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Instituto de Educação Superior de Brasília Curso Superior de Tecnologia em Fotografia Turma: FotNot TCC Fotogramas sociogramas Usos sociais e sentido das fotografias de família Ensaio F.A.M.I.L.I.A. Nayara da Silva Vieira Mat: 11243013010 Maio 2013

TCC - 2013

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Page 1: TCC - 2013

Instituto de Educação Superior de Brasília

Curso Superior de Tecnologia em Fotografia

Turma: FotNot

TCC

Fotogramas sociogramas Usos sociais e sentido das fotografias de família

Ensaio F.A.M.I.L.I.A.

Nayara da Silva Vieira

Mat: 11243013010

Maio 2013

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Ensaio apresentado à banca examinadora do

curso de tecnologia em fotografia do Instituto

de Educação Superior de Brasília (IESB) como

requisito parcial para a obtenção do título de

tecnólogo em fotografia

Banca examinadora:

_______________________________________

Daniel Mira de Carvalho

_______________________________________

Lourenço Lima Cardoso

“Parece que encontrei muita coisa nesta caixa de sapatos”

Page 3: TCC - 2013

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SUMÁRIO

1. Introdução: Imagem e memória - A fotografia como objeto de memória .................. 4

2. Para recordar: função social e estética dos álbuns de família (o que esperar de uma

foto de família?). .............................................................................................................. 7

3. Memórias vivas? Estado da arte em fotografias de família ....................................... 11

4. Ensaio fotográfico: F.A.M.Í.L.I.A. ................................................................................ 14

5. Referências bibliográficas ........................................................................................... 21

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1. INTRODUÇÃO: IMAGEM E MEMÓRIA - A FOTOGRAFIA COMO OBJETO DE

MEMÓRIA

“O tempo que altera as pessoas não

modifica a imagem que guardamos delas”

Marcel Proust. A procura do tempo perdido

Ao estudar de uma série de fotografias tiradas por camponeses no interior da

França na década de 1930, Bourdieu nos lança uma frase nostálgica “Parece que

encontrei muita coisa nesta caixa de sapatos”1. A imagem de pessoas revirando seus

arquivos, velhos álbuns e caixas, como se abrissem uma caixa de Pandora, em busca do

passado expresso em forma de fotografias faz parte do imaginário de muitos. Em

diversos momentos as gerações de pessoas que tiveram seu passado registrado por

meio de imagens fotográficas sentem a necessidade de revisitá-lo, lançar novamente

um olhar sobre o momento fugaz capturado pelo equipamento fotográfico.

A afirmação da fotografia como meio técnico acessível à sociedade e a sensível

aceleração da história advinda da era industrial levou os indivíduos a ligarem-se

nostalgicamente às suas raízes: daí o entusiasmo pela fotografia, criadora de memórias

e recordações.

A memória humana, que é particularmente instável e maleável, tem assim no

registro fotográfico a possibilidade de reviver o passado e atribuir a ele novas

significações. A fotografia revoluciona a memória: multiplica-a e democratiza-a, dá-lhe

uma precisão e uma verdade visuais nunca antes atingidas, permitindo assim guardar a

memória do tempo e da evolução cronológica.

A necessidade de guardar o momento nasce com a fotografia e se alimenta

dela. A fotografia surge, desde deu início, como acompanhamento necessário das

grandes cerimônias de passagem da vida familiar e coletiva, como nascimentos,

1(Bourdieu, O camponês e a fotografia 2006)

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casamentos e até mesmo velórios

vendido em massa para a população em geral: a

Imagem 1: Exemplo de foto no formato carte

distinção social durante o século XIX, tirada pelo fotógrafo teuto

brasileiro Alberto Henschel, o qual quebr

negros posando à vontade ou bem vestidos, escravos ou livres.

Imagem 2: Casamento no interior do estado de Goiás. Década de

1970. Acervo Pessoal

Mesmo se considerarmos a fotografia como uma mercadoria, que visa lucros

com a comercialização da foto, da câmara e dos filmes, não é possível ignorar que a

2Carte-de-visite ou carte de visite (em português: cartão de visita) é o nome dado a um antigo formato

de apresentação de fotografias, patenteado pe1854. De tamanho diminuto (9,5 x 6 cm), a foto, geralmente revelada pela técnica de impressão em albumina, era colada em um cartão de papel rígido um pouco maior (10 x 6,5 cm aproximadamente). O carte-de-visite tornou-se modismo mundial durante a década de 1860 e popularizou a arte do retrato, conferindo ao fotografado o status de distinção e representação social. Como padrão universal, o cartede-visite era trocado entre familiares, amigos e colecionadoreenvelope de carta comum.(Mauad 1996)

casamentos e até mesmo velórios. Vide o primeiro objeto fotográfico

vendido em massa para a população em geral: a carte-de-visite2

: Exemplo de foto no formato carte-de-visite, símbolo de

distinção social durante o século XIX, tirada pelo fotógrafo teuto-

brasileiro Alberto Henschel, o qual quebrou paradigmas ao retratar

negros posando à vontade ou bem vestidos, escravos ou livres.

