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O MST E A CONQUISTA DA EDUCAÇÃO: DESAFIOS NA
INSTITUCIONALIZAÇÃO DA ESCOLA ITINERANTE
Janaine Zdebski da Silva 1
Liliam Faria Porto Borges 2
INTRODUÇÃO
O presente trabalho toma, de forma breve, a história do MST no Brasil e sua trajetória
no Paraná, enfatizando as lutas que o movimento entende como importantes para além
da reforma agrária e em direção ao socialismo, uma mudança nas bases da sociedade.
Na trajetória de sua constituição enquanto movimento social de massa é que, o MST vai
se vinculando a outras lutas que entende como legitimas, entre elas está a luta pela
educação e, consequentemente a luta por uma escola no espaço do acampamento, hoje
chamada de Escola Itinerante. Procuramos analisar as lutas pela sua conquista, o que
difere das outras escolas públicas, qual pedagogia incorpora e materializa e, por fim a
contradição existente na sua institucionalização, os desafios que enfrenta para se tornar
uma política educacional de Estado. Ao formalizar práticas educativas próprias ao
movimento social, o MST precisa agora considerar as exigências políticas e
burocráticas que o Estado exige em troca de seu reconhecimento.
OBJETIVO
A presente pesquisa ao recuperar a história da escola itinerante tem como objetivo a
compreensão do processo de consolidação da mesma enquanto política social no
Paraná, e a identificação dos desafios que ela passa a ter que enfrentar quando as
1Graduanda em Pedagogia pela Unioeste – Universidade Estadual do Oeste do Paraná -, pesquisadora emProjeto de Iniciação Científica PICV/ PRPPG/ UNIOESTE, vinculada ao GPPS - Grupo de Pesquisa emPolíticas Sociais. E-mail: [email protected]
2
Doutora em Educação, docente da UNIOESTE, pesquisadora do GPPS, orientadoraPICV/PRPPG/UNIOESTE. E-mail: [email protected]
mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]
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práticas educativas se formalizam, quando a escola itinerante se institucionaliza.
METODOLOGIA
Para desenvolver essa pesquisa foram feitas leituras e fichamentos de documentos do
MST, de publicações acadêmicas sobre as escolas itinerantes e da legislação acerca da
Educação do Campo.
RESULTADOS
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST nasce no seio da luta de
classes brasileira no modo capitalista de produção, é um movimento social que
questiona, através de suas práticas, a propriedade privada dos meios de produção e a
cada ocupação exige que o Estado tome uma posição. Põe em evidência que acima da
igualdade na lei existe a materialidade que não deixa dúvida das condições desiguais a
que estamos postos.
O MST, oficialmente fundado em 1984 como um movimento que une trabalhadores
para realizar a luta pela terra nesse país que tem sua história marcada pela concentração
fundiária desde 1500, por conta da qual aconteceram inúmeras formas de luta e
resistência como os Quilombos, Canudos, as Ligas Camponesas, as lutas de Trombas e
Formoso, a Guerrilha do Araguaia, entre muitas outras. O MST faz parte desse
movimento histórico de luta pela terra, que após tantas revoltas ainda não conseguiu
garantir esse direito. Sua gestação se deu, assim como muitos outros movimentos
sociais, no decorrer dos anos de 1970.
O ressurgimento da luta organizada em um processo de enfrentamento e resistência
contra a política de desenvolvimento agropecuário, implantada durante o regime militar,
foi uma retomada do que outros movimentos já buscavam antes de serem aniquilados
pelos militares, assim como afirma Morissawa:
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Podemos dizer que a história das Ligas (Camponesas) tem sua continuidade noMST [...] essencialmente porque elas, tal como o MST, constituíam ummovimento independente, nascido no próprio interior das lutas que se travavam
pela terra. Mas principalmente porque defendiam uma reforma agrária, paraacabar com o monopólio da terra pela classe dominante. (Morissawa, 2001, pg.92).
O nascimento do MST se deu com o apoio de setores progressistas da Igreja Católica,
que durante o período da ditadura militar posicionou-se por espaços de socialização
política e a favor da distribuição de terras contra a pobreza, criando as Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs) no início da década de sessenta, organizadas nas cidades e no
interior do país, como espaços de reflexão e politização. Este setor da igreja se opunha,
portanto ao Estado, que então defendia uma perspectiva bastante conservadora de
propriedade.
