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Aquisição do sentar independente na Síndrome de Down utilizando o balanço TÍTULO Down’s Syndrome and the use of swings to acquire the ability to sit independently Bárbara Godzicki [a] , Patrícia Andrade da Silva [b] , Luziane Bombazar Blume [c] [a] Acadêmica do 4 o ano do curso de Fisioterapia, Faculdade Guilherme Guimbala, Joinville, SC - Brasil, e-mail: [email protected] [b] Acadêmica do 4 o ano do curso de Fisioterapia, Faculdade Guilherme Guimbala, Joinville, SC - Brasil, e-mail: [email protected] [c] Mestre em Engenharia de Produção, com concentração em Ergonomia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), professora da Faculdade Guilherme Guimbala, Joinville, SC - Brasil, e-mail: [email protected] Resumo Introdução: Crianças com Síndrome de Down adquirem o sentar independente por volta dos 10 meses de idade, seguindo uma curva de desenvolvimento motor própria para essa síndrome. Objetivo: Esta pesquisa objetiva avaliar a eficácia do tratamento por meio do balanço para a aquisição do sentar independente em crianças com Síndrome de Down, sem o uso de quaisquer técnicas de fisioterapia convencional. Metodologia: O estudo caracteriza-se como uma pesquisa descritiva do tipo estudo de caso, realizado no Núcleo de Assistência Integral ao Paciente Especial (NAIPE) de Joinville, SC. Os atendimentos foram individualizados, com duração de 30 minutos, nos quais a criança permanecia sentada num balanço composto por plataforma revestida com Etil vinil acetato (EVA ® ) colorido e texturizado, realizando-se deslocamentos lineares no sentido ântero-posterior. A amostra do estudo foi composta por três crianças com Síndrome de Down, com idade entre 6 e 7 meses, do sexo feminino, sem controle de tronco para a sedestação sem apoio. Resultados: A média de sessões foi 15 (± 2). Conclusão: Observou-se que, quando estimuladas precocemente por meio do balanço, essas crianças adquiriram o sentar antes do tempo descrito pela literatura. Palavras-chave: Integração sensorial. Síndrome de Down. Controle de tronco. Abstract Introduction: Children with Down’s syndrome acquire the ability to sit independently around 10 months old, following a motor developing curve proper for this syndrome. Objective: The aim of this research is to evaluate the efficacy of the treatment through a swinging movement so that children with Down’s syndrome can sit independently with no use of any conventional physiotherapy techniques. Methods: The study is a descriptive research, a case study carried out at the Center of Whole Assistance for Especial Patients (Joinville, SC), where the patients were seen individually, in 30-minute appointments. The child was kept sitting on a pad that is covered with colored and textured Etil Vinil Acetato (EVA ® ), linear displacement in the Fisioter Mov. 2010 jan/mar;23(1):73-81 ISSN 0103-5150 Fisioter. Mov., Curitiba, v. 23, n. 1, p. 73-81, jan./mar. 2010 Licenciado sob uma Licença Creative Commons

Godzicki Et Al-2010-Fisioterapia Em Movimento

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Artigo de grande relevância, publicado na revista Fisioterapia e Movimento em 2010

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  • Aquisio do sentar independente na Sndrome de Downutilizando o balano

    TTULODowns Syndrome and the use of swings to acquire the ability to sit independently

    Brbara Godzicki[a], Patrcia Andrade da Silva[b], Luziane Bombazar Blume[c]

    [a] Acadmica do 4o ano do curso de Fisioterapia, Faculdade Guilherme Guimbala, Joinville, SC - Brasil, e-mail: [email protected][b] Acadmica do 4o ano do curso de Fisioterapia, Faculdade Guilherme Guimbala, Joinville, SC - Brasil, e-mail: [email protected][c] Mestre em Engenharia de Produo, com concentrao em Ergonomia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),

    professora da Faculdade Guilherme Guimbala, Joinville, SC - Brasil, e-mail: [email protected]