: Casamento no interior do estado de Goiás. Década de

0. Acervo Pessoal

Mesmo se considerarmos a fotografia como uma mercadoria, que visa lucros

a comercialização da foto, da câmara e dos filmes, não é possível ignorar que a

visite ou carte de visite (em português: cartão de visita) é o nome dado a um antigo formato

de apresentação de fotografias, patenteado pelo fotógrafo francês André Adolphe EugèneDisdéri em 1854. De tamanho diminuto (9,5 x 6 cm), a foto, geralmente revelada pela técnica de impressão em albumina, era colada em um cartão de papel rígido um pouco maior (10 x 6,5 cm aproximadamente). O

se modismo mundial durante a década de 1860 e popularizou a arte do retrato, conferindo ao fotografado o status de distinção e representação social. Como padrão universal, o carte

visite era trocado entre familiares, amigos e colecionadores do mundo todo, já que cabia em um (Mauad 1996)

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. Vide o primeiro objeto fotográfico comercial

Mesmo se considerarmos a fotografia como uma mercadoria, que visa lucros

a comercialização da foto, da câmara e dos filmes, não é possível ignorar que a

visite ou carte de visite (em português: cartão de visita) é o nome dado a um antigo formato lo fotógrafo francês André Adolphe EugèneDisdéri em

1854. De tamanho diminuto (9,5 x 6 cm), a foto, geralmente revelada pela técnica de impressão em albumina, era colada em um cartão de papel rígido um pouco maior (10 x 6,5 cm aproximadamente). O

se modismo mundial durante a década de 1860 e popularizou a arte do retrato, conferindo ao fotografado o status de distinção e representação social. Como padrão universal, o carte-

s do mundo todo, já que cabia em um

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fotografia, desde a sua invenção, desempenha papel fundamental na socialização de

seus membros, e na legitimação do setor privado da sociedade- a família.

Nesse sentido é essencial afirmar que as fotografias de família, ao contrário das

fotografias consideradas artísticas, não são vistas ou apreciadas em si mesmas e por si

mesmas, mas são vistas como forma de resgate da memória individual e coletiva e

fazem parte da construção da identidade individual. Um álbum de família, mesmo que

esteticamente construído para ser belo visualmente, tem como função principal ser

um objeto de significação, criador de memória para um grupo de pessoas unidas pelo

laço familiar.

Pode-se falar desta maneira que mais do que fotogramas, ou seja, imagens

capturadas quimicamente ou digitalmente, as fotografias de família podem ser

consideradas sociogramas, representações imagéticas onde se percebem as relações

estabelecidas entre membros de um conjunto, tornando possível perceber o papel que

cada pessoa ocupa dentro do grupo ou dos grupos em que está inserida.

Nesse sentido, Pierre Bourdieu e a sua equipe puseram bem em evidência o

significado do "álbum de família":

"A Galeria de Retratos democratizou-se e cada

família tem, na pessoa do seu chefe, o seu

retratista. Fotografar as suas crianças é fazer-se

historiógrafo da sua infância e preparar-lhes,

como um legado, a imagem do que foram”

(Bourdieu, O camponês e a fotografia 2006).

O álbum de família exprime uma verdade da recordação social. As

imagens do passado dispostas em ordem cronológica, "ordem das estações" da

memória social, evocam e transmitem a recordação dos acontecimentos que merecem

ser conservados porque o grupo vê um fator de unificação nos monumentos da sua

unidade passada eabsorve do seu passado as confirmações da sua unidade atual.

Desta forma, não haveria algo que estabeleça mais a confiança e seja mais

edificante que um álbum de família: todas as aventuras singulares que a recordação

individual guarda estão ali assinaladas para seus membros e gerações futuras.

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2. PARA RECORDAR: FUNÇÃO SOCIAL E ESTÉTICA DOS ÁLBUNS DE FAMÍLIA

(O QUE ESPERAR DE UMA FOTO DE FAMÍLIA?).

