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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CINCIAS ECONMICAS
BACHARELADO DE RELAES INTERNACIONAIS
Separatismo e Hiptese de
Guerra Local na Bolvia:Possveis Implicaes para o Brasil
ORIENTADOR: Prof. Dr. MARCO AURLIO CHAVES CEPIK
Fernando DallOnder Sebben
Porto Alegre, novembro de 2007
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Sumrio
Sumrio 1
Agradecimentos 2
Introduo 3
Captulo 1 Movimento separatista na Bolvia: Impactos Regionais 5
Captulo 2 Retrospecto Histrico e Interaes Possveis 17
Captulo 3 Balano Militar, Cenrios e Implicaes Para o Brasil 35
Concluso 83
Anexos 91
Bibliografia 93
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Agradecimentos
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer minha me. Foi ela que, alm de todo amor
de me, desde cedo apoiou meus estudos e deu-me todo incentivo para aprender e crescer.Minha namorada, Ana Paula Almeida Menezes, teve pacincia, amor e carinho
especialmente nos difceis momentos finais da redao do trabalho.
Minha irm, meu cunhado, meu pai e toda minha famlia deram-me o apoio necessrio
a realizar esta empreitada. No menos importante a prpria universidade: se as funes
bsicas maternas consistem em dar educao e subsistncia, ento posso dizer que a UFRGS
minha segunda me.
Devo agradecer tambm a quem, ao longo desses quatro anos, no s representou meu
maior aprendizado em Relaes Internacionais mas tambm, de alguma forma, ensinou-melies para a vida. So eles: Luis Fernando Barzotto, com quem aprendi Filosofia; Martha
Luca Olivar Jimenez, que me ensinou as lies do Direito e me aturou como bolsista por 3
anos; Andr Marenco e Carlos Arturi, os responsveis pelos primeiros ensinamentos de
Cincia Poltica; Jos Hildebrando Dacanal, responsvel por boa parte de meu conhecimento
em Redao; Sergio Marley Modesto Monteiro, que me ensinou Economia e com quem
compartilhei os ttulos do Internacional em 2006; Marco Aurlio Chaves Cepik, meu
orientador e mestre na arte de pensar e de pesquisar com rigor e excelncia; Jos Miguel
Quedi Martins, professor e mais do que isso, grande amigo, que tornou este trabalhorealizvel.
No posso nomear todos, mas queria deixar um especial agradecimento aos colegas e
amigos. Foram eles que enriqueceram minha capacidade crtica e com quem compartilhei
timos momentos. Meu obrigado a ngela Giordani, Gustavo Dullius, Pedro Blanco,
Manuela Mauler, Lorenzo de Aguiar Peres, Joo Paulo Curia Pereira, Marcelo Fonseca,
Bibiana Camargo, Luiza Galiazzi Schneider, Rodrigo Bertoglio Cardoso e Luiz Alfredo
Mello Vieira. Tambm merecem agradecimento especial Fabrcio Schiavo Avila, Lucas Kerr
de Oliveira e Daniel Lopes Bretas.
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Introduo
Algumas correntes de teoria das Relaes Internacionais especialmente a idealista
observam na realidade atual um mundo em que predominam livre-comrcio, instituies
multilaterais, interdependncia e cooperao. Faamos um exerccio e consideramos que sua
anlise est 100% correta. Destarte, uma questo imediatamente impor-se-ia: por que, no
sculo XXI, estudar a guerra?
A esta e a outras perguntas pretendemos responder neste trabalho. Pretendemos
demonstrar os perigos de, em meio mundializao, ameaas tambm se globalizarem. Em
uma de suas idias mais conhecidas, Clausewitz afirmara: (...) a guerra no outra coisa
seno a continuao da poltica de Estado por outros meios 1. Ora, parece razovel supor, a
partir desta premissa, que enquanto houver poltica haver guerra. Enquanto houver, por
exemplo, a possibilidade de disputas por recursos econmicos ou em torno de identidades, a
possibilidade de guerra e as formas de evit-la devero constituir objeto de estudo.
Tal preocupao adquire relevncia quando se constata a possibilidade de uma guerra
na Amrica do Sul, capaz de, por conter o potencial de multiplicar conflitos regionais, tornar a
integrao sul-americana invivel. Ademais, este elemento de inquietao se encontra perto
das fronteiras brasileiras: trata-se do movimento separatista na Bolvia, objeto de estudo do
presente trabalho. Nesse sentido, estudaremos o separatismo e suas alteraes na percepo de
ameaa e na segurana da Amrica do Sul (Captulo 1). A seguir, faremos um breve
retrospecto do movimento e o analisaremos a luz de recurso tericos e metodolgicos
(Captulo 2). Finalmente, elaboraremos os possveis cenrios de conflito e suas repercusses
para a segurana e o desenvolvimento brasileiros, decorrncias diretas de nossa hiptese
central, a saber, de que o separatismo traz implicaes ao Brasil (Captulo 3).
Dado o potencial risco de guerra, estudar o movimento separatista e a possibilidade de
secesso na Bolvia torna-se imperativo. Para o Brasil, tentaremos prospectar quais os
cenrios mais provveis e qual nossa sugesto (o melhor cenrio) diante de um eventual
conflito; verificaremos a relevncia da modernizao do exrcito brasileiro, a qual deve tercomo funo precpua a projeo de uma fora de dissuaso regional. Na prtica, trata-se de
obter os meios a fim de combater o narcotrfico e o terrorismo, alm de proteger o territrio
1 CLAUSEWITZ, Carl von. Da Guerra. So Paulo: Martins Fontes, 2003: p. XCI. Ed. MartinsFontes.
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nacional. J na gesto do Baro do Rio Branco ficava clara a percepo de que a falta de
poder militar politicamente enfraquecera o Brasil2.
Reconhecemos que, em questes de poltica externa relativas Bolvia, o Brasil
sempre usou de meios pacficos e diplomticos. Foi assim, entre outros, no episdio em que a
regio de Chiquitos quis se incorporar ao Brasil, na Questo do Acre, na mediao da Guerra
do Chaco e, mais recentemente, na nacionalizao do setor de hidrocarbonetos por parte do
governo Evo Morales.
Contudo, este trabalho pretende avaliar que formulaes de poltica pblica e
diplomacia melhor se enquadram ao movimento separatista da Bolvia. Neste sentido, vlida
a contribuio de Edward Carr, nem realismo nem idealismo3; tampouco somente instituies
ou somente a fora na funo de dirimir as controvrsias entre os Estados.
No obstante, em especial para o caso do Brasil, o filsofo e matemtico Pascal nosdeixa uma importante mensagem sobre a importncia da fora para a formulao da
diplomacia: A justia sem a fora impotente; a fora sem a justia tirnica. (...) preciso,
pois, colocar juntas a justia e a fora e, para isso, fazer com que aquilo que justo seja forte
ou o que forte seja justo4. Destarte, uma vez que o Brasil j possui um corpo diplomtico
altamente qualificado, resta reafirmar seu poder de dissuaso a importncia da fora, luz
do pensamento de Pascal a fim de permitir que o justo seja tambm forte.
2MARES, David. Violent Peace: Militarized Interstate Bargaining in Latin America (New York:Columbia University Press, 2001), p. 125.3 Toda ao humana sadia, e portanto todo pensamento sadio, deve estabelecer um equilbrio entreutopia e realidade. (...) O vcio caracterstico do utpico a ingenuidade; o do realista, aesterilidade. CARR, Edward, Vinte Anos de Crise: 1919-1939. Braslia: Ed UnB, 1980 pp 22-23.4 PASCAL, Blaise. Pensamentos. In: PARRAZ, Ivonil. O disfarce da fora. Kriterion, BeloHorizonte, v. 47, n. 114, 2006.
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Captulo 1 Movimento separatista na Bolvia: Impactos Regionais
Seja onde for que vivamos em uma sociedade urbanizada,encontramos estrangeiros: homens e mulheres desenraizados que nos
trazem lembrana a fragilidade ou o murchar de nossas prprias
razes familiares.Eric J. Hobsbawm,Naes e nacionalismos desde 1870, p.199.
A Bolvia um pas perpassado por vrias clivagens que, todavia, nem sempre se
sobrepem. Este o caso das divises tnicas, culturais, lingsticas, de renda e da
distribuio de recursos naturais, que dividem o pas. Contudo, no sul e no leste da Bolvia,
todas estas diferenas somaram-se para produo de um nico conflito: o separatismo. A
regio conhecida como Meia Lua formada pelos departamentos de Santa Cruz, Pando, Beni
e Tarija. Caso seja concedido o territrio pretendido pela Nao Camba5 o movimento
separatista mais radical sua superfcie excederia mais da metade da rea do atual Estadoboliviano. O centro poltico do separatismo o departamento de Santa Cruz de La Sierra, mas
tambm inclui Tarija, de onde vem 90% do gs enviado ao Brasil6. O gs adquiriu especial
importncia para a matriz energtica brasileira, a qual contribuiu para diversificar. Na ltima
dcada, fortaleceu-se a parceria bilateral com a Bolvia, o que resultou na criao da Petrobrs
Bolvia (1995) e na construo do gasoduto Brasil-Bolvia (1997-2000) de importncia
estratgica fundamental para o Brasil.
Na Figura 1, a seguir, est representado um mapa que indica a localizao dos
departamentos que compem a Meia Lua e que desejam autonomia.
5 O lema do movimento Ptria ou Morte. Site oficial: (Acesso em:14/10/2007)6Conforme o jornal O Globo de 29 Abril 2007. Cf. VALENTE, Leonardo. Asfixia Energtica Tensona Amrica do Sul: Separatistas se armam na Bolvia: Grupo que exige autonomia para regio ricado pas tem milcias com 12 mil homens 'Ou mais autonomia, ou independncia' (Acesso em: 15/05/2007)
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Figura 1: Referendo pela Autonomia na Bolvia
Fonte: IBAIBARRIAGA, Mercedes. Peridico ElMundo .Matria de 03/07/2006
( 18/09/2007)
Na Figura 2, reproduzimos o mapa da Nao Camba, fornecido por seu site oficial. 7
Note-se que o Movimento inclui os Estados brasileiros de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul,
Acre e Rondnia. Embora os considere apenas regies afins, tal atitude no deixa de afetardiretamente a soberania brasileira.
O site desta faco radical apresenta aquilo que considera como seu movimento de
vanguarda: os querembas. O grupo os caracteriza como grupos organizados funcional e
territorialmente [que] tm por objetivo servir de apoio humano a qualquer ao que signifique
a sagrada defesa da ptria Camba 8. H, ainda, as chamadas brigadas juvenis, que teriam
como misso difundir a identidade Camba e promover a conscincia social, ambiental e
poltica do grupo9, alm de outros objetivos de carter mais amplo, incluindo a participao
7 Ver o site oficial (Acessoem: 15/10/2007)8No original: cuerpos organizados funcional y territorialmente y tienen por objetivo el de servir deapoyo humano a cualquier accin que signifique la sagrada defensa de la patria Camba . Fonte: (Acesso em: 15/10/2007)9 Cf. pgina das Brigadas Juvenis em: (15/10/2007)
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em manifestaes pblicas10com milhares de pessoas nas ruas das principais cidades da Meia
Lua.