    Resumo

    Introduo: Crianas com Sndrome de Down adquirem o sentar independente por volta dos 10meses de idade, seguindo uma curva de desenvolvimento motor prpria para essa sndrome. Objetivo:Esta pesquisa objetiva avaliar a eficcia do tratamento por meio do balano para a aquisio do sentarindependente em crianas com Sndrome de Down, sem o uso de quaisquer tcnicas de fisioterapiaconvencional. Metodologia: O estudo caracteriza-se como uma pesquisa descritiva do tipo estudo decaso, realizado no Ncleo de Assistncia Integral ao Paciente Especial (NAIPE) de Joinville, SC. Osatendimentos foram individualizados, com durao de 30 minutos, nos quais a criana permaneciasentada num balano composto por plataforma revestida com Etil vinil acetato (EVA) colorido etexturizado, realizando-se deslocamentos lineares no sentido ntero-posterior. A amostra do estudo foicomposta por trs crianas com Sndrome de Down, com idade entre 6 e 7 meses, do sexo feminino,sem controle de tronco para a sedestao sem apoio. Resultados: A mdia de sesses foi 15 ( 2).Concluso: Observou-se que, quando estimuladas precocemente por meio do balano, essas crianasadquiriram o sentar antes do tempo descrito pela literatura.

    Palavras-chave: Integrao sensorial. Sndrome de Down. Controle de tronco.

    Abstract

    Introduction: Children with Downs syndrome acquire the ability to sit independently around10 months old, following a motor developing curve proper for this syndrome. Objective: Theaim of this research is to evaluate the efficacy of the treatment through a swinging movement sothat children with Downs syndrome can sit independently with no use of any conventionalphysiotherapy techniques. Methods: The study is a descriptive research, a case study carriedout at the Center of Whole Assistance for Especial Patients (Joinville, SC), where the patientswere seen individually, in 30-minute appointments. The child was kept sitting on a pad that iscovered with colored and textured Etil Vinil Acetato (EVA), linear displacement in the

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    ISSN 0103-5150Fisioter. Mov., Curitiba, v. 23, n. 1, p. 73-81, jan./mar. 2010

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    anteroposterior direction were executed. The study sample included 3 children, aged 6-7 months,female sex, without trunk control to the sedestation without support. Results: The sessionsaverage was 15 ( 2). Conclusion: It was observed that when stimulated by an early swing,they are able to sit before the time described by literature.

    Keywords: Sensory integration. Downs Syndrome. Trunk control.

    Introduo

    O equilbrio de tronco uma capacidade fundamental para o sentar da criana, promovendosua independncia funcional e habilitando-a para as prximas fases do desenvolvimento neuropsicomotor(DNPM). Nessa fase, h maior utilizao dos membros superiores (MMSS) que so importantes para aexplorao do ambiente e oferecem melhores condies para a sua marcha independente.

    A Sndrome de Down (SD) uma condio gentica, caracterizada pela alterao docromossomo 21, que ocorre no incio da gravidez, sendo que os tipos mais comumente descritos naliteratura so: translocao, mosaicismo e trissomia simples, esta ltima a mais comum (1). Odesenvolvimento motor da criana com SD resulta de uma grande diversidade de fatores, desde aalterao gentica at dificuldades de integrao perceptiva, cognitiva e proprioceptiva (2), bem comotem sido descrita como o mais comum dos padres de m-formao humana e uma das causas maiscomuns de atraso cognitivo. A hipotonia e atraso da aquisio das respostas posturais antigravitacionaiscontribuem para o atraso na motricidade grosseira (3). Muitos estudos tm descrito o atraso noaparecimento das reaes posturais (equilbrio, endireitamento e proteo) em crianas com SD (4-6).

    Alm do atraso no DNPM, alguns problemas so frequentemente encontrados na crianacom SD, como crescimento fsico lento, cardiopatia congnita, hipotonia muscular, alterao visual,alterao auditiva, alteraes na coluna cervical, distrbios da tireoide, problemas neurolgicos,obesidade e envelhecimento precoce (7). Nas habilidades motoras, h evidncias de que elas apresentamatraso nas aquisies de marcos motores bsicos (8) atribudas s alteraes do sistema nervoso,dificultando a produo e o controle de ativaes musculares apropriadas (9). O DNPM dessas crianassegue uma curva-padro prpria de desenvolvimento, pela qual o sentar independente ocorre em mdiaaos 10 meses de vida, enquanto que em crianas sem a sndrome se d aos 7 meses (10).