Nas CEBs as pessoas debatiam em grupos com a presença de um sacerdote e discutiam
elementos da realidade que os cercava tentando entender e posicionando-se. Parte-se do
olhar sobre a realidade e, através dele, tem-se um posicionamento contra a política
agrária e de desenvolvimento agropecuário em questão, para se chegar a uma ação
concreta, a fim da união para lutar contra as injustiças e a favor de seus direitos.Segundo o MST, esses foram espaços de confronto de compreensões políticas e ponto
de partida para a luta organizada, criação de novos sujeitos politizados que começam
um processo de construção de novas formas de organização social. Haviam as
condições objetivas para revoltas e os trabalhadores através da análise e reflexão - com
as CEBs - criaram as condições subjetivas para o ressurgimento do movimento
camponês na luta pela terra.
De acordo com Morissawa, na década de setenta as CEBs existiam em todo o país, e em1975 foi criada a CPT (Comissão Pastoral da Terra) também pela Igreja Católica, que,
juntamente com as paróquias rurais e das periferias urbanas passou a dar assistência aos
camponeses do Centro-Oeste e do Norte do Brasil e, mais tarde, tornou-se uma
instituição de alcance nacional, já que os conflitos por terra eclodiram em todo o país.
A Igreja Católica das CEBs e a CPT, orientadas pela Teologia da Libertação - em que
os teólogos fazem uma releitura das Sagradas Escrituras na perspectiva dos oprimidos e
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condenam o capitalismo, considerando-o um sistema anti-humano e anticristão - ajudou
a desmascarar as políticas e projetos dos militares contribuindo com a efetivação do
MST enquanto movimento social:
As referências históricas sobre sua origem são as ocupações de terra realizadas nosEstados do Rio Grande do sul, Santa Catarina, São Paulo e Mato Grosso do Sul.Das várias ocupações de terra em todo o Brasil e do crescimento das formas deorganização resultou a fundação do MST, em 1984, na cidade de Cascavel, noEstado do Paraná, com a realização do Primeiro Encontro Nacional dos Sem-Terra. (MST, 1998, pg. 21).
Esse Encontro na cidade de Cascavel é o marco de fundação e organização de ummovimento de camponeses sem-terra, que passa a ser de caráter nacional e atua na luta
pela terra, pela reforma agrária e pelo socialismo. Foram, então, elaborados os objetivos
gerais do MST, que, segundo o movimento representa a luta histórica dos trabalhadores
rurais:
1. Que a terra só esteja nas mãos de quem nela trabalha;2. Lutar por uma sociedade sem exploradores e sem explorados;
3.
Ser um movimento de massa autônomo dentro do movimento sindical paraconquistar a reforma agrária;4. Organizar os trabalhadores rurais na base;5. Estimular a participação dos trabalhadores rurais no sindicato e no partido político;6. Dedicar-se a formação de lideranças e construir uma direção política dos
trabalhadores;7. Articular-se com os trabalhadores da cidade e da América Latina (MST, 1998,
pg.35-36).
Como se vê, para além da reforma agrária o MST pretende aproximar os sem-terra de
outros espaços nos quais há uma identificação de luta e ampliar a atuação através da
união dos trabalhadores, superando inclusive os espaços de ação e influência da IgrejaCatólica.
No Paraná, o Movimento vem se organizando desde 1981, devido ao grande número de
famílias desempregadas e excluídas de seus direitos básicos. Nesse Estado a construção
da Barragem da Usina Hidrelétrica de Itaipu desalojou milhares de famílias que não
conseguiram mais reaver um pedaço de terra e, desta maneira, foram perdendo seus
outros bens, transformando-se em sem-terra,
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[...] também desalojou famílias que viviam nas ilhas do Rio Paraná, cobertas
pelas águas. Essas famílias que já eram sem-terra, sequer foram indenizadas, oque os fez integrar-se ao Movimento Sem Terra, que, naquela ocasião, estavacomeçando a se organizar no Paraná. Um exemplo disto é que a primeiragrande ocupação de terra feita pelo MST aconteceu na região Oeste, nomunicípio de Foz do Iguaçu, que abrigava centenas de famílias oriundas desta
barragem. (MST, 2008, pg. 11)
Hoje, o MST é um movimento bastante consolidado e atuante no estado do Paraná e
conta com 30 acampamentos em todo o Estado, vinculados à luta nacional.
