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Relação céRebRo-compoRtamento Rev. Psicopedagogia 2010; 27(82): 117-26 117  ARTIG O DE REVISÃO RESUMO Estudar a relação entre o cérebro e o comportamento é o principal objetivo da Neuropsicologia. É por meio dessa área de atuação que se pode entender como dierentes áre as cerebrais atuam em conjunto para produzir comportamentos complexos, tal como é o caso da aprendizagem. Problemas em qualquer área do sistema nervoso central podem gerar disunções e prejudicar o aprendizado. Depreend e-se, então, que o prossional que lida com a criança deve ter conhecimentos básicos sobre a neuropsicologia, de modo a compreender as unções mentais. Nesse sentido, a proposta desse artigo de revisão é abo rdar os undamentos básicos da neuropsicologia, partindo dos primórdios do conhecimento cerebral, chegando às questões relativas à localização das unções e nalizando com a teoria de Luria sobre o uncionamento cerebral. Espera- se, ainda, motivar os prossionais a buscar novos conhecimentos sobre esse órgão extremamente complexo, que origina todos os comportamentos tipicamente humanos. UNITERMOS: Neuropsicologia. Ciências do comportamento. Psicosiologia. Cérebro/siologia.  a spectos da  Relação céRebRo-compoRta - mento: históRico e consideRações neuRopsicológicas  Sônia das Dores Rodrigues – Pedagoga/Psicopedagoga e pesquisadora do DISAPRE (Laboratório de Distúrbio, Dificuldade de Aprendizagem e Transtornos da Atenção) FCM/Unicamp. Sylvia Maria Ciasca – Prof  a Livre Docente do Departamento de Neurologia – FCM/Unicamp; Coordenadora do DISAPRE (Laboratório de Distúrbio, Dificuldade de Aprendizagem e Transtornos da  Atenção) FCM/Unicamp. Correspondência Sônia das Dores Rodrigues Rua Luis Gama, 937 apto 64 – Castelo Campinas, SP – CEP 13070-170 E-mail: [email protected] icamp.br Sônia das Dores Rodrigues; Sylvia Maria Ciasca

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 ARTIGO DE REVISÃO

RESUMO – Estudar a relação entre o cérebro e o comportamentoé o principal objetivo da Neuropsicologia. É por meio dessa área deatuação que se pode entender como dierentes áreas cerebrais atuam emconjunto para produzir comportamentos complexos, tal como é o caso daaprendizagem. Problemas em qualquer área do sistema nervoso centralpodem gerar disunções e prejudicar o aprendizado. Depreende-se, então,que o prossional que lida com a criança deve ter conhecimentos básicossobre a neuropsicologia, de modo a compreender as unções mentais.Nesse sentido, a proposta desse artigo de revisão é abordar os undamentosbásicos da neuropsicologia, partindo dos primórdios do conhecimentocerebral, chegando às questões relativas à localização das unções enalizando com a teoria de Luria sobre o uncionamento cerebral. Espera-se, ainda, motivar os prossionais a buscar novos conhecimentos sobreesse órgão extremamente complexo, que origina todos os comportamentos

tipicamente humanos.

UNITERMOS: Neuropsicologia. Ciências do comportamento.Psicosiologia. Cérebro/siologia.

 a spectos da  Relação céRebRo-compoRta -mento: históRico e consideRações 

neuRopsicológicas 

Sônia das Dores Rodrigues – Pedagoga/Psicopedagoga

e pesquisadora do DISAPRE (Laboratório de

Distúrbio, Dificuldade de Aprendizagem e

Transtornos da Atenção) FCM/Unicamp.

Sylvia Maria Ciasca – Prof a Livre Docente do

Departamento de Neurologia – FCM/Unicamp;

Coordenadora do DISAPRE (Laboratório de Distúrbio,

Dificuldade de Aprendizagem e Transtornos da

 Atenção) FCM/Unicamp.

Correspondência

Sônia das Dores Rodrigues

Rua Luis Gama, 937 apto 64 – Castelo –

Campinas, SP – CEP 13070-170

E-mail: [email protected] 

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INTRODUÇÃOHistoricamente, dierentes áreas de conheci-

mento têm se interessado pelo estudo do sistemanervoso, dentre as quais se destacam a medicina,a psicologia, a ísica, a química e a matemática1-5.Entretanto, a conscientização de que a interdis-ciplinaridade avoreceria a melhor compreensãodo cérebro humano possibilitou a criação de umanova área de conhecimento (as Neurociências) erevolucionou os estudos cientícos sobre o tema.Conorme se verica no Quadro 1, atualmentedierentes disciplinas estão envolvidas no estudodo desenvolvimento e uncionamento cerebral.

