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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA, ARTE E CULTURA JÚLIA ELÉGUIDA Secos e Molhados A transgressão do corpo performático (1971-1974) Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em História, Arte e Cultura da Universidade Estadual de Ponta Grossa – Polo Florianópolis, no semestre 2013.1, Linha de Pesquisa Linguagem, Cultura e Poder Orientador: Prof. Everton Oliveira Moraes

Secos e Molhados - A transgressão do corpo performático (1971-1974)

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O trabalho surge do desejo de desvelar a banda Secos e Molhados, como sua performance andrógina, provocativa e dançarina se apresentou diante de uma cultura conservadora e hetenormativa. Tentado reconstruir como se gestou a criação deste corpo exótico, cuja máscara possibilitou a construção de um personagem híbrido, de rosto alvo e olhar negro provocativo, com dorso nu e saias flutuantes, adornada de plumas, colares e purpurina, capaz de transgredir a censura. A partir de vestígios, influências da Tropicália, o Expressionismo e a Androginia, propôs resistir aos dispositivos que buscam regular o sensível.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA

ESPECIALIZAO EM HISTRIA, ARTE E CULTURA

JLIA ELGUIDA

Secos e Molhados

A transgresso do corpo performtico

(1971-1974)

Trabalho de Concluso do Curso de Especializao em Histria, Arte e Cultura da Universidade Estadual de Ponta Grossa Polo Florianpolis, no semestre 2013.1, Linha de Pesquisa Linguagem, Cultura e Poder

Orientador: Prof. Everton Oliveira Moraes

FLORIANPOLIS, SC

2O13

No acredito em um deus que no dance.

Nietzsche

Resumo

O trabalho surge do desejo de desvelar a banda Secos e Molhados, como sua performance andrgina, provocativa e danarina se apresentou diante de uma cultura conservadora e hetenormativa. Tentado reconstruir como se gestou a criao deste corpo extico, cuja mscara possibilitou a construo de um personagem hbrido, de rosto alvo e olhar negro provocativo, com dorso nu e saias flutuantes, adornada de plumas, colares e purpurina, capaz de transgredir a censura. A partir de vestgios, influncias da Tropiclia, o Expressionismo e a Androginia, props resistir aos dispositivos que buscam regular o sensvel.

Sumrio

Introduo --------------------------------------------------------------------------------------- 01

1. Secos e Molhados e o corpo tropicalista------------------------------------------- 05

2. Secos e Molhados e o corpo performtico ---------------------------------------- 20

3. Secos e Molhados e o corpo andrgino ------------------------------------------- 30

Consideraes Finais -------------------------------------------------------------------------- 41

Referncias -------------------------------------------------------------------------------------- 43

Introduo

O trabalho sobre os Secos e Molhados, surgiu de uma inquietude sobre a possibilidade da arte como um exerccio experimental do sensvel e sua pulso de resistncia ao dispositivo, a partir da observao da performance da banda, que foi gestada numa poca delicada da cultura brasileira, entre os anos de 1971 a 1974, marcada pela Ditadura Militar, amparada pela sociedade civil, e suas passeatas em defesa da famlia, instituio e propriedade, cuja publicidade ufanista gritava: Brasil, Ame-o ou Deixe-o.

Como transpor a barreira do que est posto, amparado por um regime de controle e mediao do sensvel, em nome da censura e seus dispositivos que estabelecem padres de comportamento aceitveis pela sociedade, cada vez mais conservadora e individualista. Em que os desejos por liberdade foram substitudos por anseios de consumo, um carro novo, eletrodomsticos, como a nova mania do momento, o televisor, que restringia ainda mais os espaos de lazer ao doce lar, j que a rua era perigosa demais.

Uma sociedade marcada pela militarizao do cotidiano, que busca esvaziar o espao pblico, e interfere sobre os lugares aceitveis que um indivduo honesto pode frequentar. E que desloca o divergente, o outro indesejvel, caso de segurana nacional, a ser sujeitado pelos aparelhos de controle, como as foras armadas e a polcia, como Destacamento de Operaes de Informaes - Centro de Operaes de Defesa Interna (DOI-CODI). Ao mesmo tempo, que os direitos so abolidos em nome desta segurana, caso do AI (Ato Institucional) n.5 de 1968, que aboliu os direitos fundamentais, entre os quais, a liberdade e a dignidade humana, e desta forma o Estado faz uso da lei, para justificar a opresso destes mesmos direitos.

Procuro expor, portanto, como a banda Secos e Molhados desenvolveu sua performance, enquanto um ato de resistncia do corpo, que se expressa em reao a algo que quer control-lo, e pulsa por liberdade. Possibilitando pensar a msica para alm de seu carter potico-instrumental, mas tambm atravs de sua potencialidade visual. Segundo Napolitano (2006) uma de suas principais contribuies metodolgicas [de Contier] foi a incorporao da performance musical como um problema histrico a ser analisado, capaz de mudar o sentido esttico e ideolgico sugerido pela estrutura da cano (p. 148).

Alm de que, com a incluso da televiso no Brasil, houve um reforo no carter imagtico da msica, que j vinha se encenando com a apresentao de programas musicais (como a Jovem Guarda) e nos grandes festivais de msica, que eram transmitidos pelas redes de televiso (na sequncia Tupi, Excelsior, Record e Globo realizaram festivais da cano), estimulando as bandas a pensarem sua abordagem visual, no s como vestimenta, mas como postura de palco - vide a apresentao de Elis Regina em Arrasto (Festival da TV Excelsior, em 1965); e dos Tropicalistas, Caetano Veloso com seu terno extico, de vinil, adornado por vrios colares, encarou um pblico s vaias, durante a apresentao da msica Proibido Proibir, (no Festival Internacional da Cano, da Globo, em 1968), e os Mutantes em que Rita Lee se apresentava vestida de noiva.

