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A UNIDADE DO INTELECTO CONTRA OS AVERROISTAS (edição bilingue)

A Unidade Do Intelecto Contra Os Averroistas

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Page 1: A Unidade Do Intelecto Contra Os Averroistas

A UNIDADE DO INTELECTO CONTRA OS AVERROISTAS (edição bilingue)

Page 2: A Unidade Do Intelecto Contra Os Averroistas

Título original: De Unitate Intellectus contra Auerroistas

Edições 70 e Mário Santiago de Carvalho, 1999

Capa de Edições 70

Depósito legal n.’ 141538/99

ISBN 972-44-1012-9

EDIÇOES 70, LDA. Rua Luciano Cordeiro, 123 - 2.’ Esq.’ - 1069-157 Lisboa / Portugal

Telefs: (01) 3158752 - 3158753

Fax: (01) 3158429

Esta obra está protegida pela lei. Não pode ser reproduzida, no todo ou em parte, qualquer que seja o modo utilizado, incluindo fotocópia e xerocópia, sem prévia autorização do Editor.

Qualquer transgressão à lei dos Direitos do Autor será passível

de procedimento judicial.

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são TOmás de AQUiNO

A UNIDADE DO INTELECTO CONTRA OS AVERROÍSTAS

(edição bilingue)

Tradução, apresentação, glossário, quadro cronológicoe índice onomástico

por Mário Santiago de Carvalho

edições 70

Page 4: A Unidade Do Intelecto Contra Os Averroistas

APRESENTAÇÃO

1. ‘A Unidade do Intelecto contra os Averroístas’ (1270): um texto actual?

«O último livro do De Anima é todo um programa de trabalho» (E Gil - Modos da Evidência, p. 37 1)

O trabalho de Frei Tomás de Aquino que o leitor tem agora nas suas mãos teve origem ou justificação mais remota no conteúdo do terceiro livro da obra que Aristóteles (t 322 a. C.) escreveu sobre a psyché, vulgarmente conhecida pelo seu título latino De Anima (= A Alma).

Tomás de Aquino (t 1274) escreveu A Unidade do Intelecto contra os Averroístas em 1270, ou seja, mais de mil e quinhentos anos depois da obra do Estagirita, mas a sua redacção assumia um tom de uma tempestiva actualidade. Pensemos, por exemplo, no testemunho de São Boaventura (t 1274), contemporâneo de São Tomás e como ele docente universitário em Paris, quando conta o «erro» da unidade do intelecto entre os três mais pungentes temas do seu atribulado tempo’. Um poderoso rival de São Tomás, João Peckham,

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por volta da mesma altura (1270), numa questão dedicada embora à possível eternidade do mundo, também considerava que a admissão de uma única alma - é assim que ele se expressa - para todos os homens era algo que ía contra a mais conveniente filosofia (rectissimam phy1osophiam)2. Igualmente, noutro quadrante, um severo inimigo dos frades mendicantes, Gerardo de Abbeville, tratando, no Natal de1270, do mesmo «erro», não lhe poupará adjectivos vituperadores: «llusão diabólica», «frívola concepção»’ . E um outro franciscano coevo, Pedro de João Olivi (t 1292), afirmará textualmente, também bastante assustado, que muitos dos intelectuais de Paris que se dedicavam à filosofia (clerici Parisius philosophantes) sustentavam a existência de um único intelecto para todos os homens’. Eis o tema preciso deste breve mas notável escrito de polémica, aliás claramente enunciado no seu próprio título.

O que é que havia, então, de alarmante nessa problemática, ou seja, na defesa de que os homens todos, ao pensar, partilham de um só ou de um único intelecto (= monopsiquismo)? Para podermos responder à pergunta necessitamos, evidentemente, de retroceder até ao próprio texto do macedónio Aristóteles (§ 2). Porém, gostaríamos de testemunhar desde já que a problemática mais geral ou o horizonte genérico que funda a discussão do presente opúsculo de polémica de Tomás de Aquino não deixa ainda hoje em dia de suscitar o interesse dos filósofos. Que, de facto, não se trata de uma problemática exclusivamente situada no século XIII, prova-o, v. g., o testemunho insuspeito de um filósofo anglo-saxónico, A. Kenny, que numa obra de iniciação ao pensamento do Aquinate soube enquadrar o seu sentido da seguinte forma:

«Um dos motivos que levaram os homens através dos tempos ao estudo da filosofia foi o desejo de compreender a sua própria natureza. Em particular, os homens voltaram-se para a filosofia para procurar um maior conhecimento da natureza dos seus próprios espíritos. Desde os tempos antigos, os filósofos tentaram ganhar este conhecimento, reflectindo sobre os seus próprios processos mentais e capacidades, e considerando a linguagem que usamos para exprimir e descrever os nossos estados mentais. Em séculos recentes, apareceu um número de disciplinas científicas dedicadas ao estudo do espírito- ramos da psicologia experimental, social e clínica. A informação adquirida por estas disciplinas ajuda-nos imenso na compreensão da natureza humana: mas não competem com, nem conseguem substituir, o estudo filosófico do espírito. Isto acontece porque a relação entre os fenômenos estudados pelo cientista e os acontecimentos ou estados mentais que se manifestam nestes fenómenos, é, ela própria, um problema filosófico: é o problema central da filosofia da psicologia, ou o que hoje se chama, vulgarmente, ‘filosofia do espírito’. Devido à natureza estável do quadro filosófico para o estudo do espírito, os escritos de filósofos do espírito antigos, medievais, e dos séculos XVII e XVIII, não se tornaram antiquados com o progresso da ciência, como aconteceu aos seus escritos em outras áreas. Em particular (... ) os escritos de Aquino sobre os tópicos hoje tratados porfilósofos do espírito continuam a ter valor.»’

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Sem dúvida que esta confissão, apesar de excessivamente centrada, como não podia deixar de ser, no universo problemático anglo-saxónico da philosophy of mind é bem reveladora de que a contribuição tomasina continua nos nossos dias a dar que pensar. E, a falar verdade, acabámos de enunciar o verbo-chave da presente obra do Aquinate, pensar (intelligere). Era, aliás, também este um dos temas principais, senão o principal, na obra do Estagirita que no século XIII, tal como hoje, não deixa qualquer leitor indiferente.

Com efeito, se um filósofo insular como Kenny pôde repensar Aquino no plano da filosofia do espírito, na nossa qualidade de filósofo continental ousaríamos rasgar um gesto afim embora em clave diferente, a do significado do pensar isto a propósito de um tema situado, o relativo ao sujeito do pensar. Transitaríamos assim, embora não de maneira exclusiva ou unidireccional, da filosofia do espírito para a epistemologia e depois para a própria antropologia ou mesmo para a ontologia da intelecção. Foi nesta direcção - para tudo dizermos numa palavra - que a receptividade latina do texto de Aristóteles obrigou Tomás de Aquino a apontar: cada11

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homem de per si, cada sujeito individual, pensa num modo universal. Talvez se pudesse prevenir parajá que esta defesa ante-moderna da individualidade do pensar - devendo por isso ser considerada na sua diferença em relação ao sentido aberto pelo cogito - ao coincidir com a reivindicação da quase plenitude do sujeito (subiectus) do pensar se inscreve num horizonte que dificilmente poderia ser captado pela dicotomia exclusiva sujeito/objecto (o que se chamou a economia da objectividade); isto, evidentemente, dada a radical proposta de uma paradoxal imersão do pensar na physis, com a inversa correspondente (uma espécie de ‘o que em mim sente está pensando’), como condição para uma realização plena do pensamento. Na defesa veemente quer da individualidade quer da universalidade do pensar o nosso autor procurará justificar a passagem entre uno/ múltiplo/ uno aqui em causa sem que isso implique a adopção da tese monopsiquista, considerada um erro grosseiro.

Logo nas primeiras linhas de A Unidade do Intelecto contra os Averroístas (§ 1) se verificará que todo o problema gravita em torno do Filósofo e da sua concepção do noús pathétikos ou intelecto possível, acerca da qual recentes filósofos continentais reconhecem tratar-se de «uma das maiores invenções de Aristóteles». Há quem chegue até a confessar, sempre sobre o mesmo tema: «Reencontro-me inteiramente em Aristóteles».’ Cremos que o leitor desprevenido ficará intelectualmente desassossegado ou motivado para uma interpretação ou para uma leitura contemporânea interpelante de um texto do longínquo século XIII. Que outra coisa seria de esperar do encontro de um magnífico e inteligente leitor - Tomás de Aquino - com uma obra europeia seminal, como a de Aristóteles?

Esclareçamos, então, num breve apontamento como convém a este género de edições, os dois principais pontos em exame no encontro aquinatense com uma problemática estagirita intemporal.

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2. A Unidade do Intelecto

Os principais capítulos do livro III do De Anima visavam clarificar a natureza do intelecto (nous) do homem. Aristóteles escrevera, em tom para nós problemático, que aquilo pelo qual a alma pensa é sem mistura, puro, impassível e separado, falando igualmente de um intelecto capaz de se tornar todas as coisas e de um outro capaz de tudo produzir. Vejamos uma passagem:

«Quanto ao intelecto e à faculdade teorética nada éainda claro, mas parece ser um género da alma, o único separado, como o eterno o é do corruptível»

E no quinto capítulo (430a 14-15):

«Há, com efeito, por um lado, o intelecto capaz de se tornar todas as coisas, por outro, o intelecto capaz de as produzir todas, semelhante a uma espécie de estado como a luz, pois, de uma certa maneira, também a luz faz com que as cores passem de um estado de potência a acto.»

A questão a interpretar consistirá, precisamente, em conhecer o significado daquela separação e o estatuto dessas (duas?) faculdades. Seriam elas separadas (ontologicamente? conceptualmente?) do homem, de cada pessoa humana? E, se assim fosse, como continuar a afirmar que cada homem em concreto pensa? Não é esta, no fim de contas, uma experiência, digamos, natural e pessoal? Mas ainda: como compatibilizar aquela separação com a teoria do hilomorfismo, segundo a qual a alma é a forma de um corpo natural vivo?

Todos os grandes intérpretes e comentadores de Aristóteles se confrontaram obrigatoriamente com o sentido destas palavras: Alexandre de Afrodísia (séc. 11-111 d. G), Temístio (séc. IV), Avicena (t 1037), Algazel (t 1111) e Averróis (t 1198)1 - eis os nomes dos principais comentadores que serão expressamente invocados pelo autor de A Unidade do Intelecto contra os Averroístas. Quando Aquino começa a

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filosofar as obras do Estagirita estavam na agenda filosófica e teológica e, forçosamente, o exame do sentido destes textos também. Seria compreensível, portanto, - seria mesmo exigível - que, com vista à sua dilucidação, qualquer leitor honesto se confrontasse com a tradição interpretativa quer grega quer arábica longamente estratificada. Neste particular, aliás, o Aquinate é um intelectual exemplar, salientando-se

a sua capacidade de diálogo intercultural com as sumidades conhecidas dos espaços judeu e islâmico’.

A questão da interpretação do texto grego não era, no

entanto, pacífica. Não só porque Aristóteles não teve o condão de ser claro, mas também porque o conhecimento das suas obras no Ocidente latino sofrera uma complexa transmissão, seja pelo prisma da tradução dos textos seja pelo lado da sua

interpretação. Algumas vezes, ao longo das notas que escrevemos para ajudar a ler -julgamos - o texto tomasino (e nas quais fomos devedor, em mais do que saberíamos reconhecer, do conspícuo trabalho de A. de Libera citado na

«Bibliografia»), tivemos oportunidade de aludir ao modo

como as traduções condicionavam ou determinavam o sentido do texto e as polémicas conexas. Podemos assim omitir aqui esta perspectiva. Confinemo-nos rapidamente ao prisma mais genérico da interpretação, actividade na qual, como

lembrámos, sobretudo eminentes filósofos de escrita grega e árabe tiveram papel preponderante.

Contamos basicamente com três grandes interpretações relativas à natureza do intelecto tal qual Aristóteles a teria pensado: (1) o grego Alexandre de Afrodísia (séc. Il-III), cujo extracto do comentário que fez ao De Anima, com o título latino De intellectu et intellecto, foi primeiro conhecido entre os pensadores de expressão oficial árabe, antes de ser deixado ao Ocidente latino, defendera que o intelecto capaz de produzir todas as coisas, o intelecto agente - intelligentia agens - era uma substância transcendente distinta do homem, de cujo organismo o intelecto natural ou material dependia por inteiro 10 ; (ii) o cordovês Ibri Ruxd (t 1198), conhecido entre os

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latinos por Averróis, defendeu que o intelecto que se distingue do homem, uma substância separada (da matéria), por isso imaterial, eterna e também única para todos os homens, não é só o ‘intelecto agente’, mas também o intelecto capaz de se transformar em todas as coisas, a que ele deu o nome de ‘intelecto material’ e que os latinos conheciam melhor pela expressão intellectus possibilis, «intelecto possível». (iii) Tomás de Aquino aparece como o representante de uma alternativa: por razões filosóficas (mas também teológicas), não aceita que só exista um único intelecto para todos os homens e, por isso, interpretará quer o intelecto agente quer o possível como constituintes da alma humana individual, o que implica - repetimos - que seja cada homem individualmente considerado e de per si a conhecer e sobretudo a pensar.

Temos que sublinhar devidamente esta posição, apesar de, certamente, ela hoje - após a descoberta do sujeito moderno, e não obstante o nosso aviso prévio - nos soar talvez sem qualquer ressonância problemática. Na altura, as coisas não eram assim tão simples, como veremos.

Contrariamente aos seus predecessores, a insistência de São Tomás não incidirá na separabilidade ou universalidade da faculdade de pensar, mas, unindo-a estreitamente ao corpo humano através da forma deste último, a alma, ele quererá que aquela faculdade faça parte integrante de todo e qualquer homem singularmente considerado sem que isso signifique que lhe fique vedada a ciência que deverá ser sempre universal. Saltará à vista de qualquer leitor de A Unidade do Intelecto contra os Averroistas que Tomás de Aquino presume que a sua tese não é inovadora visto não coincidir senão já com a do próprio Aristóteles. Também a sua doutrina do intelecto cruzava dois motivos importantes. Um, como dissemos, dizia respeito à teoria hilomórfica - a alma humana é a forma do corpo, a sua energia interna, indissoluvelmente ligada àquele -, motivo que servira ao Estagirita para se

distanciar do mestre Platão; o outro, de cariz platónico, prendia-se ao facto de ambos, mestre e discípulo, nunca se terem afastado do princípio de que só há ciência do universal.

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Ora, o intelecto teria por tarefa a descoberta e a exposição desta universalidade pela abstracção ou pela iluminação. Mas para todo aquele que pretendesse seguir o distanciamento para com Platão, o problema residia precisamente aqui: se a

alma é a forma do corpo singular ou individual e se o intelecto é uma faculdade dessa alma, como é possível chegar à universalidade e à certeza inabalável que deve caracterizar toda e qualquer ciência?

Esta interrogação de cariz gnosiológico foi depressa moldada numa chave metafísica e desta transformação dá testemunho tardio o filósofo hispânico Averróis ao responder-lhe - como dissemos - que há apenas um único intelecto (que não se identifica, portanto, com nenhuma das faculdades da alma que é forma do corpo individual) para toda a

humanidade. Assim se garantia o carácter universal e absoluto da ciência, embora, como se compreende, se tornasse problemático o contributo individual para essa esfera separada. Vale a pena sublinhar a força e o engenho da magnífica proposta de Averróis, também neste particular inteligente e consequente intérprete-leitor de Aristóteles.

Tal como o Estagirita, Averróis afirma que o conhecimento tem início nos sentidos. Os resultados da percepção sensorial são coordenados pelo sentido comum onde é organizada uma

já complexa imagem sensorial de um determinado objecto sensível. Mas a contribuição de cada indivíduo para o

conhecimento não acaba aqui. Sentidos, imaginação, potência (ou faculdade) cogitativa e memória constituem a dimensão gnosiológica singular, os elementos que são o ponto de partida para o conhecimento racional ou intelectivo (nous) próprio do homem entre todos os outros animais. É evidente, ainda, que entre um sentido, v. g., o tacto, e a faculdade cogitativa (que tem por função depositar na memória a forma que captou de um indivíduo após um processo de distinção e

discernimento imaginativo) existe um processo de crescente separação relativamente aos sensíveis que se constituirá como a potência para um conhecimento de uma outra índole; referimo-nos a um conhecimento de âmbito racional que não poderá ser singular mas terá de ser - repetimos - universal.

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A passagem do que é potencialmente inteligível para um inteligível em acto, isto é, a transformação dos conteúdos cognitivos localizados no cérebro de cada indivíduo em conteúdos racionais de natureza intelectiva implica uma cisão ontológica que poderíamos traduzir por uma passagem do singular para o universal. É aqui que entram o intelecto material (o intelecto possível dos latinos) e o intelecto agente, ambos separados do homem individual, competindo ao

primeiro captar os inteligíveis que existem em potência no

mundo das coisas já transformadas pela alma de cada pessoa, graças à intervenção actualizadora do intelecto agente, que ainda deposita no intelecto material o que acaba de ser

pensado de maneira universal.

Há um momento particularmente feliz (embora não menos problemático) no Grande Comentário de Averróis (111, 5)1’

com o qual poderemos começar a ponderar a ‘de-cisão’ que divide o Aquinatense do Cordovês. A expressão do que chamaríamos «conceptualização intelectiva», que nos

aparece vertida em latim pela palavra formatio ou também imaginatio per intellectum (recordemos que aquele original árabe não chegou até nós e que formare deve traduzir o grego noein), é significativamente reveladora de que Averróis é radicalmente aristotélico na medida em que sustenta que cada homem de per si contribui de facto e de maneira substancial, ou seja, enquanto sujeito (subiectus), para o conhecimento intelectivo e sem o contributo do qual não se pode falar de conhecimento verdadeiro de natureza intelectiva. A diferença em relação a Tomás de Aquino está, porém, em que Averróis não consegue equacionar a necessária universalidade ou

universalização do conhecimento científico ou intelectivo sem separar ou universalizar também o outro sujeito que intervém, o nous ou intelecto (material e agente). Há nele, claramente, um suplemento de substancialização, ou dito de outro modo: o princípio subjacente à epistemologia de Averróis é o de que o pensamento intelectivo, sendo exclusivamente objectivo, tem de ser impessoal. A separação ontológica abre uma inevitável fissura entre os dois principais sujeitos ou fundamentos do conhecimento, o eu (a alma

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individual), fundamento objectivo (obiective) do conhecimento, e o intelecto (o nous universal e eterno) seu fundamento subjectivo (subiective). De novo em linguagem moderna (obviamente não averroísta), falaríamos de um

supra-eu (subiectus) colectivo no que toca aos pensamentos continuando cada um de nós a ser o primeiro suporte (geneticamente falando, é claro) das sensações, ficções, imaginações e memórias que são o ponto de partida dos ideatos.

Não queremos dizer com isto que a recusa tomasina em universalizar ou separar ontologicamente o intelecto de cada homem seja menos aristotélica. Sê-lo-á diversamente e a sua exegese filosófica tão pormenorizada do Estagirita é de uma

coerência bastante invejável. Ela inscreve-se porém numa

tradição alheia à de Averróis ao ser extraordinariamente sensível à concepção - chamar-lhe-íamos neoplatónica cristã e pensaríamos no legado fecundíssimo de Agostinho - de que pensar é uma actividade própria da alma (anima, mens, spiritus) de cada pessoa humana enquanto indivíduo.

Assim sendo, a defesa de um único intelecto partilhável por todos os homens era algo que Tomás de Aquino não poderia aceitar na medida em que isso implicaria esta posição (aparentemente) bizarra: o homem não pensa, é pensado. Será precisamente isto que um autor Anónimo (dito de Giele) chegará a dizer, em resposta a Tomás de Aquino, algures entre 1270 e 1275. E dissemos ‘aparentemente’, como é óbvio, porque nunca como hoje a subjectividade moderna adquiriu consciência das inúmeras instâncias (sociais, económicas, psicológicas, linguísticas, etc) que escapam ao

eu, o fragmentam ou o superestruturam. Seria aquela, então, a tese do notável filósofo Averróis, e, como é fácil de compreender por aquela crua afirmação, sob a defesa da unicidade do sujeito do pensamento, ela implicava uma

concepção determinada do que significa pensar.

Mas, ousemos perguntar: além de Averróis (morto havia já setenta e dois anos) havia mais alguém a defender, em1270, semelhante tese?

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3. Contra os Averroístas

«... porque este é tal assunto que a mais sábio do que tu já fez errante,

pois que ele por doutrina fez disjunto

o intelecto da alma» (Dante - Purgatório XXV, 62-65)`

Conforme se vê pelo título complementar, parece que a

resposta só pode ser afirmativa. A obra visa os «averroístas», averroístas latinos como insistirá o seu autor, e já atrás sugeríamos que Tomás de Aquino não era muito um escritor de considerações intempestivas. Porém, mais uma vez, as coisas históricas parecem não ser tão simples, dificultando a nossa aproximação ao fenómeno do denominado «averroísmo latino». 13 Como é óbvio, a expressão remete para Averróis, mas é preciso prevenir imediatamente que nesta dependência literal a designação é infeliz; de facto, um ‘averroísta latino’ parece ser tanto um discípulo de Averróis quanto (e salvas as devidas proporções) alguém que leu que Karl Marx considerava a luta de classes como um motor da história pode ser considerado marxista ou uma jovem adolescente que ouça compulsivamente «Für Elise», uma bethoveniana. Seria mais sensato invertermos esta verificação: S. Górnez Nogales - no que foi reforçado por R.-A. Gauthier - habituou-nos a dizer que, neste sentido,

14 Averróis não era averroísta

Na sua evolução, o tema do ‘averroísmo latino'é também algo complexo e a sua heterogeneidade não facilita uma rápida aproximação`. A mais consensual historiografia costuma dividir a sua génese em quatro fases, mas, como é óbvio, só a que diz respeito a Sigério de Brabante é que aqui

16 nos interessa prioritariamente .

Trata-se, no seu início, de um fenómeno localizado -

invenção ou moda parisiense ao que parece - antes de se ter disseminado rápida e amplamente como testemunha a história da sua proliferação. Sabe-se, v. g., que poderá ter chegado inclusive a Portugal, pois em Lisboa, durante o séc.

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XIV, nas escolas de Leis, um certo Tomás Escoto ensinava não o monopsiquismo, é verdade, mas algumas ideias que desde cedo lhe estiveram associadas como v. g. a da possível eter undo 17 ; contudo, se quisermos um caso di tivo do elevado apreço de um intelectual p és por róis, temos o contemporâneo de Tomás E toi Afons nis de Lisboa, tradutor do averroísta

so e a ração do Primeiro Princípio”. Estamos já o XIV português e, em Paris, cem anos ante eram bem diferentes.

Refaçamos rapidamente o estado da questão. O conhecimento de Averróis por parte dos latinos data dos anos

vinte. De acordo com as investigações de R.-A. Gauthier, de1225, para sermos precisos, e durante cerca mais de vinte e

cinco anos ele é visto positivamente como o comentador das obras de Aristóteles cuja tradução em solo árabe tivera outrora o seu mítico início num sonho de califa visionário`. Ao nosso caso é realmente significativo o facto de haver uma corrente, antes de 1250 (com Alberto Magno) ou de 1252 (com Roberto KI1wardby), que preferia, por ser mais consentânea com o aristotelismo, a interpretação de Averróis à de Avicena que separava o intelecto agente. Há quem se refira a este período (1225~1252) falando de um «primeiro averroísmo» , mas

trata-se de uma designação a evitar não só porque, como

dissemos, não estamos propriamente perante um estrito legado de Averróis, como acima de tudo se lhe atribuem teses que ele nunca defendeu. Não podemos omitir, entretanto, um conjunto de autores que se referiam ao intelecto (nous) -

Domingos Gundissalino, João Blund, Guilherme de Auvergne, Filipe o Chanceler, João da Rochela ou Rogério Bacon - afinando cada um a seu modo por um diapasão fundamentalmente platonizante, o qual, muitas vezes, como

acontece v. g. com a Scientia de Pedro Hispano, registava com segurança nítidas marcas estruturantes avicenistas. Tratava-se, aliás, de um filão exegético que a intervenção de Tomás de Aquino não foi capaz de fazer esmorecer, como as soluções tão díspares de Rogério Marston, Mateus de

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Aquasparta, Henrique de Gand, Duns Escoto, Ockham, Pedro de Auriole, Durando de Saint-Pourçain, Henrique de Harc] ay, João de Mirecourt ou Nicolau de Autrecourt testemunham cada uma a seu modo20.

Só o cada vez maior conhecimento de Aristóteles e do seu comentador hispânico Averróis explica que no decênio de cinquenta se comece a assistir à progressiva definição dos contornos de um ‘erro’ - a defesa de uma única alma para todos os homens - de que Averróis poderia ser o portavoz. É o que confirma o testemunho de Alberto Magno que entre os anos 50 e 60 se lhe refere` . São Boaventura, de quem falámos no início desta ‘Apresentação’, desde o seu Comentário às Sentenças (1250-52) mostra conhecer a doutrina de Averróis acerca do intelecto. Sobretudo ele não aprovava todo o excesso de aristotelismo que lhe via agregado (desde 1210 que se procurava abafar o estudo e a leitura de Aristóteles na Universidade). Dada a sua ‘novidade’, um tal «excesso» iria inebriar depressa alguns académicos de Paris, designadamente os não-teólogos, quer dizer, os discípulos e os mestres da Faculdade das Artes. De facto, conhecemos alguns textos do decénio de 60 oriundos daquela Faculdade que anunciam uma recalcitrante propaganda filosofista antibenaventurina”. O leitor encontrará na Cronologia que publicamos mais adiante algumas datas nucleares relativas a este avanço do aristotelismo e às tentativas geralmente levadas a cabo pelas autoridades eclesiásticas para o travar.

Simplesmente, quando em 1267 Boaventura se refere explicitamente ao erro filosófico da unidade do intelecto ainda não se faz menção de nenhum averroísta e muito menos de nenhum averroísmo latino (o termo «averroísta» é usado porém antes de 1270, v. g., por Rogério Bacon ou por Alberto Magno, mas nunca na acepção em que ocorre no Aquinate). A velocidade dos acontecimentos intelectuais é então impressionante. Um ano depois Tomás de Aquino regressa a Paris para combater pelo menos em três frentes bem distintas: contra os seus colegas teólogos conservadores que só viam Aristóteles como uma ameaça perigosíssima; contra a

campanha dos padres seculares que não queriam os

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mendicantes (dominicanos e franciscanos) no ensino universitário; contra aqueles que na Faculdade das Artes defendiam a tese da unidade do intelecto 21. «Há já algum tempo - escreve (§ 1) - que se implantou entre muita gente um erro acerca do intelecto. » De facto, em vários parágrafos de A Unidade do Intelecto o autor contrariará alguns (quidam) latinos e quase no fim (§ 118) referir-se-á explícita embora anonimamente a um certo cristão (aliquis christianus), todos defendendo um único intelecto para todos os homens. Melhor ainda: no último parágrafo da obra, o nosso autor parece evocar um ensino oral feito a jovens rapazes (pueris) que poderiam ser, concretamente, os estudantes da Faculdade das Artes (matriculáveis, como se sabe, a partir dos catorze anos de idade 21).

Quase no fim do ano de 1270, o bispo de Paris e teólogo conservador Estêvão Tempier, que haveria de reincidir em

1277 com uma condenação ainda mais vasta, publica uma lista de treze «erros», na qual, significativamente, logo o seu primeiro artigo remete para a nossa problemática. Traduzamo-los na íntegra”:

1’ Existe apenas um só intelecto numericamente idêntico para todos os homens; 2’ A afirmação ‘o homem pensa’ é falsa ou imprópria; Y É de uma maneira necessária que vontade humana quer e opta; 4’ Tudo o que acontece na terra, acontece sob a necessidade dos corpos celestes; 5’ O mundo é eterno; 6’ O primeiro homem nunca existiu; 7'A alma, que é a forma do homem enquanto homem, morre ao mesmo tempo que o corpo; 8'Após a morte, a alma, separada do corpo, não pode ser consumida por um fogo corpóreo; 9’ O livre arbítrio é uma potência passiva, não activa, movida pela necessidade do desejo; W Deus não conhece os indivíduos; ll’ Deus só se conhece a Si mesmo; 12'As acções do homem não são regidas pela Providência divina; lY Deus não pode conferir a imortalidade ou a incorruptibilidade a uma realidade mortal ou corpórea.

Em rigor, só os dois primeiros ‘erros’ se ligam directamente com A Unidade do Intelecto contra os Averroistas, mas esta lista tem um valor histórico importante por identificar-se quase por completo com um anterior

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questionário de quinze erros acerca dos quais Egídio de Lessines havia pedido a Alberto Magno um parecer filosófico técnico”. Na sua resposta, nenhuma alusão a Averróis nem a quaisquer «averroístas»! Porém, entre a resposta de Alberto Magno ao questionário e a publicação da lista do bispo de Paris (10 de Dezembro) Tomás de Aquino compõe o tratado de polémica que aqui traduzimos.

A nosso ver, o elenco citado não é menos precioso ao apresentar-nos um conjunto de temas que parasitavam a

polémica intelectiva e que Tomás aflora sempre que precisa o estatuto estritamente filosófico do seu trabalho frente a uma dimensão teológica: é o caso da temática eternalista, da problemática da limitação da potência divina ou da questão moral quer em sede social quer em sede teológica ou escatológica. Atente-se, v. g., numa forte presença dos temas «psicológicos» (1, 2, 7, 13 e 8) que poderíamos conjugar com a temática do livre arbítrio (3, 4 e 9)27 e que, portanto, se recolhem em sede antropológica. Digamos, por último, que a referência à parasitação só é legítima se tomarmos o presente texto de Tomás como bitola exclusiva de definição do averroísmo latino, o que significaria inflectir um quadro histórico complexo para o sector mais restrito de uma expressão gnosiológica e noética. Haveremos de voltar a esta nota.

Posto que Tomás de Aquino entra em liça com uma obra explicitamente escrita «contra averroistas» - o autor usa e abusa da anónima terceira pessoa do plural para se lhes referir-, é imperioso tentar identificar esses cristãos latinos que se opõem à tradição teológica patrística sob a bandeira de intérpretes de Averróis, o grande comentador do não menos grande Aristóteles. Aqui, a estratégia do nosso autor passará por dissociar Averróis de Aristóteles, aproximar-se deste e encostar os seus anónimos destinatários àquele «corruptor» e «Perversor» da filosofia do Estagirita.

O professor da Faculdade das Artes Sigério de Brabante é o nome mais consensual, visto ser no estado actual da ciência o único latino que comentou o De Anima (nas suas Quaestiones in tertium De Anima) em período anterior (1265/

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66? 1269/70?) à intervenção tomasina e em cuja obra se

encontram paralelos possíveis com algumas alusões do nosso autor em A Unidade do InteleCto 21 . Em todo o caso, como diremos a seguir, pode também acontecer que este escrito de Tomás de Aquino seja obra de «invenção» ou mesmo de «ficção». Expliquemo-nos.

Se quiséssemos caracterizar o núcleo do que Tomás de Aquino parece entender do «averroísmo» noético seu

contemporâneo, poderíamos defini-lo pela conjugação de cinco posições de contornos filosóficos estritos com outras tantas denúncias mais de horizonte teológico. Vejamos as

primeiras: (1) cada indivíduo é constituído por uma alma sensitiva; (li) o intelecto ‘material’ ou ‘possível’ é uma

substância separada do corpo e eterna, única para todos os

homens; (iii) o intelecto agente’ também é uma substância separada e a sua função consiste em abstrair os universais a partir dos singulares; (iv) o conhecimento individual começa nas imagens individuais e a este tipo de conhecimento dá-se o nome de intelecto ‘especulativo’; (v) a união do intelecto ,possível’ com o intelecto ‘ agente’, que representa a

culminação de todo o conhecimento, e que por isso significa a posse da felicidade humana, constitui o intelecto ,adquirido’. Consideremos agora as denúncias teológicas do averroísmo latino (todas elas legíveis nos § § 118 e 119), em sede noética; assim os averroístas: (vi) perguntam se o tema da unidade do intelecto contraria a fé; (vii) presumem que ao defender-se essa unidade se é alheio à religião; (viii) eles reduzem a doutrina da fé a uma mera posição interpretativa; (ix) restringem a omnipotência divina; (x) adoptam a máxima segundo a qual «pela fé sustenta-se convictamente o contrário daquilo que pela razão se conclui com carácter de necessidade».

Nesta ordem de ideias, temos de perguntar aonde ou em

quem encontrar este conjunto. Frequentemente, se tiver paciência para ler as anotações da nossa tradução, poderá verificar-se a cautela com que se remetem algumas presumíveis citações de A Unidade do Intelecto contra os

Averroístas para textos ou autores mais ou menos

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contemporâneos. Por outro lado, as últimas polémicas especializadas (sobretudo envolvendo R.-A. Gauthier contra B. C. Bazán”) fazem-nos hesitar quanto ao papel ou a importância específica de Sigério no desencadeamento do «averroísmo». Por esta razão, sobretudo pensando em Gauthier, ousámos atrás uma palavra terrível (em filosofia)- ficção - como um horizonte possível da obra. Para encurtar razões, limitemo-nos porém a fazer o ponto com A. de Libera (a fim de a seguir o matizarmos), intérprete que quis reforçar a sua leitura standard anterior após os trabalhos mais recentes de L. Bianchi e de R. Imbach & F.-X. Putallaz`. Assim: (i) o tema do averroísmo latino (entendamos: no campo da noética) não pode ser confundido com a problemática mais vasta do monopsiquismo da qual aquele tema não passa de uma espécie; (li) se caracterizarmos o averroísmo latino noético pela totalidade do núcleo formado pelas dez afirmações atrás elencadas, no estado actual dos conhecimentos ninguém, antes de 1270, o terá absolutamente defendido; (iii) em qualquer caso, nas Quaestiones, Sigério de Brabante afirma que a divisibilidade ou multiplicidade é incompatível com a natureza do intelecto (o leitor deverá reparar que os textos anónimos bem como todos os outros título de Sigério citados nas notas da tradução, aqueles a partir do nome do seu editor, são posteriores a 1270 e que, portanto, respondem a Tomás de Aquino); (M A Unidade do Intelecto contra os Averroistas, então, apesar de se dizer um texto estritamente filosófico tem uma motivação teológica subjacente paralela às, embora não identificável com as, intervenções de Alberto Magno, de Boaventura e do bispo Tempier que sempre tinham em mira os mestres da Faculdade as Artes; (v) Tomás de Aquino é, destarte, o responsável pela criação e definição de um universo problemático, e em particular da sua tese central da teoria da dupla verdade` , que os teólogos conservadores (mormente o bispo Templer) depressa aproveitarão para censurar (designadamente quanto às cinco últimas proposições) e a que os docentes das Artes posteriormente responderão (sobretudo quanto às cinco primeiras proposições das dez que registámos).

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Fazer de um italiano o criador involuntário de uma moda em Paris - que não deixará de se espalhar, tal como ainda hoje sucede na haute couture ou no prêt-à-porter - eis o que poderíamos concluir com base neste registo sumário de afirmações. Simplesmente, afigura-se-nos que pretender caracterizar o averroísmo latino apoiados no texto de Tomás porque este alegadamente inventou uma das suas teses básicas, a «dupla verdade», é uma hipótese historiográfica curiosa mas enredada num círculo confrangedor. Assim, se as condenações de 1270 e a de 1277 se legitimam também na esteira da invenção tomasina (como quer A. de Libera) porque razão se deve confinar o averroísmo latino à sua expressão noética (os dois primeiros artigos de 1270) ignorando por exemplo o carácter arábico do quarto erro, a

problemática do eternalismo (§ 92, 113) ou os restantes blocos temáticos que atrás dissemos parasitarem a letra e o texto (§ 78, 87) da Unidade do Intelecto? Lembremos que o

próprio Sigério de Brabante defende em 1269 uma questão de lógica atinente à (não) existência do primeiro homem que depende da afirmação da eternidade da espécie humana (o sexto artigo de 1270)11. Sem querermos cair na polémica regional (para não dizer confessional) relativa à ponderação ou à exautoração do contributo sigeriano, evocaríamos ainda o facto de o já nosso conhecido rival de Tomás, Gerardo de Abbeville (que escreve no Natal de 1270 sobre o mesmo tema), também poder depender das Quaestiones do Brabantino 11. É indiscutível, em qualquer caso, que Aquino contraria um magistério oral e não apenas um escrito, e se

quiséssemos reforçar todas as consistentes relações do texto de Tomás ao ensino ou à primeira obra intelectiva conhecida de Sigério que A. de Libera pôde reunir, recordaríamos com

E. H. Wéber, outrora, como muitos índices literários de A Unidade do Intelecto parecem supor uma prévia informação ou investigação real por parte do seu autor 14 . A metodologia da Faculdade das Artes privilegiava a intentio Aristotelis (e não prioritariamente a de Averróis), o que justifica a aposta do opúsculo tomasino visando a determinação do pensar do Estagirita dele dissociando Averróis.

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Acima de tudo (e permitimo-nos ultrapassar as fronteiras do estreito positivismo histórico com a consciência de não nos afastarmos da horizonte da história de Duzentos), não vemos razão para sobrestimar a pragmática tomasina do designativo «averroísta», expressão que tinha tomado, tomava e continuará a tomar depois de 1270 configurações semânticas variadas. Como é óbvio, isto em nada invalida o facto de o presente trabalho do Aquinate ser de facto uma monumental (e decerto a mais requintada, sistemática e objectiva) definição textual do que deve ser um pensar «averroísta». Simplesmente, a sua imensa importância histórica não nos pode insensibilizar para as diversas ocorrências semânticas do mesmo termo (ainda que inobjectivas relativamente a Averróis, mas neste particular, e não obstante um nítido esforço, nem sequer Tomás de Aquino foi omnimodamente objectivo). A nossa interpretação seria, por conseguinte, esta: Frei Tomás pleiteia pela restrição conceptual do famigerado designativo, pela sua mais rigorosa ou objectiva definição em sede filosófica, e, por isso, pensamos que esta sua veemente intervenção está longe de caminhar no sentido preocupantemente largo para que os teólogos censores apontavam.

Mas apesar da missão de A Unidade do Intelecto contra os Averroistas, julgamos que nada nos permite ter uma noção tão restrita de «averroísta» e sobretudo não podemos atribuir-lhe os contornos tão claros que na época ela nunca poderia ter tido, como toda a historiografia mais recente concordará em reconhecer. Talvez fosse oportuno ter sempre presente que os textos de que dispomos falam de averroístas e não de averroísmo!

Tal como lembrámos acima, as ideias denunciadas por Tomás de Aquino tiveram um sucesso histórico reconhecível. Se hoje é certo que Sigério de Brabante pode ter-se progressivamente afastado de uma defesa mais radical da ideia da unidade do intelecto, estamos perante um princípio que rapidamente começa a ter os seus seguidores e, consequentemente, a alimentar as acções dos seus críticos. Em1272 ou mesmo 1275, Egídio Romano continuará a combater a ideia

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da unidade intelectiva dando testemunho de um caso extremo, o do Anónimo de Gicie (Quaestiones 11, 4); em 1277 o bispo Tempier condená-la-ã solenemente; em 1286 Henrique de Gand, um dos teólogos que já havia integrado uma comissão de inquérito encarregada de preparar o dossier daquela condenação, voltará à temática (Quodlibet lX, q. 14).

Posto que invocámos atrás o nome do autor polaco que continua a perseguir toda esta crepitante história, Z. Kuksecwicz, agora permitimo-nos apenas remeter o

leitor interessado para os seus trabalhos”.

4. Plano da obra

Para comodidade do leitor, poder-se-ía dividir A Unidade do Intelecto contra os Averroistas em duas partes distintas, a primeira de carácter filológico (integrando os dois primeiros capítulos), a segunda, de natureza argumentativa (para os

três restantes). De facto, nos dois primeiros capítulos está sobretudo em causa a interpretação «correcta» dos textos. No primeiro capítulo, o Aquinate procurará mostrar que os

averroístas e o próprio Averróis não leram Aristóteles com acribia. É por esta razão que o texto de Tomás é uma leitura tão minuciosa de A Alma (que fará corar muitos dos leitores académicos do Estagirita) contrapondo taco a taco a «perversa» interpretação dos seus destinatários à sua própria, que quererá mostrar, através de uma exploração da letra do texto aristotélico, as incongruências interpretativas daqueles.O capítulo segundo prolonga esta estratégia filológica, mas

agora trata-se de revelar a incompatibilidade da interpretação de Averróis com os textos já não do Estagirita, mas dos seus mais imediatos e autorizados comentadores (a chamada tradição peripatética).

Ao exame dos textos segue-se a apresentação de argumentos (sem que isto implique, é claro, o completo abandono da interpretação dos mesmos). Estaríamos agora numa parte mais propriamente filosófico-argumentativa. O capítulo 111 visa refutar o primeiro ‘erro’ averroísta que

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sustenta a separação real do intelecto em relação à alma individual. O seguinte refutará o segundo ‘erro’, a afirmação de que existe um só intelecto possível. O último capítulo tratará de responder aos argumentos dos próprios averroístas contra a pluralidade dos intelectos.

Não se deverá julgar, com base nesta planificação, que o tratado aquinatense é marginal para com a metodologia do trabalho universitário da época. De facto, quer os exames histórico-filológicos quer a dimensão dialógico-argumentativa (pro et contra) estão em todas as suas partes bem presentes. Além do mais, esta divisão é apenas uma entre as várias possíveis. Caso optássemos por dividir a temática da separação real [A] daqueloutra relativa à unidade do intelecto [B] (com a necessária distinção entre o exame feito aos textos de Aristóteles [C] e a discussão mais teórica [D]), poderíamos, v. g., contar doze argumentos e treze objecções assim dividias: 8 argumentos e 7 objecções em A, 4 argumentos e 6 objecções em B, 5 e 5 para C, e sete argumentos e oito objecções relativamente a D.

Eis um plano possível (veja-se no «Sumário» final uma planificação alternativa):

P PARTE: Trabalho rilológico

Capítulo 1 Aristóteles não ensinou que o intelecto possível fosse uma substância

separada do corpo segundo o ser:

Averróis contra Aristóteles

§§ 1-2 Proémio §§ 3-4 A definição que Aristóteles dá da alma aplica-se à alma intelectiva §§ 5-11 Alma é também aquilo pelo qual vivemos e pensamos §§ 12-16 Aristóteles sustenta que o intelecto é potência da alma que é a

forma do corpo §§ 17-26 Comparação do intelecto com o sentido. Empédocles e Anaxãçyoras

§§ 27-29 Confirmação da interpretação dada com base no livro 11 da Física

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da unidade intelectiva dando testemunho de um caso extremo, o do Anónimo de Giele (Quaestiones 11, 4); em 1277 o bispo Tempier condená-la-á solenemente; em 1286 Henrique de Gand, um dos teólogos que já havia integrado uma comissão de inquérito encarregada de preparar o dossier daquela condenação, voltará à temática (Quodlibet IX, q. 14).

Posto que invocámos atrás o nome do autor polaco que continua a perseguir toda esta crepitante história, Z. Kuksecwicz, agora permitimo-nos apenas remeter o

leitor interessado para os seus trabalhos`

4. Plano da obra

Para comodidade do leitor, poder-se-ía dividir A Unidade do Intelecto contra os Averroistas em duas partes distintas, a primeira de carácter filológico (integrando os dois primeiros capítulos), a segunda, de natureza argumentativa (para os

três restantes). De facto, nos dois primeiros capítulos está sobretudo em causa a interpretação «correcta» dos textos. No primeiro capítulo, o Aquinate procurará mostrar que os

averroístas e o próprio Averróis não leram Aristóteles com acribia. É por esta razão que o texto de Tomás é uma leitura tão minuciosa de A Alma (que fará corar muitos dos leitores académicos do Estagirita) contrapondo taco a taco a

«perversa» interpretação dos seus destinatários à sua própria, que quererá mostrar, através de uma exploração da letra do texto aristotélico, as incongruências interpretativas daqueles.O capítulo segundo prolonga esta estratégia filológica, mas

agora trata-se de revelar a incompatibilidade da interpretação de Averróis com os textos já não do Estagirita, mas dos seus mais imediatos e autorizados comentadores (a chamada tradição peripatética).

Ao exame dos textos segue-se a apresentação de argumentos (sem que isto implique, é claro, o completo abandono da interpretação dos mesmos). Estaríamos agora numa parte mais propriamente filosófico~argumentativa. O capítulo 111 visa refutar o primeiro ‘erro’ averroísta que

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sustenta a separação real do intelecto em relação à alma individual. O seguinte refutará o segundo ‘erro’, a afirmação de que existe um só intelecto possível. O último capítulo tratará de responder aos argumentos dos próprios averroístas contra a pluralidade dos intelectos.

Não se deverá julgar, com base nesta planificação, que o

tratado aquinatense é marginal para com a metodologia do trabalho universitário da época. De facto, quer os exames histórico-filológicos quer a dimensão dialógico-argumentativa (pro et contra) estão em todas as suas partes bem presentes. Além do mais, esta divisão é apenas uma entre as várias possíveis. Caso optássemos por dividir a temática da separação real [A] daqueloutra relativa à unidade do intelecto [B] (com a necessária distinção entre o exame feito aos textos de Aristóteles [C] e a discussão mais teórica [D]), poderíamos, v. g., contar doze argumentos e treze objecções assim dividias: 8 argumentos e 7 objecções em A, 4 argumentos e 6 objecções em B, 5 e 5 para C, e sete argumentos e oito objecções relativamente a D.

Eis um plano possível (veja-se no «Sumário» final uma planificação alternativa):

l’ PARTE: Trabalho filológico

Capítulo 1 Aristóteles não ensinou que o intelecto possível fosse uma substância

separada do corpo segundo o ser:

Averróis contra Aristóteles

§§ 1-2 Proémio §§ 3-4 A definição que Aristóteles dá da alma aplica-se à alma intelectiva § § 5~ 11 Alma é também aquilo pelo qual vivemos e pensamos §§ 12-16 Aristóteles sustenta que o intelecto é potência da alma que é a

forma do corpo §§ 17-26 Comparação do intelecto com o sentido. Empédocles e Anaxágoras §§ 27-29 Confirmação da interpretação dada com base no livro 11 da Física

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§§ 30-40 Resposta ao adversário que diz que na opinião de Aristóteles o

intelecto é incorruptível e, por conseguinte, não é forma do corpo corruptível § § 41 ~47 Três objecções averroístas retiradas dos textos de Aristóteles § 48 Conclusão do Capítulo

Capítulo 11 Opiniões dos Peripatéticos sobre a relação do intelecto possível

com o homem:

Averróis contra o peripatetismo

§§ 49- 55 Os Gregos: Temístio, Teofrasto e Alexandre § § 56- 5 8 Os Árabes: Avicena e Algazel § 59 Intenção do capítulo

1P PARTE: Trabalho argumentativo

Capítulo 111 Refutação do 1’ ‘erro’ averroísta (a separação real do intelecto):

provas de que o intelecto é uma potência da alma que é

forma de um corpo

§ § 60- 61 Argumento de Aristóteles segundo o qual a alma é em sentido

primordial aquilo pelo qual pensamos §§ 62-65 Reprova-se a explicação de Averróis §§ 66-69 O intelecto não se une ao corpo apenas como um motor § § 70-76 Desenvolvimento do argumento com base no facto de o homem

individual pensar §§ 77-78 O homem pertence a uma espécie por causa do intelecto. Na

hipótese dos averroístas também a vontade existiria separada §§ 79-82 Responde-se à objecção de que assim o intelecto seria uma

forma material

Capítulo IV Refutação do 2’ ‘erro’ averroísta (a unidade do intelecto possível):

o intelecto possível não é único para todos os homens

§§ 83-88 Na hipótese de uma tal unidade só haveria um sujeito que

pensasse e que queresse

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§§ 89-92 Uma tal unidade é incompatível com as afirmações de Aristóteles sobre o intelecto possível e o hábito da ciência

§§ 93-94 A solução daqueles que dizem que Aristóteles fala do intelecto possível apenas na medida em que ele está em contacto connosco é insuficiente

Capítulo V Refutação dos argumentos averroístas contra a tese do autor, a

pluralidade dos intelectos possíveis

§ § 95- 101 Primeira e segunda objecções: O intelecto é for-ma imaterial, razão pela qual não pode multiplicar-se segundo a multiplicação dos corpos. Ainda que se multiplicasse, uma vez os corpos destruídos, ficaria um só

§§ 102-109 Terceira objecção: Aquilo que se pensa é único para todos, e, por isso, também o intelecto o é

§ § 110- 112 Quarta objecção: Uma vez os corpos destruídos, se ficassem

muitas substâncias intelectuais elas seriam em vão

§§ 113-114 Quinta objecção: Os intelectos seriam infinitos em número

§§ 115-117 Sexta objecção: Todos os filósofos, à excepção dos Latinos, defenderam a unidade do intelecto

§§ 118-119 O adversário profere coisas temerárias e indignas de cristão § 120 Conclusão da obra

Vê-se assim - estamos em crer - toda a coerência textual deste rigoroso e magnífico estilo tomasino. Se se trata, «simplesmente», através da exegese, de separar Averróis de Aristóteles a fim de denunciar aquele, há uma camada mais profunda habitando este texto exemplar em filosofia que gostaríamos de poder guardar. Apontá-la-íamos dizendo que o efeito de clivagem na história da filosofia que ele procura criar assinala todo o dinamismo do pensar que ultrapassa a mera repetição do tempo envolvendo-se comprometidamente com o pensar do seu tempo.

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5. A nossa tradução e edição

«Diz-me o que pensas da tradução, dir~te-ei quem és» (M. Heidegger - Hõlderlins Hymne ‘Der Ister’, GA 53: 76)

A presente versão portuguesa do De Unitate Intellectus Contra Averroistas nasceu há já algum tempo, mas só hoje pôde ser terminada (vd. «Bibliografia» a seguir para a

necessária identificação do texto latino que nos serviu de base).

