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Eng. sanit. ambient. 36 ARTIGO RTIGO RTIGO RTIGO RTIGO T T T T TÉCNICO ÉCNICO ÉCNICO ÉCNICO ÉCNICO CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO NA INTERFACE ENTRE AS ÁREAS DE RECURSOS HÍDRICOS E SANEAMENTO 1 SCIENCE, TECHNOLOGY AND INNOVATION IN THE INTERFACE DOMAINS OF WATER RESOURCES AND ENVIRONMENTAL SANITATION NILO DE OLIVEIRA NASCIMENTO Departamento de Engenharia Hidráulica e de Recursos Hídricos, Universidade Federal de Minas Gerais LÉO HELLER Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental, Universidade Federal de Minas Gerais Recebido: 19/04/04 Aceito: 20/09/04 RESUMO O presente texto avalia oportunidades de pesquisa, desenvolvi- mento e inovação, científicos e tecnológicos, nas áreas de interface entre recursos hídricos e saneamento ambiental. O esforço reali- zado fez-se no sentido de identificar temas que representem po- tencial de inovação, de uma forma geral, como também de solu- ção de problemas atuais típicos do contexto brasileiro que se expliquem por gargalos de conhecimento básico, de desenvolvi- mento tecnológico e de desenvolvimento institucional. PALAVRAS-CHAVE: Saneamento ambiental, recursos hídricos, pesquisa e desenvolvimento. ABSTRACT The paper presents an evaluation of emerging subjects in research, development and innovation in interface domains of environmental sanitation and water resources. The evaluation focus on the identification of research subjects with a high potential for innovation, in general terms, as well as those subjects more oriented to the solution of typical problems of the Brazilian context in the areas of environmental sanitation and water resources, for what fundamental knowledge as well as technological development are still required. KEYWORDS: Environmental sanitation, water resources, research and development. 1 O presente texto corresponde a uma síntese de documento elaborado por solicitação do CGEE - Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, concluído em dezembro/2003, visando subsidiar prospecção de temas de pesquisa em recursos hídricos coordenada por aquela entidade, por encomenda do CTHIDRO – Fundo Setorial de Recursos Hídricos. INTRODUÇÃO Entre os diversos setores usuários da água, o setor de saneamento é provavel- mente o que apresenta maior interação e interfaces com o de recursos hídricos. Embora definições tradicionais do sanea- mento, como a da Organização Mundial de Saúde reforcem uma visão antropocêntrica de seus propósitos – “Controle de todos os fatores do meio físico do homem que exercem ou podem exercer efeitos deletérios sobre seu bem- estar físico, mental ou social” – os reflexos das ações de saneamento ou de sua carên- cia são notórios sobre o meio ambiente, e em particular os recursos hídricos. A ques- tão das interfaces entre saneamento e re- cursos hídricos coloca-se exatamente na dualidade do saneamento como usuário de água e como instrumento de controle de poluição, em conseqüência, de preser- vação dos recursos hídricos. O presente texto tem o propósito de buscar identificar interfaces bem como linhas integradas prioritárias de pesquisa, desenvolvimento e inovação, científicos e tecnológicos, entre as áreas de recursos hídricos, saneamento, meio ambiente e saúde pública. Trata-se, em uma primeira leitura, de um problema de demarcação cujo principal interesse é o de orientar esforços de CT&I que possibilitem atin- girem-se objetivos em comum entre essas áreas. Os aspectos multidisciplinares, interdisciplinares e transdisciplinares da questão farão emergir temas e problemas de CT&I que só adquirem sentido justa- mente nesse contexto de interfaces. AS MÚLTIPLAS DIMENSÕES DO TEMA Recursos hídricos Um dos conceitos de desenvolvi- mento sustentável fundamentado na racionalidade econômica de tradição neoclássica afirma que a sustentabilidade é assegurada desde que não haja, entre sucessivas gerações, a redução no estoque total de capital, natural ou artificial. Isso significa que a perda de capital natural pode ser compensada ou substituída pela geração de capital artificial. Por capital ar- tificial entende-se o conjunto de bens e fa- tores de produção desenvolvidos pelo ho- mem. O capital natural é composto pelos recursos naturais renováveis e não renováveis encontrados no Planeta, entre eles a água. A água, enquanto recurso natural, realiza três funções ambientais básicas (Pearce & Warford, 1993): fornece insumo ao sistema pro- dutivo; assimila resíduos gerados por di- ferentes atividades de origem antrópica; provê utilidades estéticas e de lazer. Ademais, a água é recurso essencial à vida humana, desempenha um papel fundamental de substrato à vida em di- ferentes ecossistemas e, por meio do ciclo hidrológico e da circulação atmosférica global, é elemento essencial para a regulação climática do Planeta. Vol.10 - Nº 1 - jan/mar 2005, 36-48

A T CIÊNCIA TECNOLOGIA E INOVAÇÃO NA INTERFACE ENTRE … · A gestão de recursos hídricos faz-se em um ambiente de múlti-plos usuários e de conflitos de uso, reque-rendo complexos

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AAAAARTIGORTIGORTIGORTIGORTIGO T T T T TÉCNICOÉCNICOÉCNICOÉCNICOÉCNICO

CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO NA INTERFACE ENTRE AS

ÁREAS DE RECURSOS HÍDRICOS E SANEAMENTO1

SCIENCE, TECHNOLOGY AND INNOVATION IN THE INTERFACE DOMAINS OF

WATER RESOURCES AND ENVIRONMENTAL SANITATION

NILO DE OLIVEIRA NASCIMENTO

Departamento de Engenharia Hidráulica e de Recursos Hídricos, Universidade Federal de Minas Gerais

LÉO HELLER

Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental, Universidade Federal de Minas Gerais

Recebido: 19/04/04 Aceito: 20/09/04

RESUMO

O presente texto avalia oportunidades de pesquisa, desenvolvi-mento e inovação, científicos e tecnológicos, nas áreas de interfaceentre recursos hídricos e saneamento ambiental. O esforço reali-zado fez-se no sentido de identificar temas que representem po-tencial de inovação, de uma forma geral, como também de solu-ção de problemas atuais típicos do contexto brasileiro que seexpliquem por gargalos de conhecimento básico, de desenvolvi-mento tecnológico e de desenvolvimento institucional.

PALAVRAS-CHAVE: Saneamento ambiental, recursos hídricos,pesquisa e desenvolvimento.

ABSTRACT

The paper presents an evaluation of emerging subjects in research,development and innovation in interface domains of environmentalsanitation and water resources. The evaluation focus on theidentification of research subjects with a high potential for innovation,in general terms, as well as those subjects more oriented to the solutionof typical problems of the Brazilian context in the areas ofenvironmental sanitation and water resources, for what fundamentalknowledge as well as technological development are still required.

KEYWORDS: Environmental sanitation, water resources, researchand development.

1 O presente texto corresponde a uma síntese de documento elaborado por solicitação do CGEE - Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, concluído em dezembro/2003, visando subsidiarprospecção de temas de pesquisa em recursos hídricos coordenada por aquela entidade, por encomenda do CTHIDRO – Fundo Setorial de Recursos Hídricos.

INTRODUÇÃO

Entre os diversos setores usuários daágua, o setor de saneamento é provavel-mente o que apresenta maior interação einterfaces com o de recursos hídricos.Embora definições tradicionais do sanea-mento, como a da Organização Mundialde Saúde reforcem uma visãoantropocêntrica de seus propósitos –“Controle de todos os fatores do meiofísico do homem que exercem ou podemexercer efeitos deletérios sobre seu bem-estar físico, mental ou social” – os reflexosdas ações de saneamento ou de sua carên-cia são notórios sobre o meio ambiente, eem particular os recursos hídricos. A ques-tão das interfaces entre saneamento e re-cursos hídricos coloca-se exatamente nadualidade do saneamento como usuáriode água e como instrumento de controlede poluição, em conseqüência, de preser-vação dos recursos hídricos.

O presente texto tem o propósitode buscar identificar interfaces bem como

linhas integradas prioritárias de pesquisa,desenvolvimento e inovação, científicose tecnológicos, entre as áreas de recursoshídricos, saneamento, meio ambiente esaúde pública. Trata-se, em uma primeiraleitura, de um problema de demarcaçãocujo principal interesse é o de orientaresforços de CT&I que possibilitem atin-girem-se objetivos em comum entre essasáreas. Os aspectos multidisciplinares,interdisciplinares e transdisciplinares daquestão farão emergir temas e problemasde CT&I que só adquirem sentido justa-mente nesse contexto de interfaces.

AS MÚLTIPLASDIMENSÕES DO TEMA

Recursos hídricos

Um dos conceitos de desenvolvi-mento sustentável fundamentado naracionalidade econômica de tradiçãoneoclássica afirma que a sustentabilidadeé assegurada desde que não haja, entre

sucessivas gerações, a redução no estoquetotal de capital, natural ou artificial. Issosignifica que a perda de capital naturalpode ser compensada ou substituída pelageração de capital artificial. Por capital ar-tificial entende-se o conjunto de bens e fa-tores de produção desenvolvidos pelo ho-mem. O capital natural é composto pelosrecursos naturais renováveis e não renováveisencontrados no Planeta, entre eles a água.

