A CRíTICA JUNGUIANA

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    A UNILATERALIDADE DA RAZO:A CRTICA JUNGUIANA

    Maria Eugnia Doimo Camolesi

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    A UNILATERALIDADE DA RAZAO:A CRITICA JUNGUIANA

    Maria Eugnia Doimo Camolesi

    Disser taao submet ida aprec iaodo Departamento de Ps ico log ia comor e qu i s i t o pa rc i a l para a obtenodo grau de Mestre em Educaao.

    Orientadora:Maria Lcia do Eirado Si lva

    Rio de Jane i roFundao Getl io VargasIn s t i t u to de Estudos Avanados em EducaaoDepartamento de Ps ico log ia da Educao1993

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    Gostar ia de agradecer a todas as pessoas quede alguma forma contr iburam para a rea l izaao des tet r aba lho .Agradeo especia lmente a Carlos Plas t ino , meucompanheiro, pelo seu incent ivo d i r io , nao permi-

    t indo que eu des i s t i s s e , e pe la sua dedicaao ao re -a l i z a r todo o t rabalho de dig i tao , me ajudando in -c lus ive com sugestes para a redao do t ex to .

    Agradeo a Maria Lcia do Eirado Si lva , minhaor ientadora , pelo seu car inho , aber tura e incent ivo,nao colocando em nenhum momento obs tcu los s minhasi d ia s .Agradeo a Roberto Novaes pela sua dispon ib i l i -dade em d i scu t i r as id ias desenvolvidas no t ex to epelas sugestes propos tas .Agradeo a Gerardo Mourth, que me acompanhouem meu processo ana l t i co , sem o qual es te t rabalhono t e r i a acontecido.Agradeo aos meus colegas e professores do IE-SAE, com os quais t ive oportunidade de aprender mui-ta s coisas , ampliando minha visao de mundo e sobre -tudo pelo car inho sempre presente ; e aos funcion-r io s , pela sua disponibi l idade e ateno com quesempre me t ra taram.

    Agradeo CAPES pe la bolsa de estudos recebidadurante o curso .

    BIBLIOTECAIlUNDAAo GETOllO VARGAI

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    Para meus p a i ~ Nair e Leandro

    Para Carlos e Mateus

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    RESUMO

    Esta disser tao aborda, desde uma perspec t iva espe-c f i ca , uma problemt ica que se c ons t i t u i em um dos maio-re s desaf ios que se apresentam para a ref lexo contempor-nea. Trata-se do que convm denominar de c r i s e de c i v i l i zao, es t re i tamente vinculada -pa ra a perspec t iva adota-da nes tas l inhas - hegemonia de ten tada por uma compreen-so un i l a t e ra l da razo. O tema discut ido seguindo opensamento de um pensador -Car l Gustav JUNG- que deve se rconsiderado um precursor na abordagem des ta questo e desuas consequncias para o des t ino da humanidade.

    No sendo o pensamento de JUNG amplamente conhecidofora da rea de in f lunc ia da ps icologia a n a l t i c a , pare ceu necessr io , antes de d i sc u t i r a temt ica espec f icaque c ons t i t u i o obje t ivo des t a dis se r tao , proceder apresentao de alguns dos conce i tos fundamentais por e leelaborados. Em um segundo momento discu t ido o processono qual o racional ismo a t inge a hegemonia que hoje deten-ta , para ana l i sa r depois a ref lexo desenvolvida por Jungna procura de superar a uni l a t e ra l idade da razo, outor gando par t i cu l a r destaque sua t eo r i a da s incronic idade .

    v

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    RSUM

    A p a r t i r d 'une pe rspec t ive spc i f ique , c e t t e d i s se r t ao t r a i t e une problmat ique qui s e cons t i t ue comme unedes pr i nc i pa l e s provoca t ions qu i se prsen ten t l a r e f l e xion contemporaine . 11 s ' a g i t de ce q u ' i l conv i en t d 'appe l e r " c r i s e de l a c i v i l i s a t i o n " ; se lon l a pe rspec t ive qu inous avons adopte dans ce t r a v a i l , c e t t e c r i s e e s t i n t i mement l i e l 'hgmonie dont une concept ion un i l a t r a lde l a ra ison a p r i s possess ion . Nous d i scu tons ce themeen su ivan t l a pense de Car l Gustav JUNG -ce penseur qu id o i t t r e cons idr un precu r seu r pa r rappor t l ' approchede c e t t e ques t ion e t de se s consquences pour l ' humani t .

    Etan t donn que l a pense de JUNG n ' e s t pas amplementconnue en dehors du domaine de l a psychologie ana ly t ique ,nous avons se n t i l a nces s i t de procder l a pr sen ta t ion de quelques concepts fondamentaux forgs pa r l u i ,avant de d i s cu t e r no t re thmat ique spc i f ique .

    Dans un second moment, nous n?us occupons de l a d i s cuss ion du proces pa r l eque l l e ra t iona l i sme p a rv i e n t l 'hgmonie qu 'on lu i concde au jou rd 'hu i , en ana lysan t ,ensu i t e , l a r f l ex ion que JUNG a dvelopp en vue de s u r monter l e carac te re u n i l a t r a l de l a ra i son . Dans ce con-t e x t e , sa t ho r i e de l a synchron ic i t e s t spc ia lementsoul igne par nous.

    VI

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    o mundo em que penetramos ao nascer , bruta le crue l -ao mesmo tempo de uma beleza div i -na. g uma questao de temperamento o acredi tarno predomnio do que faz sent ido ou do que naofaz sent ido. Se este ltimo dominasse de ma-neira absoluta , o aspecto sensato da vida desapareceria cada vez mais, em funao da evoluao. Mas nao , ou nao me parece ser o caso.Como em toda questao de metaf s ica , ambos saoprovavelmente verdadeiros: a vida sent ido enao-sentido, ou possui sent ido e nao-sentido.Tenho a ansiosa esperana que o sent ido prevalecer e ganhar a batalha.

    c. G. JUNGMemrias, s9nhos, ref lexes

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    SUMARIOIntroduo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p . 1

    Cap tu lo IA PERSPECTIVA JUNGUIANA . p . 8

    A energ ia ps qu ica ............................... p . 8o s mbolo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p . 18Natureza e esp r i t o .............................. p . 24o inconsc ien te e a consc inc ia ................... p . 29o inconsciente ................................... p . 30Os arqutipos .................................... p . 32A conscincia .................................... . p . 43

    Cap tu lo 11A UNILATERALIDADE DA RAZAO .. p . 51

    Cap tu lo 111SINCRONICIDADE E A-CAUSALIDADE p . 78

    CONSIDERAOES FINAIS............................... p . 104

    BIBLIOGRAFIA . . p . 116

    V II I

    .fBLlOTEeA

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    Introdu3o

    o tema abordado por es ta dis se r tao , a p a r t i r de umaperspect iva espec f ica , c ons t i t u i a nosso ver , um dosmaiores desaf ios que se apresen ta para a ref lexo contempornea. Se t r a t a do questionamento de um dos fundamentosque al iceraram o pensamento c i en t f i co dos lt imos sculos , e mais amplamente da vis30 de mundo por e le propos to ,a saber : o racional ismo.

    o que observamos no mundo contemporneo, uma profunda c r i s e , complexa, mult idimensional , cujos e fe i to ssent imos em todos os mbitos de nossa vida . Ela se manife s t a nas mais var iadas modalidades das re laes soc ia i s epar t icu la rmente na percepo de um mal e s t a r soc ia l globa l , expresso da ausncia de pro je tos co le t ivos e de umsen t ido comparti lhado.

    Tornou-se i nsus t en tve l a crena na inev i tab i l idadede um processo hi s t r i co no qua l , i luminados pe la razo,os homens galgariam progress ivamente patamares super ioresde domnio sobre a na tureza e sobre e l e s mesmos, com o in tu i to de uma crescente expanso da l i be rdade . Nosso progresso , que fo i uma questo uni l a t e ra lmente r ac iona l e in -

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    2t e l ec tua l , a t ing iu agora um es tg io alarmante, uma s i tua -o t e r r ive lmente paradoxal . O homem oc iden ta l , que equi-parou a sua identidade com a mente r ac iona l e no com oseu organismo in tegra l , sente o e fe i to dessa diviso, per -passando toda a cu l tu ra . Uma mudana profunda que se re -f l i t a no pensamento, va lores e percepes que formam umadeterminada viso da rea l idade , deve se r proposta com u r-gncia .

    O desenvolvimento das sociedades contemporneas, queut i l izaram como modelo o pro je to da modernidade e seus mo-delos conce i tua i s , colocaram em xeque o prpr io papel darazo e do conhecimento. Tra ta - se de um questionamentonascido no corao mesmo do rac ional i smo, i s to nas reasdo conhecimento que, desde o scu lo XVII, se cons t i t u i r aem modelo para o conhecimento. Nos refer imos f s i cac lss i ca , com sua visao mecanic is ta e de te rmin i s t a do mun-do, cu jos a l i ce rces fundamentais foram subver t idos desdedentro pelo desenvolvimento da f ~ i c a qunt ica . Na opiniode dois conhecidos autores contemporneos:

    "Tanto a n ive l microscpico como a n ive l macroscpico, la s ciencias de la na tura l eza sehan l iberado de una concepc1n es t recha de larea l idad obje t iva , que cree deber negar en suspr inc p ios la novedad y la divers idad en nombre de una ley univer sa l inmutable . Se han li-berado de una fasc inac in que nos represen tabala rac ional idad como cer rada , e l conocimiento

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    como en vias de terminacin . Estan , desde ahora , ab ie r t a s a lo imprevis b le , de lo que nodemuestran ms que un conocimiento. Desde ahora se han ab ie r to aI dilogo con una na tura Ie za que no puede se r dominada con una miradat e r i ca , s ino solamente explorada, con un mundo ab ie r to aI cual pertenecemos, en la const ruccin deI cual par t ic ipamos" . 1

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    Esta problemtica, que se torna crescentemente pre -sente na ref lexo contempornea, no cons t i t u i todavia umanovidade. No te r reno que nos i n t e ressa mais par t icu la rmen-te , e la fo i elaborada h vr ias dcadas pela ref lexo jun-guiana, a t ravs da c r t i c a formulada por esse au tor uni -l a t e r a l idade da razo, e da formulao dos pr inc p io s dea-causa l idade e s incronic idade .

    Pretendemos d i sc u t i r nes ta d i s se r tao a c on t r ibu i -o junguiana s problemt icas acima r e f e r i da s . Tra ta - seobviamente de uma abordagem i n i c i a l e prov isr ia , nicaposs vel nas dimenses de um t r aba lho de dis se r tao demestrado dedicada a um tema carac te r i zado pe la complexida-de. Complexidade no apenas do obje to e de sua abrangn-c ia , mas tambm do prpr io pensamento junguiano. Este pen-sarnento, como se sabe, pouco conhecido e n t r e ns. Duran-te muito tempo fo i vis to como um empreendimento a lhe io aopensamento c i en t f i co e em consequncia como gerador de umsaber no mnimo duvidoso, ju lgado - em gera l supe r f i c i a l -mente- p a r t i r das prpr i as ca t egor i as que di to pensamen-

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    to ques t iona . Acreditamos que par te des ta c r t i c a vem dofa to das colocaes de Jung at r ibu rem ao pensamento ra c iona l i s ta - que inanimou a natureza , secular izando-a- aresponsabil idade pe la c r i s e em que nos encontramos. Jungchamou a ateno para o fa to de que: "Desde tempos imemor i a i s , a natureza teve uma alma. Pela pr imeira vez agoravivemos em uma natureza inanimada e secular izada . Ningumpode negar o papel fundamental desempenhado pe las potnc ias da alma humana, a que se chamou de "deuses" no passado ... na verdade os demnios no desapareceram, apenas modif icaram sua f is ionomia. Eles se t ransformaram em potnc ias psquicas inconscientes" .2 Justamente por estarem in conscien tes podem produz i r e fe i to s nefas tos .