No ano de 1986, no Porto, no inovador (entre nós) curso de Mestrado em Filosofia Medieval, dirigido pela Prof Maria Cândida Pacheco (FLUP) - a quem gostaríamos de dedicar esta edição -, um grupo de apenas quatro jovens investigadores trabalhava temerária mas sistematicamente no De Anima de Aristóteles, no Comentário ao De Anima de São Tomás e na tradução (ainda inédita) da obra de Sigério de Brabante, Quaestiones in tertium de Anima (= In 111 De Anima). A impressão que em mim teve este esperançoso trabalho de equipa levou-me imediatamente, embora a título individual, ao exame de A Unidade do Intelecto, do qual resultou um pequeno estudo de 1988 que publiquei em 1992 (e que agora se presume devidamente rectificado). Movido pelo entusiasmo que vi no texto e que para mim contrastava com o que pensava ser o ‘estilo’ de Tomás, depressa quis

ensaiar uma primeira versão do tratado que só agora pude finalmente rever. Consolidava-se em mim uma compensadora e radical vertente que desconhecia no trabalho filosófico, a tradução.

Em 1995 traduzi um outro texto de Tomás de Aquino, O

16 Ente e a Essência (De ente et essentia) . Como tenho vindo a frisar sempre que posso, uma tradução de um texto filosófico medieval - trabalho sempre conjectural e precário- deve ser particularmente fiel e disciplinado em relação aos

conceitos originais sem que isso impeça uma certa liberdade que permita tornar o texto o mais legível possível no universo do nosso idioma contemporâneo. Três substantivos balizaram o nosso trabalho - digamos talvez a palavra mais adequada,

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de transposição: exactidão, coerência e clareza. Obrigámo-nos, por isso, a intervenções claras e constantes que naturalmente decorrem da nossa interpretação, mas que em caso algum -julgamos - contrariam o que o autor deve ter querido dizer. De um modo mais simples: presumimos que Tomás de Aquino, caso estivesse a reescrever o texto no português falado na Europa, nos finais do século XX, em muitos casos poderia ter procedido como nós. Três exemplos apenas: nalgumas situações tivemos que explicitar a identificação do anónimo sujeito da frase, tornando-se a

terceira pessoa do plural em «os averroístas» e a correspondente, singular, em «Aristóteles» ou «Ternístio» ou qualquer outro, conforme o caso (vd. o § 55 para um exemplo crucial deste procedimento). Quando isso não envolvia terminologia técnica procurámos diversificar o vocabulário ou, pelo menos, evitar ou tornear a sua repetição (neste particular, é ainda a uma operação semelhante que recorrem os tradutores, v. g., do inglês para o português já que na língua de Hume a repetição não ofende o leitor, antes o ajuda pela precisão que confere ao discorrer). Por último, e principalmente, a interpretação a que acima aludimos escuda-se sistematicamente no contexto; exemplificando com o § 75: « ... homo et equus et similia» será traduzido por «homem e cavalo e outros universais» com base na sequência do texto que lê «sed totum quoddam ex materia et forma ut universaliter». É sabido que a maioria dos tradutores filósofos costuma, nestas ocasiões, recorrer a parênteses rectos ou a outras chaves gráficas - A. de Libera ainda assim procede e nós mesmo i à tivemos esse hábito - mas julgamos que este procedimento é perfeitamente dispensável, posto que ele nada adianta a um leitor não especialista, é improcedente ou mesmo pedante no caso de o leitor dominar o original latino ou o tema em causa, e, por fim, ignora que a omissão pode justificar-se idiomaticamente tal e qual como em português ela não pode ser tolerada. Importa dizer, para terminar, que não esboçámos qualquer tentativa em evitar as explicitações metadiscursivas tão fatigantes; além de as vermos como um viril e invulgar exemplo de trabalho exegético, elas são

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específicas do próprio estilo do opúsculo e do seu método de leitura cerrada (remetemos para a nota 5 da nossa tradução).

Todos os títulos das obras de Aristóteles e de Tomás de Aquino (e só esses) aparecerão sempre devidamente traduzidos de acordo com a regra geral anunciada antes (pelo que De Anima não deve ser, na forma obsoleta, Da Alma ou Sobre a Alma, mas simplesmente A Alma). A «Bibliografia» a seguir deve ser vista como uma proposta básica e adaptada ao (ou condicionada pelo) universo editorial português; não se registam todos os livros consultados, mormente alguns dos que foram citados nesta «Apresentação».

Ponta Delgada, Novembro de 1998

Mário Santiago de Carvalho

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NOTAS

‘Cf. BOAVENTURA - De donis Spiritus Sancti VIII, 16 (ed. Quaracchi, V, 497b); os outros dois seriam o da eternidade do mundo e o do determinismo cósmico e humano. Vd. também GONÇALVES, J. C. - «S. Boaventura e a Universidade medieval» Revista Portuguesa de Filosofia 30 (1974) 237-55, e infra nota 4 da nossa tradução, página 166. ‘Vd. JOÃO PECKHAM - Utrum Inundus potuit ab eterno creari (ed. R. Dales & O. Argerami, Leiden, 1991)79

‘Cf. PATTIN, A. - «Notcs concemant quelques éciits attribués à Siger de Brabant» Bulletin de philosophie médiévale 29 (1987) 173.

4Cf. MANDONNET, R - Siger de Brabant et l'Averrotsme latin aU Xjlle SièCle@1 (Lovaina 1908) 109, n. 1.5KENNY, A. - São Tomás de Aquino. Trad. de W M. Pecegueiro (Lisboa 198 1)107-8. O sublinhado é nosso.

‘GIL, F. - Modos da Evidência (Lisboa 1998) 392, 393.

‘Cf. CARVALHO, M. S. de - «A Polémica Monopsiquista de 1270: T. de Aquino e S. de Brabante», Revista da Universidade de Coimbra 37 (1992), 172.

‘Cf., respectivamente, ANTUNES, M. «Alexandre de Afrodísia», in Logos. Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia 1 (Lisboa 1989) 133-34; PEREIRA, M. H. da R, - «Temístio», ibidem, 5 (Lisboa 1992) 55-6; FREITAS, M. da C. -

«Avicena», ibidem 552-55; [LOGOS] - «Algazel», ibidem 1, 143-44@ CARVALHO, M. S. de - «Avcrróis», ibidem 543-46, apenas para uma breve introdução a cada um dos autores, sem ligação forçosamente com a presente temática.

‘Cf. BURREI-1---, D. B. - «Aquinas and Islamic and Jewish Thinkers», in N. Kretzmann et al. (ed.) - The Cambridge Companion to Aquinas (Cambridge1993) 60~84; para o caso exclusivo de Averrróis, cf. ELDERS, L. - «Averroès et Thomas d'Aquin» Medi(uvalia. Textos e Estudos 5-6 (1994) 219-229; para uma

perspectiva mais global, vd. CARVALHO, M. S. de - «Ler São Tomás, hoje?» Revista Filosófica de Coimbra 4 (1995) 103-130.

“’Vd. infra nota 126 da nossa tradução, página 180.

“Vd. infra notas 138, 139 e 207 da nossa tradução.

12U ma vez que a tradução de Vasco Graça Moura não é literal, e portanto não colhe a terminologia técnica que o próprio Dante emprega - designadamente aexpressão «intelecto possível» - vale a pena citar o original (A Divina Comédia de Dante Alighieri, Venda Nova 1997): « ... quest'è tal punto,/ che piú savio di te fé già errante,/ sí che per sua dourina fé disgiunto/da Yanima il possibile

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intelletto, perché da lui non vide organo assunto.»

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“Para uma primeira aproximação, embora com as novas observações feitas neste local, vd. CARVALHO, M. S. de - «Averroísmo», in Logos... 1,546-48.14 GóMEZ NOGALES, S. - «Audácia de St’ Tomás en Ia asimilación del pensamiento heterodoxo de su época» Revista Portuguesa de Filosofia 30 (1974)202; vd. também nota 29 desta «Apresentação».

‘5Cf. FIORAVANTI, G. - «Boezio di Dazie Ia storiografia sull'averroismo», Studi inedievali 7 (1966), 283-32; BIANCHI, L. & RANDI, E. - Vérités dissonantes. Aristote à lafin du Mo-yen Age, trad. (Paris-Friburgo 1993), 35.16 Vd. KUKSEWICZ, Z. - De Sigerde Brabant à Jacques de Plaisance. La théorie de Vintellect chez les averroi*stes latins des XIIIe et XIVe siècles (Wroclaw, Varsóvia, Cracóvia 1968). A 2'fase (1280-1300) seria representada pelo Anónimo Sicut clixit Tullius e por Egídio de Orleães; a 3’ (1300-1328), por João de Gottinga, Antônio de Parma, Tomás Wilton, pela Quaestio anónima De Anima intellectiva, por Marsílio de Pádua, João de Jandun e Gualter Burley; a 4’ fase (primeira metade do séc. XIV), por Ângelo de Arezzo, Tadeu de Parma, Anselmo de Côme, Mateus de Gubbio e Tiago de Plaisance.

17Cf. CARVALHO, M. S. de - «0 Sedutor Tomás Escoto» Humanistica e Teologia11 (1990) 171-98; CAEIRO, E da G. - «Averroísmo em Portugal», in Logos...1, 548-52; MATOS, M. C. de - «Contributo para o estudo da recepção dos textos de Averróis (1126-1198) na península Ibérica entre os séculos XIII e XV numa perspectiva da História do Livro» Humanitas 50 (1998), 441-476. Lembremos que o texto de São Tomás sobre a eternidade do mundo, datável de 1271, está traduzido entre nós: TOMÁS de AQUINO - Sobre a Eternidade do Mundo. Tradução e estudo doutrinal por J. M. Costa Macedo (Porto 1996).

`Cf. CARVALHO, M. S. de - «Sobre a transiação da filosofia de expressão árabe no Portugal medieval: os casos de João de Sevilha e Lima e de Afonso Dinis de Lisboa» Humanística e Teologia (no prelo).

‘9Cf. MANGUEL, A. - Uma História da leitura, Trad. de A. Saldanha (Lisboa1998)203. `Dig4-se em abono da verdade, com J.-R Torrel], que, apesar de tudo, houve um eco claro e positivo da recepção da obra tomasina em solo judaico, havendo Hillel de Verona traduzido a primeira parte do De Unitate Intellectus apenas vinte anos após a sua composição.

21 Será preciso atentar, no entanto, na «evolução» de Alberto Magno no que toca ao seu conhecido De unitate intellectus, uma vez que este texto conheceu várias redacções, digamos assim (e antes deste texto Santo Alberto chegou a atribuir a Averróis a doutrina da multiplicidade dos intelectos): começou por ser uma disputa defendida oralmente (1256) na cúria pontifical de Alexandre IV - versão chamada: disputa de Ana,uni -, posteriormente retomada e novamente redigida em 1263 -

Contra errores Averrois - finalmente retomada na segunda parte da Suma de Teologia ( 1270-80). Ora, a menção aos ‘averroístas’ aparece a primeira vez na

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redacção de 1263, que a posterior versão da Suma ajuda a divulgar; antes disso, o tema da unidade do intelecto (que neste autor não é exactamente o mesmo do de Tomás já que se centra num problema mais antropológico do que epistemológico) é discutido no quadro dos árabes (originalmente no filósofo de

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Saragoça lbn Bajjah (t 1138), mais conhecido por Avempace) e não dos ‘averroístas’, embora os seus destinatários sejarn já os (maus) filósofos da Faculdade das Artes (sobre todo este assunto, vd. LIBERA, A. de - Contre Averroès (Paris 1997) 10-21).

“Cf. LAFLEUR, C. - «L'Introduction à Ia philosoplue ‘Ut testatur Aristotiles’ (vers 1265-1270)» Laval théologique et philosophique 48 (1992) 81-107. O mesmo autor tinha editado mais alguns textos no seu Quatre introductions à la philosophie au XIII, siècle. Textes critiques et étude historique (Montréa1 Paris1988); mais recentemente, vd. o seu «L'apologie de Ia philosophie à Ia Faculté des arts de Paris dans les décennies précédant les condanmations d'Etienne Tempier: Ia contribution didascalique des artiens», in Aertsen et. al. (ed.) - Was ist Philosophie im Mittelalter? (Berlin New York 1998) 382-392. Para a

caracterização do cenário diametralmente oposto ao dos artistas, cf. BRADY, 1.- «The Questions of Master Wilham of Baglione, OFM ‘De aeternitate mundi’ (Paris, 1266.1267)» Antonianuni 47 (1972) 362-371 e 575-616.

2'Cf. TORRELL, J.-P. - Initiation à saint Thomas d'Aquin (Fribourg 1993) 266,

24Cf. ROEGG, W. (ed,) - Unia História da Universidade. Vol. 1 (Lisboa 1996) 196.

25 Traduzimos alguns dos artigos condenados em 1277 na nossa versão de Boécio de Dácia. A Eternidade do Mundo (Lisboa 1996) 95-98; a nossa lista poderá também ser parcialmente completada pela de L. A. De BONI - «As condenações de 1277: os limites do diálogo entre a filosofia e a teologia» in Lógica e Linguagein lia Idade Média (Porto Alegre 1995). Para o estado da questão, vd. BIANCHI, L. - « 1277: A Turning Point in Medieval Philosophy?», in Was ist Philosophic nu Mittelalter? 90- 110. Recordemos que D. PICHÉ estabeleceu recentemente uma edição crítica dos 219 (ou 220) artigos condenados em 1277 (cf. infra «Bibliografia»).

2'Vd. infra nota 4 da nossa tradução.

27Cf. MANDONNET, P. - Siger... 111-12. Note-se que privilegiámos o

questionário de Egídio que é mais importante aqui do que as respostas de Alberto, visto estas terem sido dadas em Colónia e não poderem, por isso, levar em

consideração o pesado ambiente intelectual de Paris.

21C f. LIBERA, A. de - Contre Averroès 33-45, discute com pormenor e erudição histórico-bibliográfica toda esta difícil e ainda não encerrada problemática.

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2'Para B. C. Bazári, Sigério terá escrito as Quaestiones in tertiuni de Aninia entre 1269 ou 1270, estando na origem do averroísmo ou da resposta de São Tomás no opúsculo que aqui traduzimos (vd. a sua edição de Siger de Brabant. Quaestiones in tertiunz de Aninia. (Louvam Paris 1972) 67*- 77*; vejam-se sobretudo as obras do mais eminente historiador moderno de Sigério, F. Van Steenberghen, citadas adiante na «Bibliografia»). Segundo R.-A. Gauthier, aquele texto de Siaério deve ser datado por volta de 1265, o seu papel deve ser

minimizado, e a sua originalidade é bastante contestável, sendo além disso devedor dos textos de Tomás para o conhecimento que mostra deter de Averróis (vd. «Notes sur Siger de Brabant. 1. Siger en 1265» Revue des sciences philosophiques ei lhéologiques 67 (1983) 201-232). Poder-se-fa também adunar os trabalhos de E.-H. Wéber, embora anteriores à edição crítica de Bazán (vd.

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infra «Bibliografia»), mas, para além do sempre imprescindível trabalho de A. de Libera, a recente monografia de R. Imbach e E-X. Putallaz, também citada na «Bibliografia», poderá ajudar a caracterizar o estado da arte.

31LIBERA, A. de - «Philosophie et censure. Remarques sur Ia crise universitaire parisienne de 1270-1277», in Was ist Philosophie im Mittelalter? 71-89. Não pudemos ainda ter acesso à obra deste autor anunciada com o título Averroès et la question du sujet, mas registamos a seguir a principal conlusão de A. de LIBERA contra a tese ficcional R.-A. Gauthier (op. cit. 47): «Uobjectif de Thomas n'est pas d'opposer une fiction à une autre fiction, mais de replacer Ia doetrine averroiste dans Fensemble de Ia tradition interprétative do De Anima d'Aristote, d'en marquer les écarts et d'en expliquer les dérives». “Vd. infra nota 230 da nossa tradução, páginas 191-192, `Cf. SIGÉRIO de BRABANTE - Quaestio Utrum haec sit vera: Homo est animal, nuflo homine existente, in Écrits de logique, de morale et de Physique, ed. B. C. Bazári (Louvam Paris 1974).

“Cf. PATTIN, A. - Notes... 175.

14Cf. WÉBER, E. H. - L'Homme en discussion à l'Université de Paris en 1270 (Paris 1970) 31

“Vd. supra nota 16. Deixamos alguns seus títulos mais recentes: «The Latin Averroism of lhe late Thirteenth Century», in Averroisitius im Mittelalter und in der Renaissance (Zürich 1994) 101-113; «One More Semi-Averroistic PhysicsCommentary of lhe late Thirteenth Century», in Scientia undArs im Hoch- und Spãtmittelalter (Berlin New York 1994) 381-398; «Jean de Jandun et sa conception de Ia philosophie», in Was ist Philosophie im Mittelalter? 428-434. `TOMÁS de AQUINO - O Ente e a Essência Versão do Latim e Introdução de Mário Santiago de Carvalho (Porto 1995). (Contém uma bibliografia relativamente actualizada, sobretudo no que concerne a estudos em português.)

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Page 39: A Unidade Do Intelecto Contra Os Averroistas

BIBLIOGRAFIA

Edições:

- Sancti Thomae de Aquino Opera Onínia. Tomus XI-111 (ed. Leonina:

Roma 1976) p. 289-314 [texto adoptado acrescentando-lhe porém a

divisão em parágrafos, com base na edição de A. de Libera abaixo citada].- Sancti Thomae Aquinatis Tractatus De Unitate Intellectus Contra

Averroistas. Editio critica Leo W Keeler (Roma 1957).

Traduções:

LIBERA, A. de - [Contre Averroès =I Thomas d'Aquin, L'Unité de

L'Intellect Contre les Averro@'stes suivi des Textes contre Averroès antérieurs à 1270. Texte latin. Traduction, introduction, bibliographie, chronologie, notes et index par Alain de Libera (Paris 1997). ILI-UMINATI, A. - Averroè e Vintelleto pubblico. Antologia di scritti di

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gli Averroisti. Traduzione, commento e introduzione storica di Bruno Nardi (Florença 1947). BORDÉLY, G. - Az értelem egysé gérõl (Budapeste 1993) [tradução

húngara e introdução doutrinafl. [AVERRóISI A ristotelis opera cum Averrois commentariis (Venetii 1562-1574),

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Page 40: A Unidade Do Intelecto Contra Os Averroistas

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Page 44: A Unidade Do Intelecto Contra Os Averroistas

A UNIDADE DOINTELECTO

CONTRA OS

AVERROÍSTAS

(texto bilingue)

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CAPITVLVM 1

Sicut omnes homines naturaliter scire desiderant ueritatem, ita naturale desiderium inest hominibus fugiendi errores et eos cum facultas affuerit confutandi. Inter alios autem errores indecentior esse uidetur error quo circa intellectum erratur, per quem nati sumus deuitatis erroribus cognoscere ueritatem. Inoleuit siquidem iam dudum circa intellectum error apud multos, ex dictis Auerroys sumens

originem, qui asserere nititur intellectum quem Aristotiles possibilem uocat, ipse autem inconuenienti nomine

materialem, esse quandam substantiam secundum esse a

corpore separatam, nec aliquo modo uniri ei ut forma; et ulterius quod iste intellectus possibilis sit unus omnium hominum. Contra que iam pridem plura conscripsimus; sed quia errantium impudentia non cessat ueritati reniti, propositum nostre intentionis est iterato contra cundem errorem conscribere aliqua quibus manifeste predictus error confutetur.

Nec id nune agendum est ut positionem predictam in hoc ostendamus esse erroneam quod repugnat ueritati fidei christiane, hoc enim satis in promptu cuique apparere potest. Subtracta enim ab hominibus diuersitate í ntellectus, qui solus inter anime partes incorruptibilis et imiriortalis apparet,

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CAPíTULO 1

[ 11 Como todos os homens, por natureza, desejam saber a verdade’ , também neles é natural o desejo de fugir dos erros e de os refutar quando têm essa faculdade. Ora, entre todos os erros, o mais inconveniente parece ser aquele em que se erra sobre o intelecto que naturalmente nos habilita a conhecer a verdade evitando os erros. Há já algum tempo que se implantou entre muita gente um erro acerca do intelecto. Originado nos escritos de Averróis, consiste em defender que o intelecto a que Aristóteles chama ‘possível’, e que Averróis designa impropriamente pelo nome ‘material’, é uma substância separada do corpo segundo o ser, que de modo nenhum se uneao corpo como forma. Mais ainda: Averróis defende que ointelecto possível é único para todos os homenS2.

Já escrevemos por várias vezes contra este erro3 . Todavia, dado que a impudência dos que o defendem nã o cessa de resistir à verdade, é nossa intenção avançar novos argumentos contra esse erro a fim de o refutarmos com toda a evidência.

[21 Não iremos mostrar aqui que a posição acabada de referir é errónea por contrariar a verdade da fé cristã. Isso será imediatamente evidente seja para quem for. Se, de facto, se subtraísse aos homens, a diversidade do intelecto, a única de todas as partes da alma que se vê bem ser incorruptível e

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sequitur post mortem nichil de animabus hominum remanere

nisi unicam intellectus sub- stantiam; et sic tollitur retributio premiorum et penarum et diuersitas eorundem. Intendimus autem ostendere positionem predictam non minus contra philosophie principia esse quam contra fidei documenta. Et quia quibusdam, ut dicunt, in hac materia uerba Latinorum non sapiunt, sed Peripateticorum uerba sectari se dicunt, quorum libros nurriquam in hac materia uiderunt nisi

Aristotilis, qui fult secte peripatetice institutor, ostendemus primo positionem predictam eius uerbis et sententie repugnare omnino.

Acciplenda est igitur prima diffinitio anime quam Aristotiles in II De anima ponit, dicens quod anima est «actus primus corporis phisici organici». Et ne forte aliquis diceret hanc diffinitionem non omni anime competere, propter hoc quod supra sub condicione dixerat «Si oportet aliquid commune in omni anima dicere», quod intelligunt sic dictum quasi hoc esse non possit, accipienda sunt uerba eius sequentia. Dicit enim «Vniuersaliter quidem igitur dictum est quid sit anima: substantia enim est que est secundum rationem; hoc autem est quod quid erat esse hulusmodi corpori», id est forma substantialis corporis phisici organici.

Et ne forte dicatur ab hac uniuersalitate partem intellectiuan-i excludi, hoc remouetur per id quod postea dicit «Quod quidem igitur non sit anima separabilis a corpore, aut partes quedam ipsius si partibilis apta nata est, non

immanifestum est: quarundam enim partium actus est ipsarum. At uero secundum quasdam nichil prohibet, propter id quod nullius corporis sunt actus»; quod non potest intelligi nisi de hiis que ad partem intellectiuam pertinent, puta intellectus et uoluntas. Ex quo manifeste ostenditur illius anime, quam supra uniuersaliter diffinierat dicens eam esse

corporis actum, quasdam partes esse que sunt quarundam partium corporis actus, quasdarri autem nullius corporis actus

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Page 48: A Unidade Do Intelecto Contra Os Averroistas

imortal, após a morte nada restaria das almas dos homens excepto a substância única do intelecto; e desta feita se suprimiria a retribuição das recompensas e das penas e a

respectiva diversidade’. Iremos mostrar outrossim que a

posição referida não contraria menos os princípios da filosofia do que os ensinamentos da fé. E dado que nesta matéria alguns, como eles mesmo dizem, não querem saber das palavras dos Latinos e dizem-se seguidores das dos peripatéticos, cujos livros sobre essa matéria nunca viram, à excepção dos de Aristóteles, o fundador da seita peripatética, mostraremos em primeiro lugar que a referida posição vai contra as suas palavras e os seus ensinamentos1.

[3] Tomemos, então, a primeira definição da alma dada por Aristóteles no livro 11 sobre A Alma, onde afirma que ela é «o acto primeiro de um corpo natural organizado» 6 . E para que ninguém diga que esta definiçã o não se aplica à alma toda, porque Aristóteles havia dito, no condicional, «se tivermos de afirmar qualquer coisa de comum à alma toda»,- que eles interpretam, justamente, como se não pudesse ser o caso 7 _@ consideremos as palavras que se seguem no texto. Ei-las: «Dissemos, de facto, em sentido universal, o que a alma era: uma substância segundo a formal, isto é, a

quididade de cada corpo», ou de outra maneira: a forma substancial de um corpo natural organizado’.

[41 E não se diga que se exclui a parte intelectiva dessa universalidade`, o que Aristóteles refuta no que diz a seguir: «Que, portanto, a alma não é separável do corpo, ou, dado que ela é naturalmente divisível, ao menos algumas das suas

partes, eis o que é evidente, pois o acto de certas partes da alma é o acto de algumas partes do corpo. Já relativamente a

outras partes nada impede a separação, porque não são acto de nenhum corpo.” » Isto só pode ser interpretado como

dizendo respeito à parte intelectiva, a saber, intelecto e vontade. Daqui ressalta com evidência que certas partes desta alma, que antes definira universalmente designando-a como

acto de um corpo, são acto de partes precisas do corpo,

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esse. Aliud enim est animam esse actum corporis, et aliud partem eius esse corporis actum, ut infra manifestabitur.

Vnde et in hoc codem capitulo manifestat animam esse

actum corporis per hoc quod alique partes eius sunt corporis actus, cum dicit «Considerare oportet in partibus quod dictum est», scilicet in toto.

Adhuc autem manifestius ex sequentibus apparet quod sub hac generalitate diffinitionis etiam intellectus includitur, per ea que sequntur. Nam cum satis probauerit animam esse

actum corporis quia separata anima non est uiuens in actu, quia tamen aliquid potest dici actu tale ad presentiam alicuius, non solum si sit forma sed etiam si sit motor, sicut combustibile ad presentiam comburentis actu comburitur, et quodllbet mobile ad presentiam mouentis actu mouetur: posset alicui uenire in dubium utrum corpus sic uiuat actu ad presentiam anime sicut mobile mouetur actu ad presentiam motoris, an sicut materia est in actu ad presentiam forme; et precipue quia Plato posuit animam non uniri corpori ut formam, sed magis ut motorem et rectorem, ut patet per Plotinum et Gregorium Nissenum, quos ideo induco quia non fuerunt Latini sed Greci. Hanc igitur dubitationem insinuat Philosophus cum post premissa subiungit «Amplius autem iminanifestum si sic corporis actus anima sicut nauta nauis». Quia igitur post premissa adhuc hoc dubium remanebat, concludit «Figuraliter quidem igitur sic

determinetur et describatur de anima», quia scilicet nondum ad liquidum demonstrauerat ueritatem.

Ad hanc igitur dubitationem tollendam, consequenter procedit ad manifestandum id quod est secundum se et secundum rationem certius, per ea que sunt minus certa secundum se sed magis certa quoad nos, id est per effectus anime qui sunt actus ipsius. Vride statim distinguit opera

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enquanto que outras não são acto de nenhum corpo. Porque, como mais adiante se verá”, não é a mesma coisa a alma ser acto de um corpo e uma das suas partes ser acto de um corpo.

Por conseguinte, neste mesmo capítulo, Aristóteles prova que a alma é o acto de um corpo, porque algumas das suas

partes são acto de um corpo, quando diz: «É preciso estender», ao todo, entenda-se, «o que se disse acerca das partes.” »

[51 Mas, no que vem a seguir, ainda é mais evidente que ele inclui o intelecto também sob essa definição geral, sobretudo havendo suficientemente provado que a alma é o acto de um corpo, portanto, que a alma separada não vive em acto. Todavia, como se pode dizer que uma coisa vive em acto graças à presença de uma outra, não apenas se for a sua forma, mas também o seu motor - tal como a combustão em acto de um combustível na presença de um comburente e o movimento em acto de qualquer móbil na presença de um motor -, alguém podia duvidar se, estando a alma presente, um corpo vive em acto, como o móbil se move em acto na presença de um motor ou como uma matéria está em acto na presença de uma forma. E, principalmente, porque Platão defendeu que a alma não se une ao corpo como uma

forma, mas mais como um motor ou um piloto, como é evidente por Plotino e Gregório de Nissa, que menciono porque não foram Latinos mas Gregos”. O Filósofo insinua esta dúvida quando acrescenta, a seguir ao que disse: «Também não se vê se a alma é acto do corpo, como o

timoneiro, do navio.” » E porque a dúvida persiste depois do que disse, conclui «que é metaforicamente que se

determina e se descreve assim a alma` », pois ainda não era

líquido ter demonstrado a verdade`.

[6] A fim de tirar a dúvida, avança a seguir para a

demonstração do que é mais certo em si e segundo o conceito com base naquilo que é menos certo em si mesmo, mas é mais certo para nós”, ou seja, a partir dos efeitos da alma, que são os seus próprios actos. Para tal, distingue

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anime, dicens quod «animatum distinguitur ab inanimato in uiuendo», et quod multa sunt que pertinent ad uitam, scilicet «intellectus, sensus, motus et status secundum locum», et motus nutrimenti et augmenti, ita quod cuicurrique inest aliquod horum dicitur uiuere. Et ostenso quomodo ista se

habeant ad inuicem, id est qualiter unum sine altero horum possit esse, concludit in hoc quod anima sit omnium predictorum principium, et quod anima «determinatur - sicut per suas partes - uegetatiuo, sensitiuo, intellectiuo, motu», et quia hec omnia contingit in uno et eodem inueniri, sicut in homine.

Et Plato posuit diuersas esse animas in homine, secundum quas diuerse operationes uite ei conueniant. Consequenter dubitationem mouet «Vtrum unumquodque horum sit anima» per se, uel sit aliqua pars anime; et si sint partes unius anime, utrum differant solum secundum rationem, aut etiam differant loco, id est organo. Et subiungit quod «de quibusdam non

difficile» hoc uidetur, sed quedam sunt que dubitationem habent. Ostendit enim consequenter quod manifestum est de hils que pertinent ad animam uegetabilem, et de hiis que pertinent ad animam sensibilem, per hoc quod plante et animalia quedam decisa uiuunt, et in qualibet parte omnes

operationes anime que sunt in toto apparent. Sed de quibus dubitationem habeat, ostendit subdens quod «de intellectu et perspectiua potentia nichil adhuc manifestum est». Quod non dicit uolens ostendere quod intellectus non sit anima, ut Corrimentator peruerse exponit et sectatores ipsius: manifeste enim hoc respondet ad id quod supra dixerat «Quedam enim dubitationem habent». Vnde intelligendum est: nichil adhuc manifestum est, an intellectus sit anima uel pars anime; et si pars anime, utrum separata loco, uel ratione tantum .

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imediatamente as operações da alma, dizendo que «o

animado distingue-se do inanimado pela vida» e que são muitas as operações que dizem respeito à vida, como por exemplo, «a intelecção, a sensação, o movimento local e o repouso» bem como o movimento nutritivo e de crescimento19, de maneira que diz-se que vive tudo aquilo que possui uma destas operações da alma. Depois, mostradas

as suas relações mútuas, ou seja, como é que uma pode existir sem a outra, conclui com isto que a alma é o princípio de todas as operações e que «é determinada por elas, como pelas suas partes, que são as faculdades vegetativa, sensitiva, intelectiva e o movimento10 », mas que todas elas se

encontram num só indivíduo, o homem”.

[71 Platão defendeu também a existência de diversas almas no homem em conformidade com a diversidade das operações da vida que o integram”. Por esta razão, Aristóteles levanta a seguinte dúvida: «cada uma dessas faculdades é a alma» em si mesma ou uma parte da alma? E no caso de serem partes de uma mesma alma, elas diferem segundo o conceito ou também pelo lugar, quer dizer, pelo órgão?” Acrescenta que «em relação a algumas não há dificuldade», mas em relação a outras há lugar para dúvida`. Prova de imediato que é de facto claro, quanto ao que diz respeito à alma vegetativa e à alma sensitiva, dado que certas plantas e animais, mesmo quando seccionados, continuam a

viver, pelo que todas as operações da alma que se dão no todo realizam-se numa qualquer das partes. Mas relativamente às que dão lugar a dúvidas, mostra, acrescentando, que «acerca do intelecto e da potência teorética, nada é ainda evidente»”. Aristóteles não diz isto querendo mostrar que o

intelecto não é alma, conforme o Comentador e seus sequazes explicam de uma maneira ruim, porque é evidente que ele aqui está a responder ao que havia dito antes, «que relativamente a algumas há lugar para dúvida». Daí dever entender-se: nada disto é ainda evidente, se o intelecto é alma ou se é uma parte da alma, e se for uma parte da alma, se

16 está separada localmente ou apenas conceptualmente

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Et quamuis dicat hoc adhuc non esse manifestum, tamen quid circa hoc prima fronte appareat manifestat subdens «Sed uidetur genus alterum anime esse». Quod non est intelligendum, sicut Corrimentator et sectatores eius peruerse exponunt, ideo dictum esse quia intellectus equiuoce dicatur anima, uel quod predicta diffinitio sibi aptari non possit; sed qualiter sit hoc intelligendum apparet ex eo quod subditur «Et hoc solum contingere separari sicut perpetuum a

corruptibili». In hoc ergo est alterum genus, quod intellectus uidetur esse quoddam perpetuum, alie autem partes anime

corruptibiles. Et quia corruptibile et perpetuum non uidentur in unam substantiam conuenire posse, uidetur quod hoc solum de partibus anime, scilicet intellectus, contingat separari, non quidem a corpore, ut Commentator peruerse exponit, sed ab alfis partibus anime, ne in unam substantiam anime conueniant.

Et quod sic sit intelligendum patet ex eo quod subditur «Relíque autem partes anime manifestum est ex hiis quod non separabiles sunt», scilicet substantia anime uel loco. De hoc enim supra quesitum est, et hoc ex supradictis probatum est. Et quod non intelligatur de separabilitate a corpore sed de separabilitate potentiarum ab inuicem, patet per hoc quod subditur «Ratione autem quod altere», scilicet sunt ad inuicem, «manifesturri: sensitiuo enim esse et opinatiuo alterum». Et sic manifeste quod hic determinatur respondet questioni supra mote: supra enim quesitum est, utrum una pars anime ab alia separata sit ratione solum, aut et loco. Hic dimissa questione ista quantum ad intellectum, de quo nichil hic determinat, de allis partibus anime dicit manifestum esse quod non sunt separabiles, scilicet loco, sed sunt altere ratione.

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[81 E mesmo dizendo que ‘nada é ainda evidente’, não deixa de manifestar a primeira hipótese que vem à cabeça, acrescentando: «mas parece que é um outro gênero de alma»”. Esta afirmação não deve ser interpretada tal como

o Comentador e os seus sequazes a explicam, de uma maneira

ruim”, que Aristóteles a fez porque é equivocamente que se

chama alma ao intelecto ou porque não se lhe pode aplicar a

definição referida. A maneira como devemos interpretá-la vem logo a seguir: «e só isto pode ser separado, como o eterno do corruptível.»19 É nisto, portanto, que consiste o @outro gênero’, em parecer que o intelecto é algo de eterno enquanto que as outras partes da alma são corruptíveis. E uma vez que o corruptível e o eterno não parecem ser compatíveis numa substância, parece que, entre todas as

partes da alma, só o intelecto é que pode ser separado, não do corpo, evidentemente, tal como de maneira ruim o Comentador explica, mas das outras partes da alma, de forma que não se acham numa só substância da almalo.

[9] Torna-se evidente que é assim que se deve entender, a

partir do que acrescenta: «Daí ser claro, em relação às outras partes da alma, que elas não são separávei S31 », quer dizer, segundo a substância da alma ou localmente.

Já atrás o tínhamos averiguado, e o que então dissemos chega para provar. Que Aristóteles não está a pensar na separabilidade em relação ao corpo, mas da mútua separabilidade das potências, eis o que se torna evidente pelo que segue: «é claro que se distinguem conceptual mente », ou seja, umas em relação às outras, «o acto de sentir é diferente do de opinar 31 ». E, assim, é evidente que aquilo que aqui determina responde à pergunta feita acima”. Com efeito, tinha-se perguntado se uma parte da alma se separa de outra apenas conceptualmente ou também segundo o lugar. Pondo de parte aqui esta questão relativa ao intelecto, sobre o qual agora nada determina, relativamente às outras partes da alma Aristóteles diz com clareza que não são separáveis segundo o lugar, mas que o são conceptualmente”.

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Hoc ergo habito quod anima determinatur uegetatiuo, sensitiuo, intellectiuo et motu, uult ostendere consequenter quod, quantum ad orrines istas partes, anima unitur corpori non sicut nauta naul sed sicut forma. Et sic certificatum erit quid sit anima in corrimuni, quod supra figuraliter tantum

dictum est. Hoc autem probat per operatíones anime sic: manifestum est enim quod illud quo primo aliquid operatur est forma operantis, sicut dicimur scire anima et scire scientia, per prius autem scientia quam anima, quia per animam non seimus nisi in quantum habet scientiam; et similiter sanari dicimur et corpore et sanitate, sed per prius sanitate. Et sic patet scientiam esse formam anime, et sanitatern corporis.

Ex hoc procedit sic: «Anima est primum quo uiuimus», quod dicit propter uegetatiuum, «quo sentimus», propter sensitiuum, «et mouemur», propter motiuum, «et intelligimus», propter intellectluum; et concludit «Quare ratio quedam utique erit et species, sed non ut materia et ut subíectum». Manifeste ergo quod supra dixerat, animam esse actum corporis phisici, hic concludit non solum de sensitiuo, uegetatiuo et motiuo, sed etiam de intellectiuo. Fuit ergo sententia Aristotilis quod id quo intelligimus sit forma corporis phisici. Sed ne aliquis dicat: id quo intelligimus non

dicit hic intellectum possibilem, sed aliquid aliud, manifeste hoe excluditur per ld quod Aristotiles in 111 De anima dicit, de intellectu possibili loquens «Dico autem intellectum, quo opínatur et intelligit aníma».

Sed antequam ad uerbaAristotilis quesunt in 111 De anima accedamus, adhuc amplius circa uerba ipsius in 11 De anima

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[101 Portanto, posto isto, a saber, que a alma é detern-únada pela actividade vegetativa, sensitiva, intelectiva e pelo movimento, pretende mostrar de seguida que em todas estas partes a alma não se une ao corpo como o timoneiro ao navio, mas como uma forma. Deste modo certificar-se-á o que é a

alma em geral, o que antes havia sido dito apenas metaforicamente. Prova-o com as operações da alma, assim: é, na verdade, evidente que aquilo que opera alguma coisa é em sentido primordial a forma do operador, como quando se

diz que é pela alma que se conhece e que é pela ciência que se conhece, mas pela ciência primeiro do que pela alma, porque pela alma só conhecemos o que esta possui por ciência; de igual modo, dizemos que estamos de saúde pelo corpo e pela saúde, mas primeiro pela saúde”. Desta maneira se torna evidente que a ciência é a forma da alma e que a

36 saúde é a forma do corpo .

[111 A partir daqui acrescenta 31 :«a alma é em sentido primordial aquilo pelo qual vivemos», que é dito por causa

da faculdade vegetativa, «pelo qual sentimos», por causa da sensitiva, «pelo qual nos movemos», por causa da faculdade motora, «e pelo qual pensamos», por causa da faculdade intelectiva. E conclui: «Por esta razão ela será noção e forma, mas não como uma matéria e um sujeito.” » Portanto, é evidente que o que disse antes” - a alma é o acto de um corpo natural - se conclui aqui, não só em relação à

faculdade sensitiva, vegetativa e motora, mas também à intelectiva. A doutrina de Aristóteles foi, portanto, que aquilo pelo qual pensamos é a forma de um corpo natura1411.

Mas para que ninguém diga que aqui Aristóteles não afirma que aquilo pelo qual pensamos é o intelecto possível, mas outra coisa qualquer, excluímos manifestamente essa

hipótese atendendo ao que diz no livro 111 sobre A Alma, falando acerca do intelecto possível: «Chamo, então, intelecto àquilo pelo qual a alma opina e pensa .41 »

[ 121 Mas antes de passarmos às afirmações de Aristóteles no terceiro livro sobre A Alma, detenhamo-nos ainda um

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immoremur, ut ex collatione uerborum eius ad inuicem appareat que fuerit eius sententia de anima. Cum enim animam in cominum diffinisset, incipit distinguere potentias eius; et dicit quod potentie anime sunt «uegetatiuum, sensitiuum, appetitiuum, motiuum secundum locum, intellectiuum ». Et quod intellectiuum sit intellectus, patet per id quod postea subdít, diuisionem explanans «Alteris autem intellectiuum et intellectus, ut hominibus». Vult ergo quod intellectus est potentia anime que est actus corporis.

Et quod huius anime potentiam dixerit intellectum, et iterum quod supra posita diffinitio anime sit omnibus predictis partibus cominunis, patet per id quod concludit «Manifestum igitur est quomam, eodem modo una utique crit ratio anime et figure: neque enim ibi figura est preter triangulum et que consequenter sunt, neque hic anima preter predictas est». Non est ergo querenda alia anima preter predictas, quibus corrimunis est anime diffinitio supra posita. Neque plus de intellectu mentionem facit Aristotiles in hoc secundo, nisi quod postmodum subdit quod «ultimum et minimum» dicit esse «ratiocinationem et intellectum», quia scilicet in paucioribus est, ut per sequentia apparet.

Sed quia magna differentia est quantum ad modum operandi inter intellectum et ymaginationem, subdit quod «de speculatiuo intellectu altera ratio est». Reseruat enim

hoc inquirendum usque ad tertium. Et ne quis dicat, sicut Auerroys peruerse exponit, quod ideo dicit Aristotiles quod de intellectu speculatiuo est alia ratio, quia intellectus «neque est anima neque pars anime»: statim hoc excluditur in principio tertii, ubi resumit de intellectu tractatum. Dicit enim «De parte autem anime qua cognoscit anima et sapit». Nec debet aliquis dicere quod hoe dicatur solum secundum quod intellectus possibilis diuiditur contra agentem, sicut aliqui

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pouco naquilo que ele diz no livro 11, a fim de que pela comparação das suas palavras se veja qual foi efectivamente a sua doutrina acerca da alma.Para dar uma definição geral da alma, começou por distinguir as suas potências e disse que as potências da alma eram «a vegetativa, a sensitiva, a apetitiva, a do movimento local e a intelectiva` ». Que a

faculdade intelectiva é o intelecto, é o que se evidencia por aquilo que diz a seguir, explicando a divisão: «Outros, como os homens, possuem a faculdade intelectiva e o intelecto» 43 . Pretende, por isso, que o intelecto é a potência da alma que é o acto de um corpo44.

[ 131 E que deu o nome de intelecto à potência desta alma, e que além disso a definição da alma anteriormente dada é comum a todas as potências referidas, torna-se claro por isto que conclui: «É evidente, pois, que só há uma noção de alma, de maneira igual à de figura, porque tal como não há figura fora do triângulo e das figuras consecutivas assim também, neste caso, não há alma além das referidas. »41 Não é preciso, portanto, procurar mais nenhuma alma para além das já referidas as quais têm em comum a definição supracitada de alma. Aristóteles não menciona mais o intelecto neste livro11, excepto quando um pouco mais adiante acrescenta: «Em último lugar e em menor número», diz, «dá-se o raciocínio e o intelecto», por que existe em poucos 46 @conforme se vê pelo que vem a seguir.

[ 14] Mas dado haver uma grande diferença no modo de funcionamento do intelecto e da imaginação, acrescenta que «no que toca ao intelecto especulativo, a questão é outra» 47 .

Ele guarda, realmente, o exame dessa questão para o livro111. E para que ninguém diga, à semelhança da explicação ruim de Averróis, que Aristóteles afirma que é uma outra questão quanto ao intelecto especulativo, porque o intelecto não é «nem uma alma nem uma parte da alma»41 , exclui isso imediatamente no princípio do livro 111, onde resume o

que havia tratado acerca do intelecto, e se lê: «Ora, sobre a parte da alma pela qual esta conhece e sabe» 49 . Não se deve

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sompniant; hoc enim dictum est antequam Aristotiles probet esse intellectum possibilem et agentem: unde intellectum dicit hic partem in corrimuni, secundum quod continet et agentem et possibilem, sicut supra in secundo manifeste distirixit intellectum contra alias partes anime, ut i am dictum est.

Est autem consideranda mirabilis diligentia et ordo in processu Aristotilis: ab hiis enim incipit in tertio tractare de intellectu que in secundo reliquerat indeterminata. Duo autem supra reliquerat indeterminata circa intellectum. Primo quidem utrum intellectus ab aflis partibus anime separetur ratione solum, aut etiam loco: quod quidem indeterminatum dimisit cum dixit «De intellectu autem et perspectiua potentia nichil adhuc manifestum est». Et haric questionem primo resumit cum dicit «Siue separabili existente», scilicet ab aflis anime partibus, «sine non separabili secundum magnitudinem, sed secundum rationem». Pro eodem enim accipit hic separabile secundum magnitudinem, pro quo supra dixerat separabile loco.

Secundo, indeterminatum reliquerat de differentia intellectus ad alias anime partes, cum postmodum dixit «De speculatiuo autem intellectu altera ratio est». Et hoc statim querit cum dicit «Considerandum quam habet differentiam». Haric autem differentiam talem intendit assignare, que possit stare cum utroque premissorum, scilicet siue sit separabilis anima magnitudine seu loco ab alfis partibus, siue non; quod ipse modus loquendi satis indicat. Considerandum enim dicit quam habet intellectus differentiam ad alias anime partes, siue sit separabilis ab eis magnitudine seu loco, id est subiecto, siue non, sed secundum rationem tantum. Vride manifestum est quod non intendit hanc differentiam

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dizer que afirma isto apenas na medida em que o intelecto possível se distingue do intelecto agente, como alguns chegaram a sonhar10; na verdade, a frase surge antes de Aristóteles provar que há um intelecto possível e um intelecto agente. Daí que ele chame intelecto à parte que integra em

comum o intelecto agente e o possível, tal como acima, no livro 11, tinha claramente distinguido o intelecto das outras partes da alma, conforme dissemos.

[ 151 Convém considerar a admirável diligência e a ordem do procedimento de Aristóteles. Com efeito, começ a, no livro111, a tratar daquelas questões sobre o intelecto que tinha deixado por resolver no livro 11. Ora, relativamente ao intelecto, tinha deixado duas questões por resolver. A primeira, se o intelecto se separava das outras partes da alma apenas conceptualmente ou também localmente, que deixou por resolver quando diz: «acerca do intelecto e da potência teorética, nada é ainda evidente. »11 É esta questão que retoma primeiro, quando diz: «Existindo separada», quer dizer, das outras partes da alma, «ou não existindo separada segundo a grandeza, mas apenas conceptualmente». De facto, toma aqui a separabilidade segundo a grandeza com o mesmo sentido em que antes dissera «segundo o local» 52 .

[16] Em segundo lugar tinha deixado por resolver a

questão da diferença entre o intelecto e as outras partes da alma, ao afirmar, pouco depois: «no que diz respeito ao

intelecto especulativo, a questão é outra»” E imediatamente passa a esta questão, quando diz: «Temos de considerar, pois,

14 que diferença existe» . Ora, ele quer repartir esta diferença de maneira a poder compatibilizá-la com ambos os pressupostos, a saber, se a alma é separável das outras partes segundo a grandeza ou o local ou não o é , aspecto que o modo de falar indica bem. Diz, com efeito, que tem de considerar-se a diferença entre o intelecto e as outras partes da alma, se se separa delas segundo a grandeza ou o local, isto é, segundo o sujeito, ou se não é assim, mas tão-só cc nceptual mente. Portanto, é evidente que ele não pretende

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ostendere, quod sit substantia a corpore separata secundum esse, hoc enim non posset saluari cum utroque predictorum; sed intendit assignare differentiam quantum ad modum operandi: unde subdit «Et quomodo fit quidem ipsum intelligere».

Sic igitur per ea que ex uerbis Aristotilis accipere possumus usque huc, manifestum est quod ipse uoluit intellectum esse partem anime que est actus corporis phisici.

Sed quia ex quibusclam uerbis consequentibus Auerroyste accipere uolunt intentionem Aristotilis fuisse, quod intellectus non sit anima que est actus corporis, aut pars talis anime:

ideo etiam diligentius eius uerba sequentia consideranda sunt. Statim igitur post questionem motam de differentia intellectus et sensus, inquirit secundum quid intellectus sit similis sensul, et secundum quid ab eo differat. Duo enim supra de sensu

determinauerat, scilicet quod sensus est in potentia ad sensibilia, et quod sensus patitur et corrumpitur ab excellentlls sensibilium. Hoc ergo est quod querit Aristotiles dicens «Si igitur est intelligere sicut sentire, aut pati aliquid utique crit ab intelligibili», ut scilicet sic corrumpatur intellectus ab excellenti intelligibili sicut sensus ab excellenti sensibili, «aut aliquid huiusmodi alterum»: id est aut intelligere est aliquid huiusmodi simile, scilicet ei quod est sentire, alterum tamen quantum ad hoc quod non sit passibile.

Huic igitur questioni statim respondet et concludit, non ex precedentibus sed ex sequentibus, que tamen ex

precedentibus manifestantur, quocI hanc partem anime «oportet esse impassibilem», ut non corrumpatur sicut sensus; est tamen quedam alia passio eius secundum quod intelligere corrimuni modo pati dicitur. In hoc ergo differt a sensu. Sed consequenter ostendit in quo cum sensu conueniat, quia scilicet oportet hulusmodi partem esse «susceptiuam speciei» intelligibilis, et quod sit in potentia ad huiusmodi speciem,

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mostrar esta diferença nos termos de uma substância existindo separada do corpo, pois isso não seria compatível com ambos os pressupostos. Outrossim, quer admitir a diferença no modo de operar, pelo que acrescenta: «E como

55 acontece a própria intelecção»

Assim, pois, por aquilo que até agora podemos interpretar das palavras de Aristóteles, é evidente que concebeu o

intelecto como uma parte da alma que é o acto de um corpo natural.

