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konrad lorenz - evolução e modificação do comportamento

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konrad lorenz - evolução e modificação do comportamento

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KONRAD LORENZ

EVOLUÇÃO E MODIFICAÇÃO DO COMPORTAMENTO

TRADUÇÃO

Mônica Beatriz Salgado do Nascimento

REVISÃO TÉCNICA

Helmuth Ricardo Krüger

EDITORA INTERCIÊNCIA

Copyright © 1965 by The University of Chicago Título original: Evolution and Modification of Behavior "Licensed by The University of Chicago, Chicago, llinois, U.S.A." Direitos Reservados em 1986 por Editora Interciência Ltda. Rio de Janeiro – Brasil Impresso no Brasil Programação Visual e Capa: Interciôncia Arte Composição do Texto: Intercidncia É proibida a reprodução total ou parcial por quaisquer meios, sem autorização por escrito da editora CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte. Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

EDITORA INTERCIÊNCIA LTDA. Rua Verna Magalhães, 66 - Tels.: 281-7495 CEP 20 710 - Rio de Janeiro — Brasil

Lorenz, Konrad

L867e Evolução e modificação do comportamento/Konrad Lorenz; tradução Mònica Beatriz Salgado do Nascimento; revisão técnica Helmuth Ricardo Krüger. — Rio de Janeiro: Interciência, 1986.

Tradução de: Evolution and modification of behavior. Bibliografia. 1. Caráter. I. Título 866-0334 CDD-155.2

CDU - 159.925

Sumário 1 - INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 6

2 - ATITUDES TEÓRICAS FRENTE AO CONCEITO DE "INATO" ................................. 8

3 - CRÍTICA DO PRIMEIRO ARGUMENTO BEHAVIORISTA ...................................... 10

4 - CRITICA DO SEGUNDO ARGUMENTO BEHAVIORISTA ...................................... 21

5 - CRITICA DA ATITUDE DOS MODERNOS ETOLOGISTAS .................................... 24

ALGUMAS FUNÇÕES ESPECÍFICAS DA APRENDIZAGEM ................................... 36

AUMENTO DA SELETIVIQADE EM RESPOSTAS NÃO-APRENDIDAS, ESPECÍFICAS A UM ESTÍMULO .............................................................................. 40

CALIBRAÇÃO DE MECANISMOS DE MIRA, AJUSTAMENTO DE COMPUTADORES E ESTABELECIMENTO DE "RELÓGIOS INTERNOS" ............................................. 43

INTEGRAÇÃO FUNCIONAL DE PADRÕES MOTORES ATRA VÊS DA APRENDIZAGEM ...................................................................................................... 46

A FORMAÇÃO DE HÁBITOS DE TRAJETO ............................................................. 49

APRENDIZA GEM MOTORA .................................................................................... 51

6 - CRITICA DA ATITUDE DOS ETÓLOGOS MAIS ANTIGOS .................................... 57

1 - INTRODUÇÃO

O que é preformado no genoma e herdado pelo indivíduo não é o "caráter", como podemos ver e descrever num organismo vivo, mas sim um arranjo limitado de possíveis formas, nas quais um mesmo plano genético pode achar sua expressão na fenogenia. O modo como isso se dá tem sido bastante analisado pelas ciências da genética e da fenogenética, pelo menos em alguns casos paradigmáticos. O termo "inato" não deve, em princípio, ser aplicado a órgãos ou padrões de comportamento, mesmo que suas modificabilidades possam ser desprezíveis. N. Tinbergen e muitos outros etologistas, em suas publicações em inglês, pararam de empregar este termo ou, para ser mais exato, eles continuaram a aplicá-lo somente a diferenças aparecidas entre caracteres comportamentais e morfológicos desenvolvidos por indivíduos criados num mesmo ambiente.

Existem dois pontos debatíeis sobre esta maneira de usar o termo: a primeira pergunta é como se define "caráter" e a segunda é se a concepção de um "ambiente estritamente idêntico" é válida operacionalmente. Ninguém, no entanto, duvida que a prova mais convincente de hereditariedade ocorra quando híbridos de parentesco conhecido, criados numa mesma condição, desenvolvem caracteres cujas diferenças de um para o outro são claramente correlacionadas com as existentes entre os pais, e concordam com as leis conhecidas da hereditariedade como, por exemplo, nas pesquisas intermitentes de patos híbridos criados por von de Wall (1963). Na geração F2, estas aves desenvolveram padrões de comportamento galanteadores que, ou eram ligeiramente intermediários entre as espécies paternas ou mostravam caracteres ancestrais existentes num grande número de outros patos, mas inexistentes nas espécies paternas. Na geração F2, os padrões motores dos indivíduos se diferenciam muito, mostrando muitas novas combinações de caracteres reconhecíveis encontradas nas espécies dos avôs.

O experimento de hibridização genética não é, no entanto, a única ocasião na qual precisamos de um termo e, se levarmos em conta o purismo semântico, ficamos sem uma palavra que denote um conceito indispensável. Tencionamos alguma coisa quando falamos de um padrão motor inato ou um mecanismo de liberação inato e não é simplesmente um descuido semântico se algum de nós tende a usar a expressão "o que antigamente chamávamos de inato". O que há de fato? A óbvia necessidade de um termo é uma indicação de que um conceito que corresponde a alguma coisa muito real existe. O objetivo deste livro é descobrir qual é essa realidade e definir este conceito. Esta tentativa implicará primeiro numa crítica detalhada de alguns pontos de vista amplamente sustentados sobre o conceito de "inato" e, em segundo lugar, uma discussão sobre o valor e as limitações do experimento de privação, das afirmações que, a partir dele,

podemos fazer e das regras metodológicas que precisam ser observadas nesta aplicação.

2 - ATITUDES TEÓRICAS FRENTE AO CONCEITO DE "INATO"

Três atitudes distintas, considerando o conceito "do que antigamente chamávamos de inato", são suficientemente importantes para merecer uma discussão. Acredito que possa mostrar, na primeira, algumas sérias falácias, lógicas e biológicas, que são sustentadas pela maioria dos psicólogos americanos. A segunda é a aceitação por muitos modernos etologistas de expressão inglesa que, na minha opinião, perderam o apoio de um conceito muito importante, em parte por cautela excessiva, em parte também porque eles desejaram comprometer-se com a crítica behaviorista, mas, principalmente, em conseqüência das repercussões da descoberta de alguns erros na atitude "ingênua" que Heinroth e outros etologistas mais antigos assumiram frente ao conceito de inato, o que também precisa ser criticado neste livro.

A maioria dos psicólogos americanos, os quais por finalidade de concisão e com algumas incorreções, aqui classificarei como sendo "behavioristas", sustentam mais ou menos unanimemente, que a "dicotomia" do comportamento em elementos inatos e aprendidos não é "válida analiticamente". Esta declaração é sustentada por dois argumentos. O primeiro diz que a dicotomia é simplesmente o resultado da "solicitação da pergunta"; assim, até agora, a única definição para "inato" é aquilo que não é aprendido e vice-versa. Hebb (1953) escreve: "Deve haver uma grande dúvida a respeito da unidade de fatores que são identificados somente por exclusão" e "eu realço que não há duas espécies de controle de comportamento e que o termo 'instinto' implicando um mecanismo ou processo neural independente de fatores ambientais e distinto dos processos neurais acessíveis à aprendizagem, é um termo completamente enganador".

O segundo argumento, enfatizado por Lehrman (1953), é que mesmo se a existência de elementos comportamentais, que são independentes de aprendizagem, não puder ser inteiramente excluída, o conceito de comportamento inato está, mesmo assim, destituído de valor heurístico, porque nunca será praticamente possível excluir a participação da aprendizagem nos mais antigos processos ontogenéticos no ovo ou in útero, que são inacessíveis à observação.

Claramente distinta da atitude behaviorista, ainda que um pouco similar, é a sustentada por Tinbergen (1955,1963) e um grande número de outros etologistas modernos. Embora eles tivessem abandonado a palavra "inato" pelas razões terminológicas já mencionadas, eles estão de fato conscientes de que realmente há dois mecanismos independentes afetando a adaptação do comportamento: o processo filogenético, que envolve comportamento, assim como qualquer organização estrutural e funcional, e

os processos de modificação adaptativa do comportamento durante a vida de um indivíduo. Ao invés de concordarem, em princípio, com esta dicotomia, estes cientistas tomaram a atitude de que praticamente todo comportamento, até as suas menores unidades, deve seu poder de adaptação a ambos os processos adaptativos citados acima, e que os tipos de comportamento que antigamente descrevíamos como "inato" ou "aprendido" representam somente dois extremos de um continuum de gradação, no qual todas as misturas e combinações possíveis das duas fontes de adaptação podem ser encontradas. Que estes dois extremos realmente ocorrem e o fazem com uma freqüência surpreendente é bastante reconhecido, mas é explicado por uma arbitrária suposição de que os extremos, sendo de valor de sobrevivência particular, são mais favorecidos pela pressão de seleção do que as formas intermediárias.

Em conseqüência desta atitude, qualquer tentativa para separar caracteres filogenética e individualmente adaptados e propriedades do comportamento, seja conceitualmente ou durante o curso de experimentos práticos, precisa ser necessariamente considerada como sem esperança e destituída de sentido, assim como em relação a qualquer outra característica de comportamento, ainda que seja automaticamente considerada, em princípio, como sendo influenciada por ambos os fatores que permitem a adaptação. Esta opinião, extremamente perigosa, é freqüentemente sustentada por um argumento baseado em algumas limitações práticas, inerentes ao experimento de privação (pág. 80).

A terceira e a mais controvertida das atitudes, baseia-se na suposição de que o comportamento instintivo e aprendido "vêm aos montes" e que podem ser claramente separados, como foi implicado pela Instinkt-Dressur-Verschrànkung (cruzamento de padrão fixado e aprendizagem), que propus há mais de trinta anos. Com base nesta suposição, a tendência óbvia na evolução do comportamento em direção à maior plasticidade e aumento da influência do aprendido e da compreensão têm que ser consideradas, pelo menos, tanto como da conseqüência da redução e desintegração de padrões fixados inatos, quanto do grande desenvolvimento daquelas funções que, na vida de um indivíduo, afetam a modificação adaptativa do comportamento.

3 - CRÍTICA DO PRIMEIRO ARGUMENTO BEHAVIORISTA

Simplesmente não é verdadeiro que "o que antigamente chamávamos de inato" e "o que antigamente chamávamos de aprendido" só possa ser definido pela exclusão do outro. Como qualquer outro erro fundamental, que será criticado na discussão do segundo argumento behaviorista, esta falácia acontece se esquecermos que o comportamento nunca pode ser considerado como sendo um produto de um processo aleatório ou de um determinismo quando se adapta a um ponto de correspondência do meio ambiente da espécie. "Adaptação" é o processo que molda o organismo, a fim de que o mesmo se ajuste ao seu meio de maneira que ele sobreviva. A adaptabilidade é sempre a prova irrefutável de que este processo ocorreu. Qualquer modelação do organismo ao seu meio é um processo semelhante ao da morfogênese, no âmbito da estrutura orgânica, tornando-se completamente correto falar de informação concernente ao meio, que está sendo adquirida pelo organismo.

Só há duas maneiras disto acontecer. A primeira é a interação do organismo com seu meio.. Neste processo é a espécie que, por meio de mutação e seleção, alcança.uma adaptação, assegurando a sobrevivência. Todas as estruturas complicadas e funções dos cromossomas, incluindo mutação e reprodução sexual, constituem um mecanismo envolvido no serviço da função de obtenção e armazenamento de informação do meio. Existe uma analogia funcional muito próxima entre a aprendizagem de ensaio-e-erro e o modo pelo qual parte da progênie é exposta no "experimento" da mutação, uma parte que é cautelosamente medida por urna taxa de mutação que não arrisca a sobrevivência da espécie e, com isso, o volume de informação já armazenada. Provavelmente, uma das principais funções de reprodução sexual é disseminar rapidamente uma nova informação entre a população.

Campbell chamou a atenção para o fato de que o procedimento pelo qual as espécies obtêm informação sobre seus ambientes é virtualmente idêntica ao da indução pura, e é destituído dos processos dedutivos que guiam a experimentação humana. A informação assim obtida é armazenada nos genes e que, por esta razão, tem sido apropriadamente descrita pelos geneticistas como "informação codificada".

A organização que obtém tudo isso deve ter se desenvolvido, obviamente, no nosso planeta, num estágio muito remoto da história da vida. Sabemos que todos os animais superiores e plantas são descendentes de organismos que já tinham "inventado" um núcleo com cromossomas desempenhando essas funções. Com o avanço do conhecimento da bioquímica, referente a processos análogos nos organismos inferiores, na bactéria e no vírus, no entanto, estamos

seriamente confrontados com a questão se a origem desses mecanismos, para a aquisição de informação, não se identifica com a própria origem da vida.

A segunda maneira pela qual a informação no ambiente pode ser introduzida no sistema orgânico é a interação entre o indivíduo e o seu meio. Qualquer estímulo eliciador de resposta apresentado ao organismo, representa informação do meio sendo recebida pelo animal, ainda que esta informação somente determine quando e onde um certo mecanismo do comportamento é ativado sem, no entanto, afetar qualquer mudança adaptativa no próprio mecanismo. Todos os "reflexos", processos de liberação, etc., assim como todas as respostas de orientação, ou taxias, pertencem a esta categoria.

Entre todos os mecanismos úteis à obtenção de uma informação utilizada imediatamente, aqueles que obtêm orientação no espaço ficam de lado, à medida que eles determinam não somente o momento mas também a direção em que um padrão motor deva ser liberado. Esses mecanismos, concedendo informações temporais e espaciais instantâneas são, nas suas formas mais desenvolvidas, muito idênticos ao que é vulgarmente chamado de inteligência. Subjetivamente, sua função bem-sucedida é a acompanhada pela experiência do insight. Eles muito freqüentemente produzem "aprendizagem" e freqüentemente são os seus pré-requisitos. São, entretanto, totalmente independentes da aprendizagem; funcionam mesmo nos organismos unicelurares mais simples que não aprendem.

Particularmente, na base de uma propriedade constitutiva, esses mecanismos precisam ser conceitualmente distinguidos da aprendizagem. Isso foi apontado por Russell (1958-61). Os processos discutidos aqui alcançam uma adaptação instantânea do comportamento à necessidade ambiental do momento; eles não causam uma modificação no mecanismo da resposta, mas são, eles mesmos, uma função de mecanismos de diferenciação, filogeneticamente adaptados que, incidentalmente, são largamente idênticos aos que Pavlov chamou de reflexos incondicionados.

Aprendizagem, por outro lado, é muito semelhante aos processos filogenéticos já discutidos na sua função muito importante de não somente obter, mas também de armazenar informação. Não sabemos ainda como se dá esse armazenamento. Isto pode ser feito pela estrutura neural que se modifica adaptativamente ou, como alguns bioquímicos tentativamente supõem, através da codificação da informação em cadeias moleculares no sentido em que a informação filogenética é retida. Mas qualquer que seja o mecanismo, a modificação adaptativa de uma função não pode existir sem corresponder à modificação de sua estrutura subjacente. A enorme diferença nas suas respectivas escalas de tempo e nos seus mecanismos fisiológicos, apesar das analogias funcionais entre os processos

filogenéticos e individuais de aquisição e armazenamento da informação são tais que, Russell parece estar bem-justificado ao criar um conceito englobando a ambos.

Nossa ignorância total dos mecanismos fisiológicos subjacentes à aprendizagem, faz com que o nosso conhecimento da causa da adaptação filogenética pareça, por comparação, considerável. Nossa convicção de que os conceitos de Darwin correspondem à realidade é baseada em fatos que se tornam cada vez mais sólidos ao passar dos anos e que têm ultimamente recebido uma base inabalável dos modernos resultados da bioquímica. Por isso, quando falamos de adaptação filogenética e seus processos fundamentais, usamos conceitos baseados e definidos por insights causais. Quando colocamos a adaptação filogenética do comportamento em antítese com a aprendizagem, precisamos ter em mente que os dois conceitos chegaram de diferentes maneiras. Além disso, a aprendizagem, ao contrário da adaptação filogenética, só pode ser definida descritiva e funcionalmente pelo que Hassenstein (1954) denominou de definição "injuntiva", isto é, pela enumeração de propriedades das partes constitutivas. A maioria dos conceitos biológicos, incluindo o da própria vida, só podem ser definidos injuntivamente. Qualquer uma de suas propriedades constitutivas: assimilação, metabolismo, crescimento e reprodução, pode ser encontrada em algum modelo não-orgânico; todos eles juntos fazem a vida. Além disso, todo conceito injuntivo tem um âmago no qual sua aplicabilidade é inquestionável, apesar de que, às suas margens, se submerja em conceitos vizinhos sem uma fronteira estritamente delineável. Uma definição puramente injuntiva e puramente funcional da aprendizagem deve carecer de uma acentuada delimitação, desde que não saibamos nada sobre sua causa fisiológica. A essência do conceito será representada pelo condicionamento clássico e outras formas "superiores" de aprendizagem, mas marginalmente se fundirá, imperceptivelmente, com formas inferiores de modificação adaptativa do comportamento.