Figura 2
Fonte:
Na Bolvia a identidade nacional associada comumente ao indgena e aos Andes,
perspectiva rejeitada pela Meia Lua, onde h predominncia do elemento hispnico. A regio
dotada de riquezas naturais, relacionadas com a extrao e produo de hidrocarbonetos, o
que eleva consideravelmente o PIB local em relao mdia nacional. Maior produo, maior
arrecadao de impostos, novo motivo de insatisfao local: os separatistas se insurgem frente
ao que consideram ser uma leso aos seus legtimos direitos, dispor sobre o uso do produto
dos impostos coletados na regio.
10Ver fotos deste tipo de protesto ocorrido em 2003 e 2004, disponveis em: (Acesso em: 15/10/2007)
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Antes de avanarmos na descrio do movimento separatista, faz-se necessrio que
analisemos um dos principais argumentos da Nao Camba, a saber, a idia de historicamente
no pertencer nao boliviana. No obstante, preciso notar que o conceito de nao
erigido artificialmente. Seu sujeito principal uma elite poltica, cultural ou econmica. O
critrio de abrangncia da nao moldado de acordo com os interesses dessa elite; a
composio tnica e lingstica so elementos secundrios11, quando no apenas justificativas
vazias. Etnia e idioma certamente contribuem para a aproximao ou afastamento de grupos
sociais; entretanto, de forma alguma constituem critrios decisivos. Hobsbawm afirma: a
homogeneidade tnico-raciais da prpria nacionalidade dada como garantida, uma vez
afirmada o que nem sempre acontece mesmo que a inspeo mais superficial possa dela
duvidar (HOBSBAWM, 1991:81). Mais adiante, o autor assevera: o apelo por uma
comunidade imaginria da nao parece ter vencido todos os desafios, sobretudo naqueleslocais onde as ideologias esto em conflito. (HOBSBAWM, 1991:195)
Os movimentos nacionalistas do fim do sculo XX so tipicamente separatistas, como
demonstra a tentativa da regio de Biafra, na Nigria, a mais rica em petrleo, de tentar obter
sua emancipao o que acabou resultando em uma violenta guerra civil. Trata-se de uma
espcie de egosmo da riqueza: a regio mais rica invoca tudo que possui de deferente em
relao aos territrios mais pobres e passa a reivindicar sua separao do restante do pas.
Alm disso, o argumento de nao serve para aumentar a coeso do grupo social
especialmente, da elite que se beneficiaria da explorao dessa riqueza. O nacionalismo,
por definio, exclui de seu campo de ao todos aqueles que no pertencem sua prpria
nao, ou seja, a ampla maioria da raa humana (HOBSBAWM, 1991: 201).
No obstante, mais do que um mero enfrentamento entre duas regies do pas, de
traos culturais e polticos distintos, ou entre as provncias e o governo central, que so
disputas relativamente comuns na histria sul americana, o conflito boliviano traz uma gama
de elementos novos. Reflete uma diviso entre os projetos de integrao das Amricas,
representados pela ALCA12e pela ALBA13. Deste modo, para alm da perspectiva nacional,
projeta-se tambm como parte de um conflito maior, de corte ideolgico, entre liberais e
11HOBSBAWM, Eric J.Naes e nacionalismos desde 1870. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, pp78-80.12 ALCA rea de Livre Comrcio das Amricas. Projeto comercial que pretende integrar aAmrica. liderado pelos EUA.13ALBA Alternativa Bolivariana para as Amricas. Projeto de integrao inspirado nas idias deSimn Bolvar. Politicamente esquerda, composto por Venezuela, Cuba, Nicargua e Bolvia Cf.. (Acesso em: 18/09/2007)
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bolivarianos cuja nica soluo, paradoxalmente, pode ser uma sntese entre ambos,
materializada na viso brasileira de integrao sul-americana.
A estes aspectos, associam-se os velhos problemas da agenda de segurana andina, tais
como o litgio territorial entre a Bolvia e o Chile. O governo Evo Morales atualizou apostulao histrica de seu pas de que lhe seja devolvido acesso ao mar. Ao contrrio de seus
predecessores, Evo tem posto em prtica aspectos da Constituio boliviana que antes eram
relevados. Estes so os casos da gua e tambm do petrleo, em que, inclusive, neste ltimo,
o governo no recuou de um confronto com seu aliado brasileiro para efetivar o previsto na
lei: a nacionalizao dos hidrocarbonetos. O governo Morales assegura que pretende obter seu
territrio de volta por meios exclusivamente pacficos (o que, no entanto, foi posto em xeque
aps a conduta de Evo Morales no caso da ocupao das refinarias pelo exrcito). A atitude
do governo boliviano frente questo do petrleo atualizou as percepes de ameaa do Chilepelo que entende ser um caso de revanchismo da Bolvia (e do Peru tambm) em relao ao
que considera ser um direito chileno de conquista: a ampliao do litoral. De todo modo, o
Chile teme por territrios que julga serem seus e v como uma ameaa sua soberania as
declaraes de chefe de Estado estrangeiro (Evo) de que pretende desmembrar parte de seu
territrio. A possibilidade de que este processo se desenvolva de forma violenta, vista pelos
militares chilenos como uma grande ameaa soberania nacional. Deste modo, a moderao
do governo Bachelet tambm percebida com receio pelos militares chilenos. Devido a este
fato que os chilenos apiam o grupo separatista boliviano mais radical, o Nao Camba,
que tambm recebe treinamento dos AUCs14colombianos15.
Com isto, desenha-se o perfil das alianas chilenas no continente. A aproximao do
Chile com a Colmbia , em parte, resultado de seu isolamento perante seus vizinhos, com os
quais tem litgios territoriais. Acrescente-se a isto a proximidade entre chilenos e americanos.
14AUC Autodefesas Unidas da Colmbia. Grupo paramilitar colombiano que, sob o pretexto deauxiliar o governo na guerra civil, mantm estreita relao com os produtores de cocana. Aparece na
lista do Departamento de Estado norte-americano classificado como organizao terrorista. Em tesefoi desmobilizado como parte dos acordos do governo com a guerrilha. Todavia, o ritmo dadesmobilizao lento (na prpria Colmbia), e, como veremos adiante no texto, acredita-se haja de 5a 15mil AUCs na Meia Lua boliviana15 Cf. BANDEIRA, Moniz (2007) Bolvia y Petrobrs. La Onda Digital, 15/05/2007, em: (ltima acesso em 07/11/2007) e artigodo mesmo autor na Folha de SP em 15/07/2007, sob o ttulo A balcanizao da Bolvia, disponvelem: (acesso em 20/07/2007). Ainda arespeito da presena das AUCs e do apoio aos separatistas, ver denncia feita por Leonardo Valenteno Jornal O Globo de Abril de 2007 a respeito em: (acesso em: Abril de 2007)
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O Chile fez uma transio inconclusa para o regime democrtico. Seus militares ainda
possuem enorme grau de autonomia. A Lei Reservada do Cobre20 apenas o exemplo mais
saliente, pois coloca o continente diante da possibilidade de uma carreira armamentista. O
recente confisco de ativos espanhis da companhia petrolfera Repsol- YPF por Evo Morales,
presidente da Bolvia, aproxima as perspectivas de militares chilenos e de empresrios
espanhis, que at ento viviam em uma situao desconfortvel em virtude da priso de
Pinochet na Espanha. Evo tem multiplicado inimigos e desagradado aliados, o que
naturalmente repercute nas atitudes externas frente sua atual crise interna boliviana e nos
prprios clculos dos separatistas que passam a contar com a possibilidade de receberem
amplo apoio internacional.
Segundo o jornal brasileiro O Globo21, existem na regio da Meia Lua pelo menos
doze mil homens prontos para dar consecuo secesso. Muito deles seriam AUCs,desmobilizados em seu pas de origem, que estariam dando assistncia para seus parceiros
bolivianos livrarem-se do bolivarismo. exatamente esta presena que coloca a Venezuela na
regio. Trata-se de uma reao ao envolvimento crescente de AUCs na Bolvia, visto pelos
venezuelanos como uma ao encoberta do governo Colombiano de lvaro Uribe, aliado dos
EUA e rival de Chvez. Em virtude disso, o governo venezuelano efetivou um acordo de
defesa mtua com a Bolvia22. O tratado tem se traduzido em mltiplas ofertas de ajuda
militar da Venezuela aos bolivianos. Deste modo, na Amrica do Sul formaram-se e esto em
consolidao dois campos hostis: de um lado; Chile e Colmbia; de outro; Venezuela e
Bolvia.
A presena simultnea, da Colmbia e do Chile, no processo de secesso boliviana
uniu em uma mesma hiptese de guerra distintos teatros de operaes do continente: o da
Amaznia e dos Andes. A crise boliviana une as recorrentes crises ocorridas entre o Chile
com Peru e Bolvia nos Andes e os litgios entre Colmbia e Venezuela na Amaznia. Separa,
20 Lei Reservada do Cobre criada na dcada de 50 e amplificada e mantida por Pinochet na
Constituio de 1989. MARREIRO, Flvia. Bachelet quer tirar verba milionria de militareschilenos, Folha de So Paulo, 15 de abril de 2007.. (Acesso em: 04/09/2007). Por esta lei, 10% dasreceitas advindas da exportao do cobre devem obrigatoriamente ser empregadas na aquisio deequipamentos militares. Seus recursos no podem ser usados para outros gastos militares, comopessoal ou custeio, somente para compra de armas.21VALENTE, L.ibidem.22O acordo prev, entre outros, a complementao das capacidades de defesa de cada pas.Estabelece, ainda, a cooperao militar em vrias reas, tais como gesto de crises e apoio paz,operaes humanitrias. O documento original est disponvel em (Acesso em: 04/09/2007)
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ao mesmo tempo, a Amrica hispnica em dois campos ideolgicos nitidamente delimitados,
o liberal e o bolivariano. Por isso, que a crise no sul da Bolvia tem um considervel
potencial desestabilizador tambm sobre o Equador e o Peru.
At a pouco, o Equador era uma das poucas economias dolarizadas do continente sul-americano. Devido ao processo de crise social introduzido pelo dlar, o Equador elegeu um
presidente de centro-esquerda, que pretende modificar a rbita em torno da qual se encontra o
pas. L se encontra a maior base norte-americana do continente, a de Manta, um poderoso elo
logstico para qualquer projeo de fora ao sul. A desestabilizao do governo do Equador
parece providencial manuteno desta cadeia logstica.
No Peru, pelo contrrio, houve uma vitria liberal. Juntamente com o Chile, so os
nicos pases sul-americanos membros da APEC23. Mas o pas ressente-se tanto do apoio
norte-americano dado ao Equador na Guerra do Cenepa quanto de sua aliana com Chile.