    No que se refere ao conceito de DNPM, o termo desenvolvimento refere-se capacidade dobeb e da criana de realizar funes cada vez mais complexas, numa integrao sensorial (IS) e motora(11) e durante os primeiros anos de vida, a mielinizao do crtex proporciona ganho progressivo docontrole motor (12). Dentre os marcos motores da criana descritos na literatura, a passagem para asedestao requer movimentos que ocasionam mudanas no centro de gravidade, havendo necessidadede incremento da atividade muscular para realinhar o corpo e para mant-lo em sua nova posio, emespecial dos msculos antigravitacionais (13). Para que esse desenvolvimento ocorra, a criana precisapassar por experincias de experimentao e erro, aprimorando as habilidades motoras.

    O controle postural envolve a interao entre os diversos receptores sensoriais, os quaisinformam ao sistema nervoso a posio e o movimento do corpo em relao ao campo gravitacional eambiente (14). Esta noo formada com a combinao das informaes sensoriais recebidas de diferentesfontes (sistema visual, vestibular e somatossensorial) (15) e requer a interao entre os sistemasmusculoesqueltico e neural para manuteno da estabilidade e orientao. Deste modo, a informaosensorial e a ao motora esto intimamente relacionadas na tarefa de manter o corpo em uma determinadaposio. Na posio sentada os ajustes posturais realizam-se principalmente em resposta s alteraesinesperadas da superfcie de sustentao (16). A IS consiste na organizao das informaes sensoriais parao uso, ou seja, para o controle neuromuscular (17). Essa integrao, principalmente vestibular, ttil eproprioceptiva fundamental para um indivduo ser capaz de interagir eficientemente com o ambiente. Emcrianas normais, esse processo de IS ocorre de maneira natural, com novos comportamentos sesobrepondo ou se expandindo s habilidades iniciais do beb, num processo que depende, em grande parte,das oportunidades e experincias que a criana tem para interagir com o meio (18).

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    Os estudos acerca da terapia de IS iniciaram-se na dcada de 1960, pela terapeutaocupacional A. Jean Ayres, apresentando uma teoria que objetiva explicar a relao entre o processamentosensorial e os dficits comportamentais quando estes no podem ser atribudos s agresses ao sistemanervoso central (SNC) ou a anormalidades neurolgicas. Ayres conduziu estudos sobre a eficcia da ISdando suporte hiptese de que promovendo a IS obtm-se a melhora no aprendizado global. Comorecurso teraputico disponvel para a terapia destaca-se os equipamentos tteis (superfcies dediferentes texturas), equipamentos sem suspenso (cunha, escorregador, cama elstica, prancha deequilbrio) e equipamentos com suspenso (rede, balanos, corda) (19).

    Tendo em vista os mecanismos descritos sobre o processo de desenvolvimento do controlepostural e a terapia de IS como facilitadora para este processo, o presente estudo tem como objetivoavaliar os resultados obtidos com este mtodo de tratamento usando o balano como ferramentaprincipal, buscando a melhora do equilbrio de tronco para a aquisio do sentar em crianas com SD.

    Metodologia

    O estudo realizado caracteriza-se como uma pesquisa descritiva do tipo estudo de caso,aprovada pelo comit de tica do Hospital Municipal So Jos, em 2008, protocolo n. 08019, cumprindoas exigncias das resolues nacionais 196/96 e 251/97 relacionadas a pesquisas envolvendo sereshumanos. Os pais que concordaram em participar assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