Do lado do receptor, uma habituação mais altamente específica (ver págs. 49 e 50) via adaptação sensorial formará uma gradação, levando a processos que não chamaríamos de aprendizagem. Do lado motor, a aquisição de habilidades através da prática, conduzirá a formas mais simples de facilitação através do exercício e mais adiante ao efeito inespecífico da atividade que, prevenindo a atrofia que outro lado se apodera das estruturas inativas, forma um simples pré-requisito para a fenogenia normal do órgão. Apesar de consciente disso tudo, proponho, para os propósitos deste livro, definir aprendizagem de uma maneira bem compreensiva, incluindo todas as modificações adaptativas do comportamento. Qualquer definição utilizável de aprendizagem precisa conter incondicionalmente, como sua mais indispensável propriedade

constitutiva, o caráter do valor de sobrevivência ou poder de adaptação, como Thorpe destacou em 1956.

Qualquer outra coisa que possa ser aprendizagem será certamente uma modificação adaptativa de comportamento, e seu poder de adaptação precisa de uma explanação causai. Há uma pequena probabilidade de que a modificação como tal seja adaptável à influência particular do meio que a provocou.

De fato, esta probabilidade não é maior do que aquela da mutação de ser adaptativa. Geneticistas estimam essa probabilidade em cerca de 10~8. Quando achamos uma margem de variação claramente adaptativa, por exemplo, quando descobrimos que a espessura da pele é adaptativamente modificada por influências do clima em muitos mamíferos ou que plantas se esticam para o alto a fim de encontrar luz, sabemos que essas realizações da adaptação não são devidas exclusivamente a influências ambientais, mas sim a variações muito especializadas de modificabilidade que têm sido selecionadas na pré-história da espécie.

Quanto mais complicado é um processo adaptado, menor é a chance existente para que uma troca aleatória desenvolva seu poder de adaptação1

Considero altamente paradoxal que muitos psicólogos americanos não somente esquecem isso, mas realmente estigmatizam como "preformacionistas" as teorias de etólogos que levam em consideração que alguma informação subjacente ao comportamento do indivíduo foi de fato "pré-formado" pela espécie. Este tipo de psicólogo provavelmente acha muito fácil esquecer os problemas da função da sobrevivência e a origem filogenética do comportamento em geral, e da aprendizagem em particular, porque seus planos experimentais diferem do meio ambiente natural das

Não há processos vitais mais complicados do que esses que se dão no sistema nervoso central e controlam o comportamento. Uma troca aleatória deve, com uma probabilidade superior, resultar na sua desintegração. Admitir, alegremente, que "aprendizagem" (o que quer que seja) promove automaticamente um aperfeiçoamento adaptativo dos mecanismos de comportamento, implica não mais ou menos do que uma crença numa harmonia preestabelecida entre organismos e ambientes. O fato espantoso e que nunca deve ser esquecido é que a aprendizagem, na maioria dos casos, aumenta o valor da sobrevivência dos mecanismos do comportamento por ela modificados. Os raros exemplos nos quais esta função de sobrevivência tem mau êxito serve mais para ilustrar do que para negar isto, mas este fato em si exige uma explicação.

1 Supondo que um mecânico amador pudesse trocar, ao acaso ou com base em informações insuficientes, qualquer coisa do mecanismo do motor do seu carro esporte "envenenado", as probabilidades de melhorar a sua função são desprezíveis.

espécies investigadas em tal extensão que fica muito fácil negligenciar a função de sobrevivência do comportamento amplamente e, com isso, a pressão da seleção que fez com que esses mecanismos se desenvolvessem. Para qualquer pessoa minimamente versada no pensamento biológico, é um problema de que a aprendizagem, como qualquer função comparável de elevada diferenciação e valor de sobrevivência, precisa, necessariamente, ser pré-formada por um mecanismo muito especial constituído no sistema orgânico ao longo de sua evolução. O fato indubitável de que qualquer mecanismo de aprendizagem é filogeneticamente desenvolvido não é de modo algum contraditado pelo outro fato de que um mecanismo de aprendizagem é desenvolvido para explorar a experiência individual. Os dois fatos apresentam inevitavelmente a questão de como esse mecanismo de aprendizagem realiza o trabalho de escolher, para reforçaménto, entre inumeráveis possibilidades de comportamento, aqueles que desenvolvem o valor positivo de sobrevivência, e para extinção, os que são prejudiciais para o indivíduo ou para a espécie.

Nos dias do behaviorismo clássico, era suposto que a realização de necessidades corporais primárias tendia a se reforçar, e que qualquer dano corporal tendia a extinguir o tipo de comportamento que aparecia precedendo esses efeitos, dirigindo, assim, o processo de aprendizagem para um aumento do valor de sobrevivência (Thorndike, 1911). Ainda supondo que o organismo, de alguma maneira inexplicável, deveria "saber" o que é bom ou ruim para si, essa teoria não somente leva em conta que uma explicação é necessária para o valor de sobrevivência da aprendizagem, mas também oferece especulativamente uma explicação que não está tão longe da realidade. Devem existir alguns mecanismos neurais que, no seu lado aferente, firmam-se nos ciclos homeostáticos de processos vegetativos e metabólicos elementares, que reportam ao sistema nervoso central qualquer desvio do estado uniforme particular que é desejável para sobrevivência. Em nossa própria experiência subjetiva, o relato de tal distúrbio é correlacionado com o sentimento difuso de doença que não pode ser localizada. Com o mecanismo de dor, obviamente menos elaboradamente organizado no lado do receptor, a tônica se faz reportando-se à localização do distúrbio. A função de sobrevivência de ambas as organizações indubitavelmente reside nos fortes efeitos de extinção e reforço produzidos pelo aumento e declínio de suas informações.

A função de um "receptor de enfermidade" muito generalizado poderia talvez fornecer uma explicação .tentativa para os resultados surpreendentes que Richter (1954) obteve quando proveu seus animais experimentais de comidas desintegradas em suas partes componentes e as deixou expostas aos sujeitos para ressintetizar uma dieta balanceada. Mesmo quando os aminoácidos das proteínas necessárias eram apresentados

separadamente, ratos, como o seu peso posterior demonstrou, adquiriram as percentagens certas de cada constituinte. Animais privados do córtex adrenal provaram ser capazes de compensar o distúrbio causado pela operação no seu metabolismo do sal, comendo um bocado proporcional de NaCI.

O problema mais intrigante proposto por estas descobertas é de onde o organismo obtém a informação relativa aos produtos químicos necessários ao seu metabolismo num dado momento, e como eles são reconhecidos quando encontrados no ambiente. Sabemos de um caso, pelo menos, em que um mecanismo de liberação especial obtém o reconhecimento de um produto químico desejado: pássaros carecendo de cálcio bicarão e comerão qualquer substância branca, dura e esfarinhada, independentemente da sua composição química, obviamente mais guiados por estímulos visuais e táteis do que por estímulos químicos. Conheci pássaros que se envenenaram comendo carbureto, É, entretanto, muito improvável que organizações perceptuais similarmente desenvolvidas estejam em prontidão para as necessidades especiais seletivamente fornecidas nos experimentos de Richter. Seus ratos foram, com toda probabilidade, os primeiros na história da evolução de sua espécie a sintetizar proteína a partir de seus componentes aminoácidos. É uma hipótese tentadora, embora não-testada, que o animal come tentativamente só um pouco de cada das substâncias que lhe são fornecidas e forma um engrama de "como se sente depois". Essa suposição provisória é sustentada pelo fato de que animais onívoros invariavelmente no primeiro encontro comem muito pouca comida desconhecida. Considerações similares podem se aplicar à compensação da quantidade de sal pelos ratos adrenalinotomizados.

A afirmação importante e indubitavelmente correta de Hull (1943) de que todo o alívio de tensão atua como um reforço para o comportamento precedente, também pressupõe a função de um mecanismo embutido que, com um similar raio de aplicação como o que já foi discutido, é capaz de dirigir a aprendizagem para o valor de sobrevivência nas mais variadas situações ambientais. Apetências e aversões, consideradas por Craig (1918) como tipos de comportamento diametralmente opostos, têm uma propriedade estrutural em comum. Em ambos os casos, o comportamento "propositivo" suscetível de modificação pela aprendizagem é dirigido a uma situação estimuladora reforçadora interna e externa que resulta num significativo alívio de tensão. A diferença fisiológica recai somente na origem desta tensão. No caso do comportamento apetitivo, este é causado pela geração interna de estímulos endógenos relativos aos movimentos instintivos os quais o comportamento apetitivo está empenhado em "descarregar". No caso da aversão, a tensão é causada diretamente por uma situação externa perturbadora. O organismo tenta se livrar desta

situação através do "comportamento apetitivo dirigido a estados de quietude", como Meyer-Holzapfel (1940) mais objetivamente descreve a aversão.

Todos os mecanismos de ensino aqui mencionados contêm informações filogeneticamente obtidas que informam ao organismo quais das conseqüências de seu comportamento precisam ser repetidamente atingidas e quais devem ser evitadas no interesse da sobrevivência. Essa informação é preponderantemente localizada nas organizações perceptuais que respondem a certas configurações externas e/ou internas de estímulos e as relatam com um sinal positivo ou negativo, aos mecanismos centrais da aprendizagem.

Como no mecanismo de ensino já discutido, essa informação é freqüentemente incluída em termos "abstratos" muito generalizados. A organização de padrões perceptuais é freqüentemente confrontada com a alternativa de obtenção ou de alta seletividade ou aplicabilidade geral, ou de concordância entre essas duas propriedades, as quais, em seus altos graus de diferenciação, obviamente não podem ser obtidos simultaneamente. Em padrões perceptuais, nos quais, como nos mecanismos de reforço já discutidos, uma aplicabilidade muito geral é imperativa, e só pode ser obtida ao custo de uma baixa seletividade. Em outras palavras, o organismo está inevitavelmente exposto aos perigos resultantes de uma probabilidade correspondentemente elevada de que seus mecanismos de reforço perceptivo fracassem. Em muitos animais onívoros, por exemplo, existe um mecanismo que faz com que eles prefiram comida contendo o mínimo de fibra e o máximo de açúcar, gordura e amido. Em condições "normais" de vida selvagem, esse mecanismo filogeneticamente adaptado de liberação apresenta um óbvio valor de sobrevivência, mas num homem civilizado dá início a uma busca de objetos supranormais, cuja predileção atualmente significa um vício danoso para a saúde (por exemplo, pão branco, chocolate, etc., que causam constipação e obesidade em milhões de pessoas). De maneira estritamente análoga, outro importante mecanismo de ensino pode falhar, ou seja, um mecanismo que age na "hipótese" geralmente confiável de que uma situação proporcionando alivio de tensão e também proveitosa no interesse da sobrevivência. Como é de se esperar, o mecanismo também é suscetível a todas as drogas causando alívio de tensão e, deste modo, condiciona homens e gatos (Masserman, 1943) a serem alcoólatras ^e viciados em tranqüilizantes.

A probabilidade limitada de um mecanismo do comportamento falhar dessa maneira constitui uma ameaça para a sobrevivência das espécies, e é ainda inferior a um argumento contra a suposição bem baseada de que o mecanismo em questão e, em circunstâncias normais, seja de grande valor de sobrevivência. Exatamente ao contrário, o distúrbio oferece valiosa

compreensão da estrutura causai em função da qual o valor de sobrevivência é obtido.

É muito fácil construir alguns modelos de pensamento ou máquinas que irão "aprender alguma coisa", ou seja, alterando suas propriedades funcionais por funcionamento prévio, É ainda difícil inventar algum aparato eletrônico que não seja suscetível a tais mudanças, mas é imensamente difícil inventar algum modelo de pensamento no qual a troca de função causada pelo funcionamento sempre será no sentido de apoiar, regular e reparar aquele sistema. O problema central de todos os mecanismos de reforço e/ou extinção reside nos seus conteúdos de informação inata informando-se quanto ao que seja "bom" e o que seja "ruim" para o organismo. É somente na suposição de uma harmonia preestabelecida entre o organismo e o seu ambiente que pode ser oferecida uma explicação para o valor de sobrevivência da aprendizagem e uma investigação da informação inata contida nos mecanismos de ensino que o organismo abriga.

A "dicotomia" do comportamento em componentes "inatos" e "aprendidos" é certamente enganadora mas de maneira oposta à implicada por Hebb. A suposição de que a aprendizagem "entra" em todo mecanismo de aprendizagem filogeneticamente adaptado não é uma necessidade lógica nem, de maneira alguma, sustentada por fatos observacionaís e experimentais. Apesar de praticamente toda unidade funcional de comportamento conter informação adquirida individualmente sob a forma de estimulação que liberta e dirige reflexos, taxias, etc., (pág. 17) e deste modo determina o tempo e o lugar em que o comportamento e realizado, nao e de forma alguma uma necessidade lógica admitir que a modificação adaptativa de mecanismos comportamentais seja invariavelmente relacionada com a função de sobrevivência dessas respostas mínimas. Essas respostas, na sua essência, são o oposto do "que antigamente chamávamos aprendizagem", sendo, de fato, como já foi mencionado, o que Pavlov chamou de "reflexos incondicionados".

Por outro lado, e, por razões já dadas, torna-se uma necessidade lógica inevitável assumir que a aprendizagem, como qualquer outra função orgânica que regularmente ofereça valor de sobrevivência, é realizada por estruturas orgânicas desenvolvidas no curso da filogenia sob a pressão de seleção desse valor de sobrevivência. Toda evidência observacional e experimental vai confirmar essa suposição. Nenhuma a contradiz.

Além dos dois canais representados (a) pelos processos adaptativos de evolução e (b) pela aquisição individual de informação, não existe uma terceira possibilidade da informação ser "alimentada dentro" do sistema orgânico. Quando e onde quer que um padrão de comportamento se mostre estruturalmente adaptado a um ponto correspondente do ambiente, um ou

ambos processos precisa ser admitido; e, é, pelo menos em princípio, sempre possível verificar qual a parte desempenhada por cada um. Nenhum biólogo versado em questões filogenéticas e genéticas sonharia em pôr fim aos dois conceitos de adaptação filética e de modificação adaptativa simplesmente porque, em muitos casos, ambos estão relacionados com a moldura da estrutura orgânica e/ou função de se ajustar ao ambiente. O fato de que, no caso da fenocópia, nenhum dos processos pode obter um resultado indistinguível do obtido pelo outro, nunca foi considerado como razão para abandonar os dois processos como "não-válidos analiticamente".

As analogias funcionais que existem entre os dois tipos de aquisição de informações também não precisam desorientar-nos pensando-se que sejam filogeneticamente iguais. Na verdade, sabemos que não o são. Nem mesmo do princípio do "ensaio-e-erro" é inteiramente o mesmo nos dois casos. E somente uma aprendizagem individual é capaz de obter informação de seus erros.

O método bate-e-perde da mutação e seleção ganha somente pelos seus êxitos e não pelas suas derrotas, continuando a produzir cegamente aqueles mutentes que provaram ser malsucedidos, milhões de anos atrás. Ainda há razões suficientes para unirmos ambos mediante um conceito funcionalmente definido como Russell (1958-61) tem feito.

Fisiologicamente, no entanto, é um processo inteiramente diferente quando, de um lado, uma espécie "experimenta" por mutação ou mendelização e "arquiva" resultados em que um animal vive e outro morre, ou quando, por outro lado, um animal "experimenta" fazendo isso e aquilo sucessivamente e "arquiva" .formando um engrama neural o que tem produzido ou não uma situação de estímulo reforçador. Antes de mais nada, o tempo necessário para cada um desses processos é diferente, cerca de algumas potências de 10. Além do mais, a informação codificada armazenada nos genes, e também a sua decodificação no desenvolvimento ontogenético, é diferente da informação armazenada no sistema e sua decodificação por que quer que aconteça na liberação de uma resposta condicionada. Nenhuma similaridade de resultados e nenhuma dificuldade na tarefa prática pode nos eximir da obrigação científica de seguir o passado, para uma ou outra das duas fontes de informação, e ver algum ponto em que possa ser demonstrado que a conduta se adaptou, adaptando-se a um ponto correspondente do meio ambiente do animal.

Hebb, no seu julgamento da Etologia, diz que seria difícil exagerar a importância atribuída por etólogos à distinção entre inato e o aprendido, concluindo, é claro, que superestimamos essa importância. Eu não poderia concordar mais com a implicação do que com a afirmação. Se, como fisiologistas do comportamento, quiséssemos analisar a causalidade do

comportamento adaptado, não vejo como podemos alcançar esse tema sem apurar a fonte de informação sujeita à adaptação. Há também razões práticas que fazem a distinção importante. Por exemplo, a crença de que a agressão humana é baseada não na adaptação filogenética, mas na aprendizagem implica uma tremenda não-determinação de seus perigos. Até agora essa crença somente levou à produção de milhares de crianças não-frustradas intoleravelmente agressivas, mas isto pode levar a muitas coisas piores.