Assim, o presidente eleito do Peru se ver diante de grandes dificuldades frente ao
separatismo boliviano. Os peruanos dificilmente aceitaro neutralidade de seu governo contra
o tradicional inimigo (o Chile), mesmo que este no desponte diretamente como agressor.
Ademais, o triunfo da causa separatista na Bolvia criaria uma nova frente do Chile com o
Peru; a perspectiva da manobra de envolvimento que da advm dificilmente passar
despercebida pelos militares peruanos.
No Peru as eleies presidenciais apresentavam-se inicialmente como um plebiscitosobre distintos modelos: o de Chvez e o do Chile. Todavia, na ltima hora o atual presidente
apontou o Brasil como sua verdadeira referncia. Para muitos analistas, isto foi o que lhe
assegurou a vitria. De fato, o exemplo peruano mostra o apelo popular que possuem tanto o
governo brasileiro como a diplomacia da Unasul, que se afiguram como alternativas aos
extremos em que se debate o continente.
Do exposto, podemos concluir que o separatismo boliviano traz um grave desafio
integrao sul-americana, pois atua como um plo multiplicador dos litgios j existentes na
23Em ingls, Asia-Pacific Economic Cooperation. Foro da Cooperao Econmica sia Pacfico rea de comrcio que engloba inmeros pases da regio que lhe d nome, tais como EUA, Japo,China e Rssia. Nos ltimos encontros da APEC, representantes de Chile e Peru lanaram a iniciativado Arco do Pacfico Latino-Americano. Embora lanado a pouco tempo, o projeto se coloca comocontrapartida ao liderado por Chvez a ALBA. Ademais, filia-se prpria APEC e destaca aimportncia da abertura comercial e de investimentos. A posio da diplomacia brasileira em relaoao Arco foi crtica; o Chanceler Celso Amorim reafirmou a necessidade de formar um grande crculoamericano, unindo tanto as economias voltadas para o Pacfico quanto aquelas mais ligadas aoAtlntico.(Acesso em: 18/10/2007).
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regio. Devido exacerbao das tenses entre bolivarianos e liberais, o conflito j afeta
diretamente um dos princpios da poltica externa brasileira dos ltimos anos: a integrao na
Amrica do Sul. Em termos de relevncia social, a Constituio Federal vigente, de 1988,
prev expressamente a busca da integrao entre os povos da Amrica Latina (artigo 4,
pargrafo nico). A integrao , portanto, uma poltica de Estado, ultrapassa projetos de
qualquer governo. Estudar bices e condicionantes da integrao como o conflito boliviano
empresta relevncia social ao presente trabalho. O nascimento de um Estado influenciado
pela extrema-direita chilena e militarmente treinado pelos AUC's (oficialmente considerados
como terroristas pelos EUA) , no mnimo, preocupante.
No obstante, a dimenso do desafio que fornece, igualmente, a medida da
oportunidade: a construo de uma fora militar multinacional sul-americana e de um
complexo militar industrial comum aos pases da Amrica do Sul, que auxiliem a promoodo desenvolvimento sustentado, da estabilidade e da paz, aspectos que sero posteriormente
abordados.
Estudo de Caso sobre o Movimento Separatista
O objetivo geral deste trabalho analisar o conflito interno boliviano e suas
repercusses para o Brasil, com especial nfase na integrao sul-americana. A pergunta
principal que a dissertao procura responder a seguinte: o processo de secesso na Bolvia
traz implicaes ao Brasil? Para tanto, feitas as consideraes iniciais, primeiramente iremos
explicar o instrumental terico e metodolgico que orienta este trabalho. Em seguida, faremos
um breve retrospecto de alguns dos principais momentos da poltica externa boliviana no que
tange configurao de suas fronteiras. Por fim, apresentaremos as concluses e os desafios e
estratgias que se colocam para a formulao de polticas pblicas no Brasil.
Alm do objetivo geral aludido, pretende-se especificamente prospectar as hipteses de
guerra, seus cenrios e teatros de operaes. O trabalho filia-se, portanto, rea de Estudos
Estratgicos. Essa prospeco permite uma anlise das conseqncias de engajamento emcada teatro e cenrio para o Brasil, o que, por sua vez, contribui para a formulao da
diplomacia e da poltica de defesa brasileira. Domcio Proena Jnior afirma:
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Toda a estrutura militar existe para que a fora possa ser empregada com eficcia eeficincia no momento e para os propsitos da direo poltica do Estado. O governo quem decide quando lutar, quando no lutare quando parar de lutar. Por isso,
necessita obter de suas foras armadas informaes, diagnsticos, prognsticos,requisitos, desempenho, resultados e obedincia adequados 24. [grifos nossos]
Partimos do pressuposto de que h relao direta de causalidade entre o movimento
separatista e a segurana e o desenvolvimento brasileiros. Assim, o movimento separatista
(Varivel Independente) traz prejuzos a segurana e desenvolvimento do Brasil (Varivel
Dependente); por outro lado, as iniciativas brasileiras na segurana regional afetam o
separatismo: pases em conjunto podem unir-se para mediar e estabelecer a paz na regio. H,
todavia, uma Varivel Interveniente, ou seja, um fenmeno que causado pela VI mas
tambm causa a VD. (VAN EVERA, 2002). No presente trabalho, essa varivel equivale
forma de resoluo do conflito, ou seja, qual ser o resultado das negociaes polticas na
Bolvia (sucesso ou fracasso). A partir do nvel de conflituosidade e da mltipla interao
entre os atores, que ser posteriormente analisada, elaboraremos cenrios de guerra.
H, ainda, uma Condio Varivel: um coeficiente que altera toda a realidade,
multiplicando todas as variveis: a participao ou no de outros Estados ou foras
paramilitares.
Em sntese, temos o seguinte quadro:
24 PROENA JUNIOR, D. . Prioridades para as Foras Armadas: uma viso do dever-seracadmico. In: Domcio Proena Jnior. (Org.). Indstria Blica Brasileira: Ensaios. Rio de Janeiro:Grupo de Estudos Estratgicos / Frum de Cincia e Cultura da UFRJ, 1994, v., p. 31
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VARIVEIS DEFINIO NO TRABALHO
Varivel Independente Causa O movimento separatistaVarivel Dependente O que ser estudado Efeitos sobre a segurana e o
desenvolvimento brasileiros.Varivel Interveniente Influi no impacto da
varivel independente(causa) na dependente(objeto do estudo).
o Forma de resoluo doconflito
Nvel-1: PolticasFiscais e Tributrias
Nvel-2:OrdenamentoConstitucional
Nvel -3: Guerra: Guerra Sub-
Estatal
Guerra Local GuerraRegional
Condio Varivel Coeficiente que altera todaa realidade, multiplicandotodas as variveis
Participao de outros Estados ouforas paramilitares
Como exemplo de alterao na condio varivel (papel de terceiros) temos o
alinhamento poltico argentino. Caso Argentina e Brasil adotem posicionamentos firmes
contra movimentos separatistas na Amrica do Sul, h um efeito na prpria varivel
independente (separatismo), uma vez que a oposio dos principais pases da Amrica do Sul
diminui consideravelmente as chances de reconhecimento diplomtico externo de um novo
Estado. Neste caso, a varivel interveniente (forma de resoluo do conflito) mais provvel
fica localizada no primeiro nvel das polticas fiscais e tributrias que, nesta condio
varivel, tornam-se suficientes para dar conta do conflito.
Caso o alinhamento argentino se d com o Chile, a alterao na condio varivel se
traduz sobre todas as demais variveis. A expectativa de reconhecimento intensifica, na
varivel dependente, o processo de secesso, o que pelas razes aludidas multiplica seus
efeitos sobre o Brasil (varivel dependente) e altera a varivel interveniente para o nvel 2 ou3. Neste caso, a varivel interveniente ficaria colocada em algum ponto entre um
reordenamento constitucional (Estado binacional) ou a secesso pura e simples.
No caso de uma varivel interveniente de nvel 3, temos trs possibilidades: guerra
sub-estatal, local ou regional. Mais uma vez, a definio de cada subnvel a condio
varivel que vai definir a intensidade da guerra. O apoio diplomtico chileno e argentino pode
ser suficiente para uma guerra no mbito sub-estatal, travada entre foras do governo e
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separatistas. No condio necessria, todavia, para a ecloso de uma guerra local (a
participao de outros Estados soberanos). Mais uma vez, uma alterao na condio varivel,
como, por exemplo, a descoberta de assessores militares chilenos ou colombianos, pode
acarretar, como contrapartida, uma interveno da Venezuela. Esta seria a materializao de
uma hiptese de guerra local. Caso o Chile responda interveno da Venezuela com um
ataque direto Bolvia, deslocando o eixo geogrfico da guerra da zona separatista para o
litoral do Pacifico, temos ento uma guerra regional.
No obstante, o que importa que cada alterao traduza claramente uma resposta
diferente, no se podendo ter a mesma resposta para distintas alteraes. Esta distino lgica
e analtica clara o que permite a construo da modelagem formal e da simulao que
orienta a formulao de polticas pblicas, graas prospeco dos provveis impactos do
processo de secesso para o nosso pas (varivel dependente).
Assim, reiteramos que o trabalho objetiva, basicamente, responder ao desafio de
elucidar analiticamente diversas causalidades que se inter-relacionam reciprocamente e se
sobrepem. Faz isso ao atribuir um sentido lgico e unvoco a estas mltiplas interaes, de
tal sorte que o resultado traduza claramente, na varivel dependente (efeitos sobre o Brasil),
as alteraes suscitadas quer pela varivel interveniente (forma de resoluo do conflito) quer
pela condio varivel (papel de terceiros atores).
essa a justificativa do trabalho: a pretenso de empreender-se um estudo exploratriosobre os possveis impactos para o Brasil do separatismo boliviano tema que, sob este
enfoque, no se tem conhecimento da existncia de nenhum outro. Trata-se, portanto, de uma
abordagem original.
O mtodo de estudo de caso parece ser o mais indicado para tal abordagem. Isso porque,
em primeiro lugar, h uma riqueza de evidncias empricas, materializadas em uma realidade
complexa; em segundo lugar, o caso possui importncia intrnseca para a formulao de
polticas pblicas no Brasil: na melhor hiptese, pela elevao dos preos do gs, h prejuzos
apenas em termos econmicos. Na pior, em caso de temos de empreender operaes deestabelecimento de paz, acabar com o equilbrio fiscal e surgir o fantasma da crise econmica,
da elevao dos juros e do aumento do dficit fiscal, alm de toda desestabilizao poltica em
potencial (corrida armamentista e desequilbrio na segurana regional).
A partir do contedo exposto, j podemos inferir a hiptese de trabalho: O separatismo
boliviano afeta a segurana, o desenvolvimento e a poltica de integrao do pas.
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Captulo 2 Retrospecto Histrico e Interaes Possveis
Because Latin Americans had not been able to create hemispheric
institutions to carry out the role played by the U.S., wars broke
out.25David Mares, Violent Peace, 2001, p.68.
