

    Adalgisa Arantes CamposUniversidade Federal de Minas Gerais

    Brasil

    ResumoO estudo parte de fontes apcrifas, cannicas, visuais e devocionais a respeito datrajetria histrica da iconografia e do culto ao Arcanjo Miguel e s Almas doPurgatrio. Retoma a contribuio bibliogrfica de Flvio Gonalves, Emile Mle,Michel e Gaby Vovelle, dentre outros estudiosos. Particular nfase dada ao

    barroco luso-brasileiro, especialmente ao acervo produzido pelas irmandades leigasnas Minas Gerais. A representao do Arcanjo evolui de formas integradas ao JuzoFinal at a sua individualizao em soldado vistoso e delicado no Barroco e Rococ,assumindo, ento, forma de escultura autnoma nos altares. O culto s almasatinge o espao pblico atravs da portada em pedra sabo na Capela de SoMiguel e Almas de Ouro Preto. Finalmente, o estudo enfoca a racionalizao emcurso no oitocentos, que levaria a simplificao escatolgica dessa invocao.

    Palavras-chave: escatologia; catolicismo devocional; irmandades; barroco; rococ

    Abstract

    The study begins by looking at apochryphal, canonical, visual and devotionalsources dealing with the historical and iconographic trajectory of the cults of theArchangel Michael and of the Souls of Purgatory. The contributions to this theme byFlvio Gonalves, Emile Mle and Michel and Gaby Vovelle, among other scholars,are re-examined. Particular emphasis is placed on Luso-Brazilian baroque style,especially the works produced by the lay brotherhoods in Minas Gerais. Therepresentation of the Archangel evolves from forms associated with the FinalJudgement to his portrayal, in the baroque and rococo styles, as a striking anddelicate soldier who assumes the form of an autonomous alter sculpture. The cult ofthe Souls is displayed in public by way of the soapstone faade of the Chapel ofSaint Michael and the Souls in Ouro Preto. In concluding, the study focuses on therationalization in course during the nineteenth century which led to a scatologicalsimplification of this devotion.

    Keywords: scatology; devotional catholicism; brotherhoods; Baroque; Rococo

    1. Antecedentes do culto em PortugalA devoo a So Miguel Arcanjo (1) suscitou a produo de objetos diversificados:imagens, pinturas, moedas e medalhas, selos ou mesmo a representao integradas cenas do Juzo Final, existentes nas portadas do Romnico, paredes e abbadasdo Gtico e Maneirismo (Male, 1947). Fontes escritas confirmam a amplitude dacrena; no Purgatrio, de Dante Alighieri, as almas recorrem intercesso de SoMiguel (PURG. XIII, 49-51); nos Livros de Horas, literatura piedosa de grandecirculao at a poca Moderna, o Arcanjo luta contra o demnio, salvando os

    justos para a imortalidade (2). A Ibria no se esquiva a esse pendor devocional,finalizando encenaes do teatro religioso, como oAuto da Ave Maria (de Antnio

  • 7/27/2019 2Sao Miguel as Almas Do Purgatorio e as Balancas

    2/26

    Campos, A. A. (2004). So Miguel, as Almas do Purgatrio e as balanas: iconografia e veneraona poca Moderna. Memorandum, 7, 102-127. Retirado em / / , do World Wide Web:http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    Memorandum 7, out/2004Belo Horizonte: UFMG; Ribeiro Preto: USP.

    http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    103

    Prestes), com mensagens edificantes proferidas por So Miguel (Martins, 1969,vol.2, p.10).Em Coimbra, o Museu Machado de Castro conserva trs esculturas em pedra, dosculo XV, duas delas mesclam bem caractersticas medievais e renascentistas. Dasportadas medievais herdaram a presena de almas nas balanas. A instituiopossui ainda o retbulo de So Miguel, proveniente de Santa Clara (conventovelho), do escultor Joo de Ruo (1537) (Cf. Borges, 1980, p.51). Nessacomposio arquitetural, compartimentada em seis nichos distribudos em doisregistros, So Miguel representado na parte superior, com a tradicional balanacom almas. Naquele altar de Santa Clara, o Arcanjo perdeu as balanas, que,seguindo o gosto da poca, tambm teriam almas. O culto a So Miguel foi recuadoentre os portugueses, assumindo destaque a partir de D. Joo III que, por lhe tertido especial devoo, alcanou do papa, Adriano VI, autorizao para que fossemcelebrados os ofcios de S. Miguel, na Capela Real (1522) (cf. Albuquerque, 1995).Intitulado o Piedoso, o rei obteve a titularidade das Ordens Militares, cuja unio Coroa foi adquirida da Cria Romana que lhe rendeu o cargo de Mestre da Ordemde Cristo. A devoo e o fato de ter sido o primeiro monarca titular da Ordem,explica a presena do arcanjo no escudo.

    A Capela de So Miguel, integrada aos prdios que compem o conjunto daUniversidade de Coimbra, possui soberba portada manuelina, bem como decoraointerna bastante erudita, datada dos sculos XVII e XVIII, fato que ratifica apresena particular desse culto no mbito das elites governantes (3).Em Portalegre, na Igreja da S, pode-se observar no retbulo, sob invocao daVirgem do Carmo, a representao de So Miguel em um dos quatorze painis defeio maneirista, pintados por Lus de Morales, em 1616 (Serro, 1987).Concluindo este rol sumrio de obras lusitanas anteriores ao Barroco, menciona-seo retbulo de So Miguel no templo de Santo Anto, em vora, feito por JernimoCorte Real na segunda metade do quinhentos (Gonalves, 1959). Face ao presenteacervo, observamos a venerao a So Miguel, a propsito bastante recuada entreos portugueses, onde teve excelente contextualizao histrica, para ento se

    alastrar no ultramar, inclusive sob os auspcios do Conclio Tridentino (1545/1563).Motivado pela tradio e tambm pela reforma religiosa, o culto a So Miguel atingea cidade e o campo, atraindo os governantes, o clero regular, secular e os leigos(4). Durante o seiscentos e setecentos, transforma-se em um culto dotado debases sociolgicas ampliadas. Domina por completo as manifestaes maispopulares, compartilhando, muitas vezes o mesmo altar com outra invocao,notadamente das Almas do Purgatrio, das quais considerado o principaldefensor. Em Portugal, a representao do Arcanjo tornara-se freqente nospainis existentes nos monumentos denominados alminhas. A exposio alusiva aoculto s Almas do Purgatrio (1993), organizada pelo Museu de Etnografia de Pvoado Varzim (Fig.I), divulgou atravs de imagens, telas e retbulos de feio bastantepopular a amplitude dessa devoo (5).

    No Porto, a representao de So Miguel encontra-se no convento de Santa Clara,nos Congregados, em So Pedro dos Clrigos e no forro da Casa do Cabido da S,onde o pintor Pachini (1737) reservou-lhe o painel central, pois considerado opatrono daquele Cabido. Ladeando a S, tem-se a fonte entalhada por NicolauNasoni (1736), atravs da qual a representao dupla em relevo e escultura deMiguel atinge o espao pblico, tal a vitalidade da devoo entre os lusitanos.Lisboa tambm possui acervo representativo: o templo dedicado a So Miguel emAlfama, a imagem luxuosa com capacete, estandarte e asas de prata do Museu daS; numa verso mais popular, o Miguel com almas nas balanas e na peanha daigreja de Santa Madalena (6); esculturas e os azulejos do Museu de Madre de Deus,duas imagens expostas no Museu de Arte Antiga, a excepcional pintura de autoriade Andr Gonalves (1685 - =1762) na tribuna de altar lateral de Menino de Deus

    (7), dentre outras.O presente arrolamento expande aquele iniciado por Flvio Gonalves e ento,reunidos, fornecem um conjunto expressivo de objetos devocionais dedicados a So

  • 7/27/2019 2Sao Miguel as Almas Do Purgatorio e as Balancas

    3/26

    Campos, A. A. (2004). So Miguel, as Almas do Purgatrio e as balanas: iconografia e veneraona poca Moderna. Memorandum, 7, 102-127. Retirado em / / , do World Wide Web:http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    Memorandum 7, out/2004Belo Horizonte: UFMG; Ribeiro Preto: USP.

    http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    104

    Miguel no mbito das manifestaes culturais do colonizador (Gonalves, 1959,1963).Salienta-se a presena da devoo na Espanha Andaluza e na Galcia, divulgada naAmrica, onde, a propsito, existem bons exemplos apelativos da proteo doArcanjo.A partir da constatao da representatividade do acervo inventariado, tentamosestabelecer tipos iconogrficos que nos ajudariam a compreender os modelosdesenvolvidos nas Minas Gerais. Existem iconografias com durao prolongada,outras bastante particularizadas no tempo e espao, sem continuidade no Barrocoluso-brasileiro.

    2. Iconografia do Arcanjo e fontes doutrinriasSo raras as referncias bblicas sobre a atuao de So Miguel, embora hajapassagens elucidadoras a respeito de tipos iconogrficos precisos (Dn 12, 1-3; Is28, 17; J 31, 6-7; Ex 23, 20-21; Ap 12, 7-8). Das breves aluses, a maisimportante, sem dvida, a luta travada por Miguel e seus anjos contra o demnio(Ap 12, 7-8), pois ela suscitou uma tradio iconogrfica, geralmente de feioMedieval, Renascentista, Maneirista e Barroca, raramente Rococ.

    Segundo a narrativa sagrada, Lcifer tentou se equiparar a Deus e, submetido porMiguel, perdeu a graa e o acesso s alturas, sendo condenado, ento, a transitarnas partes baixas, na escurido das profundezas dos abismos (Ap 20, 1-3). Dentrodessa concepo fornecida pelo santurio de Grgano esto obras bastanterecuadas, cujos atributos - lana e demnio - contaram com grande repetio(MALE, 1984, 245-279). Por haver sido lanado para baixo, para as trevas, a cor desat seria negra (8).Na arte medieval, o demnio foi representado sob forma hedionda eessencialmente animal. GRABAR (1994) observou notvel popularidade nessarepresentao. Atravs dos avanos da racionalizao, o artista do Renascimentonem sempre o representa com feio monstruosa, imaginando-o com traoshumanos. No barroco ibero-americano observamos a coexistncia das duas

    representaes, com uma diferena: a tradio erudita inclina-se ao demnioantropomrfico e a popular ao animalesco. Nas solues intermedirias possvelencontrar Miguel com aspecto refinado, enquanto o demnio uma forma hbridaentre o humano e o animalesco, como no exemplo da Matriz de Catas Altas do MatoDentro, atribudo a Francisco Vieira Servas (Coelho & Hill, 2001).