Desta forma, os Secos e Molhados desenvolveram performances com forte apelo visual, inspirados na Tropiclia, no Expressionismo e no Glam Rock, ressignificaram a vestimenta masculina, acrescentando a purpurina, a saia, a maquiagem, o ornamento na cabea, a plumagem, e as joias. Alm de trazerem para o seio do palco a possibilidade do homem danar, algo que j vinha sendo gestado desde Elvis e seu rebolado, foi combinado exuberncia de Carmem Miranda e seus figurinos coloridos e extravagantes. E mesmo as apresentaes provocativas de Madame Sat, e posteriormente dos Dzi Croquettes, influenciaram para que banda com sua postura de palco, transgredisse comportamentos, questionando o ser homem, e sua experincia em estar no mundo.

O que temos com Ney, no incio dos anos 1970, o desenvolvimento de uma nova linguagem performtica para o espetculo na msica pop brasileira, em sintonia com as possibilidades da poca, como a televiso, as novas formas de produo de shows, o apelo cada vez mais determinante da imagem (em sua plenitude de linguagem e de sentido) na cano popular e o contexto de jogo tenso entre contracultura e conservadorismo moral e esttico. Curiosamente, a postura de palco do grupo, ao mesmo tempo em que inovava pelo estranhamento, atraia parte do pblico identificado com a cena (VARGAS, (2010, p. 13).

neste contexto que a pesquisa se insere, enxergando esta possibilidade da performance enquanto resistncia a militarizao do cotidiano. A tenso dos corpos sob controle necessita de uma forma de externar suas angstias e desejos, para desafi-lo e poder subvert-lo. O que Carson (2010) vai chamar de performance de resistncia. Em resposta aos dispositivos que o regulam, que o foram a imobilidade, a performance busca desautomatizar este corpo social, almejando a liberdade do seu estar no mundo.

Ao analisar a possibilidade de ressignificao poltica do sensvel atravs da apresentao como uma alegoria da brutalidade, em que o cantor Ney Matogrosso ao olhar/visar fixamente o seu pblico, ao mesmo tempo o confronta. O corpo magro, exposto, a demostrar a sua fragilidade, a contrastar uma cultura que exige a virilidade e brutalidade do homem.

Deste modo, procuro estruturar o ensaio, em trs captulos, denominados enquanto corpos de resistncia: tropicalista, performtico e andrgino. No primeiro captulo, o corpo tropicalista, irei demonstrar a influncia da experincia tropicalista na constituio do esprito irreverente da banda, apontando as performances de Caetano, Gil, Gal e os Mutantes nos palcos, principalmente os episdios nos Festivais da Cano, em que os msicos projetaram uma postura diversa do que era considerada adequada, rompendo com a etiqueta da vestimenta e do comportamento, o que provocou a ira do pblico. Alm das peas abusadas do Teatro Oficina, que denunciavam o catolicismo e o conservadorismo burgus, com uma linguagem inovadora para a poca, inspirada nas ideias antropofgicas de Oswald de Andrade e Flavio de Carvalho.

No segundo captulo, o corpo performtico, analiso a apresentao da banda, como ela se constituiu, identificando os elementos que possibilitaram uma transgresso do aparato censor, destacando os ideais libertrios e influncias do teatro experimental, que clamavam pela libertao do corpo e da mente, e permitiram um conhecimento de si e da convivncia com o outro. A mscara que permitiu a expanso de um personagem ainda mais ousado, extico que exibia o rosto pintado de branco e o olhar negro, coberto por purpurina, e muitas plumas, colares, anis, a adornar o corpo quase nu. A irreverncia deste corpo que por sua imagem inusitada atraiu os olhares, para alm do pblico alternativo, mas tambm da mdia, que passava a apostar no entretenimento e na criao de novos dolos.

E no terceiro captulo, o corpo andrgino, busco delinear o impacto que este personagem extico, com corpo de homem e voz de mulher, danando, rebolando, deslizado pelo palco colares, penas e purpurinas, provocou na sociedade heteronormativa, que procura separar as pessoas culturalmente enquanto gneros definidos entre homem e mulher, sem espao para o divergente. Quais os dispositivos de controle foram operados para intimid-los, e censur-los, como aconteceu com os Dzi Croquettes, que foram proibidos de se apresentar no Brasil.

1. Secos e Molhados e o corpo tropicalista

Em 1973, a banda Secos e Molhados subia ao palco do Maracanzinho, para um pblico de 25 mil pessoas, algo at ento inimaginvel para uma banda nacional, e todos queriam assistir aquela banda que tinha uma presena de palco rara, apresentava o rosto velado por uma mscara. Ao mesmo tempo, que o rosto fitava o outro, ocultava-se atravs de uma maquiagem alva que destacava o olhar marcado pelo tom negro. Cada um representava uma identidade diferente, e estas identidades ocultas danavam e experimentavam o movimento de seus corpos ao ritmo da msica.

Estes corpos danarinos se apresentavam quase nus, com o dorso descoberto adornado por saias de rfia, algo indgena, e vrios adereos, colares mltiplos, que voavam leves por todo o palco. Esta presena contagiante foi transmitida via satlite, ao vivo para todas as televises ligadas na Rede Globo, e invadiu as casas da classe mdia pacata, em sua rotina de nascer e morrer, um impacto em tempos de uma cultura conservadora marcada pelo regime militar, a se perguntar quem so eles, o que eles pensam que so.

