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ÉTICA APLICADA, BIOÉTICA E ÉTICA AMBIENTAL, RELAÇÕES POSSÍVEIS: O CASO DA BIOÉTICA GLOBAL. Applied Ethics, Bioethics and Environmental Ethics, possible relations: the case of Global Bioethics Fermin Roland Schramm 1 RESUMO A hipótese defendida no artigo é que a problemática de ética aplicada, bioética e ética ambiental podem ser integradas na linha de pesquisa traçada em 1970 pelo oncologista VR Potter, ao delinear o campo de estudos que será conhecido como bioética e que será reformulado nos termos de uma bioética global em 1988. Tenta-se mostrar que na Era da Globalização e da vigência do dispositivo da oikonomia - que parece subsumir todos os âmbitos de nossas vidas a um único padrão - ética aplicada, bioética e ética ambiental se revelam de fato entrelaçados. Isso implica em lançar mão de ferramentas conceituais e metodológicas de tipo disciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar utilizadas pelas três formas de tematização do ethos em exame para poder dar conta, ao mesmo tempo, das identidades e das diferenças entre estes três âmbitos de conhecimento e de práticas da Ética. PALAVRAS-CHAVE Bioética, ética aplicada, ética ambiental, ética global ABSTRACT The hypothesis defended in this article is that the problematic of applied ethics, bioethics and environmental ethics can be integrated in the line of research traced in 1970 by the oncologist V.R. Potter, when he delineated the field of studies known as bioethics, reformulated in 1988 as a global bioethics. It is attempted to show that in the Age of the Globalization and the validity of the paradigm of oikonomia - that seems to subsume all the fields of our lives to an unique standard – applied ethics, bioethics and environmental ethics are in fact interlaced. This implies in the use of conceptual and methodological tools of disciplinary, interdisciplinary and transdisci- plinary methods by the thematization of the ethos here in focus, so that the identities and the differences between these three fields of knowledge and practices of Ethics are all taken into consideration. KEY WORDS Bioethics, applied ethics, environmental ethics, global ethics 1 Pós-doutor em Bioética. Pesquisador Titular em Ética Aplicada e Bioética da Escola Nacional se Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz. End: Rua Leopoldo Bulhões, 1480, sala 914, Manguinhos - Rio de Janeiro. CEP: 21041-210 Email: roland@ensp.fiocruz.br C AD . S AÚDE C OLET ., R I O D E J ANEIRO , 17 (3): 511 - 630, 2009 – 511

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Fermin Roland Schramm1

rESUmo

A hipótese defendida no artigo é que a problemática de ética aplicada, bioética e ética ambiental podem ser integradas na linha de pesquisa traçada em 1970 pelo oncologista VR Potter, ao delinear o campo de estudos que será conhecido como bioética e que será reformulado nos termos de uma bioética global em 1988. Tenta-se mostrar que na Era da Globalização e da vigência do dispositivo da oikonomia - que parece subsumir todos os âmbitos de nossas vidas a um único padrão - ética aplicada, bioética e ética ambiental se revelam de fato entrelaçados. Isso implica em lançar mão de ferramentas conceituais e metodológicas de tipo disciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar utilizadas pelas três formas de tematização do ethos em exame para poder dar conta, ao mesmo tempo, das identidades e das diferenças entre estes três

âmbitos de conhecimento e de práticas da Ética.

palavraS-ChavE

Bioética, ética aplicada, ética ambiental, ética global

abStraCt

The hypothesis defended in this article is that the problematic of applied ethics, bioethics and environmental ethics can be integrated in the line of research traced in 1970 by the oncologist V.R. Potter, when he delineated the field of studies known as bioethics, reformulated in 1988 as a global bioethics. It is attempted to show that

in the Age of the Globalization and the validity of the paradigm of oikonomia - that seems to subsume all the fields of our lives to an unique standard – applied ethics, bioethics and environmental ethics are in fact interlaced. This implies in the use of conceptual and methodological tools of disciplinary, interdisciplinary and transdisci­plinary methods by the thematization of the ethos here in focus, so that the identities and the differences between these three fields of knowledge and practices of Ethics are all taken into consideration.

KEy wordS

Bioethics, applied ethics, environmental ethics, global ethics

1Pós-doutor em Bioética. Pesquisador Titular em Ética Aplicada e Bioética da Escola Nacional se Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz. End: Rua Leopoldo Bulhões, 1480, sala 914, Manguinhos - Rio de Janeiro. CEP: 21041-210 Email: [email protected]

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f e R m i n R o l a n d S C h R a m m

1. introdUção

A hipótese que pretendo defender é que ética aplicada, bioética e ética am­biental compartilham um denominador comum, que permite integrá-las naquela linha de pesquisa iniciada por V. R. Potter e indicada pelo termo bioética global. Isso apesar de suas especificidades requeridas pelas diferenças de enfoque e de âmbito de pertinência respectivas, ou seja: a aplicabilidade das ferramentas descritivas e normativas da Ética a qualquer tipo de ação humana para a ética aplicada; sua aplicabilidade às práticas humanas referidas aos seres e sistemas vi­vos para a bioética; e a aplicabilidade às práticas humanas aos ambientes naturais para a ética ambiental. De fato, a hipótese não é muito ousada, pois atualmente – na Era da Globalização e na vigência do dispositivo da oikonomia que parece subsumir todos os âmbitos de nossas vidas – os três âmbitos aparecem, cada vez mais, entrelaçados, devendo-se lançar mão de ferramentas conceituais e met­odológicas de tipo disciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar para poder dar conta, ao mesmo tempo, das identidades e das diferenças entre os três saberes.

O denominador comum se dá pela referência de cada uma à ética e ao ethos, assim como pelos métodos comuns para construir seus objetos específicos; ou seja: (a) a descrição e compreensão (no duplo sentido de “representar” e “apresentar”) dos conflitos existentes no ethos; (b) a prescrição e proscrição de comportamentos humanos. Em suma, ética aplicada, bioética e ética ambiental compartilham o “quê” pela referência ao fenômeno da moralidade, constituído pelo ethos, a apresentação e representação do ethos, constituído pela ética; do mesmo modo compartilham o “como”, o “porque” e o “para que” usar tais fer­ramentas. Isso no que diz respeito àquilo que as une.