    Os sujeitos de pesquisa foram trs crianas com SD do sexo feminino que no possuamcontrole de tronco para sedestao sem apoio, com idade inicial da estimulao entre 6 e 7 meses eapresentavam em comum as seguintes caractersticas: hipotonia muscular, aumento da cifose traco-lombar, presena do reflexo de preenso palmar, ausncia das reaes de endireitamento, equilbrio eproteo, quadril em abduo com aumento de sua base de apoio, bem como ausncia de manipulaode objetos em sedestao. A criana n. 1, sexo feminino, com 6 meses de idade cronolgica, inicialmentesem o controle de tronco para sedestao independente ou com apoio, segundo a avaliao comREVIDI, apresentava idade motora de 5 meses. A criana n. 2, sexo feminino, idade cronolgica de 6meses, apresentava-se sem equilbrio de tronco para sedestao com ou sem apoio. No REVIDI,apresentou idade motora de 5 meses. Criana n. 3, sexo feminino, idade cronolgica de 7 meses e idademotora de 5 meses, conforme avaliao do REVIDI. Apresentava MMSS mais curtos, o que pode tercontribudo de forma negativa em seu processo de controle postural, pois as reaes de proteo ficaramcomprometidas. Alm disso, apresentava Hipotireoidismo e pobre controle cervical.

    Os atendimentos foram realizados no Ncleo de Assistncia Integral Pessoa Especial(NAIPE), em Joinville, SC. Os atendimentos ocorreram de forma individualizada, com frequncia de3 por semana e durao de 30 minutos, sem nenhuma estimulao prvia. A criana e o terapeutasentavam no balano e iniciava-se os deslocamentos no plano sagital. Durante a sesso, estimula-se areao de proteo anterior e posicionamento correto da pelve (sentar sobre os squios e no sobre osacro). No decorrer do atendimento, o terapeuta diminui de forma gradual o contato com o paciente,fazendo com que a criana fique o mais independente possvel para realizar os ajustes necessrios paramanter-se na posio. O balano se desloca de forma linear, sendo que a criana se movimenta nosentido ntero-posterior. Durante a terapia, so postos brinquedos na frente da criana para incentiv-la a olhar para frente e para cima, estimulando-se o controle cervical.

    Como instrumento de pesquisa, utilizou-se no incio e ao trmino do tratamento a escalaREVIDI, Sntese da Escala Brasileira de Helosa Marinho, composta por ficha de observao individual, ondese avalia o DNPM segundo as aquisies motoras mais evidentes em cada etapa do desenvolvimento dacriana. O primeiro dia de atendimento dos pacientes foi destinado avaliao por meio da escala REVIDI,mensurao da frequncia cardaca e seu monitoramento durante a terapia, assim como estimulao de 30minutos ou menos, dependendo da adaptao do paciente com o balano, sendo que este tempo s foireduzido na primeira sesso. Juntamente com a avaliao por escala, foram observadas atividades motorasfuncionais, padres motores e presena de reflexos e reaes, tendo como base o DNPM da criana normal.

    Os pacientes foram liberados da terapia quando adquiriram a aquisio da sedestao semapoio, com liberao dos membros superiores (MMSS) para manipulao de objetos. No houve

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    padronizao do nmero de atendimentos para cada criana, ou seja, cada criana obteve o sentar comum nmero de sesses determinado por seu prprio desempenho. Quanto ao nmero de semanas dedurao do tratamento de cada criana, ocorreu de forma sequenciada, sem intervalos de tempo entreas semanas de estimulao, at que a criana sentasse sem apoio.

    O recurso teraputico utilizado para o estudo o balano preconizado pela terapia de IS. um balano composto por uma plataforma de madeira retangular que mede 100 cm de comprimento e69 cm de largura, com distncia de 51 cm do cho, revestido com Etil vinil acetato (EVA) coloridoe texturizado. O balano suspenso por dois eixos fixos no teto, presos por duas cordas nos eixos efixados nas quatro extremidades da plataforma, conforme mostrado na Figura 1.

