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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO, POLÍTICA E SOCIEDADE CENTRO DE EDUCAÇÃO CURSO DE GEOGRAFIA ANDRÉ ERLER TONINI DANIEL TÓTOLA FONTANA MARCOS EDUARDO NASCIMENTO MORAES RICHARDSON JOSÉ CARDOSO LYRIO SÉRGIO BENACHIO SUANNO DALTONISMO E O ENSINO DE GEOGRAFIA: UM MAPA QUE ENXERGUE AS DIFERENÇAS VITÓRIA - ES 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO, POLÍTICA E SOCIEDADE

CENTRO DE EDUCAÇÃO

CURSO DE GEOGRAFIA

ANDRÉ ERLER TONINI

DANIEL TÓTOLA FONTANA

MARCOS EDUARDO NASCIMENTO MORAES

RICHARDSON JOSÉ CARDOSO LYRIO

SÉRGIO BENACHIO SUANNO

DALTONISMO E O ENSINO DE GEOGRAFIA: UM MAPA QUE

ENXERGUE AS DIFERENÇAS

VITÓRIA - ES

2014

ANDRÉ ERLER TONINI

DANIEL TÓTOLA FONTANA

MARCOS EDUARDO NASCIMENTO DE MORAES

RICHARDSON JOSÉ CARDOSO LYRIO

SÉRGIO BENACHIO SUANNO

DALTONISMO E O ENSINO DE GEOGRAFIA: UM MAPA QUE

ENXERGUE AS DIFERENÇAS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Educação, Política e Sociedade do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciados em Geografia.

Orientador: Prof. Dr. Vilmar José Borges

VITÓRIA

2014

ANDRÉ ERLER TONINI

DANIEL TÓTOLA FONTANA

MARCOS EDUARDO NASCIMENTO DE MORAES

RICHARDSON JOSÉ CARDOSO LYRIO

SÉRGIO BENACHIO SUANNO

DALTONISMO E O ENSINO DE GEOGRAFIA: UM MAPA QUE

ENXERGUE AS DIFERENÇAS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Educação,

Política e Sociedade do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito

Santo, como requisito parcial para a obtenção do grau de Licenciados em Geografia.

Vitória, 11 de dezembro de 2014.

COMISSÃO EXAMINADORA

________________________________

Professor Doutor Vilmar José Borges

Universidade Federal do Espírito Santo

Orientador

________________________________

Professor (a):

Instituição:

________________________________

Professor (a):

Instituição:

AGRADECIMENTOS

Agradecemos as nossas famílias pelo apoio durante os quatro anos de caminhada,

ao nosso orientador Prof. Dr. Vilmar José Borges, que sempre se mostrou disponível

em nos atender e incentivou nossa pesquisa, e a todos aqueles que direta ou

indiretamente contribuíram para a realização deste trabalho.

“Onde quer que haja mulheres e homens, há sempre o que fazer, há sempre o que

ensinar, há sempre o que aprender” – Paulo Freire.

RESUMO

Este Trabalho de Conclusão de Curso teve como objeto de estudo a compreensão

da problemática de alunos daltônicos. Também analisamos em uma ótica da

inclusão dos alunos aos conteúdos escolares, principalmente no que diz respeito a

Geografia. A partir da resolução de mapas e gráficos, utilizando técnicas que na

maioria das vezes não são levadas em conta e que fazem toda a diferença para a

inclusão do daltônico.

SUMÁRIO

1. APRESENTAÇÃO ................................................................................................... 7

2. EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: ALGUMAS REFLEXÕES ........................................... 9

2.1 RELACIONAMENTO E EXCLUSÃO NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO.................................................... 9

2.2 BRASIL NO CONTEXTO MUNDIAL DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA ..................................................... 12

2.3 NOVOS OLHARES SOBRE A EDUCAÇÃO ESPECIAL: O PARADIGMA INCLUSÃO E INTEGRAÇÃO .. 16

2.4 O DESAFIO EDUCAÇÃO ESPECIAL: DALTONISMO E O ENSINO DE GEOGRAFIA COMO EXEMPLO

DAS SINGULARIDADES DA EDUCAÇÃO NA ATUALIDADE .................................................................. 21

2.4.1 CONSIDERAÇÕES A CERCA DO DALTONISMO ...................................................................... 22

2.4.2 DALTONISMO E O ENSINO DE GEOGRAFIA: UM MAPA QUE ENXERGUE AS DIFERENÇAS .. 23

3. PERCURSO METODOLÓGICO DE IDENTIFICAÇÃO DOS ALUNOS

DALTÔNICOS: MAPEANDO O DALTONISMO ........................................................ 25

4. PROPOSTAS ........................................................................................................ 47

4.1 APLICAÇÃO ALTERNATIVA DOS RECURSOS DE COR E TONS ....................................................... 48

4.2 A APLICAÇÃO DE SÍMBOLOS ........................................................................................................ 51

4.3 A UTILIZAÇÃO DE HACHURAS ...................................................................................................... 53

4.4 CRIANDO ALTERNATIVAS PARA CONFECÇÃO DE GRÁFICOS, VISANDO OS DALTÔNICOS .......... 59

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 63

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 65

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1. APRESENTAÇÃO

PALAVRAS INICIAIS...

As intencionalidades de desenvolvimento da presente investigação nos acompanha

há algum tempo. Nosso primeiro contato com a problemática ocorreu no ano de

2013, cursando a disciplina Tópicos Especiais de Ensino I, quando evidenciamos

que um dos nossos colegas e hoje também membro da equipe de pesquisa, deixou

transparecer certas dificuldades na diferenciação de cores. Soubemos, então, que

nosso colega era daltônico e tivemos, já naquele momento, relatos do mesmo

acerca dos impactos que o daltonismo causam na efetivação do processo ensino-

aprendizagem. Segundo nos informou, naquele momento, nosso colega, nas

disciplinas de Geografia e Artes esses impactos se intensificam, principalmente

quando se refere à leitura e interpretação de mapas, gráficos, figuras, desenhos,

imagens de paisagens etc. Nasceu aí, o desejo de intensificar as reflexões a

respeito.

A inquietude inicial se intensificou quando, ao iniciarmos as primeiras investidas

sobre a temática, constatamos, como primeiras dificuldades a quase inexistência de

bibliografia disponibilizada abordando a temática. Se, por um lado, essa escassez de

referencial bibliográfico fosse vista como um obstáculo, por outro, nos deparamos

com o desejo e a possibilidade de contribuirmos para inserir na pauta dos debates

um tema existente que impacta no processo de ensino-aprendizagem e que, no

entanto, não tem sido devidamente considerado. Ressalta-se que são muitos os

estudos e reflexões acerca da inclusão. Discutem-se a relevância de inclusão de

alunos com necessidades especiais no ensino regular. No entanto, tais estudos, via

de regra, se referem às várias necessidades especiais, tais como visão, audição,

oralidade, mobilidade, entre outros, raramente se relacionam ao daltonismo. Ocorre,

aqui, de certa maneira uma espécie de “exclusão” na lógica das políticas de

inclusão.

Nasce daí o desejo e os esforços no sentido de estabelecer um diálogo entre

daltonismo e a Geografia, e, assim, elaborar uma proposta alternativa.

8

Diante das dificuldades em encontrar estudos acerca da nossa problemática,

deparamo-nos com a necessidade de ouvir e dar vozes à sujeitos estudantes com

traços daltônicos, buscando pistas que evidenciassem não só a sua presença nos

cotidianos escolares, como também pistas que pudessem auxiliar a elaboração de

propostas alternativas no sentido de mitigar as dificuldades relatadas pelos mesmos.

Limitados pelo espaçotempo disponível para a realização da pesquisa, nosso

primeiro desafio foi o de delimitar o universo da mesma. Deliberamos, então, por

selecionar duas escolas públicas para, então, identificarmos alunos daltônicos

matriculados nas mesmas e que se dispusessem participar de nossa investigação.

Constatamos, então, a exemplo da não consideração do daltonismo nas políticas

educacionais de inclusão, que também nas unidades escolares não existem

registros regulares acerca de alunos nessas condições. Foi, portanto, necessário

aplicar o teste de Ishihara, em alunos das escolas campo, no intuito de identificar a

presença de daltônicos inseridos no meio escolar.

Após a seleção das unidades escolares, aplicação do teste de Ishihara e constatar a

presença de alunos com traços daltônicos, nosso próximo passo foi o de contactar

professores de Artes e Geografia, que ministram aulas nas turmas desses alunos,

bem como os referidos alunos, consultando-os sobre a disponibilidade e interesse

em conceder entrevistas que subsidiassem nossas reflexões.

Com o desenvolvimento da pesquisa foi possível a elaboração do presente relatório,

que está organizado em três capítulos, onde no primeiro desenvolvemos uma

reflexão teórica acerca do levantamento bibliográfico sobre a educação especial e as

políticas voltadas as minorias. O segundo capítulo se destina a abordar as

experiências e vivências, tanto de nosso colega e pesquisador, André Tonini, como

também as experiências vivenciadas pelos alunos entrevistados. Já no terceiro e

último capítulo apresentamos os primeiros ensaios de propostas alternativas e

possíveis para facilitar a aprendizagem de alunos daltônicos, no estudo da Geografia

e, sem a pretensão de concluir e encerrar as discussões, deixamos em aberto e o

convite para nossas investidas que possibilitem solu(a)ções.

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2. EDUCAÇÃO E INCLUSÃO: ALGUMAS REFLEXÕES

Para elucidar nossa problemática de pesquisa e no intuito de contribuir com os

atuais debates sobre propostas de educação inclusiva, inserindo na pauta dos

mesmos a questão do aluno daltônico, no presente capítulo buscaremos

contextualizar a necessidade de se buscar garantir condições de equidade no

processo educativo, como condições ao exercício da cidadania.

2.1 RELACIONAMENTO E EXCLUSÃO NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

Conforme bem assevera a maioria dos antropologistas, em nenhum momento na

história humana se evidenciou a sua constituição pautada na ocorrência do

“individualismo. Depreende-se daí, que interagir e relacionar-se com o outro é uma

capacidade inerente e necessária a todos os homens. Esta mesma capacidade

cumpre uma série de fatores que são complexos e singulares principalmente quando

observamos as mais variadas sociedades e suas respectivas culturas já produzidas

pela humanidade. Por mais singulares que sejam os homens, seja por fatores

morfológicos ou mais subjetivos como a maneira de relacionar-se com o mundo,

sempre esteve presente certa noção de “normalidade” 1 no que diz respeito ao

homem em si, nestas sociedades.

A questão é que essa normalidade é, em alguns casos, estabelecida politicamente

em um jogo de poder e hegemonia social, política e econômica. Os “excluídos” são

resultado disso. Em todas as sociedades se presencia a formação de um grupo ou

indivíduos desagregados da maioria hegemônica dita como “normal”.

A concepção de “deficiência física ou mental” foi e, lamentavelmente ainda é, um

fator de exclusão. O homem “normal” é aquele que não apresenta características

como surdes, cegueira, idiotia, má formação óssea e etc. Todas estudadas e

caracterizadas como patologia dentro de um padrão de ciência medicinal, ou seja,

olvida-se o fato de todos nós termos características únicas para tratar o que foge do

padrão estabelecido de normal como deficiência.

1 Essa “normalidade” aqui se refere, entre outros fatores, ao pleno domínio do ser humano de todas

as suas condições físicas, motoras e intelectuais, consideradas normais pelos padrões das respectivas sociedades.

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Nessa direção Walter (2006) ao discutir a problemática da exclusão do indivíduo no

seu relacionar-se, no atual contexto do, O Mundo Moderno Colonial, onde temos

hegemonicamente um processo de globalização cultural que se estabelece por

quase todo o mundo e que é enraizada na Europa, afirma que temos na educação

um exemplo da concepção hegemônica de igualdade. Esse exemplo, segundo o

referido autor, resulta em exclusão.

Especificamente no que se refere à modalidade de educação escolar, visando

mitigar a solidificação dos processos de exclusão dos indivíduos que não se

enquadram dentro os parâmetros da “normalidade”, no Brasil tem sido implementada

a chamada educação especial. Segundo o Art. 58 da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (Lei nº 9394/96), a educação especial se refere à “modalidade

oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores

de necessidades especiais”. Para tanto, seus objetivos devem ser os mesmos da

educação em geral, o que difere é o atendimento, que passa a ser de acordo com as

diferenças individuais do educando.

O que conhecemos hoje como educação especial teve sua origem ainda na

Antiguidade, antes mesmo de sua institucionalização. Miranda (2003) assinala que

os estudos sobre a educação especial apontam para quatro períodos distintos,

datados e consolidados por fatores sociais, políticos e culturais. Esses quatro

períodos são assim categorizados: a) período da negligência, onde os “deficientes”

eram abandonados, perseguidos e até eliminados, devido às suas condições

atípicas; b) período de institucionalização, os indivíduos não são mais abandonados,

porém, são segregados e protegidos em instituições residenciais; c) período da

inclusão, marcado pelo desenvolvimento de escolas especiais, com educação

especial, para pessoas especiais; e, d), o período de integração, que visa a

integração de tais indivíduos em ambientes escolares o mais próximo possível

daqueles oferecidos aos indivíduos considerados normais. A chamada Educação

Especial consolida-se, portanto e de acordo com a referida autora, seguindo uma

ordem paralela à formação e constituição de mundo e, acima de tudo, de ser

humano, conforme assevera:

Inicialmente é evidenciada uma primeira fase, marcada pela negligência, na era pré-cristã, em que havia uma ausência total de atendimento. Os deficientes eram abandonados, perseguidos e eliminados devido às suas condições atípicas, e a sociedade

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legitimava essas ações como sendo normais. Na era cristã, segundo Pessotti (1984), o tratamento variava segundo as concepções de caridade ou castigo predominantes na comunidade em que o deficiente estava inserido.