Este recorte temporal mostra a banda em seu auge, mas esta j estava sendo gestada por Joo Ricardo, desde 1971, em que tinha a ideia de musicar poesias atravs da experimentao musical, trazendo influncias do folclore, inspirado nos cancioneiros como Bob Dylan e Crosby, Stills, Nash e Young. Admirava a mistura de timbres voclicos diferentes, em que se revelava uma voz aguda a cantar, o que o fez procurar para sua banda algo semelhante a esta voz dissonante. Em 1972, j se apresentava no Kurtisso Negro junto com violonista Gerson Conrad, mas ainda no havia encontrado a voz, quando sua amiga Luli, apresentou-o ao ento ator de teatro Ney Matogrosso, que j tinha alguma experincia como cantor em corais e apresentaes em festivais universitrios. Deste encontro nasceu uma sintonia, Ney era a voz aguda e bela que daria vida a poesia dos Secos e Molhados.

No entanto, o espao temporal em que a banda surge, um momento delicado da histria brasileira, marcada pela ditadura militar, que se estendeu por mais de 20 anos (1964 -1985), apoiada pela sociedade conservadora, que muitas vezes financiava suas aes, atravs da manuteno do IBAD (Instituto Brasileiro de Ao Democrtica) e IPES (Instituto de Pesquisa e Estudo Sociais) responsveis pelo suporte ideolgico que sustentaria a ao do regime.

A fim de assegurar a manuteno da ordem burocrtica e policialesca, mas tambm, a manuteno da cultura autoritria e repressora que o sustenta, fez uso de dispositivos que buscavam limitar o sensvel, automatizando o corpo, impondo-lhe padres de comportamento, o que vestir e sentir, atravs de campanhas publicitrias, discursos ideolgicos, projetos pedaggicos e culturais. Ao mesmo tempo, que amparava a organizao deste sistema de controle, atravs de legislaes autoritrias como o AI n. 5 (Ato Institucional n. 5), assinado em 13 de dezembro de 1968, que praticamente dava plenos poderes para o regime militar, abolindo os direitos fundamentais, autorizando a priso de pessoas que fossem consideradas suspeitas, negando-lhes o direito de liberdade (habeas corpus), tudo em nome da segurana nacional, da ordem e bons costumes.

Segundo Agambem (2005), citando Foucault, os dispositivos visam atravs de uma srie de prticas e de discursos, de saberes e exerccios, a criao de corpos dceis e livres, que assumem sua identidade e a sua liberdade enquanto sujeitos no processo mesmo de assujeitamento (p. 6-7). O que Nodari (2012), ao analisar o controle que a ditadura militar exerceu sobre a pea de Oswald de Andrade, o Rei da Vela, encenada em 1967 pelo Teatro Oficina, desenvolve como um ato de censura:

censura a medida que regula o sensvel, normatizando e controlando a passagem do interno ao externo, as internalizaes e externalizaes de imagens pelos sujeitos. A censura visa con-formar o sujeito a uma imagem poltico-moral de conduta, e, para tanto, deve buscar interioriz-la, e controlar exteriorizaes no desejveis, moldando-as a um exemplo. A fonte do poder e tambm da necessidade da censura o hiato que existe entre o ser e o aparecer sociais: o poder poltico-moral, enquanto tendencialmente distinto da fora fsica, no consegue, ou, ao menos, no tem a certeza de conseguir, penetrar no mago do sujeito, nas conscincias ou nas vsceras - ele s pode agir sobre as manifestaes e expresses: da a necessidade, para o poder, no s da censura, quanto da propaganda. A censura existe e existir enquanto no se inventar uma mquina de ler e produzir pensamentos e instintos. Na medida em que a lei s pode atingir aes, atos, existe sempre a possibilidade de mimetizar, falsificar, fingir, aparentar, por meio de uma srie de declinaes que o poder censrio tenta controlar.

Em sua anlise da censura realizada pelos governos autoritrios, s peas de teatro, Gomes e Martins (2008) identificaram que a maioria das intervenes era de carter moral, ao contrrio do que os pesquisadores tinham em mente quando iniciaram a pesquisa, de que seriam crticas diretas a atuao do governo. Foram proibidos o uso de palavres, temas como o sexo e o erotismo, como citaes ao adultrio feminino e referncias ao corpo. A homossexualidade s poderia ser tratada como vcio ou doena, caso contrrio, a pea era censurada. Demonstrando que o objetivo da censura era controlar o comportamento, interferindo na construo de identidade do sujeito, como ele enxerga a si e suas projees de mundo, aferindo o que poderia ser visto e sentido.

Dentro desta gesto do sensvel, os opositores polticos, inclusive crianas, foram torturados e aniquilados, e os que conseguiram resistir foram forados a se exilar em outros pases, e muitos continuaram traumatizados pela violncia fsica e psquica a que foram submetidos, como Frei Betto que se suicidou no exlio. Ao mesmo tempo, a censura tentou controlar a exposio do pensamento e o comportamento, sendo bastante rigorosa com o que poderia desestabilizar a cultura conservadora e moralizante da poca, e passou a regular as manifestaes artsticas e culturais, visto o nmero de composies musicais, peas de teatro, obras literrias e os meios de comunicao censurados.

Marcos Napolitano (2008), em sua pesquisa sobre a cultura brasileira, afirma que, entre 1969 e 1979, foram censuradas cerca de 450 peas teatrais, 500 filmes entre nacionais e estrangeiros, 200 obras literrias, livros como Cubismo de Ferreira Gullar e o Vermelho e o Negro de Stendhal (segundo os censores, por fazerem referncia ao comunismo!). Chico Buarque teve diversas msicas vetadas, e sua pea Calabar Elogio da Traio (1973), junto com Ruy Guerra, foi proibida de ser encenada, bem como a capa do lbum que trazia a palavra Calabar pixada de branco em um muro, teve de ser trocada, e passou a ser vendida em branco sem o ttulo, apenas com o nome de Chico Buarque diminuto, ao canto direito.

