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UNIVERSIDADE DE ÉVORA MESTRADO EM CIÊNCIAS DA LINGUAGEM E DA COMUNICAÇÃO - Ramo de Especialidade: Linguística Portuguesa Aplicada - CONTRIBUTO PARA O ESTUDO DAS EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS, COM REFERÊNCIA AO PROCESSO DE AQUISIÇÃO E PROPOSTAS DE DIDACTIZAÇÃO Margarida Isabel Mimoso Malhado Orientadora: Professora Doutora Fernanda Gonçalves Fevereiro 2012

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UNIVERSIDADE DE ÉVORA

MESTRADO EM CIÊNCIAS DA LINGUAGEM E DA COMUNICAÇÃO

- Ramo de Especialidade: Linguística Portuguesa Aplicada -

CONTRIBUTO PARA O ESTUDO DAS EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS,

COM REFERÊNCIA AO PROCESSO DE AQUISIÇÃO E PROPOSTAS DE

DIDACTIZAÇÃO

Margarida Isabel Mimoso Malhado

Orientadora:

Professora Doutora Fernanda Gonçalves

Fevereiro 2012

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UNIVERSIDADE DE ÉVORA

MESTRADO EM CIÊNCIAS DA LINGUAGEM E DA COMUNICAÇÃO

- Ramo de Especialidade: Linguística Portuguesa Aplicada -

CONTRIBUTO PARA O ESTUDO DAS EXPRESSÕES IDIOMÁTICAS,

COM REFERÊNCIA AO PROCESSO DE AQUISIÇÃO E PROPOSTAS

DE DIDACTIZAÇÃO

Margarida Isabel Mimoso Malhado

Orientadora:

Professora Doutora Fernanda Gonçalves

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Speak idiomatically unless there is some good reason

not to do it.

(Searle, 1975, apud Cacciari, 1993: 27)

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Índice

Nota Prévia 7

Resumo 8

Abstract 9

Índice de Gráficos 10

Índice de Esquemas 11

Índice de Figuras 12

Índice de Tabelas 13

Lista de Abreviaturas 14

Introdução 15

Capítulo 1 - A Expressão Idiomática no universo linguístico 17

1.1. A Fraseologia 17

1.1.1. As Unidades Fraseológicas 21

1.1.2. As EIs no âmbito da Fraseologia e da Linguística Portuguesas 23

1.2. O termo “Expressão Idiomática”: revisão bibliográfica 25

1.2.1. Paradigma Lexicográfico 29

1.2.2. Paradigma Sintáctico-Semântico 33

1.2.3. Paradigma Psicolinguístico 37

1.2.4. Paradigma Pedagógico 39

1.2.5. Paradigma Sociolinguístico 46

1.3. O processo de criação e normalização das EIs 51

Capítulo 2- A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

59

2.1. O Literal e o Figurado: discussão de conceitos 59

2.2. Aquisição da linguagem: breves considerações teóricas 61

2.3. A aquisição da Linguagem Figurada 70

2.4. A aquisição de Expressões Idiomáticas: um processo lexical, semântico e

sintáctico 73

2.4.1. Aquisição de EIs ao nível lexical: um processo não composicional ou

composicional? 73

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2.4.1.1. Perspectiva tradicional: modelos não composicionais 74

2.4.1.1.1. Idiom List Hypothesis (Modelo de Processamento Literal) 75

2.4.1.1.2. Lexical Representation Theory (Modelo de Processamento

Simultâneo) 76

2.4.1.1.3. Direct Access Hypothesis (Modelo de Processamento Idiomático)

77

2.4.1.1.4. Considerações finais sobre os modelos não composicionais:

similaridades e divergências 78

2.4.1.2. Perspectiva actual: modelos composicionais 80

2.4.1.2.1. The Configuration Hypothesis (Modelo de Composição) e Phrase-

induce Polysemy Model (Modelo de Indução Polissémica) 81

2.4.1.2.2. Idiom Decomposition Hypothesis (Modelo de Decomposição

Idiomática) 84

2.4.1.2.3. Considerações finais sobre os modelos composicionais:

similaridades e divergências 85

2.4.2. A aquisição de EIs ao nível Semântico: opacidade vs transparência 86

2.4.2.1. O papel do contexto linguístico na análise semântica e na aquisição de

EIs 90

2.4.3. A aquisição de EIs ao nível sintáctico: congelamento vs flexibilidade 95

2.4.4. Síntese 99

Capítulo 3. Proposta de classificação sintáctica: 103

um experimento 103

3.1. Material 105

3.2. Amostra 106

3.3. Procedimentos 108

3.4. Apresentação e análise dos resultados 110

3.5. Discussão das hipóteses apresentadas 122

Capítulo 4. A Fraseodidáctica e sua aplicação no ensino actual: o caso das EIs 125

4.1. A Fraseodidáctica: definição, finalidade e objecto de estudo 125

4.1.1. O contributo do Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas na

Fraseodidáctica 128

4.2. As EIs no Ensino da Língua Materna - o caso da Língua Portuguesa 130

4.2.1. As EIs à luz do Novo Programa de Português para o Ensino Básico 131

4.3. Algumas propostas de didactização 135

Capítulo 5. Considerações Finais 140

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Referências Bibliográficas 142

Anexos (em suporte digital)

Anexo I – Lista de EIs que constituem o corpus

Anexo II – Enunciados resultantes da aplicação das operações sintácticas

Anexo IV – Instrumento de recolha de dados

Anexo V – Testes realizados pelos sujeitos

Anexo VI – Resultados da amostra

Anexo VII – Classificação sintáctica de EIs

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Página | 7

Nota Prévia

A presente dissertação representa o fruto de todo o trabalho desenvolvido no âmbito do

Mestrado em Ciências da Linguagem e da Comunicação, na área de especialização de

Linguística Portuguesa Aplicada, tendo como título Contributo para o Estudo das Expressões

Idiomáticas, com referência ao processo de aquisição e propostas de didactização.

Resulta fundamental para mim agradecer a todos aqueles que me ajudaram a levar este barco

a bom porto.

Neste sentido, começo por agradecer à Professora Fernanda Gonçalves, pela orientação que

me deu ao longo de todo este processo, bem como pela partilha de conhecimentos, a qual me

possibilitou não só um efectivo crescimento profissional, mas também um enriquecimento a

nível pessoal.

Às colegas e professoras do Mestrado, por terem tornado esta equipa tão especial.

Aos meus pais, pela educação e pelo apoio que me deram ao longo destes anos.

Aos meus irmãos, Vasco e Francisco, por representarem tudo o que representam.

Aos meus avós, por serem os pilares da família.

Ao João, pelo apoio incondicional e por acreditar sempre em mim, demonstrando

incessantemente o lado mais positivo da vida. Agradeço-lhe igualmente o facto de entender o

significado que a Linguística tem para mim, tolerando todo o tempo que esta nos tem retirado.

A todos os amigos, pelo encorajamento constante nesta fase da minha vida.

Aqui, vos deixo o meu mais sincero agradecimento.

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Resumo

O principal objectivo da presente investigação é dar um contributo para o estudo das

Expressões Idiomáticas, focando-se em questões relacionadas com o processo de aquisição

destas estruturas e com a didáctica das mesmas.

Neste sentido, pretende-se situar o termo “Expressão Idiomática” no universo linguístico e

defini-lo conforme os paradigmas lexicográfico, sintáctico-semântico, psicolinguístico,

pedagógico e sociolinguístico.

Propõe-se também abordar a aquisição e a compreensão destas expressões, analisando a forma

como as características da indecomponibilidade lexical, da opacidade semântica e do

congelamento sintáctico se reflectem no processo, analisando igualmente o papel do contexto

no mesmo.

Apresenta-se ainda uma proposta de classificação sintáctica das expressões idiomáticas,

consoante o seu grau de rigidez, distribuindo-as consequentemente num contínuo sintáctico.

Por último, aborda-se o ensino de tais expressões, em termos da Fraseodidáctica, e apresenta-

se algumas propostas de didactização, principalmente ao nível do Português Língua Materna,

tendo em conta o Novo Programa de Português do Ensino Básico

Palavras-chave: Expressões Idiomáticas; aquisição; indecomponibilidade lexical; opacidade

semântica; congelamento sintáctico; contexto; contínuo sintáctico; fraseodidáctica; Português

Língua Materna.

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Página | 9

Abstract

A CONTRIBUTION TO THE STUDY OF IDIOMS, REFERRING TO THE

ACQUISITION PROCESS AND DIDACTIC PROPOSALS

The main goal of this research is to contribute to the study of Idioms, focusing on issues

related to the acquisition of these structures and their didactics.

In this sense, it is intended to situate the term “Idiom” in the linguistic universe and define it

according to the lexical, syntactic, semantic, psycholinguistic, sociolinguistic and educational

paradigms.

Idioms acquisition and comprehension are also discussed, in order to analyze how the

characteristics of lexical indecomposability, semantic opacity and syntactic frozenness are

reflected in the process, as well as the importance of the context in it.

It also presents a syntactic classification of Idioms, depending on their degree of rigidity,

which allows a distribution of these expressions in a syntactic continuum.

Finally, this study explores the Idioms teaching, in Fraseodidactics context, presenting some

didactic proposals for Portuguese Mother Tongue, taking into account the

New Portuguese Program of Basic Education.

Key words: Idioms; acquisition; lexical indecompositionaty; semantic opacity; sintactic

frozenness; context; syntactic continuum; Fraseodidactics; Portuguese Mother Tongue.

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Página | 10

Índice de Gráficos

Gráfico 1 – Operações possíveis por sujeito 110

Gráfico 2 - Média das respostas possíveis da amostra por operação 117

Gráfico 3 – Número de operações sintácticas possíveis por EI. 117

Gráfico 4 – Respostas acompanhadas da opção “duvidosa” da amostra 121

Gráfico 5 – Percentagem de respostas possíveis/ duvidosas 121

Gráfico 6 – Número de EIs por grupos de operações possíveis 123

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Índice de Esquemas

Esquema 1 – Critérios identificadores de EIs 27

Esquema 2 - Os diferentes paradigmas de análise de EIs 28

Esquema 3 – Carácter sociolinguístico das EIs: a marca dos povos 47

Esquema 4 - Paradigmas de análise das EIs 50

Esquema 5 – Os Eixos Paradigmático e Sintagmático no processo de criação de uma EI 55

Esquema 6 – Os níveis existentes no processo de criação de uma EI 57

Esquema 7 – Modelos não composicionais: similaridades e divergências 80

Esquema 8 – Classificação semântica de EIs segundo o modelo de Nunberg et al. (1994) e

Gibbs (1995). 88

Esquema 9 - Classificação semântica de EIs segundo o modelo de Cacciari e Glucksberg

(1991) 89

Esquema 10 – Proposta de classificação sintáctica de EIs. 118

Esquema 11 – Contínuo sintáctico 118

Esquema 12- Representação das cem EIs no contínuo sintáctico 120

Esquema 13 – Fraseodidáctica: campos de actuação e níveis de incidência 127

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Página | 12

Índice de Figuras

Figura 1 – Ilustração literal de várias EIs 39

Figura 2 – Interpretação literal das EIs 93

Figura 3 – Interpretação idiomática das EIs 94

Figura 4 – A relação entre a familiaridade e a interpretação idiomática da EI Perder a

cabeça, 94

Figura 5 – Contextualização da EI Fazer uma tempestade num copo de água (adaptado) 95

Figura 6 – Representação em espiral do processo de aquisição e compreensão de EIs 102

Figura 7 – As EIs no Dicionário Terminológico 133

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Índice de Tabelas

Tabela 1 – Análise de vários dicionários 32

Tabela 2 – Dados da amostra relativos à variável de controlo de exclusão 107

Tabela 3 – Dados sócio-demográficos da amostra relativos às variáveis de controlo 107

Tabela 4 – Exemplo de contagem das operações sintácticas possíveis e impossíveis por EI 109

Tabela 5 – Percentagem de passivas possíveis e impossíveis por sujeito 111

Tabela 6 - Percentagem de nominalizações possíveis e impossíveis por sujeito 113

Tabela 7 - Percentagem de movimentações possíveis e impossíveis por sujeito 114

Tabela 8 - Percentagem de inserções de advérbio possíveis e impossíveis por sujeito 115

Tabela 9 – Percentagem de Gerúndios possíveis e impossíveis por sujeito 116

Tabela 10 – Classificação sintáctica das EIs 120

Tabela 11 – As EIs nos Níveis do QECR 130

Tabela 12 – AS EIs no NPPEB 134

Tabela 13 - Proposta de classificação de tarefas de Paribakht e Wesche (1997) 137

Tabela 14 – Aspectos a considerar no ensino das EIs 138

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Lista de Abreviaturas

CEL – Conhecimento Explícito da Língua

DT - Dicionário Terminológico

EI - Expressão Idiomática

EIs – Expressões Idiomáticas

GIP – Guião de Implementação do Programa

NPPEB – Novo Programa de Português para o Ensino Básico

PC – Parcialmente congeladas

PB – Português do Brasil

PF – Parcialmente flexíveis

PE – Português Europeu

QECR – Quadro Europeu Comum de Referência (para as Línguas)

TC – Totalmente congeladas

TF – Totalmente flexíveis

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Página | 15

Introdução

A presente investigação tem como objectivo principal contribuir para o estudo das Expressões

Idiomáticas (EIs), ao se discutir o processo de aquisição destas estruturas, bem como o seu

lugar no ensino das línguas, principalmente ao nível do Português Língua Materna.

A escolha deste tema justifica-se fundamentalmente pelo crescente interesse que se tem dado

a estas construções linguísticas, as quais, durante muito tempo, foram consideradas

erroneamente anomalias da linguagem e objectos linguísticos excepcionais, não integráveis na

gramática das línguas devido às suas características de cristalização, de rigidez, de

indecomponibilidade e de idiomaticidade. Na verdade e de acordo com Johnson-Laird (1993,

apud Cacciari, 1993: vii), através das EIs rompe-se um pressuposto simples e lógico: os

significados dos enunciados dependem dos significados dos seus constituintes e das relações

sintácticas existentes entre eles. Neste sentido, entende-se que as EIs não podem ser

compreendidas composicionalmente, o que levou os estudiosos a defini-las como um conjunto

de palavras congeladas numa expressão cujo significado é especial. De facto, esta visão lógica

da língua relegou as EIs para longe dos estudos linguísticos, situação que se foi alterando ao

longo do tempo.

Actualmente, encaram-se as EIs como estruturas linguísticas interessantes, por encerrarem em

si todo o carácter criativo e imagístico de uma língua viva, contendo também marcas culturais

e sociais dos povos. Neste sentido, as EIs são hoje objecto de estudo de várias disciplinas

linguísticas, sendo analisadas sob a perspectiva de diferentes paradigmas, na tentativa de se

obter uma definição consensual do termo. De facto, na literatura específica, entendem-se as

EIs como estruturas multifacetadas, as quais podem ser estudadas em diferentes áreas, pois as

mesmas levantam questões que devem ser abordadas por várias disciplinas linguísticas.

Qual a razão que está na base da existência das EIs? O que leva o falante a utilizar tais

expressões? De que maneira se institucionalizam estas construções linguísticas, se as mesmas

são consideradas desvios à norma? De que forma o falante adquire e compreende estas

estruturas, sendo estas tão diferentes da linguagem literal? Será o processo de armazenamento

das EIs semelhante ao de outro elemento do léxico? Terão estas unidades linguísticas um

lugar de destaque no ensino das línguas maternas, segundas ou estrangeiras? Existirá algum

método próprio relacionado com a didáctica destas expressões? Todas estas questões serão

discutidas no presente estudo, o qual tem como propósito, como referido anteriormente,

contribuir para o estudo das expressões idiomáticas.

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Página | 16

Tendo em conta o atrás mencionado, dividiu-se este trabalho em quatro capítulos.

No primeiro capítulo, discutir-se-á o lugar das EIs no universo linguístico, situando-as ao

nível da fraseologia, debatendo-se posteriormente a forma como estas têm sido trabalhadas na

fraseologia e na linguística portuguesas. De seguida, apresentar-se-á uma revisão bibliográfica

do termo “expressão idiomática”, o qual será analisado do ponto de vista lexicográfico,

sintáctico-semântico, psicolinguístico, pedagógico e sociolinguístico. Finalmente, far-se-á

referência ao processo de criação e normalização das EIs, de maneira a entender de que forma

estas estruturas linguísticas surgem e entram na norma de uma língua.

O segundo capítulo tratará das questões de aquisição linguística. Desta forma, partindo-se da

discussão dos conceitos “literal” e “figurado”, apresentar-se-ão breves considerações teóricas

sobre a aquisição da linguagem literal e da linguagem figurada. Posteriormente, particularizar-

se-á, discutindo-se o processo de aquisição de EIs. Nesta perspectiva, debater-se-á o processo

ao nível lexical, confrontando-se a perspectiva tradicional com a actual, com base na análise

dos respectivos modelos e hipóteses de processamento; ao nível semântico, observando de

que forma a dicotomia opacidade/ transparência se reflecte no processo de aquisição e ainda

até que ponto o contexto pode influenciar a análise semântica; e finalmente ao nível

sintáctico, verificando de que maneira a oposição congelamento/ flexibilidade se repercute na

aquisição de EIs. Por último, apresentar-se-á uma síntese com todas as conclusões obtidas.

O terceiro capítulo incluirá uma proposta de classificação sintáctica, com base no

desenvolvimento de um pequeno experimento, o qual terá como objectivo demonstrar a

heterogeneidade das EIs, partindo do pressuposto de que as mesmas podem ser classificadas

sintacticamente em vários graus de congelamento.

No quarto e último capítulo, abordar-se-á a didáctica das EIs, começando por se discutir a

definição, a finalidade e o objecto de estudo da fraseodidáctica. Finalmente, analisar-se-á a

forma como as EIs têm sido abordadas em Português Língua Materna, revendo o contributo

do Novo Programa de Português e apresentando algumas propostas de didactização.

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

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Capítulo 1 - A Expressão Idiomática no universo linguístico

Se o vocabulário de uma língua viva

nunca é estático, as expressões idiomáticas

são um dos fermentos mais activos da sua

dinâmica renovadora.

(Santos, 1990)

Dotadas de características que as tornam construções linguísticas particulares, as expressões

idiomáticas revelam toda a criatividade e riqueza de uma língua. Entendidas de várias

perspectivas e encaradas de diferentes formas, estas estruturas constituem um atraente objecto

de estudo linguístico. Todavia, o interesse por este tipo de construções é relativamente

recente, na medida em que até há bem pouco tempo a temática da idiomaticidade não

constituía um objecto de estudo por si só, como atestam Rodrigues et al. (2003: 148), ao

afirmarem, remetendo para Hundt (1994: 212), que as primeiras investigações sobre estas

estruturas se inserem “em trabalhos de investigação lexicográficos ou estilísticos, muitas

vezes integrados em estudos dialectológicos e histórico-culturais”.

Na verdade, a temática da idiomaticidade foi durante muito tempo relegada para um outro

plano, pouco merecedor de atenção. Desta forma, a investigação ao nível das expressões

idiomáticas somente passou a ser encarada como objecto de estudo científico recentemente,

pois anteriormente era entendida “por alguns linguistas (por exemplo, Guiraud, 1961), como

o campo da heterogeneidade, do desvio, das anomalias e deste modo, um campo diverso e

pouco propício a análises ditas científicas” (Jorge: 2001: 216).

É nesta perspectiva que surge a necessidade de situar este tipo peculiar de construções no

universo linguístico. Serão, então, as expressões idiomáticas objecto de estudo da

Lexicologia, da Estilística, da Dialectologia ou de uma outra disciplina linguística?

1.1. A Fraseologia

Na realidade, as expressões idiomáticas, tal como outros tipos de estruturas similares1,

constituem objecto de estudo de uma disciplina linguística que, como tantas outras, teve

1Como é o caso dos provérbios, adágios, máximas, clichés, frases feitas, entre outras.

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

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a sua origem no século XX, a qual dá pelo nome de Fraseologia. De acordo com o estudo de

Penadés Martinez (1999: 11), o nascimento desta disciplina pode situar-se, mais

precisamente, em finais da década de 20, se for adoptada como ponto de origem da mesma a

concepção do linguista soviético Polivánov, o qual, em 1928, já lhe atribuia um carácter

científico:

“ciencia linguística que debia ocuparse de los significados individuales de las expresiones fijas”.

Polivánov referia-se também à Fraseologia recorrendo ao termo idiomática, demarcando logo

o espaço que a mesma deveria ocupar no domínio linguístico:

“uma disciplina especial da linguagem que ocupa, em relação ao léxico, a mesma posição que a sintaxe

desempenha em relação à morfologia” (Polivánov, 1931, apud Pedro, 2007: 30).

Contudo, ainda em Penadés Martinez (1999: 11) e em Pedro (2007: 31), ressalva-se a ideia de

que terá sido apenas na década de 40 que a Fraseologia se inscreveu, efectivamente, como

disciplina linguística, graças ao contributo de um outro linguista soviético, Vinogradov, o

qual estabeleceu, pela primeira vez, o âmbito e os conceitos fundamentais da Fraseologia.

Vinogradov foi também pioneiro na classificação das unidades fraseológicas do ponto de vista

funcional, realçando a estreita relação que existe entre a Fraseologia e a Lexicologia bem

como a “proximidade estrutural dos conceitos de palavras e idiomatismos”. Corroborando o

que atrás foi dito, em Cowie (1998: 4-6) afirma-se que a grande inovação de Vinogradov

reside, de facto, na divisão do grande grupo de unidades fraseológicas em três subgrupos:

“phraseological fusions (also called “idioms”), phraseological unities and phraseological combinations”.2

Contudo, para alguns estudiosos, o grande precursor dos estudos fraseológicos não terá sido

nem Polivánov nem Vinogradov, mas sim Bally, na medida em que este, já desde 1905, nos

seus estudos estilísticos Précis de Stylistique (1905) e Traité de Stylistique (1909),

“estabelece um esboço de classificação para o estudo dos fenómenos fraseológicos, bem

como propõe o termo fraseologia para esses factos linguísticos” (cf. Pedro, 2000: 30).

2 De acordo com Vinogradov (cf. Cowie 1998: 5), o primeiro subgrupo, “phraseology fusions”, é constituído por

combinações estruturalmente fixas e semanticamente opacas, cuja origem não terá sido motivada, tais como a

expressão inglesa “spill the beans”. O segundo, denominado “phraseology unities”, integra combinações cujo

significado pode ser encarado como uma extensão metafórica do seu significado original, como por exemplo,

“blow off steam”. Por último, o autor apresenta a categoria das “phraseology combinations”, a mais difícil de

definir. Na verdade, esta categoria caracteriza-se por aceitar combinações que apresentam um elemento usado e

entendido no seu sentido literal, enquanto o outro surge no plano figurado, como se pode ver na combinação

“meet the demand”, em que o verbo assume a sua acepção figurada.

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

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Perante tais divergências, defende-se em Penadés Martinez (1999: 11) que,

independentemente de quem terá sido o grande impulsionador desta disciplina, a

Fraseologia não seria o que é hoje se não fosse o contributo excepcional da linguística

soviética.

Concebida por uns, principalmente pelos estudiosos soviéticos, como uma ciência

situada no mesmo plano da Morfologia, da Lexicologia e da Sintaxe, por outros como

uma mera área da Lexicologia e, ainda por terceiros, como uma conjuntura de síntese ou

de coexistência de outros campos linguísticos, a Fraseologia conheceu um grande

impulso nas décadas de 80 e 90 (cf. Penadés Martinez, 1999: 11).

Tal como mencionado anteriormente, também em Rodrigues et al. (2003: 148 -149) se

defende que as décadas de 80 e 90 terão sido os anos em que o interesse pelo estudo

deste tipo de expressões disparou com maior intensidade. Porém, aponta-se os anos 50

como o período em que alguns linguistas, de diferentes nacionalidades, se começam a

interessar por esta área, alistando-se ainda, neste sentido, como “grupos de maior

interesse”, a fraseologia soviética, a qual surge com Vinogradov; a fraseologia

americana3; e, finalmente, a fraseologia alemã, que se desenvolveu a partir do trabalho

da linguista russa Chernuisheva4.

Ainda de acordo com o trabalho de Rodrigues et al. (2003), a grande parte dos estudos

realizados até início dos anos 80 centravam-se meramente em questões de classificação

de todos os tipos de expressões fixas, especulando-se, principalmente, sobre os

“aspectos formais e os critérios que permitiam uma possível classificação”. Porém, com

o começo da década de 80, a situação altera-se, na medida em que as unidades

fraseológicas deixam apenas de interessar a um número reduzido de linguistas, passando

a ser objecto de trabalho da Linguística como disciplina científica e de áreas como a

Psicologia, a Psicolinguística, a Psicologia Experimental, entre outras.

Neste sentido, com o alargamento do estudo da Fraseologia, assiste-se também a uma

alteração nas questões a abordar, como se atesta em Cowie (1998: 1-2):

3 O crescente interesse por esta área trouxe também implicações ao nível das teorias da linguagem, na

medida em que veio questionar alguns dos pressupostos da teoria gerativista, nomeadamente, o facto de

defender que o funcionamento de uma língua pode ser explicado por um sistema de regras de

aplicabilidade geral, um léxico maioritariamente composto por unidades simples e um conjunto de

princípios básicos de interpretação semântica (cf. Cowie, 1998: 4). De facto, a investigação de unidades

fraseológicas cativou os próprios generativas americanos por “levantar problemas quanto à aplicabilidade

da teoria da gramática generativa” (cf. Rodrigues et al., 2003: 148 – 149). 4 Chernuisheva (1967) é considerada uma das primeiras fraseologistas russas, cuja inovação se centra na

categorização das unidades fraseológicas. O seu trabalho foi iniciado na década de 60, tendo sido fonte de

inspiração para muitos estudiosos (cf. Cowie, 1998: 4).

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

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“Current concerns are by no means purely descriptive. Interest in the analysis of what are

variously named 'phraseological units' (Ginzburg et al.. 1979; Gläser 1986a), 'word-combinations'

(Akhmanova 1974; Cowie 1994), and 'phrasal lexemes' (Lipka 1991; Moon in this volume) is

accompanied by an increasing awareness of the prevalence of ready-made memorized

combinations in written and spoken language and a wider recognition of the crucial part they play

in first- and second-language acquisition and adult language

production (Pawley and Syder 1983; Peters 1983)”5.

Assiste-se, então, a uma generalização do estudo fraseológico, situação que se justifica

em Cowie (1998: 19) pelo fim do isolamento político e intelectual dos países situados

no Leste da Europa, em geral, e da Rússia, em particular, o que permitiu divulgar

mundialmente os conhecimentos destes estudiosos. Para além deste aspecto, considera-

-se também relevante o crescente interesse de linguistas americanos por esta área, na

medida em que os Estados Unidos eram vistos, naquela época, como o centro de

desenvolvimento de estudos linguísticos, por excelência. Destaca-se ainda como

indicadores do reconhecimento da Fraseologia, enquanto disciplina académica, a

acentuada actividade de investigação generalizada, a publicação de vários dicionários

especializados e a atenção crescente dada ao assunto em livros sobre Semântica Lexical,

Lexicologia e vocabulário no ensino de várias línguas. Por outro lado, encontram-se

estudiosos que defendem que este crescente interesse se baseia no facto de todas as

línguas, e o Português não constitui excepção, possuírem um conjunto de expressões

que os falantes adquirem e conhecem de alguma maneira, sem ter uma noção muito

clara de como esse processo se terá desenrolado. É nesta perspectiva que, em Gibbs

(1995: 97), falando-se do caso particular do Inglês Americano, se assegura que o

elevado número de unidades fraseológicas existentes numa língua é uma das causas do

crescente interesse pela área:

“The interest in idiomaticity6 is well founded, given that American English, for example, contains

many thousands of formulaic phrases and expressions that the ordinary speaker must somehow

learn”.

No estudo em questão considera-se ainda que o domínio de tais estruturas, por parte do

falante, é indicativo da sua competência linguística:

5 No que respeita ao campo das Expressões Idiomáticas propriamente ditas, em Rodrigues et al. (2003)

defende-se que os estudos nas décadas de 80 e 90 vão também além da mera classificação destas

expressões, abordando-as, agora, do ponto de vista do seu grau de composicionalidade / não-

composicionalidade. Destaquem-se os trabalhos de Cacciari et Tabossi, 1993; Gibbs, 1994; Everaet et al.,

1995, nos quais se abordam os idiomatismos, do ponto de vista da análise semântica. É neste sentido que

em Gibbs (1995), apud Cacciari et Tabossi (1993), se afirma: “idiomaticity has recently become a

significant topic of concern in psycholinguistics, linguistics, developmental psychology, neuropsychology

and computer science”. 6 A “idiomaticidade” aparece nos estudos de Gibbs como uma das características mais importantes e

caracterizadoras da Fraseologia e das unidades que esta disciplina se propõe estudar.

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

Página | 21

“People are not consider competent speakers of a language until they master the various clichéd,

idiomatic expressions that are ubiquitous in everyday discourse”.

Descrita a origem da Fraseologia, interessa analisar quais as estruturas linguísticas que

esta disciplina assumiu como seu objecto de estudo.

1.1.1. As Unidades Fraseológicas

São precisamente essas expressões padronizadas, referidas em Gibbs (1995: 97) e

abordadas no ponto anterior, que permitem à Fraseologia distinguir-se de qualquer outra

disciplina linguística, na medida em que as mesmas possuem características que as

tornam peculiares.

Não existe consenso no que respeita à definição e delimitação do termo “unidade

fraseológica”, verificando-se variações de linguista para linguista. Neste sentido,

Penadés Martinez (1999: 13-14) apresenta no seu trabalho várias definições que atestam

isso mesmo. Destaquem-se as seguintes:

(i) “(…) un grupo de palabras o una oración com una estabilidad que no está

por debajo del coeficiente mínimo de estabilidade en el nível

fraseológico (Kunin, 1970: 756)”;

(ii) “(…) combinación fija de palabras (A. Zuluaga,1980: 16)”;

(iii) “(…) son unidades léxicas formadas por más de dos palabras en su limite

inferior, cuyo limite superior se situa en el nível de la oración

compuesta” (Corpas Pastor, 1996: 20).

Para além destes, a autora refere a existência de outros, que, mais do que apresentar uma

simples definição do conceito, se preocupam essencialmente em estabelecer as suas

propriedades, de forma a criarem uma escala gradual, na qual colocarão as unidades

fraseológicas consoante o grau (maior ou menor) que apresentem das características

anteriormente determinadas. Defendendo esta linha de pensamento, encontra-se, ainda

em Penadés Martinez (1999), L. Ruiz Gurillo (1997:104), por admitir que o maior ou

menor grau de rigidez e de idiomaticidade são indicadores da posição de uma unidade

na escala fraseológica.

Todas estas variações, ao nível da definição do conceito, levam a que o termo “unidade

fraseológica” seja utilizado para denominar toda e qualquer estrutura pertencente ao

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

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universo fraseológico, tal como se demonstra em Penadés Martinez, (1999: 13), ao

assevera-se:

“Tanto lo que tradicionalmente se ha denominado dichos, expresiones fijas, expresiones

idiomáticas, expresiones sin más, frases, modismos, giros, fórmulas, y también fórmulas

proverbiales o fórmulas comunicativas, idiomatismos, locuciones, modos de decir, frases hechas,

refranes, adágios, provérbios o aforismos, como lo que más modernamente se ha llamado

colocaciones, expresiones o unidades pluriverbales, lexicalizadas o habitualizadas y unidades

léxicas pluriverbales”.

A autora explica, então, que “unidade fraseológica” é o termo genérico que se utiliza

para denominar o conjunto, onde se situam todos os outros termos7.

Como hipótese de justificação para tal situação, em Pedro (2007: 38-39) apresenta-se o

insuficiente desenvolvimento da teoria fraseológica, defendendo-se, porém, que, embora

não haja unanimidade, é certo que todas estas unidades apresentam características

comuns que as levam a ser definidas como tal, pois todas são “padronizadas,

convencionalizadas como resultado final da sua evolução dentro de uma determinada

comunidade linguística”, sendo, então, consideradas unidades fraseológicas, provérbios,

ditado, refrão, frase feita, cliché, modismo, expressões idiomáticas, entre outros.8

Neste sentido, em Penadés Martinez (1999: 13) esclarece-se que apesar de existirem

definições tão distintas umas das outras, a verdade é que em todas elas se reconhecem

duas ideias substanciais, que passam, primeiro, pela existência essencial de uma

combinação estável de palavras e, segundo, por um significado fixo, que nos remete

para a propriedade da idiomaticidade.

Assim, devido à enorme dificuldade em definir os vários tipos de unidades fraseológicas

e pelo facto de o tema principal do presente trabalho se centrar apenas num dos

diferentes tipo de fraseologismos, tentar-se-á, no próximo ponto, antes da discussão da

definição do conceito de EI, tentar entender como estas unidades têm sido abordadas ao

nível da Fraseologia Portuguesa.

7 O mesmo acontece na classificação dos vários tipos de unidades fraseológicas, uma vez que se verifica a

atribuição de diferentes denominações ao mesmo género de expressão, por diferentes autores, sendo

frequente encontrar-se, por exemplo, os termos adágio, dito, refrão e frases feitas como sinónimo de

provérbio (cf. Pedro, 2007: 38). 8 Cf. as dissertações de mestrado de Pedro (2007: 38-50) e Gonzales (2006: 60-63), nas quais as autoras

fornecem interessantes definições sobre cada uma das unidades fraseológicas.

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

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1.1.2. As EIs no âmbito da Fraseologia e da Linguística Portuguesas

No que se refere à linguística portuguesa, há autores que lamentam o facto de a mesma

prestar “pouca atenção à fraseologia, abordando o sistema fraseológico como simples

componente do sistema lexical” (Ortíz Alvarez, 2000, apud Pedro, 2007: 31). Em Hundt

(1994, apud Pedro, 2007: 31) vai-se ainda mais longe ao afirmar-se que “nem em

Portugal nem no Brasil existe uma disciplina fraseologia reconhecida como parte da

lexicologia ou mesmo independente; os fraseologismos […] são estudados no quadro

dos trabalhos lexicológicos ou estilísticos ou em estudos sobre história cultural”. Em

Portugal, para além dos trabalhos de Schemann / Schemann – Dias (1979), Schemann

(1981) e Hundt (1994, 1997), sobressaem apenas os dicionários que incorporam

unidades fraseológicas nas suas entradas (cf. Rodrigues et al., 2003: 149).

Em Vale (2001: 53) admite-se mesmo que existe uma ausência de estudo neste campo,

argumentando-se que o “tema foi posto de lado na tradição gramatical, certamente por

ser considerado um tema menor, ou ainda pelo fato de a gramática tradicional ter sido

sempre o campo da normatividade”. De acordo com o autor, as unidades fraseológicas,

por ele denominadas como “Expressões Cristalizadas”, onde se integram as EIs, fogem

à tradição normativa, por não respeitarem as regras gramaticais.

De facto, as EIs foram consideradas inicialmente, tal como todas as outras unidades

fraseológicas, “objectos linguísticos excepcionais não integráveis na gramática das

línguas, por não poderem ser objecto de regras gerais” (Ranchhod, 2003: 3). Esta

forma de encarar as EIs é claramente defendida em Bechara (2001: 603-604), na sua

obra Moderna Gramática Portuguesa, ao declarar-se que as mesmas constituem “uma

maneira de dizer que, não podendo ser analisada ou estando em choque com os

princípios gerais da Gramática, é aceita no falar culto”. Por este motivo, o autor

entende as EIs como anomalias da linguagem, ou seja, como desvios à norma.

Realmente, este tipo de estruturas não conhece, ainda actualmente, grande destaque nas

gramáticas gerais de língua portuguesa, como se pode comprovar em Evangelista (2004:

29-31), na análise feita às gramáticas de Celso Cunha & Lindley Cintra (2000) e Mateus

et al. (2003). No primeiro caso, embora não haja uma abordagem directa a este tipo de

combinações de palavras, em Evangelista (2004) considera-se que “podemos interpretar

a referência à composição de palavras [feita pelos autores] como uma aproximação ao

idiotismo”, na medida em que para estes “a palavra composta representa sempre uma

ideia única e autónoma, muitas vezes dissociada das noções expressas pelos seus

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

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componentes”, exemplificando com as combinações criado-mudo, mil-folhas ou pé-de-

galinha. Assim sendo, a autora conclui que “a partir desta referência, a EI também se

revê na palavra composta, uma vez que a construção do seu sentido não passa pela

disjunção do significado de cada um dos seus elementos constituintes, devendo a

expressão ser interpretada no seu todo”. A mesma verificou também a presença de EIs

em alguns dos textos utilizados para exemplificarem os conteúdos gramaticais em

questão. No que diz respeito à Gramática da Língua Portuguesa, de Mateus et al.(2003,

apud, Evangelista, 2004), a alusão às EIs é mínima, sendo apenas de destacar a

utilização das expressões “num abrir e fechar de olhos” e “sair sem deixar rasto”9, a

título exemplificativo e a “referência à existência de expressões sintácticas

lexicalizadas que têm uma interpretação semântica não composicional”, tais como, pés

de galinha e amor-perfeito, que diferem das expressões pernas de galinha e amor

platónico, por estas últimas permitirem uma interpretação semântica composicional.