A água, enquanto recurso natural,realiza três funções ambientais básicas(Pearce & Warford, 1993):

• fornece insumo ao sistema pro-dutivo;

• assimila resíduos gerados por di-ferentes atividades de origem antrópica;

• provê utilidades estéticas e de lazer.Ademais, a água é recurso essencial

à vida humana, desempenha um papelfundamental de substrato à vida em di-ferentes ecossistemas e, por meio do ciclohidrológico e da circulação atmosféricaglobal, é elemento essencial para aregulação climática do Planeta.

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As funções da água como recursonatural e como substrato à vida tornamimpossível a sua substituição por qual-quer capital artificial, resultando igual-mente impossível a aplicação do conceitode desenvolvimento sustentável de ins-piração neoclássica, como enunciado, aocaso dos recursos hídricos (Nascimento,Baptista e Cordeiro Netto, 1996).

A preservação dos recursos hídricos,em quantidade e qualidade, enquantopatrimônio natural e cultural da huma-nidade torna-se, portanto, imperativa. Asações de gestão dos recursos hídricos de-vem ainda assegurar:

• sua adequada alocação segundocritérios diversos – econômicos que resul-tem no uso otimizado do recurso, de eqüi-dade entre usuários presentes e as futurasgerações, de proteção do recurso e do meioambiente como um todo;

• a redução de riscos decorrentes daaleatoriedade dos processos naturais comoos riscos de inundação, de escassez pro-longada de água ou de poluição aciden-tal, bem como riscos à saúde,freqüentemente agravados por impactosde atividades antrópicas ou de falhas emsistemas de uso e controle de recursoshídricos.

Trata-se de um problema complexoquando se têm em conta suas particulari-dades, tais como a não uniformidade dadistribuição espacial da água no Planeta,a sazonalidade de sua distribuição tem-poral e sua aleatoriedade. Se os recursoshídricos são, em grande parte, renováveis,tal característica pressupõe a estabilidadefísica, química e biológica do meio e aestacionariedade climática. Os recursoshídricos são vulneráveis às formas pelasquais outros recursos naturais são explo-rados, em particular o solo, e apresentamelevada sensibilidade a flutuações climá-ticas, podendo vir a ser bastante impactadospor diversas ações antrópicas e por mu-danças climáticas. A gestão de recursoshídricos faz-se em um ambiente de múlti-plos usuários e de conflitos de uso, reque-rendo complexos sistemas tecnológicos egerenciais de regulação e uma base legaladequada a lhe dar suporte.

Saneamento

É de se esperar que surjam, nainterface entre saneamento e recursoshídricos, problemas de CT&I sobre as-pectos como o controle de perdas, a gestãoda demanda, a melhoria da eficiência decoleta e de tratamento de esgotos domésti-cos, o debate sobre o uso de soluções estáti-

cas para a disposição de esgotos, aimplementação de sistemas de reúso deágua, a minimização do lançamento de resí-duos sólidos em cursos d´água, o controleda contaminação da água subterrânea, ocontrole da poluição difusa de origem plu-vial, o aprimoramento da gestão de resídu-os sólidos. Estes temas reforçam o imperati-vo da integração das dimensões de quanti-dade e de qualidade de água na gestão derecursos hídricos tanto quanto nas ações desaneamento, no Sistema Nacional deGerenciamento de Recursos Hídricos(SINGREH), tanto quanto no SistemaNacional de Meio Ambiente (SISNAMA).

O saneamento é também um servi-ço de caráter público com responsabili-dade por responder a objetivos de aten-dimento e cobertura como os discutidospor Heller & Nascimento (2004). Umdos principais desafios para o setor é deatendimento a populações pobres con-centradas em favelas ou dispersas emmeio rural. Esses desafios são de naturezaeconômico-financeira como tambémtecnológica e gerencial, a serem ser enca-rados no conjunto de políticas integrativasdestinadas a combater a exclusão social.Devem ser políticas coordenadas quetambém contemplem a habitação, a saú-de, a educação, a geração de emprego e amelhoria da qualidade ambiental (Heller,Nascimento & Paiva , 2002).

Também enquanto serviço, colo-cam-se para o setor de saneamento pro-blemas de financiamento para fazer faceàs necessidades de expansão, de recupe-ração e renovação de sistemas e de mo-dernização da infra-estrutura e da gestão,de forma a atender aos objetivos de co-bertura enumerados, a requisitos de qua-lidade dos serviços e de conformidade comnormas ambientais progressivamente maisexigentes. Os serviços de abastecimentode água e de esgotamento sanitário, emparticular, têm operado segundo uma ló-gica de auto-sustentação financeira queincorpora tanto a amortização de valoresfinanciados para investimentos quanto oressarcimento de custos de operação emanutenção de sistemas. Os serviços dedrenagem urbana e de limpeza pública,no mais das vezes, têm sido financiadoscom recursos do tesouro municipal, even-tualmente complementados, particular-mente os investimentos em infra-estru-tura, por aportes de linhas de crédito na-cionais e, algumas vezes, internacionais.

O desenvolvimento de políticasintegrativas entre setores como os de re-cursos hídricos, saneamento, meio ambi-ente, saúde, desenvolvimento urbano,

habitação e transportes apresenta desafi-os de natureza institucional, gerencial etécnico não negligenciáveis. Por outrolado, notam-se ainda, no Brasil, carênciassignificativas de infra-estrutura de sanea-mento e de adequada gestão dos sistemasexistentes. São muitos os fatores que pos-sibilitam compreender as razões dessesfatos, entre eles podendo-se enumerar:

• as elevadas taxas de crescimentopopulacional urbano criaram umdescompasso entre a expansão urbana e aimplantação de infra-estrutura;

• o agravamento de desigualdadessociais de distribuição de renda e de opor-tunidades;

• a fragmentação de políticas pú-blicas de prestação de serviços de sanea-mento, com múltiplos agentes e baixonível de integração de ações;

• problemas relacionados com aconcessão e a regulação de serviços de sa-neamento, envolvendo o poderconcedente e o concessionário;

• a baixa capacidade de investimen-to de vários municípios;

• a falta de atualização tecnológica ea carência de recursos humanos;

• a falta de atualização gerencial, acarência de instrumentos de regulamen-tação e de regulação, a precária base deinformações e a falta de recursos de su-porte à decisão;

• a ausência de continuidade admi-nistrativa e de mecanismos que assegu-rem a implantação de ações e regulamen-tos oriundos de planejamento, quandoexistente, de procedimentos de avaliaçãoda efetividade de ações empreendidas ede dinâmicas de correção dessas açõesquando isso se mostra necessário.

A despeito dos progressos realizadosem abastecimento de água e, em menormonta, em implantação de sistemas cole-tores de esgotos sanitários, são notórias ascarências de atendimento e cobertura dosserviços de saneamento. Ao se buscar qua-lificar essas carências, notam-se nítidasdistinções entre níveis de cobertura portipos de serviço, entre territórios e em fun-ção do nível de renda das populaçõesatendidas. A fragmentação territorial e portipos de serviço com respeito à disponibi-lidade de serviços de saneamento nos dis-tritos brasileiros é ilustrada por meio daFigura 1. Trata-se de uma estatística sim-ples sobre a disponibilidade do serviçono distrito, não incorporando dados so-bre cobertura e indicadores de qualidadede atendimento, porém, suficiente paraindicar as discrepâncias mencionadas. Arelação entre nível de renda e cobertura é

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Pesquisa nas áreas de interface recursos hídricos e saneamento

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mostrada por intermédio da Figura 2 parao abastecimento de água por rede de dis-tribuição e para o esgotamento sanitáriopor rede coletora.

Cumpre entender as razões dessasdiscrepâncias e refletir sobre as formas desuperar tais limites em termos de desen-volvimento científico, tecnológico einstitucional, ampliação da capacidade definanciamento e criação e implementaçãode instrumentos de regulação do setor,um esforço que tem sido feito pela comu-nidade técnica e responsáveis políticos,porém que necessita ser intensificado.

A discussão que se segue procuraenfocar a questão das interfaces em CT&Ientre os setores em foco, tendo em contasuas dimensões próprias e alguns recortesauxiliares. Tais recortes procuram eviden-ciar questões de conhecimento e detecnologia com especificidades regionais,de escala espacial, de tipo e de intensida-de do uso do solo.

