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A distinção - crítica social do julgamento

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Clássico da sociologia.

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(Impress\343o de fax em p\341gina inteira)J..' _
Copyright © 2006 Editora Zouk (edi~ao brasileira) Copyright © 1979/1982 by Les Editions de Minuit
Titulo original: La Distinction: critique sociale du jugement Paris, Col. "Le Sens Commun"
ISBN do original frances: 2-7073-0275-9
Projeto gratico: Alexandre Dias Ramos Tradu~ao: Daniela Kern & Guilherme]. F. Teixeira
Revisao tecnica: Alexandre Dias Ramos & Daniela Kern & Odad Luiz Coradini Editora~ao: William C. Amaral
Tabelas e gnificos: Mayana Martins Redin
Dados Internadonais de Cataloga~aona Publica~ao (CIP) (Sindicato Nacional dos Editores de Livros, Brasil)
B778d Bourdieu, Pierre. 1930-2002
A Distinc;ao: critica social do julgamento / Pierre Bourdieu; traduc;ao Daniela Kern; Guilherme]. F. Teixeira. ~M
Sao Paulo: Edusp; Porto Alegre, RS: Zouk, 2007. 560p. Tradw;:ao de: La distinction: critique sodale du jugement Anexos
ISBN 978-85-88840-68-3 ISBN 978-85-3 I4-1030-7
1. Classes sociais - Franc;a. 2. Estetica francesa. 3. Arte M Aspectos sodais. 4. Critica. I. Titulo.
07-2879.
EDITORA ZOUK r. garibaldi, 1329
90035-052 - born tim - porto alegre - rs - brasil f. 51 3024-7554 e 3012-0057
[email protected]
EDUSP avo prof. luciano gualberto, travessa j, 374, 6° andar
ed. da antiga reitoria - cidade universitaria 05508-900 - sao paulo - sp - brasil
f.1I 3091-4150/4008. sac. II 3091-2911. fax. II 3091-4151 [email protected]
Printed in Brazil 2007
CDD - 306.0944 CDU - 316.722(44)
1. Titulos e ascendencia de nobreza cultural 17
Titulos de nobreza cultural 23 o efeito do titulo 27
A disposi,ao estetica 32 o gosto pura e 0 "gosto barbara" 34
A "estetica" popular 35 o distanciamemo estetico 37
Vma "estetica" antikamiana 43 Estetica, etica e estetismo 45
A neutraliza,ao e 0 universo dos possiveis 51 A distancia da necessidade 54
o senso estetico como senso da distin,ao 56
Ascendencia de nobreza cultural 62 As maneiras e a maneira de adquirir 64
as "doutos" e as "mundanos" 67 A experiencia e 0 saber 73
o mundo de origem 75 o capital herdado e 0 capital adquirido 78
Os dois mercados 82 Fatores e poderes 88
Segunda parte. A economia das praticas 93
2. 0 espa~o social e suas transforma~6es 95
Condi~ao de classe e condicionamentos sociais 97 Variaveis e sistemas de variaveis 97
A classe construida 101 Classe social e classe de trajet6rias 103
Capital e mercado 106
As estrategias de reconversao 122
Classifica~ao, desclassifica~ao, reclassifica~ao 123 Estrategias de reconversao e transforma~6es morfol6gicas 128
o tempo de compreender 134 Vma gera~ao enganada 135
A luta contra a desclassifica~ao 142 As transforma~6es do sistema escolar 147
As luras de concorrencia e a transla~ao da estrutura 151
3. 0 habitus e 0 espa~o dos estilos de vida 162
A homologia entre os espa<;os 167 A forma e a substiincia 168
Tres maneiras de se distinguir 174 Sem cerim6nia ou falta de educa~ao? 184
o visivel e 0 invisivel 190
Os universos de possiveis estilisticas 196
4. A dinamica dos campos 212
A correspondencia entre a produ<;ao dos bens e a produ<;ao dos gostos 215 o efeito das homologias 218
As afinidades eletivas 225
As lutas simb6licas 229
Terceira parte. Gostos de classe e estilos de vida 240
5. 0 senso da distin<;ao 241
Os modos de apropria<;ao da obra de arte 247
As variantes do gosto dominante 264
A marca do tempo 276
Grandezas temporais e grandezas espirituais 296
6. A boa vontade cultural 298
Conhecimento e reconhecimento 300
A pequena burguesia de execu~ao 329
A nova pequena burguesia 333
Do dever ao dever de prazer 343
7. A escolha do necessario 350
o gosto de necessidade e 0 principio de conformidade 351
Os efeitos da domina~ao 360
8. Cultura e politica 371
Censo e censura 373
o pais legal 384
A opiniao pessoal 388
Desapossamento e desvio 400
Habitus de cIasse e opini6es politicas 410
A oferta e a demanda de opini6es 412
o espa~o politico 422
o efeito proprio da trajetoria 424
A linguagem politica 429
Estruturas sociais incorporadas 435
Atribui~6es interesseiras 440
Realidade da representa~ao e representa~ao da realidade 446
Post-scriptum. Elementos para uma critica "vulgar" das criticas "puras" 448
A aversao pelo facil 448
o "gosto pela reflexao" e 0 "gosto pelos sentidos" 450
Uma rela<;ao social denegada 453
Parerga e paralipomena 455
Anexo 1. Algumas reflex6es sobre 0 metodo 461
Anexo 2. Fontes complementares 477
Anexo 3. Os dados estatisticos 482
A pesquisa 482 Outras fontes 488
Anexo 4. Urn jogo de sociedade 492
Notas 503
Nunca conseguirei agradecer, suficientemente, a competencia e a generosidade manifestadas por Colette Borkowski, Yvette Delsaut e Marie-Christine Riviere na produ.;iio deste livro.