Desde as primeiras aglutinações de trabalhadores que resultaram nesse amplomovimento social que existe hoje, a ocupação das terras que não cumprem com seu
papel social tem sido a principal forma de reivindicação dos “sem terra”,
Ocupar e acampar são as formas encontradas pelos ST para pressionar ogoverno a resolver o problema agrário, a cada dia mais profundo. (MST, 1998,
pg.21)
Unindo trabalhadores rurais sem-terra, o Movimento, acima da luta pela ReformaAgrária defende a supremacia do trabalho sobre o capital,
A luta pela terra é, antes de mais nada, uma luta contra a essência do capital: aexpropriação e a exploração [...] desta forma, a luta pela reforma agrária não
passa apenas pela distribuição de terras, vai além [...] vai em direção daconstrução de novas formas de organização social [...] vai em direção daconstrução da propriedade coletiva dos meios de produção, e, mais importanteainda: vai em direção a construção de novas experiências realizadasquotidianamente pelos trabalhadores rurais no movimento de luta pela terra.(MST, 1998, pg. 18).
Ou seja, o MST não luta só pela terra, mas por novas formas de organização social que
superem o individualismo, que dêem mais importância ao coletivo, lutam pela
construção de novos valores, de uma sociedade mais justa e igualitária, através da
mobilização dos marginalizados pelo modo de produção capitalista, formando
consciências, fazendo com que os trabalhadores se vejam enquanto classe que deve
fazer-se classe para si, que luta por seus direitos colocando em evidência as
contradições do sistema, formando sujeitos que possam “ver o todo e compreender os
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lados”, como nos diz a letra de uma música de Gilvan Santos, para posicionar -se
lutando acima de tudo por uma nova sociedade,
Nós temos duas causas. Uma imediata e outra estratégica. Ao mesmo tempoque lutamos pela reforma agrária, vamos indo rumo ao socialismo. (BOGO,2002, pg. 53)
E a luta coletiva se dá a partir do momento em que as famílias estão organizadas no
acampamento - local onde os trabalhadores estão reunidos - que juntos buscam a
conquista da terra e a construção de novas relações sociais, muitas vezes já presentes na
convivência entre as famílias, na relação pais-escola, na relação alunos-escola, na
relação escola-trabalho; enfim, novas relações que superem as que estão postas hoje.
A formação dos sem terra é um dos fatores muito importante na continuidade da luta: a
disciplina, a organicidade, a importância da mística, do símbolo, da identidade com o
movimento, da aprendizagem nas práticas coletivas de luta, da militância, do estudo; a
“escola diferente” que conquistaram e constroem a cada dia, os integrantes fazem parte
diuturnamente de um processo educativo.
Entendendo a educação como “um dos processos de formação da pessoa humana,
processo através do qual as pessoas se inserem numa determinada sociedade,
transformando-se e transformando essa sociedade” (MST, 1996, pg.5), o Movimento
entende que ela está sempre ligada a um determinado projeto político e a uma
concepção de mundo, por isso a necessidade de se preocupar com uma nova educação,
uma nova escola, que não fosse a forma tradicional como a escola pública está instituída
e teriam, portanto, transformá-la. Pois “além de conquistar o direito à educação, essa
mesma conquista teria que atender aos interesses dos sem-terra e não aos interesses
capitalistas.” (LUCIANO, 2008, pg. 81).
O MST se dá conta de que lutar pelo direito à educação a partir das formas históricas da
educação rural ou para o meio rural só aumentará a reprodução do sistema capitalista, já
que esta foi sempre marcada pelo modelo urbano de escola, a necessidade de se formar
trabalhadores adequados à lógica do desenvolvimento urbano industrial que respondam
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ao chamado urbanizador que então estimula o êxodo rural. Nesta perspectiva se desenha
uma concepção de Educação do Campo.
A Educação do Campo se constitui a partir de uma contradição que é a própriacontradição de classe no campo: existe uma incompatibilidade de origem entrea agricultura capitalista e a Educação do Campo, exatamente porque a primeirasobrevive da exclusão e da morte dos camponeses, que são os sujeitos
principais da segunda. (MOLINA, 2004, pg. 19)
O Movimento se opõe ao projeto criado “para a” população do campo e, entende que
deve construir uma nova proposta de educação do campo, criada pelo seu povo,
passando a lutar por uma educação do e no campo, movimento que se materializa, alémde outros encontros, na 1° Conferência Nacional “Por uma Educação Básica do
Campo”, realizada em 1998.