Os dierentes prossionais envolvidos com

o estudo do cérebro (comumente denominadosde neurocientistas) têm que interagir com asdemais áreas de conhecimento, de modo a ana-lisar o uncionamento cerebral sob dierentesângulos e pontos de vista. Aqui interessa-nos,principalmente, investigar a relação entre cé-rebro e comportamento e, portanto, os aspectosneuropsicológicos do desenvolvimento.

A visão do cérebro no decorrer dos séculosEmbora a palavra neurociência seja nova,

existem evidências que mostram que os nossosancestrais pré-históricos já compreendiam que o

encéalo (cérebro, cerebelo e tronco enceálico)era essencial para a vida.

Um exemplo disso é a prática da trepanação,realizada por volta de 7.000 anos atrás (Figura 1).Especula-se que essa técnica, que consistia emse azer oriícios em crânios de indivíduos vivos,

Quadro 1 - Áreas de conhecimentos das neurociências.

Profissionais Disciplina Área de interesse

Neuroquímicos Neurociência molecular Estuda as reações químicas entre as moléculas que

são importantes para o funcionamento do sistema

nervoso

Neurofisiologistas Neurociência celular Estuda os circuitos elétricos e celulares que possibili-

tam a comunicação do sistema nervoso

Neurobiólogos Neurociência

comportamental

Estuda os circuitos complexos de células neuronais

que produzem comportamentos e outros fenômenos

psicológicos, tais como sono, comportamento emo-

cional, sexual, etc

Neuropsicólogos Neurociência cognitiva

(ou Neuropsicologia)

Estuda a relação entre cérebro e comportamento,

destacando-se as capacidades mentais mais com-

plexas típicas do ser humano, como linguagem,

autoconsciência, memória e aprendizagem

Figura 1 - Evidência de cirurgia cerebral pré-histó-

rica (mais de 7.000 anos), onde se nota os orifícios

no cérebro (modificado de Bear et al.1, 2002).

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tinha como objetivos curar dores de cabeça etranstornos mentais ou abrir as “portas” para a

saída de maus espíritos.Evidências também mostram que os egíp-

cios, há 5.000 anos, tinham conhecimento sobreos sintomas dos danos cerebrais. Apesar disso,consideravam que o coração era a sede doespírito e o local de armazenamento da memó-ria. Essa crença azia com que conservassemsomente o corpo para a vida após a morte e re-tirassem e desprezassem o cérebro do cadáver.

Na Grécia antiga, alguns eruditos começarama perceber a relação entre estrutura e unção, o

que levou à hipótese de que o encéalo seria oórgão das sensações. Nessa época, Hipócrates(469-379 a.C.), médico grego, lançou a teoria deque o encéalo estaria relacionado com as sensa-ções do indivíduo e seria a sede da inteligência.Essa teoria não era acilmente aceita e um dos a-mosos opositores oi Aristóteles. Para esse lósoo,o coração seria o centro do intelecto e o encéalouncionaria como uma espécie de radiador, queresriava o sangue superaquecido do coração.

Durante o Império Romano, Galeno (130 –

200 d.C), por meio de dissecções de animais,identicou partes distintas no sistema nervoso:o cérebro, de consistência macia, o cerebelo, deconsistência mais dura, e compartimentos ondeexistiam fuidos (ventrículos). A partir de seus ex-perimentos, concluiu que para ormar memórias,as sensações precisam ser impressas no cérebroe, naturalmente, isso deveria ocorrer na partemacia (cérebro). Os fuídos passariam pelas tu-bulações ocas (nervos) e gerariam os movimentos(promovidos pelo cerebelo). Reorçava-se, então,

a idéia de que o corpo uncionaria por meio dobalanço dos fuídos dos quatro ventrículos.Mais tarde, o matemático e lósoo René

Descartes (1596-1650) propôs que a teoria dosfuídos poderia explicar o comportamento deanimais, mas não de humanos. Para ele, o homempossuía intelecto e alma e, assim, sugeriu quecomportamentos humanos que se assemelhavamao dos animais tinham os mesmos mecanismoscerebrais. Já as capacidades mentais, exclusiva-mente humanas, cariam no que denominou de

“mente”, uma entidade espiritual situada orado cérebro. Essa entidade espiritual manteria

contato com a glândula pineal (no cérebro) e pormeio desse contato receberia inormações sobreas sensações e os comandos dos movimentos.