Finalmente, um profundo equívoco quanto aos modos biológicos de pensar está contido na frase de Hebb (pág. 24) expressando a opinião de que "o instinto [no sentido de uma organização neurai de acordo com Tinbergen, 1952] implica um processo ou mecanismo nervoso. . . que. . . é diferente daqueles processos aos quais a aprendizagem se filia". Aí há uma interpretação profundamente errônea do pensamento biológico. Certamente não acreditamos que haja somente um processo no qual a aprendizagem não intervenha. Mesmo se aderirmos à definição superlativamente compreensiva da aprendizagem que propus na pág. 19 e 20 e que inclui toda modificação adaptativa, continuamos conhecendo uma dezena de mecanismos comportamentais muito complicados cujo poder de adaptação está inteiramente baseado em informação filogeneticamente adquirida. O mecanismo de cálculo que possibilita um estorninho deduzir os pontos cardeais do movimento do Sol através do céu (um Sol que o pássaro nunca viu; Hoffmann, 1952); o complexo mecanismo de retroinformação que possibilita um mantil orientar seus movimentos de garra infalivelmente numa presa (Mittelstaedt, 1957); o uniforme movimento hereditário de namoro de um marreco que libera uma resposta específica de uma fêmea da mesma espécie (Heinroth, 1910); o "relógio interno" que prescreve a repetição rítmica de atividade de muitos animais (Aschoff, 1962); todas as respostas ótico-motoras, e assim por diante, são processos ou mecanismos nervosos que são diferentes daqueles nos quais a aprendizagem intervém". Eles são tão diferentes uns dos outros assim como um dente é diferente de um osso ou de um rim e exatamente pelas mesmas razões. Não sabemos quantos mais destes mecanismos ou processos existem — todos diferentes e independentes uns dos outros.

Esse argumento superestima vastamente o acúmulo de informação que pode ser ganho pelo embrião durante a vida intra-uterina ou no ovo. Esse erro indubitavelmente surge da mesma falácia fundamental na qual se baseia o argumento já discutido, isto é, surge do esquecimento de que o poder adaptativo ao ambiente nunca pode ser uma coincidência, mas tem necessariamente uma história que a explique. Quando Lehrman (1953) dá séria consideração à suposição que um pintinho pudesse aprender, ainda dentro do ovo, partes consideráveis do comportamento de bicar por ter sua cabeça se movimentando ritmicamente para cima e para baixo através do

batimento de seu próprio coração, ele falha totalmente ao explicar porque o padrão motor assim, individualmente adquirido, deveria se adaptar à necessidade de comer em situações ambientais que demandam o poder de adaptação à inumeráveis dados singulares, tão exatamente quanto o faz. Também permanece inexplicado porque somente certos pássaros bicam depois de chocar, enquanto outros abrem a boca como os passarinhos, salpicam como patos, ou empurram seu bico para o canto da boca de seus pais como os pombos fazem, apesar deles todos, quando embriões, moverem suas cabeças para cima e para baixo pela batida do coração, exatamente do mesmo modo. A mais do que maravilhosa adaptabilidade é ignorada naturalmente apesar do fato de que isto requereria números verdadeiramente astronômicos para expressar a improbabilidade de sua aparição por acaso.

4 - CRITICA DO SEGUNDO ARGUMENTO BEHAVIORISTA

A adaptabilidade ao ambiente só pode ser afirmada como sendo um fato natural por um homem, como von Uexküll, que admite uma harmonia preestabelecida entre o organismo e o ambiente. Excetuando essa suposição, qualquer um que pense que seja possível a um pássaro aprender, ainda no ovo, o comportamento que se ajuste a exigências só encontradas na vida, automaticamente tem que admitir a existência de uma aparato de ensino que contenha informação filogeneticamente adquirida concernente a essas exigências. Nem Kuo (1932) nem Lehrman (1953) fizeram essa suposição.

Desta maneira, paradoxalmente, a idéia de que o organismo poderia, dentro do ovo ou in útero, aprender o comportamento especificamente adaptado ao ambiente posterior encerra o preformacionismo. Um duplo e divertido paradoxo encontra-se no fato de que o preformacionismo é o preço a que alguns psicólogos americanos ficaram sujeitos por tentar evitar, a todo custo, os conceitos de valor de sobrevivência e de adaptação filogenética pelo fato de os considerarem "finalistas". De fato, estes não são finalistas realmente. Se um biólogo diz que o gato curvou-se, apontou as unhas "com o propósito de pegar um rato", ele não está professando uma crença numa teleologia mística, mas, sucintamente, afirmando que pegar rato é a função cuja pressão de seleção causou a evolução daquela forma particular de unhas.

Há ainda um elemento considerável de veracidade contido no segundo argumento behaviorista. Existem os processos de aprendizagem que podem possivelmente ocorrer dentro do ovo ou in útero. Prechtl (1958) demonstrou-o em alguns fetos humanos. O experimento de privação, que será discutido mais tarde, permite afirmativas concernentes à informação inata sobre somente aqueles dados ambientais com os quais o sujeito estava especificamente impedido de ter experiências. Assim, nunca é possível afirmar que toda infor-' mação que fundamenta o poder de adaptação de uma completa unidade funcional é filogeneticamente adquirida. Ainda, em muitos casos, o erro que estaria contido em tal afirmativa não-justificável seria bem menor do que é freqüentemente assumido na base do preformacionismo não-intencional acima mencionado.

Em muitos casos, a adaptabilidade do comportamento pode ser retraçada para a informação inata, mesmo sem realizar um experimento de privação. Um filhote macho de aranha (salticida) que, depois da última muda, se aproxima da fêmea não deve confundir sua espécie com outras, nem deve modificar a dança de corte que é conhecida pela fêmea; senão, ele será comido por 3la imediatamente. Ele não tem nem a oportunidade, em sua curta vida, de obter informação sobre a aparência (ou o aspecto) da

fêmea de sua própria espécie, nem saber a maneira pela qual ele deve agir para inibir suas reações de comer e para estimular suas respostas reprodutivas específicas.

Um pequeno gavião criado num espaço pequeno no qual não possa estender suas asas (pelo menos batê-las para cima e para baixo), no qual não possa atingir uma imagem distinta na retina, como por exemplo, se o ponto mais longe da caverna está mais perto do que sua menor distância focai, e no qual ele não possa ganhar experiência relativa â mudança paralaxe das imagens retinais, no entanto, prova ser, no momento que este deixe seu abrigo, perfeitamente capaz de estimar distâncias pela mudança da paralaxe das imagens do objeto. Ele pode também lutar, em seu vôo rápido, contra a resistência do ar, correntes, turbulência e vácuos e pode "reconhecer" e pegar uma presa e, finalmente, efetuar uma perfeita aterrissagem em lugar conveniente. A informação implicitamente contida no molde adaptativo de todas essas formas de comportamento aos dados ambientais para os quais eles indubitavelmente se encontram preparados, daria para encher vários volumes. Somente a descrição dos calculadores de distância inatos iria preencher livros-textos de estereometria completos, e os de resposta e atividades de vôo, um número igual de tratados sobre aerodinâmica.

Se se calcula, mesmo grosseiramente, a quantidade de informação que, quase que indubitavelmente, é transmitida por meio do genoma e a compara com o que (mesmo com escassa possibilidade) poderia ser adquirido na vida individual, a proporção é aterradora. O que o gavião poderia ter aprendido sobre estereometria é praticamente nada, mesmo quando atribuíssemos a ele poderes de aprendizagem sobre-humanos. Na sua habilidade de voar, ele poderia mesmo ter aprendido menos do que um humano poderia apren der a esquiar num curso de esqui. Toda a informação que ele pudesse ter adquirido individualmente poderia dizer respeito somente ao seu próprio corpo e a poucas leis básicas da física. Por exemplo, ele poderia ter aprendido a inervar os músculos sinergéticos e antagônicos alternadamente. Ele poderia, através de experiência tátil, ter deduzido a lei da física e saber que duas coisas não podem estar no mesmo lugar ao mesmo tempo. Mesmo dando uma olhada na improbabilidade de simples coordenações motoras serem adquiridas o sabemos de outra maneira dos trabalhos de von Holst, Eibl-Eibesfeldt e outros — e na improbabilidade dos pássaros serem capazes de aplicar o que eles aprenderam pela experiência tátil, para sua orientação, enquanto voam no ar e mesmo se lhes atribuirmos habilidades sobre-humanas de aprendizagem, sabemos que a proporção de informação aprendida que possibilitaria entrar nessas respostas e nessas atividades é infinitamente pequena. A afirmação ingênua de que são totalmente inatos é menos inexata que a afirmação de que uma locomotiva a vapor ou a Torre Eiffel são

construídas inteiramente de metal. Em outras palavras, isto alcança uma exatidão raramente alcançada por afirmações biológicas.

5 - CRITICA DA ATITUDE DOS MODERNOS ETOLOGISTAS

O que proponho discutir aqui são principalmente as suposições já mencionadas na introdução: que "o que antigamente chamávamos de inato" e o que antigamente chamávamos de "aprendido" representam somente os limites extremos de um contínuo de misturas insensível mente graduadas entre os dois, e que todo comportamento, até aos seus menores elementos, deve sua adaptabilidade a ambos os processos. Penso que posso mostrar que essa suposição não é somente uma má estratégia de pesquisa, mas completamente sem base e, com toda a probabilidade, falsa.

Discutindo o primeiro argumento behaviorista tentei demonstrar a falácia de tratar o "inato" e o "aprendido" como opostos, conceitos mutuamente exclusivos. Tentei mostrar que, enquanto toda aprendizagem é realizada por mecanismos que contêm informação filogeneticamente adquirida, nenhuma razão existe para se supor que a informação individualmente adquirida "toma parte" de toda espécie de comportamento filogeneticamente adaptado. Durante milhões de anos nosso planeta tem sido habitado por criaturas possuidoras de padrões elaborados de comportamento que não devem seu poder de adaptação a nenhuma típica e elaborada forma de aprendizagem. Estamos certos que a habituação e seu complemento, a sensibilização, são as únicas formas de modificação adaptativa do comportamento encontrados em protozoários e em organismos com um sistema nervoso difuso. Quando, depois de eras, num nível comparativamente elevado de organização neural, a modificabilidade do comportamento começou a crescer, uma tremenda pressão de seleção deve ter ocorrido para sustentar o desenvolvimento de mecanismos, modificando adaptativamente o comportamento individual. A intensidade dessa pressão pode ser inferida pela onipresença de seus efeitos em todo fiio de organismos que, independentemente uns dos outros, desenvolveu um sistema nervoso centralizado.

Tudo que tem sido dito na crítica ao primeiro argumento behaviorista é uma razão para não se supor uma ilimitada permeabilidade difusa mútua e combinação de adaptação filogenética e aprendizagem. Somente "preformacionistas" convictos podem duvidar do fato de que qualquer mudança adaptativa especializada do comportamento, tais como as que encontramos nos vertebrados, artrópodes e cefalópodes, nunca pode ser produto do acaso, mas deve ser considerado como a função de um aparato nervoso queé altamente organizado e que deve a sua origem, como ocorre em toda organização, ao processo de "indução pura" (pág. 17) conduzida pela evolução de cada espécie. Admitir permeabilidade difusa de adaptação filogenética e aprendizagem implica-a suposição de um número infinito de tais organizações, o que é estritamente contraditado pelo repetido fato de

que há para cada espécie animal somente um número limitado de situações estimulantes, altamente específicas, que irão agir como reforços.

A idéia de que aprendizagem ou qualquer outra mudança de comportamento que alcance o valor de sobrevivência poderia possivelmente ser função de um agregado de elementos neurais não-j organizados e programados especificamente é absolutamente insustentável.

É um caso de surpresa e de preocupação para mim que esta falácia tenha sido sustentada no behaviorismo com grande autoconfiança e sem levantar a menor objeção por parte dos etologistas de expressão inglesa. A etologia perde seu caráter de ciência biológica se é esquecido o fato de que o poder adaptativo existe e precisa de uma explicação. Não se tem a esperança de ganhar maior "exatidão" através do desprendimento do saber biológico e adesão a conceitos supostamente operacionalizados. Todas as conceitualizações empregadas no estudo científico da natureza são fundamentalmente operacionalizadas e se as operações que fundamentam os conceitos usados na filogenética são complicados e pressupõem considerável conhecimento, isto não fornece desculpas para a negligência de fatos importantes e bem conhecidos. £ um grande erro acreditar que a "exatidão" pode ser obtida restringindo-se a pesquisa a uma operação experimentalmente — e mentalmente — simples. Os prejuízos causados por estes procedimentos é bem ilustrado por Jensen no seu trabalho Operationism and the Question 7s This Behavior Learned or Innate?' (1961).

Jensen argumenta da seguinte maneira:

A possibilidade de diferenças no comportamento serem nem inatas (selecionadas) nem aprendidas (treinadas) mas algo mais (produzido por outras operações), permite a classificação separada de vários tipos de operações ou diferenças antecedentes para as quais diferenças comportamentais podem ser atribuídas.

(Uma lista de tais operações, incluindo a relação de comida, hormônios, e mesmo lesões do sistema nervoso, etc. se segue.)

Desde que as diferenças comportamentais podem ser atribuídas a efeitos e interações de muitos fatores, a questão original pode ser reescrita de uma maneira não-restrita. Ao invés de: "O comportamento é inato ou aprendido?", podemos perguntar: "O que causa essa diferença no comportamento?". Assim perguntando, a questão se torna um problema de pesquisa ao invés de argumento.

Não há e não pode haver nenhuma discussão sobre o fato do jovem Apistogramma de Kuenzer (1962) ter respondido seletivamente ao estímulo-chave configuracional do padrão amarelo preto pelas atividades

específicas de seguir os pais e que uma mãe Apistogramma é, de fato, listrada de amarelo e preto. Nem é o caso de se discutir que um esgana-gato responde ao estímulo-chave "ventre vermelho" através do desempenho de padrões motores de uma luta com um rival e que o esgana-gato macho é, de fato, vermelho no ventre. Somente se pudéssemos esquecer esses fatos centrais de adaptabilidade, e somente então, deveríamos ter de lançar mão da estratégia desesperada de pesquisa que Jensen nos recomenda, a não ser que preferíssemos desistir, por infrutífera, qualquer tentativa posterior de analisar o comportamento.

Diferenças não-adaptativas na estrutura e comportamento estão em segundo plano para os biólogos, enquanto que para os patologistas elas estão em primeiro plano. Um organismo vivo é um sistema primorosamente balanceado e muito complicado, e existe muito pouco sobre isso que não pode, pelo menos a princípio, ser entendido com base na adaptação filogenética e modificação adaptativa. Nem no corpo do animal nem no seu comportamento há muitos caracteres que possam ser modificados por "outras operações" sem levá-lo à destruição.

Como estudiosos do comportamento, não estamos interessados em indagar aleatoriamente os inumeráveis fatores que podem levar a minúcias, a pequenas diferenças de comportamento confinando com o patológico. O que queremos explicar são os fatos espantosos da adaptabilidade. A vida em si é um estado contínuo de enorme improbabilidade geral, e o que precisa de uma explicação é o fato de que organismos e espécies conseguem, miraculosa-^ mente, permanecer vivos. A resposta a essa pergunta com respeito' à estrutura do corpo, assim como quanto ao comportamento, sempre depende da origem da informação contida e indispensável à moldagem do organismo, de tal maneira que convenha ao meio e seja capaz de se adaptar a ele. No caso especial do nosso bebê Apistogramma e do nosso esgana-gato macho queremos saber como, o primeiro pode possuir informação sobre as características externas de sua mãe, e como o segundo pode "saber" como é o seu rival.

Ao invés de se colocar, como a proposta de Jensen a faria parecer, uma tarefa hercúlea prometendo somente resultados desinteressantes, temos ante nós um programa de experimentos praticamente viáveis que não podem falhar em nos dar respostas interessantes de uma maneira ou de outra. Tudo que temos de fazer é criar um animal, da melhor maneira possível, sob circunstâncias que assegurem a permanência da informação particular que queremos investigar. Não precisamos nos preocupar com inumeráveis fatores' que podem causar "diferenças" no comportamento à medida que estamos quase certos que eles possivelmente não podem suprir ao organismo aquelã informação particular que queremos investigar. Se o nosso filhote Apistogramma, que nunca viu uma fêmea adulta de sua

espécie, responde seletivamente a um certo padrão preto e amarelo, seguindo-o e ficando a seu lado (como se fosse sua mãe verdadeira), ou se o nosso esgana-gato responde a um objeto que é de tonalidade avermelhada com os padrões motores altamente especificados usados em lutas com inimigos, estamos justificados ao afirmar que a informação que esses peixes possuem, concernente a esses dois propósitos, é completamente inata. Em outras palavras, o genoma do peixe precisa conter o plano de um aparato perceptivo que responda seletivamente a certas combinações e/ou configurações de estímulos, e que passe a mensagem "mãe presente" ou /'macho rival presente" a organizações efetoras igualmente adaptadas para lidar com esse fato, Na minha opinião, o muito que sabemos é um conhecimento altamente interessante. Além disso, é um conhecimento que levanta novas questões.