Bolvia: Territrios Perdidos e Fronteiras Transformadas
Nesta seo pretende-se fazer uma breve retomada histrica a fim de resgatar os
principais fatos relacionados conformao do territrio da Bolvia. Nosso objetivo aqui
demonstrar que sua configurao de fronteiras foi um processo traumtico, marcado por
diversos atritos com seus vizinhos sul-americanos. Conforme Quiroga26, no perodo
compreendido entre 1825 e 1935, a Bolvia perdeu cerca de 40% de seu territrio original. Em
outra estatstica, segundo Heidrich27, a a Bolvia perdeu mais da metade da extenso que
tinha poca da independncia (1.265.188 km de perdas, para uma extenso atual de1.098.581 km).28A seguir, inserimos um mapa para dar dimenso dessas perdas:
Fonte: (acesso em 02/10/2007).
25
Em virtude de os latino-americanos no terem sido capazes de criar instituies hemisfricascapazes de desempenhar o papel protagonizado pelos EUA, guerras ocorreram.26QUIROGA, Antonio Aranbar. A agenda internacional da Bolvia no incio do sculo XXI. In:Cadernos Adenauer- Poltica externa na Amrica do Sul. So Paulo: Fundao Konrad Adenauer, n07, 2000. pp.135-157.27lvaro Luiz Heidrich pesquisador do NERINT (Ncleo de Estratgia e Relaes Internacionais),Professor Assistente do Departamento de Geografia do Instituto de Geocincias/UFRGS e Professordo Programa de Ps-Graduao em Geografia/UFRGS.28CMARA, M. A. ; HEIDRICH, A. L. Identidades socioterritoriais na Bolvia: o territrio e asidentidades na gnese das estratgias de luta dos novos movimentos sociais bolivianos. 2006.(Apresentao de Trabalho/Comunicao).
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Houve diversos conflitos entre os pases sul-americanos durante seus sculos de
histria29, como a guerra Peru versus Bolvia" ttulo da obra de Euclides da Cunha. Na
seo dos Anexos apresentaremos duas tabelas montadas por David Mares: uma, com a
lista das principais guerras interestatais desde a independncia dos pases latino-americanos; e
a outra, elencando as atuais controvrsias entre os Estados da regio. Todavia, centraremos
nossas atenes em trs acontecimentos, responsveis pelas alteraes retratadas no mapa
acima: a Guerra do Pacfico, a Questo do Acre e a Guerra do Chaco. A seguir, abordaremos
brevemente cada um deles.
A Guerra do Pacfico
A Guerra do Pacfico, ocorrida entre 1879 e 1883, teve incio aps o governoboliviano ter anunciado um imposto sobre a exportao de nitrato, uma vez que o litoral
boliviano era utilizado pelos chilenos para o comrcio do produto. Em resposta, o governo
chileno invade a provncia chilena de Antofogasta. Conforme Lars Schoultz, O Chile
justificou seu uso preemptivo de fora alegando a necessidade de proteger propriedade
chilena, que a Bolvia havia ameaado tomar e revender se seus proprietrios se recusassem a
pagar a taxa em discusso 30.
Em seguida, o Chile exige o status de neutralidade do Peru, o qual por ter uma
aliana com a Bolvia recusa-se. A guerra tem incio e a Confederao Peru-Bolvia derrotada. As hostilidades terminam com a assinatura do Tratado de Paz de 1904, pelo qual o
Peru perde a provncia de Tarapac e a Bolvia perde seu acesso ao mar, ficando sem a
provncia de Antofagasta. Em contrapartida, o Chile comprometeu-se a construir uma ferrovia
ligando La Paz a um porto chileno, permitindo livre acesso aos bolivianos.
A principal conseqncia que a Guerra do Pacfico traz para o presente trabalho
traduz-se na perda boliviana da sada para o mar, tida por seu povo como uma das maiores
causas para a falta de desenvolvimento scio-econmico. A derrota para os chilenos deixou
traumas na Bolvia. O Chile, por sua vez, argumenta que tal perda foi feita com a aceitaodos lderes bolivianos, os quais assinaram o Tratado de 1904.
29David Mares afirma: Two centuries of the Latin American experience demonstrate the ubiquity ofthe use of force in interstate relations. Latin Americans have often been troubled by this frequent useof force. MARES, Violent Peace: Militarized Interstate Bargaining in Latin America (New York:Columbia University Press, 2001),p.4730SCHOULTZ, Lars.Estados Unidos Poder e Submisso. EDUSC, Bauru, 2000. Nota n 1, p.128.
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Na dcada de 70, restabeleceram-se negociaes sobre o assunto. A Bolvia cederia
parte de seu territrio e receberia, em troca, um pedao de terra da ento provncia de Arica
que, poca da guerra, pertencia ao Peru. Por esse motivo, o Peru foi chamado a participar
das negociaes, as quais acabou por impugnar. O resultado final foi o rompimento das
relaes diplomticas entre Chile e Bolvia.
Da dcada de 90 at hoje, a questo da sada para o mar tem sido objeto de
conversaes entre os sucessivos governos presidenciais de cada pas. Atualmente, os
Governos Evo Morales e Michelle Bachelet renem-se periodicamente a fim de debater o
assunto.
A Questo do Acre
Como resultado de alguns dos principais tratados responsveis pela demarcao das
fronteiras da Amrica do Sul Madri, Santo Ildefonso e Badajoz o territrio do Acre
pertencia Amrica espanhola. No entanto, no fim do sculo XIX, aps a emergncia do ciclo
da borracha, a regio passa a ser ocupada por nordestinos brasileiros. A Bolvia, em
contrapartida, temerosa de perder o territrio, faz um acordo de concesso empresa
americana Bolivian Syndicate, em 1901. Por seu turno, o governo brasileiro no aprova a
idia de ter uma empresa com grandes liberdades j que o contrato conferia ampla soberania
ao consrcio americano em uma rea fronteiria. Assim, conforme ressalta Amado Cervo31
,o Brasil, em sinal de desaprovao, retira do Congresso o Tratado de Comrcio e Navegao
assinado com a Bolvia em 1896.
A esta conjuntura, acrescente-se a revolta de Luiz Galvez, o qual proclama o Estado
Independente do Acre. Diante da situao, o Brasil no s reconhece o territrio como
pertencente Bolvia como tambm luta contra Galvez. A revolta reprimida, mas permanece
um descontentamento popular em relao soberania boliviana.
O Estado Independente do Acre seria proclamado ainda outra vez, em 1902, pelo
gacho Plcido de Castro, o qual liderou uma revolta dos seringueiros brasileiros contra asoberania boliviana e contra o Bolivian Syndicate. Novamente os insurretos seriam
reprimidos; a questo, porm, s seria definida como Tratado de Petrpolis, em 1903.
Nesse nterim, o Baro do Rio Branco, promove durante sua gesto uma
reinterpretao do Tratado de Ayacucho, de 1867, pelo qual o Brasil reconhecia o Acre como
31CERVO, Amado e BUENO, Clodoaldo. Histria da Poltica Exterior do Brasil. Braslia: EdUnB,2002. 2 edio, p.189
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rea boliviana. Por este novo entendimento, o territrio coloca-se sob litgio. Rio Branco
passa, ento, a uma negociao com o Bolivian Syndicate, intermediada pelo Baro de
Rothschild. De concreto, fica estabelecido o pagamento de uma indenizao empresa
sediada em Nova Iorque.
Uma vez solucionado o problema com os empresrios, o governo brasileiro, sob a
gesto de Rio Branco, vai s negociaes com a Bolvia, cujos resultados se materializam no
Tratado de Petrpolis de 1903. Por este Acordo, o Brasil pagaria aos bolivianos uma
indenizao de dois milhes de libras, alm de comprometer-se a construir a ferrovia
Madeira-Mamor, na qual a Bolvia teria livre-trnsito empreendimento que acabou
custando a vida de cerca de 40 mil funcionrios. Como resultado final, Cervo entende que
feito base de compensaes territoriais e pecunirias, no acordo do Acre no houve
vencidos nem vencedores. As relaes Brasil-Bolvia, aps o Tratado, at melhoraram
32
.Entendemos que no tarefa fcil avaliar a importncia estratgica do territrio do
Acre. Mais difcil ainda dimensionar a importncia do local para o contexto socioeconmico
da poca, evitando cometer anacronismos. Se foi uma vitria ou no ou se as compensaes
foram ou no justas, um julgamento que no efetuaremos neste trabalho; o que importa reter
em nosso estudo que importante ou no o territrio do Acre significou uma significativa
retrao das fronteiras bolivianas (142.800 km).
A Guerra do Chaco
A Guerra do Chaco (1932-35) teve como causa imediata o fechamento do Rio
Paraguai, o que foi resultado do Tratado de Navegao, Comrcio e Limites assinado entre
Argentina e Paraguai. Na verdade, a regio era objeto de controvrsia desde o sculo XIX. Na
dcada de 20, com a descoberta do petrleo, ambos os pases buscam colonizar e estabelecer
fortificaes na regio: os nimos se acirram.
Ocorreram, conforme Cervo e Bueno (2002), nada menos do que 18 tentativas de
mediao entre as partes, inclusive com a participao do Brasil, por meio da atuao doento chanceler Afrnio de Melo Franco. Durante a Guerra, o Brasil adotou uma postura
neutra. Segundo Mares (2001), inicialmente os Estados Unidos defendem a resoluo do
conflito por pases americanos, e no no mbito da Liga das Naes. Porm, diante do suposto
32CERVO e BUENO, op.cit., 2002, p.193.
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apoio argentino aos paraguaios, os EUA buscam evitar atrito com a Argentina (Cervo e
Bueno, 2002) e, portanto, voltam-se para outras questes externas.
A Guerra do Chaco o conflito latino-americano mais sangrento do sculo XX
deixou cerca de 100 mil mortos. Aps um armistcio em 1935, em 1938 as duas partes
finalmente assinam a paz: o Tratado Definitivo de Paz, Amizade e Limites. Conforme o
historiador Voltaire Schiling33, a Bolvia perdeu 249.500 km, rea que corresponde regio
do Chaco. Apesar das perdas territoriais, a guerra traria como importante mudana no sistema
poltico boliviano o enfraquecimento poltico da oligarquia. Segundo Cardoso e Faletto34
(1977), a luta significou pela primeira vez uma possibilidade de incorporao do indgena
nao e, em certo sentido, uma tomada de conscincia de sua condio. A proeminncia
adquirida pelos militares com a guerra acaba contribuindo diretamente para sua ascenso
como classe mdia e, portanto, para o enfraquecimento da oligarquia boliviana.
A Formao da Identidade Chilena
O Chile um pas que parece jamais ter se sentido vontade na Amrica Latina.
Desde sua independncia (1818), a rejeio Espanha favoreceu o interesse declarado das
elites locais em atrair, seletivamente, imigrantes escocs, suos, irlandeses e alemes35.