Entre os séculos XVII e XVIII, os cientistaspassaram a dar mais importância à substânciacerebral e observaram que o tecido era divididoem substância branca e cinzenta (Figura 2). Ob-servaram, ainda, que a substância branca tinhacontinuidade com os nervos do corpo e, por meiode bras, levavam e traziam inormações paraa substância cinzenta.

A publicação do estudo de Benjamin Franklin(“Experimentos e observações sobre a eletrici-dade”), em 1751, com relato sobre os enômenoselétricos, impulsionou as pesquisas relativas aoencéalo. Na virada do século, Luigi Galvani eBois-Reymond demonstraram que os músculos semovimentavam quando os nervos eram estimu-lados eletricamente e que o encéalo podia gerareletricidade, derrubando assim a teoria de que oencéalo humano uncionava graças aos fuídos.

No nal do século XVIII, o sistema nervoso jáhavia sido completamente dissecado. Identicou-se que toda a superície cerebral do indivíduocontinha um mesmo padrão de saliência (giros) esulcos (Figura 3A), e que o encéalo era divididoem lobos (Figura 3B), ato que levou ao início dadiscussão da localização das unções cerebrais.

Figura 2 - Figura demonstrando as substâncias

 branca e cinzenta (modificado de Bear et al.1, 2002).

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Figura 3 - Cérebro humano, onde se notam os giros e sulcos (A) e a divisão em lobos (B).

 AB

 A questão da localização das funçõescerebraisApesar dos avanços propiciados pelos

estudos anatômicos, o século XVIII ainda oimarcado pela visão do cérebro como um órgãohomogêneo, cuja unção era distribuir energiapara todo o corpo, segundo a vontade do indi-víduo. É também nesse século que as teoriaslocalizacionistas começaram a ganhar orça,merecendo destaque a de Albrecht von Haller(1707-1777). Segundo esse autor, a base dasensação e do movimento estaria na substânciabranca do cérebro e do cerebelo.

Entretanto, em se tratando de teorias lo-calizacionistas, Franz Gall (1757-1828) é,

sem dúvida, aquele que melhor representaessa corrente de pensamento. No século XIX,quando as tentativas de se explicar o intelectopela siologia dos sentidos eram a tônica, Galllançou o que veio a ser denominado mais tardede Frenologia. Segundo o autor, o cérebro seriaconstituído por 35 regiões, que conteriam asaculdades intelectuais e os comportamentosemocionais (tais como generosidade, cora-gem, instintos matrimoniais, amor sexual, etc).

O maior desenvolvimento de um (ou mais) des-ses comportamentos resultaria em proeminên-

cias no cérebro que, por sua vez, possibilitaria

identicar as dierenças individuais (Figura 4).Em oposição à Frenologia de Gall, Marie-

Jean-Pierre Flourens lançou na mesma época

Figura 4 - Mapa frenológico de Gall.

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(1823) a teoria que veio a ser conhecida comoteoria do Campo Agregado. Utilizando o método

de ablação experimental em animais (pássarosprincipalmente), que consiste em destruir partesdo sistema nervoso e testar os décits sensoriaise motores causados pela destruição, ele com-provou o papel do cerebelo nos movimentosmotores, comprovando a hipótese levantadapor Bell e Magendie. Concluiu o autor que nãoexistiam regiões cerebrais únicas para com-portamentos especícos. Ao contrário, sugeriuque todas as regiões do cérebro participariamde cada unção mental, em especial as regiões

cerebrais do telencéalo.Essas duas correntes de pensamento ganha-

ram adeptos de várias áreas de atuação que, porsua vez, levaram a cabo a discussão da localiza-ção ou não das unções mentais complexas atémais ou menos a metade do século XX.

Na linha localizacionista, destacam-se ostrabalhos desenvolvidos pelo médico cirurgiãoPaul Broca e pelo neurologista e psicólogo KarlWernicke. Broca, em 1861, descreveu o caso deum paciente que tinha lesão na região da parede

posterior do lobo rontal (Figura 5). Embora essepaciente não apresentasse qualquer problemamotor em sua língua, boca ou cordas vocais, eleera incapaz de alar gramaticalmente em rasescompletas, ou de expressar seu pensamento porescrito (aasia motora). Tais achados levaramBroca a concluir que a unção da linguagemestaria localizada nesta região especíca. Aimportância desse trabalho é tanta que, atu-almente, ele é considerado o marco inicial daneuropsicologia.