    No sculo XII, o santurio de Saint Michel(Frana) introduziu uma particularidadeestranha arte italiana - o escudo, conservando o drago e a lana. Esse atributopossibilitou a difuso de um modelo bastante popular no barroco ibero-americano.Em muitos casos, essa verso iconogrfica recorreu simultaneamente a outrapassagem bblica que demonstra a grandeza do Arcanjo no conceito divino. Refere-se ao significado do nome Miguel, do hebraico Mi-c-el, em latim Quis ut Deus,Quem () como Deus (Ex 23,20-21). Dessa forma, em escudos da gramtica

    Barroca e Rococ encontramos a inscrio Quis ut Deus ou ento, simplesmente asiniciais.O Romnico e o Gtico difundiram as balanas (9), escatolgicas por excelncia,freqentes tambm nas representaes renascentistas, maneiristas e barrocas.Naquelas cenas alusivas ao Juzo Final, o Arcanjo Miguel tem balanas e almas(Fig.II e III). Enquanto avalia as almas justas e as pecadoras, o demnio,sorrateiramente, observa ou avana sobre o prato situado esquerda, lado quesignifica na linguagem religiosa a degradao (Fig. IV) moral. Para Male e Reau, asbalanas, difundidas pelo sul da Frana, foram introduzidas durante o sculo XIcomo resultado da converso do Egito, que cristianizou o deus Anubis, cujo papelde juiz post-mortem era simbolizado pelas balanas. Sem entrar no mrito dessainterpretao, reconhecemos que a associao do Arcanjo com as almas no foi

    dada literalmente pelas Escrituras, mas pelas fontes apcrifas e estas circularamabertamente at por ocasio do Conclio Tridentino (1545-1563).

  • 7/27/2019 2Sao Miguel as Almas Do Purgatorio e as Balancas

    4/26

    Campos, A. A. (2004). So Miguel, as Almas do Purgatrio e as balanas: iconografia e veneraona poca Moderna. Memorandum, 7, 102-127. Retirado em / / , do World Wide Web:http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    Memorandum 7, out/2004Belo Horizonte: UFMG; Ribeiro Preto: USP.

    http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    105

    Dos textos no includos na Bblia destacamos o Primeiro livro deHenoque (cercade 170), no qual se estabelece a relao entre o final dos tempos e SoMiguel,aceito como o principal dos arcanjos, o mediador entre Deus e os homens, omisericordioso e magnnimo, o encarregado de zelar pelos bons (Macho, 1984). Aspoucas passagens escritursticas referentes ao Arcanjo reiteram tambm adimenso escatolgica, pois ele considerado prncipe e defensor dos povos; nobastasse, o soldado na luta contra o Anticristo (Dn 10, 13 e 21; Dn 12, 1; Ap 20, 1-3, Ex 23, 20-21).Na Viso de Paulo (anterior a 250), tambm apcrifo, Miguel intercede, j nomomento do ofertrio da missa de defuntos, em defesa dos justos, pois de Deusrecebera a misso de conduziraquelas almas ao Paraso (10). Por amor aMiguel, aSo Paulo e humanidade, o Pai concedera s almas um dia e uma noite derefrigrio, de suspenso das penas expiatrias, do sbado ao domingo, dia daressurreio (11). Segundo a Viso de Paulo, o Arcanjo Miguel roga fervorosamenteao Filho de Deus em defesa dos filhos dos homens (Macho, 1981, p. 377). Talbondade e ardor, existentes na splica do Arcanjo, constituem fonte de inspiraopara o teatro religioso, que vez por outra empregou palavras edificantes proferidaspor Miguel (Martins, 1969, p. 10 e 246). Assim sendo, o Apocalipse de Paulo,

    dotado de linguagem bastante compreensvel e de pormenores realistas, tevesucesso extraordinrio no sentimento religioso, como tambm na construo deimagens relativas ao alm e intercesso de Miguel na defesa dos justos.Inmeras concepes religiosas viram nas balanas com seus dois pratos a imagemperfeita para simbolizar "a justia, o peso comparado dos atos e das obrigaes"(Chevalier & Gheerbrant, 1989, p. 114). A Bblia tambm a considera adequadapara significar a eqidade divina: "pese-me Deus em sua balana justa, econhecer a minha simplicidade" (J 31,6) (12). Apesar disso, a introduo dabalana nas representaes referentes a Miguel s ocorreu a partir do sculo XI.Acontece justamente quando se encontram em ascenso os diversos testemunhosem favor de uma expiao temporria, alguns j referidos nas Escrituras, outrosacrescidos pelas narrativas de viagens ao alm e, outrossim, pela vivncia

    apostlica da Igreja que incentivaram a declarao conciliar sobre o purgatrio nosculo XIII (Conclio de Lio, 1274). Portanto, embora obras romnicas, gticas,renascentistas e maneiristas aludam principalmente ao Juzo Final, a mentalidadereligiosa de ento se adianta, amadurece em seu seio a crena no Juzo particularconcomitante morte. GRABAR destacou o descompasso da escultura monumentalmedieval em relao ao pensamento teolgico, demonstrando que ela muitas vezespreocupava-se mais com o preenchimento das arquivoltas concntricas, domnio daaparncia, do que propriamente com a atualizao do significado (Cf. Grabar, 1994,363). O Renascimento, Maneirismo e Barroco destacaram a imagem de Miguel combalanas e almas, substituindo-lhe a tnica de anjo pela armadura de soldado (Fig:X), porm, doravante investida de outro sentido, no mais alusivo consumaodos tempos, mas ao juzo individual.

    A iconografia de Miguel, com balanas e almas, difundiu-se no mundo ibrico coevo(13). Contudo, nas Gerais, onde a colonizao remete ao XVIII, as almasdesapareceram rapidamente, deixando as balanas vazias. Encontramos arepresentao do Arcanjo ainda com almas nas balanas nas igrejas paroquiais deCatas Altas do Mato Dentro, Caet, Itatiaia, Ouro Branco, So Joo del Rei, SantaRita Duro, Camargos e no Museu do Ouro de Sabar (Fig:V e VI). So ausentesnas balanas de imagens do Rococ (1760-1840) (14). Somente em imagensdatveis das primeiras dcadas do sculo XVIII, portanto de fatura portuguesa oubem integrada tradio ibrica, houve recorrncia representao das Almas doPurgatrio. A mesma considerao se aplica s obras do Rococ em Portugal,notadamente s eruditas, inclinadas ao modelo de Guido Reni (1575 - =1642). Aposio inclinada do corpo, o manto revolto, as sandlias vazadas e leves, balanas

    vazias, gldio, enfim toda a elegncia da configurao de Reni influenciou bastanteo Barroco internacional.

  • 7/27/2019 2Sao Miguel as Almas Do Purgatorio e as Balancas

    5/26

    Campos, A. A. (2004). So Miguel, as Almas do Purgatrio e as balanas: iconografia e veneraona poca Moderna. Memorandum, 7, 102-127. Retirado em / / , do World Wide Web:http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    Memorandum 7, out/2004Belo Horizonte: UFMG; Ribeiro Preto: USP.

    http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    106

    Durante a restaurao da imagem de So Miguel de Cachoeira do Brumado (distritode Mariana), realizada em 1993, o CECOR-UFMG localizou pequenos furos para afixao de pinos nos pratinhos daquelas balanas, entalhados em madeira. Estecaso explica a perda de almas que, por serem entalhadas parte, ficavam maisexpostas s leses. Esclarece tambm a presena desse atributo em meados dosetecentos nas Gerais.Na arte escultrica das Minas Gerais, a representao de almas nas balanas tevedurao mais limitada que aquela verificada na pintura, prataria e talha em geral.Neste caso, j no mais conotam um forte sentido escatolgico, servindo,sobretudo, como smbolo da Irmandade de So Miguel e Almas. Constitui umsimples decalque esttico, resduo ilustrativo de mudanas operadas no sentimentoreligioso e na espiritualidade daquela poca.O imaginrio cristo medieval reconheceu a existncia de almas errantes, quetiveram penitncias mal cumpridas e estariam penando aqui e acol, suplicando porpreces (15). O catolicismo ps-tridentino se esforou para desbastar certosaspectos da religiosidade popular, dentre eles encerrando as almas em processo depurificao em uma nica topografia do alm, isto , o Purgatrio. As almascontinuavam a suscitar a sociabilidade, a piedade crist, s que atravs de canais

    formalizados. No deviam se expor ostensivamente aos homens, causando-lhestemores e embaraos. Nas Minas, a cultura lusitana bem como as tradiespopulares chegam de uma forma fragmentada, em virtude das condiesespecficas da colonizao, acarretando o enfraquecimento precoce da "onipresenados mortos e sua coabitao com os viventes" (Vovelle, 1987, p. 199 ss).Por mais que se tentasse transplantar para o Novo Mundo as instituies, costumese crenas prprias de sua cultura, o colonizador contava ento com a grandeza doterritrio, os poucos ncleos urbanos, a diversidades das culturas e a ausncia detradio crist autctone. Do ponto de vista europeu, um verdadeiro caos, umaconspirao contra a preservao do imaginrio catlico e tambm dos valores dareligiosidade popular de matriz medieval.Por sua vez, o territrio das Gerais foi desbravado apenas em fins do seiscentos,

    com o estabelecimento das primeiras vilas em 1711. Portanto, entre a ocupaolitornea do Brasil e o povoamento da Capitania, houve um hiato de quase 200anos (Ramos, 2001). Nela foram os prprios leigos que, assentando-se socialmenteerigiram as irmandades (Boschi, 1986). Deste modo, percebe-se uma mutaosignificativa na mentalidade religiosa de origem, no sentido de dificultar a coeso, asolidariedade e o enraizamento das tradies.Enquanto a Capitania das Minas se mantinha esquiva edificao das alminhas, naIbria elas se alastravam pelo meio urbano e rural do seiscentos e do setecentos.No bastasse a ausncia daqueles oratrios com a invocao das almas, a prpriarepresentao daquelas criaturas desapareceu precocemente; primeiro dasbalanas, depois dos frontais de altares e de outros objetos de culto. Trata-se deum motivo em extino nas artes figurativas, ainda que a devoo persistisse, sem

    o entusiasmo verificado no mundo ibrico. As Almas Santas eram veneradas,contudo sem a vontade expressa de objetivar, atravs de obras visuais, esse cultoem particular. Por outro lado, no podemos afirmar que a devoo j seencontrasse profundamente interiorizada, a ponto de no precisar se manifestar nodomnio concreto, pois os testamentos mineiros no atestam apreo expressivo sbenditas do Purgatrio, a no ser nas primeiras dcadas.Um modelo iconogrfico que obteve relativo sucesso nas obras refinadas, imitadoalgumas vezes naquelas de confeco popular, representou So Miguel com gldio.Em substituio popular lana, o gldio inspirava-se na apario do Arcanjo aopapa Gregrio em 815, ocasio em que o teria desembainhado banhado em sangue(Vorgine, 1990, p. 622). Essa vertente apresenta a dupla gldio e escudo podendoprescindir da presena do demnio em favor de base em forma de monte, pois

    Miguel preferira sempre aparecer aos homens sobre montanhas (cf. Reau, 1996;Attwater, 1991).