Mas Ética aplicada, bioética e ética ambiental, por estar em uma relação complexa de saberes e práticas, podem ser abordadas naquilo que as diferencia, ou seja, serem entendidas como especificações da Ética, entendida como um âm­bito da Filosofia Geral, delineado - em sua forma de saber e de saber-viver - pelos filósofos gregos e tendo como aspiração a sabedoria entendida como pharmakon ideal para o bem viver. De fato, ética aplicada, bioética e ética ambiental são construções humanas que nascem e evoluem num espaço e num tempo devido à pretensão do homo sapiens sapiens de dar conta daquilo que é (compromisso com a Verdade) e pelo desejo de orientar aquilo que deve (ou deveria) ser e/ou é (ou seria) correto que fosse (compromisso com o Bem e/ou a Justiça). Os dois âmbitos são distintos, como bem viu David Hume, a quem se atribui a assim chamada “lei de Hume”, segundo a qual é “inconcebível” derivar valores a partir de fatos, um “deve” de um “é”. (Blackburn, 1997, p.221) Mas, como vem sendo cada vez mais percebido no campo da Ética e da própria Epistemologia, fatos e valores, embora distintos, não são separados, pois existem enunciados como as

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promessas que permitem passar da descrição (P. ex. “Fulano disse: prometo dar a Beltrano x”) à prescrição (“Fulano deve dar x a Beltrano”) (Searle, 1964).

Para corroborar minha hipótese geral do denominador comum entre éticas, devo ir às origens da bioética e para fazer isso apresentarei o caso da bioética global (global bioethics), construída ao longo de mais de duas décadas pelo provável criador, em 1970, do neologismo “bioética” (bioethics) como o entendemos hoje, o oncologista Van Rensselaer Potter (Potter, 1970). Partindo de uma associação de idéias (Gedankenexperiment) entre o comportamento humano na biosfera e a atua­ção das células cancerígenas no organismo (ambos considerados pertinentemente prejudiciais ao humano), Potter propõe, então, um novo tipo de saber – de fato um saber-fazer - que deveria permitir vínculos teóricos e metodológicos entre ciências da vida e humanidades, no plano descritivo, e tendo como objetivo prático, no plano normativo, a “sobrevivência” humana na ecosfera.

Em minha abordagem desta gênese da problemática bioética me preocu­parei, sobretudo, com a análise conceitual, que, a meu ver, permite mostra em que consiste este denominador comum entre as várias ocorrências e adjetiva­ções da palavra ética. Mas, tal preocupação “analítica” será confrontada com outra tradição da filosofia contemporânea: a “continental”, pois os conceitos e os juízos se dão em vários sistemas de pensamento e porque, atualmente, este tipo de distinção, embora pertinente, é insuficiente, visto que as duas tradições tendem a se (con)fundir no movimento da filosofia pós-analítica (Rajman et al., 1985). A razão prática dessa combinação é que os dois métodos, e as duas tradições que os sustentam, pertencem à caixa de ferramentas da filosofia que os assim chamados profissionais da “ética prática” (Singer, 1993), independente­mente da especialidade de cada um, utilizam como educadores, pesquisadores, conselheiros e cidadãos.

Porém, e apesar dos vários âmbitos da Ética serem vistos cada vez mais como um campo complexo de distinções e inter-relações de temas e ferramentas, não entrarei no mérito da assim chamada ética animal. Não porque não consi­dere esta vertente da ética aplicada importante no aprimoramento de nossa sensi­bilidade e de nosso trato com os animais, mas porque ela mereceria uma análise específica que nos afastaria do escopo principal desta abordagem. Esta falta será em parte compensada ao apresentar a bioética global de Potter, pois ela repre­senta um ponto de vista suficientemente amplo para poder abordar conflitos morais que extrapolam o mero âmbito das inter-relações humanas, incluindo questões como a relevância moral do sofrimento evitável de qualquer ser sensi­tivo ou sensível (ética animal) e da transformação irreversível ou destruição de qualquer vivente e seu ambiente (ética ambiental, ecoética). Tampouco entrarei no detalhamento das várias éticas aplicadas, pois meu escopo principal é mostrar

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um possível fio condutor que atravessa o vasto campo da ética e que foi ante­cipado pelo surgimento do conceito de ethos, cujo sentido primitivo se estende do significado “modo ou forma de vida” àquele de “fundamento da práxis” (Aranguren, 1997, p.22-23), e agrega sucessivamente os significados de “guarida”, “costume” e “caráter”. Assim, o provável sentido originário de ethos se aproxima daquele de oikos, sendo que é desta aproximação que deriva o neologismo ecoética, entendida como “ética aplicada às normas e valores que orientam as relações humanas com os seres vivos e os ecossistemas” (Lesch, 2001, p. 339).

Em particular, tentarei mostrar como a bioética surge “grande” com Potter, isto é, consciente de seus desafios e que ela, em sua versão inicial, antecipava a abrangência requerida atualmente pela ética ambiental na época das global­izações. Da mesma forma, tentarei mostrar que ética aplicada, bioética e ética ambiental têm um denominador comum e que este se manifesta na própria concepção “holística” da bioética global de Potter.

2. o qUE UnE ÉtiCa apliCada, bioÉtiCa E ÉtiCa ambiEntal?

Ética aplicada, bioética e ética ambiental têm em comum a referência à ética, que deve, portanto, ser identificada.