Estes eram os povos considerados viris, de bons costumes e com hbitos louvveis
(ESTRADA, 2000:466). Entre 1882 e 1884, o ento ministro Luis Aldunate Carrera afirmou
que a colonizao para o Chile deve tender a refundir duas ou mais raas numa s, tornando-
as amais elevadas e vigorosas. Este fato evidencia as vantagens da homogeneidade de raas
para a colonizao (ESTRADA, 2000:466).
No fim do sculo XIX, o darwinismo social, o racismo e o imperialismo estavam
muito presentes. Contudo, no Chile, ento considerada a Inglaterra da Amrica do Sul 36,
estes elementos estavam reunidos em um nvel muito acima da mdia se comparado a outros
pases. O elemento indgena era considerado um selvagem, um bruto. O principal jornal do
pas, na poca e ainda hoje, o El Mercurio, pregava o maior rigor no controle de raas
33SCHILING, Voltaire. Bolvia: tirania e revoluo (Acesso em: 27/09/2007)34 CARDOSO, Fernando Henrique & FALETTO, Enzo. Dependncia e desenvolvimento naAmrica Latina. 4.edio, Zahar editores, l97735ESTRADA, Baldomero.Imigrao Europia no Chile(1880-1920) In.: FAUSTO, B. (org.). Fazera Amrica. A Imigrao em massa para a Amrica Latina. So Paulo: EDUSP, 200036 BETHELL, Leslie. Historia de Amrica latina. Volume 10 Amrica Del Sur, c. 1870-1930,1992. Serie Mayor.
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inferiores. 37 Relatrios oficiais objetivavam impedir a migrao de povos com
caractersticas raciais entendidas como opostas s chilenas. Europeus latinos, rabes, ciganos
e chineses eram muito mal vistos. Contra os chineses, chegou a ocorrer uma manifestao
popular com cerca de 10 mil pessoas. (ESTRADA, 2000:498).
Em contrapartida, no raro surgiam descontentamentos dos imigrantes com as
pssimas condies de vida e tratamento que recebiam em terras chilenas: os chilenos eram
piores que os ndios, pois levavam numa mo o crucifixo e na outra o punhal (Estrada,
2000). Eram freqentes os roubos, boicotes e destruio dos pertences dos imigrantes.
Na poca da autoritria Constituio de 1883, quem detinha o poder era uma elite
terratenente branca e extraordinariamente homognea (BETHELL: 1992:157). Smbolo do
pensamento desse tempo a obra do escritor e mdico Nicols Palcios, la Raza Chilena, o
qual, ao afirmar a no-latinidade da raa chilena, acabou por fomentar o nacionalismo daelite local.
Palcios no chegou ao poder. Todavia, outro escritor, ex-gegrafo e professor de
geopoltica, que tambm trouxe idias radicais, teve mais sucesso: Augusto Pinochet. Em um
discurso altamente nacionalista, Pinochet entendia que o Estado chileno deveria seguir o
modelo de sobrevivncia de uma ameba, ou seja, modificar seu organismo (territrio) de
acordo com suas necessidades (recursos naturais) ao longo do tempo. O autor at mesmo fala
na necessidade de um espao vital, o hinterland alimentador do ncleo central38.
O Chile no se integrou nem ao projeto de integrao de Simon Bolvar nem ao daAmrica portuguesa. Nesse sentido, vale citar a excelente caracterizao da identidade chilena
feita por Baldomero Estrada:
O Chile uma nao que desenvolveu, no transcurso de sua histria, uma identidadefortemente marcada pelo isolamento. A cordilheira dosa Andes, o deserto e oOceano Pacfico foram barreiras fsicas que influenciaram fortemente na sociedadechilena a formao de uma mentalidade de ilhus.
Interaes Possveis: Modelando o conflito na Bolvia
Carl Von Clausewitz nos mostra que a poltica e a guerra no so fenmenos
incomensurveis entre si. Pelo contrrio, guardam uma relao de determinao recproca,
traduzida no seu aforismo mais famoso: (...) a guerra no outra coisa seno a continuao
37Jornal El Mercurio, Valparaiso, 8 de maio de 1915.38 BINIMELIS, Cecilia Quintana. Visin Geopoltica de Amrica Latina: El caso de Argentina,Brasil y Chile. Disponvel em:(ltimo acesso 18/11/2007).
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da poltica de Estado por outros meios 39. Portanto, o estudo da guerra tpico do domnio
das Relaes Internacionais, nas quais comumente o Direito Internacional interpretado de
acordo com a percepo do interesse nacional do Estado. Portanto, Clausewitz que nos
oferece a cosmoviso geral desse trabalho e o critrio racional para modelagem das hipteses
de guerra: o interesse nacional.
Para Clausewitz, existem dois gneros de guerra, aquele que tem por fim a aniquilao
e aquele que estabelece finalidades delimitadas. A guerra real um intermedirio entre estes
dois tipos extremos: a guerra absoluta e a guerra limitada. Esta compreenso nos fornece um
parmetro analtico que delimita a abrangncia da modulao: a guerra sub-estatal, a guerra
local e a guerra regional. Como sempre, a perspectiva do ator o que determina a
classificao da modalidade da conflagrao. Do ponto de vista do Brasil, qualquer uma
destas hipteses uma guerra limitada, seja sub-estatal, local ou regional. Todavia, esta nopode ser a perspectiva dos bolivianos, sejam separatistas ou unionistas; cada um precisa obter
a derrota decisiva para a afirmao de seu projeto estatal. Deste modo, para que exista um
Estado Camba, preciso que os separatistas derrotem decisivamente o governo; o mesmo vale
da perspectiva oposta: o Estado boliviano no ser o mesmo com a perda de mais de 60% de
seu territrio e sem boa parte de seus recursos naturais. O nome Bolvia poder continuar
existindo, mas para todos os efeitos (PIB, territrio, fora relativa) o Estado boliviano ter
deixado de existir. Trata-se, para ambos os bandos, de uma luta de vida ou morte, de uma
guerra cujas finalidades polticas s podem ser obtidas por meio do aniquilamento, referido
por Clausewitz como caracterstico do tipo de guerra designado como absoluto ou total.
por isso que, uma vez estabelecidas s hostilidades, a conflagrao poder ser
contida s atravs de uma misso de paz da ordem internacional (OEA ou ONU), antes de
chegar ao seu ponto culminante: o aniquilamento de um dos bandos. Esta percepo
clausewitziana que fornece a base da modelagem da guerra local ou regional. Ser muito
pouco provvel que os vizinhos da Bolvia assistam sua desintegrao, permanecendo
indiferentes. Mesmo que isto se d com a maioria de seus vizinhos, haver os interessados em
integrar operaes de paz da ordem internacional. Neste caso, trata-se de operaes de
estabelecimento de paz, e no de manuteno de um cessar fogo previamente estabelecido.
por isso que se trata de hiptese de guerra, pois a paz provavelmente ser estabelecida por
meio do uso da fora. Em termos comparados, uma operao mais semelhante misso da
39 CLAUSEWITZ, Carl von. Da Guerra. So Paulo: Martins Fontes, 2003: p. XCI. Ed. MartinsFontes.
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ONU de estabelecimento de paz na Coria em 1950 do que aquela atualmente em curso no
Haiti, que de manuteno de paz, da qual o Brasil participa. O fato das foras de paz na
Coria estarem sob mandato da ONU no as impediu de lutar naquela guerra local durante
trs longos e sangrentos anos. A noo de misso de paz, portanto, vai ao encontro da
modelagem de hiptese de guerra.
Uma vez que a poltica de Estado pautada por mandamento constitucional que tem
por finalidade a integrao40, no possvel, dentro de uma percepo clausewitziana, que os
meios militares permaneam inertes e indiferentes poltica de Estado. Pelo contrrio, dar-
lhes consecuo atravs da fora a prpria justificativa para a existncia do meio militar. Por
isto que, para Clausewitz, a preparao militar de um Estado condicionada por sua
diplomacia e por seus objetivos polticos gerais. Reciprocamente, no h como considerar as
finalidades da diplomacia sem inquirir sobre a real capacidade militar instalada para asseguraro cumprimento das misses solicitadas pelo poder poltico. Sendo assim, prospectando os
possveis cenrios de conflito, o trabalho tambm expressar quais as maiores debilidades, em
termos de capacidade militar instalada, face ao desafio da guerra local, para cumprir os
mandamentos da poltica de Estado brasileira.
Pelo vis de Clausewitz estabelece-se o critrio para a percepo de ameaa externa.
Ela no se corporifica apenas e to somente na constatao de uma agresso direta em marcha
contra o pas, mas tambm naquelas mudanas na correlao de foras internacional que
inviabilizam atingir os objetivos nacionais. Este parece ser o caso de um processo de
desintegrao do Estado boliviano que exacerbe as tenses entre os pases da Amrica do Sul,
tornando invivel, deste modo, a integrao sul-americana pretendida pelo Brasil. De acordo
com a perspectiva oferecida por Clausewitz, o estudo do conflito boliviano imprescindvel
para a devida compreenso das relaes internacionais da Amrica do Sul e para o
dimensionamento do bice representado pelo separatismo boliviano para a poltica de Estado
brasileiro: a integrao da Amrica do Sul.
Na poca de Clausewitz, no existiam processos de integrao regional tal como oentendemos atualmente. Por isto, a referncia em Clausewitz completada com a abordagem
fornecida por Buzan e Waever. Trata-se do conceito de Complexo Regional de Segurana
(CRS). Um complexo regional de segurana formado
40Conforme a Constituio Federal Brasileira de 1988, artigo 4, pargrafo nico.
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por um conjunto de unidades cujos principais processos de securitizao ou ambos,so to interligados que seus problemas de segurana no podem ser razoavelmenteanalisados ou resolvidos de maneira independentes umas das outras41.
Para os autores, h um CRS onde, seja em virtude de um padro de conflito ou decooperao, temos uma instncia de deciso das relaes internacionais. Neste sentido, o
prprio equilbrio mundial estaria sujeito ao conjunto destas balanas regionais encarnadas
pelo CRS. por isso que os autores se tornam preciosos para o estudo da Amrica do Sul,
onde temos a presena simultnea do fator integrao (cooperao) e do fator conflito
(guerra).
noo de complexo regional, os autores justapem a de subcomplexo regional de
segurana. Neste caso, trata-se de perceber que o padro de rivalidade / cooperao existente
entre Brasil e Argentina, que conformou o complexo sul-americano, cede em importncia ao
ora representado pela rivalidade entre Colmbia e Venezuela na Amaznia e, nos Andes, por
aquele entre Chile versus Bolvia e Peru. Os alinhamentos diplomticos entre o Chile e a
Colmbia e sua contrapartida, entre Venezuela e Bolvia, nos trazem uma nova dimenso para
o estudo desses subcomplexos. O conflito separatista boliviano cria, ao menos no plano
lgico, a perspectiva de uma mudana de contedo do CRS da Amrica do Sul: a troca do
padro Argentina/Brasil por um do tipo bolivarianos/liberais. Contudo, como veremos
adiante, ainda so as posies do Brasil e da Argentina que se sobressaem na equao de
segurana da regio. Do contrrio, confirmada a perspectiva da polaridade reduzir-se a
bolivarianos e liberais, vislumbrar-se-ia um aspecto crtico para a prpria existncia do CRS
sul-americano: o overlay.