GRANDES CIDADES EREGIÕESMETROPOLITANAS

O contexto

Grandes áreas urbanas exercem for-tes pressões sobre os recursos naturais. NoBrasil, um fator que agravou os impactosambientais desse tipo foi a rápida transi-ção de uma sociedade predominantemen-te rural para uma sociedade essencialmen-te urbana. A Figura 3 mostra a evoluçãodas taxas médias anuais de crescimentoda população total e da população urba-na, no Brasil, calculadas a partir de dadoscensitários de 1940 a 2000. Em 1940, apopulação total do país era de 41,2 mi-lhões de habitantes, vivendo no campo28,4 milhões de pessoas. O censo de 2000revela 169,6 milhões de habitantes, sen-do de 137,8 milhões a população urba-na e de 31,8 milhões a população rural.Ou seja, em 60 anos, a população totaldo país quadruplicou, porém, a popula-ção rural permaneceu praticamente igualà de 1940.

Tão elevadas taxas de crescimentoda urbanização, agravadas pelos bem co-nhecidos problemas de distribuição deriqueza no país, resultaram em graves ca-rências de infra-estrutura urbana. A faltade habitação conduziu ao aumento dapopulação favelada, que passou a ocuparáreas menos valorizadas ou maisdesprotegidas contra invasão, como aszonas de risco de inundação ou geologi-camente instáveis, as áreas de preservação

ambiental e as áreas públicas. Da mesmaforma, notaram-se problemas graves desaneamento, que, em zonas faveladas ain-da perduram, a despeito dos progressosjá realizados. O acelerado crescimento daurbanização tornou obsoletos projetosurbanos e planos setoriais, onde existiam.A insuficiência de meios técnicos e de re-cursos humanos e financeiros dos muni-cípios, em face do rápido crescimento emcomplexidade dos problemas a gerir, fezcom que instrumentos de ordenação dodesenvolvimento urbano, como diretri-zes de uso do solo, sua implementação efiscalização, se distanciassem muito darealidade.

Além do crescimento populacionale da urbanização, dois outros aspectosdemográficos brasileiros são relevantes. Oprimeiro deles faz alusão ao expressivonúmero de municípios com populaçãoinferior a 50 mil habitantes, 90% do to-tal de municípios (Figura 4). São 70%

do total os municípios que, por possuí-rem população inferior a 20 mil habitan-tes, não são legalmente obrigados a ela-borar planos diretores. Porém, a maiorparte da população urbana brasileira vivenas grandes cidades. O segundo aspectorefere-se à diminuição do pesopopulacional dos municípios de algumascapitais brasileiras, como São Paulo e BeloHorizonte, mas também Porto Alegre, Riode Janeiro, Recife e Belém, em relação àpopulação de seus respectivos estados, aomesmo tempo em que se observa o cresci-mento do número de municípios compopulação superior a 500 mil habitantes(Figuras 5 e 6).

Há em curso um conjunto de mu-danças complexas que sugerem, por umlado, a saturação populacional nas gran-des cidades, porém não nos municípiosmenores que compõem suas regiões metro-politanas e, por outro lado, o aumento donúmero de municípios populosos também

SM: salário mínimo (Fonte: COSTA, 2003)

Figura 2 - Cobertura de serviços de abastecimentode água por rede geral e esgotamento sanitário,por rede coletora, em percentual de população

atendida, por faixa de renda

AA: rede geral de distribuição de água; ES: rede coletora de esgoto;LU: limpeza urbana e coleta de lixo; DU: drenagem urbana. NT:Norte; NE: Nordeste; SE: Sudeste; CO: Centro-Oeste; SU: Sul.(Fonte: PNSB, 2000)

Figura 1 - Percentual de distritos, por regiõesbrasileiras, com algum serviço de saneamento,

por tipo de serviço

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no interior dos estados. Esses fenômenoscombinados de expansão territorial ur-bana sugerem que as necessidades emequipamentos urbanos e aprimoramentodos meios de planejamento e gestão per-manecem atuais. Ao mesmo tempo, há orisco de perda de eficiência econômica dealgumas áreas urbanas quando essas so-frem redução de população ou modifi-cam-se suas funções no contexto urbano,como já acontece em áreas centrais de al-gumas das grandes cidades brasileiras. Asexceções ficam para algumas capitais queainda mostram tendências de crescimen-to populacional em relação a seus estadosrespectivos, como Fortaleza, Salvador,Curitiba, Florianópolis, São Luiz e Natal.

As pressões exercidas por grandesconglomerados urbanos sobre o meio são,entre outras, pressões de demanda porágua, solo e fontes de energia bem comoaquelas relacionadas à absorção de resí-duos e à alteração física de processos na-turais.

A questão da demanda

O problema

A demanda por água de abasteci-mento é gênese de conflitos pelo uso derecursos naturais. Com o crescimentopopulacional e a industrialização, manan-ciais de abastecimento de água mais pró-ximos à zona urbana tornam-se insufici-entes ou têm a qualidade das águas dete-rioradas pela própria expansão urbana. Énecessário buscar água em maior volume,mais distante da zona urbana, por vezescom transferência de água entre bacias.Surgem, em conseqüência, conflitos pelouso da água e restrições de uso do solo ede outros recursos naturais em áreas ex-ternas e relativamente distantes da áreaurbana. Os conflitos muitas vezes são ge-rados pela própria influência econômicada cidade em sua região, como no caso dedesenvolvimento de áreas de agriculturaintensiva para a produção de frutas e hor-taliças ou a implantação de eixos rodovi-ários em áreas de mananciais. Nas regiões

Figura 6 - Crescimento do número de municípioscom mais de 500 mil habitantes (Fonte: dados

censitários IBGE: www.ibge.gov.br)

metropolitanas, a expansão urbana,freqüentemente não planejada, muitas ve-zes ilegal, encontra-se na origem de sérioscomprometimentos de qualidade de águade mananciais de abastecimento urbano.

Uma das perspectivas de CT&I emsaneamento com nítida interface com a áreade recursos hídricos decorre de um propó-sito geral de redução da demanda por águade abastecimento. Algumas das alternati-vas tecnológicas são o controle de perdasfísicas nos sistemas de abastecimento deágua, o reúso intensivo de água, técnicasde coleta de água de chuva e a adoção deprocedimentos para a economia do con-sumo de água, podendo envolver a utili-zação de peças sanitárias econômicas emuso de água, ações de caráter educativo e ouso de instrumentos econômicos de inci-tação à redução de consumo.

O SINGREH dispõe do instru-mento de cobrança pelo uso da água que,uma vez implantado, deverá conduzir amudanças de comportamento de opera-dores de sistema de abastecimento deágua, no tocante ao controle de perdas

Figura 3 - Taxa anual de crescimento dapopulação total e da população urbana no Brasil(Fonte: dados censitários IBGE: www.ibge.gov.br)

Figura 4 - Distribuição percentual do número demunicípios por faixa de população (Fonte: dados

censitários IBGE: www.ibge.gov.br)

Figura 5 - Percentual da população residente nacapital versus população residente no estado

(Fonte: dados censitários IBGE: www.ibge.gov.br)

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Nascimento, N. O & Heller, L.

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mos incitativos como subsídios e progra-mas de financiamento de baixo custo.

A segunda vertente é a da educaçãopara a economia de água, conduzindo amudanças de comportamento no uso coti-diano da água. A combinação de medidasdesse tipo com mecanismos incitativos comoo que poderá se manifestar com a cobrançapelo uso da água ou com a ampliação deações de micromedição, têm potencial parareduzir padrões de consumo.

Ações de CT&I que poderão con-tribuir para a economia do uso da águaestão relacionadas a avaliações prospectivassobre a identificação das possibilidades,estratégias, dificuldades e meios para aampliação do emprego de instalações hi-dráulicas prediais de baixo consumo deágua, bem como para a difusão de práti-cas de economia de uso de água em con-texto doméstico como também nos seto-res comercial, de serviços e industrial.

• Reúso da água

O reúso da água tem sido emprega-do com maior intensidade em regiões ári-das e semi-áridas, onde o problema deescassez revelou-se há mais tempo, com aocupação humana e a ampliação de prá-ticas de agricultura irrigada. Porém, pro-blemas de escassez de água têm se mani-festado, igualmente, em regiões de maiorabundância de recursos hídricos tendopor origem a concentração urbana emregiões metropolitanas, combinada ounão com outros usos intensivos, como aagricultura irrigada ou usos industriais.Na indústria, o custo da água de abaste-cimento já tem sido fator de implantaçãode iniciativas de controle de perdas e dereúso.

Há diversas formas potenciais dereúso da água segundo a origem indus-trial ou doméstica do esgoto. Os esgotosdomésticos, após tratamento, podem serreutilizados em contexto urbano, para finspotáveis ou não potáveis. Há fortes restri-ções para o uso potável, relacionadas comriscos sanitários e epidemiológicos, restri-ções culturais e custos de tratamento queraramente justificam a iniciativa. Usos nãopotáveis, em contexto urbano, incluem airrigação de parques e jardins públicos ouprivados, alimentação de fontes e espe-lhos d’água, reserva de proteção contraincêndio, descargas sanitárias, lavagem deveículos. Na indústria, os usos concernemprocessos industriais diversos, torres de

nos sistemas, e de usuários industriais edomésticos. Estas mudanças de compor-tamento dependem, por um lado, dosvalores estabelecidos pela cobrança porvolumes captados e, por outro lado, daelasticidade da demanda dos diferentesusuários. A implantação da regulação dosetor de saneamento deverá contribuir paraque se obtenham ganhos de efetividadeem programas como o Programa Nacionalde Combate ao Desperdício de Água(PNCDA – www.pncda.gov.br). Deve-se, ainda, ressaltar que benefícios margi-nais de adoção de certas alternativastecnológicas de redução da demanda po-derão ser auferidos em termos de reduçãode lançamentos2.