[17] Porém, como os averroístas pretendem interpretar algumas passagens a seguir como se a tese de Aristóteles fosse a de que o intelecto nem é uma alma que é acto de um

corpo nem uma parte dessa alma, é preciso examinar com

cuidado essas passagens seguintes. Imediatamente após levantar a questão sobre a diferença entre o intelecto e o sentido, pergunta em que é que o intelecto é semelhante ao sentido e em que é que difere. De facto, ele havia determinado duas coisas acerca do sentido, a saber, que um sentido está em potência para os sensíveis e que padece e se corrompe com um excesso de sensívei S51 . É isto precisamente que Aristóteles busca ao dizer: «Se portanto pensar é como sentir, ou consistirá em padecer algo sob a acção do inteligível», corrompendo-se assim o intelecto pelo excesso de inteligíveis, tal como o sentido pelo excesso de sensíveis, « ou num outro processo algo parecido»”. Quer dizer: ou

pensar é ‘algo parecido’, semelhante à sensação, sendo porém um outro processo’, pelo facto de não ser passível.

[18] Responde imediatamente a esta questão e conclui, não a partir do que disse antes mas do que vem a seguir, que aliás decorre claramente do que disse antes, que «convém que» esta parte da alma «seja impassível» para não se

corromper como o sentido; é todavia uma paixão diferente daquela em que de uma maneira geral se diz que pensar consiste em padecer. Nisso é que é diferente do sentido. Mas, de seguida, mostra como é parecida com o sentido: é preciso que uma parte assim seja «susceptível de receber a forma»

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et quod non sit hoc in actu secundum suam naturam; sicut et de sensu supra dictum est quod est in potentia ad sensibilia, et non in actu. Et ex hoe concludit quod oportet sic «se habere sicut sensitluum ad sensibilia sic intellectum ad intelligibilia».

Hoc autem induxit ad excludendum opinionem Empedoclis et aliorum antiquorum, qui posuerunt quod cognoscens est de natura cogniti, utpote quod terram terra cognoscimus, aquam aqua. Aristotiles autem supra ostendit hoc non esse uerum in sensu, quia sensitiuum non est actu, sed potentia, ea que sentit; et idem hic dicit de intellectu.

Est autem differentia inter sensum et intellectum, quia sensus non est cognoscitiuus omnium, sed uisus colorum tantum, auditus sonorum, et sic de aliis: intellectus autem est simpliciter omnium cognoscltluus. Dicebant autem antiqui philosophi, estimantes quod cognoscens debet habere naturam cogniti, quod anima ad hoc quod cognoscat omnia, necesse est ex principiis omnium esse commixtam. Quia uero

Aristotiles iam probauit de intellectu per similitudinem sensus, quod non est actu id quod cognoscit sed in potentia tantum, concludit e contrario quod ‘necesse est intellectum, quia cognoscit omnia, quod sit immixtus’, id est non compositus ex omnibus, sicut Empedocles ponebat.

Et ad hoc inducit testimonium Anaxagore, non tamen de hoc eodem intellectu. loquentis, sed de intellectu qui mouet omnia. Sicut ergo Anaxagoras dixit illum intellectum esse

immixtum ut imperet mouendo et segregando, hoc nos

possumus dicere de intellectu humano, quod oportet eum

esse immixtum ad hoc ut cognoscat omnia; et hoe probat consequenter, et habetur sic sequens littera in Greco «Intus

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inteligível e que esteja em potência para essa forma sem estar em acto segundo a sua natureza, como se disse acima em relação ao sentido, o qual está em potência para os sensíveis, e não em acto. E daí conclui ser preciso que «o intelecto esteja para os inteligíveis tal como a faculdade sensitiva está para os sensíveis» 58 .

[ 19] Aduz isto para excluir a opinião de Empédocles e de outros autores antigos que defenderam que aquilo que conhece tem a mesma natureza do conhecido, pois conhecemos a terra com a terra e a água com a água19. Mas Aristóteles mostrara antes que isso não era verdade em relação ao sentido, pois a faculdade sensitiva não é em acto aquilo que sente, mas é-o em potêncialO, e aqui diz a mesma

coisa sobre o intelecto.

[201 Há, porém, uma diferença entre o sentido e o intelecto, é que o sentido não tem capacidade para conhecer tudo, mas a vista conhece apenas as cores, o ouvido, os sons, e assim sucessivamente”. Já o intelecto é absolutamente capaz de conhecer tudo. Julgando que aquilo que conhece deve ter a natureza do conhecido, os antigos filósofos diziam que para que a alma conheça tudo é preciso que seja composta

12 dos princípios de todas as coisas . Mas dado que Aristóteles já tinha provado que o intelecto, à semelhança do sentido, não é em acto, mas é apenas em potência, aquilo que conhece, conclui ao contrário: «é necessário que o intelecto, visto que

61 conhece tudo, seja sem mistura» @ isto é, não composto de todas as coisas, contrariamente ao que Empédocles sustentava.

[211 E para o confirmar aduz o testemunho de Anaxágoras, ainda que este não se tenha pronunciado sobre o mesmo

intelecto, mas sobre o Intelecto que move todas as coisas. Tal como Anaxágoras diz que esse Intelecto é sem mistura, para poder mover e separar, também nós podemos dizer do intelecto humano que ele deve ser sem mistura, para que possa conhecer todas as coisas. Prova-o, de seguida, tendo

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apparens enim prohlbebit extraneum et obstruet». Quod potest intelligi ex simili in uisu: si enim esset aliquis color intrinsecus pupille, ille color interior prohiberet uideri extraneum colorem, et quodammodo obstrueret oculum ne

alia uideret. Similiter si aliqua natura rerum que intellectus cognoscit puta terra aut aqua, aut calidum et frigidum, et aliquid huiusmodi, esset intrinseca intellectui, illa natura intrinseca impediret ipsum et quodammodo obstrueret ne alia cognosceret.

Quia ergo omnia cognoscit, concludit quod non contingit ipsum habere aliquam naturam determinatam ex naturis sensibilibus quas cognoscit, ‘sed hanc solam naturam habet quod sit possibilis’, id est in potentia ad ea que intelligit, quantum est ex sua natura; sed fit actu illa dum ea intelligit in actu, sicut sensus in actu fit sensibile in actu, ut supra in secundo dixerat. Concludit ergo quod intellectus antequam intelligat in actu «nichil est actu eorum que sunt»; quod est contrarium hás que antiqui dicebant, quod est actu omnia.

Et quia fecerat mentionem de dicto Artaxagore loquentis de intellectu qui imperat omnibus, ne crederetur de illo intellectu hoc conclusisse, utitur tali modo loquendi «Vocatus itaque anime intellectus, dico autem intellectum quo opinatur et intelligit anima, nichil est actu» etc. Ex quo duo apparent: primo quidem quod non loquitur hic de intellectu qui sit aliqua substantia separata, sed de intellectu quem supra dixit potentiam et partem anime, quo anima intelligit; secundo, quod per supra dieta probault quod intellectus non habet naturam in actu: nondum autem probault quod non sit uirtus in corpore, ut Auerroys dicit, sed hoc statim concludit ex

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assim em grego o texto seguinte: «o que aparece no interior14 impede e obstrui o que está fora» . O que se pode compreender comparando com a vista: se, de facto, houvesse uma cor no interior da pupila essa cor impediria que se visse uma cor exterior e, de uma certa maneira, obstruiria a vista para que não visse as outras. De igual modo, se alguma natureza das coisas que o intelecto conhece, como por exemplo a terra ou a água, ou o quente ou o frio, ou outras do género, estivesse no interior do intelecto, essa natureza intem a impedi-lo-ia de conhecer as outras e de alguma forma obstrui-lo-í a”.

[221 Uma vez, portanto, que conhece tudo, Aristóteles conclui que o intelecto não pode ter nenhuma natureza determinada das naturezas sensíveis que conhece, «mas só a

66 natureza de ser possível» , ou seja, que, pela sua natureza, está em potência para o que pensa. Ora, o intelecto actualiza-se no que pensa, no momento em que o pensa em acto, tal como o sentido se actualiza no sensível em acto, conforme tinha dito atrás no livro 11. Conclui, então, que antes de pensar em acto, o intelecto «não é em acto nenhuma das coisas que existem»61 @ o que vai contra o que os Antigos diziam, ou

seja, que o intelecto é todas as coisas em acto.

[23] E dado que mencionou o dito de Anaxágoras relativo ao intelecto que governa todas as coisas, a fim de que se não creia que a sua conclusão diz respeito a esse Intelecto, Aristóteles empregou a seguinte maneira de falar: «Por isso a parte da alma a que se dá o nome de intelecto, e chamo intelecto àquilo pelo qual a alma opina e pensa, não é nada em acto», etC61 . Daqui resultam duas coisaS61 : a primeira, que não está a falar de um intelecto que seria uma substância separada, mas do intelecto que já tinha dito antes estar em potência, e que era uma parte da alma, pela qual pensa; a

segunda, que, na sequência do que disse antes, provou que o

intelecto não tem uma natureza em acto. Contudo, ainda não provou que não é uma faculdade que exista no corpo, como Averróis diz”. Conclui-o porém logo a seguir, na sequência

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premissis, riam sequitur «Vnde neque misceri est rationabile ipsum corporl'».

Et hoc secundum probat per primum quod supra probauit, scilicet quod intellectus non habet aliquam in actu de naturis rerum sensibilium; ex quo patet quod non miscetur corpori, quia si misceretur corpori, haberet aliquam de naturis corporeis; et hoc est quod subdit «Qualis enim aliquis utique fiet, aut calidus aut frigidus, si organum aliquod erit sicut sensitiuo». Sensus enim proportionatur suo organo et trahitur quodammodo ad suam naturam; unde etiam secundum immutationem organi iminutatur operatio sensus. Sic ergo intelligitur istud ‘non misceri corpori’, quia non habet organum sicut sensus. Et quod intellectus anime non habeat organum, manifestat per dictum quorundam qui dixerunt quod ‘anima est locus specierum’, large accipientes locum pro omni receptiuo, more platonico; nisi quod esse locum specierum non conuenit toti anime, sed solum intellectiue: sensitiua enim pars non recipit in se species, sed in organo; pars autem intellectiua non recipit eas in organo, sed in se

ipsa. Item non sic est locus specierum quod habeat eas in actu, sed in potentia tantum.

Quia ergo iam ostendit quid conueniat intellectui ex

similitudine sensus, redit ad primum quod dixerat, quod1oportet partem intellectiuarri esse impassibilem’; et sic ammirabili subtilitate ex ipsa similitudine sensus concludit dissimilitudinem. Ostendit ergo consequenter quod ‘non similiter sit impassibilis sensus et intellectus’, per hoc quod sensus corrumpitur ab excellenti sensibili, non autem intellectus ab excellenti intelligibili. Et huius causam assignat ex supra probatis, ‘quia sensitiuum non est sine corpore, sed intellectus est separatus’.

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do que disse, posto que continua: «Assim sendo, não é razoável que o intelecto se misture com o corpo.» 71

[241 E prova este segundo ponto com o primeiro que tinha anteriormente provado, ou seja, que o intelecto não tem em acto nenhuma das naturezas das coisas sensíveis. Daqui tornar-se claro que não se mistura com o corpo, porque se se

misturasse com o corpo teria alguma das naturezas corpóreas. E é o que acrescenta: «Tornar-se-ia assim uma determinada qualidade, ou quente ou frio, se tivesse algum órgão, como a faculdade sensitiva. »72 Na verdade, um sentido é proporcionado ao seu órgão e de uma certa maneira é determinado pela sua natureza; daí que a operação dos sentidos varie em conformidade com a modificação dos órgãos. É assim, portanto, que se deve interpretar a afirmação «não se mistura com o corpo»: porque não possui órgão como

o sentido. E que o intelecto da alma não tem órgão, mostra-o mediante a afirmação daqueles que disseram que «a alma é o lugar das formas»”, tomando «lugar», numa acepção lata, por todo o tipo de receptor, à maneira platónica; salvo que ser o lugar das formas não convém à alma toda, mas tão-só à intelectiva. De facto, a parte sensitiva, não recebe as formas em si mesma, mas no órgão, e a parte intelectiva não as recebe num órgã o, mas em si mesma. Mais: não é «lugar das formas»

71 porque as contenha em acto, mas apenas em potência.

[25] Posto que já explicou o que convém ao intelecto na sua semelhança ao sentido, regressa ao primeiro ponto que dissera sobre o tema, a saber, «convém que a parte intelectiva seja impassível»”. E assim, com uma admirável subtileza, partindo da própria semelhança com o sentido chegou à conclusão da sua dissemelhança. Mostra, de facto, a seguir, que «o sentido e o intelecto não são impassíveis da mesma maneira», porque o sentido corrompe-se com o excesso de sensíveis ao passo que o intelecto não se corrompe com o

excesso de inteligíveis. Ele atribui a causa para isto com base no que tinha provado antes: «A faculdade sensitiva não existe sem o corpo, mas o intelecto existe separado. »76

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Hoc autem ultimum uerbum maxime assumunt ad sul erroris fulcimentum, uolentes per hoc habere quod intellectus neque sit anima neque pars anime, sed quedam substantia separata. Sed cito obliuiscuntur eius quod paulo supra Aristotiles dixit: sic enim hic dicitur quod ‘sensitiuum non

est sine corpore et intellectus est separatus’, sicut supra dixit quod intellectus fieret «qualis, aut calidus aut frigidus, si aliquod organum erit ei sicut sensitiuo». Ea igitur ratione hic dicitur quod sensitiuum non est sine corpore, intellectus autem est separatus, quia sensus habet organum, non autem intellectus. Manifestissime igitur apparet absque omni dubitatione ex uerbis Aristotilis hanc fuisse eius sententiam de intellectu possibili, quod intellectus sit aliquid anime que est actus corporis; ita tamen quod intellectus anime non

habeat aliquod organum corporale, sicut habent cetere potentie anime.

Quomodo autem hoc esse possit, quod anima sit forma corporis et aliqua uirtus anime non sit corporis uirtus, non

difficile est intelligere, si quis etiam in aflis rebus consideret. Videmus enim in multis quod aliqua forma est quidem actus corporis ex elementis commixti, et tamen habet aliquam uirtutem que non est uirtus alicuius elementi, sed competit tali forme ex altiori principio, puta corpore celesti: sicut quod magnes habet uirtutem attrahendi ferrum, et iaspis restringendi sanguinem. Et paulatim uidemus, secundum quod forme sunt nobiliores, quod habent aliquas uirtutes magis ac magis supergredientes materiam; unde ultima formarum, que est anima humana, habet uirtutem to taliter supergredientem materiam corporalem, scilicet intellectum. Sic ergo intellectus separatus est quia non est uirtus in corpore; sed est uirtus in anima, anima autem est actus corporis.

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[26] Ora, eles tomam esta última afirmação, principalmente, como fundamento do seu erro, pretendendo concluir com ela que o intelecto nem é uma alma nem uma parte da alma, mas uma certa substância separada”. Mas depressa esquecem o que pouco antes Aristóteles dissera: de facto, aqui ele diz que «a faculdade sensitiva não existe sem o corpo e a faculdade está separada»”, porque antes tinha dito que o intelecto tornar-se-ia «de determinada qualidade, ou quente ou frio, se tivesse algum órgão como a faculdade sensitiva»79 . Por esta razão, portanto, se diz agora que a

faculdade sensitiva não existe sem um corpo, já que o

intelecto é separado, dado que o sentido possui um órgão, mas o intelecto não.

Das palavras de Aristóteles resulta com toda a evidência

e sem qualquer dúvida que é esta a sua doutrina acerca do intelecto possível: é alguma coisa da alma que é acto de um

corpo, isto, porém, sem que esse intelecto da alma possua qualquer órgão corporal tal como sucede com as restantes faculdades da alma.

[27] Caso se considere o que se passa com outras coisas, não é difícil compreender como é que a alma pode ser forma do corpo e uma certa faculdade da alma não ser uma faculdade do corpo”. De facto, vemos, em muitas coisas, que uma forma é o acto de um corpo composto de elementos e no entanto possui uma certa faculdade que não é a faculdade de nenhum elemento, pois pertence à forma em virtude de um princípio superior, como por exemplo um corpo celeste; tal como o íman, que tem a capacidade para atrair o ferro, ou o jaspe, para coagular o sangue. E à medida que as formas vão sendo cada vez mais nobres vemos que possuem capacidades que progressivamente superam cada vez mais

a matéria. Daí que a última forma, que é a alma humana, tenha a capacidade de superar totalmente a matéria corporal, que é o intelecto. Desta feita, o intelecto é separado, visto não ser uma faculdade existente no corpo, mas é uma faculdade que existe na alma, enquanto que a alma é o acto de um corpo.”

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Nec dicimus quod anima, in qua est intellectus, sic excedat materiam corporalem quod non habeat esse in corpore; sed quod intellectus, quem Aristotiles dicit potentiam anime, non

est actus corporis: neque enim anima est actus corporis mediantibus suis potentiis, sed anima per se ipsam est actus corporis dans corpori esse specificum. Alique autem potentie eius sunt actus partium quarundam corporis, perficientes ipsas ad aliquas operationes; sic autem potentia que est intellectus nullius corporis actus est, quia eius operatio non

fit per organum corporale.

Et ne alicui uideatur quod hoc ex nostro sensu dicamus preter Aristotilis intentionem, inducenda sunt uerba Aristotilis expresse hoc dicentis. Querit enim in 11 Phisicorum «usque ad quantum oporteat cognoscere speciem et quod quid est»; non enim omnem formam considerare pertinet ad phisicum. Et soluit subdens «Aut quemadmodum medicum neruum et fabrum es, usquequo», id est usque ad aliquem terminum. Et usque ad quem terminum ostendit subdens «Cuius enim causa unumquodque», quasi dicat: in tantum medicus considerat neruum in quantum pertinet ad sanitatem, propter quam medicus nerutim considerat, et similiter faber es propter artificium. Et quia phisicus considerat formam in quantum est in materia, sic enim est forma corporis mobilis, similiter accipiendum quod naturalis in tantum considerat formam in

quantum est in materia. Terminus ergo considerationis phisici de formis est in formis que sunt in materia quodammodo, et alio modo non in materia; iste enim forme sunt in confinio formarum separatarum et materialium. Vride subdit «Et circa hec», scilicet terminatur consideratio naturalis de formis, «que sunt separate quidem species, in materia autem». Que autem sint iste forme, ostendit subdens «Homo enim hominem generat ex materia, et sol». Forma ergo hominis

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(28) Não dizemos que a alma, onde o intelecto se encontra, supere de tal maneira a matéria corporal que não exista no

corpo, mas que o intelecto, a que Aristóteles dá o nome de «potência da alma», não é o acto de um corpo. Com efeito, a

alma não é o acto de um corpo mediante as suas potências, mas é por si mesma o acto do corpo que dá ao corpo o seu ser específico. Mas algumas das suas potências são o acto de certas partes do corpo, aperfeiçoando- as com vista a certas operações; é assim que a potência em que o intelecto consiste não é o acto de nenhum corpo, pois a sua operação não se realiza através de um órgão corporal.

(29) E para que ninguérrijulgue que dizemos isto segundo o nosso modo de ver, sem levar em conta a intençã o de Aristóteles, temos que aduzir os textos de Aristóteles que explicitamente sustentam uma tal tese. No livro 11 da Física, pergunta: «até que ponto se deve conhecer a espécie e a quididade»”, uma vez que o físico não tem competência para considerar todas as formas, e responde: «ou como o

83 médico considera o nervo e o ferreiro o bronze e não mais» @ quer dizer, até atingir certo limite. E mostra qual é esse limite, acrescentando: «até à causa de cada um», como se dissesse: o médico considera o nervo enquanto este tem a ver com a

saúde, que é a causa pela qual o médico o considera, e o mesmo faz o ferreiro que considera o bronze por causa da obra a produzir. E uma vez que o físico considera a forma enquanto ela está na matéria - é assim, com efeito, que ela é a forma do corpo móvel - então, de igual modo, se deve admitir que o filósofo natural considera a forma apenas enquanto ela está na matéria. Por conseguinte, o limite da consideração das formas pelo físico está nas formas que de uma certa maneira estão na matéria e que de uma outra maneira não estão na matéria; estas formas estão, pois, no

limite entre as formas separadas e as formas materiais”. Daí acrescentar: «É a elas» que se circunscreve a consideração natural das formas, «elas que são formas separadas, embora numa matéria». Quais, porém, sejam estas fon-rias, mostra-o, acrescentando: «De facto, é o homem que gera o homem

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est in materia et separata: in materia quidem secundum esse

quoci dat corpori, sic enim est terminus generationis, separata autem secundum uirtutem que est propria homini, scilicet secundum intellectum. Non est ergo impossibile quod aliqua forma sit in materia, et uirtus eius sit separata, sicut expositum est de intellectu.

Aclhuc autem alio modo procedunt ad ostendendum quod Aristotilis sententia fuit, quoci intellectus non sit anima uel pars anime que unitur corpori ut forma. Dicit enim Aristotiles in pluribus locis, intellectum esse perpetuum et incorruptibilem, sicut patet in 11 De anima, ubi clixit «Hoc solum contingere separari sicut perpetuum a corruptibili»; et in primo, ubi dixit quoci intellectus uidetur esse substantia quedam, «et non corrumpi»; et in tertio, ubi clixit «Separatus autem est solum hoc quod uere est, et hoc solum immortale et perpetuum est», quamuis hoc ultimum quidam non exponant de intellectu possibili, sed de intellectu agente.

Ex quibus omnibus uerbis apparet quod Aristotiles uoluit intellectum esse aliquid incorruptibile.

Videtur autem quoci níchil incorruptibile possit esse forma corporis corruptibilis. Non enim est accidentale forme sed per se ei conuenit esse in materia, alioquín ex materia et forma fieret imum per accidens; nichil autem potest esse sine eo quoci inest ei per se: ergo forma corporis non potest esse sine corpore. Si ergo corpus sit corruptibile, sequitur formam corporis corruptibilem esse.

Preterea, forme separate a materia, et forme que sunt in materia, non sunt eedem specie, ut probatur in VII Methaphisice; multo ergo minus una et eadem forma numero potest nunc esse in corpore, nunc autem sine corpore: destructo ergo corpore, uel destruitur forma corporis, uel

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a partir da matéria, mais o Sol»II. Com efeito, a forma do homem está na matéria e está separada: está na matéria segundo o ser que dá ao corpo, pois é assim que ela é termo da geração, mas está separada segundo a faculdade que é própria do homem, isto é, segundo o intelecto. Não é portanto impossível que uma forma esteja na matéria e a sua faculdade esteja separada, conforme expusemos acerca do intelecto «16

(30) Mas eles têm também outro modo de provar que a

doutrina de Aristóteles foi a de que o intelecto não é a alma ou uma parte da alma que se une ao corpo como forma. Na verdade, Aristóteles diz em vários passos que o intelecto se perpetua e é incorruptível; é o que se patenteia no livro 11 de A Alma, onde diz: «só ela se pode separar, como o eterno do corruptível»; no livro I, onde diz que o intelecto parece ser

uma certa substância «e não estar sujeito à corrupção»; e no

livro III, onde diz: «Só é separado o que verdadeiramente é e só ele é imortal e perpétuo», ainda que alguns não apliquem esta última frase ao intelecto possível, mas ao intelecto agente”.

A partir de todas estas afirmações torna-se evidente que Aristóteles pensou o intelecto como algo de incorruptível.

(3 1) Também parece que nada de incorruptível pode ser a

forma de um corpo corruptível. De facto, estar na matéria não é acidental para uma forma, mas isso é algo que lhe é essencialmente inerente; se assim não fosse, da matéria e da forma resultaria um uno por acidente. Mas nada pode existir sem o que lhe é essencialmente inerente; logo, a forma do corpo não pode existir sem o corpo. Se, portanto, o corpo fosse corruptível seguir-se-ia que a forma do corpo seria corruptível.

Além do mais, as formas separadas da matéria e as que se encontram numa matéria não são da mesma espécie, conforme se prova no livro VII da Metafisica”. Muito menos, portanto, uma só e mesma forma numericamente idêntica pode num momento estar no corpo e noutro momento estar sem o corpo. Logo, uma vez destruído o corpo, ou é destruída

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transit ad aliud corpus. Si ergo intellectus est forma corporis, uidetur ex necessitate sequi quod intellectus sit corruptibilis.

Est autem sciendum quod hec ratio plurimos mouit: unde Gregorius Nissenus imponit Aristotili e conuerso quod, quia posuit animam esse formam, quod posuerit eam esse

corruptibilem; quidam uero posuerunt propter hoc animam transire de corpore in corpus; quidam etiam posuerunt quod anima haberet corpus quoddam incorruptibile, a quo numquam separaretur. Et ideo ostendendum est per uerba Aristotilis, quod sic posuit intellectiuam animam esse formam quod tamen posuit eam incorruptibilem.

In X1 enim Methaphisice, postquam ostenderat quod forme non sunt ante materias, quia «quando sanatur homo tunc est sanitas, et figura enee spere simul est cum spera enea», consequenter inquirit utrum aliqua forma remaneat post materiam; et dicit sic secundum translationem Boetii «Si uero aliquid posterius remaneat» , scilicet post materiam, «considerandum est: in quibusdam enim nichil prohibet, ut si anima huiusmodi est, non omnis sed intellectus; omnem enim impossibile est fortasse». Patet ergo quod animam, que est forma, quantum ad intellectiuarn partem dicit nichil prolilbere remanere post corpus, et tamen ante corpus non fuisse. Cum enim absolute dixisset quod cause mouentes sunt ante, non autem cause formales, non quesiuit utrum aliqua forma esset ante materiam, sed utrum aliqua forma remaneat post materiam; et dicit hoc nichil prohibere de forma que est anima, quantum ad intellectiuam partem.

Cum igitur, secundum premissa Aristotilis uerba, hec forma que est anima post corpus remaneat, non tota sed

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a forma do corpo ou ela passa para um outro corpo. Se, portanto, o intelecto não é a forma do corpo, parece seguir-se necessariamente que o intelecto é corruptível.19

(32) É preciso saber que este argumento condicionou muitos autores. Por causa dele Gregório de Nissa atribui a

Aristóteles uma opinião contrária, ou seja, haver sustentado que a alma era corruptível porque defendera que ela era uma

forma. Outros, por seu lado, também por causa dele sustentaram que a alma passa de corpo em corpo. Outros, ainda, defenderam que a alma teria um certo corpo incorruptível do qual nunca haveria de se separar. Por tudo isto, deve mostrar-se com as palavras de Aristóteles que ele defendeu que a alma intelectiva é forma e que é também incorruptível.91

(33) Na verdade, no livro IX da Metafísica, depois de mostrar que as formas não existem antes das matérias, porque «quando o homem sara é por causa da saúde, e a figura da esfera de bronze existe juntamente com a esfera de bronze», pergunta, na sequência, se uma forma se mantém depois da matéria91. E responde assim, de acordo com a tradução de Boécio: «Se verdadeiramente alguma coisa se mantém a seguir», isto é, depois da matéria, «é o que é preciso examinar: em algumas, de facto, nada o proíbe, como com a alma, não toda a alma, mas o intelecto; mas em todas é talvez impossível»91. É claro, portanto, que nada impede a alma, que é forma, no que toca à sua parte intelectiva, de se manter depois do corpo, ainda que não exista antes do corpo. Porque tendo dito, em sentido absoluto, que as causas motoras existem antes, mas as formais não, ele não perguntou se uma

forma qualquer existe antes da matéria, mas outrossim se alguma forma se mantém depois da matéria. E responde que nada o impede tratando-se da forma que é a alma, no que toca à parte intelectiva.91

(34) Como, portanto, segundo estas palavras de Aristóteles, a forma que a alma é permanece depois do corpo,

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intellectus, considerandum restat quare magis anima secundum partem intellectiuam post corpus remaneat, quam secundum alias partes, et quam alie forme post suas materias. Culus quidem rationem ex ipsis Aristotilis uerbis assumere

oportet: dicit enim «Separatum autem est solum hoc qu0d uere est, et hoc solum immortale et perpetuum est» . Hanc igitur rationem assignare uidetur quare hoc solum immortale et perpetuum esse uidetur, quia hoc solum est separatum. Sed de quo hic loquatur dubium esse potest, quibusdam dicentibus quod loquitur de intellectu possibili, quibusdam quod de agente: quorum utrurrique apparet esse falsum si diligenter uerba Aristotilis considerentur, nam de utroque Aristotiles dixerat ipsum esse separatum. Restat igitur quod intelligatur de tota intellectiua parte, que quidem separata dicitur quia non est el aliquod organum, sicut ex uerbis Aristotilis patet.

Dixerat autem Aristotiles in principio libri De anima quod «si est aliquid anime operum aut passionum proprium, continget utique ipsam separari; si uero nullum est proprium ipsius, non utique erit separabilis». Cuius quidem consequentie ratio talis est, quia unumquodque operatur in quantum est ens; eo igitur modo unicuique competit operari quo sibi competit esse. Forme igitur que nullam operationem habent sine communicatione sue materie, ipse non operantur, sed compositum est quod operatur per formam; unde huiusmodi forme ipse quidem proprie loquendo non sunt, sed eis aliquid est. Sicut enim calor non calefacit, sed calidum, ita etiam calor non est proprie loquendo, sed calidum est per calorem; propter quod Aristotiles dicit in X1 Methaphisice quod de accidentibus non uere dicitur quod sunt entia, sed magis quod sunt entis. Et similis ratio est de formis substantialibus que nullam operationem habent absque corrimunicatione materie, hoc excepto quod hulusmodi forme sunt principlum essendi substantialiter.

Forma igitur que habet operationem secundum aliquam

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não toda ela, mas o intelecto, falta considerar porque é que a

alma permanece depois do corpo mais segundo a sua parte intelectiva do que segundo as outras partes, e mais do que as

outras formas, depois das suas matérias. Deve ir buscar-se a razão para tal às próprias palavras de Aristóteles. De facto, ele diz: «só é separado o que verdadeiramente é, só isso é imortal e perpétuo»I’. Esta é a razão, pois, pela qual parece conceder que ‘só isso’ parece ser ‘imortal e perpétuo’ pelo facto de ‘ser separado’. Mas pode duvidar-se quanto ao

assunto de que está a tratar, pois alguns dizem que fala aqui do intelecto possível enquanto outros dizem que é do intelecto agente. Se considerarmos com discernimento as palavras de Aristóteles, enganam-se uns e outros, porque Aristóteles tinha dito de ambos que era separado. Resta, pois, entendê-lo de toda a parte intelectiva, a qual se diz separada porque não possui nenhum órgão, tal como transparece das palavras de Aristó teles.11

(35) Mas no princípio da obra sobre A Alma Aristóteles tinha dito que «se há alguma operação da alma ou paixão que lhe seja própria, então ela poderá ser separada; mas se

nenhuma lhe for própria, ela não poderá ser separada» 96 . A razão desta consequência está em que cada coisa age na

medida em que é um ser; por conseguinte, a cada coisa cabe agir segundo o modo em que é ser. Portanto, as formas que não têm nenhuma operação que não comunique com a

matéria não agem, mas é o composto que age por intermédio da forma. Daí que, em rigor, estas formas não existam, mas

que qualquer coisa existe por elas. Com efeito, tal como não é o calor que aquece, mas o quente, assim també m, em rigor, não é o calor que existe mas o quente que existe pelo calor. É por isso que Aristóteles diz no livro X1 da Metafísica que não se pode dizer verdadeiramente que os acidentes sejam ser, mas que são de um ser91. Existe um argumento semelhante para as formas substanciais que não têm nenhuma operação que nã o comunique com a matéria, com a ressalva de que tais forrnas são o princípio da existência substancial.91

Por conseguinte, é a forma que tem uma operação numa

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sui potentiam uel uirtutem absque corrimunicatione sue

materie, ipsa est que habet esse, nec est per esse compositi tantum sicut alie forme, sed magis compositum est per esse

cius. Et ideo destructo composito destruitur illa forma que est per esse compositi; non autem oportet quod destruatur ad destructíonem compositi illa forma per cuius esse compositum est, et non ipsa per esse compositi.

Si quis autem contra hoc obiciat quod Aristotiles dicit in I De anima, quod «intelligere et amare et odire non sunt illius passiones, id est anime, sed huius habentis illud secundum quod illud habet; quare et hoc corrupto neque memoratur neque arnat, non enim illius erant sed cominunis, quod quidem destructum est»: patet responsio per dictum Themistii hoc exponentis, qui dicit «Nunc dubitanti magis quam docenti assimilatur» Aristotiles. Nondum enim destruxerat opinionem dicentium non differre intellectum et sensum; unde in toto illo capitulo loquitur de intellectu sicut de sensu: quod patet precipue ubi probat intellectum incorruptibilem per exemplum sensus, qui non corrumpitur ex senectute. Vride et per totum sub conditione et sub dubio loquitur sicut inquirens, semper coniungens ca que sunt intellectus hiis que sunt sensus: quod precipue apparet ex eo quod in principio solutionis dicit «Si enim et quam maxime dolere et gaudere et intelligere» etc. Si quis autem pertinaciter dicere uellet quod Aristotiles ibi loquitur determinando; adhuc restat responsio, quia intelligere dicitur esse actus coniuncti non per se sed per accidens, in quantum scilicet eius obiectum, quod est fantasma, est in organo corporali, non quod iste actus per organum corporale exerceatur.

Si quis autem querat ulterius: si intellectus sine fantasmate non intelligit, quomodo ergo anima habebit operationem intellectualem postquam fuerit a corpore separata? Scire

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das suas potências ou virtudes sem comunicação com uma

matéria que tem o ser, e não existe apenas em razão do composto tal como as outras formas, antes pelo contrário, o

composto é que existe em virtude do seu ser. Assim sendo, uma vez destruído o composto destrói-se a forma que existe pelo ser do composto; mas não é preciso que com a destruição do composto se destrua a forma por cujo ser esse composto existe, e não a forma pelo ser do composto.

(36) Mas como alguém objecta contra isto que no livro 1 sobre A Alma Aristóteles diz que «pensar e odiar nã o são as paixões disso, isto é, da alma, mas de quem a possui enquanto a possui, pelo que, tendo perecido, nem se lembra nem ama, já que não eram dela, mas do composto, que precisamente pereceu», a resposta é óbvia, com o que Temístio diz ao explicar esse passo: «Aqui» Aristóteles «parece exprimir-se

99 mais em tom dubitativo do que como se estivesse aensinar» . Na verdade, ele ainda não refutou a opinião daqueles que dizem que não há distinção entre o intelecto e o sentido. Em todo aquele capítulo fala do intelecto da mesma maneira que fala do sentido, o que é particularmente evidente onde prova que o intelecto é incorruptível a partir do exemplo do sentido que não se destrói com a velhice100. Daí que se exprima em

todo o capítulo no condicional e de maneira dubitativa, como que investigando, conjugando sempre aquilo que diz respeito ao intelecto com o que diz respeito ao sentido. É o que se torna claro principalmente por aquilo que diz no início da solução: «Se, pois, mais do que o sofrer, o alegrar-se e o

pensar» etc101 . Se alguém, portanto, teimosamente, quiser dizer que Aristóteles faz uma verdadeira afirmaçã o, resta ainda uma resposta: que não é por si, mas por acidente, que se diz que pensar é o acto do composto, isto é, enquanto o seu objecto que é a imagem está num órgão corporal, e não enquanto este acto se exerce por um órgão corporal. 102

(37) Caso ainda alguém pergunte: se o intelecto não pode pensar sem imagens, como é que então a alma terá uma operação intelectual depois de se ter separado do corpo?

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autem debet qui hoc obicit, quod istam questionem soluere non pertinet ad naturalem. Vnde Aristotiles in Il Phisicorum dicit de anima. loquens «Quomodo autem separabile hoc se

habeat et quid sit, philosophie prime opus est determinare». Estimandum est enim quod alium modum intelligendi habebit separata quam habeat coniuncta, similem scilicet ahis substantiis separatis. Vride non sine causa Aristotiles querit in 111 De anima ‘utrum intellectus non separatus a

magnitudine intelligat aliquid separatum’: per quod dat intelligere quod aliquid poterit intelligere separatus, quod non potest non separatus.

In quibus etiam uerbis ualde notandum est quod, cum

superius utrurrique intellectum, scilicet possibilem et agentem, dixerit separatum, hic tamen dicit eum non

separatum. Est enim separatus in quantum non est actus organí, non separatus uero in quantum est pars siue potentia anime que est actus corporis, sicut supra dictum est.

Huiusmodi autem questiones certissime colligi potest Aristotilem soluisse in hiis que patet eum scripsisse de substantiis separatis, ex hiis que dicit in principio X11 Methaphisice; quos etiam libros uidi numero X, licet nondum in lingua nostra translatos.

Secundum hoe igitur patet quod rationes inducte in contrarium necessitatem non habent. Essentiale enim est anime quod corpori uniatur; sed hoc impeditur per accidens, non ex parte sua sed ex parte corporis quod corrumpitur: sicut per se competit leui sursum esse, et ‘hoc est leui esse ut sit sursum’, ut Aristotiles dicit in VIII Phisicorum, «contingit tamen per aliquod impedimentum quod non sit sursum ».

Ex hoc etiam patet solutio alterius rationis. Sicut enim quod habet naturam ut sit sursum, et quod non habet naturam

so

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Quem objecta assim deve saber que a solução desta questão não compete ao filósofo natural. Por este motivo, Aristóteles, falando da alma, diz no livro Il da Física: «É tarefa da filosofia primeira determinar como é que e em que consiste esse estado de separação»'01. Pode então julgar-se que no

estado separado ela terá uma maneira diferente de pensar de quando está unida, uma maneira semelhante à das outras substâncias separadas. Daí que não seja sem razão que Aristóteles pergunte no livro 111 XA Alma «se o intelecto não separado da grandeza pode pensar alguma coisa separada» 104 , dando assim a entender que, separado, pode pensar alguma coisa que, não separado, não pode pensar.

(38) Neste passo há que reparar bem que, embora antes tivesse dito que um e outro intelecto eram separados'01, isto é, o intelecto p?ssível e o agente, aqui, porém, não diz que está separado. E que é separado enquanto não é acto de um órgão, mas não é separado enquanto é uma parte ou uma potência da alma que é acto de um corpo.

A partir do que diz no início do livro XII da Metafísica”’, pode com toda a certeza deduzir-se que Aristóteles resolveu questões deste gênero nos livros que decerto escreveu sobre as substâncias separadas - os quais eu vi em número de dez, embora ainda não traduzidos para a nossa língua latina101.

(39) Em conformidade com o que se acaba de dizer, é patente que os argumentos avançados em favor da tese contrária não têm carácter de necessidade. É essencial, de facto, para a alma, unir-se ao corpo, mas isso pode ser

impedido por acidente, não pela sua parte, mas pela do corpo, quando se corrompe, tal como ao que é leve cabe por si estar em cima e «estar em cima é a propriedade do que é leve», conforme Aristóteles diz no livro VIII da Física, «mesmo quando algum obstáculo o impede de estar em cima»ios.

(40) Também a partir daqui se torna clara a solução do outro argumento109. Com efeito, tal como aquilo cuja

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ut sit sursum, specie differunt; et tamen idem et specie et numero est quod habet naturam ut sit sursum, licet quandoque sit sursum et quandoque non sit sursum propter aliquod impedimentum: ita differunt specie due forme, quarum una habet naturam ut uniatur corpori, alia uero non habet; sed tamen umim et idem specie et numero esse potest habens naturam ut uniatur corpori, licet quandoque sit actu. unitum, quandoque non actu unitum propter aliquod impedimentum.

Adhuc autem ad sui erroris fulcimentum assumunt quod Aristotiles dicit in libro De generatione animalium, scilicet «intellectum solum deforis aduenire et diuinum esse solum»; nulla autem forma que est actus materie aduenit deforis, sed educitur de potentia materie: intellectus igitur non est forma corporis.

Obiciunt etiam quod omnis forma corporis mixti causatur ex elementis; unde si intellectus esset forma corporis humani, non esset ab extrinseco, sed esset ex elementis causatus.

Obiciunt etiam ulterius circa hoc, quod sequeretur quod etiam uegetatiuum et sensitiuum essent ab extrinseco: quod est contra Aristotilem; precipue si esset una substantia anime cuius potentie essent uegetatiuum, sensitiuum et intellectiuum; cum intellectus sit ab extrinseco, secundum Aristotilem.

Horum autem solutio in promptu apparet secundum premissa. Cum enim dicitur quod omnis forma educitur de potentia materie, considerandum uidetur quid sit formam de potentia materie educi. Si enim hoc nichil aliud sit quam materiam preexistere in potentia ad formam, nichil prohibet sic dicere materiam corporalem preexstitisse in potentia ad animam intellectiuam; unde Aristotiles dicit in libro De

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natureza é estar em cima e aquilo cuja natureza não é estar em cima são de espécies diferentes, mantendo-se aquilo cuj a

natureza é estar em cima idêntico em espécie e em número, mesmo se, por causa de algum impedimento, umas vezes

está em cima e outras não, assim também duas formas são de espécies diferentes se a natureza de uma for a de unir-se ao corpo e a de outra não, mantendo-se a que tem por natureza unir-se ao corpo qualquer coisa específica e numericamente idêntica, mesmo quando está umas vezes unida em acto ao corpo e outras não, devido a qualquer impedimento.

(41) Mas para fundamentar o seu erro alegam o que Aristóteles diz na obra A Geração dos Animais, a saber, que «só o intelecto procede do exterior e só ele é divino»lio; ora, nenhuma forma que é acto de uma matéria procede do exterior, mas provém por edução da potência da matéria, logo o intelecto não é a forma do corpo.

(42) Também objectam que toda a forma de um corpo misto é causada pelos seus elementos; por isso, se o intelecto fosse forma do corpo humano não seria de origem extrínseca, mas seria causado pelos seus elementos.`

(43) Objectam ainda mais, em relação a este ponto: que se seguiria que também as faculdades vegetativa e sensitiva teriam uma origem extrínseca, o que vai contra Aristóteles; principalmente se a alma fosse a única substância cujas potências fossem as faculdades vegetativa, sensitiva e

intelectiva, uma vez que, segundo Aristóteles, o intelecto é de origem extrínseca. 112

(44) Mas, atendendo ao que deixámos dito, a solução destes argumentos é imediatamente evidente. Na verdade, quando se diz que toda a forma ‘provém por edução da potência da matéria””, parece ter de considerar-se o que quer dizer ‘provir por edução da potência da matéria’. Se, de facto, não se distingue da preexistência da matéria em

potência para a forma, nada impede que se diga que a matéria

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generatione animaIlum «Primum quidem omnia uisa sunt uiuere talia, scilicet separata fetuum, plante uita; consequenter autem palam quia et de sensitiua dicendum anima et de actiua et de intellectiua: orrines enim necessarium potentia prius habere quam actu».

Sed quia potentia dicitur ad actum, necesse est ut unumquodque secundum eam rationem sit in potentia, secundum quam rationem conuenit sibi esse actu. Iam autem ostensum est quod allis formis, que non habent operationom absque corrimunicatione materie, conuenit sic esse actu. ut magis ipse sint quibus composita sunt, et quodammodo compositis coexistentes, quam quod ipse suum esse habeant; unde sicut totum esse earum est in concretione ad materiam, ita totaliter educi dicuntur de potentia materie. Anima autem intellectiua, cum habeat operationem sine corpore, non est esse suum solum in concretione ad materiam; unde non potest dici quod educatur de materia, sed magis quod est a principio extrinseco. Et hoc ex uerbis Aristotilis apparet « Relinquitur autem intellectum solum deforis aduenire et diuinum esse solum»; et causam assignat subdens «Nichil enim ipsius operationi con-imunicat corporalis operatio».

Miror autem unde secunda obiectio brocesserit, quod si intellectiua anima esset forma corporis mixti, quod causaretur ex commixtione elementorum, cum nulla anima ex comi-nixtione elementorum causetur. Dicit enim Aristotiles immedi ate post uerba promissa «Omnis quidem igitur anime uirtus altero corpore uisa est participare et diuiniore uocatis elementis: ut autem differunt honorabilitate anime et uilitate inuicem, sic et talis differt natura; omnium quidem enim in spermate existit quod facit genitiua esse spermata, uocatum

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corporal preexiste em potência em relação à alma intelectiva. Daí que Aristóteles diga no livro A Geração dos Animais: «Parece que todas as coisas vivem assim, a saber, da vida separada dos fetos e das plantas; consequentemente, deve dizer-se a mesma coisa da alma sensitiva e da activa e da intelectiva, todas devem forçosamente estar em potência antes de estarem em acto.» 114

(45) Mas uma vez que a potência se diz em relação ao

acto, é necessário que todas as coisas estejam em potência na relação correspondente a quando estão em acto. Já mostrámos no que concerne às outras formas, as que não têm operação sem comunicar com uma matéria, que elas devem ser em acto de uma maneira tal que, mais do que terem o seu próprio ser, são aquilo de que se compõem e de certo modo coexistem com os seus compostos; daí que, tal como todo o seu ser está na concreção com a matéria assim também se diz que provém completamente por edução da

15 potência da matéria’ Corno porém a alma intelectiva pode operar sem o corpo, o seu ser não está apenas na concreção com a matéria; por isso não se pode dizer que provém da matéria por@edução, mas antes que é por um princípio extrínseco. E o que se evidencia a partir das palavras de Aristóteles: «Resta, portanto, que só o intelecto provenha de fora e só ele seja divino», e apresenta a razão acrescentando: «Nada, de facto, na sua operação comunica com a operação corpórea.» 116

(46) Dado que nenhuma alma é causada pela mistura dos elementos, admiro-me de onde poderia vir a segunda objecção, que diz que se a alma intelectiva fosse a forma de um corpo misto seria causada pela mistura dos elementos”’. De facto, Aristóteles diz, imediatamente após as palavras citadas: «Parece, portanto, que toda a potência da alma participa de um outro corpo, mais divino do que os chamados elementos: assim como as almas se distinguem entre si pela sua honorabilidade e vileza assim também se distingue a sua

natureza; em todo o sêmen existe aquilo que o torna capaz

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calidum. Hoc autem non ignis neque talis uirtus est, sed interceptus in spermate et in spumoso spiritus aliquis et in spiritu natura, proportionalis existens astrorum ordinatíoni». Ergo ex mixtione elementorum nedum intellectus, sed nec anima uegetabilis producitur.

Quod uero tertio obicitur, quod sequeretur sensitiuum et uegetatiuum esse ab extrinseco, non est ad propositum. Iam enim patet ex uerbis Aristotilis quod ipse hoc indeterminatum reliquit, utrum intellectus differat ab aflis partibus anime sublecto et loco, ut Plato dixit, uel ratione tantum. Si uero detur quod sint idem subiecto, sicut uerius est, nec adhuc inconueffiens sequitur. Dicit enim Aristotiles in 11 De anima, quod «similiter se habent el quod de figuris et que secundum animam sunt: semper enim in eo quod est consequenter, est potentia quod prius est, in figuris et in animatis; ut in tetragono quidem trigonum est, in sensitiuo autem uegetatiuum». Si autem idem subiecto est etiam intellectluum, quod ipse sub dubio relinquit, similiter dicendum esset quod uegetatiuum et sensititium sint in

intellectiuo ut trigonum et tetragonum in pentagono. Est autem tetragonum quidem a trigono simpliciter alia figura specie, non autem a trigono quod est potentia in ipso; sicut nec quaternarius a ternarío qui est pars ipsius, sed a ternario qui est seorsum existens. Et si contingeret diuersas figuras a

dluersis agentibus produci, trigonum quidem seorsum a tetragono existens haberet aliam causam producentem quam tetragonum, sicut et habet aliam speciem; sed trigonum quod inest tetragono haberet candem causam producentem.

Sic igitur uegetatíuum quidem seorsum a sensitiuo existens alia species anime est, et aliam causam productiuam

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de gerar e a que se dá o nome de quente. Mas este quente não é nem o fogo nem uma potência semelhante, mas certo espírito contido no sêmen, na parte espumosa, e esse espírito tem uma natureza cuja existência é proporcionada à ordenação dos astros.»”’ Por conseguinte, nem o intelecto nem sequer a alma vegetativa é produzida com base numa mistura de elementos.

(47) O que nos objectam em terceiro lugar, a saber, que seguir-se-ía que a faculdade sensitiva e vegetatíva teriam uma

origem extrínseca, nada tem a ver para o caso. Já ficou patente, pelas palavras do próprio Aristóteles, que ele deixou por determinar se o intelecto difere das outras partes da alma pelo sujeito e pelo local, como diz Platão, ou apenas pelo conceitc,119. Se nós concedermos que se identificam pelo sujeito, o que é o mais verdadeiro, não se segue nenhum inconveniente. Aristóteles diz, de facto, no livro 11 sobre A Alma, que «é semelhante o que se passa com as figuras e

com a alma: quer nas figuras quer nos seres animados, o anterior está sempre em potência para aquilo que lhe é consecutivo; por exemplo, no quadrilátero está contido o triângulo e na faculdade sensitiva a vegetativa» 1211 . E se a faculdade intelectiva for idêntica pelo sujeito, o que Aristóteles deixa em dúvida, há que dizer também que a

faculdade vegetativa e a sensitiva estão na faculdade intelectiva como o triângulo e o quadrilátero no pentágono. Além do mais, o quadrilátero é uma figura absolutamente distinta do triângulo pela espécie, mas não do triâ ngulo que contém em potência; como o número quaternário também não se distingue do ternário que faz parte dele, mas do ternário que existe separado. E se acontecesse que diversas figuras fossem produzidas por diversos agentes, o triângulo que existe separadamente do quadrilátero teria uma causa

produtora diferente da do quadrilátero, como tem também uma outra espécie; mas o triângulo que estivesse contido no

quadrilátero teria a mesma causa produtora.

Assim também, por conseguinte, a faculdade vegetativa que tem uma existência à parte da sensitiva é uma outra

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habet; eadem tamen causa productiua est sensitiui, et uegetatiui quod inest sensitiuo. Si ergo sic dicatur quod uegetatiuum et sensitiuum quod inest intellectiuo, est a causa

extrinseca a qua est intellectiuum, nuIlum inconuemens sequitur: non enim inconueniens est effectum superioris agentis habere uirtutem quam habet effectus inferioris agentis, et adhuc amplius; unde et anima intellectiva, quamuis sit ab exteriori agente, habet tamen uirtutes quas habent anima uegetatiua et sensitiua, que sunt ab inferioribus agentibus.