Para Buzan e Waever, overlaytraduz uma sobredeterminao em que a polaridade e a
polarizao do sistema internacional sobrepem-se balana regional, determinando o
comportamento do CRS. Neste caso, interesses e correlaes de fora na regio so
sobrepujados por uma disputa em mbito mundial, o que ocorria na Guerra Fria quando
muitas vezes as balanas regionais tinham seu ponto de equilbrio determinado pelainterferncia das ento duas superpotncias. A Guerra Fria e a bipolaridade acabaram. No h
rival visvel supremacia norte-americana. O que seria necessrio ento, nas condies atuais
da Amrica do Sul, para que ocorresse o overlay? Parece-nos que condio bsica residiria na
41BUZAN, Barry & WVER, Ole. Regions and Powers: the structure of International Security.Cambridge-UK, Cambridge University Press, 2003. 564 pginas In: CEPIK, Marco . Segurana naAmrica do Sul: traos estruturais e conjuntura.Anlise de Conjuntura OPSA, Rio de Janeiro, v. 1,p. 1 - 11, 15 ago. 2005.
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submisso do projeto da regio lgica contida na guerra contra o terror. Como atualmente,
nem Evo nem mesmo Chvez so identificados pelos Estados Unidos como patrocinadores do
terror, parecem inexistir razes para identificar o overlay na dinmica regional. Ainda que
ausente, o overlay est potencialmente presente na dinmica regional na medida em que
Colmbia e Chile procuram obter uma integrao privilegiada com os EUA, apresentando-se
como seu brao militar na Amrica do Sul. Como tal, estes pases esto confrontando os que
julgam serem os inimigos da Amrica e procurando instrumentalizar os americanos com a
idia de que podem representar na regio os interesses da grande potncia. Da parte da
Venezuela e da Colmbia, tambm existem tentativas de obter aliados por meio da
aproximao com o que seriam os rivais dos Estados Unidos. Porm, elas fracassam
rotundamente devido a seu anacronismo; nem Rssia nem China pretendem disputar a
hegemonia no mundo com os EUA, apenas assegurarem-se de suas prerrogativas nasrespectivas regies. Russos e chineses seriam indiferentes a uma disputa que diretamente no
afeta o equilbrio mundial e pouco diz respeito a seus interesses. Mesmo a aproximao
publicitria de Chvez com o Ir, traduzida em termos militares, no mais do que retrica. O
pas persa no possui meios de projeo de fora para afianar a proteo, seja da Bolvia ou
da Venezuela.
Por excluso, a lgica de Buzan e Waever nos conduz ao Brasil e Argentina. Sendo
extremamente duvidoso que os EUA apiem com tropas a interferncia da Colmbia e do
Chile na Bolvia, embarcando em uma guerra sul-americana; resta ao Brasil e Argentina a
condio de rbitros do conflito boliviano. Existem razes para que colombianos e chilenos
acreditem contar com apoio norte-americano: a retrica antiamericana de Evo e de Chvez, os
processos de nacionalizao e a proximidade de ambos com Cuba. Todavia, nunca uma gota
de petrleo venezuelano deixou de seguir seu destino para a Amrica em virtude da troca de
palavras speras entre representantes desses pases; tampouco ocorreu leso Constituio ou
ordem jurdica interna desses pases; falta um pretexto visvel para a opinio pblica norte-
americana capaz de justificar uma ao militar, como havia na Bsnia ou no Kosovo.
Ademais, o esquema estratgico americano est bastante esticado: j conta com dificuldades
no Iraque e no Afeganisto, tendo ainda na agenda o Ir e o Paquisto. Parece, pois, de todo
improvvel que a secesso tenha o aval dos Estados Unidos. Afinal, o processo decisrio para
uma operao encoberta pode ficar estrito ao Executivo, mas enviar tropas ao exterior ainda
demanda a autorizao do Congresso, o que Bush dificilmente obteria nas circunstncias do
perodo final de seu mandato.
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Portanto, parece mais provvel que os Estados Unidos recorram ao Brasil e
Argentina para a administrao do conflito. Sendo assim, mantida a parceria Brasil e
Argentina, o conflito boliviano servir de mvel para a efetivao da integrao da Amrica
do Sul, feita com aval indireto do prprio EUA. Neste caso, confirmar-se-ia a tipologia de
Buzan e Waever, os quais atribuem como elemento definidor da existncia do Complexo
Regional de Segurana da Amrica do Sul o padro de cooperao ou de conflito entre Brasil
e Argentina.
A mediao brasileira e argentina mais do que provvel: quase inevitvel.
Tratando-se dos principais pases da Amrica do Sul, esto presentes em todas as convenes
e litgios que dizem respeito ao continente. O que no est completamente claro se o Brasil,
no caso do conflito boliviano tornar-se uma conflagrao, acederia ao pedido norte-americano
de mandar foras para o estabelecimento de paz, como no caso do Haiti, em que concordamosem enviar foras para a manuteno de paz. Desta vez, pelo contrrio, teramos de lutar para
estabelecer a paz.
Conforme Clausewitz, a defensiva o tipo de guerra mais forte. Neste caso, a
vantagem pertence aos que defendem o status quo, e no aos separatistas, que precisam
vencer, alm do governo boliviano, o caos e o atrito inerentes guerra, a fim de criar o Estado
Camba. Este pressuposto estar orientando a construo das simulaes e a modelagem na
esfera das operaes: basta que Brasil e Argentina impeam o surgimento do Estado Camba
para que venam. As estimativas feitas neste trabalho se atm ao pressuposto de que Brasil e
Argentina no precisam ocupar integralmente a regio conflagrada e de que a manuteno de
paz em questo realizada indiretamente, atravs da inviabilizao da causa separatista o
que ser feito no s por meios militares, mas tambm, sobretudo, polticos e diplomticos. A
exausto e o atrito devem jogar em nosso favor, ao invs de desdobrar foras mveis em
campanha. Sofrendo emboscadas e correndo o inevitvel desgaste poltico junto populao
local, teramos uma estratgia de corte defensivo-ofensivo, baseada no controle de posies
chave atravs de bases de fogo. O que realmente contar o efeito da fora da presena das
duas grandes potncias sul-americanas sobre os clculos da opinio pblica e dos
formuladores de poltica acerca da viabilidade de uma empreitada separatista feita com o uso
da fora. Isto no quer dizer que no devamos aproveitar a oportunidade para reaparelhar as
Foras Armadas, ressuscitar a indstria blica, e remodelar o aparato militar de acordo com os
imperativos da era digital. Em uma conjuntura em que o governo brasileiro projeta direcionar
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novos gastos a fim de reaparelhar as foras armadas brasileiras, faz-se necessrio prospectar
que tipo de ameaas se impe.
No obstante, tambm h a possibilidade de nos valermos da guerra para a criao de
uma fora militar conjunta da Amrica do Sul e para a afirmao da integrao sul-americana,tema que posteriormente ser abordado.
Modelagem do possvel conflito na Bolvia42
A fim de clarificar a leitura do prximo capitulo referente construo dos cenrios
em caso de guerra na Bolvia e tambm com o propsito de seguir um esquema conceitual-
metodolgico mais rgido, utilizamos o esquema de diagramas proposto por Paul Huth e Todd
Allee. Allee e Huth fornecem um modelo capaz de mapear as interaes entre os atores
envolvidos em um determinado conflito. Eles dividem um conflito em quatro etapas:
1) o incio da disputa;
2) o desafio ao status quo;
3) as negociaes;
4) a escalada militar.
Para fins analticos, um conflito no precisa passar pelas quatro etapas. justamente
essa a vantagem do Modelo de Allee e Huth: a capacidade em abranger desde a fase de
cooperao entre os atores at uma fase mais violenta. Neste sentido, aplicamos o esquema ao
movimento separatista boliviano, seus impactos regionais e diferentes nveis de conflito. Na
primeira figura, apresentamos um esquema geral do conflito boliviano que engloba todas as
etapas. A seguir, reproduzimos quatro figuras, uma para cada fase de Allee e Huth. Vejamos:
42 Esta seo se baseia na concepo de Paul Huth and Todd Allee, Research Design in TestingTheories of International Conflict, cap.9, SPRINZ, Detlef F. / WOLINSKY, Yael (Eds.) (2004):Models,Numbers, and Cases. Methods for Studying International Relations. Ann Arbor: TheUniversity of Michigan Press.
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Fase1-Oinciodadispu
ta
Fase1
Fase2
Resultad
os
Fase3
C(2)
Bolvianoaceita
Emergeumadisputa
Adversriospassam
paraaetapa2
dodesafiodosta
tusquo
T
Demandaindependncia
Bolviaconcede
Mudananos
tatusquo
Nohdiscordnciasobre
C
favorvelNaoCamba
onovostatusquo
Nao
Camba
Statusquoprevalece
Novainterao
Semreclamaes
oudemandasde
mudanado
statusquo
C=>Challenger(NaoCamba)
T=>TargetState(Bolvia)
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Fase2-Desafioa
ostatusquo
Fase1
Fase2
Resultados
Fase3
NaoCambaa
meaa
ocuparParqueNacionalTunari
Confrontomilitar
iniciado
Adversrioestoagorana
pelaNaoCamba
fasedeescalad
amilitar
Emergiu
novafasedoinciodadisputa,
umconflitointernacional
noqualodesafiantedema
ndou
alteraodostatusquo,o
quefoi
NaoCambanoameaa
rejeitadopeloseuadversrio
C
usaraforanem
negocia
Statusquo
Reinciodafasededesafio
aostatus
quo
Negocia
NaoCamba
procura
Passamfase
denegociao
aconciliao
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SB2050, V-100 Commando51), um Regimento de Guarda Presidencial, trs Regimentos de
Foras Especiais, um Regimento de Defesa Antiarea (Oerlikon 20 mm e 37 mm Type-65) e
dois Esquadres de Helicpteros de transporte e cobertura (Huey, Cougar e Lama).
A Fora Naval tambm formada por seis Distritos Navais. Seu efetivo total de4.800 homens; mil so da Polcia Militar e setecentos so Fuzileiros Navais. Aqui importam o
Batalho de Fuzileiros Navais e o Batalho Naval de Infantaria Mecanizada. Existem tambm
seis batalhes de infantaria naval, mas que so territoriais (um em cada distrito). Alm disso,
a Marinha possui 54 lanchas de combate e dezoito navios de logstica e suporte. A despeito de
ser um pas continental, a fora naval boliviana no apenas um smbolo da vontade nacional
de recuperar o litoral. Ela adquire importncia na luta contra o separatismo pelos dois
batalhes de Fuzileiros Navais e sua capacidade de estabelecer cadeias de suprimentos atravs
do controle dos rios que cortam o pas.
A Fora Area Boliviana formada por profissionais e conscritos no total de 2.500.