Desta forma, é fácil concluir que as EIs ainda não ocupam um lugar significativo no

estudo dos gramáticos portugueses, quer a nível do Português Europeu quer a nível do

Português do Brasil. Esta é uma situação que se anuncia incompreensível, pois à medida

que a Fraseologia se foi estabelecendo como disciplina científica, o interesse por estas

estruturas aumentou significativamente, o que levou ao aparecimento de mais estudos,

que por sua vez conduziram a novas formas de encarar estas combinações. Nesta óptica,

parece que a generalização do estudo da Fraseologia, referida anteriormente, em

especial das EIs, decorrente do crescente interesse por este tema, não surtiu muito efeito

na Linguística Portuguesa, na medida em que o número de trabalhos realizados nesta

área, face a outras línguas, é muito reduzido10

. A consulta e consequente análise desses

trabalhos demonstra claramente que ainda há muito trabalho por fazer nesta área e que

as EIs, as quais têm sido encaradas sob diferentes perspectivas ao longo do tempo,

merecem finalmente um lugar de destaque na linguística portuguesa.

9 As expressões referidas surgem no capítulo “O Uso da Linguagem”, na secção “O Espaço e o Tempo:

Aspectos da Representação do Movimento”, da autoria de Isabel Hub Faria (2003: 63-66), da referida

obra. 10

Encontra-se apenas a publicação de algumas dissertações de Mestrado e de poucos artigos científicos,

tanto para o PE (cf. Jorge 1991; Evangelista, 2004), como para o PB (cf. Gonzalez, 2006; Pedro, 2007).

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

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1.2. O termo “Expressão Idiomática”: revisão bibliográfica

Definir “Expressão Idiomática” resulta, para os estudiosos, algo pouco consensual, na

medida em que são muitas as concepções que se podem encontrar na bibliografia

especializada. Em Cacciari (1993: 27) esta situação é amplamente reconhecida:

“The task of defining an idiomatic expression is, and how it is acquired and understood, is still a

rather difficult and controversial one11

”.

Desta forma, e por não ser objectivo do presente trabalho ostentar de forma exaustiva as

inúmeras definições encontradas, segue-se o método utilizado em Jorge (1991: 49-51),

que consiste em apresentar cronologicamente: “(…)algumas definições de EIs sugeridas

por alguns autores, (…) numa tentativa de mostrar a evolução do objecto que nos

propomos estudar”.

Acrescente-se, ainda, que, para além deste objectivo, existe um outro propósito que

passa por demonstrar que, apesar de não haver unanimidade em termos de definição,

existem traços que a maioria dos teóricos associa a este tipo de estruturas linguísticas.

Lapa (1945, apud Evangelista, 2004:32) defende que as EIs, pelo autor denominadas

“Idiomatismos”, são um “conjunto de palavras, cujos elementos se encontram

intimamente ligados”, formando “um todo, uma estrutura, uma unidade de

pensamento, não decomponíveis nas suas partes constituintes, em prol das quais os

vocábulos perdem a sua fisionomia, sacrificam o seu significado individual”. O mesmo

autor defende, ainda, que estas estruturas possuem “um certo grau de cristalização, na

medida em que há expressões cuja coesão dos termos é absoluta [Ir ter com], outras

cujos elementos ainda conservam alguma independência [Ter fortuna]”.

Câmara Jr (1956, apud Evangelista, 2004: 34-35), na sua definição destas estruturas,

realça a “noção de conjunto, de harmonia sintáctica e semântica existentes entre todos

os membros que o compõem, bem como o de afastamento do significado de cada uma

das palavras que o constituem”.

Guiraud (1961, apud Jorge, 1991:49) aponta que as EIs podem ser definidas com base

em três características fundamentais: unidade da forma e do sentido; desvio à norma

gramatical ou lexical e valores metafóricos particulares, entendendo-as como unidades

sintácticas e lexicais formadas por várias palavras. 11

A autora explica, apoiando-se em Michiels (1977), que esta dificuldade pode encontrar a sua

justificação no facto de a “idiomatização” ser um processo; o mesmo quer dizer que uma estrutura não

ganha instantaneamente o carácter idiomático, na medida em que o adquire de maneira gradual. Refira-se

que o termo “idiomatização” foi traduzido literalmente do termo “idiomatization”.

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

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Frase (1970, apud Jorge, 1991:49) “centra a sua definição na noção semântica de

composicionalidade (“compositionality”)”, afirmando que a “Expressão Idiomática é

uma estrutura que viola a condição de composicionalidade na interpretação

semântica”.

Chomsky (1980, apud Jorge, 1991:49) admite que “frases do tipo de kick the bucket

são idiomáticas”, devido ao facto de o seu significado não poder ser decomposto e por

terem “a forma típica das estruturas não idiomáticas e um significado literal

perfeitamente lógico, comportando-se em certos casos como palavras”.

Gross (1982, apud Jorge, 1991:50), tal como Chomsky (1980), assume que as EIs são

expressões que possuem as propriedades formais das estruturas não idiomáticas, embora

o significado das palavras não permita interpretar a sua combinação.

Benson (1988, apud Evangelista, 2004: 35) assevera que a definição de uma EI centra-

-se nos critérios da fixidez e da não-composicionalidade: “an idiom is a relatively

frozen expression whose meaning does not reflect the meanings of its component parts”.

Santos (1989, apud Evangelista, 2004: 36-37) conclui que as características próprias de

qualquer EI são a “a polilexicalidade, isto é, a existência de um agrupamento de pelo

menos dois lexemas, a estrutura fixa e o carácter figurativo ou transferência semântica

ligado ao processo de lexicalização e de remetaforização”.

Jorge (1991:15) expõe a sua própria concepção de EI, admitindo que estas estruturas são

“grupos de palavras, por vezes imprevisíveis quanto à forma e ao sentido”. A mesma

esclarece que a dificuldade em definir tais estruturas resulta da “multiplicidade de

factores que intervêm nessa mesma definição (factores de ordem lexical, sintáctica,

semântica, psicolinguística, etnolinguística, pragmática)”.

Fernando (1996, apud Evangelista, 2004: 38-39) considera as EIs como “expressões

convencionais compostas por várias palavras, podendo ter um sentido literal ou não,

mas que não têm sido objecto de estudo da Linguística (comparativamente à metáfora,

por exemplo)”.

Rebelo (1998, apud Evangelista, 2004: 44-45) e Mascarenhas (1999, apud Evangelista,

2004: 46) apresentam a fixidez, a idiomaticidade, a lexicalização e a reproduzibilidade12

como traços fundamentais na definição do conceito de EI.

12

A “reproduzibilidade”, ou seja, “o emprego e a constante (re)utilização de uma mesma associação de

palavras no discurso conduz à institucionalização numa dada comunidade linguística que, ao utilizá-la

com frequência, contribui para a sua fixação ou cristalização” (cf. Evangelista, 2004: 44).

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

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Faria (1999, apud Evangelista, 2004: 47) também define as EIs em função das suas

características, ao defender: “a sua idiomaticidade reflecte-se na utilização de

expressões em vez de simples itens lexicais, na natureza sensivelmente fixa da

expressão, na representação figurada e no carácter convencional do seu uso”.

Sousa (2000, apud Evangelista, 2004: 48) “designa as EIs como sequências pré-

fabricadas, que estão memorizadas em bloco no seu [do locutor] léxico mental”.

Ortiz Alvarez (2002, apud Pedro, 2007: 40) entende por “expressão idiomática a

combinação (sintagma) metafórica de traços característicos próprios que se cristalizou

pelo uso e frequência de emprego (passando do individual para o social) numa

determinada língua, apoiada na sua tradição cultural. Do ponto de vista estrutural, ela

representa uma lexia indecomponível e está constituída de mais de uma palavra. Do

ponto de vista semântico, o significado dos seus elementos constituintes não

corresponde ao sentido geral do todo, o sentido global do conjunto não é igual à

somatória de suas partes; portanto, a interpretação semântica não pode ser calculada a

partir da soma dos seus elementos”.

Da leitura das definições apresentadas, resulta fácil a identificação dos critérios que

surgem como essenciais em qualquer definição de EI e que permitem uma identificação

clara, pelo menos em termos teóricos, de uma combinação deste tipo. Seguindo esta

linha de pensamento, apresenta-se, sob a forma de esquema, esses mesmos critérios

identificadores.

Esquema 1 – Critérios identificadores de EIs

Poli- lexicalização

Opacidade Semâtica

Cristalização Sintáctica

Repro-duzabilidade

Metaforização

Composicio-nalidade

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

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Por outro lado, a análise de tais definições permite compreender que as EIs são

abordadas por diferentes áreas linguísticas, o que levou a que cada uma das áreas as

entendesse de uma perspectiva diferente. Por esta situação se afirma que não existe uma

definição consensual e unânime de EI que seja aplicada a todas as áreas linguísticas, na

medida em que as mesmas comportam traços que são analisados sob a perspectiva

diferente de cada domínio. Assim, em Jorge (1991: 21-48) são apresentados vários

paradigmas, à luz dos quais podemos definir e analisar as EIs, sendo eles o paradigma

lexicográfico, sintáctico-semântico, psicolinguístico e pedagógico. Seguindo esta linha

de pensamento, no estudo de Evangelista (2004: 15-49) surge também o conceito de EI

abordado em duas diferentes perspectivas, discutindo-se numa primeira abordagem a

forma como estas unidades são entendidas e tratadas na lexicografia portuguesa e

estrangeira e, posteriormente, apresentando-se uma recolha de definições, ao nível da

bibliografia especializada, não fazendo qualquer distinção entre noções de cariz

sintáctico-semântico, psicolinguístico ou pedagógico.

Neste sentido, é fácil concluir que, devido ao carácter multifacetado de uma EI, a

mesma não pode ser abordada apenas de uma única óptica, o que faz com que a sua

definição nunca seja consensual. Assim, no presente estudo, seguir-se-á a perspectiva

desenvolvida em Jorge (1991), sendo feita uma abordagem das EIs mediante os

paradigmas apresentados, aos quais se acrescentará o paradigma sociolinguístico, como

demonstra o esquema apresentado de seguida.

Esquema 2 - Os diferentes paradigmas de análise de EIs

Paradig-ma

Lexico-gráfico

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

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1.2.1. Paradigma Lexicográfico

Em conformidade com Xatara (2001: 19), as expressões idiomáticas constituem um dos

“problemas prioritários da descrição léxica”, a qual, tendo como objectivo primordial

atender as mais variadas necessidades dos consulentes, encontra sérias dificuldades

teóricas e práticas no tratamento lexicográfico destas estruturas. Em termos teóricos, a

dificuldade justifica-se pela carência de estudos fraseológicos que definam e delimitem,

concretamente, o domínio de cada unidade fraseológica, os quais constituiriam um

ponto de referência na elaboração de qualquer dicionário de carácter mais geral. Outro

problema teórico prende-se com o que em Welker (2002: 10), com base na literatura de

Burger (1983), se apelida de “paradigmas incompletos”, pois a grande parte das EIs

possui um conjunto de restrições, que na sua maioria não são consideradas por estes

dicionários, situação que pode induzir os consulentes em erro, tal como se atesta em

Burger (1983: 34, apud Welker, 2002:10) “ao contrário dos sintagmas livres,

frasemas13

estão frequentemente sujeitos a certas restrições transformacionais ou

funcionais. (...) Por exemplo, podem existir restrições quanto ao sujeito, aos tempos

verbais, aos géneros verbais etc.. Isto tem consequências para a forma na qual os

frasemas são arrolados nos verbetes”. De forma a elucidar o mencionado, em Welker

(2002) aponta-se o facto de certas EIs serem apresentadas na forma do infinitivo,

mesmo quando essa possibilidade não existe.

Advindas de obstáculos teóricos, encontram-se contrariedades práticas que passam,

fundamentalmente, pelo facto de o sistema de inclusão de EIs, neste tipo de dicionários,

ser assistemático, na medida em que não se rege por um conjunto de normas gerais, mas

pelos princípios de cada lexicógrafo. “Como em qualquer escolha, o critério

prevalecente é, obviamente, o de quem recolhe” (Neves, 1999: 11), é missão do

lexicógrafo posicionar a EI, quer na macroestrutura, quer na microestrutura da obra,

tendo para o primeiro caso que definir, inicialmente, qual a palavra-chave14

da

expressão e para o segundo decidir quais os critérios pelos quais ordenará as acepções;

se, por exemplo, do sentido próprio das palavras para o figurado ou outro(s). Uma outra

adversidade prática relaciona-se com as marcas de uso15

que resultam fundamentais em

qualquer dicionário de língua, embora no que diz respeito às EIs muitos deles não as

13

Frasema aparece em Burguer (1983) como sinónimo de fraseologismo ou de unidade fraseológica. 14

Sobre a delimitação da palavra-chave conferir o ponto 3.1.2.1. do presente trabalho. 15

Marcas de uso ou lexicográficas dizem respeito a informações concretas sobre as particularidades que

restringem ou condicionam o uso destas unidades.

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incluam ou não as alterem numa nova reedição, quando estas se tornam pouco

frequentes no discurso dos falantes.

Seguindo a perspectiva de Welker (2002: 13), “teóricos ou céticos podem dizer que,

em primeiro lugar, não possuímos conhecimentos objetivos o bastante sobre as

condições de emprego de lexemas e frasemas e que, segundo, o uso muda com o passar

do tempo. Isso é verdade, mas não pode ser um motivo para se apresentarem nenhuma

ou poucas indicações. No que diz respeito às mudanças no uso, as marcas deveriam, de

fato, ser revistas em novas edições de um dicionário, no máximo de vinte em vinte

anos”.

Envoltas em inúmeros problemas lexicográficos e ao que parece sem fim à vista, os

metalexicógrafos frisam como uma boa solução uma explicação clara e abrangente na

introdução do dicionário, na qual o autor decifre a organização da sua obra, sua macro e

microestrutura, os tipos gráficos, símbolos, o que entende por expressões idiomáticas e

outros fraseologismos e onde e de que modo são elencados (cf. Welker, 2002: 14).

Discutidos os problemas lexicográficos que as EIs colocam na elaboração de um

dicionário de carácter geral, sobrevém a seguinte questão: será que esses problemas

também se verificam na execução de dicionários especializados?

Partindo da concepção de dicionários especializados como obras de referência que

compilam alfabeticamente e descrevem unidades lexicais dotadas de características

próprias que as tornam ímpares dentro do léxico de uma língua, neste caso específico

EIs, verifica-se que tal como os dicionários gerais, também estes carecem de uma

sistematização ao nível da definição e delimitação do conceito de EI, bem como ao

nível da organização da nomenclatura, na medida em que não se verifica unanimidade

entre autores. Esta situação é exposta em Santos (1999: ix-x), ao se mencionar que os

autores de dicionários específicos, ainda que utilizem, nos títulos das suas obras, a

designação “expressão idiomática”, nas notas sobre a utilização dessas unidades

recorrem de forma indistinta aos termos “expressão fixa”, “locução” e “frase feita”.

Assiste-se, assim, a um alargamento do conceito “expressão idiomática” que se reflecte

na constituição da nomenclatura, ao recobrir tipos tão diferenciados de expressões

linguísticas, que vão de provérbios até interjeições, sem que isso seja explicitado. Esta

carência de circunscrição da noção de EI não só dificulta o trabalho do lexicógrafo, que

se vê a braços com um universo ainda mais vasto do que aquele com o qual deveria

laborar, como também complica a pesquisa de qualquer consulente, seja ele leigo, um

mero estudioso, um professor ou um especialista. Porém, não é somente ao nível da

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

Página | 31

definição de EI que não se encontra acordo, pois verifica-se o mesmo na disposição da

nomenclatura, uma vez que a determinação da palavra-chave de cada expressão varia de

lexicógrafo para lexicógrafo, não havendo critérios universais, como referido

anteriormente.

Estas são considerações que facilmente se retiram da análise de qualquer dicionário

especializado e os dicionários tidos em conta, neste trabalho, não foram excepção:

Santos (1990); Moura (1995); Neves (1999); Simões (2000) e Nobre (2000).

Analisando a definição que cada um assume de EI, verificando os critérios de

organização da nomenclatura e os tipos de definições dadas e averiguando a aplicação

de marcas de uso e de exemplos contextuais, apresentam-se as seguintes conclusões,

sob a forma de tabela para uma mais fácil leitura dos dados.

Autor /

Dicionário

Conceito de

Expressão

Idiomática

Nomenclatura

Outras considerações Organização dos

verbetes e critérios Tipos de definições

Santos

(1990)

Novos

Dicionários

de

Expressões

Idiomáticas

É apresentado a

partir da acep-

ção dada no

Dicionário de

Língua Francesa

Petit Robert 1

como “forma ou

expressão pró-

pria de uma

língua, impos-

sível de se

traduzir literal-

mente noutra de

estrutura

análoga” (VII).

Expressões organi-

zadas por ordem

alfabética da pala-

vra-chave de cada

EI, destacada a

negrito, a qual é, na

maioria das vezes,

um substantivo ou,

na ausência de um

elemento desta

classe, um adjec-

tivo, pronome gra-

matical ou sua

contracção, advér-

bio ou verbo.

Registam-se defini-

ções sinonímicas:

“pôr a boca em

alguém (pop): cens-

urar; criticar;

difamar e defi-

nições perifrásticas:

“pôr na boca de

alguém: atribuir a

uma pessoa dete-

rminadas palavras”

(p. 57).

1. Todas as va-

riantes de uma

expressão são in-

seridas.

2. As EIs são

acompanhadas de

abreviaturas que as

categorizam do ponto

de vista do seu uso:

antiquado, familiar,

grosseiro, irónico,

literário ou popular.

3. Não são intro-

duzidos exemplos

que contextualizem

as expressões.

Moura

(1995) Por

Outras

Palavras.

Dicionário

das Frases

Idiomáticas

mais usadas

na Língua

Portuguesa

É apresentada

uma pequena

reflexão sobre o

sentido do lexe-

ma idiomático,

o qual tanto

significa “o que

é próprio […]

único ou origi-

nal” como o que

é “intraduzível”

para outra lín-

gua. A autora

enfatiza este úl-

timo aspecto,

encarando as

EIs como algo

que pode ser

traduzido à le-

tra, pois “é im-

Expressões

elencadas por or-

dem alfabética da

sua palavra-chave,

assinaladas sempre

por caracteres car-

regados, podendo

ser um verbo,

substantivo ou ad-

jectivo, prioritari-

amente. Os verbos

auxiliares regista-

dos entre parêntesis

no final da expres-

são não constituem

palavra-chave, bem

como preposições,

advérbios, com-

junções ou prono-

mes, a menos que

Apresenta-se o

significado e um

exemplo que pre-

tende contextualizar

a expressão em uso

numa troca

comunicativa.

1. Apenas algumas

variantes são intro-

duzidas.

2. Não se regista

qualquer indicação a

marcas léxicográfi-

cas.

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

Página | 32

possível de dar

noutras línguas

o modo de dizer

da nossa”.

não conste nenhu-

ma das outras pala-

vras-chave referi-

das.

Neves

(1999)

Dicionário

de

Expressões

Correntes

Adopta o termo

“frases feitas”,

embora sem dei-

xar de proble-

matizar tal esco-

lha, para desig-

nar modos de

dizer, locuções

popular e EIs,

definindo-as

como “a riqueza

imaginativa da

língua […]; um

exemplo da

complexa vida

da linguagem”.

Expressões

dispostas alfabeti-

camente a partir da

primeira letra da

palavra que inicia a

expressão, perten-

cendo a mesma a

qualquer categoria

gramatical.

A cada expressão é

atribuído um signi-

ficado simples, po-

dendo ser acres-

centado uma expli-

cação sobre a

origem da própria

expressão.

1. Somente são regis-

tadas as variantes

mais conhecidas pelo

autor.

2. Não é feita qualquer

referência a marcas

lexicográficas.

3. Não são apre-

sentados exemplos de

contextualização.

4. Existência de um

apêndice, no qual são

agrupadas determi-

nadas expressões se-

gundo temas (dinhei-

ro/ pobreza; mulher/

gravidez).

Simões

(2000)

Dicionários

de

Expressões

Populares

Portuguesas

Não há uma

referência com-

creta ao termo,

embora as EIs

figurem nesta

colectânea de

vários tipos de

expressões: ar-

caísmos, régio-

nalismos, calão,

gíria, etc.

Expressões colec-

tadas seguindo a

ordem alfabética

das palavras que

iniciam cada ex-

pressão, indepen-

dentemente da sua

categoria grama-

tical.

A cada expressão

corresponde um

breve significado,

sendo o mesmo, por

vezes, acompa-

nhado por uma

referência ao(s)

autor(es) que men-

cionaram na(s)

sua(s) obra(s) a

expressão.

1. O registo de

variantes não segue

um método criterioso.

2. Não são intro-

duzidas marcas de uso

nem apresentados e-

xemplos de contex-

tualização.

Nobre

(2010)

Dicionário

de

Calão

Não se encontra

nenhuma refe-

rência concreta

ao conceito de

EI, embora es-

tejam presentes

estruturas deste

tipo16

.

Expressões elen-

cadas alfabetica-

mente, com base na

primeira letra da

primeira palavra

que a constitui.

A cada expressão

corresponde um si-

gnificado, que é

apresentado sob a

forma de sinónimo

ou de breve ex-

plicação.

1. São introduzidas as

variantes das expres-

sões.

2. São introduzidas a-

breviaturas, para situar

o consulente ao nível

do “tipo de gírias”

associadas à expressão.

Tabela 1 – Análise de vários dicionários

16

Em Nobre (2010: 7-23) tecem-se várias considerações sobre os termos “gíria” e “calão”, tentando-se

situá-los no tempo e na história da Língua Portuguesa. O autor refere, cronologicamente, várias obras que

abordam o uso destas palavras e expressões e reflecte sobre a própria etimologia dos termos em questão,

definindo-os como sendo o “português diário, comum ou quase secreto, que caldeamos na gramática para

que a língua se sinta viva e útil”. Neste sentido, o autor defende que essas tais palavras e expressões, uma

vez inseridas no registo da linguagem popular, “serviram desde sempre a determinados grupos sociais ou

profissionais para simplificar o seu falar ou para o tornar imperceptível a estranhos”, sendo também o

“reflexo da evolução do homem nos seus usos e costumes, nos seus acontecimentos históricos e nas suas

conquistas técnicas”. ʻ

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

Página | 33

Da leitura da tabela conclui-se que são várias as divergências entre autores, das quais se

destacam as seguintes:

A falta de consenso na definição e delimitação do conceito de EI, abarcando o

termo estruturas diferentes em cada um dos dicionários em questão;

Uma desigualdade significativa referente à organização dos verbetes e critérios

seguidos, que passam, principalmente, pela determinação da palavra-chave de cada

EI, com variação de autor para autor;

Uma unanimidade quanto ao uso de definições sinónimas e perifrásticas, embora

apenas duas recorram à exemplificação contextual: Moura (1995) criou exemplos

para cada uma das EIs, enquanto Simões (2000) se serve, por vezes, de abonações;

A utilização de marcas de uso regista-se apenas em Santos (1990);

Verificam-se, também, diferenças ao nível do tratamento das variantes das EIs,

sendo só em Santos (1990) que se encontram arroladas todas as variações de uma

expressão.

Discutido o paradigma lexicográfico, atente-se, de seguida, ao sintáctico-semântico.

1.2.2. Paradigma Sintáctico-Semântico

Se as EIs constituem interessantes protagonistas de problemas lexicográficos, as

mesmas também o fazem ao nível sintáctico-semântico17

, pois também neste domínio os

linguistas estão longe de encontrar uma definição e delimitação do termo que se

afigurem unânimes. Neste sentido, este tipo de estruturas apresenta-se perante os

estudiosos como um curioso quebra-cabeças linguístico.

No domínio sintáctico-semântico, ressaltam questões que se prendem com duas das

características das EIs, sendo elas a indecomponibilidade e a cristalização, que levam os

teóricos à discussão sobre a homogeneidade ou heterogeneidade deste grupo de

expressões e à concepção de diferentes formas de classificação.

Nesta perspectiva, encontram-se autores pertencentes à visão tradicional, como é

conhecida na Literatura, tal como Schenk (1995), que defendem que a homogeneidade

do grupo assenta os seus fundamentos no facto de todas as EIs serem estruturas

17

Os Paradigmas Sintáctico-semântico e Psicolinguístico encontram-se menos desenvolvidos do que os

restantes, neste ponto, na medida em que integram questões que serão exaustivamente tratadas nos

capítulos seguintes.

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

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indecomponíveis. O mesmo quer dizer que o seu significado global nunca poderá ser

entendido pela soma do significado individual dos seus constituintes. Neste sentido, o

significado de uma EI é sempre arbitrário e nunca motivado. Estes autores partem de

um simples exemplo18

e generalizam a todo o grupo:

(1) Kick the bucket Generalização EIs como grupo homogéneo

Opostos à visão tradicional, surgem vários autores, nomeadamente Gibbs (1995: 99),

que defendem que resulta problemático assumir que as EIs constituem um grupo

homogéneo:

“It is clearly problematic to assume that idioms form a homogeneous class of linguistics items.

Careful attention must be paid to the many syntactic, lexical, semantic, and pragmatic differences

that exist among words and phrases that are generally judged to be idiomatic”.

Em Gibbs (1995) são referidos vários trabalhos19

que demonstram que as EIs devem ser

entendidas como uma classe heterogénea, uma vez que, ao serem passíveis de

decomposição, podem ser analisadas e classificadas num contínuo idiomático, de acordo

com o seu grau de rigidez sintáctica e semântica.

Surge, então, a necessidade de abordar cada uma destas particularidades.

a) Indecomponibilidade

A característica da indecomponibilidade prende-se, em Riva e Rios (2002: 3), com o

facto de as EIs compreenderem “sintagmas indecomponíveis de distribuição única ou

muito limitada, já que seus componentes não podem ser dissociados sem prejuízo de

sua interpretação semântica que, por sua vez, não pode ser calculada com base nos

significados individuais de seus elementos”. Como exemplo, recorra-se à EI “perder a

cabeça”, de maneira a demonstrar que, ao decompor-se a expressão nos seus

constituintes, perder + a + cabeça, todo o sentido se perderia, ao mesmo tempo que

causaria uma certa estranheza ao falante.

(2) Perder a cabeça ≠ perder + a + cabeça.

Defende-se, ainda a respeito desta característica, que, embora se verifique a

possibilidade de associações paradigmáticas, estas resultam sempre numa combinatória

18

Os estudiosos partem da EI “kick the bucket”, a qual significa, na Língua Portuguesa, “morrer”. 19

Cf. Cacciari (1993); Cacciari & Glucksberg (1990).

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

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fechada, como se verifica no idiomatismo castelo de vento, onde os vocábulos de vento

pode ser substituído por no ar e na areia.

(3) Castelo de vento = castelo no ar = castelo na areia.

b) Cristalização

Em conformidade com os autores acima referidos, a segunda característica, a

cristalização, fixidez ou rigidez, passa pela “transformação de um sintagma constituído

de morfemas livres num sintagma fixo”, através da frequência com que é utilizado pela

comunidade dos falantes, o que faz com que as EIs sejam encaradas como construções

congeladas, não admitindo qualquer variação ou aplicação de operações linguísticas,

pois isso implicará a perda do seu significado. Analogamente, em Zuluaga (1980, apud

Pedro, 2007: 59-62) defende-se essa mesma ideia, recuperando-se “dos formalistas

russos o termo “desautomatização” para se referir aos efeitos da aplicação de

operações próprias da língua às unidades fraseológicas, efeitos especiais que pela

fixidez dessas combinações20

originam perda do seu significado”. Ainda segundo este

estudo, a “fixidez é arbitrária”, não podendo ser explicada semântica e sintacticamente

em cada caso particular. Ainda em Zuluaga (1980) defende-se que “a impossibilidade

de aplicar às unidades fraseológicas algumas operações pode ser explicada pela norma

linguística social, ou seja, pela convencionalidade21

, mas não pelo sistema funcional da

língua”. Considere-se a EI pagar o pato, (sofrer as consequências de actos praticados

por outros), a qual não permite qualquer variação nem mesmo a simples alteração de

mudança de número, na medida em que ao passar a expressão do singular para o plural,

pagar os patos, todo o sentido se perde. A impossibilidade desta operação “pode ser

explicada pela norma lingüística social, ou seja, pela convencionalidade, mas não pelo

sistema funcional da língua” (cf. Zuluaga: 1980, apud Pedro, 2007:61).

(4) Pagar o pato ≠ pagar os patos

De facto, a cristalização, na sua acepção de congelamento e fixidez, tem sido entendida

como uma marca característica destas estruturas linguísticas, o que faz com que a

20

Zuluaga classifica a fixidez fraseológica em diferentes tipos: ordem, categorias gramaticais, género,

inventário de componentes e fixidez transformativa (cf. Pedro, 2007: 60-61). 21

Sobre o aspecto da convencionalidade falar-se-á mais detalhadamente no capítulo 2 do presente

trabalho.

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

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procura por uma possível flexibilidade seja uma contradição em termos teóricos. Porém,

em Langloz (2006: 175) admite-se que, embora as EIs sejam definidas como unidades

linguísticas estáveis, rapidamente se tornou óbvio que as mesmas, muitas vezes, variam

no discurso e, portanto, possuem variantes institucionalizadas. Por variante de uma EI

entenda-se a construção idiomática resultante de uma determinada modificação aplicada

à EI original, tornando-se a mesma institucionalizada aquando da sua aceitação pela

norma.

Esta ideia é corroborada por vários teóricos, nomeadamente Ortíz Alvarez (2000: 141

apud Pedro, 2007: 62), os quais defendem que algumas expressões idiomáticas podem

admitir a inserção de elementos sem que isso altere o seu significado, possuindo uma

estabilidade relativa. Outros, tal como Jorge (2001: 217-219), vão ainda mais longe ao

afirmarem que “a riqueza das expressões idiomáticas advém também das suas múltiplas

formas de expressão, das suas variantes22

, subvertendo parcialmente a sua própria

lexicalização e permitindo algumas substituições num paradigma sempre finito”.

Segundo a mesma, as variantes podem ser de vários tipos. Como forma de demonstrar o

defendido pela autora, apresentam-se as variantes referenciadas no seu estudo, seguidas

de um exemplo:

(i) variantes verbais:

atirar areia para os olhos / deitar areia para os olhos

(ii) variantes nominais:

custar os olhos da cara/ custar os dentes da boca / custar coiro e cabelo

(iii) variantes do numeral

dar dois dedos de conversa / dar quatro dedos de conversa

(iv) variantes do morfema de número:

passar a mão pelo lombo / passar as mãos pelo lombo

(v) variantes de morfemas derivacionais:

diminutivos:

andar com pés de lã / andar com pezinhos de lã

22

São vários os trabalhos que se dedicam ao estudo das variantes das EIs (cf. Cacciari, 1993; Glucksberg,

1993; Vega-Moreno, 2001, 2003)

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

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aumentativo:

levar um aperto / levar um apertão

(vi) variantes de determinantes (presença ou ausência)

procurar agulha em palheiro / procurar agulha num palheiro

(vii) omissão de elementos:

fazer chorar as pedras (da calçada)

(viii) variantes sinonímicas

cair em cesto roto / cair em saco roto

(ix) variantes de preposição:

pôr a carroça diante dos bois / pôr a carroça à frente dos bois

(x) variantes de níveis de língua:

meter na cabeça / meter nos cornos

Seguindo esta linha de pensamento, torna-se claro que as EIs devem ser encaradas como

estruturas sólidas e não fossilizadas, na medida em que são muitas as que aceitam

alterações de vários tipos, sem que o seu significado original seja deturpado. É neste

sentido que em Langloz (2006: 175) se afirma que a variação idiomática põe

efectivamente em causa a perspectiva tradicional da cristalização absoluta:

“Idiom variation thus constitutes a counterweight that works against the phraseological

tendency towards stability. The seemingly characteristic stability of idioms must therefore

be relativised (cf. also Burger 1998a: 31)”.

Discutido o Paradigma Sintáctico-semântico, debata-se, de seguida, o Psicolinguístico.

1.2.3. Paradigma Psicolinguístico

Em Jorge (1991: 38-44), o paradigma psicolinguístico surge com o objectivo

fundamental de abordar o processamento e o armazenamento das EIs, interessando-se, a

autora assim, para além da decomponibilidade e da cristalização, por uma terceira

particularidade das EIs, que, de acordo com Riva e Rios (2002: 3-4), se relaciona com o

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

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sentido conotativo ou figurado que este tipo de estrutura assume. Os autores afiançam

que a “conotação idiomática representa uma paráfrase geralmente metafórica”, pois

para uma expressão ser considerada idiomática, o seu significado tem de ir além da

soma dos significados individuais dos seus constituintes, tornando-se, assim, necessário

proceder a uma deslocação da imagem para um nível mais abstracto, onde se poderá

calcular, então, o significado idiomático das expressões.

Neste sentido, as EIs são encaradas como um todo, situando-se o seu significado num

plano abstracto, diferente do literal23

, e surgindo como unidades de significação,

presentes em todas as línguas.

Vejam-se agora algumas imagens24

que ilustram o significado literal de determinadas

expressões, o qual em nada se assemelha ao significado “idiomático”25

das mesmas.

23

Sobre os conceitos de significado literal e figurado, remete-se para o capítulo seguinte. 24

Imagens disponíveis em http://www.mdig.com.br/index.php?itemid=636 25

Cf. Santos, António Nogueira (1990), “Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas”, Lisboa, Edições

Sá da Costa.

Estar com a corda na

garganta / pescoço:

Atravessar uma situação

desesperada, em especial

financeiramente.

Bater a(s) bota(s):

morrer.

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

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Figura 1 – Ilustração literal de várias EIs

Ao não corresponder literalmente o significado da expressão ao significado dos seus

constituintes, levantam-se questões sobre a forma como se adquirem as mesmas e os

processos que estão na base da compreensão destas estruturas linguísticas. Na verdade,

o paradigma psicolinguístico procura respostas para as seguintes incógnitas: perante

uma EI, qual é o significado, literal ou figurado, que o falante processa em primeiro

lugar? Qual destes significados leva mais tempo a ser interpretado? Quais são as

variantes que influenciam o processamento de uma EI? Esse processamento ocorre da

mesma maneira perante todas as EIs? O desenvolvimento do processo de aquisição e

compreensão destas estruturas é igual para todos os falantes? De que forma é que estas

expressões se integram no léxico mental dos falantes? A aquisição e a compreensão das

EIs será o tema a debater exaustivamente no próximo capítulo.

1.2.4. Paradigma Pedagógico

Em Jorge (1991: 45) demonstra-se que o paradigma pedagógico contempla não só a

pedagogia das EIs, como o próprio nome indica, mas também a tradução destas

estruturas linguísticas. Segundo a autora, estas duas áreas não têm constituído objecto

de estudo de muitos trabalhos, fundamentando a sua ideia nos escassos dados e nas

sumárias referências encontrados nos trabalhos por si analisados. Em Ortiz Alvarez

(1998: 2) atesta-se esta ideia esclarecendo que “só a partir dos anos 70-80 com o

surgimento do novo enfoque na linguagem como instrumento de comunicação, o

processo de ensino/aprendizagem começa a ser abordado tendo em conta novas

Ter a faca e o queijo na

mão:

Estar em posição de poder

decidir por si só; dispor de

todo o poder, de todas as

armas, de todos os elementos

para impor a sua vontade.

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

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estratégias cognitivas, embora a competência estratégica dos falantes-ouvintes

continue tropeçando num dogmatismo herdado das doutrinas mais tradicionais e que

ainda deixa lacunas no ensino do léxico incluindo a questão dos idiomatismos”.

No que respeita à pedagogia das EIs, em Jorge (1991) são citados apenas três autores,

Lafleur (1984), Danlos (1981) e Diaz (1981), os quais defendem que estas combinações

linguísticas possibilitam o enriquecimento do vocabulário, consentindo ao falante um

conhecimento mais profundo e completo da língua, seja ela materna ou estrangeira. Em

Lafleur (1984: XIX-XXI, apud Jorge 1991: 46) sugere-se “que seja reservado um lugar

no ensino das línguas para as expressões idiomáticas, facilitando a sua percepção,

compreensão e produção”. Quanto ao ensino das EIs numa língua estrangeira,

aconselha-se a inserção das mesmas de forma gradual, ou seja, “EIs que se traduzem

literalmente, ou que tenham um equivalente e as EIs cujas palavras são conhecidas

(por exemplo: as partes do corpo humano, a comida, os animais, etc.)”. Em Danlos

(1981: 74, apud Jorge 1991:47), a aprendizagem destas estruturas passa pela

decomposição das mesmas “segundo as unidades de escrita”. Neste sentido, “as

expressões e as suas variantes são aprendidas independentemente umas das outras

(simultaneamente ou não)” ou a sua “aquisição faz-se a partir das suas variantes (ou

vice-versa)”. Diaz (1981: 74, apud Jorge 1991: 47-48), no seu estudo sobre a aquisição

das EIs em Francês Língua Estrangeira, assume que o aprendizado das mesmas resulta

algo complexo, na medida em que obriga a rever toda a complexidade do acto de

aquisição da linguagem.26

Concluindo, em Jorge e Jorge (1997: 19) defende-se que “a inserção destas expressões

no processo de ensino/aprendizagem só poderá beneficiar esse processo. Tanto a

língua materna como a língua estrangeira encontrarão nas expressões idiomáticas uma

outra maneira de se dizer, oferecendo aos aprendentes uma outra motivação, uma

outra dinâmica da língua27

”.