Uma outra questão relevante relaci-onada com a demanda por água de abas-tecimento é a de proteção de mananciais.Essa questão possui forte base institucionalpor envolver a harmonização de políticassetoriais em contexto urbano, como polí-ticas de saneamento, de habitação, detransportes e sistema viário, de legaliza-ção da propriedade, de urbanização dezonas faveladas, entre outras. Ela envol-ve, igualmente, a harmonização de polí-ticas em diferentes escalas espaciais, dabacia urbana à grande bacia hidrográfica.

Oportunidades de inovação: a questãoda demanda

• Controle de perdas físicas nossistemas de abastecimento de água

As perdas físicas nos sistemas de abas-tecimento de água são estimadas, para ocontexto brasileiro, em cerca de 18% dosvolumes captados (Costa, 2003). As per-das de faturamento global, incluindo-se aías perdas físicas, as perdas por conexõesclandestinas e aquelas decorrentes de faltaou de erros de micromedição, variam en-tre 25 e 65% dos volumes captados. Aconvivência com perdas físicas elevadasexplica-se, entre outros fatores, pela faltade regulação do serviço que, se existente,poderia levar os operadores de sistemas auma maior ênfase em seu controle. Naatualidade, é possível que análises estrita-mente econômico-financeiras e disponibi-lidade de linhas de crédito sinalizem aosoperadores ser mais vantajoso o investimen-to na expansão ou implantação de siste-mas do que em controle de perdas.

Desenvolvimentos tecnológicos sãonecessários em temas como recuperação de

redes envelhecidas e a micro e amacromedição. Há, em recuperação de re-des, oportunidades de inovação em de-senvolvimento de materiais e de métodosde recuperação que podem apresentar van-tagens econômicas e operacionais signifi-cativas. Desenvolvimentos em micro e emmacromedição para fins de controle deperdas envolvem o aprimoramento dainstrumentação, da certificação bem comoesforços em modernização, como o em-prego de telemetria em macromedição. Amicromedição tem efeitos mais diretos so-bre as perdas de faturamento, podendolevar o usuário a uma redução do consu-mo de água pelas economias, o que contri-bui para a racionalização do uso da água.

Um outro campo de investimentoem CT&I com potencial para contribuirpara a operação de sistemas de abasteci-mento com vistas à redução de perdasfísicas é o desenvolvimento de sistemasde suporte à decisão que orientem as prá-ticas de manutenção de sistemas e con-trole de perdas com base em uma amplavariedade de critérios relacionados à ida-de dos sistemas de distribuição e a variá-veis hidráulicas ligadas à operação dos sis-temas. O benefício é o de contribuir parao aprimoramento da gestão dos sistemasde abastecimento, um dos fatores impor-tantes para assegurar a efetividade de açõesde controle de perdas.

• Ações de economia em uso da água

Ações de economia de uso da águaoperam em duas vertentes principais. Aprimeira delas é de caráter predominan-temente tecnológico e envolve a substi-tuição ou a adoção, no caso de novas cons-truções, de equipamentos de instalaçõeshidráulicas prediais de baixo consumo deágua. A tecnologia desse tipo de equipa-mento encontra-se bastante desenvolvi-da, em parte por iniciativa dos própriosfabricantes. Ações de aprimoramentotecnológico situam-se, por exemplo, emavaliação e em certificação de desempe-nho e em aprimoramento de normas téc-nicas. Nota-se o maior uso de equipamen-tos em estabelecimentos comerciais e deserviços e em instalações industriais. Ageneralização de seu emprego, incluin-do-se o uso doméstico, depende de fato-res de natureza cultural e econômico-fi-nanceira. É possível que um programa desubstituição de peças sanitárias só seviabilize a partir da adoção de mecanis-

2 A ressalva é valida, por exemplo, no caso do controle de perdas no sistema de abastecimento, o que não reduz lançamentos. Por outro lado, a adoção de instalações hidráulicas econômicasem uso de água (e.g.: vasos de descarga reduzida - VDR) não reduz a carga de poluição gerada, mas pode contribuir para a efetividade do tratamento de esgotos pela maior concentraçãode cargas.

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resfriamento, produção de vapor, cons-trução civil, entre outros. Em meio rural,o reúso é empregado em irrigação eaqüicultura. Esgotos industriais podem serreutilizados, após tratamento, na agricul-tura e na própria indústria (Hespanhol,2002).

No Brasil, o reúso é solução aindapouco utilizada e sistematizada, não ha-vendo políticas públicas nesse sentido,mesmo em caráter regional. As questõesde CT&I que se colocam como requisitoa um maior emprego do reúso no Brasilrelacionam-se, inicialmente, com umaavaliação sistematizada de seu potencial,na forma de um trabalho de avaliaçãoprospectiva, com base em cenáriosestruturados segundo as distintas reali-dades regionais caracterizadas por dife-renças climáticas, de disponibilidade derecursos hídricos, de desenvolvimentoeconômico e de características sócio-cul-turais. Um estudo dessa natureza deveráenglobar fatores como:

• a caracterização das demandas porágua de abastecimento em meio urbano,em meio rural e para a indústria, especifi-cando-se os requisitos de qualidade e con-frontando-se com as características de es-gotos disponíveis;

• análises de riscos à saúde e de ris-cos ambientais tendo em conta as carac-terísticas de esgotos e as alternativas dereúso;

• identificação e sistematização derequisitos operacionais e de manutenção desistemas segundo distintas formas de reúso;

• identificação e sistematização derequisitos de monitoramento e de pre-venção de riscos à saúde para distintasformas de reúso;

• análises econômico-financeiras queevidenciem os custos e benefícios de açõesde reúso para distintas formas de reúso;

• identificação de necessidades dedesenvolvimento institucional e regula-mentar para a implementação de políti-cas de reúso.

Há necessidades de desenvolvimen-to de tecnologia de reúso em vários do-mínios, como:

• concepção e projeto de redes dis-tintas de abastecimento de água, diferen-ciando o uso potável de usos não potá-veis, atendendo a requisitos de segurançapara os usuários;

• alternativas de tratamento de es-gotos que atendam aos requisitos de qua-lidade de diferentes tipos de reúso daágua, de proteção ambiental e de redu-ção de riscos à saúde de usuários – a título

de exemplo, usos industriais requeremáguas com baixo potencial de corrosão,desenvolvimento de microrganismos ouformação de deposições; em usos agrícolasa presença de nutrientes pode proporcio-nar racionalização em uso de fertilizantes.

• Coleta de água de chuva

A coleta de águas de chuva para finsde abastecimento de água, inclusive con-sumo humano, é técnica conhecida emregiões áridas e semi-áridas. Em áreas commaior disponibilidade de recursoshídricos, a coleta de águas de chuva podesignificar economia para o usuário e di-minuição da pressão de demanda sobrerecursos hídricos locais e regionais. Os usospotenciais incluem a irrigação de jardins,a alimentação de descargas sanitárias e alavagem de veículos. Em áreas urbanas,um benefício marginal da captação deáguas pluviais para abastecimento é a re-dução de escoamentos superficiais decor-rentes da impermeabilização do solo.Deve-se ressaltar que há uma certa incom-patibilidade de objetivos entre sistemasde armazenamento de águas pluviais paraabastecimento (reservar água) e para con-trole de escoamentos (manter volumes deespera). Esta incompatibilidade pode sertecnicamente resolvida, mas isso implicaem custos de investimento mais elevados.

A coleta de águas de chuva para usosque tolerem águas de qualidade inferior,em contexto urbano, tem sido considera-da em pesquisas, por meio de simulaçõesque avaliam o balanço disponibilidade-demanda, aspectos técnicos de dimen-sionamento e concepção de instalações, eestimativas de custos (e.g.: Ferreira,2003). Aspectos relacionados com a ava-liação de riscos sanitários, com a definiçãode padrões e o estabelecimento de nor-mas técnicas, com requisitos de operaçãoe manutenção e com a apropriação desoluções dessa natureza pelos usuáriosdevem ser objeto de investigação.