Quanto ao equipamento, destacam-se os sete avies de transporte C-130 (sendo um de
reconhecimento, cinco da verso B e um da verso H), e trinta e trs avies de combate.
Destes, quinze so AT-33 Shooting Star (a jato) e dezoito PC-7 Pilatus (a pisto). Os AT-33
foram concebidos na poca da Guerra da Coria como avio de treinamento, mas na Bolvia
cumprem misses de apoio, reconhecimento e ataque ao solo. Os PC-7 Pilatus, semelhana
do ALX (Super-Tucano brasileiro), so teis como aeronave de treinamento, reconhecimento
e ataque ao solo.
O olhar sobre o balano boliviano deve levar em conta a realidade sul-americana. Na
Bolvia, assim como em outros pases de nosso continente, incluindo-se o Brasil, muito
comum que a denominao de uma unidade no corresponda ao seu efetivo. Por exemplo,
muitas divises possuem, na realidade, o efetivo de uma brigada, assim como regimentos que,
por tradio mantm a designao, mas so do tamanho de um batalho. As unidades
48UrutuVeculo de combate 6X6 EE-11 com capacidade anfbia, fabricado pela empresa brasileira
Engesa Teve seu primeiro prottipo produzido em 1970 e passou a ser produzido em 1974. Fonte:Janes, Tank Recognition Guide 2nd ed. 2000. Constam 24 unidades no inventrio do IISS (2007:61B)49Mowag Roland Trata-se mais de um carro antimotim que um blindado para uso em combate.Constam 22 unidades no inventrio do IISS (2007: 61B).50 4K-4FA-SB20 Trata-se de um IFV (Infantry Fighting Vehicle), em portugus denominadoViatura Blindada de Assalto (VBA), que um carro para transporte de tropas acrescido de um canhode 20mm. fabricado pela austraca Saurer e consta no inventrio do IISS (2007: 61B) 4 unidades.51V-100 CommandoVeculo de cinco tripulantes utilizado no sudeste asitico para a patrulha dopermetro de bases areas e rodovias adjacentes. Constam 15 unidades no inventrio do IISS (2007:61B). Fabricado pela empresa americana de automveis Cadillac.
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geralmente so apenas os ncleos de sua denominao, ou seja, um regimento teria um efetivo
de trs a cinco batalhes somente em guerra. A designao, a despeito do efetivo, faz sentido
pelo nmero de oficiais. Isto quer dizer que h estrutura de comando disponvel para
mobilizao de at um regimento (diviso ou brigada, conforme o caso).
Todo balano envolve o aspecto quantitativo e qualitativo. No que tange a este ltimo,
o Comando se sobressai, afinal, cabe funo de Comando a tomada de deciso nas diversas
esferas da guerra52. A avaliao sobre o Comando tem de considerar a diviso ideolgica
existente nas Foras Armadas bolivianas. De acordo com sua orientao poltica, segundo
Ignacio J. Osacar53o exrcito se divide em quatro correntes: (1) A corrente institucionalista,
majoritria, a qual pertence a maioria dos oficiais superiores, que preconiza a observncia ao
ordenamento constitucional e democrtico. (2) Quase to expressiva quanto primeira, h a
corrente pr-EUA, que mantm estreitos laos com os militares daquele pas. Atribui-se amilitares pertencentes a essa corrente o desvio dos msseis antiareos chineses HN-554
(MANPADS55) que foram parar nos Estados Unidos. (3) Os nacionalistas, tambm chamados
reivindicacionistas; porquanto exigem a recuperao da sada para o mar perdida para o
Chile. (4) Por fim, h uma minoritria corrente esquerdista, formada por pequenos grupos
marxistas, sem expresso maior nas Foras Armadas. Fica em aberto saber o quanto estas
divises podero se revelar relevantes em uma situao de guerra e em que grau podem
comprometer as funes de Comando e Controle na conduo de batalha.
O Controle diz respeito queles aspectos qualitativos que nem sempre podem ser
devidamente mensurados, como o caso da capacidade de empreender operaes
combinadas. Por exemplo, a Marinha boliviana poder cumprir uma funo decisiva na esfera
da logstica e suprimentos caso seja capaz de manter os rios abertos para a Unio e negar sua
navegabilidade para o uso dos rebeldes. Porm, isso s poder ocorrer caso suas aes se
52As esferas do planejamento de guerra so: a Estratgia, as Operaes e a Ttica.53 OSACAR, Ignacio Las Fuerzas Armadas que recibe Evo Morales Peridico Nueva Mayoria,
22/12/2005. Cf (18/11/2007)54Tipo especfico de MANPADS, o HN-5 foi da primeira gerao de msseis portteis chineses.55 MANPADS Man Portable Air Defense System. Sistema de defesa antiareo porttil.Inicialmente, concebido para uso exclusivo contra aeronaves e, portanto, como arma de coberturaadicional infantaria. Todavia, desde cedo, os soldados passaram a aperceber que este armamentotinha efeitos contra carros blindados; na poca, o computador do MANPADS sequer tinha mecanismoadequado de mira contra alvo terrestre. O soldado apenas o apontava a olho e o disparava. Atualmente,foram desenvolvidos sistemas de mira digital anticarro e, no Lbano em 2006, o MANPADS foiutilizado para destruir edificaes nas quais se abrigavam soldados israelenses. Estima-se que a maiorparte das 100 baixas fatais da infantaria israelense tenham sido causada por MANPADS e granadasautopropelidas (RPG).
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dem em estreita combinao com outros ramos das Foras Armadas da Bolvia, como o
caso da Fora Area (cobertura e reconhecimento) e do prprio Exrcito (operaes e
engajamento ttico). Por outro lado, devido fragilidade dos M-113 do Exrcito, a sua linha
de suprimentos vulnervel a emboscadas, para o que necessita o suporte da Marinha e da
Fora Area. Caso sejam conjugadas e combinadas, as Foras Armadas bolivianas
representam um obstculo notvel a intentos separatistas. Do contrrio, caso ocorra como nas
Malvinas, onde cada ramo travou sua prpria guerra, toda estrutura de comando e controle da
Marinha (e das demais) corre o riso de ficar inoperante, pois seus dois batalhes de Fuzileiros
Navais sozinhos no podero assegurar a proteo do espao navegvel. Fica assim,
estabelecido o papel do controle em operaes combinadas, nas quais essencial o papel
cumprido pelas Comunicaes.
As comunicaes so decisivas para a coordenao de operaes entre os trsramos,ainda mais em uma rea que perfaz mais da metade do territrio do pas. A julgar pela
infra-estrutura informacional do pas em termos de comunicaes civis, esta capacidade
instalada no est assegurada para as Foras Armadas bolivianas. Isso levanta o espectro de
rebeldes coordenando melhor suas aes atravs de aparelhos celulares do que o prprio
exrcito com seu sistema de rdio. Caso ocorra o que se deu no Afeganisto os rebeldes
obterem apoio informacional e de inteligncia de sinais56 e imagem (SIGINT e IMINT) de
uma potncia estrangeira teremos ento nas comunicaes um elemento que, por si s, tem
potencial para erodir a capacidade de combate das Foras Armadas bolivianas.
No que tange s operaes, deve-se considerar o problema da manuteno e
conservao de equipamentos. At o momento de concluso dessa pesquisa, no se dispunha
de dados confiveis acerca do estado de operacionalidade de aeronaves, carros de combate e
lanchas comissionadas nas Foras bolivianas. Seria um erro supor que, por serem de pequeno
porte, a manuteno das FFAA bolivianas de baixa qualidade. Afinal, h pases onde
justamente devido pequena quantidade de material disponvel o equipamento mantido nas
melhores condies. Porm, mesmo que seja este o caso, devido s dificuldades
oramentrias, comum o chamado canibalismo ou seja, o fato de as peas de um
sistema de armas serem utilizadas para repor a falta de sobressalentes em outro sistema. Isto
56 SIGINT Signals Intelligence Inteligncia de sinais Historicamente originou-se dainterceptao, decodificao, traduo e anlise de mensagens por uma terceira parte alm do emissore do destinatrio pretendido. CEPIK, Marco A. C. Servios de Inteligncia: Agilidade eTransparncia como Dilema de Institucionalizao. Rio de Janeiro. IUPERJ, Instituto Universitriode Pesquisa do Rio de Janeiro, Doutorado em Cincia Poltica, 2001.
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se d com freqncia na Amrica do Sul. Em virtude disso, muitas vezes o balano real uma
frao da capacidade estimada no papel, no raro menos de 30%. Por exemplo, seria
surpreendente se os cascveis da Bolvia (EE-9) estiverem em melhores condies que seus
equivalentes brasileiros, cujo tempo de vida til j expirou, encontrando-se em estado
crtico57.
Sobre a Ttica, resta dizer que o Exrcito boliviano encontra-se mal equipado para o
tipo de guerra hoje existente, mesmo que de baixa intensidade. Isto pode ser claramente
inferido da experincia militar recente.
Desde a guerra do Vietn com o Camboja (1979), cujas batalhas entre as foras
vietnamitas e do Khmer Vermelho derem-se ao norte do Camboja, em um ambiente de selva
enclausurado, ficou claro o papel da artilharia porttil. Na ocasio, o uso da granada propelida
a foguete (RPG-758) tomou o lugar dos morteiros e do fuzil de assalto como causa principal de
baixas.
No Afeganisto (1979-1988) os mujahedinscausaram perdas sensveis aos soviticos,
obrigando-os a modificar sua estratgia de operaes e equipamento, em virtude do uso de
msseis portteis (MANPADS59). Pela experincia do Afeganisto se depreende que, em um
curto intervalo no interior da dcada de 80, o mssil somou-se granada propelida a foguete
como sistema de artilharia porttil. Contudo, foi somente na primeira guerra da Chechnia
(19941996) que o exrcito russo foi realmente derrotado pelo uso de MANPADS. A segundaguerra da Chechnia (1999-2000) foi justamente o exerccio de demonstrao desse
aprendizado. Desta vez, contudo, foram os russos que utilizaram MANPADS e granadas
propelidas a foguete com o acrscimo da munio termobrica60. Este foi o aspecto ttico
considerado decisivo na vitria russa na segunda guerra da Chechnia.
57Foi o mesmo que se deu com os Urutus brasileiros que tiveram que passar por uma reformulao deemergncia para poderem ser empregados no Haiti.58 RPG Rocket Propelled Grenade Granadas propelidas por foguete. Tambm conhecidassomente por RPGs. O RPG-7V porttil, capaz de destruir veculos blindados ligeiros,helicpteros e danificar edifcios.59MANPADSVer nota 55.60Termobrica Armas termobricas so aquelas que combinam o poder de destruio de duasforas:calor e presso. Liberam uma bola de fogo intensamente concentrada, combinada com umaexploso de alta presso. Bombas termobricas so armas para concentrar calor e presso em umespao limitado, reduzindo danos colaterais materiais (uma vez que o explosivo altamente letal paraos humanos), mas tambm possibilitando alcanar alvos subterrneos em profundidade. Cf.WILDEGGER-GAISSMAIER , Anna. Aspects of thermobaric weaponry. ADF Health. Vol. 4,number 01, 2003. pp. 03-06
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Na Somlia, em 1993, os episdios envolvendo a morte de soldados americanos,
causados pela queda de doisBlackhawk, foram relacionados ao uso de RPG. No Iraque, desde
2003, as granadas autopropelidas ocupam o segundo lugar como causadora de mortes aos
norte-americanos, ficando apenas atrs das armadilhas explosivas (IEDs) 61. Para sorte dos
americanos, at os dias de hoje no Iraque, o RPG no foi associado ao uso de MANPADS; do
contrrio suas baixas assomariam a um montante muito superior s atuais cerca de 2 mil por
ano.