A primeira delas são os problemas de ontogenia. É um fato vulgar o fato de que esse problema nunca é mais do que uma simples impressão genética que é herdada, e que entre essa herança e sua realização final nas funções e estruturas do corpo está todo o processo de desenvolvimento individual, do qual a embriologia experimental (Entwicklungsmechanik) tenta ganhar um entendimento causai. Esta é a verdade contida na afirmação de que órgãos ou padrões comportamentais não podem ser chamados de inatos. Os embriólogos experimentais, enquanto tentavam obter algum conhecimento a respeito da causalidade fisiológica do desenvolvimento, sempre acreditaram que qualquer estrutura que é elaboradamente adaptada a funções e dados ambientais a serem enfrentados muito mais tarde na vida individual, precisa estar planejada no genoma. Eles também sabem que a regulação epígenética adaptativa só pode ser esperada tendo em mente a informação que uma parte do embrião pode receber da outra. O ectoderma precisa ter toda a informação necessária de como construir um tubo neural. O que o ectoderma poderá aprender do organizador originário do músculo é o lugar onde deverá construí-lo. Se não há literatura a esse respeito, deve ser porque todos a admitem como fato natural, mas eles (investigadores) certamente não teriam obtido os resultados que tiveram se tivessem permitido que suas tentativas se limitassem à atitude exemplificada no texto de Jensen.

Qualquer investigador da ontogenia do comportamento animal é bem aconselhado a começar pelo consagrado procedimento de examinar inicialmente tudo o que possa ser planejado pela hereditariedade. Esta é uma boa estratégia e não somente pela simples razão de que a anatomia geralmente começa pela investigação do esqueleto; em qualquer sistema em que a função consista da interação de muitas partes, o melhor ponto de partida são as partes mais estáveis, pois suas propriedades aparecem mais freqüentemente como causas do que como efeitos na interação que está para ser estudada. Uma razão melhor é que uma estrutura

filogeneticamente adaptada representa, na ontogenia do comportamento, o pré-requisito indispensável para conduzir modificações na direção, geralmente improvável, da adaptabilidade. Nunca podemos esperar que entendamos qualquer processo de aprendizagem antes que tenhamos compreendido o mecanismo de ensino hereditário que contém essa programação primária.

A ênfase que estou dando ao fato de que sabemos de alguns planos indubitavelmente herdados de padrões motores assim como de organizações receptoras não pode levar alguém a pensar que considero desnecessário investigar a ontogenia do comportamento. O oposto é verdadeiro, particularmente no que concerne aos padrões receptores (em outras palavras, mecanismos de liberação). Entre esses, dificilmente haverá algum que, apesar de baseado indubitavelmente em informação inata, não se torne mais seletivo por uma aprendizagem adicional. Um condicionamento instantâneo pode se realizar no primeiro funcionamento de um mecanismo de liberação e precisa ser levado em consideração, a fim de evitar o perigo de confundir o que já tinha sido aprendido no primeiro experimento com informação inata em experimentos posteriores. A fim de avaliar corretamente a quantidade de informação inata contida num mecanismo de liberação é literalmente necessário parti-las em pedaços. Tal método será discutido no capítulo sobre experimento de privação (pág. 84-85).

No momento, um exemplo é suficiente para ilustrar a questão. O comportamento pelo qual uma perua sem experiência responde à sua primeira ninhada depende de um único mecanismo receptor filogeneticamente adaptado. Como Schleidt e Schleidt (1960) conclusivamente mostraram, ela trata qualquer objeto móvel no ninho como um inimigo, a não ser que emita o som específico do pintinho. Uma perua surda mata todos os seus filhotes assim que eles nascem. Uma perua normal aceita e cuida de qualquer animal empalhado, se este emite através de artifício eletrônico, os sons corretos. Sob circunstâncias naturais com uma perua nova chocando seu próprio filhote, a reação auditiva filogeneticamente adaptada efetua um condicionamento tão rápido de respostas maternais a outros estímulos vindos dos filhotes pássaros que, após poucas horas, o estímulo não-condicionado pode ser dispensado e a mãe estará pronta para criar os filhotes mesmo quando eles estiverem silenciosos. No entanto, os sons dos bebês continuam a aumentar as atividades maternais.

Os Schleidt não foram bem-sucedidos na descoberta de um substituto artificial para o reforço do comportamento maternal afetado pelo som de chamada dos filhotes de peru. Entretanto, foi possível, com a máxima paciência, habituar algumas peruas surdas à presença de pequenos filhotes

de modo a que não fossem mortos quando vistos; provou-se ser quase impossível condicionar qualquer atividade maternal da mãe surda para que ela pudesse responder aos filhotes. Tudo que pôde ser obtido foi que as aves surdas se comportavam como se não houvesse filhotes presentes, apesar do fato de elas estarem exatamente na fase certa do seu ciclo reprodutivo e tão mansas que todas as espécies de manipulação eram possíveis na tentativa de estabelecer um contato entre elas e sua prole.

Meu objetivo ao falar sobre esses resultados altamente interessantes é que eles nunca poderiam ter sido obtidos usando-se as conceitualizações e os métodos propostos por Jensen. A operação da retenção de informação específica fundamentando o poder de adaptação é somente uma entre milhões de possíveis modificações que "causam diferenças no comportamento", e as chances de achar o mecanismo efetivo de condicionamento que os Schleidt acharam por esses métodos são relativamente pequenas.

Nenhum biólogo em seu senso normal esquecerá que o plano contido no genoma requer inumeráveis fatores ambientais para que possa ser percebido na fenogenia de estruturas e funções. Durante seu crescimento individual, o macho esgana-gato pode precisar de água que contenha oxigênio suficiente, copépodes para alimento, luz, figuras detalhadas na sua retina e milhões de outras condições para possibilitá-lo, como adulto, a responder seletivamente ao ventre vermelho do rival. Por maiores que sejam as maravilhas da fenogenia, ela não pode, entretanto, extrair desses fatores a informação que simplesmente não está contida neles, isto é, a informação de ,que um rival é vermelho na parte inferior.

Precisamos estar claros sobre o que chamamos de um "elemento comportamental". Se os bebês Apistogramma de Kuenzer responderam seletivamente à certa configuração colorida grosseira, mas que corresponde suficientemente à coloração da mãe que eles têm que seguir, nós certamente precisaremos admitir um mecanismo nervoso que, entre outras inúmeras situações de possíveis estímulos visuais, selecione este em particular e o associe a padrões efetores filogeneticamente adaptados para deixar a pequena família junta. Este mecanismo é, obviamente, dependente de uma estrutura construída durante a ontogenia, na base de um plano genético. A função total da resposta específica aos padrões de cores maternais envolve funções diferentes das deste mecanismo, particular. Muitos dos processos que aparecem no caminho da estimulação sensorial à resposta são menos específicos que o último. Não só os processos de estimulação visual na retina, mas funções mais altamente integradas, como as de percepção (incluindo percepção de profundidade, constância de cor, etc.) são usadas em muitas outras respostas e/ou atividades do animal. Entre essas funções pode haver algumas que

necessitem informação ontogeneticamente adquirida para seu desenvolvimento completo. Mesmo a função de elementos retinais requer "prática"; é bem conhecido que elementos retinais são sujeitos a atrofia se não forem suficientemente usados. A faculdade da discriminação de ponto, provavelmente realizada pela retina ganglionar, é perdida em larga extensão se não praticada, mesmo que a luz difusa e imagens sem foco sejam impingidas à retina. Se a visão da pessoa é prejudicada durante um longo período por deficiências puramente óticas do olho, a discriminação de ponto permanece seriamente danificada mesmo depois da correção do aparato ótico, um estado de coisas denominado pelos oculistas de ambliopsia ex anopsia.

É questão de gosto escolher ou não chamar de aprendizagem quando uma atividade é necessária para a prevenção da atrofia e desintegração de um mecanismo fisiológico, mas isto pode ser tido como uma modificação adaptativa e pode muito bem envolver aquisição ontogênica de informação. O mesmo é verdadeiro para o lado efetor da reação. Mecanismos de orientação, padrões motores, etc., funcionando num esgana-gato que luta com o rival ou um bebê Apistogramma que segue a mãe, podem ser elementos de comportamento que ocorrem também em outros contextos. Entre eles, também pode haver alguns que necessitam de um influxo de informação individualmente adquirida para seu completo desenvolvimento funcional.

Estas modificações que adaptam os mínimos elementos específicos de'uma resposta mais específica são requisitos indispensáveis para um funcionamento apropriado do último. Eles necessitam, portanto, nunca ser esquecidos ou negligenciados nas nossas tentativas de analisar esta função. Em princípio, contudo, eles não são obstáculos para a solução de nossa questão fundamental concernente à procedência da informação subjacente a cada ponto do poder de adaptação no comportamento. Nem representam, quantitativamente, uma fonte muito séria de erro. O que pode ser negligenciado é o efeito de uma pequena adaptação sensorial que tornando um processo aferente um pouco mais seletivo, ou de uma pequena prática que suaviza uma coordenação motora. Mas há pequeno perigo, com a experimentação cautelosa (págs. 85 e 86) e com um experimentador que conhece suas armadilhas, de modo a que qualquer verdadeiro processo de aprendizagem, particularmente o condicionamento clássico, possa passar despercebido.

Não precisamos pensar que os pré-requisitos aprendidos para o funcionamento apropriado da informação inata sejam apenascriações dos tipos primitivos de modificação adaptativa do comportamento. O verdadeiro condicionamento figura entre eles. Um bom exemplo disto é fornecido pela resposta copulatória de alguns gansos. Os gansos acinzentados (Anser

anser), grandes gansos da neve (Anser hyperboreus atlanticus), e provavelmente muitos outros possuem informação filogenética perfeitamente boa sobre como um membro da espécie se comporta quando convida para copulação, mas eles têm que aprender como se parece um membro da espécie. A informação genética pode assim ser verbalizada: copule com um de sua espécie que está deitado na água e estendido na sua superfície. Gansos cinzas criados sem mãe, geralmente nascidos nos primeiros dias de maio, usualmente não encontram seus pais adotivos humanos nadando antes de junho (no nosso clima) 2 . Então eles regularmente tentam pisá-los. Como um nadador humano é mais longo do que qualquer ganso e também flutua mais profundamente na água, ele representa um objeto supernormal para a resposta copulatória de todos esses gansos que o consideram da mesma espécie. Mesmo em gansos muito jovens e também em fêmeas, que normalmente não mostram qualquer movimento copulatório, tentativas de pisadas podem ser provocadas confiavelmente por essa estimulação supernormal. Esses fenômenos não são definitivamente uma conseqüência do imprinting3

Muita modificação adaptativa ontogeneticamente adquirida do comportamento pode estar envolvida num todo funcional, tal como a luta com um rival no esgana-gato, seguir a mãe no Apistogramma ou a copulação no ganso, entretanto, isto não prejudica nem a correção nem a justificação da nossa afirmação de que certas partes da informação que fundamentam o poder de adaptação do todo e que podem ser verificadas pelo experimento de privação são inatas.

. O comportamento desses gansos é normal em relação aos seus objetos sexuais e eles não persistem em tentar copular com humanos. Nem eles tentam a copulação com outro objeto escolhido aleatoriamente que seja alongado e deitado na água. Essas propriedades configuracionais somente são efetivas como estímulos-chaves se elas pertencem a um objeto que os gansinhos aprenderam a conhecer como um membro de sua espécie, e essa aprendizagem é obtida por todos os muitos processos de condicionamento que unem os gansinhos a seus pais e a seus irmãos.

Obviamente é só para essa informação sozinha que podemos aplicar o termo inato. Não, podemos, entretanto, pensar num caminho para que essa informação possa ser expressa no comportamento adaptado que não seja pela fundão de uma estrutura neural. A propriedade distintiva dessa estrutura é selecionar, entre inúmeras outras situações de estímulos possíveis, uma que especificamente elicia a resposta. Esta propriedade é

2 Considera-se, evidentemente, o hemisfério Norte. (Nota do revisor)

3 Corresponde, em vernáculo, à estampagem. (Nota do revisor)

definitivamente um caráter da espécie. O mecanismo neural é um órgão e não um caráter. Um caráter, segundo o Oxford Engiish Dictionary é uma "marca distintiva".

Quando alguns geneticistas e, seguindo-os, muitos etólogos modernos acham que caracteres nunca poderiam ser chamados inatos, eu suspeito que eles estejam confundindo os conceitos de caráter e de órgão. O último, obviamente, não pode ser chamado inato e nem um padrão comportamental pode. A formulação de que não são caracteres mas diferenças entre caracteres que podem ser descritos como inatos é, em minha opinião, uma tentativa sem sucesso para chegar a uma definição operacional. Se criarmos dois ou mais organismos em condições idênticas, quaisquer diferenças mostradas por eles podem ser tidas como causadas por diferenças no genoma. Teoricamente está correto, mas duvido que a definição possa ser operacionalizada. Se criarmos um número de peixes larvais no mesmo tanque em "condições idênticas", por exemplo, com poucos crustáceos larvais presentes, os poucos peixes que conseguirem pegar essas poucas larvas crescerão mais rapidamente do que os que não as alcançaram. Como podemos prevenir, em princípio, fontes análogas de erro? Parece-me que a formulação oposta é, pelo menos, utilizável: chamando inatas as similaridades de caracteres que são desenvolvidas sob condições de criação dessemelhantes. Se observamos que todos os patos bravos — e muitos outros patos — quer criados na natureza quer em cativeiro, por suas próprias mães ou por um tratador humano, sob boas condições ou em condições altamente não-naturais, roncam do mesmo modo, sendo a amplitude da variabilidade quase desprezível nos limites da espécie, nossa afirmativa de que essa similaridade é inata, ou seja, baseada na informação genética, tem a mesma probabilidade de ser correta do que a afirmativa oposta, que diz que as dissimilaridades em organismos identicamente criados são inatas, é a similaridade de indivíduos que diz ao taxiólogo o que uma espécie realmente é, e ele nunca estava enganado ao aplicar esse conceito indubitavelmente genético mesmo no tempo de Linné.

Nossa pergunta, "De onde o organismo obtém a informação que fundamenta todo o poder de adaptação do comportamento?" conduz diretamente a questões mais especiais e mais gerais. O que governa a ontogenia, no corpo e no desenvolvimento comporta-, mental, é obviamente o plano hereditário contido no genoma e não as circunstâncias ambientais indispensáveis à sua realização. Não são só os tijolos e os cimentos que regulam a construção de uma catedral, mas o plano que foi feito por um arquiteto e que, obviamente, também depende da causalidade sólida dos tijolos e do cimento para sua realização. Este plano tem que permitir uma certa quantidade de adaptação que pode se tornar necessária durante a construção; a terra pode estar mais solta de um lado, necessitando reforçamento compensatório dos fundamentos. O plano filogeneticamente

adaptado do todo pode depender de partes subordinadas que se modificam adaptativamente. O futuro músculo exerce um efeito de modificação adaptativamente específico no ectoderma vizinho, fazendo com que este forme um tubo neural exatamente no lugar certo. A modificação adaptativa efetuada por uma parte sobre outra pode até mesmo tomar a forma de uma verdadeira aprendizagem. O gansinho "sabe inatamente" que deve copular com um membro da sua espécie esticando-se na superfície da água, mas ele deve aprender como e um membro da espécie. Qualquer dessas regulações adaptativas, entretanto, pressupõe pelo menos tanta informação contida no plano genético quanto quaisquer elementos de pouca ou nenhuma modificabilidade. Em outras palavras, o aparato que faz a modificabilidade adaptativa possível é por si só geneticamente planejada, e isto de uma forma muito complicada, particularmente se isto permite tanto espaço para regulações quanto encontramos na embriogênese.

Dado que todas as cadeias causais do desenvolvimento começam com a informação hereditária contida no genoma (e o plasma) do ovo, nossa primeira pergunta relativa à ontogenia de um organismo e seu comportamento é: "O que é planejado no seu genoma?" A segunda é: "Quais são as cadeias causais que começam nos planos dados no genoma e que terminam, através de desvios e freqüentemente por rotas altamente regulativas, por produzir estrutura adaptada preparada para funcionar?" Estamos conscientes de que os processos de crescimento podem ser separados dos de comportamento somente por uma definição injuntiva que permite intermediários. Pensamos, entretanto, que o processo de aprendizagem individual é suficientemente distinto de outros processos de modificação adaptativa, e particularmente daqueles que regulam o crescimento estrutural, que estamos justificados em deixar, pelo menos no momento, aos cuidados dos embriólogos experimentais, todas aquelas questões que são relativas às cadeias de causalidade fisiológica que vão do genoma ao desenvolvimento de estruturas neurosensoriais. Essas estruturas, como o mecanismo de liberação da luta com o rival do esgana-gato ou como aquela da resposta ao chamado do pintinho, do peru, devem, demonstravelmente, suas adaptabilidades específicas à informação adquirida na filogenia e armazenada nos genes.

