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Bovinos – Os Bons Tempos e o Vaticínio de Cassandra Osler Desouzart
[email protected] Este ano fui contratado pela Verum Eventos para dar palestras no Circuito ExpoCorte, que
abrangeu Cuiabá, Campo Grande, Ji-Paraná, Araguaína e Uberlândia. Foi uma experiência
fascinante onde os organizadores levaram o evento ao produtor e não o contrário, pois
habitualmente esses tipos de eventos são realizados em grandes cidades ou em cidades
turísticas e poucos são os que podem se dar ao luxo de abandonar a atividade ou de se
ausentarem em viagem longa e custosa.
Qual o resultado dessa inovação? Mais de 1000 participantes na maioria das cidades do
circuito e a constatação de quem o conhecimento no negócio agropecuário tem que sempre
que possível ir até quem dele pode fazer uso. O programa reunia palestras de administração
das propriedades, manejo, nutrição, genética, mão-de-obra, sucessão nas propriedades, e
outros temas do direto interesse dos participantes. A minha parte referiu-se a cenários para os
próximos dez anos e não vou molestá-los com os gráficos e tabelas que habitualmente são a
essência do que estudo e sobre o que escrevo.
Vou, entretanto, permitir-me elencar alguns pontos abordados:
O consumo mundial da carne bovina aumentará 8,580 milhões de toneladas até 2023,
passando de 66,627 milhões em 2013 para 75,208 milhões de toneladas em 2023, ou
seja, um crescimento de 12,9% no período;
China, Brasil, Vietnam, México e Paquistão responderão por 42,15% desse crescimento
do consumo. Estamos sempre acostumados a falar de China quando discutimos
aumento de consumo, frequentemente nos esquecemos de que o Brasil é o terceiro
maior consumidor de carne bovina e creio que constituirá surpresa para muitos lerem
os três remanescentes países que habitualmente não frequentam as listas que de tão
divulgadas tornam-se platitudes;
Estados Unidos e Brasil seguirão liderando a produção mundial em 2023 e nesse ano
estaremos dividindo com a Índia a liderança das exportações mundiais de carnes
bovinas;
Os preços de todas as carnes deverão experimentar espiral ascendente nos próximos
dez anos, sendo que muitos dos cortes nobres bovinos se tornarão artigos de luxo.
Ilustro esse ponto com minha anedota que já está precisando de renovação de que no
futuro ao pedirmos uma picanha numa churrascaria o dono perguntará se temos uma
garantia bancária.
Como de hábito apresentei minhas tabelas sobre água virtual e, como de hábito, muitos dos
produtores de bovino protestaram dizendo que estava errado. Ofereci os arquivos de cálculos
elaborados por dezenas de organizações, mas ninguém os aceitou já que “estão errados”,
numa perfeita demonstração da força da síndrome de avestruz – em dúvida, enterre a cabeça
na areia e não veja o que está acontecendo.
Entretanto, repetindo “ad nauseam” que agricultura é fotossíntese, terra arável e água,
encontramo-nos diante da insofismável afirmação de que boi é o animal que mais exige
recursos naturais na sua produção, com as ilhas de eficiência disponibilizando o animal para
abate com 14 a 18 meses, média de 36 a 40 meses e muitos tendo em > 48 meses o tempo
necessário para que o animal alcance peso comercial.
Quando buscamos aprofundar os dados da bovinocultura brasileira, encontramos dados
distintos segundo a fonte que consultamos. O último Censo Agropecuário de 20061 revelava a
existência de um rebanho bovino de 169.900.049 cabeças ocupando 172.333.073 ha de
pastagens, o que daria uma média de ocupação de 0,985 cabeça/ha. O IBGE2 relata em sua
Pesquisa Pecuária Municipal que em 2012 o rebanho bovino brasileiro era de 211.279.082
cabeças, mas não fui capaz de localizar nessa fonte a área de pastagem ocupada naquele ano.