“Graças à fotografia, o ontem não é mais que

um hoje sem fim. Como o cabo que prende o

balão à terra, nosso sensível aparelho permite-

nos sondar o terreno mais difícil, criando um tipo

de vertigem particularmente seu. “

Carlo Rim

A fotografia de família, que como já exposto, divide com a memória o peso da

responsabilidade de guardar as lembranças do grupo familiar. A memória individual e

familiar passa assim a ser constituída tendo por base também o suporte imagético.

Presente desde o início da fotografia como método, a fotografia de família tem

apresentado formas variadas, mas que mantém determinadas características de

destaque.

Nesse sentido, existem hoje tipos diferentes de retratos de família: os formais

(de casamentos, batizados, formaturas, comunhões) e os informais (retratos de férias

e de momentos de lazer). Os primeiros continuam a ser padronizados, como vinham

sendo desde o século XIX, são posados e geralmente contam com a execução feita por

um fotógrafo profissional; atitudes que refletem a relevância do momento capturado

para o grupo familiar, enquanto ou outros, chamados vulgarmente de instantâneos,

continuam a registrar unicamente instantes alegres e despretensiosos, encobrindo

possíveis conflitos e transgressões no seio familiar.

Nos registros chamados de formais, na maioria das vezes não há um

compromisso com a realidade, apenas com a legitimidade da fotografia apresentada.

O que se busca é uma representação que sirva à memória como uma recordação plena

daquele momento vivido, uma espécie de eternização do status que conseguiu

naquele momento, por conta das pompas que envolvem as cerimônias. Em muitos

casos, as imagens são tomadas fora do momento em que ocorreram, como por

exemplo, crianças posando no altar com uma aura angelical logo ao término de suas

primeiras comunhões ou noivos posando com familiares em torno da mesa de doces e

bolos reafirmando a efetivação do enlace matrimonial.

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Nos retratos posados paga a guarda da memória geralmente se vê a

necessidade da construção de cenários, sejam eles mais elaborados, como vi

grandes e famosos estúdios fotográficos, que mantém painéis e objetos cenográficos

para compor as fotos de seus clientes, ou até mesmo a tática de simples fotógrafos

ambulantes que tentavam compor as cenas com fundos de tecido, ou com a paisagem

que os cercavam.

Por alimentarem o imaginário familiar, os retratos de família possuem uma

carga emocional que não depende da técnica utilizada, mas da circunstância. Ainda

assim, os processos fotográficos antigos foram os grandes responsáveis pela imagem

clássica de retratos de família, com fotos de grupos estáticos com expressões sisudas.

Imagem 3: Retrato d

Acervo Pessoal

Imagem 4: Festa de formatura. Abadiânia, Goiás. 1977. Acervo

Pessoal

posados paga a guarda da memória geralmente se vê a

necessidade da construção de cenários, sejam eles mais elaborados, como vi

grandes e famosos estúdios fotográficos, que mantém painéis e objetos cenográficos

para compor as fotos de seus clientes, ou até mesmo a tática de simples fotógrafos

ambulantes que tentavam compor as cenas com fundos de tecido, ou com a paisagem

Por alimentarem o imaginário familiar, os retratos de família possuem uma

carga emocional que não depende da técnica utilizada, mas da circunstância. Ainda

assim, os processos fotográficos antigos foram os grandes responsáveis pela imagem

clássica de retratos de família, com fotos de grupos estáticos com expressões sisudas.

: Retrato de casal. Abadiânia, Goiás. Década de 1940.

Acervo Pessoal

: Festa de formatura. Abadiânia, Goiás. 1977. Acervo

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posados paga a guarda da memória geralmente se vê a

necessidade da construção de cenários, sejam eles mais elaborados, como vistos em

grandes e famosos estúdios fotográficos, que mantém painéis e objetos cenográficos

para compor as fotos de seus clientes, ou até mesmo a tática de simples fotógrafos

ambulantes que tentavam compor as cenas com fundos de tecido, ou com a paisagem

Por alimentarem o imaginário familiar, os retratos de família possuem uma

carga emocional que não depende da técnica utilizada, mas da circunstância. Ainda

assim, os processos fotográficos antigos foram os grandes responsáveis pela imagem

clássica de retratos de família, com fotos de grupos estáticos com expressões sisudas.

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Imagem 5: Retrato de família. Abadiânia, Goiás. Década de 1960.