De facto, as EIs constituem um campo problemático a todos aqueles que as pretendem

traduzir, sejam eles simples leitores, professores de língua estrangeira, estudiosos,

meros curiosos ou tradutores. Terá sido nesta perspectiva que em Baptista (2006: 3) se

estabeleceu uma analogia extremamente interessante entre o modo de agir do professor

de línguas e a forma de actuar do tradutor, a qual deve ser idêntica:

26

Sobre o processo de aquisição de EIs falar-se-á no próximo capítulo. 27

Retomaremos este assunto detalhadamente no capítulo 4 do presente trabalho.

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

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“De ese modo, el profesor de lenguas, de modo similar al traductor, no puede ignorar, negar o

menospreciar la importancia de las formas fijas, entre las cuales se incluyen las expresiones

idiomáticas. Una prueba evidente de ello es que las expresiones idiomáticas figuran en los más

diversos y diferentes textos com los cuales el aprendiz e el propio profesor podrán confrontarse.

Siendo así, el profesor y el traductor necesitan identificar y reconocer en los enunciados las formas

fijas y, además de eso, lo que esas aportan en términos de expresividad a los textos que figuran”.

Em Jorge (2002: 119), a dificuldade que o professor e o tradutor enfrentam

similarmente justifica-se pelo facto de o processo tradutológico comum,

reconhecimento/identificação, compreensão e transposição, não se aplicar directamente

às unidades fraseológicas, uma vez que “estas estruturas não obedecem,

aparentemente, a critérios objectivos de selecção e implicam uma multiplicidade de

saberes linguísticos e extralinguísticos e de escolhas por parte do tradutor”. É neste

sentido que em Schemann et al. (apud Jorge 1991: 45) se afirma que as EIs são

unidades que se “reconhecem pela impossibilidade de serem traduzidas”. No estudo

em questão, menciona-se também que é “ao nível do mundo que se traduz e não ao

nível do meio ambiente contido na EI”, o que faz com que um dicionário seja não mais

do que “uma colecção das dificuldades de traduzir”. O mesmo quer dizer, de acordo

com Jorge (2002:119), que as EIs são unidades linguísticas que se actualizam no

discurso, ao serem reflexo de uma cultura, de um povo. Para a autora “traduzir esses

traços culturais, esses sentires que emanam das expressões é, pois, uma tarefa árdua

para o tradutor”. Em Bouchard (1984, apud Jorge 1991:45-46) a dificuldade da tarefa

relaciona-se com a carga metafórica e cultural que estas estruturas linguísticas encerram

e que se podem perder no processo tradutológico, sendo “papel do tradutor optar por

estratégias que ofereçam uma perda menor”. Em Jorge (2002: 121) corrobora-se a ideia

defendida anteriormente, ao asseverar-se que a compreensão de uma EI implica a

compreensão da metáfora que lhe está inerente, na medida em que terá sido essa

metáfora a origem da “leitura imagética”, que lhe transmitiu o sentido que hoje lhe

atribuímos e ao qual não conseguimos chegar pela simples interpretação individual dos

seus constituintes28

.

Em Jorge (2002: 121) valida-se ainda a concepção de carga cultural defendida por

Bouchard (1984), ao afirmar-se: “cada língua tem as suas expressões, as suas

metáforas, as suas imagens e as expressões referem as cores locais do povo que lhes

deu vida. Substituí-las por expressões de outra língua, é também perder a riqueza da

língua e do povo de origem, em proveito da língua e da riqueza do povo de chegada”.

28

Sobre o papel da metáfora na origem/criação das EIs remete-se para o ponto 1.3.1, do presente capítulo.

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

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Nesta perspectiva, a autora levanta uma panóplia de questões que se assumem

extraordinariamente pertinentes, como por exemplo, “será que ao substituir uma

imagem de uma língua por uma imagem de outra língua não está o tradutor a adulterar

o texto de partida, empobrecendo a sua expressividade, substituindo imagens? Deverá

o tradutor preservar os coloridos locais que passam pela Fraseologia? O que é que

deverá privilegiar – a língua idiomática do texto de partida ou a língua idiomática do

texto de chegada? Qual será o papel do tradutor perante expressões que acentuam os

traços intrínsecos de um povo ou que referem particularidades imagéticas desse

povo29

?” Ser-lhe-á [ao tradutor] permitido manter a literalidade da expressão e dar,

assim, conta de aspectos importantes para o leitor sobre o outro, o estrangeiro,

enquanto representante de outra língua, de outra cultura?”.

Perante tais questões, surgem várias propostas sobre a tradução de EIs, das quais, em

Jorge (2002), se destacam as de Berman (1985) e Misri (1990). Berman (1895: 80, apud

Jorge 2002: 124) encontra resposta para a última questão apresentada ao falar de uma

consciência da lexicalização, ao afirmar: “o locutor dá-se conta da lexicalização mesmo

que ela não corresponda à lexicalização própria da outra língua”. O autor defende que

traduzir uma EI não é encontrar o seu equivalente, uma vez que tal substituição directa

faz com que não reconheçamos que somos detentores dessa tal consciência. Nesta linha

de pensamento, deve-se privilegiar a literalidade; o mesmo não quer dizer que se

traduza palavra a palavra, mas que se tente manter os jogos fónicos e as melodias

próprias destas unidades fraseológicas. Na prática, em Jorge (2002: 124) demonstra-se

que seria possível o aparecimento de traduções como estas:

(10) chamar os bois pelos nomes – *appeler les boeufs par leurs noms (do

português para o francês);

(11) sauter du coq-à-l’âne - *saltar do galo ao burro (do francês para o

português)30

.

Com base nestes exemplos torna-se fácil depreender que manter a lexicalização da

língua de partida transporta problemas para a língua de chegada, ao introduzir estruturas

que não existem ou elementos que se afiguram estranhos no discurso e que poderão

29

Expressões como “despedir-se à francesa”, “falar francês como uma vaca espanhola”, meter o Rossio

na rua da Betesga”, “passar as passas do Algarve”, ser do tempo dos Afonsinhos”, entre outras. 30

Jorge defende que estes exemplos apenas ilustram a literalidade, não constituindo bons exemplos de

tradução.

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causar dificuldades ao nível da interpretação e compreensão. Berman (1984)

salvaguarda a sua teoria reforçando “a necessidade de se ter em conta as diferenças

intrínsecas entre as línguas para manter a “consciência da lexicalização””.

Paralelamente a esta proposta de tradução, existem outras que Misri (1990, apud Jorge

2002: 125-126) resumiu da seguinte forma:

(i) Tradução por um equivalente preexistente – a uma expressão faz-se

corresponder uma expressão equivalente da outra língua.

Cantar sempre a mesma cantiga / prêcher sept ans pour un carême

(ii) Tradução elaborada a partir de uma equivalência de situação –

estabelece-se uma equivalência de situação a situação na língua de chegada e

não uma equivalência directa de expressão a expressão.

(iii) Tradução de palavra a palavra, com nota – tradução feita palavra a

palavra, de forma a manter o carácter exótico do texto original. A nota

facilitaria a compreensão, no entanto, pode tornar a leitura mais pesada e

menos espontânea31

.

Gastar a saliva / *dépenser sa salive (e esta proposta seria seguida de uma

proposta de expressão correspondente na outra língua, neste caso - perdre

sa salive).

(iv) Tradução por equivalente preexistente, com nota – privilegia-se a

inteligibilidade do texto de chegada, tal como na primeira solução, mas

favorece-se a riqueza do texto de partida, pois a nota daria conta da tradução

literal da expressão do texto original.

Cantar sempre a mesma cantiga / prêcher sept ans pour un carême (seguida

da tradução literal - *chanter toujours la même chanson).

Em Misri (1990) resumem-se desta forma todas as soluções apresentadas na literatura

para de seguida se criticarem, na medida em que, tal como em Lederer (1981, apud

Jorge, 2002: 126), se acredita que a tradução das EIs deve ser feita ao nível do discurso

e não da língua, como nas soluções acima apresentadas. Em Jorge (2002: 126-128)

31

Esta proposta de tradução que foi apresentada anteriormente é a considerada por Berman.

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afirma-se que é ao nível do discurso que as EIs “ganham a sua própria autonomia,

quando inscritas num acto de comunicação”, defendendo-se também que o tradutor

deve ter em conta quatro componentes distintas aquando do acto tradutológico,

nomeadamente as componentes informativa, hierárquica, colocativa e de conformidade,

sendo função do tradutor escolher a solução que melhor se aplica à situação a traduzir.

Sobre esta temática ressalta ainda uma questão que se relaciona com a ajuda que um

dicionário pode proporcionar na tradução de EIs. Em Jorge (2002: 129), esta questão

prende-se com a “existência ou não de sinonímia entre línguas no campo da

Fraseologia”. Afirma-se que ao existir um dicionário bilingue de EIs, este situar-se-ia

no campo da língua e não do discurso, não tendo em conta aspectos que seriam

fundamentais na tradução de qualquer expressão, tais como:

(i) o número variado de expressões que significam o mesmo (situação que nos

remete para o campo da subjectividade);

(ii) a expressividade e a intensidade da expressão (poderiam não corresponder

directamente entre a língua de partida e a língua de chegada);

(iii) o grau de familiaridade nas duas línguas;

(iv) o carácter mais ou menos arcaico das expressões;

(v) o nível de língua em que poderiam ser usada.

Para terminar esta abordagem tradutológica das EIs, refira-se, sucintamente, as

dificuldades que estas estruturas linguísticas causam também ao nível dos tradutores

automáticos, pois conforme se afirma em Garrão e Dias (2001: 165-166), “dentre os

variados problemas linguísticos com os quais um programa de tradução se depara, há

uma questão particularmente relevante que é a de reconhecimento e geração de

expressões cristalizadas, principalmente de expressões idiomáticas, isto porque se

torna difícil identificar grupos de palavras que funcionam de forma unitária”. Segundo

este estudo, são poucas as expressões que figuram no léxico destes sistemas e que

conseguem, assim, uma tradução adequada, uma vez que o mais comum é serem

“tratadas como conjuntos acidentais de palavras, o que resulta em uma tradução

ininteligível”:

(12) Ter alta - vertido para o inglês como to have high.

Perante tais dificuldades, em Laporte (1998: 118, apud Jorge 1991:47) admite-se que

uma EI só pode ser reconhecida de forma automática pelo sistema se o mesmo for

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dotado de uma base de dados que contemple a forma total da expressão em causa e as

suas propriedades. Afirma-se também que “o reconhecimento da EI será processado

pela parte mais fixa da expressão (mesmo que as palavras que constituem essa zona

fixa sejam susceptíveis de variações morfológicas)”. No mesmo estudo certifica-se que

a delimitação da zona fixa de uma EI pressupõe um estudo distribucional, sintáctico e

semântico dessa expressão. Garrão e Dias (2001), no seu trabalho, apresentam o mesmo

pressuposto, pois também para estas a solução passa pela forma como as EIs são

introduzidas no léxico do sistema. Assim, as autoras, baseando-se em Neves (1999)32

,

abordam primeiramente as EIs do ponto de vista sintáctico e semântico, distribuindo-as

num contínuo que vai desde as construções livres (bater a concorrência), passando

pelas construções com verbos-suporte (bater uma dúvida, bater o desespero) e

chegando às expressões cristalizadas (bater papo, bater boca, bater o pé, bater as botas,

entre outras)33. Em Garrão e Dias (2001: 172) explica-se: “no intuito de classificar

inequivocamente a estrutura dos constituintes de construções como as supracitadas,

Neves se apropria dos testes propostos por Radford (1988:90) e os adapta para a

língua portuguesa. Segundo o gerativista inglês, os instrumentos mais seguros para

determinar a estrutura dos constituintes destas expressões são: a distribuição, a

posposição, a coordenação, a intercalação de advérbios, a elipse”.

Posteriormente, as expressões acima referidas foram inseridas num sistema de tradução

automática, concluindo-se que as expressões ditas cristalizadas “ficam foram do

alcance de um dicionário computacional”, como se pode deduzir pelos exemplos

apresentados:

(13a) Ele bateu perna no centro até achá-los.

He beat leg in the downtown until find them.

(14a) … e passa o dia batendo papo com a vizinhança.

… and she spends the day beating crop with the neighborhood.

33

De acordo com as autoras, “na extrema esquerda, temos combinações com verbos plenos e sintagmas

nominais complementos, que são completamente livres (ex: consolidar a estrada; findar propostas), onde

os dois elementos exercem papéis independentes na estrutura argumental; na extrema direita, temos

expressões que constituem um significado unitário, em que ʻnem mesmo parece ser possível postular um

SN em posição de objetoʼ (Neves, 1999: 99), como dar um pulo, tomar partido; e entre estes dois graus

extremos de construção, há aquelas construções intermediárias, constituídas dos chamados verbos-

suporte, que, por sua vez, recebem certo grau de esvaziamento do sentido lexical, porém semanticamente

contribuem para o significado total da construção (dar um riso; ter confiança).

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Como conclusão as autoras asseveram que esta situação encontra justificação no facto

do programa de tradução automática em questão não possuir estas estruturas linguísticas

na sua base de dados, advertindo que “a simples inclusão destas construções em um

dicionário de expressões solucionaria estes problemas”, como as mesmas fizeram,

obtendo os seguintes resultados:

(13b) He went around in the downtown until find them.

(14b) … and she spends the day chatting with the neighborhood34

.

Desenvolvidos os paradigmas apresentados em Jorge (1991), introduza-se agora um

adicional, que encara as EIs do ponto de vista sociolinguístico.

1.2.5. Paradigma Sociolinguístico

O paradigma sociolinguístico assenta essencialmente na interacção sociedade, cultura e

linguagem, partindo do princípio de que qualquer acto linguístico é reflexo de um

qualquer contexto social e cultural. Neste sentido, em Marques (1995: 128) afirma-se:

“aceitar a linguagem não como funcionamento mecanicista de um sistema abstracto

mas como comportamento social, leva-nos a reconhecer-lhe uma extrema variedade”.

Por variação entenda-se um “fenómeno pelo qual uma determinada língua nunca é,

numa dada época, lugar e grupo social, igual ao que era numa época, num outro lugar

e num outro grupo social. A variação diacrónica é objecto de estudo da gramática e da

linguística históricas, a variação no espaço é objecto de estudo da geografia linguística

e da dialectologia. A sociolinguística ocupa-se da variação social” (cf. Xavier e Mateus

1990: 392, apud Marques 1995:40).

Na verdade, no presente estudo não se pretende abordar as EIs, do ponto de vista da

variação diacrónica, diatópica ou social, mas sim encarar estas estruturas como unidades

linguísticas transmissoras de marcas sociais e culturais, associadas a determinadas

épocas, lugares e grupos, na medida em que, na óptica de Jorge (1997: 11), “constituem

um campo rico em expressividade e sabedoria popular”, encontrando-se nelas

34

Atente-se que as EIs em causa não foram traduzidas por outras EIs equivalentes ou de significados

semelhantes, tendo as autoras recorrido à tradução através de linguagem literal, o que nos remete para as

questões tradutológicas abordadas anteriormente.

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“registados traços de ontem e de hoje que descrevem os homens, as relações entre eles

e, no sentido mais lato, a própria sociedade.” Para a autora, “as EIs são bocados de

discurso, são palavras combinadas que foram cristalizando os laços que as unem ao

longo de anos de História, estabelecendo entre elas relações finitas e restritas, tanto

sintácticas como semânticas”, como vimos anteriormente ao abordar o paradigma

sintáctico-semântico.

No quadro acima retratado, as EIs constituem, assim, um objecto importante da língua

natural, na medida em que são o manifesto de um saber colectivo, que permite o

enriquecimento do idiolecto de um indivíduo e facilitam a comunicação, surgindo nos

vários tipos de discurso, desde o quotidiano até ao literário. Estas estruturas linguísticas,

segundo esta perspectiva, “permitem instituir um diálogo interdisciplinar, aproximando

e salientando interrelações fundamentais, permitindo uma interpenetração com a

experiência humana, com a sociedade, proporcionando ao saber uma certa

humanização” (cf. Jorge, 1997 e 2001).

O conjunto de EIs que transportam consigo marcas culturais e sociais é gigantesco,

podendo o mesmo ser dividido em dois subconjuntos: o que representa traços próprios

de um povo e de uma cultura e o que ilustra os contactos entre línguas e as partilhas

entre povos, tal como demonstra o quadro seguinte.

• Ver navios do alto de Santa Clara;

• Passar as passas/ passinhas do Algarve;

• Ser mais antigo/velho que a Sé de Braga;

• Meter o Rossio na rua da Betesga;

1. EIs que representam características intrínsecas do povo português:

• Despedir-se à francesa;

• Falar francês como uma vaca espanhola;

• Ver-se grego;

• Ser para inglês ver.

2. EIs que ilustram o contacto da língua portuguesa com outras línguas e do povo português com outros povos:

Esquema 3 – Carácter sociolinguístico das EIs: a marca dos povos

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Nesta perspectiva, vale a pena referir Carvalho (2010) e a sua obra “Nas bocas do

mundo – uma viagem pelas histórias das expressões portuguesas”, onde o autor

apresenta uma recolha significativa deste tipo de estruturas linguísticas, explicando a

sua origem histórica35

, a qual deixa muitas vezes transparecer o contacto existente entre

o nosso povo e outras nações e o carácter intemporal que lhes é inerente. Por este

motivo, no seu estudo, Carvalho arrolou as “expressões correntes pela ordem histórico-

temporal da sua suposta origem”, ou seja, Época Clássica, Época Medieval, Época

Moderna e Época Contemporânea.

Apresentem-se de seguida algumas expressões, bem como a explicação da sua origem,

que, embora pertencentes a outras épocas, ainda hoje figuram no léxico dos

portugueses, comportando em si partilhas culturais e sociais entre povos. Note-se que a

referência a outros povos pode ser directamente contemplada na própria expressão,

como é o caso de Agradar a gregos e a troianos36

ou aludir a estes de forma implícita,

encontrando essa mesma referência apenas na situação que criou a expressão, como

acontece em Ficar com os louros. Desta forma, essa referência passa muitas vezes

despercebida aos falantes, visto que os mesmos geralmente desconhecem a proveniência

de tais formulações linguísticas. Veja-se, então, quais as situações que deram origem a

estas duas expressões idiomáticas que compreendem em si a cultura grega da Época

Clássica (cf. Carvalho, 2010).

Cultura grega

(5) Agradar a gregos e a troianos – “isto é o tipo de coisas que se diz de quem

tenta agradar a toda a gente, por vezes tentando até abarcar públicos muito

diferentes e antagónicos. Claro que se trata de uma asserção mais usada no

sentido negativo, referindo que, no fundo, é impossível agradar a toda a gente. A

sua origem não encerra muitos mistérios. De acordo com as narrativas homéricas

(que a investigação histórica confirma em parte), os gregos e os troianos

envolveram-se numa árdua guerra que culminou com a vitória grega e a

destruição da cidade-Estado de Tróia. Num tão sangrento e extremado conflito

35

Na introdução da sua obra, o autor esclarece: “Antes do mais, o facto de este estudo não pretender ser

um dicionário de expressões correntes, com a simples explicação do seu significado; este estudo tenta ser,

sobretudo, uma lista de expressões correntes com explicação da respectiva origem histórica. Quando

surgiram estas expressões? Como nos chegaram? Que histórias estão por detrás da sua origem?” (cf.

Carvalho, 2010: 9-10). 36

Também podem, aqui, ser consideradas todas as EIs referidas no ponto 2 do quadro apresentado na

página 46.

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era impossível ser imparcial e/ou tentar agradar a ambos os lados” (cf. Carvalho,

2010: 28-29).

(6) Ficar com os louros – “aplica-se quando alguém recebe todos os méritos

por algo bem feito, sem que essa pessoa tenha sido responsável pelo trabalho.

Nos Jogos Olímpicos da Grécia Antiga, os vencedores das provas disputadas

recebiam como prémio uma coroa de louros ou uma palma. De igual modo, os

generais romanos que eram recebidos em triunfo desfilavam pelas ruas de Roma

com uma coroa de louros na cabeça. Na verdade, a coroa de louros era um

símbolo de triunfo nas civilizações clássicas” (cf. Carvalho, 2010: 34-35).

Da mesma forma que a cultura grega se reflecte nas estruturas idiomáticas da nossa

língua, também a cultura romana o faz, como demonstram as seguintes expressões.

Cultura romana

(7) Cometer um erro crasso – “como designativo de um erro fatal. A história

conta-se em poucas palavras. No ano de 53 a.C., Crasso liderava uma campanha

militar contra os Partos. Confiante da sua superioridade, decidiu abandonar as

sensatas e experimentadas tácticas habituais e investiu de forma despreocupada

através de um estreito desfiladeiro. Os Partos fecharam as saídas do desfiladeiro e

dizimaram as legiões romanas. Diga-se que foi o último erro de Crasso, que morreria

nesse dia” (cf. Carvalho, 2010: 46-47).

(8) Fazer as coisas em cima do joelho – “sabemos que isto quer dizer ʽalgo

feito de modo atabalhoado. O que sucede é que os escravos romanos que faziam as

telhas usavam as próprias coxas como molde. Mas como o tamanho das coxas variava,

as telhas eram desiguais. Daí veio a expressão que caracteriza o que é mal feito e se

torna inútil ou deficiente” (cf. Carvalho, 2010: 58).

Com o passar do tempo e com a constituição de novas nações, a língua portuguesa foi

ficando impregnada de EIs que reflectem a ligação do povo português com os outros

povos, como o francês e o inglês, por exemplo, como referido e demonstrado

anteriormente, ao mesmo tempo que terá servido também de motivo para a criação de

tais formulações noutras línguas.

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Para terminar o paradigma sociolinguístico, reforce-se a ideia de que as EIs são, sem

dúvida, estruturas linguísticas que comportam em si marcas temporais e sociais,

susceptíveis de transmitir cultura e valores, modos de estar e de pensar.

Posto isto, conclui-se que, de facto, as EIs se apresentam como um problema bicudo em

todos os paradigmas de análise, os quais serão, agora, apresentados de forma resumida.

Sendo as EIs combinações linguísticas analisáveis sob a perspectiva de diferentes

paradigmas, surge a necessidade de entender quais as motivações que levam ao seu

aparecimento. Seguindo esta linha de pensamento, o ponto subsequente debruçar-se-á

sobre o processo de criação destas estruturas, ao mesmo tempo que irá debater as

relações que estas estabelecem com a norma, ou seja, a forma como se

institucionalizam, questionando-se, ainda, se a excepcionalidade do seu carácter é

motivadora de desvio linguístico.

Paradigma Lexicográfico

• Problematiza-se sobre a melhor forma de elencar estas estruturas e suas variantes em qualquer di-cionário, seja ele geral ou es-pecífico.

Paradigma Sintáctico-semântico

• Discute-se o facto de as EIs constituírem ou não um grupo homogéneo, na medida em que cada uma apresenta carac-terísticas sintáctico-semânticas pró-prias, proporcio-nando-lhes dife-rentes graus de composicionali-dade e de cristalização.

Paradigma Psicolinguístico

• Analisa-se a forma como os falantes proces-sam o signi-ficado das EIs e a maneira como armazenam estas estruturas no seu léxico mental.

Paradigma Sociolinguístico

• Estuda-se as EIs na sua estreita relação com a sociedade e com a cultura, consi-derando-as extra-ordinárias formas transmissoras de marcas socio-culturais de um povo , de uma na-ção, que perdu-ram ao longo do tempo.

Paradigma Pedagógico

• Disserta-se sobre a impor-tância de explo-rar as EIs no processo de ensino-aprendi-zagem, tanto da língua materna como de uma estrangeira, por estas possibili-tarem o enrique-cimento do voca-bulário do apren-diz. Examina-se também as difi-culdades que es-tas acarretam ao processo tradutoló- gico.

Esquema 4 - Paradigmas de análise das EIs

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1.3. O processo de criação e normalização das EIs

O processo de criação de uma EI assenta no fundamento de que a actividade linguística

é uma actividade simbólica, por excelência, servindo a língua de “veículo ao

pensamento, que articula conceitos e não etiquetas aplicadas às coisas” (Yaguello,

1990: 115). É nesta perspectiva que surge o carácter criativo da linguagem, que se

manifesta num deslize de sentido, numa transferência semântica, susceptível de

aglomerar um grupo de vocábulos, aos quais é dada uma nova significação. De facto, é

esta situação que está na base da construção metafórica, a qual, tradicionalmente e

durante muito tempo, no âmbito da linguagem figurada, foi considerada a força motriz

criadora de EIs. Assim, estas estruturas não eram mais do que o simples resultado de

metáforas mortas ou meras expressões que perderam o carácter metafórico que em

tempos haviam tido, sendo entendidas simplesmente como estruturas semânticas

cristalizadas, que figuram no reportório mental do léxico dos falantes da mesma

maneira que surgem as palavras longas e de significado ambíguo (cf. Gibbs, 1993:57).

Em Gibbs (1993:58), esta atitude perante as EIs justifica-se pelo facto de os teóricos

confundirem metáforas mortas com metáforas convencionais, dando como exemplos as

expressões clássicas kick the bucket e spill the beans, as quais, não sendo actualmente

entendidas como metáforas, foram-no um dia. Neste sentido, os falantes conhecem o

significado destas expressões por este ser convencional, desconhecendo, por completo,

as origens metafóricas que estão na base da criação de tais EIs (cf. Lewis (1978), apud

Gibbs, 1993: 58). Assim, em conformidade com o autor, o significado da EI deve ter

sido determinado por uma qualquer convenção arbitrária que levou ao seu uso, tal como

acontece com a expressão inglesa break a leg37

, utilizada para desejar boa sorte a

alguém que irá realizar uma actuação, criada a partir da velha superstição que atesta que

dá azar desejar boa sorte, o que fez com que os falantes, sempre que quisessem desejar

boa sorte a alguém faziam-no almejando-lhe azar. A partir deste momento, e com a

utilização frequente por parte dos falantes, esta expressão tornou-se extremamente fixa,

ou seja, tornou-se convencional, não admitindo que expressões similares fossem

utilizadas com o intuito de designar o mesmo propósito, como por exemplo fracture a

tíbia; I hope you break your leg. Esta situação fundamenta o facto de os falantes actuais

utilizarem esta estrutura sem se questionarem porque razão esta expressão assumiu este

37

A expressão break a leg significa literalmente partir uma perna.

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

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significado, sendo tudo uma questão de convencionalidade38

.

Em Gibbs (1993) defende-se que até mesmo as expressões que são apresentadas como

exemplos clássicos de metáforas mortas possuem origens metafóricas vitalícias, que

podem ser explicadas por constituírem metáforas conceptuais, a partir das quais os

falantes reflectem, não só as suas necessidades e interesses de comunicação, mas

também o modo como os mesmos interpretam e lidam com o mundo em que se inserem.

É neste sentido que se torna pertinente fazer referência aos trabalhos de Lakoff e

Johnson (1980) e Lakoff (1987), através dos quais os autores explicam que “até o nosso

modo de pensar e de atribuir significado àquilo que nos rodeia está condicionado, não

só pela sua própria natureza, mas também pela natureza do mundo em que estamos

inseridos e com o qual interagimos”. Para estes autores, “na base da estruturação do

pensamento e da criação de significado encontram-se estruturas conceptuais geradas

pela nossa experiência”. (cf Rodrigues et al.., 2003: 150-151).

Seguindo esta teoria, em Gibbs (1993: 60-61) admite-se que o conhecimento conceptual

que o falante possui permite entender as expressões idiomáticas partindo de metáforas

pré-concebidas, como acontece com a interpretação das expressões inglesas: I was given

new strength by her love, he‟s sustained by her love and I am starved for your affection,

as quais reflectem a metáfora conceptual o amor como alimento (LOVE AS

NUTRIENT), tendo como principal função definir um conceito abstracto, amor (love),

através de um concreto, alimento (nutrient). Neste sentido, as metáforas conceptuais

surgem quando o falante tenta definir determinados conceitos que lhe parecem difíceis

ou abstractos, associando-os a ideias familiares39

.

Partilhando desta ideia, em Roncolatto (2001), admite-se que as “expressões

idiomáticas são fruto de um processo metafórico de criação”, na medida em que a

metáfora se encontra na base deste tipo de estrutura. Segundo a autora, o falante recorre

38

No presente estudo assume-se a definição de convencionalidade proposta por Ferreira (1999, apud

Pedro, 2007:67), que defende que “convencionalidade é tudo aquilo que é taticamente aceito, por uso

geral ou consentimento, como norma de proceder, de agir, no convívio social; costume; convenção

social”. Embora esta noção esteja mais virada para o contexto social, a mesma pode ser aplicada no plano

linguístico, em termos de saber a forma como algo deve ser dito. 39

Citando o autor: “the figurative meanings of idioms might well be motivated by people's conceptual

knowledge that is itself constituted by metaphor. For example, the idiom John spilled the beans maps our

knowledge of someone tipping over a container of beans to that of a person revealing some previously

hidden secret. English speakers understand spill the beans to mean 'reveal the secret' because there are

underlying conceptual metaphors, such as THE MIND IS A CONTAINER and IDEAS ARE PHYSICAL

ENTITIES, that structure their conceptions of minds, secrets, and disclosure” (Gibbs, 1995: 104-105).

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

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à metáfora com o objectivo de denominar um novo objecto, fenómeno ou situação

através de palavras já existentes ou de renomear outros com uma nova finalidade

estilística. Ainda em relação às EIs, a mesma defende que na sua criação ocorre aquilo a

que chama “dessemantização” das palavras que constituem tais expressões. Tal como

em Gibbs (1995) e em Roncolatto (2001), também em Vilela (2003: 429) se assume a

importância da metáfora na criação de novos sentidos, os quais originam EIs. Partindo

da existência de campos conceptuais passíveis de gerarem unidades fraseológicas

através de mecanismos icónicos, explica-se que “nesses modelos icónicos há domínios

fonte que desaguam em domínios meta”, servindo os primeiros para motivação

metafórica. No mesmo estudo declara-se igualmente que são inúmeros os modelos aos

quais os falantes podem recorrer para a criação de metáforas, nomeadamente o corpo

humano, os animais, crenças, religião, superstições, tradições, entre outros. Ainda em

Vilela (2003: 431) explica-se, também, que o falante, ao fazer uso de um modelo, retira

do mesmo um traço específico que será utilizado na nova expressão, que depois se

congela, ao afirmar-se:“estas lexicalizações são inicialmente transparentes nas depois

lexicalizam-se, tornam-se opacas.” Corroborando o defendido emVilela, na obra de

Yaguella (1990: 150) admite-se que a metáfora, bem como a metonímia e a sinédoque,

são figuras que “uma vez lexicalizadas, (…) já não se notam, o que não impede que o

jogo das figuras seja o principal mecanismo de extensão de sentido, tendo por essa

razão um papel primordial na evolução das línguas. A lexicalização das figuras pode

ser considerada como terminada a partir do momento em que a substituição da palavra

figurada por um sinónimo ou por um quase-sinónimo choca ou faz rir, o que constitui

uma fonte de humor”, exemplificando com a modificação de uma “expressão

sintacticamente congelada como “Há aqui um gato”, em vez de “Aqui há gato”.

Conclui-se, então, que em todos estes estudos as imagens mentais são fundamentais na

constituição de metáforas geradoras de EIs, sendo através da reutilização e

reinterpretação de elementos já existentes que os falantes de uma comunidade

linguística lhes atribuem um novo significado “idiomático40

” (cf. Roncolatto, 2001).

Seguindo um outro ponto de vista e não referindo directamente as metáforas como

originárias de EIs, em Gonzales (2006: 53-54) defende-se que a razão que leva ao

aparecimento de EIs passa pelo facto de, por vezes, o léxico de uma língua não dispor

“de unidades lexicais apropriadas para expressar determinadas emoções, sentimentos

40

A definição de significado idiomático será discutida no próximo capítulo, no ponto 2.2., bem como as

noções de significado literal e figurado.

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

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ou subtilezas do pensamento do falante”, apoiando a sua ideia em Xatara (1994, apud

Gonzales: 54), onde se afirma que o povo “por não encontrar no repertório disponível

os elementos de que necessita para a sua comunicação ou expressão verbal em dada

situação, vale-se de combinatórias inusitadas, buscando um efeito de sentido.

Congelando-se e difundindo-se pela comunidade dos falantes, tais combinatórias

originam as expressões idiomáticas”. Ainda conforme Xatara (1994, apud Gonzales:

54), esta situação justifica-se pelo facto de o povo, embora de forma inconsciente, ter “a

intuição de que as palavras são como as pessoas: nascem, crescem, vivem

intensamente, declinam e morrem”, podendo, “às vezes, ressuscitar, voltar a viver”. É

nesta perspectiva que em Guiraud (1972, apud Gonzales, 2006: 42) se aponta a

nominação e a evolução como forças impulsionadoras do processo que dá origem a

novos sentidos para as palavras, pois através da nominação asseguram-se as funções

cognitivas e expressivas e, por meio da evolução, “o sentido muda, desliza sobre o

sentido de base e substitui-o, isto é, evolui”.

Nesta perspectiva, as EIs compreendem unidades dinâmicas e versáteis, dotadas de um

carácter funcional singular, que deixam transparecer a criatividade dos falantes e a

capacidade dos mesmos em fazer analogias entre situações e factos. Esta capacidade de

entender similitudes e fazer analogias, processos essenciais da cognição humana, aliada

ao pensamento metafórico, constituem as principais fontes de criação de EIs.

Daqui surge uma nova questão que se prende com a escolha dos vocábulos que irão

constituir uma expressão idiomática. Neste sentido, questiona-se sobre os critérios de

que se servem os falantes, no momento da criação de uma expressão, para elegerem

uma palavra e não outra de significado semelhante ou idêntico?

Em Borba (1967, apud Gonzales, 2006: 54) declara-se que a criação de uma expressão

idiomática é uma tarefa de “nomeação subjectiva”, na medida em que “o nome

escolhido para integrar uma EI manifesta valores expressivos relacionados com o

falante e não apenas uma identificação, por abstracção, com o objecto”. Em oposição a

esta, em Gonzales (2006: 55) apresenta-se a teoria de Lopes (1987), a qual defende que

as EIs resultam de um processo que associa duas ideias ou universos do discurso nunca

antes relacionados, “reunindo-os numa nova síntese, que exprime revelação cognitiva e

catarse emocional”.

Criadas por motivos de carência linguística ou por simples acasos criativos e

arquitectadas por processos de nomeação subjectiva ou por associação de dois conceitos

que até então nunca tinham sido interligados, que tenham ou não na sua base metáforas

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

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Eixo Sintagmático

Eix

o P

ara

dig

máti

co

mortas, a verdade é que a criação de qualquer EI, tal como a formação de uma metáfora,

metonímia ou sinédoque, “explora os dois grandes organizadores da linguagem: a

selecção (sobre o eixo paradigmático) e a combinação (sobre o eixo sintagmático)41

(cf. Yaguella, 1990: 147, 51-52). Neste sentido, admite-se que a invenção de uma EI

pressupõe necessariamente determinadas escolhas, feitas a um nível vertical, ao nível

paradigmático, o qual considera o “inventário, para cada segmento do enunciado, de

todas as unidades susceptíveis de preencher a mesma função no mesmo contexto”, as

quais serão combinadas horizontalmente segundo as relações sintagmáticas a

estabelecer (idem, ibidem). A grande questão gira em torno da motivação que está na

escolha de uns vocábulos em detrimento de outros, assumindo-se, mais uma vez, que a

escolha é subjectiva e que tem como base a experiência e o saber do(s) falante(s)

criador(es), cuja estrutura será, com o tempo, lexicalizada, tornando-se o seu significado

convencional. Veja-se a expressão Ter minhocas na cabeça42

, a título de exemplo, que

ilustra o que atrás foi dito.

41

O eixo sintagmático é o eixo da frase, da contiguidade, em que os termos da oração se combinam para

construir unidades de sentido. Trata-se de um eixo linear de signos. O eixo paradigmático é o da palavra,

da selecção que fazemos por similaridade, ao elaborarmos uma frase. Nesse eixo, fazemos substituições

entre palavras, entre termos da frase (cf. Yaguello, 1990). 42

“Ter minhocas na cabeça: diz-se de pessoa de espírito pessimista, melancólico, sempre preocupada

com males possíveis ou imaginários” (cf. Santos, 1990: 73).

Ter minhocas na cabeça

Possuir lagartas mão

Deter borboletas perna

Ver cobras barriga

Esquema 5 – Os Eixos Paradigmático e Sintagmático no processo de criação de uma EI

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

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Urge, então, questionar qual o caminho que estas expressões percorrem até à sua

institucionalização? Qual o processo que transpõem estas expressões do domínio da fala

para a esfera da língua? Qual o fenómeno que tem de ocorrer para que as mesmas sejam

inscritas na norma de uma língua? Sendo a língua entendida como um sistema, definido,

por sua vez, como uma totalidade ordenada e metódica, composta por elementos que

constituem entre si uma rede de relações, formando uma estrutura, torna-se essencial

esclarecer como as EIs passam a constar nessa mesma estrutura, fazendo, assim, parte

da norma. Em Vilela e Koch (2001, 32-33), o conceito de norma compreende-se pelo

facto de, na esfera dos elementos e relações existentes no sistema, se escolherem

determinados elementos e os considerar como obrigatórios, sendo a norma não mais do

que o “resultado do fixado historicamente pelo uso” e, fortuitamente, pelas instituições.