    De alguma maneira a ps ico log ia de Jung resgata o encantamento do mundo re t i r ado pelo racional ismo. Concordamos com Hillman quando e le nos d iz que Jung faz alma: "apSicologia de Jung base ia -se na alma . . no se base ia nemem matr ia e crebro nem em mente ~ i n t e l ec to , e sp r i t o ,matemtica, l g ica , metaf s ica . Ele no usa nem os mtodosda cincia na tura l e da ps ico log ia da percepo, nem osmtodos da c inc ia metaf s ica e da lgica do rac ioc n io .Ele af i rma que tem sua base em um t e rce i ro lugar e n t r e ambas: esse in anima "e s t a r na alma". Ele encontrou essa pos io ao vo l t a r - se diretamente para as imagens em seus pac ien tes insanos e em s i mesmo durante seus anos de depres-

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    5SO".3 Para compreender e s t a s imagens, Jung fez uma incu r so pelo mundo dos mitos , da a lquimia , entendendo-os comomani fes taes ps qu ica s do inconsc ien te co le t ivo . Sua pr e ocupao fo i sempre a de procurar en tender o homem4 em suato ta l idade .

    Pelo motivo que nos re fe r imos acima -o desconhec i mento a seu re spe i to - assim como pe la complexidade j a ludida de um pensamento que teve que produz i r seus prpr iosconce i tos fundamentais -que podemos d iz e r que so antessmbolos que evocam s ign i f i cados que es t o alm de qua l quer va lo r convencional dado por def ini0 5 - que nos pareceu i nev i t ve l proceder a uma exposio desses conce i tose de sua a r t i cu lao . No se t r a t a obviamente de uma expos io exaus t iva . Nosso obje t ivo fo i apenas o de ap re sen ta re comentar os conce i tos que consideramos fundamentais paraa compreenso da c r t i c a junguiana uni l a t e r a l idade darazo, na qual e le s i tuava a causa profunda da c r i s e dec iv i l i z a o . O cap tu lo pr imei ro do nosso t rabalho es t dedicado a essa apresen tao .

    No segundo cap t u l o , procuramos r e c ons t ru i r o per curso do pensamento de Jung na elaborao da c r t i c a pore le formulada ao predomnio da uni l a t e r a l idade da razo e responsabi l idade des te na c r i s e ,de c iv i l i z a o . No t e r ce i ro cap tu lo mostramos em l i nhas ge ra i s as consequncias

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    6que teve para o pensamento de Jung, sua ruptura com o pa-radigma dominante nas cincias do sculo XIX, bem como aor ig ina l idade de sua cont r ibuio na formulao da sua t e -or ia da s incronic idade . Assinalamos nes te ponto a conver-gncia do pensamento junguiano com os desenvolvimentos daf s i ca qunt ica .

    A importncia do tema abordado nes te t r aba lho nosparece j u s t i f i c a r amplamente sua escolha como obje to deuma dis se r tao de mestrado. Acreditamos, com e f e i t o , queno apenas necessr io seno tambm urgen te que o mundoacadmico supere os l imi tes que lhe so impostos pelo u t i -l i t a r i smo dominante, para ded icar seus esforos tambm atemas de um i n t e resse to obviamente v i t a l . Embora cons-c ien tes dos l imi tes des te ensa io , consideramos que e le seinsere numa perspect iva leg t ima e necessr ia de t rabalhoacadmico. Por outro lado, e quaisquer que sejam os l imi -te s des te t r aba lho , nos parece que e le se insc reve nos pa-rmetros que carac te r iza ram a t r a j ~ t r i a acadmica do IE-SAE, marcada pela ref lexo i n t e rd i s c ip l ina r e pe la aborda-gem das questes vincu ladas educao a p a r t i r de pers -pect ivas p l u ra i s e muitas vezes c r i a t i v a s .

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    NOTAS

    1. PRIGOGINE, I lya e STENGERS,Isabelle. La nueva a l i a nz a .Metamorfosis de l a c ienc ia . Madrid, Alianza Univers i -dad, 1986 p. 301.2. JUNG, Carl Gustav. Aspectos do drama contemporneo, Pe-t rpo l i s , Vozes, 1988, p. 32.3. HILLMAN, James. Picos e va les . IN: No caminho do au to -conhecimento. s / r . p. 96.4. Gostaramos de de ixar reg i s t rado , que assim como Jung,nes te t rabalho ut i l izamos como sinnimos os termos ho-mem, su j e i to , indivduo e se r humano.5. HILLMAN, James. O mito da an l i se . Rio de Jane i ro , Paze Terra , 1984.

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    Cap tu lo I

    A PERSPECTIVA JUNGUIANA

    A propos t a d e s t e pr imei ro cap tu lo f a mi l i a r i z a r ol e i t o r com a lguns conce i to s que entendemos se r fundamen-t a i s para a compreenso da discusso a s e r f e i t a pos te -r iormente nes te t r aba lho . Como ass ina lamos na In t roduo ,a t e o r i a de Jung menos conhecida do que , por exemplo, af reudiana , ex i s t indo por o u t r a pa r t e no poucos equvocosem to rno de seu contedo e s i gn i f i c ao . Assim sendo,achamos conveniente d i s c u t i r em l inhas ge ra i s , a concepodo psiquismo na t e o r i a junguiana , do seu funcionamento a s -sim como a lguns conce i tos fundamentais na obra de Jung. ~o caso , por exemplo do i nconsc ien te pes soa l e inconsc ien tec o l e t i v o , da sua concepo da c o n ~ c i n c i a e dos a r qu t i -pos .

    A ene rg ia ps qu ica

    o conce i to de l i b i do em Jung tem suas bases nos pon-to s de v i s t a ene rg t i co e mecanic i s ta , r e t i r a dos da f s i -ca . 1 A concepo mecan i c i s t a compreende o fenmeno como

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    9sendo re su l t an te de uma causa , i s to , supe que e x i s t auma causa no i n c io do processo; as subs tnc ias so imut-ve i s e al teram suas re laes umas com as out ras obedecendoa l e i s f ixas . J a concepo energ t i ca tem um c a r t e r f i n a l i s t a , compreende os fenmenos par t indo do e f e i t o para acausa, sendo que o processo energt ico possu i uma de te rmi-nada direo def in ida , mantendo uma energ ia cons tan te . Vaise ocupar com a re lao e n t r e as subs tnc ias , com seu mo-vimento. So pontos de v i s t a regress ivo e progress ivo ,respect ivamente .

    Como Jung mesmo af i rma e s t e s doi s pontos de v i s t aquando aplicados ao obje to so exc ludentes , mas se isentamda sua contradio quando permanecem na e s fe ra do ps ico lgico e so apenas hipote t icamente proje tados no comporta-mento das co i sas . Eles permitem um ponto de v i s t a qua l i t a t ivo e quant i t a t ivo da psique, bem como um ponto de v i s t acausa l e f i n a l i s t a .

    Para adota r o ponto de v i s t a energ t i co , Jung se pe r gunta se poss vel fazer ava l iaes quan t i t a t ivas o b j e t i vas da ps ique , ao que e le responde af i rmat ivamente quandocoloca que lia nossa psique possu i um s is tema muito r e f i nado de ava l i a r , ou se j a , o s is tema de va lores ps i c o lg i cos . Os valores so ava l iaes de quant idades e ne rg t i -

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    Poster iormente Jung reformula es t a ref lexa0 3 e coloca que a funo do va lor (ou es t imat iva) usada na ps ico logia como uma medida e que e la nos d uma determinaaoaproximat iva das in tens idades ao invs de quant idades ,po is e le af i rma que a noo de l i b ido que e le emprega "di fe ren te do conce i to de energ ia u t i l i z a do na f s i c a , pelofato de que essencia lmente qua l i t a t i va e no qua n t i t a t i va ... As in tens idades ps qu icas e suas di fe renas g ra da t ivas apontam para processos qua n t i t a t i vos que so, ent r e t a n t o , i nacess ve i s observao ou a mediodi re tas"4 . Mas e s t a s ava l iaes , quando ap l icadas s condies ps ico lg ica s i nd iv idua i s se ro apenas sub je t ivas nosen t ido de dependerem das ava l iaes pa r t i c u l a r e s de cadaindividuo e se res t r ingem apenas aos contedos consc ient e s . necess r io ento , para t a l f im, dete rminar va lo re spara os af luxos do inconsc ien te . E como o inconsc ien te snos acess ve l ind i re tamente , s poderemos f az - lo tambmde maneira i nd i r e t a . Para Jung as ~ v a l i a e s obje t ivas doinconsc ien te podem se r f e i t a s a t ravs dos complexos.

    Aqui caber i a um breve desvio do tema da ava l iao ,para darmos uma suc in ta de f in io de complexo, pois set r a t a de um conce i to muito importante na obra de Jung eque se faz necess r io para entendermos a ques to das aval i aes qua n t i t a t i va s e qua l i t a t i va s na sua obra . Jung de-

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    f ine complexo como

    "cer tos agrupamentos de elementos ps quicos emtorno de contedos afet ivamente acentuados ....que cons t i tu do de um elemento cen t r a l e deum grande nmero de associaes secundariament e cons te ladas . O ncleo cen t r a l consta porsua vez de duas componentes, a saber : 1) de umf a to r determinado pela exper1encia , i s to ,por um f a to r vivido e l igado causalmente qui lo que o cerca , e 2) de um f a to r determinadopelas dispos ies in te rnas e imanente ao ca r t e r do prprio indivduo".5

    11

    Este elemento cen t r a l ou ncleo, o por tador des ign i f i cado , que inconsc iente e , consequentemente, noes t ao alcance da vontade consc iente . Quando o ncleo deum complexo a t ivado, a poss ib i l idade das quant idades deconste laes a serem rea l i zadas v a i se r determinada peloquantum de energia inves t ida nesse complexo, mas o t ipo deconste lao , ou melhor, a qual idade das cons te laes rea -l i zadas , determinada pelo ncleo a f e t iv o do complexo.I sso s ign i f i ca que o contedo a t r ~ d o dever t e r af in ida-des qua l i t a t i va s com o ncleo do complexo. No funcionamen-to dos complexos temos, en to , o encontro dos pontos dev i s t a energ t ico e causa l .

    Retomando a questo da aval iao o b je t iv a , poder a -mos ento pens- la da seguinte forma: como a fora cons-

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    12te ladora do ncleo que corresponde sua in tens idade ou sua energia , a aval iaao da quant idade energt ica pode se rfe i t a pelo nmero r e l a t ivo de constelaes geradas peloncleo. Estas sao apontadas pela variaao de freqncia eintensidade dos ind icadores de per tu rbaao ou de comple-xos, que sao dados por exemplo, a t ravs de um t e s t e de as -sociaes que Jung empregava usualmente no in c io de suapesquisa sobre os complexos. 6

    Jung prope que o concei to de energia ut i l i zado empSicologia ana l t i ca fosse designado por l i b ido , d i fe ren-ciado-a assim de um concei to de energia unive rsa l . Naspalavras do prpr io Jung:

    " ... a l ib ido com a qual operamos nao apenas nao concre ta ou desconhecida, senao umaincgni ta abso lu ta , uma pura hiptese , umaimagem ou um contador tao in tang ve l como aenergia do mundo das concepes f s i ca s . A li-bido, por t an to , apenas uma expressa0 abreviada para s ign i f i ca r o ponto de v i s t a energt i co" . ?