Num outro estágio, nos séculos XVIII e meados do século XIX, encontra-se a fase de institucionalização, em que os indivíduos que apresentavam deficiência eram segregados e protegidos em instituições residenciais. O terceiro estágio é marcado, já no final do século XIX e meados do século XX, pelo desenvolvimento de escolas e/ou classes especiais em escolas públicas, visando oferecer à pessoa deficiente uma educação à parte. No quarto estágio, no final do século XX, por volta da década de 70, observa-se um movimento de integração social dos indivíduos que apresentavam deficiência, cujo objetivo era integrá-los em ambientes escolares, o mais próximo

possível daqueles oferecidos à pessoa normal. (MIRANDA, 2003. p 2)

Depreende-se daí, que a efetivação das chamadas políticas de inclusão escolar é

relativamente recente, haja vista que os esforços, segundo observa Miranda (2003),

para integração de pessoas com necessidades especiais em ambientes escolares

ofertados à pessoas consideradas normais, vão se sistematizar formalmente por

volta da década de 1970, no chamado movimento de integração social dos

indivíduos que apresentam deficiência.

Como precursores da Educação Especial, Miranda (2003) destaca três autores:

Jean Marc Itard (1774-1838), primeiro a sistematizar um método para educação de

deficientes; Edward Seguin (1812-1880), que influenciado por Itard, desenvolveu

varias estudos e métodos para educar os chamados deficientes chegando a criar

uma escola para educação especial (atualmente conhecida como Associação

Americana sobre Retardamento Mental - AAMR). e mais contemporânea Maria

Montessori (1870-1956), influenciada por ambos, contribuiu enormemente com a sua

metodologia baseada na manipulação de objetos concretos como blocos, recortes,

peças coloridas etc.

Destaca-se o fato de todos esses autores desenvolveram uma metodologia pautada

na concepção de deficiência como patologia, ou seja, como algo a ser curado.

Entretanto, não podemos olvidar a contribuição dos mesmos para o

desenvolvimento da educação dos chamados “deficientes” não contemplados pelo

sistema educacional padronizado em um homem normal. Ainda mais quando

levamos em consideração que em determinado momento os mesmos chegaram a

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serem simplesmente ignorados ou extirpados da vivencia não só educacional, mas

social também.

2.2 BRASIL NO CONTEXTO MUNDIAL DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

No Brasil, os estudos e políticas sociais voltadas para a educação especial não se

consegue identificar traços dos quatro períodos distintos elencados por Miranda

(2003), no que se refere à educação especial em outros lugares do mundo como

Europa ou América do Norte. Essa não identificação se justifica, conforme aponta a

referida autora, sobretudo pela nossa constituição histórica de colônia e as

dificuldades dela resultantes tanto no âmbito social como econômico. Vide o fato,

por exemplo, de o Brasil ser um dos últimos a abolir a escravatura. Há também uma

enorme dificuldade em relação à documentação bibliográfica para o estudo dessa

temática.

A fase da negligência ou omissão, que pode ser observada em outros países até o século XVII, no Brasil pode ser estendida até o início da década de 50. Segundo Mendes (1995), durante esse tempo, observamos que a produção teórica referente à deficiência mental esteve restrita aos meios acadêmicos, com escassas ofertas de atendimento educacional para os deficientes mentais. (...) Entre os séculos XVIII e XIX podemos identificar a fase da institucionalização em outros países do mundo, marcada pela concepção organicista, que tinha como pressuposto a ideia de a deficiência mental ser hereditária com evidências de degenerescência da espécie. Assim a segregação era considerada a melhor forma para combater a ameaça representada por essa população. Nesta mesma ocasião, no nosso país, não existia nenhum interesse pela educação das pessoas consideradas idiotas e imbecis, persistindo, deste modo, a era da negligência (MENDES,

1995; DECHICHI, 2001, citados por MIRANDA, 2003. p 3)

Fica evidente o atraso do Brasil em termos de educação especial quando voltamos

nossos olhos para outros lugares. Nesse aspecto, Miranda (2003), ainda destaca

outra característica importante na história da educação especial no Brasil, que é a

relação entre a essa modalidade educacional e os constantes equívocos políticos e

descasos políticos, que não priorizam investimentos na área social, sob a ideológica

alegação de economia de dinheiro do Estado. Conforme enfatiza a referida autora,

essa ausência de investimentos nas políticas da educação especial são históricas no

Brasil, manicômios ou penitenciarias eram “depósitos” para esses excluídos sociais

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e, ambos, tinham um custeio do qual o Estado não achava interessante em manter,

visto que, esses indivíduos eram considerados deficientes e desnecessários para a

sociedade, ou seja, colocados à margem da sociedade.

Mesmo com tais denúncias, não podemos deixar de registrar esforços pontuais e

isolados rumo ao atendimento educacional dos chamados deficientes, embora

sendo os mesmos entendidos doentes, conforme se observa no excerto abaixo:

Mendes (2006) fala que desde o século XVI a história da educação no Brasil vem sendo traçada. Médicos e pedagogos daquela época já começavam a acreditar na possibilidade de educar os indivíduos considerados ineducáveis. Entretanto, naquele momento, o cuidado era meramente assistencialista e institucionalizado, por meio de asilos e manicômios.

No período Imperial iniciou-se o tratamento de doentes mentais em Hospitais psiquiátricos. Os institutos tiravam e isolavam surdos e cegos do convívio social, sendo que estes não necessitavam de tal isolamento. Começaram, neste período, tratamentos no Hospital psiquiátrico da Bahia, em 1874. Embora, de forma lenta, após a proclamação da república, a educação especial foi se expandindo; em 1903 Pavilhão Bournevile, no Hospital D. Pedro II (Bahia) foi instalado para tratamento de doentes mentais; em 1923 foi criado o Pavilhão de Menores do Hospital do Juqueri e o Instituto Petallozzi de Canoas, em 1927(BUENO, 1993, citado por DOTA e ALVES, 2007, p.4)

Na maioria dos estudos com abordagem na Educação Especial do Brasil,

encontramos referências na criação do Imperial Instituto dos Meninos Cegos e do

Instituto dos Surdos-mudos, na cidade do Rio de Janeiro, como o marco dos estudos

em relação a essa modalidade de educação em nosso país. As pesquisas e

estudos também apontam que o atendimento dos denominados deficientes visuais

também ganham maiores enfoques com a criação dos Institutos de Cegos do Recife,

da Bahia, de São Rafael (Taubaté – SP), de Santa Luzia (Porto Alegre – RS), do

Ceará (Fortaleza), da Paraíba (João Pessoa), do Paraná (Curitiba) e os Institutos

Padre Chico, em São Paulo e o Sodalício da Sacra Família, no Rio de Janeiro, em

1929, além, também, da União dos Cegos do Brasil, no Rio de Janeiro, em 1924.

Outro passo considerado importante no contexto da educação especial foi à criação

da inspeção-médica-escolar, ocorrida no ano de 1911, onde uma vez identificados

os alunos com deficiência, os mesmos eram encaminhados para classes especiais.

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Com tais medidas, também começa a surgir à demanda por profissionais

capacitados para atender a esse tipo de alunado.

Conforme enfatizam DOTA e ALVES (2007), a segunda metade do século XX, no

Brasil, é marcada por avanços na educação especial com investimentos tanto no

setor público quanto no privado. É marco também desse período histórico um

enorme avanço nos estudos, formação de professores e debates acerca de políticas

públicas no âmbito nacional para a educação especial, incentivado pelo próprio

crescimento de escolarização do Brasil na época. Destaca-se, nesse cenário, a

criação do Centro Nacional de Educação Especial – CENESP, junto ao Ministério da

Educação, no ano de 1973, que dá início à formação de grupos ou comitês de

estudos e criação políticas educacionais para deficientes e a tomada de

responsabilidade da educação especial pela Secretaria Nacional de Educação

Básica em 1990. Trata-se da concretização do que já estava previsto na

Constituição de 1988, onde, em seu artigo 208, estabelece a integração escolar

enquanto preceito constitucional, com a integração do aluno com necessidades

especiais na escola pública regular.

Destaca-se, como fator de extrema relevância em âmbito mundial, e com

repercussões no Brasil, que na década 1990 realiza-se a Conferência Mundial sobre

Necessidades Educacionais Especiais, ocorrida no ano de 1994, em Salamanca, na

Espanha. Promovida pelo Governo da Espanha, tal conferência foi um marco no

processo de difusão e de formação de políticas para a educação especial, sobretudo

pelo principal produto que a mesma deu origem, a Declaração de Salamanca. Um

documento criado e debatido por membros de todos os países participantes em que

eram estabelecidas metas e obrigações a serem cumpridas pelos países que a

assinassem. Vale aqui então expor algumas das partes importantes dessa

declaração, que vão repercutir diretamente, entre outros fatores, na educação

especial. São elas:

• Toda criança tem direito fundamental à educação, e deve ser dada a

oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem,

• Toda criança possui características, interesses, habilidades e necessidades de

aprendizagem que são únicas,

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• Sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais

deveriam ser implementados no sentido de se levar em conta a vasta

diversidade de tais características e necessidades,

• Aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola

regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia centrada na

criança, capaz de satisfazer a tais necessidades,

• Escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os meios

mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades

acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação

para todos; além disso, tais escolas proveem uma educação efetiva à maioria

das crianças e aprimoram a eficiência e, em última instância, o custo da

eficácia de todo o sistema educacional.

Vale aqui destacar que a Declaração de Salamanca, ao reconhecer que todos nós

somos únicos, contribuir para romper com o ideal de homem “normal”, com a ideia

que existem pessoas “deficientes”. Ideias que, conforme discutido anteriormente,

tem sido impostas e difundidas hegemonicamente, não apenas no Brasil, mas no

mundo e, assim, vem se consolidando como responsáveis pelo afastamento de

inúmeros grupos e indivíduos do bem estar social, da educação e da vida. O mesmo

documento indica que é dever da escola, portanto, promover a completa inserção de

todas essas singularidades na escola e no ensino, a fim de promover a educação de

todos.

É lamentável e evidente que tais medidas assinadas não foram completamente

atendidas e implementadas, e, portanto, ainda não se conseguiu atingir e atender a

todos os que não se enquadram no padrão de “normal”, que ainda persiste. No

entanto, é inegável que ter respaldo em lei é sumariamente imprescritível para a

criação de um mundo e uma escola mais justa e que contemple todas as

necessidades e singularidades de todos os membros da sociedade.

Resultante disso no Brasil temos em dezembro de 1996, a publicação da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96. Na referida LDB, fica explícita a

intenção e a recomendação de aumentar o contingente de alunos com necessidade

especial nas escolas, ampliando o número de ofertas e a capacitação e formação de

professores e outros profissionais para a área.

16

Tratam-se de conquistas que, embora lentas sinalizam por consideráveis avanços.

No entanto, entre o previsto e o executado existem distâncias que requerem

investigações e proposições. Nesse cenário é que buscamos inserir a presente

investigação.

2.3 NOVOS OLHARES SOBRE A EDUCAÇÃO ESPECIAL: O PARADIGMA

INCLUSÃO E INTEGRAÇÃO

Conforme discutido anteriormente, no Brasil e no mundo os anos de 1990 foram

marcados por significativos avanços em termos de educação e de concepção de

ensino especial. Todavia a história da sociedade humana é pautada por conflitos

não apenas físicos, mas de ideias. A todo o momento a dimensão do que são as

coisas e do que elas representam são criadas e refutadas. A educação e o ensino

não fogem desse processo complexo de criação e de recriação de pensamento. Não

obstante, podemos afirmar que a década de 1990 caracteriza um período em que se

começa a intensificar os debates em torno da ideia de inclusão. Os excluídos do

convívio escolar, agora começam a dividir o mesmo ambiente dos considerados

“não deficientes” ou normais. A questão crucial é que nesse cenário se incluam,

também, os debates acerca de simplesmente “colocar” esses alunos com

necessidades especiais na escola regular, se torna suficiente e eficiente para uma

real inclusão. Há que se considerar alternativas capazes de fazê-los partes do

mesmo ambiente, rompendo com o equívoco de apenas colocarmos de maneira

irresponsável no ambiente escolar, o que seria uma prática de “inclusão excludente”.

Pertinente aqui as lições de Boaventura Souza Santos ao enfatizar que “... temos o

direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser

diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza.” (SANTOS, Boaventura de

Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitanismo multicultural.

Introdução: para ampliar o cânone do reconhecimento, da diferença e da igualdade.

Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003: 56).

No Brasil, de uma maneira geral e, conforme preconizam Borges e Aquino (2012),

podemos entender os princípios filosóficos da educação especial em três grandes

momentos. Ou mais precisamente três propostas teóricas: a) o da normatização em

1950; b), o da integração em 1970; e, e c), o da inclusão 1975. Todas as três

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propostas têm como ideia original ou propostas à adesão ou inclusão dos excluídos,

porém enxergam a forma dessa inclusão, o conceito de excluído e o resultado da

mesma, de formas diferentes.

Na proposta da normatização encontramos o ideal de cura ou mitigação do aluno

com necessidades especiais a fim de “torná-lo” normal e apto para a integração à

sociedade. Esta base filosófica teve curta duração de tempo na história da educação

inclusiva brasileira2, tendo sido sucedida pela proposta da integração que é fruto das

maiores críticas atuais.