Sic igitur, diligenter consideratis fere omníbus uerbis Aristotilis que de intellectu humano dixit, apparet eum buius fuisse sententie quod anima humana sit actus corporis, et quod eius pars siue potentia sit intellectus possibilis.

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espécie de alma e tem uma outra causa produtora; contudo é a mesma causa que produz a faculdade sensitiva e a faculdade vegetativa que está contida na sensitiva. Se, portanto, se disser que as faculdades vegetativa e a sensitiva, contidas na faculdade íntelectiva, são pela mesma causa extrínseca que a da faculdade intelectiva, não se segue nenhum inconveniente, porque não há inconveniente em que o efeito de um agente superior tenha a virtude que o efeito de um agente inferior tem, ou mesmo mais; de onde, ainda que a alma intelectiva seja produzida por um agente exterior, tem todavia as virtudes que as almas vegetativa e sensitiva tê m, as quais são produzidas por agentes inferiores.

(48) Portanto, assim, consideradas com atenção quase todas as palavras de Aristóteles respeitantes ao intelecto humano, torna-se evidente que a sua doutrina é a de que a alma humana é o acto de um corpo e o intelecto possível uma das suas partes ou potências.”’

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CAPITVLVM 11

Nunc autem considerare oportet quid alii Peripatetici de hoc ipso senserunt. Et accipiamus primo uerba Themistii in Commento de anima, ubi sic dicit «Intellectus iste quem dicimus in potentia magis est anime conuaturalis», scilicet quam agens; «dico autem non omni anime, sed solum humane. Et sicut lumen potentia uisui et potentia coloribus aduemens actu quidem uisum fecit et actu colores, ita et intellectus iste qui actu non solum ipsum actu intellectum fecit, sed et potentia intelligibilia actu intelligibilia ipse instituit». Et post pauca concludit «Quam igitur rationem habet ars ad materiam, hanc et intellectus factiuus ad eum qui in potentia. Propter quod et in nobis est intelligere quando uolumus. Non enim est ars materie exterioris, sed inuestitur toti potentia intellectui qui factiuus; ac si utique edificator lignis et erarius eri non ab extrinseco existeret, per totum autem ipsum penetrare potens erit. Sic enim et qui secundum actum intellectus intellectui potentia superueniens unum fit CUM ipso».

Et post pauca concludit «Nos igitur sumus aut qui potentia intellectus, aut qui actu. Siquidem igitur in compositis omnibus ex eo quod potentia et ex co quod actu, aliud est

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CAPÍTULO 11

(49) Agora temos que examinar o que outros peripatéticos disseram sobre isto. Comecemos em primeiro lugar pelas palavras de Temístio no seu Comentário ao livro sobre A Alma, onde diz: «Este intelecto que chamamos intelecto em

potência é mais conatural à alma» do que o intelecto agente, bem entendido; refiro-me não a qualquer alma, mas apenas à alma humana. E tal como a luz ao chegar à vista em potência e às cores em potência produz a vista e as cores em acto, assim também este intelecto, o intelecto em acto, não só actualiza o intelecto em potência como institui os inteligíveis em potência inteligíveis em acto.» E logo a seguir conclui: «Assim, portanto, a relação que a arte tem com a matéria é

como a relação que o intelecto poiético tem com o intelecto que está em potência. Por isso é que pensamos quando queremos. De facto, a arte não é exterior à matéria, mas o intelecto que é polético investe toda a sua potência à maneira de um construtor que não existisse exteriormente à madeira e de um ferreiro ao bronze, mas tivesse o poder de penetrar nele por inteiro. E assim, pois, que o intelecto em acto sobrevém

122 ao intelecto em potência fazendo com ele um só» .

(50) E pouco depois conclui: «Nós somos, por conseguinte, ou o intelecto que está em potência ou o intelecto qui- está em acto. E como em tudo aquilo que se compõe do

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hoc et aliud est esse huic, aliud utique crit ego et michi esse.

Et ego quidem est compositus intellectus ex potentia et actu, michi autem esse ex eo quod actu est. Quare et que meditor et que scribo, scribit quidem intellectus compositus ex

potentia et actu, scribit autem non qua potentia sed qua actu; operari enim inde sibi deriuatur». Et post pauca adhuc manifestius «Sicut igitur aliud est animal et aliud animali esse, animali autem esse est ab anima animalis, sic et aliud quidem ego, aliud autem michi esse. Esse igitur michi ab anima et hac nori omni; non enim a sensitiüa, materia enim erat fantasie; neque rursum a fantastica, materia enim erat potentia intellectus; neque eius qui potentia intellectus, materia enim est factiui. A solo igitur factiuo est michi esse».

Et post pauca subdit «Et usque ad hunc progressa natura cessauit, tarriquam nichil habens alterum honoratius cul faceret ipsum sublectum. Nos itaque sumus actiuus intellectus».

Et postea reprobans quorundam opinionem dicit «Cum preclixisset, scilicet Aristotiles, in omni natura hoc quidem materiam esse, hoc autem quod materiam mouet aut perficit, necesse ait et in anima existere has differentias, et esse aliquem hunc talem intellectum in omnia fieri, hunc talem in omnia facere. In anima enim ait esse talem intellectum et anime humane uelut quandam partem honoratissimam». Et post pauca dicit «Ex eadem etiam littera hoc contingit confirmare, quod putat, scilicet Aristotiles, aut nostri aliquid esse actiuum intellectum, aut nos».

Patet igitur ex premissis uerbis Themistii, quoci non solum intellectum possibilem, sed etiam agentem partem anime humane esse dicit, et Aristotilem ait hoc sensisse; et iterum

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que está em potência e do que está em acto este difere do ser daquele assim o eu será diferente do meu ser. Ora, o eu é um intelecto composto de potência e de acto e o meu ser é constituído por aquilo que está em acto. É por isso que o que eu medito e o que eu escrevo é o intelecto composto de potência e acto que o escreve, não o escreve contudo enquanto está em potência, mas enquanto está em acto, porque de facto é deste que deriva a sua operação.» E pouco depois, de maneira ainda mais clara: «Tal como o animal se distingue do ser do animal, posto que o ser do animal provém da alma do animal, assim também o eu é distinto do meu ser. O meu ser provém da alma, mas não dela na totalidade; não provém, de facto, da sensitiva, que é a matéria da imaginação; também não provém da imaginativa, que é a matéria do intelecto em potência; nem sequer do intelecto em potência, que é a

matéria do intelecto poiético. Logo, o meu ser provém só do intelecto polético». E logo a seguir acrescenta: «E ao chegar aí a natureza pára, como se não tivesse nada mais nobre para utilizar por sujeito. É por isso que nós somos o intelecto activo.»”’

(51) E depois, reprovando a opinião de alguns, diz”’: «Quando ele, ou seja, Aristóteles, disse antes que em qualquer natureza uma coisa é a matéria e outra coisa o que move e aperfeiçoa a matéria, está a afirmar que é necessário que estas diferenças existam na alma e que há um intelecto capaz de se tornar tudo e um intelecto capaz de produzir tudo.» Afirma também que um tal intelecto existe na alma e que é

como que a parte mais honrada da alma humana.» E pouco depois diz: «A partir desta passagem pode confirmar-se que ele, ou seja, Aristóteles, julga que o intelecto activo ou é algo nosso ou que é nós mesmo.»

(52) Nas palavras anteriores de Temístio patenteia-se, por conseguinte, que ele julga que não só o intelecto possível, mas também o intelecto agente, são uma parte da alma humana, e que declara que foi isso que Aristó teles disse. Além do mais, que considera que o homem é o que é não

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quod homo est id quod est, non ex anima sensitiua ut quidam mentiuntur, sed ex parte intellectiua et principaliori.

Et Theophrasti quidem libros non uidi, sed eius uerba introducit Thernistius in Commento que sunt talia, sic dicens «Melius est autem et dieta Theophrasti proponere de intellectu potentia et de eo qui actu. De eo igitur qui potentia hec ait: Intellectus autem qualiter a foris existens et tamquarn superpositus, tamen connaturalis? Et que natura ipsius? Hoc quidem enim nichil esse secundum actum, potentia autem omnia bene, sicut et sensus. Non enim sic accipiendum est ut neque sit ipse, litigiosum est enim, sed ut subiectam quandam potentiam sicut et in materialibus. Sed hoc a foris igitur, non ut adíectum, sed ut in prima generatione comprchendens ponendum ».

S ic igitur Theophrastus, cum quesisset duo: primo quidem quomodo intellectus possibilis sit ab extrinseco, et tamen nobis connaturalis; et secundo que sit natura intellectus possibilis: respondit primo ad secundum quod est in potentia omnia, non quidem sicut nichil existens sed sicut sensus ad sensibilia. Et ex hoc concludit responsionem prime questionis, quod non intelligitur sic esse ab extrinseco quasi aliquid adiectum accidentaliter uel tempore procedente, sed a prima generatione, sicut continens et comprehendens naturam humanam.

Quod autem Alexander intellectum possibilem posuerit esse formam corporis, etiam ipse Auerroys confitetur; quamuis, ut arbitror, peruerse uerbaAlexandri acceperit, sicut et uerba Themistii preter eius intellectum assumit. Nam quod dicit, Alexandrum dixisse intellectum possibilem non esse aliud quam preparationem que est in natura humana ad

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graças à alma sensitiva, como alguns o afirmam mentindo, mas à parte intelectiva que é a principal.

(53) Não cheguei a ver os livros de Teofrasto, mas Temístio informa-nos acerca das suas palavras, no Comentário, dizendo o seguinte”’: «É melhor propor o que Teofrasto diz acerca do intelecto em potência e acerca do que está em acto. Quanto ao que está em potência, diz o seguinte: «Mas como

é que o intelecto que existe de fora e como que sobreposto, poderia ser conatural? E qual a sua natureza? De facto, não poderia ser nada segundo o acto, mas em potência já pode ser tudo, tal como o sentido. Não devemos aceitá-lo como nada, o que não faz sentido, mas sim enquanto uma certa potência servindo de sujeito, como nas coisas materiais. Quanto ao ‘de fora’, há que o pôr não como algo que se

acrescenta, mas como integrando o homem a partir do primeiro momento da sua geração.»

(54) Temos, pois, que Teofrasto levanta duas questões. Primeira: como é que o intelecto possível tem uma origem extrínseca e no entanto é conatural ao homem? Segunda: qual é a natureza do intelecto possível? Em primeiro lugar responde à segunda questão: é em potência todas as coisas, não decerto como um nada que exista, mas como o sentido em relação aos sensíveis. A partir daqui conclui a resposta à primeira questão: não se deve entender a origem extrínseca como algo que acontece acidentalmente ou no decorrer do tempo, mas desde o primeiro momento da geração, como

algo que contém e que integra a natureza humana.

(55) Que Alexandre tivesse defendido que o intelecto possível era a forma do corpo é o que o próprio Averróis confessa”’, ainda que, conforme penso, tenha interpretado perversamente as palavras de Alexandre, tal como entendeu fora da sua significação as de Temístio. Na verdade, ao afirmar que Alexandre tinha dito que o intelecto possível não era mais do que a preparação, presente na natureza humana, para o intelecto agente e os inteligíveis, Alexandre

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intellectum agentem et ad intelligibilia: hanc preparationem nichil aliud intellexit quam potentiam intellectiuam que est in anima ad intelligibilia. Et ideo dixit eam nori esse uirtutem in corpore quia talis potentia non habet organum corporale, et nori ex ea ratione, ut Auerroys impugnat, secundum quod nulla preparatio est uirtus in corpore.

Et ut a Grecis ad Arabes transeamus, primo manifestum est quod Auicenna posuit intellectum uirtutem anime que est forma corporis. Dicit enim sic in suo libro De anima «Intellectus actiuus, ld est practicus, eget corpore et uirtutibus corporalibus ad omnes actiones suas; contemplatiuus autem intellectus eget corpore et uirtutibus eius, sed nec semper nec omnino: sufficit enim ipse sibi per se ipsum. Nichil autem horum est anima humana, sed anima est ld quod habet has uirtutes et, sicut postea declarabimus, est substantia solitaria, id est per se, que habet aptitudinem ad actiones, quarum quedam sunt que non perficiuntur nisi per instrumenta et per usum eorum ullo modo; quedam uero sunt quibus nori sunt necessaria instrumenta aliquo modo».

Item, in prima parte dicit quod «anima humana est pertectio prima corporis naturalis instrumentalis, secundum quod attribuitur ei agere actiones electione del lberatlonis, et adinuenire meditando, et secundum hoc quod apprehendit uniuersalia». Sed uerum est quod postea dicit et probat quod anima humana, secundum id quod est sibi proprium, id est secundum uim intellectiuam, «non sic se habet ad corpus ut forma, nec eget ut sibi preparetur organum ».

Deinde subiungenda sunt uerba Algazelis sic dicentis «Cum commixtio elementorum fuerit pulcrioris et perfectioris equalitatis, qua nichil possit inuenirl subtilius et pulcrius, tunc fict apta ad recipiendum a datore formarum

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teria entendido essa preparação como se tratando apenas da potência intelectiva que está na alma com vista aos inteligíveis. E por isso, porque uma potência assim não tem órgão corporal, é que Alexandre diz que não se trata de uma faculdade existente no corpo, e não pela razão que Averróis ataca, em conformidade com a qual nenhuma preparação seria uma faculdade existente num corpo.

(56) E para passarmos dos Gregos para os Árabes, é evidente, em primeiro lugar, ter Avicena sustentado que o

intelecto é uma faculdade da alma que é forma do corpo. De facto ele diz o seguinte no livro sobre A Alma: « O intelecto activo, isto é, o prático, necessita do corpo e das faculdades corpóreas para todas as suas acções; o intelecto contemplativo precisa do corpo e das suas faculdades, embora nem sempre nem em absoluto, pois basta-se a si mesmo por si mesmo. A alma humana não é nenhuma destas faculdades, mas é aquilo que possui essas faculdades e, tal como haveremos de declarar, é uma substância solitária, ou seja, apta a agir por si. Algumas das suas acções só se realizam mediante instrumentos, e de certa maneira pelo seu uso, enquanto que para outras os instrumentos não são de modo nenhum

necessários.» 127

(57) Além do mais, na primeira parte, diz que «a alma humana é a perfeição primeira do corpo natural instrumentado porquanto lhe cabe a realização de acções por escolha deliberativa e chegar a descobrir pela meditação, à medida que apreende os universais. 121 »Mas também é verdadeiro o que diz depois e prova: que a alma humana, naquilo que lhe é próprio, quer dizer, segundo a sua força intelectiva, «não está para o corpo como uma forma nem

precisa de um órgão preparado para ela. »121

(58) Devem acrescentar-se ainda as palavras de Algazel que dizem assim: «Quando a mistura dos elementos for da mais bela e mais perfeita igualdade, ao ponto de nada mais delicado e de mais belo se poder encontrar, então ela está

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formam pulcriorem formis alfis, que est anima hominis. Hulus uero anime humane due sunt uirtutes: una operans et altera sciens», quam uocat intellectum, ut ex consequentibus patet. Et tamen postea multis argumentis probat, quod operatio intellectus non fit per organum corporale.

Hec autem premisimus, non quasi uolentes ex

philosophorum auctoritatibus reprobare suprapositum errorem; sed ut ostendamus quoci non soli Latini, quorum uerba quibusclam non sapiunt, sed etiam Greci et Arabes hoc senscrunt, quoci intellectus sit pars uel potentia seu uirtus anime que est corporis forma. Vride miror ex quibus Peripateticis hunc errorem se assumpsisse glorientur, nisi

forte quia minus uolunt cum ceteris Peripateticis recte sapere, quam cum Auerroys oberrare, qui non tam fuit Peripateticus quam philosophie peripatetice deprauator.

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apta a receber do Dador das formas a forma mais bela de todas as formas, a alma humana. Mas esta alma possui duas potências, uma que opera e outra que conhece. “0 » A esta última chama-lhe intelecto, como se patenteia pelo que se

segue. E logo prova com muitos argumentos que a operação do intelecto não é feita através de um órgão corporal.

(59) Ao avançarmos com tudo isto, não foi nossa intenção reprovar o erro i à referido com os textos das autoridades dos filósofos, mas mostrar @ue não foram só os Latinos, mas também os Gregos e os Arabes, que pensaram que o intelecto é uma parte ou potência ou faculdade da alma que é forma do corpo. Daí que me espante que alguns peripatéticos se

gloriem de ter adoptado este erro, a não ser que em vez de quererem saber a verdade juntamente com os outros peripatéticos, prefiram enganar-se com Averróis, que não foi tão peripatético quanto o perversor da filosofia peripatética. 111

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CAPITVLVM 111

Ostenso igitur ex uerbis Aristotilis et aliorum sequentium ipsum quod intellectus est potentia anime que est corporis forma, licet ipsa potentia que est intellectus non sit alicuius organi actus, «quia nichil ipsius operationi corrimunicat corporalis operatio», ut Aristotiles dicit; inquirendum est per rationes quid circa hoc sentire sit necesse. Et quia, secundum doctrinam Aristotilis, oportet ex actibus principia actutim considerare, ex ipso actu proprio intellectus qui est intelligere primo hoe considerandum uldetur.

In quo nullam firmiorem rationem habere possumus ca quam Aristotiles ponit, et sic argumentatur: ‘Anima est primum quo uluimus et intelligimus, ergo est ratio quedam et species’ corporis cuiusdam. Et adeo hulc rationi innititur, quod eam dicit esse demonstrationem, riam in principio capituli sic dicit «Non solum quod quid est oportet diffinitiuam rationem ostendere, sicut plures terminorum dicunt, sed et causam inesse et demonstrare»; et ponit exemplum: sicut demonstratur quid est tetragonismus, id est quadratum, per inuentionem medie linee proportionalis.

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CAPíTULO 111

(60) Uma vez demonstrado com base nas palavras de Aristóteles e dos que o seguiram que o intelecto é uma faculdade da alma que é a forma de um corpo, ainda que em

si mesma a potência que o intelecto é não seja o acto de qualquer órgão, «porque nada da sua operação comunica com

12 a operação corporal», como Arístóteles diz’ @ temos de procurar argumentos com vista ao que se deve sustentar acerca desta questão. E uma vez que, segundo a doutrina de Aristóteles, convém examinar os princípios dos actos a partir dos próprios actos, parece que temos de examinar em

primeiro lugar o intelecto a partir do seu próprio acto que é pensar.

Relativamente a isto não podemos ter argumento mais

seguro do que o de Aristóteles, no qual argumenta da seguinte maneira: «A alma é, em sentido primordial, aquilo pelo qual vivemos e pensamos, portanto é uma certa noção e forma» de um dado corpo”’, E insiste tanto neste argumento que considera tratar-se de uma demonstração, razão pela qual no princípio do capítulo diz assim: «A fórmula que exprime a

definição há-de não só mostrar aquilo que é, tal como a maior parte dos termos o fazem, como também deve incluir a causa e demonstrá-la» 134 ; e dá um exemplo: tal como se demonstra o que é o tetragonismo, isto é, a quadratura, mediante a descoberta de uma linha média proporcional.”’

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Virtus autem huius demonstrationis et insolubilitas apparet, quia quicurrique ab hac uia diuertere uoluerint, necesse habent inconueniens dicere. Manifestum est enim quod hic homo singularis intelligit: nuinquam enim de intellectu quereremus nisi intelligeremus; nec cum querimus de intellectu, de alio principio querimus quam de eo quo nos intelligimus. Vnde et Aristotiles dicit «Dico autem intellectum quo intelligit anima». Concludit autem sic Aristotiles quod si aliquid est primum principium quo intelligimus, oportet illud esse formam corporis; quia ipse prius manifestault quod lllud quo primo aliquid operatur est forma. Et patet hoc per rationem, quia unumquodque agit in quantum est actu; est autem unumquodque actu per formam: unde oportet illud quo primo aliquid agit esse formam.

Si autem dicas quod principlum hulus actus qui est intelligere, quod nominamus intellectum, non sit forma, oportet te inuenire modum quo actio illius principii sit actio huius hominis. Quod diuersimode quidam conati sunt dicere. Quorum umis Auerroys, ponens huiusmodi principium intelligendi quod dicitur intellectus possibilis non esse animam nec partem anime nisi equiuoce, sed potius quod sit substantia quedam separata, dixit quod intelligere illius substantie separate est intelligere mei uel illius, in quantum intellectus ille possibilis copulatur michi uel tibi per fantasmata que sunt in me et in te. Quod sic fieri dicebatspecies enim intelligibilis que fit umim cum intellectu possibili, cum sit forma et actus eius, habet duo subiecta, unum ipsa fantasmata, aliud intellectum possibilem. Sic ergo intellectus possibilis continuatur nobiscum per fon-riam suam mediantibus fantasmatibus; et sic dum intellectus possibilis intelligit, hic homo intelligit.

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(6 1) Vê-se claramente a força desta demonstração e a sua

i ndubitabi 1 idade pelo facto de que os que quiserem afastar-se desta via necessariamente chegarão a proferir algo inaceitável. E de facto evidente que este homem em concreto pensa, pois nunca chegaríamos a procurar saber o que é o intelecto se não pensássemos; nem quando procuramos saber o que o intelecto é de nenhum princípio mais procuramos saber senão daquele pelo qual pensamos. Daí que Aristóteles diga: «Chamo intelecto àquilo pelo qual a alma pensa» 116 .

Portanto, Aristóteles conclui que se há um princípio primeiro pelo qual pensamos ele deve ser a forma do corpo, pois já tinha demonstrado antes que a forma é aquilo pelo qual em primeiro lugar alguma coisa age. “I E também se prova por um argumento: as coisas agem enquanto estão em acto; ora, é mediante uma forma que as coisas estão em acto; logo, aquilo pelo qual em primeiro lugar as coisas agem é a sua forma.

(62) Mas se dizes que o princípio deste acto que é pensar, e a que chamamos intelecto, não é forma do corpo, então deves encontrar a maneira pela qual a acção desse princípio seja a acção deste homem. Alguns autores trataram de a explicar de diversos modos. Um deles é Averróis, que sustenta que esse princípio do pensamento a que damos o nome de intelecto possível não é nem uma alma nem uma parte da alma, a não ser equivocamente, mas que é, isso sim, uma dada substância separada. Diz que o pensar dessa substância separada se torna no meu ou no teu pensar quando o intelecto possível comunica comigo ou contigo mediante as imagens que se encontram em mim ou em ti.”’ E de acordo com ele isso acontece da seguinte maneira”’: a espécie inteligível que faz um com o intelecto possível, porque é a sua forma e o seu acto, tem dois sujeitos, sendo um as próprias imagens e o outro, o intelecto possível. Deste modo, o intelecto possível entra em contacto connosco pela sua forma por intermédio das imagens; é desta maneira que, quando o intelecto possível pensa, é um homem individual que pensa.

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Quod autem hoc nichil sit, patet tripliciter. Primo quidem quia sic continuatio intellectus ad hominem non esset secundum primam eius generationem, ut Theophrastus dicit et Aristotiles innuit in Il Phisicorum, ubi dicit quod terminus naturalis considerationis de formis est ad formam secundum quam homo generatur ab homine et a sole. Manifestum est autem quod terminus consíderationis naturalis est in intellectu; secundum autem dictum Auerroys, intellectus non continuaretur homim secundum suam generationem, sed secundum operationem sensus, in quantum est sentiens in actu: fantasia enim est «motus a sensu secundum actum» , ut dicitur in libro De anima.

Secundo uero, quia ista coniunctio non esset secundum aliquid unum, sed secundum diuersa. Manifestum est enim quod species intelligibilis secundum quod est in fantasmatibus, est intellecta in potentia; in intellectu autem possibili est secundum quod est intellecta in actu, abstracta a fantasmatibus. Si ergo species intelligibilis non est forma intellectus possibilis nisi secundum quod est abstracta a fantasmatibus, sequitur quod per speciem intelligibilem non continuatur fantasmatibus, sed magis ab eis est separatus. Nisi forte dicatur quod intellectus possibilis continuatur fantasmatibus sicut speculum continuatur homini cuius species resultat in speculo; talis autem continuatio manifestum est quod non sufficit ad continuationem actus. Manifestum est enim quod actio speculi, que est representare, non propter hoc potest attribui homini: unde nec actio intellectus possibilis propter predictam copulationom posset attribui huic homini qui est Sortes, ut hic homo intelligeret.

Tertio, quia dato quod una et eadem species numero esset forma intellectus possibilis et esset simul in fantasmatibus: nec adhuc talis copulatio sufficeret ad hoc quod hic homo intelligeret. Manifestum est enim quod per speciem

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(63) Prova-se de três maneiras que esta tese é nula. Em primeiro lugar, poi---que assim o contacto do intelecto com o homem não se daria a partir do primeiro momento da geração, como Teofrasto diz e Aristóteles dá a entender no livro 11 da Física, onde afirma que o termo de uma consideração natural das formas é a forma segundo a qual o homem é gerado pelo homem e pelo S01141. Porém é evidente que este termo da consideração natural é o intelecto; mas a seguir-se o que Averróis diz o intelecto não entraria em contacto com o homem desde a sua geração, mas pela operação do sentido quando está a sentir; de facto, como diz o livro sobreAAlma, a imagem é «um movimento provocado pela sensação em

acto». 141

(64) Em segundo lugar, porque esta conjugação não aconteceria por alguma coisa de uno mas por coisas distintas. Com efeito, é evidente que a espécie inteligível, enquanto está nas imagens, está em potência para ser pensada; já no

intelecto possível é pensada em acto, abstraída das imagens. Portanto, se a espécie inteligível não é forma do intelecto possível senão quando é abstraída das imagens, segue-se que não é pela espécie inteligível que o intelecto possível vai entrar em contacto com as imagens, mas que, em vez disso, está separado delas. 141 A não ser que alguém diga que o

intelecto possível entra em contacto com as imagens como um espelho entra em contacto com o homem cuja espécie é reflectida no espelho; é evidente que um contacto deste tipo não é suficiente para a continuação do acto. Portanto, é óbvio que a acção do espelho, que consiste em representar, não pode ser por isso atribuída ao homem; daí que nem a acção do intelecto possível, em nome da aludida comunicação, possa ser atribuída a este homem que é Sócrates, de maneira a que este homem individual pense. 113

(65) Em terceiro lugar, porque, supondo que uma só espécie numericamente idêntica fosse a forma do intelecto possível e ao mesmo tempo estivesse contida nas imagens, nem assim uma tal comunicação seria suficiente para que

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intelligibilem aliquid intelligitur, sed per potentiam intellectiuam aliquid intelligit; sicut etiam per speciem sensibilem aliquid sentitur, per potentiam autem sensitiuam aliquid sentit. Vride paries in quo est color, cuius species sensibilis in actu est in usu, videtur, non videt; animal autem habens potentiam uisiuam, in qua est talis species, uidet. Talis autem est predicta copulatio intellectus possibilis ad hominem, in quo sunt fantasmata quorum species sunt in

intellectu possibili, qualis est copulatio parietis in quo est color ad uisum in quo est specles sui coloris. Sicut igitur paries non uidet, sed uidetur eius color, ita sequeretur quod homo non intelligeret, sed quod eius fantasmata intelligerentur ab intellectu possibili. Impossibile est ergo saluari quod hic homo intelligat, secundum positionem Auerroys.

Quidam uero uidentes quod secundum uiam Auerroys sustineri non potest quod hic homo intelligat, in aliam diuerterunt uiam, et dicunt quod intellectus unitur corpori ut motor; et sic, in quantum ex corpore et intellectu fit unum ut ex mouente et moto, intellectus est pars huius hominis: et ideo operatio intellectus attribuitur huic homini, sicut operatio oculi que est uidere attribuitur huic homini. Querendum est autem ab eo qui hoc ponit, primo quid sit hoc singulare quod est Sortes: utrum Sortes sit solus intellectus qui est motor; aut sit motum ab ipso, quod est corpus animatum anima Uegetatiua et sensitiua; aut sit compositum ex utroque. Et quantum ex sua positione uidetur, hoc tertium accipiet quod Sortes sit aliquid compositum ex utroque.

Procedamus ergo contra eos per rationem Aristotilis in

VIII Methaphisice «Quid est igitur quod facit unum

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este homem pensasse. É evidente, pois, que alguma coisa é pensada mediante a espécie inteligível enquanto que alguma coisa pensa pela potência intelectiva, tal como pela espécie sensível se sente alguma coisa enquanto que é pela potência sensitiva que alguma coisa sente. De onde, a parede, na qual se encontra a cor, cuj a espécie sensível em acto está na vista, ser uma coisa que se vê não uma coisa que vê; o animal, por seu lado, que tem a faculdade de ver, na qual a espécie sensível se encontra, vê. É tal e qual a referida comunicação do intelecto possível com o homem, em quem se encontram as imagens cujas espécies estão no intelecto possível, como a comunicação da parede, na qual está a cor, com a vista, na qual está a espécie da sua cor. Tal como a parede não vê, mas se vê a sua cor, assim também o homem não pensaria, mas as suas imagens seriam pensadas pelo intelecto possível.` É impossível, por conseguinte, caso se adopte a

posição de Averróis, salvar a tese de que este homem pensa.

(66) Outros, ainda, vendo que na perspectiva de Averróis não se poderia defender que este homem pensa, adoptaram uma posição diferente. Dizem que o intelecto se une ao corpo como um motor. Assim sendo, o intelecto é parte deste homem na medida em que o intelecto e o corpo constituem uma unidade como a de um motor e um movido; em conformidade, atribui-se a operação do intelecto a este homem, tal como também se atribui a este homem a operação do olho, que consiste em ver. A quem defende esta tese tem porém de se perguntar, de imediato, quem é este homem concreto (por exemplo Sócrates) e, assim, se Sócrates é apenas o intelecto que é motor? Ou é antes aquilo que é movido pelo intelecto, isto é, um corpo animado por uma

alma vegetativa e sensitiva? Ou será um composto dos dois? Pelo que parece resultar da sua posição, esse defensor escolherá a terceira hipótese, a de que Sócrates é um composto dos dois.`

(67) Avancemos então contra os defensores desta tese servindo-nos do argumento de Aristóteles no livro VIII da

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hominem». «Omnium enim que plures partes habent et non

sunt quasi coaceruatio totum, sed est aliquod totum preter partes, est aliqua causa unum essendi: sicut in quibusdam tactus, in quibusdam uiscositas, aut aliquid aliud huiusmodi... Palam autem quia si sic transformant, ut consueuerunt diffinire et dicere, non contingit reddere et soluere dubitationem. Si autem est ut dicimus: hoc quidem materia illud uero forma, et hoc quidem potestate illud uero actu, non adhuc dubitatio uidebitur esse».

Sed si tu dicas quod Sortes non est unum quid simpliciter, sed unum quid aggregatione motoris et moti, sequntur multa inconuenientia. Primo quidem quia, cum unumquodque sit similiter unum et ens, sequitur quod Sortes non sit aliquid ens, et quod non sit in specie nec in genere; et ulterius quod non habeat aliquam actionem, quia actio non est nisi entis. Vride non dicimus quod intelligere naute sit intelligere huius totius quod est nauta et nauis, sed naute tantum; et similiter intelligere non erít actus Sortis, sed intellectus tantum utentis corpore Sortis: in solo enim toto quod est aliquid unum et ens, actio partis est actio totius. Et si quis aliter loquatur, improprie loquitur.

Et si tu dicas quod hoc modo celum intelligit per motorem suum, est assumptio difficilioris: per intellectum enim humanum oportet nos deuenire ad cognoscendum intellectus superiores, et non e conuerso.

Si uero dicatur quod hoc indiuiduum quod est Sortes, est corpus animatum anima uegetatiua et sensitiua, ut uídetur sequi secundum eos qui ponunt quod hic homo non

constituitur in specie per intellectum, sed per animam sensitiuam nobilitatam ex aliqua illustratione seu copulatione intellectus possibilis: tunc intellectus non se habet ad Sortem nisi sicut mouens ad motum. Sed secundum hoc actio

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Metafísica: «0 que é que faz a unidade do homem?» 146 «Em qualquer coisa constituída por várias partes e cuj a totalidade não é um mero amontoado, mas um todo além das suas partes, há uma causa para que constituam uma unidade, por exemplo: para alguns é o contacto, para outros, a viscosidade ou alguma coisa do gênero (... ). Ora, é notório que, se há transformações assim, conforme as costumam definir e expor, não se poderá resolver ou solucionar a dúvida. Mas se for como dizemos, que uma coisa é a matéria e outra a forma e que uma coisa é

o ser em potência e outra coisa o ser em acto, então não parece que a dúvida se mantenha. » 141

(68) Mas se dizes que Sócrates não é algo de uno em

sentido absoluto, mas uno por agregação de um motor e um movido, seguem-se muitos inconvenientes. Primeiro. Como tudo o que existe é igualmente uno e ser”’, segue-se que Sócrates não seria um ser nem pertenceria a um gênero e a uma espécie e, além do mais, seria incapaz de qualquer acção visto que só um ser é capaz de acção. De onde, não dizermos que o pensar de um timoneiro seja o pensar do todo formado pelo timoneiro e pelo navio, mas tão-só do timoneiro; de igual modo, o pensar de Sócrates não seria o acto de Sócrates, mas apenas o acto do intelecto que usa o corpo de Sócrates: de facto, só apenas num todo que seja uno e ser é que a

acção da parte será a acção do todo. Se alguém disser outra coisa falará sem propriedade.

E se dizes que também o céu pensa desta maneira, pelo seu motor, admites o que é mais difícil, pois é pelo intelecto humano que devemos chegar ao conhecimento dos intelectos superiores e não ao contrário. 141

(69) Mas se se disser que este indivíduo, Sócrates, é um

corpo animado por uma alma vegetativa e sensitiva, como parece depreender-se dos que sustentam que este homem não é especificamente constituído pelo intelecto, mas pela alma sensitiva enobrecida por certa iluminação ou união do intelecto possível, então o intelecto não estaria para Sócrates senão como o motor está para o movido. Neste caso, porém,

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intellectus que est intelligere, nullo modo poterit attribui Sorti: quod multipliciter apparet.

Primo quidem per hoc quod dicit Phílosophus in 1X Methaphisice, quod «quorum diuersum aliquid erit preter usum quod fit, horum actus in facto est, ut edificatio in edificato et contextio in contexto; similiter autem et in alfis, et totaliter motus in moto. Quorum uero non est aliud aliquod opus preter actionem, in eis existit actio, ut uisio in uidente et speculatio in speculante». Sic ergo, etsi intellectus ponatur uniri Sorti ut mouens, nichil proficit ad hoc quod intelligere sit in Sorte, nedum quod Sortes intelligat: quia intelligere est actio que est in intellectu tantum. Ex quo etiam patet falsum esse quod dicunt, quod intellectus non est actus corporis, sed ipsum intelligere; non enim potest esse alicuius actus intelligere, cuius non sit actus intellectus, quia intelligere non est nisi in intellectu, sicut nec uisio nisi in uisu: unde nec uisio potest esse alicuius, nisi illius cuius actus est uísus.

Secundo, quia actio mouentis propria non attribuitur instrumento aut moto, sed magis e conuerso actio instrumenti attribuitur principali mouenti: non enim potest dici quod serra disponat de artificio, potest tamen dici quod artifex secat, quod est opus serre. Propria autem operatio ipsius intellectus est intelligere; unde dato etiam quod intelligere esset actio transiens in alterum sicut mouere, non sequitur quod intelligere conueniret Sorti si intellectus uniatur ei solum ut motor.

Tertio, quia in hlis quorum actiones in alterum transeunt, opposito modo attribuuntur actiones mouentibus et motis: secundum edificationem enim edificator dicitur edificare,

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a acção do intelecto que consiste em pensar não poderia ser de maneira nenhuma atribuída a Sócrates. Isto evidencia-se de muitas maneiras. 150

(70) Em primeiro lugar, a partir do que Aristóteles diz no livro IX da Metafisica, que «nas, coisas em que aquilo que é produzido está para além da sua feitura, o acto está naquilo que é feito, como a acção de edificar está no edifício e a acção de tecer no que é tecido; é o mesmo em tudo o mais, o movimento está completamente no movido. Já naquelas coisas em que a obra não se distingue da acção, a acção existe nelas, como a visão está em quem vê e a especulação naquele que especula.»”’ Assim, pois, mesmo que se sustente que o intelecto se une a Sócrates como motor, isso em nada serve ao facto de o pensamento estar em Sócrates, e muito menos ao facto de Sócrates pensar, porque pensar é uma acção que apenas se dá no intelecto. Por aqui se mostra ser falso aquilo que eles dizem, a saber, que não é o intelecto que é o acto do corpo, mas o próprio pensamento; com efeito, o pensamento não pode ser o acto daquilo cujo acto não seja o pensamento, uma vez que o pensamento só existe no intelecto, assim como a visão só existe na vista; daqui se segue que a visão só pode pertencer àquele que tem como acto a vista.

(7 1) Em segundo lugar, porque a acção própria do motor não é atribuída ao instrumento ou ao que é movido, mas antes ao contrário, a acção do instrumento é que é atribuída ao motor principal, Na verdade, não se pode dizer que a serra disponha do artesão, mas já se pode dizer que o artesão corta, que é a obra da serra. Assim, pensar é a operação própria do intelecto; daí que mesmo que o pensamento fosse uma acção

que se exerce numa outra coisa, tal como o acto de mover, não se seguiria que o pensar pertencesse a Sócrates caso o

intelecto se lhe unisse apenas como motor.

(72) Em terceiro lugar, porque naqueles seres cujas acções se exercem sobre outros, a acção do motor e a acção do que é movido é-lhes atribuído de uma maneira oposta. Numa

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edificium uero edificari. Si ergo intelligere esset actio in alterum transiens sicut mouere, adhuc non esset dicendum quod Sortes intelligeret ad hoc quod intellectus uniretur ei ut motor, sed magis quod intellectus intelligeret et Sortes intelligeretur; aut forte quod intellectus intelligendo moueret Sortem, et Sortes moueretur.

Contingit tamen quandoque quod actio mouentis traducitur in rem motam, puta cum ipsum motum mouet ex co quod mouetur, et calefactum calefacit. Posset ergo aliquis sic dicere quod motum ab intellectu, qui intelligendo mouet, ex hoc ipso quod mouetur intelligit. Huic autem dicto Aristotiles resistit in 11 De anima, unde principium huius rationis assumpsimus. Cum enim dixisset quod id quo primo scimus et sanamur est forma, scilicet scientia et sanitas, subiungit «Videtur enim in patienti et disposito actiuorum inesse actus». Quod exponens Themistius dicit «Nam et si

ab aliis aliquando scientia et sanitas est, puta a docente et medico, tamen in patlente et disposito facientium inexistere actus ostendimus prius, in tilis que De natura».

Est ergo intentio Aristotilis, et euidenter est uerum, quod quando motum mouet et habet actionem mouentis, oportet quod insit ei actus aliquis a mouente quo huiusmodi actionem habeat, et hoc est primum quo agit, et est actus et forma eius; sicut si aliquid est calefactum, calefacit per calorem qui inest ei a calefaciente.

Detur ergo quod intellectus moueat animam Sortis, uel illustrando uel quocurnque modo: hoc quod est relictum ab impressione intellectus in Sorte est primum quo Sortes intelligit. ld autem quo primo Sortes intelligit, sicut sensu

sentit, Aristotiles probauit esse in potentia omnia, et per hoc non habere naturam determinatam nisi hanc quod sit

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construção, por exemplo, diz-se que o construtor constrói e que o edifício é construído. Portanto, se pensar fosse uma

acção que se exerce em outra coisa, tal como o acto de mover, não se poderia dizer que Sócrates pensa por o intelecto se lhe unir como motor, mas antes que o intelecto pensa e que Sócrates é pensado”’, ou, talvez, que o intelecto, ao pensar, move Sócrates e que Sócrates é movido.

(73) Porém, por vezes acontece que a acção do motor se

transfere para a coisa movida, por exemplo, quando o que é movido move pelo facto de ser movido, ou quando o que é aquecido aquece. Poderia dizer-se, portanto, que aquilo que é movido pelo intelecto, que ao pensar move, pensa por causa de ser movido. Mas Aristóteles contraria isto no livro 11 sobre A Alma, onde fomos buscar o princípio deste argumento. De facto, quando diz que aquilo pelo qual nós conhecemos e

saramos é primeiramente a formal”, quer dizer, a ciência e a saúde, acrescenta: «Pois parece que é no paciente, que se

dispõe, que reside o acto dos activos. »151 O que Temístio explica da seguinte maneira: «Com efeito, ainda que por vezes a ciência e a saúde derivem de outrem, a saber, do docente e do médico, mostrámos antes, no que dissemos sobre A Natureza, que é no paciente, que se dispõe, que reside o acto daquilo que os realiza.» 155

É isto, portanto, o que Aristóteles quer dizer, e é evidentemente a verdade: quando o que é movido se move e

tem a acção do motor, é preciso que por causa do motor lhe seja inerente um certo acto em virtude do qual possui essa acção, e isso é o princípio primeiro pelo qual age, e é o seu acto e a sua forma, tal como quando algo é aquecido aquece por causa do calor que passou a deter a partir daquilo que o

fez aquecer.

Admitamos, então, que o intelecto move a alma de Sócrates quer iluminando-a quer de alguma outra maneira, o que fica da impressão do intelecto em Sócrates é o princípio primeiro pelo qual Sócrates pensa. Ora, Aristóteles provou que aquilo pelo qual primeiro Sócrates pensa, tal como pelo sentido sente, era em potência todas as coisas, razão pela

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possibilis; et per consequens quod non misceatur corpori, sed sit separatus. Dato ergo quod sit aliquis intellectus separatus mouens Sortem, tamen adhuc oportet quod iste intellectus possibilis de quo Aristotiles loquitur, sit in anima Sortis, sicut et sensus qui est in potentia ad omnia sensibilia, quo Sortes sentit.

Si autem dicatur quod hoc indiuiduum quod est Sortes neque est aliquid compositum ex intellectu et corpore animato, neque est corpus animatum tantum, sed est solum intellectus: hec iam erit opinio Platonis, qui, ut Gregorius Nissenus refert, «propter hanc difficultatem non uult hominem ex anima et corpore esse, sed animam corpore utentem et uelut indutam corpus». Sed et Plotinus, ut Macrobius refert, ipsam animam hominem esse testatur, sic dicens «Ergo qui uidetur non ipse uerus homo est, sed ille a

quo regitur qui uidetur. Sic, cum morte animalis discedit animatio, cadit corpus a regente uiduatum, et hoe est quod uidetur in homine mortale. Anima uero, qui uerus homo est, ab omni mortalitatis condicione aliena est». Qui quidem Plotinus unus de magnis ponitur inter commentatores Aristotilis, ut Simplicius refert in Commento Predicamentorum.

Hec autem sententia nec a uerbis Aristotilis multum aliena uidetur: dicit enim in IX Ethicorum quod «boni hominis est bonum elaborare et sui ipsius gratia; intellectiui enim gratia quod unusquisque esse uidetur». Quod quidem non dicit propter hoc quod homo sit solus intellectus, sed quia íd quod est in homine principalius est intellectus; unde in consequentibus dicit quod «quemadmodum ciuitas principal issimum maxime esse uidetur, et omnis alia constitutio, sic et homo»: unde subiungit quod «unusquisque homo uel est hoc, scilicet intellectus, uel maxime». Et per hunc modum arbitror et Themistium in uerbis supra positis, et Plotinum in uerbis nunc inductis, dixisse qüod homo est anima uel intellectus.

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qual não tem uma natureza determinada excepto a de ser possível; e, consequentemente, provou que não se mistura com o corpo, mas que é separado.”’ Admitindo-se portanto que há algum intelecto separado que move Sócrates, é todavia preciso que este intelecto possível de que fala Aristóteles esteja na alma de Sócrates, tal como o sentido que está em potência para todos os sensíveis e com o qual Sócrates sente.

(74) Mas se dissermos que este indivíduo, Sócrates, não é nem um ser composto pelo intelecto e por um corpo animado nem apenas um corpo animado, mas é apenas intelecto, estaríamos já na opinião de Platão, o qual, conforme refere Gregório de Nissa, «perante esta dificuldade, não admitiu que o homem fosse composto de alma e corpo, mas antes uma alma usando um corpo e como que revestida por um corpo.» 117 Também Plotino, como refere Macróbio, confirma que o homem é mesmo uma alma, dizendo o seguinte: «Pois o que vemos não é propriamente o homem verdadeiro, o homem verdadeiro é o que rege o corpo que vemos. Por isso, quando com a morte do animal desaparece a sua animação, perece o corpo despojado do que o regia e é isto que vemos acontecer ao homem mortal. Já a alma, por ser o homem verdadeiro, escapa a toda a condição mortal. » I II Este Plotino figura entre os grandes comentadores de Aristóteles, tal como Simplício refere no Comentário às Categorias.”’

De facto, esta doutrina não parece ser muito estranha aos textos de Aristóteles. Ele diz, realmente, no livro IX da Ética que «é próprio do homem bom trabalhar para o bem e para si mesmo; porque cada homem parece estar ordenado para a parte intelectiva.»`O Ora não diz isto por causa de o homem ser só intelecto, mas porque o intelecto é o que há de principal no

homem; daí que na sequência do texto diga que «tal como a

cidade ou qualquer outra constituição parece ser o que há de principal no seu mais alto grau, assim também com o homem» 161 ; acrescentando logo que «todo o homem é ou isso, quer dizer, o intelecto, ou sobretudo iSSO.»161 Julgo que é neste sentido que Temístio, nas palavrasjá citadas, e Plotino, nas que acabámos de citar, disseram que o homem é alma ou intelecto. 161

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Qüod enim homo non sit intellectus tantum uel anima tantum, multipliciter probatur. Primo quidem ab ipso Gregorio Nisseno, qui inducta opinione Platonis subdit «Habet autem hic sermo difficile uel indissolubile quid: qualiter enim unum esse potest cum indumento anima? Non enim unum est tunica cum induto».

Secundo, qui a Aristotiles in VII Methaphisice probat quod «homo et equs et similia» non sunt solum forma, «sed totum quoddam ex materia et forma ut uniuersaliter; singulare uero

ex ultima materia, ut Socrates iam est, et in alfis similiter». Et hoc probauit per hoc quod nulla pars corporis potest diffiniri sine parte aliqua anime; et recedente anima, nec

oculus nec caro dicitur nisi equiuoce: qüod non esset, si homo aut Sortes esset tantum intellectus aut anima.

Tertio, sequeretur quod, cum intellectus non moueat nisi per uoluntatem, ut probatur in 111 De anima, hoc esset de rebus subiectis uoluntati, quod retineret corpus homo cum

uellet, et abiceret cum uellet: quod manifeste patet esse faIsum.

Sic igitur patet quod intellectus non unitur Sorti solum ut motor; et quod, etiam si hoc esset, nichil proficeret ad hoc quod Sortes intelligeret. Qui ergo hanc positionem defendere uolunt, aut confiteantur se nichil intelligere et indignos esse cum quibus aliqui disputent, aut confiteantur quodAristotiles concludit: quod id quo primo intelligimus est species et forma.

Potest etiam hoc concludi ex hoc quod hic homo in aliqua specie collocatur. Speciem autem sortitur unumquodque ex

forma: id igitur per quod hic homo speciem sortitur forma est. Vnun-iquodque autem ab eo speciem sortitur, quod est

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(75) Prova-se de muitos modos que o'homem não é, de facto, apenas o intelecto ou apenas a alma. Em primeiro lugar, pelo próprio Gregório de Nissa que, depois de expor a opinião de Platão, acrescenta: «Este texto tem qualquer coisa de difícil ou de indissolúvel: como é que, realmente, a alma pode formar um uno com aquilo que a reveste? A túnica e quem a

veste não formam um uno.» 164

Em segundo lugar, porque no livro VII da Metafísica, Aristóteles prova que «hornem e cavalo ou outros universais» não são apenas formas, «mas um todo composto de matéria e forma tomada universalmente; um singular, por seu lado, consta da matéria última, tal como Sócrates que existe logo com ela, e a mesma coisa em relação aos outros singulares.» 161 E a prova estava no facto de nenhuma parte do corpo poder ser definida sem uma parte da alma e, ao desaparecer a alma, o olho e a carne só poderem ser chamados assim de maneira equívoca, o que não sucederia se o homem ou Sócrates fossem apenas intelecto ou alma.

Em terceiro lugar, uma vez que o intelecto só é movido

161 pela vontade, como se prova com o livro 111 XA Alma @ seguir-se-ía que ele estaria entre aquilo que se encontra submetido à vontade, mantendo o homem junto de si o corpo quando quisesse e separando-se dele também quando quisesse, o que é obviamente falso.

(76) Assim se esclarece que o intelecto não se encontra apenas unido a Sócrates como um motor, e que, mesmo que assim fosse, isso de nada adiantaria ao facto de que Sócrates pensa. Por conseguinte, aqueles que querem defender esta posição devem ou confessar que nada pensam e que não são dignos de que disputem com eles ou confessar que Aristóteles concluiu que aquilo pelo qual pensamos em sentido primordial é espécie e forma. 161

(77) Também se pode chegar à mesma conclusão a partir do facto de o homem individual se integrar numa espécie. 168

A espécie que cabe em sorte a cada um depende da forma; por conseguinte, aquilo pelo qual a este homem cabe em sorte

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principium proprie operationis speciei; propria autem operatio hominis, in quantum est homo, est intelligere: per hoc enim differt ab allis animalibus, et ideo in hac operatione Aristotiles felicitatem ultimam constituit. Principium autem quo intelligimus est intellectus, ut Aristotiles dicit; oportet igitur ipsum uniri corpori ut formam, non quidem ita quod ipsa intellectiua potentia sit alicuius organi actus, sed quia est uírtus anime que est actus corporis phisici organici.

