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MINISTÉRIO DA SAÚDE INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA ESCOLA POLITÉCNICA DE SAÚDE JOAQUIM VENÂNCIO FIOCRUZ SEÇÃO INTEGRADA DE TECNOLOGIA EM CITOPATOLOGIA DIPAT CURSO DE EDUCAÇÃO PROFISSINAL TÉCNICA DE NÍVEL MÉDIO EM CITOPATOLOGIA Juliana Francisco Nunes Adenocarcinoma: Revisão de Conceitos Citomorfológicos para os Principais Diagnósticos Diferenciais. Rio de Janeiro 2012

TCC Citopatologia Juliana F Nunes

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MINISTÉRIO DA SAÚDE

INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA

ESCOLA POLITÉCNICA DE SAÚDE JOAQUIM VENÂNCIO – FIOCRUZ

SEÇÃO INTEGRADA DE TECNOLOGIA EM CITOPATOLOGIA – DIPAT

CURSO DE EDUCAÇÃO PROFISSINAL TÉCNICA DE NÍVEL MÉDIO EM

CITOPATOLOGIA

Juliana Francisco Nunes

Adenocarcinoma: Revisão de Conceitos Citomorfológicos para os Principais Diagnósticos Diferenciais.

Rio de Janeiro 2012

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Juliana Francisco Nunes

Adenocarcinoma: Revisão de Conceitos Citomorfológicos para os Principais Diagnósticos Diferenciais

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto Nacional de Câncer Jose Alencar Gomes da Silva e Escola Politécnica em Saúde Joaquim Venâncio como requisito parcial para a conclusão do Curso de Educação Profissional Técnica de Nível Médio em Citopatologia.

Orientadora: Leda Küll

Rio de Janeiro 2012

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DEDICATÓRIA

Dedico:

Àquele que começou a Boa Obra em minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus. Saber que ele me ama e seu amor é incondicional

é a única coisa que me basta para estar aqui..

À Alessandra, que de uma maneira tão intensa me mostrou que a gente aprende a

ser forte diante das dificuldades, e que podemos ir muito mais longe depois de

pensar que não podemos mais. E que a vida tem valor e que eu tenho valor diante

da vida. Mas que infelizmente o câncer derrotou essa perspectiva para ela... Muitas

Saudades... (1982-2010).

Aos meus Pais.

A companhia sempre presente e o apoio de Regina Koppke, Danielle Zacaron, Zaide

Rios, Claudiane Oliveira, Bill Reiff, Leide Daiane, Cidinéia Grahl, Priscila Lugato,

Erica Bezerra.

Simone Magrela e Cecília com quem dividi todos os meus momentos de alegria,

tristeza, lágrimas e gargalhadas.

Cátia Padilha pelo incentivo,que me ajudou a não desistir e seguir em frente.

Aos meus colegas de curso.

Adriana Miranda, Rê Garcia, muito especiais.

Leda Küll, pelas orientações e por aprender muito com as suas experiências.

Lilah que me esquentou os pés muitas vezes

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RESUMO

O carcinoma do colo uterino corresponde à terceira neoplasia maligna mais comum em mulheres brasileiras. Dentre as neoplasias invasoras primárias do colo, o adenocarcinoma corresponde ao segundo tipo histológico mais comum e apresenta um pior prognóstico quando comparado ao carcinoma epidermóide. É um tipo de neoplasia que exige um maior cuidado na detecção, pois pode haver uma confusão com células reativas presentes nos esfregaços. Nos Serviços de Citopatologia a incidência de resultados falso-negativos e falso-positivos deve ser de extrema relevância e preocupação, devido às consequências que acarreta para a mulher e também em virtude dos custos com o tratamento médico. O Citotecnologista, que faz o escrutínio das lâminas, deve ser bem treinado e ter uma acentuada capacidade de discernimento para que não haja confusão das alterações reativas e/ou reparativas com alterações malignas. Os resultados falso-negativos ocorrem principalmente devido aos erros, de escrutínio e de interpretação do diagnóstico. Segundo TAVARES (2007), os erros de escrutínio variam de 10% a 67% e ocorre quando as células neoplásicas estão representadas no esfregaço, porém não são reconhecidas ou identificadas pelo escrutinador. O erro de interpretação é responsável por resultados falso-negativos e ocorre quando as células neoplásicas são reconhecidas, porém são interpretadas como benignas, ou mesmo são subavaliadas e classificadas erroneamente. Esse erro é atribuído principalmente à experiência insuficiente, bem como as informações clínicas inadequadas, por isso a importância de diferenciar uma alteração reativa e/ou reparativa de uma lesão maligna a fim de evitar ou reduzir as taxas de resultados falso-negativos e falso-positivos nos diagnósticos diferenciais. Os principais diagnósticos diferenciais mais comuns de erros com adenocarcinoma são: hiperplasia microglandular endocervical, fenômeno de Arias Stella, metaplasia tubária, células do segmento inferior do útero – istmo e reparação.

PALAVRAS-CHAVE: Adenocarcinoma; Diagnósticos Diferenciais; Falso-Positivo; Falso-Negativo.