  • 7/27/2019 2Sao Miguel as Almas Do Purgatorio e as Balancas

    6/26

    Campos, A. A. (2004). So Miguel, as Almas do Purgatrio e as balanas: iconografia e veneraona poca Moderna. Memorandum, 7, 102-127. Retirado em / / , do World Wide Web:http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    Memorandum 7, out/2004Belo Horizonte: UFMG; Ribeiro Preto: USP.

    http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    107

    Conforme a Viso de Paulo, os anjos brilham como sol, tm o nome de Deusinscrito no peito, trazem a palma - smbolo da vitria contra o mal, e a cruz,smbolo maior para o cristo (Erbetta, 1981, 362). Na obra La leyenda Dorada(1260), So Miguel relacionado no s com o Juzo Final, mas particularmentecom a figura de Cristo, que exercer o papel de juiz (Vorgine, 1990, II, 621).Como o segundo mais importante nessa cena, o Arcanjo se apresentar diante doltimo tribunal portando a cruz, os cravos, a lana e a coroa de espinhos (16).Desde o Renascimento e o Maneirismo, a produo visual explorou bastante o liameestabelecido entre Miguel, a Paixo de Cristo e a consumao dos tempos. Na tbuaquinhentista, annima, do Museu de Arte Antiga de Lisboa, alusiva ao Julgamentodas Almas, Miguel traz a espada e uma longa haste, ambas com arrematescruciformes. Na gravura maneirista de Jrme de Wierx (Fig. VII) existente naBiblioteca Nacional de Paris, de fins do quinhentos, Miguel representado aocentro, com o destaque que merece em face dos demais arcanjos, trazendo aos psum demnio animalesco, a palma esquerda e a cruzabandeirada, direita. Napintura de Santo Anto, em vora, Corte Real o representa com a palma da vitriae com o brao direito para o alto, encimado pela inscrio Quis ut Deus. E nocoroamento encontra-se um painel circular; nele esto justapostos o Pai e o Filho

    crucificado (17).A palma foi atributo de pouca difuso no barroco, enquanto a cruz assumiurelevncia enorme no conjunto das obras da poca Moderna (18). Despojada ouornamentada, ela ocupou ostensivamente a paisagem, morros, encruzilhadas,pontes e adros, destacando-se tambm como atributo iconogrfico dos maisconcorridos. Pietro de Cortona (1596 - =1665) registrou essa aliana iconogrfica,que unifica o culto Paixo, aos anjos e ao Arcanjo Miguel. Nela, figuras anglicasde delicados gestos apresentam os martrios de Cristo, enquanto, no centro dacomposio, Miguel - com manto revolto, asas amplas e penacho exuberante -sustenta graciosamente o Santo Lenho. No catolicismo barroco, essa iconografiadesenvolveu-se particularmente, transformando-se em um programa, concorrendocom as verses tradicionais, inspiradas nos modelos fornecidos por Grgano, Mont

    Saint Michel e portadas medievais. Entretanto, So Miguel conservou sua feioescatolgica. Com a cruz (abandeirada ou no) continuou a aludir consumaodos tempos, s que de um modo abrandado (19).O atributo cruz, no entanto, no diz respeito apenas a uma projeo futura. Dasinmeras aparies do Arcanjo consta uma, assaz interessante, que suscitouexpressiva produo artstica. Segundo a tradio religiosa, So Francisco (1182=1226) jejuava e orava em louvor a So Miguel no Monte Alverne, em setembro.Neste ms inscrevem-se duas festas: a celebrao doArcanjo Miguel e a Exaltaoda Cruz. Na ocasio, Francisco meditava sobre a Paixo de Cristo e, por amor, quiscompartilhar as dores do Calvrio, recebendo os estigmas da Paixo. Segundo opadre Antnio Vieira e a literatura piedosa coeva, o anjo que imprimiu as chagasem So Francisco fora Miguel (Vieira, 1646/1945). Por essa razo os franciscanos

    veneram So Miguel e fizeram questo de criar, no sculo XII, uma iconografiaprecisa para a cena da imposio dos estigmas.No barroco luso-brasileiro, os terceiros franciscanos, cientes da tradioiconogrfica da ordem, repetem-na nos altares de seus templos e nas imagens quesaam s ruas nos andores das Chagas e do Amor Divino por ocasio daprocisso de Quarta-feira de Cinzas (Campos, 2001). Com a iconografia citada,sobressai o medalho existente na portada magistral de So Francisco de Assis, deVila Rica (Cf. Trindade, 1951).Tratamos aqui das variantes iconogrficas bsicas prprias da devoo ao ArcanjoMiguel, o que no descarta, porm, a existncia de outras possveis combinaes.Observamos, entretanto, que o modelo em ascenso j nas primeiras dcadas dosetecentos mineiro, diga-se de concepo bastante culta, exalta a venerao

    Paixo de Cristo.3. A Devoo a So Miguel e Almas no mbito da Capitania de Minas Gerais

  • 7/27/2019 2Sao Miguel as Almas Do Purgatorio e as Balancas

    7/26

    Campos, A. A. (2004). So Miguel, as Almas do Purgatrio e as balanas: iconografia e veneraona poca Moderna. Memorandum, 7, 102-127. Retirado em / / , do World Wide Web:http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    Memorandum 7, out/2004Belo Horizonte: UFMG; Ribeiro Preto: USP.

    http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    108

    Em Os leigos e o poder, h relao com trinta e cinco irmandades sob a invocaode So Miguel e Almas existentes na Capitania das Minas, montante que as colocaem terceiro lugar, em termos de invocao institucionalizada, sobrepujadaprimeiramente pelas irmandades do Rosrio dos Pretos e, em segundo, pelas doSantssimo Sacramento (Boschi, 1986, 187-188). No se trata de particularidadedas Gerais, visto que tambm em Portugal e na Frana da poca Moderna houveclassificao semelhante das devoes, o que atesta, no plano da religiosidade, apopularidade atingida por esse culto (20).A devoo, recuada como vimos, foi reavivada com o Conclio Tridentino,

    juntamente com os coros anglicos e Almas do Purgatrio. No barroco luso-brasileiro foi ratificada pelas Constituioens Primeiras:(...) encomendamos muito que tratem desta devoo das Confrarias; e deservirem, e venerarem nellas aos Santos, principalmente do Santssimo, e donome de Jesus (esta no se desenvolve), de N. Senhora, e dasAlmas doPurgatrio... porque estas Confrarias he bem as haja em todas as Igrejas (LX-869).Levantamos cerca de 60 localidades mineiras que possuram irmandades de SoMiguel e Almas ou ento apenas a devoo, atestada pela existncia de obrasartsticas, capelas ou denominao de stios. Neste caso, so lugares em que o

    culto no chegou a ser institucionalizado. O nosso estudo considera tanto aexistncia legal da irmandade, como a presena de imagens em nichos e museus,os retbulos com emblemas das almas sob a invocao do Glorioso Arcanjo.A devoo a Miguel Arcanjo acompanhou a rota de ocupao do territrio das Minas(21). Geralmente as igrejas que foram elevadas sede de parquia no primeiroquartel do setecentos tinham as irmandades do Rosrio dos Pretos, das Almas enecessariamente do Santssimo Sacramento. Por sua vez, na regio de colonizaomais recente como, por exemplo, a Comarca do Serro do Frio, a devoo noprovocou o mesmo fervor, resultando em diminuto acervo (22).A antigidade e a relevncia do culto s Almas so confirmadas pelo lugardestacado de seu altar, sempre na proximidade do arco-cruzeiro, o primeiro do ladoda Epstola, fronteiro a outro sob invocao de Nossa Senhora (23). Nas localidades

    que se conservaram indiferentes s novas devoes do oitocentos e do novecentos, possvel constatar, ainda, a presena do altar e respectivo Arcanjo exatamente naconcepo original. H casos em que a invocao deixa o altar primgeno,distanciando-se da vizinhana da capela-mor, em favor de devoes mais atraentes- Senhor dos Passos, Nossa Senhora das Dores, Corao de Jesus... ou, ento, obrigado a dividir a tribuna com outro santo. Ironicamente, transforma-se eminquilino no prprio altar. Face a esse processo, dia a dia em acelerao, o Arcanjofoi perdendo devotos. Suas imagens, das requintadas s populares,progressivamente vm sendo deslocadas para museus e colees particulares. Adevoo suscitou enorme acervo cultural que atrai a ateno dos comerciantes dosetor, vigilantes ao lento arrefecimento do culto. Com isso, tem-se a dispersogradativa dos bens culturais alusivos ao culto a So Miguel e Almas, que dificulta a

    realizao de um mapeamento mais completo.Na Capitania, as irmandades de So Miguel foram, mormente constitudas porbrancos, embora no plano individual a venerao no fosse restrita. Observamosdocumentalmente que, na maioria das vilas, na ausncia das Misericrdias, asirmandades do Glorioso Arcanjo alugavam seu esquife (tumba) a preos mdicos ouat mesmo faziam o funeral daqueles que no tinham recursos para isso (24).Supomos que tal particularidade tenha sido a razo da venerao declarada dosnegros e pardos e daqueles que eram pobres em geral (25). Reau estabelece umaconexo entre o culto a Miguel e a tumba da boa morte (talvez inspiradoremotamente na barca egpcia), motivo pelo qual o Arcanjo foi cultuado no s emaltares, templos e oratrios, mas tambm em cemitrios.Por sua vez o perodo ureo das confrarias de So Miguel e Almas coincidiu no

    plano poltico com o longo governo de D. Joo V (1707 -=

    1750), qualificado peloSumo Pontfice de fidelssimo e pela historiografia de "o rei barroco" (Bebiano,1987; D'Arajo,1989).Declarada foi a sua inclinao para a religio, as artes em

  • 7/27/2019 2Sao Miguel as Almas Do Purgatorio e as Balancas

    8/26

    Campos, A. A. (2004). So Miguel, as Almas do Purgatrio e as balanas: iconografia e veneraona poca Moderna. Memorandum, 7, 102-127. Retirado em / / , do World Wide Web:http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    Memorandum 7, out/2004Belo Horizonte: UFMG; Ribeiro Preto: USP.

    http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    109

    geral e especialmente em favor das Almas do Purgatrio. Portanto, a propagaodas irmandades das Almas alm de contar com o estmulo das autoridadeseclesisticas, baseava-se na compreenso pessoal do rei. Era um ir e vir deinfluncias mtuas, enfim uma devoo compartilhada. Entende-se assim por que oculto s Almas do Purgatrio sensibiliza a Capitania, mormente durante o governo

    joanino, sobretudo antes da longa doena que acometeu daquele protetor prdigo.