Introdu(ao Como 0 senhor afirmou, CavaJeiro!, deveriam existir leis para proteger as conhecimentos adquiridos.
Tome urn de nossos bons alunos como exempJo: modesto e diligente, desde as aulas de gramatica comefou a preencher seu pequeno caderno de express6es e, tendo, durante vinte anos, prestado a maior atenfao nos professores, acabou por acumuJar uma especie de pequeno peculia inteJectuaJ. Sera possivel
que iSBa nao Ihe perrenf8 como ocorre em relafao a uma casa OU a dinheiro?
p. Claude!, 0 sapato de cetim
as bens culturais possuem, tambem, uma economia, cuja 16gica espedfica tern de ser bern identificada para escapar ao economicismo. Neste sentido, cleve-se trabalhar, antes
de tudo, para estabelecer as condic;6es em que sao produzidos os consumidores desses bens e seu gosto; e, ao meSilla tempo, para descrever, por urn lado, as diferentes maneiras de apropriaC;ao de alguns desses bens considerados, em determinado momento, obras de arte e, por outro, as condi~6es sociais da constitui~aodo modo de apropria~ao, reputado como legitimo.
Contra a ideologia carismitica segundo a qual os gostos, em materia de cultura legitima, sao considerados urn dom da natureza, a observa<;ao cientifica mostra que as necessidades culturais sao 0 produto da educa~ao: a pesquisa estabelece que todas as pniticas culturais (freqiiencia dos museus, concertos, exposi~6es, leituras, etc.) e as preferencias em materia de literatura, pintura ou musica, estao estreitamente associadas ao nivel de instruC;ao (avaliado pelo diploma escolar ou pelo nt\mero de anos de estudo) e, secundariamente, aorigem social. l 0 peso relativo da educa~ao familiar e da educa<;ao propriamente escolar (cuja eficicia e duraC;ao dependem estreitamente da origem social) varia segundo 0 grau de reconhecimento e ensino dispensado as diferentes praticas culturais pelo sistema escolar; alem disso, a influencia da origem social, no caso em que todas as outras varhiveis sejam semelhantes, atinge seu auge em materia de flcultura livre" ou de cultura de vanguarda. A hierarquia socialmente reconhecida das artes - e, no interior de cada uma delas -, dos generos, escolas ou epocas, corresponde a hierarquia social dos consumidores. Eis 0 que predisp6e os gostos a funcionar como marcadores privilegiados da "classe". As maneiras de adquirir sobrevivem na maneira de utilizar as aquisi<;6es: a aten~ao prestada as maneiras tern sua explica<;ao se observarmos que, por meio destes imponderaveis da pnitica, sao reconhecidos os diferentes modos de aquisi~ao,
hierarquizados, da cultura, precoce ou tardio, familiar ou escolar, assim como as classes de individuos que elas caracterizam (tais como os "pedantes" e os "mundanos"). A nobreza cultural possui, tambem, seus drulos discernidos pela escola, assim como sua ascendencia pela qual e avaliada a antiguidade do acesso il nobreza.