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ABSTRACT

The cervical cancer is the third most common malignancy in women in Brazil. Among the primary invasive cervical cancer, adenocarcinoma is the second most common tumor type and has a worse prognosis compared to squamous cell carcinoma. It is a type of cancer that requires greater care in the detection, there may be a confusion with reactive cells present in smears. In the Service of Cytopathology the incidence of false-negatives and false positives should be of paramount importance and concern because of the consequences that entails for the woman and also because of the cost of medical treatment. The Citotecnologista, which makes the scrutiny of the blades should be well trained and have a sharp sense of judgment so that no confusion of reactive changes and / or reparative changes with malignancy. The false-negative results are mainly due to errors in counting and diagnostic interpretation. According to Tavares (2007), the counting errors ranging from 10% to 67% and occurs when cancer cells are represented in the smear, but are not recognized or identified by the teller. The misinterpretation is responsible for false-negative and occurs when neoplastic cells are recognized, but are interpreted as benign, or even undervalued and are misclassified. This error is mainly attributed to insufficient experience and inadequate clinical information, so the importance of differentiating a reactive change and / or reparative a malignant lesion in order to avoid or reduce the rates of false-negative and false-positive in the differential diagnoses. The differential diagnosis of most common errors with adenocarcinoma are: endocervical microglandular hyperplasia, Arias Stella phenomenon, tubal metaplasia, cells of lower uterine segment - the isthmus and repair. KEYWORDS: Adenocarcinoma, Differential Diagnosis, False Positive, False Negative.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 8

2. DESENVOLVIMENTO .......................................................................................... 10

2.1 EMBRIOLOGIA DO COLO UTERINO ............................................................. 10

2.2 ADENOCARCINOMA ...................................................................................... 11

2.3 DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS ................................................................... 14

2.3.1 Hiperplasia microglandular endocervical (HGM).................................. 15

2.3.2 Reação de Arias-Stellas .......................................................................... 17

2.3.3 Metaplasia tubária ................................................................................... 22

2.3.4 Região do segmento inferior – Istmo .................................................... 24

2.3.5 Reparação ................................................................................................ 28

3. CONCLUSÃO ....................................................................................................... 31

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 32

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1. INTRODUÇÃO

Em mulheres no menacme, o colo uterino possui a junção de dois tipos

epiteliais, o tecido epitelial escamoso estratificado não ceratinizado e o tecido

epitelial cilíndrico ciliado simples, a chamada Junção Escamo-Colunar (JEC). A JEC

tem importância no surgimento de eventos neoplásicos, sendo visualizada através

do exame colposcópico, definida como zona de transformação.

O exame de citologia oncótica possui alta sensibilidade, porém, baixa

especificidade; assim, praticamente todas as alterações poderiam ser detectadas,

apesar de alguns falsos-positivos. Devido à sua alta sensibilidade é o teste de

escolha para programas de rastreamento do câncer do colo uterino. Com a

implementação de programas de rastreamento, pode-se reduzir a mortalidade e a

incidência de câncer do colo uterino, pela promoção da saúde e detecção precoce

das lesões precursoras com potencial maligno ou carcinoma in situ, (MÜLLER,

2010), sendo o método de eleição para o rastreamento do câncer de colo uterino.

Em 1988, foi criado o Sistema Bethesda para Citopatologia Cervicovaginal,

uniformizando as terminologias, permitindo informações claras e reprodutíveis entre

os Patologistas. Um dos objetivos desse sistema foi estabelecer critérios mais

específicos na determinação das atipias celulares. Nesta classificação, novas

categorias diagnósticas foram estabelecidas, incluindo as atipias de células

glandulares de significado indeterminado. A categoria de atipias de células

glandulares de significado indeterminado foi definida como a presença de células

com diferenciação endometrial ou endocervical apresentando atipias nucleares que

excedem processos reacionais ou reparativos óbvios, mas não chegam a apresentar

características inequívocas de adenocarcinoma (KOSS e GOMPEL, 2006).

Os esfregaços com atipias de células glandulares representam apenas

pequena porcentagem dos diagnósticos citológicos, cerca de 0,1 a 1,8%.

Comparada com a neoplasia cervical escamosa, a neoplasia glandular é bem menos

frequente, embora muitos autores tenham demonstrado aumento da incidência de

adenocarcinoma in situ e de adenocarcinoma invasor. Este aumento aparente das

lesões glandulares pode ser devido ao aumento da detecção das formas pré-

invasoras, pela maior divulgação da necessidade de coleta de material endocervical

quando da realização da colpocitologia oncológica e, por outro lado, pela diminuição

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na incidência do carcinoma escamoso do colo, o que gera um aumento proporcional

das lesões glandulares. A história natural da neoplasia glandular é pouco conhecida

e ainda existem dúvidas quanto à existência e à evolução das lesões precursoras do

adenocarcinoma invasor. Se o adenocarcinoma in situ do colo uterino é hoje aceito

como precursor do adenocarcinoma invasor, a relação entre as atipias glandulares

endocervicais indeterminadas e adenocarcinoma invasor permanece controversa

(VERDIANI, 2003).

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2. DESENVOLVIMENTO

2.1 EMBRIOLOGIA DO COLO UTERINO

O útero sofre constantes modificações estruturais e fisiológicas durante a vida

da mulher. A morfogênese do útero fetal mostra importantes variações individuais e

diferenças marcantes entre o corpo e o colo uterino no que se refere ao

desenvolvimento e crescimento. Para a origem embrionária do trato genital feminino,

várias hipóteses têm sido propostas. No conceito clássico de Meyer, 1910 e Felix,

1912, o corpo uterino, a cérvice e grande parte da vagina tem origem nos canais de

Müller, enquanto a extremidade inferior da vagina, a partir do seio urogenital.

Atualmente a concepção é que o corpo do útero e endocérvice derivam dos canais

de Müller, ao passo que a ectocérvice e vagina têm origem no seio urogenital.