    4. Os altares de So Miguel e AlmasNo decorrer do dezoito e princpios do dezenove mineiros, os altares de So Miguel,bem como das irmandades em geral, subordinavam-se aos modelos internacionais,ainda que em ritmos diferenciados. Temos assim os retbulos do tipo Nacional-Portugus (1700-1730), D. Joo V ou Joanino (1730-1760) e o "Rococ" (1760-1840) sendo que a transio constituiu um processo lento, resultando soluesmescladas e tardias (26).Durante todo o perodo citado, houve elaborao de altares de So Miguel e Almas,mas eles foram mais freqentes nas primeiras dcadas do setecentos. Contudo,reconhecemos a existncia de um conjunto expressivo de altares do Joanino tardio(1745-1760) e do Rococ, geralmente decorrentes da substituio da talha

    primitiva. Assim sendo, verificamos que a devoo no declina abruptamente, aocontrrio, resiste bem, atingindo com tranqilidade o prprio oitocentos. Todavia,em discreta retirada para favorecer invocaes em propagao: Paixo de Cristo etemas correlatos, Nossa Senhora da Boa Morte, So Francisco de Assis, SagradosCoraes...As irmandades de maior poder aquisitivo, conseguiam acompanhar as novidadesartsticas, alteravam, via de regra, os retbulos originais ou pelo menos as mesasde altares que, modernizadas, diferenciam-se do conjunto escultrico respectivo. Asmodificaes aconteciam ao sabor do momento, sem obedecer a um programateolgico ou iconogrfico. comum encontrar a mesa Rococ (ou mesmo sem estilodefinido) em retbulo do nacional-portugus ou joanino.Face s inovaes estilsticas, mesas de altares perderam seus emblemas

    distintivos - balana e/ou alminhas, conseqncia da depurao do fundoescatolgico da iconografia original. O acervo ficou alterado em seu contextocultural, o qual suprimiu a maioria das balanas com almas, atributos recorrentesnos primrdios da colonizao, quando eram fortes as marcas de origem.Observamos a difuso de balanas sem almas em frontais de mesa de altares, emmeio s modificaes introduzidas, a partir de 1745, na talha joanina (27). Desdeento, e no Rococ em particular, tornam-se flagrantes como atributos as balanas vazias, a cruz ou a ausncia total de smbolos religiosos. As obras com arepresentao de balana vazia superam numericamente aquelas dotadas dealminhas, porque so mais recentes, pois correspondem ao redirecionamento damentalidade religiosa no sentido de uma racionalizao. As criaturas do alm vose retirando do mundo da representao, para serem veneradas sob uma forma

    mais interiorizada e at arrefecida, doravante sem a mediao da imagem.Verificamos o domnio recuado de uma iconografia mais solidria com a sorte dasbenditas do purgatrio, mais direta e espontnea, tal como encontramos emMonsenhor Horta (antigo So Caetano), Cachoeira do Campo, Furquim, Itaverava,Vila Rica (Conceio do Antnio Dias) e So Joo del Rei (28). (Fig:V e VI).Em meados do XVIII mineiro, as transformaes no mbito da talha joaninarestringem seus elementos simblicos em proveito do conjunto esttico - enxuto,estrutural, grandioso. Essa tendncia em despojar a decorao do seu significadoreligioso e desbastar os caprichos ornamentais, atinge o gosto das irmandades, enotadamente os altares de almas feitos nesse perodo. Com essa concepo, doisaltares sobressaem pela monumentalidade, requinte e despojamento ornamental,em relao aos modelos pretritos - o da matriz de Catas Altas (Fig: IX) e o da S

    de Mariana, ambos lado Epstola, ladeando o arco cruzeiro. Eles obedecem a umpensamento prvio, no foram feitos para depois assimilarem invocaces em nichosou se modificarem paulatinamente, como o caso do altar de Miguel da matriz do

  • 7/27/2019 2Sao Miguel as Almas Do Purgatorio e as Balancas

    9/26

    Campos, A. A. (2004). So Miguel, as Almas do Purgatrio e as balanas: iconografia e veneraona poca Moderna. Memorandum, 7, 102-127. Retirado em / / , do World Wide Web:http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    Memorandum 7, out/2004Belo Horizonte: UFMG; Ribeiro Preto: USP.

    http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    110

    Pilar ouropretana, que atingiu esta iconografia a partir de intervenes em datasdiferentes.As duas irmandades das Almas, a de Catas Altas (29) e a de Mariana (30) j seencontravam constitudas em 1713 (31). H descompasso entre a iconografia doArcanjo de Catas Altas, de concepo tradicional e de fatura elaborada - demnioanimalesco, balana com almas, estandarte com inscrio (Quis ut Deus) - e o altarno qual se insere, bem mais simplificado, embora refinado (Coelho & Hill, 2001). Osatributos da imagem so literalmente escatolgicos. Enquanto este contedo abrandado, ou mais espiritualizado, na ornamentao do retbulo, encimado pelogrande arranjo escultrico, no qual se tem a alegoria da F (uma jovem de olhosvendados trazendo uma cruz direita), na tribuna destaca-se o Senhor Bom Jesusde Matosinhos, circundado por uma massa escultrica de raios luminosos; logoabaixo no nicho uma imagem de Nossa Senhora das Dores, no espaoconvencionalmente destinado ao sacrrio (32).Trata-se de altar de fatura erudita, na forma e no contedo simbolizado, distantedaquelas mensagens diretas fornecidas pelas almas que, para suscitar a devoo,mostravam as penas que padeciam. A f a virtude mais nobre, indispensvel graa e salvao eterna (J 8, 24). cega, porque aquele que cr "no esquecer

    que os olhos ho de estar sempre vendados para o ma, fechados ao mundo quedespreza a lei de Deus" (33). Na cultura barroca, a cruz materializa sempre aexpulso das trevas, proteo divina, averso idolatria e, sobretudo, a meditaosobre a morte, entendida como portal para a eternidade dos justos. O Senhor doBom Jesus e sua me evocam a memria o drama do Calvrio, to relevado nocatolicismo barroco. O destaque reservado ao Cristo, em prejuzo do prpriopadroeiro, representa o acatamento pastoral tridentina, pois sua imagem devepreceder a todas outras (34). O catolicismo ps tridentino venera tanto a Paixo,que santos oragos descem dos tronos, com modstia, em direo ao sacrrio doprprio altar. De um modo geral, dia a dia vo desaparecendo aqueles sinaisevocativos de oraes para as Almas do Purgatrio, embora a mentalidade continuevoltada para a salvao eterna.

    No altar da S de Mariana, certamente concludo em 1748, esto presentes oSenhor Bom Jesus, das Dores, Madalena, So Joo, numa reconstituio do queteria ocorrido no Monte Calvrio. Essa tribuna vedada por um relevo escultricoexcepcional, incomum nas Minas. Nela foram entalhados os emblemasrepresentativos da Paixo do Senhor: a jarra, as mos de Pilatos, o martelo e acruz com a legenda SPQR - Senatus populusque romanus, iconografia comum aoscruzeiros da Capitania. Na tampa do sacrrio tem-se a representao do cordeiroenvolto numa estrutura raionada brilhante, para significar que ele, Cristo a vtimaexpiatria, a verdadeira luz do mundo (J 8, 12). No frontal do altar figura abalana vazia, doravante sem as benditas almas do purgatrio. A imagem de SoMiguel tem peanha lisa, levemente ondulada, balana vazia e, infelizmente, perdeuo outro atributo que seria a cruz. Ao invs do apelo tradicional s almas, da

    presena destacada de So Miguel no trono (tribuna), evoca-se a salvao atravsdos mritos da Paixo de Cristo.A obra mais recuada dessa verso iconogrfica, localizada em altar de So Miguel, aquele da Matriz do Pilar (Vila Rica). Ali, a irmandade de So Miguel procedeu fatura de novo retbulo em 1733, o qual apresenta tribuna espaosa que, notranscorrer dos anos, foi recebendo figuras da Paixo: em 1736 colocaram oCrucificado, em 1747 Nossa Senhoradas Dores, depois a Madalena e o So Joo(35). Um Calvrio alcanado s custas do improviso, seguindo a pulsao do gostoreligioso.O exemplo mais acabado da aliana iconogrfica, Paixo e Arcanjo das Almas, aindaque improvisado no transcurso de meio sculo, encontra-se no templo de SoMiguel, Santssimos Coraes e Senhor Bom Jesus de Matosinhos - trs invocaes

    em um s monumento - situado no antigo Passa-dez (Cabeas), em Vila Rica.Trata-se da nica obra monumental com iconografia das almas na Colnia. umarepresentao tardia (a do purgatrio), mais sincronizada com a mentalidade da

  • 7/27/2019 2Sao Miguel as Almas Do Purgatorio e as Balancas

    10/26

    Campos, A. A. (2004). So Miguel, as Almas do Purgatrio e as balanas: iconografia e veneraona poca Moderna. Memorandum, 7, 102-127. Retirado em / / , do World Wide Web:http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    Memorandum 7, out/2004Belo Horizonte: UFMG; Ribeiro Preto: USP.

    http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    111

    primeira metade do sculo XVIII. Momento alto da criao local, sintetiza, esimultaneamente renova, representaes dispersas e em franca extino,imortalizando-as atravs daquela portada, datada do ltimo quartel do setecentos(36). Uma grande obra que materializa e documenta, atravs da talha em pedrasabo, o culto s almas (Campos, 1998).Na singular portada da Capela de So Miguel ouropretana h representao dasalmas no fogo do purgatrio (37). Encimando a composio, h nicho ocupado porSo Miguel, com escudo e balanas desprovidas de almas. Atravs de anliseestilstica, atribui-se o conjunto da portada a Antnio Francisco Lisboa e sua oficina,que executaram obra provavelmente enquanto trabalhavam no frontispcio de SoFrancisco, tambm em Vila Rica. Apesar do tema representado e de certafrontalidade do Arcanjo, a portada das Cabeas posterior a 1778, ano em que selavrava e carregava pedra para aquele frontispcio.Em 1771, Jos Simes Borges (morador em Congonhas do Campo) legalizava adoao de um terreno ao ermito Manoel de Jesus Fortes para a edificao dacapela no Passa-dez (Vila Rica) (38). A invocao original era Santssimos Coraese So Miguel e Almas, comumente registrada nos documentos entre 1761-1792,perodo de construo e ornamentao (incompleta) do templo (39). Contudo,

    interessante observar que a decorao interna do templo foi progressivamenteinclinando-se devoo da Paixo, com a aquisio de imagens do Senhor doSepulcro, Senhor do Bom Jesus, das Dores, So Joo Evangelista. Talha deconfeco tardia, de um Rococ transitando para o clssico. No bastasse, osirmos encomendaram uma via-crucis (interna) para a sacristia, envolvendo painisde Manoel da Costa Atade, relevos com mesas de altares e imagem do Senhor dosPassos. A Capela transformou-se em templo de peregrinao, com estalagem paraos devotos (40). Aos poucos, o templo dos Santssimos Coraes e So Miguel eAlmas assemelhou-se ao santurio de Congonhas, com a diferena de que, em VilaRica, os Passos da Paixo so internos e naquele so ao ar livre, segundo a tradioibrica (Massara, 1988).H documento de 1867 em que os devotos do Senhor Bom Jesus instituem novo