Wernicke, por outro lado, descreveu, em 1876,casos de lesões da parte posterior do lobo temporal.Contrariamente ao paciente de Broca, os pacientesde Wernicke tinham capacidade de alar, porémeram incapazes de compreender o que alavam(aasia sensorial). Concluiu, então, que o progra-ma motor, responsável pela execução da ala,estaria na área apontada por Broca, enquanto oprograma sensorial estaria na área por ele descrita.Esse pesquisador sugeriu, ainda, o seguinte mo-delo de organização cerebral para a linguagem: a

percepção inicial da ala seria decodicada emáreas sensoriais (visuais ou auditivas), em seguida,

a inormação seria processada no giro angular;posteriormente, iria para a região posterior do lobotemporal, onde a linguagem seria associada a umsignicado e, por m, iria para a região posteriordo lobo rontal, que se encarregaria de transormara sensação sensorial em representação motora.

Mais recentemente, o chamado modeloWernicke-Geschwind procura explicar comose dá o processamento da palavra alada e dapalavra escrita nas diversas áreas cerebraisrelacionadas à linguagem (Figura 6).

Retornando à questão da localização, outraspesquisas desenvolvidas à época do debatetambém relatavam a localização de outras un-ções em áreas especícas do cérebro, tais comoa do neurologista Panizza, que descreveu, em1855, casos de indivíduos com cegueira perma-nente após lesão na região occipital, e de JohnM Harlow (1848-1949), que descreveu o conhe-cido caso de Phineas Gage, paciente que passoua apresentar alterações comportamentais apóssorer lesão na região rontal.

Paralelamente a essas questões, as investiga-ções histológicas davam um salto de qualidade com

Figura 5 - Lesão produzida no lobo frontal que

resultou em afasia motora (modificado de Bear et

al.1, 2002).

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as descobertas do médico italiano Camilo Golgi edo histologista Santiago Ramon y Cajal. O primeiro

desenvolveu o método de coloração por prata, quepossibilitou a identicação ao microscópio de todaestrutura do neurônio (corpo celular, dendritos eaxônios). Ramon y Cajal, por outro lado, utilizouo método desenvolvido por Golgi e demonstrouque o tecido neural era uma rede de células, e nãouma massa contínua, como se acreditava até então.

As investigações armacológicas tambémdavam a sua contribuição ao demonstrar a na-tureza química da comunicação entre as célulasneurais, merecendo destaque os trabalhos de-senvolvidos por Claude Bernard (França), Paul

Ehrlich (Alemanha) e John Langley (Inglaterra).Ainda na linha localizacionista, Korbinian

Broadman, anatomista alemão, reorçou essateoria quando se inspirou nos trabalhos de Wer-nicke e Broca e dierenciou, no início do séculoXX, 52 áreas uncionalmente distintas (Figura7) no córtex cerebral.

Entretanto, apesar das evidências apresen-tadas, os adeptos da linha do campo agregadocontinuavam a questionar a validade do prin-cípio da localização nas atividades mentaiscomplexas. Karl Spencer Lashley (1890-1958),

por exemplo, estudou a aprendizagem de ani-mais em situações experimentais e, do mesmomodo que Flourens, concluiu que quando umaparte do cérebro animal era lesada, outra partecompensava a perda da unção destruída e essacompensação estava relacionada com o tama-nho da lesão, e não com a localização da mesma.

Pelo que se depreende da literatura, pare-ce ser consenso que a resposta a esse confito(localização ou não das unções mentais) só co-meçou a tomar novo rumo com as investigaçõesde Alexander Ramanovich Luria (1902-1977)em pacientes com lesão do sistema nervosocentral.

Em seu trabalho, Luria demonstrou que asunções superiores organizam-se em sistemasuncionais complexos, ou seja, não há participa-ção de apenas uma área especíca do cérebro,mas sim da ação de várias áreas. Além disso,preconizou Luria que cérebro está organizadoem três unidades uncionais principais, cujaatuação “em concerto” possibilita qualquer tipode atividade mental (Figura 8).

Figura 7 - Esquema cerebral onde se visualiza as

áreas citoarquitetônicas de Broadman.