(MORAES E SILVA, 1991).

Nos estádios bem precoces do desenvolvimento, ocorre o crescimento dos

canais de Müller (paramesonéfricos) e dos canais de Wolf (mesonéfricos). Os canais

de Müller nascem, a cada lado, como um espessamento celômico, recobrindo a

porção cranial das cristas urogenitais, onde esses dois permanecem separados, se

abrindo como um funil, pois a boca permanece aberta durante toda a vida, para

constituir o ostium abdominal das tubas. As extremidades caudais dos canais de

Müller penetram no mesoderma da região pélvica onde se fundem para dar origem

ao corpo uterino na sua parte média (MORAES E SILVA, 1991).

A delimitação entre a cérvice e a vagina ocorre ao redor da 22ª semana,

primeiro por uma massa de mesoderma ao redor da extremidade inferior dos canais

de Müller e posteriormente pela formação dos fórnices laterais, em consequência da

exuberante proliferação do epitélio escamoso estratificado, estando a JEC bem

definida a partir da 24ª semana (MORAES E SILVA, 1991).

A cérvice de bebês a termo encontra-se muito hipertrofiada devido a grande

influência dos hormônios maternos, equivalendo dois terços do comprimento total do

útero e a JEC ora apresentando uma eversão ou uma reversão (MORAES E SILVA,

1991).

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2.2 ADENOCARCINOMA

O carcinoma do colo uterino corresponde à terceira neoplasia maligna mais

comum em mulheres brasileiras (10%), sendo superado apenas pelos carcinomas

de pele (não melanoma) e de mama. Dentre as neoplasias invasoras primárias do

colo, o adenocarcinoma corresponde ao segundo tipo histológico mais comum,

sendo o carcinoma epidermóide a neoplasia predominante (aproximadamente 80 a

85% dos casos) (CAMBRUZZI, 2005).

O adenocarcinoma apresenta um pior prognóstico quando comparado ao

carcinoma epidermóide, sendo que o aumento da sua prevalência está relacionado,

também, ao emprego difundido de métodos diagnósticos, como o exame

citopatológico, a colposcopia e a biópsia. Em amostras enviadas à Citopatologia,

geralmente são encontradas poucas atipias em células glandulares, pois

determinadas lesões neoplásicas não comprometem a mucosa endocervical

superficial, mas glândulas localizadas no estroma. O adenocarcinoma in situ

compromete pacientes 10 a 20 anos mais jovens que a forma invasiva, sendo, em

sua maioria, assintomáticos, multifocais e avaliados inicialmente por biópsia

(CAMBRUZZI, 2005).

O adenocarcinoma in situ é uma lesão endocervical glandular de alto grau,

com alterações cancerosas restritas às glândulas endocervicais e ao epitélio

superficial, o qual apresenta aumento nuclear, hipercromasia, estratificação e

atividade mitótica, mas que ainda não apresenta invasão. As células no

adenocarcinoma in situ estão em camadas, grupos, faixas e rosetas (Fig. 1.),

raramente isoladas; essas células anormais estão em agrupamentos nucleares com

superposição e perda do padrão em favo de mel. A disposição nuclear das células

agrupadas é em paliçada com protrusão de núcleos e fragmentos do citoplasma a

partir da periferia, como “plumas” (Fig. 2.) (KOSS; GOMPEL, 2006; SOLOMON;

NAYAR, 2005).

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A citologia do adenocarcinoma in situ não é específica e pode estar presente

nas reações endocervicais e nos tumores invasivos. Em aproximadamente metade

dos casos de adenocarcinoma in situ, também estão presentes lesões intraepiteliais

epidermóides ou escamosas e até mesmo carcinomas epidermóides invasivos. Isso

leva a acreditar que exista relação entre essas duas neoplasias cervicais; um único

clone celular pode originar a lesão epidermóide e o adenocarcinoma (KOSS;

GOMPEL, 2006).

O adenocarcinoma in situ é a única lesão glandular intraepitelial claramente

caracterizada. Essas lesões são menos frequentes do que as lesões escamosas e

estão relacionadas às infecções persistentes por HPV de alto risco oncogênico. Já

entre os cânceres invasivos do colo uterino, adenocarcinomas correspondem a 15%.

Quando os adenocarcinomas surgem no canal endocervical, a identificação é

difícil, pois a lesão é invisível ao exame colposcópico principalmente nos estágios

iniciais; e também os esfregaços cervicais de rotina podem falhar. Um auxílio

diagnóstico é a escovagem endocervical. Quando a interpretação da citologia leva

ao adenocarcinoma invasor, é possível sugerir a origem da neoplasia, se é cervical,

endometrial ou sem especificações, o que remete a adenocarcinomas de origem

uterina (KOSS; GOMPEL, 2006; DERCHAIN et al.; 2004; OLIVEIRA et al.; 2004).

O Adenocarcinoma invasor, macroscopicamente se apresenta sob a forma

polipóide ou infiltrante em profundidade deixando o colo livre de lesões. A forma

endocervical é mais frequente sendo constituídas por estruturas glandulares de

Figura 1. Adenocarcinoma endocervical in situ (AIS): células endocervicais atípicas com forma colunar preservada, núcleos volumosos e alongados, com cromatina densa, formando uma roseta. (obj. 40x). Fonte: IARC (2012).

Figura 2. Adenocarcinoma endocervical in situ (AIS): agregado de células endocervicais atípicas com núcleos ovais e volumosos. Aspecto em plumagem (feathering) está presente. (obj. 40x) Fonte: IARC (2012).