Acervo Pessoal

Nas imagens anteriores são percebidas as principais características de retratos

de família: presença, mesmo que pressentida, do profissional fotógrafo, poses,

cenários construídos e indícios para a construção da memória coletiva familiar.

Na obra “Retratos de família: leitura da fotografia histórica”, a antropóloga

Miriam Leite questiona: “Até que ponto ‘uma imagem vale mais de mil palavras’? É

possível estabelecer essa correspondência?”. Na tentativa de acabar com a ilusão de

que as fotografias dariam acesso direto à realidade, a autora alerta: “a fotografia pode

ser a reprodução de um recorte de alguma coisa existente, mas frequentemente é

mais a reprodução do que o retratado e o fotógrafo quiseram que ela fosse”. (Leite

2005)

A atração dos retratos de família corresponde, pois, a uma necessidade de ver

como os outros nos veem e procurar as ligações com o eu interior, que se dissociam

através da busca de semelhanças e de contrastes nos outros e nas metamorfoses que

o tempo inscreve naquele presente atual ou transcorrido.

Barthes (Barthes 1984) também aponta esta dissociaçãoentre objeto e sujeito

nas fotos retrato, onde para o autor, quatro imaginários se cruzam:

“Diante da objetiva, sou, ao mesmo tempo,

aquele que eu me julgo, aquele que eu

gostaria que me julgassem, aquele que o

fotógrafo me julga e aquele de que ele se

serve para exibir sua arte”.

Page 10: TCC - 2013

Toda a intencionalidade do fotógrafo é camuflada por uma aparente auto

dos figurantes que, presentes na imagem, oculta a

quanto à pose, ao tratamento da luz, à con

Contudo, em nenhum momento esta que pode

sincronicidade, ou até mesmo de veracidade com o ocorrido

fotografados, afinal o objetivo do registro fotográfico foi alcançado: uma lembrança

bela de um momento inesquecível para a família.

representação imagética reproduzida em álbuns que perdurarão na família por

gerações alimentando as narrativas particulares daquele grupo.

E não são essas pequenas farsas que garantem o intere

mas a expressão dos retratados, questões mais sutis, não tão óbvias. Um dos aspectos

mais interessantes é que o mistério que envolve um retrato de família só tem sentido

fora da família, não dentro. Fora dela, ninguém sabe as condições

feitos. Em muitos casos, até mesmo transmitem uma opulência que na verdade não

existe, como nas fotos encomendadas pelos pais do fotógrafo Richard Avedon, que

alugavam cães da raça Dálmata

jovem, mas já fotógrafo, Avedon fez uma série de retratos de família em que os grupos

eram retratados sob os toldos de diversos prédios, alegremente segurando as correias

de cães de outras pessoas.

importante”, contou Avedon.

verdade sobre quem queríamos ser.”

alidade do fotógrafo é camuflada por uma aparente auto

dos figurantes que, presentes na imagem, oculta a direção compositiva do fotógrafo

quanto à pose, ao tratamento da luz, à construção estudada dos planos.

Contudo, em nenhum momento esta que poderia ser considerada uma falta de

até mesmo de veracidade com o ocorrido, é questionada pelos

fotografados, afinal o objetivo do registro fotográfico foi alcançado: uma lembrança

bela de um momento inesquecível para a família. A memória é mantida através da

representação imagética reproduzida em álbuns que perdurarão na família por

gerações alimentando as narrativas particulares daquele grupo.

Imagem 5: Richard Avedon e sua mãe.

E não são essas pequenas farsas que garantem o interesse total da imagem,

mas a expressão dos retratados, questões mais sutis, não tão óbvias. Um dos aspectos

mais interessantes é que o mistério que envolve um retrato de família só tem sentido

fora da família, não dentro. Fora dela, ninguém sabe as condições em que eles foram

feitos. Em muitos casos, até mesmo transmitem uma opulência que na verdade não

como nas fotos encomendadas pelos pais do fotógrafo Richard Avedon, que

cães da raça Dálmata para dar mais distinção à família nas fotos. Ain

jovem, mas já fotógrafo, Avedon fez uma série de retratos de família em que os grupos

eram retratados sob os toldos de diversos prédios, alegremente segurando as correias

de cães de outras pessoas. “A posse de cães pela família Avedon era um mito

, contou Avedon. “Era uma mentira sobre quem nós éramos, e uma

verdade sobre quem queríamos ser.”