Dito da maneira mais sintética possível, a ética pode ser entendida como “ciência” da moralidade (como se pode ler em muitos dicionários) ou, de acordo com uma interpretação da filosofia analítica, como “discurso de segunda ordem” aplicado aos “discursos de primeira ordem” sobre o fenômeno chamado ethos. Em outros termos, de acordo com a distinção da filosofia analítica, teríamos o fenômeno constituído pelos comportamentos humanos, os discursos de “primeira ordem” que acompanham e têm por objeto tais comportamentos (para analisá­los e julgá-los), e os discursos de “segunda ordem” (ou metadiscursos) que têm por objeto o primeiro tipo de discursos, isto é, as avaliações e justificativas dos comportamentos, que deverão ser abordados com as ferramentas da filosofia analítica. Este tipo de categorização é em princípio correto, mas mostra tam­bém seus limites quando perguntarmos acerca das inter-relações possíveis entre ethos e ética, os efeitos de retroação (feedback) da ética sobre o ethos e, de maneira geral, da relação complexa entre ethos e ética. Uma primeira solução desse problema epistemológico pode ser aquela proposta por Ricardo Maliandi, que sugere pensar a relação ethos - ética como uma relação (que poderíamos chamar topológica) que considera a ética como sendo ao mesmo tempo “tematização do ethos” e “tematização de si mesma”; incorporando, portanto, a ética ao próprio ethos, mas sem reduzi-la a este (Maliandi, 2004). A sugestão parece pertinente se pensarmos na própria gênese, na Grécia Antiga, da ética, que foi “prática” ou “aplicada” desde seus primórdios, tornando-se própria e sistematicamente

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“analítica” somente a partir do século XX com a emergência das Ciências da Linguagem. Com efeito, contrariamente a uma opinião bastante comum, a ética de fato nunca se separa completamente do ethos, a não ser por abstração, pois ela mantém uma facticidade normativa por “aplicar-se” aos casos concretos do comportamento humano, a seus projetos de vida, à vida relacional e à criação e ao exercício da cidadania democrática, mantendo, assim, o espírito público que ela tinha na polis ateniense (Castoriadis, 2004). Em suma, entendida como âm­bito específico da filosofia, a Ética tem, desde sua origem, uma dimensão teórica e outra prática, uma prova disso e ela incorporar em sua caixa de ferramentas os dois tipos de raciocínio da lógica clássica: o silogismo categórico e o silogismo prático. Este foi o caso de Aristóteles, que produziu a Política e a Ética a Nicômaco, cuja intenção “não [era] simplesmente transmitir a verdade, mas também afetar a ação” (Barnes, 2001, p. 123).

Por outro lado, ética aplicada, bioética e ética ambiental (ou ecoética 2) são o produto de dois movimentos: (1) a especialização crescente dos saberes iniciada com a separação da ciência do senso comum, ocorrida a partir da Modernidade com Galileu (que realiza ”a unidade da experiência e da matemática”) (Desanti, 1995: 76) e a posterior diferenciação funcional do campo das ciências, iniciada na segunda metade do Século XIX por Wilhelm Dilthey ao separar “ciências naturais” (Naturwissenschaften) e “ciências do espírito” (Geistwissenschaften) (Dilthey, 1883); (2) a reação ao ceticismo moral vigente desde o final do século XIX e surgido com as críticas movidas por Henry Sidwick (Sidwick, 1981) e Fried-rich Nietzsche (Nietzsche, 1998) à ética tradicional, críticas que, em substância, negavam a possibilidade de uma ética normativa, o que reduzira o campo de atuação dos “eticistas” ao âmbito dos aspectos formais dos enunciados morais, âmbito conhecido, desde então, como metaética, como aconteceu em substância com a ética analítica.

1958: o SUrgimEnto daS ÉtiCaS apliCadaS

No final dos anos 50 do século XX surge o movimento conhecido como “renascimento da ética aplicada” (Cremaschi, 2005), que pretende tanto refutar o ceticismo de Sidwick e Nietzsche como ampliar (ou, melhor dito, re-ampliar) o horizonte da Ética para além da mera metaética, mas integrando as exigên­cias metodológicas desta (rigor na análise, cogência na argumentação). Esta integração entre exigências analíticas e exigências fenomenológico-existenciais – trazidas, sobretudo, pela tradição continental da hermenêutica e da filosofia

2 Não farei aqui a distinção entre ética ambiental e ecoética, embora ela seja pertinente quando queiramos distinguir o aspecto de integração do humano em um quadro sistêmico (ecoética) daquele mais tradicional e antropocêntrico (ética ambiental). Ver Lesch, 2001, Op. Cit

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da existência – permite em princípio responder a padrões de profissionalismo análogos àqueles das ciências, evitando, portanto, “achismos” e generalidades. Mas permite, também, abordar conteúdos, valores e objetivos da vida concreta. Tal confluência entre ética analítica e ética prática (ou aplicada) – que Maurizio Mori chama de “filosofia analítica dos problemas concretos” (Mori, 1980) – le­vará a métodos como o “principialismo” de Tom Beauchamp e James Childress – que pretende tornar compatível a discordância moral sobre os “princípios primeiros” e a convergência sobre “princípios intermediários” (Beauchamp et al., 1979) – e o “equilíbrio reflexivo” de John Rawls, consistente em ajustar os princípios gerais e os juízos sobre os casos concretos; ou seja, garantindo simul­taneamente a coerência argumentativa e o ajuste às contingências em que se dão os conflitos existenciais inscritos no ethos (Rawls, 1971).

O renascimento da ética aplicada tem também um evento e um ato oficial em 1956, quando a assistente de Wittgenstein, Elizabeth G. Anscombe, antecipando ou inaugurando o movimento anti-nuclear e o espírito da desobediência civil dos anos 60 (motivado inclusive por razões morais), publica um panfleto para contestar a legitimidade da atribuição, pela Universidade de Oxford, do título de doutorado honoris causa a Harry Truman, o presidente norte-americano re­sponsável pela decisão de lançar a bomba atômica no Japão (Anscombe, 1981). Pouco tempo depois emergem os movimentos como aquele contra a guerra no Vietnã, o movimento para os direitos civis, os movimentos feministas e ecologis­tas, os movimentos terceiro-mundistas, dentre outros; todos eles tendo um forte conteúdo moral e libertário.