O problema dos impactosda urbanização sobre osmeios receptores

O problema

A urbanização produz impactos dis-tintos de natureza física, química e bioló-gica sobre os meios receptores, no con-texto da própria área urbana e a jusantedela. Os impactos físicos são, por exem-plo, alterações locais de microclima cau-sadas por mudanças no balanço de ener-

gia e na circulação atmosférica com refle-xos sobre processos de evaporação e pre-cipitação. A emissão de gases de efeito es-tufa em áreas urbanas pode resultar emimpactos sobre o clima em escala global.Os impactos físicos de maior monta estãorelacionados com aumentos em volumese velocidades de escoamento e com redu-ções de recarga de aqüíferos decorrentesda impermeabilização de superfícies, im-plantação de canais artificiais (redes demicrodrenagem), canalizações de cursosd’água, entre outras ações. Os impactosde natureza física têm resultado em au-mentos de freqüência e gravidade deinundações, intensificação de processoserosivos com aumento da produção,transporte e deposição de sedimentos,mudanças de morfologia fluvial e impac-tos sobre os ecossistemas aquáticos causa-dos por alterações em variáveis hidráuli-cas que caracterizam os escoamentos (ve-locidades, profundidades, vazões) e daprópria morfologia fluvial.

Os impactos de natureza química ebiológica têm origem em poluição difusamobilizada por eventos de precipitação epoluição pontual causada, sobretudo, porlançamentos indevidos de esgotos sanitá-rios e, em alguns casos, esgotos industri-ais, sem tratamento ou com tratamentoinsuficiente, nos sistemas de drenagempluvial ou diretamente nos meios recep-tores. Na atualidade, esses impactos sãobem conhecidos: poluição visual por cor-pos flutuantes, poluição microbiológicade praias e lagos urbanos, efeitos crônicose acumulativos como a eutrofização dosmeios receptores ou sua contaminaçãopor metais pesados, efeitos de choque depoluição, como os resultantes de depleçãode oxigênio na água. Esses impactos re-percutem sobre os usos da água, impondorestrições e riscos ou majorando custos aoabastecimento de água potável, à piscicul-tura, ao turismo e ao lazer, entre outros.

Esforços de monitoramento da qua-lidade de água de origem pluvial em meiourbano têm sido desenvolvidos com mai-or intensidade nos últimos 20 anos, ten-do-se gerado uma rica base de dados,embora com significativa concentração depesquisas em países desenvolvidos. Umexemplo de caráter ilustrativo é o estudode Cottet (Cottet, 1980, apud Valiron eTabuchi, 1992), no qual compara cargasde poluição de origem pluvial (DP) comcargas de poluição de esgotos sanitários(ES) em duas bacias urbanas da regiãometropolitana parisiense, Ulis e Maurepas(Tabela 1). Esses resultados, corrobora-dos por experimentos similares em dife-

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Nascimento, N. O & Heller, L.

Tabela 2 - Estatísticas de volumes de esgoto sanitário coletado e tratado emrelação ao volume de água de abastecimento distribuída para algumas regiões

metropolitanas brasileiras

Tabela 1 - Comparação de cargas de poluentes de origempluvial e sanitária em sistemas separadores absolutos

dequados para disposição dos mesmos,facilitando sua mobilização e transporte porescoamentos de origem pluvial, quandonão se faz lançamento direto nos fundosde vale e leitos fluviais.

Os sedimentos constituem poluiçãoestreitamente associada aos processos deurbanização. A despeito da carência dedados sobre o tema, a literatura técnicaconcorda quanto à correlação positivaentre a fase de urbanização e o aumentoda produção de sedimentos de uma área(e.g. Leopold, 1968; Tucci e Collischonn,2000). A título de exemplo, em um es-tudo recente realizado na baciahidrográfica do ribeirão Pampulha, emBelo Horizonte, Oliveira e Baptista(1997) estimaram aumentos de produ-ção de sedimentos entre 50 e 100%, parasub-bacias em fase de urbanização, con-siderando-se eventos de precipitação comtempo de retorno de dois anos.

Oportunidades de inovação: controlede escoamentos e redução da poluiçãodifusa de origem pluvial

A partir dos anos 1970 tem-se ob-servado em países da Europa e da Améri-ca do Norte a construção de novos mo-delos e concepções para tratar os proble-mas de gestão das águas na cidade. Noque se refere ao controle de escoamentose de poluição difusa de origem pluvial,bem como à valorização das águas emmeio urbano, esses modelos têm se dis-tinguido de modelos de inspiração higie-nista por nítido antagonismo. Tambémno Brasil mudanças importantes de con-cepção, planejamento e gestão das águasem contexto urbano têm sido observadasnos últimos anos. A Tabela 3 sintetiza ocontraponto entre as concepções de basehigienista e concepções inovadoras nessecontexto. Essas mudanças conceituais re-fletiram-se em vias de inovação, como astécnicas compensatórias de drenagem

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VAAD: volume de água de abastecimento distribuída, por dia; VESC: volume de esgotosanitário coletado, por dia; VEST: volume de esgoto sanitário tratado, por dia. - Fonte:PNSB (2000)

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Segundo dados do IBGE para adécada passada (www.ibge.gov.br), cercade 18% dos domicílios brasileiros não sãoatendidos por serviços de coleta de resí-duos sólidos. A média referente às 10 prin-cipais regiões metropolitanas do país é de13% dos domicílios não atendidos, comlimites entre 2% e 23% dos domicíliossem esse tipo de serviço. Parte dos resídu-os que não é coletada é lançada direta-mente em talvegues e outros pontos ina-

rentes bacias urbanas, sugerem que as car-gas médias anuais do esgoto sanitário sãosuperiores às do esgoto pluvial nos casosdos parâmetros sólidos totais, DBO5,DQO e NTK. Porém, em base de tempohorária, essas cargas são superiores às doesgoto sanitário, particularmente nos ca-sos de sólidos totais e metais pesados.

Encontra-se bem estabelecido na li-teratura o conceito de que a poluição deorigem pluvial é rapidamente mobiliza-da em superfícies impermeáveis, particu-larmente por eventos de precipitação in-tensos e de pequena duração, resultandoem efeitos de choque de poluição nosmeios receptores (Nascimento et al.,1999). Grande parte dessa poluição en-contra-se fixada em sedimentos, com ex-ceção dos nitratos, fosfatos e alguns me-tais solúveis como o Zn e o Cd, que sãoencontrados na forma solúvel (STU,1994).

Resultados de medições de qualida-de de água realizadas no período de 1985a 1991 no córrego Mandaqui, na cidadede São Paulo, cuja bacia, com área de dre-nagem de 15,7 km2, encontra-se urba-nizada em 96% (Martins et al, 1991,apud Porto, 1995) revelam, por um lado,a grande variabilidade das concentraçõesde poluentes mobilizados pelos eventoschuva-vazão em meio urbano e, por outrolado, a presença de contagens elevadas decoliformes termotolerantes nas águas deescoamento no curso d’água. Os níveis atin-gidos de coliformes termoto- lerantes su-gerem a contaminação de águas pluviaispor esgotos sanitários.

Esse tipo de contaminação tem pororigem tanto as ligações clandestinas en-tre os sistemas de drenagem pluvial e deesgotamento sanitário, quanto carênciasem infra-estrutura para a coleta e o trata-mento do esgoto sanitário. A Tabela 2traz estatísticas sobre a infra-estrutura deesgotamento sanitário no Brasil com res-peito à rede coletora e outras formas dedestino final. Do esgoto que é coletado,uma parcela muito pequena sofre trata-mento, a maior parte sendo lançada, di-retamente, nos meios receptores.

a. DP/ES: relação entre carga de origem pluvial (DP) e carga de origemno esgoto sanitário (ES)

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Tabela 3 - Síntese das mudanças conceituais entre conceitos higienistas e conceitos inovadores degestão de águas em meio urbano (Nascimento, Baptista e von Sperling, 1999)

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pluvial, a integração de requisitos de ges-tão das águas no zoneamento urbano e agestão do risco de inundação.

Os objetivos fundamentais das cha-madas soluções alternativas de drenagempluvial são a redução ou controle de ex-cedentes de água gerados pelaimpermeabilização e da poluição de ori-gem pluvial, em diferentes escalas espa-ciais e, sempre que possível, próximo àsfontes geradoras (e.g.: CERTU, 1998;Schueller, 1987; Urbonas e Stahre,1993; Azzout et al., 1994; Ellis, 1999;Herson-Jones, Heraty e Jordan, 1995).Experimentos controlados de técnicas al-ternativas em laboratório ou em sistemasde drenagem, algumas em funcionamen-to há vários anos, têm demonstrado suaeficiência (e.g.: Balades e Petitnicolas,2001; Baptista, Barraud e Alfakih,2001; Cruz, Tucci e Silveira, 2000; Nas-cimento et al., 1999; Araújo, Tucci eGoldenfum, 2000; Goldenfum e Sou-za, 2001, entre outros).

Soluções alternativas de tratamen-to de fundos de vale e de recuperação decursos d’água também têm sido adotadas(e.g.: Riley, 1998; Waal, Large e Wade,2000; Jefferies, Govier e Bradshaw,1999). No Brasil, um exemplo recente é

o do Programa DRENURBS em execu-ção pela SUDECAP, autarquia da Prefei-tura de Belo Horizonte, que visa elaborarprojetos de recuperação e tratamento defundos de vale de todos os cursos d’águaperenes não canalizados do município(SUDECAP, 2001).