ESCOLA ITINERANTE – a resposta do MST à necessidade de escolarização do
povo no campo e para o campo
Sendo o acampamento, o assentamento e a escola espaços educativos, o Movimento
Sem-Terra constrói novas relações sociais configurando-se como “sujeito educativo”,
A relação do MST com a educação é, pois, uma relação de origem: a históriado MST é a história de uma grande obra educativa. [...] mas é bom ter presenteque a pedagogia que forma novos sujeitos sociais, e que educa seres humanosnão cabe numa escola. Ela é muito maior e envolve a vida como um todo.Certos processos educativos que sustentam a identidade Sem Terra jamais
poderão ser realizados dentro de uma escola. Mas, o MST também vemdemonstrando em sua trajetória que a escola pode fazer parte de seumovimento pedagógico, e que precisa dela para dar conta de seus desafios
como sujeito educativo. (ITERRA 2005, pg. 200)
Essa perspectiva de educação não pode se prender nos limites de uma escola comum,
mas deve se dar dentro da Pedagogia do Movimento (proposta do MST que procura
transformar a prática em conhecimento. LUCIANO, 2008). O MST coloca a Escola
como necessária para contribuir na formação e na luta, como nos mostra CALDART
(2004) a escola acaba sendo ocupada pela intencionalidade pedagógica do MST, tanto
que desde as primeiras ocupações o Movimento sente como indispensável colocar suas
crianças, jovens e adultos na escola, já que para o acampamento vão famílias inteiras e
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todos têm o direito à educação. Até tentou-se colocar as crianças em escolas próximas
ao acampamento, mas, o resultado foi muito problemático, visto que haviam problemas
com transporte, falta de vagas, a não aceitação das escolas que, quando aceitavam, as
crianças sofriam preconceito e discriminação.
O Movimento percebeu que além desses problemas, a escola não correspondia aos
anseios do que seria uma escola para contribuir na luta e, partindo dessa necessidade,
passaram a sonhar e lutar pela conquista de uma nova escola, de uma escola diferente.
Daí nascem as Escolas Itinerantes, nos acampamentos, em situação precária, salas multi
seriadas, com educadores do próprio movimento, cedendo algumas horas de seu dia para realizar atividades com os alunos.
Vale ressaltar que em seu início, a Escola Itinerante preocupou-se em garantir a
alfabetização de crianças e adultos, mas com o tempo passou a construir as séries
iniciais do Ensino Fundamental e então, a Educação Infantil na chamada Ciranda. A
primeira dessas escolas vinculada à realidade da vida do povo acampado e itinerante,
começou a funcionar debaixo de lona preta no acampamento da Fazenda Anonni, no
Rio Grande do Sul,
As aulas aconteciam todas no mesmo barracão, num sistema de três turnos.Eram 23 professores para 600 alunos, de 1° a 4° séries (ITERRA, 2005, pg.14).
De acordo com o MST (1998) essa primeira escola foi criada em 1982 e só em 19 de
novembro de 1996, após muita luta e espera, foi legalmente reconhecida no Rio Grande
do Sul pelo Conselho Estadual de Educação, cerca de oitenta crianças e alguns pais e
professores foram a Porto Alegre para pressionar a legalização, que após aprovada passou a ser chamada de Experiência Pedagógica - Escola Itinerante,
[...] tendo como Escola-Base a Escola Estadual de 1° grau Nova Sociedade doAssentamento Itapuí, no município de Nova Santa Rita, que passou a darsuporte organizativo e institucional à Escola Itinerante. (MST, 1998, pg. 188).
No Paraná, não foi diferente, os acampados também viveram a frustrante busca de
escolarização nas cidades, e posteriormente passaram a lutar por uma Educação no e do
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Campo, por uma escola dentro do acampamento, para que, quando ele tivesse que
mudar de lugar a escola fosse junto, não prejudicando o aprendizado dos alunos.
Segundo dados do MST, para que a escola se tornasse legal no Paraná, um fator de
muito peso foi o número de acampados no período de 2003, em que cerca de quinze mil
famílias estavam espalhadas em vários acampamentos nas diversas regiões do estado,
muitos em idade escolar.