De acordo com o estudo de Gonzales (2006: 37), as alterações que a norma pode sofrer

podem não ser registadas pelas gramáticas e dicionários de forma imediata; daí se

problematizar tanto o valor da norma, uma vez que “muitas vezes a agramaticabilidade

ou a inaceitabilidade de enunciados resulta do facto de não encontrarmos situações

adequadas para “gramaticalizar” ou tornar “aceitáveis esses mesmos enunciados”. É,

precisamente, esse o motivo, considerado pela autora, que leva as EIs a entrarem na

norma de uma língua, isto é, o de “atender a uma necessidade comunicativa, de

maneira mais ou menos compacta, visto que não há na língua elemento ou conjunto de

elementos (lexemas) que retrate a situação com a mesma fidelidade expressiva”.

Validando esta linha de pensamento, encontra-se Vilela (2002: 171, 194-195), ao se

afirmar que as EIs, tal como outros frasemas, “funcionam como um processo de

ampliação do léxico, servindo assim para a nomeação, qualificação, circunstanciação,

ou, por outras palavras, contribuindo para a lexicalização da conceptualização e

categorização da nossa experiência quotidiana”. Atesta-se que essa lexicalização

“implica a fusão de várias unidades numa só, em que o resultado aparece como algo

terminado, fixado, no fim da linha linguística”. Nesta perspectiva, a lexicalização, ou

seja, o congelamento destas estruturas, conduzirá à sua fixação, a qual “representa a

inserção de um facto de uma língua na história dessa língua”.

Completando esta questão, resulta importante referir que as EIs entram na norma,

seguindo o pressuposto defendido por Saussure: “nada entra na língua sem ter sido

antes experimentado na fala, e todos os fenómenos evolutivos têm sua raiz na esfera do

indivíduo” (cf. Saussure, apud Gonzales, 2006: 31). Assim, o processo de criação e

normalização de qualquer estrutura idiomática comporta a existência de três fases

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

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distintas, as quais compreendem a passagem por vários níveis, nomeadamente o do

indivíduo para o da sociedade; e, da mesma forma, o da fala para o da língua, como

atesta o seguinte esquema.

Esquema 6 – Os níveis existentes no processo de criação de uma EI

Ao falar-se sobre a norma é inevitável não reflectir sobre a outra face da moeda,

representada pelo chamado desvio linguístico. Neste sentido e em jeito de remate,

levante-se esta última questão que se relaciona com o facto de, uma vez

institucionalizadas na norma, serem as EIs unidades propícias ou não ao

desencadeamento de desvios linguísticos, resultantes das suas características tão

peculiares.

Na verdade, considera-se que o desvio linguístico, ao nível das EIs, é fundamentalmente

desvio por omissão e não desvio por erro. Vale dizer que o desvio linguístico não

resulta de transgressões à norma, resultando efectivamente de deficiências linguísticas

situadas ao nível da interpretação e da produção destas estruturas. Neste sentido, e

levantando um pouco o véu sobre o que se irá debater no seguimento deste estudo,

acredita-se que o número de desvios por omissão decresce à medida que o falante

Níveis: língua e sociedade

A formulação, numa última instância, passa a ser consagrada por toda a comunidade, ou seja, é acolhida pela norma, fazendo agora parte integrante da língua.

Níveis: fala e sociedade

Essa formulação então criada é, agora, reproduzida por um número significativo de falantes, consagrando já a sua fixação e congelamento sintáctico-semântico, ou seja, a sua lexicalização.

Níveis: fala e indivíduo

O falante, por motivos de carência linguística ou devido a um simples acto de criatividade resultante de uma nomeação subjectiva, congrega vários vocábulos, conferindo-lhes alterações semânticas.

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Capítulo 1 | A Expressão Idiomática no Universo Linguístico

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adquire e consolida as várias competências linguísticas, ou seja, no decorrer do seu

processo de aquisição da linguagem43

.

Na verdade, o processo de aquisição da linguagem será discutido no próximo capítulo,

abordando-se primeiramente a linguagem literal e de seguida a linguagem figurada,

especificamente as EIs.

43

Esta ideia encontra fundamento num estudo realizado no âmbito do seminário Norma e Desvio no

Português Contemporâneo, levado a cabo no ano curricular, no qual se desenvolveu um experimento que

teve como objectivo verificar e analisar a ocorrência de desvios por omissão em falantes de idade adulta,

provenientes de meios diferentes, urbanos e rurais. Partindo do pressuposto de que a aquisição de EIs

compreende um processo que se desenvolve à medida que se adquire determinadas capacidades

linguísticas, pretendeu-se com este estudo verificar se o processo se encontra finalizado em falantes

adultos ou se está ainda em evolução, levando à observação de situações de desvios linguísticos.

Apresentou-se igualmente uma comparação entre falantes adultos, de diferentes faixas etárias,

provenientes de meios urbanos e de meios rurais, de maneira a verificar se o contexto em que os falantes

se inserem se reflecte na aquisição deste tipo de estruturas.

Para a recolha de dados elaborou-se um inquérito composto por quarenta e três EIs, as quais foram

recolhidas aleatoriamente em vários dicionários especializados. Os falantes tinham como função

responder a quatro exercícios diferentes: múltipla escolha, ligação de elementos, preenchimento de

espaços em branco e explicação escrita e contextualizada do significado de várias EIs.

Da apresentação e consequente análise dos dados, concluiu-se que o desvio ao nível das EIs constitui

efectivamente um desvio por omissão, na medida em que a transgressão à norma decorre de deficiências

situadas ao nível da capacidade de interpretação e produção de tais unidades; deficiências essas que vão

acompanhando o desenvolvimento linguístico do falante. Verificou-se ainda que os desvios por omissão

estão também relacionados com o ambiente em que se insere o falante, situação que remete para a questão

da familiaridade no processo de aquisição e processamento de EIs.

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

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Capítulo 2- A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões

de aquisição

Chega mais perto e contempla as palavras.

Cada uma

tem mil faces secretas sob a face neutra

e te pergunta, sem interesse pela resposta,

pobre ou terrível, que lhe deres:

Trouxeste a chave?

Carlos Drummond de Andrade

Tal como as palavras para Carlos Drummond de Andrade, também as EIs, bem como

todas as outras unidades fraseológicas, podem envolver mais do que uma face, neutra ou

secreta, das quais os falantes devem conter a “chave”, de maneira a alcançarem o seu

significado, o qual poderá situar-se em planos de realização diferentes, linguisticamente

falando: no plano literal ou no plano figurado.

No presente capítulo estes planos são representados pelas linguagens literal e figurada,

na medida em que as mesmas serão o centro da discussão, quer em termos de

conceptualização, quer em termos de aquisição por parte dos falantes.

2.1. O Literal e o Figurado: discussão de conceitos

Desde sempre, a linguagem figurada tem sido entendida como oposta à linguagem

literal, sem que haja, também aqui, um consenso no que respeita à definição e

delimitação dos conceitos. Partindo dos estudos de Dascal (1987) e Gibbs (1984, 1989),

em Levorato (1993: 101) corrobora-se a ideia anteriormente apresentada:

“There is much controversy in psycholinguistics as to the validity of the distinction between

figurative and literal language”.

De acordo com o estudo referido, tal acontece por não existir um critério unânime que

permita definir e delimitar consensualmente os termos em questão. Perante tal

dificuldade, em Levorato (2003) estabelece-se a diferença, partindo de três

características que se associam exclusivamente à linguagem figurada. A primeira

característica relaciona-se com a lacuna existente entre as palavras utilizadas pelo

falante e as suas intenções comunicativas, sendo exemplo disso a ironia, onde o

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

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significado pretendido, leia-se implícito, pode ser exactamente o oposto ao do

significado explícito. Como segunda desigualdade, apresenta-se a convencionalidade,

explicando-se que, partindo do significado original, o literal, existem estruturas, como

as EIs, que por convenção adquirem novos significados. A última discrepância reside no

facto de a linguagem figurada ser mais dependente do contexto do que a literal,

variando essa dependência consoante o grau de convencionalidade atribuído à estrutura

linguística em causa.

A dificuldade apresentada em Levorato (1993) é sentida por todos aqueles que têm

como sua área de estudo combinações fraseológicas que encontram a sua realização no

plano figurado, na medida em que para conseguir uma melhor determinação do que são

estas combinações resulta essencial estabelecer, primeiramente, de que noção de literal

e figurado se servem maioritariamente os teóricos.

Em Cacciari (1993: 28), a noção mais comum de linguagem literal, utilizada tanto em

Linguística como em Psicologia, é a proposta em Katz and Fodor (1963), a qual se

baseia no seguinte critério: “the anonymous letter criterion44

”, consistindo o mesmo no

seguinte método: uma pessoa recebe uma carta anónima, contendo a mesma uma única

frase, não lhe sendo dada qualquer informação adicional. Parte-se do princípio de que

aquilo que essa pessoa daí entender será o significado da frase, ou seja, o significado

literal das palavras que a constituem. Contudo, esta noção tem sido questionada por

alguns estudiosos, nomeadamente em Clark et Carlson (1981), na medida em que a

mesma não considera certos pressupostos linguísticos, determinadas aprendizagens

inferidas, experiências e vivências adquiridas pela pessoa em causa (idem, ibidem).

Em Lakoff (1986, apud Cacciari, 1993: 29-30), por sua vez, atesta-se que a noção

de linguagem literal tem sido, ao longo dos tempos, determinada com base num modelo

idealizado e simplificado da linguagem e do pensamento humano, identificando quatro

possíveis sentidos em que a palavra literal é utilizada de forma indeterminada:

“Literal 1: Conventional literality, that is, ordinary convencional language

constrasting with poetic language.

Literal 2: Subject matter literality, that is, the language normally used to talk about

some domain.

Literal 3: Nonmetaphorical literality, that is, directly meaningful language whose

understanding does not require any borrowing from other domains of thought and

44

Em português a expressão “the anonymous letter criterion” pode ser entendida como “o critério da carta

anónima”.

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

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experience, nor any indirect intervention of metaphor or metonymy.

Literal 4: Truth-conditional literality, that is, the language capable of „fitting the

world‟”.

No presente estudo, assume-se como definição de literal o terceiro sentido

apresentado em Lakoff (1986), o qual considera a linguagem literal uma linguagem cujo

significado é de acesso directo e cuja compreensão é desprendida de qualquer abono de

outras áreas do pensamento e da experiência e de interferência camuflada de metáforas

ou metonímias, sendo o sentido figurado o oposto do literal e sinónimo de idiomático.

Paralelamente a esta problemática da definição e delimitação dos conceitos, situa-se

uma outra, que se prende com questões colocadas ao nível da aquisição da linguagem

literal e da linguagem figurada, as quais serão alvo de discussão no próximo ponto.

2.2. Aquisição da linguagem: breves considerações teóricas

Em Sim-Sim (1998: 19) afirma-se: “o processo de aquisição da linguagem (pela

rapidez e perfeição) é frequentemente considerado como um dos feitos mais

espectaculares do ser humano”, na medida em que embora não tenhamos nascido a

falar, o que é certo é que “em pouco tempo e sem esforço, tornamo-nos conhecedores de

um dos sistemas mais sofisticados e complexos que se conhece”. Ainda conforme a

autora, “em pouco mais de 40 meses”, o ser humano detém a capacidade de evoluir de

um simples choro para a elaboração de frases completas e coerentes, de forma a

comunicar as suas necessidades45

”.

Em Yaguello (1990: 16) afirma-se que “a linguagem acciona capacidades

especificamente humanas, as capacidades para a simbolização e a abstracção: o

homem é capaz de evocar não apenas o que é palpável e está presente mas também o

que está longe, no tempo ou no espaço, o que é abstracto ou mesmo imaginário46

”.

45

Importa dizer que linguagem e comunicação não devem ser entendidos como vocábulos sinónimos, na

medida em que, apesar de a linguagem servir para comunicar, esta “não se esgota na comunicação”, ao

mesmo tempo que “a comunicação, por sua vez, não se confina à linguagem verbal usada pelos seres

humanos.Neste sentido, entenda-se comunicação como o “processo activo de troca de informação que

envolve a codificação (ou formulação), a transmissão e a descodificação (ou compreensão) de uma

mensagem entre dois, ou mais, intervenientes” e a linguagem como “um sistema complexo e dinâmico de

símbolos convencionados, usado em modalidades diversas para [o homem] comunicar e pensar” (cf.

Sim-Sim, 1998: 21 – 23). 46

As capacidades para a simbolização e abstracção resultam essenciais no(s) processo(s) de aquisição e

compreensão de Expressões Idiomáticas, como será discutido no último ponto do presente capítulo.

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

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Estas capacidades resultam comuns a todos os homens, sendo impossível conceber vida

humana sem linguagem, a qual acaba, enquanto objecto da Linguística, por existir na

forma de um instrumento de comunicação, que varia de comunidade para comunidade,

ao qual se atribui o nome de língua47

. Seguindo esta linha de pensamento, a autora

aborda um dos grandes temas linguísticos, que se prende com a existência de

determinadas características e propriedades universais a todas as línguas48

.

No seguimento destas características universais, em Sim-Sim (1998: 23) admite-se que

a universalidade também se encontra na capacidade de todas as crianças adquirirem a

língua da comunidade em que se inserem. Por aquisição, a autora entende o “processo

de apropriação subconsciente de um sistema linguístico, via exposição, sem que para

tal seja necessário um mecanismo formal de ensino” (cf. Sim-Sim, 1998: 28). Neste

sentido, a mesma defende que essa aquisição é natural e espontânea, na medida em que

basta à criança ser exposta à língua da sua comunidade para que esta a consiga adquirir.

Desta forma, entende-se que todas as crianças estão preparadas para adquirir qualquer

língua, desde muito cedo. Em Lamas (2000) defende-se, tal como em Sim-Sim (1998),

que o processo de aquisição da linguagem se inicia, de forma geral, muito cedo na vida

de qualquer ser humano, na medida em que logo à nascença a criança se encontra

disponível para aprender qualquer sistema linguístico (cf. Lamas, 2000, apud

Evangelista, 2004: 75). Ainda em Sim-Sim (1998) reporta-se que “o sistema

[linguístico] adquirido espontânea e naturalmente, e que identifica o sujeito com a

comunidade linguística, constitui a língua materna (ou nativa) desse indivíduo”,

informando-se que a sua aquisição compreende “a apreensão das regras específicas do

sistema, no que respeita à forma (i.e, sons e respectivas combinações, formação e

47

Língua surge, neste contexto, como “um instrumento de comunicação segundo o qual, de modo

variável de comunidade para comunidade, se analisa a experiência humana em unidades providas de

conteúdo semântico e de expressão fónica – os monemas; esta expressão fónica articula-se por sua vez

em unidades distintivas e sucessivas – os fonemas – de número fixo em cada língua e cuja natureza e

relações mútuas também diferem de língua para língua” (Martinet, 1991: 24). 48

A autora admite que “todas as línguas possuem uma dupla articulação, em unidades de sentido

(palavras ou morfemas) e unidades fónicas (vogais e consoantes). Todas elas constituem sistemas cujas

unidades se definem em relação ao conjunto do sistema organizado pela sua estrutura. O som mantém

com o sentido uma relação a que se chama arbitrária, (isto é, convencional). Todas as línguas

comportam a redundância (que é um excesso de meios em relação à informação efectivamente

transmitida), a ambiguidade, dissemetrias, irregularidades, todas elas têm a possibilidade de, a partir de

um número de signos teoricamente finito, produzir enunciados em número infinito. Todas elas têm um

carácter evolutivo perpétuo, cuja suspensão significa a sua morte; todas elas autorizam a invenção, a

criatividade, as deslocações de sentido, as figuras de estilo, o jogo. Todas elas são estruturadas a três

níveis: o do som, o do arranjo gramatical, o do sentido. (…) [A] mensagem linguística é linear (…) [e]

as unidades linguísticas são discretas, ou seja, isoláveis umas das outras” (cf. Yaguello, 1990: 39-40).

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

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estrutura interna das palavras e organização das palavras em frases), ao conteúdo

(significado das palavras e a interpretação das combinações de palavras) e ao uso da

língua (adequação ao contexto de comunicação)”, dependendo sempre do contexto

sociocultural em que a criança se insere. Neste sentido, o processo de aquisição da

linguagem levado a cabo por qualquer criança é condicionado pelo input linguístico que

a mesma recebe de todos os membros da comunidade linguística a que pertence, o que

se reflectirá na forma como esta irá expressar verbalmente o seu pensamento. É nesta

perspectiva que em Lamas (2000), citado em Evangelista (2004: 76), se admite: “a

intensidade e a variedade das comunicações adulto-criança tornam-se assim um factor

importante no processo de aquisição”, adquirindo, a criança, gradualmente, “as regras

que organizam o comportamento linguístico da comunidade em que vive”. A

interiorização dessas regras espelha o conhecimento intuitivo da língua49

, por parte da

criança, enquanto o uso desse conhecimento diz respeito ao seu desempenho linguístico.

Em Guasti (2002: 2-3) corrobora-se o supracitado ao se afirmar que o processo de

aquisição da linguagem diz respeito a um processo que qualquer criança desenvolve

sem esforço, na medida em que o mesmo ocorre sem um ensino explícito, com base em

exemplos positivos, sob várias circunstâncias, num espaço de tempo limitado e de

maneira idêntica em diferentes línguas. De facto, em Guasti (2001: 3-4), explica-se que

a aquisição de uma primeira língua não requer uma instrução sistemática, visto que a

linguagem se desenvolve de forma espontânea devido ao input linguístico a que a

criança é exposta. Desta forma, a criança desenvolve a linguagem com base naquilo que

ouve. Apesar de o input linguístico variar de criança para criança, assume-se que, por

volta dos 5 anos, as crianças já dominam grande parte das construções existentes na sua

língua, embora o seu vocabulário se encontre ainda em crescimento. Ainda em Guasti

(2002:4) esclarece-se que o processo de aquisição da linguagem é desenvolvido de

forma semelhante em várias línguas, visto que as crianças passam por estádios

idênticos. A título ilustrativo, afirme-se que por volta dos 6-8 meses todas as crianças se

encontram na fase do balbúcio, começando a produzir sílabas repetidas, como por

exemplo “blablabla”; aos 10-12 meses, começam a produzir as suas primeiras palavras;

aos 20-24 meses começam a juntar vocábulos; enquanto entre os 2 e 3 anos, as mesmas

já produzem enunciados com verbos no infinitivo. Nesta perspectiva, citando Guasti

(2002: 4):

49

O termo “conhecimento intuitivo da língua” também pode ser entendido por “competência linguística”.

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

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“It is striking that the timing and milestones of language acquisition are so similar and

that the content of early languages is virtually identical, despite great variations in input

and in conditions of acquisition”.

Na verdade, o processo de aquisição da linguagem tem sido um objecto de estudo

problemático, o qual “está longe de ser totalmente compreendido”, não havendo

consenso entre os teóricos (cf. Fromkin e Rodman, 1993: 351). De facto, são vários os

modelos explicativos que, ao longo dos anos, procuraram demonstrar como a criança,

num curto espaço de tempo e partindo de um estado zero, consegue alcançar o domínio

e a mestria de um dos sistemas mais complexos do conhecimento humano. Todas estas

teorias assentam na explicação de três aspectos fundamentais: entender o que há de

inato em todo este processo; esclarecer a importância do meio em que se insere a

criança e verificar a existência de mecanismos próprios ou comuns a outras capacidades

da mente humana (cf. Sim-Sim, 1998: 297-312).

Ao presente trabalho interessa um modelo explicativo em particular, a Teoria Inatista,

desenvolvida por Noam Chomsky, o qual, nos anos 50, colocou a hipótese de que a

criança, ao nascer, já se encontra predisposta para aprender a falar, na medida em que

possui, biologicamente, uma capacidade designada para um fim específico: adquirir

linguagem (cf. Costa e Santos, 2003: 11). Neste sentido, entende-se que “a criança

chega a este mundo com uma predisposição inata (programação genética) para

adquirir a linguagem, materializada na capacidade para extrair regras gramaticais do

que ouve”. A essa predisposição, Chomsky deu o nome de dispositivo para aquisição da

linguagem (DAL50

) (cf. Sim-Sim, 1998: 301). Com esta hipótese, o autor revolucionou

a temática em questão, na medida em que colocou em causa o pressuposto behaviorista

de que as crianças aprendem a falar por imitação, baseando-se em três razões essenciais

(cf. Costa e Santos: 2003: 21-23):

(i) As crianças dizem coisas que nunca tinham ouvido antes;

(ii) As crianças são constantes nos seus erros e são bem sucedidas;

(iii) Os erros das crianças denunciam conhecimento da gramática.

Ainda de acordo com os autores acima citados, Chomsky defende também que o

desenvolvimento linguístico é um processo que não varia de língua para língua - por

isso possui um carácter universal - e não segue uma ordem arbitrária; daí o seu cunho

sequencial. Assim, este acredita que existe uma sequencialidade universal na aquisição

50

Em Inglês, ou seja, na sua forma original o termo é Language Acquisition Device (LAD).

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

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de uma língua. Este argumento é considerado em Sim-Sim (1998: 302) como um dos

“exemplos explicativos mais poderosos do inatismo linguístico”, afirmando-se: “de

facto, aproximadamente com a mesma idade, todas [as crianças] passam por uma fase

de palreio, a que se segue o período de lalação; depois a fase holofrásica, seguida do

discurso telegráfico, das estruturas simples e finalmente das estruturas complexas51

”,

tal como referido anteriormente.

A autora esclarece também que esta aquisição não depende do nível de inteligência da

criança, sendo realizada num curto espaço de tempo, uma vez que as mesmas já nascem

preparadas “para especificamente tratar a informação linguística e formar as

estruturas que são características da linguagem humana. A razão para tal

especificidade só pode ser encontrada no equipamento biológico do ser humano e na

evolução maturacional ao longo do crescimento da criança” (idem, ibidem).

Desta forma, a aquisição da linguagem é explicada pelos inatistas da seguinte forma:

“expostas às produções linguísticas que o meio lhes oferece, (o input linguístico), e

confrontadas com uma infinidade de exemplos, as crianças parecem formular hipótese

sobre as categorias e relações subjacentes à linguagem e testá-las através do uso,

aplicando as regras extraídas (a gramática da língua) a novos contextos” (idem,

ibidem). Em Costa e Santos (2003: 48), a teoria de Chomsky é resumida no pressuposto

de que “os bebés nascem pré-programados para virem a ser falantes da língua (ou

línguas) a que são expostos. Por outras palavras, de acordo com este linguista, os

aspectos universais da aquisição da linguagem e a rapidez e eficiência deste processo

decorrem da hipótese de que o bebé não começa do nada. Ele traz na cabeça uma série

de princípios universais sobre o formato que uma língua pode ter, não precisando de os

aprender. Traz também uma série de hipóteses sobre a possibilidade de variação entre

as várias línguas do mundo, tendo como única tarefa verificar de que forma se

comporta a língua que é falada em seu redor”.

Em Guasti (2002: 20), ainda sobre a Teoria Inatista, afirma-se que os comportamentos

inatos estão relacionados com a existência de períodos críticos, durante os quais a

capacidade para adquirir determinadas competências atinge o seu nível mais alto.

Porém, passado esse momento, a capacidade de adquirir essas mesmas competências

entra em declínio. Nesse sentido, e entendendo-se a linguagem como um

comportamento inato, resulta pertinente questionar sobre quais os efeitos desta situação,

51

Para aprofundamento do tema conferir os trabalhos de Sim-Sim (1998) e Costa e Santos (2003).

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

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uma vez que o processo de aquisição da linguagem também se encontra sujeito a um

período crítico. De facto, são vários os exemplos que levam os estudiosos a sugerir que

um falante só consegue desenvolver a linguagem na sua totalidade caso esta tenha sido

adquirida antes da adolescência. Neste sentido, os efeitos do período crítico

manifestam-se na aquisição da linguagem, nos seus vários níveis, nomeadamente

fonológico, morfológico e sintáctico. Esta situação explica a razão pela qual a aquisição

de uma língua se torna mais difícil à medida que o falante se torna mais velho. Assim,

apesar de todos os seres humanos serem dotados de um sistema de conhecimento

linguístico estruturado, o mesmo só poderá ser desenvolvido de forma natural e

completa, se o falante for exposto a estímulos, numa fase inicial da sua vida.

Por ser um processo que envolve componentes socioculturais e biológicas e se inicia

logo à nascença, a aquisição da linguagem compreende a passagem da criança pelos

vários níveis atrás mencionados, através dos quais a mesma vai adquirindo novas

capacidades e amadurecendo as já angariadas, obtendo, assim, um conhecimento

linguístico cada vez mais amplo e maduro. De facto, são diversos os estudos52

que

demonstram que a criança inicia este processo partindo de um conhecimento meramente

intuitivo, por exemplo aquando da produção espontânea das suas primeiras frases, em

que não tem consciência das propriedades do sistema, o qual é denominado por

conhecimento implícito. Porém, ao atingir um certo nível do seu desenvolvimento, a

criança começa a manifestar capacidades metalinguísticas, assumindo agora uma

posição distanciada do conhecimento da língua, a qual recebe o nome de consciência

linguística. Por sua vez, o desenvolvimento de tal consciência conduz ao conhecimento

explícito da língua, o qual consiste, de acordo com o estudo de Gonçalves et al.. (2009:

16), na “consciencialização e sistematização do conhecimento da língua, com vista à

sua utilização adequada nos modos oral e escrito”.

Interessa a este estudo tecer algumas considerações sobre os níveis de tal consciência,

que se tornam fundamentais na aquisição das EIs, dando-se um destaque especial à

consciência semântica53

. Em Sim-Sim (1998: 236, apud Evangelista, 2004: 78-79)

afirma-se: a consciência semântica resulta no “conhecimento consciente das realizações

e interpretações de significados que as palavras ou frases podem conter”, incluindo

faculdades como “a compreensão e produção de duplos sentidos, a detecção de

52

Cf. Gonçalves et al.. (2009) e Freitas et al.. (2011). 53

Paralelamente à consciência semântica, a criança deverá também desenvolver os outros níveis de

competência linguística, tais como o fonológico, o sintáctico, o morfo-sintáctico e o pragmático.

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anomalias, o uso de metáforas, a manipulação de sinónimos, a construção de

paráfrases, o processo de definição verbal e até a criação de situações de humor

verbal”. De acordo com a autora, a consciência semântica manifesta-se quando a

criança pede esclarecimento ao adulto sobre o significado de uma palavra ou expressão

que ouve pela primeira vez (idem, ibidem).

Na verdade, a forma como as crianças adquirem os significados das palavras tem sido

discutida na literatura específica, colocando-se questões ao nível da aquisição lexical.

Neste sentido, em Guasti (2002: 74), afirma-se:

“The core questions in lexical acquisition are these: How do toddlers know that labels

identify objects or describe actions, this is, that words have reference and contribute to

the truthfulness of sentences? How do toddlers come to know the meaning of word

form”?

Ainda em Guasti (2002: 75) declara-se que a resposta a estas questões se encontra no

facto de as crianças aprenderem os significados das palavras através da formulação de

hipóteses, as quais irão testar posteriormente. Neste sentido, as crianças elaboram uma

hipótese sobre o significado da palavra, constatando a ocorrência entre a palavra e o seu

referente ou entre a palavra e o acto de apontar. Assim, e uma vez formulada a hipótese

sobre o referente da palavra, a criança testá-la-á em novos contextos, em que a mesma

poderá ser utilizada. Nesta perspectiva, aprender uma palavra envolve uma associação

entre a palavra e o que é apercebido pela criança quando a mesma é proferida; o mesmo

quer dizer através de um processo de mapeamento desenvolvido palavra a palavra. De

acordo com o estudo acima referido, embora este procedimento funcione até certo

ponto, a verdade é que o mesmo encontra vários obstáculos. O primeiro prende-se com

o facto de uma situação particular ser compatível com inúmeras hipóteses, por exemplo

numa situação que compreenda um gato e um elefante, qual a razão pela qual a criança

deve assumir que a palavra gato se refere ao gato e não ao elefante ou a qualquer parte

do corpo destes animais? Um outro obstáculo relaciona-se com os nomes abstractos e

com os verbos, uma vez que estes possuem significados que não são perceptíveis nem

directamente observáveis, levantando a questão: de que forma a criança consegue

alcançar tais significados54

? Por último, refira-se o facto de uma determinada situação

ser passível de várias interpretações, tornando-se impossível formular correctamente a

54

No caso dos verbos, a situação complica-se um pouco mais, na medida em que muitas das vezes a

utilização dos mesmos e o acontecimento a que se referem não co-ocorrem.

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hipótese apenas pela observação dos elementos extralinguísticos presentes no contexto

em que a palavra é utilizada.

Neste sentido, e tendo presente os obstáculos supracitados, em Guasti (2002: 77-80)

afirma-se que a criança pode recorrer a pistas não verbais para adquirir o significado das

palavras, embora esta solução nem sempre seja a encontrada, na medida em que por

vezes tais pistas podem não fornecer informação suficiente. Assim, a criança tem de

recorrer a outras estratégias que lhe possam ajudar a adquirir o significado das palavras,

tal como supor que estas são usadas de determinadas maneiras. Estas suposições são

também denominadas “biases” e facilitam a aquisição do significado das palavras,

favorecendo certos tipos de hipóteses em detrimento de outros. De acordo com

Markman (1994, apud Guasti, 2002: 77-80), encontram-se três tipos. A primeira, whole

object bias, relaciona-se com o facto de um novo significado se referir ao objecto como

um todo e não às suas partes. Na segunda, taxonomic bias, o significado refere-se mais

a objectos do mesmo tipo do que a objectos tematicamente relacionados. A terceira,

mutual exclusivity bias, entende as palavras mutuamente exclusivas, pois cada objecto

só terá um único significado55

.

Como demonstrado atrás, o processo de aquisição lexical é um processo complexo, o

qual implica o recurso a várias estratégias na aquisição do significado das palavras.

Associada ainda a questões de aquisição lexical, nomeadamente à forma como as

crianças adquirem o significado das palavras, resulta fundamental, dada a temática do

presente estudo, abordar um outro aspecto que se prende com a relação entre a extensão

semântica e a criatividade lexical. Neste sentido, em Duarte (2001: 115) explica-se: “é a

criatividade lexical que está em jogo quando, por extensão semântica, alargamos o

significado de uma palavra já existente, passando a poder aplicá-la a novos objectos ou

propriedades, sem o esforço de construir para esse efeito uma palavra nova”. Esta

criatividade manifesta-se ao nível dos “processos regulares de formação de palavras”,

tanto ao nível da derivação como da composição, “e da reanálise de sintagmas como

compostos sintagmáticos”. Nesta perspectiva, os falantes têm a capacidade de criar, de

acordo com as suas novas necessidades, “produtos regulares da morfologia

derivacional” (“digitalizar, teclar, clonagem”), “compostos” (“asa-delta, bebé-proveta,

tv-cabo”) e “compostos sintagmáticos” (“arranha-céus, limpa-vidros, tira-nódoas”).

55

Para mais informações conferir o trabalho de Guasti (2002, cap. 3).

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Seguindo esta linha de pensamento, ainda em Duarte (2001: 116) informa-se que a

extensão semântica recorre geralmente a três operações, nomeadamente a metáfora

(navegar – “viajar por mar” / navegar – “aceder a informação contida em servidores

ligados a uma rede”); a metonímia (tia – “forma de tratamento dada pelas crianças e

jovens às amigas dos pais da média e alta burguesia” / tia – “mulher que segue padrões

de comportamentos identificáveis como novo-riquismo ou procura de status social”) e a

sinédoque (banco – “instituição onde se depositam divisas” / banco – “edifício onde

funciona essa instituição”), originando um extraordinário enriquecimento lexical. De

facto, os exemplos anteriormente referidos não causam estranheza ao falante quando

este os identifica num enunciado, sendo processados de forma igual à que seriam

quando utilizados com o seu significado original. Ainda em Duarte (2001: 118) explica-

se que esta situação resulta do congelamento de tais operações semânticas, que leva o

falante a desconhecer as metáforas, as metonímias ou as sinédoques que estiveram na

origem destes alargamentos de significado. Esta situação também se verifica ao nível

das EIs, na medida em que as operações semânticas se foram congelando ao longo do

tempo, dando origem a várias expressões fixas, tal como “andar na Lua, descobrir a

pólvora, matar o tempo, pintar a manta…”.

Nesta linha de pensamento, surge ainda um outro ponto de interesse que passa por

entender como é que a criança é capaz, de forma consciente, de parafrasear e de

compreender metáforas, metonímias ou sinédoques resultantes da criatividade da língua.

Em Sim-Sim (1998), esta é uma questão extremamente importante, na medida em que

conduz à problemática do significado literal e do significado figurado56

, pois para

aceder à compreensão de metáforas, por exemplo, a criança tem de deslocar o

significado de tais estruturas para um outro plano de realização, um plano abstracto

onde se situa o sentido figurado da linguagem. Citando a autora, “a não coincidência

entre o significado do enunciado e o sentido literalmente expresso pela frase é

frequente na linguagem de todos os dias. Descobrir o sentido oculto requer do falante a

capacidade de se distanciar do sentido literal da expressão ouvida; é o que se exige na

compreensão de situações em que a linguagem é usada figurativamente, como é o caso

das metáforas e dos provérbios” (idem, ibidem).

Relacionado com a aquisição das EIs encontra-se, ainda, um último aspecto que passa

pelo desenvolvimento da consciência metalinguística, a qual é definida em Barbeiro

56

Sobre as definições de significado literal e figurado conferir o próximo ponto do presente capítulo.

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(1999, apud Evangelista, 2004:81) como “a capacidade de reflectir acerca da natureza

e das funções da linguagem, reflexão […] que se estende à capacidade de compreender

e produzir enunciados com segundos sentidos”.

Mas quais as razões que levam os falantes a utilizarem estruturas, cujo significado é

figurado, em vez de recorrerem a palavras que signifiquem literalmente aquilo que os

mesmos querem transmitir? Será o processo de aquisição e desenvolvimento da

linguagem figurada idêntico ao da literal? Adquirirá a criança tais processos em

simultâneo ou estes compreendem o mesmo processamento? As respostas a estas

questões serão discutidas nos pontos seguintes.

2.3. A aquisição da Linguagem Figurada

O interesse pelo estudo da linguagem figurada ressurgiu na década de 70, do século XX.

Inicialmente, abordando as metáforas, ter-se-á, depois, generalizado a outras estruturas

deste tipo, tais como expressões idiomáticas, provérbios e analogias. A imensa atenção

depositada na investigação de metáforas encontra a sua justificação no facto de estas

unidades linguísticas serem consideradas um recurso estilístico por excelência. Tendo

sido estudadas desde Aristóles, acabaram por ganhar uma nova dinâmica através da

teoria de Eco, constituindo, actualmente, tema de milhares de páginas pertencentes à

literatura linguística (cf. Cacciari e Glucksberg, 1994: 447).

O surto de interesse pela linguagem figurada em geral, e pelas metáforas em particular,

pode ser explicado por vários motivos, sendo o mais importante o reconhecimento de

que este tipo de linguagem goza de um lugar central no discurso diário dos falantes e na

forma como os mesmos conceptualizam o contexto em que se inserem. Neste sentido, a

forma como se tem vindo a encarar a linguagem figurada tem sofrido uma constante

evolução, ao longo dos tempos, na medida em que deixou de ser entendida como mero

ornamento da linguagem, passando a ser concebida como um poderoso instrumento de

representação conceptual, tal como se defende em Cacciari e Glucksberg (idem,

ibidem):

“Figurative language is no longer perceived as merely an ornament added to everyday,

straightfoward literal language, but is instead viewed as a powerful communicative and conceptual

tool”.

Constituindo uma ferramenta de comunicação e conceptualização presente no discurso

quotidiano de qualquer falante, urge indagar sobre o processo de aquisição da mesma,

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isto é, vale problematizar a forma como um falante, em especial uma criança, adquire

tal competência. Em Sim-Sim (1998: 239, apud Evangelista, 2004: 79) afirma-se que “a

compreensão da linguagem figurada pela criança depende, entre outros factores, da

familiaridade com a realidade em causa e com o significado envolvido”. Para outros

autores, conforme Evangelista (2004: 79), a descodificação da linguagem figurada pela

criança está aliada à capacidade cognitiva ou ao seu desenvolvimento lógico; o mesmo

será dizer que quanto maior o desenvolvimento cognitivo de uma criança, maior a

capacidade de entender estruturas figuradas. Levorato (1993: 101-104) é um desses

autores que defendem que a aquisição da linguagem figurada está directamente

relacionada com o desenvolvimento dos processos cognitivos do falante. A mesma vai

ainda mais longe ao criticar todo e qualquer modelo que parte do pressuposto de que a

aquisição deste tipo de linguagem implica a existência de uma capacidade especial. Na

verdade, a visão tradicional sustenta que a aquisição da linguagem figurada requer

processos e estruturas diferentes das exigidas pela aquisição da linguagem literal, teoria

que a autora rebate com base nos seguintes pressupostos:

(i) A existência de diferentes processos de aquisição no que refere aos dois tipos

de linguagem é oposta ao princípio da economia que rege o funcionamento

cognitivo;

(ii) Processos diferenciados exigiriam um qualquer mecanismo que determinasse

se uma expressão deveria ser assumida no seu plano literal, activando um

procedimento normal, ou no plano figurado, requerendo um procedimento

especial;

(iii) A presença constante de linguagem figurada no discurso de um falante faria

com que o recurso ao procedimento entendido como especial se tornasse tão

regular como a utilização do chamado procedimento normal, usado na

aquisição de linguagem literal;

(iv) A linguagem figurada pode assumir várias formas, de acordo com a

discrepância existente entre aquilo que é dito e o significado que se pretende

alcançar, indo de expressões altamente figuradas, como provérbios, metáforas

e EIs, até expressões onde essa diferença é mais subtil, como actos de ironia e

de discurso indirecto;

(v) Torna-se mais adequado analisar a dimensão literal-figurada como uma

categoria difusa, utilizando os casos mais característicos;

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(vi) A linguagem figurada também inclui expressões que não são propriamente

figuradas, mas que se tornam em determinado contexto linguístico.