    E sobre a energia ps quica :

    " ... na exper1encia , a energia sempre espec f ica manifes tada no momento como movimento efora; vi r tualmente s i tuaao e condiao.Quando em a to , a energia ps qu ica se manifes tanos fenmenos dinmicos da alma, t a i s como ast endncias , os desvios , o querer , os a fe tos , aatuaao, a produao de t raba lho , e t c , que saojustamente foras ps quicas . Quando v i r tua l , a

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    energ ia aparece nas aquis ies , poss i b i l i da des , apt ides , a t i t ude s , que so condies . 813

    Jung concebe o psiquismo englobando consciente e in -conscien te como um s is tema energt ico re la t ivamente fecha-do, auto-regulado, dinmico, possuidor de um potenc ia l quepermanece o mesmo em quant idade a t ravs de suas ml t ip l asmanifes taes , mas com di fe renas de in tens idades .

    Para entendermos o funcionamento des tes concei tos ,temos que v i sua l i za r o psiquismo como um processo , i s to ,algo que es t constantemente em movimento e que se t r a ns -forma. A l ib ido que c i r c u l a obedece a um pr inc p io , r e t i -rado por Jung da f s i ca , e denominado conservao de ener-g ia ou equivalncia . Segundo es te pr inc p io , sempre que umquantum de energia for re t i r ado de algum l ugar , aparecenecessariamente em um out ro lugar , i s to , nenhum va lorpsquico pode desaparecer sem que se j a subs t i tu ido por ou-t r o . Como nos exempl i f ica Jung:

    "quando um va lor consc ien te qualquer , comopor exemplo uma t r ansfe rnc ia , diminui ou mesmo desaparece , procura -se imediatamente umsubs t i t u t o , na esperana de ver su rg i r um valo r equiva len te em out ra par te . No d i f c i ldescobr i r o subs t i t u t o , quando a sua formaoresu l ta em um contedo da consc1encia ... Masacontece tambm que uma quant idade cons ider vel de l ib ido desaparece de t a l modo que setem a impresso de que e la fo i t ragada i n t e i ramente pelo inconsciente , sem da su rg i r umanova posio de va lor . Em semelhante caso, aconselhvel que nos detenhamos r igorosamenteao pr inc p io de equivalncia , pois uma cuida-

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    dosa observao do pac ien te poder cons ta ta r ,dent ro de pouco tempo, que surgem i nd c ios deuma a t iv idade inconsc ien te , como, por exemploa in tens i f i cao de ce r tos sintomas ou o sur gimento de um novo s in toma, ou a ocorrnc ia defan tas ias ou out ras co i sas seme1hantes" .9

    14

    o que nos parece que ocor re aqui , que a energ ia mu-da sua forma fenomnica; mas na sua passagem de uma formapara ou t r a , t r a ns fe re alguma co i sa de seu c a r t e r a n t e r i o rpara o subseqente . Por exemplo, se ocorre uma repressoda sexua l idade , a energ ia abandona e s t e campo e anima umafuno em out ra rea , que pode se r e sp i r i t u a l , mas c a r r e -gando consigo o c a r t e r sexua l . Nesta passagem da energ ia ,embora hajam mudanas de i n t e resse , a in tens idade da 1 iga -o permanece.

    Os fenmenos ps qu icos acontecem uns em funo dosou t ros , dependendo sua in tens idade e impacto de suas pola -r idades . A l ib ido f l u i en t re do is plos cont r r ios e quan-to maior a t enso en t re os pares de c on t r r io s , maior a energ ia desprendida . A i n t e r - r e 1 ~ o dessas foras an ta -gnicas promove auto- regulao do e qu i l b r i o ps qu ico , masquando h, por exemplo, uma a t i t ude u n i l a t e r a l da consc i -nc ia , acontece uma mudana enant iodronmica, i s t o , pas-sa a haver a emergncia do oposto inconsc ien te ao mantidouni la te ra lmente pe la consc inc ia .

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    15o concei to de enant iodromia , esboado por Hercl i t0 10

    s ign i f ica passar para o out ro opos to , sendo iden t i f i cadopor Jung como o pr inc p io que governa todos os c ic los davida natura l ,desde o menor a t o maior 11. Este pr inc p ioo auxi l iava no reconhecimento da i nev i t ab i l idade da mudan-a enantiodronmica, permit indo que e le antec ipasse umdeslocamento psquico.

    Esta mudana enantiodronmica se d, devido ao pr in -c ip io de auto-regulao da psique que Jung denominou decompensao. Nas palavras de Humbert:

    "A auto-regulao de que fa la Jung, no umahomeostase cujo resul tado se r i a uma es tagnao. E la supe que ml t ip los fa to res psquicosse organizem de t a l modo que en t re e les hajauma relao de compensao. O processo peloqual o psiquismo se equ i l ib ra e se or ien ta ,s i t ua - se en t re o ego e o inconsciente e tambmao nvel das pulses e dos complexos. A autoregulao prpr ia de cada um: var i a de ummomento para out ro; sempre a lea t6 r i a , porques se faz progress ivamente e depois de muitosconf l i tos" .12

    Outro dinamismo importante da 'ps ique a progresso ea regresso da l i b ido . A progresso da l ib ido r e su l t a danecessidade v i t a l e cont nua de adaptao ao meio. A re -gresso, inversamente, uma adaptao s prpr ias condi-es do mundo in te r io r , e procura ' s a t i s fazer s necess ida-des do inconsciente .

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    16A l i b ido , em seus es foros de responder s exignc ias

    e x te r io re s , espa lha-se no mundo, mas quando as p o s s i b i l i dades consc ien tes de que dispe o ind iv duo nao sao capazes de corresponder a essas ex ignc ias , ocorre-uma es t agnao da l i b ido , i s to , e la se acumula e comea o seu re f luxo para o inconsc ien te , ou se j a , a sua regresso . Estas i tuao pode ocor re r quando, por exemplo, para se adapta ra uma s i tuaao e x t e r i o r , a consc inc ia desenvolve uma a t i tude u n i l a t e r a l , e ao ocor re r uma nova mudana externa ,e s t a mesma a t i tude passa a no se r su f i c i e n t e para uma nova adaptao. Neste movimento de regressao , a l ib ido r ea nima contedos do inconsc ien te , muitos dos qua is foramin ibidos pela consc inc ia , por no serem compat veis com oprocesso de adaptao. Com o nve l energt ico aumentado noinconsc ien te , seus contedos procuraram uma forma de escape , mas a mesma i n ib i o , que no permi t i a a esses contedos emergirem, faz agora com que e l e s tenham in ic ia lmenteque se manifestarem de uma forma i nd i re t a , s e j a como s i n toma ou f a n t a s i a .

    Estes contedos, que t e ro uma elevao de potenc ia l ,no so apenas os incompat veis com a consc inc ia -como o caso das tendncias de cunho sexua l e i n f a n t i l ou aindaelementos imorais e i r r a c i ona i s - mas tambm emergem oscontedos que sero "os germes de novas poss ib i l idades de

    v i d a " ~ 3 . Os contedos aproximam-se do consc ien te , e o eu

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    17ento poder conf ron t - los , cons ide r - los atentamente . Aregresso da l ib ido se torna en to , uma fase t i l no pro-cesso de desenvolvimento da persona l idade . Desde que oscontedos inconsc ien tes sejam confrontados e in tegrados ,dissolvem-se es tagnaes , removem-se bloqueios e a l ib idovol ta a seu movimento de progresso .

    Jung r e s sa l t a que a regresso nao uma involuo oudegradao, mas representa uma fase de evoluo, onde oindivduo, justamente por e s t a r to regred ido , no conse-gue t e r conscincia des te fa to . Somente quando ocorre apers i s t nc ia da regresso e f ixaao em formas a n te r io re sde a t iv idade da l i b i do , se pode f a la r de condio pa to l-gica .

    Em re lao t ransformao e canalizao da l i b ido ,Jung af i rma:

    "A t ransformaao da energia i n s t i n t i v a seprocessa com sua canal izao para um anlogodo obje to dos i n s t in to s ... o mecanismo ps qu icoimi ta o i n s t in to e , des te modo, apossa-se desua energ ia para f ins espec ia i s " .14Podemos entender as afirmaes de Jung da seguinte forma:a l ib ido a energ ia na tura l e se rve pr incipalmente s f i -nalidades da vida , mas, do jogo en t re tenses opos tas , re -su l t a a l iberao de excedentes de energia e o na tura l e s -tabelecimento de dec l ives por onde se escoa es t a energia

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    18l iv r e . Segundo Jung, es ta uma tendnc ia na tu ra l da ps i -que de manter um e qu i l b r i o , e devido a es ta tendncia , aenerg ia psquica muda de direo e in tens idade tambmquando ocorre um desequi l b r io e no apenas devido a umbloqueio . No depende da vontade do indivduo a deciso decana l iza r os excedentes energt icos para obje tos esco lh i -dos racionalmente , mas es ta mudana tem uma di reo e umobje t ivo , ao que Jung denomina s ign i f icado f ina l s t i co doprocesso de regresso que vai nos p o s s i b i l i t a r , por exem-pIo, compreender o que tm a nos dize r as imagens da mem-r i a que a regresso reanimou.

    o excedente de energ ia pode se conver te r em t rabalhoprodut ivo e se r u t i l i zado para f ins cu l tu ra i s . In ic ia lmen-t e , es ta or ientao da energia poss ve l ao se r t r a ns f e -r ida para algo anlogo ao obje to do i n s t i n to . Mas a t r a ns -ferncia nao se r ea l i za como j afirmamos por um s implesa to de vontade, rea l i zada por vias i nd i r e t a s ; o mecanis-mo ps ico lg ico que t ransforma a e n ~ r g i a o smbolo.

    o smbolo

    Antes de exemplificarmos es te processo , devemos com-preender o que entende Jung por smbolo:

    "Por smbolo no entendo uma a legor ia ou ummero s ina l , mas uma imagem que descreve da me-

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    lhor maneira poss ve l a natureza do esp r i toobscuramente pressen t ida . Um smbolo no de f i ne nem expl ica . Ele aponta para fora de s i ,para um s ign i f i cado obscuramente pressent ido ,que escapa ainda nossa compreenso e no poder i a se r expresso adequadamente nas palavrasde nossa l inguagem a tua l . " 1S

    19

    E ainda uma def in io de smbolo em con traposio aos ina l :

    o smbolo uma expresso indeterminada,ambgua, que indica alguma co isa d i f i c i lmentedef in ve l , no reconhecida completamente. O"s ina l" tem um s ign i f i cado determinado porque uma abreviao (convencional) de alguma co i sa conhecida ou uma indicao correntementeusada da mesma. Por i s so o smbolo possu i numerosas var ian tes anlogas, e quanto mais possu i r , tanto mais completa e cor re t a a imagemque t r aa de seu obje to ."16

    A es te smbolo que converte a energia , Jung denominade "anlogo da l ib ido" 17 pois , como j mencionamos ante-r iormente, e le que dar uma expresso equivalente aoi n s t i n to , podendo ento a l ib ido cana l izar -se para outrasformas di fe ren tes da o r ig in a l , conver tendo-se em t rabalhoprodutivo e se r ut i l i zado para f ~ n s cu l tu ra i s . SegundoJung, a h is t r i a da c iv i l i zao nos mostra que o indivduopossui um excedente de energia que serve a out ra apl icaoque no a na tu ra l . A mitologia , af i rma, nos oferece inme-ro s exemplos das apl icaes dos anlogos da l i b ido ; e leacredi tava tambm, que grande par t e dos descobrimentos dahumanidade se devem a es t a t ransformao da l i b ido em seuanlogo. 18

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    o smbolo uma forma extremadamente complexa onde serenem opostos em uma s n t e se , e ainda onde inconsc ien te econsciente aproximam-se. Em out ras pa lavras , o smbolo peem evidncia uma compensao em ao, pois e le emerge doinconscien te como um novo contedo, formando um espao in te rmedi r io en t re os opostos. Mantendo-se em compensaocom um e outro oposto , o smbolo oferece uma perspec t iva ,a p a r t i r da qual poss vel fazer uma s n te se des tes e l e mentos. Nesse sen t ido , o smbolo a t r a i a ateno para umaout ra posio, que, se bem compreendida pode s ign i f i ca ruma ampliao da personal idade e a reso luo de um conf i toex i s t en te .

    pOderamos d iz e r que o smbolo es t vivo. Ele impe-se e mobil iza a energ ia ; o consc ien te tomado por umsen t ido que a razo desconhece. Cabe consc inc ia e labora r o smbolo, tentando apreender o seu s ign i f icado , ouento r e j e i t - l o , d e s p o t e n c i a l i z a ~ d o - o progress ivamente ,a t e le se to rna r apenas um signo.