A bioética surge também como movimento, mas seu impulso inicial é dado mais ao interior do campo da prática científica e médica do que no campo da própria filosofia, como parece mostrar o fato de ser proposta inicialmente por um pesquisador em oncologia. Entretanto, ao debruçar-se sobre questões existenciais e filosóficas relacionados com as inovações na prática médica (como o transplante de coração, em 1967) e sobre a pesquisa biomédica envolvendo seres humanos (que já tem uma história oficial pelo menos desde o Processo de Nürenberg), assim como sobre seus efeitos em termos de qualidade da vida e bem-estar (que será um dos tópicos do diálogo com a cultura sanitária a partir dos anos 80), ela pertence de direito também ao campo inquieto da filosofia, so­bretudo depois do mal-estar perante o “reducionismo” metaético frente aos no­vos conflitos e dilemas morais resultantes das novas formas de poder e biopoder humano. Em outros termos, os questionamentos vindos do imaginário social, diferentemente configurado, ampliaram o campo de atuação da ética aplicada a partir dos anos 60, quando os filósofos morais tiveram a ocasião de “testar” as ferramentas acumuladas nos debates em metaética e de tentar responder aos de­

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safios da vita activa, considerados por filósofos como Hannah Arendt prioritários com relação à vida contemplativa (Arendt, 1991).

1970: a bioÉtiCa

Em campo historiográfico existem pelo menos três teses plausíveis sobre a origem da bioética: (1) a tese dos limites, a serem considerados na avaliação da ação de médicos e cientistas, que faz nascer a bioética da comoção suscitada pelo Processo de Nürenberg (Hottois, 2001), o que pode ser considerado per­tinente se pensarmos em seu âmbito conhecido como ética em pesquisa, mas que é dificilmente extensível a todo o campo da bioética que diz respeito à privaci­dade, à autonomia, às singularidades; (2) a tese contrária – e de certa maneira complementar – das novas possibilidades terapêuticas e da qualidade de vida, que vê nos avanços da biotecnociência novas possibilidades de bem-estar individual e cole­tivo, o que é substancialmente correto, mas que deveria dar conta também dos riscos e danos envolvidos, inclusive em termos de justiça sanitária; (3) a tese formal, que faz nascer a bioética junto com seu nome – o neologismo bioethics, criado em 1970 – e a abordagem interdisciplinar associada, e a forma argumentativa da justificação que deixa espaço às várias posições morais envolvidas nos conflitos e se preocupa com seu esclarecimento conceitual; entretanto, esta terceira tese esquece que o neologismo existia, em alemão, desde os anos 20 e que método da interdisciplinaridade já existia desde os anos 30, inclusive em medicina, e que a bioética teve, desde seu começo, uma importante pretensão normativa. (Mori, 1994a) Numa ponderação razoável, mas não exaustiva, pode-se dizer que cada tese aponta algum elemento constitutivo da bioética e deve, portanto, ser considerado, por isso, como uma parte de saber in fieri à procura tanto de uma identidade como de uma legitimação social.

O neologismo “bioética” (bioethics) é formado pelas palavras gregas bíos (“vida humana”), distinta da “vida” em geral, indicada pelo termo zoé, e ethos (“guarida”, “caráter”, “hábito”). Aparece na literatura científica, pela primeira vez, em 1970, num artigo publicado pelo oncologista Van Rensselaer Potter com o sentido de “ciência da sobrevivência” e como objetivo a “qualidade da vida” (Potter, 1970). Mas admite-se que a bioética teve também uma segunda paternidade, devida ao obstetra André Hellegers, fundador, em 1971, do Centro de Reprodução Huma­na e Bioética do Kennedy Institute na Georgetown University, e para quem a bioé­tica teria como objetivo repensar a relação médico-paciente no contexto das profun­das transformações advindas na prática da biomedicina (Reich, 1994). Na origem existem, portanto, duas concepções diferentes de bioética: ampla ou “ecológica” (Potter) e restrita ou “biomédica” (Hellegers), a segunda será dominante durante aproximadamente duas décadas (anos 70 e 80 do século XX).

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Mas existe, também, um denominador comum, uma “identidade de in­tenções” nos pontos de vista “macro” e “micro”, pois ambas as interpretações compartilham a idéia de que a bioética tem por objeto a moralidade das práticas humanas que podem ter efeitos irreversíveis e significativos sobre seres humanos e, mais em geral, sobre qualquer ser vivo e o ambiente natural, ainda que exis­tam discordâncias sobre o âmbito de pertinência (que no fundo é um problema metodológico). Assim, se dão as condições de possibilidade para estabelecer uma relação de interseção com a ética ambiental e a ecoética. Mas esta interseção entre bioética e ética ambiental não é necessária, pois se pode muito bem con­siderar uma versão ampla de bioética sem incluir diretamente o ambiente e limitar o foco às práticas dos agentes em biomedicina e na pesquisa com seres humanos, nos efeitos sobre os pacientes reais e potenciais e nas políticas públicas de Ciência & Tecnologia. Só que, neste caso, fica de fora aquela problemática referente à relação correta ou incorreta no (ou com o) ambiente e seus efeitos significativos, enfrentados pela Saúde Ambiental e que, a rigor, se ocupa dos seres vivos e ambientes naturais atuais, mas, também, da transformação e preser­vação do fenômeno vida no futuro.

Este é o caso da definição proposta em 1978 por Warren T. Reich do Kennedy Institute, para quem a bioética seria “o estudo sistemático da conduta hu­mana no âmbito das ciências da vida e dos cuidados em saúde, examinada à luz de valores e princípios morais” (Reich, 1978, p.19). Outra definição, nesse sentido, ampliando a primeira, é aquela de Miguel Kottow, para quem a bioética se refere aos “atos humanos, livres e responsáveis, que alteram radicalmente os processos ir­reversíveis dos sistemas vivo”, ou seja, que “afetam seu fundamento” e cujos efeitos têm influências “profundas e irreversíveis, de maneira real ou potencial, sobre os processos vitais” (Kottow, 2005, p. 68). Ambas as definições remetem, de alguma maneira, à concepção abrangente de Potter que, em 1988, reiterou sua concepção, reno­meando a bioética como “global bioethics” (Potter, 1988).