J a pea Roda Vida (1967), encenada pelo Teatro Oficina, teve sua apresentao no Teatro Ruth Escobar invadida em 18 de julho de 1968, pelo grupo extremista, que se intitulava Comando de Caa aos Comunistas, formato por 110 autoritrios (70 civis e 40 militares), que destruram o cenrio e espancaram os 17 atores, que estavam nus e assim foram jogados na rua, num ato de violncia atroz. Depois em Porto Alegre, o CCC distribuiu cartazes em que ameaava os atores, ordenando-os a deixar a cidade. noite quando o elenco voltava para o hotel, foi atacado por trinta homens armados, e a atriz Elizabeth Gasper e o violinista Zelo foram sequestrados, torturados e abandonados longe da cidade, com a ameaa de que caso no a deixassem em 16 horas, haveria retaliao. Aps este epsdio a equipe achou melhor parar de encenar a pea (GIRON, 1993).

Durante os anos de chumbo, que compreendem todo o perodo do governo Mdici (1969-1974), a represso moral caminhou passo a passo com a represso poltica. A referncia explcita sexualidade era identificada como um ato de subverso. E alm de programas de TV, diversos filmes, livros, revistas, canes e at obras de gnios da pintura foram proibidos ou mutilados pela censura. Em 1973, foi impedida de circular no Brasil, um lbum com a reproduo de 347 gravuras erticas de Picasso. Como enfatiza o general Antnio Bandeira, que na poca dirigia a Polcia Federal, a nossa preocupao era moral. Mulher pelada no podia (Arajo, 2003, p. 55).

Diante deste estado de controle, passou-se a buscar novas possibilidades de vida, alternativas a opresso estatal e uma tentativa de fuga desta sociedade doentia, amparadas na ideia hippie de que outro mundo seria possvel, atravs da vida em comunidade e do contato com a natureza, a partir da experimentao dos estados alterados de conscincia com o uso de substncias psicoativas. Esta experincia expandiu o conhecimento de si e do prprio corpo, questionando posturas tradicionais, como a monogamia e a heteronormatividade, experimentando o relacionamento livre e a busca por teso e prazer atravs do sexo, independente de gnero.

Esta experimentao se refletiu na arte, os artistas passaram a pensar em formas de romper com a postura tradicional, a fim de mostrar a opresso e a descrena num futuro pelas quais passavam, agindo no presente atravs da construo de uma esttica libertria a demonstrar a fragmentao das utopias. A questionar as instituies, no de uma forma deliberadamente poltica j que qualquer contestao direta era censurada, mas a desenvolver formas para desestrutur-la atravs da experincia e do deslocamento de sentidos, da pardia e ironia, buscando maneiras de transgresso atravs da expresso corporal.

Se a nao e a regio passavam pela construo de um corpo, o corpo da nao ou da regio, corpo disciplinado dos cidados, sob as leis do Estado, o corpo do soldado, o corpo militarizado, pronto a se perfilar em nome de uma causa, o corpo militante, trabalhador; destruir a nao e a regio passava pela destruio desse corpo, pelo despedaamento, pela segmentao desse corpo nacional ou regional. Pint-lo de outras cores, androgin-lo, torn-lo de difcil identificao, torn-lo escorregadio, alegrico, ou seja, um corpo rebelde, um corpo que dana, que pula de um lugar para outro, que treme e que grita, dissonante, agudo, trinado (Carcar), desbundado, um corpo linguagem de muitas naes e de muitas regies, corpo voz do cosmo, cosmopolita. Do totalitarismo poltico do corpo fechado, corpo total, para o corpo segmentado tropicalista, corpo dionisaco, fundando uma nova poltica. No mais o corpo que defende, que derrama o sangue por uma bandeira nacional ou regional, mas corpos bandeiras, que derramam o sangue desta nao e desta regio, que as esvai para defend-las como multiplicidades embandeiradas (Albuquerque Jr., p. 11).

Um desvio de sentido, que Bakhtin (1993) vai chamar de carnavalizao, em que h a transgresso de todos os limites do corpo, atravs do uso da parodia e do grotesco, para questionar as hierarquias e as relaes de poder. Em que os instintos e desejos castrados e censurados pela cultura oficial, so liberados atravs da efervescncia da dana e da liberdade de movimento, tamanha intensidade que os corpos entram em uma espcie de transe, em que h a perda exttica de si, num ritual de comunho e abundncia. Ao apresentar, certa violncia subversiva, que ao transgredir o velho poder construir algo novo, e ao descrever a alegoria carnavalesca, expe os pares cmicos, mascaramentos e travestismos.

Este processo de carnavalizao como juno de vrias vozes e a desconstruo da ordem, inspirou o movimento tropicalista, que influenciou sobremaneira os Secos e Molhados, deslocando a arte para a prpria vida, retirando da arte o seu status de consagrado. A fim de realizar uma transgresso simblica, trazendo referncias do popular, do que era considerado mau gosto, a subverso do cnone, a questionar a ordem, atravs do deboche.

1.1 A influncia da Tropiclia antropofgica

Fig. 1: Os Mutantes e Gilberto Gil. Cena do filme Tropiclia de Marcelo Machado, 2012.