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tamanho e aspecto variados e cercadas por estroma conjuntivo. As células

cilíndricas que revestem as glândulas se comportam de maneira desorganizada, em

várias camadas estratificadas, e mostram núcleos volumosos, hipercromáticos e às

vezes alguma mitose. Essas características são bem estabelecidas, mas alguns

casos escapam do diagnóstico citológico. A localização do tumor no canal

endocervical ou a integridade do epitélio na superfície justifica os casos de falso-

negativos. As células aparecem em aglomerados densos mostrando apectos

glandulares, como ácinos e paliçadas, com pseudoestratificação e às vezes em

rosetas com disposição papilar ou glandular (KOSS; GOMPEL, 2006;).

Individualmente as células têm aspecto cilíndrico ou cúbico, com núcleos

excêntricos e citoplasma claro ou escasso. Os núcleos são relativamente regulares,

comprimindo uns nos outros, nas formas diferenciadas (relação núcleo-citoplasma

aumentada). Nas formas indiferenciadas, os núcleos são extremamente volumosos

e com a cromatina grosseiramente granular, anisocariose frequente, macronucléolos

estão presentes, e mitoses. A intensidade das anomalias citológicas é em função do

grau de diferenciação do tumor. Fundo necrótico e inflamação acentuada estão

presentes nos esfregaços (Fig 3). (KOSS; GOMPEL, 2006;)

Figura 3. Adenocarcinoma invasor,

histologicamente comprovado: agrupamento de

células colunares atípicas, em paliçada,

sugerindo adenocarcinoma in situ. (obj. 40x).

Fonte: IARC (2012).

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2.3 DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS

Nos serviços de Citopatologia a incidência de resultados falso-negativos e

falso-positivos deve ser de extrema relevância e preocupação, devido a todas as

consequências que acarreta para a mulher e também em virtude dos custos com o

tratamento médico. Considera-se o diagnóstico colpocitológico como falso-negativo

aquele que ocorre em um exame que tem a lesão do colo uterino representada no

esfregaço examinado, porém não é identificada, ou é interpretada equivocadamente

como alteração inflamatória, reparativa ou secundária à ação radioterápica. Ao

contrário, o diagnóstico falso-positivo ocorre em esfregaços em que as alterações

inflamatórias, reparativas ou radioterápicas são supervalorizadas e interpretadas

como anormalidades pré-malignas ou malignas (VERDIANI, 2003)

Segundo Guimarães (1995), A taxa de diagnósticos falso-negativos,

apresenta variações de até 68%, fazendo com que alguns serviços percam a

credibilidade ou mesmo colocando em dúvida a validade do exame de Papanicolaou

na detecção precoce de câncer do colo uterino. As causas mais importantes de

resultados falso-negativos são erros na coleta, na fixação, no armazenamento e

transporte, na identificação do material, na coloração dos esfregaços, mas a

principal de todas as causas é o erro no escrutínio, na microscopia da interpretação

diagnóstica das alterações morfológicas observadas.

O Citotecnologista que faz o escrutínio das lâminas deve ser bem treinado e

ter uma acentuada capacidade de discernimento, para que não haja confusão com

alterações malignas.

Os principais diagnósticos diferenciais mais comuns com adenocarcinoma

são: hiperplasia microglandular endocervical, fenômeno de Arias Stella, metaplasia

tubária, células do segmento inferior do útero – istmo e reparação.

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2.3.1 Hiperplasia microglandular endocervical (HGM)

A HGM é uma lesão hiperplásica das células glandulares endocervicais,

geralmente associada ao uso de contraceptivos, terapia hormonal ou gravidez.

Encontrada geralmente em mulheres jovens, pode estar presente depois da

menopausa. Essa lesão exige familiaridade com o seu aspecto morfológico

macroscópico, colposcópico e microscópico, para que não seja confundida com o

adenocarcinoma ou lesão pré-neoplásica (Fig.4)(PADRÃO,2002).

Figura 4. Células endocervicais vistas na hiperplasia microglandular (HGM) podem parecer paraceratóticas, podendo ser confundidas com lesões malignas. Fonte: Arquivo do SITEC – INCA (2012).

Foi descrita pela primeira vez em 1967 por TAYLOR et al, em 13 pacientes

com idade média de 25 anos, 12 das quais usava anticoncepcionais orais, método

terapêutico contraceptivo introduzido em maio de 1960. As lesões descritas por

TAYLOR et al (1967) eram polipóides, e foram relacionadas à administração de

hormônios com finalidade contraceptiva, e ação dos hormônios gestacionais. Desde

então, ficou sugerido que a dosagem de progestógenos em preparações do tipo

combinado favorecia a proliferação de células glandulares. (PADRÃO, 2002).

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Na microscopia, a lesão apresenta características de benignidade, porém, há

a possibilidade de ser interpretada de modo errado como adenocarcinoma da

endocérvice, deste modo havendo a necessidade de estabelecer critérios para

diferenciação com a malignidade. A denominação da lesão, hiperplasia

microglandular, foi proposta por KYRIAKOS at cols, em 1968, em trabalho de

revisão de 30 pacientes, com idade média de 35 anos. A lesão se originava de uma

proliferação glandular, seguida de uma proliferação mista, glandular e escamosa. A

progressão da lesão estava relacionada à duração da terapia hormonal. (PADRÃO,

2002).