    compromisso: doravante "eles pretendem fazer reviver a antiga Irmandade de SoMiguel e Almas, erecta na dita capela", cuja venerao, constatamos, foi topreterida a favor daquela do Senhor do Bom Jesus, a ponto do Glorioso Arcanjo serconvertido em inquilino em seu prprio templo (41). Tudo pela Paixo de Cristo, amaior devoo do setecentos mineiro! interessante registrar que o santurio de Congonhas, feito s custas das esmolaslevantadas pelo ermito Feliciano Mendes, funcionava como paradigma devocionaldurante a segunda metade do setecentos. A partir de ento, seguindo a motivaoportuguesa, o culto se impe nas Gerais, preferindo-se os lugares altos e atopografia irregular. Curiosamente, a construo e ornamentao de So Miguel eAlmas do bairro das Cabeas contempornea fatura da via sacra escultrica deCongonhas, cujas imagens foram confeccionadas entre 1796-1799. O templo

    ouropretano, coincidentemente, localiza-se no topo de um stio ngreme, emborano o suficiente para comportar a presena de um escadrio. Apresenta, noentanto, condies adequadas para essa fuso de devoes, ou melhor, o domniodo culto Paixo. Dessa forma, o templo vilarriquenho amadurece um processoiniciado nos prprios altares de So Miguel e Almas presentes nas igrejas matrizes.O purgatrio do Aleijadinho, tal como o de Dante, situa-se em uma montanha,obtida atravs da suave ondulao da sobreporta. Nele, homens e mulheres, comfeies tranqilas, purificam-se sem externalizar aflio ou sofrimento.Diferentemente das representaes costumeiras, o escultor descobre bastante opeito de algumas almas, destacando ao centro uma figura masculina, representadade corpo inteiro e nu, o que raridade na iconografia existente na Capitania.Nessa concepo, h inteno de diferenciar rigorosamente os tipos humanos

    (masculino/feminino) ainda que no se distingam plenamente os tipos sociais, estesmais freqentes na iconografia portuguesa. Ainda assim, o Aleijadinho representou,excepcionalmente, um frade (com o tonsura), como tambm a viso frontal de uma

  • 7/27/2019 2Sao Miguel as Almas Do Purgatorio e as Balancas

    11/26

    Campos, A. A. (2004). So Miguel, as Almas do Purgatrio e as balanas: iconografia e veneraona poca Moderna. Memorandum, 7, 102-127. Retirado em / / , do World Wide Web:http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    Memorandum 7, out/2004Belo Horizonte: UFMG; Ribeiro Preto: USP.

    http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    112

    mulher com cabelos longos e soltos, seios expostos, denunciando a profisso e.ouo pecado da luxria. No purgatrio de Vila Rica e nas demais representaes dasMinas, no ocorrem sinais distintivos - coroa, tiara, mitra etc. Domina umaiconografia avessa s hierarquias tradicionais, afinada assim com a realidadecolonial, particularmente a mineira, onde as condies especficas da colonizaocontriburam para a diluio precoce do modelo baseado em uma sociedadeestamental. Por sua vez, as almas no so dotadas da feio genericamente infantilque caracteriza, via de regra, as obras populares. Aleijadinho as representouadultas e, outrossim, com fisionomia particular, individualizao, alis, tambmafirmada na pintura do cmodo lado epstola na matriz de So Joo del Rei (Fig.VIII).Mais uma vez constatamos que nas Minas, o cuidado de adquirir bens temporaisocupava os homens no prevalecendo a viso infernalizada do purgatrio (42).Diante justamente desta particularidade, coerente apresentar uma viso maiscomplacente, conformada aos homens daquele tempo!Encimando o purgatrio em um nicho, registro separado e superior, So Miguel deelaborada confeco, no perde a imponncia, ao contrrio dos Miguis da talhaportuguesa, que descem at as chamas e inclinam-se muito, para, com as prprias

    mos, retirar dali as benditas. Essa convivncia ntima de graus distintos desantidade no ocorre na portada de Vila Rica, onde se materializa a ntidaseparao entre as formas de existncia no alm, mais ou menos santificadas.Reconhecemos que no constitui uma obra de fatura ingnua (composiocompacta, ausncia de movimento, desproporo). Foi elaborada quando aracionalizao do pensamento tendia a apartar no s o mundo dos vivos daqueledos mortos, bem como a estratificar rigorosamente o alm dos eleitos. Assim, aviso do purgatrio no infernalizada, mas tambm no conta com a participao,em seu seio, da companhia direta dos intercessores, segundo o gosto de matrizmedieval. Eles se afastam progressivamente para o alto, para o imperscrutvel!A imagem de So Miguel, entalhada na pedra com certa frontalidade, porta balanavazia de almas e escudo que se espraia, moda de Joo Gomes Batista, seguindo

    aquela forma divulgada nos rolos (filactrio) dos profetas de Congonhas, o atributo- o escudo - estranho arte da comarca de Vila Rica, mais freqente nos acervosdas comarcas do Rio das Mortes e Rio das Velhas.

    5. A iconografia do Arcanjo Miguel nas Minas GeraisNa arte colonial mineira Miguel foi representado de diversas maneiras. Em obrascuja datao mais recuada, traz uma bota pesada e austera. Em fins do primeiroquartel do setecentos, o rude calado vai dando lugar a uma sandlia vazadaapenas nos dedos, com arremate trabalhado nas bordas, maneira de Jrme deWierx, demonstrando-se, assim, a inteno ornamental. No geral, as imagensdatveis da primeira metade do sculo exibem as pernas bem recobertas por umcalado fechado. A partir de ento, desenvolve-se uma verso graciosa: a sandlia

    de tiras tranadas moda Guido Reni, colocando mostra os ps e as pernas doArcanjo. Desse modo, nas imagens do Rococ h preferncia pela leveza, elegnciae sensualidade. So formas mais adequadas vida urbana do que ao mundo rural.Essa trajetria, igualmente verificada no acervo europeu, evidencia a passagem deum modelo severo (Barroco) a outro mais arejado (Rococ). O academismooitocentista trataria de recuperar a austeridade, retornando s sandlias levementevazadas. A bota foi usual nos lugares de ocupao mais antiga, nos primeirosncleos de povoamento, decorrentes do desbravamento dos bandeirantes. Nasverses mais populares continuou compacta. Denuncia o contato direto com o meionatural. Contudo, no especfica da Capitania, e no foi colocada para expressaras dificuldades enfrentadas diante do mundo natural. Por sua vez, a sandliaparcialmente vazada (nos ps) coetnea com as povoaes mais recentes, s

    vezes decorrentes de um remanejamento interno das populaes, quando j se temestabelecido o perfil urbano da Capitania. O calado de So Miguel fornece,portanto, indicaes para a datao do acervo cultural e sobre a modernizao

  • 7/27/2019 2Sao Miguel as Almas Do Purgatorio e as Balancas

    12/26

    Campos, A. A. (2004). So Miguel, as Almas do Purgatrio e as balanas: iconografia e veneraona poca Moderna. Memorandum, 7, 102-127. Retirado em / / , do World Wide Web:http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    Memorandum 7, out/2004Belo Horizonte: UFMG; Ribeiro Preto: USP.

    http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    113

    superficial da pea, caso tenha sido "maquiada" conforme o gosto Rococ. Convmsalientar que, em geral, por obedecerem tradio, nas obras mais rsticas, houvea tendncia a prolongar o uso da bota completamente fechada.Outro atributo importante para a iconografia de Miguel o demnio Freqente naspeas do primeiro tero do setecentos, desaparece rapidamente, para voltar cenacom o academismo oitocentista. Nas concepes eruditas, representado maneira antropomrfica; nas populares, apresenta forma assaz varivel, massempre tendendo para o animalesco. A vertente erudita foi a maior responsvelpela retirada do demnio da peanha das imagens, em favor do monte ou dasnuvens. Conforme a tradio religiosa, So Miguel manifestou-se aos homens emsolo montanhoso - Itlia, Frana, Inglaterra... (Attwater, 1991; Reau, 1996).Segundo a doutrina, Miguel tem umamisso escatolgica, pois estar ao lado doSenhor no Juzo Final, quando ento trar arvorada a Santa Cruz. Os atributosmonte ou nuvens, que dominam a iconografia nas Gerais, aparecem durante asprimeiras dcadas do setecentos, disputando, tanto nas obras de confeco maiselaborada quanto naquelas ingnuas, com a representao do demnio. O popularsegue na esteira do erudito, imitando-o, divulgando-o e at degradando-o (Grabar,1994, p. 396 ss). Em fins do primeiro tero do setecentos, o monte ou as nuvens,

    s vezes indistinguveis, se impem definitivamente nas peanhas das imagenseruditas. Embora haja imagens sobre nuvens ou montes, portando as botasaludidas, a sandlia mais austera ou plenamente vazada ajusta-se melhor ao novotipo iconogrfico, desprovido de sat; mudana esta tambm com preferncia pelascomposies graciosas e leves.Na iconografia das Minas, a lana encontra-se presente desde tempos recuados. svezes com sentido funcional - submeter o demnio - outras, meramente paracompor a imagem. Durante o primeiro quartel do setecentos mineiro, houve umatendncia, inclusive j explorada anteriormente na arte medieval, a dar a formacrucfera ao arremate da lana, a qual serve de suporte para uma bandeirola. Como tempo, esta lana cruciforme transforma-se em uma cruz bastante leve, maisadequada para as peanhas compostas de nuvens ou montanha. Com isso

    destacamos que muitas imagens carentes de atributos ( mo direita),necessariamente no teriam a lana, sobretudo se a peanha formada pormontanha ou nuvens. Portanto, a partir da terceira dcada do sculo XVIII, arepresentao do Arcanjo passa a contar, de maneira progressiva, com a cruz, quepode estar substituindo a lana ou gldio. Verificamos que composies do perodoRococ compartilham da afeio Paixo de Cristo, generalizada nessa poca nareligiosidade da Capitania, relevando o atributo cruz, ao invs da lana e do gldio.A introduo da cruz nas imagens atinge a maior popularidade nas manifestaesdo Rococ.O gldio e o escudo, identificados no acervo proveniente da comarca do Rio dasVelhas e na do Rio das Mortes, so atributos mais raros, atingem o Rococ, mas demaneira bastante particularizada.