Partindo destes pressupostos, torna-se difícil negar que existe uma estreita relação entre

aquisição de linguagem figurada e desenvolvimento linguístico geral, pois é através da

aquisição de determinadas capacidades linguísticas que o falante vai obtendo a

“figurative competence”, a qual, segundo Levorato (1993:103), não é mais do que a

capacidade de lidar com a linguagem figurada. Conforme a autora, o falante vai

adquirindo gradualmente esta competência no decurso do seu desenvolvimento

linguístico, sendo a sua maturação alcançada aquando da obtenção de um conjunto de

aptidões, que se situam em diversos níveis, sendo eles sintáctico, semântico, pragmático

e metalinguístico. Depreende-se, assim, que o falante irá erguer as bases desta

competência linguística, encontrando várias dificuldades que tentará suprimir,

consoante o nível linguístico em que se encontra.

Nesta perspectiva, em Evangelista (2004: 79) adverte-se para o facto de o conhecimento

dos significados das palavras que constituem as unidades figuradas nem sempre

manifestar a compreensão dessa mesma estrutura, uma vez que, embora a criança possa

conhecer o significado literal dos vocábulos, ela pode não entender o significado

figurado dessa expressão, que deve ser entendida como um todo. Perante esta

dificuldade, surge como possível solução o contexto em que se insere a criança, pois em

Fonseca (1989, apud Evangelista, 2004: 80)57

afirma-se: “os factores de carácter sócio-

económico-cultural influenciam positivamente a compreensão da metáfora pela

criança, assim como o seu desenvolvimento semântico, dado que o conhecimento de

maior número de significados e também o mais profundo conhecimento dos(s)

significado(s) de cada significante, está positivamente correlacionado com o

desenvolvimento metafórico”.

Discutidas as questões inerentes à problemática da aquisição da linguagem figurada,

considera-se pertinente debater as teorias que abordam a aquisição de um tipo particular

de estruturas que comportam em si um significado figurado, designadamente as

expressões idiomáticas

57

Embora o estudo se debruce em particular sobre os fenómenos metafóricos, acredita-se que o mesmo se

aplica a todas as estruturas de significado figurado, nomeadamente às EIs.

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2.4. A aquisição de Expressões Idiomáticas: um processo lexical, semântico e

sintáctico

O presente ponto dá continuação à discussão de questões de aquisição, desta feita

relacionadas exclusivamente com as estruturas linguísticas de que se ocupa este estudo.

Desta forma, as EIs serão alvo de debate, no que toca ao seu processo de aquisição, ao

nível das áreas do léxico, da semântica e da sintaxe, tentando entender de que forma o

falante adquire e compreende tais construções.

2.4.1. Aquisição de EIs ao nível lexical: um processo não composicional ou

composicional?

Em Fletcher e Macwhinney (2000: 409) defende-se que a aquisição do léxico envolve

muito mais do que a simples aprendizagem de palavras, na medida em que fazem parte

deste domínio estruturas particulares, como as EIs. Desta declaração resulta

fundamental questionar sobre a forma como os falantes adquirem tais estruturas,

indagando se o processo é o utilizado para simples vocábulos ou se existe um

procedimento paralelo a este.

Nesta perspectiva, retomando o paradigma psicolinguístico abordado no primeiro

capítulo do presente trabalho, interessa agora discutir detalhadamente o modo como as

EIs são armazenadas na mente do falante e como este as compreende quando inseridas

num enunciado. Todas estas questões serão abordadas tendo em conta a característica da

composicionalidade, na medida em que a mesma se revela essencial no estudo de

questões idiomáticas:

“The issue of compositionality of idioms has figured prominently in linguistics and psychological

discussions of idiomaticity” (cf. Cacciari, 1993: 33).

Nesta óptica, serão apresentados vários modelos que se organizam em duas perspectivas

antagónicas: a tradicional e a actual. A primeira encara as EIs como unidades não

composicionais (long words), cujo significado é entendido pelo todo e não pela soma

dos elementos da expressão, enquanto a última defende que estas estruturas linguísticas

podem ser compreendidas através dos seus constituintes, sendo por isso composicionais.

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

Página | 74

2.4.1.1. Perspectiva tradicional: modelos não composicionais

Em Vega-Moreno (2001: 74) admite-se que, durante muito tempo, as EIs foram

encaradas como simples palavras, ou seja, como itens lexicais susceptíveis de serem

armazenados e processados como puras unidades linguísticas. Nesta perspectiva, o

significado de qualquer EI nunca poderia ser entendido pela soma dos significados dos

seus constituintes, o que lhes atribuiu sempre um carácter unitário, tanto ao nível

semântico como sintáctico:

“There is nothing in the meaning of „the‟, „kick‟ and „bucket‟ that tell us that kick the

bucket means DIE”.

No caso da Língua Portuguesa, recorra-se à expressão bater as botas, cujo significado é

o mesmo da EI inglesa kick the bucket, para demonstrar que através da simples soma

dos elementos „bater‟ + „as‟ + „botas‟, o falante não consegue aceder ao significado

MORRER.

Em Cacciari (1993: 33-34), esta concepção compreende o primeiro de três argumentos

em que assenta a perspectiva tradicional, comentando-se que, conforme esta visão não

composicional, o significado figurado é armazenado no léxico mental. Esta situação

acontece porque, para que este interprete semanticamente o enunciado inglês he broke

the cup, apenas tem de compreender o significado dos seus constituintes e as regras

morfossintácticas que governam a sua língua. Porém, o mesmo não acontece para a

expressão inglesa broke the ice, cujo significado é interpretado como um todo e não

pela soma dos seus elementos, estando o mesmo depositado no léxico mental do falante.

Traduzindo respectivamente as expressões para Português, a situação mantém-se, na

medida em que quebrar a chávena pode ser entendido composicionalmente, enquanto

quebrar o gelo, ao sê-lo, perde todo o seu sentido figurado.

O segundo argumento da perspectiva tradicional relaciona-se com a distinção entre EIs

e metáforas, uma vez que, para alguns autores, a falta de “composionalidade” das EIs

representa um dos poucos critérios capazes de estabelecer uma diferença entre estas

duas unidades linguísticas:

“Whereas the metaphor exploits the meanings of the words in order to induce the hearer

to see a thing, a state of affairs, or even in terms of something else, the constituent words

of an idiom are semantically empty”,

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

Página | 75

Desta forma, acredita-se que, no caso das EIs, a estrutura metafórica ou a „história‟ que

levou à sua criação é desconhecida pelo falante. Esta conjectura levou a que,

inicialmente, as EIs fossem meramente compreendidas como metáforas mortas (idem,

ibidem).

O terceiro e último argumento apontado em Cacciari (1993) como fundamento da

perspectiva não composicional prende-se com a coesão interna que assiste as EIs, a qual

é encarada como a consequência de serem unidades compostas por vários itens lexicais.

Também em Vega-Moreno (2001: 74) se faz referência a esta particularidade das EIs:

“Since idioms are inserted in the syntactic structure at xº, the prediction is that very little

modification is going to be permitted”58

.

Seguindo esta linha de pensamento, conclui-se que a perspectiva tradicional se baseia

exclusivamente na ideia de que as EIs são unidades não composicionais. Subsiste,

então, a necessidade de analisar alguns dos modelos que suportam esta mesma visão,

modelos esses que, em Glucksberg (1993: 4), são identificados como capazes de admitir

que o significado das EIs é estipulado arbitrariamente e que o acesso ao mesmo é feito

de forma directa, o que leva o autor a enquadrá-los numa determinada classe, à qual deu

o nome de “direct look-up model”. Desta forma, pretende-se investigar como estes

encaram o processo de armazenamento e compreensão de EIs.

2.4.1.1.1. Idiom List Hypothesis (Modelo de Processamento Literal)

Bobrow e Bell (1973) sugerem o modelo de processamento literal, no qual admitem que

as EIs são representadas e processadas mentalmente como sendo itens lexicais. Os

autores esclarecem que tais expressões são armazenadas numa lista idiomática, ou seja,

num léxico idiomático paralelo ao léxico do falante (cf. Bobrow and Bell, 1973; Jorge:

1991; Glucksberg, 1993; Cacciari, 1993; Vega-Moreno, 2001; Havrila, 2009).

Os mesmos admitem também que, no processamento de qualquer EI, o significado

literal é processado primeiro do que o significado figurado, não sendo o acesso ao

sentido literal uma escolha, mas algo definido como padrão. Esta posição assimila um

modelo de compreensão complexo, desenvolvido em três etapas. Assim, na fase inicial,

o falante processa primeiro o significado literal da EI. Caso o sentido literal não seja

58

Esta questão será discutida no próximo capítulo do presente trabalho.

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

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apropriado ao contexto, essa mesma interpretação é rejeitada pelo falante num segundo

momento, o que o leva, num terceiro instante, a aceder ao seu léxico idiomático, de

forma a encontrar a interpretação correcta. Se a expressão for encontrada nessa lista, o

falante consegue, assim, alcançar o seu significado. O mesmo é dizer que, quando,

através da análise linguística, o significado encontrado não se adequa ao contexto, o

modo de processamento idiomático é activado, procurando-se o significado figurado da

expressão em causa na tal lista idiomática do falante (idem, ibidem).

Resumindo, em Brobow e Bell (1973: 343), defende-se:

“The idiomatic meaning seems to be understood by combining several words into a complex

„idiom word‟ and finding the meaning of the phrase by a search through a mental „idiom word‟

dictionary”.

Desta forma, o modelo em causa pressupõe que o tempo de compreensão do significado

literal de uma EI é menor ao do seu significado idiomático. A oposição a este

pressuposto deu origem a outras teorias, defendidas por Swinney e Cutler (1979) e

Gibbs (1980), as quais sustentam que o significado idiomático não é alcançado de forma

mais morosa do que o seu correspondente literal.

2.4.1.1.2. Lexical Representation Theory (Modelo de Processamento

Simultâneo)

Tal como no modelo anterior, também na perspectiva de Swinney e Cutler (1979) as EIs

são armazenadas e processadas como extensos itens lexicais, cujos significados, literal e

idiomático, são activados sempre que o falante encontra uma unidade deste tipo (cf.

Swinney et Cutler, 1979; Jorge: 1991; Glucksberg, 1993; Cacciari, 1993; Vega-Moreno,

2001; Havrila, 2009).

A grande diferença entre estes dois modelos radica no facto de neste último se entender

que as EIs são elencadas, tal como qualquer outra palavra, no léxico geral do falante e

não numa lista lexical especial, como sugere o primeiro. Neste sentido, Swinney e

Cutler (1979: 525) admitem:

“The Lexical Representation Hypothesis holds that idioms are stored and retrieved from the

lexicon in the same manner as any other word. Thus there is no special idiom list nor any special

processing mode under this hypothesis”.

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

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Desta forma, o processo de compreensão de uma EI decorre de forma divergente em

relação ao anterior, uma vez que quando o falante se depara com o primeiro constituinte

de uma estrutura deste tipo, tanto o significado literal como o figurado são activados

simultaneamente, decorrendo em paralelo. Contudo, o significado figurado apossa-se de

eleição, a partir do momento em que as características idiomáticas sejam reconhecidas

pelo falante, o que leva os autores a suportarem a ideia de que a compreensão de uma EI

leva menos tempo do que o seu correspondente literal, sendo por vezes até mais rápido

(idem, ibidem). Em Cacciari e Gluckberg (1991: 218) exemplifica-se o pressuposto

defendido pelos autores anteriormente citados:

“The idiomatic meaning of kick the bucket may be accessed directly before its verb phrase

meaning of booting the pail”.

Na verdade, este modelo retira o primado da análise literal, colocando-a no mesmo

patamar do significado idiomático.

São várias as críticas apresentadas a este modelo, as quais residem fundamentalmente

no facto de encarar as EIs como palavras extensas, na medida em que algumas dessas

expressões não se comportam como simples palavras, mas sim como frases, admitindo

alterações sintácticas e lexicais. Ainda em Cacciari e Gluckberg (1991: 218), aponta-se

como exemplo de modificação sintáctica a indicação de vários tempos verbais:

“One can kick the bucket now, one will kick the bucket tomorrow, or one have kicked the bucket

last week, (…) if the string kick the bucket is merely a long word, then the element kick should not

be syntactically productive”.

Os mesmos, partindo dos estudos de outros autores (Gibbs, Nayak, Bolton e Keppel,

1989), esclarecem que algumas EIs não perdem o seu significado figurado aquando da

substituição de um dos seus elementos, tal como acontece com a expressão break the ice

quando alterada para crack the ice. De facto, esta flexibilidade sintáctica e lexical,

reconhecida nalgumas EIs, é a causa da rejeição deste modelo como um possível

modelo geral de compreensão de EIs, na medida em que não se aplica a todas as

expressões.

2.4.1.1.3. Direct Access Hypothesis (Modelo de Processamento Idiomático)

O Modelo de Processamento Idiomático proposto por Gibbs (1980) é entendido por

alguns estudiosos (Glucksberg, 1993; Vega-Moreno, 2001 e Havrik, 2009) como uma

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

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versão extremista do modelo anterior, ao discordar das suas principais considerações.

Na verdade, Gibbs (1980) assegura que o significado literal de uma EI resulta pouco

importante, aquando do processo de compreensão da mesma, dado que esta possui um

significado idiomático fortemente convencional (cf. Jorge: 1991; Glucksberg, 1993;

Cacciari, 1993; Vega-Moreno, 2001; Havrila, 2009).

Neste sentido, no modelo em causa encaram-se as EIs como itens lexicais, cujo

significado idiomático é directamente retirado do léxico mental do falante, assim que

este encontre uma destas estruturas num enunciado. Com efeito, as EIs são processadas,

primeiramente, de forma figurada, havendo interpretação literal apenas quando o

significado idiomático não se adequa ao contexto. Assim, seguindo esta linha de

pensamento, Gibbs (1980) admite que o processamento linguístico é totalmente

dispensado, caso a expressão seja imediatamente reconhecida como sendo uma EI, o

que o leva a concluir que a interpretação idiomática é realizada de forma mais rápida do

que a literal, uma vez que a esta nem sempre se recorre (idem, ibidem).

Em suma, em Gibbs (2002, apud Havrik, 2009: 3) atesta-se:

“The direct access view simply claims that listeners need not automatically analyze the complete

literal meanings of linguistic expressions before accessing pragmatic knowledge to figure out what

speakers mean to communicate”.

Em Cacciari e Gluckberg (1991: 219), admite-se que este modelo enfrenta os mesmos

problemas que o anterior, na medida em que, ao defender o acesso directo ao

significado idiomático das EIs, este modelo exige uma correspondência exacta entre a

sequência em questão e a EI anteriormente armazenada, não tendo igualmente em conta

a flexibilidade sintáctica e lexical de determinadas EIs, tal como fizeram Swinney e

Cutler (1979).

Nos seus trabalhos posteriores, o autor altera um pouco a sua perspectiva, embora

mantenha a prioridade do processamento idiomático, na medida em que acaba por

admitir que o significado figurado das EIs não é totalmente convencional59

.

2.4.1.1.4. Considerações finais sobre os modelos não composicionais:

similaridades e divergências

59

Este novo modelo do autor será analisado no ponto inerente à Perspectiva Composicional.

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

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Da apresentação e reflexão sobre os três modelos não composicionais principais, estas

são as similaridades existentes entre eles:

As EIs são sempre encaradas como unidades linguísticas, cujo significado

idiomático não pode ser interpretado pela simples soma dos significados dos

seus constituintes;

As EIs constituem um grupo homogéneo, não havendo qualquer distinção

entre elas;

As EIs são internamente fixas, ou seja, distinguem-se pela sua rigidez

sintáctica, semântica e lexical;

O significado das EIs é convencional, sendo a razão da sua criação

completamente desconhecida ao falante;

Os falantes aprendem as EIs, formando ligações arbitrárias entre as

expressões e o seu significado figurado;

O significado idiomático é apreendido através do acesso directo à memória

do falante, não por processamento linguístico;

As crianças adquirem as EIs de forma mecânica ou inferindo o seu

significado a partir do contexto em que estas surgem.

No que diz respeito a divergências, considera-se que as mesmas se encontram,

fundamentalmente, ao nível do armazenamento e processamento destas expressões, isto

é, o modo como estas são arroladas no léxico mental do falante; a importância do

significado literal na compreensão do significado idiomático e a duração do

processamento de cada um dos sentidos da EI. Para uma melhor visualização de tais

aspectos, os mesmos serão apresentados esquematicamente.

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

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Idiom List Hypothesis

Bobrow e Bell (1973)

As EIs são armazenadas numa lista especial, a lista idiomática, separada do

restante léxico mental do falante.

A análise literal é sempre experimentada antes de se activar o processamento

idiomático.

O tempo de processamento literal de uma EI é menor

do que o idiomático.

Lexical Representation Theory

Swinney and Cutler

(1979)

As EIs são elencadas no léxico mental do falante, tal

como qualquer outra palavra.

As análises literal e idiomática são activadas

simultaneamente, decorrendo em paralelo.

O tempo de processamento literal de uma EI nunca é

menor do que o idiomático, existindo casos em que este

último se processa de forma mais rápida.

Direct Access Hypothesis

Gibbs (1980)

As EIs são arroladas no léxico mental do falante,

assim como qualquer outro item.

A EI é processada figurativamente, só se

recorrendo à analise literal se o significado idiomático não se adequar ao contexto.

O tempo de processamento idiomático é menor ao

literal, uma vez que este não é necessário.

Discutidas as similitudes e as discrepâncias entre os principais modelos não

composicionais, analise-se, de seguida, a perspectiva actual, que engloba os modelos

composicionais de armazenamento e compreensão de EIs.

2.4.1.2. Perspectiva actual: modelos composicionais

Oposta à perspectiva tradicional, surge a perspectiva actual, a qual critica todos os

modelos que assumem as EIs como simples sequências não composicionais. Em Vega-

Moreno (2001: 77) destaca-se como principal argumento contra tais modelos o facto de

estes últimos considerarem que a relação estabelecida entre os elementos de qualquer EI

e o seu significado idiomático é estipulada arbitrariamente. Pelo contrário, os modelos

composicionais admitem, ainda conforme a autora, que o significado figurado de

determinadas EIs é, de alguma forma, recuperado pelo significado individual dos seus

constituintes, dentro da sequência, tal como acontece com a expressão pop the question,

em que pop e question permitem chegar ao significado idiomático da expressão. Em

Cacciari e Glucksberg (1991: 222) esclarece-se precisamente esta ideia:

Esquema 7 – Modelos não composicionais: similaridades e divergências

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“In the idiom pop the question, […], the verb pop and the noun phrase the question map directly

onto their respective idiomatic referents „suddenly ask‟ and „marriage proposal‟”.

O argumento apontado em Vega-Moreno (2001), leva Gibbs (1995: 99-100) a criticar a

perspectiva tradicional, pois, segundo este, os autores pertencentes a tal corrente tendem

a fazer falsas generalizações, na medida em que, partindo de um único ou de poucos

exemplos, admitem que as EIs são uma classe homogénea, caracterizada pela sua

rigidez semântica, congelamento sintáctico e austeridade lexical. Desta forma, a grande

diferença existente entre as perspectivas tradicional e actual reside na forma não

composicional e composicional de encarar as EIs, respectivamente. Partindo do

pressuposto de que a linguagem é algo composicional, em Glucksberg (1993: 4)

defende-se, então, que as EIs são compreendidas, nesta perspectiva actual, através de

um processamento linguístico comum, o qual é combinado com uma interpretação

pragmática do uso da expressão, num determinado contexto discursivo.

Conclui-se, então, que a perspectiva actual, em que se enquadram os modelos

composicionais, assenta num princípio fundamental, o qual sustenta que o significado

de qualquer expressão linguística pode ser determinado a partir dos significados dos

seus constituintes e das relações sintácticas e semânticas que estes estabelecem.

2.4.1.2.1. The Configuration Hypothesis (Modelo de Composição) e Phrase-

induce Polysemy Model (Modelo de Indução Polissémica)

O Modelo de Composição, proposto em Cacciari e Tabossi (1988) e posteriormente

desenvolvido em Cacciari e Glucksberg (1991), assenta no Modelo de Processamento

Simultâneo, sustentado em Swinney e Cutler (1979), embora não defenda que as EIs

sejam armazenadas como simples itens lexicais. Contrariamente, este modelo considera

que as EIs são arroladas juntamente com qualquer outra sequência memorizada, tais

como versos de poemas, títulos e letras de canções, ou com qualquer outra composição

de palavras. Desta forma, o mesmo enfatiza a natureza composicional de tais

expressões, encarando-as, não como palavras extensas (long words), mas sim como

combinações de palavras (cf. Cacciari e Glucksberg, 1991; Vega-Moreno, 2001; Havrai,

2009).

De acordo com este modelo, o processamento de uma combinação idiomática ocorre

literalmente, até ao momento em que sejam fornecidas, pela mesma, informações

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

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suficientes para que o falante reconheça tal sequência como sendo uma EI. Importa

dizer que o significado figurado de tal expressão é activado somente nesse instante,

quando o falante é confrontado com a chave idiomática60

da mesma. Tal situação faz

com que o processamento literal e o processamento idiomático decorram em

simultâneo, até ao momento em que o significado literal seja rejeitado e o figurado

apropriado como o correcto (cf. Cacciari e Glucksberg, 1991; Tabossi e Zardon, 1993;

Vega-Moreno, 2001; Havrai, 2009).

Nesta perspectiva, em Tabossi e Zardon (1995: 273) explica-se que o modelo em causa

assume que a posição da chave idiomática na expressão determina o momento em que o

significado figurado é activado e que a identificação de uma combinação como sendo

uma EI não acontece até a sua chave ser processada61

. Em Cacciari e Tabossi (1988)

admite-se também, neste mesmo arquétipo, que sendo o reconhecimento de uma EI

muitas vezes dependente do contexto62

em que surge, o falante detém a possibilidade de

reconhecer a chave idiomática, logo após a primeira ou segunda palavra da sequência,

ou apenas no fim (cf. Tabossi e Zardon 1995, Vega-Moreno, 2001; Havrai, 2009).

Citando Langlotz (2006: 22):

“It [the key] can appear relatively early as in: when in Rome (do as the Romans do),

intermediately, as with scream blue (murder), or late, as in be in seventh heaven”.

Em Glucksberg (1993) actualiza-se o modelo proposto em Cacciari e Tabossi (1988),

defendendo-se o carácter polissémico dos constituintes das EIs familiares e

composicionais. De facto, no seu modelo de indução polissémica (Phrase-induce

polysemy model), o autor assume que, devido a uma utilização frequente, tais

expressões são susceptíveis de induzir a contextos de polissemia, adicionando o

significado idiomático ao conjunto de possíveis significados de cada palavra (cf.

Glucksber, 1993; Vega-Moreno, 2001; Havrai, 2009).

60

Sobre a noção de chave idiomática, Tabossi e Zardon (1993: 147) esclarecem, “the notion of key

[…]intuitively reflects the point in a string at which one becomes aware of the possibility of being

presented with an idiom, and is specified operationally in Cacciari and Tabossi (1988) by means of the

following procedure: People are requested to complete an increasingly longer idiom fragment, and the

point at which the majority of them complete the fragment idiomatically can be considered its key. This

point, according to the configuration hypothesis, is predictive of when the meaning of the idiom becomes

active”. 61

Para mais informações sobre o papel da chave idiomática na identificação e compreensão de uma EI,

consultar os estudos de Cacciari e Tabossi (1988) e Tabossi e Zardon (1993, 1995), os quais sustentam

que a posição da chave na combinação irá determinar o tempo do processamento idiomático. 62

O papel do contexto no processamento idiomático será alvo de debate no último ponto do presente

capítulo.

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

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Assim, em Glucksberg (1993: 11) admite-se:

“The verb and the noun in the idiom spill the beans, for example, have at least two meanings:

their default context-free literal meanings, and the meanings that are induced by idiom context”.

Desta forma, no contexto não idiomático, os vocábulos ingleses spill e beans assumem

sempre os significados derramar (to be lost from a container) e legumes comestíveis

(edible legumes), respectivamente. Porém, no âmbito idiomático, estes dois vocábulos

possuem duplos significados, na medida em que conservam os seus sentidos literais, ao

mesmo tempo que adquirem os significados idiomáticos de revelar (reveal) e

informação que deve ser mantida de forma confidencial (information-that-should-have-

been-kept-confidential). Desta forma, como demonstra Langlotz (2006: 37- 38), torna-se

também possível compreender a variante spill a single bean, através de um normal

processamento linguístico.

Na verdade, o modelo psicolinguístico de Glucksberg (1993: 9-10) tenta encontrar

resposta para o modo como os falantes compreendem as variantes das EIs. Segundo o

autor, existem duas alternativas: o modelo que considera várias etapas (multistep

model) e o seu modelo de indução polissémica (phrase-induce polysemy model,

também denominado PIP). O primeiro corrobora a perspectiva tradicional, discutida

anteriormente, ao encarar as EIs como palavras extensas, cujos significados se

encontram armazenados no léxico idiomático do falante, aos quais o mesmo acede de

forma directa. Deste modo, o processamento da variante de uma EI envolve várias

etapas, nomeadamente:

(i) Reconhecer a nova EI como sendo uma variante de uma EI convencional;

(ii) Consultar o significado idiomático da EI original;

(iii) Assimilar os significados dos constituintes de ambas as EIs;

(iv) Comparar os significados dos constituintes de ambas as EIs;

(v) Identificar a(s) relação(ões) existente(s) entre estes;

(vi) Recorrer à(s) relação(ões) estabelecida(s) entre os constituintes, de forma a

inferir, por analogia, a relação entre o significado geral da EI original e da sua variante.

Desta forma, um falante leva mais tempo a compreender a variante do que a EI original,

na medida em que para alcançar a nova EI tem de percorrer seis etapas, enquanto que a

original exige apenas uma (a operação número 2 da lista apresentada). Este modelo

também admite que o processamento de uma variante é mais moroso do que o

processamento de um equivalente literal. Por outro lado, o PIP estabelece uma

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

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alternativa mais simples, a qual defende que o falante pode processar as variantes de

uma EI tal como processa qualquer outro enunciado, ou seja, acedendo aos significados,

contextualmente apropriados, dos seus elementos e analisando linguisticamente os

elementos e as relações semânticas que estes estabelecem entre eles, tal como

demonstrado previamente com a EI spill the beans.

Em suma, o modelo proposto em Glucksberg (1993) não envolve um simples acesso

directo (direct look-up) ao significado idiomático da(s) variante(s) de uma EI, mas sim

um processamento cognitivo, no qual os significados dos constituintes desempenham

um papel importante na identificação do significado global da expressão. Estudos

realizados com base no PIP63

levam à conclusão de que o processamento de uma EI

original exige menos tempo do que o processamento de uma variante ou de uma

paráfrase literal, tal como acontece no modelo anterior. Neste caso, a EI original spill

the beans seria processada de forma mais rápida do que a variante didn‟t spill a single

bean e do que a paráfrase literal didn‟t say a single word, enquanto o processamento das

duas últimas levaria o mesmo tempo.

2.4.1.2.2. Idiom Decomposition Hypothesis (Modelo de Decomposição

Idiomática)

Gibbs e Nayak (1989) e Gibbs et al.. (1989) criaram o modelo de decomposição

idiomática, o qual comporta a ideia de que estas expressões não representam meras

metáforas mortas, cujo significado pode ser comparado a um simples vocábulo que

representa uma paráfrase literal. Apesar de os autores não rejeitarem o papel do

significado estipulado da expressão, elencado no léxico mental do falante, os mesmos

admitem que a grande maioria destas expressões é susceptível de ser semanticamente

composicional ou analisável, na medida em que é possível alcançar o seu significado

global através dos significados das suas partes, devido ao potencial metafórico que as

mesmas transmitem (cf. Havrai, 2009).

De acordo com Gibbs e seus colaboradores, a razão que justifica a contribuição dos

significados dos seus elementos para a compreensão do significado global da EI radica

nos trabalhos de Lakoff e Johnson (1980), os quais assentam no pressuposto de que os

63

Cf McGlone et al. (1994, apud Langlotz, 2006) e Botelho da Silva e Cutler (1993).

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itens linguísticos são motivados por mapas conceptuais metafóricos pré-existentes, que

representam a experiência de vida dos falantes, sendo armazenados na sua memória de

longo prazo64

(Vega-Moreno, 2001; Havrai, 2009).

Gibbs (1989: 587), citado por Langlozt (2006: 36), esclarece que, segundo este modelo,

os falantes realizam uma análise composicional65

aquando da compreensão de EIs.

Assim, quando se deparam com uma EI decomponível, os falantes têm a capacidade de

atribuir significados independentes às suas partes individuais e rapidamente reconhecer

como estas partes significativas se ajustam para arquitectar o significado figurado geral

da expressão. Importa realçar que esta análise composicional não se aplica aos

significados literais dos seus elementos, mas sim às ligações dos significados

idiomáticos dos mesmos, que contribuem para o significado figurado da expressão.

Estes significados idiomáticos figurados são armazenados no léxico mental do falante e

são desencadeados sempre que surgem num contexto idiomático. Estas são as razões

que permitem às EIs decomponíveis serem consideradas unidades linguísticas, capazes

de ser compreendidas e produzidas em termos de composição semântica. Por oposição a

este tipo de EIs, as indecomponíveis não suportam este tipo de processo, sendo o seu

significado acedido de forma directa, depois de os falantes terem percebido a

impossibilidade de processar composicionalmente estas expressões. Desta forma, o

tempo de processamento das EIs indecomponíveis é superior ao das indecomponíveis.

2.4.1.2.3. Considerações finais sobre os modelos composicionais: similaridades

e divergências

Apresentados alguns modelos composicionais, torna-se pertinente apontar as

similaridades e divergências que se destacam entre eles66

. Desta forma, há que

considerar que a grande semelhança entre o modelo de configuração e o modelo de

64

Sobre os trabalhos de Lakoff e Johnson (1980) e a sua contribuição para o estudo das EIs, rever o

último ponto do primeiro capítulo do presente trabalho. 65

Esta análise composicional referida nos estudos de Gibbs e de seus colaboradores tem como base o

modelo de classificação de EIs proposto por Nunberg (1978), o qual posiciona tais expressões num

contínuo, que apresenta como extremos as EIs decomponíveis e as EIs indecomponíveis. Sobre este

modelo de classificação falar-se-á adiante. 66

A comparação estabelecida no presente ponto não engloba o modelo proposto em Glucksberg (1993),

por este ser entendido como uma actualização do modelo apresentado em Cacciari e Tabossi (1988) e

pelo facto de estar mais direccionado para o processamento das variantes das EIs.

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

Página | 86

decomposição idiomática reside no facto de enfraquecerem a visão das EIs como

simples palavras extensas (long words), na medida em que as fitam como estruturas

composicionais.

Contudo, em Langlotz (2006: 37) admite-se que estes dois modelos se distinguem pelo

tipo de composicionalidade que defendem, uma vez que o primeiro assume uma

composicionalidade literal, enquanto o segundo adopta uma composicionalidade

figurativo-literal. O mesmo quer dizer que o modelo de Cacciari e Tabossi (1988) realça

a importância dos significados dos constituintes no processo de compreensão

idiomática, sublinhando a real composição literal dos mesmos, enquanto o modelo de

Gibbs et al. (1989) assenta numa relação estruturada entre os elementos literais da EI e

o seu significado global. Desta forma, pode-se dizer que o primeiro entende este tipo de

estruturas como configurações de palavras, ao contrário do segundo, que as apreende

como uma sucessão de elementos linguísticos.

Apesar de contemplarem a composicionalidade de maneira diferente, estes dois modelos

são unânimes no facto de considerarem as EIs um grupo heterogéneo, onde existem

vários graus de flexibilidade lexical, semântica e sintáctica, os quais irão influenciar a

forma como o falante compreende tais estruturas. Vale dizer que tanto o modelo de

composição como o modelo de decomposição idiomática admitem que o falante

consegue aceder ao significado global da expressão, partindo dos significados dos seus

constituintes.

2.4.2. A aquisição de EIs ao nível Semântico: opacidade vs transparência

Partindo de Nunberg, Sag e Wasow (1994), em Ribeiro (2008: 2) afirma-se que as EIs

sempre representaram um enigma para a gramática gerativa, dada a inexistência de

noções precisas e criteriosas. Esta dificuldade em delimitar e definir os conceitos levou

a que muitos estudiosos entendessem a não-composicionalidade como uma marca

específica e fundamental de tais expressões, como discutido anteriormente. De acordo

com estes autores, definir semanticamente todas as EIs como sendo não-composicionais

é um erro, na medida em que, na sua maioria, tais expressões distribuem o seu sentido

pelos seus elementos. Em Gibbs (1995: 98-99) corrobora-se esta ideia, destacando-se a

existência de vários estudos, tanto ao nível da Linguística como da Psicologia, que

demonstram claras evidências de um carácter composicional na maioria das EIs.

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

Página | 87

Em Ribeiro (2008: 2) esclarece-se ainda que, para todos aqueles que entendem a

idiomaticidade como um fenómeno fundamentalmente semântico, “as expressões

idiomáticas podem ser definidas com base em critérios semânticos como a

convencionalidade, a opacidade e a composicionalidade”.

Com base nestes critérios, encontram-se vários estudos (Nunberg e et al., apud Langloz,

2006:41; Cacciari e Glucksberg, 1991; Gibbs, 1995) que oferecem uma classificação

das EIs que assenta sempre na relação entre o significado global da expressão e os

significados dos seus constituintes, ou seja, entre o significado idiomático e o

significado literal. Paralelamente à classificação das expressões, os autores debruçam-se

também sobre o modo e o tempo do seu processamento.

Com efeito, esta visão levou e Gibbs (1995), partindo de Nunberg et al. (1994), a

admitir a existência de um eixo, no qual as EIs são ordenadas de acordo com o seu grau

de composicionalidade, o que lhe permitiu estabelecer uma tipologia, com base no nível

de decomposicionalidade de cada expressão. Neste sentido, os autores acima citados

identificam EIs não composicionais, cujos constituintes não contribuem para o

significado idiomático da expressão, como é o caso da EI inglesa kick the bucket; e EIs

composicionais, nas quais os elementos da expressão colaboram, literal ou

metaforicamente, na interpretação do sentido figurado da mesma, tal como acontece

com as expressões inglesas pop the question e em spill the beans (cf. Cacciari e

Glucksberg, 1991; Glucksberg, 1993, Vega-Moreno, 2001). Em Cacciari e Glucksberg

(1991: 222), de acordo com a teoria de Nunberg, esclarece-se mais, ao referir-se que as

EIs composicionais podem ser classificadas de duas maneiras, tendo em conta a

transparência da relação entre os constituintes e o significado idiomático da expressão.

Neste sentido, a EI pop the question é entendida como uma EI regularmente

composicional (normally decomposable idiom), na medida em que existe uma relação

directa entre o significado da expressão e os seus elementos, enquanto a EI spill the

beans é compreendida como uma expressão irregularmente composicional (abnormally

decomposable idiom), pois os componentes da expressão relacionam-se com o

significado global, de forma metafórica e não directa, as quais se situam entre os dois

extremos do eixo. Os autores ilustram o referido anteriormente ao afirmarem:

“There is no clear semantic relation between „beans‟ and „secrets‟ as there is between

„the question‟ and „marriage proposal‟” (cf. Gibbs: 1995: 101).