Dos momentos difíceis que caracterizaram os períodos de luta, vale ressaltar, de acordo
com o Movimento Sem Terra (2008) um fato marcante que foi a experiência realizada
no acampamento em frente ao Palácio Iguaçu, em junho de 1999, onde organizou-seuma escola que funcionou ali durante 14 dias, em protesto contra a repressão e
perseguição política do governo Jaime Lerner (1994-2002) aos Trabalhadores Rurais,
outro fato que vale a pena ressaltar é o de que na Fazenda Cobrinco haviam dezenas de
crianças freqüentando uma escola formada durante a ocupação da fazenda, na
expectativa de que ela fosse reconhecida pelo município, mas isso não veio a acontecer:
Estes fatos, de negação do direito a educação aos Sem-Terra, foram
fatores determinantes para o MST acelerar o processo de legalizaçãode uma Escola Itinerante, que respeitasse a experiência de vidadaqueles que estavam lutando pela terra, pelo direito a educação e peladignidade humana. [...] fatos como estes e tantos outros obrigaram oMovimento a tomar uma decisão: propor a legalização de uma escolaque reconhecesse a vida escolar das crianças e adolescentesacampados (MST, 2008, pg. 14).
Com a eleição de um governo menos conservador e disposto ao diálogo com os
movimentos sociais, o governador Roberto Requião que manifestava-se favorável ao
Projeto de Educação do Campo, o que possibilitava à criação da Escola Itinerante como
política educacional estadual. Além de vincular as Escolas Itinerantes à Secretaria de
Estado, possibilitou a constituição do Departamento da Diversidade e em seu interior a
Coordenação da Educação do Campo. Tais conquistas fortaleceram e ajudaram a
assegurar o processo interno que, após uma longa jornada de lutas, legalizou o projeto
de Escola Itinerante. A aprovação do Projeto se deu pelo Conselho Estadual de
Educação no dia 08 de dezembro de 2003 sob o parecer n° 1012/03.
De acordo com o MST (2008) após a decisão conjunta com o Estado de construir
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escolas itinerantes no Paraná uma das tarefas foi a de buscar subsídios no que já havia
sido criado, um grupo de integrantes do MST, da SEED e a futura direção da primeira
Escola Base, foram até o Rio Grande do Sul e, após visitas e diálogos retornaram ao
Paraná com elementos concretos e maiores expectativas para a elaboração do Projeto
Político Pedagógico (PPP) da Escola Itinerante do estado do Paraná. Foi então
estabelecida como Escola Base o Colégio Estadual Iraci Salete Strozak, localizada no
Assentamento Marcos Freire, no município de Rio Bonito do Iguaçu na Região Centro-
Oeste do Paraná:
[...] a escola base tem como função garantir a organização das EscolasItinerantes, responsabilizando-se perante à Secretaria de Educação do Estadodo Paraná, no que diz respeito às matrículas, transferências, certificação,merenda escolar, fundo rotativa, além da vida funcional dos Educadores (MST,2008, pg. 15).
A primeira Escola Itinerante do estado do Paraná foi inaugurada no dia 07 de fevereiro
de 2004, a Escola Itinerante Zumbi dos Palmares no município de Cascavel, no
acampamento Dorcelina Folador. O Projeto Político Pedagógico da Escola Itinerante
abrange desde a Educação Infantil, Ensino Fundamental, Médio Profissionalizante e
Educação Especial Inclusiva, que está vinculado à Escola Base. Dados do Movimento
afirmam que existem hoje no Estado 30 acampamentos e a existência de somente 11
Escolas Itinerantes nos mesmos, ainda existem vários acampamentos que precisam
aceitar o desafio de construí-la.
A recuperação da história da Escola Itinerante buscando compreendê-la como política
social nos faz inferir que ela é uma escola diferente e implica indagarmos onde reside
tal diferença. Não só por ser de chão batido, lona preta, taquara trançada ou madeirite,de ter infra-estrutura precária, mas, por estar em meio a relações sociais diferenciadas se
comparadas à maioria das relações que se estabelecem na sociedade capitalista, por isso
ela pode vir a ser, emancipatória, pelas relações sociais que se estabelecem no
acampamento e na escola.