ÉtiCa ambiEntal

A conceituação de ética ambiental está em parte contida naquela referente à bioética, entendida em seu sentido amplo ou global e referido aos atos huma­nos que têm efeitos irreversíveis significativos sobre a biosfera. Entretanto, sua delimitação é, atualmente, mais complexa e problemática.

É mais complexa devido a seus vínculos com a problemática ecológica, por um lado, e a sua proximidade com a temática da assim chamada globalização, por outro. Isso faz com que deva ser pensada a relação entre ethos e oikos, tendo em conta toda a problemática sobre os efeitos dos dispositivos biopolíticos e de biopoder, e sua avaliação moral e ponderação política.

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É problemática porque, em sua versão mais radical, pressupõe um ponto de vista que supere o tradicional antropocentrismo e seja capaz de constituir “a mais ampla expansão da moralidade ocorrida no decorrer do pensamento humano”, razão pela qual se pode reconhecer que “do ponto de vista da história cultural, a ética ambiental (...) é revolucionária” (Nash, 1989, p. 7).

Essa ideia de Nash é de fato a reelaboração de uma idéia original de Aldo Leopold, considerado o primeiro formulador de uma Ética da Terra (land ethics) e para quem “[a ética da terra] muda o papel do homo sapiens de conquistador da Terra para aquele de membro efetivo e cidadão dela” (Leopold, 1949, p. 204).

De acordo com Nash, o traço mais saliente da ética ambiental, sobretudo em sua versão ecoética que tenta adotar um ponto de vista não antropocêntrico em favor de outro – chamado ecocêntrico – é seu objetivo de ampliar o horizonte da consideração moral até incluir a própria natureza como um todo, que podería­mos chamar – em homenagem à Hannah Arendt – de ponto de vista do planeta azul. Mas isso implica em atribuir à natureza um valor intrínseco e não um mero valor instrumental para fins que só poderiam ser humanos; ou seja, em dar valor à proteção ambiental não porque redundaria em benefícios para o bem-estar dos humanos (antropocentrismo) e, eventualmente, dos outros seres sencientes (sencientocentrismo), mas porque a natureza, em sua totalidade - e considerando seus constituintes - teria valor em si mesma. O problema a ser resolvido é, no plano conceitual, o que pode ser entendido consensualmente como “valor em si” e “natural” em um mundo de coexistência, mais ou menos pacífica, entre Weltanschauungen e referentes morais não necessariamente compatíveis, nem a priori, nem a posteriori (como é o caso nos autênticos dilemas morais). Se quiser­mos fazer comparações, talvez um pouco heterodoxas, poder-se-ia dizer que esta concepção naturalista da ética tem, por um lado, uma dimensão libertária, porque anti-hierárquica, e, por outro, algo muito parecido como um imperativo categórico kantiano, ampliado para além dos objetivos da uma “paz perpétua” (Kant) ou de uma “hospitalidade incondicional” (Derrida), entendendo-se até os limites do Mundo ou oikos extenso, problema intricado e de difícil solução em um contexto que não seja panteísta ou spinozista. Mas, por outro lado, permite esta “ponte” entre os dois tipos de saberes (científico, humanístico), quando a ética estabelece uma relação interdisciplinar com a própria ecologia, tanto com a vertente biocêntrica conhecida como “ecologia profunda” (deep ecology) como com a vertente antropocêntrico-sencientocêntrica da “ecologia superficial” (shallow ecology) (Mori, 1994b).

ÉtiCa ambiEntal, ECologia E globalização

A ética ambiental tem vínculos conceituais estreitos com o conceito de eco-

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logia, mas, por outra parte, ambiente e oikos não são necessariamente sinônimos, nem antônimos, como não o são os conceitos de Umwelt (“meio ambiente”) e Lebenswelt (“mundo vital”, “mundo vivido”) e, mais recentemente, com aquele de globalização, que – segundo Baumann – seria o “destino irreversível do mundo, um processo (...) que nos afeta a todos na mesma medida e da mesma maneira” (Baumann, 1999, p. 7). Tais vínculos conferem um grau de complexidade muito alto ao contexto em que a ética ambiental há de atuar e se legitimar.

A seguir, esboçarei o vínculo existente entre os conceitos de ecologia e de globalização, e isso como maneira de delinear algumas características que considero pertinentes.

ECologia

O termo “ecologia” (Ökologie), formado pelas palavras gregas oikos (“casa”, “habitat”) e logos (“discurso”, “razão”), foi introduzido pelo biólogo alemão Ernst Haeckel em 1866 com o sentido de estudo da economia e dos modos de habitar dos organismos animais (Haekel, 1866). Hoje, ecologia pode ser enten­dida grosso modo de duas maneiras distintas: (a) stricto sensu, como a ciência que estuda os ambientes naturais em que vivem e se reproduzem os seres vivos; as interações entre tais seres vivos e as relações estabelecidas entre tais organismos e seus ambientes naturais (Bégin, 2001); (b) lato sensu, como ciência que inclui o estudo da mente (como propunha o antropólogo Greg­ory Bateson (Bateson, 1972)) ou das idéias (como propõe o sociólogo Edgar Morin (Morin, 1991)). Mas, em ambos os casos, a problemática ecológica acaba se confundindo com aquela das ciências da complexidade, e, com isso, precisa ter como referência a totalidade do mundo vivido (ou “vital”), seus processos e as representações sobre tal totalidade. Assim sendo, abre­se um campo imenso para o pensamento, algo que só tem um antecedente no passado com a mesma magnitude: o filosofar grego sobre o cosmos, mas que, hoje tem um forte componente prático: o da responsabilidade hu­mana para com as várias formas assumidas pela sua práxis, mas cujo efeito imediato é uma séria dificuldade do pensamento em identificar claramente sujeitos e objetos da responsabilidade ao interior de uma visão holística, isto é, referente ao Todo. Talvez seja esta dificuldade do pensamento ecológico em pensar ao mesmo tempo a totalidade e as singularidades que faz surgir a necessidade de pensar a ecologia junto com a globalização, que veremos rapidamente a seguir.