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

Página | 88

Ainda nesta perspectiva de análise semântica, surge o trabalho de Cacciari e Glucksberg

(1991), em que os autores encaram as EIs como expressões composicionais, nas quais é

sempre estabelecida uma certa correspondência entre as palavras que compõem a

expressão e o seu significado idiomático, o qual pode ser a partir daí entendido. Desta

forma, os autores propõem três diferentes tipos de EIs: EIs opacas (analyzable-

opaque67

); EIs transparentes (analyzable-transparent) e EIs semi-metafóricas

(quasi-metaphorical). No primeiro tipo (AO68

), a relação entre o significado

idiomático e os significados dos elementos não é aparente, mas estes últimos, no

entanto, podem limitar a sua interpretação e o seu uso. Os autores dão como exemplo a

clássica expressão inglesa kick the bucket (morrer), explicando que os aspectos

semânticos associados ao verbo kick (pontapear) condicionam claramente tanto a

interpretação da expressão como a produtividade discursiva. Relativamente ao segundo

tipo, as EIs transparentes (AT), os autores esclarecem que estas são expressões que

comportam relações semânticas directas, ou seja, de um para um, entre os constituintes

e o significado global, devido a correspondências metafóricas. Para ilustrar este tipo de

EIs, os mesmos recorrem à expressão inglesa, também clássica na literatura específica,

break the ice (quebrar o gelo), visto que break (quebrar) corresponde ao sentido

idiomático de alteração de humor ou de sentimento, enquanto ice (gelo) equivale

67

Nos trabalhos desenvolvidos posteriormente por Glucksberg (1993), verifica-se uma alteração na

nomenclatura dos vários tipos de EIs, na medida em que o mesmo deixa de usar o termo analyzable para

adoptar o termo compositional. O autor (1993: 17) refere esta alteração no seu estudo, explicando que a

sua preferência por este último termo se justifica pelo facto de o mesmo conotar compreensão e uso,

enquanto o primeiro sugere apenas uma operação de análise e não um uso interactivo da linguagem. 68

A abreviatura em questão corresponde à abreviatura original inglesa, tal como as restantes.

Classificação de EIs

(Nunberg et al., 1994; Gibbs, 1995)

EIs não-composicionais

EIs composicionais

EIs regularmente composicionais

EIs irregularmente composicionais

Esquema 8 – Classificação semântica de EIs segundo o modelo de Nunberg et al. (1994) e Gibbs (1995).

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

Página | 89

convencionalmente ao sentido de tensão social. Identicamente, a expressão inglesa spill

the beans (revelar segredos) também se enquadra neste tipo, na medida em que spill

(entornar) corresponde à acção “revelar” ou “deixar sair” e beans (feijões) equivale ao

“material que até então tinha sido escondido ou era desconhecido”. Nesta perspectiva,

os elementos de tais expressões adquirem eles próprios significados individuais

idiomáticos. O último e terceiro tipo de EIs (QM) caracteriza-se pelo facto de o

referente literal da expressão comportar em si próprio um exemplo do significado

idiomático, tal como acontece na EI giving up the ship (abandonar o barco), a qual

representa o acto de desistir de uma situação específica, que é ampliado a qualquer

outro contexto. Estas EIs transmitem o seu significado através do seu conteúdo alusivo,

ou seja, elas trazem à lembrança do falante um exemplo de uma categoria, de uma

situação, de um evento, de uma acção ou de um grupo de pessoas.

Ao comparar estas duas classificações, verifica-se que a grande diferença reside no

facto de em Cacciari e Glucksberg (1991) se considerar que todas as EIs são passíveis

de uma análise semântica, mesmo que a relação existente seja opaca, ao passo que os

outros autores admitem a existência de expressões cujo significado não pode ser

alcançado pela soma dos significados dos seus elementos. Como ponto em comum,

estas duas distribuições admitem que as EIs são, definitivamente, um grupo heterogéneo

e não homogéneo, como foi admitido durante muitos anos.

Discuta-se agora o papel do contexto linguístico na análise semântica.

Classificação de EIs

(Cacciari e Glucksberg, 1991)

EIs Opacas EIs Transparentes EIs Semi-

metafóricas

Esquema 9 - Classificação semântica de EIs segundo o modelo de Cacciari e Glucksberg (1991)

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

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2.4.2.1. O papel do contexto linguístico na análise semântica e na aquisição

de EIs

De acordo com os estudos de Levorato e Cacciari (1999) e de Laval e Bernicot (2002),

o contexto linguístico tem a particularidade de desempenhar um papel preponderante na

compreensão de EIs, tanto ao nível das crianças como dos adultos. De facto, os dados

recolhidos em ambos os trabalhos demonstram que, efectivamente, o contexto afecta a

interpretação destas estruturas, na medida em que serve de auxiliador.

No estudo de Levorato e Cacciari (1999: 54-55), as autoras apresentam como um dos

seus objectivos determinar em que medida o contexto linguístico afecta a interpretação

das EIs em relação à sua possibilidade de serem ou não analisadas semanticamente. As

mesmas esclarecem que pretendem testar a hipótese de que, quando possível, como

acontece com as EIs semanticamente analisáveis, as crianças recorrem aos significados

dos constituintes da expressão para compreenderem o significado global. Assim, as

propriedades semânticas dos constituintes desempenham um papel de facilitadores, o

qual pode ser engrandecido sempre que as EIs surjam inseridas em contexto. Nesta

perspectiva, uma criança, ao representar semanticamente uma EI, pode tirar proveito

tanto da informação linguística que antecede a expressão, facultada pelo contexto, como

da informação linguística presente na própria expressão, a qual é proporcionada pela

análise semântica dos seus constituintes. As autoras admitem, então, que duas previsões

podem ser feitas:

(i) De acordo com a perspectiva tradicional, o contexto pode facilitar o processo

de aquisição, não havendo diferença entre EIs analisáveis e EIs não

analisáveis semanticamente, uma vez que são igualmente armazenadas e

recuperadas do léxico mental do falante;

(ii) Conforme a perspectiva actual, que abrange o modelo de elaboração global69

,

a possibilidade de serem analisadas semanticamente afecta a capacidade de as

crianças compreenderem EIs e o contexto pode facilitar ainda mais o

processo.

69

O modelo de elaboração global (Global Elaboration Model) defende que a compreensão da linguagem

figurada não está relacionada apenas com os processos inerentes ao desenvolvimento lexical, mas

também com as capacidades linguísticas gerais, que é suposto a criança desenvolver, de forma a adquirir

e produzir actos linguísticos. Segundo este modelo, as crianças não necessitam de nenhuma estratégia

especial para compreenderem o significado da linguagem figurada, assim que tenham atingido um nível

suficiente de competência figurada, o qual, segundo as autoras, é alcançado no final do primeiro ciclo

(Levorato e Cacciari, 1995, apud Levorato e Cacciari, 1999: 52).

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

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Dos dados recolhidos no seu estudo70

, Levorato e Cacciari (1999) concluíram que a

capacidade de serem analisáveis semanticamente facilita a compreensão idiomática da

EI, pelas crianças de ambos os grupos em estudo (2º e 4º anos de escolaridade), na

medida em que as EIs analisáveis semanticamente somaram mais respostas correctas.

Relativamente ao contexto, os dados demonstraram que as crianças mais novas

beneficiam efectivamente de informação contextual, em ambos os tipos de EIs, ao

contrário das mais velhas, que o fazem principalmente quando confrontadas com EIs

não analisáveis semanticamente. Os dados demonstram:

“The processes underlying idiom acquisition are gradual and long-lasting and are still in

progress when a child is in fourth grade. Our results show, once again, that context plays an

important role, particularly in the early phases of idiom acquisition, with an effect which adds to

that of semantic analyzability” (cf. Levorato e Cacciari, 1999: 63).

Seguindo esta linha de pensamento, encontra-se o estudo de Laval e Bernicot (2002),

que partilha com o trabalho anterior a hipótese de que o contexto é importante na

compreensão de EIs. A singularidade desta investigação reside no facto de não

contemplar apenas crianças, mas também adultos. Mais uma vez, os dados recolhidos

demonstram que o número de respostas idiomáticas aumenta com a idade, o que leva a

concluir que o processo de aquisição e compreensão de tais estruturas é feito ao longo

da vida, não conhecendo o seu fim numa determinada etapa do desenvolvimento

linguístico do falante. Paralelamente, os autores verificaram também a existência de

mais respostas idiomáticas aquando da apresentação de um mais contexto favorável à

idiomaticidade do que à literalidade, em todas as idades, facto que permite a conclusão

que o contexto desempenha um papel basilar tanto para as crianças como para os

adultos.

Com base nestes dois estudos, foi desenvolvida uma experiência71

, cujo objectivo

passou também por analisar a importância do contexto no processo de aquisição e

compreensão de EIs, na Língua Portuguesa, partindo de duas situações distintas. Numa

primeira situação, as crianças teriam de reproduzir em desenho o significado global das

70

Levorato e Cacciari (1999), no seu estudo Idiom Comprehension in Children: Are the Effects of

Semantic Analysability and Context Separable, desenvolveram dois experimentos, aplicados a dois

grupos de crianças (2º e 4º anos de escolaridade). No primeiro teste, as autoras investigaram a

compreensão de oito EIs analisáveis e oito não analisáveis semanticamente, as quais foram apresentadas

num determinado contexto linguístico. As mesmas recorreram a um exercício de múltipla escolha para

recolha de dados, vale dizer, que depois de ouvirem uma pequena história, as crianças tinham como tarefa

escolher qual o significado (idiomático; semelhante ou literal) que atribuíam à EI existente em tal texto. A

mesma estratégia foi utilizada no segundo teste, com a diferença das EIs serem fornecidas sem qualquer

informação contextual, de forma a observa o papel do contexto no processo de compreensão. 71

Esta experiência foi desenvolvida no âmbito do seminário Aquisição da Linguagem, levado a cabo no

ano curricular.

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

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EIs, as quais não eram apresentadas contextualmente, enquanto na fase seguinte as

mesmas crianças seriam expostas às mesmas expressões, inseridas agora num

contexto72

.

Da interpretação dos dados concluiu-se, igualmente, que a aquisição e compreensão

deste tipo de expressões são facilitadas se for apresentado um suporte contextual, na

medida em que se, as mesmas forem pronunciadas fora de contexto, como aconteceu na

primeira situação, elas são interpretadas literalmente pela maioria das crianças, como se

pode ver nas imagens seguintes.

72

As crianças que participaram neste estudo foram divididas em dois grandes grupos, tendo em conta a

sua idade. Assim, o Grupo A comportava as crianças mais novas, as quais frequentavam o 2º ano de

escolaridade, enquanto o Grupo B compreendia as crianças mais velhas, integradas no 4º ano.

Armar-se em carapau de corrida Fazer uma tempestade num copo de água

Ir pentear Macacos Perder a cabeça

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

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Apesar de a maioria das crianças identificarem literalmente as EIs, foram registados

alguns casos de interpretação idiomática, principalmente no grupo das crianças mais

velhas. Verificou-se que quando as crianças conseguiam interpretar idiomaticamente as

EIs, estas tinham dificuldade em representar tal significado através de um desenho,

recorrendo sempre à escrita. Tais situações encontram como justificativa duas razões

possíveis. A primeira prende-se com o estádio de competência linguística e

metalinguística no qual se encontram as crianças em questão, o qual se situa num

patamar mais elevado.

Ser Canja

Ter o rei na barriga

Figura 2 – Interpretação literal das EIs

Armar-se em carapau de corrida Fazer uma tempestade num copo de água

Ser canja

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

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O segundo motivo relaciona-se com a questão da familiaridade, pois as crianças que

ilustraram os idiomatismos no seu significado idiomático confessaram já terem ouvido

as mesmas serem proferidas por familiares e/ ou pela professora. A imagem seguinte

demonstra a situação referida, uma vez que ao questionar a criança sobre a sua

representação da EI perder a cabeça, esta explicou que a sua professora tinha por hábito

utilizar tal expressão quando os alunos da turma não melhoravam o seu comportamento,

mesmo depois de várias advertências; daí a ilustração conter a professora e vários

alunos.

Aquando da apresentação contextualizada das mesmas EIs, num momento posterior,

verificou-se um aumento de respostas idiomáticas em ambos os grupos. Essa

contextualização foi conseguida através da exibição de seis pequenas histórias, inseridas

em seis tiras de Banda Desenhada, respectivamente73

. Cada história terminava com uma

73

As seis pequenas histórias resultaram da adaptação de seis tiras da conhecida Banda Desenhada Calvin

& Hobbes, as quais foram modificadas a propósito do estudo em questão, à excepção de que não sofreu

Figura 4 – A relação entre a familiaridade e a interpretação

idiomática da EI Perder a cabeça,

Perder a cabeça Ser canja

Figura 3 – Interpretação idiomática das EIs

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

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EI, de forma a levar as crianças a relacionarem a mesma com a situação retratada nos

momentos anteriores, como se pode ver pela imagem seguinte.

Da análise das respostas conseguidas, conclui-se que tanto as crianças mais novas como

as mais velhas interpretaram melhor o significado idiomático das EIs quando estas

foram apresentadas contextualmente, o que comprova que este estudo corrobora o

pressuposto, partilhado por vários autores, de que o contexto resulta numa ajuda

preciosa na compreensão do sentido figurado da linguagem, tal como se atesta em

Levorato (1993:105):

“The few studies that have investigated the role of context among children are unanimous in

finding that it does aid the comprehension of figurative meaning (Ackerman, 1982; Cacciari &

Levorato, 1989; Nippold & Tarrant Martin, 1989)”.

Veja-se agora como se processa a aquisição de EIs, ao nível sintáctico.

2.4.3. A aquisição de EIs ao nível sintáctico: congelamento vs flexibilidade

Tradicionalmente entendidas como estruturas linguísticas fixas ou congeladas, com base

no facto de resistirem a mudanças morfossintácticas, tornou-se hoje mais comum definir

as EIs como unidades estáveis (Čermák, 1988) ou como construções limitadamente

flexíveis (Barkema, 1996) (cf. Philip, 2007: 2).

Em Jorge (1991: 29) afirma-se que terá sido a partir de 1970, através da proposta de

classificação de Fraser (1970), que os estudiosos se começaram a interessar por estas

alterações, por já conter uma EI (ser canja). Todas estas histórias representam simples vivências e

situações quotidianas, próximas da realidade das crianças.

Figura 5 – Contextualização da EI Fazer uma tempestade num copo de água (adaptado)

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

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questões de natureza sintáctica. Com efeito, esta proposta de classificação acabou por

gerar uma enorme mudança na linha de investigação, na medida em que assumiu as EIs

como um grupo heterogéneo, passível de ser classificado de acordo com vários graus de

rigidez sintáctica. Em Fraser (1970, apud Jorge, 1991: 29-31), foram aplicadas várias

operações sintácticas a diferentes EIs, com o intuito de classificar estas estruturas

“segundo uma hierarquia do maior ao menor grau de congelamento sintáctico”. O

autor propõe cinco níveis possíveis, partindo do congelamento total74

. Esta classificação

é recuperada no trabalho de Cutler (1982), no qual se atesta que, com base em várias

experiências, “as EIs que não permitem transformações sintácticas são aquelas que

permanecem na língua há mais tempo (cf. Jorge, 1999: 31).

Em Ruwet (1983), pretende-se compreender o comportamento das EIs, na relação que

estabelecem entre a forma e o sentido, admitindo-se mais uma vez a impossibilidade de

um tratamento homogéneo destas estruturas, dada a sua já confirmada heterogeneidade

(cf. Jorge, 1991: 31-32).

Outro pressuposto aliado à visão tradicional das EIs reside no facto de as gramáticas as

considerarem desvios e anomalias da língua, não respeitantes das regras gramaticais.

Quer isto dizer que as gramáticas consideravam que as EIs não eram dependentes das

regras da sintaxe normal e que a sua aprendizagem não requeria os mesmos princípios

da aprendizagem de outras estruturas linguísticas. Porém, em Gross (1988) rompe-se

com o atrás mencionado, pois do seu trabalho depreende-se que “o tratamento

sintáctico das EIs obedece aos mesmos critérios da análise de qualquer outra

expressão” (cf. Jorge, 1991: 34).

Na verdade, esta postura será defendida por muitos outros estudiosos, especialmente em

trabalhos mais recentes, tal como acontece em Flores d‟Arcais (1993: 80), onde se

admite que as EIs diferem quanto ao grau de congelamento sintáctico, consoante as

operações morfológicas e sintácticas que conseguem tolerar. Nesta perspectiva,

identificam-se, no estudo em questão, algumas transformações passíveis de ocorrer em

determinadas partes das EIs; vale dizer, em alguns elementos que compõem a

expressão:

“Parts of some idioms can be quantified, modified, or even omitted, lexical elements can be

inserted at various points, clauses can be embedded in idiomatic phrases, and so forth”.

74

No que respeita às operações sintácticas, bem como à classificação por níveis, falar-se-á mais

detalhadamente no próximo ponto deste capítulo, na medida em que a proposta de Fraser (1970) se

encontra na base da proposta apresentada mais adiante.

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

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Ainda em Flores d‟Arcais (1993: 80) explicita-se que a aceitação de uma transformação

só é possível quando o significado idiomático da expressão se mantém. Desta forma, é

assim estabelecida uma relação estreita em termos lexicais, morfológicos, sintácticos e

semânticos, na medida em que qualquer modificação que seja feita deverá preservar

sempre o significado da expressão. A comprovar o atrás mencionado, observe-se, mais

uma vez, a tradicional EI inglesa kick the bucket, sendo alterada sintacticamente, através

da mudança para a voz passiva:

(15) a. John kicked the bucket.

b. The bucket was kicked by John.

Ao observar a transformação, verifica-se que esta, embora seja sintacticamente correcta,

provoca a perda do significado original da EI, concluindo-se que a expressão em

questão não suporta a construção da passiva. De forma a demonstrar que o mesmo

acontece em Português, analise-se uma EI nacional, equivalente em termos semânticos:

(16) a. O João esticou o pernil.

b. O pernil foi esticado pelo João.

Com o intuito de demonstrar que “a coesão semântica das EIs depende da sua

estabilidade morfossintáctica”, em Rebelo (1998, apud Evangelista, 2004: 55 – 56)

propõe-se um conjunto de operações linguísticas, que salientam determinadas

características destas estruturas:

(i) fixação da ordem dos elementos constituintes:

- meter os pés pelas mãos / *meter as mãos pelos pés;

(ii) fixação dos componentes lexicais ou impossibilidade de substituição:

- dar o braço a torcer / *dar o pé a torcer;

(iii) impossibilidade de adição:

- fazer figura de urso / *fazer figura de urso branco;

(iv) impossibilidade de supressão:

- ter a barba rija / *ter a barba;

(v) fixação de categorias gramaticais:

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

Página | 98

- roer a corda / * roer as cordas;

(vi) fixação transformativas:

restrições quanto à transformação relativa:

- o rapaz vendeu banha de cobra / *banha de cobra que o rapaz vendeu;

restrições quanto à transformação passiva:

- moer o juízo / *o juízo foi moído.

Porém, tendo-se em conta as variantes apresentadas anteriormente, no Paradigma

Sintáctico-semântico75

, verifica-se que em Jorge (2001: 217-219) são expostas várias

construções resultantes de transformações lexicais, morfológicas e sintácticas que não

invalidam o significado da expressão original.

Desta forma, com base nos dois estudos em questão, remete-se novamente para o

pressuposto defendido em Flores d‟Arcais (1993), que apresenta as EIs como um grupo

heterogéneo, detentoras de vários graus de rigidez e flexibilidade sintáctica. Esta ideia é

validada também em Rebelo (1998, apud Evangelista, 2004: 57), na medida em que se

afirma que as EIs ostentam “no plano sintáctico, uma escala variada de fixidez em

relação aos seus elementos estruturantes que pode ir desde as combinações quase

livres […] à fixidez total”. Em Evangelista (2004: 57) esclarece-se ainda que em Rebelo

(1998) “algumas combinações livres, como as denomina, permitem determinadas

transformações a nível sintáctico, nomeadamente, a passivização, a topicalização, a

pronominalização, inserção de um novo complemento e a forma enfática, sem que isso

acarrete a perda da sua idiomaticidade. As fraseologias de fixidez total, em

contrapartida, são fechadas a qualquer tipo de transformação, rejeitando operações de

substituição, inserção/ adição ou supressão de elementos”.

Outra questão, associada à vertente sintáctica das EIs, prende-se com a forma como esta

afecta a aquisição e o processamento das mesmas. Vale questionar: encontra-se a

análise sintáctica presente aquando da aquisição e do processamento das EIs? O falante

recorre sempre à análise sintáctica ou depende do tipo de EI em causa?

Em Flores d‟Arcais (1993: 89), desenvolveu-se um experimento que tenta dar resposta a

ambas as questões, partindo da seguinte hipótese:

75

Remete-se para o ponto 1.2.2. do primeiro capítulo do presente trabalho, no qual se abordou a questão

das variantes das EIs.

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

Página | 99

“Syntactic analysis is an obligatory, automatic process that does not depend on the particular

structure being processed and that is insensitive to the lexical properties of the phrasal structure

being processed”.

Assim, pode-se dizer que no estudo em questão se pretende investigar até que ponto o

falante recorre à análise sintáctica:

“To what extent is syntactic analysis performed during comprehension of the sentences containing

idioms?”.

Para tal, os inquiridos teriam de detectar violações sintácticas em 24 enunciados que

comportavam EIs de alta e baixa familiaridade. A partir da análise dos dados recolhidos,

verificou-se que a probabilidade de detectar erros em ambos os tipos de EIs é a mesma,

o que levou a concluir que a análise sintáctica é sempre obrigatória, independentemente

de se tratar de uma estrutura familiar ou desconhecida.

O resultado alcançado neste estudo é concordante com as conclusões obtidas no

trabalho de Cacciari e Tabossi (1988: 679), onde também se verifica a existência

constante da análise sintáctica nos momentos de aquisição e processamento de EIs.

Debatida a dicotomia congelamento/ flexibilidade sintáctica, apresentem-se, de seguida

e em jeito de síntese, as conclusões obtidas sobre o processo de aquisição e

processamento de EIs.

2.4.4. Síntese

Dada a complexidade que acompanha o processo de aquisição e processamento das EIs,

resulta fundamental sintetizar as ideias principais, agrupando-as consoante os três

domínios abordados: léxico, semântica e sintaxe.

Léxico:

(i) As EIs podem ser representadas no léxico do falante de várias formas,

consoante as diferentes teorias:

- As EIs são armazenadas numa lista especial, a lista idiomática, separada

do léxico mental do falante (Idiom List Hypothesis);

- As EIs são elencadas no léxico mental do falante, tal como qualquer outra

palavra (Lexical Representation Theory e Direct Access Hypothesis);

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

Página | 100

- As EIs são representadas de forma distribuída, na medida em que o seu

significado é distribuído ao longo dos seus constituintes, o que leva o falante

a armazená-las como enunciados (Configuration Hypothesis e Idiom

Decomposition Hypothesis).

(ii) Estas teorias levam à existência de vários modelos de processamento de EIs:

- Processamento literal: a análise literal é sempre experimentada antes de se

activar o processamento idiomático.

- Processamento simultâneo: as análises literal e idiomática são activadas

simultaneamente, decorrendo em paralelo.

- Processamento figurado: a EI é processada figurativamente, só se

recorrendo à analise literal se o significado idiomático não se adequar ao

contexto.

Semântica:

(iii) As EIs são adquiridas e processadas de acordo com a característica da

composicionalidade, a qual diz respeito à relação estabelecida entre os

significados dos constituintes da expressão e o seu significado idiomático;

(iv) De acordo com alguns autores, nomeadamente Cacciari e Gibbs, esta

característica permite distribuir as EIs ao longo de um contínuo semântico,

de acordo com o seu grau de composicionalidade;

(v) O grau de composicionalidade das EIs interfere no seu processo de aquisição

e processamento por parte do falante, sendo que as transparentes, ou seja,

aquelas cujo significado idiomático pode ser alcançado através dos

significados dos seus elementos, são mais fáceis de aprender e

compreender, enquanto as opacas, aquelas cujo significado idiomático é

inalcançável a partir dos significados dos seus constituintes, se revelam mais

difíceis para o falante;

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

Página | 101

(vi) No processo de análise semântica das EIs, o contexto desempenha um papel

fulcral, na medida em que faculta informações necessárias para que o falante

consiga entender o significado idiomático da expressão, sendo importante

na aquisição e no processamentos destas expressões.

Sintaxe:

(vii) As EIs são adquiridas e processadas consoante a característica da

cristalização, a qual se prende com o carácter sintáctico das expressões, que

é considerado por muitos autores como sendo totalmente rígido e inflexível;

(viii) Contrariamente ao pressuposto anterior, verifica-se a existência de estudos

que rompem com a tradição, alvitrando que as EIs podem também ser

ordenadas num contínuo sintáctico, de acordo com o seu grau de

congelamento;

(ix) O grau de congelamento das EIs está intrinsecamente relacionado com a sua

componente semântica, na medida em que as alterações sintácticas só são

consideradas válidas se não se verificar a perda do significado idiomático da

expressão;

(x) Desta mesma forma, a aquisição e o processamento de EIs está relacionado

com a sua classificação sintáctica, sendo que as expressões mais congeladas

se apresentam mais difíceis ao falante do que as mais flexíveis, que resultam

mais fáceis.

Posto isto, e em jeito de remate final, conclui-se que a aquisição e o processamento de

EIs é um caminho a percorrer pelo falante ao longo de toda a sua vida, na medida em

que este está sempre sujeito a deparar-se com uma EI desconhecida, que terá de

processar para aprender. Esta situação leva a que não tenham sido mencionadas, no

presente estudo, fases, faixas etárias ou estádios específicos, que possam desenhar mais

concretamente todo este processo. Porém, admite-se, com base na literatura consultada,

que o início do processo de aquisição e compreensão de EIs se situa entre os cinco e seis

anos, à entrada do 1º ciclo de escolaridade, quando as crianças começam a desenvolver

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Capítulo 2 | A Linguagem Literal e a Linguagem Figurada: questões de aquisição

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a sua competência figurativa. Importa também referir que a aquisição da linguagem

figurada implica uma hierarquia, a qual vai desde as estruturas mais simples até às mais

complexas. Neste sentido, e tendo em contas as unidades fraseológicas que interessam

ao presente estudo, conclui-se que as crianças, por volta dos 5 e dos 6 anos, começam a

compreender e a utilizar as EIs lexicalmente decomponíveis, semanticamente mais

transparentes e sintacticamente mais flexíveis, evoluindo depois para EIs mais opacas e

congeladas, consoante o nível do seu conhecimento linguístico.

Neste sentido, torna-se fácil deduzir que o processo de aquisição e compreensão de EIs

acompanha o progresso linguístico de cada falante e o desenvolvimento de cada uma

das suas competências linguísticas, em especial a lexical, a semântica e a sintáctica.

Na verdade, considera-se, no presente estudo, e com base em tudo o que foi apresentado

e discutido, que o processo de aquisição e processamento de expressões idiomáticas se

assume em forma de espiral, uma vez que se desenvolve e aperfeiçoa à medida que o

falante cresce, interpretando melhor as EIs à medida que deixa de ser criança e se torna

adulto; em termos linguísticos, à medida que a sua competência comunicativa se

consolida, tal como demonstra a figura seguinte.

Figura 6 – Representação em espiral do processo de

aquisição e compreensão de EIs

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Capítulo 3 | Proposta de classificação sintáctica: um experimento

Página | 103

Capítulo 3. Proposta de classificação sintáctica:

um experimento

Tendo como base a heterogeneidade das EIs e partindo das operações sintácticas

utilizadas em Fraser (1970), pretende-se neste capítulo analisar um determinado tipo de

EIs portuguesas, denominado na literatura específica phrasal idioms76

, de forma a

apresentar uma proposta de classificação sintáctica, em PE. A escolha de Fraser (1970)

como ponto de partida para este experimento encontra justificativa no carácter inovador

e criativo da sua proposta, não esquecendo que foi este o estudo que permitiu quebrar

um dos pressupostos mais sólidos da perspectiva tradicional: encarar as EIs como

unidades sintacticamente rígidas. Neste sentido, pretende-se demonstrar que as

operações sintácticas propostas pelo autor podem ser igualmente aplicadas em PE,

permitindo encontrar diferentes graus de congelamento sintáctico nas EIs nacionais.

Contudo, no que diz respeito aos vários graus, importa desde já realçar que o presente

estudo não partilha das denominações nem definições utilizadas em Fraser (1970)77

, na

medida em que não concorda com a hierarquização estabelecida em tal estudo, onde se

admite que se uma transformação não for possível, todas as transformações de nível

superior são da mesma forma bloqueadas (Strässler, 1982: 38). Nesta perspectiva, as

cinco operações sintácticas utilizadas no presente experimento são encaradas de forma

igual, não constituindo as mesmas uma hierarquia. A hierarquia será, sim, criada, mas

conforme o número de operações permitidas por cada EI.

Aceitando esta linha de pensamento, surge a seguinte questão orientadora: Será

possível, na Língua Portuguesa, mais propriamente em Português Europeu, estabelecer

uma hierarquização das EIs, consoante diferentes graus de congelamento sintáctico?

Partindo desta questão, estabeleceram-se, para o presente experimento, os seguintes

objectivos:

(i) Contribuir para a criação de um método de classificação sintáctica de EIs, em

PE.

76

O termo phrasal idioms foi utilizado pela primeira vez em Katz and Postal (1965, apud Strässler, 1982:

30) por oposição ao termo lexical idiom: “The characterization of a idiom as any concatenation of two or

more morphemes whose compound neaning is not composionally derived from the meanings of the

concatenation morphemes does not differentiate those idioms that are syntactically dominated by one of

the lowest syntactic categories, i.e. noun, verb, adjective, etc., from those whose syntactic structure is

such that no single level syntactic category dominates them. Let us call the former type „lexical idioms‟,

the latter „phrase idioms‟”. 77

Cf. Strässler, 1982: 38 – 40.

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Capítulo 3 | Proposta de classificação sintáctica: um experimento

Página | 104

(ii) Fornecer dados de referência sobre a dicotomia congelamento / flexibilidade,

em termos sintácticos, das EIs, em PE, de interesse para docentes de Português

Língua Materna, Segunda e/ou Estrangeira, de todos os níveis de ensino,

linguistas e estudiosos.

(iii) Colaborar, consequentemente, para a progressiva inserção das EIs no sistema

de ensino português, demonstrando que as mesmas podem e devem ser

entendidas, estudadas e leccionadas como qualquer outro aspecto da língua.

Seguindo esta perspectiva, o presente experimento tem como finalidade testar as

hipóteses subsequentes:

Hipótese 1: Em PE, as EIs permitem determinadas operações sintácticas, mantendo o

seu significado idiomático original, demonstrando a estreita relação que

existe entre as vertentes lexicais, morfológicas, sintácticas e semânticas

inerentes a este tipo de estrutura.

Hipótese 2: Em PE, as EIs constituem um grupo heterogéneo, podendo ser classificadas

em diferentes graus de congelamento e, consequentemente, distribuídas ao

longo de um contínuo sintáctico, que vai desde um maior grau de fixidez a

um maior grau de flexibilidade.

Hipótese 3: O número de EIs que permitem entre três a quatro operações sintácticas é

francamente superior ao número de EIs que não suporta qualquer

transformação, que tolera apenas uma ou duas ou que aceita as cinco

operações.

Apresentadas as hipóteses, explique-se quais os materiais e os procedimentos que estão

na base deste experimento.

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Capítulo 3 | Proposta de classificação sintáctica: um experimento

Página | 105

3.1. Material

De modo a testar as hipóteses referidas anteriormente e a alcançar os objectivos

estabelecidos, foi desenvolvido e aplicado um teste, que comporta cem EIs e as suas

cinco respectivas operações sintácticas.

O primeiro passo para a construção de tal teste diz respeito à escolha das EIs, a qual

consistiu em retirar da obra lexicográfica Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas

(Santos, 2000) cem expressões que encaixassem na definição de phrasal idioms78

. Para

limitar ainda mais a escolha, estabeleceu-se com base em Flores d‟Arcais (1993: 79) a

recolha de EIs constituídas por um verbo e seguidas de um grupo nominal (noun

phrase), composto por um determinante artigo definido, indefinido ou demonstrativo e

um nome. Este tipo de EIs recebem, em Flores d‟Arcais (1993: 79), a denominação

phrase idioms. A título de exemplo observe-se a EI que surge em primeiro lugar:

(17) Descascar um abacaxi verbo + grupo nominal (determinante artigo

indefinido + nome)

Para além de tais características, as EIs escolhidas respeitam mais um critério de

selecção que se prende com o facto de poderem ser entendidas literal e figurativamente

(ver anexo 1).

Seleccionadas as cem expressões, criou-se um enunciado para cada uma, onde as

mesmas surgissem no seu sentido mais original79

. Nesse enunciado, todas as EIs são

utilizadas na afirmativa.

(18) Apesar de ter vários problemas, ele descascou um abacaxi80

.

Posteriormente, passou-se à fase da aplicação das operações sintácticas, propostas em

Fraser (1970):

(i) Passivização;

(ii) Nominalização;

(iii) Movimentação de partículas;

(iv) Inserção de advérbio81

;

78

Importa informar que determinadas EIs se encontram elencadas, na obra lexicográfica em questão,

juntamente com as suas variantes, as quais não foram consideradas, dada a natureza do presente

experimento. 79

No caso das EIs que registassem mais do que um significado, optou-se pelo sentido mais frequente. 80

Todos os enunciados, presentes no teste, se encontram no Pretérito Perfeito do Modo Indicativo, com o

objectivo de demonstrar que as EIs não estão amarradas ao Modo Infinitivo ou ao Presente do Modo

Indicativo do seu núcleo verbal.

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Capítulo 3 | Proposta de classificação sintáctica: um experimento

Página | 106

(v) Gerúndio.

Recorra-se novamente à EI “descascar um abacaxi”, para exemplificar o acima dito:

(19) a. Passivização: Apesar de ter vários problemas, um abacaxi foi descascado

por ele.

b. Nominalização: Apesar de ter vários problemas, ele fez o descascamento

de um abacaxi.

c. Movimentação de partículas: Apesar de ter vários problemas, ele um

abacaxi descascou.

d. Inserção de advérbio: Apesar de ter vários problemas, ele ontem

descascou um abacaxi.

e. Gerúndio: Apesar de ter vários problemas, ele acabou descascando um

abacaxi.

Da aplicação das cinco operações sintácticas a cem EIs, seria esperado que resultassem

quinhentas frases a utilizar no teste em causa. Porém, verifica-se que em dezasseis

expressões não é possível aplicar a nominalização, o que faz com que o teste só

contabilize quatrocentas e oitenta e quatro frases, as quais serão analisadas por cada um

dos intervenientes (ver anexo II). A título ilustrativo, refiram-se as EIs saber o

abecedário; dar um bode; meter uma bola e ganhar o bolo.

Com este teste pretende-se verificar a possibilidade ou a impossibilidade em aplicar

determinadas operações sintácticas, sem que as EIs percam o seu significado idiomático

original.

3.2. Amostra

No experimento em causa foram integrados apenas onze adultos82

, dada a natureza

essencialmente indicativa do mesmo, com idades compreendidas entre os 26 e os 49

anos, na medida em que, de acordo com a literatura específica a competência linguística

dos falantes já estaria consolidada nesta faixa etária.

81

No que respeita à escolha do advérbio a utilizar, resulta fundamental esclarecer que não se recorreu a

uma determinada subclasse, ou seja, não se considerou apenas o uso de advérbios de tempo ou de modo,

por exemplo. A selecção do advérbio é de carácter semântico, na medida em que o significado do mesmo

tem de ser coerente com o sentido idiomático da expressão. 82

A escolha de um número ímpar relaciona-se com a necessidade de evitar empates na contagem das

operações sintácticas possíveis e impossíveis, aquando da análise dos dados recolhidos através do teste.

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Capítulo 3 | Proposta de classificação sintáctica: um experimento

Página | 107

Como variáveis de controlo de inclusão consideram-se a língua materna (português) e a

profissão (professores do 3º ciclo do ensino básico e do ensino secundário), tendo-se

tomado como variável de controlo de exclusão a existência de qualquer formação

superior nas áreas de Língua Portuguesa e/ ou Linguística, tal como demonstra a tabela

seguinte.

Tabela 2 – Dados da amostra relativos à variável de controlo de exclusão

A caracterização sócio-demográfica dos adultos em causa assume como variáveis de

controlo a idade, o sexo, a naturalidade e o conhecimento de línguas estrangeiras,

como demonstra a próxima tabela.

Tabela 3 – Dados sócio-demográficos da amostra relativos às variáveis de controlo

Da leitura da tabela, conclui-se que a amostra é composta por cinco adultos do sexo

masculino e seis do sexo feminino, todos naturais de localidades portuguesas. Verifica-

Sujeitos Formação Superior/

Área Disciplinar

Sujeitos Formação Superior/

Área Disciplinar

Sujeito 1 História Sujeito 7 Matemática / Ciências da Natureza

Sujeito 2 Biologia e Geologia Sujeito 8 Biologia e Geologia

Sujeito 3 Informática Sujeito 9 Educação Visual

Sujeito 4 Matemática Sujeito 10 Matemática

Sujeito 5 Física e Química Sujeito 11 Geografia

Sujeito 6 Educação Física e Desporto

Sujeitos Idade Sexo Naturalidade Conhecimento de LE: Níveis

Básico Intermédio Avançado

Sujeito 1 28 M Elvas ___________ Inglês Espanhol

Sujeito 2 35 F Famalicão Francês Inglês ___________

Sujeito 3 28 M Beja Francês Espanhol Inglês

Sujeito 4 29 F Elvas ___________ ___________ ___________

Sujeito 5 29 F Viseu Espanhol Inglês ___________

Sujeito 6 26 F Braga ___________ Inglês ___________

Sujeito 7 49 F Elvas Inglês ___________ ___________

Sujeito 8 36 M Beja Inglês Espanhol ___________

Sujeito 9 32 M Elvas Francês Espanhol Inglês

Sujeito 10 29 M Elvas ___________ ___________ ___________

Sujeito 11 40 F Elvas ___________ Espanhol ___________

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Capítulo 3 | Proposta de classificação sintáctica: um experimento

Página | 108

-se também que a grande maioria afirma ter conhecimentos em Línguas Estrangeiras, à

excepção de dois sujeitos. Observa-se ainda que a Língua Inglesa é a LE mais referida,

sendo o seu conhecimento posicionado duas vezes no nível básico, quatro no intermédio

e duas no avançado; seguindo-se a Língua Espanhola, cujo conhecimento se situa uma

vez no nível básico, quatro no intermédio e uma no avançado; e, posteriormente, a

Língua Francesa, indicada três vezes no nível básico.