Naturalmente, tais objetivos depen-dem de um diagnóstico adequado dosprincipais problemas de ocupação do valerelacionados com o controle de cheias e dapoluição hídrica, com o patrimônioambiental, paisagístico e cultural a ser pre-servado ou recuperado, bem como comos próprios padrões locais de uso do solo.

• Processos hidrológicos em meiourbano

O tema que emerge como pesquisabásica ou aplicada nesse domínio é o damelhoria dos conhecimentos sobre pro-cessos hidrológicos em meio urbano. Deveincluir como enfoques principais, os se-guintes aspectos:

• relação chuva-vazão com respeito a di-ferentes padrões de uso do solo;

• poluição difusa de origem pluvial eseus impactos sobre os meios receptores;

• poluição de meios receptores em tem-po seco (poluição por esgoto sanitário);

• presença de resíduos sólidos nos siste-mas de drenagem pluvial e meios receptores;caracterização do fenômeno e identificação equantificação de seus impactos físicos, quími-cos e biológicos.

Como justificativa, trata-se de um dosprincipais requisitos para:

• aprimorar a qualidade da modelagemmatemática em hidrologia urbana, contribu-indo para a redução de incertezas em estdosde diagnóstico de funcionamento de sistemasexistentes, de concepção e de dimensiona-mento de soluções de controle de escoamen-tos e de redução da poluição de origem plu-vial;

• permitir a construção de relaçõesentre diferentes padrões de ocupação ur-bana e alterações de processos hidrológicos(relação chuva-vazão, poluição difusa deorigem pluvial), possibilitando o estabe-lecimento de indicadores que orientemdecisões sobre o uso do solo urbano emfunção da suscetibilidade do meio a im-pactos potenciais.

Vários temas, na modalidade de de-senvolvimento tecnológico, encontram-se associados ao domínio, nas áreas de

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Nascimento, N. O & Heller, L.

monitoramento, modelagem e de estabe-lecimento de indicadores e critérios paraa gestão das águas em meio urbano. Omonitoramento hidrológico e de quali-dade de água em contexto urbano apre-senta especificidades e dificuldades nãodesprezíveis que justificam esforços de de-senvolvimento tecnológico sobre temastais como:

• o desenvolvimento de tecnologiaassociada a equipamentos de medição ede transmissão de dados;

• o aprimoramento de procedimen-tos de concepção, projeto e operação deredes de monitoramento;

• o desenvolvimento de técnicaspara o processamento de dados: tratamen-to de dados e análise de incertezas, basede dados, interfaces com modeloshidrológicos e hidráulicos e com sistemasde informação geográfica, políticas, pro-cedimentos e meios de difusão de dados.

Em modelagem matemáticahidrológica e hidráulica em meio urba-no, um dos temas emergentes é o dainterface entre os modelos, bases de da-dos de monitoramento e sistemas de in-formação geográfica. Nesse aspecto, de-senvolvimentos com elevado potencial deinovação encontram-se relacionados àsinterfaces entre modelos hidrológicos etécnicas modernas de monitoramento,como o uso de radar para a medição decampos de precipitação e a teletransmissãode dados. A modelagem dos escoamen-tos em áreas urbanas é complexa em ra-zão da diversidade da ocupação urbana,de interfaces entre o escoamento à super-fície e escoamentos em redes de canaissubterrâneos de drenagem, de mudançassucessivas de regimes de escoamento, dapresença de resíduos sólidos e de sedi-mentos no escoamento. A modelagemmatemática de qualidade de água perma-nece um tema que requer esforços signifi-cativos de desenvolvimento. O aprimo-ramento de técnicas de modelagem e es-forços para a quantificação e a redução deincertezas nesse campo constituem-se,portanto, em objetos relevantes de de-senvolvimento tecnológico.

Finalmente, dentro do domínio emfoco, a construção de indicadores que per-mitam avaliar a efetividade de medidasde controle de inundação e de poluiçãode origem pluvial ou que orientem a de-cisão sobre o uso do solo, com base nosimpactos potenciais sobre os processoshidrológicos, são temas com potencial paracontribuir para o aprimoramento da ges-tão urbana, em geral, e da gestão de águasurbanas, em particular.

• Desenvolvimento de tecnologiascompensatórias em drenagem pluvial

Tecnologias compensatórias em dre-nagem pluvial mudam paradigmas de ges-tão de águas em meio urbano estabeleci-dos e empregados há mais de um século(ver Tabela 3). Essas soluções têm impactopositivo sobre os escoamentos e a poluiçãodifusa de origem pluvial, porém, ao mes-mo tempo colocam problemas de conhe-cimentos fundamentais e de desenvolvi-mento de tecnologia como requisitos parasua difusão e adequado emprego. Oaprofundamento dos conhecimentos so-bre os riscos sanitários e epidemiológicosrelacionados com o emprego de técnicasde infiltração e armazenamento de águasoriginárias de escoamento pluvial é um dostemas de pesquisa aplicada nesse domínio.Outra questão relevante em pesquisa bási-ca é a avaliação dos riscos de poluição dosolo e de aqüíferos que podem decorrer doemprego dessas técnicas.

Aqui, deve-se enfatizar o controlede escoamentos como o principal propó-sito de emprego de soluções compensa-tórias. A redução da poluição difusa é umbenefício complementar desejável. Açõesvisando a redução de poluição difusa nabacia hidrográfica, são necessárias, entreoutros benefícios, para assegurar o ade-quado funcionamento dos sistemas dedrenagem pluvial, incluam eles soluçõescompensatórias ou não.

Um amplo campo abre-se, na atua-lidade, para o desenvolvimento detecnologias compensatórias de drenagempluvial, podendo-se enumerar, entre ou-tros, os seguintes tópicos:

• materiais construtivos: escolha demateriais, avaliação de desempenho e du-rabilidade em face de características físi-cas, químicas e biológicas das águas aflu-entes;

• concepção e projeto: desenvolvi-mento de critérios, indicadores e méto-dos de suporte à decisão sobre a escolhade soluções compensatórias, estabeleci-mento de critérios hidrológicos, hidráuli-cos e operacionais de projeto desse tipode solução;

• operação: avaliação de eficiênciadas soluções compensatórias em termosde controle de escoamentos e de reduçãoda poluição difusa de origem pluvial; ava-liação de impactos sobre o funcionamen-to dessas soluções de poluição por esgo-tos sanitários e por resíduos sólidos; re-quisitos de manutenção segundo atecnologia empregada;

• identificação de áreas de interessepara a implantação de soluções compen-satórias, com base em estudos geotéc-nicos, ambientais, modelagem hidrológicae hidráulica e emprego de sistemas de in-formação geográfica;

• avaliação de custos de implanta-ção, operação e manutenção.

• Tratamentos de fundo de vale –renaturalização de cursos d’água

Como no caso das tecnologias com-pensatórias em drenagem pluvial, trata-mentos de fundo de vale alternativos àssoluções estruturais mudam paradigmascorrentes. Essas soluções podem, igual-mente, apresentar impactos positivos so-bre o risco de inundação, além de criaremoportunidades para a valorização da pre-sença da água, permitirem a criação deespaços de lazer associados a medidas deredução de impactos de inundações e con-tribuírem para a proteção ou a recupera-ção de ecossistemas aquáticos em meiourbano.

De forma similar ao caso do empre-go de soluções compensatórias, oaprofundamento dos conhecimentos so-bre os riscos sanitários e epidemiológicosrelacionados com alternativas de trata-mento de fundos de vale é um tema rele-vante de pesquisa aplicada nesse domí-nio. Questões de pesquisa básica estão re-lacionadas com o conhecimento sobre ofuncionamento de ecossistemas ribeiri-nhos e fluviais, em meio urbano, bemcomo sobre os impactos de mudanças deregime hidrológico e de poluição difusa econcentrada sobre os mesmos. Tratamen-tos alternativos de fundos de vale reque-rem desenvolvimento tecnológico sobre:

• materiais de revestimento e esta-bilização de leito e margens: escolha demateriais, avaliação de desempenho e du-rabilidade em face de características físicas,químicas e biológicas das águas afluentes;

• concepção e projeto: desenvolvi-mento de critérios, indicadores e méto-dos de suporte à decisão sobre a escolhade alternativas de tratamento de fundosde vale, tendo em vista objetivos múlti-plos de redução de riscos de inundação,proteção de ecossistemas e integração noprojeto urbano; critérios hidrológicos, hi-dráulicos e operacionais;

• identificação de áreas de restriçãode ocupação para fins de proteção de fun-dos de vale com base em estudosgeotécnicos, ambientais, modelagemhidrológica e hidráulica e emprego de sis-

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temas de informação geográfica para adelimitação de zonas inundáveis segun-dos riscos distintos de inundação;

• operação: avaliação de requisitosde manutenção;

• avaliação de custos de implanta-ção, operação e manutenção.