Antes de explicar a importncia da tropiclia para a constituio dos Secos e Molhados, faz-se premente tentar definir o que foi a Tropiclia. No incio do documentrio Tropiclia, de Marcelo Machado, assistimos a uma apresentao para a TV Portuguesa, de 1969, em que Gilberto Gil, que estava se apresentando junto com Caetano Veloso, interpelado sobre se ainda so tropicalistas, Gil olha de relance para o companheiro, como se dissesse, e ai? E na insistncia do reprter por uma definio, Caetano responde com um sonoro well..., depois somos expostos a um caleidoscpio de imagens, das capas de lbuns dos idealizadores do movimento, do disco manifesto Tropiclia ou Panis Et Circenses[footnoteRef:2], dos filmes de Glauber, a arte de Helio Oiticica, de Che Guevara, os designs de Rogrio Duarte, Chacrinha, o espao urbano, Carmem Miranda e o Carnaval, a psicodelia da Jovem Guarda na figura de Ronnie Von, e do programa da TV Tupi, Divino Maravilhoso. Esta cornucpia de referncias que fizeram do movimento algo rico, a superar os nichos que separavam o clssico do popular, a valorizar o mau gosto e a cultura de massa, utilizando-se da linguagem da mdia para subvert-la. [2: E em 1968, sob o signo da carnavalizao, foi lanado o disco manifesto Tropiclia, and Panis Et Circenses, com letras de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Z, Torquato Netto e Jos Carlos Capinan, orquestraes de Rogrio Duprat e Jlio Medglia, Damiano Cozzella e participao de Gal Costa, Nara Leo e Mutantes, que influenciados pela antropofagia de Oswald de Andrade, buscaram reinventar a histria do brasil, ao mostrar as contradies desta geleia geral que tem parque industrial e tradio. Que assiste bumba meu boi ao som de ritmos do serto, na televiso. Ao cantar Vicente Celestino, traz ao fundo o som de bombas de canho. Qual este progresso em que jovens lindoneias esto desaparecidas, enquanto a polcia vigia as ruas? E ironicamente traz inscrita a mudana dos tempos atravs da linguagem, em que miserere nobis vai anteceder bat macumba, da lngua morta latina para a nova onda made em USA, misturada a macumba, negra e feiticeira. Quem esta nao de sorrisos engarrafados, que ao som do vil metal esta preocupada em nascer e morrer. A mdia como um banco de sangue encadernado que denuncia os pecados da vedete.]

Significando, no dizer de Caetano, a retomada da linha evolutiva da tradio da msica brasileira, o Tropicalismo misturava influncias da msica pop tradicional, em especial dos Beatles, com a utilizao do instrumental eletroeletrnico, de vrias vertentes de nossa msica, inclusive do brega-popularesco; do cinema de Glauber Rocha; do projeto de arte ambiental de Hlio Oiticica, de onde veio o nome Tropiclia; da antropofagia de Oswald de Andrade, cuja pea O rei da vela acabara de ser ressuscitada por Jos Celso Martinez Corra; e da poesia concreta dos irmos Campos, Augusto e Haroldo, e de Dcio Pignatari, intelectuais que se entusiasmaram com o movimento, dando-lhe suporte terico. A ideia era um produto sntese de que todas estas influncias revolucionaria a msica brasileira, renovando-a e tornando-a mais universal (SEVERIANO, 2008, p. 383).

As apresentaes dos tropicalistas eram marcadas pela irreverncia e ironia, mesmo antes de ter um projeto definido, Gil e Caetano j se apresentavam nos festivais utilizando-se da performance como uma forma a contrastar com o que estava posto. Enquanto a etiqueta do III Festival Popular da Cano, exibido pela TV Record em outubro de 1967, exigia black tie, Caetano apresentou a cano Alegria Alegria, vestindo um casaco de veludo xadrez e um blusa de gola rul laranja, ao som da banda de rock argentina de Beats, com seus cabelos compridos, ternos rosa choque e guitarras eltricas, provocando o pblico que esperava uma cano tocada somente com violo e voz como a Banda de Chico Buarque, ou uma cano de protesto.

Em setembro de 1968, no Festival Internacional da Cano exibido pela Rede Globo, Caetano Veloso, foi ainda mais ousado, ao apresentar Proibido Proibir, entrou no palco rebolando, com uma roupa de vinil verde limo, um colete prateado, adornado por diversos colares, um deles repleto de dentes de javali, um cinturo de cobra, e a cala de vinil preto, com a cabeleira a la black power, junto com os Mutantes, e logo nos primeiros acordes, o pblico respondeu com vaias, jogando tomates, ovos e pedaos de madeira no palco, gritando Bicha! Fora! Caetano tentou continuar e intensificou sua performance, fazendo movimentos como se estivesse transando. Ainda mais irada, a plateia virou de costas para a banda, sem parar de vaiar; e os Mutantes viraram de costas para o pblico. Diante de tal violncia, Caetano revidou furioso:

Mas isso que a juventude que diz que quer tomar o poder? Vocs tm coragem de aplaudir, este ano, uma msica, um tipo de msica que vocs no teriam coragem de aplaudir no ano passado! So a mesma juventude que vo sempre, sempre, matar amanh o velhote inimigo que morreu ontem! Vocs no esto entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada. Hoje no tem Fernando Pessoa. Eu hoje vim dizer aqui, que quem teve coragem de assumir a estrutura de festival, no com o medo que o senhor Chico de Assis pediu, mas com a coragem, quem teve essa coragem de assumir essa estrutura e faz-la explodir foi Gilberto Gil e fui eu. No foi ningum, foi Gilberto Gil e fui eu! Vocs esto por fora! Vocs no do pra entender. Mas que juventude essa? Que juventude essa? Vocs jamais contero ningum. Vocs so iguais sabem a quem? So iguais sabem a quem? Tem som no microfone? Vocs so iguais sabem a quem? queles que foram na Roda Viva e espancaram os atores! Vocs no diferem em nada deles, vocs no diferem em nada. E por falar nisso, viva Cacilda Becker! Viva Cacilda Becker! Eu tinha me comprometido a dar esse viva aqui, no tem nada a ver com vocs. O problema o seguinte: vocs esto querendo policiar a msica brasileira. O Maranho apresentou, este ano, uma msica com arranjo de charleston. Sabem o que foi? Foi a Gabriela do ano passado, que ele no teve coragem de, no ano passado, apresentar por ser americana. Mas eu e Gil j abrimos o caminho. O que que vocs querem? Eu vim aqui para acabar com isso! Eu quero dizer ao jri: me desclassifique. Eu no tenho nada a ver com isso. Nada a ver com isso. Gilberto Gil. Gilberto Gil est comigo, para ns acabarmos com o festival e com toda a imbecilidade que reina no Brasil. Acabar com tudo isso de uma vez. Ns s entramos no festival pra isso. No Gil? No fingimos. No