Figura 8 - Unidades funcionais, segundo Luria5.

Figura 6 - Modelo de processamento da linguagem

(modificado de Bear et al.1, 2002).PALAVRA ESCRITA PALAVRA FALADA

Processamento auditivo inicialCórtex auditivo primário

Reconhecimento auditivo da palavraCórtex têmporo-parietal (giro angular)

e córtex temporal superior anterior 

Processamento visual inivialCórtex estriado

Reconhecimento visual da palavraCórtex estra-estriado

 Associaçãosemântica

Codifcação pré-motora

 Área motora suplementar Outros áreas próximas à fssura lateral

Controle motor dafala

Fala

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sucessivas no estado de humor (depressão, in-dierença, euoria), distúrbios de consciência,

distúrbios de memória, etc.Podemos concluir que a primeira unidade

uncional não tem qualquer relação direta com arecepção, com o processamento das inormaçõesexternas, ou com a ormação de intenções decomportamentos complexos (dirigidos a metas).Sua única atividade é regular o estado da ativi-dade cortical e o nível de vigilância, essencialpara toda e qualquer unção cortical superior.

Segunda unidade funcional

Contrariamente à primeira unidade, a se-gunda unidade uncional é responsável pelarecepção, análise e pelo armazenamento dasinormações.

Do ponto de vista histológico, essa região éormada por neurônios isolados, que recebemimpulsos individualizados e transmitem inor-mações por meio de sinais do tipo tudo-ou-nada.

Quanto à sua localização, situa-se nas re-giões laterais do neocórtex, sobre a superícieconvexa dos hemisérios, ocupando as regiões

occipital (visual), temporal (auditiva) e parie-tal (sensorial geral). A característica principaldessa unidade é que a mesma possui grandeespecicidade modal, já que está adaptada paraa recepção de inormações visuais, auditivas,vestibulares ou sensoriais gerais. A organizaçãoda sua estrutura é hierárquica, ormada pelasáreas primárias (ou de projeção), que recebeme analisam as inormações vindas do exterior;pelas áreas secundárias (ou motoras de ordemsuperior), que codicam e convertem as inor-

mações, e pelas áreas terciárias (de associação),que coordenam o uncionamento dos váriosgrupos analisadores.

Nas áreas primárias, ormadas por neurôniosaerentes da lâmina IV, há grande especicida-de de unções. Os neurônios do sistema visual,por exemplo, respondem somente aos estímulosestritamente visuais, como gradação da cor,movimento e ormas dos objetos.

Nas áreas secundárias ocorrem a recepção,a análise e o armazenamento das inormações

que chegam do mundo externo. Entretanto, estaárea age em conjunto com as zonas terciárias

(ou de superposição), que contribuem para aconversão da percepção concreta em pensa-mento abstrato, para a memorização da expe-riência e para o armazenamento da inormação.

Terceira unidade funcionalA terceira unidade uncional, responsável

pela programação, regulação e vericação daatividade consciente do homem, está localizadanas regiões anteriores dos hemisérios, anteriorao giro pré-central.

Existem duas dierenças básicas entre a ter-ceira unidade uncional, eerente, e a segundaunidade uncional, aerente. A primeira die-rença diz respeito à organização hierárquica, ouseja, enquanto na segunda unidade os processosseguem uma via ascendente (da zona primáriapara as secundárias e terciárias), na terceiraunidade, os processos seguem uma via descen-dente: começam nos níveis mais altos das zonasterciárias e secundárias, onde os programasmotores são planejados, e vão para as estruturas

pré-motoras e motoras primárias, que enviam osimpulsos para a perieria. A segunda dierençaé que na terceira unidade não existem zonasanalisadoras modalmente especícas, comoocorre na segunda unidade uncional.

As áreas pré-motoras são as áreas secundá-rias desta terceira unidade uncional. Emboraexibam o mesmo tipo de organização moroló-gica, do tipo vertical estriado, elas apresentammais camadas superiores de células piramidaispequenas. Assim, a estimulação de partes das

áreas pré-motoras resultará em grupos de mo-vimentos organizados (como o giro dos olhos,da cabeça, de todo o corpo, movimento depreensão das mãos, etc) e não em movimentosisolados, como ocorre na área motora primária.