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alidade do fotógrafo é camuflada por uma aparente autonomia

compositiva do fotógrafo

trução estudada dos planos.

ria ser considerada uma falta de

é questionada pelos

fotografados, afinal o objetivo do registro fotográfico foi alcançado: uma lembrança

mantida através da

representação imagética reproduzida em álbuns que perdurarão na família por

sse total da imagem,

mas a expressão dos retratados, questões mais sutis, não tão óbvias. Um dos aspectos

mais interessantes é que o mistério que envolve um retrato de família só tem sentido

em que eles foram

feitos. Em muitos casos, até mesmo transmitem uma opulência que na verdade não

como nas fotos encomendadas pelos pais do fotógrafo Richard Avedon, que

para dar mais distinção à família nas fotos. Ainda

jovem, mas já fotógrafo, Avedon fez uma série de retratos de família em que os grupos

eram retratados sob os toldos de diversos prédios, alegremente segurando as correias

“A posse de cães pela família Avedon era um mito

“Era uma mentira sobre quem nós éramos, e uma

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3. MEMÓRIAS VIVAS? ESTADO DA ARTE EM FOTOGRAFIAS DE FAMÍLIA

“A necessidade de confirmar a realidade e de

realçar a experiência por meio de fotos é um

consumismo estético em que todos estão

viciados. As sociedades industriais

transformaram seus cidadãos em dependentes

de imagens, é a mais irresistível forma de

poluição mental”

Susan Sontag

O mercado de fotografia de família contemporâneo vive hoje um dilema. Com a

ascensão da fotografia digital e a democratização de seus meios, poucas pessoas tem

buscado o trabalho de profissionais para captar imagens, a não ser em momentos

considerados excepcionalmente importantes, tendo como grande exemplo as

cerimônias de casamentos. Geralmente em eventos menores, como aniversários,

batizados, reuniões familiares, o encargo de fotografar muitas vezes fica com alguém

mais familiarizado com o equipamento fotográfico, e a difusão dessas imagens nem

chega a ser feita em papel, hoje em dia em sua maioria transita em meios digitais

como emails e redes sociais.

Ressalta-se que, mesmo que a feitura e os caminhos em que estas fotos

transitam não fazem delas menos, pelo contrário, hoje observamos a construção da

memória coletiva fluida, que transita em meios digitais, mas que tem também como

objetivo criar a imagem individual e coletiva.

Entretanto, mesmo com o acesso constante com equipamentos fotográficos,

sejam eles câmeras reflex, compactas e até mesmo celulares, muitas pessoas ainda

consideram essencial a fotografia executada por profissional para captar momentos

considerados únicos pelo seu grupo familiar.

Os retratos hoje comercializados como profissionais não abandonaram por

inteiro a formatação esperada e já descrita de um retrato de família comum, com suas

poses e esquemas visuais. Se vê repetidas vezes a formação de grupos, configuração

de cenários artificiais, poses e expressões forçadas.

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Estas construções, mesmo que quando descritas causem estranheza, são

visualmente comuns e interpretáveis por todos, pois formam uma linguagem visual

amplamente conhecida e difundida. Ressalta-se que, nesse contexto, é ilusório pensar

que as imagens se comuniquem imediata e diretamente ao observador, levando

sempre vantagem à palavra, pela imposição clara de umconteúdo explícito. Na maioria

das vezes, ao contrário, se calam em segredo, exigindo contextualização pela memória.

Por isso, muitas vezes uma foto que não tem sentido algum para um estranho ao

grupo familiar seja de importância fundamental para uma família e constitua até

mesmo um pequeno tesouro familiar.

Imagem 6: Registro contemporâneo de cerimônia de casamento.

Fonte: http://www.evandrorocha.com.br/ acesso em 2 maio de 2013

Todavia, é perceptível no trabalho atual dos fotógrafos de eventos familiares a

influência da fotografia contemporânea, seja na concepção geral da fotografia, na

composição e arranjo dos objetos e pessoas em cena e na disposição das luzes e cores.

Na imagem acima, efetuada pelo fotografo Evandro Rocha3, mesmo que a imagem seja

notoriamente conhecida, o beijo dos noivos ao final do casamento, a fotografia

apresenta uma composição bela, com harmonia de cores e ousado enquadramento.

3 Evandro Rocha tem se destacado no cenário nacional, além de fotografar casamentos por todo o país é

palestrante de eventos como o Photoshow e Wedding Brasil, com público de 1600 fotógrafos profissionais; ministrou workshops em Paris, Boston, New York e Lisboa. Em 2010 foi contratado pela Canon para realizar palestras no estande oficial da marca na feira PhotoImageBrazil; teve seu trabalho publicado em mídias importantes como Revista Isto É, Revista Caras, UOL, BOL e programa Domingo Legal (SBT).