A HMG não tem um diagnóstico de certeza na citologia, mas pode ser

sugerida, quando nos esfregaços estão presentes aglomerados de células

endocervicais isoladas e degeneradas em arranjo linear. As células têm núcleo

picnótico, citoplasma orangeofílico na coloração de Papanicolaou, lembrando as

células paraceratóticas do epitélio escamoso, chamadas de células pseudo-

paraceratóticas (COLLEMAN & EVANS, 1999; De MAY,1996) (Fig.5).

Figura 5. Células endocervicais vistos na hiperplasia microglandular (HGM) podem parecer paraceratóticas. Fonte: Arquivo do SITEC – INCA (2012).

Nas proximidades, células endocervicais normais podem estar presentes, o

que auxilia a identificação. Outro aspecto auxiliar nos esfregaços é a presença de

vacúolos ou granulações citoplasmáticas. Núcleos hipercromáticos e atipias

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celulares, nucléolos, mitoses, podem mimetizar neoplasia endocervical ou lesões

intraepiteliais de alto grau, o que pode ser afastado quando é possível identificar,

elementos pertencentes às células endocervicais, como a presença de cílios ou

barra terminal. São, portanto, diagnosticadas frequentemente como células epiteliais

atípicas de significado indeterminado, de provável natureza não neoplásica, como

sugere a Nomenclatura Brasileira para laudos de Citopatologia Cervical Uterina de

Novembro de 2001, adaptada do consenso de Bethesda 2001. (PADRÃO, 2002).

2.3.2 Reação de Arias-Stellas

“Reação Arias-Stellas” é um epônimo médico usado amplamente em todo o

mundo e, até a data atual, na literatura médica existem muitas contribuições sobre

vários aspectos dessa resposta celular. Javier Arias-Stella, foi responsável pela

introdução dos eventos mais importantes da sua contribuição, com a vantagem de

conhecer o assunto melhor do que ninguém e com a vantagem de ter vivido com

enorme interesse, os diversos aspectos e peculiaridades encontradas por outros

usando o microscópio ótico ou eletrônico, ou imuno-histoquímica e trabalho

experimental em busca de sua patogênese e seu significado biológico (GRASES,

2005).

Na introdução à publicação com a descrição original, reconheceu que Agüero

em 1950 em um extenso estudo de "A Histologia Endometrial do Aborto" já tinha

chamado a atenção para o aumento das células glandulares, talvez associado a

um fenômeno de proliferação e, posteriormente, refere-se a células endometriais

que mostram núcleos de tamanho monstruoso e aparência em conexão com

coriocarcinoma. Agüero acrescentou que essas mudanças não foram descritas e

provavelmente por responder a influência hormonal anormalmente exagerada.

Arias-Stellas escreveu o manuscrito de sua contribuição para a revista

"Archives of Pathology", usando uma língua estrangeira e teve a audácia, ainda

muito jovem, para solicitar a assistência de membros do Departamento para

alcançar uma versão de qualidade de acordo com os requisitos de um diário de

impacto (GRASES, 2005

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2.3.2.1 Tipos histológicos

A reação foi originalmente descrita no epitélio que reveste as glândulas do

endométrio: é um aumento no volume celular, mas a maior parte do núcleo, além de

exibirem aumento nuclear e hipercromasia, contorno irregular, às vezes podem

parecer mais densos e picnóticos. Pode haver mitose, incluindo atípica. Quando a

perda de polaridade é verificada, o núcleo é no pólo apical da célula, como se

"projetado" para a luz da glândula (Fig. 6) (GRASES, 2005).

Figura 6. Imagem histológica da Reação Arias-Stella Fonte: AnatPat - UNICAMP (2012).

Pode haver duas nuances adicionais. O primeiro refere-se à porção central do

núcleo: quando há uma malha fina de filamentos de acordo que expressam biotina,

pode ser confundida com infecção por herpes, e é o que Mazur et al, têm

descrito como "núcleos oticamente claros" (Fig.7). O segundo é a existência de

pseudoinclusões nucleares (GRASES, 2005).

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.

Figura 7. Núcleos oticamente claros podendo causar confusão com Herpes Vírus.

Fonte: Arquivo do SITEC – INCA (2012).

Essas mudanças na maioria dos casos são focais e só aparecem em

segmentos ou grupos de células epiteliais glandulares. A partir daí, seu comprimento

pode ser mais longo para se tornar muito grande ou "florido". Consistentemente com

Arias Stella deve ser enfatizado que as mudanças de hipersecreção, na arquitetura

glandular ou no citoplasma de células, não são suficientes para o diagnóstico da

presente reação (GRASES, 2005).

Com o tempo, o próprio Arias Stella reconhecendo que as características

histopatológicas das diferenças mostram reação, agrupadas em diferentes variantes

histológicas. Os termos usados para definir cada variante é autoexplicativo:

1. Nos casos com atipias mínimas, as alterações nucleares são menores e são

geralmente de intensidade focal. Apresentado no início da gravidez.

2. No padrão de secreção precoce alterações nucleares são mais aparentes

(especialmente aumento nuclear) e vacúolos são vistos abaixo ou acima do núcleo.

Nesta variante é onde se vê ainda mais mitoses e pode ser atípica.

3. O padrão secretório ou hipersecretório é clássico e corresponde à descrição

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original da entidade. Acrescenta-se que pode haver células com citoplasma acidófilo

e uniforme, provavelmente devido ao menor teor de glicogênio e maior teor de

proteínas.

4. O padrão regenerativo proliferativo ou secretório é mais difícil de reconhecer

porque as mudanças são mais sutis. Predominantemente alterações nucleares e

esta variante foram encontradas em associação com doença trofoblástica

gestacional, e interrupção prematura na fase inicial.