    Resultados

    A criana n. 1 adquiriuo sentar sem apoio na 11 sesso,no entanto, sem a liberao deMMSS para a manipulao deobjetos, fato que ocorreu em sua15 sesso da estimulao com obalano, quando sentou sozinha,com retif icao de coluna emanipulando brinquedos semoscilaes de tronco, quadril commenor abduo e desaparecimentodo reflexo de preenso palmar,evoluindo para 7 meses de idademotora. A criana n. 2 demonstrouesboo do sentar durante algunssegundos na 10 sesso e sentoudefinitivamente na 12 sesso,manipulando objetos com bomcontrole postural, retificao decoluna, quadri l com menorabduo e desaparecimento doreflexo de preenso palmar comevoluo para 7 meses de idademotora. A criana n. 3 adquiriu osentar independente com liberaode MMSS na 18 sesso, bem comocontrole cervical, quadril commenor abduo, desaparecimentodo reflexo de preenso palmar e nareaval iao apresentou idademotora de 7 meses.

    DISCUSSO

    A comparao da postura das crianas antes e aps a estimulao com o balano pode serobservada na Figura 2.

    Figura 1 - Comparativo do desenvolvimento

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    Figura 2 - Aquisio do sentar independente mdia de sesses: 15 ( 2)

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    Os dados apresentam que a estimulao com o balano resultou numa mdia de 15 ( 2)sesses, respectivamente 15, 12 e 18 sesses. Pode-se afirmar que o controle postural nas crianas comSD tem evoluo lenta por causa da demora e persistncia no aparecimento dos reflexos primitivos.Segundo Haley e M. Stephen (7), que descrevem as reaes posturais como intimamente relacionadascom a aquisio de marcos motores, o que em crianas com SD geralmente se encontra atrasado e comprogresso lenta. Segundo o estudo, as reaes posturais so um componente indispensvel, poisprestam apoio automtico para a estabilidade da cabea, tronco e extremidades, suportando o pesocorporal e permitindo a mobilidade necessria ao aprendizado motor.

    Para o mesmo autor, as crianas com SD comumente desenvolvem apenas as reaes deequilbrio necessrias para a aquisio de um marco motor, com pouca variabilidade, o que foi visto nascrianas estimuladas, pois houve a aquisio da reao de proteo anterior e, logo em seguida, a aquisiodo sentar sem apoio. A pesquisa mencionada refora a questo da importncia de um programa de intervenoprecoce nessas crianas, facilitando as reaes do controle postural e progressos no aparecimento dos marcosmotores, seguindo um modelo de desenvolvimento motor normal, assim como descreve o estudo deConnolly, H. Barbara e colaboradores (20), a demora para o aparecimento das reaes tambm relacionadaao extenso tempo para a integrao dos reflexos primitivos. Este fato concorda com a observao da presenado reflexo de preenso palmar em todas as crianas, sem a presena das reaes posturais.

    Segundo Olhweiler, Lygia e colaboradores (21), o processo de maturao est relacionadocom o grau de mielinizao, arborizao e formao de sinapses das clulas nervosas no SNC, que aospoucos vo inibindo as atividades reflexas primitivas, passando por uma fase de transio e, por ltimo,assumindo o comando voluntrio dessas atividades, com o desenvolvimento das reaes de retificao,proteo e equilbrio (atividade reflexa postural).

    Concordando com os resultados da pesquisa e com outros estudos, Shumway-Cook, Annee Woollacott, H. Marjorie (22) atribuem o atraso no DNPM em crianas com SD a uma srie de fatores,como a hipotonia muscular generalizada apresentada, persistncia dos reflexos primitivos para alm doseu desaparecimento normal, refletindo num atraso da aquisio dos componentes do controle motorvoluntrio. Segundo esse estudo, deve-se ressaltar que os dois mecanismos envolvidos do processo daevoluo do controle postural na SD no so conscientes: a formao de sinergias musculares e osinsumos de IS (6, 23). De acordo com a citao, salienta-se que o processo de aquisio do sentar nestapesquisa se constituiu de um programa de treinamento, no qual o controle postural foi aprendido eautomatizado pelo contexto das informaes sensoriais como moduladoras para este processo, deacordo com as necessidades de cada criana, explicando a divergncia do nmero de sesses entre elas.