• Desenvolvimento legal,institucional e de gestão

O Estatuto da Cidade – Lein. 10.257, de 10 de julho de 2001 –define e estabelece instrumentos impor-tantes e inovadores com elevado poten-cial para o aprimoramento da gestão ur-bana, para a preservação ambiental e aredução de riscos naturais em contextourbano, aí incluídas a preservação de áre-as de mananciais, a redução de impactosda urbanização sobre meios receptores eo controle da ocupação de áreas de riscogeotécnico e de inundação. São exemplosos instrumentos que promovem o aumen-to da densidade de ocupação de áreas comadequada infra-estrutura urbana e me-nos susceptíveis a danos ambientais ou ariscos naturais, procurando controlar a ex-cessiva expansão urbana e a pressão sobreáreas de proteção ambiental. Os instru-mentos de regularização fundiária, pre-vistos na lei, contribuem para a urbaniza-ção de favelas, podendo melhorar as con-dições sanitárias dessas ocupações de bai-xa renda, reduzir riscos naturais e impac-tos sobre o meio ambiente. Outros ins-trumentos, como o direito de preempção,as operações urbanas consorciadas e atransferência do direito de construir po-dem ser empregados pela administraçãopública municipal com base em objeti-vos de proteção e valorização ambientais.O Plano Diretor é o instrumento básicode política urbana, de orientação do de-senvolvimento urbano e da expansão ur-bana, valendo-se de instrumentos comoos acima mencionados.

São alguns exemplos de temas a tra-tar, em termos do desenvolvimento demecanismos e instrumentos de planeja-mento e gestão:

• Desenvolvimento de metodologiasde planejamento urbano integrado e deplanejamento setorial de saneamento e derecursos hídricos;

• Desenvolvimento de base de da-dos, informações e indicadores de uso dosolo, de vulnerabilidade de espaçosconstruídos a riscos sanitários e naturais, denível de degradação ambiental, de vetoresde desenvolvimento urbano, entre outros;

• Desenvolvimento de base legal eregulamentar para adoção de soluçõescompensatórias de drenagem pluvial epara o tratamento de fundos de vale, comoa adoção de vazões de restrição, ozoneamento urbano para fins de drena-gem pluvial, com restrição de ocupaçãode áreas destinadas à implantação de equi-pamentos como bacias de detenção, pla-no de infiltração e outros, ou sujeitas ariscos de inundação;

• Inserção, em documentos de ur-banismo, como o zoneamento urbano e alei de uso e ocupação de solo, da delimi-tação e do controle de ocupação de zonasde risco de inundação e de riscogeotécnico;

• Desenvolvimento de instruçõesnormativas e regulamentares para a reali-zação de estudos e de projetos.

O emprego de instrumentos econô-micos como a cobrança pela alteração deregime hídrico e pela geração de poluiçãodifusa associada à urbanização, na forma,por exemplo, de uma taxa de drenagempluvial, apresenta aspectos técnicos,operacionais e legais que requeremaprofundamento por meio da realizaçãode pesquisa aplicada.

A gestão do risco de inundação e oemprego de metodologias como a análisecusto-benefício para a avaliação de medi-das de redução deste tipo de risco reque-rem desenvolvimento metodológico emavaliação de prejuízos diretos e indiretoscausados por inundações, em análise devulnerabilidade de espaços construídos ainundações e em estimativa de custos dediferentes alternativas de controle, parti-cularmente aquelas que envolvem a par-ticipação ativa das comunidadesconcernidas. Avaliações de percepção derisco de inundação e de formas de orga-nização social para fazer face à crise du-rante eventos de inundação são temas depesquisa importantes para a subsidiar aescolha de alternativas de controle deinundação, etapa na qual a participaçãosocial é indispensável. São também rele-vantes para a concepção e implementaçãode planos de contingência.

A cooperação intermunicipal é in-dispensável em regiões metropolitanas,por razões intrinsecamente técnicas dossistemas hidráulicos de infra-estrutura ur-bana, e em decorrência da necessidade deharmonização de políticas de desenvolvi-mento urbano, de habitação, ambientale de recursos hídricos na escala espacialde grandes conglomerados urbanos. A de-finição da bacia hidrográfica como uni-dade territorial de gerenciamento de re-

cursos hídricos no contexto do SistemaNacional de Gerenciamento de RecursosHídricos, sua repercussão sobre o uso dosrecursos hídricos e sobre a própria ocupa-ção do território, estabelece uma novabase territorial que incita à cooperaçãointermunicipal.

Do ponto de vista institucional e degerenciamento, é necessário o desenvol-vimento de procedimentos, métodos e in-dicadores que dêem suporte à decisão so-bre os usos de recursos hídricos e de ou-tros recursos naturais, que promovam acooperação, a solução de conflitos e facili-tem a harmonização de políticas a seremdesenvolvidas em diferentes escalasterritoriais e dependentes da ação de di-ferentes atores, com interesses diversos.

O emprego de instrumentos tec-nológicos, gerenciais e regulamentaresinovadores requer uma evolução signifi-cativa das estruturas de gestão urbana,em geral, e da gestão das águas em espaçourbano, em particular. Um esforço de trei-namento e atualização tecnológica egerencial de recursos humanos para atua-ção em níveis diversos da administraçãopública municipal deve ser, portanto,empreendido.

Oportunidades de inovação:esgotamento sanitário

Do ponto de vista dos sistemashídricos, as carências em infra-estruturade esgotamento sanitário representamfontes de poluição concentrada que po-dem resultar em redução da disponibili-dade hídrica por deterioração de qualida-de de água dos meios receptores. Nessesentido, as ações de CT&I na interfaceentre saneamento e recursos hídricos de-vem se orientar segundo objetivos de re-dução de impactos de lançamentos deefluentes de sistemas de coleta e tratamen-to de esgotos sobre os meios receptores aonível que assegure a disponibilidade dorecurso hídrico segundo metas de quali-dade estabelecidas, por exemplo, atravésdo instrumento de enquadramento decorpos d’água.

Supondo que se mantenham os atu-ais conceitos tecnológicos de esgotamen-to sanitário, ou seja, o uso de sistemaseparador absoluto com estações de trata-mento de esgotos localizadas nas extremi-dades de redes coletoras, os esforços de re-dução da poluição pontual de meios re-ceptores devem concentrar-se em fazer ossistemas reais de infra-estrutura de coletaaproximarem-se do sistema conceitual. Issosignifica desenvolver ações no sentido de:

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Nascimento, N. O & Heller, L.

3Geralmente referenciadas na literatura em língua inglesa como mudança de conceitos de “end of pipe” para “source control”.

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• reduzir as interconexões indevidasentre as redes pluvial e de esgotos sanitários;

• implantar, onde inexistentes ouinsuficientes, sistemas de coleta de esgo-tos e assegurar-se da adequada conexãoentre as redes coletoras e os interceptores;

• implantar, onde inexistentes ouinsuficientes, estações de tratamento deesgotos;

• garantir a adequada operação emanutenção dos sistemas.

Mudanças de paradigma de siste-mas de esgotamento sanitário, por exem-plo, tendo por referência conceitos de tra-tamento dos esgotos o mais próximo pos-sível das fontes geradoras3 requerem in-vestimentos consideráveis em pesquisaaplicada e desenvolvimento tecnológicoe institucional. Entre essas alternativas en-contra-se a opção pela implantação deETE’s por micro-bacia de coleta, disper-sando-se a infra-estrutura de tratamentopela área urbana.

Ainda no campo de inovações en-contram-se opções de redes coletoras, tra-tamento e disposição diferenciados paraáguas servidas e esgoto fecal, poten-cializando, para determinados usos daágua, a adoção do reúso. Alternativas ino-vadoras como essas certamente requereminvestimentos em pesquisa aplicada, comoa relacionada com a avaliação de riscos sa-nitários, epidemiológicos e ambientais. Co-locam-se, igualmente, questões afeitas àoperação e manutenção de sistemasdispersos, em seus aspectos organizacionais,de recursos humanos e de custos.

Avanços significativos em CT&Icom potencial efetivo de contribuir paraa implementação de ações como aslistadas, porém mais afeitas a sistemas dotipo “end of pipe”, foram realizados nosúltimos anos, notadamente por intermé-dio de programas de pesquisa de longaduração desenvolvidos por redes de ins-tituições de pesquisa. Esses avanços de-ram-se, por exemplo, em processos de tra-tamento de esgotos como também emavaliação de condições operacionais desistemas existentes e em desenvolvimen-to de instrumentos de suporte à decisãopara a escolha de técnicas de tratamentosegundo diferentes critérios.