5. O núcleo apresenta-se gigante e bizarro de uma maneira difusa (Fig.8 e 9).

Figura 8. Reação de Arias-Stellas com núcleos gigantes e bizarros. Fonte: Arquivo do SITEC – INCA (2012).

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Figura 9. Reação de Arias-Stellas com núcleos gigantes e bizarros. Fonte: Arquivo do SITEC – INCA (2012).

A Reação de Arias-Stella também foi observada em outras alterações, como

as alterações gestacionais (incluindo doença trofoblástica), adenomiose,

endometriose, na endocérvice e pólipos cervicais e no epitélio das tubas. Também

foram encontrados, embora excepcionalmente, uma condição rara, como adenose

vaginal. Todos estes locais são devidas, como declaração do próprio Arias Stella, "a

estimulação do tecido coriônico ou gestacional ou processos de proliferação

trofoblástica”. Em várias publicações a reação também foi encontrada em cistos de

inclusão "Germinal", cistos ovarianos para-anexiais, cistoadenoma mucinoso do

ovário, cisto luteínico de gravidez e em cistos ovarianos foliculares durante a

gravidez e o período pós-parto (GRASES, 2005).

Durante a década de 60, o Dr. Arias Stella apresentou várias peculiaridades

da reação que leva seu nome, e sua possível patogênese. Foi sugerido que as

alterações histológicas, principalmente nucleares, poderiam ser o resultado de um

desequilíbrio hormonal. Depois foi determinado que fosse o resultado da ação de

níveis elevados de gonadotrofina coriônica humana. Afinal a reação era encontrada

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particularmente em casos de interrupção prematura na fase inicial (uterina ou

ectópica, abortos) e em pacientes com doença trofoblástica gestacional (mola

hidatiforme, e coriocarcinoma, corioadenoma). O que ficou claro é que a indução foi

à estimulação direta ou ovariana (produção de estrogênio e progesterona)

(GRASES, 2005).

Atualmente, considera-se que a patogênese está mais relacionada, com

efeito, estrogênico durante a fase de aumento de secreção normal no momento em

que os níveis de progesterona são mais baixos. Presume-se que este desequilíbrio

conduz a um aumento na síntese de ácido desoxirribonucleico (DNA) e poliploidia

explicando alterações nucleares em conformidade (GRASES, 2005).

Estudos realizados por Arias Stella, concluem que é um processo de

adaptação, controlável e reversível representando uma forma única de

transdiferenciação, isto é, a conversão de uma célula diferenciada, em outro bem

diferenciado, embora, neste caso, atípica. Seria, por conseguinte, uma "resposta

fisiológica" para a presença de um tecido viável trofoblástico geralmente associada

com a gravidez, mas também pode ocorrer no decurso da terapia hormonal exógena

(GRASES, 2005).

2.3.3 Metaplasia tubária

Entende-se por metaplasia a transformação de um tecido em outro, ambos

diferenciados, na vida pós-natal. São passíveis de sofrer esse processo os epitélios

e o tecido conjuntivo, quando submetidos à mudança do meio habitual ou à ação de

estímulos anormais. Apesar da frequência com que ocorre o fenômeno de

metaplasia, quase não se discute a respeito do seu mecanismo, e os autores,

geralmente, enfatizam o caráter adaptativo dessa transformação tecidual

(MARQUES, 1997).

Lauchlan dividiu o sistema mülleriano em três regiões anatômicas - tubas,

endométrio e endocérvice - e classificou seus epitélios no grupo A. Através do

fenômeno da metaplasia, outros tipos epiteliais podem ser encontrados nessas

regiões, principalmente o escamoso e o de células claras, que foram incluídos no

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grupo B. Assim, pelo menos cinco tipos epiteliais podem ser observados em três

diferentes sítios anatômicos, em combinações variadas (MARQUES, 1997).

Metaplasia tubária (MT) (Fig.10 e 11) é a presença de epitélio benigno

semelhante ao da tuba uterina, substituindo o epitélio dos outros locais derivados do

ducto de Müller. Também é denominada metaplasia endossalpingeal ou metaplasia

de células ciliadas porque, apesar de estas células integrarem normalmente o

revestimento endometrial e endocervical, são os elementos predominantes apenas

no revestimento da tuba.

Figura 10. Metaplasia Tubária, evidenciando as barras terminais e cílios.

Fonte: IARC (2012).

Figura 11. Metaplasia Tubária, apresentação na Citologia.

Fonte: IARC (2012).

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Sua identificação no endométrio tem sido associada a estados

hiperestrogênicos; também foi diagnosticada junto a focos de endometriose cervical

e na superfície peritoneal. Quadro semelhante, chamado metaplasia tubo-

endometrial, foi relatado em casos de adenose vaginal e ectrópio cervical. Na

endocérvice, a metaplasia tubária ainda não foi associada a qualquer situação

clínica ou morfológica específica, porém sua importância vem aumentando na

literatura recente, em face da potencial dificuldade que é capaz de criar diante do

adenocarcinoma in situ nos cortes histológicos, e de qualquer neoplasia glandular,

em esfregaços (MARQUES, 1997).

Os critérios morfológicos utilizados para o diagnóstico de MT estão

estabelecidos na literatura, e identificam três tipos celulares, dispostos em fileira

única ou com áreas de pseudo-estratificação, substituindo o epitélio colunar mucoso

da endocérvice: a) células ciliadas ou claras; b) células secretoras não ciliadas; c)

células intercalares (peg cells) (MARQUES, 1997).