Conforme afirma Ridente, a Tropiclia possibilitou a MPB revolucionar a linguagem e o comportamento na vida cotidiana, incorporar-se sociedade de massa e aos mecanismos do mercado de produo cultural, sem deixar de criticar a ditadura e a sociedade que reproduzia esta cultura autoritria (2008, p. 189). O movimento tropicalista conseguiu muito mais enfoque, por se utilizar de uma cultura que ainda estava se consolidando na poca, a mdia televisiva[footnoteRef:3], atravs da divulgao de sua performance extica e provocativa. Ao justapor elementos diversos e fragmentados da cultura brasileira, o tropicalismo retoma a antropofagia, na qual as contradies so expostas, a fim de desmistific-las, critic-las e transform-las. [3: Essa mudana nos padres de audincia e o surgimento de novas frmulas de programas foram acompanhados por um salto nos nmeros dos aparelhos de TV, durante 1967. Entre janeiro de 1966 e janeiro de 1967 o nmero de unidades familiares aumentou de 633.156 para 698.065, registrando 10% de acrscimo. Entre janeiro de 1967 e janeiro de 1968, o aumento foi de quase 35%, totalizando 959.221 unidades familiares, s no Estado de So Paulo. Alm disso, o acesso das classes mais pobres ao aparelho cresceu no montante geral. Mas foi em 1968 que a TV passou a ser, no s mais disseminada na sociedade numericamente falando, mas tambm sensivelmente mais popular. Outra estatstica esclarecedora demonstra que entre 1965 e 1967 a mdia anual de vendas de aparelhos de TV oscilou entre 10 e 15%. Somente de 1967 para 1968, as vendas aumentaram 45%. (Boletim de Assistncia de TV So Paulo, Ibope apud NAPOLITANO, 2001, p. 103).]

Trazer em si este questionamento de qual seu espao no mundo, almejando o impossvel, a subverso dos costumes, qual fez Flvio de Carvalho, na dcada de 50, ao sair pelas ruas cariocas vestindo o que para ele seria a roupa mais apropriada ao nosso clima tropical, uma blusa larga que possibilitasse a passagem do vento, a saia que permite o movimento do corpo, e uma sandlia que no esquenta nem aperta os ps (Experincia n. 3 O New Look). Esta vontade de questionar o que est posto, de inventar a contra a mola que resiste, indo na direo contrria da procisso (Experincia n. 2), pois para Flvio, era preciso palpar psiquicamente a emoo tempestuosa da alma coletiva, registrar o escoamento dessa emoo, provocar a revolta de alguma coisa em seu inconsciente (CARVALHO apud MORESCHI, 2012).

Fig. 2: Flvio de Carvalho e o New look (Experincia n. 3 - 1956)

Flvio idealizou tambm o Teatro da Experincia, com o Bailado do Deus Morto, de 1933, que prope provocar uma reao no pblico, que permitisse o contato, a flexibilizao, a contaminao e o desvio, em que o corpo se permitisse ser livre. Esta vontade de transgresso vai influenciar mais tarde o Teatro Oficina, que surge na dcada de 60, amparado por vontades antropfagas e mentes criativas, como a de Jos Celso Martinez Corra, que buscam romper com o formato do teatro tradicional, e provocar a classe mdia, para que saia de sua zona de conforto, com um linguajar agressivo, trazendo a violncia, a subverso do sexo para dentro dos palcos, instigando o pblico para que este fosse atuante e no mais mero espectador da arte.

Fig. 3: Teatro Oficina: cena da pea Rei da Vela. Foto de Carlos Hlio Eichbauer (1972).

O Teatro Oficina fez da pea em Rei da Vela (1967), escrita por Oswald de Andrade, seu manifesto, convergindo estticas do movimento tropicalista, buscando a inverso bahkitiana, trazendo elementos do carnaval, do circo, do teatro de revista, filmes da Atlntida, para parodiar e ironizar a sociedade consumista e resignada. Apostava numa visualidade forte e agressiva, criada por Hlio Eichbauer, que ia do cenrio burocrtico do escritrio paulistano, ao tropicalismo da Guanabara a la Carmem Miranda em Hollywood, que Z Celso chamou de Frente nica Sexual, com trilha de Caetano Veloso, Rogrio Duprat e Damiano Cozzela, e dedicada a Glauber Rocha, que j havia desestabilizado as estruturas com Terra em Transe (1967).

E em 1968, o Teatro Oficina encenou a pea de Chico Buarque, Roda Viva, que faz uma crtica sociedade catlica imersa na cultura de massa e no culto ao heri. Apresentava um cenrio kitsch que colocava o teatro dentro de um estdio de televiso, decorado com um So Jorge, ao lado de uma garrafa de Coca-cola, os artistas vinham do fundo do palco gritando compre, compre e ao chegar junto ao pblico o sacudia. Alm de trazer uma Nossa Senhora rebolante defronte a televiso, enquanto que o Ibope (audincia) era representado pela figura do Papa. E em uma das cenas, o coro dilacera o heri, e pedaos de fgado cru eram estraalhados, espirrando sangue na plateia.