O MAPA em comunicado de fevereiro de 20133 celebra a evolução da eficiência da
bovinocultura, afirmando que em 2011 as pastagens brasileiras ocupavam 152 milhões de
hectares para um rebanho de 204 milhões de cabeças, o que salta a ocupação para 1,34
cabeça/ha.
Finalmente, para não me estender demais com outras fontes, nossa ABIEC quantifica o
rebanho brasileiro em 2013 em 208 milhões de cabeças, ocupando 169 milhões de hectares,
com a taxa de ocupação de 1,23 cabeça/ha.
Como podem ver os números têm oscilações bem significativas
Fonte Ano Rebanho (cabeças)
Pastagens (hectares)
Taxa de Lotação cabeça/hectare
IBGE 2006 169.900.049 172.333.073 0,985
MAPA 2011 204.000.000 152.000.000 1,342 ABIEC 2013 208.000.000 169.000.000 1,230
Mesmo assim creio que há duas verdades inegáveis que podemos deduzir. A primeira é que há
melhoria na taxa de lotação e a outra é que ter 1,23 cabeça de boi por hectare não é
sustentável por ponto de vista econômico.
Em algumas das etapas fiz uma simples indagação aos produtores de gado: qual era o preço da
terra na região no dia de hoje, a 5 anos atrás e a 10 anos atrás. Houve sempre convergência de
que o preço da terra tinha aumentado muito. Fontes revelam que o preço médio da terra
agrícola no Brasil subiu 227%4. Não podia ser diferente, pois hoje o homem do campo verif ica
a rentabilidade da terra e avança sobre as áreas de cultivos de menor rentabilidade para
adquiri-las.
Há algum tempo brincávamos, naqueles papos de fim do dia de viajantes em lobby de hotel,
que o ciclo da expansão agrícola começava com o extrativismo ou para ocupação de área de
1http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagro/2006/defaulttab_censoagro.shtm 2 http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?c=73&z=t&o=24&i=P 3 http://www.agricultura.gov.br/animal/noticias/2013/02/pecuaria -brasileira-reduz-area-e-dobra-producao-em-36-anos 4 http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,preco-da-terra-agricola-subiu-227-em-dez-anos-quase-o-dobro-da-inflacao-imp-,1003989
cerrado, ia para pasto para gado, em seguida a propriedade era vendida para plantio de soja e
quando a fazenda estava formada então se vendia para produtor norte -americano ou para
produtor de cana-de-açúcar e aí se começava tudo de novo. Acho que a piada, depurada dos
exageros, acabava por traduzir uma verdade.
Acho que é incontestável o fato de que os dois elementos naturais essenciais para
agropecuária são água e terra arável. Temos a água, ainda que sofrendo atualmente das
mudanças climáticas que estão alocando uma imprevisibilidade crescente ao regime de
chuvas, onde inundações e secas históricas se sucedem. O segundo elemento é terra para
plantar ou para produzir animais usados em alimentação humana.
Não precisa traços de genialidade para verificar que embora tenhamos a quarta maior área
agriculturável do mundo e a quinta maior área de terras aráveis, uma vertente da expansão se
fará pela ocupação de parte da área florestal disponível, crescentemente dificultada pelas
necessárias leis de proteção ao meio ambiente. E o segundo vetor de expansão será pela
ocupação das áreas de pastagens, estimadas pela FAO em 196 milhões de hectares , por
culturas que apresentem maior rendimento por hectare. Ou seja, esse precioso e raro bem,
terra para cultivar, se tornará cada vez mais cara.
Brasil - Área (1000 Ha) – 2012 - FAOSTAT
Área total Área
Agriculturável Terra arável
Cultivos Permanentes
Pradarias e Pastos
Permanentes
Área Florestal
835.814 275.605 72.605 7.000 196.000 515.133
Disse durante o Circuito ExpoCorte 2014 que a bovinocultura de carne terá que se reinventar.
A reinvenção passar pelo célebre fazer mais com menos e o produtor que não se adaptar verá
o quão severo é o darwinismo econômico – adapte-se ou desapareça. Para chocar as plateias e
retirar os produtores de sua zona de conforto, mormente neste momento f avorável de
demanda e preços, afirmei que daquela plateia somente 20% persistiriam na atividade ao final
dos próximos vinte anos.