Adhuc, secundum istorum positionem destrutintur moralis philosophie principia: subtrahitur enim quod est in nobis. Non enim est aliquid in nobis nisi per uoluntatem; unde et hoc: ipsum uoluntarium dicitur, quod in nobis est. Voluntas autem in intellectu est, ut patet per dictum Aristotilis in 111 De anima, et per hoc quod in substantiis separatis est intellectus et uoluntas; et per hoc etiam quod contingit per uoluntatem aliquid in uniuersali amare uel odire, sicut odimus1 atronum genus, ut Aristotiles dicit in sua Rhetorica. Si igitur intellectus non est aliquid huius hominis ut sit uere tinum cum eo, sed unitur ei solum per fantasmata uel sicut motor, non erít in hoc: homine uoluntas, sed in intellectu separato. Et ita hic homo non erit dominus sui actus, nec aliquis eius actus erit laudabilis uel uituperabilis: quod est diuellere principia moralis philosophie. Quod cum sit absurdum et uite humane contrarium, non enim esset necesse consiliari nec leges ferre, sequitur quod intellectus sic uniatur nobis ut uere ex eo et nobis fiat unum; quod uere non potest esse nisi eo modo quo dictum est, ut sit scilicet potentia anime que unitur nobis ut forma. Relinquitur igitur hoc absque omni dubitatione tenendum, non propter reuelationem fidei, ut dicunt, sed quia hoc subtrahere est niti contra manifeste apparentia.

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uma espécie é a forma. Mas a espécie que a cada um cabe em sorte resulta do princípio da operação própria da espécie; ora, a operação própria do homem, enquanto é homem, consiste em pensar, pois é nisto que difere dos outros animais, e por isso é que Aristóteles deposita a última felicidade nessa operação. 169 O princípio pelo qual pensamos é o intelecto, tal como Aristóteles diz.’ 10 Deve, portanto, unir-se ao corpo como uma forma, não de maneira a que a própria potência intelectiva seja o acto de algum órgão, mas por ser uma faculdade da alma que é o acto de um corpo natural organizado.

(78) Além disso, a seguir-se a posição deles, pelo facto de nos ser retirado o que está em nós, ficam destruídos os princípios da filosofia moral. Na verdade, nada está em nós a não ser pela vontade; e daí o chamar-se ‘voluntário’ precisamente àquilo que está em nós. Ora, a vontade está no intelecto, como se patenteia pelo que Aristóteles diz no livro III sobre A Alma` , e porque nas substâncias separadas há intelecto e há vontade; e também pelo facto de ser pela vontade que amamos ou odiamos alguma coisa em geral, por exemplo, quando odiamos o gênero dos ladrões, como diz Aristóteles na sua Retórica. “I Deste modo, se o intelecto não fizer parte deste homem, ao ponto de formar autenticamente um uno com ele, mas se lhe unir apenas pelas imagens ou como um motor, a vontade não fará parte deste homem concreto, mas do intelecto separado. A ser assim, este homem não será senhor dos seus actos nem nenhum dos seus actos será digno de louvor ou de condenação, o que equivale a despedaçar os princípios da filosofia moral. Uma vez que isto é absurdo e é contrário à vida humana (nesse caso não seria preciso nem aconselhar nem legislar), segue~se que o intelecto está unido a nós de maneira a que a sua união connosco forme algo de verdadeiramente uno. Mas isto só pode realmente suceder tal como dissemos, a saber: sendo o intelecto uma potência da alma que se une a nós como forma. Só nos resta, pois, fora de qualquer dúvida, sustentar esta tese, não por causa

de uma revelação da fé como eles dizem, mas porque negá-la seria ir contra toda a evidência.

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Rationes uero quas in contrarium adducunt non difficile est soluere. Dicunt enim quod ex hac positione sequitur quod intellectus sit forma materialis, et non sit denudata ab omnibus naturis rerum sensibilium; et quod per consequens quicquid. recipitur in intellectu, recipietur sicut in materia indiuidualiter et non uniuersaliter.

Et ulterius quod si est forma materialis, quod non est intellecta in actu, et ita intellectus non poterit se intelligere: quod est manifeste falsum. Nulla enim forma materialis est intellecta in actu, sed in potentia tantum: fit autem íntellecta in actu per abstractionem.

Horum autem solutio apparet ex hils que premissa sunt. Non enim dicimus animam humanam esse formam corporis secundum intellectitiam potentiam, que secundum doctrinam Aristotilis nullius orgam actus est: unde remanet quod anima, quantum ad intellectiuam potentiam, sit immaterialis et immaterialiter recipiens et se ipsam intelligens. Vride et Aristotiles signanter dicit quod anima est locus specierum «non tota sed íntellectus».

Si autem contra hoc obiciatur quod potentia anime non

potest esse immaterialior aut simplicior quam eius essentia: optime quidem procederet ratio, si essentia humane anime sic esset forma materie, quod non per esse suum esset sed per esse compositi, sicut est de alfis formis, que secundum se nec esse nec operationem habent preter communicationem materie, que propter hoc materie in-imerse dicuntur. Anima autem humana, quia secundum suum esse est, cui aliqualiter con-imunicat materia non totaliter comprehendens ipsam, eo

quod maior est dignitas huius forme quam capacitas materie: nichil prohibet quin habeat aliquam operationem uel uirtutem ad quam materia non attingit.

Consideret autem qui hoc dicit, quod si hoc intellectiuum

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(79) Os argumentos contra que eles aduzem não são difíceis de resolver. Dizem, na verdade, que da nossa posição se segue que o intelecto é uma forma material, forma não desnudada de todas as naturezas das coisas sensíveis, e que, em consequência, tudo o que é recebido no intelecto é recebido como numa matéria, individualmente e não universalmente.

Também dizem que, se é uma forma material, não é pensada em acto e que, por isso, o intelecto não poderia pensar-se, o que é manifestamente falso, Mas nenhuma forma material é pensada em acto, só apenas em potência, pela abstracção é que é pensada em acto.

(80) A partir do que dissemos acima, fica clara a resposta a estes argumentos. De facto, não dizemos que a alma humana é a forma do corpo segundo a potência íntelectiva, a qual, segundo a doutrina de Aristóteles, não é o acto de nenhum órgão.”’ Daqui resulta que a alma, no que toca à potência intelectiva, é imaterial, que ela recebe imaterialmente e que se pensa a si mesma. Por esta razão, Aristóteles diz, ratificando, que a alma é o lugar das espécies, «não toda ela, mas o intelecto, »174

(8 1) Se porém se objectar a isto que uma potência da alma não pode ser nem mais imaterial nem mais simples do que a sua essência, digo que seria um óptimo argumento se a essência da alma humana fosse forma de uma matéria, não em função do seu próprio ser, mas do ser do CoMpoSto171, tal como acontece com as outras formas, as quais por si só têm ser e operação por comunicarem com a matéria, razão pela qual se diz que elas imergem na matéria. Já quanto à alma humana, uma vez que é por si e que, de uma certa maneira, a matéria comunica com ela sem a abarcar por completo, pois a dignidade desta forma é maior do que a capacidade da maté ria, nada impede que a alma tenha uma certa operação ou faculdade que não atinge a matéria.

(82) Que quem defende esta posição considere, por fim,

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principium quo nos intelligimus, esset secundum esse

separatum et distinctum ab anima que est corporis nostri forma, esset secundum se intelligens et intellectum, et non

quandoque intelligeret, quandoque non; neque etiam indigeret ut se ipsum cognosceret per intelligibilia et per actus, sed per essentiam suam sicut alie substantie separate. Neque etiam esset conueniens quod ad intelligendum indigeret fantasmatibus nostris: non enim inuenitur in rerum

ordine quod superiores substantie ad suas principales perfectiones indigeant inferioribus substantiis; sicut nec corpora celestia formantur aut perficiuntur ad suas operationes ex corporibus inferioribus.

Magnam igitur improbabilitatem continet sermo dicentis quod intellectus sit quocidam principium secundum substantiam separatum, et tamen quoci per species a

fantasmatibus acceptas, perficiatur et fiat actu intelligens.

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que se o princípio intelectivo pelo qual pensamos fosse separado segundo o seu próprio ser e distinto da alma que é

forma do nosso corpo, seria em si pensante e pensado, e não poderia umas vezes pensar e noutras não pensar; nem sequer precisaria de se conhecer por meio de inteligíveis e por um acto, mas pela sua essência, tal como as outras substâncias separadas. De igual modo, para pensar, não lhe seria indispensável recorrer às nossas imagens sensíveis, pois, na

ordem das coisas, não é preciso que as substâncias superiores necessitem das substâncias inferiores para chegarem às suas perfeições principais; tal como nem os corpos celestes são formados e aperfeiçoados nas suas operações por meio dos corpos inferiores.

É portanto altamente improvável a tese que defende que o intelecto é um certo princípio separado segundo a

substância e que todavia se aperfeiçoe e comece a pensar em acto por intermédio das espécies recebidas das imagens.

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CAPITVLVM IV

Mis igitur consideratis quantum ad id quod ponunt intellectum non esse animam que est nostri corporis forma, neque partem ipsius, sed aliquid secundum substantiam separatum: considerandum restat de hoc quod dicunt intellectum possibilem esse unum in omnibus. Forte enim de agente hoc dicere aliquam rationem haberet, et multi philosophi hoc posuerunt: nichil enim uldetur inconueniens sequi, si ab uno agente multa perficiantur, quemadmodum ab uno sole perficiuntur omnes potentie uisiue animalium ad uidendum. Quamuis etiam hoe non sit secundum intentionem Aristotilis, qui posuit intellectum agentem esse aliquid in anima, unde comparauit ipsum lumini; Plato autem ponens intellectum unum separatum, comparauit ipsum soli, ut Themistius dicit: est enim unus sol, sed plura lumina diffusa a sole ad uidendum. Sed quicquid sit de intellectu agente, dicere intellectum possibilem esse unum omnium hominum, multipliciter impossibile apparet.

Primo quidem, quia si intellectus possibilis est quo intelligimus, necesse est dicere quod homo singularis intelligens uel sit ipse intellectus, uel intellectus formaliter

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CAPíTULO IV

(83) Conhecidas as razões da tese de que o intelecto não é a alma que é a forma do nosso corpo nem uma parte dessa alma, mas algo separado segundo a substância, falta examinar as razões que os leva a dizer que o intelecto possível é único para todos os homens. Talvez afirmar isto em relação ao intelecto agente ainda fosse razoável, e muitos filósofos assim pensaram; de facto, não parece seguir-se nenhum inconveniente se se admitir que várias coisas são aperfeiçoadas por um único agente, como que à maneira de um único Sol que aperfeiçoa todas as potencias visuais dos animais para verem, ainda que isto não seja conforme à intenção de Aristóteles, o qual, ao compará-lo a um lume, defendeu que o intelecto agente é qualquer coisa na alma. Por seu lado, Platão, ao defender um único intelecto separado, comparou-o ao Sol,

116 conforme Temístio diz @ porque há um único Sol mas muitas luzes difundidas pelo Sol que nos permitem ver.

Contudo, seja qual for o estatuto do intelecto agente, dizer que o intelecto possível é único para todos os homens é absurdo por muitos motivos.

(84) Em primeiro lugar, porque se o intelecto possível é aquilo pelo qual pensamos, então é necessário dizer que um

homem concreto que pensa ou é o próprio intelecto ou que o

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ei inhereat: non quidem ita quod sit forma corporis, sed quia est uirtus anime que est forma corporis.

Si quis autem dicat quod homo singularis est ipse intellectus, consequens est quod hic homo singularis non sit alius ab illo homine singulari, et quod oranes homines sint unus homo, non quidem participatione speciei, sed secundum unum indiuiduum.

Si uero intellectus inest nobis formaliter, sicut iam dictum est, sequitur quod diuersorum corporum sint diuerse anime. Sicuti enim homo est ex corpore et anima, ita hic homo, ut Callias aut Sortes, ex hoc corpore et ex hac anima. Si autem anime sunt diuerse, et intellectus possibilis est uirtus anime qua anima intelligit, oportet quod differat numero; quia nec fingere possibile est, quod diuersarum rerum sit una numero uirtus.

Si quis autem dicat quod homo intelligit per intellectum possibilem sicut per aliquid sui, quod tamen est pars eius non ut forma sed sicut motor: iam ostensum est supra quod hac positione facta, nullo modo potest dici quod Sortes intelligat.

Sed demus quod Sortes intelligat per hoc quod intellectus intelligit, licet intellectus sit solum motor, sicut homo uidet per hoc quod oculus uidet; et ut similitudinem sequamur, ponatur quod omnium hominum sit unus oculus numero: inquirendum restat utrum orrines homines sint unus uidens uel multi uidentes. Ad cuius ueritatis inquisitionem considerare oportet quod aliter se habet de primo mouente, et aliter de instrumento. Si enim multi homines utantur uno et eodem instrumento numero, dicentur multi operantes: puta, cum multi utuntur una machina ad lapidis proiectionem uel eleuationem. Si uero principale agens sit unum quod utatur multis ut instrumentis, nichilominus operans est unum, sed forte operationes diuerse propter diuersa instrumenta;

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intelecto lhe é formalmente inerente, não, bem entendido, como forma do corpo, mas porque é a faculdade de uma alma que é forma de um corpo.”’

Se alguém disser que um homem concreto é o próprio intelecto, seguir-se-á que este homem em concreto não se distingue daquele homem em concreto e que todos os homens são um só homem, não, é claro, pela participação na espécie, mas segundo um único indivíduo.

Todavia, se o intelecto se encontrar em nós formalmente, tal como já dissemos, segue-se que as almas são diversas conforme os diversos corpos. Tal como o homem consta de um corpo e de uma alma, assim também este homem, seja Cálias ou Sócrates, consta deste corpo e desta alma. Mas se as almas são diversas e se o intelecto possível é a faculdade da alma pela qual a alma pensa, então é preciso que ele seja diferente em número, pois nem sequer é possível imaginar que haja uma faculdade numericamente única para coisas diversas.

Mas se alguém disser que o homem pensa pelo intelecto possível como por qualquer coisa de seu, sem ser parte dele como-uma forma mas como um motor, já acima mostrámos que, admitida tal hipótese, de maneira nenhuma se pode dizer que Sócrates pensa.”’

(85) Admitamos contudo que Sócrates pensa pelo facto de o intelecto pensar - ainda que o intelecto seja só motor- tal como o homem vê pelo facto de o olho ver; e, para continuarmos a comparação, supunhamos que só há um olho em número para todos os homens, faltaria então investigar se todos os homens são um único a ver ou vários a ver. Afim de investigarmos a verdade acerca deste ponto, deve considerar-se que aquilo que diz respeito ao primeiro motor é diferente daquilo que diz respeito a um instrumento. 179 COM efeito, se vários homens usarem um e o mesmo instrumento em número, diz-se que são muitos os que operam; por exemplo: quando vários utilizam uma máquina para projectar ou para levantar uma pedra. Mas se o agente principal for único e utilizar várias coisas como instrumentos, o operador não deixa de ser um só, mas as operações podem ser diversas

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aliquando autem et operatio una, etsi ad eam multa instrumenta requirantur. Sic igitur unitas operantis attenditur non secundum instrumenta, sed secundum principale quod utitur instrumentis.

Predicta ergo positione facta, si oculus esset principale in homine, qui uteretur omnibus potentiis anime et partibus corporis quasi instrumentis, multi habentes unum oculum essent unus uidens; si uero oculus non sit principale hominis, sed aliquid sit eo prI ncipalius quod utI tur oculo, quod dluersificaretur in diuersis, essent quidem multi uidentes sed uno oculo.

Manifestum est autem quod intellectus est id quod est principale in homine, et quod utitur omnibus potentiis anime et membris corporis tarriquam organis; et propter hoc Aristotiles subtiliter dixit quod homo est intellectus «uel maxime». Si igitur sit imus intellectus omnium, ex necessitate sequitur quoci sit imus intelligens, et per consequens unus

uolens et unus utens pro sue uoluntatis arbitrio omnibus illis secundum que homines diuersificantur ad inuicem. Et ex hoc ulterius sequitur quod nulla differentia sit inter homines quantum ad liberam uoluntatis electionem, sed eadem sit omnium, si intellectus, apud quem solum residet principalitas et dominium utendi omnibus ahis, est unus et indivisus in omnibus. QuocI est manifeste falsum et impossibile: repugnat enim hiís que apparent, et destruít totam scientiam moralem et omnia que pertinent ad conuersationem ciuilem, que est hominibus naturalis, ut Aristotiles dicit.

Adhuc, si omnes homines intelligunt uno intellectu, qualitercurnque eis umatur, siue ut forma siuc ut motor, de necessitate sequitur quod omnium hominum sit unum numero ipsum intelligere quod est simul et respectu unius

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em virtude dos diversos instrumentos. Às vezes, porém, a

operação é única, ainda que se necessite de muitos instrumentos. Assim, portanto, não se atribui a unidade do operador aos instrumentos, mas ao agente principal que utiliza os instrumentos.

(86) Se agora voltássemos à hipótese anterior, mas se o

olho fosse o que há de principal no homem e utilizasse todas as potências da alma e as partes do corpo como instrumentos, então a totalidade dos que partilham um mesmo olho constituiria um só vidente; se, ao invés, o olho não fosse o principal do homem, mas se houvesse algo mais importante a usar o olho, diversificando-se pelos vários homens, haveria muitos a ver mas um só olho.

(87) É claro, portanto, que o intelecto é aquilo que há de principal no homem e se serve de todas as potências da alma e dos membros do corpo à maneira de instrumentos; é por causa disto que Aristóteles diz subtilmente que o homem é intelecto «ou é sobretudo isso»'10. Portanto, se o intelecto de todos é único, segue-se necessariamente que só há um a pensar e, consequentemente, um só a querer e um só a utilizar, pelo arbítrio da sua vontade, todas aquelas coisas em que os homens se distinguem uns dos outros. Além disso, daqui resultaria que, se o intelecto, no qual apenas reside o principado e o domínio na utilização de tudo o mais, fosse único e indiviso em todos os homens, não haveria diferença entre eles no que toca à livre escolha da vontade, mas seria a mesma em todos. Mas isto é evidentemente falso e impossível; com efeito, é incompatível corri o que aparece aos nossos olhos e destrói toda a ciência moral e tudo aquilo que diz respeito à sociedade civil, natural aos homens, conforme diz Aristóteles. “I

(88) Além de mais, se todos os homens pensam por um

único intelecto, qualquer que seja a maneira dele se lhes unir, seja como forma seja como motor, segue-se, necessariamente, que em todos os homens será um só em número o pensamento

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intelligibilis: puta, si ego intelligo lapidem et tu similiter, oportebit quod una et eadem sit intellectualis operatio et mei et tui. Non enim potest esse eiusdem actiui principii, siue sit forma siue sit motor, respectu eiusdem obiecti nisi una

numero operatio eiusdem speciei in eodem tempore: quod manifestum est ex hiis que Philosophus declarat in V Phisicorum. Vride si essent multi homines habentes unum oculum, omnium uisio non esset nisi una respectu eiusdem obiecti in eodem tempore. Similiter ergo, si intellectus sit unus omnium, sequitur quod omnium hominum idem intelligentium eodem tempore sit una actio intellectualis tantum; et precipue cum nichil eorum secundum que ponuntur homines differre ab inuicem, communicet in

operatione intellectuali. Fantasmata enim preambula sunt actioni intellectus, sicut colores actioni uisus: unde per eorum

diuersitatem non diuersificaretur actio intellectus, maxime respectu unius intelligibilis; secundum que tamen ponunt diuersificari scientiam huius a scientia alterius, in quantum hic intelligit ea quorum fantasmata habet et ille alia quorum fantasmata habet. Sed in duobus qui idem sciunt et Intelligunt, ipsa operatio intellectualis per diuersitatem fantasmatum nullatenus diuersificari potest.

Adhuc autem ostendendum est quod hec positio manifeste repugnat dictis Aristotilis. Cum enim dixisset de intellectu possibili quod est separatus et quod est in potentia omnia, subiungit quod «cum sic singula fiat, scilicet in actu, ut sciens dicitur qui secundum actum», id est hoc modo sicut scientia est actus, et sicut sciens dicitur esse in actu in quantum habet habitum; unde subdit «hoc autem confestim accidit cum possit operari per se ipsum. Est quidem igitur et tunc potentia quodammodo, non tamen similiter ante addiscere aut inuenire». Et postea, cum quesiuisset «si intellectus simplex

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que em conjunto for relativo a um único inteligível; por exemplo: se eu pensar numa pedra e se tu fizeres o mesmo, a minha operação intelectual e a tua operação intelectual devem ser uma só e a mesma. Com efeito, de um mesmo princípio activo, seja uma forma seja um motor, relativamente a um mesmo objecto, apenas pode vir uma operação numericamente idêntica da mesma espécie e ao mesmo

tempo; é o que se torna evidente pelo que Aristóteles declara no livro V da Física’ 12 . De onde, se houvesse muitos homens com um só olho, a sua visão só seria uma relativamente a

um mesmo objecto e ao mesmo tempo. Portanto, da mesma

maneira, se fosse um só o intelecto de todos os homens, seguir-se-ia que seria apenas uma a acção intelectual de todos os homens que pensassem a mesma coisa ao mesmo tempo; e, principalmente, porque nada daquilo que distingue os

homens uns dos outros teria a ver com a operação intelectual. Na verdade, as imagens são preâmbulos para a acção do intelecto tal como as cores o são para a acção da vista, pelo que não é pela sua diversidade que a acção do intelecto se

diversifica, sobretudo em relação a um só inteligível; é por isto que eles sustentam que a ciência deste homem se distingue da ciência daqueloutro na medida em que este pensa as coisas de que tem imagens e aquele as outras coisas de que tem imagens. Entretanto, nos dois, que sabem e pensam o mesmo, a própria operação intelectual não pode de maneira

nenhuma diversificar-se pela diversidade das imagens.

(89) Resta-nos ainda mostrar que esta tese contraria manifestamente as palavras de Aristóteles. De facto, quando diz que o intelecto possível é separado e que é em potência todas as coisas, acrescenta também «que se torna assim cada uma delas, isto é, em acto, tal como se diz que é sábio quem está em acto», ou seja, tal como a ciência é acto e tal como se diz que é sábio em acto enquanto tem esse hábito 181 ; daí acrescentar: «é o que acontece logo que, por si mesmo, é capaz de actuar. E mesmo assim está ainda de uma certa maneira em potência, não, porém, do mesmo modo que antes de aprender ou de encontrar.» 18’ E, depois, pergunta: «se o

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est et impassibile et nulli nichil habet corm-nune, sicut dixit Anaxagoras, quomodo intelliget si intelligere pati aliquid est?»; et ad hoc soluendum respondet dicens quod «potentia quodammodo est íntellígibilia intellectus, sed actu nichil antequam intelligat. Oportet autem sic sicut in tabula nichil est actu scriptum: quod quidem accidit in intellectu». Est ergo sententia Aristotilis quod intellectus possibilis ante addiscere aut inuenire est in potentia, sicut tabula in qua nichil est actu scriptum; sed post addl'scere et inuenire est actu secundum habitum scientie, quo potest per se ipsum operari, quamuis et turic sit in potentia ad considerare in actu.

Vb1 tria notanda sunt. Primum, quod habitus scientie est actus primus ipsius intellectus possibilis, qui secundum hunc fít actu et potest per se ipsum operari. Non autem scientia est solum secundum fantasmata illustrata, ut quidam dicunt, uel quedam facultas que nobis acquiritur ex frequenti meditatione et exercitio, ut continuemur cum intellectu possibili per nostra fantasmata.

Secundo, notandum est quod ante nostrum addiscere et inuenire, ipse intellectus possibilis est in potentia sicut tabula in qua nichil est scriptum.

Tertio, quod per nostrum addiscere seu inuenire ípse intellectus possibilis fit actu. Hec autem nullo modo possunt stare, si sit umis intellectus possibilis omnium qui sunt et crunt et fuerunt.

Manifestum est enim quod species conseruantur in intellectu, est enim locus specierum, ut supra Philosophus dixerat; et íterum scientia est habitus permanens, Si ergo per aliquem precedentium hominum factus est in actu secundum

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intelecto é simples, impassível, e tal como Anaxágoras diz, não tem nada em comum com nada, como é que pensa, uma

vez que pensar equivale a suportar uma certa paixão?»”’ E para resolver este problema responde, afirmando que «o

intelecto é em potência de uma certa maneira os inteligíveis, mas não é em acto nenhum deles antes de pensar. Deve ser

assim como uma tábua na qual nada está escrito em acto, e é decerto o que acontece com o intelecto» 116 . A doutrina de Aristóteles é, por conseguinte, a de que antes de aprender ou

de encontrar o intelecto possível está em potência, à maneira

de uma tábua na qual nada está escrito; todavia, depois de aprender ou de encontrar passa a estar em acto segundo o

hábito da ciência graças ao qual pode operar por si mesmo, ainda que esteja nesse momento em potência para considerar algo em acto.

(90) Temos de observar aqui três pontos. O primeiro, é que o hábito da ciência é o acto primeiro do próprio intelecto possível, o qual se actualiza em conformidade com esse hábito e pode operar por si mesmo. De facto, a ciência não resulta só de uma iluminação das imagens, como alguns dizem”’, ou é uma certa faculdade de entrar em contacto com o intelecto possível por meio das nossas imagens, faculdade que adquirimos por frequente meditação e exercício,

O segundo ponto a observar, é que antes de aprendermos ou de encontrarmos, o próprio intelecto possível está em potência como uma tábua na qual nada está escrito.

O terceiro, é que mediante a nossa aprendizagem ou as

nossas descobertas o próprio intelecto possível passa a estar em acto. Ora, nada disto poderia dar-se caso o intelecto possível de todos os homens que existem, os que existirão ou que existiram, fosse único.

(91) Por conseguinte, é evidente que as espécies se conservam no intelecto que é o lugar das espécies, como Aristóteles dissera antes”’; além disso, a ciência é um hábito permanente. Portanto, se graças a algum dos homens que

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aliquas species intelligibiles, et perfectus secundum habitum scientie, ille habitus et ille species in eo remanent. Cum autem omne recipiens sit denudatum ab eo quod recipit, impossibile erit quod per meum addiscere aut inuenire ille species acquirantur in intellectu. possibilí. Etsi enim aliquis dicat quod per meum inuenire intellectus possibilís secundum aliquid fiat in actu de nouo, puta si ego aliquid intelligibilium inuenio quod a nuilo precedentium est inuentum: tamen in addiscendo hoc contingere non potest, non enim possum addiscere nisi quod docens sciuit. Frustra ergo dixit quod ante addiscere aut inuenire intellectus erat in potentia.

Sed et si quis addat homines semper fuisse secundum opinionem Aristotilis, sequetur quod non fuerit primus homo intelligens; et sic per fantasmata nullius species intelligibiles sunt acquisite in intellectu possibili, sed sunt species intelligibiles intellectus possibilis eterne. Frustra ergo Aristotiles, posuit intellectum agentem, qui faceret intelligibilia in potentia intelligibilia in actu; frustra etiam posuit quod fantasmata se habent ad intellectum possibilem sicut colores ad uisum, si intellectus possibilis nichil a

fantasmatibus accipit. Quamuis et hoc ipsum irrationabile uideatur, quod substantía separata a fantasmatibus nostris accipiat, et quod non possit se intelligere nisi post nostrum addiscere aut intelligere; quiaAristotiles post uerba premissa subiungit «et ipse se ipsum tunc potest intelligere», scilícet post addiscere aut inuenire. Substantia enim separata secundum se ipsam est intelligibilis: unde per suam essentiarn se intelligeret intellectus possibilis, si esset substantia separata; nec indigeret ad hoc speciebus intelligibilibus ei superuenientibus per nostrum intelligere aut inuenire.

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nos precederam, o intelecto se actualizou em relação a certas espécies inteligíveis, e se aperfeiçoou segundo um hábito da ciência, quer esse hábito quer essa espécie permanecem nele. Mas, como ‘qualquer recipiente se encontra desprovido daquilo que recebe"19, é impossível que pela minha aprendizagem ou com as minhas descobertas essas espécies sejam adquiridas pelo intelecto possível. Ainda que alguém diga que é graças às minhas descobertas que o intelecto possível se actualiza pela primeira vez - por exemplo, se

encontro um inteligível que ninguém antes de mim tinha encontrado - isso não pode acontecer pela aprendizagem, porque só posso aprender aquilo que quem ensina já sabe. Foi em vão, pois, que Aristóteles disse que o intelecto está em potência antes de aprender ou de encontrar.

(92) Mas se alguém adunar que, de acordo com a opinião de Aristóteles110, sempre existiram homens, então segue-se que não houve um primeiro homem que pensasse. Neste caso, as espécies inteligíveis não são recebidas no intelecto possível graças às imagens de alguém, mas as espécies inteligíveis do intelecto possível são eternas. Foi por isso também em vão que Aristóteles propôs um intelecto agente que fizesse passar os inteligíveis de potência a acto; não menos em vão, sustentou que as imagens estão para o intelecto possível corno as cores para a vista, se o intelecto possível não receber nada das imagens. Mais parece sem razão de ser o seguinte: que uma substância separada receba qualquer coisa das nossas imagens, e que não possa pensar-se senão depois de termos aprendido ou pensado; é que, após as referidas palavras, Aristóteles acrescenta: «e então ele pode pensar-se a si

191 mesmo» , a saber, depois de aprender ou encontrar. Com efeito, uma substância separada é inteligível em si e por si mesma: consequentemente, é pela sua essência que o

intelecto possível se pensa, se for uma substância separada; neste caso, não precisaria de espécies inteligíveis que se lhe viessem juntar pelo nosso pensar ou pelas nossas invençoes.

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Si autem hec inconuenientia uelint euadere, dicendo quod omnia predicta Aristotiles dicit de intellectu possibili secundum quod continuatur nobis, et non secundum quod in

se est: primo quidem dicendum est quod uerba Aristotilis hoc non sapiunt, in-imo de ipso intellectu possibili loquitur secundum id quod est proprium sibi, et secundum quod distínguitur ab agente.

Deinde si non fiat uis de uerbis Aristotilis, ponamus, ut dicunt, quod intellectus possibilis ab eterno habuerit species intelligibiles, per quas continuetur nobiscum secundum fantasmata que sunt in nobis. Oportet enim quod species intelligibiles que sunt in intellectu possibili, et fantasmata que sunt in nobis, aliquo horum trium modorum se habeant: quorum imus est, quod species intelligibiles que sunt in intellectu possibili sint aecepte a fantasmatibus que sunt in nobis, ut sonant uerba Aristotilis; quod non potest esse secundum predictam positionem, ut ostensum est. Secundus autem modus est ut ille species non sint accepte a fantasmatibus, sed sint irradiantes supra fantasmata nostra; puta, si species alique essent in oculo irradiantes supra colores qui sunt in pariete. Tertius autem modus est ut neque species intelligibiles que sunt in intellectu possibili sint recepte a

fantasmatibus, neque imprimant aliquid supra fantasmata.

Si autem ponatur secundum, scil 1cet quod species intelligibiles illustrent fantasmata et secundum hoc intelligantur: primo quidem sequetur quod fantasmata fiunt intelligibilia actu, nori per intellectum agentem, sed per intellectum possibilem secundum suas species. Secundo, quod talis írradiatio fantasmatum non poterit facere quod fantasmata sint intelligibilia actu: non enim fiunt fantasmata intelligibilia actu nisi per abstractionem; hoc autem magis erit receptio quam abstractio. Et iterum, cum omnis receptio sit secundum naturam recepti, irradiatio specierum

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(93) Mas se quiserem escapar a estes inconvenientes dizendo que todas estas palavras anteriores de Aristóteles se

referem ao intelecto possível enquanto ele está em contacto connosco e não no que é em si mesmo, deve dizer-se, em primeiro lugar, que não é isso que as palavras de Aristóteles dão a entender, antes, pelo contrário, que ele está a referir-se precisamente ao intelecto possível naquilo que lhe é próprio e no que o distingue do intelecto agente.

A seguir, e sem olharmos à força das palavras de Aristóteles, supunhamos, como eles dizem, que o intelecto possível detinha espécies inteligíveis desde a eternidade, pelas quais entraria em contacto connosco em funçã o das imagens que existem em nós, É preciso, de facto, que as

espécies inteligíveis que estão no intelecto possível e as imagens que existem em nós entrem em relação num dos três modos seguintes: um, consiste em as espécies inteligíveis que estão no intelecto possível serem recebidas pelas imagens que se encontram em nós, conformemente às palavras de Aristóteles; mas, como mostrámos, isto não pode dar-se segundo a perspectiva averroísta. O segundo modo, em as

espécies não serem recebidas pelas imagens, mas irradiarem sobre as nossas imagens; por exemplo: como as espécies no

olho irradiando por sobre as cores que estão numa parede. O terceiro modo, em as espécies inteligíveis que estão no

intelecto possível não serem recebidas pelas imagens nem

imprimirem nada sobre as imagens. 112

(94) Ora, se nos inclinarmos para o segundo, ou seja, que as espécies inteligíveis iluminam as imagens e que desta maneira são pensadas, seguir-se-ia, em primeiro lugar, que as imagens tornar-se-lam inteligíveis em acto não por causa do intelecto agente, mas por causa do intelecto possível, mercê das suas espécies. Em segundo lugar, que uma tal iluminação das imagens não permitiria que elas se tomassem inteligíveis em acto; é que só pela abstracção é que as imagens se tornam inteligíveis em acto, e isso seria mais uma recepção do que uma abstracção. Além do mais, uma vez que ‘qualquer recepção depende da natureza do receptor””, a iluminação

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intelligibilium que sunt in intellectu possibili non erit in fantasmatibus que sunt in nobis intelligibiliter, sed sensibiliter et materialiter; et sic nos non poterimus intelligere uniuersale per huiusmodi irradiationem.

Si autem species intelligibiles intellectus possibilis neque accipiuntur a fantasmatibus, neque irradiant super ea, erunt omnino disparate et nichil proportionale habentes, nec fantasmata aliquid facient ad intelligendum: quod manifestis repugnat.

Sic igitur omnibus modis impossibile est quod intellectus possibilis sit unus tantum omnium hominum.

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das espécies inteligíveis que estão no intelecto possível não será, para as imagens que se encontram em nós, uma iluminação inteligível, mas apenas sensível e material; assim, por uma iluminação deste tipo, nós não poderíamos pensar universalmente.

Mas se as espécies inteligíveis do intelecto possível não são recebidas pelas imagens nem irradiam sobre elas, serão totalmente díspares sem qualquer proporção, e as imagens em nada contribuirão para o pensamento, o que, evidentemente, não pode ser.

Por conseguinte, qualquer que seja o ponto de vista, é impossível que haja um único intelecto possível para todos os homens.

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CAPITVLVM V

Restat autem nunc soluere ca quibus pluralitatem intellectus possibilis nituntur excludere. Quorum primum est, quia orrine quod multiplicatur secundum diuisionem materie est forma materialis: unde substantie separate a materia non sunt plures in una specie. Si ergo plures intellectus essent in pluribus hominibus qui diuidurítur ad inuicem numero per diulsionem materie, sequeretur ex necessitate quod intellectus esset forma materialis: quod est contra uerba Aristotilis et probationem lpsius qua probat quod intellectus est separatus. Si ergo est separatus et non est forma materialis, nullo modo multiplicatur secundum multiplicationem corporum.

Huic autem rationi tantum innituntur, quod dicunt quod Deus non posset facere plures intellectus unius speciei in diuersis hominibus: dicunt enim quod hoc implicaret contradictionem, quia habere naturam ut numeraliter multiplicetur est aliud a natura forme separate. Procedunt autem ulterius, ex hoc concludere uolentes quod nulla forma separata est una numero nec aliquid indiuiduatum. Quod dicunt ex ipso uocabulo apparere, quia non est unum numero

nisi quod est unum de numero; forma autem liberata a materia non est unum de numero, quia non habet in se causam numeri, eo quod causa numeri est a materia.

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CAPÍTULO V

(95) Resta agora solucionar as razões em que eles se

apoiam para excluir a pluralidade do intelecto possível. A primeira é que tudo o que se multiplica segundo a divisão da matéria é forma material; de onde, as substâncias separadas da matéria não serem várias numa só espécie. Mas se

houvesse vários intelectos nos vários homens numericamente distintos entre si pela divisão da matéria, seguir-se-ia necessariamente que o intelecto teria de ser uma forma materia119’. Isto contraria as palavras de Aristóteles e a prova em que demonstra que o intelecto é separado. Então, se é separado e não é uma forma material, de maneira nenhuma se multiplica consoante a multilplicação dos corpos.

(96) Eles apoiam-se de tal maneira neste argumento que chegam a dizer que Deus não poderia fazer vários intelectos da mesma espécie em diversos homens. Dizem, de facto, que isso implicaria uma contradição, porque uma natureza numericamente multiplicável distingue-se da natureza de uma forma separada191. Avançam ainda mais ao pretenderem concluir daí que nenhuma forma separada é una em número nem qualquer coisa de individual. Dizem que isto é evidente pelas próprias palavras, porque só é uno em número aquilo que é uno pelo número; ora, uma forma liberta da matéria não é una pelo número porquanto em si não tem a causa do número, dado que a causa do número provém da matéria.'91

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Sed ut a posterioribus incipiamus, uidentur uocem

propriam ignorare in hoc quod ultimo dictum est. Dicit enim Aristotiles in IV Methaphisice quod «cuiusque substantia tinum est non secundum accidens», et quod «nichil est aliud unum preter ens». Substantia ergo separata si est ens, secundum suam substantiam est una; precipue cum Aristotiles dicat in VIII Methaphisice quod ea que non habent materiam, non habent causam ut sint tinum et ens.

Vnum autem in V Methaphisice dicitur quadrupliciter, scilicet numero, specie, genere, proportione. Nec est dicendum quod aliqua substantia separata sit unum tantum specie uel genere, quia hoc non est esse simpliciter unum: relinquitur quod quelibet substantia separata sit unum

numero. Nec dicitur aliquid unum numero quia sit unum de numero - non enim numerus est causa unius sed e conuerso-, sed quia in numerando non diuiditur; unum enim est id quod non diuiditur.

Nec iterum hoc uerum est, quod omnis numerus causetur ex materia: frustra enim Aristotiles quesiuisset numerum substantiarum separatarum. Ponit etiam Aristotiles in V Methaphisice quod multum dicitur non solum numero, sed specie et genere.

Nec etiam hoc uerum est, quod substantia separata non

sit singularis et indiuiduum aliquid; alioquin non haberet aliquam operationem, cum actus sint solum singularium, ut Philosophus dicit; unde contra Platonem argumentatur in VII Methaphisice quod si ydee sunt separate, non predicabitur de multis ydea, nec poterit diffiniri, sicut nec alia indiuidua que sunt unica in sua specie, ut sol et luna. Non enim materia est príncipium indiuiduationis in rebus materialibus, nisi in

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(97) Mas, para começarmos pelo último ponto, parece que eles ignoram o próprio sentido das palavras, concretamente em relação a este último argumento. Com efeito, Aristóteles diz no livro IV da Metafísica que «a

substância de cada ser é una e não o é por acidente», bem como que «nada é uno excepto o ser»'91. Assim sendo, se a

substância separada é um ser, é una na sua substância, sobretudo porque Aristóteles diz no livro VIII da Metafísica que as coisas que não possuem matéria não têm causa para serem unas e ser. 198

Mas no livro V da Meta ica diz-se que o uno se diz de

Ifís quatro maneiras: em número, em espécie, no gênero ou na

proporção'91. Não se deve dizer, pois, que uma substância separada é una apenas pela espécie ou pelo gênero, porque pura e simplesmente isso não seria um uno. Resta que qualquer substância separada é una em nú mero. Também não se diz que algo é uno numericamente por ser uno pelo número - é que não é o número que é a causa do uno, mas

o contrário -, diz-se, outrossim, que algo é numericamente uno por não ser divisível numa enumeração; é, de facto, uno

aquilo que não se divide.

(98) Nem sequer é verdade que a matéria seja a causa de todo o número, pois assim teria sido em vão a pergunta de Aristóteles pelo número das substâncias separadas. Na verdade, no livro V da Metafísica ele sustenta que o múltiplo se diz não apenas segundo o número, mas também em espécie

e em género.'00

Igualmente, nem sequer é verdade que uma substância separada não seja singular e algo de individualizado; se fosse de outra maneira não teria nenhuma operação, pois, como

Aristóteles diz, os actos só são próprios dos seres

singulareS201 . Daí ele ter argumentado contra Platão no livro VII da Metafísica que se as Ideias fossem separadas uma

ideia não seria predicada de muitas coisas nem poderia ser

definida, tal como sucede com os outros indivíduos que são únicos na sua espécie, o Sol e a Lua por exemplo. De facto, a matéria só é princípio de individuação nas coisas materiais

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quantum materia non est participabilis a pluribus, cum sit primum subiectum non existens in alio; unde et de ydea Aristotiles dicit quod, si ydea esset separata «esset quedam, id est indiuidua, quam impossibile esset predicari de multis».

Indiuidue ergo sunt substantie separate et singulares; non

autem indiuiduantur ex materia, sed ex hoc ipso quoc1 non

sunt nate in alio esse, et per consequens nec participari a multis. Ex quo sequitur quod si aliqua forma nata est participari ab aliquo, ita quoc1 sit actus alicuius materie, illa potest indiuiduari et multiplicari per comparationem ad materiam. Iam autem supra ostensum est quod intellectus est uirtus anime que est actus corporis; in multis igitur corporibus sunt multe anime, et in multis animabus sunt multe uirtutes intellectuales que uocantur intellectus: nec propter hoc sequitur quoc1 intellectus sit uirtus materialis, ut supra ostensum est.

Si quis autem obiciat quod, si multiplicantur secundum corpora, sequitur quoc1 destructis corporibus non remaneant multe anime: patet solutio per ea que supra dicta sunt. Vnuinquoclque enim sic est ens sicut unum, ut dicitur in IV Methaphisice; sicut igitur esse anime est quidem in corpore in quantum est forma corporis, nec est ante corpus, tamen destructo corpore adhuc remanet in suo esse: ita unaqueque anima remanet in sua unitate, et per consequens multe anime in sua multitudine.

Valde autem ruditer argumentantur ad ostendendum quod hoe Deus facere non possit quoci sint multi intellectus, credentes hoc includere contradictionem. Dato enim quod non esset de natura intellectus quoc1 multiplicaretur, non propter hoc oporteret quoci intellectum multiplicari includeret contradictionem. Nichil enim prohlbet aliquid non habere in

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enquanto não é participável por muitos, por isso que ela é um sujeito primeiro que não existe em outro. Por este motivo, Aristóteles diz, acerca das Ideias, que se elas fossem separadas «haveria uma, uma individual, impossível de ser

predicada de muitos». 202

(99) Por conseguinte, as substâncias separadas e singulares são individuais; não são individuadas pela matéria, mas, justamente, por não serem feitas para existir noutra coisa, e, consequentemente, por não serem participadas por muitos. Segue-se daqui que, se uma forma foi feita para ser

participada por alguma coisa, por isso que é o acto de uma matéria, ela pode ser individuada e multiplicada por relação com a matéria. Já acima mostrámos que o intelecto é a faculdade de uma alma que é o acto de um corpo; logo, onde há muitos corpos há muitas almas e onde há muitas almas há muitas potências intelectuais a que damos o nome de intelecto; daqui também não se segue que o intelecto seja uma faculdade material, como anteriormente se demonstrou.

(100) Se alguém objectar que do facto de as almas se multiplicarem conforme os corpos se segue que da destruição dos corpos não subsistiriam muitas almas, a solução é clara a partir do que dissemos acima. Como o livro IV da Metafísica diz, cada coisa é ser na medida em que é uno201. Portanto, assim como o ser da alma existe realmente no corpo na medida em que é a forma do corpo, e não existe antes do corpo, embora uma vez o corpo destruído ela ainda permaneça no seu ser assim também, uma vez o corpo destruído, cada alma permanece na sua unidade e, consequentemente, muitas almas na sua multiplicidade.

(101) Argumenta-se de uma maneira rude e vã ao demonstrar que Deus não pode fazer com que haja muitos intelectos crendo que isso implicaria uma contradição. Supondo-se, com efeito, que não é da natureza do intelecto multiplicar-se 201 , nem assim haveria contradição numa

multiplicação do intelecto. De facto, nada impede que uma

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sua natura causam alicuius, quod tamen habet illud ex alia causa: sicut graue non habet ex sua natura quod sit sursum, tamen graue esse sursum non includit contradictionem; sed graue esse sursum secundum suam naturam contradictionem includeret. Sic ergo si intellectus naturaliter esset unus

omnium quia non haberet naturalem causam multiplicationis, posset tamen sortiri multiplicationem ex supematurali causa, nec esset implicatio contradictionis. Quod dicimus non

propter propositum, sed magis ne hec argumentandi forma ad alia extendatur; sic enim possent concludere quod Deus non posset facere quod mortui resurgant, et quod ceci ad uisum reparentur.

Adhuc autem ad munimentum sui erroris aliam rationem inducunt. Querunt enim utrum intellectum in me et in te est unum penitus, aut duo in numero et unum in specie. Si unum intellectum, tunc erit unus intellectus; si duo in numero et unum in specie, sequitur quod intellecta habebunt rem

intellectam: quecurrique enim sunt duo in numero et unum in specie sunt unum intellectum, quia est una quiditas per quam intelligitur; et sic procedetur in infinitum, quod est impossibile. Ergo impossibile est quod sint duo intellecta in numero in me et in te; est ergo unum tantum, et unus intellectus numero tantum in omnibus.

Querendum est autem ab hiis qui tam subtiliter se

argumentari putant, utrum quod sint duo intellecta in numero

et unum in specie, sit contra rationem intellecti in quantum est intellectum, aut in quantum est intellectum ab homine. Et manifestum est secundum rationem quam ponunt, quod hoc est contra rationem intellecti in quantum est intellectum; de ratione enim intellecti, in quantum huiusmodi, est quod non indigeat quod ab eo aliquid abstrahatur ad hoc quod sit

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coisa que não tenha pela sua natureza determinada propriedade a tenha por uma outra causa, tal como um grave que pela sua natureza não pode estar em cima e no entanto não há contradição no facto de estar em cima; haveria contradição, sim, se ele estivesse em cima segundo a sua própria natureza201. Desta maneira, se o intelecto de todos os homens fosse naturalmente um, por não ter na sua natureza a causa natural da multiplicação, poderia chegar a multiplicar-se devido a uma causa sobrenatural, o que não implicaria nenhuma contradição. Afirmamo-lo não porque venha a propósito, mas mais para que se não aplique esta forma de argumentar a outros casos; é que assim poderiam concluir que Deus não pode ressuscitar os mortos nem recuperar a vista aos cegos .206

(102) Eles, porém, para defenderem o seu erro, ainda avançam outro argumento207. Perguntam, de facto, se aquilo que é pensado por mim e por ti é absolutamente o mesmo ou se se trata de dois pensamentos em número e um em espécie. Se for o mesmo pensamento, então o intelecto será um único; se forem dois em número e um em espécie segue-se que os

dois pensamentos conterão uma terceira coisa pensada -

de facto, o que for em número de dois mas um em espécie é uma só coisa pensada visto ser uma quididade pela qual se pensa - e assim ir-se-ia até ao infinito, o que é impossível. Assim, é impossível que sejam em mim e em ti duas em número as coisas que se pensam; logo, aquilo que se pensa será apenas uma coisa e apenas um em número o intelecto de todos nós.

(103) Temos de perguntar a estes que julgam argumentar de maneira tão subtil, se o facto de serem dois em número os

pensamentos e um em espécie vai contra a natureza do que se

pensa enquanto é pensado ou enquanto é pensado pelo homem. De acordo com o argumento que apresentam, é evidente que vai contra a natureza do que se pensa enquanto pensado; na

verdade, não pertence à natureza do que se pensa, enquanto tal, ser abstraído para poder ser pensado. Portanto, segundo o

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intellectum. Ergo secundum corum rationem simpliciter concludere possumus quod sit unum intellectum tantum, et non solum unum intellectum ab omnibus hominibus. Et si est unum intellectum tantum, secundum eorum rationem sequitur quod sit urius intellectus tantum in toto mundo, et non solum in hominibus. Ergo intellectus noster non solum est substantia separata, sed etiam est ipse Deus; et uniuersaliter tollitur pluralitas substantiarum separatarum.

S1 quis autem uellet respondere quod intellectum ab una

substantia separata et intellectum ab alia non est unum specie, quia intellectus differunt specie, se ipsum deciperet; quia id quod intelligitur comparatur ad intelligere et ad intellectum sicut obiectum ad actum et potentiam. Obiectum autem non

recipit speciem ab actu neque a potentia, sed magis e

conuerso: est ergo sImpliciter concedendum quod intellectum unius rei, puta lapidis, est unum tantum non solum in omnibus hominibus, sed etiam in omnibus intelligentibus.

Sed inquirendum restat quid sit ipsum intellectum. Si enim dicant quod intellectum est una species irrimaterialis existens in intellectu, latet ipsos quod quodammodo transeunt in dogma Platorilis, qui posuit quod de rebus sensibilibus nulla scientia potest haberi, sed omnis scientia habetur de forma una separata. Nichil enim refert ad propositum, utrum aliquis dicat quod scientia que habetur de lapide habetur de una

forma lapidis separata, an de una forma lapidis que est in

intellectu: utrobique enim sequitur quod scientie non sunt de rebus que sunt hic, sed de rebus separatis solum. Sed quia Plato posuit huiusmodi formas immateriales per se

subsistentes, poterat etiam cum hoe ponere plures intellectus participantes ab una forma separata unius ueritatis cognitionem. Isti autem quia ponunt huiusmodi formas

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argumento deles podemos simplesmente concluir que o objecto que se pensa é apenas um único e que não é apenas um único por ser pensado por todos os homens. E se o objecto pensado é apenas um, segue-se, de acordo com a argu-mento deles, que há apenas um intelecto em todo o mundo, e não apenas nos homens. Então, o nosso intelecto não é uma substância separada, ele é também o próprio Deus, e, ao universo, é retirada a pluralidade das substâncias separadas.

(104) Mas se alguém quiser responder que aquilo que é pensado por uma substância separada e aquilo que é pensado por uma outra não é uno em espécie visto que os intelectos diferem em espécie, essa pessoa enganar-se-á. É que aquilo que se pensa relaciona-se com o pensar e com o intelecto tal

como o objecto se relaciona com o acto e com a potência. Ora, o objecto não toma a espécie nem do acto nem da potência, mas ao contrário; logo, importa simplesmente admitir que o pensado correspondente a uma coisa, por exemplo, a uma pedra, é uno não apenas em todos os homens mas também em todos os seres pensantes.