A definic;iia da nobreza cultural e 0 pretexto para uma luta que, desde a seculo XVII ate nossos dias, nao deixou de opor, de maneira mais au menos declarada, grupos separados em sua ideia sabre a cultura, sabre a rela~ao legitima com a cultura e com as obras de arte, partanto, sobre as condic;6es de aquisic;iio, cujo produto e precisamente estas disposic;6es: a definic;iio dominante do modo de apropriac;iio legftima da cultura e da obra de arte favorece,
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inclusive, no campo escolar, aqueles que, bern cedo, tiveram acesso a cultura legftima, em uma familia culta, fora das disciplinas escolares; de fato, ela desvaloriza 0 saber e a interpretac;ao erudita, marcada como ffescolar", ate mesmo, ffpedante", em proveito da experiencia direta e do simples deleite.
A logica do que, as vezes, edesignado - em linguagem tipicamente "pedante" - como a "leitma" da obra de arte, oferece urn fundamento objetivo a esta oposi,ao. A obra de arte so adquire sentido e so tern interesse para quem edotado do codigo segundo 0 qual ela e codificada. A operac;ao, consciente ou inconsciente, do sistema de esquemas de percepc;ao e de apreciac;ao, mais ou menos explfcitos, que constitui a cultura pict6rica au musical ea condi,ao dissimulada desta forma elementar de conhecimento que e0 reconhecimento dos estilos. 0 espectador desprovido do codigo especifico sente-se submerso, "afogado", diante do que Ihe parece ser urn caos de sons e de ritmos, de cores e de linhas, sem tom nem som. Por nao ter aprendido a adotar a disposi,ao adequada, ele limita-se ao que edesignado por Panofsky como "propriedades senslveis", identificando uma pele como aveludada ou uma renda como vaporosa, ou, entao, as ressonancias afetivas suscitadas por essas propriedades, falando de cores ou de melodias austeras ou alegres. De fato, a possibilidade de passar da ffcamada primaria do sentido que podemos adentrar com base na nossa experiencia existencial" para a ffcarnada dos sentidos secunda-rios", ou seja, para a ffregiao do sentido do significado", s6 ocorre se possuirmos os conceitos que, superando as propriedades sensiveis, apreendem as caracteristicas propriamente estilfsticas da obra.2 0 mesmo e dizer que 0
encontro com a obra de arte nada tern a ver, em conformidade com a visao habitualmente adotada, com urn pretenso arnor a primeira vista; alem disso, 0 ate de fusao afetiva, de Einfiihlung, que di 0 prazer do amor pela arte, pressupoe urn ato de conhecimento, uma opera,ao de decifra,ao e decodifica,ao, que implica 0 acionamento de urn patrimonio cognitivo e de uma competencia cultural. Esta teoria, tipicarnente intelectualista, da percepc;ao artistica contradiz, de modo direto, a experiencia dos apreciadores mais de acordo com a definic;ao legitima: a aquisi,ao da cultura legitima pela familiariza,ao insenslvel no iimago da familia tende afavorecer, de fato, uma experiencia encantada da cultura que implica 0 esquecimento da aquisic;ao e a ignorancia dos instrumentos da apropriac;ao. A experiencia do prazer estetico pode ser acompanhada pelo mal-entendido etnocentrico que acarreta a aplica,ao de urn codigo improprio. Assim, 0 olhar "puro" lan,ado para as obras pelo espectador culto atual nada tern de comum, praticamente, com 0 "olhar moral e espiritual" dos homens do Quattrocento, au seja, 0 conjunto das disposic;6es, ao mesmo tempo, cognitivas e avaliadoras que se encontravam na origem de sua percep,ao, tanto do mundo quanto da representa,ao pict6rica do mundo: preocupados, conforme consta nos contratos, em compensar a soma paga, os clientes dos trabalhos de artistas, tais como Filippo Lippi, Domenico Ghirlandaio ou Piero della Francesca, investiam nas obras de arte as disposic;6es mercantis de homens de neg6cios experientes no d.lculo imediato das quantidades e dos prec;os, recarrendo, par exemplo, a criterios de apreciac;ao absolutarnente surpreendentes - por exemplo, a carestia das cores segundo a qual 0 topo da hierarquia eocupado pelo dourado e pelo ultramar.'
o "olho" eurn produto da historia reproduzido pela educa,ao. Eis 0 que se passa em relac;ao ao modo de percepc;ao artistica que se imp6e, atualmente, como legftima, ou seja, adisposic;ao estetica como capacidade de considerar em si mesmas e por elas mesmas,
Pierre Bourdieu
em sua forma e nao em sua fun~ao, nao s6 as obras designadas por essa apreensao, isto e, as obras de arte legitimas, mas todas as coisas do mundo, tanto as obras culturais que ainda nao foram consagradas - como, em determinado momento, as artes primitivas ou, hoje em dia, a fotografia popular ou 0 kitsch -, quanto os objetos naturais. 0 olhar "puro" e uma inven~ao historica correlata da apari~ao de urn campo de produ~ao artistica aut6nomo, ou seja, capaz de impor suas proprias normas, tanto na produ~ao, quanto no consumo de seus produtos.4 Uma arte que - por exemplo, toda a pintura p6s-impressionista - e0 produto de uma inten<;:iio artistica que afirma 0 primado do modo de representa<;:iio sobre 0 objeto da representa~ao, exige categoricamente uma aten~ao exclusiva a forma, cuja exigencia pela arte anterior era apenas condicional.