globalização

O termo globalização – surgido na literatura econômica, política, sociológica

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e na mídia durante a década dos anos 90 do século XX (Zolo, 2004) – é mais extenso e problemático ainda. É mais extenso porque não inclui somente o mundo natural ou os sistemas autopoiéticos do cosmos e que se confunde com o sinônimo “mundialização”, incluindo portanto os objetos produzidos pela assim chamada segunda natureza humana: a cultura em geral, que abrange a ciência e a técnica, inclusive a competência biotecnocientífica que torna o homo sapiens sapiens um homo creator, mas que pode torná-lo também um homo demens, como pretende o pensador Edgar Morin, numa clara alusão às loucuras humanas (Morin, 1998). Da globalização-mundialização existe uma variante ideológica: o “mundialismo” (Safranski, 2003), entendido como imagem de uma sociedade mundial mais integrada e uniforme daquilo que de fato é, podendo, assim, ser considerado um termo polissêmico em princípio aplicável a contextos diferentes, mas, também, de difícil operacionalização quando se trata de identificar clara­mente os agentes e os pacientes morais envolvidos quando se pretende abordar os aspectos morais.

De fato, de acordo com o filósofo Peter Sloterdijk, toda a história do Oci­dente poderia ser concebida como uma seqüência de três fases principais de globalização do Mundo, que o autor indica como a imagem das “três esferas”: a Esfera Ideal da metafísica clássica grega; a Esfera Terrestre da Modernidade ocidental; a Esfera Virtual da Pós-modernidade (Sloterdijk, 2001). As três es­feras corresponderiam a três tipos de ações humanas: (1) a representação metafísica do Universo, denominado kosmos ou hyperuránios, atividade com baixo poder de transformação da realidade; (2) a pragmática e calculadora não mais do Universo, mas da Terra ou Globo, na qual a preocupação com o ideal foi substituída por aquela com o interessante e interesseiro; e (3) a representação virtual do mundo através das ciências da informação e das redes. Entretanto, esta conceituação da globalização precisa ser completada com o sentido que ela tem (ou pode ter) com nosso enfoque, aquele dos aspectos morais e éticos.

o qUE a “globalização” E a “ECologia” têm a vEr Com ÉtiCa apliCada, bioÉtiCa E ÉtiCa ambiEntal?

Em primeiro lugar, todos esses saberes têm alguma forma de preocupação (teórica e prática) com o mundo vital ou vivido. Em segundo lugar, tal prob­lemática é abordada seja com uma pluralidade de métodos próprios a cada forma de saber, mas com a possibilidade de estabelecer vínculos entre si frente a problemas comuns, como são, por exemplo, os problemas econômicos, os am­bientais, os de saúde pública e de biossegurança, entre outros. Em suma, éticas, ecologia e globalização se referem, todas, direta ou indiretamente, às práticas humanas que transformam, de maneira significativa, a Terra (ou Globo), o am-

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biente (ou oikos) e os processos vitais, entendidos tanto como os tipicamente hu­manos (bíos) quanto aqueles da vida meramente orgânica (zoé). Com isso, parece que o novo campo conceitual, delimitado pela antiga representação mitopoiética dos gregos e aquela, virtual, dos contemporâneos se fundem e confundem numa espécie de realidade hipercomplexa, ao mesmo tempo real e virtual, de difícil inteligibilidade.

Entretanto, embora seja de difícil inteligibilidade, a bioética tem tido a in­tuição e a sensibilidade para pensar, de forma ampla e inclusiva, a moralidade da práxis humana transformadora do mundo vital e vivido (no duplo sentido da Lebenswelt e da Umwelt) e este é o caso da concepção bioética de V. R. Potter.

3. a bioÉtiCa global E ECológiCa dE v. r. pottEr

Potter era um pesquisador em oncologia e considerava que a espécie hu­mana, ao desenvolver de maneira cada vez mais radical uma civilização tecno­científica aplicada ao planeta como um todo e a todas as suas partes e seres, ter­se-ia tornado uma verdadeira ameaça (o autor utiliza a metáfora “câncer”!) da natureza e, consequentemente, um perigo para a qualidade de vida na biosfera e a própria sobrevivência da espécie humana. Potter, de maneira aparentemente pessimista, considerava também que o instinto moral tradicional do homo sapiens não fosse mais suficiente para enfrentar corretamente os novos perigos criados pelas novas formas assumidas pela práxis humana na idade da biotecnociência. Por fim, julgava que as ferramentas tradicionais da ética ter-se-iam revelada insuficientes para abordar corretamente as implicações morais de tal práxis e tentar evitar os danos a médio e longo prazo. Por isso a humanidade precisaria de uma nova “ética da vida” – a bioética – para “sobreviver”. Esta seria a resultante do estabelecimento de uma “ponte para o futuro” e baseada numa relação interdisciplinar entre conhecimentos científicos e valores humanos para melhorar a qualidade da vida (Potter, 1971).

De fato, as preocupações de Potter têm uma história no próprio século XX, pois existe uma “pré-história da bioética” que começa no Pós-guerra, quando vêm à tona os abusos nas experimentações médicas e são formuladas as primei­ras diretrizes da ética em pesquisa. Ou quando um filósofo como Karl Jaspers considerara o uso bélico da energia nuclear a conseqüência inevitável de uma relação errada com a natureza. (Viano, 1997). Na mesma época, o polêmico Martin Heidegger, em suas meditações acerca do ser e da técnica como metafísi­ca realizada, chamara a atenção sobre os perigos inerentes ao considerar a na­tureza como mero “fundo de reserva” (Bestand). A Escola de Frankfurt, também, iniciara uma crítica à redução da razão a seus aspectos meramente instrumentais em detrimento de sua função dialógica ou comunicativa, e da conseqüente ne­

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cessidade de políticas de reconhecimento do outro e de sua inclusão econômica e política.