Não seria só no segmento da indústria frigorífica que caminhamos para concentração, onde as
três maiores empresas responderão por pelo menos 50% do segmento. Essa concentração
também alcançará o campo, com o produtor mais eficiente adquirindo o menos produtivo.
Quem não se adaptar a fazer mais com menos na atividade terá que simplesmente sair da
atividade. Não há sobrevivência possível para quem se contentar com 1,32 cabeça por hectare.
Não é vaticínio de Cassandra, mas simples constatação matemática.
Essa era a má notícia. A boa notícia é que a bovinocultura seguirá crescendo
E o Brasil figurará entre os líderes incontestes desse setor, como segundo produtor e
consumidor mundial de carne bovina e mantendo a liderança das exportações até 2023, tanto
nos cenários do USDA-ERS quanto os da OECD-FAO, ambos algo conservadores.
Brasil – Balanço Bovino – USDA/ERS Brasil – Balanço Bovino – OECD/FAO
As perspectivas de preços são positivas a largo prazo, como o tem sido ao longo dos últimos
anos
000 tm Produção Imports Exports Consumo Produção Imports Exports Consumo
2012 9.307 62 1.524 7.845 8.752 49 1.654 7.146
2013 9.600 60 1.800 7.860 8.992 47 1.775 7.264
2014 9.900 40 1.940 8.000 9.128 48 1.824 7.353
2015 10.148 39 2.021 8.166 9.269 48 1.855 7.462
2016 10.264 40 2.094 8.210 9.425 48 1.888 7.585
2017 10.382 40 2.164 8.259 9.587 48 1.928 7.707
2018 10.493 41 2.223 8.311 9.721 48 1.951 7.818
2019 10.641 41 2.289 8.393 9.852 48 2.019 7.881
2020 10.802 42 2.358 8.486 9.991 48 2.079 7.961
2021 10.948 43 2.425 8.566 10.100 48 2.117 8.032
2022 11.064 43 2.490 8.617 10.207 48 2.162 8.093
2023 11.193 44 2.554 8.683 10.305 48 2.203 8.150
Entretanto, tendências de preços não são garantias de preços. Para o ano de 2015 temos que
considerar que os preços elevados da carne bovina (o preço do bovino vivo representa +/ - 80%
dos custos de um frigorífico) terão impacto na demanda interna. Há anos que uso um slide
anedótico onde afirmo que o preço da carne bovina ficará tão cara que no f uturo quando
formos a uma churrascaria virá o dono perguntar se temos garantia bancária ou cartão de
crédito platino para pagar a conta. Parece que a anedota está se tornando fato e que o futuro
chegou.
Some-se a isso que a Rússia, alegria do mercado exportador em 2014 graças ao boicote aos
fornecimentos dos USA, EU-28 e Austrália, está enfrentando uma crise econômica devido a
esse mesmo boicote e tal terá impactos na demanda daquele mercado. Prudência e
acompanhamento dos mercados são condições necessárias e permanentes, pois a única coisa
que cresce eternamente são impostos e o mau uso desses impostos no Brasil.
O que é vital, entretanto, é que o produtor de gado visualize que não há sustentabilidade
econômica com a taxa de ocupação de 1,34 cabeça/hectare e use esse período de bonança
para fazer o necessário visando para usar de forma mais rentável a valiosa e ascendentemente
custosa terra que tem.
Naturalmente que a minha outra anedota não deve se confirmar – aquela onde digo que no
futuro gado a campo só se verá em documentários do History Channel. A pecuária extensiva
seguirá a prevalecente no Brasil, mas a produção de gado confinado deverá pelo menos
duplicar nos próximos dez anos.
Que há futuro no futuro da pecuária brasileira não há dúvidas. E nem há dúvidas sobre quem
participará desse futuro – aqueles que se ajustarem a melhorias constantes que só ciência e
tecnologia trazem. Não é questão de opção. É questão de sobrevivência.