Restam questões de pesquisa tecno-lógica e de desenvolvimento institucionalnesse domínio que ainda requerem esfor-ços em CT&I, tais como:

• critérios para a escolha de modali-dades de tratamento de esgotos e seu

dimensionamento segundo requisitos de lan-çamento compatíveis com padrões de quali-dade de água definidos pelo enquadramentode corpos receptores (e.g: eficiência de mo-dalidades de tratamento em remoção deDBO, SS, organismos patogênicos, nutrien-tes, compostos tóxicos ...);

• metodologias de suporte à decisãopara a priorização de investimentos emsistemas de coleta e tratamento de esgo-tos, compatíveis com requisitos de quali-dade dos meios receptores definidos peloinstrumento de enquadramento e com adisponibilidade de recursos financeiros;

• metodologias para a avaliação deefetividade e atendimento a padrões dequalidade nos meios receptores de im-plantação de sistemas de coleta e trata-mento de esgotos;

• modelagem matemática de quali-dade de água em corpos receptores, umaferramenta importante para avaliar aefetividade de diferentes estratégias de tra-tamento de esgotos bem como para per-mitir priorizar investimentos em sistemasde coleta e tratamento de esgotos combase no atendimento a padrões deenquadramento de corpos d’água;

• técnicas para a detecção e correçãode interconexões indevidas entre redespluvial e de esgotamento sanitário;

• padrões de monitoramento de es-tações de tratamento de esgotos segundoas diferentes modalidades de tratamentoe dimensões dos sistemas;

• formação e o treinamento de pro-fissionais técnicos para a operação e ma-nutenção de sistemas de esgotamento sa-nitário.

Gestão de resíduos sólidos

Em grandes áreas urbanas, os prin-cipais problemas de interface entre sane-amento e recursos hídricos relacionadoscom a gestão de resíduos sólidos são osseguintes:

• resíduos sólidos não coletados quepermanecem depositados em encostas,talvegues e áreas úmidas; esses resíduosoferecem riscos de poluição física, quími-ca e microbiológica, e produzem distúr-bios ao funcionamento hidráulico de es-truturas de drenagem quando mobiliza-dos e transportados por águas de escoa-mento pluvial;

• a presença de lixões e aterros nãocontrolados que representam risco de con-

taminação de recursos hídricos, em parti-cular, de águas subterrâneas.

As principais iniciativas em CT&Inesse domínio são:

• a avaliação de requisitos técnicos,organizacionais, operacionais e econômi-co-financeiros para a intensificação dareciclagem de resíduos sólidos;

• o desenvolvimento de técnicas decoleta de resíduos sólidos em regiõesfaveladas, vilas e outras ocupações urba-nas com precária infra-estrutura viária, oque torna inviável a utilização de veículosmotorizados;

• o desenvolvimento de técnicaspara a retirada parcial ou totalmenteautomatizada de resíduos sólidos de sis-temas de drenagem pluvial.

OUTROS CONTEXTOSDE OCUPAÇÃO DOTERRITÓRIO

Uma parte significativa dos proble-mas e questões de CT&I na interface en-tre saneamento e recursos hídricos, dis-cutidos no contexto de grandes cidades,reproduzem-se em cidades de porte mé-dio, com população entre 50.000 e500.000 habitantes e, mesmo, para ci-dades de pequeno porte. Entretanto, hámudanças de escala dos problemas, sen-do fatores relevantes para a proteção dosrecursos hídricos a dispersão das áreas ur-banas na bacia hidrográfica e o nível dedesenvolvimento regional. Essas variáveispodem determinar pressões de demandaou efeitos combinados de poluição daágua em corpos receptores decorrentes delançamentos em pontos distintos da ba-cia hidrográfica que não são evidentesquando se toma por base cada área urba-na de forma individualizada.

Soluções tecnológicas aplicadas comsucesso em grandes cidades tendem a serepercutir para áreas urbanas de menorporte. Problemas surgem, entretanto,quando essas transferências são feitas deforma incompleta, com simplificaçõesindevidas em concepção, projeto e ope-ração, bem como quando são adotadasna ausência de uma avaliação crítica depertinência e adequação. Especificidadesdevem ser reconhecidas, como por exem-plo, o maior potencial para o emprego desoluções estáticas de esgotamento sanitá-rio em cidades de pequeno porte. Portan-to, há nesse domínio esforços considerá-veis a desenvolver nos campos de transfe-

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rência de tecnologia, formação e treina-mento de recursos humanos. Nesse as-pecto, a cooperação intermunicipal podeser um meio de se obter economia de esca-la para constituírem-se equipes de profissi-onais competentes a atender a demandade serviços tais como a formulação de po-líticas, a análise de concepção de sistemas ede projetos, o controle operacional de sis-temas, a gestão de contratos, a atualizaçãotecnológica e outros que, em uma palavra,definem a expertise em planejamento egestão de ações de saneamento. Baptista eNascimento (2002) discutem diferentesarranjos institucionais visando a constitui-ção de uma organização intermunicipal deexpertise em saneamento.

Conforme já mencionado para áre-as metropolitanas, a definição da baciahidrográfica como unidade territorial degerenciamento de recursos hídricos nocontexto do SINGREH, sua repercussãosobre o uso dos recursos hídricos e sobre aprópria ocupação do território, estabele-ce uma nova base territorial que incita àcooperação intermunicipal mesmo entrecidades que não se encontram associadasa regiões metropolitanas.

Para as ações de saneamento, as zonasrurais apresentam problemas específicos dedispersão e de baixa densidade popu-lacional. Existem soluções tecnológicasbem conhecidas para tratar esse tipo deproblema, como os sistemas estáticos parao tratamento de esgotos. Os maiores pro-blemas de saneamento, nesse contexto,estão relacionados com a apropriação dassoluções de saneamento pela população ecom a prestação de serviços técnicos deoperação e manutenção de sistemas.

A prestação de serviços técnicos deoperação e manutenção de sistemas repre-senta dificuldades organizacionais e decustos justamente em razão da dispersãode um grande número de pequenos siste-mas por áreas extensas. Deve-se ressaltarque a freqüência necessária para as ativida-des de operação e manutenção é pequenae que essas tarefas não são de elevada com-plexidade, portanto, os custos operacionaissão relativamente baixos. Um doslimitadores da prestação dos serviços é obaixo nível de renda da maioria da popu-lação de zonas rurais. Assim, um dos pro-blemas que se colocam para a CT&I é o deconceber e avaliar alternativas de prestaçãode serviços de apoio técnico à concepção,projeto, instalação e operação de sistemasde abastecimento de água, de esgotamen-to sanitário e de disposição de resíduos só-lidos para usuários individuais e pequenascomunidades, em meio rural.

Além dos aspectos organizacionais egerenciais desse tipo de serviço, algunsaspectos de desenvolvimento de tecno-logia requerem ações de CT&I, tais como:

• avaliação das técnicas de coleta deáguas pluviais para fins de abastecimentode água: materiais, processos construti-vos, apropriação pelos usuários, qualida-de da água estocada e sua evolução du-rante longos períodos de estocagem, ris-cos de contaminação, riscos à saúde, cus-tos de implantação e operação;

• avaliação de técnicas estáticas deesgotamento sanitário – há uma vastaliteratura brasileira e internacional sobre otema, porém cabem ainda questões relacio-nadas com: materiais, processos construtivos,apropriação pelos usuários, requisitos de ma-nutenção, riscos à saúde e riscos ambientais,custos de implantação e operação.

CONCLUSÕES

O presente texto procurou avaliaroportunidades de pesquisa aplicada e dedesenvolvimento de tecnologia nas áreasde interface entre recursos hídricos e sa-neamento. O esforço realizado fez-se nosentido de identificar temas que repre-sentem potencial de inovação, de umaforma geral, como também de solução deproblemas atuais típicos do contexto bra-sileiro que se expliquem por gargalos deconhecimento básico, de desenvolvimen-to tecnológico e de desenvolvimentoinstitucional.

Embora aqui não se proponha umexercício de priorização de ações a partirdos temas enumerados, procurou-se apre-sentar, para cada tema sugerido, uma ar-gumentação justificativa que evidencie suapertinência e sua relevância, no contextoatual de conhecimento científico e de es-tágio tecnológico, no Brasil, na área focodo trabalho.

Finalizando, recomenda-se a reali-zação de um plano diretor de pesquisasem saneamento com a participação de di-ferentes segmentos relacionados à pesqui-sa nessa área (Heller e Nascimento, 2004).O plano diretor de pesquisas teria porobjetivo central fornecer bases e respaldo auma futura política de pesquisas na áreade saneamento para o que a presente refle-xão sobre temas de interface com a área derecursos hídricos poderá fornecer subsídi-os preliminares de discussão e avaliação.

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Endereço para correspondência:

Nilo de Oliveira NascimentoEHRUniversidade Federal de Minas GeraisAv. do Contorno, 842/8° Andar30110-060 Belo Horizonte - MG -BrasilTel.: (31) 3238-1872Fax: (31) 3238-1001E-mail: [email protected]

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23º Congresso Brasileirode Engenharia Sanitária e Ambiental

Mato Grosso

Mato Grossodo Sul

Goiás

Brasí

São Paulo

Paraná

CampoGrande

Nascimento, N. O & Heller, L.

Saneamento Ambiental no Brasil: Utopia ou Realidade?

Data: 18 a 23 de setembro de 2005

Local: Centro de Exposições Albano Franco Campo Grande - MS

Envio do trabalho completo: 30 de abril de 2005 Instruções para envio: www.abes-dn.org.br