Fig. 4: Parangol de Hlio Oiticica. Foto de Gui Paganini (2006).

Helio Oiticica, tambm atuou para a transgresso da cultura oficial, ao idealizar o penetrvel que deu o nome a Tropiclia, criticava a institucionalizao da arte, trazendo o pblico para dentro do espao artstico, como um espao de interao do sensvel. Tambm vai deslocar para o centro de sua arte, o que considerado como marginal, quando sobe ao morro da Mangueira para entender, quem so aqueles que esto s margens da sociedade, e traz a cano daquela gente, o samba para dentro de sua arte, fazendo disso um acontecimento (happening). Ao criar o parangol, o corpo vestido danando livre ao som do samba, o ato performtico era sua prpria obra, aquela que acontecia naquele instante, questionando deste modo a ideia de uma arte enquanto cnone, de uma roupa enquanto forma de um gnero. E assinalando a possibilidade do corpo estar em movimento, como forma ativa de vivenciamento.

Neste clima de contestao Caetano, Gil, Gal e os Mutantes apresentavam performances ainda mais abusadas. Caetano se apresentou na Discoteca do Chacrinha, na Rede Globo, com um camisolo com estampa de bananas, e em outro programa da mesma emissora, em um cenrio que parodiava a Santa Ceia, de Leonardo da Vinci, cantou Miserere Nobis, Gil de bigode e cavanhaque, sentado no lugar de Cristo, numa mesa repleta de bananas e abacaxis. Em setembro de 1968, anunciaram o espetculo na boate da sucata, como violento, algo jamais feito, no auge da experimentao, Caetano e os Mutantes cantavam aos gritos, acompanhados pela distoro da guitarra, enquanto Gil improvisava no vocal, o que tornava cada apresentao nica e irrepetvel. E neste ritual esfuziante em que o corpo era livre para danar e virar cambalhotas, Caetano entoava Proibido Proibir, deitado no cho, enquanto John Dandurand pulava e urrava sons guturais (SEVERIANO, 2008).

Em outubro de 1968, os tropicalistas ganharam seu prprio programa de televiso, na TV Tupi, chamado Divino Maravilhoso. Apresentado, todas segundas feiras, s 21h30, por Caetano e Gil, com participaes dos Mutantes, Jorge Bem, Jards Macal, Paulinho da Viola, Gal Costa e os Bichos; com direo de Cassiano Gabus Mendes, e produo de Antonio Abujanra e Fernando Faro. Em um cenrio bastante ousado para poca, com uma boca gigante, seios e dentaduras em cores berrantes, onde a diretriz era a irreverncia e o improviso:

No comeo aparece Caetano, de blusa militar aberta sobre o torso nu e o cabelo penteado. Senta-se num banquinho, em estilo ioga, e comea a cantar Saudosismo, sua nova msica, toda nos moldes da bossa nova original, bem Tom Jobim, bem Joo Gilberto. Mas a msica para proclamar um Chega de Saudade e Caetano assanhar o cabelo e os Mutantes entrarem em cena e comearem todos freneticamente, amalucadamente, a fazerem o som livre. No auge da improvisao, com guitarras, gritos e movimentos de quadris, Caetano diz que vieram mostrar o que esto fazendo e como esto fazendo. E o programa da para o fim o mau comportamento total, catico nos sons e gestos, alucinao. Desfilam as novas msicas: Falncia das Elites, Miserere Nobis, Baby, Proibido Proibir, Caminhante Noturno, Panis et Circencis, etc. Cada qual se transforma num happening, num pretexto para extravagncia, loucuras. Para que Gil cante A Falncia das Elites entram em cena vrias latas velhas e aquele baticum. Caetano deita-se no cho, rola-se como num estertor, vira as pernas para cima, de repente levanta-se e entra no ritmo alucinante, revirando os quadris, em gestos to ousados que s vezes o prprio Cassiano no tem coragem de captar. O pblico, que lota o teatro do Sumar, meio inibido no incio, comea a aplaudir, Caetano fica satisfeito com a reao, mas depois diz que gostaria de mais participao, mais vibrao. Nos prximos eles esperam, a coisa ir esquentar, por enquanto foi s o incio. (OS BAIANOS, 1968)

No entanto, dez dias aps a promulgao do Ato Incontitucional n.5, no dia 23 de dezembro de 1968, o programa foi cancelado. Para a Ditadura, Caetano ter cantado Boas Festas com uma arma apontada na cabea foi considerado uma afronta ao regime. Depois deste episdio, Caetano e Gil foram presos, e convidados a se retirar do pas. Fazer arte havia se tornado algo arriscado demais, quem voltaria a entonar o hino dos descontentes?

Os Secos e Molhados surgiram desta necessidade de extravasar esta angstia pela qual passavam, a censura havia tentado parar o experimentalismo tropicalista, era preciso abrir uma nova fresta, era preciso extravasar novamente. preciso estar atento e forte/No temos tempo de temer a morte./Ateno/ Tudo perigoso./ Tudo divino maravilhoso.

2. Secos e Molhados e o corpo performtico

A banda Secos e Molhados surgiu neste contexto de represso militar e militarizao do cotidiano, e a busca de uma alternativa que se voltou para o conhecimento de si e do prprio corpo. J que o espao pblico estava sobre viglia, as pessoas buscaram as comunidades, e a experimentao de substncias que proporcionassem novas descobertas de si mesmo e expandissem o consciente. Esta gerao que ficou conhecida como desbunde, conforme Albuquerque Jr, procurava territrios alternativos, desviantes, divertidos, lutando contra a castrao da libido, do desejo, da sexualidade.