Não sendo embriólogos experimentais mas estudiosos do comportamento, começamos a nossa investigação não no começo do crescimento, mas no começo do funcionamento de tais mecanismos inatos. Os modernos etólogos ingleses geralmente concordam que o conceito de "inato" é valioso e válido somente se definido como "não causado pela modificação". Esta definição cautelosa, tão verdadeira quanto for possível, estabelece somente o lado menos Importante do problema. O aspecto importante é que as estruturas filogeneticamente adaptadas e suas funções são o que afetam toda a modificação adaptativa. A respeito do

comportamento, o inato não é somente o que não é aprendido, mas o que existe antes de toda aprendizagem individual e que a torna possível. Assim, parafraseando conscientemente a definição de Kant do a priori, podemos definir nosso conceito de inato.

Esta definição é verdadeiramente operacional, como pode ser visto nas investigações de Schleidt e de muitas outras pessoas. Por outro lado, desafio alguém a botar em operação prática a definição alegadamente operacional proposta por Jensen. Quem tentar isto irá, provavelmente, morrer de velhice antes de alcançar resultados publicáveis. Conseqüentemente, a aceitação desta definição deve desencorajar qualquer investigador da ontogenia do comportamento.

Obviamente é a melhor estratégia de pesquisa se, na nossa tentativa de analisar a ontogenia do comportamento, primeiro nos concentramos na questão: "O que são os mecanismos de ensino?", e a segunda questão: "O que ensinam ao animal?". Ao fazer essas perguntas poderemos parecer negligenciar, ao menos no momento, aquelas "diferenças comportamentais" que não são "nem inatas (selecionadas) nem aprendidas (treinadas) mas algo diferente (produzido por outras operações)". Quando criamos, nos nossos experimentos, um organismo sob circunstâncias que são calculadas para reter dele alguma informação específica, fazemos o melhor para evitar aquela espécie de diferença no comportamento. Em outras palavras, tentamos produzir um indivíduo cujos planos genéticos tenham sido realizados ilesos no curso de uma fenogenia sadia. Se falhássemos, incorreríamos no perigo de confundir alguns defeitos no comportamento do nosso sujeito pelas conseqüências da informação retida, quando eles realmente são os resultados patológicos do crescimento retardado. Este perigo é muito grande se o investigador não está consciente dele, se ele não conhece o sistema de ações do seu sujeito às avessas e se ele não possui o que é chamado "olho clínico". Caso contrário, o perigo é quase desprezível.

Obviamente, o comportamento de um marreco (Aix galericulata L.) perfeitamente saudável, cujas respostas sexuais são fixadas pelo processo de imprinting, em patos bravos (Anas platyrhynchos L.) é também indubitavelmente patológico, particularmente do ponto de vista da sobrevivência, já que o pássaro se torna permanentemente incapaz de reproduzir. Mas não só sabemos qual o sistema comportamental que danificamos nesse marreco através da desinformação intencional fornecida a ele num estágio crítico da sua ontogenia, mas mesmo que não soubéssemos a história prévia do indivíduo, poderíamos ainda, com grande certeza, deduzi-la dos sintomas (págs. 85 e 86).

No presente capítulo, criticando a suposição de uma modificabilidade geral e difusa dos mecanismos comportamentais filogeneticamente adaptados, preciso somente dizer que a enorme diferença sintomática entre

defeitos comportamentais causados pela retenção de informação e defeitos "produzidos por outras operações" é, em si, uma evidência extremamente forte e conveniente contra essa suposição.

Finalmente, quero discutir um argumento especulativo, mas, para mim, um tanto convincente, contra a suposição de uma modificabilidade difusa do comportamento filogeneticamente adaptado através da aprendizagem. Já afirmei (págs. 20 e 21) que com a complicação crescente de um sistema adaptado, diminui a probabilidade de que uma mudança aleatória em qualquer de suas partes possa produzir outra coisa que não seja desadaptação. A força do argumento ilustrado pelo carro esportivo é grandemente multiplicada quando consideramos sistemas neurais realmente complicados, por exemplo, aqueles que realizam computações reais. A adaptação filogenética criou aqui mecanismos de uma complicação tão sutil que mesmo um ciberneticista fisiológico realmente brilhante é pouco capaz de adquirir uma compreensão razoavelmente completa da sua atuação. Depois de ler e reler cuidadosamente o trabalho de Mittelstaedt sobre o complexo mecanismo de retroalimentação que possibilita um louva-a-deus a visar um ataque preciso à sua presa, meu próprio entendimento deste mecanismo é insuficiente para permitir sensíveis sugestões para seu desenvolvimento. Assim, acho difícil acreditar que um inseto possa ser superior a mim mesmo a esse respeito, a não ser, é claro, que ele possua um mecanismo embutido de calibragem e ajustamento. Eu sustento que este tipo de mecanismo neural complicado precisa ser altamente refratário à mudança aleatória pela modificação individual. A complexidade e a precisão com a qual os processos de evolução dotaram esses mecanismos seria destruída imediatamente se a modificação individual através da aprendizagem fosse permitida intrometer-se com eles.

Mesmo no homem, mecanismos de computação desta espécie, particularmente os da percepção, são construídos de maneira que a aprendizagem não "penetre" neles. Apesar desses mecanismos muito freqüentemente realizarem funções análogas às operações racionais que Brunswik (1977) chamou de processos "racio-morfos", eles obstinadamente recusam ter algo a ver com processos racionais, ao menos a fim de permitir que eles sejam influenciados pela aprendizagem. Como von Holst (1955) mostrou, todas as assim chamadas ilusões óticas, com bem poucas exceções, podem ser tidas como resultados de operações racio-morfas que são levadas ao fracasso pela introdução de uma "premissa" errônea. Daí, uma computação perfeitamente lógica causa uma falsa conclusão. Esses mecanismos não só são inacessíveis à auto-observação, mas também refratários à aprendizagem.

Se considerarmos a aprendizagem como uma função específica que alcança um definitivo valor de sobrevivência, aparece como uma suposição

inteiramente infundada que a aprendizagem precisa necessariamente "penetrar" em todos os outros processos neurofisiológicos que determinam o comportamento. Não é, entretanto, essa consideração teórica sozinha que nos faz rejeitar essa suposição; toda evidência experimental e observacional, aponta esse caminho. Nenhuma vez a modificabilidade difusa foi demonstrada pela mudança experimental de elementos escolhidos arbitrariamente dos mecanismos comportamentais filogeneticamente adaptados. Por outro lado, inúmeras observações e experimentos tentam mostrar que a modificabilidade ocorre sempre nesses lugares preformados onde mecanismos embutidos de aprendizagem são filogeneticamente programados para realizar justamente esta função. O quanto, especificamente.esses mecanismos são diferenciados por uma função particular é revelado pelo fato de eles serem freqüentemente incapazes de modificar um sistema estritamente determinado dos mecanismos comportamentais. Abelhas podem aprender a usar formas irregulares, como as de árvores ou pedras, como indicadores para guiar um curso da e para a colméia; mas, elas não podem, mesmo através da técnica de condicionamento mais sutil, ser ensinadas a usar essas mesmas formas como sinais positivos e negativos indicando a presença ou ausência de comida numa cápsula como von Frisch (1914) mostrou. Cornosinais para comida, as abelhas podem distinguir formas diferentes somente se elas forem geometricamente regulares, de preferência, radialmente simétricas (Hertz, 1937).

Em outras palavras, a antiga e ingênua teoria de uma "intercalação" de mecanismos comportamentais individualmente modificáveis e filogeneticamente adaptados longe de ter sido refutada por novos fatos, provou concordar com eles de uma maneira surpreendente. Cientistas trabalhando em problemas inteiramente diferentes, tais como a seletividade de mecanismos inatos de liberação, navegação de pássaros, mecanismos de retroalimentação para a mira, ritmos circadianos etc., acharam que se a modificabilidade existisse, seria restrita a uma ligação particular na cadeia dos processos neurais que determinam o comportamento. Para demonstrar meu ponto, devo discutir uns poucos exemplos de aprendizagem "circunscrita". Como sabemos praticamente nada sobre processos fisiológicos que fundamentam os diferentes tipos de aprendizagem, esses exemplos podem ser classificados somente de um ponto de vista funcional.

ALGUMAS FUNÇÕES ESPECÍFICAS DA APRENDIZAGEM

Como Thorpe (1956) assinalou, o caminho filogeneticamente mais simples e mais antigo do comportamento adaptativamente modificado é o declínio e a interrupção da resposta a um estímulo biologicamente irrelevante, repetido constantemente num perfodo longo. Thorpe definiu este fenômeno que é geralmente chamado de habituação, como "o declínio relativamente persistente de uma resposta como resultado de um estímulo

repetitivo que não é seguido por nenhuma espécie de reforço". Enquanto, por um lado, esta definição dá ênfase à ordem de tamanho da duração como um ponto de discriminação entre habituação e fadiga e/ou adaptação sensória, por outro lado, implica um relacionamento fisiológico entre hábito e extinção condicionada da resposta. Eu uso cautelosamente essa fraseologia um tanto heterodoxa porque quero enfatizar que não apenas respostas condicionadas mas também "não-condicionadas" podem ser extintas por um processo de condicionamento. É uma resposta não-condicionada que faz o sapo (Bufo vulgarís L.) récentemente metamorfoseado pular sobre algum objeto móvel de tamanho conveniente, e é um processo de verdadeiro condicionamento, através do efeito de extinção da impossibilidade de realizar o ato consumatório de comer, que faz com que o filhote-do-sapo aprenda a não pular sobre gramíneas móveis e sobre outros objetos não-comestíveis (Eibl-Eibesfeldt, 1951). Este caso de habituação indubitável está exatamente de acordo com a definição de Thorpe. Há outros casos de habituação, entretanto, nos quais o reforço não têm, definitivamente influência na diminuição da resposta, como foi conclusivamente mostrado por Hinde (1960) no seu trabalho sobre a resposta desordenada dotentilhão (Fringilla coelebs L.). A habituação ocorre, além disso, em organismos como protozoários e celenterados, nos quais nenhum verdadeiro condicionamento poderia jamais ser demonstrado.

Eu proporia omitir, na nossa definição de habituação, as palavras "a qual não é seguida de reforço" e substituí-las por uma propriedade funcional da habituação. Novamente, foi Thorpe que enfatizou que a principal função de sobrevivência depende do fato de que a resposta somente é omitida na resposta a uma situação particular de estímulo que gerou a habituação. Certamente, é muito importante que a habituação poupe o organismo da necessidade de continuamente responder a estímulos que, apesar de primariamente eliciar uma reação, são de nenhuma relevância biológica. Um pássaro cujas respostas de fuga são liberadas primariamente por algo que se mexe, assim como por algo novo, nunca iria descansar, se não fosse pela habituação de recorrer constantemente a estímulos desta espécie. Essas vantagens da habituação seriam contrariadas por severos empecilhos, se a resposta a todos os outros estímulos que também o eliciam também sofressem um decréscimo. A função realmente supreendente da habituação e sobre a qual repousa seu valor de sobrevivência, é a eliminação da resposta do organismo aos estímulos biologicamente irrelevantes, regularmente ocorridos, sem enfraquecimento da sua reação a outros. Uma hidra pode, assim, negligenciar a turbulência de água, enquanto suas respostas a todos os outros estímulos que eliciam a contração continuam tão bem travados quanto sempre foram. O pássaro cessa o medo movendo ramos e deixando cair folhas sem deixar de ficar,

ainda que ligeiramente, menos respondentes a outros movimentos que possam expressar perigo.

Sugiro, como definição de habituação, a combinação das duas dadas por Thorpe: habituação é o declínio relativamente persistente da resposta a certos estímulos causados por seus repetidos impingimentos e não afetando o limiar da resposta no que diz respeito a qualquer outra situação de estímulo diferente da habitual. Isto caracteriza muito bem o que sabemos sobre o valor de sobrevivência do processo e, como sabemos muito pouco sobre sua causa fisiológica, é prudente nos limitarmos a uma definição funcional que inclui aqueles casos de habituação nos pais o condicionamento toma parte assim como aquelas nas quais não há essa participação.

As observações que se seguem ilustram a sutil seletividade da resposta adquirida pela habituação. No pato acínzentado o mecanismo inato que libera a resposta de fuga a um predador voador que compromete a espécie (a águia de rabo branco) é comparativamente simples e não-seletiva. A resposta é liberada, como Tinbergen mostrou nos experimentos conduzidos em Altenberg em 1937, por qualquer objeto que esteja no céu, que deslize vagarosamente — metido? em múltiplos de seu próprio comprimento —e suavemente sem qualquer movimento brusco de bater as asas (o que extinguiria a reação do ganso). De modo vagaroso, batidas medidas cie asas parecem desenvolver isto; entretanto, isto não foi confirmado experimentalmente. Como conseqüência do pequeno número e simplicidade desses estímulos-chaves, esta resposta de fuga pode ser liberada por muitos objetos diferentes das águias de rabo branco. Uma penugem escura flutuando suavemente sobre uma calma brisa, um pombo ou uma galinha deslizando no vento frontal que diminui seu progresso, um bútio ou um grande avião no céu são todos "modelos" que primariamente eliciam a resposta, assim como se dá na águia. Com a repetição de qualquer uma dessas estimulações, entretanto, a resposta-águia dos gansos declina muito rapidamente em virtude da habituação ser extremamente específica à estimulação que a provocou. O limiar da resposta ao bútio não é afetado pela habituação a aviões, nem o declínio da reação ao bútio e aviões, ambos freqüentes em nossa região, influencia a resposta provocada pelo aparecimento mais raro da garça cinza. Todas essas habítuações juntas não enfraquecem, de modo algum, a resposta a uma águia de cauda branca, se alguma viesse a surgir.

Um mecanismo de liberação filogeneticamente adaptado que nunca foi experimentalmente analisado mas que é certamente mais complicado que o discutido, elicia a intensa resposta "desordenada" que os gansos e outros Anatidae dirigem a uma raposa oculta no canto da água. Quando movíamos nossas aves aquáticas de 8uldern para uma área aberta na qual

raposas afluem perto do lago Ess, eu estava preocupado que o relativo destemor das aves em relação a cachorros e particularmente a meus mestiços de cão pastor alsaciano com o chinês (que, do ponto de vista do mecanismo de liberação, são raposas perfeitamente supernormais) pudesse prejudicar sua prudência em relação a esses perigosos predadores. A maneira dramática pela qual esse perigo foi evitado através da especificidade da habtuação para situações de estímulos altamente complexas foi o que inicialmente me fez perceber seu tremendo valor de sobrevivência.

Isto também me alertou para a existência de um problema inteiramente sem solução. A diminuição da resposta a uma repetida situação estimuladora é uma ocorrência muito geral, e não considero uma suposição segura dizer que isto é mais marcado geralmente em mecanismos de liberação menos seletivos do que em respostas seletivas e altamente específicas que decaem rápida e irreversivelmente, como Hinde mostrou na resposta desordenada do tentilhão.

Tentativas de prevenir essa diminuição através do reforço foram inteiramente sem proveito, e este fato nos coloca diante da questão se, em ambiente naturalmente selvagem, a resposta do tentilhão às corujas é rapidamente exaurida. Isto é difícil de se acreditar, considerando a alta seletividade e o óbvio valor de sobrevivência da resposta filogeneticamente adaptada. Em tais casos, a óbvia não-adaptabilidade da diminuição da reação sugere, definitivamente, o caráter errôneo do termo "adaptação" tal como é usado por muitos fisiologistas que lidam com os sentidos. Em gansos cinzas, a resposta de fuga eliciada pela imitação do chamado de atenção dos pais desaparece tão rápida e irreversivelmente quanto à resposta desordenada do tentilhão ao modelo de uma coruja. Entretanto, nenhuma diminuição é observada na resposta dos gansinhos ao aviso de atenção de seus pais verdadeiros, o que me faz suspeitar que possivielmente a rápida decadência possa somente ocorrer na resposta a uma estimulação subnormal da resposta específica. Outra possibilidade interessante pela qual Hinde foi o primeiro a se interessar, é que uma decadência estranhamente rápida da resposta é causada pela grande uniformidade das circunstâncias que acompanham a apresentação de estímulos numa organização experimental, enquanto que na vida selvagem, nenhuma resposta é eliciada ainda que duas vezes sob condições exatamente idênticas. Tem sido a experiência repetida dos etólogos que experimentam com simulados de todas as espécies que mostrou que a uniformidade de lugar ou de movimento, a regularidade de sons ritmicamente repetidos etc., causam uma decadência muito rápida da resposta. Meus próprios estudos, sobre a decadência da resposta de cortejo dos gansinhos como das reações aos chamados dos pais, a investigação de Kühme (1962) da resposta de cortejo do filhote de peixe cichilid e a pesquisa

de Schleidt (1961) sobre a reação de escape do peru liberado por predadores voadores estão, neste ponto, em perfeita concordância.