De início deve se ressaltar que embora aparentemente integração e inclusão tenham

significados parecidos, dentro do debate da educação especial, são usados para

denominar maneiras diferentes da concepção do que é realmente a inserção plena

do aluno com necessidades especiais na escola, conforme enfatiza Mantoan (1997):

O princípio de integração teve sua divulgação no Brasil depois dos anos setenta. O termo nasceu nos países escandinavos, precisamente na Dinamarca, mas se desenvolveu nos Estados Unidos. Em seguida, o Canadá juntou-se ao movimento, idealizado para atender os objetivos da corrente integracionista em defesa dos alunos com alguma deficiência ou com dificuldades específicas na aprendizagem. (p.8).

E, buscando elucidar a sua posição, recorre metáfora da cascata, afirmando que a:

[...] integração escolar, cuja metáfora é o sistema de cascata, é uma forma condicional de inserção em que vai depender do aluno, ou seja, do nível de sua capacidade de adaptação às opções do sistema escolar, a sua integração, seja em uma sala regular, uma classe especial, ou mesmo em instituições especializadas. Trata-se de uma alternativa em que tudo se mantém, nada se questiona do esquema

em vigor”. (MANTOAN, 1997, 8)

Em síntese, segundo este princípio o aluno com necessidades especiais passa a ser

integrado ao ambiente escolar sendo aceita a ideia de que o mesmo tem

necessidades únicas de aprendizado. Entretanto, o referido princípio, em sua

essência, não prevê uma inclusão plena do aluno, visto que o mesmo fica apenas

em alguns momentos em uma sala com outros alunos não diagnosticados com

necessidades especiais. Na maior parte do tempo o aluno fica em uma sala

2 . Importante registrar, no entanto, que certos conceitos como o de “patologia” e, portanto, de “cura

dos que são diferentes” ainda persistam mesmo que de forma mascarada na educação especial.

18

“especial” onde recebe conteúdo diferenciado dos demais alunos ou tem em outra

instituição a responsabilidade de ensino/aprendizado. Nesse caso a escola passa a

ser tomada apenas como um ambiente de ‘’socialização’’ daquele que teoricamente

não está na sociedade.

Como contraponto ao princípio da integração, a proposta pautada no princípio da

inclusão surge como base teórica para uma inserção plena dos alunos com

necessidades especiais. Sua gênese se fundamenta principalmente na enorme

evasão desses alunos e/ou pela passagem dos mesmos pelo ensino público. Nessa

passagem, sem uma formação escolar reconhecidamente formada e concretizada,

muitos são ‘’empurrados’’ pelos anos de ensino até abandonarem a escola ou,

mesmo, serem covardemente aprovados sem ao menos terem sido efetivamente

alfabetizados. Analisando, de uma maneira geral, a proposta da educação inclusiva

que fundamenta as principais políticas e propostas na atualidade, Borges e Aquino

(2012), entendem a sua origem da seguinte forma:

A chamada educação inclusiva teve início nos Estados Unidos em 1975. Surge como uma reação contrária às políticas integracionistas cujo significado bem como a efetivação da sua prática trouxe muita discussão e polêmica. Trata-se de uma nova expressão que vem fazer da integração uma obrigação de todos: a inclusão, “que significa que a resposta às necessidades pedagógicas de todos os alunos se faça no mesmo contexto através de atividades comuns, embora adaptadas”. (SAPON –SHEIN, 1992: FRIEND e BURSUCK, 1996, apud SAINT-LAURENT. 1997, p. 68). Esse paradigma chegou ao Brasil na década de 90. (p. 4)

O que se verifica é que essa proposta de educação inclusiva apresenta críticas à

proposta de integração em diversos pontos... Destaca-se, entre os aspectos

criticados o que se refere à concepção do que venha ser desigualdade e deficiência.

Este é, sem dúvida, um interessante ponto de partida para se entender de que tipo

de ’inclusão, a proposta inclusiva se refere’. Nesse sentido, na inclusão entende-se

que deficiência diz respeito a uma necessidade biológica, que provoca

desigualdades sociais. Isso evidencia o enorme fator de diferenciação em uma sala

de aula. Podemos ter alunos com baixa visão e de origem segregada ou de risco

social e econômico com necessidades únicas de aprendizado em relação a alunos

sem essas características. Entretanto na proposta inclusiva até mesmo esses dois

19

alunos entre si, terão necessidades únicas de aprendizado mesmo tendo duas

características em relação à deficiência e desigualdade. Na inclusão são as

diferenças que os unem, conforme enfatizam Borges e Aquino (2012):

Destarte, se antes a integração defendia o discurso da igualdade abstrata entre os homens, afirmando que todos são iguais, agora, o princípio da inclusão afirma que todos nós somos diferentes, e por isso, devemos permanecer juntos. Dessa forma, somos igualados agora, pela diferença. Assim, somos agora igualados pela diferença e pela desigualdade, pois, o que temos de comum ou de igual é a evidente constatação de que todos nós somos diferentes. (p.6)

Mais do que isso para a proposta inclusiva o aluno com necessidades especiais não

está em “inércia” na sociedade. Conceber essa ideia é acreditar que o mesmo está

fora de um padrão de normalidade. Há que se considerar que, das mais variadas

formas, esse indivíduo está na sociedade se relacionando de alguma maneira, pois

a pluralidade do ser é uma característica da sociedade nessa proposta, conforme

verificado por Fernandes (1995) e referenciado por Borges e Aquino (2012), em

pesquisa realizada no intuito de conhecer a concepção dominante de professores

que atuam na área, a respeito da integração das pessoas com necessidades

educativas especiais. Em tal pesquisa foi constatado que:

...existem diversos pontos de vista sobre a integração, mas que é preciso identificar os mecanismos gerados na sociedade capitalista, que reforçam a ideia de que as pessoas com necessidades educativas especiais não estão integradas na sociedade. Afirma que a integração não deve implicar em tirar a pessoa do estado de não participação e/ou do estado de inércia, pois, na verdade, essas pessoas nunca estiveram fora da sociedade. A sociedade capitalista, que se preocupa com o valor da troca de mercadoria, é que define que todos têm um papel definido dentro dessa mesma sociedade. Nessa perspectiva, o princípio de integração deseja inserir os indivíduos com necessidades educativas especiais na sociedade, de onde, porém, eles nunca estiveram fora. (FERNANDES, 1995, citado por BORGES e AQUINO, 2012, p.3).

Todavia não podemos fechar os olhos para situação atual da educação e suas

possibilidades e dificuldades. É evidente diante de um esforço reflexivo que a escola

deva incluir todos os alunos e suas necessidades especiais em seu ambiente

escolar sem causar constrangimento ou segregação, mas é clara a dificuldade que

escola passa para ensinar até mesmo os que são enquadrados como “normais” e

dos quais o próprio sistema hegemônico de ensino e cultural já está preparado para

20

absorver. Mas a crítica a proposta da integração deve ser mantida, visto posto que a

mesma tenta “mascarar” a realidade da exclusão na atual sociedade que continua a

excluir até mesmo quando inclui. Mais do que apenas inserir tais indivíduos no meio

educacional, tido como normal, mascarando tal inserção com a alegação de se estar

integrando-os. Há que se cuidar para, uma vez inseridos, tenham condições de

equitativas de se desenvolverem intelecto e socialmente, interagindo e aprendendo

em condições de igualdade com os demais sujeitos do processo.

Reportamo-nos aqui aos ensinamentos de Hannah Arendt (2004), para explicitarmos

a heterogeneidade dos seres humanos e a complexidade das relações sociais, no

intuito de reafirmar que, na educação de maneira bastante específica, deve-se

conceber que o que nos une é exatamente as diferenças:

...cada homem é singular, de sorte que, a cada nascimento, vem ao mundo algo singularmente novo. (...) Se a ação, como início, corresponde ao fato do nascimento, se é a efetivação da condição humanada da natalidade, o discurso corresponde ao fato da distinção e é a efetivação da condição humana da pluralidade, isto é, do viver como ser distinto e singular entre iguais. (ARENDT, 2004, p. 191).

Depreende-se daí que o que nos torna iguais, em sociedade, é exatamente o fato de

sermos diferentes. Assim como existem as singularidades entre os seres

provocando uma enorme heterogeneidade social, também heterogêneas são as

chamadas “deficiências” que atribuem aos sujeitos não considerados “normais”, as

características de sujeitos com condições especiais, sob as quais gravitam as

propostas de inclusão. Dentre tais características comumente se elencam indivíduos

com deficiências ou restrições visuais, auditivas, motoras. Especificamente no que

se refere às limitações visuais, via de regra, considera-se o percentual da

capacidade e visão dos sujeitos. O daltonismo não tem sido considerado nesse

sentido, embora sua incidência influencie e afeta diretamente na aprendizagem

daqueles que possuem tais traços...

21

2.4 O DESAFIO EDUCAÇÃO ESPECIAL: DALTONISMO E O ENSINO DE

GEOGRAFIA COMO EXEMPLO DAS SINGULARIDADES DA EDUCAÇÃO NA

ATUALIDADE

Nessa breve análise histórica e conceitual sobre a educação especial buscamos

evidenciar que inúmeras são as dificuldades e, por que não, possibilidades que

surgiram ao longo do desenvolvimento da sociedade atual no que diz respeito a

educação especial.

Dentro de todas essas complexidades que envolvem a escola e o desafio da mesma

em abranger as singularidades dos alunos, vamos tomar como objeto de análise o

Daltonismo. Nossa intenção é entender como uma característica como essa, tão

desconhecida e ao mesmo tempo tão presente entre os cidadãos, tem sido ou pode

vir a ser tratada nas escolas.

De imediato, já ressaltamos o baixo número de estudos relacionados ao Daltonismo

na educação e nas possíveis adaptações e/ou modificações nos currículos.

Portanto, nosso trabalho busca acima de tudo fomentar a pesquisa em torno dessa

característica sem ter a presunção de criar ou inventar soluções para o problema

atual dos indivíduos com essa característica na educação. Nossa pretensão grávida

em torno de contribuir, ainda que minimamente, com reflexões acerca de

possibilidades de ensino e inclusão do aluno Daltônico na escola regular de ensino.

Registra-se a enorme dificuldade para se encontrar trabalhos relacionados ao

Daltonismo no ensino, de forma geral e, ainda mais acentuada de forma específica

no ensino da Geografia. A questão é que os daltônicos, assim como outras

singularidades que ocorrem em escala relativamente pequena, ficam de fora do “Big

Picture” dos debates acadêmicos e, consequentemente, são “excluídos” na

fomentação de políticas no currículo de ensino. Portanto a reflexão aqui vale

também para ressaltar essa imensa quantidade de singularidades educacionais que

não tem sido contempladas, nem mesmo por aqueles que estão se dedicando à

temática da inclusão na escola. Não fica aqui a crítica pela crítica, entendem-se os

avanços mesmo em um cenário de profunda contrariedade e complexidade, mas é

importante ressaltar os enormes desafios que ainda temos para uma escola e um

ensino tão plural quanto os alunos que nela estão.

22

2.4.1 CONSIDERAÇÕES A CERCA DO DALTONISMO

Conforme já amplamente ressaltado anteriormente, embora não conhecido e

considerado nas pesquisas e produções educacionais, o Daltonismo está presente

de forma relativamente importante na população.

O daltonismo é a incapacidade de distinção e/ou identificação de cores que afeta cerca de 10% da população mundial, onde 98% dos casos ocorrem em pessoas do gênero masculino. É uma deficiência basicamente congênita que ocorre nas células fotossensoras (cones) do aparelho óptico humano. Os portadores apresentam dificuldade com as cores-luz primárias (vermelho, verde e azul), podendo prejudicar a visualização de todo o espectro luminoso. O tipo mais comum é a incapacidade de distinção entre o vermelho e o verde. Porém, o daltonismo pode apresentar-se em diversos níveis, passando por uma leve confusão de matizes, até a completa

cegueira de cores (NEIVA, 2008, citado por MAIA e SPINILLO,

2013, s/p.)

Tal incapacidade de diferenciação de cores é responsável por uma série de

problemas quando pensamos em um mundo em que não é efetivamente preparado

para o Daltônico, conforme bem enfatizam Maia e Spinillo:

A inabilidade de percepção de cores, segundo Kuppers pode causar fortes problemas à qualidade de vida dos daltônicos, considerando que, 80% das informações recebidas diariamente são obtidas através do canal visual, e delas, 40% referem-se à cor. (2013, s/p).

Sendo ainda mais preciso sobre a maneira de como o Daltonismo se manifesta, os

referidos autores nos esclarecem que:

De acordo com Farina, Rodrigues e Filho basicamente, o daltonismo caracteriza-se pela ausência ou insuficiência das células fotossensoras da retina, responsáveis pela visão de cores. Estas células se dividem em três tipos, caracterizando a taxonomia da deficiência que Neiva define como:

responsáveis pela percepção da cor vermelha.

cones responsáveis pela percepção da cor verde.

responsáveis pela percepção da cor azul ou amarela. (MAIA e SPINILLO, 2013, s/p)

23

No Brasil, o estudo do IBGE (2005) revelou que 16,6 milhões de pessoas possuem

algum grau de deficiência visual. E, destas, quase 150 mil são cegas por completo.

Em média 10% da população caracterizam-se por serem daltônicas, mais

precisamente, um a cada 20 homens são portadores de daltonismo.

Conforme Neiva (2008), citado por Maia e Spinillo (2013), em escala global estima-

se que existam cerca de 600 milhões de pessoas no mundo com essa. Portanto há

sim um considerável contingente de pessoas com Daltonismo na sociedade e,

consequentemente, na escola, o que torna a aparente não preocupação com essa

característica mais preocupante.

Aparentemente a incapacidade de diferenciar e/ou enxergar cores pode parecer um

desvio leve de normalidade, mas como aqui já exposto, vivemos em um mundo onde

tudo é projetado para o “normal”, no caso, aquele que enxerga cores perfeitamente.