Na Amrica do Sul, os RPGs j foram inaugurados na guerra entre Peru e Equador
como sucedneos da artilharia na luta de selva. Afortunadamente, para a Fora Area do
Equador, os MANPADS nesta ocasio foram pouco empregados. Ainda que em nmero de
apenas doze, lanadores RPG-7V do Peru definiram a batalha de Tiwinza, como se depreende
pelo relato:
Soldados del glorioso Ejrcito Peruano avanzan al encuentro del invasor sorteandominas enemigas. Portan fusiles FAL, granadas de mano, en primer plano soldadoequipado con un lanzacohetes de manufactura rusa RPG-7V. Se utilizaron en latoma de Tiwinza una seccin de 12 RPG-7V que dispararon un total de 280cohetes, causando terribles estragos62. (Grifos Nossos).
Demonstrou-se somente na guerra do Lbano, em 2006, o papel devastador que a
conjugao de granadas propelidas a foguete e msseis portteis pode cumprir contra unidades
blindadas, tendo colocado fora de combate 60 blindados israelenses (seis definitivamente) 63.
Alm da conjugao, o fator decisivo, foi uma melhoria na guiagem, o RPG passou a contarcom o computador digital. O velho RPG-7 cedeu lugar ao RPG-2964e o velho mssil porttil,
guiado apenas por infravermelho, recebeu guiagem a laser.
O prprio sistema de blindagem virtual Trophy65, que passa a entrar em servio em
2007 nas Foras de Israel e dos EUA, demonstra a relevncia dos RPGs e MANPADS e o
61IEDImproved Explosive Device62Cf.: TORRES, J. e ROSPIGLIOSI, Fernando. El Da que Llegamos a Tiwinza. El "MircolesNegro" para el invasor ecuatoriano. In: Revista Caretas. (20/11/2007).63 CORDESMAN, Anthony H. Preliminary Lessons of the Israeli-Hezbollah War. Washington-D.C. CSIS - Center for Strategic and International Studies, 2006.64Israel hecha la culpa a la bazuka rusa de su fracaso militar en el Lbano: (16/08/2006)65O Trophy uma blindagem virtual. Trata-se um campo invisvel que, como os campos de fora dosfilmes de fico, detonam a carga explosiva de qualquer granada propelida foguete ou mssil porttilque se aproxima do blindado. Ento, tudo que ocorre o impacto inofensivo do foguete ou mssil jdesarmado de sua ogiva com a parede do carro. A despeito da mdia (Fox News) abusar da idia docampo de fora, o mais provvel que se trate de um feixe de microondas de alta potncia (HPM)que emitido do interior do carro e interfere no dispositivo de detonao do foguete ou mssil, fazendo
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quanto eles mudaram o panorama da ttica. MANPADS no dizem respeito apenas
cobertura antitanque e antiarea, mas tambm ao combate com outras foras de infantaria ou
insurgentes. exceo do HN-5, que ao fim foi para os EUA, s se tm notcias de um
nmero no especificado de RPG-7V comissionados nas Foras Armadas Bolivianas66.
Em termos de artilharia porttil, h ainda o caso do papel ttico dos fuzis antimaterial,
de calibre 0,5 polegadas (12,7mm). No combates em Faluja, em 2005, eles se revelaram mais
devastadores para o moral inimigo do que os explosivos de artilharia e as armas qumicas
utilizadas na ocasio. Fuzis antimaterial destroam coletes prova de bala, blindados leves,
drones67, enfim, do uma nova dimenso artilharia porttil como parte integrante do
equipamento de infantaria. Como a artilharia convencional, o papel principal da artilharia
porttil o de promover matana e disseminao de terror68.
H a questo do reconhecimento e da vigilncia. Nesta funo (SR69) os drones,
pequenos avies no-tripulados semelhantes a aeromodelos, cumprem papel fundamental. Os
dronesmapeiam o campo de batalha em tempo real, permitindo a coordenao das armas e
distintas unidades o que d ao detentor destes meios uma aprecivel vantagem ttica. No
balano qualitativo de armas, o uso de sistemas de vigilncia e reconhecimento, a rede de
comunicaes e o poder de fogo da infantaria so questes que dizem respeito s demandas
a espoleta detonar antes de atingir o alvo. As HPMs so armas de pulso que atuam sobre qualquer
sistema eletrnico. Consistem em pulsos de curtssima durao (medidos em nano segundos) que,todavia, podem conter uma carga de at vinte (20) gigawatts (GW) de potncia. S para se ter umaidia, a produo diria de uma usina hidreltrica de dois (2) gigawatts (GW).66 Curiosamente no encontramos no inventrio peruano atual (IISS 2007: p. 84A) a presena denenhum RPG de qualquer tipo. Todavia, o IISS (2007: p. 62A) acusa sua presena no inventrioboliviano, cujo nmero no especificado, mas cuja quantidade inferior a 200 unidades (total detodos os tipos de foguetes).67DronesVeculo areo no tripulado, precursor dos atuais UAVs (Unmanned Aerial Vehicles). OsUAVs so verdadeiros avies robs. O termo drone ainda utilizado para designar aeronaves maissimples utilizadas principalmente para reconhecimento de territrio inimigo por pequenas unidades,esquadro ou peloto (de 10 a 50 combatentes). Em suma, o UAV um avio no-tripulado; o drone,um aeromodelo utilizado com finalidades militares. Ambos antes se denominavam RPV (Remote-Piloted Vehicle).68De todas as armas, estranhamente j que todas as armas matam a artilharia a nica que possui afinalidade expressa de matar. A funo da cavalaria romper e cortar as linhas inimigas, em suma, aruptura. A funo da infantaria penetrar atravs das brechas criadas pela cavalaria ocupando oterreno. Na infantaria, o soldado uma arma ofensiva, mas o seu armamento considerado um recursodefensivo para proteger o infante que ocupa o terreno. Por isso, geralmente ele porta apenas armasleves. A logstica tem como funo suprimentos; a inteligncia, a obteno de informaes; ascomunicaes, so autoexplicativas; a engenharia, ao contrrio do que normalmente se pensa, tambmrealiza ataques. No entanto, a nica arma que realmente tem a funo formal e expressa de matar ecausar terror a artilharia. Cf. DUNNINGAN(2003:101). O autor reveladoramente intitula o captulodedicado sobre artilharia como The Killer (a assassina).69SRSurveillance and Reconnaissance. Vigilncia e Reconhecimento.
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fundamentais da guerra do sculo XXI, qualquer que seja sua escala. As foras insurgentes,
desde o Camboja passando pelo Afeganisto, Chechnia, Iraque e Lbano, tm demonstrado
notvel proficincia e facilidade na obteno de sistemas de artilharia porttil, vigilncia e
reconhecimento, alm de capacidade em estabelecer uma rede de comunicaes.
A constatao bsica que as Foras Armadas Bolivianas tm dificuldades como
dispositivo externo de dissuaso ou como dispositivo antiguerrilha. Teriam srias dificuldades
em uma conflagrao com qualquer pas vizinho. Tambm crtico fazer frente a uma
guerrilha de alta tecnologia. O quadro de equipamento70, oramento e formao de pessoal,
agravado por bvias dificuldades de escala. A perspectiva de o movimento separatista ser
apoiado por pases da regio e relacionar-se com o trfico internacional de drogas e armas
coloca o problema do poder de fogo e das comunicaes com toda atualidade perspectiva
que serve tanto para o Exrcito boliviano quanto para quaisquer pases da regio que venham,sob a bandeira da OEA ou da ONU, a integrar operaes de estabelecimento ou manuteno
de paz.
II) Trs Cenrios de Guerra Local
Construir cenrios diz respeito funo de prospeco cumprida pelo planejamento
estratgico. O propsito no antecipar a realidade, muito menos o de predizer o futuro, mas
dotar o Estado de uma agenda. O servio pblico costuma ser muito lento. Decorrem anos
entre o processo de diagnstico, deciso, a aprovao oramentria e sua execuo. Por isso que o planejamento antecipado necessrio para a mobilizao dos meios polticos,
administrativos e militares, que problemas envolvendo a guerra podem exigir. Todo o esforo
de prospeco tem como propsito a construo dessa agenda, ou seja, de responder o que
ser necessrio em caso de guerra.
Fazer cenrios em Estudos Estratgicos o mesmo que construir tipologias na
sociologia. Eles servem como metforas ou aproximaes da realidade. Essas aproximaes
so anlogas a mtodos de estudos em cincias exatas, biolgicas, e da sade, nas quais se
utilizam as chamadas CNTP (Condies Normais de Temperatura e Presso). Embora na
realidade tais condies sejam extremamente raras, representam a base da formulao da
grande maioria do conhecimento disponvel nas respectivas reas. Da a subdiviso em trs
70Sistemas de vigilncia, reconhecimento, comunicaes e material blico.
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cenrios puros, que procura responder s perguntas: o que pode ocorrer de pior, de mais
inofensivo e de melhor71.
Todos os cenrios so de guerra local, pois do contrrio no haveria como realizar o
objetivo dos Estudos Estratgicos que investigar a guerra, suas hipteses e decorrncias parao Brasil. Isto no quer dizer que no haja o que todos esperamossolues polticas para a
crise boliviana.
Na concluso, procuramos inventariar os elementos que, sendo comuns aos trs
cenrios, indicam as dimenses e possveis desdobramentos, que sejam relevantes para a
agenda de Defesa do Brasil.
1 A Desagregao
Neste cenrio, como prprio da abordagem proposta, todos os acontecimentos se doda melhor forma para os separatistas e da pior forma para os interesses da Bolvia e do Brasil.
H o mximo prejuzo em termos sociais, econmicos e polticos Brasil e Bolvia. No pas
andino, o Exrcito se divide o que a porta para a runa do Estado. No Brasil, o processo
decisrio paralisado pela influncia do patrimnio e do corporativismo na poltica externa.
Como conseqncia, o Estado brasileiro no tem sorte muito diversa do boliviano e tambm
desaparece, mas no sob o influxo da guerra e sim da integrao junto aos EUA.
Este worst case comea com a Assemblia Constituinte boliviana sendo retomada.
Permanece, contudo, mais uma vez paralisada, uma vez que o MAS72, mesmo tendo seus
votos somados aos do Movimento Bolvia Livre (MBL) e do Movimento Originrio Popu