Ê, no presente estado de nosso conhecimento, um problema de pura especulação saber quais os mecanismos fisiológicos que podem causar a função de habituação cujo preciso valor de sobrevivência foi discutido nesse capítulo. Isto pode ser fisiologicamente muito semelhante à fadiga. Pode mesmo ser desenvolvido através do fenômeno fadiga que se tomou mais e mais específico no que diz respeito à situação de estímulo que o causou, mas seu presente valor de sobrevivência está na prevenção de certos efeitos da fadiga que podem ser prejudiciais à sobrevivência. Entretanto, uma afirmação que podemos fazer com alguma certeza é que processos fisiológicos muito diferentes podem tomar parte na obtenção deste valor de sobrevivência. Na habituação do ganso a cachorros, processos gestaltistas de percepção são indubitavelmente importantes, enquanto que na habituação da hidra à turbulência da água não o são. Se eu escolhi muitos exemplos nos quais a função específica da habituação é obtida sem a participação do condicionamento, eu assim o fiz apenas para mostrar que isto ocorre, e não para negar o irrefutável fato que a mesma função pode ser, e muito freqüentemente é realizada por um condicionamento negativo, como no caso dos sapos recentemente metamorfoseados de Eibl-Eibesfeldt. Salientar o fato no qual a habituação não é, a princípio, idêntica ao condicionamento negativo, pareceu-me importante porque o mesmo é verdade em relação à outra função específica da aprendizagem, que é o assunto do próximo capítulo.

AUMENTO DA SELETIVIQADE EM RESPOSTAS NÃO-APRENDIDAS, ESPECÍFICAS A UM ESTÍMULO

Na linguagem comum, a expressão "ficar habituado" ou "se acostumar" a uma situação estimuladora pode também significar o oposto do processo que foi discutido. Neste caso, uma combinação adicional de estímulos é trançada num todo inseparável com os estímulos-chaves que, inata e originalmente, são efetivos na liberação da resposta; entretanto, apesar de no processo de habituação, a nova situação estimuladora, adquirida após inúmeras repetições extinguir a resposta inata aos estímulos-chaves contidos nela, o processo aqui discutido extingue a resposta a todas as outras situações de estímulos, mesmo que eles também contenham todos os estímulos-chaves de liberação. Como o discutido no Capítulo 4, esse processo pode ser concluído sem a participação do condicionamento.

Imediatamente depois da incubação, um ganso cinza reagirá a qualquer objeto que em resposta a seus sinais de necessidade (pio perdido) pronuncia sons rítmicos com uma grande variação de pio. Depois do processo de imprinting (pág. 56) ao deixar o ninho, seguirá sua mãe ou o

boneco que supriu estimulação suficiente para a estampagem. Nesta hora, ele pode distingui," sua mãe de um homem ou de um boneco mas ele está preparado para seguir qualquer outro ganso. Alguns dias mais tarde, ele seguirá somente sua mãe e reconhecerá seu chamado de uma distância considerável, respondendo de preferência a um estímulo idêntico, vindo de uma mãe que está mais perto e que lidere gansinhos de sua própria idade. Não há evidência de que toda a extinção condicionada da resposta toma parte nestes procedimentos. Gansinhos que passaram fora do ninho os primeiros dias ou horas, perderam suas mães e depois das mais cansativas experiências a encontraram novamente, não têm menos probabilidade de perdê-la novamente do que aqueles que não passaram por esse castigo, mas significativamente mais propensos a perdê-la. Em muitas espécies de pássaros a resposta dos pais a seus filhotes passa por um acréscimo similar na seletividade, também sem nenhum condicionamento negativo a outras situações. Imediatamente depois de chocar seus próprios ovos eles aceitarão qualquer filhote de idade aproximadamente igual, mas, mais tarde, eles reconhecerão os seus filhotes individualmente e se recusarão a tomar conta dos estranhos. Sob essas condições anormalmente uniformes de cativeiro, esse acréscimo de seletividade reacional pode levar a uma estranha forma de "pedantismo". Velhos pássaros de gaiola que têm comido da mesma bandeja de comida por muitos anos irão persistentemente recusar comer em outra bandeja ou no chão. Em todos esses casos, o mecanismo de liberação filogeneticamente adaptado é suplementado por um grande número de condições adicionais que devem ser preenchidas para que o façam responder. Esse acréscimo na seletividade toma parte sem qualquer condicionamento negativo, como era bem conhecido pelos investigadores clássicos da resposta condicionada.

Um processo intimamente relacionado ao descrito é o que chamamos imprinting. é uma regra antiga dizer que nenhum mecanismo de liberação filogeneticamente adaptado é mais seletivo do que é necessário para evitar que a resposta seja liberada por um objeto que não seja o objeto filogeneticamente adequado, com maior freqüência do que é compatível com a sobrevivência da espécie. Em casos nos quais a experiência individual tem oportunidade de aumentar a seletividade do mecanismo de liberação, o último pode "se dar ao luxo" de confiar em informação inata muito simples e generalizada, particularmente se a situação biológica geral garanta que o tipo apropriado de experiência começará no momento certo. Em tais animais superiores que ou têm hábitos sociais ou que desempenham cuidados parentais, respostas aos da mesma espécie usualmente dependem de mecanismos de liberação simples e, portanto, não-setetivos, enquanto que o ambiente social do animal jovem fornece as condições para uma aprendizagem adicional, e essa aprendizagem rapidamente edifica um alto grau de seletividade nos mecanismos que liberam respostas sociais.

Em alguns casos, uma limitação muito estrita deste processo de aprendizagem para um período definido na vida de um indivíduo compensa pela simplicidade e pela falta de seletividade do mecanismo de liberação a ser desenvolvido pela aprendizagem. Num ganso cinza, o mecanismo que libera a resposta de acompanhamento do gansinho recém-nascido consiste de organizações receptoras que correspondem somente a três configurações que agem como estímulos-chaves: (a) barulho que abrange grande extensão, ocorrendo em "resposta ao pio perdido" do gansinho; (b) movimento de um objeto afastando-se do gansinho; e (c) sons rítmicos vindos do objeto. O gansinho, rastejando-se para fora de uma chocadeira artificial depois da secagem sentará em frente dela e depois de um curto tempo exprimirá o pio perdido. Se a chocadeira é adaptada com um pequeno microfone ou uma simples cigarra e responde ao "pio perdido" através de um barulho, o gansinho fica silencioso e olha para a chocadeira. Se isto é continuado até que o pássaro esteja pronto para deixar o ninho, ele seguirá a chocadeira quando ela for, pela primeira vez, levada embora do seu lugar.

Depois desse processo, que, obviamente, ocorre do mesmo modo entre um gansinho e sua mãe verdadeira, a resposta de acompanhamento é fixada no objeto em questão. Esta fixação é irreversível, pelo menos enquanto uma substituição de um objeto diferente resulta num decréscimo da intensidade da resposta. Apesar de estar indubitavelmente sujeito à nossa definição de aprendizagem, esse processo é distinto do nosso conceito de condicionamento em muitos aspectos interessantes. 0 primeiro, e provavelmente o mais importante, é que uma resposta se torna condicionada a uma situação de estímulo altamente específica sem ter sido liberada. Isto é particularmente surpreendente em muitos casos conhecidos de imprinting sexual. O segundo, e ainda incompreensível ponto, é a qualidade genérica desta fixação do objeto de uma certa resposta. Nos experimentos de Schutz (1963, 1964) sobre estampagem sexual, seus sujeitos, na maioria patos selvagens, foram mantidos, durante as primeiras sete ou oito semanas de suas vidas exclusivamente em companhia das mães e/ou irmãos de outra espécie de patos. Depois disso, eles foram liberados no lago Ess. Invariavelmente eles se reuniam a outros patos selvagens até o despertar de suas respostas sexuais. Na maioria dos casos, elas eram dirigidas a membros da espécie com os quais eles foram criados sem preferência a um único animal.

Similarmente, uma resposta de acompanhamento de gansos torna-se estampada "a gansos" ou "a seres humanos", mas é ainda um enigma intrigante a situação de estímulo particular representada por cada um desses conceitos. O gansinho com estampagem a humanos irá evidentemente recusar a seguir um ganso ao invés de um ser humano, mas

ele não diferenciará entre uma criança, uma moça elegante e um homem velho, grande e com barba.

Durante os dois primeiros dias depois de deixar o ninho, o gansinho segue os pais e há um segundo surpreendente aumento na seletividade de sua resposta de acompanhamento. Neste meio tempo, ele aprendeu a reconhecer pessoalmente os pais e nunca mais irá confundi-los com outro par de gansos, mesmo se eles estiverem guiando um bando de filhotes da mesma idade.

Provavelmente, os dois processos, que em duas etapas, aumentam a seletividade do mecanismo, fazendo os gansinhos seguirem pais, são fisiologicamente diferentes. Os dois processos podem ocorrer independentemente, como mostrado pela falta de um ou de outro em certas espécies. No pato Cairina moschata, por exemplo, é fácil fazer com que outras espécies de Anatidae elidem as respostas sexuais deste pato através do uso de membros desta outra espécie como pais adotivos. Patos assim tratados copularão com qualquer pássaro da espécie com a qual ocorreu a estampagem, mas eles nunca reagem a seu parceiro individualmente pela simples razão dos patos Cairina moschata não fazerem isto a seus congêneres. Pelo contrário, as fêmeas dos patos bravos e a cerceta européia não podem, pelo que sabemos, ser sexualmente estampadas em outras espécies porque suas respostas sexuais dependem tremendamente do estímulo-chave vindo da plumagem nupcial do macho da sua espécie.

Os exemplos até agora citados, para ilustrar o aumento da seletividade nas respostas a uma repetida situação estimuladora específica impingida, foram escolhidos propositadamente para mostrar que este processo pode ocorrer sem a participação de um condicionamento verdadeiro que envolva reforços. Obviamente, um mecanismo de liberação originalmente não-seletivo também pode ser mais seletivo através do condicionamento verdadeiro, em outras palavras, reforçando-se a resposta àquela situação particular e extinguindo-o a todas as outras. Isto é o que acontece no caso do sapo comum recentemente metamorfoseado.

CALIBRAÇÃO DE MECANISMOS DE MIRA, AJUSTAMENTO DE COMPUTADORES E ESTABELECIMENTO DE "RELÓGIOS INTERNOS"

Uma espécie peculiar de modificabilidade circunscrita é "construída dentro" de mecanismos filogeneticamente adaptados altamente diferenciados, tais como os de mira, de computadores complicados que calculam os pontos da bússola com base na informação dada pelo movimento do sol, ou dos relógios internos cuja função é um pré-requisito a computadores de navegação, é pelo menos duvidoso se algum desses processos modificatórios tenha algo a ver com o estabelecimento de

respostas condicionadas, apesar de que, no sentido de nossa definição propositadamente ampla, eles realmente representam "aprendizagem".

Como Mittelstaedt mostrou no caso do aprisionamento de presas em mantídeos, mecanismos de mira podem consistir de ciclos regulatórios muito complicados nos quais a informação derivada da mudança da imagem retinal ou dos proprioceptores é realimentada na atividade da organização motora de tal maneira que alcance um ótimo ajuste entre as exigências conflitantes de rapidez e a precisão de mira. Neste círculo de retroalimentação, uma articulação afetando a calibração não é uma necessidade lógica, mas sua existência talvez possa ser concluída através do fato de em alguns casos as conseqüências de operações que perturbam o ciclo regulatório são compensadas, pelo menos parcialmente, depois de um certo tempo. Galinhas recém-saídas do ovo que Hess (1956) preparou com prismas de vidro causando uma mudança lateral de ambas as imagens retinais da mesma direção nunca aprenderam a compensar esse deslocamento aparente do objeto mirado. Prismas simétricos, que fazem o alvo parecer estar mais perto do que está, fizeram com que as galinhas primeiramente bicassem mais proximamente mas, gradualmente, elas aprenderam a corrigir isto. Proprioceptores pareciam participar desta adaptação, porque eles somente trabalhavam se a comida que as galinhas bicavam estivesse no mesmo plano dessas aves. As aves bicavam persistentemente aquém da comida que parecia flutuar sobre a superfície pois ela se apresentava nos finais de finos arames.

Em formigas que, como foi sabido por muito tempo, estão aptas a se dirigir ao ninho guiando-se pelo sol, Jander (1957) mostrou que a aprendizagem é construída num lugar estritamente definido do sistema regulador altamente complicado correndo do ninho, o inseto está sob a permanente e imutável influência de uma fototaxia positiva e/ou uma geotaxia negativa que, como geralmente acontece com insetos, são mutuamente intercambiáveis. Quando a "disposição de sair" muda para a "disposição de ficar", o sinal dessas taxias muda simultaneamente — esta mudança de sinal é o que faz a formiga voltar. O mecanismo que impede o inseto de fazer mais do que cegamente obedecer essas simples taxias e

que o dota de habilidade de seguir um curso "voluntariamente" escolhido ou correr ao longo de um caminho aprendido que vai e volta do ninho a uma fonte de comida é um mecanismo nervoso central adicional e complexo que, como as taxias, também gera impulsos para voltar e sobrepõe o último sobre os afetados por taxias constantes. Ao contrário do último, esta "ordem para voltar" (Drehkommando) muda de intensidade com um número de fatores. Esta intensidade determina a magnitude do ângulo com o qual o inseto se desvia do curso ditado pelas simples taxias. A magnitude deste ângulo depende de dois mecanismos. Um computa os

pontos da bússola da informação suprida pelo movimento do sol; o outro é um "no qual a aprendizagem entra";ou seja, a formiga é capaz de integrar o padrão universal de estímulo ótico que é característico dos recintos do ninho de maneira que determina o "centro de gravidade" da iluminação. A formiga usa isto como um marcador para guiar um curso, mantendo um ângulo constante. Os desvios são controlados por outro mecanismo de integração que é capaz de registrar e "relembrar" a seqüência na qual, no caminho do e para o ninho, os marcadores se seguem (integração de seqüência de estímulos).

Depois de investigar a complexa interação regulativa dentro deste mecanismo de orientação, Jander representou isto na forma de um diagrama cibernético que corresponde a fatos ao menos enquanto cada "caixa" do diagrama corresponder a uma função real que foi isolada experimentalmente de forma exitosa. Pode ser mostrado que os resultados computados pelo mecanismo que compensa os movimentos do sol assim como os processos de aprendizagem têm uma influência direta na "ordem para voltar".

Um caso, que de uma maneira particularmente surpreendente ilustra o poder de adaptação filogenética específico dos processos de aprendizagem e o modo com que eles são "construídos dentro" de complicados sistemas neurais num lugar estritamente definido, se relaciona com a orientação através do sol em alguns peixes-lua (Centrarchidae} e peixes (Cichlidae). Braemer e Schwassmann (em preparação) encontraram uma importante diferença entre peixes desses dois grupos. O peixe-lua existe somente nohemisfério Norte.

Quando criados em luz artificial, eles são capazes, no seu primeiro' encontro com a luz real, de se guiar através do movimento do sol como eles fazem no seu habitat, da esquerda para direita. Quando confrontados com o sol se movendo na direção oposta, como ocorre ao sul do Equador, eles persistem computando os pontos da bússola na "suposição" de que o sol se move como no Norte. Bem diferente do peixe-lua, os filhotes de Cichilidae, Acquidens portalegrensis, criados na mesma maneira são capazes de se dirigir pelo sol tanto ao Norte quanto ao Sul, dependendo somente do caminho que o sol seguiu quando eles o viram primeiramente. Como a distribuição das espécies alcança o Norte e o Sul do Equador, ambas as .faculdades de computação são obviamente necessárias para isso.

Outro mecanismo modificatório comparativamente simples construído em complicados sistemas filogeneticamente adaptados é o efeito do "doador de tempo" (Zeitgeber) na "fixação" do "relógio interno" de muitos ritmos circadianos. Como Aschoff (1962) mostrou, nenhum dos "cronômetros", cuja função é o pré-requisito dos mecanismos que computam os pontos da bússola da direção na qual o sol está num dado

momento, e quase tão exato quanto qualquer relógio de fabricação humana. Eles são ou rápidos ou vagarosos em uma considerável quantidade; e eles têm que ser "ajustados" novamente diariamente para que possa preservara informação do organismo relativa ao tempo. Esse "ajustamento" do relógio é efetuado por uma resposta modificatória a um estímulo externo direta ou indiretamente medido por processos astronômicos, na maioria das vezes pela mudança da luz ou temperatura. Essa inexatidão do relógio e a necessidade de seu reajustamento diário é um problema aos investidores de processos rítmicos que no caso raro em que eles encontram um relógio que, sob uma estrita privação do estímulo de doação de tempo, continua funcionando exatamente vinte e quatro horas por dia, eles não tendem a concluir que o relógio está exato, mas que a organização experimental não o esteja, em outras palavras, que um doador de tempo oculto está trabalhando.