Quando falamos que a escola itinerante é uma escola diferente, ela é em relação à escola
pública posta hoje, ela se entende determinada, mas também determinante, com
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potencialidade de contribuir na luta por uma nova sociedade. Não se pretende dela uma
escola que faça dos alunos submissos e individualistas, no espaço do acampamento a
escola é um importante meio de difusão de práticas diferentes das demais escolas
públicas, a equipe pedagógica e a comunidade se unem e participam da construção
diária da mesma. Seus documentos destacam porém que as escolas itinerantes trabalham
de forma muito própria, cada uma respondendo aos desafios e características de seus
contextos. Também não entendem que seja panacéia de todos os males, nem sequer
redentora, que a partir dela se fará alguma mudança nas bases da sociedade, mas que é
um espaço importante que pode ser aproveitado, tem apresentado avanços apesar dos
limites.
É uma escola diferente por que incorpora e materializa a proposta pedagógica do MST,
a pedagogia do movimento, que de acordo com Luciano (2007, pg.84), tem como
princípio educativo principal o próprio movimento, buscando a reflexão sobre a prática,
uma escola diferente, que permite
[...] novas relações de produção no meio rural, com uma agricultura voltada aosinteresses da sociedade e não das empresas, e que contribuísse para odesenvolvimento das regiões. Para isso era preciso transformar não somente aestrutura institucional tradicional (a escola), mas também seu método, suas
pedagogias e, principalmente, as concepções de mundo e a cultura doseducadores e educandos. (LUCIANO, 2007, pg. 117).
Sem dúvida é uma escola que tem muitos avanços, limites e desafios, esses últimos que
aumentam quando as práticas da escola se formalizam, quando ela se institucionaliza. O
reconhecimento oficial das escolas itinerantes que funcionam nos acampamentos,
implicou o recebimento de verbas por parte do governo para a compra de material
pedagógico, a merenda, a contratação de professores, a formação continuada, etc.
Sendo reconhecida como
[...] uma proposta pedagógica específica e diferenciada, não necessita seguir asnormas do calendário escolar da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (Lei nº 9394/96), que prevê 200 dias letivos. Conforme os dirigentesdo MST, a freqüência e o horário são fixados a partir do compromisso
assumido entre educadores, educandos, comunidade do acampamento,
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Secretaria de Educação e MST. Ademais, diferentemente das concepçõestradicionais, os sem-terra entendem que a prática pedagógica na escola deve ser
permanente, sendo o período de férias necessário, porém relativo, principalmente quando acontecem fatos relevantes para o MST que coincidemcom os dias de férias. As aulas não cessam e o calendário escolar ultrapassa adimensão cronológica. (LUCIANO, 2007, pg. 116).
Concretizando-se como uma política educacional de Estado.
CONCLUSÕES
A partir dos estudos e análises propostos nessa pesquisa, identifica-se que, ao tornar-seuma política educacional de Estado, a escola itinerante se insere numa lógica formal que
é parte do projeto político da educação brasileira. O Estado ao financiar e,
simultaneamente ao introduzi-la nas teias da burocracia, passa a permear o interior da
escola, isso acontecendo, os esforços por parte dos educadores, do Setor de Educação,
da equipe pedagógica e da comunidade terão que ser maiores para dar conta da de
materializar a proposta pedagógica do MST. Afinal, a lógica institucional se impõe nas
práticas regulares da ação do Estado.
Na verdade são dois lados de uma mesma moeda, por que o movimento precisa lutar
para que a escola seja reconhecida, isso é importante para mantê-la funcionando e para
que os alunos tenham seu estudo reconhecido, o que, muitas vezes, acaba desviando o
foco da escola, já que a proposta de educação do MST pode vir a ser deixada de lado e,
[...] o direito à educação, que poderia ser uma conquista dos trabalhadores docampo para a desocultação da desigualdade, torna-se, no acampamento, uminstrumento de coerção do Estado e um veículo de dominação de classe.
(LUCIANO, 2007, pg. 146).
Em outras palavras, o que foi conquistado com o intuito de contribuir na luta pela terra,
reforma agrária e pelo socialismo, pode acabar servindo para o Estado controlar essa
mesma luta. Eis o desafio que a Escola Itinerante entende que tem que enfrentar como
contradição própria ao movimento da luta política e social.
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REFERÊNCIAS
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