    Sem dvida, o atributo mais costumeiro e duradouro, que no deixa esmaecer namemria a face escatolgica de So Miguel, a balana, existente em todo operodo contemplado (sempre mo esquerda). Ela acompanha a lana, o gldio, acruz, enfim compatvel com todos os atributos. Do Barroco ao Rococ, asbalaninhas constituem o atributo mais recorrente. No entanto, modifica-se notranscorrer do setecentos mineiro: nos modelos mais recuados pode conter arepresentao de almas, enquanto nas obras de meados do sculo eparticularmente do Rococ rara tal presena. como se essas criaturas fossemrapidamente retiradas do mundo visvel (artstico e religioso) e, ento, alocadasdefinitivamente l, no purgatrio!No escoar do setecentos mineiro, as imagens alusivas a So Miguel perderam aausteridade, tanto no que diz respeito conteno do movimento na talha quanto

    na policromia. As feies assumem a expresso doce, anglica, meio afeminada. Oscapacetes tornam-se delicados, sofisticados, cada vez mais distantes da rgidaforma inicial. A composio obedece construo em diagonais, possibilitando a

  • 7/27/2019 2Sao Miguel as Almas Do Purgatorio e as Balancas

    13/26

    Campos, A. A. (2004). So Miguel, as Almas do Purgatrio e as balanas: iconografia e veneraona poca Moderna. Memorandum, 7, 102-127. Retirado em / / , do World Wide Web:http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    Memorandum 7, out/2004Belo Horizonte: UFMG; Ribeiro Preto: USP.

    http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    114

    movimentao das massas, revelada em volumoso e revolto manto e vestimentapouco militar, dotada de suave galanteria!Minas Gerais deixou vasto acervo iconogrfico alusivo a So Miguel, dia a dia emprocesso de descontextualizao. Inicialmente, bastante marcado pela influnciaibrica, porm, precocemente criou opes prprias, voltadas para a depuraoescatolgica, - supresso das almas -, e notadamente para o culto Paixo. Naltima grande obra em homenagem a Miguel, isto , a pintura da nave da igrejaparoquial de Arcngelo de Joaquim Jos da Natividade (XIX), ele ajoelha-se dianteda Santssima Trindade, despojando-se do gldio e da cruz abandeirada. Trata-sede uma nova poca, mais afirmativa da vida terrena e despreocupada em relaoao alm!

    SIGLASACC: Arquivo da Casa dos Contos de Ouro PretoACMBH: Arquivo da Cria Metropolitana de Belo HorizonteAHMI: Arquivo Histrico do Museu da Inconfidncia (Ouro Preto)AEAM: Arquivo Eclesistico da Arquidiocese de MarianaAPM: Arquivo Pblico Mineiro (Belo Horizonte)

    APNSC: Arquivo Paroquial de N. Sra. da Conceio (Ouro Preto)APNSP: Arquivo Paroquial de N. Sra. do Pilar (Ouro Preto)APSAT Arquivo Paroquial de Santo Antnio (Tiradentes)CECOR: Centro de Conservao e Restaurao de Bens Culturais Mveis(Belo Horizonte)IEPHA Instituto Estadual do Patrimnio Histrico e ArtsticoIFAC: Instituto de Filosofia, Artes e Cultura da UFOP (Ouro Preto)IPHAN: Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (escritrio deBelo Horizonte)IBMI: Inventrio de Bens Mveis e Integrados feito pelo IPHANIEPHA/MG: Instituto Estadual do Patrimnio Histrico e Artstico de MinasGerais

    MMC: Museu Machado de Castro, Coimbra

    Referncias BibliogrficasAlbuquerque, M. (1995). Uma grande jia: So Miguel cavaleiro de Cristo. Ideologia

    e Arte. Oceanos: mulheres no mar salgado. 21, 112-117.

    Attwater, D. (1991). Dicionrio de santos. So Paulo: Art Editora.

    Bardi, P. M. (1981). Histria da Arte Brasileira. So Paulo: Melhoramentos.

    Bazin, G. (1983). Arquitetura religiosa barroca no Brasil. vol. 2. Rio de Janeiro:Record.

    Bebiano, R. (1987). D. Joo V: poder e espetculo. Aveiro: Estampa.

    Bernardes, Pe. M. (1946). Os ultimos fins do homem, salvao, e condenaoeterna. Tratado Espiritual, dividido em dous livros, no primeiro se trata dasingular providencia de Deos na salvao das almas. Lisboa. Na Officina deJoseph Antonio da Sylva, MDCCXXVIII - Reproduo fac-similada da ediode 1728 (vol. 1). So Paulo: Anchieta.

    Bloch, M. (1993). Os reis taumaturgos: o carter sobrenatural do poder rgioFrana e Inglaterra. So Paulo: Cia. das Letras.

    Borges, N. C. (1980). Joo de Ruo: escultor da Renascena Coimbr. Coimbra:Instituto de Histria da Arte; Fundao Calouste Gulbenkian.

  • 7/27/2019 2Sao Miguel as Almas Do Purgatorio e as Balancas

    14/26

    Campos, A. A. (2004). So Miguel, as Almas do Purgatrio e as balanas: iconografia e veneraona poca Moderna. Memorandum, 7, 102-127. Retirado em / / , do World Wide Web:http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    Memorandum 7, out/2004Belo Horizonte: UFMG; Ribeiro Preto: USP.

    http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    115

    Boschi, C. (1986). Os leigos e o poder: irmandades leigas e poltica colonizadoraem Minas Gerais. So Paulo: tica.

    Campos, A. A. (1998). A portada da Capela de So Miguel e a venerao s Almasdo Purgatrio, Vila Rica - Brasil (sculo XVIII). Em P. Schumm (Org).Barrocos y modernos. (pp. 231-241). Madrid: Vervuert.

    Campos, A. A. (2001). As ordens Terceiras de So Francisco da Penitncia nasMinas Coloniais: cultura artstica e procisso de Cinzas. Imagem Brasileira,1, 193-199.

    Chevalier, J. & Gheerbrant, A. (1989). Dicionrio de smbolos, mitos, sonhos,costumes (Vera da Costa e Silva e outros, Trad.s). Rio de Janeiro: JosOlympio Editora. (Publicao original de 1982).

    Coelho, B. & Hill, M. (2001). Francisco Vieira Servas: anjos, arcanjos e querubins.Imagem Brasileira, 1, 137-149.

    D'Arajo, A. C. (1989). Morte, Memria e Piedade Barroca. Revista de Histria dasIdias, 11, 129-174.

    Delumeau, J. (1981). Un chemin dhistoire: chrtient et christianisation. Paris:Libraire Arthme Fayard.

    Dias, P. & Gonalves, A. N. (1990). O Patrimnio Artstico da Universidade deCoimbra. Coimbra: Universidade de Coimbra.

    Erbetta, M. (1981). L'Apocalisse di Paolo (prima 250). Visio Pauli. Em Gli apocrifidel NuovoTestamento - lettere e apocalissi (vol. 2). (pp. 352-386).CasaleMonferrato: Editrice Marietti.

    Gonalves, F. (1959). Os painis do Purgatrio e as origens das Alminhaspopulares. Boletim da Biblioteca Pblica Municipal de Matosinhos, 6, 22-23.

    Gonalves. (1963). Privilgio sabatino na arte alentejana.A Cidade de vora, 45-46, 1-12.

    Grabar, A. (1994). Les voies de la cration en iconographie chrtienne: antiquit etmoyen ge. Paris: Flamarion.

    Machado, J. A. G. (1995).Andr Gonalves: pintura do barroco portugus. Lisboa:Editorial Estampa.

    Macho, M. (1984). Apcrifos del Antiguo Testamento - tomo IV ciclo de Henoc.Casale Monferrato: Editrice Marietti.

    Male, E. (1947). L'art religieux du XIIe sicle en France: etude sur les origines del'iconographie du Moyen Age. Paris: Libraire Armand Colin.

    Male, E. (1984). L'art religieux du XVIIe sicle - Italie - France, Espagne, Flandres.Paris: Armand Colin Editeur.

    Martins, J. (1974). Dicionrio de artistas e artfices dos sculos XVIII e XIX emMinas Gerais (2 vol.). Rio de Janeiro: Publicaes do IPHAN.

  • 7/27/2019 2Sao Miguel as Almas Do Purgatorio e as Balancas

    15/26

    Campos, A. A. (2004). So Miguel, as Almas do Purgatrio e as balanas: iconografia e veneraona poca Moderna. Memorandum, 7, 102-127. Retirado em / / , do World Wide Web:http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    Memorandum 7, out/2004Belo Horizonte: UFMG; Ribeiro Preto: USP.

    http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    116

    Martins, M. (1969). Introduo histrica vidncia do tempo e da morte. (vol. 2).Braga: Livraria Cruz.

    Massara, M. (1988). Santurio do Bom Jesus do Monte: fenmeno tardo barrocoem Portugal. Braga: Confraria do Bom Jesus do Monte.

    Oliveira, M. R. (1984/5). Escultura Colonial Brasileira: um estudo preliminar.Barroco, 13, 7-32.

    Oliveira, M. A. R. (2000). Catlogo da mostra do redescobrimento: arte barroca.So Paulo: Fundao Bienal de So Paulo.

    Pereira, I. (1973). As visitaes paroquiais como fonte histrica: uma visitao de1760. Revista da Faculdade de Letras, 15, 11-71.

    Pestana Filho, M. (1997). So Miguel Prncipe dos exrcitos celestes. BeloHorizonte: Editora da Divina Misericrdia.

    Ramos, D. (2001). A luta pela alma: conflito espiritual nas Minas Gerais do sculoXVIII. Oficina da Inconfidncia: revista de trabalho,2 (1),13-46.

    Reau, L. (1996). Iconografia de la Biblia: antiguo testamento (vol. 1). Barcelona:Ediciones del Serbal.

    Revista do APM. (1975). N XXVI, 224-225, doc. 189 e 190.

    Rwer, A. (1943). O lavabo do Aleijadinho na sacristia da igreja de S. Francisco emOuro Preto. Revista EclesisticaBrasileira, 3 (1), 69-73.

    Sebastin, S. (s.d). El barroco Ibero Americano. Madrid: Encontro Ediciones.

    Serro, V. (1987). A actividade do pintor maneirista Lus de Morales em Portugal:novas obras e rastreio de influncias. Em P. Dias (Org). As relaesartsticas entre Portugal e Espanha na poca dos Descobrimentos. (pp. 9-64,ilust. p. 24). Coimbra: Livraria Minerva.

    Trindade, R. (1929). Archidiocese de Marianna; Subsdios para a sua histria BeloHorizonte: Imprensa Oficial. 3 vol.

    Trindade, R. (1951). So Francisco de Assis de Ouro Preto. Rio de Janeiro:Publicaes do Ministrio da Sade; IPHAN.

    Trindade, R. (1945). Instituies de igrejas no Bispado de Mariana. Rio de Janeiro:Ministrio da Educao e Sade.

    Vieira, A. (1945). Sermo das Chagas de S. Francisco, em Lisboa na Igreja daNatividade, anno de 1646. Em Sermes do Padre Antnio Vieira ... (vol. 12,pp. 229-251). So Paulo: Anchieta.

    Vorgine, S. (1990). La Leyenda dorada (vol. 2). Madrid: Alianza Editorial.