Em todos os casos investigados, a velocidade do mecanismo do relógio quando correndo livremente não era mudada por doadores de tempo que efetuam um ajustamento diário do relógio. Em outras palavras, não há registro de caso em que a modificação efetuada pelo doador de tempo fizesse o que o relojoeiro faria para ajustar o pêndulo ou a mola da balança. O efeito estava invariavelmente confinado ao que o leigo faz ao ajustar os ponteiros do seu relógio, que é exatamente o que se esperaria tomando por base as considerações das págs. 47 e 48.

INTEGRAÇÃO FUNCIONAL DE PADRÕES MOTORES ATRA VÊS DA APRENDIZAGEM

É altamente característico da ontogenia do comportamento em animais superiores que um padrão motor filogeneticamente adaptado faz sua primeira aparição numa forma toleravelmente completa, ou pelo menos reconhecível, senão numa situação biologicamente inadequada. Um filhote de cachorro realiza seu movimento de agitação, adaptado ao ato de matar a presa, com os sapatos de seu dono como objeto ou o padrão motor de enterrar restos de alimentos no canto do chão de uma sala. No seu estudo clássico sobre apetites e aversões, Craig (1918) demonstrou, de uma maneira magistral, que o mecanismo filogeneticamente adaptado do ato consumatório em si é construído para dar ao indivíduo o "conhecimento" da situação ambiental na qual se descarrega o padrão motor em questão. Craig ilustrou o princípio através da descrição gráfica de um filhote de pombo aprendendo "a obter a estimulação adequada para uma reação consumatória e assim satisfazer seus próprios apetites". Esses movimentos do ato consumatório são, como Craig acentuou, completamente inatos. Craig os considerou uma verdadeira cadeia de reflexos. No entanto, não hesitou em atribuir ao pássaro experiências subjetivas altamente agradáveis relacionadas com a realização do ato consumatório. Quando a

um filhote de pombo, maduro sexualmente, mas sem experiência, é fornecido um ninho pela primeira vez, ele não o reconhece logo:

Mas cedo ou tarde ele o tentará, como tentou todos os outros lugares para a chamada, do ninho, e em tal tentativa o ninho, evidentemente, lhe dá uma estimulação forte satisfatória (o estímulo apetecido) que nenhuma outra situação o deu. No ninho, sua atitude se torna extrema: ele se abandona a uma orgia de chamado do ninho (ação consumatória completa), voltando-se para o ninho, apalpando a palha com suas patas, asas, peito, nuca e bico e revolvendo-se com amplos e novos estímulos.

Por muito que um defensor da terminologia objetiva possa criticar esta descrição, o fato é que nos mostra que esse filhote de pombo está, assim, efetivamente condicionado ao ninho.

Os processos de aprendizagem que Eibl-Eibesfeldt (1955-1963) investigou nos roedores e em pequenos carnívoros ilustra esse mesmo princípio. Ratos de laboratório, criados de maneira que eles não pudessem ganhar nenhuma experiência na utilização de objetos sólidos e mesmo privados de seus próprios rabos (depois de ser observado que eles realizavam a construção do ninho com este membro como um objeto substituto), desenvolviam imediatamente um número de padrões motores completos de construção do ninho quando Eibl-Eibesfeldt ossupriu com material adequado. Longas seqüências de movimentos, como sair, apanhar material, voltar e depositá-lo ou arrumá-lo num amontoado circularem volta do futuro centro do ninho, acolchoando a parede interior, socando-a com um material macio através de movimentos alternados das patas da frente, ou manufaturando material macio através da divisão longitudinal de fios grosseiros etc., eram indistinguíveis daqueles de animais do grupo de controle, normalmente experientes, mesmo na análise de filmes em câmara lenta. Os processos de aprendizagem subseqüentes ainda provaram ser indispensáveis à integração desses padrões motores dentro de um todo funcional.

Se a gaiola estivesse inteiramente destituída de estrutura que, através da eliciação de uma resposta filogeneticamente adaptada, marcasse uma localidade preferencial do ninho, o rato teria que decidir, através da aprendizagem, o lugar onde depositar o material do ninho que estivesse carregando. Indivíduos que, a despeito da completa falta de estrutura dentro da gaiola, formaram o hábito de dormir num certo canto, começaram a construir ali imediatamente assim que era oferecido o material, sem nenhum ensaio-e-erro preliminar. Um abrigo de lata de aproximadamente duas polegadas era suficiente para dirigir os primeiros atos de construção de um rato inexperiente à cobertura que este abrigo oferecia. Os movimentos de acúmulo e acolchoamento eram freqüentemente observados quando o rato carregava duas ou três tiras de papel que estavam no chão. O movimento

era então realizado, em coordenação perfeitamente normal, numa polegada ou mais sobre o material do ninho, sem nunca tocá-lo. Isto nunca acontece num rato normalmente experiente. Ele não irá ajustar o movimento à altura obtida do material do ninho acumulado, mas ele não irá realizá-lo de forma alguma até que o amontoado tenha alcançado a elevação necessária para levá-lo ao padrão motor fixado.

Obviamente é o efeito reforçador da situação consumatória com todas as referências próprio e exteroceptoras que aparecem, sob condições ambientais adequadas que, no seu efeito conjunto, ensinam ao animal o que fazer ou, por sua ausência desapontadora, o que não fazer, e, particularmente, em que seqüência usar de outra maneira inalteráveis padrões motores fixos. A informação relativa à situação ambiental biologicamente "correta" está neste caso não só contida na organização de padrões receptores sozinhos, mas também, essencialmente, no próprio padrão fixo que produz as referências reforçadoras somente se condições ambientais muito definidas são preenchidas. Não vejo como um estudo completo das funções da aprendizagem de uma espécie pode ser realizado sem uma investigação de seus padrões motores fixos e as situações de reforço consumatório que pertencem a cada uma delas.

Esta função específica de aprendizagem é diferente das descritas nos capítulos anteriores no que diz respeito a um ponto importante: ela depende de um gradiente de mudança de situações de estímulos reforçadores mais e menos efetivos. Psicólogos intencionais, particularmente Tolman (1932), têm sempre enfatizado corretamente que a aprendizagem deste tipo só pode tomar parte exclusivamente no contexto do "intencional", ou, como deveríamos chamá-lo, comportamento apetitivo. Se o último é dirigido à liberação de um movimento instintivo ou a um estado de tranqüilidade, em outras palavras, se é um apetite ou uma aversão na terminolo gia de Craig, isto não é essencial na presente questão, porque o efeito do condicionamento ou "recompensa" é diferente da "punição"

apenas no sinal. A informação sobre a situação adaptativa ótima de estímulo consumatório é, obviamente, filogeneticamente adquirida. O mecanismo que assim dirige o processo de aprendizagem para o valor de sobrevivência está situado nos processos receptores seletivos constituindo o lado aferente de um "reflexo não-condicionado" que, como é sabido através do trabalho de Pavlov, é a base indispensável para a formação de qualquer resposta condicionada.

Sempre que observarmos o ensaio-e-erro seguido por uma subseqüente modificação adaptativa do comportamento, a suposição do condicionamento pavloviano é justificada. Respostas condicionadas de segunda e terceira ordens podem ser vinculadas, formando cadeias as quais os intencionalistas chamariam de relacionamentos finais. Processos

de aprendizagem deste tipo podem assim realizar funções de sobrevivência de uma complexidade praticamente ilimitada.

A FORMAÇÃO DE HÁBITOS DE TRAJETO

Possivelmente, os hábitos de trajeto descobertos em muitos animais superiores estão baseados naquelas cadeias de respostas condicionadas. Sendo assim, o processo de sua aquisição seria diferente do mecanismo que possibilita às formigas (págs. 59 e 60) de achar seu caminho para o ninho. Se por exemplo, um rato está seguindo um curso tomando como base a informação do momento fornecida por estímulos de orientação que, da maneira discutida nas páginas 17 e 18 libera taxias sob a forma de respostas não-condicionadas, seu comportamento é muito diferente do de outro rato que está correndo ao longo de um caminho bem conhecido. A diferença entre uma conduta condicionada e uma não-condicionada na busca de caminho é então dramaticamente trazida a nós. Se um animal está aprendendo um labirinto elevado (Hochlabyrinth),e\e pro cede primeiramente com a máxima deliberação, explorando constantemente sua vizinhança com suas vibrissas, parando literalmente a cada passo, e mesmo de tempos em tempos, voltando seus passos por uma pequena distância. Depois de três ou quatro repetições, entretanto, o procedimento de palpitação — apalpação é interrompido em certos lugares por pequenas extensões de corridas rápidas e suaves. Essas superfícies, apesar de começarem regularmente nos mesmos pontos do curso do animal, tendem a se tornar maiores a cada repetição. Novas aparecem; elas tocam e se fundem e, quando os pontos de fusão estão bem lisos, o rato corre sobre o seu trajeto em uma única seqüência altamente habilidosa de coordenações motoras. Ocasionalmente, pontos definidos de ligeira hesitação persistem, mais ou menos como acontece em crianças recitando poemas.

Quando um animal adquire um hábito de trajeto sob as condições de seu habitat natural, esses dois processos (primeiro, a suave apalpação que, obviamente, trabalha para o ganho de informação detalhada sobre a estrutura do campo, e, em segundo lugar, a corrida tranqüila, "habilidosa" na base de informação já coletada) são distribuídos, pelo menos no começo do processo de aprendizagem, entre as duas direções nas quais o animal cruza o trajeto. Organismos (pomacantídeos, lebres-marinhas e outros peixes altamente territoriais, lagartos, musaranhos, pequenos roedores etc.) que "decoram" os cursos nos quais eles se encontram, comportam-se da maneira como quando postos num ambiente totalmente desconhecido por eles. Todos imediatamente procuram abrigo no esconderijo mais próximo. Somente depois de se aquietarem é que começam a explorar o novo ambiente. Saem muito vagarosamente a uma distância muito pequena que, inicialmente, não excede o tamanho de seu próprio corpo, todos os sentidos alertas e então rapidamente voltam para o abrigo, como se um forte estímulo que eliciasse fuga tivesse sido aplicado. A confiança aumenta com

o domínio de superfícies cada vez maiores de hábil locomoção que guia de volta à segurança até que todos os pontos do novo ambiente sejam relacionados perfeitamente por suaves hábitos de trajeto ao abrigo que, em muitos casos, será trocado por um mais adequado durante o "reconhecimento" do seu novo território. No interesse da sobrevivência é obviamente mais importante que a trajetória ao abrigo seja realizada através de uma única seqüência de hábeis movimentos, e que não se torne mais lenta por causa dos tempos de reação de muitos mecanismos de Orientação, É de menor conseqüência que o caminho para fora deva ser realizado perfeitamente. O peixe coral quando sai de seu abrigo para expulsar um transgressor do seu território dá ocasionalmente a impressão de usar, mesmo no percurso para a saída, um hábito de trajeto regular; mas não sei se alguma vez vi um rato ou outro roedor sair do abrigo na típica maneira habilidosa a não ser que vá em direção à sua casa.

Na primeira edição do seu, agora livro clássico, Die Orientierung der Tiere im fíaum (1919), Kühn descreveu um mecanismo comportamental que denominou mnemotaxia, ou seja, orientação através da memória, um mecanismo que ele mais tarde considerou mais uma possibilidade teórica do que um processo real. Ele deixou a palavra passar em branco nas últimas edições de seu trabalho. 0 princípio geral deste mecanismo de orientação é que uma cadeia de engramas de estímulosextero e proprioceptores que correm paralelos e que são normalmente checados por uma seqüência correspondente de estímulos exteriores aplicados assim que o organismo se move ao longo do seu trajeto. Isto é exatamente o que parece acontecer em alguns animais que ficam muito restritos aos seus caminhos habituais. Kühn abandonou o conceito da mnemotaxia porque muitos animais podem desviar do seu caminho e continuar orientados, e isto não poderia ser explicado pelo princípio. Ainda em musaranhos aquáticos (Neomys fodiens L.), Luther (1936) e eu, independentemente, observamos que o animal tem que se manter na trilha, e que isto "descarrilha" se um mínimo detalhe é trocado ao longo da linha de conduta que o animal "decorou". Exatamente isto deveria ser postulado se o primeiro conceito de mnemotaxia de Kühn fosse correto. O hábito de trajeto do musaranho pode ser considerado uma cadeia de padrões locomotores, cada um condicionado a seguir ao seu precedente e também condicionado a uma série de estímulos exteroceptores em concordância com o conceito de "homofonia mnemônica" de Kühn.

Verdadeiras mnemotaxias, entretanto, parecem ser raras, caso especial entre os mecanismos que possibilitam os animais a cursar um caminho conhecido. Ao contrário dos musaranhos, a maioria dos organismos visualmente orientados independe da posição do animal no espaço à medida que marcações pertinentes estão sendo vistas. Na realidade, a última habilidade de orientação por meio de marcações implica

numa computação de complexidade relativamente pequena. A velocidade própria do animal, a distância e a mudança angular da marcação visual precisa ser levada em consideração sempre que o organismo prova ser apto a guiar um curso através de uma única marcação, o que, certamente, mesmo insetos estão aptos a fazer. Tinbergen propôs o termo pharotaxia para este tipo de orientação.

Pharotaxia múltipla, que possibilita o animal acertar sua posição a cada uma das marcações de algum ponto possível dentro do espaço conhecido pelo animal, é funcionalmente equivalente ao insight espacial dentro da estrutura da área em questão. Há todas as gradações possíveis entre esta maneira de dominar os problemas de espaço e a mera "decoração" de todos os possíveis caminhos numa dada área. Relações similares podem prevalecer entre elas e o verdadeiro insight espacial. Um elemento de aprendizagem e retenção está certamente contido em todos os processos não-analisados que, por falta de um termo melhor, chamamos insight, já que necessariamente ocorre um espaço de tempo apreciável entre a recepção de estímulos vindos de objetos no espaço e o processo de sua representação central.

APRENDIZA GEM MOTORA

No reino animal a aprendizagem receptora não aparece somente num nível muito abaixo da organização neural, mas geralmente é mais importante do que a aprendizagem de novos padrões motores. A meu ver, Storch (1949) foi o primeiro a chamar a atenção para este fato. Todas as funções específicas da aprendizagem até aqui discutidas estão baseadas na modificação adaptativa de processos dentro do receptor, ou lado aferente, da organização neural. Possivelmente os hábitos de trajeto mnemotaxicamente controlados de musaranhos (pág. 67) podem ser considerados uma exceção porque, no caso deles, as diversas coordenações locomotoras elementares primariamente independentes são unidas numa só seqüência coordenada que pode justificadamente ser chamada de um movimento de aprendizagem, dependendo da definição arbitrariamente escolhida por cada um.

Toda "aprendizagem motora" dos pássaros e mamíferos "inferiores" é desta espécie. Elementos motores identificáveis, cada um deles filogeneticamente adaptado, são unidos numa única seqüência "habilidosa" e o valor adaptativo adquirido através da aprendizagem reside no caminho firmemente regular no qual os elementos seguem uns aos outros sem empecilhos e sem atraso por tempos de reação decorridos entre eles. Mesmo em pássaros, o completo domínio das difíceis manobras aéreas que sco necessárias pela complicada estrutura dos obstáculos no espaço geralmente realizadas desta maneira. Patos cavadores de tocas, por exemplo, sempre levam muitas semanas para aprender como fazer uma

aterrissagem numa entrada desfavorável de uma caverna, e a duração deste processo é fornecida de uma maneira simples e efetiva no sistema de ações da espécie em questão. A "caça à casa" começa meses antes da postura de ovos.

Duvido firmemente que as coordenações motoras de padrões motores filogeneticamente adaptados sejam modificadas pela aprendizagem. Considero improvável que um desenvolvimento seja afetado pelo exercício, comparável ao aquecimento de uma máquina. Esta suposição é tão difícil de ser sustentada quanto de ser refutada. Se o organismo em maturação tem toda oportunidade de exercitar e uma melhoria gradual de padrões motores é observada, isto pode estar ligado a uma pura maturação. Se, por outro lado, o jovem animal é privado desta oportunidade e o desenvolvimento de certos padrões comportamentais mostra um prejuízo, a possibilidade do último ser realizado pela atrofia causada pela inatividade nunca poderá ser excluída.

A extensão em que um padrão motor filogeneticamente adaptado como um todo pode ser colocado sob a influência do condicionamento é uma questão que tem sido investigada num sucedido experimento de Verplanck (1954). Ele me contou sobre esse experimento há alguns anos, mas, por incrível que pareça, ele nunca publicou os resultados. Eie tentou reforçar um freqüente padrão motor de patos à sacudida do bico oferecendo uma recompensa assim

que o pássaro realizasse isto. Os patos bravos nunca aprenderam a produzir uma sacudida normal do bico "por vontade", mas logo que viam o experimentador virar o tanque, começavam a realizar esquisitas convulsões dos músculos do pescoço, obviamente a tentativa mais próxima à sacudida do bico que eles conseguiam através de coordenações motoras aprendidas. Do ponto de vista do seu equipamento de movimentos voluntários, esses patos selvagens eram solicitados a fazer algo que para eles era exatamente o mesmo que ioga é para o homem.