    Os smbolos no so s imagens e nem todas as imagensso smbolos. Humbert r e s sa l t a que "uma pa lavra , umaid ia , um ges to , pode te r es ta carga . Uma t eo r i a c i e n t f i ca um smbolo na medida que a designao antecipada deum fa to da natureza ainda desconhecido".19 Seguindo ainda

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    com Humbert, e le nos diz que:

    "de um modo gera l , quando Jung consideraurna imagem, urna id ia ou urna palavra corno s mbolos , f - lo na sua qual idade emocional, i s to , segundo o modo em que mobilizam o su j e i to .Para des ignar es ta qual idade e es ta ap t ido ,usa o termo "numinosidade", do la t im numen. Anuminosidade to ta lmente a lhe ia vontadeconsc ien te , pois coloca o su j e i to em um es tadotornado ( e rg r i f f enhe i t ) . A nurninosidade umIn t ens i t t f ak to r . Corresponde in tens idadecom a qual urna represen tao apodera-se doconscien te e faz sent ido para e l e . Ela portanto s ina l de um fenmeno energ t i co . Um s mbolo tem capacidade de animar a vida e a r ra s t - l a , porque t ransforma urna energia ps quicainconsc ien te em exper incia" .20

    21

    Para f ina l izarmos o tema, recorreremos def iniao doDicionrio Cr t ico de Anl ise Junguiana que, de maneirasuc in ta , resume o que j fo i esc r i t o aqui"

    "Os smbolos so expresses p ic t r i cas cat i va n t e s . So r e t r a tos i nd i s t i n to s , metafr i cos e enigmt icos da r ea l idade ps qu ica . Ocontedo, i s to , o s ign i f icado dos smbolos,es t longe de se r obvio; em vez dis so , expresso em termos nicos e ind iv idua i s , e aomesmo tempo par t i c ipa de imagens unive rsa i s .Quando t raba lhados ( i s to , recebendo ref lexoe a r t i cu lao) , podem se r reconhecidos comoaspectos daquelas imagens que controlam, ordenam, e do s ignif icado s nossas vidas . Port an to , sua fonte pode se r buscada nos prpr iosa rqu t ipos que, por meio dos smbolos, encontram uma expresso" .21

    Podemos tomar corno exemplo da t ransformao de con-tedos inconsc ien tes em smbolos a questao do inces to . Em

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    22Jung, temos uma concepo do inces to que prec i so espec i -f i c a r . Para e le o drama do inces to s ign i f i ca uma necess i -dade de vo l t a r s or igens e , em seu movimento r egress ivo ,o indivduo procura r i a nos obje tos conhecidos e f ami l i a resa pro teo , o acolhimento dian te das dif iculdades impostaspelo mundo ex te r io r ; buscar ia enfim, aquele es tado de com-ple tude em que viveu um d ia em sua vida . Nas palavras doprpr io Jung:

    "Ainda parece p e r s i s t i r no homem uma profunda magoa para com a l e i que out rora o separou bruta lmente do abandono i n s t in t ivo e debeleza da na tureza animal em sua harmonia maisprofunda. Essa separao manifestou-se en t reoutros na proibio do i nces to e seus cor re la to s ( l e i sobre casamento, tabus al imentares ,e tc ) . Enquanto a cr iana permanece nes ta ident idade inconsc ien te com a me, e la continuain tegrada na alma animal to inconsc ien tequanto e s t a . O desenvolvimento da consc1encialeva inevi tavelmente no s dis t ino em re lao me, mas t ~ m b m em re lao aos pa is e fam l ia em gera l , e a uma r e la t iva separaodo inconsc ien te e do mundo i n s t in t ivo . Mas anos ta lg ia des te mundo perdido continua e sempre de novo nos acena quando surgem necess idades de adaptao d i f c e i s , de desvios e re cuos, de regresso para os tempos de in fnc ia ,o que produz ento a s imbl ia inces tuosa . 22

    Jung v ia nas tendncias endogmica e exogmica doismovimentos necessr ios e um par de opostos complementares.A l imi tao da tendncia endogmica pe lo tabu do inces toe , consequentemente, o movimento exogmico fundamentalpara a manuteno de uma sociedade sad ia , afim de que a

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    23cu l tu ra no es tagne . Ao mesmo tempo, a tendncia endogmica p o ss ib i l i t a ao indivduo uma regresso s imbl ica quelhe permite um in tento de encontra r algo que lhe necess r io , uma busca de s i mesmo, que possa lhe proporcionaruma mudana de a t i tude tornando poss ve l uma renovao desua personal idade . E enfim, podemos dize r que e s t a s t endncias permitem tambm c r i a r um sent imento de s i mesmo emcontrapar t ida com o sentimento de unidade com o grupo fa mil ia r .

    Segundo Jung, o desenvolvimento das c iv i l i zaes ,que se deu sobretudo pe la poss ibi l idade da vida em comunidade, s fo i poss vel graas ao refreamento dos i n s t in to sque, segundo e l e , um processo nomott ic0 23 , cujo poderder iva dos arqut ipos .

    Tomado simbolicamente, o desejo do i nces to leva aoinconsc ien te , a suas foras c r ia t ivas . ~ l que o i nd iv i duo va i encontra r os germes para ~ m a nova a t i tude e assimpoder renascer . " ... a regresso s aparentemente leva devol ta me. Esta em verdade a por ta que se abre para oinconsc ien te , para o "re ino das mes". Quem en t ra por essapor t a submete toda a personal idade consc ien te de seu eu inf luncia dominadora do inconsciente" . 24 E o tabu do in ces to , no permitindo que o desejo despertado na regresso-de vo l t a r a se r cr i ana , pene t ra r na me e dela renascer -

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    24se concre t ize , c r i a um obs tculo , que faz com que a fan ta s ia se torne c r i a t iva . "O resu l tado do tabu do inces to edas t en t a t i va s de t r ans fe rnc ia o exe rc c io da f an tas ia ,que pouco a pouco, pela cr iao de poss ib i l idades , abrecaminhos a t ravs dos quais a l ib ido pode r ea l i z a r - se . As-sim, imperceptivelmente e la deslocada para formas esp i r i tua i s" .25 E ainda "es tas poss ib i l idades de uma vida ede um caminho "e sp i r i t ua i s " ou "s imbl icos" , const i tuem oalvo f ina l , mas inconsc ientes da regresso . Para que a li-bido em regresso no f ique presa na mater ia l idade materna(na me corporal ) os smbolos acodem como expresso e in dicao."26

    Natureza e esp r i t o

    Jung acred i ta , dent ro de sua concepo de opostoscomplementares, que todo o processo ps quico mostra umatenso de cont radio en t re o natu ra l e o esp i r i t ua l ; eque o e sp i r i t u a l no meramente ~ m produto secundr io ,mas sim, uma busca de elevao do pu ls iona l , do i n s t i n t i vo, que segue o seu curso de acordo com as l e i s da natureza.

    Os produtos cu l tu r a i s , r e l i g iosos , podem s e r enten-didos como uma decantao dessa profunda tenso en t re ona tu ra l e o esp i r i t ua l , pois para Jung o indivduo no se

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    conten ta apenas com o curso na tu ra l das co i sas ;que, como e le nos mostra , o homem pr imi t ivo 27

    25a t por

    que ju lga -mos es t a r mais prximo da vida i n s t i n t i v a , sof re muito comos seus "demnios" que sempre o atemorizam. Pois se colocapara o homem pr imi t ivo , alm dos problemas de sobrevivn-c i a , um enfrentamento com as suas super s t i es e os seustemores, passando por muitos r i t u a i s para expulsa r essesseus "demnios", poi s e l e e s t constantemente su j e i to aospoderes que o a te r ror izam e o dominam.

    Para Jung, a humanidade se l i be r tou desses temores ,pelo processo cont nuo de formao de s mbolos , que leva ohomem c u l tu ra . Este processo se torna poss ve l pe lo ex-cedente de l ib ido que pode se r cana l izado para es te f im.Mas Jung no v como soluo, para a l ibe r tao dos i nd i vduos com re lao a esses poderes , apenas uma explicaor ac iona l ; e le entende que "contra o poliformismo da na tureza i n s t in t iva do pr imi t ivo se l evanta o pr inc p io regu-lador da individuao. A m u l t i p l i c ~ d a d e e div i so i n t e r i o r se contrape uma unidade in tegradora cujo poder togrande quanto o dos i n s t in to s . Verdadeiramente j un tos , osdois formam um par de opostos necess r ios auto-regulaoe frequentemente de s c r i t o s como na tureza e esp r i to" .28

    Na concepo que Jung tem de e sp r i t o , e s t e tambm um i n s t in to . Em suas pa lavras :

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    "o e sp i r i t u a l tambm aparece na psique como umi n s t in to , e mesmo como verdadei ra paixo, como"um fogo devorador", segundo a expresso deNietzsche. No der iva de out ro ins t in tO ... mas um princ1p1o su i gener i s , uma forma espec f i ca e necess r i a da fora i n s t i n t i va " .29

    26

    No seu l i v ro "Adivinhao e s inc ron ic idade" , Von Franz,nos diz que, o que Jung def ine como e sp r i t o " uma mani-fes tao dinmica do inconsciente , em que e le faz energ i -camente algo por sua prpr ia vontade, movimenta-se e c r iapor sua prpr ia conta" - e cont inua- "Jung resume, dizendoque o esp r i to contm um pr inc p io psquico espontneo demovimento e a t iv idade , em segundo l ugar , que tem a qua l i -dade de c r i a r l ivremente imagens para alm de nossa per -cepo sensor ia l (num sonho, a pessoa no tem perceposensor ia l - o esp r i to ou o inconsciente c r ia imagens p a r t i r do seu i n t e r i o r , enquanto as percepes sensor ia i ses to adormecidas); e , em t e rce i ro l ugar , que h uma mani-pulao autnoma e soberana dessas imagens".30

    o prpr io Jung nos d, como exemplo des te a tua r doesp r i t o 31, o fa to das imagens do inces to u t i l izarem emsua maior par te analogias , t a i s como so l , luz , cidade , r -vores , para ind ica r as f iguras pa terna e materna. Para e lees ta s tendncias mostram um esforo r e l i g i o so , ainda inde-f in ido , uma busca de elevao do puls iona l , mediante um

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    27esforo do esp i r i tua l como j fo i d i to ; s ign i f i ca tambm,um reavivamento de imagens de ca r t e r impessoal e c o l e t i -vo: os arqut ipos .