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Imagem 7: Retrato contemporâneo de casal. Fonte:

http://www.bstuckert.com/ Acesso em: 2 de maio de 2013

No retrato acima, percebe-se a intencionalidade do fotógrafo em compor um

belo pano de fundo para destacar os rostos de seus fotografados, uma preocupação

que é constante desde os primórdios da fotografia social. Só que neste caso Bruno

Stucker 4 elegeu um cenário urbano, uma composição diferenciada de cores, e mais

uma vez, um ousado enquadramento.

Pode-se assim notar que a fotografia contemporânea de família mantém alguns

antigos índices visuais, mas sofre e cresce com a influência das artes plásticas e da

fotografia moderna.

4 Em 2003 Bruno Stuckert redescobriu um novo olhar fotográfico para flagrar momentos únicos e

especiais, quando passou a direcionar seu trabalho à cobertura de casamentos. Inspirado por renomados fotógrafos como Annie Leibovitz , Bob Wolfenson e o primo, Ricardo Stuckert, Bruno já fez diversos trabalhos dentro e fora do País e leva aos seus trabalhos a arte de imprimir nas lentes a captação de momentos únicos e especiais.

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4. ENSAIO FOTOGRÁFICO: F.A.M.Í.L.I.A.

“La memoria es el espejo donde

vemos a los ausentes”

A fotografia já foi considerada uma forma menor de expressão porque,

supostamente, limitava-se a coletar do mundo, por meio de um gesto mecânico,

fragmentos de formas prontas e já resolvidas em seus sentidos. Pudemos perceber

durante este ensaio que a fotografia por si mesmo não constrói o sentido, sendo

necessária uma dita gramática visual para compreendê-la.

No caso da fotografia de família a gramática visual necessária para uma

compreensão ampla das imagens passa por conceitos como coletividade e afetividade.

Viver dentro de uma cultura é dar sentido às coisas e assumir papéis. Não há, portanto

como pensar as fotografias familiares sem dar conta das representações que o homem

constrói de si mesmo e de seu entorno.

De fato, é preciso buscar nas imagens algo mais do uma aparência que elas

próprias ajudam a moldar. Mas as teorias que opõem radicalmente imagem e

realidade parecem sonhar com a possibilidade de uma existência das coisas em estado

puro e originário, algo que, para um ser simbólico como o homem, só pode existir

como fantasia teórica.

Na busca da assinalação dos itens visuais das fotografias de família e na

desconstrução dos mesmos, neste ensaio a imagem fotográfica buscou desfazer o

traçado dos pressupostos tradicionais de retratos de família, a exemplo de identidade,

verossimilhança e afetividade, para trazer a imagem apenas com a formatação de um

retrato de família, resultando em imagens que ao mesmo tempo geram

estranhamento e reconhecimento de padrões.

Em termos de significado da narrativa, esse trabalho é socialmente subversivo

ou difícil, mas nem por isso deixa de ser executado segundo a estética de fotografia

familiar. Ao observar as imagens, quase tarde demais nos damos conta do verdadeiro

sentido daquilo a que fomos atraídos, que desfrutamos e parecíamos.

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5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Ariès, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Livros técnicos e

científicos editora, 1981.

Barthes, Roland. A câmara clara. Nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova

Fronteira, 1984.

Bourdieu, Pierre. La fotografía: un arte intermédio. Ciudad de México: Nueva Imagen,

1979.

Bourdieu, Pierre. “O camponês e a fotografia.” Revista de sociologia e política, n. 26

(2006): 31-39.

Cotton, Charlotte. A fotografia como arte contemporânea. São Paulo: Martins Fontes,

2010.

Fontcuberta, Joan. El beso de Judas: Fotografía y verdad.Barcelona: Editorial Gustavo

Gili, 2002.

Jung, Ana Emília. “Como a fotografia contemporânea pensa a memória?” Crítica

Cultural 4 (2009): 205-214.

Le Goff, Jacques. História e memória. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990.

Leite, Mirian Lifchitz Moreira. “Retratos de família: imagem paradigmática no passado

e no presente.” In: O fotográfico, por Etienne Samain, 33-38. São Paulo: Senac, 2005.

Mauad, Ana Maria. “Através da imagem: Fotografia e história interfaces.” Tempo 1

(1996): 73-98.

Sontag, Susan. Sobre fotografia. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2004.