Isso no que se refere ao debate interno à filosofia e às ciências humanas e sociais. Mas existem também possíveis causas externas mais próximas da for­mulação de uma concepção global da bioética e que pertencem à ordem dos fatos, como a poluição ambiental, a explosão demográfica; a certeza da escassez dos recursos naturais e a angústia relativa às reais possibilidades de criar novos recursos “naturais” graças à competência biotecnocientífica, assim como o au­mento da pobreza e de outras conseqüências, consideradas negativas, da global­ização ou mundialização sobre países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.

Outras causas, que são ao mesmo tempo internas e externas e que se situam na interface entre fatos e valores, são os fermentos (com forte conteúdo moral e antimoral) de uma cultura alternativa, pacifista, anti-racista e anti-autoritária nas sociedades democráticas ocidentais a partir dos anos 60. Neste sentido, Pot­ter – ao propor o novo campo interdisciplinar da bioética como “ponte para o futuro” – participava das preocupações ecológicas e das cosmovisões alternativas e holísticas, que marcaram fortemente a cultura ocidental dos anos 60 e 70, inclusive a cultura moral. Com efeito, desde seus primeiros escritos publicados sobre a nova problemática moral, Potter integrara em seu projeto esta visão holista e ambientalista presente no ethos “alternativo” norte-americano.

Em particular, Potter vislumbrava uma “abordagem cibernética em vista de uma nova sabedoria do humano”, a qual deveria permitir integrar três tipos de questões: 1) os problemas médicos relativos à biologia humana, amplamente entendida; 2) os problemas sanitários resultantes da degradação do meio ambiente natural e do habitat das outras espécies vivas; 3) os problemas morais decorrentes da competência humana em acompanhar, ou não, a transformação da qualidade de vida humana neste novo contexto biotecnocientífico (Potter, 1975, p. 2297).

Desta maneira, poder-se-ia afirmar que os temores e questionamentos atuais frente aos novos poderes da tecnociência e, sobretudo, da biotecnociência, já estavam “no ar” quando Potter concebia a bioética como uma nova Ciência da Vida, de tipo interdisciplinar, que fosse também uma nova forma de con­sciência, preocupada com (a) a sobrevivência da espécie humana e capaz de integrar os conhecimentos da biologia humana (amplamente entendida); (b) a competência em criar e acompanhar o desenvolvimento dos valores humanos; (c) a emergência dos problemas relativos ao meio ambiente e ao relacionamento correto com os outros seres vivos, em prol de uma qualidade de vida aceitável por todos os envolvidos e que possam vir a ser envolvidos (como as assim chama­das “gerações futuras”). De fato, com as expressões “ciência da sobrevivência” e “ponte para o futuro”, o autor queria chamar a atenção para uma série de

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perigos que estariam ameaçando a espécie humana, a menos que esta tivesse em devida consideração os ensinamentos fornecidos pelas ciências biológicas e se desse conta da necessidade de uma nova forma de relacionamento com a Terra. Por isso, Potter acreditava na necessidade de uma nova ética: a bioética, cujo conteúdo programático seria aquele de relacionar o desejo de uma “nova sabedoria que proporcion[asse] o conhecimento de como usar o conhecimento para a sobre­vivência humana e o melhoramento da qualidade de vida” com a necessidade de desenvolver “um entendimento realista do conhecimento biológico e seus limites, afim de fazer recomendações no campo das políticas públicas” (Potter, 1970: 131). A solução moral adequada ao atual estágio evolutivo seria, então, aquela representada pela bioética, entendida como forma de “balancear os apetites culturais frente às necessidades fisiológicas, no sentido de políticas públicas capazes de gerar a sabedoria necessária com relação ao como usar o saber em prol do bem social” (Potter, 1970, p. 150-151).

Tais questões serão retomadas por Potter mais tarde, ao formular ex­plicitamente a teoria da “bioética global” (Potter, 1988) e sublinhar o sentido de uma “moral evolutiva”, que fosse ao mesmo tempo “humilde”, “responsável” e “competente”; ou seja, “diretamente voltada para a sobrevivência, em longo prazo, da espécie humana; (...) a proteção da dignidade humana; (...) o controle da fertilidade; a preservação e o restabelecimento de um ambiente saudável”. Em par­ticular, esta “moral evolutiva” deveria propiciar ao humano a capacidade de enfrentar o “fluxo fatal” (fatal flaw) presente na evolução; isto é, a lei evolutiva segundo a qual a seleção natural só favorece o que é imediatamente útil para os indivíduos altamente especializados e perfeitamente adaptados a seu meio, mas que poderia ser fatal, em longo prazo, para uma determinada espécie, constituindo, portanto, uma desvantagem, ou “fatalidade”, para esta. Por isso – concluía Potter – o meio cultural deveria balancear adequadamente, por um lado, os apetites, de curto prazo, do indivíduo e, por outro lado, as necessi­dades, de longo prazo, da espécie, a fim de poder vislumbrar “uma sobrevivência aceitável, em contraste com a mera sobrevivência, ou uma sobrevivência miserável” (Potter, 1990, p. 91,98). Em suma, e contrariamente às outras espécies, para os huma­nos o desfecho da evolução poderia ser, em princípio, diferente, desde que soubessem opor-se ao ‘fluxo fatal’ com os meios culturais e tecnocientíficos disponíveis, e desde que desejassem, coletivamente, a sobrevivência.