3.3. Procedimentos

Tendo como objectivo entender como alterações sintácticas podem condicionar ou não a

semântica original deste tipo de EIs, construiu-se um teste, como explicado

anteriormente, no qual foi pedido aos onze sujeitos que lessem com atenção as frases

apresentadas e que indicassem, marcando uma cruz (X), se consideravam a frase em

questão possível (P) ou impossível (I), tendo em conta a possível perda do sentido

original da expressão em cada uma das diferentes frases. Para tal, foi-lhes facultada a

definição da expressão, bem como um exemplo da sua utilização numa frase.83

Caso

tivessem dúvidas na opção escolhida, os mesmos deveriam marcar uma outra cruz na

opção Duvidosa (D). Esta opção resultou de uma pré-análise das frases resultantes das

operações sintácticas aplicadas, na medida em que se verificou alguma dificuldade e

hesitação nas escolhas (ver anexo III). Vale dizer que enquanto em determinados casos

a escolha se revelou óbvia, o mesmo não aconteceu noutros; daí a necessidade de

indicar que aquela escolha é duvidosa84

.

Assim, considerando as hipóteses, os sujeitos poderiam optar entre:

P (Possível) - se considerassem que a expressão mantinha o seu sentido

idiomático original, mesmo com a aplicação da operação

sintáctica;

I (Impossível) - caso considerassem que a expressão perdia o seu sentido

idiomático original, devido à aplicação da operação sintáctica.

83

Como não se pretende estudar a questão da familiaridade neste experimento, foi facultado a todos os

sujeitos o significado idiomático original das EIs, partindo-se do pressuposto, mais tarde confirmado, que

alguma EI poderia ser desconhecida pelos mesmos e que esse desconhecimento poderia condicionar as

suas escolhas. Dado o elevado número de EIs em estudo e todos os critérios de selecção, resultaria difícil

que todos os sujeitos conhecessem todas as expressões. Neste sentido, ressalva-se a possibilidade de os

sujeitos apresentarem mais dificuldade em formular juízos sobre as EIs que lhes eram desconhecidas. 84

O supramencionado demonstra que a ideia original incluía um teste constituído apenas por duas opções,

possível e impossível, tendo sido acrescida a hipótese duvidosa, depois de feita a pré-análise.

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Capítulo 3 | Proposta de classificação sintáctica: um experimento

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D (Duvidosa) - se tivessem dúvidas quanto à opção escolhida anteriormente (P

ou I) (ver anexo IV).

A título de exemplo, observe-se a forma como as EIs e suas transformações foram

apresentadas à amostra, no teste em questão.

Relativamente à duração da resolução do teste, importa referir que foi permitido a cada

sujeito levar o tempo que achasse necessário, não tendo sido imposto nenhum

condicionamento a esse nível, tendo-se verificado que em média os sujeitos levaram

entre noventa a cento e vinte minutos, tendo a possibilidade de fazer intervalos sempre

que considerassem necessário.

Aplicado o teste, recolheram-se os dados da amostra, os quais foram introduzidos numa

grelha, na qual se encontram indicadas as escolhas de cada sujeito para cada uma das

cinco operações sintácticas aplicadas a cada uma das cem EIs (ver anexo VI).

Posteriormente, analisou-se cada EI em particular, o que implicou a observação de cada

operação sintáctica, de forma a verificar se a maioria dos sujeitos a considerava possível

ou impossível85

. Todos esses dados foram registados individualmente para cada EI, tal

como ilustra a seguinte tabela.

Tabela 4 – Exemplo de contagem das operações sintácticas possíveis e impossíveis por EI

85

Nesta fase não foi considerada a opção duvidosa, ou seja, se a escolha do sujeito foi possível/ duvidosa

ou impossível/ duvidosa entendeu-se apenas como possível ou impossível, respectivamente. Esta decisão

justifica-se pelo facto de a opção duvidosa ser meramente indicativa, de maneira a verificar se as

dificuldades e os obstáculos sentidos na pré-análise são partilhados pela amostra.

1. Descascar um abacaxi: resolver uma dificuldade; desembaraçar-se de embrulhada.

Apesar de ter vários problemas, ele descascou um abacaxi.

Frases / Transformações P I D

Apesar de ter vários problemas, um abacaxi foi descascado por ele.

Apesar de ter vários problemas, ele fez o descascamento de um abacaxi.

Apesar de ter vários problemas, ele um abacaxi descascou.

Apesar de ter vários problemas, ele ontem descascou um abacaxi.

Apesar de ter vários problemas, ele acabou descascando um abacaxi.

1. Descascar um abacaxi

Transformações

Possíveis Impossíveis Classificação

Passivização 7 4

Nominalização 2 9

Mov. Partículas 7 4

Ins. de Advérbio 10 1

Gerúndio 9 2

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Capítulo 3 | Proposta de classificação sintáctica: um experimento

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Analisados todos os dados recolhidos a partir da amostra, tornou-se possível a

classificação das EIs, em termos da dicotomia congelamento / flexibilidade sintáctica e,

consequentemente, a sua distribuição num contínuo, de acordo com o seu grau de

rigidez, o que permitiu o preenchimento da coluna em branco apresentada na tabela

anterior (ver anexo VII). Importa esclarecer que a classificação de cada operação como

possível ou impossível resultou da consideração da opção que surgisse em número

superior.

Decifrados todos os procedimentos levados a cabo no presente experimento,

apresentem-se, de seguida, os resultados obtidos.

3.4. Apresentação e análise dos resultados

Da análise dos dados recolhidos, averiguou-se a possibilidade de classificar

sintacticamente este tipo particular de EIs, em diferentes graus de congelamento e de

flexibilidade. Esta situação advém do facto de a grande maioria dos sujeitos ter

considerado possível a aplicação, em casos específicos, das cinco operações sintácticas

em estudo. Relembre-se que ao considerar possível, os sujeitos admitem que tal

transformação sintáctica não conduz à perda do significado idiomático original da

expressão. No que toca a esta questão, os dados demonstram que, à excepção do sujeito

8, que não considera nenhuma passivização possível, todos os outros consideram

permissível a aplicação de todas as operações, em determinadas EIs, como demonstra o

seguinte gráfico.

Gráfico 1 – Operações possíveis por sujeito

0

20

40

60

80

100

120

Passivização Nominalização Movimentação de Partículas

Inserção de Advérbio

Gerúndio

Operações possíveis por sujeito Sujeito 1

Sujeito 2

Sujeito 3

Sujeito 4

Sujeito 5

Sujeito 6

Sujeito 7

Sujeito 8

Sujeito 9

Sujeito 10

Sujeito 11

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Capítulo 3 | Proposta de classificação sintáctica: um experimento

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Ainda no gráfico em questão, verifica-se que a amostra, na sua maioria, considera a

movimentação de partículas, a inserção de advérbio e o gerúndio como as operações

sintácticas com o maior número de respostas possíveis, ao contrário da passivização e

da nominalização. De facto, observa-se que às operações referidas primeiramente,

alguns sujeitos atribuem, inclusive, 100% de possibilidade.

Analisando cada operação em particular, constata-se que a construção da passiva

levantou algumas dificuldades à amostra, na medida em que se verifica grandes

disparidades entre sujeitos. Veja-se o caso do sujeito 4 que considera possíveis 87% das

passivizações apresentadas, a grande maioria, enquanto o sujeito 8 não considera

nenhuma, como demonstrado na tabela 5.

Tabela 5 – Percentagem de passivas possíveis e impossíveis por sujeito

Esta situação ilustra a classificação conferida, em Peres e Móia (1995), às construções

passivas como uma das áreas críticas da Língua Portuguesa. De facto, na obra

anteriormente citada, explica-se que as construções passivas só são consideradas

correctas se, em comparação com as respectivas construções activas, respeitarem três

factores, sendo o primeiro o que interessa particularmente ao presente estudo86

. Assim

em Peres e Móia (1995: 209) explica-se que “o primeiro é o facto de, do ponto de vista

semântico, as duas frases serem, no essencial, equivalentes, podendo dizer-se que

exprimem a mesma predicação básica, a qual envolve, por um lado, uma determinada

relação entre as entidades designadas (…) e, por outro, determinados valores de

Tempo, Aspecto, Modo e Polaridade”. O interesse exclusivo neste primeiro factor

explica-se pelo objectivo do experimento em questão verificar se esta operação

sintáctica conduz à perda do significado idiomático original das EIs, não sendo alvo de

86

No que toca aos outros dois factores, citem-se os autores: “O segundo factor é o facto de os

predicadores de ambas as frases (…) serem formas derivadas de um mesmo verbo”, [enquanto o terceiro

se relaciona com] “o facto de as expressões com que os predicados estão combinados – digamos, para

simplificar, os seus argumentos – estarem relacionados entre si do seguinte modo: a expressão que tem a

função de complemento directo na frase activa (…) tem a função de sujeito na frase passiva, mantendo

nas duas frases a mesma função semântica (…); por outro lado, a expressão que tem a função de sujeito

na frase activa (…) aparece, na frase passiva, integrada no sintagma preposicional (…), mantendo em

ambas as situações a mesma função semântica (…)” (cf. Peres e Móia, 1995: 209-210).

Sujeitos

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

Passivas Possíveis (%) 16 66 52 87 25 41 55 0 67 66 38

Passivas Impossíveis (%) 84 34 48 13 75 55 45 100 33 34 62

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Capítulo 3 | Proposta de classificação sintáctica: um experimento

Página | 112

estudo a construção correcta ou incorrecta da passiva, pois todas as passivizações em

causa respeitam as regras de construção.

De volta aos dados da amostra, conclui-se que algumas passivizações são consideradas

possíveis, pela maioria dos sujeitos, ao contrário de outras. Observe-se os seguintes

exemplos, construídos através das EIs Empunhar o ceptro (EI número 36) e Amarrar a

gata (EI número 58), as quais são ilustrativas das situações apontadas respectivamente,

sendo apresentada primeiro o enunciado original (a.) e depois a passivização (b.)

(20) a. Durante anos, ele empunhou o ceptro nesta empresa.

b. Durante anos, o ceptro foi empunhado por ele nesta empresa.

(21) a. Na festa de ontem, ele bebeu muito vinho e amarrou a gata.

b. Na festa de ontem, ele bebeu muito vinho e a gata foi amarrada por ele.

Analisando os enunciados em causa e tendo sempre presente os dados recolhidos,

reconhece-se que dez sujeitos consideraram possível a primeira construção passiva (20),

enquanto todos os sujeitos consideraram impossível a passivização do segundo exemplo

(21), o que demonstra, mais uma vez, que as EIs não podem ser classificadas a partir de

uma simples EI, sem que se incorra no risco de se proceder a uma generalização

abusiva, incapaz de reflectir a realidade. Neste sentido, impõe-se-se a questão: qual a

diferença, em termos de estrutura sintáctica, entre empunhar o ceptro e amarrar a gata,

que leva a primeira a tolerar a passivização e a segunda a não aceitar, sem perda de

significado idiomático? A resposta é dada, em conformidade com o estudo de Ifill

(2002: 11), com base na ideia sugerida por Jackendoff (1997), no qual se admite que a

diferença se relaciona com aspectos de transparência:

“It has been noted that some idioms seem to have a more transparent structure than others. In other

words, certain idioms seem to closely resemble their non-idiomatic counterparts syntactically. It is

these transparent idioms which can undergo passivization, and syntactically opaque idioms can

not”.

Observando-se, de novo, as EIs em destaque, verifica-se precisamente tal situação, na

medida em que o significado idiomático de (20) é mais próximo do seu significado

literal do que o significado idiomático de (21), relativamente ao seu significado literal

correspondente. Ainda em Ifill (2002: 11) se afirma que, no caso das EIs transparentes,

como (20), a sintaxe da versão não-idiomática da frase mapeia directamente a sintaxe da

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Capítulo 3 | Proposta de classificação sintáctica: um experimento

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frase idiomática, o que permite manter o mesmo significado. De facto, se o falante partir

do significado literal da expressão, parece mais fácil reconhecer o significado

idiomático “governar” de empunhar o ceptro, do que o significado “embriagar-se” de

amarrar a gata.

Paralelamente a esta questão de transparência, encontra-se um outro factor que explica

também a impossibilidade de certas EIs em tolerar a passivização, o qual está

relacionado com o verbo que constitui a sua paráfrase ser um verbo intransitivo, tal

como acontece com a EI bater a bota (nº 15), cuja paráfrase é representada pelo verbo

morrer. Neste sentido, o enunciado Ele estava muito doente, por isso a bota foi batida

por ele não é permitido, situação que corrobora o referido em Flores d‟Arcais

(1993:80), para a EI inglesa kick the bucket, a qual também significa morrer.

No que respeita à nominalização, o panorama é um pouco diferente da passivização, na

medida em que os dados demonstram que grande parte dos sujeitos não considera esta

operação possível, na maioria das EIs, como se observa na tabela 6. Na verdade, a

percentagem maior de nominalizações possíveis (39%) é dada pelo sujeito 10, sendo a

menor (2%) pertencente aos sujeitos 4 e 5.

Tabela 6 - Percentagem de nominalizações possíveis e impossíveis por sujeito

Ao analisar o fenómeno da nominalização urge realçar que o mesmo é entendido, no

presente estudo, como definido em Rocha (1998: 125, apud Augusti e Alferes, 2010:

11): “a criação de um substantivo a partir de qualquer categoria que não seja

substantivo”.

Precisando ainda mais, e dado que no presente experimento todas as nominalizações

foram criadas com base num verbo, em Augusti e Alferes (2010: 11-12) informa-se,

ainda, que as nominalizações existentes são, de acordo com a nomenclatura de Rocha

(1999, apud Maroneze, 2004, p.5), do tipo stricto sensu, sendo esta forma de

nominalização considerada “um fenômeno morfossintático que consiste na formação de

nomes a partir de verbos. Em outras palavras, podemos dizer que, dado um verbo, é

possível prever a existência de um nome abstrato, derivado, sufixado, correspondente,

Sujeitos

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

Nominalizações Possíveis (%) 13 10 10 2 2 6 36 13 22 39 22

Nominalizações Impossíveis (%) 87 90 90 98 98 94 64 87 78 61 78

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com o sentido de “ato, processo, fato, resultado, estado, evento ou modo de X”,

(Gunzburguer, 1979), sendo X o verbo que constitui a base do processo

(consagrar/consagração, julgar/julgamento, contar/contagem, etc.)”.

Tendo em conta as nominalizações do experimento e os dados recolhidos conclui-se que

esta operação é a que mais leva à perda do significado idiomático original das EIs,

segundo a amostra, tal como demonstram as EIs tirar o casaco (nº 34) e roer a corda

(nº40):

(22) a. Sempre que foi preciso alguém corajoso, ele tirou o casaco.

b. Sempre que foi preciso alguém corajoso, ele procedeu à tiragem do

casaco.

(23) a. Depois de se ter comprometido, ele roeu a corda.

b. Depois de se ter comprometido, ele procedeu à roedura da corda.

Apenas 5% das nominalizações foram indicadas, pela maioria da amostra como

possíveis, nomeadamente, rebentar a bomba (nº 19); tapar um buraco (nº 20); baralhar

as cartas (nº 32); apertar o cinto (nº 37) e virar a página (nº 78), na medida em que, de

acordo com os sujeitos, a alteração não modificou a compreensão do sentido idiomático

da expressão.

Quanto à terceira operação em vista, a movimentação de partículas, reconhece-se que a

mesma é considerada pela amostra como altamente possível (ver tabela 7). Como se

pode verificar, o sujeito que reconheceu o menor número de movimentações possíveis

foi o sujeito 1, com 59%, enquanto o sujeito 11 reconhece a totalidade deste tipo de

operações.

Tabela 7 - Percentagem de movimentações possíveis e impossíveis por sujeito

Os dados recolhidos demonstram, igualmente, que as EIs não constituem um grupo

homogéneo, na medida em que se apuram entre elas certas diferenças. Os números

apresentados testemunham ainda que estas expressões não são totalmente rígidas na

disposição dos seus constituintes, uma vez que as mesmas permitem trocas internas de

Sujeitos

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

Mov. de Partículas Possíveis (%) 59 94 81 99 83 92 85 95 70 61 100

Mov. de Partículas Impossíveis (%) 41 6 19 1 17 8 15 5 30 39 0

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posição, sem que o seu significado idiomático se perca. Exemplifique-se o

anteriormente mencionado, recorrendo às EIs amarrar o burro (nº 18) e apertar o cinto

(nº 37), cujas movimentações foram consideradas possíveis por unanimidade.

(24) a. Como não gostou da brincadeira, ele amarrou o burro.

b. Como não gostou da brincadeira, ele o burro amarrou.

(25) a. Desde que ficou sem emprego, ele apertou o cinto.

b. Desde que ficou sem emprego, ele o cinto apertou.

No que toca à quarta operação, inserção de advérbio, os dados são idênticos aos

apresentados no âmbito da movimentação de partículas, na medida em que a amostra

considera, na sua grande maioria, que tal alteração nas EIs não conduz à perda do seu

significado idiomático. Assim, 52% é o menor número de inserções possíveis,

consideradas pelo sujeito 7, enquanto 100%, ou seja, a totalidade de inserções é atestada

pelos sujeitos 8 e 11, tal como se pode consultar na tabela seguinte.

Tabela 8 - Percentagem de inserções de advérbio possíveis e impossíveis por sujeito

Novamente a homogeneidade e a rigidez completa das EIs são postas em causa, na

medida em que os dados demonstram que são muitas as expressões que admitem a

adição de elementos entre os seus constituintes originais, sem implicar qualquer dano no

seu significado idiomático. A título de exemplo, veja-se as EIs descalçar esta bota (nº

16) e estender os braços (nº 17), cujas inserções foram consideradas possíveis pelos

onze sujeitos que compõem a amostra do presente experimento.

(26) a. Apesar da situação ser difícil, ele descalçou esta bota.

b. Apesar da situação ser difícil, ele descalçou bem esta bota.

(27) a. Ele estendeu os braços, pois não conseguiu resolver o problema sozinho.

b. Ele estendeu desesperadamente os braços, pois não conseguiu resolver

o problema sozinho.

Sujeitos

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

Ins. de Advérbio Possíveis (%) 98 88 79 94 62 97 52 100 94 73 100

Ins. de Advérbios Impossíveis (%) 2 12 21 6 38 3 48 0 6 27 0

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Capítulo 3 | Proposta de classificação sintáctica: um experimento

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Refira-se ainda que todas as inserções de advérbio foram consideradas possíveis pela

maioria dos sujeitos, o que indica que as cem EIs que constituem o corpus deste estudo

permitem a adição de um elemento adverbial na sua constituição original.

A última operação apresenta resultados muito similares às duas anteriores, pois também

aqui os dados revelam que a amostra considera, na sua larga maioria, a possibilidade da

conjugação do verbo no Gerúndio. Na verdade, a percentagem de respostas possíveis é a

mais elevada de todas as operações, sendo que os valores se encontram entre os 65%,

sujeito 10 e os 100%, sujeito 8 (ver tabela 8).

Tabela 9 – Percentagem de Gerúndios possíveis e impossíveis por sujeito

As EIs mostrar as unhas (nº 98) e largar a vara (nº 99), por unanimidade, atestam a

possibilidade desta operação.

(28) a. Parecia ser uma boa pessoa, mas ontem ele mostrou as unhas.

b. Parecia ser uma boa pessoa, mas ontem ele acabou mostrando as

unhas.

(29) a. Ele largou a vara, depois do escândalo na sua empresa.

b. Ele acabou largando a vara, depois do escândalo na sua empresa.

Repetidamente, os dados obtidos com esta operação potenciam a classificação das EIs

como um grupo heterogéneo, capaz de tolerar determinadas operações sintácticas sem

que isso interfira com a sua componente semântica, isto, é, com o seu significado

idiomático.

Da análise individual das alterações aplicadas conclui-se que, em média, a conjugação

do verbo no gerúndio é a operação que abarca mais respostas positivas, seguida da

inserção de advérbio, da movimentação de partículas, da passivização e,

posteriormente, da nominalização.

Sujeitos

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

Gerúndios Possíveis (%) 97 93 89 94 94 91 96 100 89 65 98

Gerúndios Impossíveis (%) 3 7 11 6 6 9 4 0 11 35 2

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Gráfico 2 - Média das respostas possíveis da amostra por operação

Analisando, agora, as operações consideradas possíveis por EI e por sujeito, os

resultados comprovam que os mesmos consideram a existência de EIs que não toleram

nenhuma transformação, EIs que suportam algumas modificações e EIs que consentem

todas as operações sem que o seu significado idiomático seja alterado ou perca o sentido

original. Verifica-se, ainda, que a maioria dos sujeitos considera possíveis, por EI, três a

quatro operações, seguindo-se as EIs com duas transformações. De facto, o número de

EIs que suporta cinco transformações, bem como o número de EIs que toleram apenas

uma é francamente menor, sendo ainda menor o número de EIs que não aceitam

qualquer modificação sintáctica, tal como testemunha o próximo gráfico. Esta situação

rompe com a ideia que defende as EIs como um grupo homogéneo.

Gráfico 3 – Número de operações sintácticas possíveis por EI.

46,6

15,9

83,5 85,1 91,4

0

20

40

60

80

100

Passivização Nominalização Mov. Partículas Ins. de Advérbio Gerúndio

Média das respostas possíveis

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

0 Possíveis 1 Possível 2 Possíveis 3 Possíveis 4 Possíveis 5 Possíveis

Número de operações sintácticas possíveis por EI

Sujeito 1

Sujeito 2

Sujeito 3

Sujeito 4

Sujeito 5

Sujeito 6

Sujeito 7

Sujeito 8

Sujeito 9

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Do cruzamento de todos estes dados, resultou a proposta de classificação sintáctica das

EIs, através de quatro níveis de congelamento sintáctico, que serão agora apresentados

em esquema, os quais permitirão distribuir as EIs ao longo de um contínuo sintáctico.

Esquema 10 – Proposta de classificação sintáctica de EIs.

Apresentada a tipologia, ateste-se agora a forma como a mesma é distribuída no

contínuo sintáctico.

No que toca às cem EIs que fazem parte deste experimento, a sua distribuição será

apresentada, primeiramente, sob a forma de tabela, para uma leitura mais facilitada.

Totalmente Congeladas – 0 operações

Não foi encontrada nenhuma EI.

- Totalmente congeladas - não permitem qualquer operação sintáctica, pois todas alteram o seu significado idiomático original.

- Parcialmente congeladas - aceitam entre uma ou duas operações sintácticas, sem que isso altere o seu significado idiomático original.

- Parcialmente flexíveis - toleram entre três a quatro operações sintácticas , sem qualquer alteração no seu significado idiomático original.

- Totalmente flexíveis - suportam as cinco operações sintácticas , mantendo sempre o seu significado idiomático original.

Totalmente

Congeladas

Parcialmente

Congeladas

Parcialmente

Flexíveis

Totalmente

Flexíveis

1º Nível

2º Nível

3º Nível

4º Nível

Esquema 11 – Contínuo sintáctico

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Parcialmente Congeladas

1 operação 2 operações

Não foi encontrada nenhuma EI. 2. Saber o abecedário

3. Cortar o coração

12. Dar uma bolacha

Parcialmente Flexíveis

3 operações 4 operações

4. Levar uma bandeira

6. Dar um bode

7. Levar um bode

8. Pintar o bode

9. Meter uma bola

10. Trocar as bolas

11. Apanhar uma bolacha

14. Levar o bolo

15. Bater a bota

18. Amarrar o burro

22. Levantar a cabeça

23. Quebrar a cabeça

26. Amarrar as calças

27. Dar a camisa

29. Apanhar um capote

33. Virar a casaca

34. Tirar o casaco

35. Bater as castanholas

38. Meter a colher

41. Mostrar as costas

44. Bater os dentes

46. Levar a égua

47. Meter uma escova

52. Atiçar o fogo

53. Espantar o gado

55. Ter um gancho

56. Molhar a garganta

58. Amarrar a gata

59. Pregar uma injecção

64. Levar a lata

65. Perder a lata

66. Esconder o leite

67. Aprender a lição

68. Morder a língua

71. Estender a massa

72. Achatar o nariz

77. Ferir os ouvidos

80. Apanhar um pontapé

82. Mexer os pauzinhos

83. Juntar os pés

1. Descascar um abacaxi

5. Morder os beiços

13. Ganhar o bolo

16. Descalçar esta bota

17. Estender os braços

21. Baixar a cabeça

24. Dar uma cabeçada

25. Arrancar os cabelos

28. Suar a camisa

30. Rasgar o capote

31. Enfiar a carapuça

36. Empunhar o ceptro

39. Abrir as comportas

40. Roer a corda

42. Carregar a (sua) cruz

43. Lamber os dedos

45. Quebrar os dentes

48. Ver as estrelas

49. Pagar as favas

50. Mostrar as ferraduras

51. Torcer o nariz

54. Quebrar um galho

57. Despejar a garrafa

60. Morder a isca

61. Dobrar o(s) joelho(s)

62. Engolir as lágrimas

63. Acender a lanterna

69. Arregaçar as mangas

70. Beijar a mão

73. Abrir os olhos

74. Cerrar os olhos

75. Encolher os ombros

76. Roer o osso

79. Engolir a pastilha

81. Pagar o pato

89. Abrir as portas

90. Encher o saco

92. Estender o saco

93. Esvaziar o saco

94. Engolir a saliva

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Capítulo 3 | Proposta de classificação sintáctica: um experimento

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84. Molhar os pés

85. Apanhar uma perua

86. Bater uma pestana

87. Queimar as pestanas

88. Perder a pinha

90. Entalar o rabo

95. Dar um salto

96. Dar o tiro

100. Acender as velas

97. Enfiar a touca

98. Mostrar as unhas

99. Encostar a vara

Totalmente Flexíveis – 5 operações

19. Rebentar a bomba

20. Tapar um buraco

32. Baralhar as cartas

37. Apertar o cinto

78. Virar a página

Tabela 10 – Classificação sintáctica das EIs

Da leitura da tabela conclui-se que foram encontradas 0 EIs TC; 3 EIs PC, todas

permitindo duas operações; 92 EIs PF (49 aceitando três operações e 43 tolerando

quatro operações) e 5 EIs TF. Estes dados demonstram que 100% das EIs são flexíveis

em termos sintácticos, o que destrói completamente o pressuposto generalizado que

encara as EIs como estruturas linguísticas extremamente rígidas, não tolerantes a

qualquer transformação sintáctica. Em termos de distribuição no contínuo sintáctico,

este foi o resultado alcançado:

Esquema 12- Representação das cem EIs no contínuo sintáctico

Ainda no tocante à apresentação e análise de resultados, regista-se, por último, que

todos os sujeitos manifestaram escolhas que lhes suscitaram dúvidas, tal como

aconteceu no momento da pré-análise. Observe-se o seguinte gráfico, o qual comprova

o anteriormente referido.

0 2; 3; 12.

1; 4 - 18; 21 -

31; 33 – 36; 38

– 77; 79 – 100.

19; 20; 32;

37; 78.

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Capítulo 3 | Proposta de classificação sintáctica: um experimento

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Gráfico 4 – Respostas acompanhadas da opção “duvidosa” da amostra

Constatou-se também que a opção possível/ duvidosa (P/D) apresenta-se mais vezes do

que a opção impossível/duvidosa (I/D). Neste sentido, foram identificadas 404 respostas

possíveis/duvidosas face a 218 impossíveis/duvidosas.

Gráfico 5 – Percentagem de respostas possíveis/ duvidosas e impossíveis/ duvidosas

Expostos todos os dados recolhidos através da aplicação do teste aos onze sujeitos que

compõem a amostra deste experimento e consequente análise, passe-se então à

discussão dos mesmos consoante as hipóteses apresentadas no ponto 3.3. do presente

capítulo.

23

74

34

75

15

48

11 27

131

156

28

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

Sujeito 1

Sujeito 2

Sujeito 3

Sujeito 4

Sujeito 5

Sujeito 6

Sujeito 7

Sujeito 8

Sujeito 9

Sujeito 10

Sujeito 11

Respostas acompanhadas da opção "duvidosa" por sujeito

P/D 65%

I/D 35%

Respostas possíveis /duvidosas e impossíveis/ duvidosas

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Capítulo 3 | Proposta de classificação sintáctica: um experimento

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3.5. Discussão das hipóteses apresentadas

Anunciados e analisados os dados obtidos através da aplicação do teste, torna-se, agora,

óbvia a necessidade de discutir as hipóteses apresentadas anteriormente no ponto 3.3.1.,

as quais devem ser entendidas como a força motriz deste experimento.

Neste sentido, passemos, então, a considerar as hipóteses individualmente, mantendo a

sua formulação original.

Hipótese 1: Em PE, as EIs permitem determinadas operações sintácticas, mantendo o

seu significado idiomático original, demonstrando a estreita relação que

existe entre as vertentes lexicais, morfológicas, sintácticas e semânticas

inerentes a este tipo de estrutura.

Relativamente à primeira hipótese considera-se que a mesma é verdadeira, na medida

em que ficou claramente demonstrado, através dos dados expostos e discutidos

previamente, que em PE, as EIs toleram várias operações sintácticas, sem que isso

afecte o seu significado idiomático (ver gráfico 3). Tendo em conta as operações em

questão e o facto de os falantes as considerarem possíveis, consolida-se o pressuposto

que defende a estreita relação existente entre léxico, morfologia, sintaxe e semântica ao

nível destas expressões. Vale explicar que essa estreita relação se encontra na

manutenção do sentido figurado, aquando de modificações estruturais, nomeadamente,

transformações morfossintácticas e inserções lexicais. Confirmada a primeira hipótese,

atesta-se que as EIs devem ser entendidas como construções linguísticas estáveis e não

como estruturas totalmente rígidas, corroborando os estudos de Cacciari e Tabossi

(1988); Flores d‟Arcais (1993); Gibbs (1995), entre outros.

Hipótese 2: Em PE, as EIs constituem um grupo heterogéneo, podendo ser classificadas

em diferentes graus de congelamento e, consequentemente, distribuídas ao

longo de um contínuo sintáctico, que vai desde um maior grau de fixidez a

um maior grau de flexibilidade.

No que toca à segunda hipótese, afirma-se que a mesma é igualmente verdadeira, pois

ficou demonstrada a possibilidade de distribuir as EIs em estudo ao longo de um

contínuo, que compreende vários graus de congelamento sintáctico (ver esquema 12).

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Capítulo 3 | Proposta de classificação sintáctica: um experimento

Página | 123

Assim, conclui-se que as EIs são efectivamente um grupo heterogéneo, partilhando

neste ponto a perspectiva actual, que defende a heterogeneidade deste grupo de

expressões, criticando a visão generalista da perspectiva tradicional, a qual partindo de

uma EI (kick the bucket) assumiu como certeza que todas as outras expressões se

comportariam sintacticamente como esta. A validação desta hipótese vai de encontro

aos trabalhos de Cacciari (1993), Glucksberg (1993); Geeraerts (1995) e Gibbs (1995),

entre outros.

Hipótese 3: O número de EIs que permitem entre três a quatro operações sintácticas é

francamente superior ao número de EIs que não suporta qualquer

transformação, que tolera apenas um ou duas ou que aceita as cinco

operações.

Quanto à terceira hipótese, há que referir que a mesma se assume, identicamente, como

verdadeira, uma vez que o número de EIs tolerantes a três e quatro operações é

largamente superior ao número de expressões que não comportam qualquer

transformação ou que aceitam uma, duas ou cinco modificações, tal como demonstra o

gráfico seguinte.

Gráfico 6 – Número de EIs por grupos de operações possíveis

Verificou-se ainda que nenhuma EI se revelou totalmente congelada aquando da

classificação das mesmas, situação que se justifica pelo facto de a amostra considerar,

na sua grande maioria, as operações movimentação de partículas, inserção de advérbio

0 3

92

5 0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

0 operações 1 /2 operações 3/4 operações 5 operações

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Capítulo 3 | Proposta de classificação sintáctica: um experimento

Página | 124

e conjugação do verbo no gerúndio frequentemente possíveis. Relembre-se que esta

classificação resulta do cruzamento de dados de todos os sujeitos, tendo sido as

operações consideradas possíveis ou impossíveis, consoante a opção que surgisse em

superioridade. Ao observarmos o gráfico 3, o qual analisa a classificação das EIs por

sujeito, ou seja, individualmente, deparamo-nos com EIs totalmente congeladas, de

acordo com os sujeitos 2 e 3. Divergentemente, também se verifica que a maioria dos

sujeitos, à excepção dos sujeitos 8, 10 e 11, indica a existência de EIs que permitem

apenas uma transformação, o que não se verifica na classificação final, onde não consta

nenhuma EI com apenas uma operação possível. Por último, constata-se ainda mais uma

discrepância, que se relaciona com as EIs totalmente flexíveis, na medida em que de

acordo com a classificação individual, existem sujeitos, nomeadamente o 8 e o 10, que

não consideram nenhuma expressão deste tipo, ao contrário da classificação final, que

regista cinco casos.

Tendo em conta os dados dos sujeitos e a classificação das EIs resultante do cruzamento

dos resultados obtidos, considera-se pertinente esclarecer que se está a trabalhar com

juízos de valor, que se alteram de sujeito para sujeito. Por este motivo, os resultados

apresentados são meramente indicativos, tendo como objectivo fundamental demonstrar

todo o processo necessário para a elaboração de uma proposta de classificação sintáctica

destas estruturas linguísticas tão especiais.

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Capítulo 4 | A Fraseodidáctica e sua aplicação no ensino actual: o caso das EIs

Página | 125

Capítulo 4. A Fraseodidáctica e sua aplicação no ensino actual: o

caso das EIs

No presente capítulo, interessa discutir as EIs do ponto de vista da didáctica das línguas,

tentando perceber de que forma as mesmas têm sido trabalhadas ao nível do ensino da

língua materna, em particular, e da língua segunda e estrangeira, no geral.

Neste sentido, o capítulo em questão centrar-se-á nas EIs como objecto de estudo da

Fraseodidáctica, debatendo-se sobre os avanços desta disciplina científica, que

conduzirão à apresentação de uma sequência didáctica, que comporta as novas

orientações programáticas, ao nível da Língua Portuguesa, e a proposta de classificação

sintáctica exibida no capítulo anterior.

4.1. A Fraseodidáctica: definição, finalidade e objecto de estudo

Segundo Ettinger (2008: 96), a fraseodidáctica, tal como a própria denominação indica,

diz respeito a uma disciplina científica recente, que tem como objecto de estudo o

processo de ensino e de aprendizagem das unidades fraseológicas no âmbito do ensino

das línguas, tendo como principal incumbência o reconhecimento, a aprendizagem e a

utilização adequada destas estruturas por parte do aprendiz:

“A fraseodidáctica, unha disciplina relativamente nova, ocúpase do ensino e aprendizaxe

sistemáticos e com base científica de fraseoloxismos no ensino de idiomas. A sua missão consiste

en que os fraseoloxismos se recoñezan, aprendan e empreguen como unidades poliléxicas com

significado próprio, e que o aprendido se poida aplicar con adecuación á situación comunicativa”.

Nesta perspectiva, para o autor, o grande objectivo da fraseodidáctica passa por orientar

o aprendiz no sentido de entender quem usa os fraseologismos, em que situação podem

estes ser utilizados e com que intenção são os mesmos empregues pelos falantes. Desta

forma, o aprendiz não se limita apenas a compreender meramente as paráfrases das

unidades fraseológicas, mas sim todo o universo linguístico em que estas estão

incluídas.

Em González Rey (2006: 138), o objectivo desta disciplina é também entendido como a

didáctica da fraseologia, à qual se atribui um amplo raio de actuação, o qual

compreende o ensino e a aprendizagem de todos os tipos de fraseologismos, tanto ao

nível das línguas estrangeiras como da língua materna.

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Capítulo 4 | A Fraseodidáctica e sua aplicação no ensino actual: o caso das EIs

Página | 126

De facto, já num trabalho anterior ao referido, a autora (2004:118-120) teria especulado

sobre este aspecto, admitindo-se que a fraseologia ainda ocupa um espaço muito

reduzido no ensino das línguas, independentemente destas serem maternas, segundas ou

estrangeiras. A mesma esclarece ainda que, na verdade, as línguas estrangeiras terão

sido as primeiras a mostrar algum interesse pelo estudo dos fraseologismos, uma vez

que é através da percepção da descodificação que se reconhece a dificuldade inerente a

estas unidades linguísticas. A mesma adianta que o Inglês terá sido a primeira língua a

ser alvo de elaboração de material didáctico, já no primeiro terço do século XX, quer

para o ensino da própria língua como estrangeira, quer como forma de traçar um

paralelismo entre esta própria e outras línguas. Na verdade, a maior parte da matéria

disponível nesta área enquadra-se no ensino das línguas como estrangeiras, tal como

acontece em Inglês, Francês e Espanhol (idem, ibidem).