Inúmeras situações podem ser expostas para demonstrar tais dificuldades como:

interpretação de sinais de transito, placas e anúncios das mais variadas finalidades

ou até mesmo o simples ato de se vestir, visto que as cores e suas combinações

possuem na formação cultural e social, simbologias presentes em sua mistura e

combinações.

2.4.2 DALTONISMO E O ENSINO DE GEOGRAFIA: UM MAPA QUE ENXERGUE

AS DIFERENÇAS

A ciência Geografia é caracterizada por ter um vasto campo de conhecimento como

objeto de pesquisa: o Espaço. Definir o mesmo é um trabalho árduo e que se

estende por toda a vida do geógrafo e da própria Geografia. Para se estudar o

espaço é necessário visualizá-lo, entende-lo e decifrá-lo em toda sua complexidade,

para tal, o geógrafo utiliza-se de diversos elementos de pesquisa e análise. Um dos

mais conhecidos e importantes são os mapas e, portanto será um dos enfoques de

analise para a inclusão do aluno Daltônico, adotado pela presente pesquisa.

Mapas são representações do espaço que podem ser nas mais variadas formas.

Entretanto em sua grande maioria são representações gráficas que requerem uma

capacidade visual completa. Não se olvida aqui o enorme esforço que vem sendo

24

realizado na adaptação do uso e fabricação de mapas para deficientes visuais como

os que já utilizam braile e outras formas de representação que se apropriam de

outras capacidades sensoriais que não a visão. Todavia é inegável a quantidade

ínfima em que esses mapas são produzidos quando comparados aos que requerem

a utilização da visão considerada completa. Isso de deve em muito pelo fato de,

como já discutido anteriormente, o próprio mundo pautado na normalidade “visual”

exigir mapas para não portadores de necessidades especiais, ou seja, os “normais

visualmente”.

Se o número de mapas para deficientes visuais é pequeno, para os daltônicos que

são uma “minoria dentro da minoria” são ainda mais escassos e raros o número de

mapas que contemple essa característica. Isso, sem dúvida, dificulta e muito o

trabalho do professor de Geografia, que conta com alunos daltônicos em suas

respectivas salas de aula. Nesse contexto podemos afirmar que trabalhar Geografia

e mais precisamente mapas com alunos Daltônicos é uma tarefa extremamente

difícil.

As realidades das escolas públicas e privadas são repletas de contradições e, não

obstante o advento da inclusão nas políticas e diretrizes de ensino, ainda temos o

aluno com necessidades especiais como aquele que deve se “adaptar” ao ensino.

No caso específico do aluno daltônico teria que se adequar ao mapa com cores e as

utilizações das mesmas e, por mais difícil que seja pensar nisso é exatamente o que

acontece. Embora tal adequação venha sendo, de uma forma ou de outra, realizada

pelos alunos daltônicos, isso não nos exime, enquanto educadores da necessidade

de fazermos à crítica à incapacidade do ensino em abranger tal necessidade até

porque, ele não ocorre, evidentemente, de forma plena e ideal.

Salienta-se, de imediato, que o uso e a conceituação de uma proposta de mapa por

si só já exigiria uma pesquisa ampla e polemica. Portanto, reafirmamos que não

temos a pretensão de propor objetivamente um mapa ideal. Trata-se de um trabalho

de esforço de analise, de tentativa e erro, com a intenção de servir como ponto de

críticas e apoio para outras possibilidades. Acreditamos que dentro de um contexto

de poucos estudos a simples analise do cenário atual mesmo que em uma escala

não tão abrangente pode ser vital para uma possível inclusão desses alunos ou de

25

em um futuro próximo de uma “nova cartografia”, mais abrangente no que diz

respeito às singularidades dos que usam e produzem mapas.

Mapas têm por objetivo representar a realidade, portanto visualizar um aluno

utilizando um mapa indicado como representação da realidade, mas que esse

mesmo aluno não consegue utilizá-lo é uma clara demonstração da exclusão dentro

do ensino de Geografia. Talvez este mesmo aluno se faça a pergunta: Que realidade

é essa do mapa da qual faço parte, mas que não consigo ver?

Seria o aluno que não consegue ver a realidade ou a realidade que não é capaz de

ver o aluno?

Nesse sentido a escolha por uma pesquisa empírica para detectar a complexa

relação de adaptação, se e como ocorre do aluno Daltônico na escola, é tão

importante. Nas entrevistas e nas visitas que realizamos a duas escolas, tidas como

campo empírico da presente pesquisa, tivemos a oportunidade de ter contatos com

mais do que dados, mas a histórias vivas de toda contradição teórica aqui exposta.

As histórias relatadas nas entrevistas têm esse objetivo, mostrar os desafios e as

potencialidades presentes no cenário atual da educação.

3. PERCURSO METODOLÓGICO DE IDENTIFICAÇÃO DOS ALUNOS

DALTÔNICOS: MAPEANDO O DALTONISMO

Conforme discutido no capítulo anterior, o daltonismo não é raro entre os cidadãos

e, especificamente no que se refere ao processo de ensino aprendizagem, acaba

influenciando tanto na efetivação da aprendizagem dos estudantes, quanto também

numa espécie de exclusão dos alunos daltônicos. Exclusão, no sentido de se tratar

de um elemento que influencia no processo de aprendizagem e que, não obstante

as políticas de educação inclusiva, não são consideradas nesse contexto.

Assim, torna-se relevante o esforço no sentido de propiciar aos educadores

mecanismos que possam contribuir para a identificação da presença de alunos

daltônicos em suas respectivas salas de aulas e, consequentemente, se pensar em

alternativas didáticas de ensino que propiciem a inclusão de tais alunos, com

26

equidade das possibilidades de aprendizagem; ou, ao menos, mitiguem as lacunas

existentes.

Neste sentido, é objetivo do presente capítulo, apresentar uma alternativa simples e

eficaz na identificação da presença de alunos daltônicos nas salas de aulas.

Apresentaremos, também, os passos seguidos na aplicação de tal alternativa,

efetivada como procedimento metodológico da presente pesquisa, em uma escola

da rede pública estadual de ensino do Espírito Santo, bem como uma escola de rede

pública municipal de Vitória. E ainda, identificados alunos daltônicos, procedemos à

realização de entrevistas com os mesmos, no intuito de coletar informações relativas

à interferência dessas características no processo ensino-aprendizagem, na

concepção de tais estudantes.

Para a identificação dos alunos daltônicos, optamos por utilizar a metodologia de aplicação do teste de “Ishihara”3.

Essa opção se justifica pelo fato de se tratar de um teste simples de ser aplicado,

rápido e de fácil acesso, pois em diversos sites da internet é possível encontrá-lo. O

teste consiste em vários círculos coloridos onde em cada círculo, existe um número,

ou um símbolo. Quem possui visão normal, conseguirá rapidamente identificar o

número dentro do círculo, quem for daltônico terá dificuldade ou não enxergará

número algum. Vale ressaltar que os testes identifica um aluno daltônico, e também

o grau do daltonismo, relacionado à quantidade e quais cores o daltônico tem

dificuldade ou impossibilidade de identificar.

Neste trabalho, optamos apenas por classificar os alunos como daltônicos ou de

visão normal, uma vez que para lidarmos com os mais diversos tipos de daltonismo

fugiria da proposta central do projeto, e, ao obtermos os resultados das entrevistas,

visamos que independente do grau de daltonismo, os alunos tendem a ter as

mesmas dificuldades no processo de ensino-aprendizagem. Vale, ainda, explicitar

que nosso objetivo não é o de traçar um perfil clínico do daltonismo, o que exigiria

um estudo com profissionais da área. Nosso intuito é o de encontrar sinais de

daltonismo e, em consequência, pensar alternativas de ensino.

3 O nome Ishihara é devido ao Dr. Shinobu Ishihara (1879-1963), professor da Universidade de

Tóquio, criador do teste em 1917.

27

O teste de Ishihara então foi adaptado pelos integrantes do grupo de modo a

simplificar sua apresentação e aplicação nas escolas, visto que se trata de um teste

relativamente rápido, de fácil entendimento e efetivo no que diz respeito à

identificação dos alunos. Esse foi o nosso primeiro desafio.

O teste adaptado então se constitui em nove círculos, todos contendo uma

numeração, inclusive um círculo de controle, onde todos os alunos de visão normal

ou daltônicos conseguem enxergar o número ali existente. Assim, poderíamos

identificar e descartar o aluno que de certa forma omitisse ou colocasse um número

diferente do correspondente ao círculo. As respostas deveriam ser registradas em

pequenas tiras de papel, contendo o nome do aluno, a série em que se encontra

matriculado e as respectivas respostas, onde, em um espaço pré-estabelecido, os

alunos apenas anotavam a numeração dos círculos correspondente.

28

Modelo de Teste de Ishihara adaptado e Cartão Resposta.

Buscando evitar falhas na identificação de alunos daltônicos e, considerando as

adaptações efetuadas no teste de Ishihara e, ainda, considerando que um dos

integrantes do grupo de pesquisa é daltônico, o mesmo foi previamente aplicado ao

referido integrante, que não participou de sua confecção para não haver incoerência

29

com as respostas. O resultado foi positivo, uma vez que o integrante do grupo

conseguiu acertar apenas os círculos 2 e 5.

Reafirmamos, mais uma vez, que o teste identifica características de daltonismo.

Porém, para as pessoas serem de fato diagnosticadas como tendo essa

característica, é necessário um laudo profissional da área médica específica.

Após a definição do teste de Ishihara como a ferramenta de identificação dos alunos

daltônicos, nosso próximo desafio foi o de encontrar escolas parceiras que se

dispusessem a participar de nossa investigação, autorizando a aplicação do mesmo

em seus alunos. Aceitaram o desafio e foram nossas parceiras as seguintes escolas:

a escola EMEF Otto Ewald Junior, e a escola a EEEM Godofredo Schneider.

Relataremos o contato com as escolas parceiras e a experiência de identificação

dos alunos a seguir:

A escola Otto Ewald Junior, localiza-se na Rua Daniel Abreu Machado, 302, Itararé,

Vitória. O contato inicial dos pesquisadores com esta escola ocorreu há cerca de um

ano, quando os integrantes do grupo de pesquisa cursavam a disciplina de

Educação e Inclusão, e, na ocasião, realizaram uma pesquisa com alunos que

possuem necessidades especiais. Motivou a busca pela referida escola, o fato de

um dos membros um integrante do Grupo da pesquisa, já ter trabalhado com a

pedagoga em outra escola da rede de Vitória. Esse fato, sem dúvida, facilitou a

aproximação com a escola. Coincidentemente, naquela ocasião, os pesquisadores

também conheceram a professora de Artes, lotada na referida escola e, após uma

conversa informal na sala dos professores, a mesma se identificou com a proposta

da pesquisa, relatando que em suas aulas percebeu que alguns alunos “sentiam

dificuldade em colorir desenhos”. Tendo conhecimento do que é o daltonismo, a

referida professora relatou que já havia aplicado o teste de Ishihara nos alunos,

onde pode constatar que alguns alunos foram identificados como daltônicos. Assim,

proposto para o próximo período.

No dia 9 de setembro de 2014 (terça-feira) os componentes do grupo foram à

referida unidade escolar, com o propósito de realizar o primeiro contato com a

professora parceira. Foi agendado um dia na semana, em uma quinta-feira, onde foi

combinado com a professora que o teste seria aplicado em todas as salas de aula

da escola, no intuito de identificar os possíveis alunos que seriam daltônicos.

30

Na quinta-feira, portanto, já com o modelo do teste em mãos, o mesmo foi

efetivamente aplicado em todas as turmas da escola, no turno vespertino. Para

tanto, contamos com a colaboração dos professores, que também receberam muito

bem o projeto. Inicialmente conversamos com os alunos, explanando sobre o

daltonismo, e a motivação de estar sendo aplicados os testes com os mesmos. Os

alunos levantaram questões sobre como fazer o teste e da problemática dos

daltônicos ao interpretar um semáforo de trânsito. A aplicação dos testes transcorreu

normalmente, sem nenhum problema grave. No entanto, faz-se necessário ressaltar

a probabilidade de acontecerem equívocos no resultado final, uma vez que alguns

alunos levaram o teste na brincadeira, omitiram informações ou até mesmo

rasuraram o cartão resposta.

A tabulação dos resultados da aplicação do teste na referida escola está explícito no

gráfico abaixo:

A escola a EEEM Godofredo Schneider, fica localizada na Rua Bernad Schneider,

no centro de Vila Velha. O contato com a referida escola se deu por indicação do

nosso orientador, que conhece o professor de Geografia atuante na mesma e que se

dispôs a contribuir com a efetivação da pesquisa.

276

1

0

50

100

150

200

250

300

Testes Aplicados Alunos Daltônicos

TESTE DE ISHIHARA

31

Assim, no dia 9 de outubro de 2014 foi feita a visita a EEEM Godofredo Schneider.

Onde fomos recebidos pelo professor de Geografia, que nos recebeu com

entusiasmo e nos acompanhou nas 15 salas de aulas, sendo oito turmas de

segundo ano e sete turmas do terceiro ano do ensino médio. Nessa visita, o projeto

e os testes eram explicados aos alunos, e os mesmos, prontamente se dispuseram

a respondê-los.