(105) Falta ainda inquirir o que é em si mesmo aquilo que se pensa. Se dizem, realmente, que o que é pensado é uma única espécie imaterial existente no intelecto, não se dão conta que, de uma certa maneira, passaram para a doutrina de Platão, o qual sustentou que não pode haver ciência das coisas sensíveis, mas que toda a ciência versa sobre uma forma una separada. Com efeito, nada tem a ver

para o caso que alguém diga que a ciência que temos da pedra versa sobre a forma única da pedra separada ou sobre a forma única da pedra que está no intelecto; de facto, em ambos os casos seguir-se-ia que as ciências não versariam sobre as coisas que estão aqui, mas apenas sobre as coisas separadas. Mas como Platão defendeu que essas formas imateriais subsistem por si, podia também, juntamente com

isto, defender que vários intelectos participam no

conhecimento pela forma separada de uma verdade única. Os averroístas, por seu lado, porque defendem que essas

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immateríales - quas dicunt esse intellecta - in intellectu, necesse habent ponere quod sit unus intellectus tantum, non solum omnium hominum, sed etiam simpliciter.

Est ergo dicendum secundum sententiam Aristotilis quod intellectum quod est unum est ipsa natura uel quidítas rei; de rebus enim est scientia naturalis et alle scientie, non de speciebus intellectis. Si enim intellectum esset non ipsa natura lapidis que est in rebus, sed species que est in intellectu, sequeretur quod ego non intelligerem rem que est lapis, sed solum intentionem que est abstracta a lapide. Sed uerum est quod natura lapidis prout est in singularibus, est intellecta in potentia; sed fit intellecta in actu per hoc quod species a rebus sensibilibus, mediantibus sensibus, usque ad fantasiam perueniunt, et per uirtutem intellectus agentis species intelligibiles abstrahuntur, que sunt in intellectu possibili. Hec autem species non se habent ad intellectum possibilem ut intellecta, sed sicut species quibus intellectus intelligit, sicut et specíes que sunt in uisu non sunt ipsa uisa, sed ea quibus uisus uidet: nisi in quantum intellectus reflectitur supra se ipsum, quod ín sensu accidere non potest.

Si autem intelligere esset actio transiens in exteriorem materiam, sicut comburere et mouere, sequeretur quod intelligere esset secundum modum quo natura rerum habet esse in singularíbus, sicut combustio ignis est secundum modum combustibilis. Sed quia intelligere est actio in ipso intelligente manens, ut Aristotiles dicit in IX Methaphisice, sequítur quod intelligere sit secundum modum intelligentis, íd est secundum exigentiam speciei qua intelligens intelligit. Hec autem, cum sit abstracta a principiis indiuidualibus, non

representat rem secundum condiciones indiuiduales, sed secundum naturam uniuersalem tantum. Nichil enim prohíbet, si aliqua duo coniunguntur in re, quin unum eorum

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formas imateriais - que consideram ser pensadas - estão no inteleCto201 , devem necessariamente admitir que só há um intelecto, não só em todos os homens mas em absoluto.

(106) Deve dizer-se, portanto, em conformidade com o ensinamento de Aristóteles, que aquilo que é pensado, que é uno, é a própria natureza ou quididade da coisa; na verdade, a ciência natural e as outras ciências versam sobre as coisas, não sobre as espécies pensadas. De facto, se o que é pensado não fosse a própria natureza da pedra que está nas coisas, mas a espécie que está no intelecto, seguir-se-ia que eu não pensaria a coisa que é a pedra, mas tão-só a intenção que é abstraída da pedra. Mas é verdade que a natureza da pedra, enquanto está nos singulares, é pensada em potência e passa a ser pensada em acto pelo facto de as espécies das coisas sensíveis chegarem, mediante os sentidos, à imaginação e

de as espécies inteligíveis que estão no intelecto possível serem abstraídas pela virtude do intelecto agente. Contudo, para o intelecto possível, estas espécies não são aquilo que ele pensa, mas as espécies pelas quais o intelecto pensa, tal como as espécies que estão na vista não são aquilo que se vê, mas sim aquilo pelo qual a vista vê; a não ser no caso em que o intelecto reflecte sobre si mesmo, o que não pode

209 suceder no caso dos sentidos.

(107) Se pensar fosse uma acção transitiva que passa para uma matéria exterior, como queimar ou mover, seguir-se-ia que o modo de ser do pensar seria o mesmo que o da natureza das coisas singulares, tal como a combustão do fogo acontece segundo a maneira de ser do combustível210. Mas uma vez que o pensar é uma acção imanente a quem pensa, conforme Aristóteles diz no livro IX da MetafísiCa211 @ segue-se que o

pensar tem o modo de ser daquele que pensa, a saber, a exigência da espécie pela qual pensa aquele que pensa. Uma vez que é abstraída dos princípios individuais, essa espécie não representa a coisas nas suas condições individuais mas apenas na sua natureza universal. De facto, se duas coisas se juntarem na realidade, nada impede que uma possa ser

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representari possit etiam in sensu sine altero: unde color mellis uel pomi uidetur a uisu sine elus sapore. Sic igitur intellectus intelligit naturam uniuersalem per abstractionem ab indiuidualibus principiis.

Est ergo unum quod intelligitur et a me et a te, sed alio intelligitur a me et alio a te, id est alia specie intelligibili; et aliud est intelligere meum et aliud tuum; et alius est intellectus meus et aflus tuus. Vride et Aristotiles in Predicamentis dicit aliquam scientiam esse singularem quantum ad subiectum, «ut quedam grammatica in subiecto quidem est anima, de subiecto uero nullo dicitur». Vnde et intellectus meus quando intelligit se intelligere, intelligit quendam singularem actum; quando autem intelligit intelligere simpliciter, intelligit aliquid uniuersale. Non enim singularitas repugnat intelligibilitati, sed materialitas: unde, cum sint aliqua singularia iminaterialia, sicut de substantils separatis supra dictum est, nichil prohibet hulusmodi singularia intelligi.

Ex hoc autem apparet quomodo sit eadem scientia in discipulo et doctore. Est enim cadem quantum ad rem scitam, non tamen quantum ad species intelligibiles quibus uterque intelligit; quantum enim ad hoc, indiuiduatur scientia in me

et in illo. Nec oportet quod scientia que est in discipulo causetur a scientia que est in magistro, sicut calor aque a

calore ignis; sed sicut sanitas que est in materia a sanitate que est in anima medici. Sicut enim in infirmo est principium naturale sanitatis, cui medicus auxilia subministrat ad sanitatem perficiendam, ita in discipulo est principium naturale scientie, scilicet intellectus agens et prima principia per se nota; doctor autem subministrat quedam amminicula, deducendo conclusiones ex principiis per se notis. Vride et medicus nititur eo modo sanare quo natura sanaret, scilicet

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representada nos sentidos sem a outra, o que explica que a

cor do mel ou da maçã seja vista pela visão independentemente do seu sabor. Assim, também, o intelecto pensa a

natureza universal, pela abstracção dos princípios individuais.

(108) É portanto único o que é pensado por mim e por ti, mas é pensado por mim de um modo diferente de ti, a saber, por meio de uma outra espécie inteligível; e o meu pensar é diferente do teu pensar; e o meu intelecto é distinto do teu intelecto. Por isso, Aristóteles diz, nas Categorias, que uma

dada ciência é singular no seu sujeito «corno certa ciência gramatical que está num sujeito que é a alma, embora não seja dita de nenhum sujeito»”’. De onde, quando o meu

intelecto se pensa a pensar pensa um certo acto singular; já quando pensa no pensar puro e simples, pensa algo de universal”’. Não é a singularidade mas sim a materialidade que é incompatível com a inteligibilidade, pelo que, como

há alguns singulares imateriais, como é o caso das substâncias separadas, conforme dissemos atrás, nada impede que se

pense tais singulares.

(109) Por aqui se vê claramente como a ciência num aluno pode ser a mesma da de quem ensina. É a mesma naquilo que se sabe, mas não quanto às espécies inteligíveis pelas quais cada um deles pensa; é de facto aqui que a ciência se individualiza em mim e em ti. Não é preciso que a ciência que existe no aluno seja causada pela ciência que o mestre tem, tal como o calor da água pelo calor do fogo, mas antes como a saúde que está na matéria é causada pela saúde que reside na alma do médico. Assim como no doente se encontra o princípio natural da saúde, ao qual o médico administra os meios auxiliares com vista ao aperfeiçoamento da saúde, assim também no aluno se encontra o princípio natural da ciência, ou seja, o intelecto agente e os primeiros princípios conhecidos por si mesmos; aquele que ensina administra algumas pequenas ajudas deduzindo conclusões dos princípios conhecidos por si mesmos. Por isso, o médico

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calefaciendo et infrigidando; et magister eodem modo inducit ad scientiam quo inueniens per se ipsum scientiam acquireret, procedendo scilicet de notis ad ignota. Et sicut sanitas in infirmo fit non secundum potestatem medici, sed secundum facultatem nature: ita et scientia causatur in discipulo non secundum uirtutem magistri, sed secundum facultatem addiscentis.

Quod autem ulterius obiciunt, quod si remanerent plures substantie intellectuales, destructis corporibus, sequeretur quod essent ociose, sicut Aristotiles in X1 Methaphisice argumentatur quod, si essent substantie separate non mouentes corpus, essent ociose: si bene litteram Aristotilis considerassent, de facili possent dissoluere. Nam Aristotiles, antequam hanc rationem inducat, premittit «Quare et substantias et principia immobilia tot rationabile suscipere; necessarium enim dimittatur fortioribus dicere». Ex quo patet quod ipse probabilitatem quandam sequitur, non necessitatem inducit.

Deinde, cum ociosum sit quod non pertingit ad finem ad quem est, non potest dici etiam probabiliter quod substantie separate essent ociose, si non mouerent corpora; nisi forte dicant quod motiones corporum sint fines substantiarum separatarum: quod est omnino impossibile, cum finis sit potior hiis que sunt ad finem. Vride nec Aristotiles hoc inducit quod essent ociose si non mouerent corpora, sed quod «omnem substantiam impassibilem secundum se optimum sortitam finem esse oportet existimare». Est enim perfectissimum uniuscuiusque rei ut non solum sit in se bonum, sed ut bonitatem in alfis causet. Non erat autem

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esforça-se por curar da maneira em que a natureza curaria, a saber, aquecendo ou arrefecendo’ 14 . Do mesmo modo, o mestre conduz até à ciência de modo a que quem investiga adquira a ciência por si mesmo, ou seja, começando pelo que se conhece até se chegar ao que se desconhece 211 . E tal como no doente a saúde não acontece por causa da potência do médico, mas da capacidade da natureza, assim também a

ciência é causada no aluno não por causa do mérito do mestre mas da capacidade do aprendiz.

(110) Em relação ao que objectam mais ainda - que uma vez os corpos destruídos restariam várias substâncias intelectuais, pelo que elas seriam supérfluas (à maneira da

211 argumentação de Aristóteles no livro X1 da Metafisica @ segundo o qual se houvesse substâncias separadas a não mover o corpo elas estariam a mais) - se eles reparassem bem na letra de Aristóteles facilmente poderiam resolver a

objecção. De facto, antes de avançar com esse argumento Aristóteles havia já referido que «é razoável sustentar que há tantas substâncias quantos princípios imóveis; mas deixamos a outros mais capazes dizer se isto é coisa

117 necessária» . Por aqui se vê que ele se contentou com uma certa possibilidade sem lhe dar nenhuma necessidade.

(111) Além do mais, uma vez que aquilo que não atinge o fim para que foi feito é supérfluo, não se pode dizer, ainda que à guisa de probabilidade, que as substâncias separadas seriam supérfluas se não movessem os corpos; a não ser, talvez, que os averroístas digam que os movimentos dos corpos são os fins das substâncias separadas - o que é completamente impossível, porque o fim é mais importante do que as coisas que o têm como fim. Foi por isso que Aristóteles não defendeu que elas seriam supérfluas no caso de não moverem os corpos, mas sim que «qualquer substância impassível que atingiu por si um bem óptimo deve ser estimada como fim»”’. De facto, a maior perfeição de cada coisa consiste não em ela ser boa em si mesma, mas em causar a bondade nas outras coisas. Não era claro o modo

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manifestum qualiter substantie separate causarent bonitatem in inferioribus, nisi per motum aliquorum corporum; unde ex hoc Aristotiles quandam probabilem rationem assumit, ad ostendendum quod non sunt alique substantie separate nisi que per motus celestium corporum manifestantur: quamuis hoc necessitatem non habeat, ut ipsemet dicit.

Concedimus autem quod anima humana a corpore separata nori habet ultimam perfectionem sue nature, cum sit pars nature humane; nulla enim pars habet omnimodam perfectionem si a toto separetur. Non autem propter hoc frustra est; nori enim est humane anime finis mouere corpus, sed intelligere, in quo est sua felicitas, ut Aristotiles probat in X Ethicorum.

Obiciunt etiam ad sui erroris assertionem, quia si intellectus essent plures plurium hominum, cum intellectus sit incorruptibilis, sequeretur quod essent actu infiniti intellectus secundum positionem Aristotilis, qui posuit mundum eternum et homines semper fuisse. Ad hanc autem oblectionem sic respondet Algazel in sua Methaphisica: dicit enim quod «in quocurrique fuerit imum istorum sine alio», id est quantitas uel multitudo sine ordine, « infinitas non remouebitur ab eo, sicut a motu celi». Et postea subdit «Similiter et animas humanas, que sunt separabiles a

corporibus per mortem, concedimus esse infinitas numero, quamuis habeant esse simul, quoniam nori est inter eas ordinatio naturalis, qua remota desinant esse anime: eo quod nulle earum sunt cause alfis, sed simul sunt sine prius et posterius natura et situ. Non enim intelligitur in eis prius et posterlus secundum naturam nisi secundum tempus creationis sue. In essentás autem earum, secundum quod sunt essentie,

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como as substâncias separadas haveriam de causar a bondade nos seres inferiores, a não ser mediante o movimento de alguns corpos; daí que Aristóteles tivesse assumido um argumento provável para mostrar que não há outras substâncias separadas excepto as que se nos manifestam pelo movimento dos corpos celestes, ainda que, caso que ele mesmo admite, isso não seja necessário.

(112) Nós admitimos que, separada do corpo, a alma humana não tem a última perfeição da sua natureza, dado ser uma parte da natureza humana 219 ; na verdade, nenhuma parte tem a perfeição completa se se separa do todo. Mas não é por isto que ela está a maiS12O ; de facto, o fim da alma humana não é mover o corpo, mas pensar, coisa em que consiste a sua felicidade, conforme Aristóteles prova no livro

221 X da Ética.

(113) Também objectam a favor do seu erro que se

houvesse vários intelectos consoante os vários homens, uma vez que o intelecto era incorruptível seguir-se-ia que deveria haver uma infinidade de intelectos em acto, de acordo com a doutrina de Aristóteles que defendeu que o mundo é eterno e que sempre houve horrienS222. Contra esta objecção, Algazel responde da seguinte maneira, na sua Metafísica: diz que «cada vez que um destes se dá sem o outro», isto é, a quantidade ou o -,nútiplo sem a ordem, «a infinidade não lhe é retirada, tal como ao movimento do céu». E a seguir acrescenta: «Assim, também, relativamente às almas humanas que se separam dos corpos após a morte, admitimos que são infinitas em número, mesmo existindo em simultâneo, dado que não há entre elas uma ordenação de natureza que, uma vez subtraída, faça com que as almas deixem de existir; é que nenhuma delas é a causa das outras mas, ao invés, elas existem ao mesmo tempo sem relação de anterior e de posterior, de natureza e de lugar. Com efeito, não se concebe que nelas o anterior e o posterior seja uma

relação de natureza, mas que o seja apenas quanto ao tempo da sua criação. Nas suas essências, enquanto essências, não

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non est ordinatio ullo modo, sed sunt equales in esse; e

contrario spatiis et corporibus et causa et causato».

Quomodo autem Aristotiles hoc solueret, a nobis sciri non potest, quia illam partem Methaphisice non habemus quam fecit de substantiis separatis. Dicit enim Philosophus in 11 Phisicorum quod de formis «que sunt separate, in materia autem», in quantum sunt separabiles considerare «est opus philosophie prime». Quicquid autem circa hoc dicatur, manifestum est quod ex hoc nullam angustiam Catholici patiuntur, qui ponunt mundum incepisse.

Patet autem falsum esse quod dicunt hoc fuisse principium apud ornnes philosophantes, et Arabes et Peripateticos, quod intellectus non multiplicetur numeraliter, licet apud Latinos non. Algazel enim Latinus non fuit, sed Arabs; Auicenna etiam, qui Arabs fuit, in suo libro De anima sic dicit «Prudentia et stultitia et opinio et alia huiusmodi similia, non sunt nisi in essentia anime. Ergo anima non est una sed est multe numero, et eius species una est».

Et ut Grecos non omittamus, ponenda sunt circa hoc uerba Themistii in Commento. Cum enim quesisset de intellectu agente utrum sit unus aut plures, subiungit soluens «Aut primus quidem filustrans est unus, illustrati autem et illustrantes sunt plures. Sol quidem enim est unus, lumen autem dices modo aliquo partiri ad uisus. Propter hoc enim non solem ín comparatione proposuit, scilicet Aristotiles, sed lumen; Plato autem solem». Ergo patet per uerba Themistii quod nec intellectus agens, de quo Aristotiles loquitur, est unus qui est filustrans, nec etiam possibilis qui est illustratus; sed uerum est quod principium filustrationis est unum, scilicet

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há qualquer relação de ordem, mas são iguais no ser, ao contrário dos espaços e dos corpos, da causa e do causado. »221

(114) Não conhecemos a maneira como Aristóteles poderia resolver isto porque não possuímos aquela parte da Metaflsica dedicada às substâncias separadas. Ele diz, porém, no livro 11 da Física que «é tarefa da filosofia primeira» examinar «na matéria apenas» as formas «que são separadas», na medida em que são separadaS224 . Diga-se porém o que se disser relativamente a este assunto, é evidente que os católicos não se devem afligir com ele, visto defenderem que o mundo teve um princípio.

(115) Mas é manifestamente falso o que eles dizem, a saber, que entre todos os que filosofam, quer Árabes quer Peripatéticos, houve o princípio de que o intelecto não se multiplica em número, ainda que entre os Latinos não seja assim. Algazel não foi, de facto, um latino, mas um árabe. Também Avicena, que era árabe, diz o seguinte no seu livro sobre A Alma: «A prudência, a estultícia, a opinião, e outras similares, pertencem só à essência da alma. Logo, a alma não é numericamente una, mas múltipla, e a sua espécie é que é una. » 221

(116) E a fim de não omitirmos os Gregos, temos de mencionar as seguintes palavras de Temístio no seu Comentário. Ao perguntar, acerca do intelecto agente, se é um ou muitos, responde adiantando: «Ou o primeiro que ilumina é único e os iluminados e os que iluminam são vários. Na realidade, o Sol é único, mas tu dizes que a luz chega de algum modo repartida à vista. Por isso é que ele, quer dizer, Aristóteles, não propôs uma comparação com o Sol, mas com a luz, e só Platão é que comparou com o Sol.»226 É evidente, por conseguinte, a partir das palavras de Temístio, que nem o intelecto agente de que Aristóteles fala é único ao iluminar, nem o intelecto possível, que por sua vez é iluminado; no entanto, é verdade que o princípio da iluminação é ú nico, a saber, uma certa substância separada:

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aliqua substantia separata: uel Deus secundum Catholicos, uel intelligentia ultima secundum Auicennam. Vnitatem autem hulus separati principii probat Themistius per hoc quod docens et addiscens idem intelligit, quod non esset nisi esset idem principium illustrans. Sed uerum est quod postea dicit, quosdam dubitasse de intellectu possibili utrum sit unus. Nec circa hoc plus loquitur, quia non erat intentio eius tangere diuersas opiniones philosophorum, sed exponere sententias Aristotilis, Platonis et Theophrasti; unde in fine concludit «Sed quod quidem dixi pronuntiare quidem de eo quod uidetur philosophis, singularis est studii et sollicitudinis. Quod autem maxíme aliquis utique ex uerbis que collegimus accipiat de hils sententiam Aristotilis et Theophrasti, magis autem et ipsius Platonis, hoc promptum est propalare».

Ergo patet quod Aristotiles et Theophrastus et Themistius et ipse Plato non habuerunt pro principio, quod intellectus possibilis sit unus in omnibus. Patet etiam quod Auerroys peruerse refert sententiam Themistii et Theophrasti de intellectu possibili et agente; unde merito supra diximus eum

philosophie peripatetice peruersorem. Vnde mirum est quomodo aliqui, solum commentum Auerroys uidentes, pronuntiare presumunt, quod ipse dicit hoc sensisse orrines philosophos Grecos et Arabes, preter Latinos.

Est etiam maiori ammiratione uel etiam indignatione dignum, quod aliquis Chrístianum se profitens tam irreucrenter de christiana fide loqui presumpserit: sicut cum dicit quod «Latim pro princípiis hoc non recipiunt», scilicet quod sit unus intellectus tantum, «quia forte lex eorum est in contrarium». Vbi duo sunt mala: primo, quia dubitat an hoc sit contra fidem; secundo, quia alienum se innuit esse ab hac lege. Et quod postmodum dicit «Hec est ratio per quam

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ou Deus, segundo os católicos, ou a última Inteligência, segundo Avicena. Temístio prova a unidade deste princípio separado pelo facto de quem ensina e quem aprende pensarem a mesma coisa, o que só sucederia se o princípio iluminador fosse o mesmo. Mas é verdade o que diz logo a seguir, que alguns duvidaram se o intelecto possível era único. Todavia não diz mais nada acerca disso, porque não tinha a intenção de abordar as diversas opiniões dos filósofos, mas de expor as doutrinas de Aristóteles, de Platão e de Teofrasto. Por esta razão conclui, no fim: «Ora, o que eu disse, pronunciando-

-me em relação ao parecer dos filósofos, requer particular estudo e atenção. Mas tomar das palavras que coligimos uma perspectiva da doutrina de Aristóteles e de Teofrasto, e mais ainda do próprio Platão, é o que prontamente se pode fazer. »227

(117) É portanto evidente que nem Aristóteles, nem Teofrasto, nem Temístio, nem o próprio Platão, tiveram por princípio q@e o intelecto possível é único para todos os homens. E também evidente que Averróis refere perversamente a doutrina de Temístio e de Teofrasto acerca do intelecto possível e do intelecto agente; foi merecidamente, portanto, que lhe chamámos acima o corruptor da filosofia peripatética@21. É espantoso, por isso, como alguns, que viram tão-somente o comentário de Averróis, presumem poder pronunciar-se no sentido de que aquilo que ele diz todos os filósofos Gregos e Árabes, com excepção dos Latinos, defenderam.

(118) Causa ainda maior admiração ou é mesmo motivo de indignação, o facto de alguém que se diz cristão falar de forma tão irreverente acerca da fé cristã, dizendo, por exemplo, que «os Latinos não têm isso como princípio», a

saber, que há apenas um intelecto «talvez porque contraria a sua religião». Há nisto dois males: o primeiro, porque esse alguém duvida se é matéria que vai contra a fé; o segundo, porque apresenta-se como sendo alheio a esta religião. Quer o que diz a seguir - «é este o argumento com o qual os

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Catholici uidentur habere suam positionem», ubi sententiam fidei positionem nominat. Nec minoris presumptionis est quod postmodum asserere audet, Deum non posse facere quod sint multi intellectus, quia implicat contradictionem.

Adhuc autem grauius est quod postmodum dicit «Per rationem concludo de necessitate quod intellectus est unus numero, firmiter tamen teneo oppositum per fidem». Ergo sentít quod fides sit de aliquibus quorum contraria de necessitate concludi possunt; cum autem de necessitate concludi non possit nisí uerum necessarium, cuius oppositum est faIsum impossibile, sequitur secundum eius dictum quod fides sit de falso impossibili, quod etiam Deus facere non

potest: quod fidelium aures ferre non possunt.

Non caret etiam magna temeritate, quod de hiis que ad philosophiam non pertinent, sed sunt pure fídei, disputare presumit, sicut quod anima patiatur ab igne inferni, et dicere sententias doctorum de hoc esse reprobandas; pari enim ratione posset disputare de Trinitate, de Incarnatione et ahis huiusmodi, de quibus nonnisi cecutiens loqueretur.

Hec igitur sunt que in destructionem predicti erroris conscripsimus, non per documenta fidei, sed per ipsorum philosophorum rationes et dicta. Si quis autem gloriabundus de falsi nominis scientia uelit contra hec que scripsimus aliquid dicere, non loquatur in angulis nec coram pueris qui nesciunt de tam arduis iudicare, sed contra hoc scriptum rescribat, si audet; et inueniet non solum me, qui aliorum sum minimus, sed multos alios ueritatis zelatores, per quos eius errori resistetur, uel ignorantie consuletur.

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católicos parecem fundar a sua posição» - onde chama ,posição’ à doutrina da fé -, quer o que pouco depois ousa afirmar - Deus não pode fazer com que existam muitos intelectos porque uma tal coisa implicaria contradição não é menor presunção.”’

(119) Mas ainda mais grave é o que ele diz logo a seguir: «Pela razão, concluo necessariamente que o intelecto é um em número, todavia, pela fé, sustento convictamente o

contrário». Deste modo pensa que a fé diz respeito às afirmações acerca das quais se pode concluir o contrário necessariamente; uma vez que só se pode concluir o

verdadeiro necessário cujo oposto é o falso impossível, segue-se, de acordo com a afirmação dele, que a fé é relativa ao falso impossível, que também Deus não pode fazer - o que os ouvidos dos fiéis não podem permitir.110

Não é também sem grande temeridade que ele presume disputar sobre aquilo que não diz respeito à filosofia, mas é da esfera da pura fé, por exempo, que a alma padece pelo fogo do inferno, ou dizer que são passíveis de condenação as afirmações dos doutores relativas a este ponto”’ ; de facto, com um argumento igual poderia disputar sobre a Trindade, a Incamação e temas afins em relação aos quais só falaríamos obscuramente.

(120) Eis, em suma, o que redigimos para destruir os erros

referidos, não servindo-nos dos dogmas da fé, mas dos argumentos e das afirmações dos próprios filósofos. Se, alguém, gloriando-se do falso nome da ciência, quiser dizer alguma coisa contra o que acabámos de escrever, que não fale pelos cantos nem à frente dos rapazes que não sabem julgar assuntos tão árduos, mas em vez disso escreva, respondendo a esta obra, se tiver coragern212 . Não me

encontrará apenas a mim, que sou o mais pequeno de todos, mas a muitos mais zeladores da verdade, com os quais se

resiste ao seu erro ou se tomam medidas em relação à sua ignorância.

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NOTAS

‘Cf. ARISTóTELES - Metafísica 1, 1, 980 a 22 ‘Segundo a lição do autor, portanto, Averróis defende (i) que o intelecto possível de Aristóteles (’material’, na terminologia deAverróis) não só é substari-ci al mente distinto secundum esse do corpo como (ii) não pode unir-se-lhe como uma forma se une à matéria; Averróis também defende que só há um intelecto possível para toda a humanidade. Lembremos que a expressão ‘intelecto possível’ (nous patetikós em grego) não é de Aristóteles, mas é uma designação com a qual a

escola peripatética se referia justamente a uma indicação do De Anima (= A Alma) de Aristóteles (111, 5, 430a 14-15) sobre o «intelecto capaz de se tornar todas as coisas», nous tó pálita gínesthai; cf. CARVALHO, M. S. de - «A Polémica Monopsiquista de 1270: T. de Aquino e S. de Brabante» Revista da Universidade de Coimbra 37 (1992) 167-87. A expressão poderá ter sido vulgarizada por DANTE - Purgatório XXV, 65 (vd. a nossa «Apresentação» supra).O intelecto possível será assim a faculdade da alma que lhe permite receber as

representações das coisas no e pelo conhecimento; segundo doutrina de Aristóteles, antes de conhecer, o intelecto está em potência ou tem a capacidade para receber (daí a designação de ‘possível’) as representações das coisas cognoscíveis, pelo que este problema é também uma das dimensões da temática estagirita do acto e da potência. Por outras palavras: diz-se que um ser é capaz de receber uma perfeição quando está em potência (dynamis) para ela, e que depois de a ter recebido se actualiza (energeia, entelequeia); ora, tal como se diz que a matéria está em potência para receber as formas que a actualizam, assim se pode dizer que o intelecto ou entendimento tem a faculdade de receber (intelecto possível) as representações inteligíveis, actualizando-se depois (intelecto agente). Sobre esta matéria, vd. ROSS, D. - Aristóteles (Lisboa 1987) 154-160; ALLAN, D. J. - A Filosofia de Aristóteles (Lisboa 1983) 61-76. Quanto à designação intelecto ‘material’ (hylikos), muito menos será ela aristotélica; provindo dos comentadores gregos, mormente de Alexandre de Afrodísia, ela, não deixa, no entanto, de se enraízar na letra de Aristóteles quando este (A Alma 111, 5, 430 a 10-15) compara a capacidade do intelecto para ser

actualizado pelas formas inteligíveis com a capacidade da matéria em relação ao princípio activo das formas substanciais e acidentais. A designação ‘intelecto material’ é, por conseguinte, uma invenção lexical de inteira propriedade analógica. ‘Tomás de Aquino tratou da unidade do intelecto possível, nos seguintes lugares: Comentário às Sentenças (1, d. 8, q. 5, a. 2 ad 6um e II, d. 17, q. 2, a. 1); Suma Contra os Gentios 11, 59, 73, 75; Questão sobreA Alma, a. 3; Suma de Teologia,1, q, 75, a. 2; As criaturas espirituais a. 9; Comentário a A Alma 111, e. 1 (seguir-se-á o Conipêndio de Teologia c. 85). Para a unidade do intelecto agente, vd. infra nota 176; cf. LIBERA, A. de - Contre Averroès (Paris 1997) 201. Estamos, em 1270, lembremos, e o primeiro pronunciamento, no Comentário às Sentenças, data já dos anos 50. Sobre a obra (vd. o nosso «Quadro Cronológico»

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adiante) de Tomás, cf. CHENU, M.-D. - Introduction à l'étude de saint Thomas d'Aquin

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(Montréa1 Paris 1974); TORRELL, J.-P - Initiation à saint Thomas dAquin (Fribourg 1993). ‘Eis a razão teológica pela qual o erro de Averróis deve ser refutado: a haver um único intelecto para todos os homens (=teoria do monopsiquismo) suprimir-se-ia a possibilidade do juízo final individualizado. Por outras palavras: o monopsiquismo é incompatível com a ética e a moral cristãs, impossibilitando por isso a sociedade civil (cf. infra § 87). De notar, que esta ligação não é específica de Tomás de Aquino, mas encontra-se em outros textos: ANóNIMO (de Van Steenberghen) - Quaestiones De Anima III, q. 7; ANóNIMO (de Bazán) - Quaestiones De Anima 111, q. 21. Finalmente, como se lê logo no início do §, esta razão teológica não será privilegiada neste opúsculo que se quer obra de filosofia estrita. Como se disse na «Apresentação», São Boaventura refutará, logo em 1267, o erro filosófico da unidade do intelecto dadas as suas implicações teológicas -

«sustentar que há um único intelecto para todos os homens equivale a dizer que não há nem verdade de fé, nem salvação para as almas, nem observância dos mandamentos e que o pior dos homens salvar-se-á e o melhor será condenado»-; em 1273, ou seja, três anos depois do presente opúsculo de Tomás de Aquino ter sido escrito, o mesmo erro será claramente atribuído a Aristóteles, embora «na interpretação de Averróis». Como se vê estamos, então, perante duas estratégias diferentes, a de um teólogo (Boaventura) e a de um filósofo (Tomás). Lembremos, em todo o caso, que também em 1270, Santo Alberto Magno, questionado por Egídio de Lessines sobre quinze problemas vários, dirá, em relação ao primeiro deles - «só há um único intelecto numericamente idêntico para todos os hornens» - o seguinte (in De quindecim problematibus 1): «Não é falso apenas para os teólogos, mas é-o também para a filosofia; a causa do dito erro está na ignorância dos filósofos, pois muitos mestres parisienses dedicam-se mais aos sofismas do que à filosofia». ‘De notar a afirmação de toda a estratégia deste capítulo. Trata-se de, em perspectiva exclusivamente filosófica e não teológica, ou melhor ainda, hermenêutica, desconstruir pormenorizadamente o texto de Aristóteles com o intuito de fazer ver que o próprio fundador da escola peri patética j amai s defendeu aquilo que Averróis e seus discípulos pretendem aí ter lido. Veja-se um exemplo deste método filosófico-exegético já no parágrafo seguinte (ou também no § 18, mas também in Suma Contra os Gentios 11, 61), onde São Tomás explica o sentido de uma secção do texto do De Anima (414 b 4-5) com uma afirmação seguinte, i. e., pelo contexto imediato (414 b 9-11). Estes ‘averroístas’ não só desprezam as teses filosóficas dos latinos como, no fim de contas, - segundo São Tomás- são péssimos leitores ou intérpretes.6Cf. ARISTóTELES - A Alma 11, 1, 412 b 5; em rigor, há duas definições anteriores: 11, 1, 412 a 19-20 e 11, 1, 412 a 27-28. A palavra ‘acto’ traduz o grego entelecheia, que as chamadas Translatio Vetus , Translatio Nova e a Arabico-latina se limitavam a transliterar, endelichia ou endelechia, e que a primeira explicava assim: id est perfectio vel actus (isto é, acto perfeito ou realizado). (Para uma informação sobre o problema complexíssimo das traduções latinas da Metafisica, vd. Metaphysica I-XIV (Aristoteles Latinus XXV 3. 1.) Recensio et Translatio Guillelmi de Moerbeka, edidit C. Vuillemiri-Dicm.

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Praefatio: Wilhelm von Moerbckes Obersetzung der aristotelischen Metaphysik (Leiden Küln 1995); para mera informação sobre datas e tradutores, vd. CARVALHO, M. S. de -

Roteiro Temático-Bibliográfico de Filosofia Medieval (Lisboa 1997) 60; para

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informações genéricas e mais vastas, vd. DOD, B. G. «Aristoteles Latinus», in The Cambridge History of Later medieval Philosophy, ed. N. Kretzmann et ai. (Cambridge 1982) 45-79). ‘A interpretação ocorria, v. g., em Averróis (In De Anima 11, corrim 7, mas também ibid. comm. 30 e 111, comm. 5), que, baseando-se na condicional, explicava ser

impossível uma definição universal sobre a alma e que era, por isso, de uma maneira puramente equívoca que Aristóteles falava de ‘perfeição'a propósito de todas as faculdades da alma (vegetativa, sensitiva, intelectiva). ‘No original secundum rationem; em grego, katà tàn lógon. Já de seguida, aliás, o autor utiliza a expressão ‘forma substantialis’, como explicação - tudo isto conforme à metafísica aristotélica que associa a forma de uma coisa à sua definibilidade, i.c., a forma ao logosIratio. ‘Esta conclusão é importante: São Tomás sustenta a universalidade da definição aplicável a todas as faculdades da alma, a alma toda (omni anime), à alma no seu todo, quer na sua dimensão natural (fisici, no original) quer ‘organizada’ (há um organismo sensitivo como há um ‘organismo’ intelectivo). `A exclusão da alma intelectiva da definição de Aristóteles, não era só uma tese de Averróis, o contemporâneo de São Tomás, SIGÉRIO DE BRABANTE, apoiando-se em Temístío, também segue Averróis (cf., de Sigério, o De Anima Intellectiva III, maxime in fine; de notar que esta obra de Sigério é posterior ao De Unitate de Tomás de Aquino). “Cf. ARISTóTELES - A Alma 11, 1, 413 a 4-7. Eis o sentido provável desta colação aristotélica, na mente do seu intérprete São Tomás (cf. infra § 27): a alma é divisível em faculdades (partes) e algumas delas não são separáveis do corpo; nada impede, porém, que a parte intelectiva da alma, mesmo constituindo a alma individual, possa de certo modo separar-se do corpo, pois na realidade não o actualiza, embora seja parte integrante de uma alma que actualiza o corpo. `Cf. infra §§ 27 e 28.

`Cf. ARISTOTELES - A Alma 11, 1, 412 b 17-25. A distinção mais importante deste § é esta: «ser acto de um corpo para a alma» e «ser acto de um corpo para uma parte da alma»; assim, (i) a alma é acto de um corpo porque algumas das suas partes actualizam o corpo - pensemos por analogia, corno Aristõteles: se a vista fosse um animal o acto de ver seria a sua alma, também a sensação pertence por inteiro ao corpo vivo na sua totalidade - e (ii) - que é aliás a contribuição interpretativa mais específica de São Tomás - se se pode falar de cada parte da alma, da sua natureza própria, sem levarmos em linha de conta a alma no seu todo, então não é necessário atribuir a cada uma das partes o que é específico de todas as outras; isto quer dizer que uma parte da alma, a parte intelectiva, é separável. Há, por conseguinte. uma dissimetria ontológica nítida com suporte gnosiológico (o intelecto abstrai da matéria ao conhecer, embora sempre a partir da matéria). O que importa reter, em síntese, é que esta ‘separabilidade’ nada tem que ver corri a separabilidade averroísta, posto que, se para os averroístas, como já dissemos (cf. nota 2), o intelecto não é forma da matéria, para São Tomás ele sê-lo-á indirectamente ou por intermédio da alma, da qual faz parte. Por palavras ainda mais simples (cf. infra § 27 e 28): o intelecto é separável porque não é corpóreo, mas é uma faculdade da alma que é acto de um corpo, de onde, o intelecto não ser acto de nenhum corpo.

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“Trata-se antes do bispo sírio dos sécs. IV-V, NEMÉSIO DE EMESA - De natura hominis 111, e não de São Gregório de Nissa; quanto à alusão a Plotino, vd. MACRóBIO - In Soninum Scipionis 11, 12 (vd. infra § 74); em ambos os casos, São Tomás está de certeza a citar indirectamente j à que nem Platão parece ser o

pai da imagem em causa (timoneiro/navio) nem ela se encontra nos dois autores referidos. (A Natureza do Homem de Nemésio deve ter sido o primeiro tratado de antropologia cristã, primeiro traduzida no séc. XI, e depois no XII por Burgúndio de Pisa.)11Cf. ARISTóTELES - A Alma 11, 1, 413 a 7-8. A designação de ‘Filósofo’ para Aristóteles deve derivarjá dos comentadores gregos como Temístio ou Filópono. João de Salisbúria, no séc. XII, diz tê-lo encontrado em Burgúridio de Pisa (vd. CARVALHO, M. S. de - «A Idade Média filosófica terá sido aristotélica?» Humanitas 50 (1998) 491).1(1Cf. ARISTóTELES -A Alma 11, 1, 413 a 9~ 10.

`Em síntese: a dúvida que se levanta, a propósito de 413a 7-8, e relegada a sua origem a Platão, ao permitir equacionar a relação da alma como um motor (vd. também infra § 66), seria um argumento mais para a causa averroísta (que de facto Averróis usou) permitindo a sua separação; a interpretação de Tomás vai, é claro, no sentido de que a alma é forma do corpo e não seu motor, como um timoneiro é ‘motor’ de um navio. É preciso, por isso, insistir, com 413a 9-10, isto é, Aristóteles fala da suposta tese platónica em sentido metafórico ou figurado (figuraliter). “Cf. ARISTOTELES - A Alma 11, 2, 413a 11 - 12. Para a questão do método na

abordagem dos problemas, cf. infra nota 21. ‘9Cf. ARISTóTELES - A Alma 11, 2, 413a 20-25.20Cf. ARISTóTELES - A Alma II, 2,413b 10- 13.

Em suma: este parágrafo insiste no facto de que todas as operações vitais sensação, movimento local, repouso, nutrição, crescimento, intelecção (no original: sensus, Inotus et status secundum locuin, motus nutrimenti et augmenti, intellectus) - dizem respeito à alma, como seu princípio. Esta pesquisa, do que A. de LIBERA chamou «os fundamentos biológicos da noética» (Contre Averroès,210), segue também um princípio de método estagirita, bastante conhecido en-

tre os latinos: começar pelo que é mais evidente para nós, os efeitos, até ao que menos conhecemos, a causa (cf. ARISTóTELES - Segundos Analíticos 171 a 1; h 33 sg.; 72b 26; BOÉCIO - lu Isag. Porph. 1; ALBERTO MAGNO - In Physicam1, tr. 1, c. 1).

21Cf. PLATÃO - República IV, 436 a sg. (trad. M’ H. da R. Pereira: «Mas já é difícil saber se executamos cada acção por efeito do mesmo elemento, visto que são três. Compreendemos graças a um; irritamo-nos, por outro dos que temos em nós: desejamos, por um terceiro ( ... ); ou então praticamos cada uma destas

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acções com a alma inteira.»); ID. - Timeu 69c. Importa porém remeter a origem da afirmação que São Tomás faz mais para a tradição medieval sobre as partes da alma do que para o próprio Platão, cuja lição está longe de ser tão clara assim (vd. MACRóBIO - In Soinn. Scip. VL AVERRóIS - In De Anima 1, comm. 7; TOMÁS de AQUINO - Suma de Teologia 1, q. 76, a. 3; ID. - Suma Contra os Gentios 11, 58: DANTE - Purgatório IV, 1-6).

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13 Cf. ARISTÓTELES - A Alma 11, 2,413b 13-15; cf. infra § 47.14Cf. ARISTóTELES - A Alma 11, 2,413b 15-16. “Cf. ARISTóTELES - A Alma II, 2,413b 24-25. Cf. TOMÁS de AQUINO -

Comentário a A Alma 11, 4, que explica que perspectiua potentia é sinónimo de speculatiua. “Como se viu, São Tomás explica a passagem de 413b 24-25 (vd. nota anterior) com 413b 15-16 (vd. nota 24). Porque o faz? Apenas porque - diz - com má intenção e erradamente (é este o duplo sentido do latim peruerse, que traduzimos por'de maneira ruim’, mas vd. infra nota228) Averróis e seus sequazes (sectatores ipsius) interpretavam a passagem de Aristóteles como não dizendo respeito à alma intelectiva; continuava-se, assim, a afirmar que a definição geral anteriormente dada não cobria a alma intelectiva, que estava, portanto, fora dos interesses contextuais do Estagirita, É claro que agora, neste §, a ocasião da resposta é exigida pela referência inicial atribuída pela tradição latina a Platão, que AristótcIes assumira em AAlma 1, 5,411 a 26-41 1b5. Já a seguir, no próximo §, São Tomás irá tentar mostrar que Averróis segue Platão ao ver nas partes da alma almas distintas pelo lugar e órgão, enquanto que o verdadeira tese de Aristóteles ia antes num sentido diferente: a separabilidade é tanto do intelecto (embora aqui com a especificidade da sua incorruptibilidade) quanto das outras partes ou faculdades da alma humana. “Cf. ARISTóTELES - A Alma 11, 2,413b 25-26. `Entre os ‘sequazes’ (sectatores) de Averróis que expressamente assim explicavam a afirmação estaria, v. g,, o ANóNIMO dito de Giele - Quaestiones De Anima II, q, 4, arg. 3 (de notar, ern todo o caso, que deve tratar-se de um texto posterior ao presente opúsculo de Tomás). Vd. supra nota 26, para a tradução. “Cf. ARISTóTELES - A Alma II, 2,413b 26-27. `1 O momento importante deste § é, evidentemente, a citação de A Alma (vd. nota 27) e o seu sentido é o seguinte: se para Averróis (vd. In De Anima 11, comm. 21) o intelecto só pode ser considerado ‘alma’ numa acepção metafórica e nunca no sentido genérico de «perfeição da alma de um corpo natural organizado» (vd. A Alma 11, 1, 412b 5) - , o que faz com que ele se separe do corpo, e seja a única parte a não sofrer a corrupção e a ser eterna -, de acordo com SãoTomás, que mais uma vez interpreta aafirmação a partirda frase seguinte (vd. nota 29), a citação de Aristóteles tem um sentido diferente: o intelecto é uma parte incorruptível da alma, o que faz com que o devamos distinguir das restantes partes que não são incorruptíveis ou eternas; tratar-se-ia de um outro1gênero’ de alma (genus alteruni anime esse). Aproximamo-nos assim da característica do intelecto, da sua propriedade ou especificidade, de acordo com o nosso autor, é claro: é um gênero de alma separável (das outras partes ou

faculdades da alma) porque incorruptível e não é incorruptível porque existe separado do corpo (como queriam os averroístas). Finalmente, conforme se vê, a estratégia de São Tomás não consiste só em interpretar uma frase do Estagirita à luz da seguinte, mas em acusar os averroístas de não respeitarem um princípio elementar da lógica: eles não se parecem dar conta que não se pode afirmar que duas substâncias ontologicamente distintas - uma incorruptível as outras corruptíveis - são contraditórias (non convenire posse), ou, como optámos por traduzir, ‘não são compatíveis’ e ‘não se acham em’.

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“Cf. ARISTóTELES - A Alma 11, 2,413b 27-29.

12Cf. ARISTÓTELES - A Alma 11, 2,413b 29-30. O autor refere-se às faculdades sensitiva e opinativa; esta distingue-se daquela pelo facto de ter como objecto não o singular (o sensível) mas de poder formular juizos verdadeiros ou falsos acerca do que é geral.13Cf. supra § 7.11 São Tomás acaba de insistir que, segundo o próprio Aristóteles, é apenas conceptualmente ou logicamente (ratione tantum) que dizemos que as partes ou faculdades vegetativa e sensitiva são separáveis do corpo, pois, no seu entendimento, elas encontram-se disseminadas pelo organismo vivo. E patente que Aristóteles estaria, desta maneira, a opor-se a Platão (vd. supra nota 22).11Cf. ARISTóTELES -A Alma 11, 2, 414a 5-9.111 Como se pode entender a afirmação central do §, e que pretende ser evidente, «aquilo que opera alguma coisa em sentido primordial é a forma do operador», e que o autor aplica ao corpo e à saúde (a esta em sentido primordial), à alma e à ciência (a esta em sentido primordial)? Uma raíz da explicação poderia estar na distinção aristotélica e anterioridade forma(l)/materia(l) e activo/passivo, mas esta resposta não esclarece suficientemente o princípio que o autor alega como sendo evidente (manifestum, patet) e que não é aqui justificado, mas tão-só exemplificado.17Cf. ARISTóTELES - A Alma 11, 2,414a 12-14. Como atrás não sejustificou o princípio a que se recorreu, também agora não poderemos decidir definitivamente se a sua aplicação neste § colhe; note-se, em qualquer caso, que nos §§ 10 e 11 estamos perante exemplos substantivamente distintos: a ciência e a saúde não se equiparam às moções básicas elencadas neste §: sentir, crescer, mover-se, pensar ou conceber. Traduzimos «primum» por «em sentido primordial», conformemente a Aristóteles (enteléquia primeira), mas no § imediatamente anterior traduzimos também por «primeiro», embora o sentido seja o mesmo.

“Cf. ARISTóTELES - A Alma 11, 2,414a 12-14. ‘ICf. supra § 3, § 4 e nota 6.

4'Esta é, pois, a conclusão a que São Tomás, desde o princípio desta obra, quer fazer Aristóteles chegar, mediante uma exegese minuciosa e apertada: a definição geral da alma aplica-se à totalidade das faculdades, a intelectiva inclusive. Como dissemos na nota 37 e haveremos ainda de voltar (na nota 44), não poderemos pronunciar-nos definitivamente sobre a pertinência da conclusão, designadamente contra Averróis, porquanto entre o filósofo de Córdova e São Tomás há dois universos lexicais distintos: assim, em vez de intelligimus (que traduzimos por1pensamos’) a versão arábico-latina dá distinguimus, termo que em Averróis é específico da acção da faculdade cogitativa individual que, pelo facto da individualidade, e consequente ligação ao corpo, em nada se assemelha à dimensão universal do intelecto (cf. AVERRóIS - In De Anima III, comm. 6). “Cf. ARISTóTELES - A Alma 111, 4,429a 23.4'Cf. ARISTóTELES - A Alma 11, 3, 414a 31-32. ‘ICf. ARISTóTELES - A Alma 11, 3,414b 18-19. O sentido da afirmação, no seu contexto, é o seguinte: Entre os.animais alguns têm tacto e também a faculdade

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apetitiva. Quanto à imaginação, não é claro se todos os animais a têm... Mas noutros, como é o caso dos homens, além destas faculdades, existe a faculdade intelectiva (dianoetikonlintellectivum) e o entendimento.

“Esta conclusão, que o autor atribui ao próprio Aristóteles, opõe-se directamente a Averróis, e São Tomás fá-la, neste §, antes de passar à exegese do livro 111 sobre A Alma, fundado em três pontos prévios até agora devidamente estabelecidos, e que este § resume: (1) a definição geral da alma inclui as

distinções entre as faculdades (vd. supra nota 37); (2) a faculdade intelectiva é uma dessas faculdades (vd. supra notas 37 e 42) e também o é (3) o intelecto (vd. supra nota 43). Não é possível dizer quem está mais próximo de Aristóteles, se Averróis se o nosso autor, pela razão de que nem o Estagirita nem a complexa recepção do seu texto nos ajudam a perceber se (e como) dianoetikon (ou também noetikon) e nous, intellectivum e intellectus, ou seja, faculdade cogitativa (razão) e intelecto, se distinguem de facto. Diga-se em abono da verdade, que a versão arábico-latina promovia a distinção entre duas entidades, a faculdade cogitativa (distinguens, em latim ou virtus distinctiva) e o intelecto (vd. supra nota 40). Porém, e agora pelo lado de São Tomás, poder-se-ia argumentar dizendo que parece não ser relevante, em Aristóteles (414b 18-19), a distinçã o entre faculdade dianoética e faculdade noéticã.