    Um outro fa to que Jung r e ssa l t a na sua t eo r i a e quetem importncia para nossa discussao , que, sendo a i ns -t in t iv idade predominantemente co le t iva , o prpr io c o l e t i -vo impe-se com muita fora ao indivduo. Para que o se rhumano consiga ver sua verdade i ra individual idade emergin-do "Dos vus da personal idade cole t iva" ,32 e le forma umare l ig io de c a r t e r i nd iv idua l , to ta lmente di fe ren te dare l ig io co le t iva e dogmtica predominante. Mas o que s ig -n i f i ca ento para Jung re l ig io? Em seu l iv ro "Psicologiada re l ig io" , Jung nos diz :

    "encaro a re l ig io como uma a t i t ude do e s p r i to humano, a t i tude que de acordo com o empregoor ig in r io do t e rmo:" re l ig io" , poderamos qual i f i c a r a modo de uma consideraao e observao cuidadosas de ce r tos fa to res dinmicosconcebidos como "potnc ias" : e sp r i t o s , demnios , deuses , l e i s , i d ia s , idea i s , ou qual quer out ra denominao dada pelo homem a t a i sfa to res ; dentro de seu mundo prpr io a exper i ncia t e r - lhe - i a mostrado suf ic ien temente poderosos, per igosos ou mesmo te i s , para merecerem re spe i tosa considerao, ou su f i c i en t e mente grandes , be los e rac iona i s , para serempiedosamente adorados e amados".33

    -E completando a sua i d ia -

    "Eu gos ta r i a de deixar bem c la ro que, com otermo "re l ig io" , no me re f i ro a uma determinada prof i s so de f re l ig iosa . A verdade, po-

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    rm, que toda conf isso r e l ig iosa , por umlado, se funda or iginar iamente na exper1enciado numinoso, e , por out ro na p i s t i s , na f ide l idade ( lea ldade) , na f e na conf iana em re lao a uma determinada exper incia de ca r t e rnuminoso e na mudana de conscincia que da r e su l t a ... poderamos, portanto , dize r que otermo " re l ig io" designa a a t i tude pa r t i cu l a rde uma conscincia t ransformada pela exper inc ia do numinoso".34

    28

    Assim sendo, t e r uma a t i tude r e l ig io sa consideraratentamente ce r tos fa tores que agem sobre s i e seu estadogera l ; e e s t a r atento sobretudo ao pr inc ip io da individua-o 35, que se contrape ao co le t ivo ; poder se conectarcom o s i mesmo e se to rna r uma unidade autnoma e i nd iv i -s ve l , uma t o t a l idade .

    Para f inal izarmos com as palavras do prpr io Jung,reg is t ramos a importncia que tem na sua obra o processode individuao

    "onde quer que o processo cu l tu ra l es te ja emandamento, se ja nos ind iv duos , i soladamente,se ja em grupos, d-se rupturas com re lao screnas co le t ivas . Qualquer avano cu l tu ra l ,psicologicamente , uma ampliao da conSC1enc i a , uma tomada de conscincia ,que s pode ser ea l i za r mediante uma diferenciao. Por i s so ,qualquer avano comea assim com a individuao, i s to , comea com o indivduo abrindonovo caminho at ravs de t e r reno a t ento nodesbravado, depois de haver-se conscient izadode sua prpr i a ind iv idua l i zao . Para chegar ai s t o , deve e le primeiramente re to rna r aos fa to s fundamentais de seu prpr io se r , independentemente de qualquer autor idade ou t radio,e tomar conscincia de sua di fe renc iao"36 .

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    o inconsc ien te e a consc inc ia

    J vimos anter iormente como Jung concebe o psiquismoe o seu funcionamento. Agora, nos ocuparemos da def iniodo que chamaramos mais propriamente dos "desdobramentos"da ps ique , i s to , do inconsc ien te pessoa l e co le t ivo eseus contedos, os arqu t ipos . Trataremos a questo daconscincia , que para a obra de Jung e para o nosso t raba lho em par t i cu l a r , de grande importncia ; inc lus ive porque, a id ia de to ta l idade da personal idade muito pre sente na obra de Jung. Ser ia o conjunto de consc ien te einconsciente e suas r e l aes , que comporiam es t a to ta l ida de, e a poss ibi l idade de viver os fenmenos, se j a em funo de um centro consc ien te ou em funo de um cent ro in consc ien te .

    Segundo Humbert, Jung "considera o mundo ex terno e omundo in terno como opostos engajados nas sucess ivas fasesda di ferenciao, e mostra que o su j e i to cons t i t u i - s e a iem um duplo confronto ... cada um dos s is temas tem suas l e i se sua dinmica. Cada um reage, c r i a , ju lga , ana l i sa o quevem do outro ponto de v i s t a . A vi t a l idade do su j e i to mede-se em funo de sua capacidade de manter perspec t ivas

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    30con t r r i a s , juntas" .37

    Jung usa o termo inconsc ien te para des ignar a t o t a l i -dade de todos os fenmenos ps qu icos em que fa l t a a qua l i -dade da conscincia ou que so inacess ve i s ao eu, comotambm para de l imi ta r um lugar ps qu ico com seu ca r te r ,suas l e i s e funes. O inconsc ien te na ps ico log ia junguia-na compreende inconsc ien te pessoal e inconsc ien te c o l e t i -vo.

    o inconsc ien te

    o inconsc ien te pessoal pode se r considerado aquelacamada mais supe r f i c i a l do inconsc ien te onde es t o i nc lu -das as exper inc ias pessoa is repr imidas e i n fan t i s , bemcomo as lembranas perd idas e as desagradveis , penosas deserem lembradas. Esto a um n ive l mais supe r f i c i a l do in -conscien te , so sub l iminares , como d i r i a Jung, i s to , socontedos que podem emergi r cons inc ia , desde que pos-suam um valor energt ico que o torne poss ve l . Nas pa la -vras de Jung, "os contedos inconsc ien tes so de na turezapessoal quando podemos reconhecer em nosso passado seuse fe i to s , sua manifes tao parc ia l ou ainda sua origem e s-pec i f i ca . So par tes in tegran tes da persona l idade , per t en-cem a seu inventr io".3B

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    31Devemos e s t a r atentos para no espac ia l i za r o incons-

    c ien te e des te modo encarar inconsciente pessoa l e co le t i -vo como superpostos. Segundo Humbert:

    "o inconsc iente pessoal f e i to de inconsciente co le t ivo : r e su l t a do encontro das informaes que conduzem o vi r - - se r humano, com asc i rcuns tnc ias , as par t i cu la r idades , as escolhas , as heredi ta r iedades , os ambientes , ast rad ies , enfim todo o contexto f s i co e ps quico, soc ia l e ind iv idua l , da ex is tnc ia" .39

    No inconsciente se abrigam tambm contedos de a l tonvel energt ico , que na maioria das vezes no so conte-dos reprimidos, mas sim contedos que ainda no se t o rna-ram conscientes . Aqui podemos ento f a l a r de inconscienteco le t ivo . Fazem par te do inconsciente co le t ivo , todo osimbolismo arca ico encontrados nos sonhos e nas fan tas i a s ;todos os i n s t in to s bs icos e as formas fundamentais dopensamento e sentimento cole t ivos . Porque para Jung o in -conscien te cole t ivo um fa to ob je t ivo , que sempre es tpresente , e que cons t i tu i o pano de fundo do acon tecerpsquico. No apenas a fonte das pulses e dos i n s t i n -t os , mas tambm a origem das formas bs icas do pensar ese n t i r humanos, e possui uma a t iv idade c r i a t i v a , produt ivae autnoma. "O inconsciente (cole t ivo) a matr iz de todasas afirmaes meta f s icas , de toda mitologia e de toda f i -losof ia -enquanto no sejam puramente c r t i c a s - e de todasas expresses da vida fundadas sobre premissas

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    32psquicas" .4o

    Em seu l iv ro "Arqut ipos e inconsc ien te co le t ivo" ,Jung nos diz porque chama de co le t ivo es te "outro" incons-c ien te :

    "He e leg ido la expreson "colec t ivo" por quees te inconsc ien te no es de natura leza i nd i v i dual s ino unive rsa l , es dec i r , que en contras t e con la psique individual t i ene contenidos ymodos de comportamientos que son, cum granosa l i s lo s mismos en todas par te s y en todoslo s ind iv duos . En o t ra s pa labras , es idnt icoa s i mismo en todos lo s hombres y cons t i tuyea s un fundamento anmico de na tura leza supra personal ex i s t en te en todo hombre".41

    Os arqu t ipos

    Quando Jung comea.a f a l a r de inconsciente co le t ivo ,a id ia de arqu t ipo ainda nao es t ava presen te , e somenteem 1919 faz uso do termo; mas nao e ra ent re tanto um con-ce i to acabado. Durante todo o desenvolvimento de sua obra,Jung t raba lha com es te conce i to , em uma elaboraao pro-gress iva e d i f c i l , que deu margem a muito mal entendido.

    As imagens que apareciam nos d e l r i o s e nos sonhos deseus pacientes e nos seus prpr i as sonhos fo i o que p r i -meiro chamou a atenao de Jung, pois encontrava para le losna mito log ia , no fo lc lo re e nos contos de fada. Observava

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    33como esses temas se repetiam em todos os tempos e todos oslugares , e para e l e , o inconsc ien te co le t ivo que e raresponsvel por t a i s imagens. Com e fe i to , a t ransmissocu l tu ra l e a educao no eram su f i c i e n t e ses te acontecimento. Estas imagens, Jung

    para expl ica rdenominou-as de

    "imagens pr imord ia is" .42 Estas imagens, alm de impress ionarem por seu ca r te r numinoso, tambm orientam a ao dosu je i to -mas no de forma consciente- dando respos tas as i tuaes v iv idas . t nes ta ao or i en tadora que Jungconsta ta a autonomia das imagens pr imordia is .

    Em 1917 Jung comea a f a l a r dos dominantes 43, consi derados como pontos nodais que a t ra i r iam a energia , in f luenciando o funcionamento do ind iv duo . Neste momento desua t eo r i a , para expl ica r o surgimento das imagens universa i s nos indivduos, e le r ecor re es t ru tu ra do crebro:"a semelhana univer sa l dos crebros determina a pos s ib i l idade univer sa l de uma funo mental s imi la r . Esta funo a psique co le t iva" .44

    Jung passa a f aze r uso do termo arqut ipo e , por a l gum tempo ainda, o u t i l i z a como sinnimo de imagem primord ia l . nos seguintes termos que Jung se re fe re aos Arqut ipos enquanto contedos do inconsc ien te co le t ivo : "devemos i nc lu i r tambm as formas - p r io r i , i na ta s , de i n tu i o, quais sejam os arqu t ipos da percepo e da apreenso

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    que so determinantes necessr ios e -p r io r i de todos osprocessos psquicos" .45

    que:Aproximando os arqut ipos dos in s t in tos , Jung af i rma

    "o ins t in to essencialmente um fenmeno denatureza cole t iva , i s to , univer sa l e uni fo r me, que nada tem a ver com a individual idadedo se r humano. Os arqut ipos tem es t a mesmaqual idade em comum com os in s t in tos , i s to ,so tambm fenmenos cole t ivos" .46e ainda"O inconsciente cole t ivo cons t i tu ido pelasoma dos i n s t i n to s e seus cor re l a tos , os a r qut ipos . Assim como cada indivduo possuii n s t i n to s , possui tambm um conjunto de imagens pr imordia i s" .4?