A inten~ao pura do artista e a de urn produtor que pretende ser aut6nomo, ou seja, inteiramente dono do seu produto, que tende a recusar nao so os "programas" impastos a priori pelos intelectuais e letrados, mas tambem, com a velha hierarquia do fazer e do dizer, as interpreta~6es acrescentadas a posteriori sobre sua obra: a produ~ao de uma "obra aberta", intrinseca e deliberadamente polissemica, pode ser assim compreendida como 0 ultimo estagio da conquista da autonomia artistica pelos poetas e - sem duvida, a sua imagem - pelos pintores que, durante muito tempo, permaneceram tributarios dos escritores e de seu trabalho de "fazer-ver" e de "fazer-valer". Afirmar a autonomia da produ~ao e conferir 0 primado aquilo de que 0 artista esenhor, ou seja, a forma, a maneira eo estilo, em rela~ao ao I<individuo", referente exterior, por onde se introduz a subordina~ao
a fun~6es ~ ainda que se tratasse da mais elementar, ou seja, a de representar, significar e dizer algo. E, ao mesmo tempo, recusar 0 reconhecimento de qualquer outra necessidade alem daquela que se encontra inscrita na tradi~aopropria da disciplina artistica considerada; trata-se de passar de uma arte que imita a natureza para uma arte que imita a arte, encontrando, em sua historia propria, 0 principio exclusivo de suas experimenta~6es e de suas rupturas, inclusive, com a tradi~ao.
Ao circunscrever em seu bojo, de modo cada vez mais intenso, a referencia a sua propria hist6ria, a arte faz apelo a urn olhar historico; ela exige ser referida nao a este referente exterior que e a "realidade" representada ou designada, mas ao universe das obras de arte do passado e do presente. A semelhan<;:a da produ<;:iio artistica enquanto ela se engendra em urn campo, a percep~ao estetica, enquanto e diferendal, relacional e atenta as diferen~as entre estilos, e necessariamente historica: como acontece com 0 pintor chamado "najf" que, estando fora do campo e de suas tradi<;:6es especificas, permanece exterior a historia propria da arte considerada, assim tambem 0 acesso do espectador "najf" a uma percep<;:iio especifica de obras de arte sem sentido 56 pode ocorrer por referenda a historia especifica de uma tradi~ao artistica. A disposiyao estetica exigida pelas produ<;:6es de urn campo de produ<;:iio que atingiu urn elevado grau de autonomia e indissodavel de uma competencia cultural especifica: esta cultura historica funciona como urn principio de pertinencia que permite identificar, entre os elementos propostos ao olhar, todos os tra~os distintivos, e somente estes, referindo-os, de modo mais ou menos consciente, ao universe das possibilidades substituiveis. Adquirida, no essencial, pela simples freqiiencia das obras, ou seja, por uma aprendizagem implfcita anaIoga itquela que permite reconhecer, sem regras nem criterios expHcitos, rostas familiares, este controle
A Distim;ao 11
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que, na maior parte das vezes, permanece no estado pnitico, permite identificar estilos, ou seja, modos de expressao caracterfsticos de uma epoca, civiliza<;ao ou escola, sem que os tra<;as constitutivas da ariginalidade de cada urn deles sejam claramente distinguidas e explicitamente enunciados. Tudo parece indicar que, mesmo entre os profissionais da atribui<;ao, os criterios que definem as propriedades estilisticas das obras-testemunho nas quais se apoiam todos os julgamentas permanecem, quase sempre, no estado implicito.