41 Cf. ARISTóTELES - A Alma 11, 3, 414b 19-22. Justificando o § anterior (vd. nota 43), agora tenta-se sustentar o carácter geral da definição mediante a comparação com as figuras geométricas: as relações que se podem estabelecer entre os diversos tipos de almas são relações de subordinação, tal como as relações entre os diversos tipos de figuras, posto que o triângulo é a primeira figura geométrica plana de uma série crescente fora da qual nenhuma figura é possível; é exaustiva, portanto, na enumeração dos vários tipos de alma, todas caem debaixo da definição comum ou geral, pelo que assim também se explica a razão pela qual Aristóteles parece quase não aludir mais ao intelecto no livro 11.46Cf. ARISTóTELES - A Alma 11, 3,415a 7; cf. também ALBERTO, MAGNO -

De Anima 11, 1, 11, para o comentário de Tomás logo a seguir à citação de Aristóteles, que é aqui feita a partir da Translatio nova, «ratiocinatio et intellectum» (animus et mens serão porém as expressões das outras versões).47Cf. ARISTóTELES - A Alma 11, 3,415 a 11 - 12. Com este § encerra-se a análise do livro 11 do De Anima.

41 Cf. AVERRóIS - In De Anima 11, comm. 32. Poderá dizer-se, de acordo com Tomás de Aquino, que «intelecto especulativo» designa, nos averroístas, o

conhecimento individual decorrente das imagens também individuais e que, por esse facto, perecerá também com a destruição do corpo.49 Cf. ARISTóTELES - A Alma 111, 4, 429 a 10- 11. Primeira ocorrência do intelecto no livro III.

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`Alusão (ainda) não identificada. Gostaríamos de reparar, em qualquer caso, que SIGÉRIO de BRABANTE, iniciando o seu In IIIDeAnima, sob esta precisa citação de A Alma (429 a 10- 11), dedicará toda a quarta parte do seu trabalho ao estudo da diferença entre o intelecto possível e o intelecto agente. Ajustificação que Tomás apresenta logo de seguida, relativa à distinção entre os dois intelectos, lembra, contra Averróis, a legitimidade em falar do intelecto como uma parte da alma, ligando assim os livros 11 e III, tal como se confessa logo no início do § seguinte.171

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“Cf. ARISTóTELES- A Alma 11, 4, 413b 24-25; vd. supra nota 25.

12 Cf. supra § 7. O § 15 retoma a primeira questão deixada em aberto no livro 11- o intelecto está separado das outras partes da alma segundo o local ou logicamente (= conceptualmente)? - o § 16 tratará da segunda questão - a

relativa à diferença entre o intelecto e as outras partes da alma (cf. supra § 14) -,

pelo que se inicia agora a leitura anti-averroísta do livro III. Quanto ao primeiro ponto, o autor identifica aqui a distinção local (413 h 24-25) com a da grandeza (magnitudo) de A Alma 111, 4, 429 a 10- 11.

11Cf. supra § 14, vd. nota 52.54Cf. ARISTóTELES - A Alma 111, 4,429 a 12-13. ` Cf. ARISTóTELES - A Alma 111, 4,429 a 13. O ponto principal nesta refutação de Averró is é, por conseguinte, o de passar o tema aristotélico da diferença (diaphoras, vd. nota anterior) para o problema do funcionamento do intelecto (o seu modo de operar) enquanto parte da alma e não, à maneira averroísta, para uma separação do intelecto em relação ao corpo.16 Cf. ARISTóTELES - A Alma 11, 5, 417 h 18 e 11, 12, 424 a 28-31, respectivamente.17Cf, ARISTóTELES -A Alma 111, 4,429 a 13-15. Uma vez lembrada a analogia intelecto/sentído a partir do livro 11 (vd. nota anterior), é preciso perguntar se

pensar consiste (i) em padecer ou sofrer a influência dos inteligíveis de tal maneira que um excesso de inteligíveis poderia destruir o sentido ou (ii) num processo parecido com a sensação mas também diferente dela, v. g,, por não ser passível.O § seguinte esclarece o problema.11Cf. ARISTóTELES - A Alma 111. 4,429 a 15-18. Relativamente ao princípio de metodologia hermenêutica referido logo no início do §, vd. supra nota 5. Destaque-se a resposta que agora se dá relativamente à alternativa do § imediatamente anterior: (i) o intelecto difere do sentido porque é impassível (na medida em que não se corrompe) e passível (embora numa paixão também diferente da dos sentidos); (ii) o intelecto é porém parecido corri o sentido porque, como este, também está em potência para as formas (inteligíveis, no seu caso). Como explicar esta conjugação de impassibilidade e de passibilidade ou receptividade e potência? Vd. §§ 19, 20 e ainda 25 que pretende retomar este § is.

5'Para a doutrina de Empédoeles, cf. Cf. ARISTóTELES - A Alma 1, 2, 404 h11 - 15; KlRK, G. S. & RAVEN, J. E. - Osfilósofos pré-socráticos (Lisboa 1979)331-373; SANTOS, J. T. dos - Antes de Sócrates (Lisboa 1985) 155-170, mais em geral. Justifica-se a crítica à doutrina de Empédocles - o que conhece é da natureza daquilo que é conhecido (vd. também § 20) - porque (vd. nota seguinte),

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segundo Aristóteles, o sentido (e o intelecto também, segundo o fim do §) só está em potência e não em acto para o seu objecto. “”Cf. ARISTóTELES - A A lma 11, 5, 417 a 2-9.6’Cf. ARISTóTELES -A Alma 11, 6, 418 a 12-13.

6'Cf. ARISTóTELES -A Alma 1, 2,404 b 11- 15 e 405 b 10- 17. Vd. supra nota59.

@3 Cf. ARISTóTELES - A Alma 111, 4,429 a 18. Vd. § 21.172

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@4 Cf. ARISTóTELES - A Alma 111, 4, 429 a 20. O texto latino da Translatio nova que Tomás de Aquino usa aqui - «Intus apparens enim prohibebit extrancum et obstruet» -, designadamente quanto à expressão sublinhada, parece derivar de uma má leitura de uma nota marginal de Guilherme de Moerbeke (cf. Prefácio à edição leonina § 38a, 280-81; LIBERA, A. de - Contre Averroès 230, ri. 100). Uma outra dificuldade literária ou textual deste § 21, diz respeito ao

testemunho de Anaxágoras acerca do «Intelecto que move (imperet) todas as

coisas» que São Tomás transmite - testemunho aliás atípico no séc. XIII (cf. ibidem 229, ri. 97) - pelo facto de que interpreta ‘imperet’ no sentido de ‘mover’ (cf. Comentário a Alma 111, c. I) e não de ‘conhecer’. A. de Libera vê a origem da interpretação de São Tomás no próprio AVERRóIS - In Phys. VIII, comm.37.

` O sentido do § é, em suma, o seguinte: Aristóteles apoia-se em Anaxágoras (apesar do Intelecto de que este fala, o Intelecto primeiro motor, não ser o intelecto possível de Aristóteles) e na sua doutrina do intelecto sem mistura, que tudo conhece e em que em tudo impera (ou faz mover); São Tomás faz seu este apoio aplicando-o ao caso do intelecto humano, e, mediante uma comparação com a

vista, sustentando que o intelecto nada deve conter para poder tudo conhecer (vd. § 22), portanto ele é apenas possível. Para a doutrina de Anaxágoras, vd. os já citados trabalhos de Kirk & Raven (375-407) e de T. Santos (171-183). Para a comparação acima no campo da óptica, vd. ALHAZEN - Optica 1, 4, 25 e WITELO - Perspectiua 111, 4, 20.66Cf. ARISTóTELES -A Alma 111, 4, 429 a 21-22.

117Cf. ARISTóTELES -A Alma 111, 4,429 a 24.

68Cf. ARISTóTELES -A Alma 111, 4,429 a 23-24.

11 As duas conclusões que ressaltam da alegada leitura de Aristóteles, desvinculando o Intelecto Primeiro de Anaxágoras do intelecto que é a parte da alma pela qual ela opina e pensa (opinatur et intelligit), são: (i) o intelecto, para Aristóteles não é uma substância separada e (ii) não tem uma natureza actual (para esta segunda conclusão, vd. § seguinte).70 Cf. AVERRóIS - In De Anima 111 comm. 4; ibid. 111, comm. 6.11 Cf. ARI STóTELES - A A lma 111, 4, 429 a 25.72 Cf. ARISTóTELES -A Alma 111, 4, 429 a 25-27.

71Cf. ARISTóTELES - A Alma 111, 4, 429 a 27-29.

74 Neste § precisa-se o sentido da afirmação de que o intelecto não se mistura com o corpo; como o intelecto não está ligado a nenhum órgão corporal em

particular pode-se defini-lo como «lugar das formas», na condição,

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evidentemente, de se aplicar a expressão apenas para o intelecto que contém as

formas em potência.11C1`. ARISTóTELES - A Alma 111, 4,429 a 15; cf. supra § 18, a partir do qual se

mostrará agora que o intelecto e o sentido não são impassíveis da mesma maneira; note-se, porém, que, ao contrário do que alega São Tomás, no § 18 tratava-se não da semelhança mas da dissemelhança senti do/i ntelecto. Relativamente a este «erro retórico-argumentativo do Aquinate», vd. LIBERA, A. de - Contre Avprroès... 232-34, n. 111.

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‘6Cf, ARISTóTELES - A Alma 111, 4,429 a 29-b5. `Cf. SIGÉRIO de BRABANTE - De Anima Intellectiva III: « o Filósofo diz no livro 111 d'A Alma que a faculdade sensitiva não existe sem o corpo, mas que o intelecto é separado do corpo».78 Cf. AR,ISTóTELES -A Alma 111, 4, 429 h 5.79Cf. ARISTóTELES -A Alma 111, 4,429 a 25-27. Esta é, pois, uma afirmação chave na refutação do averroísmo, sendo que a tese de Aristóteles nos aparece claramente repetida no fim do § 26: alguma coisa (aliquid) da alma desprovida de órgão (= é separado). IOU. SIGÉRIO de BRABANTE - In III De Anima q. 7. A resposta à dissimetria ou ao aparente paradoxo do facto de a alma ser a forma do corpo e de o intelecto, que é uma parte da alma, não ser uma faculdade do corpo tem o seu ponto de partida num prisma de consideração mais vasto, o prisma da causalidade celeste (o que não é o caso de Sigério); nele também se apoiará a tese segundo a qual o

intelecto tem uma proveniência não material, mas divina (cf. infra § 45), que é a tese para que caminha todo o §; no seguinte precisa-se ainda mais a dissimetria.

11Cf. SIGÉRIO de BRABANTE - De Anima Intellectiva III: «Não há compatibilidade entre uma substância estar unida à matéria e a sua potê ncia estar separada da matéria». Para as virtualidades do íman e do jaspe acima referidos, vd. VICENTE de BEAUVAIS - Speculum Naturale VIII, 19-21 e 77, e ALBERTO MAGNO - De Mineralibus 11, tr. 2, c. 8 e tr. 3, c. 6.11 Cf. ARISTóTELES - Física 11, 4, 194 h 9-12. Observe-se que ‘espécie’ (no original: species) tem o sentido de forma, tal como próprio autor explica recorrendo a seguir à palavra latinaforma. “ID. - ibid.

“Esta é uma passagem particularmente sensível (cf. também infra § 114), mas

também um tópico recorrente na discussão monopsiquista (vd. e. g, HENRIQUE de GAND - Quod1. lX, q. 14: «Convém advertir que o exame filosófico acerca da alma humana diz respeito a uma dupla ciência, a saber, a filosofia natural e a metafísica ... », e a sequência do texto). O eminente mestre de Tomás de Aquino, Alberto Magno, In Physica 11, 2, 1, considera que a dimensão física do problema não diz respeito apenas à s formas materiais, mas também às separadas, na medida em que os seus efeitos se repercutem ou realizam na matéria (é o caso dos motores das estrelas e das próprias estrelas) - «o homem gera o homem mais o Sol» (vd. nota seguinte) -; já na dimensão metafísica procura-se saber como é que as formas separadas, enquanto tais, se comportam, como são, ou qual é a sua ordem ou número (= natureza das forinas separadas enquanto tais). Diversamente, para Tomás de Aquino, há formas que estão no limite (confinio), ou seja, confinam com as formas separadas e com as formas materiais; o homem, pela sua alma, está neste caso de intermediação e, portanto, é passível de ser estudado pela/na filosofia natural (cf. também no mesmo sentido, AVERROIS, In Phys. 11, comm.26). “ Cf. ARISTOTELES - Física 11, 4,194 b 12-13; vd. infira nota 140.

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“De sublinhar que a conclusão deste § sustenta também uma tese básica que Aquino tratou alhures (Suma Contra os Gentios 11, 68 e IV, 55), a propósito de Nemésio de Emesa (cf. supra nota 14), a de que o homem é o nexo do mundo,

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no horizonte de dois mundos (sublunar e supralunar, sensível e inteligível). Vd. supra nota 8 1, para uma posição contrária à tese do Aquinate, também contestada, mais desenvolvidamente, pelo ANóNIMO de Giele - Quaestiones De Anima II, q. 4. `Cf. ARISTóTELES - A Alma 11, 2,413 b 26-27; ibid. 1, 4,408 b 17-18; ibid.111, 5, 430 a 22-23, respectivamente. De notar a estratégia refutativa que passa por apresentar três textos diferentes de Aristóteles que provam, contra os

averroístas, a incorruptibilidade do intelecto possível (vd. § seguinte, onde se

retomam os argumentos averroístas contra esta interpretação de Tomás de Aquino). A seguir-se AVERRóIS (In De Anima III, comm. 20), quem aplicava a

última frase citada ao intelecto agente seria Alexandre de Afrodísia e Temístio.

“Cf. ARISTóTELES - Metafiísica X, 12,1058 b 26-29. “De notar que, para se chegar a esta afirmação, inevitável para o averroísmo para obstar a corruptibil idade do intelecto (tese materialista) e a metensomatose (a passagem do intelecto de um corpo para outro) é preciso que o intelecto não seja forma do corpo (cf. SIGÉRIO de BRABANTE - In III De Anima q. 7) -,

São Tomás expôs duas grandes posições averroístas que decorrem, aliás, do § anterior: (i) a forma não pode existir sem o corpo, como o corpo é corruptível, a

forma do corpo sê-lo-á também (pelo que é necessário, diriam os averroístas, abandonar a ideia de que o intelecto é a forma do corpo - ou a da incorruptibilidade do intelecto -) e (ii) se as formas materiais e as separadas se

distinguem pela espécie, uma forma numericamente idêntica não pode continuar a ser o que é estando umas vezes no corpo e outras vezes, fora dele. ‘>OCf. NEMÉSIO de EMESA - De natura hominis c. 2, para a primeira teoria que aceita a corruptibilidade da alma intelectiva com base em Aristóteles, e para a

segunda teoria, alegadamente dos Gentios, que recusando embora a

corruptibilidade aceita a metensomatose ou transcorporatio. A terceira teoria recusa também a corruptibilidade, mas defende que a alma é dotada de um corpo veicular, e São Tomás atribui-a ora aos «platónicos» (Suma de Teologia 1, 76, a.

7; Comentário ao Livro das Causas § 5a) ora - e mais correctamente - a

Proclo (As substâncias espirituais c. 18, § 111). Na refutação que Santo Agostinho tinha feito desta última teoria (cf. A Cidade de Deus X, 9, 2 e 27-28: trad. J. D. Pereira, 909-11), ela aparece-nos remetida a Porfirio e, de facto, toda a sua natureza é platónica e neoplatónica (cf. PLOTINO - Enéadas IV, 3, 9

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sg e 24 sg.). Qual é, enfim, a originalidade de Aristóteles, na opinião de São Tomás, perante estas três teorias? O ter defendido que a alma intelectiva é querforma do corpo quer incorruptível.9'Cf. ARISTóTELES - Metafrsica XII, 3, 1070 a 21-27.

`A tradução de Boécio é, provavelmente, a Translatio Vetustissima da autoria de Tiago de Veneza (vd. CARVALHO, M. S. de - Roteiro... 60).“A passagem da Metafi`sica invocada por São Tomás (vd. nota 91) é taxativa quanto à refutação da teoria da preexistência da alma e da sua corruptibilidade; é claro que ao acompanhar Aristóteles na sua crítica à preexistência da alma, que era a tese dos platónicos, Tomás só está a pensar na perenidade da alma em relação ao futuro (a parte post), posto que, em relação ao passado (a parte ante) a aceitação da sua p@renidade colidiria com o dogma cristão da criação da alma no tempo (cf. TOMAS de AQUINO - Comentário a A Alma c. IV e infra § 100).

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94Cf. ARISTóTELES - A Alma 111, 5, 430 a 22-23. O § gravita em torno da interpretação a dar a estas palavras de Aristóteles: elas dizem respeito ao intelecto possível (tese de Averróis, In De Anima 111, comm. 20), ao intelecto agente (tese de Temístio, In III De Anima ad 430 a 15-23 e 23-24) ou à parte intelectiva da alma (tese de São Tomás)?

15 Nesta interpretação proposta para a passagem de Aristóteles - como dizendo respeito à parte intelectiva da alma (vd. também Suma contra os Gentios 11, 78; As criaturas espirituais a. 11, ad 3; Comentário ao livro A Alma e. 4; Questão sobre a Alma q. 5, ad 4) - São Tomás só parece ter sido antecipado por Santo Alberto Magno (De Anima 111, 2, 19), o qual atribui a eternidade da separação a

parte post também ao intelecto possível e não só ao agente como era costume fazer-se até essa altura.

96Cf. ARISTóTELES - A Alma 1, 1, 403 a 10- 12.117Cf. ARISTóTELES - Metafisica VII, 1, 1028 a 18; ibid. XII, 1, 1069 a 21-22. Sublinhe-se: não são ‘um’ ser, mas são ‘de’ um ser (vd. nota a seguir). “A fim de esclarecer a passagem da nota 96 (que se funda no axioma segundo o qual a acção de uma coisa corresponde à sua natureza), o § começa por falar das formas que não têm nada em comum (sine conimunicatione) com a matéria, caso em que é o composto hilomórfico que age por intermédio da forma, e a forma só não age, pelo que se o corpo for destruído (a morte, v. g.) a forma não o será - não seria assim se as formas comunicassem com a matéria, caso em que, se o corpo for destruído, a forma também desaparecerá. O exemplo com que São Tomás pretende esclarecer esta diferença baseia-se no caso das formas acidentais: o calor é sempre o calor de alguma coisa (ele não existe separado -

o que equivaleria a tombar no platonismo); ora, segundo Aristóteles - interpreta São Tomás - o mesmo se passa com as formas substanciais que comunicam com a matéria, pelo que, no caso das formas substanciais que nada têm em comum com a matéria (= o intelecto), a forma não será destruída após a destruição do composto matéria/forma.99Cf. TEMíSTIO - In II De Anima, ad 408 b 18-29; cf Cf. ARISTóTELES - A Alma 1, 4, 408 b 25-29. IOOCf. ARISTóTELES - A Alma 1, 4, 408 b 18-24.101CÊ ARISTóTELES - A Alma 1, 4,408 b 5-6.102À objecção segundo a qual, a partir do livro 1 (vd.. nota 99), também o pensar, por ser uma paixão daquele que tem uma alma, desapareceria se o composto desaparecesse, Tomás responde: (i) com a interpretação de Temístio, para o qual aquela frase de Aristóteles não é uma verdadeira afirmação, mas uma mera

hipótese, (ii) com o próprio Aristóteles: pensar é acto do composto apenas acidentalmente e nãoper se (= a representação do pensar, a imagem -fantasma- é dada por um órgão corporal mas não pertença desse órgão corporal, não se

exerce por ele).1111Cf. ARISTóTELES - Física 11, 4, 194 b 14-15. Este § aborda uma segunda

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objecção (vd. supra nota 102): se o intelecto só pode pensar mediante as imagens,

uma vez separado deixará de pensar. A resposta de São Tomás, é que se trata de uma matéria que não diz respeito ao filósofo natural (de notar que se cita aqui a Física), mas ao metafísico, embora admita (vd. nota 104) que já em A Alma

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Aristóteles deixa entrever que no estado separado o intelecto pode pensar coisas impossíveis de pensar caso estivesse unido ao corpo. O carácter delicado desta interpretação exige-lhe voltar ao assunto já no § a seguir.1`4Cf. ARISTóTELES -A Alma 111, 7, 431 h 17-19. “Cf. supra § 34, nota 94. O confronto deste passo com o texto agora em questão (vd. nota 104) levanta um problema de interpretação. Terá Aristóteles caído em contradição? A resposta de São Tomás repete o que ficara estabelecido, a saber, o intelecto é e não é separado: é separado porque não é acto de nenhum órgão e

não é separado por ser uma potência da alma que é a forma do corpo.

1116Cf. ARISTÓTELES - Metafísica XIII, 1, 1076 a 10- 13.

“”Sobre esta segunda parte do § 38, deve dizer-se o seguinte: (i) São Tomás corrobora a sua interpretação anterior (vd. nota 103) apoiando-se quer numa frase da Metafísica (vd. nota 106), a partir da qual deduz ter Aristóteles escrito livros expressamente dedicados à existência de uma substância separada imóbil e eterna, quer no seu próprio testemunho de ele mesmo ter visto os dez livros, embora ainda não traduzidos para latim, de que Aristóteles falara. Porém (ii) como pode Tomás ter visto o que não existia? Estaria ele a referir-se aos dez livros em árabe da Teologia deAristóteles (que é de facto um texto neoplatónico)? Estaria ele a referir-se apressadamente a uma versão da Metafisica (a chamada Metaphysica nova) que existia em apenas dez livros, sem se ter apercebido que ela já estava traduzida? (Sobre esta questão, vd. Prefácio da edição leonina §38c, 281-82; LIBERA, A. de - ContreAverroès... 245, ri. 168). Significativamente, o De Unitate parece ser o último texto de São Tomás em que ainda admite vir a

poder encontrar um texto aristotélico dedicado ao estudo das substâncias separadas; não menos significativamente, porém, SIGÉRIO de BRABANTE (De Anima intellectiva VI) confessava que nunca se poderá encontrar tais livros. IOSCÊ ARISTóTELES - Física VIII, 4, 255 h 15-16 e 19-20. Este § 39 res-ponde ao primeiro argumento averroísta no § 31 (vd. nota 89): a união alma/corpo é uma união essencial mesmo se, por acidente, ela for impedida ou anulada - a

citação de Aristóteles justifica a resposta de Tomás. Destaque-se devidamente, porém, que, na sua singeleza e sem qualquer alarde, se acaba de «expor uma das teses fundamentais da antropologia toinista», como refere A. de LIBERA (Contre Averroès... 247, ri. 169): (i) a união da alma com o corpo é benéfica porque exigível para a felicidade, e (ii) a morte é contra natura, razão pela qual a

imortalidade pessoal nos foi concedida por um dom sobrenatural. «Ao afirmar, contra os filósofos averroístas, que ‘é essencial à alma unir-se ao corpo'o Aquinate enfrenta conscientemente o perigo teológico que consiste em afirmar a naturalidade da relação da alma com o corpo ‘mesmo no momento supremo da felicidade última’ correndo o risco de um flirt com a tese ‘que nega à alma dos

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justos o acesso à felicidade acabada da visão beatífica de Deus na Sua essência, anteriormente à ressurreição escatológica'» (ID. - ibid.)

“>’Trata-se agora de responder ao segundo argumento do § 31 (vd. nota 89), mediante a comparação seguinte: tal como dois corpos, cujos lugares naturais sejam para um o alto, e para o outro o baixo, são de espécies distintas, mesmo quando por qualquer acidente aquele corpo cuja natureza é estar no alto não puder estar aí, mantendo-se embora específica e numericairiente o mesmo, assim também duas formas, cujas naturezas respectivas sejam para uma unir-se a um177

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corpo e para outra não, serão de espécies diferentes, mesmo que aquela cuja natureza é a de unir-se a um corpo seja impedida de o fazer por um qualquer acidente, permanecendo mesmo assim idêntica a si mesma. “”Cf. ARISTóTELES -A Geração dos Animais 11, 3,736b 27-28. Estapassagem fundamenta mais um argumento em favor da tese de Averróis: se a origem do intelecto é exterior (deforis), e como qualquer forma provém da matéria por edução (educitur), então o intelecto não pode ser a forma do corpo. No mesmo sentido, cf. SIGÉRIO de BRABANTE - In III De Anima q. 1; ID. - De Anima Intellectiva VIII). `Passamos ao segundo argumento averroísta (vd. nota anterior) que pode ter tido a sua origem na crítica que AVERRóIS fez (In De Anima 111, comin. 5) a Alexandre de Afrodísia.

112 Novo argumento - o terceiro (vd. notas 110 e 111 em favor da tese de Averróis: se o intelecto, segundo Aristóteles, é de origem extrinseca, então também devê-lo-ão ser as outras duas faculdades (sobretudo se a alma fosse uma substância única dotada de três potências), o que Aristóteles não defendeu. Para resgatar Aristóteles é portanto necessário - diziam os averroístas - sustentar que o intelecto não é a parte da alma que é a forma do corpo. “’Iniciam-se agora as respostas aos 3 argumentos anteriores (§ 41 a 43). Começa-se pelo primeiro (vd. nota 110): é preciso entender o significado de «edução»; ora, basta alegar, para esse efeito, um passo de Aristóteles (vd. nota seguinte) para se ficar a saber que a edução das formas pode ter o sentido de preexistência potencial da matéria para a forma.

114 Cf. ARISTóTELES - A Geração dos Animais 11, 3, 736 b 12-15. «Fetos», deve ser tomado na acepção da biologia e não da botânica.

... Cf. supra § 35 e nota 98.

“’>Cf. ARISTóTELES -A Geração dos Animais 11, 3, 736 b 28-29. Todo este §45 avançou mais na resposta e crítica ao primeiro argumento averroísta (vd. supra notas 110 e 113): afinal o exame da própria operação do intelecto mostra que ela, longe de provir da matéria por edução, tem um princípio extrínseco (a principio extrinseco). Mais uma vez é o próprio texto de Aristóteles, embora não A Alma, que é chamado a responder aos averroístas.

`A resposta de Tomás ao segundo argumento averroísta (vd. supra nota 111), ironiza, porque, como o indica a invulgarmente extensa citação logo a seguir, Aristóteles não defende que a alma seja constituída pelos quatro elementos. “’Cf. ARISTóTELES - A Geração dos Animais 11, 3, 736 b 29 - 737 a 1. Uma explicação da teoria aqui invocada: o calor artesão (ef. ID. - Metaji'sica VII, 9,1034 a 33-34) significa que o sêmen tem em si uma potência para a forma que provém do pai biológico (virtus animae) e que o calor seminal faz actualizar; o calor é assim fonte de vida (cf. AVICENA - Cânone 1, feri. 1, doctr. 3, e. 1; TOMÁS de AQUINO - Suma Contra os Gentios 11, 73; infra § 109), e o ‘espírito’ (spiritus/pneuma em Aristóteles) que o sêmen contém não é um elemento comum aos quatro elementos do mundo sublunar, mas uma substância de natureza similar ao

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elemento do mundo supralunar, o éter; de notar que uma forma é tanto mais nobre quanto mais nobre for o seu instrumento: assim como os corpos celestes agem mediante a luz, o mais nobre de todos os corpos, assim também a

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mais nobre de todas as formas sublunares, a alma humana, recebe a influência de um princípio mais nobre. `Chega-se agora à resposta ao terceiro arguniento (vd. supra nota 112). O primeiro ponto que se destaca é a lembrança de que Aristóteles havia deixado em dúvida a questão de saber se o intelecto se distingue das outras faculdades da alma pelo sujeito, pelo local ou só pelo conceito (vd. supra § 7); porém, se se conceder que há uma identificação no sujeito, então a objecção averroísta perde a sua razão de ser.

120Cf. ARISTóTELES - A Alma 11, 5, 414 b 28-32. A analogia alma/figuras geométricas, aliás relativamente contestável no quadro da letra aristotélica (vd. supra § 14), segue em qualquer caso o espírito aristotélico da unidade das formas substanciais em conformidade com a qual as faculdades vegetativa e sensitiva estão contidas em potência na faculdade seguinte, a intelectiva (como o triângulo o está no quadrilátero e este no peritágono). Segue-se, então, que só a faculdade intelectiva é que tem uma origem externa e as partes inferiores da alma, que não são de origem extrínseca, só exercem a sua função graças ao intelecto: «o efeito de um agente superior tem a virtude que o efeito de um agente inferior tem, ou mesmo mais». Além disso, São Tomás insiste que não se pode confundir duas ordens de causalidade: a que causa aquilo que tem uma existência específica separada (um triângulo, que existe separadamente de um quadrilátero) e a que causa o que está contido em algo (neste caso falamos da mesma causa, coisa que não sucede no caso anterior).

`Conclusão do capítulo 1: defesa do monopsiquismo com base na quase integralidade dos textos de Aristóteles respeitantes ao intelecto humano.

122 Cf. TEMíSTIO - In De Anima 111, ad 430 a 14-17. O capítulo 11 abordará as opiniões dos «peripatéticos» acerca da relação do intelecto possível com o homem. Divide-se em duas partes: uma respeitante aos peripatéticos gregos, a outra aos árabes (vd. infra § 59). Na continuidade do que deixámos dito acima (cf. supra nota 2), a expressão «intelecto poiético» - aqui intellectusfactiuus - traduz o grego nous poietikós, designaçã o não de Aristóteles mas generalizada a partir de Alexandre de Afrodísia. Depois de afirmar a conaturalidade do intelecto potencial com a alma humana, Temístio aduz que o intelecto activo ou agente ou poiético é uno com o intelecto em potência ou possível recorrendo a uma comparação entre a arte e a matéria (ars ad materiam): a arte não é exterior à matéria, tal como o construtor é exterior à sua obra, antes penetra por inteiro na obra indentificando-se com ela ou actualizando-a.

“’Cf. TEMíSTIO - In De Anima 111, ad 430 a 23-24. Quem sou eu que pensa? Que ‘eu’ pensa quando pensa? A passagem do Comentário de Temístio é particularmente sensível ao ponto principal da polémica monopsiquista, tal como São Tomás a entende. De facto, Temístio tecniciza um princípio de Aristóteles, de acordo com o qual o que constitui o ser de uma coisa é a sua parte principal (cf. infra § 74), numa linha plotínica (cf. Enéadas 1, 1, 10) já que foi Plotino quem inflectiu o constitutívo formal do eu (alma + corpo) para o puro plano da alma. Assim se compreende a posição altamente técnica de Temístio: nos seres que se

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compõem de potência e acto, o eu distingue-se da essência do eu (michi esse) sendo que esta - tal como em Plotino - diz respeito ao princípio activo. Distinta será a posição de Averróis sobre esta mesma interpretação de Temístio; para aquele (In De Anima III, comm. 5), na alma há três partes do intelecto: o

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receptor, o eficiente e o produto das duas sendo que as duas primeiras são eternas e esta ora é--o ora não o é.

124Cf. TEMíSTIO - In III De Anima, ad 430 a 25, para a totalidade da citação.

121 ID. - ibidem. Façamos o ponto: Temístio faz suas as palavras de Teofrasto, segundo São Tomás, aplicando ao intelecto possível o que se disse do intelecto agente. Segundo Temístio - repita-se - embora o intelecto em potência seja mais conatural à alma humana (vd. supra § 49), o intelecto agente também não o

deixará de ser, com a ressalva porém de que ele é ao mesmo tempo imanente e transcendente; por outras palavras: embora o intelecto agente faça parte do homem a partir do primeiro momento da sua geração em nós ele é participação da luz transcendente e fontal. Agora, uma vez que com Teofrasto se aplica o estado de separação (a foris) ao intelecto possível, há que reforçar a mesma ideia (vd. também § 54): não se deve entender a origem extrínseca como acidental ou como algo que ocorre no decurso do tempo, mas como algo de essencial ou

específico, é da natureza do homem pelo facto de dar-se logo no primeiro momento da geração. Por outras palavras: a participação na luz fontal também ocorre no intelecto possível - eis todo o sentido da deriva por Teofrasto, que tanto interessaria (após inflexão) à estratégia interpretativa de São Tomás.116Cf. AVERRóIS - In De Anima 111, comm. 5, que se refere à obra de Alexandre de Afrodísia - Acerca do Intelecto segundo a opinião de Aristóteles - e que interpreta como se tratando do intelecto material enquanto faculdade do corpo (vd. supra nota 2). São Tomás refere explicitamente que Averróis lê mal quer Alexandre quer Temístio, aquele de maneira perversa (peruerse uerba) este fora do contexto significante (preter eius intellectum). Assim, para uma exegese correcta de Temístio, do ponto de vista de São Tomás, é claro, vd. supra § 52 e

infra nota 227; relativamente às palavras de Alexandre, a interpretação do nosso autor é clara: já o intelecto possível é forma do corpo, simplesmente Averróis engana-se porque, ao fazer da mistura dos elementos, a denominada preparação (preparatio), a potência intelectiva apta a receber os inteligíveis, nega que ela possa ser uma faculdade que existe no corpo (de notar que Averróis na passagem supracitada apenas estranha que a mistura dos elementos possa produzir um ser

tão excelente que difere da substância dos próprios elementos, enquanto que para Tomás de Aquino o problema da separação deve ligar-se apenas ao facto de essa faculdade não possuir um órgão corporal). Atendendo à sua «modernidade», gostaríamos de particularizar melhor a solução de Alexandre de Afrodísia. O intelecto possível é uma potência natural que resulta dos elementos materiais graças a um processo bem estruturado de complexificação e dinamismo crecente; poderíamos defini-lo como um afastamento (recessus) em relação às formas mais elementares, sem contudo deixar de ser algo de natural e material: seres naturais, minerais, seres vivos e, por fim, a forma do intelecto possível que

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está em potê ncia para receber os

inteligíveis. Desta maneira, o intelecto possível não é uma faculdade separada do corpo, mas uma faculdade - insistimos - material separada apenas dos inteligíveis e do intelecto agente, mantendo, assim, a fidelidade ao hilomorfismo (a alma intelectiva é um produto do corpo) e à ideia segundo a qual a alma aperfeiçoa o corpo ou melhor: o homem.“’Cf. AVICENA - De Anima V, 1. São apenas duas as autoridades de expressão árabe citadas, Avicena e Algazel (vd. supra § 58), em favor da interpretação de

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Tomás de Aquino. Curiosamente, em Alberto Magno (De Unitate Intellectus 1), São Tomás teria eventualmente lido o seguinte: «Dizer que o intelecto não é uma parte da alma, eis uma hipótese que guia todos os Árabes, que foram os primeiros inventores deste erro».

“’Cf. AVICENA - De Anima 1, 5; vd. também ibid. 1, 1. «Instrumentado» (instrutitentalis) tem o sentido de organizado (organici) bastas vezes referido até aqui.129 Cf. AVICENA - De Anima 11, 1. A tese de Avicena, na interpretação de Tomás, é, portanto, a seguinte: a alma é forma do corpo e o intelecto é uma faculdade da alma; o intelecto activo carece do corpo, mas não se esgota nele, gozando de uma autonomia própria; a dimensão intelectiva da alma humana não é forma do corpo.

130 Cf. ALGAZEL - Metaplzysica II, tr. 4, dict. 5. O intelecto é a potência da alma que conhece (sciens) e a alma humana é a mais perfeita das formas, por isso que é a realizada pelo Dador das Formas quando estas atingem no corpo a condição dessa recepção. «Dator formarum» (wahib), Dador das Formas, é o nome com que Avicena designa o intelecto agente que é a última das inteligências celestes cuja função consiste em imprimir as formas na matéria do mundo sublunar (cf. AVICENA - Metaphysica lX, 5). `A conclusão do breve capítulo 11 (vd. supra nota 122) reforça o propósito anti- @verroísta da obra mediante uma estratégia que passa por desvincular Gregos e

Arabes de Averróis e assim retirar aos averroístas latinos qualquer fundamento para se considerarem peripatéticos, ou seja, vinculando-os totalmente ao perversor (deprauator) da filosofia do pai do peripatetismo, o próprio Aristóteles (vd. su-

pra § 2 e infra § 115 sg.)112Cf. ARISTóTELES - A Geração dos Animais 11, 3, 736 b 28-29. O terceiro capítulo, que inaugura uma secção deste opúsculo diferente da dos dois capítulos anteriores, mais filológicos, é dedicado a trazer argumentos (rationes), em vez

de auctoritates, em favor da tese de São Tomás: o intelecto é uma faculdade da alma que é a forma de um corpo. A estratégia deste § consiste em, como se dirá de seguida, examinar o pensar (intelligere), quer dizer, a alma intelectiva, a partir do seu próprio acto ou actividade. Para um fundamento desta estratégia, vd. infra nota 134.133 Cf. ARISTóTELES - A Alma 11, 2, 414 a 12-14; cf. supra nota 37.134 Cf. ARISTóTELES - A Alma 11, 2,413 a 13-15. São Tomás considera que este argumento (ratio) é uma autêntica demonstração (demonstratio), a saber, a fórmula de uma definição deve não só dizer de que é que se trata (o que a coisa é) como também indicar o motivo pelo qual é aquilo que é (trazer à luz a causa de ser como é).135 Cf. ARISTóTELES - A Alma 11, 2-, 413 a 16-20. Em latim: tetragonismus é sinónimo de quadratura, que é a construção de um rectângulo equilátero

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equivalente a uma figura de lados desiguais, ou também, dar forma ou uma área quadrada equivalente a uma figura geométrica mediante uma operaçao que conclui a média proporcional aos dois lados desiguais daquela mesma figura.136 Cf. ARISTóTELES - A Alma 111, 4, 429 a 23; cf. supra § 11 e 23. Este § procura mostrar a indubitabilidade (insolubilitas) do argumento ou

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‘demonstração’ que faz com que Aristóteles conclua de «há um princípio primeiro pelo qual pensanios» que esse «princípio é a forma do corpo»; para o efeito, retoma-se aqui o § 10, «aquilo que opera algo em sentido primordial é a forma do operador».137 Cf. supra § 10 (vd. nota anterior); cf. Cf. ARISTóTELES - A Alma 11, 2,414 a 5-9; cf. SIGÉRIO de BRABANTE - De Anima Intellectiva 11.

131Cf. AVERRóIS - In De Anima 11, comin. 21 e 32. A autoridade de Averróis é excelente para iniciar a refutação da tese segundo a qual o acto do pensar que é o intelecto não é forma de um corpo. É que, nesta hipótese (que São Tomás crê ser anti-aristotélíca), ter-se-á de explicar como é que afinal esse acto pode ser realizado por um homem individual concreto (vd. supra § 61). A solução averrofsta, como se vê, ao dissociar, separando, o intelecto possível da alma humana, procurava dar aquela explicação evocando um processo de comunicação (copulatur) ou de contacto (contínuari) entre aqueles dois intervenientes noldo conhecimento. Mas o problema estaria precisamente aqui: como explicar um tal processo? A leitura do § informa-nos que a solução de Averróis passa por afirmar que não é o homem concreto que pensa, mas que o pensar lhe advém sempre que a actualização do intelecto possível (isto é a espécie inteligível em acto) ocorre, simultaneamente, em virtude do contributo dos seus dois sujeitos (subiecta), o intelecto possível e as imagens presentes na alma humana (fantasmata). Deverá falar-se, assim, de continuidade formal, por via das representações, entre o intelecto possível separado e universal e a alma humana individual. De notar, por fim, que a explicação de Averróis é profundamente aristotélica ao não admitir a possibilidade de se poder pensar sem imagens. Cf. infra nota 207. “9Cf. AVERRóIS - In De Anima 111, comin. 5, que vale a pena citar em tradução: «Porque formar pelo intelecto, como Aristóteles diz, é como compreender pelos sentidos, e compreender pelos sentidos é algo que se faz por intermédio de dois sujeitos (... ) é igualmente necessário que os pensamentos em acto tenham dois sujeitos, sendo um o sujeito que os torna verdadeiros e o segundo o que faz de cada pensamento um ser mundano real, e este é o intelecto material. Não há aqui qualquer diferença entre o sentido e o intelecto, a não ser o facto de o sujeito do sentido, que o torna verdadeiro, ser exterior à alma, enquanto que o sujeito do intelecto, que o torna verdadeiro, está no interior da alma.» Vd. infra nota 207. “Cf. supra nota 85. No Comentário a A Alma (111, 4) São Tomás regista que se deve a Homero a ideia segundo a qual o Sol é de alguma maneira o pai dos humanos na medida em que contribui para a sua gestação; no Comentário à Física (11, 4) esclarece que a matéria e o homem são a causa própria da geração enquanto que o Sol é uma causa universal (ab universali agente respectu generabilium).141 Cf. ARISTóTELES - A Alma 111, 3,429 a 1-2. Como se acaba de ver, iniciou-se neste § a primeira das três refutações da tese de Averróis: se, para este, a união

do intelecto com o homem é meramente cognitiva, para São Tomás ela deverá ser biológica, simultânea à geração. Deste modo se assegura que cada homem individual e todos os homens têm a aptidão para pensar, isto de um ponto de

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vista respectivamente ontogenético e filogenético. Estamos perante uma defesa biogenética na base do conhecimento e Tomás de Aquino acusa a explicação averroísta de basear a actividade intelectiva numa ocasião sensível, ou seja, no momento em que os sentidos se actualizam ou actuam através das imagens sensíveis.

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MICf, ANÓNIMO de Giele - Quaestiones De Anima 11, q. 4 (n’ 2). “’Neste segundo argumento anti-averroísta, Tomás de Aquino insiste em que se a espécie inteligível, forma do intelecto possível, o é por ser abstraída ou separada das imagens (vd. o texto relativo à nota anterior), então fica defraudada a pretensão de Averróis em conseguir uma conjugação. Ao contrário, para Aquino, a espécie deve estar potencialmente contida nas imagens da alma humana. A interessante comparação averroísta com o espelho reforça ainda mais, sem o querer, a tese tomasina, já que essa comparação exprime a divisão - mediante apenas a reflexão (representação) do/no espelho, tal como no exemplo da parede - em vez da união que se pretende explicar. O fito de São Tomás é sempre o mesmo: para o averroísmo não é o homem individual e concreto (hic homo) que pensa, ele é pensado, ele é objecto e não sujeito do pensamento (vd. ainda infra nota 144). ‘44Cf. ANóNIMO de Giele - Quaestiones De Anima 11, q. 4 (n’ 3); ANóNIMO de Van Steenberghen - Quaestiones De Anima 111, q. 7. Este terceiro argumento (vd. notas 141 e 143) explora a crítica do segundo mediante uma nova comparaçao- paredelcorlespécie sensfvellvista vs. hornern/imagem/espécie inteligível/ intelecto possível - com a qual se reforça a ideia (averroísta como é ó bvio) de que afinal o homem não pensa, mas o intelecto possível é que pensa mediante as espécies inteligíveis que contém, tal como não é a parede que vê, mas é vista a sua cor mediante a sua espécie sensível que a vista contém. Cf. também TOMÁS de AQUINO - Suma Contra os Gentios 11, 59.145 Cf. ANóNIMO de Giele - Quaestiones De Anima 11, q. 4. De notar as três hipóteses que vão ser trabalhadas na sequência- (i) o hornerné apenas o intelecto (vd. infra § 74-75); (ii) o homem é apenas o corpo animado (vd. infra § 69-73); (iii) o homem é o composto do intelecto motor com o corpo que é movido (vd. infra § 67-68). Logo no início do §, São Tomás confessa serem vários (quidam) os defensores contemporâneos da tese do intelecto motor, mas poderá ver-se SIGÉRIO de BRABANTE - In III De Anima q. 2 e q. 8 (e ID. - ibid. q. 1 para a tese do composto, de forma mais explícita). Vd. supra § 5, por onde se detecta que o que está agora em discussão é um conjunto de teses extrinsecistas originalmente platónicas adoptadas pelos averroístas contemporâneos.146 Cf. ARISTóTELES - Metajtsica VIII, 6,1045 a 14.

141Cf. ARISTóTELES - Metafísica VIII, 6, 1045 a 8-12. Uma citação inusitadamente longa para iniciar a refutação do terceira hipótese (vd. supra nota 145), provavelmente a partir de Sigério de Brabante (ibidem). À tese deste, de acordo com a qual o homem compõe-se de um corpo que é movido e de um intelecto motor único para todos os homens, o texto citado da Meta isica contrapõe a teoria do hilomorfismo (formalmatéria e acto/potência). “’Cf. ANóNIMO de Van Steenberghen - Quaestiones De Anima 111, q- 7. “IA afirmação retorquida que São Tomás regista - «Que se diz que o homem pensa na medida exacta em que se diz que o céu tem vida ou se move, isto é, na medida em que o agente que realiza tais acções lhe está unido como um motor a um móbil e não de maneira substancial» - será alvo da célebre condenação de1277, por Estêvão Tempier (cf. HISSETTE, R. - Enquête sur les 219 articles condamnés à Paris le 7 mars 1277 (Louvain Paris 1977) 223-24; sobre esta intervenção vd. CARVALHO, M. S. de - «Introdução», in Boécio de Dácia. A

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Eternidade do Mundo (Lisboa 1996) 7-14, 95-98; ID. - « Noção, Medição e

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Possibilidade do Vácuo segundo Henrique de Gand» Revista Filosófica de Coimbra 1 (1992) 359-63; ID. - «Raimundo Llull, Sigério de Brabante e o

problema do primeiro homem» ibid. 5 (1996) n. 1 para mais bibliografia; DE BONI, L. A. - «As condenações de 1277: os limites do diálogo entre a filosofia

e a teologia», in ID. (org.) - Lógica e Linguagem na Idade Média (Porto Alegre1995) 127-44). O § 68 deve ser lido em conjunto com o § 67, este sob o carácter de autoridade, aquele desenvolvendo um argumento pessoal. “”Inicia-se aqui a refutação da segunda hipótese (vd. supra nota 145) que se

subdivirá nos §§ seguintes.151Cf. ARISTóTELES - Metaflsica lX, 8,1050 a 30-36, vd. TOMÁS de AQUINO- Suma Contra os Gentios 11, 73. Desenvolve-se novamente um argumento de autoridade: distinguindo-se entre uma acção imanente e uma acção transitiva, poderá concluir-se que o «pensamento não pode ser o acto daquilo cujo acto não seja o pensamento» ou, pela positiva, que não se pode pôr no exterior do homem aquilo pelo qual ele pensa. A comparação com a vista reforça isto: também não se diz que a visão existe fora da vista. Nova comparação no § imediatamente seguinte. “’Cf. supra § 65.111CÊ ARISTóTELES - A Alma 11, 2,414 a 5-9; vd. supra § 10 e 11.

114Cf. ARISTóTELES - A Alma 11, 2, 414 a 11 -12.111Cf. TEMíSTIO - In III De Anima, ad 414 a 12.156Cf. ARISTóTELES - A Alma 111, 4, 429 a 21-22; vd. supra § 22-23. Termina neste § a refutação da segunda hipótese inciada no § 69 (vd. supra nota 145).

o

`ICf. NEMÉSIO de EMESA - De Natura Hominis c. 3 (vd. supra nota 14).

“’Cf. MACRÓBIO - In somnum Scipionis 11, 12. Macróbio, Agostinho, Nemésio e o Pseudo-Hermes Trimegisto, são as principais fontes para o conhecimento de Plotino no séc. XIII, cf. GUALTER BURLEIGH - De vita et moribus philosophorum e. 59.

159Cf. SIMPÚCIO - Prohemium.

16OU. ARISTóTELES - Ética Nicomaqueia IX, 4,1166 a 15-17.

161 Cf. ARISTÓTELES - Ética Nicomaqueia IX, 8, 1168 b 31-33. “”Cf. ARISTóTELES - Ética Nicomaqueia lX, 8, 1169 a 2.

WS ão Tomás não conheceu as Enéadas de Plotino (vd. supra nota 158), mas não há, em qualquer caso, nenhuma crítica a fazer-lhe à ligação que estabelece com

Temístio (vd. supra nota 123), em vista do facto de estarmos perante um tema

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- o homem é a sua alma - (neo-)platónico (cf. supra nota 123). Desta feita, abre-se uma estratégia refutativa importante: desvincularAristóteles de Platão, pois aquele, longe de identificar o intelecto com o homem, defende em vez disso que o intelecto é a parte principal do homem. ‘64Cf. NEMÉSIO de EMESA - De Natura Hominis c. 3. O § inicia-se com uma afirmação que evoca uma frase de Aristóteles (cf. Ética Nicomaqueia lX, 8,1168 b 30 - 1169 a 3 ou ibid. X, 7, 1178 a 6-7) que Alberto Magno (De Intellectu etintelligibilil, 1, 1) divulgará entre a teologia dominicana alemã e o anstotelismo

184

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mais radical - «o homem enquanto homem é apenas intelecto» -; na sequência do § anterior, essa informação deverá ser reinterpretada, gesto a que o presente § se dedica a fazer em três partes ou três textos de autoridade.

161 Cf. ARISTóTELES - Metafísica VII, 10, 1035 b 27-31 e ibid. VII, 10, 1035 b23-25, para a prova a que o texto a seguir faz referência (vd. também ID. - As Partes dos Animais 1, 1, 640 b 33-34). Entenda-se: no conceito, a matéria é tomada universalmente; nos indivíduos, a forma une-se não à matéria primeira, universalmente concebida, mas à matéria última (hescháte hyle), i. e., a esta ou àquela matéria que recebe uma forma e que constitui o princípio de individuação da forma (não podendo, por isso, fazer parte do conceito universal ou entrar na definição da coisa (ef. TOMÁS de AQUINO - O Ente e a Essência e. 1; trad. M. S. de Carvalho 71-81 e 28).1116Cf. ARISTóTELES - A Alma 111, 10, 433 a 22. “’Cf. ARISTóTELES - A Alma 11, 2,414 a 12-14; vd. supra § 11. No ANóNIMO de Giele - Quaestiones De Anima II, q. 4 reaparecerá o argumento de que quem defende essa posição deve admitir que não pensa e que não é digno de que se dispute com ele (escusado será insistir em que este Anónimo não concorda com

tal argumento).161Cf. TOMÁS de AQUINO - Suma Contra os Gentios 11, 59, 60 e 73; ID. -

Questões sobre A Alma a. 3.