No caso particular do Português, quer ao nível do Português Europeu (PE), quer do

Português do Brasil (PB), não é grande o número de estudos e de material pedagógico

que podemos encontrar relacionado com esta temática. No entanto, relativamente ao

Português como língua estrangeira, destaque-se um escasso número de estudos que

abordam sumariamente o tema87

.

No que respeita à fraseologia na didáctica da língua materna, González Rey (2004: 19)

admite ser praticamente inexistente, à excepção de países pioneiros como a Rússia

(década de 70), seguindo-se a França e posteriormente a Espanha, onde os

fraseologismos são encarados como objecto de estudo no nível universitário. As razões

que justificam a integração das unidades fraseológicas no ensino superior são as

seguintes:

(i) A comunidade linguística considera os fraseologismos produções sem

qualquer originalidade e próprias da fala popular, características que lhes

retiram qualquer lugar no processo de aprendizagem da escrita correcta, em

etapas mais iniciais do ensino;

(ii) Falta de preparação dos docentes e de material pedagógico;

(iii) No nível universitário, o crescente interesse dado a tais unidades advém da

própria investigação do fenómeno fraseológico.

87

Por motivos de síntese, são apresentados apenas trabalhos que abordem o tipo de fraseologismos que se

encontra no centro do presente estudo, as EIs. Desta forma, refira-se Polónia (2009) Ortiz Alvarez (1998,

2007) e Ettinger (2008).

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Capítulo 4 | A Fraseodidáctica e sua aplicação no ensino actual: o caso das EIs

Página | 127

Relativamente ao ensino português, há que mencionar que a fraseodidáctica ainda não é

contemplada no domínio universitário, sendo o número de publicações sobre a temática,

ao nível do Português como língua materna, francamente reduzido88

.

Nesta perspectiva, torna-se clara a grande falha que existe na abordagem dos

fraseologismos, tanto ao nível das línguas em geral, como no caso do Português em

particular, situação que só poderá ser ultrapassada com o total reconhecimento do

extraordinário carácter linguístico que estas estruturas possuem, as quais devem constar

do processo de ensino e aprendizagem da língua materna, da língua segunda e da(s)

língua(s) estrangeira(s), em qualquer nível de ensino, tal como demonstra o seguinte

esquema.

Esquema 13 – Fraseodidáctica: campos de actuação e níveis de incidência

Apesar de ainda ter um longo caminho a percorrer, a fraseodidáctica conheceu um

importante avanço através do Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas

(QECR) (2001), na medida em que este postula o estudo obrigatório das unidades

fraseológicas, encarando-as da mesma forma que os outros elementos da língua.

Interessando a este estudo uma classe específica de tais unidades, discuta-se agora, de

forma breve, a forma como as mesmas são apresentadas no QECR.

88

Destaquem-se os trabalhos de Jorge e Jorge (1997); Malho (2009) e Duarte (2006).

Fraseodidáctica

Campo de Actuação

- Língua Materna;

- Língua Segunda;

- Língua(s) Estrangeira(s).

Níveis de Incidência

(ensino em Portugal)

- 1º Ciclo do Ensino Básico;

- 2º Ciclo do Ensino Básico;

- 3º Ciclo do Ensino Básico;

- Ensino Secundário;

- Ensino Universitário.

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Capítulo 4 | A Fraseodidáctica e sua aplicação no ensino actual: o caso das EIs

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4.1.1. O contributo do Quadro Europeu Comum de Referência para as

Línguas na Fraseodidáctica

Em González Rey (2006:126-127) destaca-se que os vários tipos de unidades

fraseológicas ocupam o seu merecido lugar no QECR, pois manifestam-se nos dois

níveis que compõem o documento. Desta forma, tais unidades encontram-se presentes

tanto ao nível analítico, nas suas várias exposições conceptuais, como ao nível sintético,

nos seus quadros sinópticos, onde os descritores estão organizados por níveis89

. Esta

situação demonstra:

“(…) que a fraseoloxía ocupa un lugar destacado no Marco non só pola súa presenza en termos e

conceptos, senón pola repartición das suas unidades nos níveis de acordo co tipo de competência

apuntada”.

Ainda de acordo com o estudo acima citado, as unidades fraseológicas surgem no plano

analítico, nas vertentes linguística, sociolinguística e pragmática90

da competência

comunicativa. No tocante às competências linguísticas91

, há que referir que as unidades

em questão surgem introduzidas na competência lexical do falante, a qual compreende

as expressões fixas e as palavras soltas. Desta forma, segundo a versão portuguesa do

documento (2001), as EIs surgem ao lado de expressões feitas, estruturas fixas, outras

estruturas fixas e combinatórias fixas, sendo apresentada sempre uma definição e

exemplos para cada tipo. Atente-se à forma como as EIs são expostas:

• Expressões idiomáticas, com frequência:

– metáforas cristalizadas e semanticamente opacas, p. ex.: Foi sol de pouca dura (= não durou

muito tempo); Ele bateu a bota (= morreu);

– intensificadores. O seu uso apresenta muitas vezes restrições contextuais e estilísticas, p. ex.

“branco como a neve” (puro) ou “branco como a cal da parede” (pálido) (cf. QECR, 2001:

159).

No tocante às competências sociolinguísticas, há que referir que as unidades

fraseológicas também neste domínio são consideradas, surgindo como marcadores

linguísticos de relações internacionais, sob formas de saudação e formas de tratamento,

e expressões de sabedoria popular, que compreendem provérbios, expressões

89

O QECR permite classificar o falante de três formas, segundo o nível em que se enquadra a sua

competência comunicativa: utilizador elementar, níveis A1 e A2; utilizador independente, níveis B1 e B2;

e, por último, utilizador proeficiente, níveis C1 e C2 (cf QECR, 2001: 49). 90

Cf. Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (2001: 34-35). 91

De acordo com o QECR, as competências linguísticas integram as competências lexical, gramatical,

semântica, fonológica, ortográfica e ortoépica (cf. QECR, 2001: 157).

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Capítulo 4 | A Fraseodidáctica e sua aplicação no ensino actual: o caso das EIs

Página | 129

idiomáticas, expressões familiares e expressões de crenças, atitudes e valores.

Destaque-se o modo como as EIs surgem na versão portuguesa do documento em

análise:

• Expressões familiares, p. ex.:

Daqui até lá, não me doa (a mim) a cabeça; vou ali e já venho; (cf. QECR, 2001: 171).

No campo das competências pragmáticas, as quais envolvem as vertentes discursiva e

funcional, não se encontra uma referência explícita às unidades fraseológicas, embora se

subentenda que as mesmas são parte integrante das capacidades que o falante deve ter,

como se atesta em González Rey (2006: 130)

“No apartado da vertente discursiva, malia non seren explicitamente nomeadas, as expresións fixas

poden entenderse como unha das parte das habilidades que o usuario debe mostrar á hora de

empregar estratexias de interacción, para reformular ideas con distintos elementos lingüísticos,

manter a súa quenda de palabra mentres elabora o que vai dicir, ou ben enlazar frases e crear un

discurso coherente mediante unha variedade de conectadores. Dentro da vertente funcional, as

expresións fixas contribúen tamén a demostrar a fluidez de expresión e a precisión de exposición

de ideas do usuario.”.

Tal como no plano analítico, as unidades fraseológicas são também consideradas no

outro grande domínio do QECR, ou seja, no plano sintético. Por razões de método, não

serão aqui considerados todos os tipos de fraseologismos, mas apenas as EIs. Desta

forma, vale dizer que, feita a análise do documento, se verifica que o domínio das

mesmas permite situar o falante no nível C, nível que lhe confere um grau de autonomia

(C1) ou de mestria (C2), posicionando a sua competência comunicativa na esfera da

competência de um nativo. Por este motivo, as EIs chegam mesmo a ser identificadas

como estruturas a evitar nos níveis B e A. De forma a ilustrar o atrás mencionado,

observe-se a seguinte tabela, onde as EIs surgem por actividade de produção e

estratégia, níveis e descritores.

Actividades de

Produção e Estratégia

Nível Descritor

Compreensão do Oral

Geral

C1 É capaz de reconhecer um vasto leque de expressões

idiomáticas e de coloquialismos, notando as mudanças

de registo.

Ver televisão e filmes C2

C1

É capaz de seguir filmes que utilizem um grau

considerável de calão e de expressões idiomáticas.

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Capítulo 4 | A Fraseodidáctica e sua aplicação no ensino actual: o caso das EIs

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Interacção Oral Geral C2 Tem um bom domínio de expressões idiomáticas e de

expressões familiares e uma consciência dos níveis

conotativos de significação. Compreensão na Leitura

Geral

B2 Possui um amplo vocabulário de leitura, mas pode sentir

alguma dificuldade com expressões idiomáticas pouco

frequentes.

Discussão Informal (com

amigos)

B1 É capaz de acompanhar o essencial do que ouve à sua

volta sobre temas gerais, desde que os interlocutores

evitem usar expressões demasiado idiomáticas e

articulem claramente.

Discussões Formais e

Reuniões

B1 É capaz de seguir o essencial daquilo que é dito

relativamente à sua área, desde que os interlocutores

evitem o uso de expressões demasiado idiomáticas e

articulem claramente.

Entrevistar e ser

entrevistado

A1 É capaz de responder, numa entrevista, a questões

pessoais que lhe são colocadas muito pausada e

claramente numa linguagem directa e não idiomática.

Tabela 11 – As EIs nos Níveis do QECR

Com o objectivo de esclarecer esta situação, nomeadamente, a presença e o domínio das

EIs apenas no nível mais elevado e o aconselhamento para se evitarem nos níveis mais

baixos, afirma-se em González Rey (2006: 132):

“En definitiva, as expresións idiomáticas sitúanse nos niveis máis altos da aprendizaxe das linguas

pola dificultade que presentan, sobre todo no plano da comprensión, xa que o seu sentido opaco

obstaculiza a achega analítica do usuario dende os seus coñecementos "canónicos" da lingua,

acadados a través dos niveis anteriores”.

Apesar de todo este avanço dado pelo QECR, a verdade é que as unidades fraseológicas,

particularmente as EIs, ainda não conhecem um lugar de destaque no ensino da língua

materna, embora já sejam objecto de estudo das línguas estrangeiras há algum tempo. A

razão para tal diferença encontra justificativa, segundo Maria Conca (2005: 79, apud

González Rey, 2006: 134), no facto de os falantes aprenderem as EIs, na língua

materna, de forma natural, inseridas nos contextos de uso, não havendo necessidade por

isso de as ensinar.

Discuta-se, no próximo ponto, a forma como as EIs têm vindo a ser tratadas no ensino

do Português língua materna.

4.2. As EIs no Ensino da Língua Materna - o caso da Língua Portuguesa

Em Penadés Martinez (1999: 23) parte-se do princípio de que, devido às suas

características particulares, resulta difícil ao professor ensinar estruturas linguísticas

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Capítulo 4 | A Fraseodidáctica e sua aplicação no ensino actual: o caso das EIs

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com o carácter peculiar que as EIs possuem, situação esta que se agrava pela carência de

estudos que investiguem estas expressões sob a perspectiva do ensino e da

aprendizagem, na medida em que, como referido anteriormente, não há trabalhos que

orientem o docente, no sentido de saber quais as EIs que devem ser trabalhadas em cada

nível de ensino. Ainda em Penadés Martinez (1999) regista-se também a escassez de

materiais específicos, que poderiam servir de apoio ao ensino de tais estruturas, bem

como a maneira desadequada como outros materiais, nomeadamente manuais escolares

e dicionários de língua, abordam estas unidades.

Talvez seja por todos estes motivos que as EIs ainda se encontram muito ausentes no

processo de ensino e aprendizagem do português enquanto língua materna, pois não

constituem um tema central em tal sistema. A comprovar esta mesma situação, aponte-

- se Evangelista (2004: 83- 106), que, após ter consultado os antigos programas de

Língua Portuguesa dos 2º e 3ºciclos do Ensino Básico e o programa de Ensino

Secundário, concluiu que “não é feita qualquer referência concreta ao conceito de EI

nem à EI enquanto objecto de estudo”. A esta análise acrescente-se igualmente o antigo

programa de Língua Portuguesa do 1º ciclo do Ensino Básico, no qual também não

existe nenhuma alusão ao termo.

No que respeita ao material didáctico, a investigação desenvolvida em Evangelista

(2004) demonstra que “as EIs existentes nos manuais escolares surgem integradas, de

um modo geral, em exercícios de recolha/pesquisa, interpretação de valor metafórico,

produção escrita e análise de registos diferenciados de linguagem, nos diferentes anos

de escolaridade”, enquanto nenhum dos manuais para-escolares92

averiguados faz

referência a tais estruturas.

Desta análise dos programas, manuais escolares e para-escolares, conclui-se em

Evangelista (2004) que as EIs não são alvo de um tratamento linguístico válido,

deixando-se, assim, transparecer a esperança de que um dia as mesmas ganhem o

espaço que merecem no sistema de ensino e aprendizagem de qualquer língua,

especialmente na Língua Portuguesa.

4.2.1. As EIs à luz do Novo Programa de Português para o Ensino Básico

A esperança manifestada em Evangelista (2004) talvez possa ser alcançada com o Novo

Programa de Português para o Ensino Básico (NPPEB) (2010), o qual apresenta

92

Por “manuais para-escolares” entenda-se “gramáticas”.

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Capítulo 4 | A Fraseodidáctica e sua aplicação no ensino actual: o caso das EIs

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explicitamente o termo “expressão idiomática” como conteúdo programático a

trabalhar.

Trazendo esta grande novidade a todos os que se interessam por tais estruturas, o

NPPEB surge como uma lufada de ar fresco na aula de Português Língua Materna, na

medida em que comporta novas orientações e apresenta, ao professor, um novo caminho

a seguir, quer em termos pedagógicos, quer em termos didácticos, situação que se

reflecte em todo o processo de ensino e aprendizagem, pois são várias as inovações

introduzidas por este documento.

Colocando um pouco de parte as EIs e analisando o NPPEB, de forma breve e na sua

generalidade, torna-se essencial mencionar que uma das suas grandes renovações

assenta no facto de conferir ao docente uma maior autonomia, uma vez que este possui,

agora, “uma certa liberdade de movimentos, [que lhe permitem] fazer interagir aquilo

que no programa está enunciado com a concreta realidade das turmas e dos alunos de

Português93

”. Neste sentido, o professor não se encontra dependente do programa,

funcionando o documento apenas como um ponto de partida e não como algo que é

obrigado a seguir cuidadosamente.

Outra grande novidade trazida pelo programa em questão resulta da forma como os

conteúdos passam a ser abordados pelo docente, visto que os mesmos serão, agora,

explorados contextualmente e em função do que se espera que o aluno seja capaz de

fazer, ou seja, mediante os descritores de desempenho. Vale dizer que a aprendizagem

dos conteúdos não se limitará, apenas, à simples memorização dos termos ou definições,

mas sim a uma apropriação efectiva e continuada, situação que encaixará perfeitamente

no ensino das EIs, como será demonstrado no ponto 4.3.1..

Ainda em termos de inovações, pode-se afirmar que a mais significativa reside na

relação estreita entre ciclos, competências, descritores de desempenho e conteúdos, na

medida em que todos estes elementos aparecem interligados e não de forma

independente. Esta situação permite abordar um mesmo conteúdo, através de diferentes

perspectivas, que se vão consolidando entre si94

. A forma como o mesmo será

trabalhado em cada uma das competências será definida pelo descritor de desempenho,

isto é, por aquilo que se pretende que o aluno saiba fazer. Esta situação permite um

estudo mais aprofundado do conteúdo, bem como um reforço contínuo da sua

93

Cf. NPPEB (2010: 8). 94

Na prática significa que o mesmo conteúdo pode ser trabalhado ao nível da “Compreensão e Expressão

oral”, da “Leitura”, da “Escrita” e do “Conhecimento Explícito”.

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Capítulo 4 | A Fraseodidáctica e sua aplicação no ensino actual: o caso das EIs

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aprendizagem, considerando-se essa a melhor forma de trabalhar as EIs, ou seja, ao

longo de todos os níveis de ensino e em todas as competências.

Como consequência desta nova abordagem, verificam-se também determinadas

mudanças na elaboração das actividades, por parte do docente, na medida em que os

conteúdos a leccionar devem surgir contextualizados nas questões e ter em conta o(s)

descritor(es) de desempenho que se pretende(m) trabalhar, bem como os pré-requisitos

que, à partida, o aluno já possui. Desta forma, as actividades devem ser estruturadas em

função dos descritores e não dos conteúdos, como era anteriormente.

Esta situação conduz a uma outra grande novidade que passa pela existência de

documentos de apoio, tais como os Guiões de Implementação do Programa de

Português (GIP), relativos a cada uma das competências, e o Dicionário Terminológico

(DT), no qual se apresenta e explica toda a nova nomenclatura95

.

Retomando o caso particular das EIs, as quais são, finalmente, mencionadas de forma

explícita num programa de Português, importa verificar se as mesmas são apresentadas

e definidas no DT. De forma a comprovar tal situação, observe-se a seguinte figura, a

qual atesta a introdução do termo no domínio do léxico e do vocabulário.

Figura 7 – As EIs no Dicionário Terminológico

Para uma melhor leitura, retire-se apenas a própria definição:

Expressão idiomática

Expressão constituída por mais do que uma palavra, cujo significado não pode ser inferido a

partir do significado das partes que a constituem.

95

Relativamente a estes documentos, torna-se fundamental referir que os mesmos servem de base à

compreensão e consequente utilização do Novo Programa de Português do Ensino Básico, pois

constituem ferramentas de auxílio extremamente importantes para os docentes.

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Capítulo 4 | A Fraseodidáctica e sua aplicação no ensino actual: o caso das EIs

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Exemplos

ir desta para melhor; tal pai tal filho; andar na lua; ter macaquinhos no sótão

Notas

O termo “fraseologia” é, por vezes, utilizado como sinónimo de expressão idiomática.

No NPPEB, as EIs são apresentadas no domínio do Conhecimento Explícito da Língua

(CEL) ao nível do 2º ciclo, sendo referidas implicitamente no 1º e no 3º ciclos, dada a

formulação do programa que defende que todos os conteúdos podem ser desenvolvidos

em todos os ciclos. Nesta perspectiva, as EIs podem e devem ser trabalhadas do 1º ao 3º

ciclo, em grau crescente de dificuldade e profundidade, à medida que se vai avançando

de nível. A referência explícita ao termo EI é feita no contexto do CEL, como

supracitado, mais propriamente no plano lexical e semântico, ao nível dos processos de

enriquecimento lexical do português. Porém, estas estruturas estão também

implicitamente referidas no campo da significação, tal como demonstra a seguinte

tabela, que proporciona uma leitura horizontal do conteúdo em questão.

Conhecimento Explícito da Língua

Plano Lexical e Semântico

1º Ciclo 2º Ciclo 3º Ciclo

Descritor de

Desempenho Conteúdo

Descritor de

Desempenho Conteúdo

Descritor de

Desempenho Conteúdo

1º e 2º anos:

Não se encontra

qualquer descritor

associado directa-

mente às EIs.

3º e 4º anos

-Manipular palavras

e frases;

- Comparar dados e

descobrir

regularidades; (p.

58).

Léxico e

Vocabulá-

rio

p.58

-Identificar processos

de enriquecimento

lexical do português;

-Identificar diferentes

significados de uma

mesma palavra ou

expressão em

distintos contextos de

ocorrência; (p.96).

Neologismo/

arcaísmo

Expressão

Idiomática

Relações

semânticas

entre

palavras

Significação

lexical (DT

B.5.2.)

Polissemia

-Sistematizar processos

de enriquecimento

lexical do português;

-Determinar os signifi-

cados que dada palavra

pode ter em função do

seu contexto de

ocorrência; (p.133).

Vocabulário;

neologismo;

arcaísmo

(DT B.5.1.)

Estrutura

lexical;

Campo

Semântico

(DT B.5.2.)

Tabela 12 – AS EIs no NPPEB

Sendo as EIs agora referenciadas num programa de Língua Portuguesa, resulta

fundamental problematizar a didáctica das EIs, tentando compreender qual a melhor

forma de ensino, quais as estratégias mais adequadas e quais os objectivos que se

pretendem desenvolver com o ensino destas unidades, bem como quais as competências

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Capítulo 4 | A Fraseodidáctica e sua aplicação no ensino actual: o caso das EIs

Página | 135

que se querem ampliar nos alunos. Assim, surge a necessidade de redigir um ponto em

que se discutam estas questões, analisando a literatura existente sobre o assunto.

4.3. Algumas propostas de didactização

Em Pedro (2007: 80) informa-se: “alguns pesquisadores da área de ensino-

aprendizagem de línguas e especificamente do ensino do vocabulário apontam que as

expressões idiomáticas devem ser alvo de ensino explícito. Nesse sentido, encontramos

as propostas específicas de Irujo, (1986); Penadés Martinez (1999), Ortiz Alvarez

(2002) e Xatara (2001)”.

De facto, em Penadés Martinez (1999) desenvolveu-se um estudo a partir dos diferentes

tipos de exercícios que compreendiam EIs, existentes nos manuais escolares do ensino

do espanhol como língua estrangeira, considerando-se que na maioria destes exercícios

se propõe que antes da realização dos mesmos, as EIs sejam apresentadas pelo professor

aos alunos a partir das características destas unidades, ou seja, através da

idiomaticidade, fixidez e opacidade. Esta proposta de apresentação é contestada pela

autora, uma vez que resultam daí dois grandes inconvenientes: a dificuldade em

proporcionar aos alunos tais conteúdos pragmáticos e a possibilidade de sobrecarregar

os mesmos com informações teóricas que, quiçá, muitos deles não conseguirão

apreender. Em Penadés Martinez apresenta-se, assim, uma alternativa: a apresentação

destas estruturas “a partir dos seguintes componentes: exemplo-base, forma, significado

e sentido”;defendendo-se ainda que “de modo complementar, poderiam ser oferecidas

listas organizadas a partir de um critério unificador, como por exemplo expressões das

quais faça parte a palavra cabeça: quebrar a cabeça, esquentar a cabeça, não entrar na

cabeça, etc.” (Penadés Martinez, 1999; apud Pedro, 2007: 80).

A mesma sugestão é dada em Fernandéz (2004) que também sugere a apresentação de

EIs através de listagens compostas por expressões detentoras de um elemento comum,

através das quais o docente poderia explicar o sentido e a origem de cada uma, tratando-

as, em fase posterior, isoladamente ou em contexto, fornecendo expressões sinónimas e

antónimas e indicando registos de uso para cada uma delas. De acordo com esta autora,

concluída a fase de apresentação, o aluno seria exposto a vários tipos de exercícios, a

partir dos quais o mesmo iria comprovar se teria captado o significado e o uso de tais

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Capítulo 4 | A Fraseodidáctica e sua aplicação no ensino actual: o caso das EIs

Página | 136

expressões e se seria capaz de utilizá-las novamente noutras sessões de trabalho,

demonstrando que as teria memorizado (Fernandéz, 2004; apud Pedro, 2007: 80-82).

Corroborando Fernandéz (2004), encontram-se os estudos de J. Sevilha Muñoz e A.

Rodriguez (1994-95: 172-173 apud Penadés Martinez, 1999: 36), onde também se

defende que uma EI deve ser sempre apresentada aos alunos, tendo em conta os

seguintes passos:

• 1º passo - Explicar o sentido e a origem da EI, proporcionando o máximo de

informação;

• 2º passo – Apresentar a EI, primeiro, de forma isolada e, posteriormente, dentro

de um contexto;

• 3º passo – Proporcionar outras EIs que sejam sinónimas e antónimas;

• 4º passo – Destacar o(s) registo(s) de língua em que a EI pode ser utilizada.

Estas propostas de didactização das EIs encerram um grande inconveniente, que se

relaciona com o facto de ser o docente quem apresenta explicitamente o significado de

tais estruturas, explicando, sempre que possível, a sua origem, sendo depois as mesmas

expostas isoladamente e em contexto. Propõe-se neste estudo que a apresentação das

EIs seja feita de forma um pouco diferente, na medida em que não deve ser o professor

a explicar directamente o significado destas unidades linguísticas, pois aquilo que o

docente deverá fazer é apresentar tais estruturas de forma isolada e em contexto, de

maneira a que sejam os próprios alunos a alcançarem o sentido figurado de tais

expressões, invertendo assim a ordem de alguns dos passos constituintes da teoria de

Muñoz e Rodriguez. Ao trocar os passos 1 e 2 pretende-se levar os alunos a

problematizar a existência de duas linguagens, a literal e a figurada; a reflectir sobre

estas unidades linguísticas; e também a cogitarem formas e planos para alcançarem o

significado idiomático de tais expressões.

No que respeita ao tipo de exercícios que devem ser utilizados no ensino das EIs,

aponte-se a proposta de classificação de tarefas de Paribakht e Wesche (1997, p. 183-

184; apud Pedro, 2007: 28-30), a qual apresenta de forma sistematizada os exercícios

adequados a cada competência a desenvolver. Neste sentido, a classificação em questão

foi, aqui, adaptada para o ensino de EIs, sendo apresentada sob a forma de tabela para

uma leitura mais fácil dos dados.

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Capítulo 4 | A Fraseodidáctica e sua aplicação no ensino actual: o caso das EIs

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Tabela 13 - Proposta de classificação de tarefas de Paribakht e Wesche (1997)

Conclui-se, assim, que o professor, ao leccionar estas estruturas, tem de ter em atenção,

não só a adequação dos exercícios às competências que se pretendem desenvolver nos

alunos, mas também ao nível de desenvolvimento linguístico em que os mesmos se

encontram.

Desta forma, considera-se que o ensino das EIs dever ser um ensino que prime pela

sequencialidade e progressão entre os diferentes níveis de escolaridade, desde o mais

básico até ao mais complexo.

Competência a desenvolver

Exercícios adequados

Atenção selectiva: actividades que usam

diferentes técnicas para chamar a atenção do

aluno para determinadas palavras ou

expressões.

• Sinalizar visualmente, por meio de cores,

por exemplo, as EIs no texto.

• Fornecer aos alunos várias EIs, antes da

leitura de um texto, pedindo que observem

onde e em que contexto as mesmas

aparecem no texto.

Reconhecimento: actividades em que são

fornecidos todos os elementos necessários e

os alunos devem apenas reconhecer as

expressões e seus significados; desse modo,

basta um conhecimento parcial desse

vocabulário.

• Ligar cada EI à sua definição;

• Reconhecer o significado de uma EI dentro

de quatro opções em exercícios de múltipla

escolha;

• Escolher a figura certa após ouvir ou ver a

EI.;

• Escolher a EI certa para etiquetar uma

figura;

Manipulação: actividades que consistem

em rearranjar dados elementos para formar

palavras ou frases; implicam conhecimento

morfológico e de categorias gramaticais.

• Proceder a algumas alterações gramaticais

e lexicais nos constituintes das expressões,

observando se as EIs perdem ou mantêm o

seu significado global;

Interpretação: actividades que envolvem

uma análise semântica e sintáctica mais

precisa, incluindo a relação das palavras-

alvo com outras palavras num dado

contexto (por exemplo, colocações,

sinonímia, antonímia).

• Preencher exercícios de lacunas com

múltipla escolha.

• Deduzir o significado da EI contrapondo a

análise semântica dos seus constituintes e o

contexto em que a mesma aparece.

Produção: actividades que requerem que o

aluno recupere uma palavra na memória e a

utilize em contextos novos,

apropriadamente. Para conseguir fazer esse

tipo de actividade com sucesso, os alunos

devem ter um controlo dos aspectos

sintácticos, semânticos e, possivelmente

funcionais da EIs, ou seja, eles necessitam

de um nível de processamento mais

profundo.

• Preencher lacunas sem opções;

• Etiquetar figuras;

• Responder uma perguntar que necessite da

EI;

• Encontrar o erro nas EIs e corrigi-lo.

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Capítulo 4 | A Fraseodidáctica e sua aplicação no ensino actual: o caso das EIs

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Tendo em conta tudo o que atrás foi dito sobre o ensino das EIs, pretende-se com este

estudo demonstrar uma abordagem diferente da forma simplista como se têm tratado

estas expressões ao nível do Português Língua Materna, mais propriamente ao nível do

Ensino Básico. Por não ser objectivo deste estudo exibir uma panóplia de exercícios e

tarefas descontextualizadas, apresente-se, em termos teóricos, uma sequência didáctica

cujo grau de dificuldade e profundidade aumentará de acordo com o nível de ensino.

Desta forma, a sequência didáctica em questão terá como base: o pressuposto de que o

processo de aquisição e compreensão de EIs acompanha o desenvolvimento linguístico

dos alunos; as diferentes características destas expressões; a forma como o NPPEB as

encara; e finalmente a proposta de classificação sintáctica apresentada e discutida

anteriormente.

Neste sentido, informa-se que para a construção desta sequência didáctica é necessário

distribuir as diferentes características das EIs (sentido figurado, indecomponibilidade,

opacidade semântica e cristalização sintáctica), e os diferentes tipos resultantes da

proposta de classificação sintáctica (EIs TC, EIs PC, EIs PF e EIs TF), pelos diferentes

níveis de ensino, tendo como critério de distribuição o desenvolvimento linguístico dos

alunos, tal como se observa na tabela seguinte.

Nível de

Escolaridade

Característica(s) das EIs

a abordar Tipologia Sintáctica

Ciclo

1º e 2º (apenas ao

nível da oralidade) e

3º e 4º anos

Sentido Figurado EIs TF

Ciclo 5º e 6º anos Indecomponibilidade EIs PF

Ciclo 7º, 8º e 9º ano

Opacidade semântica e

cristalização sintáctica EIs PC e TC

Tabela 14 – Aspectos a considerar no ensino das EIs

Seguindo esta linha de pensamento, importa relembrar que o ensino das EIs deve ser

gradual, retomando-se em cada nível os conhecimentos adquiridos no(s) anterior(es),

para desta forma introduzir as novas características e os novos tipos. Neste sentido,

também ao nível de cada ciclo, o docente deve adequar o ensino destas expressões ao

ano de escolaridade em que se encontram os seus alunos; o mesmo quer dizer que o

professor deve diferenciar a abordagem destas expressões do 7º ano para o 8º e

consequentemente para o 9º, por exemplo.

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Capítulo 4 | A Fraseodidáctica e sua aplicação no ensino actual: o caso das EIs

Página | 139

Importa também referir que o que se pretende com esta sequência é demonstrar que as

EIs, tal como outro conteúdo do domínio do Conhecimento Explícito da Língua, não

devem ser trabalhadas através de simples exercícios de verificação ou avaliação de

conhecimentos. Na verdade, o que se pretende é que o docente inicie o processo de

ensino destas estruturas, partindo de actividades que levem o aluno à construção de

conhecimento. Neste sentido, o ensino das EIs deve comportar, em qualquer nível de

escolaridade, três etapas:

(i) Realização de actividades de construção de conhecimento, partindo dos

conhecimentos adquiridos no nível ou no ano anterior;

(ii) Elaboração de exercícios de treino, de forma a reutilizar o conteúdo tratado em

diferentes contextos de uso;

(iii) Reflexão sobre os conhecimentos adquiridos.

Ainda no que diz respeito à elaboração de actividades, cabe ao docente verificar quais

os exercícios e tarefas que melhor se adequam à(s) sua(s) turma(s), nunca esquecendo

que as EIs devem ser abordadas ao nível do domínio do Conhecimento Explícito da

Língua. Nesta perspectiva, aquando da construção de actividades, o docente deve ter em

consideração os seguintes aspectos (Costa et al., 2010 : 38)

(i) “O Conhecimento Explícito da Língua enquanto trabalho de consciência

linguística, que cruza vários planos do conhecimento gramatical (lexical,

morfológico, semântico, textual, discursivo e pragmático)”.

(ii) “O Conhecimento Explícito da Língua enquanto trabalho para a construção

de conhecimentos sobre a língua e para o domínio de metalinguagem

específica do conhecimento gramatical”.

(iii) “O Conhecimento Explícito da Língua enquanto trabalho que será,

preferencialmente, capitalizado ao serviço de outras competências”.

Por último, conclui-se que esta proposta do ensino das EIs tem como propósito decifrar

a didáctica de tais expressões sob a luz de um novo código, o qual respeita as diversas

inovações e mudanças que se registaram ao longo do tempo no campo da fraseologia e

no domínio do ensino e da aprendizagem.

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Capítulo 5 | Considerações Finais

Página | 140

Capítulo 5. Considerações Finais

O presente trabalho de investigação procurou contribuir para o estudo das Expressões

Idiomáticas, no que respeita ao seu processo de aquisição e ao lugar que estas devem

ocupar no ensino das línguas, principalmente ao nível do ensino do Português Língua

Materna.

Dada a complexidade do tema e ao número reduzido de estudos, em termos do PE,

sentiu-se a necessidade de elaborar um trabalho essencialmente de cariz teórico, que

apresentasse e explorasse as grandes questões que se encontram no domínio deste tipo

de expressões linguísticas.

Desta forma, as primeiras questões a que se procurou dar resposta relacionam-se com a

definição do próprio termo “Expressão Idiomática” e com a disciplina linguística que

encara as EIs como o seu objecto de estudo. Apesar de se reconhecer a Fraseologia

como a área linguística que trata estas expressões, verificou-se que as mesmas podem e

devem ser abordadas em diferentes campos da Linguística, o que leva os estudiosos a

considerarem tais expressões como estruturas multifacetadas. Na verdade, é também

esta particularidade que impede a existência, na literatura específica, de uma definição

consensual que permita identificar mais facilmente estas estruturas. Neste sentido,

apenas se encontrou consenso no que respeita a determinadas características das EIs, as

quais são apontadas pelos estudiosos como inerentes a tais estruturas, nomeadamente o

sentido figurado (idiomaticidade), a indecomponibilidade, a opacidade, o congelamento

e a cristalização. Por todos os motivos supracitados, a definição do termo EI só pode ser

feito à luz de vários paradigmas: lexicográfico, sintáctico-semântico, psicolinguístico,

pedagógico e sociolinguístico.

O problema da falta de consenso também se detectou em termos do processo de

aquisição e compreensão destas expressões, na medida em que se verifica a existência

de duas perspectivas totalmente opostas. Por um lado, encontra-se a perspectiva

tradicional que encara as EIs como um grupo homogéneo e como construções

totalmente cristalizadas no tempo e congeladas semântica, sintáctica e lexicalmente,

cujo processo de aquisição e compreensão é mecânico, não sendo possível qualquer

processamento ou análise linguística, uma vez que o significado idiomático das

expressões não pode ser alcançado pela simples soma dos significados dos seus

constituintes; por outro, apresenta-se a perspectiva actual, a qual admite que as EIs

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Capítulo 5 | Considerações Finais

Página | 141

constituem um grupo heterogéneo, na medida em que podem ser classificadas de acordo

com o seu grau de opacidade semântica, congelamento sintáctico e decomponibilidade

lexical, sendo adquiridas e compreendidas através de análise linguística, pois é possível,

na grande maioria das EIs, chegar ao seu significado idiomático pela decomposição dos

seus elementos. Encontra-se, porém, unanimidade no que respeita à importância do

contexto no processo de aquisição de EIs, na medida em que o mesmo proporciona

informações importantes para o processamento destas estruturas.

O presente estudo partilha dos pressupostos defendidos pela perspectiva actual, tal

como demonstram os resultados obtidos no experimento desenvolvido, o qual

demonstra que as EIs podem ser distribuídas ao longo de um contínua sintáctico,

consoante o número de transformações sintácticas que permitem, sem perda do

significado idiomático, indo do maior grau de congelamento até ao maior grau de

flexibilidade.

Ao nível do ensino das EIs, conclui-se que a didáctica das mesmas deve acompanhar o

desenvolvimento linguístico dos falantes, considerando-se essencial o seu ensino desde

o 1º ciclo de escolaridade até ao ensino secundário, pois é a partir dos 5/6 anos que a

criança começa a desenvolver a sua competência figurativa. Assim, cabe ao professor

desenvolver actividades e tarefas adequadas à competência comunicativa dos alunos,

não esquecendo também a adequação do tratamento das características das EIs, bem

como os seus diferentes tipos.

Ao longo da elaboração deste trabalho, verificaram-se algumas dificuldades resultantes

da complexidade do tema, as quais se transmitiram em limitações metodológicas, sendo

importante referir que, em investigações futuras, há que considerar um aspecto que não

foi considerado: a familiaridade das EIs.

Nesta perspectiva, encare-se esta investigação como uma consolidação dos principais

aspectos teóricos que rodeiam as EIs, em termos de definição, processo de aquisição e

compreensão e didáctica, de interesse para linguistas e docentes.

Por último, e tendo em conta tudo o que foi apresentado, estudado e discutido nesta

investigação, apresente-se uma nova definição de Expressão Idiomática:

Estrutura linguística resultante de um acto criativo da língua, que pode variar em

termos de composionalidade lexical, opacidade semântica e congelamento

sintáctico, comportando marcas pessoais, sociais e/ou culturais de uma nação.

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