    Vovelle, M. e Vovelle, G. (1969). La mort et l'au: del en Provence d'aprs lesautels des mes du Purgatoire. Annales ESC, 1602-1634.

    Vovelle, M. (1978). Piet baroque et dchristianisation en Provence au XVIIIesicle. Paris: Editions du Seuil.

  • 7/27/2019 2Sao Miguel as Almas Do Purgatorio e as Balancas

    16/26

    Campos, A. A. (2004). So Miguel, as Almas do Purgatrio e as balanas: iconografia e veneraona poca Moderna. Memorandum, 7, 102-127. Retirado em / / , do World Wide Web:http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    Memorandum 7, out/2004Belo Horizonte: UFMG; Ribeiro Preto: USP.

    http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    117

    Vovelle, M. (1987). Ideologias e mentalidades. (M.J. Goldwasser, Trad;). So

    Paulo: Brasiliense. (Publicao original de 1982).

    Notas(1) A difuso do culto a So Miguel relaciona-se s suas aparies, das quaisdestacam-se as de 492 sobre o Monte Grgano, em Siponto (Itlia), a de 710 emAvranches (Frana) e aquela feita ao papa Gregrio no mausolu de Adriano, em815 Nesses stios foram construdas capelas, centros de peregrinao quepropagaram o culto (Cf. Vorgine, 1990; Reau, 1996).(2) "Trs Riches Heures du Duc de Berry" e "Heures de Rohan". Cf. Martins, 1969,vol. 2, pp. 244-246.(3) A Capela de So Miguel "foi uma das extenses manuelinas aos paos antigos",segundo risco de Marcos Pires, falecido em 1521 [Cf. Dias & Gonalves, 1990, pp.49-61.(4) O culto a So Miguel foi uma tradio entre as ordens de So Francisco de Assise os Mnimos de So Francisco de Paula (Cf. Male, 1984, ps. 418 e 422). J na

    prpria Idade Mdia, tanto na Frana quanto na Inglaterra, sua efgie era colocadaem medalhinhas que os devotos carregavam ao pescoo (Cf. Bloch, 1993, pp. 106e 201).(5) O acervo exibido pela exposio teve alcance regional. Atravs dela observamosuma ntida distino entre a confeco desse barroco mais provinciano e aquelepresente nos grandes centros (Lisboa, Coimbra, Porto), de inclinao erudita (notocante aos altares: maiores, com fingimento de mrmore, uso de painis natribuna, moda italiana, em detrimento do trabalho escultrico, tratamentorefinado...).(6) Na Capela de So Tiago (Coimbra), encontramos imagem de So Miguel comiconografia idntica.(7) Andr Gonalves tem enorme importncia na arte portuguesa do setecentos

    (Cf. Machado, 1995).(8) O Arcanjo teria aparecido em Grgano em 490, 492, 493 e 1656 cf. Pestana,1997.(9) Notre Dame (Chartres), Saint-Etienne (Bourges), catedral d'Autum, Santa F(Conques), Notre Dame (Paris), Saint-Trophine (Arles) (Cf. Male, 1947).(10) "Anche nell' offertorio alle messe dei defunti compito di Michele condurre leanime in paradiso"(Cf. Erbetta, 1981, p. 364).(11) idem, p. 378. Trata-se de obra traduzida durante a Idade Mdia em inmeraslnguas, que teve influncia sobre a literatura alusiva ao alm em geral e aopurgatrio em particular, pois concebe a existncia de dois infernos, o inferior paraos que pecaram mortalmente (I Cor 6, 9-10), e o superior - futuro purgatrio (Cf.Erbetta, 1981, vol. 3, pp. 376-378).

    (12) O oratoriano Manoel BERNARDES recorre passagem de Isaas (Is 28, 17), sbalanas como smbolos da eqidade da justia divina: "Farey juizo por pezos, ejustia por medida. Por esta razo se pinta j por antigo uso da Igreja o ArchanjoS. Miguel com balanas na mo, a quem pertence por especial officio appresentaras almas no Tribunal Divino, e os pezos destas balanas sem dvida so o amor..."(Cf. Bernardes, 1946, vol. 1, p. 229).(13) H obras alusivas ao Juzo Final no Mxico, Peru e Bolvia, datadas dos sculosXVIII e XIX, nas quais o Arcanjo Miguel representado com balanas dotadas dealmas, segundo a moda gtica, s que doravante, ao invs da tnica, porta aarmadura de soldado (Cf. Sebastin, s.d., pp. 232 e 263).(14) Recorremos ao IBMI do IPHAN e ao arquivo fotogrfico do CECOR/UFMG, oqual j restaurou inmeras peas com a temtica em questo, complementando

    aquelas informaes com levantamentos de campo.(15) Segundo So Patrcio, algumas almas passavam seu purgatrio em umdeterminado lugardaterra [Cf. Vorgine. 1990, vol. 2, pp. 704-717), cit. p. 709).

  • 7/27/2019 2Sao Miguel as Almas Do Purgatorio e as Balancas

    17/26

    Campos, A. A. (2004). So Miguel, as Almas do Purgatrio e as balanas: iconografia e veneraona poca Moderna. Memorandum, 7, 102-127. Retirado em / / , do World Wide Web:http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    Memorandum 7, out/2004Belo Horizonte: UFMG; Ribeiro Preto: USP.

    http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    118

    (16) "El es el abanderado de Cristo en el ejrcito de los Santos ngeles Y l serquien en cuanto el Seor le d la orden, matarvalientemente al Anticristo en lacima del monte Olivete, y quien dar la voz para que los muertos resuciten, y quienel da del juicio presentar ante el tribunalla Cruz, los cravos, la lanza, y la coronade espinas" (Vorgine, 1990, vol. 2, p. 621).(17) So Miguel com o atributo cruz coberta com guio (bandeirola) freqente naiconografia portuguesa. Flvio Gonalves faz meno ao "Juzo Final" da S dePortalegre e da igreja paroquial de So Loureno, na mesma cidade: "S. Miguelest tambm de p sobre as nuvens, de asas abertas, o manto a cair-lhe dosombros. Empunha na mo direita o habitual guio com a cruz vermelha. Em baixo,no lume, debatem-se os corpos dos condenados, incluindo vrios frades. Dasnuvens, dois anjos acercam-se e livram as almas" (Vorgine, 1990, vol. 2, p. 23).(18) Bardi divulga uma imagem mineira, de coleo particular, absolutamenteexcepcional e popular, que representa So Miguel submetendo o demnio com alana, trazendo esquerda um enorme galho de coqueiro (palma) invertido, quevai da cabea do Arcanjo s pernas de sat [Cf. BARDI, Pietro Maria. (1981).Histria da Arte Brasileira].(19) Manoel Bernardes (1946, p. 150) vaticinou: "A todos capitanear o Principe S.

    Miguel, trazendo em seus braos arvorado aquelle proprio madeyro da Cruz, emque o Filho de Deos pendurou, com seus sagrados membros, a salvao do mundo"(20) Em estudo voltado para uma micro-regio portuguesa, envolvendo 32freguesias, constata-se a seguinte classificao: 24 irmandades do Santssimo, 23do Rosrio, 21 das Almas do Purgatrio (Pereira, 1973). A mesma ordenao foiencontrada para o caso francs: "Il y a presque partout des autels et des chapellesdes Ames du Purgatoire, mais leur succs est ingal suivant les lieux" (Vovelle,1978, p.160).(21) Cf. rota dos primitivos colonizadores. Em Trindade, 1928, pp. 15-36.(22) Acreditamos que a tese A Terceira devoo do setecentos mineiro; o culto aSo Miguel e Almas. So Paulo: Histria USP, 1994, tenha colaborado para aintroduo de rico acervo dessa iconografia na exposio Bienal 500 (cf. Oliveira,

    2000).(23) Observamos a presente disposio em Cachoeira do Brumado, Camargos,Catas Altas do Mato Dentro, Dores do Turvo, Furquim, Mariana, Monsenhor Horta,Ouro Branco, Ouro Preto (Matriz de Antnio Dias), Padre Viegas, Prados, Santa RitaDuro, Tiradentes etc.(24) At 1739 So Miguel e Almas do Pilar (Vila Rica) possua um esquife para anjo,um de "pano rico" para os prprios confrades, outro de "pano pobre" destinado aoservio caridoso, quando "empresta" definitivamente as tumbas Misericrdia, coma condio deles retornarem matriz nos dias de funeral dos irmos (cf. AEPNSP,Termos da irmandade de So Miguel e Almas 1712-1818: lanamentos de05/10/1713 relativo ao enterro de pobres, de 29/10/1739 sobre as condies doemprstimo dos esquifes). A partir da no constaram as referidas tumbas nos

    inventrios de alfaias da irmandade.(25) Raramente essas irmandades se abriram aos negros e mulatos, masencontramos excees; as Almas da S de Mariana, especialmente no ano de 1778(Cf. AEAM, Missas,Oficios na Cathedral...1751- 1791, fl. 105), e a de Santa RitaDuro (AEAM, Compromisso da irmandade de So Miguel e Almas deSanta RitaDuro, 1765, cap. 18).(26) Cf. as variaes dessa tipologia bsica: Oliveira, (1984/5); Cf. altares dealmas Vovelle & Vovelle, 1969.(27) Nos anos 40 a talha joanina sofre simplificao que reduz os "excessosornamentais" e favorece a "estrutura arquitetnica e monumental dos retbulos"(Oliveira, 1984/5, p. 20).(28) A maioria do acervo referido de transio do nacional para o joanino, e se

    situa entre 1725-1730: o altar de Cachoeira do Campo, com graciosa alma femininano arremate do retbulo, j existia em 1725. (Cf. Martins, 1974, v. 2, p. 37). Damesma poca, o altar de Miguel na Matriz de So Caetano, cujo livro de

  • 7/27/2019 2Sao Miguel as Almas Do Purgatorio e as Balancas

    18/26

    Campos, A. A. (2004). So Miguel, as Almas do Purgatrio e as balanas: iconografia e veneraona poca Moderna. Memorandum, 7, 102-127. Retirado em / / , do World Wide Web:http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    Memorandum 7, out/2004Belo Horizonte: UFMG; Ribeiro Preto: USP.