Movimentos aprendidos realmente "novos", no sentido do termo Erwerbsmotorik de Storch, podem realmente ser desenvolvidos somente por bem poucos animais e, mesmo nesses casos, a aparente inovação dessas coordenações somente se deriva do fato de que unidades motoras elementares não-aprendidas, das quais são compostas, são realmente muito pequenas. Esses elementos são exatamente aqueles que são tradicionalmente chamados de movimentos voluntários no homem. Contrações de músculos dissociados ou para ser mais exato, de músculos não-associados, estão à disposição do sistema piramidal e podem ser direta e independentemente ativados pela nossa vontade. Eles são a matéria-prima na qual a aprendizagem motora se enfileira, como contas numa linha, em uma seqüência, e as une em um movimento habilidoso. O

processo pelo qual a aprendizagem alcança isto não precisa, em princípio, ser diferente do que cria um hábito de trajeto fixo (págs. 65 e 66). Muito curiosamente, parece que as contas que são enfileiradasem seqüência modificáveis pela aprendizagem são, em grande extensão, obtidas durante a filogenia através do desencadeamento de seqüências fixas de coordenação filogeneticamente adaptadas. O estudo de coordenações locomotoras em primatas faz com que isto pareça altamente provável, e esta hipótese oferece uma explanação natural para o fato desses animais que sobem usando mãos preênseis terem desenvolvido um máximo de movimentos voluntários. Como literalmente cada passo e cada ação de segurar dos membros preênseis precisam ser espacialmente dirigidas nos seus últimos detalhes, é óbvio que a extensão das seqüências motoras fixas precisa ser reduzida a um mínimo e os mecanismos de orientação espacial expandidos a um máximo. A "falta de ritmo", que é tão manifesta nos movimentos exploratórios dos grandes macacos é uma conseqüência disto.

Movimentos puramente voluntários, por exemplo, desenhos da mão esquerda realizados por uma pessoa destra ou quaisquer manipulações complicadas realizadas pela primeira vez, invariavelmente parecem extremamente deselegantes já que não estão integrados pela aprendizagem dentro de um padrão habilidoso. Os movimentos voluntários são, nesse sentido, o oposto do produto consumado, apesar de ser o valor de sobrevivência do último que faz com que eles se desenvolvam filogeneticamente. é um interessante problema determinar os fatores que trabalham durante a ontogenia para uni-lo na perfeição de um padrão habilidoso.

Provavelmente todos os animais altamente desenvolvidos que possuem um considerável suprimento de movimentos voluntários também possuem mecanismos embutidos especiais cuja função é reforçar os padrões alcançando um efeito máximo com um gesto mínimo de trabalho. A existência de tal mecanismo pode ser deduz ida de seu efeito; sua natureza fisiológica só poderá ser um problema de especulação. £ concebível que isto relacione as informações próprio e exteroceptivas sobre o trabalho realizado pelos músculos com aqueles sobre o efeito motor alcançado. Essa informação sozinha seria suficiente para selecionar para reforço, entre muitas possíveis combinações de movimentos voluntários, aqueles de máxima eficácia e condenar à extinção todos os menos econômicos. Afirmando-se que a auto-observação é uma fonte legítima de conhecimento, eu suspeitaria, entretanto, que processos muito semelhantes à percepção gestaltista estão também trabalhando, reforçando soluções simples, suaves, eficientes e "elegantes" do problema mecânico colocado para o organismo, von Holst mostrou que os efeitos de junção da coordenação relativa e o efeito de atração (Magneteffekt) podem alcançar esta tarefa particular num nível muito baixo de integração. Em adição, pode

ser mostrado que movimentos voluntários elementares do homem estão sujeitos às mesmas influências coordenadoras que os movimentos da barbatana de um Labrus. Apesar de no último caso toda a coordenação depender dos dois fatores mencionados, eles são somente uma parte auxiliar no primeiro, no qual centros elevados decidem autoritariamente quais os elementos motores que devem ser coordenados com que outros e em que seqüência.

Como uma pura especulação, afirmaria que existem mecanismos que reforçam a perfeição econômica em habilidades motoras independentemente da obtenção de um alvo biológico para cuja busca o movimento aprendido é desenvolvido. Essa suposição pode ser aplicada a um número de fenômenos que são deixados sem explicação por teorias correntes. Por uma coisa, isto daria uma explicação ao fenômeno subjetivo para cuja importância Bühler foi o primeiro a chamar atenção. O que ele denominou funktionslust, o prazer no funcionamento, é provavelmente o correlato subjetivo do que propus chamar de "mecanismo de reforço de perfeição" em ação. Sabemos que quando patinamos, esquiamos ou dançamos, realizamos essas atividades por elas mesmas, pelo prazer que elas nos dão. Se recusamos aceitar a introspecção como uma fonte legítima de conhecimento, podemos objetivamente afirmar que aquela realização dos esportes em questão por nossos amigos exerce indubitavelmente um efeito de reforço nos seus comportamentos, tal como Harlowe Meyer (1950) mostraram que o puro desempenho de habilidades motoras adquiridas atua como um forte reforço no comportamento dos macacos. A existência de mecanismos de reforço de perfeição, tais como aqueles de muitas organizações receptoras similares, pode ser seguramente inferida de seus subprodutos, que estão destituídos de valor de sobrevivência, do que de sua função "real" em cujo serviço esses mecanismos se desenvolveram.

Como a astúcia humana encontra estimulação supranormal para a maioria dos mecanismos de liberação e/ou de reforço (pág. 73), não nos surpreende que aconteça o mesmo com esses mecanismos. A maioria dessas maneiras são, sob as circunstâncias da civilização distintamente saudáveis à nossa saúde, o que torna fácil negligencie' suas afinidades causais e fisiológicas aos vícios (págs. 24 e 25). Conheço um artista e cientista famoso, entretanto, cuja inclinação ao vôo com planador é considerada como um vício por alguns dos seus colaboradores, pois isso ocasionalmente o afasta do trabalho. Por outro lado, parece-me possível que em adição a esportes e dança, todas as artes humanas derivam, pelo menos, parte de sua energia motivacional da mesma fonte.

Respostas próprio e exteroceptivas para perfeição coordenativa e configuracional não são, de forma alguma, claramente distintas umas das outras, e nossa alegria com nossos próprios movimentos habilidosos é

muito semelhante à que se deriva da percepção da habilidade de outros. "A beleza fascinante de algo feito superlativamente bem", como Beebe falou, é inerente não apenas aos movimentos realizados na feitura, como também nas coisas feitas por eles. Seria fácil alguém se perder neste ponto na especulação filosófica: mecanismos receptores são desenvolvidos sob a pressão de seleção de movimentos voluntários coordenados na maneira mais eficiente e perfeita possível. Como todas as organizações receptoras de sua espécie, elas são suscetíveis de estimulação supranormal e, portanto, continuam mandando, sem reservas, reforço numa só direção. Por uma vez, entretanto, essa direção não termina em disfunção e perigo à sobrevivência, mas guia o homem ao infinito na sua apreciação da beleza. Obviamente, devemos considerar seriamente a possibilidade desse julgamento estético de valores não ser mais do que o lado subjetivo do funcionamento dos mecanismos de reforço aqui discutidos. Do ponto de vista dos bem disciplinados paralelistas psicofisiológicos, como nós, a existência de uma explanação determinista e mesmo evolucionista do nosso julgamento de valores não prejudicaria de forma alguma a realidade dos valores.

Essa explanação, entretanto, não pode ser a única. Percebemos indubitável beleza e harmonia em coisas que definitivamente não são devidas a qualquer mecanismo que promova a perfeição motora; coordenações motoras filogeneticamente adaptadas, tais como o nado de um tubarão ou o galope de um antílope, estão competindo em beleza com os movimentos mais perfeitos altamente habilidosos. Continuo acreditando e afirmando que posso ver algo particularmente fascinante nas sublimes artimanhas brincalhonas de um gavião, nas façanhas espantosas de um gibão, e nos floreados aerodinâmicos da toninha, e que eu vi isto muito antes de admitir que estes movimentos continham uma porção excepcionalmente grande de habilidade individualmente adquirida.

O argumento mais convincente em favor de minha suposição especulativa está no fato de habilidades motoras adquiridas desta espécie, mais do que quaisquer outros tipos de movimentos, estão sendo realizados por sua própria causa na ausência óbvia de quais-, quer outros fatores motivacionais ou de reforço. De fato, o conceito mesmo de brincar é baseado, largamente, neste fato.

Mais adiante, essa suposição pode dar, pelo menos, uma explanação tentativa para um grupo de fenômenos de outra forma absolutamente inexplicáveis. Se uma toninha (Tursiops) aprende, sem um treinamento intencional dos seus guardadores humanos a lançar pedras em pessoas não-populares ou deixar um prato de alumínio equilibrado na ponta de seu focinho enquanto nada vivamente, a procedência desses movimentos altamente habilidosos é uma grande charada como o é a função do vasto

cérebro anterior e suas circunvoluções dessas criaturas. A possível explanação que ouso sugerir é que os ancestrais das baleias eram, no tempo que eles começaram a ter uma vida aquática, carnívoros com cérebros altamente desenvolvidos e eram dotados de uma porção satisfatória de movimento voluntário. Quando, conseqüentemente, uma pressão de seleção era levada a dirigir o desenvolvimento de padrões motores que eram inteiramente novos a um animal terrestre, alguns deles, ao invés de criar novos padrões fixos motores filogeneticamente adaptados, causaram um alto desenvolvimento de movimentos voluntários que podiam se voltar a qualquer propósito, inclusive técnicas eficientes de natação. Isto seria levado em conta para o fato de mamíferos aquáticos, como por exemplo lontras, leões marinhos e baleias serem capazes de produzir uma surpreendente multiformidade de novos movimentos, elegantes e habilidosos, na sua "brincadeira".

A hipótese proposta de baleias terem desenvolvido seu enorme cérebro, semelhante ao humano, sob a pressão de seleção de nenhuma outra função que a coordenação de natação pode parecer um paradoxo, mas o princípio expressado por Kipling: "Se tenho que cortar madeira com navalhas, prefiro as melhores tesouras", é freqüentemente observado pela evolução. Em adição, os subprodutos dos movimentos voluntários que indubitavelmente observamos nos cetáceos, e que nos atordoam tanto por sua óbvia afinidade com tipos de comportamento que consideramos como característicos somente da nossa espécie são exatamente os que esperaríamos se mecanismos especiais estivessem em ação reforçando a perfeição de padrões motores em benefício da perfeição.

6 - CRITICA DA ATITUDE DOS ETÓLOGOS MAIS ANTIGOS

O contraste do "inato" e do "aprendido" como sendo conceitos mutuamente exclusivos é indubitavelmente uma falácia, mesmo sem considerar, no momento, o erro no uso do primeiro conce to para padrões de comportamento e/ou órgãos (págs. 11, 43 e 44). Como foi explicado na crítica dos dois argumentos behavioristas, é perfeitamente possível que uma seqüência motora particular possa dever a processos filogenéticos toda a informação sobre o ambiente, fundamentando seu poder de adaptação, e ser ainda quase inteiramente dependente de aprendizagem individual para a "decodificação" (pág. 27) dessa informação. Esta, de fato, é a importante verdade contida no segundo argumento behaviorista. A "decodificação" da informação ligada ao genoma é, neste caso, adquirida de duas maneiras: primeiro, através da ontogenia morfológica que produz a estrutura; e segundo, através do comportamento de ensaio-e-erro explorando a estrutura como um sistema de ensino. Processos dessa espécie se fazem parecer mais prováveis através das descobertas de Prechtl e Knol (1958) sobre padrões motores e "reflexos" de crianças nascidas em posições anormais.

A falácia ao se tratar do "inato" e do "aprendido" com conceitos mutuamente exclusivos conduziu os etólogos mais antigos a caírem nos mesmos erros dos quais, da pág. 16 à 28, eu acusei os behavioristas. Como os behavioristas, os etólogos mais antigos admitiram como fato, que a modificação do comportamento efetuada pela aprendizagem invariavelmente causava um crescimento no valor de sobrevivência. O fato de um mecanismo neurofisiológico filogeneticamente desenvolvido precisa estar atrás desta função altamente diferenciada obviamente nunca lhes ocorreu, assim como não ocorreu àqueles da escola behaviorista.

Tanto para etólogos como para behavioristas, essa atitude verdadeiramente atomística foi um sério obstáculo para o entendimento das relações entre adaptação filogenética e modificação adaptativa do comportamento. Foi a crítica de Lehrman (1953! que, por um caminho secundário, trouxe a concepção complete dessas relações para mim. No Capítulo 4, discuti a hipótese de que o movimento passivo concedido pela cabeça do embrião da galinha através da batida de seu coração pode participar da aprendizagem do pássaro de bicar. Como expliquei, essa suposição não considere a necessidade de explicar o fato de que o padrão motor preenche necessidades ambientais somente encontradas mais tarde na vida Em minha primeira contracrítica, falei um pouco satiricamente que esta hipótese, a fim de esconder a necessidade de assumir o inato, isto é, padrão motor filogeneticamente adaptado, inconsciente mente mas involuntária e inevitavelmente postula a necessidade de um "mestre-escola

inato". Em outras palavras, requer um mecanismo de aprendizagem filogeneticamente adaptado. Entretanto, esse empuxo contra o ponto de vista preformacionista sobre a aprendizagem sustentado pela escola behaviorista, retrocedeu, com forçe total, nos pontos de vista sustentados pelos etólogos mais antigo: incluindo a mim mesmo. Mais tarde, ao longo da vida, compreendi que "aprendizagem" era um conceito usado ilegitimamente por nó: como um reservatório para resíduos não-analisados e que nenhum de nós, mais do que os nossos críticos criticados, se preocupou em questionar por que a aprendizagem produz adaptação decomporia mento. Todos os etólogos antigos com a destacada exceção de Craig têm dirigido suas atenções para o inato, enquanto negligenciavam mais ou menos todos os problemas de aprendizagem sem percebei que ao fazerem isto estavam negligenciando uma das mais importantes funções da maioria dos mecanismos de comportamento filogeneticamente adaptados: a função de ensino!

Uma das piores repercussões que esta completa negligência das relações entre o "mestre-escola inato" e a aprendizagem individual teve no entendimento real dos mecanismos de comportamento filogeneticamente adaptados, foi a perspectiva unilateral e até fisiologicamente errônea do ato consumatório. Por um longo tempo se acreditava que o surgimento gradual e que a última gota crítica de típica excitação de todos os atos consumatórios era devido à completa exaustão da potencialidade específica de ações do lado motor. Tem sido conclusivamente demonstrado por experimentos de Beach (1942) que, no caso das atividades copulatórias do chimpanzé macho, é o efeito de retroalimentação reaferente que limita o ato consumatório. Essa retroalimentação de energia próprio e exteroceptiva tem, indubitavelmente, uma enorme conseqüência para a função do reforço da maioria ou de todas as situações de estímulo consumatório. No caso dos animais superiores, é dificilmente um exagero dizer que a estrutura especial de um ato consumatório típico é quase tanto resultado da pressão de seleção exercida por sua função de reforçar o comportamento apetitivo quanto se fosse exercida por sua função primária. A falta de apreciação deste fato impediu um verdadeiro entendimento dos processos discutidos nas págs. 63 e 64, particularmente da maneira pela qual informação importante concernente à situação biologicamente "correta" pode estar contida no padrão motor e pode ser "decodificada" pelo próprio animal, criando desta maneira um máximo de adaptação e economia de comportamento, como foi ilustrado pelos experimentos de Eibl-Eibesfeldt (págs. 63 e 64). Somente Craig deu, pelo menos, nas suas descrições muito vivas de situações e atividades consumatórias, a idéia da importância dessa interações entre adaptação filogenética e modificação adaptativa do comportamento (pág. 63).

Se esses erros, admissivelmente atomísticos, cometidos pelo meu professor Heinroth e por mim mesmo fizeram um estrago comparativamente pequeno para o progresso inicial da Etologia, isto é devido ao fato de que todo elemento importante do comportamento, do padrão motor fixo ou Erbkoordination, é um elemento esqueletal extremamente invariável que influencia o sistema no qual é construído mais do que é, à sua volta, influenciado ou trocado pela interação sistêmica geral. Quanto mais um elemento particular de um sistema produz o caráter de tal "parte relativamente independente" (Lorenz, 1950), menos dano é feito por outro processo ilegítimo de isolá-lo em conceituação ou em experimentos práticos. Em qualquer caso, através da descoberta do padrão motor fixo, Whitman e Heinroth criaram o ponto arquimédico no qual toda pesquisa etológica é baseada. Chamar ingenuamente de "inato" o padrão motor fixo não causou nenhum dano sério para essa pesquisa no passado ou atualmente. Por outro lado, a afirmativa de que mesmo o padrão motor fixo pode, pelo menos em princípio e numa extensão ínfima, ser mudado pela aprendizagem, não está baseada em nenhuma observação ou resultado experimental, mas exclusivamente num preconceito e realmente causa dano real, ou pelo menos causaria, se etólogos modernos extraíssem dela as últimas amargas conseqüências.