Vale aqui registrar que os alunos colaboraram com os trabalhos e também fizeram

bastantes perguntas sobre o daltonismo. No entanto, alguns brincavam e até

tratavam do fato de ser daltônico de forma pejorativa. Em uma das salas

possivelmente descobrimos um aluno com daltonismo, visto que ao fazer o teste ele

falava que não enxergava nada, apenas um número. Os colegas ao lado

começaram, então, a pegar vários materiais entre bolsinhas, lápis e canetas e a

perguntar que cor eram os objetos. Em outra situação entramos numa sala e uma

aluna copiou o resultado da colega ao lado e percebemos que ela fez isso, avisamos

ao professor que estava na sala no momento e depois quando estávamos nos

dirigindo para a outra sala o professor, também de geografia, veio dizer que a garota

é daltônica, porém ficou com medo da reação dos amigos descobrirem que ela era

daltônica.

São fatos que evidenciam a necessidade de se refletir sobre o daltonismo na

educação, visto que, lamentavelmente, ser daltônico também é motivo de piadas e

brincadeiras dos colegas de classe, e a afirmação dessa situação pode causar um

constrangimento ao aluno.

32

A tabulação dos dados relativos à aplicação do teste na EEEM Godofredo Schneider

revela o seguinte:

Considerando o grande número de turmas onde foram aplicados o teste, não foi

possível, no mesmo dia, a reaplicação do teste para se confirmar os alunos

daltônicos. Assim, os testes tiveram que ser aplicados em outro dia. Acontece que

neste dia nem todos os alunos estiveram presentes na escola, portanto, só pode-se

confirmar o daltonismo presente em quatro alunos. Por uma questão de viabilidade

de horários, não foram feitas a confirmação nos outros três alunos, que ficaram fora

do resultado final. Porém, considerando que a quantidade de alunos confirmados já

nos dava base para a posterior coleta de informação pelas entrevistas, decidimos

por dar sequência às atividades da pesquisa, mediante a necessidade de nos

adequarmos ao espaço tempo disponível para sua efetivação.

A somatória dos dados obtidos coma aplicação do teste nas duas escolas,

considerando o total do universo de alunos que participaram do mesmo, nos revela

que um total de 0,84% dos nossos sujeitos investigados possuem traços de

daltonismo. No entanto, insistimos, mais uma vez, que no alcance desse resultado

podem ter ocorridos casos em que alunos omitiram informações ou mesmo copiaram

os testes dos colegas, não obstante os esforços dos pesquisadores em evitar esse

33

tipo de “burla” por parte dos alunos. Registra-se, também que os testes em que o

círculo de controle foi respondido errado, foram descartados. Assim, levando-se em

consideração essa porcentagem, nossos resultados destoam da literatura, que

aponta que o daltonismo afeta cerca de 10% da população em todo o mundo com

predominância no gênero masculino. (NEIVA, 2008, apud MAIA, SPINILLO, 2013, p.

16).

Resultado Global dos testes levantados nas escolas parceiras.

No entanto, reafirmamos aqui, que os dados apresentados nesse trabalho são

meramente ilustrativos e não visou mapear ou traçar uma estatística do percentual

de aluno daltônico em escolas da educação básica. Nosso objetivo central foi o de

identificar a presença de alunos com traços do daltonismo para comporem o

universo de sujeitos a serem entrevistados, no intuito de traçarmos alternativas

metodológicas para o ensino de Geografia que facilitem a efetivação da

aprendizagem para tais alunos. Para se ter um perfil estatístico do percentual

efetivamente existente de alunos daltônicos faz-se necessária a reaplicação dos

testes, observando-se os entraves e distorções já anunciadas.

Após a aplicação dos testes e a identificação dos alunos com traços e

características daltônicas, nosso próximo desafio foi o de entrar em contato

novamente com as unidades escolares e agendar um novo dia para que fossem

realizadas entrevistas com alunos. Para realização das entrevistas, optamos por

combinar roteiro semiestruturados com questões mais objetivas. O intuito foi o de

598

5

Testes Aplicados Alunos Daltonicos

TESTE DE ISHIHARA

Série1

34

deixar o aluno mais livre para descrever acontecimentos e experiências a respeito

de como é ser daltônico. Deixamos claro que os nomes seriam resguardados a fim

de não criar nenhum constrangimento futuro.

Percebemos também a necessidade de colocar a família como um eixo da

problemática, uma vez que a família é também, responsável pela percepção dos

acontecimentos da vida escolar e cotidiana do aluno. Essa opção se pautou no

depoimento da mãe do integrante André, Cláudia Helena Erler Tonini, cujo fato de

ser daltônico já foi mencionado anteriormente. Percebemos que a mesma, foi de

fundamental importância no diagnóstico do filho e fez uma série de mecanismo para

que ele conseguisse acompanhar o andamento normal em uma atividade que ele

sentiria dificuldade, conforme depoimento da mesma, em conversa informal com os

pesquisadores:

“O André vinha com um monte de lápis de uma mesma cor para casa, fiquei com medo de ele estar pegando material e não devolvendo aos colegas. Então eu perguntava o porquê disso estar acontecendo, aí ele me respondia que pedia um lápis emprestado do aluno, um lápis verde, amarelo, vermelho, rosa. Para ele poder colorir certo... Na família tenho um primo que é daltônico, uma vez ele comprou uma banheira rosa para um filho que tinha nascido... Então eu soube que André era daltônico, pois também perguntava a ele as cores, e ele não sabia me responder, ou sabia por exemplo, que o sol é amarelo, mas quando eu mandava ele pegar o amarelo na caixinha de lápis, ele pegava o verde-claro ou o laranja, ou o amarelo de fato...”

E a nossa depoente, ainda completou relatando como ajudava o aluno a saber as

cores respectivas dos lápis:

“Fazia o seguinte: cortava a ponta superior do lápis e escrevia a cor correspondente. Assim ele não precisava pegar nada emprestado: - a árvore então seria pintada pelo lápis escrito verde”.

Consideramos, também, a necessidade de aplicar os questionários aos educadores,

pois os mesmos são parte fundamental na problemática do projeto, uma vez que os

professores, pedagogos, diretores, etc, conhecendo a situação, poderão adotar

medidas que possam contribuir para o seu contorno.

Ressaltamos aqui, mais uma vez, as memórias do integrante do grupo de pesquisa,

que é daltônico. O mesmo relata que no jardim de infância, após colorir o tronco da

35

árvore de uma cor errada foi levado aos puxões no braço pela sua professora ao

pátio da escola, juntamente com um lápis de cor. A professora mostrou o lápis e a

arvore para o mesmo, dizendo: “tá vendo? Essa é a cor da árvore!”. Segundo o

pesquisador, naquela ocasião não entendeu nada, pois não sabia o que era

daltonismo, e pelo visto, a professora também.

Evidencia-se, assim, que se os educadores estiverem cientes dessa situação,

podem lidar com a problemática de uma maneira menos agressiva, como no

exemplo anterior. Nesse sentido, optamos por entrevistar, também oseducadores

sendo eles: uma professora de educação especial, um pedagogo e professores de

artes, história, inglês, português e geografia, sem saber se eles já tinham

consciência ou não da existência de um aluno daltônico na escola e, se os mesmos

sabiam de fato o que era daltonismo. A sugestão das entrevistas fora feita na própria

sala de professores ou nas salas em que os professores cediam as aulas para a

aplicação dos testes de Ishihara. Todos se comprometeram em serem entrevistados,

elogiando a iniciativa e contribuindo dessa forma para o futuro do nosso projeto, sem

saber se eles já tinham consciência ou não da existência de um aluno daltônico na

escola e, se os mesmos sabiam de fato o que era daltonismo.

Para realização das entrevistas e coleta dos dados empíricos, explícitos nas

narrativas dos sujeitos que se dispuseram a participar da presente investigação, sem

nos prendermos rigidamente nos pressupostos da História Oral Temática, tomamos-

a, como parâmetro metodológico na condução das entrevistas. Tal fato se justifica

pelo fato de que, segundo Bom Meihy (1996), a

História oral é um recurso moderno usado para a elaboração de documentos, arquivamento e estudos referentes à vida social de pessoas. Ela é sempre uma história do tempo presente e também conhecida por história viva (...) a história oral se apresenta como forma de captação de experiências de pessoas dispostas a falar sobre aspectos de sua vida mantendo um compromisso com o

contexto social; (1996, p. 13).

Assim, seguindo tais preceitos, considera-se que a base da História Oral é o

depoimento gravado, portanto, constituem condição mínima o entrevistador, o

entrevistado e a aparelhagem da gravação. Nesse sentido, todas as entrevistas

36

foram gravadas, transcritas e nos possibilitaram obtermos narrativas dos nossos

sujeitos, acerca da problemática que iremos discutir.

As narrativas, portanto, dever seguir uma linha temática, por isso, nossa opção por

questões semiestruturadas, objetivando fundamentar a nossa temática inicial de que

deve haver uma discursão a respeito da forma de educação aos daltônicos de modo

que os mesmos não sejam excluídos em certas atividades e também, nortear uma

futura proposta de educação que comtemplem esses alunos.

Figura 1 - Roteiro de entrevista semiestruturada realizada com os alunos

Fonte: Elaborada pelos autores

Conforme já explicitado anteriormente, foram realizadas cinco entrevistas com os

alunos, não obstante termos identificado um número maior de alunos. Isso se

justifica pelo fato de que, conforme também já informado, as datas de aplicação do

teste e realização das entrevistas foram diferentes, o que não foi possível entrevistar

todos os alunos, uma vez que os mesmos não frequentaram a aula no dia da

realização da entrevista. Considera-se, também, que já era previsto a adesão

37

espontânea dos alunos com traços daltônicos em participarem como sujeitos da

pesquisa.

No que se refere às narrativas dos alunos que participaram da pesquisa, a maioria

respondeu que sabia o que era daltonismo, não obstante asdificuldades em

conceituar. Nesse sentido, as expressões comumente usadas foram dificuldades de

enxergar cores, ou ver as cores diferentes das outras pessoas. O que da uma visão

de resposta em baseada no senso-comum, mas também em conformidade com a

literatura, onde segundo Neiva (2008, apud MAIA, SPINILLO, 2013, p. 16) “o

daltonismo é a incapacidade de distinção e ou identificação de cores”.

Observa-se, ainda que em sua totalidade, os alunos que participaram da entrevista,

afirma que não sabiam que tinham daltonismo, embora maioria também afirme que

suspeitava desse fato. Foi, segundo suas narrativas, com os resultados do teste de

Ishihara que puderam confirmar essa condição. Um aluno entrevistado alega não

confiar somente no teste e, portanto, que irá procurar um diagnóstico médico,

conforme sua narrativa

Tipo assim, eu fiquei curioso, achei que daltonismo era preto branco e cinza. Pesquisei e vi que tinha muitos graus... Vou ter que fazer uma consulta, mais sinceramente estou com medo...

Outro sujeito, também afirma que suspeitava ter daltonismo. Segundo suas

narrativas tais suspeitas decorriam do fato de colorir errado, “quando fui desenhar aí

falaram que eram as cores erradas, era o desenho”.

As principais dificuldades, decorrentes dos traços do daltonismo, apontadas pelos

nossos alunos colaboradores, se referiam, sobretudo com a interpretação de

gráficos e mapas e também com conteúdos e atividades desenvolvidas nas aulas de

Artes, conforme se observa nas narrativas abaixo:

“Ainda mais como mapas e gráficos assim... as cores são muito similares, então dificulta bastante à identificação de cada, cada dado”.

“A minha maior dificuldade é na disciplina de Artes, né. A professora manda fazer um desenho, aí dependendo da cor eu fico perguntando ao pessoal por medo de errar porque eu sou daltônico...”.

“Eu tive dificuldades em bastantes exercícios, tipo geografia e outras que apresentam gráficos. Os gráficos... as coisas assim são muito semelhantes. Em mapas as cores me confundem, ainda mais as

38

azuladas, amarelo, verde sempre dificultam a identificação de cada uma”.

E o próprio aluno que aponta as dificuldades relacionadas às tonalidades de cores,

ao se trabalhar com mapas, apresenta como alternativa para mitigar essa deficiência

dos daltônicos, a possibilidade de:

“A própria tonalidade das cores, se diferenciar bastante nos mapas as tonalidades eu acho que facilitaria para quem é daltônico”.

Alguns alunos lembraram casos específicos, como em exercícios ou em uma prova,

como nos revelam as narrativas abaixo:

“... atividade de geografia tinha que fazer um gráfico e identificar um país pela cor, aí quando eu ia fazer esse país com essa cor e eu pegava a cor errada, fora isso não muito”.

“É pra falar a verdade sim, principalmente nas aulas de artes, interpretação de gráficos e mapas, tipo interpretação de gráficos que tinha cores parecidas e eu não conseguia diferenciar as cores... Embola as informações”.

Evidencia nitidamente a necessidade de se buscar alternativas possíveis para a

superação de obstáculos como os acima explicitados, a narrativa do aluno abaixo,

ao ser perguntado sobre como conseguia interpretar um mapa que estava exposto

na sala de aula. O referido aluno informou que só via três cores, quando, na

realidade, no mapa existiam sete diferentes cores. E o mesmo aluno ainda narra:

“Fui fazer a prova do PAEBES, e assim, a primeira questão de geografia tinha uma interpretação com legenda de cores que mandava identificar a região hachurada e eu não enxergava a cor e

chutei a questão”.

No que se refere à consciência da família sobre a ocorrência do daltonismo, nossos

colaboradores afirmaram que apenas as mães sabiam das manifestações de

dificuldades. Em alguns casos, nossos sujeitos informara que as mães, embora

soubessem de suas dificuldades, não enxergavam o fato como uma situação séria,

em alguns casos, até desconsiderando os fatos, conforme se visualiza nas

narrativas abaixo:

“Só minha mãe sabe. Mas acho que ela não leva isso a sério. Fala

que é besteira minha”.