2.3.4 Região do segmento inferior – Istmo

A região Ístmica foi definida por Aschoff em 1908 como aquela que está

situada entre o orifício interno anatômico e o orifício interno histológico. Essa região

é delimitada com dois pontos de referência:

1o) O orifício interno anatômico, mais ou menos indefinido e que corresponde

ao ponto mais estreitado do canal genital, entre as cavidades cervicais e corporal do

útero.

2o) O orifício interno histológico, ponto de encontro dos epitélios colunares

(cervical e endomentrial) muito variável , segundo as condições etárias e fisiológicas.

O orifício interno anatômico, não tem significado histológico e corresponde a

porção mais estreita do canal cervical, entre o corpo e o colo, sendo difícil dar sua

localização precisa, sendo um ponto estático enquanto a região ístmica é

excepcionalmente dinâmica, deslocando-se em ambos os sentidos do eixo crânio-

caudal nos diferentes estágios da vida.

A semelhança do que ocorre na porção caudal do canal cervical onde o

epitélio colunar da endocérvice se encontra com o epitélio escamoso estratificado,

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caracterizando a JEC, na parte superior ele se encontra com a colunar do

endométrio denominando uma segunda junção, a junção endocérvico-endometrial

(JEE), que corresponde ao orifício histológico interno, sendo difícil caracterizá-la,

mesmo com o auxilio da imuno-histoquímica (ALCIAN BLUE e PAS).

Como acontece com a JEC, a junção endocérvico-endometrial apresenta-se

em níveis diferentes em todo o contorno do canal se encontrando geralmente ao

nível do orifício interno anatômico, muitas vezes abaixo e raramente acima. Quando

há coincidência da junção endocérvico-endometrial com o orifício interno anatômico,

ela se confunde com a própria região ístmica, no conceito clássico. Uma observação

mais detalhada desta zona mostra que na realidade os dois tipos de mucosas e,

sobretudo suas formações glandulares se mesclam em certa extensão no sentido

crânio-caudal, caracterizando uma verdadeira faixa de junção endocérvico-

endometrial.

Nesta região podem ser encontradas glândulas endometriais, glândulas

endocervicais, glândulas mistas com duplo componente epitelial de tipo endometrial

e de tipo endocervical e glândulas endometriais profundas.

Sendo assim, Moraes Fo (1991) admitiu essa região como região de junção

endocérvico-endometrial, que compreendia entre a JEE ou o orifício interno

histológico e a ultima glândula endometrial. Essa definição de região endocérvico-

endometrial pode ser feita facilmente usando as colorações do PAS e ALCIAN

BLUE, desde que as células endometriais são negativas ao ALCIAN BLUE.

Nos preparados corados apenas com Hematoxilina-Eosina (HE), sem o

auxilio do ALCIAN BLUE e PAS, essa região pode ser delimitada tendo como pontos

de referência a 1a glândula endocervical e a última glândula endometrial em posição

endometrial, em posição distal.

Na citologia, a região da JEE é uma região inexpressiva, sendo apenas de

importância no canal endocervical de gestantes, pois é esse segmento que se dilata

para a passagem do bebê. A escova de coleta endocervical se usada de uma

maneira mais agressiva, pode retirar material do segmento inferior do útero (SIU)

causava algumas dificuldades diagnósticas. As células do SIU podem ser mal

interpretadas como atipias de células glandulares (AGC) ou adenocarcinoma

(Fig.11) As células endometriais esfoliadas espontaneamente estão tipicamente

depositadas no esfregaço como grupamentos espessos tipo “bolas”, enquanto o

escovado direto do tecido endometrial fornece grandes fragmentos celulares.

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Figura 11. Células do SIU: aspecto tubular que pode ser confundido com adenocarcinoma. Fonte: Arquivo Interno SITEC – INCA (2012).

Estes fragmentos, frequentemente repetem sua arquitetura natural

tridimensional com glândulas tubulares ramificadas em meio a um estroma composto

de células pequenas de formato fusiforme (Fig 12).

Figura 12. Arquitetura natural tridimensional com glândulas tubulares ramificadas em meio a um estroma composto de células pequenas de formato fusiforme. Fonte: Arquivo Interno SITEC – INCA (2012).

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As células glandulares mostram-se amontoadas, com núcleos redondos

superpostos e citoplasma escasso. Paliçada periférica pode ser evidente (Fig.13).

Mitoses podem ser notadas, principalmente na fase proliferativa. A presença de

material endometrial pode estar aumentada após conização, devido a curta distância

entre o SIU e o orifício cervical. Descreve-se na literatura, uma armadilha do efeito

da conização que é caracterizado por células glandulares amontoadas com relação

núcleo-citoplasma aumentada, em alguns casos imitando adenocarcinoma in situ.

Figura 13. Células glandulares amontoadas, com núcleos redondos superpostos e citoplasma escasso com a paliçada periférica, que pode estar evidente.

Fonte: Arquivo Interno SITEC – INCA (2012).

Contudo, em contraste com o adenocarcinoma in situ verdadeiro, as células

endometriais formam parte de um espectro de células glandulares de aparência

mais benigna e frequentemente associadas com células estromais endometriais.

Conhecendo esses pequenos detalhes e identificando em pequeno aumento, a

ramificação glandular dentro de um estroma de células fusiformes, o reconhecimento

da origem endometrial dessas células é mais fácil.