    Para Nashner (24), o fato de ficar em equilbrio envolve a posio do centro de massa e o movimentodo corpo para ajust-lo em relao base de apoio. Sentir o estado de equilbrio algo complexo que requercombinaes visuais, vestibulares e somatossensitivas, pois nenhuma atua individualmente, mas sim emconjunto. O efeito da direo das perturbaes horizontais inesperadas no sentido ntero-posterior da posiocorporal durante o movimento do balano, na organizao de respostas posturais automticas, proporcionarecrutamento muscular em seus diferentes grupos, que favorecem a aprendizagem por meio da somao deestmulos, para que esta postura seja integrada. Conforme o estudo, pode-se afirmar que o balano umaferramenta adequada para a estimulao do equilbrio de tronco, favorecendo o sentar independente em crianascom SD por causa do posicionamento do centro de gravidade em relao base de apoio.

    O controle postural obtido por comandos centrais a neurnios motores inferiores, aestimulao central ajustada ao contexto ambiental por estmulos sensoriais (25). Experinciassensoriais fornecidas dentro de um contexto de atividades significativas e que resultem em repostasadaptativas iro fortalecer a IS, fortalecendo o aprendizado (26). Quando a criana experimenta um tipode estmulo sensorial desafiador para o seu SNC, no sendo um trauma, e responde com sucesso a esseestmulo, ocorre uma resposta adaptativa, sendo que alguma informao sensorial adicional pode serutilizada de forma contnua, reduzindo a oscilao corporal, desde que essa fonte sensorial forneainformao til para a tarefa (27). Sendo assim, a estimulao com o balano fornece uma variedade deestmulos sensoriais que contribui para a modulao de respostas necessrias para o controle motor datarefa de manter-se sentado e estvel.

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    De acordo com a teoria da terapia de IS, os estmulos sensoriais direcionados podem serusados para eliciar uma resposta adaptativa, que consiste numa ao apropriada na qual o indivduoresponde com sucesso a alguma demanda ambiental. Os cinco sistemas sensoriais (vestibular, ttil,proprioceptivo, visual e auditivo) fornecem o alicerce para o desenvolvimento de habilidades maiscomplexas. Todas as aes, tanto motoras quanto as que envolvem processos de aprendizagem eformao de conceitos, so dependentes da capacidade para interpretar informaes sensoriais,mostrando assim a importncia delas no controle motor (18).

    A terapia de IS utiliza como um dos princpios bsicos a estimulao do sistema vestibular,bem definida pelo movimento do balano utilizado na pesquisa, isso porque, alm de fornecerinformaes sensoriais, o sistema vestibular tambm contribui diretamente para o controle motor (28).O SNC utiliza as vias motoras descendentes, que recebem informaes vestibulares e de outros tipospara controlar as posies estticas da cabea e do corpo e para coordenar os movimentos posturais.Relacionando o sistema vestibular com o balano e a terapia de IS, pode-se dizer que eles estointimamente ligados no processo do envio das informaes sensoriais e modulao das respostas, a fimde manter a posio corporal, sendo durante este processo que ocorre o aprendizado motor, como ocontrole de tronco, que possibilita o sentar para que a criana mantenha sua posio, mesmomanipulando objetos e movimentando os MMSS (29).

    No caso do balano, o equipamento suspenso com uma plataforma instvel gera um desafiopara o SNC da criana, buscando manter o centro de gravidade que perturbado pelo movimento lineardo balano, exigindo ajustes posturais constantes. Para que o centro integrador receba informaes sobrea tarefa que est sendo executada, o sistema vestibular est sendo estimulado por movimentos lineares paracontrolar a posio da cabea e postura; a superfcie corporal que est em contato com o balano recebeinformaes tteis do revestimento da plataforma, estmulos proprioceptivos tambm esto sendoenviados de acordo com a posio do corpo no espao e, por fim, o sistema visual contribui para mantero balano natural do corpo distante dos limites da base de apoio, informando como fixar a posio dacabea e do tronco quando o centro de massa perturbado pela translao da base de suporte (15).