39

“Minha mãe parece que ela já sabia, porque ela disse que quando eu era pequeno ela começou a me ensinar as cores e ela chegou na minha beira e disse: Pedro a cor da geladeira é bran... aí tipo assim, ela tentava completar as frases para eu tentar falar que cor era e eu falava que era preta, mas era branca.”

Também buscamos saber dos nossos sujeitos colaboradores, se a escola onde

estão matriculados tinha conhecimento de que os mesmos eram daltônicos. Apenas

um aluno nos informou que a escola sabia, já que a professora de Artes já havia

aplicado o teste de Ishihara, anteriormente:

“Sabe, no entanto, só a professora de Artes que ela lida com isso um pouco diferente. Tipo assim, quando ela vai fazer qualquer desenho ela diz que cor é, só isso.”

Ainda segundo afirmam dois de nossos sujeitos colaboradores, alguns amigos

sabem da situação. Com isso, ficam apenas “zoando” com os alunos, perguntando

as cores de tudo, nunca passando de uma brincadeira. Ao serem perguntados se já

se sentiram discriminados ou envergonhados com o fato, os alunos garantem que

não, pois os colegas fazem apenas brincadeiras. Em suas palavras:

“Só de zoação: mesmo que tem uma televisão que é laranja e para mim eu acho que é amarela”

“Só os amigos que brincam”.

Vale aqui considerar que as narrativas dos alunos colaboradores, refletem uma

situação de desencontro de informações sobre a situação de ser ou não daltônico,

de o que é ser daltônico e o que essa situação pode modificar na vida escolar de

uma pessoa. Percebe-se que, de maneira bastante velada, a interferência nas

atividades de aprendizagem é bastante significativa. Isso se evidencia com bastante

nitidez, ao considerarmos que um grupo de alunos “daltônicos” não consegue, em

determinada atividade, acompanhar com o mesmo ritmo de uma pessoa que

enxerga as cores de modo normal. Assim, justifica-se a proposição de trabalhos

investigativos e de reflexões que possibilitem a inclusão desta temática nos debates

acerca da educação formal. Trata-se de um percentual significativo de cidadãos que

se deparam cotidianamente com obstáculos na efetivação de seu processo de

formação e que, portanto, há que se buscar e propor alternativas para que forma

esses alunos não se sintam prejudicados, ou percam de certa forma uma informação

40

necessária para a formação da vida escolar desse cidadão. Portanto, “apesar de ser

uma deficiência de diversos níveis, todos eles podem vir a despertar desconforto

psicológico no indivíduo e a necessidade da presença de outras pessoas para

realizar determinadas tarefas” (MAIA; SPINILLO, 2013, p.16). Além disso, “a errada

interpretação das cores pode suscitar inseguranças na integração num dado

contexto social sempre que a imagem pessoal projetada seja um fator determinante

de julgamentos e juízos de valor” (NEIVA, 2008, apud MAIA, SPINILLO, 2013, p.

16).

Sendo assim, considera-se importante dispor ferramentas que lhes proporcionem

independência e segurança, principalmente em atividades diárias como a escolha do

vestido ou o uso de um sistema de informação baseado em cor.

É muito frustrante para uma criança ter a certeza de que está vendo um objeto de determinada cor, enquanto todos os colegas e a professora afirmam que ele é de outra. Além disso, o aluno portador de daltonismo pode encontrar dificuldades para interpretar gráficos, mapas, tabelas, bandeiras, trabalhos em computador e aulas de educação artística, por exemplo. (SANTOS; VILA-VERDE; FERREIRA; NOVAIS, 2011, p.2).

Em nossas entrevistas, as disciplinas mais lembradas pelos sujeitos entrevistados

foram a de Artes, no “colorir o desenho da forma correta”, e a disciplina de

Geografia, na interpretação de gráficos e mapas, que com o jogo de cores podem

prejudicar o aluno a adquirir a totalidade das informações presentes ali. Vale

registrar, no entanto, que não se podem excluir as outras disciplinas, pois a

utilização de gráficos, mapas e imagens coloridas em geral, está presente em todas

as matérias do currículo escolar, e ainda que não foram lembradas e/ou

mencionadas pelos alunos em questão, só o ato de não observar determinada cor

em uma imagem já pode se tornar uma informação a menos não para o aluno.

As narrativas dos alunos que participaram da presente pesquisa reafirmam que

alunos daltônicos possuem dificuldades no processo educacional. Essas

dificuldades perduram por toda a trajetória educacional desses alunos já que o

daltonismo é uma característica hereditária, ou seja, está presente nos indivíduos

desde o seu nascimento. Nesse sentido, Santos; Vila-Verde; Ferreira; Novais (2011,

p.2) explicam que “o daltonismo é um transtorno hereditário de herança recessiva

41

ligada ao sexo e a herança clássica para o daltonismo está ligada ao cromossomo

sexual X”.

Como várias outras síndromes e situações particulares genéticas, conforme pode se

observar pela literatura médica disponibilizada até a presente data, não existe

“método de cura” para o daltonismo. “A anomalia se dá na retina, e é congênita,

hereditária e incurável”, afirma Katia MoherdauiVespucci4.

Não há como um daltônico que nasce com essa característica, algum dia enxergar

de acordo com as demais pessoas de visão normal. Portanto a escola não pode se

furtar ao desafio de enfrentar e trabalhar essa questão, como tantas outras, de forma

a não excluir os alunos com essas características de todas as informações

possíveis.

Mediante tais constatações e pressupostos, buscamos ouvir e dar vozes à

educadores atuantes nas escolas pesquisadas, no intuito de encontrar pistas e

sinais de práticas alternativas na superação das dificuldades inerentes aos alunos

daltônicos, no que se refere ao processo de aprendizagem. Os educadores

entrevistados foram os que se dispuseram à entrevista já na sala de aula que estava

sendo aplicados os testes, e também alguns que concordaram em ceder à entrevista

na sala dos professores.

Assim, ao todo foram entrevistados sete educadores e, a exemplo dos

procedimentos metodológicos adotados com os alunos, também aqui utilizamos do

critério de invisibilidade de nossos sujeitos colaboradores, garantindo-lhes, assim, a

privacidade.

4

“Daltônicos ao volante”, disponível em: http://www.sinaldetransito.com.br/artigos/daltonicos_ao_volante.pdf, acesso em 10/11/2014, às 18:30.

42

Para subsidiar a realização das entrevistas com os professores que se dispuseram a

participar de nossa investigação, definimos o seguinte roteiro semiestruturado:

Figura 2 - Roteiro de entrevista semiestruturada realizada com os educadores

Fonte: Elaborada pelos autores

A grande maioria das respostas sobre o que é daltonismo dos docentes

entrevistados também foi baseada no senso-comum. As respostas obtidas ficaram

apenas na definição de daltonismo como sendo uma dificuldade em enxergar cores.

Apenas um professor disse não saber o que era, e nunca ter ouvido falar sobre o

tema. Tal constatação mostra-se preocupante, uma vez que era pressuposto que o

educador deveria pelo menos ter noção que essa situação existe.

Quando um educador informa nunca ter ouvido falar de uma situação que não é tão

rara no cotidiano escolar, a situação nos reporta à discussão acerca da formação

acadêmica desse profissional de uma maneira específica e dos cursos de formação

de professores, de maneira geral, apontando para a deficiência de tais cursos ao

não abordarem a temática.

Dentre os professores colaboradores, apenas um foi direto no conceito do

daltonismo, afirmando já ter buscado informações com uma colega e com leitura

complementar. Em suas palavras:

43

“Eu sei sim. É já fiz algumas leituras sobre a temática, que fez até parte de uma de minhas discussões, não por uma questão da disciplina que eu trabalho, hoje que é geografia que envolve a lidar com imagens, gráficos etc, e mapa. Mas por uma questão biológica mesmo que a gente levantou aqui na escola, quando uma colega da área de biologia. Mas o meu conhecimento assim que foi a partir da minha conversa com ela. Como ela é bióloga que eu pude esclarecer

minhas dúvidas a respeito do tema de daltonismo”.

Quando nossos sujeitos professores foram perguntados se sabiam da existência de

algum aluno daltônico na escola, as respostas foram que não. Alguns alegam que

agora que está sendo realizada essa pesquisa, com aplicação dos testes de

Ishihara, eles ficaram sabendo do fato, conforme narram:

“Não sabia. Fiquei sabendo hoje do aluno da 8ª série, meu aluno... é... daltônico”.

“O aluno da 8ª série que vocês entrevistaram ele já tinha comentado comigo há um tempo atrás que ele é daltônico, né?”

“Tomei conhecimento de um aluno da 8ª série aí que tem esse problema e eu já tive algumas conversas com ele a respeito, dessa dificuldade dele e aparentemente que não conhece acha que não tem problema nenhum.”

Mediante ao questionamento acerca de uma possível interferência da condição de

daltonismo, no processo de ensino-aprendizagem, assim se posicionaram nossos

professores colaboradores:

“Interfere. Interfere uma vez que trabalhar com Geografia que envolve né, por exemplo, utilizar os recursos da cartografia para trabalhar minhas aulas né. É essas aulas de cartografia envolvam o uso de gráficos, o uso de tabelas, o uso de mapas. Muitos desses mapas são mapas temáticos que envolvem a questão da cor. Eu acredito que esses são fatos que influenciam bastante também. É bem significativa a interferência dessa problemática, desse problema no que se refere ao lidar com a minha matéria em sala de aula.”

“Não. Eu não notei nenhuma dificuldade até porque o aluno apontado com, é, em geral um dos bons alunos, em raras exceções. Acho que ele é um bom aluno, com boas informações. Então se existe alguma dificuldade, porém na minha disciplina ele não apresentou nenhuma.”

“Quando a professora identifica esses traços, eu acho que não atrapalha não. Quando a professora e o aluno identificam. Porque se o professor não sabe que ele tem o daltonismo, eu acho que ele tem que ter a consciência disso ele tem que falar:- olha professor eu sou daltônico. Porque aí o professor não vai considerar ele com aquilo que ele faz, entendeu? E aí o professor já vai usar outras cores para ele.”

44

Esta última narrativa vem reafirmar a importância do diagnóstico prévio, haja vista

que se o professor tem consciência do fato, poderá tomar as suas providencias,

propor alternativas de ensino de maneira a não prejudicar ainda mais o aluno.

Outra questão que se apresentou aos nossos professores colaboradores se

relaciona com o fato de a escola, principalmente a pública, estar preparada para

lidar com esse tipo de alunado. Nesse sentido, a grande maioria dos entrevistados

afirmaram julgar que não há um preparo da escola, conforme exemplifica a narrativa

abaixo:

“Não. A escola não “tá” preparada. Desde, a etapa inicial que é a

matricula do aluno, quando a secretaria não pergunta, não interroga não diagnostica se o aluno tem esse problema... desde aí até passar para o pedagogo, até passar para o professor em sala de aula. E, assim como o professor, é a escola também não está preparada para atender essa demanda de aluno. Eu nunca vi, anteriormente, não sei de caso nenhum na escola de aluno com daltonismo. Então isso parte do princípio que a escola não sabe lidar com esse tipo de aluno. Mesmo que a escola não atenda essa demanda de aluno. Parece-me que não é objetivo da escola lidar com isso. Nem a Secretaria da Educação da rede pública de ensino parece estar preparada para trabalhar esse aluno como aluno de inclusão. É mesmo assim a escola não “tá” preparada.”

Apenas um educador respondeu que a escola está preparada, porém dando ênfase

na importância da identificação do aluno:

“Preparada a escola está sim, desde que você identifique o aluno. Porque se o aluno tem nota boa não altera nada o professor só vai mudar algumas estratégias com ele, ele vai usar... ele vai pintar um mapa de uma cor o professor vai ter que estar junto orientando e o colega também, ele já sabendo não custa procurar ajuda.”

Assim, mediante a indagação a respeito da opinião pessoal dos nossos

entrevistados, se os mesmos julgam que os alunos daltônicos devem ser incluídos

no rol dos alunos com necessidades especiais, as respostas obtidas também foram

bem divididas, como se verifica nas narrativas abaixo:

“É entendendo aluno de inclusão de educação especial como aquele aluno que vai ter o seu processo avaliativo complicado por conta de sua deficiência, eu acredito que o daltônico também deva ser inserido aí nesse grupo de aluno, nesse nicho de alunos que deva ter um tipo de atendimento especial. Como eu falei grande parte do que eu trabalho em sala de aula é com a questão visual, é do audiovisual.

45

É analise de música, analise de gráfico, tabelas e mapas. Analise de imagens também. Uma vez que esse aluno, por conta do daltonismo, possui algum tipo de dificuldade a fazer essa análise, o seu processo avaliativo vai ser complicado. Então esse aluno uma vez prejudicado ele deva sim receber, tem que receber algum tipo de atendimento especial para que possa mitigar esses problemas no que se refere a avaliação do mesmo.”

“Não. Com os de necessidades especiais não. Porque eu não imagino que seja uma coisa tão grandiosa assim. Mas a gente que precisaria assim... um pouco de cuidado para lidar com eles, todos os professores não só o de Artes.”

Importante mencionar que todos os educadores que participaram da pesquisa,

ressaltaram a relevância de trabalhar esses alunos, no intuito de garantir a efetiva

educação dos mesmos e, apesar de alguns julgarem que os referidos alunos não

devem ser incluídos como alunos com necessidades especiais, são unânimes ao

afirmarem a preocupação para que o processo de ensino aprendizagem seja efetivo

para todos.

As narrativas dos educadores entrevistados nos revelam um dado relativo ao não

conhecimento aprofundado do fato de que o daltonismo está presente no cotidiano

escolar. Acreditamos que isso se justifica pelo fato de que o número dos alunos

daltônicos seja relativamente pequeno e, ainda, que muitas vezes nem os próprios

daltônicos sabem de suas condições, além daqueles que omitem essa informação.