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2.3.5 Reparação

Reparação ou regeneração é a substituição do tecido lesado em um tecido

exatamente igual ao original, com mesma forma e função (mesma diferenciação

celular, mesma especialização) (Fig.14). Para que o reparo seja adequado é preciso

a eliminação do agente agressor e a limpeza completa dos resíduos do processo

inflamatório. O líquido de edema é drenado para os vasos sanguíneos e linfáticos,

enquanto as coleções purulentas são drenadas por fístulas ou então pelos canais

naturais do organismo. As células mortas, a fibrina, os complexos de antígeno-

anticorpo precipitados e os microrganismos inviabilizados são digeridos pelas

enzimas das células fagocitárias - os macrófagos são as principais células

envolvidas nessa atividade de limpeza. Assim, quando a defesa é 100% eficiente,

ocorre a resolução do processo inflamatório.

Figura 14. Células reparativas. Fonte: Arquivo Interno SITEC – INCA (2012).

Segundo Koss e Gompel (2006), a destruição focal do epitélio cervical

desencadeia uma reação de reparação. As causas desse tipo de lesão incluem

biopsias, cauterização, criocirurgia, histerectomia, radioterapia, inflamações agudas

e crônicas e até mesmo a pressão exercida por um dispositivo intrauterino (DIU), ou

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um pólipo endocervical. A lesão epitelial gera uma reação inflamatória no estroma

subjacente, que se caracteriza pela invasão do tecido por leucócitos

polimorfonucleares e, após isso, pela proliferação de novos capilares e fibroblastos,

acompanhados por linfócitos e macrófagos. Algumas vezes uma reação inflamatória

exuberante assume um aspecto tumoral, representado pelo tecido de granulação

que oclui a área lesada.

A reação de reparação no epitélio endocervical costuma caracterizar-se por

células com grandes núcleos e nucléolos proeminentes. Geralmente associam-se

em folhetos e contém núcleos aumentados, com nucléolos evidentes, apresentando

o citoplasma abundante “formando lençol” (Fig.15). É comum a multinucleação,

porém os núcleos retêm um padrão vesicular de cromatina. Os fibroblastos também

são visualizados nos esfregaços que acompanham procedimentos cirúrgicos, são

alongados, fusiformes, com núcleos que acompanham a forma celular e não

protuberam na célula podem estar presentes figuras de mitose e infiltrado

leucocitário. Os diagnósticos diferenciais com lesões tumorais costumam ser difíceis

e exigem uma avaliação criteriosa do Citotecnologista e do Citopatologista.

Figura 15. Células reparativas com núcleos aumentados, com nucléolos evidentes. Fonte: Arquivo Interno SITEC – INCA (2012).

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O reconhecimento da reparação nos esfregaços cervicais é uma das tarefas

mais difíceis durante a análise citológica do trato genital feminino. As alterações

celulares refletem o rápido crescimento e a acelerada síntese de proteínas, ambos

necessários para a reparação.

Como já mencionado, o diagnóstico diferencial entre reparação e neoplasia

pode ser difícil. Em geral, as células neoplásicas formam grupamentos com múltiplas

camadas, ainda que as características nucleares das células individuais possam ser

semelhantes em ambas as condições (Fig.16). Na dúvida sobre a natureza benigna

ou maligna de um processo reparativo, exige um acompanhamento rigoroso da

paciente.

Figura 16. Células reparativas com núcleos aumentados, com nucléolos evidentes, citoplasma abundante formando um lençol. Fonte: Arquivo Interno SITEC – INCA (2012).

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3. CONCLUSÃO

O exame citopatológico é considerado uma consulta médica, pois implica em

análise interpretativa complexa, centrada em atos e decisões pessoais do médico

responsável, necessitando de informações de natureza clínica e epidemiológica.

Essa situação diferencia o exame citopatológico das provas laboratoriais

complementares automatizadas, sendo que a responsabilidade de interpretação

diagnóstica é do médico Citopatologista, porém, internacionalmente, recomenda-se

que a execução da triagem das amostras ginecológicas seja feita por profissionais

não-médicos, submetidos a adequado treinamento em laboratórios de referência –

os Citotecnologistas (SOLOMON, NAYAR, 2005).

Os resultados falso-negativos ocorrem principalmente devido aos erros, de

escrutínio e de interpretação do diagnóstico e ocorre quando as células neoplásicas

estão representadas no esfregaço, porém não são reconhecidas ou identificadas

pelo escrutinador. Contribuem para esse erro fatores relacionados ao processo de

escrutínio, como: falta de atenção e concentração, tempo insuficiente para analisar o

esfregaço e a pouca experiência do profissional. Fatores relacionados à qualidade

do esfregaço citopatológico também contribuem, tais como: a presença de células

anormais escassas e pequenas (TAVARES, 2007).

O erro de interpretação é responsável por resultados falso-negativos e ocorre

quando as células neoplásicas são reconhecidas, porém são interpretadas como

benignas, ou mesmo são subavaliadas e classificadas erroneamente. Esse erro é

atribuído principalmente à experiência insuficiente, bem como a informações clínicas

inadequadas. Para melhorar a qualidade do exame citopatológico, é necessário

implementar medidas, tais como: programas de controle interno e externo da

qualidade na rotina dos laboratórios e educação continuada. TAVARES (2007) ainda

sugere um programa da qualidade em Citopatologia tendo como o objetivo final

melhorar o desempenho do exame citopatológico em detectar anormalidades

glandulares e, consequentemente, reduzir as taxas de resultados falso-negativos e

falso-positivos nos diagnósticos diferenciais.

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