    Um problema que se colocava para Jung, e ra o dat ransmissao des tas imagens. Para e l e , o arqut ipo nao set ransmi te meramente por t ransmisso ex te r io r , porque vol -tam a aparecer espontaneamente em yar i a s pocas. Jung lana a hiptese de que os arqut ipos sao t ransmi t idos here-di tar iamente com a es t ru tu ra do crebro. "Em cer to sen t i -do, os arqut ipos so os fundamentos ocul tos na profundi-dade da psique inconsciente . . so s is temas de pront idoque so simultaneamente, imagem e emoo. So t ransmi t idosheredi tar iamente com a es t ru tu ra ce rebra l e so a t o as-pecto pSquico des ta" .48

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    Em re lao s c r i t i c a s que recebe sobre es ta hip te -se , Jung escreve:[sobre as imagens a rque t p icas ... ] "Es l a humanidad deIhombre, la forma especi f icamente humana de sus act iv idade .EI modo espec f ico es t ya en e l germen. La creencia deque no es heredado s ino que se forma nuevamente en cadahombre se r a tan insensa ta como e l modo de ver pr imi t ivosegn e l cual e l so l que se l evanta a la mafiana es ot roque e l que pane aI a tardecer" .49

    Mas Jung no se re fe re a imagens herdadas, e le fa lade formas e padres que ser iam preenchidos com imagens,i d ia s , e t c . , que variar iam no decorrer dos tempos. "EIarquet ipo es un elemento formal, en s i vacio , que no ess ino una facu l t a s praeformandi, una posibi l idad dada ap r io r i de la forma de la representac on. No se hereda la srepresen tac iones sino la s formas, que desde es te punto devis ta corresponden exactamente a 19S ins t in tos , lo s cualestambien es tan determinados formalmente".so

    Em um momento pos te r io r de sua obra , Jung passa ausar o termo "pa t te rn of behaviour" (padro de comporta-mento), que empresta da bio log ia , para designar um out rot ipo de re lao que es tabelece en t re ins t in to e arqut ipo.E le acredi ta que com es te termo, possa expl ica r melhor de

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    36onde vir iam as es t ru turas a rque t p icas - " (o homem) t razdentro de s i ce r tos t ipos de i n s t i n tos p r i o r i que lheproporcionam a ocasio e o modelo de sua a t iv idade , na medida em que funciona ins t in t ivamente . Como se r biolgico ,e le no tem ou t ra a l t e rna t i va , seno a de se comportar demaneira espec i f icamente humana, e r ea l i z a r o seu p a t t e r nof behaviour".51

    Sobre o s ign i f i cado empregado do "pa t te rn of behaviour" Jung af i rma ainda: "no const i tuem propriamente re l q u ia s ou ves t g ios de ant igos modos de funcionamento,mas reguladores sempre presentes e biologicamente necessr ios da es fe ra dos i n s t in tos cujo ra io de ao recobre to do o campo da psique e s perde seu ca r t e r absoluto quando l imi tada pe la r e l a t iva l iberdade da vontade. A imagemrepresenta o sent ido dos in s t in tos" .52

    Nos parece aqui , que Jung fa la dos i n s t in tos e dasimagens como duas polar idades da m ~ n i f e s t a o a rque t p ica .Em relao s imagens, os arqut ipos ter iam um car te r"ascendente" , l igados s id ias e ao e s p r i t o ; e em r e l a o ao i n s t in to , ter iam um ca r t e r "descendente" , l igado a Lum n ve l mais f i s io lg ico e impulsivo.

    Em seus l t imos anos, sua elaborao c i en t f i ca seaprofunda e se t ransforma, re la t iv izando muito do que ha-

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    v ia esc r i to a t ento. Em relao. ao concei to de arqu t i -po, Jung d i fe renc ia imagem a rque t p ica do arqut ipo em s i ;e se aproxima cada vez mais de uma i d i a de arqut ipo comoalgo insondvel-

    "El sent ido de es te ncleo nunca h s ido conc ien te y nunca lo ser . Siempre h s ido ysiempre se r obje to de in te rp re tac on , y cadauna de la s in te rp re tac iones que se aproximahas ta c i e r t o punto a I sent ido ocu l to , no sloh tenido de siempre l a pre tenc on de verdad yval idez absolu tas , s ino tambn l a de veneracon y devocon r e l i g iosa . " 53

    -mas que funciona como um regulador e cen t ra l i zador i n t e r -nos, com poder de i n c i t a r um acontecimento, como se hou-vesse um conhecimento antecipado pelo arqut ipo . Enfim,haver ia por par te do arqut ipo , um p r i o r i , a id ia def ina l idade da psique que j discut imos anter iormente . "Co-mo f a to r numinoso que , o arqut ipo determina a naturezae o curso do processo de conf igurao , com uma pr-cogni -o aparente ou mediante a posse ap r i o r s t i c a da meta que determinada pelo processo de cent ra l izao" .54

    M.L. Von Franz nos fa la des ta vivncia do arqut ipo:

    "Es en rea l idad una expreson t cn ica modernaque designa una exper ienc ia de que l a humanidad ha conocido desde siempre: l a exper ienc iade que desde nues t ro propio mundo in te rno nos

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    sa le aI paso algo extrafio y desconocido, deque in f luenc ia s que provienen deI i n t e r io rpueden modif icarnos repent inamente , de que t e nemos suefios, pensamientos respec to de lo scuales sent imos que no lo s hemos producido noso t ros , s ino que emergen en nues t ras mentescomo algo extrafio y ms poderoso que nosot rosmismos. En pocas muy ant iguas se a t r ibuyeronesas in f luenc ia s a un f lu ido divino (man) o aun d ios , a un daimon o a un "e sp i r i tu" , con locual se daba expresion adecuada a I sent imientode la ex is tenc ia propia , ob je t iva , e inc lusode natura leza extrafia, de esas fuerzas , y as imismo a la vivencia de que se t r a t a de algoms poderoso, a cuya merced se haya e l yo conc iente"55.

    38

    Como f a l a r da natureza de algo insondvel? Jung nosresponde:

    "No devemos confundir as representaes a rquet p icas que nos so t ransmi t idas pelo in conscien te com o arqut ipo em s i . Essas representaes so es t ru turas amplamente var iadasque nos remetem para uma forma bs ica i r r ep re sentvel que se ca r ac t e r i za por cer tos elemento s formais e determinados s ign i f icados fundamentais , os quais , en t re tan to , s podem se rapreendidos de maneira aproximativa. O arqut ipo em s i um fa tor ps icide que per tencepor assim d izer , par te i nv i s ve l e u l t r av io l e t a do espec t ro ps quico . Em s i , parece que oarqut ipo no capaz de a t ing i r a conSC1enc ia ... parece-me provvel que a verdadei ra natu reza do arqut ipo incpaz de to rnar - seconsc iente , quer d izer t ranscendente , razopela qual eu a chamo de ps icide" .56

    Aqui, para exp l i ca r a natureza do arqut ipo Jung fazuma analogia da psique com o espec t ro da luz . Para e le , apar te i n s t in t iva se r i a o infra-vermelho e o arqut ipo ou l t r a -v io le t a ; o primeiro se r i a a represen tao do mate-

    BIBLIOTECAFUNDAO GETUO VARGAS

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    39r i a l e o segundo do e sp i r i t u a l , um sendo o con traposto doout ro , mas ambos fazendo par te de um todo necessr io ex is tnc ia . "o arqut ipo e o ins t in to const i tuem o opostoda mais extrema polar idade ... mas. da mesma maneira comoentre todos os opostos h uma re lao to es t r e i t a , queno se pode fazer uma colocao ou mesmo pensar nela , sema correspondente negao, assim tambm no presente caso seap l ica o pr inc ip io de que le s extremes se touchent . [osextremos se tocam]".S7

    Jung re lac iona arqut ipo e ins t in to , porque para e l e ,como j mencionamos an ter io rmente , a af in idade en t re osdois t o t a l . O arqut ipo se r i a a imagem do i n s t in to :"psicologicamente , porm, como imagem do ins t in to , o a r qut ipo um alvo esp i r i tua l para o qual tende toda a na-tureza do homem; um mar em direo ao qual todos os r iospercorrem seus acidentados caminhos". s e Ao mesmo tempo o pr inc ip io formador da fora i n s t i n t i v a e por i s so o mo-t ivo da cor vio le ta na analogia -o -azu l que se mistura aovermelho, aparecendo o v io l e t a . a natureza paradoxal doarqut ipo.

    Quando Jung afirma que a natureza do arqut ipo nopode se r designada precisamente como ps quica , devido inacess ib i l idade conscincia do arqut ipo em s i , nopermitindo en to , uma def inio f ina l e inequvoca, e le

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    40abre uma por ta para def in i - lo como ps icide59 , i s to , quet e r i a uma natureza quase ps quica , que exprime a poss ib i -l idade de se r tan to psquico quanto no ps quico . Nas pa-lavras de Jung:

    "a se r assim, sua posio es t a r i a s i tuada paraalm dos l imi tes da es fe ra ps quica , analogamente posio do i n s t in to f i s io lgico quetem suas r a zes no organismo mater ia l e comsua natureza ps icide cons t i tue a ponte depassagem matr ia em gera l . Na representaoarque t p ica e na percepo i n s t in t iva o esp r i to e a matr ia se defrontam no plano ps qu i co. Tanto a matr ia como o esp i r t o aparecemna es fe ra ps quica como qual idades que caracter izam contedos consc ientes . Ambos sot ranscendentes . i s to i r r ep resen tve is em suanatureza , dado que a psique e seus contedosso a nica rea l idade que nos dada sem in t e rmedir ios" .50

    Sobre o car te r i r r ep resen tve l da matr ia , Jung es -tende a suas re f lexes e sugere que, "como a ps ique e amatr ia es to encerradas em um s e mesmo mundo e , almdisso , se acham permanentemente em conta to en t re s i , e eml t ima an l i se , se assentam em f a to res t ranscendentes ei r r ep resen tve is , h, no s a poss ib i l idade mas a t mesmocer ta probabi l idade de que a matr ia e a psique sejam doisaspectos d i fe ren tes de uma s e mesma co isa . 51

    Para J a f f , a consequncia des ta s ref lexes e des taconcepo de arqut ipo que:

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    "enquanto o modelo arquet p ico fora a t entodesc r i to como uma antinomia en t re esp r i to eins t in to , es ta alcana agora a mais extrematenso en t re "esp r i t o e matria" ou "esp r i t oe mundo". Com i s so , no se sugere apenas aid ia de poss ibi l idade de uma cunhagem arquet p i c a do mundo e cosmos, mas Jung v no a r qut ipo psicide uma "ponte para o assunto emgera l" ... Esta nova carac ter izao do arqut ipocomo "ps icide" , com todas as consequnciasque i s so implica, uma ampliao audaciosaseno lgica do modelo or i g i na l do arqut ipocomo um todo ant inmico e paradoxal . Seus a spectos complementares de largo alcance (comoesp r i to e natureza , como elemento es t ru tu ra lda psique e do mundo) expl ica a sua ap l i cab i l idade s cincias esp i r i tua i s tanto quanto sclencias na tura i s e tambm porque a ps icologiaprofunda per tence a ambos os campos".62

    41

    Esta mudana na concepo do arqut ipo permit iu aJung uma mudana de abordagem que fo i f ac i l i t ada , inc lus i -ve , pelo seu rompimento, que j se esboava desde muitocedo em sua elaborao t e r i ca , com a concepo rac iona-l i s t a un i l a t e ra l do mundo e com o pr inc p io determinis tacausal . Ele passa da perspec t iva puramente subje t iva ob-j e t i va , e da representao a rque t p ica ao t r anspessoa l out r ansps qu ico . Em out ras pa lavras , e le passa a t e r umapreocupao maior com o todo, no sent ido de que cada ex-t r a to da ex is tnc ia es t intimamente l igado a todos os ou-t ros - o que faz com que uma ao em um determinado pon-to , tenha implicaes por todo o s is tema. Ao mesmo tempoque es ta s concepes o levaram a rev ive r a i d ia Unus Mun-dus que e ra amplamente usada pelos alquimis tas na idade

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    42mdia, encontramos esse para le lo atualmente na f s i ca contempornea.

    Dentro do i n tu i to de abordar os fenmenos do universode uma forma mais ampla, que Jung comea a desenvolverseus estudos sobre os fenmenos s i nc ron s t i cos , en t re out ro s . Poderamos dize r , resumidamente, que Jung def ines incronic idade como um pr inc p io de re laes a-causa is ,que implicariam a l igao de dois ou mais eventos de formas ign i f i ca t iva , apesar de no re lac ionados en t re s i de modocausa l e no coincidindo no tempo e no espao.