    Quando um indivduo se encontra sentado numa plataforma com as pernas estendidas frente e se realiza um movimento da plataforma no sentido anterior, fazendo com que o corpo se inclinepara trs, respostas organizadas surgem nos msculos como quadrceps, abdominais e flexores dopescoo. Em contrapartida, ao se movimentar a plataforma no sentido posterior, inclinando o troncoanteriormente, h resposta reduzida na musculatura do tronco e flexores do pescoo (14).

    Para Ayres (17), o estmulo ttil que o balano realiza na superfcie corporal pode auxiliarna integrao de reflexos primitivos, como o reflexo de preenso palmar, por meio da facilitao dareao de proteo anterior, que proporciona estmulo de presso pela superfcie do balano, e estimulottil na prpria superfcie da mo, pelo revestimento da plataforma.

    Segundo Tecklin (30), na criana com SD, a estimulao do sistema vestibular de extremaimportncia, pois possui forte efeito sobre o tnus muscular, especificamente sobre os msculosextensores antigravitacionais, alm do mais, o estmulo vestibular linear facilita a reao tnica deendireitamento da cabea e tronco superior, o que foi claramente observado nas crianas da pesquisa,que no decorrer dos atendimentos passaram a apresentar uma postura com mais retificao, sem a forteinfluncia da hipotonia que antes dificultava a extenso do tronco.

    Em suas pesquisas, Ayres (17) afirma que os princpios bsicos para a aplicao prtica daIS se constituem em ferramentas prticas para a promoo de respostas adaptativas. Cada vez que acriana supera alguma demanda ambiental, a capacidade de organizao dos estmulos sensoriais seaprimora, e como o sistema nervoso usa as informaes de aes anteriores para guiar a ao futura, aatividade motora pode ser considerada um grande organizador das informaes sensoriais.

    Com a estimulao sensorial espera-se aumento do processamento e organizao dasaferncias sensoriais pelo sistema nervoso, desenvolvimento de respostas adaptativas cada vez maiscomplexas e elaboradas, bem como aumento na durao e frequncia de respostas adaptativas (31).Durante a estimulao sensorial, cada tipo de estmulo evoca um tipo de sinergia como resposta (23),mostrando a importncia da maior quantidade e qualidade de estmulos sensoriais possveis, nas

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    diversas modalidades sensoriais, dando oportunidade ao sistema nervoso para desenvolver-se, realizandoa IS com novas conexes e organizaes neurais, assim como a neuroplasticidade como consequncias novas experincias fornecidas, que no caso da pesquisa apresentada resultou na aquisio do sentar.

    Considerando a variedade de experincias sensoriais existentes no ambiente, um dosprimeiros desafios do beb organizar, interpretar e integrar informaes dos vrios sistemas sensoriais,de forma a dar sentido ao que se passa a sua volta (18). Sabendo disso, pode-se observar que o balanodemonstrou ser um mtodo de tratamento adequado para a aquisio do sentar em crianas com SDneste estudo, visto que os aproxima da curva de desenvolvimento de crianas normais.

    Concluso

    De acordo com a avaliao inicial, estimulao com o balano preconizado pela terapia deIS e avaliao final, as crianas submetidas ao estudo adquiriram o sentar independente antes do tempodescrito pela literatura, bem como ganhos coadjuvantes, como diminuio do reflexo de preensopalmar e liberao de MMSS para manipulao de objetos, permitindo criana maior possibilidade deinterao com o meio, favorecendo o aprendizado e o DNPM.

    Diante dos resultados obtidos na pesquisa e da possibilidade de desenvolvimento de ganhosmotores e cognitivos antecipados em crianas com SD, sugere-se que mais pesquisas sejam realizadassobre esta tcnica de tratamento, estimulando profissionais da reabilitao ao conhecimento daimportncia da IS no processo de reabilitao dessas crianas.

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    Recebido: 26/01/2009Received: 01/26/2009

    Aprovado: 02/10/2009Approved: 10/02/2009

    Aquisio do sentar independente na Sndrome de Down utilizando o balano

    Fisioter Mov. 2010 jan/mar;23(1):73-81