    http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    119

    compromisso de 1722 (AHMI), possui imagem de Miguel, sem dvida feita pelomesmo escultor daquela de Furquim, tal a semelhana entre ambas. O retbulo damatriz de So Joo del Rei joanino, transitando para o Rococ.(29) A irmandade de So Miguel de Catas Altas mais antiga que a de NossaSenhora da Conceio (padroeira), isto , anterior a 1713 com compromissoaprovado em 1716, motivo pelo qual vivia disputando por precedncia nasprocisses e enterros (Cf. AEAM, Livro de Visitas e fbrica da matriz de Catas Altasdo Mato Dentro, 1727-1831, f. 26).(30) Petio alusiva Vila do Ribeiro do Carmo (Mariana - 1713), afirma aexistncia coeva das irmandades do Santssimo, Nossa Senhora da Conceio e"Almas Santas", a qual naquele tempo j esmolava s segundas-feiras e celebravaoo Finados (Cf. Trindade, 1945, pp. 139-141).(31) A imagem do Arcanjo geralmente exigia reparos nas partes sensveis - mos,dedos, asas, penacho - recebendo nova encarnao, mas no era comum sirmandades disporem da imagem de seu padroeiro. Os devotos so conservadoresem relao s suas imagens de culto, que, carregadas nos anos, tambm o so nasacralidade. O mesmo no se aplica aos altares, constantemente renovados. CatasAltas teve duas imagens: uma pequena e antiga novamente estofada em 1748,

    quando recebeu ares novos por Manoel Rabelo, j desaparecida e a atual, atribudaa Francisco Vieira Servas. Outro exemplo Arcanjo da Matriz do Pilar (Vila Rica),feita em 1714 e encarnada pela segunda vez em 1733, quando da fatura dosegundo altar. Vj. lanamento de 03-05-1714: "Por ouro que se pagou de feitio doAnjo S. Miguel..." 65/oitavas e meia - fl. 126v; no tocante ao segundo estofamentocf. o termo de 6-3-1733 fl. 76, AEPNSP, Termos da Irmandade de So Miguel e

    Almas da Matriz do Pilar - 1712-1838, enumerao irregular).(32) O altar de Catas Altas grandioso, ultrapassando a cimalha real, motivo dedisputa no Juzo eclesistico movida pelo Santssimo Sacramento (Cf. Bazin, 1983,v. 2, pp. 54-59). Seu risco e confeco (1744-1750) se devem a Francisco AntnioLisboa, quase homnimo de Aleijadinho, cuja obra foi avaliada pelo mestreentalhador Francisco Xavier de Brito. (Cf. Martins, 1974, v. 2, pp. 25, 100, 130,

    151, 379 e 388).(33) No lavabo da sacristia de So Francisco em Vila Rica encontra-se outra belaalegoria da f, agora atravs da representao de um monge vendado (Cf. Rwer,1943).(34) "Manda o Sagrado Concilio Tridentino q. nas Igrejas se ponho as Imagens deChristo Senhor Nosso, de sua Sagrada Cruz, da Virgem Maria Nossa Senhora, e dosoutros santos..." (XX-696); "E no que toca preferencia dos lugares, que entre sidevem ter nos altares, declaramos q, sempre as Imagens de Christo nosso Senhordevem preceder a todas, e estar no melhor lugar; e logo as de Virgem NossaSenhora, e depois de S. Pedro Principe dos Apostolos: e que a do Patro, e Titularda Igreja ter o primeiro e melhor lugar, quando no mesmo Altar no estiveremImagens de Christo Nosso Senhor, ou da Virgem..." (XX-699; sobre a cruz cf.

    tambm XXI-702-703 em Constituioens Primeiras ....).(35) O segundo altar (o primeiro era de 1712) foi ajustado com o mestreentalhador Manoel de Brito em termo de 10-08-1733, dourado em 1741 (termo de8 de maio); o Cristo foi esculpido por Antnio Rodrigues Quaresma (fl. 128); a daVirgem "com diadema e espadinha de prata" data de 1747-1748 (fl. 132) (AEPNSP,Livro de termos da irmandade de So Miguel e Almas da matriz do Pilar 1712-1838,enumerao irregular). Atualmente o altar tem apenas o Crucificado na tribuna e oSo Miguel encimando o sacrrio.(36) Agradecemos a Jeaneth Xavier de Arajo a transcrio de APM, Receitas edespesas da Capela das Almas 1778-1813, DF 2137, outrora transcrito peloIPHAN, aproveitado por Bazin, 1983, pp. 86-87. Martins, v.1, pp. 307-348.(37) Portada atribuda a Antnio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, feita no ltimo

    quartel do XVIII. Contudo, o livro de Receitas no faz meno a pagamento aoAleijadinho.

  • 7/27/2019 2Sao Miguel as Almas Do Purgatorio e as Balancas

    19/26

    Campos, A. A. (2004). So Miguel, as Almas do Purgatrio e as balanas: iconografia e veneraona poca Moderna. Memorandum, 7, 102-127. Retirado em / / , do World Wide Web:http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    Memorandum 7, out/2004Belo Horizonte: UFMG; Ribeiro Preto: USP.

    http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    120

    (38) A Capela dos Santssimos Coraes e So Miguel e Almas do Alto das Cabeaspertencente freguesia do Pilar decorrente de doao, com a exigncia defundao de missa (Cf. AEPNSP, "Patrimonio da Capela do Smo. Corassam de

    Jesus, So Miguel do Alto das Cabeas (...) da Matriz do Oiro Preto. 1766(...).(39) Manuel de Jesus Fortes fez a ermida primitiva e, em 1772, pediu licena paraesmolar reedificar a ermida em Capela; h petio de 17/8/1789, suplicandolicena para se continuar a esmolar por mais trs anos, "para o fim de se finalisaraquela obra. E findo ela, se aplicar o que se tirar para o sufrgio das Almas doPurgatrio". Os devotos afirmam "como obra feita de esmolas, ano tem aindade todo concluda (...) a querem concluir de todo o necessrio, paramentando-a eornando-a com a devida decncia de todo o preciso" (Cf. Revista do APM, XXVI(1975): 224-225, doc. 190, 189 e 190).(40) Dentro do patrimnio da capela incluem-se casas fronteiras, coladas umas asoutras "em correnteza", cuja construo provvel deve ser a primeira metade dooitocentos. Em 1789, os devotos j denominavam o templo de "SantssimosCoraes de Jesus, Maria, Jos, Senhor de Matozinhos, So Miguel e Almas".(41) O Compromisso de 1867 (AEPNSP) foi aprovado com a seguinte ressalva "masficando-se esta Irmandade com o titulo unicamente do Senhor Bom Jesus de

    Mattosinhos da Capela das Cabeas do Ouro Preto, e no de S. Miguel e Almas,para evitar-se confuses e equivocos", ao nosso ver para no se confundi-la comaquela existente no recinto paroquial do Pilar, desde 1712 (IPHAN, "Registro doCompromisso da Irmandade de S. Miguel e Almas, erecta na Capella do SenhorBom Jesus de Mattozinhos de Ouro Preto (transc. do Registro de Provises eTtulos da Cmara Municipal, 1846-95, n 119 - pasta Capela de So Miguel eAlmas, Ouro Preto).(42) No encontramos aquela demonizao vista para o caso europeu (cf.Delumeau, 1981).

    Anexo Imagens:

  • 7/27/2019 2Sao Miguel as Almas Do Purgatorio e as Balancas

    20/26

    Campos, A. A. (2004). So Miguel, as Almas do Purgatrio e as balanas: iconografia e veneraona poca Moderna. Memorandum, 7, 102-127. Retirado em / / , do World Wide Web:http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    Memorandum 7, out/2004Belo Horizonte: UFMG; Ribeiro Preto: USP.

    http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    121

    Figura I: Exposio sobre Culto s Almas realizada em Pvoa do Varzim, Portugal.

    Fotografia: Adalgisa Arantes Campos.

    Figura II: O Juzo Final Weyden Rogier van Der

  • 7/27/2019 2Sao Miguel as Almas Do Purgatorio e as Balancas

    21/26

    Campos, A. A. (2004). So Miguel, as Almas do Purgatrio e as balanas: iconografia e veneraona poca Moderna. Memorandum, 7, 102-127. Retirado em / / , do World Wide Web:http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    Memorandum 7, out/2004Belo Horizonte: UFMG; Ribeiro Preto: USP.

    http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    122

    Figura III: O Juzo Final Weyden Rogier van Der.

    Detalhe So Miguel e almas.

  • 7/27/2019 2Sao Miguel as Almas Do Purgatorio e as Balancas

    22/26

    Campos, A. A. (2004). So Miguel, as Almas do Purgatrio e as balanas: iconografia e veneraona poca Moderna. Memorandum, 7, 102-127. Retirado em / / , do World Wide Web:http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    Memorandum 7, out/2004Belo Horizonte: UFMG; Ribeiro Preto: USP.

    http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    123

    Figura IV: Catedral de Notre-Dame; Paris. Portada ocidental

    Fotografia: Achim Bednorz IN: L'arte gotica. Milano: Konemann, 2000 p.311

    Figura V: Matriz do Pilar So Joo Del Rei (So Miguel e almas)

  • 7/27/2019 2Sao Miguel as Almas Do Purgatorio e as Balancas

    23/26

    Campos, A. A. (2004). So Miguel, as Almas do Purgatrio e as balanas: iconografia e veneraona poca Moderna. Memorandum, 7, 102-127. Retirado em / / , do World Wide Web:http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    Memorandum 7, out/2004Belo Horizonte: UFMG; Ribeiro Preto: USP.

    http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    124

    Fotografia: Rangel Cerceau

    Figura VI: Matriz do Pilar So Joo Del Rei. Detalhe So Miguel e AlmasFotografia: Rangel Cerceau

  • 7/27/2019 2Sao Miguel as Almas Do Purgatorio e as Balancas

    24/26

    Campos, A. A. (2004). So Miguel, as Almas do Purgatrio e as balanas: iconografia e veneraona poca Moderna. Memorandum, 7, 102-127. Retirado em / / , do World Wide Web:http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    Memorandum 7, out/2004Belo Horizonte: UFMG; Ribeiro Preto: USP.

    http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    125

    Figura VII: Biblioteca Nacional de Paris, Jrme Wierx.

  • 7/27/2019 2Sao Miguel as Almas Do Purgatorio e as Balancas

    25/26

    Campos, A. A. (2004). So Miguel, as Almas do Purgatrio e as balanas: iconografia e veneraona poca Moderna. Memorandum, 7, 102-127. Retirado em / / , do World Wide Web:http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    Memorandum 7, out/2004Belo Horizonte: UFMG; Ribeiro Preto: USP.

    http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    126

    Figura VIII: So Joo del Rei, forro do cmodo lado epstola, Matriz do pilar

    Fotografia: Adalgisa Arantes Campos

    Figura IX: Planta da Matriz de Catas AltasCludio Magalhes- IPHAN

    Alves, C.M. (1993/6). Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceio de Catas Altas:

    notas margem de um projeto de restaurao. Barroco, 17 : 221-225.

  • 7/27/2019 2Sao Miguel as Almas Do Purgatorio e as Balancas

    26/26

    Campos, A. A. (2004). So Miguel, as Almas do Purgatrio e as balanas: iconografia e veneraona poca Moderna. Memorandum, 7, 102-127. Retirado em / / , do World Wide Web:http://www.fafich.ufmg.br/~memorandum/artigos07/campos01.htm

    127

    Figura X: Prado, altar de So Miguel e Almas, 1 lado Epstola.

    Fotografia: Adalgisa Arantes Campos

    Data de recebimento: 19/08/2004Data de aceite: 06/10/2004