    Aqui gostaramos apenas de ind ica r mais uma preocupao -que abordaremos pos te r io rmente - envolvendo as t eo r i a sde Jung e a f s i ca contempornea. Da mesma maneira queJung af i rma que no temos acesso ao arqut ipo em s i , naf s i ca encontramos a mesma problemtica, onde o observador par te do fenmeno. Em uma passagem de seu l iv ro "O mitodo s igni f icado" Ja f f c i t a um f s ico quntico que es t en-volvido com o mesmo t ipo de ref lexo: "Heisenberg dec la raque no podemos mais contemplar em s i mesmas essas pedrasde construo da matr ia que or ig inalmente sustentvamosse r a rea l idade obje t iva f ina l . I sso devido ao fa to dee las desaf iarem todas as formas de loca l izao obje t iva noespao e no tempo , e desde que basicamente sempre exclusivamente o novo conhecimento dessas pa r t cu l a s quecons t i t u i o obje to da c inc ia . Por esse motivo, na cincia

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    na tura l o obje to da pesquisa no mais a na tureza em s i ,mas a na tureza exposta ao quest ionamento humano e nisso ohomem novamente se defronta consigo mesmo".63

    A conscincia

    Nos parece c la ro , com o que fo i exposto a t aqui , opapel fundamental da conscincia na vida dos ind iv duos ,poi s , pelo que fo i afirmado , o mundo toma uma forma, namedida em que se torna uma imagem psquica na consc inc ia .Quando mais se aprofundava no conhecimento das manifes ta -es do inconsciente , maior importncia adqui r i a o papelda conscincia para Jung. " ... 0 homem indispensvel paracompletar a cr iao: e le prpr io o segundo c r iador domundo ; s e le deu ao mundo a sua ex i s t nc ia ob je t iva , sema qua l , no sendo ouvido, no sendo v i s to , comendo s i l en -ciosamente, fazendo nascer , fazendo morrer , inc l inando ca-beas at ravs de centenas de milhes de anos , t e r i a pros-seguido na morte mais profunda do no se r , em di reo aoseu fim desconhecido. S a consc inc ia humana c r ia a e x i s -tnc ia ob je t iva e o s ign i f i cado , e o homem encontrou seulugar indispensvel no grande processo de ser" .64

    Mais i s so no s ig n i f i ca , em absoluto , que es t a nfasese desse juntamente com uma desva lor izao do inconscien-

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    44te . Jung fa la de uma conscincia que considera e reconheceo inconsciente como um out ro , i s to , como uma fora au tnoma que exerce um poder sobre e le e com o qual prec i sa seen tender ; e mais do que i s s o , a consc inc ia s adqui re seupoder c r i a t ivo estando enraizada no inconsc ien te . Tra ta -se por assim d iz e r , de um s i s tema de t rocas , pois os e f e i to s so rec procos .

    Jung r e s sa l t a a faculdade de ref lexo e compreensoda consc inc ia que lhe permite reconhecer o mundo ex te r io re i n t e r i o r dando-lhe sent ido e se auto-ampliando e autot ransformando nes te reconhecimento . O ca r te r de d i sc r i minao e dife renc iao tambm so importantes nes ta am pl iao e t ransformao; para Jung lia di ferenciao aessnc ia , a condio s ine qua non da consc inc ia" .importncia tambm vem do fa to de que um contedo

    65 Estaincons-

    ciente s pode se r apreendido pelo reconhecimento de seuo p o s t o , e o arqu t ipo em par t i cu l a r , com a ambivalnciada polaridade de suas imagens, podem c on t r ibu i r largamente , t an to para um e fe i to pos i t i vo , como para um e fe i to nega t ivo , e a , a conscincia fundamental , pois o a rqu t i po assume o seu ca r te r organizador quando sob a ao dof a to r consc ien te , que separa os pa re s de opostos e os t o r na manifes tos , poss ib i l i t ando assim que o seu contedo se j a a p re e nd ido . " ... hubie ra sido um equvoco suponer quela s imgenes fan ts t i cas deI inconsc ien te podriam u t i l i -

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    zarse de manera inmediata , cual se se t r a t a s e de una reve-l ac on. No son s ino l a mater ia prima que, para cobrar sen-t ido , neces i t a an de la t raduccon a la l ingua de lapoca correspondiente" .66

    As imagens arque t p i cas necess i tam da conscincia pa-ra lhes dar sen t ido , mas ao mesmo tempo a conscincianecess i t a do poder cr ia t ivo do inconsciente , po is os a r -qu t ipos podem c o r r i g i r di s t rb ios do psiquismo i nd iv i -dual , por exemplo, urna a t i tude u n i l a t e ra l da conscincia eofe rece r - lhe smbolos capazes de r e o r i e n t - I a . Nas pa la -vras de Humbert: " . . Tornar-se consc ien te nao cons i s teapenas em descobr i r e s e n t i r os mecanismos que nos fazem eao mesmo tempo nos pregam urna armadi lha, mas a inda em darurna oportunidade qui lo que s e r a capaz de r epara r e reco-mear".67

    Se corno diz Jung, o homem s conhece urna pequena par -te de sua ps ique , a causal idade de sua ex is tnc ia psquicaes t em grande par te em processos inconscientes , bem cornoes tao agindo ne le as determinaes f i n a i s que tem sua o r i -gem e ex is tnc ia tambm no inconsc ien te , e a sua e f i cc iae natureza sao imutveis a t se tornarem obje tos da cons-c inc ia . Ele nos expl ica :

    .

    "s se verif icam cor rees desses fa to res naconscincia , mediante urna in tu iao e um a to de

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    deciso moral; por es te motivo o autoconhecimento , ao mesmo tempo, to temido quanto necess r io . Se despojarmos a mencionada f ra se do"Fundamentum" de sua l inguagem t eo lg ica , oseu sent ido ser o seguinte : a consc inc ia fo iproduzida com a f ina l idade de reconhecer ( l audet ) que sua ex is tnc ia provem de urna unidadesuper io r (Deum); de considerar atentamente es ta fonte ( reveren t iam), cujas determinaese la deve executa r de modo in te l igen te e re s ponsvel ( s e rv i a t ) , proporcionando des te modoum grau timo de vida e de poss ib i l idade dedesenvolvimento psique em sua t o t a l idade(sa lve t animam suam)".6B

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    A conscincia autodesper ta pode nos fo r t a l e c e r contraos r i scos dos opostos e assim se compensam per igos da uni -l a t e r a l idade do r ac iona l e do i r r ac iona l , do i n s t in t ivo edo e sp i r i t u a l . Pode olhar o bem e o mal numa perspec t ivacapaz de ponderar todos os aspec tos , poi s ignor - los s ig -n i f i ca e s t a r sob seu domnio, se r t i ran izado por e l e s , esu je i t a r - se a f racassos de diversos t i pos -emocional , f -s ico e moral . Quando se a lcana um grau saudvel de auto-conhecimento, a qual idade do conta to com o inconsc ien teva lor iza , r espec t iva e proporcionalmente , a qual idade daconscincia e com e la a vida da pessoa i n t e i r a .

    Concluiremos com urna c i tao de Ja f f sobre a impor-t nc ia da conscincia na obra de Jung. "O mito do s i g n i f i -cado" de Jung t r a t a da conscincia . A t a re fa metaf s icado homem cons is te na cont nua ampliao da conscincia emgera l , e seu des t ino como indivduo na cr iao da consc i -

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    47ncia individual . ~ a conscincia que d s igni f icado aomundo".69

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    NOTAS

    1. JUNG, Car l Gustav. "A Energia Psquica" . Pe t rpol i s ,Vozes, 1983.pg.5 .2. Idem, pg.8 .3. Idem, "A na tureza da Psique" , PetrpOlis , Vozes,1984, Captulo VII I .4. Idem, pg. 170.5. Idem, "A Energ ia Ps qu ica" . e d . c i t . pg. 10.6. Sobre o t e s t e de Associao ver : JUNG,C.G., Psicogne-se das doenas mentais" Pe t rpol i s , Vozes, 1986, Captulol I ! .7. Idem, "A Energ ia Ps qu ica . , ed . ci to pg. 29.8. Idem, pg. 14.9. Idem, pg. 19.10. Enantiodromia: concei to desenvolvido por Hercl i to defeso , onde e le t r aba lha a id ia das pola r idades , do des-dobramento de uma fora em duas a t iv idades qua l i ta t ivament e di fe ren tes , opos tas , que lutam para se reunirem, masquando se reunem, se confl i tuam e voltam a se separa r emseus cont r r ios e lutam para se un i r novamente. o pontode v i s t a segundo o qual tudo o que passa para o ladooposto . "O vivo converte;,...se em morto e o morto em vivo , ojovem em velho e o velho em jovem, o desper to em dormente,o dormente em desper to i a co r ren te do ge ra r e desapa rece rjamais se detm" . Citado por JUNG, C.G., "Tipos Psicolgicos" , Rio de Jane i ro , Zahar , 1981, pg.496."Da guerrados opostos nasce todo v i r - a - s e r : as qual idades determina-das , que nos aparecem como duradouras , exprimem apenas apreponderncia momentnea de unidos combatentes , mas comi s so , a contenda perdura pe la e t e rn idade" . Cfr . NIETZCHE,F."Consideraes Extemporneas" in Coleo "Os Pensado-re s" , Edi tora Abr i l , So Paulo , 1983, pg. 36.11. SAMUELS, Andrew e a u t r e s . "Dicionrio Cr t i co de An-l i s e Junguiana", Rio de Jane i ro , Imago, pg. 68.12. HUMBERT, El ie G. "Jung", So Paulo, Summus, 1985, pg.124.13. JUNG, Carl Gustav, "A Energia Ps qu ica" , ed. ci to pg.34.14. Idem, pg. 41.15. Idem, "A Natureza da Psique" . , ed . ci to pg. 278.16. Idem, "Smbolos de Transformao" Pe t rpol i s , Vozes,1986, pg. 112.17. Idem. "A Energia Ps qu ica" , ed . cit., pg. 46.

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    4918. Para maiores de ta lhes sobre o tema: JUNG,Carl Gustav,"Smbolos da Transformao", ed. cito pg. 129.19. HUMBERT, El ie G., op. ci to pg. 46.20. Idem, pg. 46.21 SAMUELS, Andrew, op. ci to pg. 201.22. JUNG, Car l Gustav. "Smbolos da Transformao",ed.ci to pg. 224.23. Idem, "A Energia Psquica" , ed . ci to pg. 52.24. Idem, "Smbolos de Transformao", ed. ci to pg. 319.25. Idem, pg. 213.26. Idem, pg. 320.27. Jung usa o termo "pr imi t ivo" no sent ido de "or ig ina l " ,sem en t re tan to , segundo e l e , emi t i r um ] U 1 Z 0 de va lor .Cfr . JUNG,C.G. "A Natureza da Psique" , ed. ci to pg. 39.28. JUNG, Carl Gustav, "A Energia Psquica" , ed. ci to pg.49.29. Idem, pg. 56.30. VON FRANZ, Marie-Louise . "Adivinhao e Sincronic idade" So Paulo , C ul t r i x , 1980, pg.23.31. Ver JUNG, Carl Gustav. "Smbolos da Transformao",ed . ci to32. Idem, "A Energia Psquica" , ed . ci to pg.57,33. Idem, "Psicologia e Rel igio" , Pe t rpol i s , Vozes, Pet r po l i s , 1978, pg. 10.34. Idem.35. Embora no se ja o obje t ivo des t e t r aba lho abordar ato ta l idade dos conce i tos elaborados por Jung, achamos conveniente aqui def in i rmos com maior preciso o concei to deindividuao, por t e r es te concei to importncia fundament a l para o au tor , e por se r tambm um concei to que sepres ta a muitos equivocos. "Individuao s ign i f i ca t o r nar - se um se r dnico, na medida em que por " ind iv idua l ida de" entendemos nossa s ingular idade mais in t ima, dl t ima eincomparvel, s igni f icando tambm que nos tornamos nossoprpr io s i mesmo". Jung faz a dis t ino en t re o ind iv idual ismo e a individuao: "Individual ismo s ign i f i ca acentuare dar nfase deliberado a supos tas pecul i a r idades , em opos io a consideraes e obrigaes co le t ivas . A ind iv iduao, no entanto , s ign i f i ca precisamente a rea l izao melhor e mais completa das qual idades co le t ivas do se r humano; a considerao adequada e no o esquecimento das pecu l i a r idades individuais , o fa to r determinante de um melhor rendimento soc ia l . Cfr . JUNG, Car l Gustav. ,"O Eu e oInconsc ien te" , Pe t rpol i s , Vozes, 1982, pg. 49.36. JUNG, Carl Gustav, "A Energia Psquica" , ed. ci to pg.57.37. HUMBERT, E l i e , G ., op. ci to pg. 89.38. JUNG, Carl Gustav. "O Eu e o Inconsciente" , Petrpol i s , Vozes, 1982, pg. 11.39. HUMBERT, Elie G., op. ci to , pg. 111.40. JUNG, C.G. ci tado por HUMBERT, E.G. , o p . c i t . pg. 112.