Porém, são nos lobos rontais, mais preci-samente na região pré-rontal, que são execu-tadas as tareas mais importantes da terceiraunidade, já que desempenham papel decisivona ormação de intenções e de programas deregulação e veriicação das ormas mais

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complexas do comportamento humano. A prin-cipal característica da região pré-rontal é que

ela az conexões com todas as demais áreas docórtex, assim como com os níveis mais inerioresdo cérebro (núcleos mediais, ventrais, pulvinardo tálamo, etc). Devido à natureza bidirecionaldestas conexões, a região pré-rontal é capazde não só receber e sintetizar as inormaçõesrecebidas, como também de organizar os impul-sos eerentes, de modo que é capaz de regulartoda a estrutura cerebral. Como complemento,vale apenas reorçar que o córtex pré-rontalexerce papel essencial na regulação do estado

de atividade, o que o torna capaz de proceder amodicações, segundo as intenções e os planosormulados.

Estudos em animais que tiveram o córtexpré-rontal lesado ou extirpado demonstraramque esta região é essencial para o comporta-mento planejado dirigido a metas, para a sín-tese dos movimentos dirigidos, para a emissãode respostas retardadas e para a regulação evericação dos comportamentos. No homem,obviamente, experiências desse tipo são limi-

tadas e normalmente os estudos que analisamas sequelas de pacientes lesionados comprovamque o córtex pré-rontal é a principal área daatividade consciente do homem. Entretanto, nãoé demais enatizar que os processos mentaisnecessitam do uncionamento e da participaçãocombinada de áreas individuais do cérebro.

Em síntese, a teoria de Luria propõe quea primeira unidade uncional regula o tono, a

vigília e os estados mentais; a segunda unidadeobtém, processa e armazena as inormações que

chegam do mundo exterior e a terceira unidadese encarrega de programar, regular e vericara atividade mental. Uma das característicascomuns das unidades uncionais é que elaspossuem estrutura hierarquizada, contendocada uma delas áreas primárias (motoras deprojeção), áreas secundárias (motoras superio-res) e terciárias (áreas de associação). Essas trêsunidades atuam em conjunto e possibilitam arealização de unções corticais complexas.

CONCLUSÃODo exposto, depreende-se que o interesse

pelo uncionamento cerebral surgiu desde osprimórdios do desenvolvimento do homem.Desde então, muitas hipóteses oram lançadas,discutidas e reutadas. Mais recentemente, como surgimento das neurociências e com o aparatotecnológico, muito se avançou em termos deconhecimento sobre o cérebro e suas unções.

Em se tratando da neuropsicologia, que estu-da a relação entre o cérebro e comportamento,

as ideias de Luria vêm sendo a base para oentendimento das unções cerebrais e, princi-palmente, para a compreensão das disunçõescorticais.

O conhecimento e o domínio dessa teoria écondição básica ao prossional que deseja nãosó investigar os problemas de aprendizagem dacriança e do adolescente, mas principalmenteelaborar estratégias de reabilitação ecazes.

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SUMMARYRelationship between brain and behaviour: historical and

neuropsychological considerations

The objective o Neuropsychology is to study the relation between thebrain and the behavior. Cerebral areas work together and lead to complexbehaviors, such the learning. Damage or dysunctions in anyone area othe nervous central system can produce learning disabilities. Then, it isimportant to understand the brain unctions. The objective o this work isto make a revision about Neuropsychology since the historical civilizationuntil the theory o Luria. We wait to motivate the search o knowledgeabout the complex unctional system.

KEY WORDS: Neuropsychology. Behavioral sciences. Psychophysiology.Cerebrum/physiology.

REFERÊNCIAS1. Bear MF, Connors BW, Paradiso MA. Neu-

rociências. Desvendando o sistema nervoso.2ª ed. Porto Alegre:Artmed; 2002.

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abilitação neuropsicológica: da teoria àprática. São Paulo:Artes Médicas;2006.

3. Kandel ER, Schwartz JH, Jessel TM. Es-sentials o neural science and behavior.Stanord:Appleton & Lange;1995.

4. Kristensen CH, Almeida ROM, Gomes WB.Desenvolvimento histórico e undamentos me-todológicos da neuropsicologia cognitiva. Psi-cologia: Refexão e Crítica. 2001;14(2):259-74.

5. Luria AR. Fundamentos de neuropsicologia.São Paulo:Edusp;1983.

Trabalho realizado na Universidade Estadual de

Campinas – Unicamp, Campinas, SP.

 Artigo recebido: 15/1/2010

 Aprovado: 18/3/2010