‘61Cf. ARISTÓTELES - Ética Nicomaqueia X, 10, 1177 a 10-17. Cf. também SIGÉRIO de BRABANTE - De Anima Intellectiva III, para quem se deve dizer, igualmente, que o homem é homem pelo intelecto e que este é a forma do homem sem que isso implique a conclusão que Tomás tira, ou seja, sem que isso signifique uma união «corno a de uma figura na cera» ou, nas palavras mais técnicas e

rigorosas de Aquino, «corno forma da alma que é o acto de um corpo natural organizado».1111Cf. ARISTóTELES - A Alma 111, 4,429 a 23; vd. também supra § 11 e 23.

111Cf. ARISTóTELES - A Alma 111, 9, 432 b 5. A alusão do princípio do § é, evidentemente, à posição dos averroístas contemporâneos.112Cf. ARISTóTELES - Retórica 11, 4, 1382 a 5-6; vd. também TOMÁS de AQUINO - Suma Contra os Gentios 11, 60. Refira-se que a refutação do averroísmo no plano ético pode estar directamente ligada ao facto de a condenação de 1270 conectar, nas suas quatro primeiras proposições (vd. supra «Apresentação»), o monopsiquismo com o determinismo astral.

111Cf. ARISTóTELES -A Alma 111, 4, 429 a 25-27.

114Cf. ARISTóTELES - A Alma 111, 4,429 a 28-29.

“IA objecção referida pode ler-se em SIGÉRIO de BRABANTE - In III De Anima q. 7;

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vd. TOMÁS de AQUINO - Questões sobre A Alma a. 2, ad 4um.

176Cf. TEMíSTIO - In III De Anima, ad 430 a 25; vd. TOMÁS de AQUINO - As Criaturas Espirituais a. 10; ID. - Questão sobre o Mal q. 16, a. 12 ad 1 um; ID. -

Suma de Teologia 1, q. 79, a. 4. O capítulo IV refuta exclusivamente o erro

averroísta de que há um único intelecto possível para todos os homens. Note-se a referência ao caso particular do intelecto agente acerca do qual, embora reconhecendo que uma sua eventual separabilidade e universalidade não deixasse

185

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de ter alguma razão de ser, se diz - não sem precipitação aliás - que já Aristóteles defendtu a sua singularidade. Para a necessidade de postular um intelecto agente, cf, TOMÁS de AQUINO - Suma de Teologia I, q. 79, a. 3. Este autor tratou da unidade do intelecto agente em: Comentário às Sentenças 11, d.17, q. 2, a. 1; A Verdade q. 10, a. 6; Suma Contra os Gentios li, 76, 78; Questão sobre A Alma a. 5; @uma de Teologia 1, q. 79, a. 4, 5; As criaturas espirituais a.

10; Comentário a AAlma 111, c. IV (seguir-se-á o Compêndio de Teologia c. 86) Para a datação das Dbras, vd. o nosso «Quadro Cronológico» mais adiante. “’Cf. supra § 80: <,( ... ) não dizemos que a alma humana é a forma do corpo segundo a potência intelectiva178 Cf. supra § 66-Q179Cf. AVERRóIS - In De Anima 111, comm. 5. Traduzimos «uidentes», literalmente «videntes», por «a ver», embora no § seguinte tivessemos optado por manter, num só caso, a tradução literal. Adoptámos procedimento idêntico no § 87, em relação a «intelligens», «uolens» e «utens».

INOCf. ARISTóTELES - Ética Nicomaqueia lX, 8, 1169 a 2; vd. supra § 74. I"Cf. ARISTóTELES - Política 1, 2,1253 a 2-3. “’Cf.ARISTóTEL@S - Física V, 2, 227 b 21- 228 a 3; vd. TOMÁS de AQUINO- Questão sobre A Alma a. 3, n. 5; SIGÉRIO de BRABANTE - De Anima Intellectiva Vil.

18.1cf. ARISTóTELES - A Alma 11, 2, 414 a 5-9; cf. supra § 10. ‘14CÊ ARISTóTELES - A Alma 111, 4, 429 h 5-9. É de particular importância, neste §, a distinção entre ter ciência e ser sábio; assim: o sábio tem o hábito (habitus) da ciência, pode dispor dela, como acto primeiro; a actualização desta disposição ou hábito - o acto segundo - equivale a tornar-se sábio (ou a ser

sábio efectivo). Vd. infra nota 186. “’Cf. ARISTóTELES - A Alma 111, 4,429 h 23-25. “6Cf. ARISTóTELES - A Alma 111, 4, 429 b 30- 430 a 2. Podemos explicar os

vários níveis da distinção evocada (vd. supra nota 184) tal como este § o faz, e que vai ser ponto de partida para o desenvolvimento das distinções dos outros §§ seguintes: temos na base (i) a pura potência, nua e indeterminada, da tábua de cera - a potência primeira - capaz de vir a tornar-se o que quer que seja; (ii) segue-se o já referido grau mais elementar de actualidade - o acto primeiro o equivalente a uma aptidão ou capacidade, também chamado intellectus ín habitu ou intelecto habitual, ou, conforme dissemos antes, equivalente a ter a ciência sem a exercer efectivamente; (iii) ora este acto primeiro, por ser capacidade ou

aptidão, também é urna potência - a potência segunda, segunda em relação ao

estado total de indeterminação (i) - sem deixar contudo de ser em acto, embora primeiro (ii) em relação ao (iv) acto segundo que é a plena actualização efectiva da disposição (ii). Sobre este tema, vd. KENNY, A. - São Tomás... 113-

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15.

I"Cf. AVICENA - De Anima V, 6; vd. também TOMÁS de AQUINO - Suma Contra os Gentios li, 74; ID. - Suma de Teologia I, q. 79, a. 6.

‘8'Cf. ARISTóTELI-:?S - A Alma 111, 4, 429 a 27-28.119Cf. TOMÁS de AQuINO - Suma Contra os Gentios 11, 73; cf. AVERRóIS -186

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In De Anima III, comm. 5, mas também ARISTóTELES - A Alma 11, 7, 418 b26, como eventual origem do topos recorrente. Em relação ao argumento de São Tomás no conjunto deste §, cabe dizer que se o facto da descoberta ainda pode ser explicada, na hipótese averroísta, esta jamais conseguiria explicar o facto da aprendizagem. Compreende-se porquê: na descoberta, o meu intelecto está de facto em potência para aquilo que ainda não descobri, e assim se está de acordo com Aristóteles quando este dizia (A Alma 111, 4, 429 b 5-9) que o intelecto está em potência antes de aprender ou de encontrar; o mesmo já não se passa corn o facto da aprendizagem, que pressupõe o ensino e, portanto, o facto de que alguém já sabe - realmente, na hipótese de um único intelecto como é que este pode simultaneamente saber (para ensinar) e ignorar (para aprender)? São Tomás tratou da teoria do ensino - em contraposição ao De Magistro de St’ Agostinho - na sua Questão disputada XI.1<x'Cf. ARISTóTELES - A Geração e a Corrupção 11, 11, 337 a 34- 338 b 19. Trata-se também de uma tese que será condenada em 1277 (cf. HISSETTE, R. -

Enquète... 216-17, assumida também por Sigério de Brabante, vd. CARVALHO, M, S. de «Introdução» in Boécio de Dácia... 7-29; ID. - «Raimundo Llull e Sigério de Brabante» e infra nota 222 e § 113).19'Cf. ARISTóTELES - A Alma 111, 4,429 b 9; cf. SIGÉRIO de BRABANTE -

De Anima Intellectiva VII para um resumo dos §§ 91 e 92 deste texto de Tomás.

192 Os §§ 93 e 94, com que este capítulo IV se encerra, examinam três possibilidades de união das espécies inteligíveis eternas e separadas com as

imagens pessoais. A primeira hipótese, a mais aristotélica, é excluída pelo facto de não caber na hipótese averroísta; as duas seguintes têm lugar nessa hipótese, mas as suas consequências são inaceitáveis (§ 94): a segunda porque é incompatível com o conhecimento científico ou a ciência- («poruma iluniinação deste tipo, nós não poderíamos pensar universalmente») -, a terceira porque invalida o papel das imagens no pensamento.

`ICf. Liber de Causis X1 (XII), § 103. Trata-se também de um topos recorrente em São Tomás, já que, juntamente com o § 106 («o efeito está na causa no modo da causa e a causa no efeito, no modo do efeito») e com o § 107 (que explora o

topos no âmbito da dialéctica ascendente - o sentido está na alma no modo animado, a alma na inteligência no modo inteligível - e da dialéctica descendente- a inteligência está na alma no modo animado e a alma no sentido no modo sensível -) possibilitam o enquadramento de uma complexa estrutura causal e

de uma não menos notável teoria da analogia. `Como se lê logo no seu início, o último capítulo dedicar-se-á a apresentar e a

responder às razões ou argumentos que os averroístas apresentam para negar a

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pluralidade do intelecto possível. O primeiro argumento apresentado pode ler--

se em SIGÉRIO de BRABANTE - In III De Anima. q. 9 (vd. também TOMÁS de AQUINO - Suma Contra os Gentios 11, 75, mas vale a pena lembrar que o

mesmo, em De Anima Intellectiva, VII, não o assume mais, limitando-se a considerá-lo um argumento verdadeiro para os filósofos. O argumento é simples- se só as formas materiais se multiplicam e se o intelecto é imaterial, então ele não pode multiplicar-se - e na condenação de 1277 ele é pressuposto (cf. HISSETTE, R, - Enquête... p. 228-29). ‘91Cf. ANóNIMO de Van Steenberghen - Quaestiones De Anima 111, q. 6;

187

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SIGÉRIO de BRABANTE - De Anima Intellectiva VII (com as reservas feitas na nota anterior).

`Poderá dizer-se o seguinte acerca deste argumento (vd. o § 3 da nossa «Apresentação», supra): no estado actual da ciência, não podemos encontrar nenhum autor, nenhum «averroísta», que defenda explicitamente o que São Tomás regista; na maior parte dos casos, a ideia ou é apresentada como sendo de natureza estritamente filosófica (i.c., aristotélica), e por conseguinte não-teológica, ou seja, não colidindo com a verdade da fé, ou podemos apenas presumi-Ia em textos anteriores a 1270. Também é um facto que a censura destemperada de1277 alude a estas ideias, v. g., a que retira poder a Deus (cf. HISSETTE -

Enquête... p. 187-88,e infra § 101). Esclarece-se, finalmente, que o último argumento evocado diz respeito ao facto de o número não ser princípio ou causa de multiplicação (esse princípio será antes a matéria ou de outra maneira: o que está em causa no número é a matéria, a materializaçã o: vd. também infra § 97 e § 165).11'1Cf. ARISTóTELES - Metafísica IV, 2,1003 b 31-32.191Cf. ARISTóTELES - Metafisica VIII, 6,1045 a 35- b 6. ‘99Cf. ARISTóTELES - Metaflsica V, 8, 1016 b 31-35.2(x)Cf. ARISTóTELES - Metafísica V, 8, 1017 a 2-6. Entenda-se, portanto, sobretudo atendendo ao que se disse acima (§ 96 e nota 196): as substâncias separadas não são materiais, mas são várias em número (vd. infra § 99).201 Cf. ARISTóTELES - Metafísica 1, 1, 981 a 16-17.

101Cf. ARISTóTELES - Metafisica VII, 15, 1040 a 25-30, para a totalidade da afirmação, desde «Daí ele ter argumentado contra Platão ... »

203 Cf. ARISTóTELES - Metaflsica IV, 2,1003 b 30-34; cf. supra nota 197. Para a sequência do §, vd. supra § 33 e nota 93.

204Cf. SIGÉRIO de BRABANTE - In III De Anima, q. 9.1111Cf. ANóNIMO de Van Steenberghen - Quaestiones De Anima 111, q. 4, que refuta este argumento de São Tomás apelando para ARISTóTELES - O Céu e o Mundo 1, 2, 269 b 6 sg.: os movimentos violentos (que ponham os graves em cima) não podem ser eternos.

211@Cf. BOÉCIO de DÁCIA - De Aeternitate Mundi; trad. M. S. de Carvalho, 57,79. Não se trata, evidentemente, de um texto paralelo a esta alusão de Tomás de Aquino, no entanto, Boécio de Dácia alude à ressurreiçao para a excluir do âmbito do estudo da filosofia natural, pelo que a sua aceitação incide sob a hipótese de causas não naturais (trata-se, aliás, de uma velha exclusão, já enunciada pelo próprio Alberto Magno),101Cf. AVERRóIS - In De Anima 111, comm, 5. Caracterizando este célebre argumento de Averróis, no plano do ensino (vd. supra nota 189), cf. ALBERTO MAGNO - De Unitate Intellectus 1; testemunhando a força do mesmo argumento, vd.

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TOMÁS de AQUINO - As Criaturas Espirituais a. 9, ad 6um. Traduzimos o latim «intellectum» ora por «pensado» ora por «objecto pensado» ou «objecto que se pensa» ora por «pensamento» ora por «aquilo que se pensa».

Parafraseemos o argumento de Averróis aqui em causa (vd. também supra notas

188

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138 e 139): a solução para o facto de o intelecto ser uno e múltiplo assenta no estado do intelecto adquirido (intellectus adeptus), nome que se dá à disposição ou aquisição (adeptio) que traduz a união perfeita ou acabada do intelecto material com o intelecto agente, da seguinte maneira: a coisa inteligível em dois ou mais indivíduos, i. e., as formas da imaginação, é múltipla no sujeito que a torna verdadeira e una no sujeito pelo qual é um intelecto que existe (i. c., o intelecto material). De outra maneira: recusa-se que o inteligível por duas ou mais pessoas seja uno em todos os â ngulos (caso em que alguém pensasse, outrem também pensaria) bem como também a sua multiplicidade (caso em que o inteligível pensado por duas pessoas seria uno em espécie mas duplo ao nível individual, devendo portanto remeter para um outro inteligível uno, e assim até ao infinito.) No § imediatamente a seguir, São Tomás argumentará que, caso a tese averroísta fosse verdadeira, os seus defensores não deveriam ter-se limitado a defender um único intelecto humano, mas, em sentido absolutamente universal, deveriam, em coerência, ter defendido que só se pensa uma só coisa, ou por outras palavras, que a verdade é só uma. “)’De assinalar, portanto, a diferença entre platónicos e averroístas, segundo São Tomás: para estes, ao contrário daqueles, as formas separadas não são subsistentes por si num mundo próprio, mas existem no intelecto. Para Platão, de facto, a verdade está na ideia subsistente num mundo próprio, e é única e transcendente e os vários intelectos não se identificam com ela, na medida em que se limitam a intuí-la; porém, se a verdade e a ideia se identificarem com o intelecto como pretendem os averroístas - então este tem que ser único tal como a verdade e a própria ideia. Trata-se, pois, de uma observação bastante afinada, da parte de Tomás. Lembremos que o contemporâneo JOÃO PECKHAM (Quaestiones De Anima, q. 5), imediatamente a seguir ao exame da unidade do intelecto (ibid., q.4), se inscrevia na tradição platónica ao perguntar, justamente, «se uma luz de natureza intelectual e numericamente única, na qual todas as coisas são conhecidas pelo intelecto, é uma luz criada ou incriada» - o que, naturalmente, ecoa uma herança augustinista comum (vd. AGOSTINHO - ConfiÍssões XIL 25; trad. J. O. Santos e A. A. Pina 346: «se ambos vemos que é verdade o que tu dizes, e se ambos vemos que é verdade o que eu digo, onde, pergunto eu, o vemos nós? Nem eu, sem dúvida, o vejo em ti, nem tu em mim, mas vemo-lo ambos na imutável Verdade que está acima das nossas inteligência.»)2`Em poucas linhas este § resume, em substância, todo o processo cognitivo: graças aos sentidos, as espécies das coisas sensíveis (v. g., de uma pedra) chegam à imaginação Vantasia) habilitando a passagem do conhecimento sensível ao conhecimento inteligível (pensamento), traduzindo-se essa no facto da abstracção, pelo intelecto agente, da espécie inteligível que está no intelecto possível. O realismo gnosiológico afirmado no princípio do § - a ciência versa sobre as coisas não sobre as espécies e, portanto, penso a natureza ou quididade das coi sas (que está nas coisas) e não a espécie que abstraio - equivale a fazer das espécies o meio pelo qual pensamos (quo) e não aquilo que pensamos (quod): penso numa pedra mediante a sua espécie (ou ideia); se posso dizer, por conseguinte, que tenho em mim a ideia de pedra não posso dizer que é essa ideia que eu penso, mas que penso a pedra por intermédio da ideia que tenho em mim. De referir que não é pacífico, entre os intérpretes, o sentido desta interpretação

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realista da gnosiologia tomasina, pelo que se poderá ver KENNY, A. - São Tomás...107-41; distintamente porém, VAN STEENBERGHEN, F. - O Tomismo (Lisboa

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1990) 115-21; ROPPEL, E. - A captação da realidade segundo S. Tomás de Aquino (Braga 1974) 126-42.110CÊ ANóNIMO de Van Steenberghen - Quaestiones De Anima III, q. 7.111Cf. ARISTóTELES - Metaft'sica IX, 8, 1050 a 30-36; cf. supra § 70 e nota15 1. Insiste-se na individualidade do pensar na linha da doutrina gnosiológica exposta no § anterior. Traduziu-se «intelligens» por «aquele que pensa» ou por «quem pensa».

111Cf. ARISTÓTELES - As Categorias 2, 1 a 25-27.111Cf. TOMÁS de AQUINO - Suma Contra os Gentios 11, 76.114Cf. TOMÁS de AQUINO - Suma Contra os Gentios 11, 75.

215Cf. supra nota 21.116CÊ ARISTóTELES - Metaft'sica XI, 8, 1074 a 18-22; a objecção mencionada encontra-se em SIGÉRIO de BRABANTE - In III De Anima q. 7.117Cf. ARISTóTELES - Metafisica XI, 8, 1074 a 15-17.

I"Cf. ARISTóTELES - Metafisica XI, 8, 1074 a 19-20.

“’Cf. supra § 39 e nota 108.

110Evoca-se aqui a objecção de Sigério de Brabante referida pela nota supra 216, relativa ao carácter supérfluo (otiosus), estar a mais (frustra), da variedade das substâncias espirituais separadas e das suas operações próprias. I"Cf. ARISTóTELES - Metafisica X, 10, 1177 a 13-17. I"Cf. SIGÉRIO de BRABANTE - DeAnima Intellectiva VI e V11; ANNóNIMO de Bazári - Quaestiones De Anima III, q. 21, para a objecção; cf. SIGÉRIO de BRABANTE - In III De Anima q. 14 sobre o problema da possível eternidade do mundo (condenada em 1277, cf. HISSETTE, R. - Enquête... 216-17) e supra nota 190. Observe-se, ainda, que a ligação do monopsiquismo à eternidade da espécie humana já havia sido estabelecida por AVERROIS - In De Anima III, comm. 5. Contemporaneamente, deve lembrar-se: (i) que BOAVENTURA (In11 Sem. d. 1, p. 1, a. 1, q. 2), representando uma linha augustinista, digamos assim, havia dito que os defensores da eternidade do mundo, com o intuito de evitarem um número infinito em acto de almas separadas do corpo, foram forçados a admitir ou que a alma é corruptível, ou que é única, ou que periodicamente regressa ao corpo, e, assim, estava afastada a possibilidade de se equacionar a possibilidade da salvação eterna das pessoas; (ii) que TOMÁS de AQUINO (A Eternidade do Mundo; trad. J. C. Macedo 27, 3 99 sg.) objectará que esta discussão em torno da possível eternidade do mundo é matéria que não implica contradição teórica da parte de Deus.111Cf. ALGAZEL - Metaphysica I, tr. 1, div. 6. ‘14Cf. ARISTóTELES - Física 11, 4,194 b 13-15. Vd. supra § 29 e nota 84, para uma interpretação menos restritiva deste passo da Física. “’Cf. AVICENA - De Anima V, 3. De notar que SIGÉRIO de BRABANTE (De Anima Intellectiva VII) também reconhecerá a autoridade de Avicena neste ponto, ao lado da de Algazel e seguindo-se a de Temístio (para o intelecto agente). ‘-Cf. TEMíSTIO - In III De Anima, ad 430 a 25; vd. supra § 83. A

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propósito da

190

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hipótese que se lê a seguir (o intelecto agente - ou melhor: o princípio da iluminação - é identificável com Deus, segundo os católicos), poderá apenas recordar-se aqui que se ficou a dever a Gundissalino (séc. X11) a abertura da via que permitiu essa identificação, ao haver substituído a afirmação bíblica o «Pai das luzes» (S. Tiago 1, 17) pela inteligência agente de Avicena. `ID. - ibidem. Convirá observar o seguinte relativamente a esta longa (e não menos polémica) digressão por Temístio (vd. também supra nota 126): como se viu (§ 52), segundo Tomás, Temístio teria defendido quer a pluralidade do intelecto possível quer a pluralidade do intelecto agente - interpretação esta que agora, com o passo citado, receberia a sua cabal fundamentação ao ler as expressões «os que iluminam» (illustrantes) como se se tratasse dos intelectos activos e «os iluminados« (iflustrati) como se referisse aos intelectos possíveis. Porém, o sentido original da expressão única (que São Tomás cinde) Mustrati et illuminantes é diferente: trata-se antes da multiplicidade dos intelectos ‘iluminados e iluminantes’ distintos do intelecto activo primeiro e único que os ilumina a todos, os quais, por sua vez, são iluminantes porque iluminam o intelecto receptivo que se lhes une. Pode, porém, interpretar-se esta questão de um modo ligeiramente diferente (o qual, de facto, não está tão longe de confirmar a leitura de São Tomás): repare-se que se alude a um único princípio de iluminação -

diversamente nomeado por vários autores (o elenco histórico Avicenal(Algazel)/ Temístio será, aliás, repetido por SIGÉRIO de BRABANTE, De Anima Intellectiva VII) - com a ressalva anti-platónica de que não se trata do Sol mas da luz (lumen), i. e., mantém-se a subordinação a um princípio activo transcendente daquilo que é dito, no plural, iluminante e iluminado, quer dizer, dos elementos ou intelectos activos imanentes, que daquele princípio transcendente retiram a luz com a qual iluminam os intelectos possíveis também imanentes; haveria assim uma subordinaçã o participativa do princípio formal imanente ao princípio transcendente. “’Cf supra § 59: deprauator; aqui: peruersor (vd. também supra notas 26 e126). A propósito desta adjectivação contra Averróis, J-P. TORRELL (Initiation... 135) nota, ressalvando, que São Tomás «pelo menos não suspeita da sua inteligência. Distintamente, duvida com veemência dos seus adversários parisienses repreendendo-os com rudeza ao longo da obra». Num texto já citado (cf. supra nota 84), datado de 1286, Henrique de Gand continuará a admitir a dúvida quanto ao verdadeiro sentido da tese de Aristóteles respeitante à definição da alma e da unicidade do intelecto e, longe de ser tão taxativo quanto Tomás de Aquino, aquele teólogo afirma que o Estagirita sempre se manteve em dúvida. Idêntica hesitação (embora não tão peremptória) se encontra já em SIGÉRIO de BRABANTE - In lib de Causis, q. 27. “Cf. supra §§ 96 e 101. «Posição», no original, «positio» (tradução de thésis), termo técnico para se referir a opinião ou uma mera afirmação, pelo que colide

com os artigos da doutrina da fé que são verdades acerca das quais a dúvida não é legítima. “’IA afirmação entre aspas com a qual se presume citar uma opinião averroísta não se encontra em nenhum contemporâneo de São Tomás. Como se sabe,

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SIGÉRIO de BRABANTE (De Anima Intellectiva III ou VII) limitava-se a enunciar a posição de Aristóteles colocando-se no quadro da fé católica. Porém, aquilo que se convencionou chamar, desadequadamente, «a teoria da dupla

191

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verdade», foi condenada formalmente em 1277 e Raimundo Lhill ajudou a

vulgarizá-la associando-lhe os nomes de Sigério e de Boécio de Dâcia. A. de LIBERA (Contre Averroès, 53 e 51-58) vê na presente intervenção de São Tomás a invenção da referida teoria e em Sigério a ocasião para uma tal invenção tomasina: «a doutrina da dupla verdade é uma armadilha lógica estendida por Tomás aos autores que se contentavam em afirmar que se aquilo que a filosofia considerava verdadeiro podia ser falso aos olhos da fé, então, por esse facto, isso devia ser rejeitado». Consideremos rapidamente, por isso, a dimensão lógica da crítica que Tomás lhes acaba de dirigir neste §: não se pode afirmar simultaneamente uma proposição (seja p) e o seu contrário (-p), se o averroísta, como é o caso, sustenta a necessidade de p na qualidade de filósofo, então também deve afirmar a impossibilidade ou falsidade de -p e não - como pretende -

continuar a afirmar que pode crer, na qualidade de cristão, em -p. Poderia contrastar-se esta teoria, atribuída a Sigério de Brabante, com a versão de BOÉCIO de DÁCIA n'A Eternidade do Mundo (ef. ed. de M. S. de Carvalho 59, 85 e 12); este contemporâneo de Sigério defende não a oposição de teses contraditórias, mas a sua harmonização, para o que se serve de um outro princípio lógico aristotélico (cf. Refutações Sffisticas c. 25), o relativo à impossibilidade de cair em contradição quem opõe uma proposição em sentido absoluto a uma outra tomada em sentido relativo.

`Em 1270 gravitavam em tomo do monopsiquismo vários problemas do âmbito da «pura fé», tal como o do perecimento das almas no fogo, ainda conectados desipadamente com a escatologia patrística (dos «doutores»); vd., nesse sentido, ANONIMO de Van Steenberghen - Quaestiones De Anima 111, q. 22 e SIGÉRIO de BRABANTE - In HIDe Anima q. 11, que pergunta expressamente «se a alma separada pode padecer pelo fogo», tema que discute no estrito plano da filosofia (mormente Aristóteles c Averróis). A condenação de 1277 voltará ao tema (cf. HISSE1TE, R. - Enquête... 311-12). “’Cf. Em duas obras de polémica praticamente contemporâneas deste A Unidade do Intelecto, a saber, A perfeição da vida espiritual e. 30, e Contra a doutrina dos que desviam quem entra na religião c. 17, Tomás de Aquino repete invectivas similares. De notar a reivindicação do estilo escrito contra o estilo oral.

192

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APÊNDICE 1 QUADRO CRONOLÓGICO (SÉCULO XIII)

1180 Alão de Lille - Anticlaudianus1182-1193 Averróis - Comentários a Aristóteles1185 t Ibn Tufail1190 Moisés Maimónides - Guia dos Perplexos1198 Eleição de Inocêncio III

t Averróis1200 Nascimento de Alberto Magno1202 t Alão de Lille1204 t Moisés Maimónides1210 Proibição em Paris dos libri naturales de Aristóteles1215 Estatuto legal da Universidade de Oxford

Fundação da Ordem dos Pregadores Segunda proibição em Paris1217 Chegada dos Dominicanos a Paris1219 Chegada dos Franciscanos a Paris1220 Guilherme de Auxerre - Summa aurea1220-1230 Miguel Escoto traduz Averróis1223-1229 Alexandre de Hales utiliza as Sentenças de Pedro Lombardo no ensino1220-35 Miguel Escoto traduz Aristóteles1224-1225 Nasce Tomás de Aquino1226 t Francisco de Assis1229 Início da greve escolar de Paris1230-1329 T. de Aquino, oblato na Abadia beneditina de

Montecassino

193

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1231 O Papa confirma a interdição de Aristóteles t Guilherme de Auxerre1235 Tradução do Guia dos Perplexos de Moisés Maimónides1236 t Filipe o Chanceler1236-47 Rogério Bacon em Paris

Guilherme de Saint-Amour, mestre em Paris1239-1244 Tomás de Aquino estudante em Nápoles1240-1250 Adão de Buckfleld comenta o corpus aristotélico em Oxford1241 Condenação de 10 artigos contrários à fé na Faculdade de

Teologia de Paris1243 Boaventura entra na Ordem dos Franciscanos1244 Alberto Magno publica as Sentenças

Tomás de Aquino ingressa na Ordem dos Pregadores1245 Interdição de Aristóteles em Toulouse

t João da Rochela e Alexandre de Hales1245-1248 Tomás de Aquino segue as lições de Alberto Magno em

Paris1246-1249 Alberto Magno - Comentário às Sentenças1248 Alberto Magno funda o studium generale de Colónia1248-1252 Tomás de Aquino é assistente de Alberto Magno em

Colónia Tomás de Aquino - Comentário ao livro de Isaias1251 Rogério Bacon de novo em Paris1252-1256 Tomás de Aquino, bacharel sentenciário em Paris

Tomás de Aquino - Comentário às Sentenças; O Ente e

a Essência1253 Boaventura é mestre-regente em Paris

t Roberto Grosseteste1255 Estatuto da Faculdade das Artes da Universidade de Paris1256 Tomás de Aquino, mestre em teologia1256-1259 Tomás de Aquino - A Verdade e Comentário à Trindade

de Boécio1257 Aquino e Boaventura são admitidos no corpo docente

universitário1259 Regresso de Tomás de Aquino a Itália1259-1261 Tomás de Aquino, docente em Nápoles

Tomás de Aquino inicia a Suma contra os Gentios

Page 223: A Unidade Do Intelecto Contra Os Averroistas

1263 Renovação da proibição de 12311265-1268 Tomás de Aquino, mestre-regente em Roma

Tomás de Aquino - Questão sobre A Alma Tomás de Aquino inicia Summa Theologim

194

Page 224: A Unidade Do Intelecto Contra Os Averroistas

1266 Guilherme de Moerbeke traduz Simplício - Comentário às Categorias1267 Boaventura prega o De decem prmceptis

Rogério Bacon - Opus Maius1267-1268 Tomás de Aquino - As Criaturas Espirituais

Tomás de Aquino - Comentário a A Alma1268 Boaventura prega o De septem donis

Tradução dos Elementos de Teologia de Proclo, por Guilherme de Moerbe,ke Tradução de Temístio - A Alma, por Guilherme de Moerbeke1268-1272 Sigério de Brabante - O Sofisma Omnis homo

Tomás de Aquino regressa a Paris1269 Tomás de Aquino comenta Aristóteles1270 Sigério de Brabante - Questões sobre o Terceiro Livro Da

Alma Egidio Romano - Os erros dos filósofos Alberto Magno - Os quinze problemas1271 Tomás de Aquino - A Unidade do Intelecto contra os

Averroistas1272-1273 Sigério de Brabante - A Eternidade do Mundo

Tomás de Aquino, mestre-regente em Nápoles Tomás de Aquino - Compêndio de Teologia (iniciado em 1265-67)1274 Tomás de Aquino - Suma de teologia III

tTomás de Aquino e t Boaventura1275 Sigério de Brabante - A Alma Intelectiva1276 Fim da cisão na Faculdade das Artes

Sigério de Brabante é citado perante o Inquisidor1276-1292 Eleição do Papa João XXI1277 Henrique de Gand, mestre em Paris (7 de Março) Carta de João XX1 ao bispo de Paris (18 de Março) Segunda condenação do aristotelismo radical (28 de Abril) Condenação em Oxford de teses tomistas, por Roberto

Kilwardby, O.P. (20 de Maio) Nova carta de João XX1 a Estêvão Tempier Alberto Magno viaja para Paris1280 Egídio Romano é expulso da Faculdade de Teologia1281-1284 t Alberto Magno1282 t Sigério de Brabante em Orvieto(?)1282-1284 Capítulo Geral dos Franciscanos em Estrasburgo

195

Page 225: A Unidade Do Intelecto Contra Os Averroistas

1284 Literatura das ‘Correcções’1286 Carta de Peckham que confirma a condenação em Ox-

1292 ford1294-1298 t Guilherme de Moerbeke1296 Rogério Bacon - Compêndio do estudo da Teologia1298 Mestre Eckhart - Instruções Espirituais1299-1314 Dietrich de Freiberg - O Intelecto e o Inteligível1301-1302 Raimundo Llull - A Declaração1302-1303 Dante - Divina Comédia1308 Egídio Romano - O poder eclesiástico1319-1325 João Duns Escoto - As Reportações de Paris1321 t Duns Escoto1323 Início dos processos de canonização de Tomás de

Aquino tDante Ockham - Suma de Lógica

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GLOSSÁRIO LATINO-PORTUGUÊS*

A ab excellentiis sensibilium: por um

excesso de sensíveis (17) absolute: em sentido absoluto (33) actio manens: acção imanente (107) actio transiens: acção transitiva (107) c coaceruatio: amontoado (67) comungi: conjugar (64, 138n) continuari: entrar em contacto (62,

138n) conuenire: ser compatível,

encontrar-se (8) copulatur: comunicar (62, 138n) corpus phisicus organicus: corpo

natural organizado (3) E

e contrario: ao contrário (20)

F fantasma: imagem (36, 62) figuraliter: metaforicamente (5,

10, 17n) H hic homo: um homem individual (62); este homem (65) hic homo singularis intelligit: este

homem em concreto pensa (6 1)1 Mustratio: iluminação (69) intellectiuo: actividade intelectiva (10) intellectiutmi: faculdade intelectiva (6,11,43ri,44n) intellectus a foris existens: o

intelecto que existe de fora (53) intellectus adeptus: intelecto

adquirido (207n) intellectus factiuus: intelecto

poiético (49)

* Os algarismos remetem para os parágrafos da tradução (geralmente apenas a

primeira ocorrência ou a mais significativa), excepto se forem seguidos de -n, caso em que remetem para as respectivas notas.

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Page 227: A Unidade Do Intelecto Contra Os Averroistas

intellectus materialis: intelecto material (1) intellectus possibilis: intelecto

possível (1, 11) intellectus speculatíuus: intelecto

especulativo (14, 48n) intellectum: objecto pensado (103,

207n) intelligens: aquele que pensa (107) intelligere: pensar (11, 40n, 60),

intelecção (16) intelligibilia: inteligíveis (55) intentio: intenção (106) M michi esse: o meu ser (50, 123n,

no sentido de ‘o que me carac-

teriza’, ‘a minha essência’) motiuum. faculdade motora (11) multitudo: múltiplo (113) N naturalis: filósofo natural (29, 37) o Ordinatio: relação de ordem (113) ordinatio naturalis: relação de

natureza (113) opinatiuo: acto de opinar (5) P per se: essencialmente (3 1) # per

accidens: por acidente perspectiua potentia: potência

teorética (7, 25n, 15) potentia anime: faculdade da alma (60) primum: em sentido primordial (10, 11, 37n, 60) Q quod quid est: quididade (29)

R ratio: noção (11, 13, 60);

argumento (60, 61); natureza (103) ratiocinatio. raciocínio (13, 46n) rationem: conceptualmente (9) rector: piloto (5) s scire: conhecer (10, 58) secundum esse: segundo o ser (1) secundum magnitudinem: segundo

a grandeza (15, 37) secundum rationem: segundo a

forma (3, Sn); segundo o

conceito (7) sensitiuo: acto de sentir (9),

actividade sensitiva (10) sensitiuum: faculdade sensitiva (6,

11) simpliciter: em sentido absoluto (68) species: forma (11, 18, 82n, 60) species intelligibilis: espécie

inteligível (62) susceptiua speciei: susceptível de

receber a forma (18) v ut universaliter: tomada universal-

mente (75)

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v uegetatiuo: actividade vegetativa (10) uegetatiuum: faculdade vegetativa (6,11) uirtus: faculdade (27, 29, 59) uis intellectiva: força intelectiva (57)

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íNDICE ONOMÁSTICO

Aertsen, J.A.: 37* Afonso Dinis de Lisboa: 20* 36* Agostinho (Santo): 18*, 90n,

158ri,189ri,208ri Alberto Magno: 20*, 21*, 23*,

36*, 37*, 4n, 21n, 46n, 84n,95ri,127ri,164,206ri,207ri Alexandre IV (Papa): 36* Alexandre deAfrodísia: 13*, 14*,

30*,35*,2n37ri,111n,122ri,55,126ri Algazel: 13*, 30*, 35* 127n, 58,

130n, 113, 223n, 115, 225n,227ri Alhazen: 65ri Allan, D. J.: 2ri Anaxágoras: 21, 23, 64n, 65n, 69n Ângelo de Arezzo: 36* Anónimo(s): de Vau Steen-

bergehn: 4n, 144n, 148n,195n, 205n, 210n, 231n; de

Bazán: 4n, 222n; de Giele:18*, 28*, 28n, 86n, 142n, 144n,145n, 167n; Sicut dixit TuIlius:36* Anselmo de Côme: 36* Antônio de Parma: 36* Antunes, M.: 35* Argerami, O.: 35* Aristóteles: 9*, 10*, 11*, 12*,

13*, 14*, 15*, 16*, 18*, 20*,21*, 26*, 28*, 29*, 30*, 31*,33*, 34*, 1 ri, 2, 2n, 5ri, 3, 6n,4,10ri,11ri,13ri,15ri,16ri,18ri,19ri,20ri,21ri,7,22ri,23ri,24ri,25ri,26ri,27ri,29ri,30ri,9,31ri,32n, 34n, 35n, 11, 37n, 38n,40ri,41ri,12,42ri,43ri,44,13,45ri,46ri,14,47ri,49ri,15,51ri,16,54ri,55ri,56ri,57ri,58ri,19,59n, 60n, 20, 61n, 62n, 63n,64n,65n,22,66n,67n,23,68n,

* O índice regista os números das páginas da «Apresentação» (seguidos de um *

asterisco); os números dos parágrafos da nossa versão (os algarismos isolados); e os números das notas (imediatamente seguidos da letra n). Não se registam os nomes constantes das Bibliografias e do Quadro Cronológico.

199

Page 230: A Unidade Do Intelecto Contra Os Averroistas

69n,71n,72n,73n,75n,76n,26,78n,79n,28,29,82n33n,85n, 30, 87n, 88n, 32, 90n, 9 1 n,93n, 34, 94n, 95n, 35, 96n, 97n,98n,36,99nJOOnJOIn,102n,37,103n,104n,38,105n,106n,107n, 39, 108n, 41, 11 On, 43,112n, 44, Wn, 114n, 45, 46,117n,118n,47,119n,120n,48,121n,122n,51,131n,60,132n,133n, 134n, 135n, 61, 136n,137n,63,141n,67,146n,147n,70,151n,73,153n,154,156n,74,160n,161n,162n,163n,75,164n,165n,166n,76,167n,77,78,171n,172n30,173n,174,83,176n,87,180n,181n,88,182n, 89, 183n, 184n, 185n,186n,91,188n,189n,92,19%,191n, 93, 95, 97, 197n, 198n,199n, 98, 200n, 201n, 202n,203n, 205n, 106, 107, 211n,108, 212n, 110, 216n, 217n,111,218n, 112,221n, 113,114,116,117,228n,231n Avempace: 37* Averróis: 13*, 14*, 16*, 17*, 18*,

19*, 20*, 21 *, 23*, 26*, 27*,28*, 29*, 30*, 31*, 35*, 36*,37*, 1, 2n, 4n, 5n, 7n, 1 On, 17n,7, 22n, 26n, 8, 28n, 30n, 40n,44n, 14,48n, 50n, 64n, 23, 70n,84n, 87n, 94n, 11 On, 111 n,123n, 55, 126n, 59, 131n, 62,138n,139n,63,141n,143n,65,66,189n,207n,222n,117,231n Avicena: 13*, 20*, 30*, 35*, 11 8n,

56, 127n, 128n, 129n, 130n,115,225n,116,226n,227n Bazán, B. C.: 25*, 37*, 38* Bianchi, L.: 25*, 36*, 37*

Boaventura (Santo): 9*, 21 *, 25*,

35*,4,222n Boécio: 21n, 33, 92n Boécio de Dácia: 35*, 37*, 206n,

230n Brady, 1.: 37* Burgúndio de Pisa: 14n, 15n BurrelI, D. B.: 35* Caciro, F. da G.: 36* Carvalho, M. S. de: 34*, 35*, 36*,

38*, 2n, 6n, 15n, 92n, 149n,

Page 231: A Unidade Do Intelecto Contra Os Averroistas

165n,190n,206n,23% Chenu, M-D.: 3n Comentador: vd. Averróis. Dales, R. C.: 35* Dante Alighicri: 19*, 35*, 2n, 22n De Boni, L. A.: 37*, 149n Dod, B. G.: 6n Domingos Gundissalino: 20*,

226n Durando de Saint-Pourçain: 21 Egídio de Lessines: 23*, 4n Egídio de Orleães: 36* Egídio Romano: 27*, 37* Elders, 1: 35* Empédocles: 19, 20, 59n Estagirita: vd. Aristóteles Estêvão Tempier: 22*, 25*, 28*,

37*,149n Filipe o Chanceler: 20* Filósofo: vd. Aristóteles Fioravanti, G.: 36* Freitas, M. da C.: 35* Gauthier, R.-A.: 19*, 20*, 25*,

38* Gerardo de Abbeville: 10*, 26* Gil, F.: 9*, 35* Gómez Nogales, S.: 19*, 36* Gonçalves; J. C.: 35* Gregório de Nissa: 5, 14n, 32, 74,

75; vd. Nernésio de Emesa.

200

Page 232: A Unidade Do Intelecto Contra Os Averroistas

Gualter Burley: 36*, 158n Guilherme de Auvergne: 20* Guilherme de Moerbeke: 6n, 64n Guilherme de Ockham: 21 Heidegger, M.: 32* Henrique de Gand: 21*, 28*,

84n,228n Henrique de Harclay: 21 Hillel de Verona: 36* Hissette, R.: 149n, 190n, 194n,

196n,222n,231n Homero: 140n Hume, D.: 33* lbn Bajjah: vd. Avempace lbn Ruxd: vd. Averróis. Imbach, R.: 25*, 38* João Biund: 20* João Duns Escoto: 21 João Filópono: 15n João de Gottinga: 36* João de Jandun: 36* João de Mirecourt: 21 João Peckham: 9*, 35*, 208n João da Rochela: 20* João de Salisbúria: 15n Kenny, A. : 10*, 11*, 35*, 186n,

209n Kirk, G. S.: 59n, 65n Kretzmann, N.: 35*, 6n Kuksewicz, Z.: 28*, 36* Laficur, C.: 37* Liber de Causis: 193n Libera, A. de: 14*, 25 *, 26*, 3 3

37*, 38*, 3n, 21n, 64n, 75n, Iffin,108n,193n,230n Lossky, V.: 193n Macedo, J. C.: 36*, 222n Macróbio: 14n, 22n, 74, 158n Mandonnet, P.: 35*, 37* Manguel, A.: 36* Marsilio de Pádua: 36*

Marx, K.: 19* Mateus de Aquasparta: 20* Mateus de Gubbio: 36* Matos, M. C.: 36* Moura, V. G.: 35* Nemésio de Emesa: 14n, 86n,

90n,157n,158n,164 Nicolau. de Autrecourt: 21 Pacheco, Ma C.: 32* Pattin, A.: 35*, 38* Pecegueiro, Ma M.: 3 5 Pedro de Auriole: 21 Pedro Hispano: 20* Pedro João Olivi: 10* Pereira, J. D.: 90n Pereira, Ma H. da R.: 35*, 22n Piché, D.: 37* Pina, A. A. de: 208n Platão: 15*, 16*, 5, 14n, 7, 22n,

26n,34n,24,47,74,164n,75,83,98,105,208n,116,117 Plotino: 5, 14n, 90n, 123n, 74,

163n Platónicos: 93n, vd. Platão; vd.

Plotino. Porfirio: 90n Procio: 90n Pseudo-Hermes Trimegisto:

158n Putallaz, F.-X.: 25*, 38* Raimundo Llull: 230n Randi, E.: 36* Raven, J. E.: 59n, 65n Roberto Kilwardby: 20* Rogério Bacon: 20*, 21 Rogério Marston: 20* Ross, D.: 2n. Rüegg, W.: 37* Rüppel, E.: 209n Santos, J. O.: 208n Santos, J. T. dos: 59n, 65n

201

Page 233: A Unidade Do Intelecto Contra Os Averroistas

Sigério de Brabante: 19*, 23*,25*, 26*, 27*, 32*, 35*, 36*,37*, 38*, IOn, 50n, 77n, 80n,81n, 89n, 107n, IlOn, 137n,145n,147n,169n,175n,190n,191n,194n,195n,204,207n,216n,220n,222n,225n,227n,228n,230n,231n Simplício: 74, 159n -

Tadeu de Parma: 36* Temístio: 13 *, 30*, 3 3 *, 35 *, 1 On,

15n37n,94n,36,99n,102n,49,122n,123n,124n,52,53,125n,55,126n,73,155n,74,163n, 83, 176n, 225n, 116,226n,227n,117 Ticofrasto: 30*, 53, 126n, 54, 63,

116,117 Tiago (São): 226n Tiago de Plaisance: 36* Tiago de Veneza: 92n Tomás de Aquino: 9 *, 10*, 11

12*, 13*, 14*, 15*, 17*, 18*,19*, 20*, 21 *, 23*, 24*, 25*,

26*, 27*, 28*, 32*, 33*, 34*,35*,36*,37*,38*,2n,3n,5n,9n, IOn, I In, 13n, 17n, 22n,25n,26n,28n,30n,34n,40n,44n,45n,48n,50n,64n,65n,75n,84,86n,87n,89n,90n,93n, 94n, 98n, 102n, 103n,105n,107n,108n,117n,118n,120n,123n,125n,126n,127n,129n,132n,134,138n,140n,141n,143n,144,145n,14%,151n,165n,168n,169n,172n,175n,176n,187n,189n,191n,193n,194,196n,205n,206n,208n,209n,213n,214,222n,227n,228n,230n,232n Tomás Escoto: 20*, 36* Tomás Wilton: 36* Torrefi, J.-P.: 36*, 37*, 3n, 228n Van Stenberghen, F.: 37*, 209n Vicente de Beauvais: 8 1 n VÜillemin-Diem, G.: 6n Wéber, E.-H.: 26*, 38* Witelo: 65n

202

Page 234: A Unidade Do Intelecto Contra Os Averroistas

SUMÁRIO

Apresentação, por Mário Santiago de Carvalho1. ‘A Unidade do Intelecto Contra os Averroístas’ (1270):

um texto actual? ................... ..................................................... 92. A Unidade do Intelecto ................................................... ............ 133. Contra os Averroístas .. . ............................................................... 194. Plano da obra ............................................. ................................. 285. A nossa tradução e edição ........................................................... 32 Notas ............................................................................................... 35 Bibliografia ..................................................................................... 39

Tomás de Aquino: A Unidade do Intelecto Contra os Averroístas Capítulo 1 § 1-2: Proémio .................. .............................................................. 45 § 3-14: Análise de A Alma Il .......................................................... 47 § 15-26: Análise de A Alma III ....................................................... 59 § 27-29: Análise de Física II .......................................................... 69 § 30-47: Análise de outros textos de Aristóteles ....... ...................... 73 § 48: Conclusão do capítulo ............. .............................................. 89

Capítulo II § 49-55: Temístio, Teofrasto e Alexandre ....................................... 91 § 56-58: Avicena e Algazel ............................................................. 97 § 59: Intenção do capítulo .............................................................. 99

Page 235: A Unidade Do Intelecto Contra Os Averroistas

203

Page 236: A Unidade Do Intelecto Contra Os Averroistas

Capítulo III § 60-6 1: O argumento de Aristóteles .............................................. 101 § 62-75: Averróis e os averroístas perante a afirmaçã o

1o homem pensa’ .............................................................. 103 § 76: Conclusão do diálogo refutativo ............................................ 117 § 77-82: Nova secção dialógica refutativa ...................................... 117

Capítulo IV § 83: Tema do capítulo ................................................................... 125 § 84-88: Argumentos contra a unidade do intelecto possível ......... 125 § 89-94: A tese da unidade contra Aristóteles ................................ 131

CapítuloV § 95-99: Primeiro argumento .......................................................... 141 § 100-101: Segundo argumento ...................................................... 145 § 102-109: Terceiro argumento ...................................................... 147 § 110- 112: Quarto argumento ......................................................... 155 § 113-114: Quinto argumento ......................................................... 157 § 115-117: Sexto argumento ....................................................... . ... 159 § 118-119: Posições contra a fé católica ........................................ 161 § 120:Epílogo ................................................................................ 163

c

Notas ............................................................................................... 165

Quadro cronológico ........................................................................ 193

Glossário latino-português ...................................................

Page 237: A Unidade Do Intelecto Contra Os Averroistas

........... 197

Índice onomástico ........................................................................... 199

204

Page 238: A Unidade Do Intelecto Contra Os Averroistas

Do tradutor:

Santo Agostinho. Diálogo sobre a Felicidade. Edições 70 (Colecção ‘Textos Filosóficos’ 19) Lisboa 1988. Santo Agostinho. A Natureza do Bem. Fundação Eng. Antônio

de Almeida (’Mediwvalia. Textos e Estudos’ 1) Porto1992. Henrique de Gand. Se Deus pode criar um corpo fora do

céu sem que esse corpo toque no céu. Instituto de Estudos Filosóficos (’Revista Filosófica de Coirabra'2) Coimbra1992. Tomás de Aquino. O Ente e a Essência. Edições Contraponto (Colecção ‘Sapiens’ 3) Porto 1995. Boécio de Dácia. A Eternidade do Mundo. Edições Colibri (Colecção ‘Universalia'6) Lisboa 1996. Henrique de Gand. Sobre a Metafísica do Ser no Tempo’

Edições 70 (Colecção ‘Textos Filosóficos’ 41) Lisboa1996. São Boaventura. Recondução das Ciências à Teologia. Porto

Editora (Colecção ‘Filosofia-Textos'9) Porto 1996. Pseudo-Dionisio Areopagita. Teologia Mística. Fundação

Eng. AntónIo de Almeida (’Medlxvalia. Textos e Estudos’10) Porto 1996. João Duns Escoto. Tratado do Primeiro Princípio. Edições

70 (Colecção ‘Textos Filosóficos'43) Lisboa 1998.

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Page 239: A Unidade Do Intelecto Contra Os Averroistas

Impressão e acabamento da LATGRAF - Artes Gráficas, Lda.

para EDIÇOES 70, Lda. Setembro de 1999