Ora, o desconhecimento da presença desse tipo de aluno no cotidiano da sala de

aula, leva, por consequência, à ausência de atividades didático-pedagógicas

alternativas que possam contribuir com o processo de aprendizagem de tais sujeitos.

Embora, em sua maioria, os professores desconhecessem a existência de alunos

daltônicos em suas salas de aula, os mesmos demonstraram, unanimemente, terem

conhecimento e acreditarem na importância dessa temática. Porém, só param para

discuti-la quando, de fato, tiveram a certeza de que existem alunos daltônicos na

escola em que trabalham.

Pensamos assim que a partir dessa informação, os educadores passam a olhar com

cuidado os alunos com essa característica. Mais uma vez ressaltamos aqui a

importância do teste, que identifica o aluno e dá o respaldo para o profissional

educador lidar com o mesmo.

46

Assim, existe a necessidade de ir além... Não basta aplicar testes, identificar sujeitos

com essas ou aquelas características. Tem-se que propor alternativas inclusivas que

possibilitem condições de equidade na aprendizagem e na construção da cidadania

discente. Com essa perspectiva é que o nosso desafio, no próximo capítulo, é o de

apresentar alternativas práticas de ensino da Geografia que incluam alunos

daltônicos e suas características.

47

4. PROPOSTAS

Em conformidade com o objetivo central desta investigação, que visa em última

análise, contribuir com as reflexões acerca do daltonismo na educação básica e,

consequentemente, a inclusão da temática nas pautas das políticas de inclusão

educacional, nosso desafio, no presente capítulo, será o de apresentar propostas

alternativas para o ensino de conteúdos geográficos que visem possibilitar

condições de equidade de aprendizagem para os alunos, inclusive aqueles com

traços e características daltônicas.

Esclarece-se, de imediato, que não é pretensão aqui esgotar todas as possibilidades

e muito menos se almeja propor “receitas prontas e acabadas”. Ao contrário, nosso

intuito é o de apontar alternativas que podem e devem ser adaptadas e melhoradas

pelos professores, de acordo com as suas respectivas necessidades.

Para elaboração das propostas alternativas aqui apresentadas, nos pautamos nas

narrativas de alunos com traços daltônicos e de alguns de seus professores que

foram entrevistados, cujos dados foram apresentados no capítulo anterior. Assim, a

análise de tais narrativas revela explicitamente que, via de regra, as maiores

dificuldades de aprendizagem dos alunos se referem à não identificação de cores,

quando se trabalha mapas e gráficos. Implicitamente, as narrativas também revelam

que alunos com traços daltônicos, muitas vezes não se manifestam e nem falam de

suas dificuldades para evitarem brincadeiras e piadinhas dos colegas, que acabam

por causar certo constrangimento. Nesse sentido, as propostas a serem

apresentadas se relacionam com conteúdos geográficos que lançam mão de

recursos visuais e, portanto, visam mitigar tais dificuldades.

Conforme chama atenção as narrativas de André Tonini, um dos membros do grupo

de pesquisa, que também é daltônico, o estudo e compreensão dos mapas é

bastante comprometido em detrimento dos mesmos serem, via de regra, confusos,

principalmente no que se relaciona à questão de cores, que não leva em

consideração as limitações de pessoas daltônicas na definição e distinção de cores.

48

Essa percepção fica bastante evidenciada, quando tomamos, como exemplo o mapa

abaixo de Minas Gerais. Trata-se de um mapa físico do estado de Minas Gerais,

nele se apresentam as variações de altitude, o nome das principais formações

montanhosas e os fluxos hídricos. Tendo por seu objetivo principal a compreensão

das características naturais do estado mineiro.

No referido mapa fica bastante evidenciada como as escolhas da cores para

diferenças altimétricas da região mapeada, podem gerar grande confusão visual.

Para o daltônico, a leitura e compreensão do mesmo torna-se inviável, conforme

narrativas de Tonini: “é impossível de eu identificar isso aqui, não tem como, é muito

confuso”, (2014).

4.1 APLICAÇÃO ALTERNATIVA DOS RECURSOS DE COR E TONS

Mapa 1 – Mapa Físico de Minas Gerais

Fonte: https://cartografiaescolar.files.wordpress.com/2008/10/minas-fisco-2.jpg

Essa percepção também se ratifica nos depoimentos dos alunos daltônicos

entrevistados, conforme se evidencia nas narrativas de um aluno entrevistado, ao

49

ser perguntado sobre alguma possibilidades que poderiam vir a facilitar a

compreensão dos mapas pelos daltônicos. Segundo o mesmo: “A própria tonalidade

das cores. Se diferenciar bastante nos mapas as tonalidades de cores, eu acho que

facilitaria para quem é daltônico.” (Entrevista com aluno)

Chama-nos bastante a atenção o fato de que as cores utilizadas no mapa acima

possuem tonalidades e mesmo cores que não variam muito. Isso sem dúvida é um

fator que dificulta a leitura e compreensão dos mapas.

Diante disso. Nossa proposta para facilitar a compreensão dos mapas hipsométricos

(aquele que mostram os níveis de altitude, como o mapa utilizado acima) pelos

daltônicos passou por uma questão principal: a diferenciação clara das cores e tons,

indo de encontro com o que foi proposto por nosso aluno colaborador e nos termos

sugeridos por Tonini.

Entretanto, é necessário enfatizar a possibilidade de se encontrar alguns obstáculos

e possíveis dificuldades no que se refere a essa nova elaboração de mapas. Uma

delas é a quantidade de cores e tons disponíveis. Se o mapa a ser trabalhado com

50

alunos daltônicos, a representação espacial permitir a utilização de apenas três,

quatro ou cinco cores, no máximo, é possível organizar tais cores, de maneira que

possamos distribuir melhor as diversas tonalidades e cores representando

características diferentes, como exemplifica a figura abaixo:

Mapa 2 - Minas Gerais hipsométrico em tons de cinza.

Fonte: https://cartografiaescolar.wordpress.com/maquete-a-partir-de-mapa-fisico/

Este mapa foi visualizado por Tonini e todas as informações foram interpretadas, na

sua opinião “ As cores seguem um padrão, do branco ao preto, passando por outras

três variações de cinza, consigo identificar facilmente as cinco escalas de cores no

mapa de Minas ” (2014). Em conformidade com as palavras de Tonini, a

diferenciação de tons de cinza, visto que, conforme já comprovado, há maior

facilidade dos daltônicos em diferenciar as tonalidades que variam do preto ao

branco.

51

4.2 A APLICAÇÃO DE SÍMBOLOS

Conforme já enfatizado anteriormente, muitas vezes os mapas tem sido elaborados

dependendo unicamente da compreensão das cores para entender as informações a

serem transmitidas. Essa percepção de evidencia no mapa dos climas do mundo,

exemplificado abaixo:

Mapa 3 - Mapa climático e pluviométrico global.

Fonte: Livro didático da plataforma UNO. 8º ano.

Vale aqui destacar que a utilização das cores se mostra indispensável para

facilitar a compreensão do mapa. Entretanto, apenas a utilização de cor; como

buscamos demonstrar no presente estudo, não atende a todos, se caracterizado, de

certa maneira como um fator de exclusão dos alunos daltônicos, retirando-lhes as

possibilidades de compreensão dos mesmos.

Assim, para facilitar aos alunos daltônicos o entendimento das informações

geográficas contidas no mapa, alguns elementos já conhecidos e utilizados para

52

elaboração de mapas, podem ser atribuídos: Nessa direção, os símbolos se

mostram uma excelente alternativa para organizar os conteúdos geo-cartográficos

contidos no mapa. Neles podemos atribuir ideias que façam com que entendamos

previamente a característica de cada tipo de clima, como exemplo utilizado no mapa

acima.

Na utilização de símbolos, em mapas de climas, podemos utilizar de símbolos para

identificar determinados tipos climáticos. Por exemplo, para identificar o clima polar,

poderíamos atribuir a ele símbolo de um floco de neve, pois sabemos que esse

símbolo se relaciona diretamente com o clima.

Tomemos, por exemplo, o Mapa 3, que retrata os climas no mundo, utilizado acima,

nesse caso, bastaria a utilização da simbologia correspondente, conforme

exemplifica a figura abaixo:

Mapa 4 - climático global (b)

Fonte: Elaboração própria e Adaptado a partir de: Plataforma UNO, livro didático 8º ano.

53

Figura 3 – Atribuição simbólica ao clima polar no mapa climático mundial.

Fonte: elaboração própria, 2014.

Reafirmamos, mais uma vez que a alternativa de se utilizar os símbolos deve ser

empregada sempre que necessário, quando não os mapas e dados geográficos

retratados não possibilitarem a representação gráfica com poucas cores e com

tonalidades e tipos bem distintos, ou então, para se explicar melhor as

características de cada lugar mapeado utilizando imagens.

Contudo, as formas visuais ilustradas permitirão aos daltônicos visualizarem e

entenderem o correspondente símbolo cria-se uma facilidade de identificação do

mesmo.

4.3 A UTILIZAÇÃO DE HACHURAS

Para evidenciarmos a necessidade de estudos e reflexões acerca de alternativas

didático-pedagógicas que visem mitigar dificuldades de alunos daltônicos na leitura e

compreensão de mapas, tomemos como exemplo as diferentes possibilidades de

estudos cartográficos a partir de abordagens regionais como retrata o mapa abaixo.

Em uma rápida leitura, observa-se que o mapa aqui utilizado tem por objetivo

identificar os processos de adoção, pelos diferentes idiomas falados nas Américas.

54

Mapa 5 - Mapa dos idiomas das Américas.

Fonte: http://es.justmaps.org/mapas/tematicos/americas-map.asp

Perseguindo nosso objetivo de tentar apresentar alternativas de ensino voltadas

para alunos daltônicos, utilizamos o referido mapa como gerador de narrativas

acerca das dificuldades de sua leitura e interpretação por parte do nosso colega de

pesquisa, que também é daltônico, conforme já explicado anteriormente.

Conforme explicitam as narrativas de Tonini (2014), as suas dificuldades enquanto

daltônico, no que se refere ao mapa acima se relacionam à interpretação dentro das

cores do mapa. Segundo narra, a cor utilizada para identificar os países que

possuem os idiomas inglês, francês e espanhol são praticamente idênticos às cores

uns dos outros, e o Brasil também lhe gera alguma confusão, por conta da

dificuldade de diferenciação das cores alaranjadas e verde. Essa confusão, se

colocarmos em um contexto, por exemplo: escolar ou de provas, pode gerar um

conflito no aluno daltônico, fazendo com que este possa vir a não compreender o

conteúdo de maneira correta, a exemplo do fato narrado por um de nosso alunos

daltônicos colaboradores, relacionados à realização de uma prova do PAEBES

(Programa de Avaliação da Educação Básica do Espírito Santo). Segundo o referido

aluno, o mesmo se equivocou ao interpretar um mapa na prova de Geografia e

consequentemente errou a questão.

55

Implicitamente ás narrativas do referido aluno daltônico, percebe-se que muito além

de serem prejudicados na questão do quantitativo das notas obtidas em provas do

tipo, os mesmo também são “punidos” com possíveis assédios, que, via de regra,

acabam se tornando em bullying5 . Para melhor compreensão, justifica-se aqui a

transcrição, na íntegra, de parte dessa entrevista:

Entrevistador: Depois daquele dia que a gente fez o teste, você deu uma

pesquisada? Porque eu lembro que na sala, os seus amigos começaram a brincar...

E você ficou meio sem jeito, ao afirmar que não existia número na imagem usada.

Entrevistado: quando eu vi que eu só tinha conseguido enxergar número em um dos

exemplos usados, eu fiquei curioso mesmo. Eu sabia que daltonismo; - achava que

era só aquela coisa mais séria o cara via preto, branco e cinza. Eu não sabia que

tinha outros graus.. aí eu peguei e fui pesquisar. Fiquei com medo, vi vídeos, várias

coisas eu pesquisei.

Entrevistador: Depois que você pesquisou você acha que é daltônico?

Entrevistado: É isso aí. Eu vou ter que fazer uma consulta para realmente ver o que

eu tenho cara. Mas sinceramente eu tô com medo.

Entrevistador: É acho que não tem necessidade de ter medo. Você já teve alguma

dificuldade até hoje por causa dessa diferenciação de cores?

Entrevistado: Relativamente não. Aparente foi só mesmo quando tive que diferenciar

alguma cor, por exemplo, o amarelo igual tá nas imagens aqui, o amarelo, o laranja,

verde.. eu não consigo.. fica tudo a mesma cor.. eu não consigo enxergar. Aqui por

exemplo nesse número, nessa figura eu consigo enxergar porque aparentemente

estou vendo duas cores, entendeu? Então deu para diferenciar, mas nos outros aqui

é bem complicado.

Entrevistador: E você já teve alguma dificuldade no seu dia a dia ou em alguma

atividade da escola relacionada a cores?

Entrevistado: Para falar a verdade sim. Principalmente nas aulas de Artes em que as

vezes tinha que desenvolver alguma coisa.. até mesmo na interpretação de

imagens, de gráficos... Principalmente eu senti muito problema. Tem questão de

5 Bullying é um termo da língua inglesa (bully = “valentão”) que se refere a todas as formas de atitudes

agressivas, verbais ou físicas, intencionais e repetitivas, que ocorrem sem motivação evidente e são exercidas por um ou mais indivíduos, causando dor e angústia, com o objetivo de intimidar ou agredir outra pessoa sem ter a possibilidade ou capacidade de se defender, sendo realizadas dentro de uma relação desigual de forças ou poder.