o alhar puro implica uma ruptura com a atitude habitual em rela,aa aa munda que, levando em considera<;ao as condi<;6es de sua plena realiza<;ao, e uma ruptura social. to passive! acreditar em Ortega y Gasset quanda ele atribui a arte maderna uma recusa sistematica de tudo 0 que e "humano", ou seja, generico e comum - por oposi<;ao ao distintivo ou distinto -, a saber, as paix6es, as emo<;6es, os sentimentos experimentados pelos homens ··comuns" em sua existencia "comum". De fata, tudo se passa como se a "estetica popular" (as aspas significam que se trata de uma estetica em si e nao para si) estivesse baseada na afirma<;aa da cantinuidade da arte e da vida que implica a subardina<;aa da farma a fun<;aa. Este aspecta e perfeitamente visivel na casa da romance e, sabretuda, da teatro em que a publico papular recusa qualquer especie de experimenta<;iia farmal e todos os efeitos que, introduzindo urn distanciamento em rela<;ao as conven<;6es aceitas (em materia de cenario, de intriga, etc.), tendem a colocar 0 espectador a distancia, impedinda-a de entrar na jaga e identificar-se campletamente com as persanagens (esrou pensando no distanciamento brechtiano au na desarticula<;ao da intriga romanesca operada pela Nouveau Roman). Segunda a tearia estetica, a desprendimenta e a desinteresse constituiriam a (mica maneira de reconhecer a obra de arte pelo que ela e, ou seja, autonoma, selbstandig; ao contrario, a "estetica" popular ignora au rejeita a recusa da adesao "facil" e dos abandonos "vulgares" que se encontra - pelo menos, indiretamente - na origem do gasta pelas experimenta<;6es farmais e, em confarmidade com as julgamentas papulares sobre a pintura ou a fotografia, ela apresenta-se como 0 exato oposto da estetica kantiana: pata apreender a que faz a especificidade da julgamenta estetica, Kant empenhau-se, par urn lada, em estabelecer a distin<;aa entre a que agrada e a que da prazer, e, par autro, de urn modo mais geral, em discernir a desinteresse, (mica garantia da qualidade propriamente estetica da contempla<;ao e do interesse da razao que define 0 Born; inversamente, os individuas das classes papulares - para quem tada imagem deve exercer explicitamente uma fun<;ao, nem que seja a de signo - manifestam em seus julgamentos a referencia, muitas vezes, explicita, as normas da moral ou do decoro. Seja por meio de criticas ou de elogios, sua aprecia<;ao refere-se a urn sistema de normas, cujo prindpio e sempre etico.
Aa aplicar as abras legitimas, as esquemas da ethos que saa validas para as circunstancias comuns da vida, e ao operar, assim, uma redu<;ao sistematica das coisas da arte au coisas da vida, a gasta papular e a propria seriedade (au ingenuidade') que ele investe nas fic<;6es e representa<;6es indicam a contrario que 0 gosto puro opera uma suspensao da adesao '·nai"ve" que e a dimensao de uma rela<;ao quase llidica com as necessidades do mundo. Poder-se-ia dizer que os intelectuais acreditam mais na
* No original, "naivete", au seja, forma substantivada de "naif"; e, neste mesmo paragrafo, ° termo "ingenua" corresponde ao adjetivo "naive" (feminino de "niif") e "ingenuamente" a "naivement" (forma adverbial). (N.T.)
Pierre Bourdieu
representac;ao - literatura, teatro, pintura - que nas coisas representadas, ao passo que a "povo" exige, antes de tudo, que as representa,6es e as conven,6es que as regulam lhe permitam acreditar "naYvement" nas coisas representadas. A estetica pura enraiza-se em uma etica au, melhor ainda, no ethos do distanciamento eletivo as necessidades do mundo natural e social que pode assumir a forma de urn agnosticismo moral (visivel quando a transgressao etica se torna urn expediente artistico) au de urn estetismo que, ao constituir a disposi,ao estetica como principio de aplica,ao universal, leva ao limite a denega,ao burguesa do mundo social. Compreende-se que 0 desprendimento do olhar puro nao possa ser dissociado de uma disposi,ao geral em rela,ao ao mundo que e 0 produto paradoxal do condicionamento exercido par necessidades economicas negativas - 0 que e designado como facilidades - e, por isso mesma, propicio a favorecer a distanciamento ativo a necessidade.
Se e demasiado evidente que, pela arte, a disposic;ao estetica recebe seu terreno par excelencia, ocorre que, em qualquer campo da prcitica, epossivel se afirmar a intenc;ao de submeter as necessidades e as puls6es primarias ao requinte e a sublimac;ao; alem disso, em todos os campos, a estHiza,ao da vida, ou seja, 0 primado conferido a forma em rela,ao a func;ao, a maneira em relac;ao a materia, produz os mesmos efeitos. E nada determina mais a classe e e mais distintivo, mais distinto, que a capacidade de constituir, esteticamente, objetos quaisquer ou, ate mesmo, "vulgares" (por serem apropriados, sobretudo, para fins esteticos, pelo "vulgar") au a…