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    5041. JUNG, Carl Gustav. "Arqut ipos e Inconsc ien te Cole t i -vo", Buenos Aires, ' Paids , pAgo 10.42. JUNG, Carl Gustav, "O Eu e o Inconsciente" . ed. ci topAg. 13.43. Idem, pAgo 117.44. Idem, pAgo 22.45. JUNG, Carl Gustav. "A Natureza da Psique" ed.c i t .pAg.69.46. Idem.47. Idem, pAg.73.48. JUNG, Carl Gustav. , c i t ado por Jolande Jacobi in "Complexo Arqutipo-Smbolo na Psicologia de C.G.Jung" SoPaulo, Cul t r ix , 1991,pAg. 42.49. JUNG, Carl Gustav. "Arqut ipos e Inconsc ien te Cole t i -vo", ed. ci to pg. 73.50. Idem, pg. 74.51. JUNG, Car l Gustav, "A Natureza da Psique", ed. ci topAg.138.52. Idem.53. FREY-ROHN, Li l iane . "De Freud a Jung", Fundo de Cul tura Econmica, Mxico, 1991, pAg.275.54. JUNG, Carl Gustav. "A Natureza da Psique", ed. ci topAgo 146.55. Citado por FREY-ROHN, Li l iane . op. ci to pAgo 169.56. JUNG, Carl Gustav. "A Natureza da Psique" ed. ci topAgo 150.57. Idem, pAgo 143.58. Idem, pAgo 129.59. Ele emprega o termo como ad je t ivo . Cfr . Idem, pAgo160.60. Idem, pAgo 153.61. Idem, pAgo 162.62 J A F F ~ , Aniela . "O mito do s ign i f icado na obra de C.G.Jung" , Cul t r ix , So Paulo, 1989, pAgo 26.63. Idem, pAgo 43.64. Idem, pAgo 140.65. SAMUELS, Andreu e out ros . op. cito pAgo 52.66. Citado por FREY-ROHN, L i l i a n e ~ op. ci to pAgo 101.67. HUMBERT, El ie , op. ci to pAgo 102.68, JUNG, Carl Gustav. "Aion. Estudos sobre o simbolismodo s i mesmo", Petrpol is , Vozes, 1982, pg. 156.69. JAFF, Aniela , op. ci to pAgo 141.

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    Cap tu lo 11

    A UNILATERALIDADE DA RAZAO.

    A c r t i c a do rac iona l i smo e laborada por Jung e s t i nse r ida na sua an l i se do que e le denomina "c r i s e de c i -v i l i z ao" . Envolvendo elementos es pec f i cos do pensamentojunguiano, es ta c r t i c a ap resen ta uma complexidade t a l queto rna por vezes d i f c i l a sua compreenso. Recons t ru i r opercurso do pensamento de Jung na e laborao dessa c r t i c ac ons t i t u i a propos ta de t r aba lho des te segundo c a p tu lo .

    Uti l izando como r e f e re nc i a l de ava l iao o seu quadrot e r i co , Jung c re d i t a prpr ia un i l a t e r a l i da de da razo ,que t eve seu predomnio p a r t i r do scu lo XIX, a c r i s e emque mergulhou a c iv i l i z a o . Assim, a p a r t i r do seu con-c e i to de enant iodromia, que entende os movimentos pelosqua is passa a humanidade, cuja i n f l unc i a se faz se n t i rnos processos ps quicos consc ien tes e inconsc ien tes dosindivduos em cada poca.

    Acredi tamos que s fo i poss ve l Jung, r e a l i z a r e s t ac r t i c a , por t e r rompido com o que e le mesmo denominou de

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    52"e sp r i t o da poca" . Para e le o "e sp r i t o da poca" s i gn i f i ca uma propenso, uma t endnc ia sen t imenta l , que age in conscientemente e possu i uma fora de sugesto muito poderosa , capaz de mobi l iza r em determinada direo o pensamento c i en t f i co e a produo a r t s t i c a de uma poca.

    Assim sendo, Jung rompe com a crena em um conhec i mento universa lmente v l ido e possu idor da verdade sobre anatureza , que o rac iona l i smo ju lgava de te r , quest ionandosobretudo o ca r t e r abso lu to da "verdade" c i en t f i c a , po ises tava convencido da r e l a t i v idade de todo conhecimento.Ele cons iderava que t an to as condies ps ico lg ica s de umpesqu isador - jun tamente com o "e sp r i t o da poca"- como oprpr io f a to r h i s t r i co , re la t iv izam todo o conhecimentoc i en t f i co .

    Dando i n i c io ao nosso percurso , tentaremos most rarcomo Jung v a cons t ruo h i s t r i c a de uma s i tuao quepermi t iu a emergncia do rac iona l i smo com a forma que to mou nos scu los XIX e XX. Jung ca rac t e r i z a o scu lo XIX eo pensamento produzido nes ta poca como reao a uma co r ren te a inda predominante na poca v i t o r i a na , que t en tavaobst inadamente conservar viva - a t r av s do moralismo re press ivo e dos i dea i s b urg ue se s- a s l t imas rami f i caesda r e l ig ios idade ca rac t e r s t i c a s da Idade Mdia. O que fazcom que a poca v i to r i ana se ca rac t e r i z e por uma moral h ipc r i t a e s upe r f i c i a l e pelo predomnio de uma r e l i g io s i -

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    53dade rep re s s iva que funcionava como contro ladora . Na pe r s pec t iva de Jung, o I luminismo vem romper com es te es tadode coisas e o mater ia l i smo e o racional ismo c i en t f i co-como uma forma de reao- ganham mais corpo.

    Poderamos d i ze r que es te o momento culminante ondea passagem ocorre , o momento dessa mudana enant iodronmica, onde a uni la te ra l idade de uma posio s ubs t i t u dapor out ra : "Da mesma forma como, no passado , e ra um pres suposto inques t ionve l que tudo o que e x i s t i a devia aex i s t nc ia vontade c r iado ra de um Deus e s p i r i t u a l , assimtambm o scu lo XIX descobr iu a verdade , tambm i nques t io nve l , de que tudo provm de causas mater i a i s " .1

    Como j sa l i en tamos ante r iormente , es ta mudana nose d bruscamente, mas e la cons t ru da no decor re r dah i s t r i a . Procuraremos ver en to , como o t ipo de crena emental idade fo i se construindo e modificando p a r t i r daIdade Mdia, para v i r desembocar nes te momento que ass ina lamos, da so l id i f i cao do mater ia l i smo.

    Podemos d i ze r que na cosmoviso da Idade Mdia, o re f e renc ia l de todas as coisas era o sagrado . O homem medieval vivenc iava o cosmos de uma manei ra onde todos os fenmenos estavam i n t e r l i ga dos . O e s p i r i t u a l se manifes tava nomate r ia l e a natureza e ra prenhe do sagrado . Por serem so c iedades agr r ia s dependiam muito da na tu reza , e como es ta

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    re lao se dava de maneira a s e r um f a t o r a mais na apro ximao com o div ino , observavam a na tureza com o i n tu i tode ver os s mbolos dos des gn ios de Deus. Segundo Hi l r ioFranco Jnior "0 simbol ismo e ra a forma de expresso dohomem medieval padro , o caminho para a ex te r io r i zao deseus sen t imentos mais profundos . A concre tude de seu e s t i lo de vida d i f i c u l t a va a t eo r izao , l imi tava a p o s s i b i l i dade de f i l t r a r a rea l idade sens ve l extra indo pr inc p iosge ra i s . Assim, e le buscava na prpr i a mate r ia l idade da na-tu reza elementos para compreender o lado t ranscendenta lde la " . 2

    o homem ac red i tava se r um microcosmo cont ido no ma-crocosmo. Assim sendo, sua re lao com a comunidade e afaml ia eram dadas natura lmente , e as necess idades i n d i v i duais subordinadas s da comunidade. Se por um lado o ho-mem medieval e ra muito l igado na tu reza , t endo-a como umaextenso de s i mesmo, por ou t ro , deve r ia acabar por comba-t - l a . No embate que se dava e n t r e as foras csmicas dobem e do mal, e ra a t r i bu da Ig re j a , cons iderada como in te rmedi r ia en t r e Deus e o homem, competncia de des ignar os in imigos a serem combat idos . Embate que envolv iatodo o universo , se prolongando no plano t e r r e s t r e . AIg re ja toma fervorosamente como in imiga matr ia , espec ia lmente o corpo com suas t en taes ; sendo que o obje t ivodes te combate e ra o de l i b e r t a r o homem das co i sas corp-rea s , com o i n tu i to de um re torno a Deus.

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    o afas tamento da natureza e da mat r i a de um modo ge-r a l , visaram, segundo Jung, a do i s props i to s : o primeirode les ou t a lvez o que t i ve s s e pr imeiramente impulsionadoes ta a t i t ude , e ra o combate ao paganismo e sua l igao r e l i g io s a com a na tureza . Acredi tava-se que o homem sucum-bi sse ao poder das c r i a t u r a s porque os deuses as habi t a vam, e ass im, ficavam su j e i t o s s i n f l unc i a s mgicas oudemonacas que de la s emanavam, bem como per turbao quea prpr ia beleza e s t t i c a da natureza causava. "Viajam oshomens para admirar as a l t u r a s das montanhas, as enormesvagas do mar ... e esquecem de s i mesmos".3 O outro e fe i todes ta pos tu ra , se manifes tava na fuga do mundo e na buscado alm; pois e s t a poca tambm t i nha como i dea l a i n t e r io r i zao e a abs t rao e s p i r i t u a l . Segundo Jung "a l u t acont ra o mundo f s i c o poss i b i l i t ou o desenvolvimento de umpensamento independente de ex t e r i o r i dades . O homem adqui r iu aquela independncia da i d i a que conseguiu r e s i s t i r impresso e s t t i c a , de modo que o pensamento no maises tava acor ren tado ao e fe i to emocional da impresso e ,in ic ia lmente se ops a e l e , para depois ascender a t a ob-servao medi ta t iva" .4

    O cuidado com a alma, que o homem medieval cu l t ivava ,f az ia pa r t e de uma mental idade c on t r a t ua l i s t a 5, que con-s i s t i a em uma l igao es t abe lec ida pelo homem com as fo r as do bem ou do mal. Este cont ra tua l i smo tambm perpassa-

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    56va a re lao com Deus, que e ra v i s t a como uma re lao ded i re i to s e obr igaes rec p rocas . Este cu ida r da alma e rain ic ia lmente co le t ivo ; e achava-se , que os r esu l t ados t anto do pecado como da vi r tude de um ind iv duo , recaiam so bre a comunidade. Alm do cuidado que se tomava, afim dee v i t a r que uma a t i t ude ind iv idua l no contag iasse toda acomunidade, tomavam providnc ias para formarem uma rese rvade vi r tude nas suas comunidades, conforme acredi tavam s e rposs ve l . Sendo ass im, os mandatr ios do povo - os moste i ros e os pr nc i pe s - que eram os responsve is por l i v r a r domal a comunidade dos f i i