56

Geografia tinha muita dificuldade, porque várias questões tinha interpretação de

gráfico e tinham cores. E aí... Tinham cores que eram muito parecidas e eu não

conseguia resolver a questão por não conseguir diferenciar justamente as cores.

Entrevistador: Aqui na escola alguém sabe que você tem daltonismo? Já sofreu com

isso?

Entrevistado: Não, quase ninguém sabe que eu sou daltônico. E nunca ninguém me

sacaneou, só mesmo brincar com os meus amigos, mas não é uma causa tão séria

igual eu já acabei de te falar meu grau não é aquele preto, branco e cinza.

Percebe-se pelas narrativas do nosso colaborador que embora o mesmo não tenha

sofrido bullying na escola, existe certo receio de que isso possa ocorrer. Basta

considerarmos que o mesmo é enfático ao afirmar que poucos amigos sabem de

suas dificuldades com as cores, e por serem amigos, os assédios são considerados

como brincadeiras. No entanto, o mesmo também enfatiza que considera seu grau

de daltonismo mais leve.

De forma ainda mais evidenciada, os alunos daltônicos são prejudicados em seus

processos de aprendizagem, principalmente nas avaliações, quando necessitam

interpretar mapa, gráficos, figuras que utilizam-se de cores, conforme explicitam e

exemplificam as narrativas de nosso colaborador, ao ser perguntado se o mesmo

podia relatar algum faro nesse sentido:

“Posso. Eu fui fazer a prova do PAEBES e a primeira questão que eu peguei né? Foi

de Geografia e tinha uma interpretaçãozinha que dava uma legenda de cores com

as regiões e mandava identificar qual a região no mapa... A região hachurada, né.

Só que eu não tava enxergando a cor então não deu para eu fazer, não consegui.

Pulei a questão, chutei. Não teve como.” (Entrevistado, 2014)

Conforme já exemplificamos acima, existe a alternativa e a possibilidade de se

propor e utilizar mapas que sejam acessíveis aos daltônicos por meio da

diferenciação de cores e tons, que provavelmente também resolveriam os problemas

que agora estão sendo abordados. Entretanto, nos cabe aqui dispormos o maior

número de situações possíveis para se aproximar os mapas dos daltônicos.

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A utilização de mapas hachurados pode ser uma ótima opção para as oportunidades

nas quais nos referirmos à confecção de mapas. Essa forma de representar as

divisões regionais é bastante vantajosa no que diz respeito à interação com o

daltônico, pois ela possui além de cores, também formas hachuradas que facilitam o

entendimento do aluno e afasta a possibilidade de confusão gerada pela utilização

apenas de cores e tons.

Essa opção é confirmada nas narrativas de Tonini (2014), ao ser questionado sobre

as suas possibilidades de leitura e compreensão do mapa número 5, usado

anteriormente para apresentar os idiomas falados nos países americanos. Segundo

narrativas de Tonini o entendimento do mapa apresentado na forma sem hachuras é

extremamente dificultado. Já as utilizações das hachuras foram fundamentais para o

entendimento do recurso cartográfico.

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Sendo assim, este mapa conclui sua finalidade sem ocasionar possíveis

problematizações, se mostrando, então, uma boa opção para o objetivo do atual

trabalho, conforme pode-se visualizar pelo mapa hachurado abaixo.

Mapa 6 - Os idiomas nas Américas hachurado.

Fonte: Plataforma UNO. Livro didático 8º ano.

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4.4 CRIANDO ALTERNATIVAS PARA CONFECÇÃO DE GRÁFICOS, VISANDO

OS DALTÔNICOS

Além das dificuldades na leitura, compreensão e interpretação de mapas, os alunos

daltônicos que participaram dessa pesquisa também sinalizaram para dificuldades

na aprendizagem, quando os professores se utilizam de gráficos. As reclamações de

nossos colaboradores, nesse sentido, aparecem em diversas ocasiões nas

narrativas dos alunos daltônicos que participaram das entrevistas, se revelando em

mais um forma de dificuldade na aprendizagem dos mesmos. Sendo assim,

considerando que a utilização de gráficos é relativamente frequente nas aulas de

Geografia e facilita uma visão global de determinados fatores e informações, nosso

desafio agora será o de propor e pensar em alternativas que possibilitem aos

daltônicos a leitura e compreensão, também, de gráficos.

Conforme já amplamente discutido anteriormente, dentro das dificuldades que os

daltônicos possuem na compreensão de mapas e figuras, a principal dos mesmos se

refere ao entendimento das cores e como elas se correlacionam com os outros

elementos envolvidos nas representações. Nos gráficos, isso também não é

diferente, conforme podemos notar no gráfico abaixo, onde fica perceptível a

semelhança das cores utilizadas. Com isso, o daltônico fica ainda mais confuso e,

via de regra, é levado a interpreta-lo de maneira equivocada.

Gráfico 1- Evolução da População Brasileira 1940-2000.

Fonte: Elaboração própria e Adaptado de:

http://1.bp.blogspot.com/ESeWNhjrZk/TxfiNoJZEqI/AAAAAAAAD9o/ocP3TtnDVxM/s1600/image020.png

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A exemplo da proposta sugerida anteriormente, no trabalho com mapas, também

aqui pode-se lançar mão da utilização dos tons de cinza, que se mostram de grande

utilidade, devido ao fato de que essa tonalidade propicia e facilita o entendimento,

principalmente pela baixa variedade na quantidade de elementos visuais.

Nesse caso, o mapa acima pode ser adaptado pelo professor e, assim, ser

apresentado aos alunos da seguinte forma:

Gráfico 2- Evolução da População brasileira, 1940-2000 (b)

Fonte: Elaboração própria e Adaptado de:

http://1.bp.blogspot.com/ESeWNhjrZk/TxfiNoJZEqI/AAAAAAAAD9o/ocP3TtnDVxM/s1600/image020.png

No entanto, sabemos que os gráficos nem sempre são apresentados de forma

simples. Quando os mesmos retratam diferentes aspectos e informações, sua

complexidade também se intensifica.

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Com isso, também se intensificam as dificuldades dos alunos daltônicos. Exemplifica

essa percepção o gráfico abaixo, que lança mão de uma maior quantidade de cores

e tons.

Gráfico 3 - Países que mais estudam Geografia no mundo.

Fonte: http://www.ub.edu/geocrit/b3w-632-9.gif

Esse gráfico de maior complexidade nos traz um desafio maior de reelaboração,

pois possui diversas variações de cores e tons e, assim, suas adaptações às formas

de resolução mais simples ficam limitadas. Também nesse caso, podemos nos

apropriar dos recursos que já foram sugeridos anteriormente, no trabalho com

mapas, e utilizarmos os elementos simbólicos para atribuir as características de

cada país a partir de um símbolo correspondente. Obviamente cada país já possui

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um símbolo que são suas bandeiras, sendo assim, uma alternativa seria a sua

utilização, conforme exemplifica o gráfico adaptado abaixo:

Gráfico 4 - Países que mais estudam Geografia no mundo (b)

Fonte: Elaboração própria e Adaptado de: http://www.ub.edu/geocrit/b3w-632-9.gif

Salienta-se, que a elaboração da proposta alternativa do referido gráfico se mostrou

de um elevado grau de dificuldade, devido às diversas variantes que possuímos.

Apenas as atribuições simbólicas talvez não fossem capazes de conferir ao gráfico

caráter inteligível quando se tratam de daltônicos, uma vez que as próprias

bandeiras também utilizam muito de variantes de cor. Portanto, na referida proposta

alternativa, foi acrescentado mais um elemento, no intuito de aumentar a capacidade

de auxílio aos alunos daltônicos na sua interpretação: inserimos um número na

frente de cada bandeira do país representado. Os números se mostraram muito

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eficazes, pois conseguem, mesmo em um grande e confuso número de informações

de cores e tons, organizar todo o conceito dentro do elemento gráfico.

Ressaltamos, também e mais uma vez, que não temos aqui a intenção de esgotar

todas as possibilidades e muito menos de oferecer “receitas” prontas e acabadas.

Nosso intuito, ao apresentarmos as sugestões alternativas acima foi o de evidenciar

a existência de possibilidades, cabendo aos professores e educadores o desafio de

suas (re)produções, adaptações, adequações, de acordo com as necessidades de

suas respectivas turmas.

O que se pode observar foi que as alternativas utilizadas para se capacitar um

elemento geográfico, seja um mapa ou um gráfico, para a compreensão de

daltônicos não está longe. São ferramentas utilizadas em elaborações geográficas

usuais, e que podem e devem ser utilizadas com maior frequência. Desta maneira,

homogeneizando de forma harmônica todo conhecimento que pode ser transmitido

por esses materiais, aferindo todas as qualidades dos conteúdos geográficos aos

olhos de todos.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse trabalho terá atingido o seu objetivo se contribuir, ainda que minimamente,

para incluir a questão do daltonismo na pauta das discussões acerca das políticas

de educação inclusiva.

Não temos, aqui, a pretensão de concluir as reflexões aqui iniciadas. Muito pelo

contrário. Trata-se de um grande esforço de analise, tentativa e erro, tendo como

base um assunto que é tão vasto quanto a discussão em torno dele: a educação

especial e, lamenta e contraditoriamente, os poucos estudos em torno do

daltonismo, de maneira específica. Por isso, tentamos situar o nosso objeto de

estudo, o daltonismo, dentro dessa vasta e complexa rede de discussão que, como

vimos, tem suas bases em acontecimentos intimamente ligados a questões sociais,

culturais e econômicas que se transformaram juntamente com a sociedade tão plural

e em constante metamorfose.

A experiência empírica com a realidade da educação especial com as visitas nas

escolas foi de extrema importância para evidenciarmos a realidade da mesma na

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atualidade e começarmos a projetar propostas, visualizar demandas, possibilidades

e as mais variadas singularidades que se apresentavam, não apenas nas escolas

com os seus mais variados Projetos Políticos pedagógicos. No entanto, nossa

ênfase de observação, buscando ouvir e dar vozes recaiu sobre o aluno com traços

de daltonismo. Esse, que ao longo do trabalho, mostrou-se ser bem mais singular e

único do que pensávamos. O entendimento de que somos todos iguais nas

diferenças foi um ponto de partida em nosso trabalho, ainda mais por estarmos

“navegando em mares nunca antes navegados”. São poucos os trabalhos referentes

ao Daltonismo na educação e, consequentemente, na Geografia. Um desafio que

aceitamos com humildade e vontade de contribuir com o ensino de Cartografia

Geográfica.

Nesse sentido ter um dos autores do trabalho sendo daltônico e geógrafo foi de

extrema importância. A própria trajetória do mesmo e, por si só, uma proposta viva

de cartografia integradora, a certeza de que mesmo em um ambiente de negação

das diferenças, persiste a possibilidade do aprender dos “diferentes”.

Ao analisarmos os mapas e gráficos, e propormos esforços em torno de uma

cartografia que seja capaz não apenas de identificar a singularidade do espaço, mas

do homem também, deixamos claro que não queremos aqui propor soluções

mágicas ou definitivas. Acreditamos sim que é necessário o esforço em torno de um

ensino mais abrangedor das mais variadas características dos alunos, como o

Daltonismo.

Acreditamos que mesmo em um ambiente tão complexo e aparentemente repleto de

impossibilidades como o escolar é possível sim mudar a realidade a partir do esforço

reflexivo em torno das características que ainda não são contempladas dentro

daquilo que se acredita ser educação especial. Portanto identificar, analisar e refletir

é essencial para um possível respaldo legal e reconhecimento de características tão

importantes dentro do ensino como o Daltonismo e outras tantas que podemos

observar ao longo de nossas pesquisas.

A história mostra que a garantia nas leis não é por si só suficiente para atendermos

as demandas educacionais, como dito antes. A escola é um ambiente complexo,

com várias forças e interesses em uma rede de diversos agentes e sujeitos

operantes, mas são as leis, ao menos o começo para uma possível escola mais

justa, inclusiva e plural desde o seu currículo.

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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. Roberto Raposo. Rio de Janeiro:

Forense Universitária, 2004.

BORGES, M. C.; PEREIRA, H. O. S.; AQUINO, O. F. Inclusão versus integração: a

problemática das políticas e da formação docente. Revista Ibero-americana de

Educação, Minas Gerais, n.º 59/3, p.4, 2012.

DOTA, F. P.; ALVES, D. M. Educação Especial No Brasil: Uma Análise Histórica.

Revista Científica Eletrônica De Psicologia, São Paulo, n. 8, p. 4, 2007.

MAIA, A. F.; SPINILLO, C. G. Como os Daltônicos percebem as Representações

Gráficas de Mapas: Um Estudo de Caso dos códigos de cores utilizados nos

Diagramas e Estação-Tubo do Transporte Público de Curitiba. Design & Tecnologia,

Paraná, n. 5. 2013. Disponível em: <

http://www.pgdesign.ufrgs.br/designetecnologia/index.php/det/article/view/135 >.

Acesso em: 13 out. 2014.

MIRANDA, A. A. B. História, Deficiência E Educação Especial. Reflexões

desenvolvidas na tese de doutorado: A Prática Pedagógica do Professor de Alunos

com Deficiência Mental, Unimep, 2003.

PORTO - GONÇALVES, Carlos Walter. A Globalização da Natureza e a Natureza da

Globalização. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2006.

SANTOS, H. S.; VILA-VERDE, J. A.; FERREIRA, M. A. S.; NOVAIS, R. C.

Experiências com o daltonismo em alunos do ensino Fundamental, médio e

superior da cidade de São Gonçalo, Rio de Janeiro. 5º Congresso Brasileiro de

Extensão Universitária, Porto Alegre, 2011, disponível em:

http://www.ufrgs.br/5cbeu/, acesso em 15/11/2014 às 18:12.