Numa entrevista concedida a Sandro Spinsanti em 1994, Potter confir­mou que seu interesse pelas relações entre saber científico e responsabili­dade moral devia ser compreendido à luz de sua preocupação com os prob­lemas ecológicos emergentes no imaginário social norte-americano durante os anos 60. Nisso, Potter reconheceu um débito com o pensamento de Aldo

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Leopold, que os vinha abordando desde os anos 40 em sua ética da terra, na qual Leopold distinguia o desenvolvimento moral em três estágios: 1) o estágio da regulação das relações entre indivíduos; 2) o estágio das relações entre indivíduos e sociedade; 3) o estágio das relações entre o homem e a biosfera. Com relação à sua preocupação com o futuro da humanidade, Potter afirmou ter ficado impressionado com a leitura de um artigo da antropóloga Margareth Mead, publicado na revista Science em 1957 (Mead, 1957) e que propunha a criação de cadeiras de ensino universitário sobre o futuro. Retomando o projeto da antropóloga, Potter publicou em 1970 na revista Science um artigo sobre a “dupla” responsabilidade dos universitários: não somente a responsabilidade para com a tradicional vocação na procura e na transmissão do conhecimento “verdadeiro”, mas também com a sobrevivência da espécie humana e a qualidade de vida futura (Potter et al., 1970). Como o autor esclareceu na entrevista de 1994, esta “procura da verdade orientada para o fu­turo” implica tanto uma postura de “humildade frente ao futuro” quanto uma postura metodológica consistente em “superar os limites disciplinares; exercer e aceitar as críticas e desenvolver abordagens e soluções pluralistas, apoiando-se em grupos interdisciplinares”. Já do ponto de vista estratégico, Potter, ao propor a bioética como um novo paradigma ao “serviço da sobrevivência”, queria, em primeiro lugar, superar a contraposição entre ciência e ética, combinando “o conhecimento biológico com os valores humanos, num sistema biocibernético aberto de auto-avaliação”. Em outros termos, a intenção de Potter não era a de propor mais uma síntese entre ciência e filosofia, mas, ao contrário, a de “opor-se à perspectiva que considera a ética como vindo de fora da ciência, isto é, vindo da reflexão filosófica e teológica”. Com isso, Potter estigmatizava a pretensão dos cientistas de estarem “livres” de valores e considerava que a evolução moral fazia parte da própria hominização e, como tal, constituiria um objeto legítimo da investigação científica. Em suma, para Potter a ponte entre ciência e filosofia não implicaria em subordinar a filosofia à ciência, nem em subordinar esta àquela, mas, ao contrário, em vincular valores humanos e conhecimentos científicos em um autêntico diálogo interdisciplinar e transdisciplinar. Em particular, aqueles vindos da fisiologia, da genética e da ecologia, pois “uma sobrevivência que salve a qualidade [da vida] só é possível se os sistemas éticos são compatíveis com o mundo real”. Resumindo, o novo paradigma da bioética pretendia “relacionar nossa natureza biológica e o conhecimento realista do mundo biológico com a formulação de políticas finalizadas à promoção do bem­estar social” (Spinsanti, 1994, p. 236-240).

4. ConClUSõES

Os problemas epistemológicos e metodológicos que a bioética global de Potter levanta são muitos, a começar pelo fato de parecer esbarrar contra a lei

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de Hume e de incorrer, portanto, na falácia naturalista consistente em confundir fatos e valores. Contudo, este tipo de “transgressão” dos limites metodológicos estabelecidos entre campos de conhecimento distintos é hoje moeda corrente nas concepções complexas tanto das ciências como da ética, razão pela qual a própria lei de Hume pode ser questionada e é, de fato, questionada, como vimos com o exemplo dos enunciados ilocutórios das promessas. Ademais, no campo da prática política, os questionamentos parecem ressurgir nos anseios referentes aos biopoderes e à biopolítica vigentes no contexto de globalização e da instau­ração crescente daquilo que Giorgio Agamben chamou de “estado de exceção”.

Mas, junto com o fenômeno da globalização (da qual a bioética global de Potter funciona como uma espécie de metáfora antecipadora em ética), surgem também as reações de desconfiança perante os supostos benefícios da biotec­nociência, como bem mostram os movimentos sociais antiglobalização, por um lado, e o ressurgimento de interesse nas temáticas da biopolítica. Em suma, existe um temor frente aos cenários apocalípticos de servidão e escravidão do humano que a biotecnociência tornaria possíveis, visto que esta nova forma de competência - ao mesmo tempo técnica, poiética e prática - estaria, por exem­plo, reduzindo a diversidade biológica e, portanto, as possibilidades de auto­poiese da vida. Mas, por outro lado, existe também a corrente que considera a vigência da biotecnociência como um fator positivo, com possibilidades imensas de transformação da Terra e de seus seres em sentido positivo, inclusive criando novos seres vivos. Este é o caso de quem pensa que a “segunda natureza”, con­stituída pelas construções humanas, possa transformar a “primeira natureza” em sentido positivo. A este respeito, a posição de Potter parece clara: a reforma do humano por ele mesmo é um processo evolutivo necessário e irreversível, e não uma mera possibilidade contingente do agir, pois é dele que dependeria a própria sobrevivência da espécie humana.

Querendo fazer uma análise racional e imparcial do debate, pode-se afirmar que a desconfiança perante os biopoderes e a biopolítica é certamente pertinente e, em certa medida, salutar, pois pode evitar aquela que já os filósofos gregos metaforizaram como hybris, ou “desmedida”. Mas, desde que ela não se torne uma posição obscurantista decorrente de avaliações erradas sobre o real alcance da biotecnociência, tanto no que diz respeito à sua capacidade em resolver problemas concretos da biologia humana e da biologia tout court quanto no que se refere aos possíveis desdobramentos futuros em termos de novas formas de biopoder e de biopolítica. Em suma, a desconfiança só pode ser razoável se for um aspecto da virtude da prudência, já destacada também pelos filósofos gregos como possível pharmakon contra a própria hybris.

A correta articulação entre globalização, ecologia e éticas, que tentamos

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apresentar como uma das preocupações genuínas de Potter, talvez seja condição necessária para enfrentar de maneira razoável as promessas (positivas) e as pro­fecias (negativas) que povoam o imaginário tanto do senso comum como das várias formas de saberes especializados, os quais, frente ao “abacaxi” ambiental, se dão conta dos limites de cada saber e da necessidade de um diálogo interdis­ciplinar capaz de respeitar as diferenças e qualquer interesse razoável e moral-mente legítimo. Se isso se tornará possível, ou não, é matéria de futurologia, não contemplada neste trabalho.

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Recebido em: 01/11/2008 Aprovado em: 19/12/2009

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