A ideia para as primeiras apresentaes que cada membro do grupo constitusse um personagem, que representasse aquele momento, Joo Ricardo seria o Guerrilheiro, com sua boina de El Che; ao contrrio de Ney Matogrosso, que buscava um personagem mais irreverente e condizente com sua busca por libertao e autonomia. Logo na primeira apresentao esta divergncia ficou latente, conforme afirma Vaz, o grupo reuniu uma estranha mistura de dois guerrilheiros e um ser completamente enlouquecido, todo pintado de dourado, com uma cala de odalisca, um enorme bigode e uma grinalda na cabea, era Ney cantando e rebolando com sua voz de contratenor, inslita e rara, aguda e imponente, num corpo magro de dorso peludo e desnudo (1992, p. 103).

Antes de ser intrprete dos Secos e Molhados, Ney Matogrosso j havia se apresentado em corais de msica clssica, e festivais de cano popular em Braslia; tinha passado pelo Rio, onde conheceu comunidades hippies, e passou a se interessar pelo teatro, ao mesmo tempo, que fazia artesanato para sobreviver. Quando foi para So Paulo integrar os Secos e Molhados, ensaiava com a banda, mas continuava a se apresentar com o teatro. No dia de sua primeira apresentao com a banda, tambm ensaiava a pea Nuvem, e atrasado no teve tempo de tirar a maquiagem, e aquele subterfgio se transformou num escudo para sua personalidade tmida, era possvel construir um algum para alm de si, externar seus prprios sentimentos reprimidos no dia-a-dia, e despeja-los nos palcos, com toda impetuosidade e ousadia que lhe fosse possvel.

Essa aproximao aos ideais de contracultura levou Ney a adentrar nas artes cnicas. A passagem de Ney Matogrosso pelo teatro formou um ator que inseriu seu canto na arte da interpretao. Inspirado no teatro japons de Kabuki, Ney projetou todo o comportamento esttico do grupo, atravs de suas pinturas e coreografias, como tambm o sentido de autonomia artstica, oriundo dos ideais hippies (QUEIROZ, 2004, p. 47).

Deste modo, Ney Matogrosso construiu uma performance ousada, em que o corpo toma o espao da experimentao, e a liberdade de movimentos flui de acordo com a energia da apresentao, mudando e recriando a imagem a cada nmero. Constituindo a performance como uma possibilidade de resistncia ao dispositivo, o que foi/est constitudo como um controle do sensvel, que interfere no comportamento, na maneira do sujeito estar no mundo.

Fig. 5: Ney Matogrosso. Foto de Madalena Schwartz. Acervo Instituto Moreira Salles.

Utiliza-se da performance como resistncia (CARLSON, 2010), no momento em que expe as operaes de poder e opresso na sociedade, atravs da alegoria bahkitiana, da subverso da heteronormatividade, com a exposio do corpo andrgino desnudo, do olhar interrogativo, da voz feminina no corpo de homem, do ornamento e a purpurina (ZAN, 2006).

Neste sentido, se inspira nas performances do Living Theatre, do Mama Troupe, Performance Groupe e Bob Wilson, que utilizavam-se da dana e da improvisao corporal para construir suas apresentaes, alm de materiais e acessrios que tinham seus significados transformados, de modo a recriar imagens cnicas. No espetculo Hair, smbolo da contracultura norte americana, fez-se uso de acrobacias circenses, sons, cores e grande dinamismo corporal e a utilizao do rock. As apresentaes se tornavam mais intensas quando mais o ator tomava conhecimento de si e de seu prprio corpo, para isso fazia uso de tcnicas de meditao, ioga, mmica e improviso coletivo.

Os grupos de teatro, bem como os artistas, passaram a ter necessidade de conciliar a arte vida, atravs de tcnicas de improvisao corporal, que lhes possibilitassem o domnio do corpo e da pesquisa de outras possibilidades de apresentao, como o teatro oriental e a utilizao da mscara; o teatro do absurdo proposto por Antonin Artaud, que apresenta uma forma de catarse e novas possibilidades de uso da palavra, atravs da extenuao e da violncia da expresso.

Atravs da linguagem, que assume uma nova espcie de presena e, atravs do movimento de atores que criamos uma poesia natural, uma poesia do espao, a verdadeira poesia sensvel do teatro. Aquela que utiliza todos os meios de expresso utilizveis em cena, como a dana, artes plsticas, pantomima, gestos, iluminao, cenrio. Isso na medida em que elas se revelam capazes de aproveitar as possibilidades fsicas imediatas que a cena lhes oferece para substituir as formas imobilizadoras da arte por formas vivas e ameaadoras (TOLENTINO).

Dentre os grupos de teatro que incorporam este esprito de experimentao esto o Teatro Oficina e o Teatro Ruth Escobar, no qual Ney Matogrosso se apresentava. Nos laboratrios de movimentos de Ruth Escobar (1973-1974), havia sesses em que todos danavam livremente, e incentivava-se a percepo corporal do ator atravs da utilizao de movimentos soltos, que iam dos ritmos frenticos interrompidos de sbito, por pausas, onde o corpo tinha que permanecer na mais completa imobilidade, alm de uma srie de movimentos na mais exasperante lentido (AZEVEDO, 2008, p. 36).

Fig. 6: Secos e Molhados Gerson Conrad, Ney Matogrosso e Joo Ricardo

Sobre este signo do teatro libertrio, os Secos e Molhados desenvolveram apresentaes caticas, certa vez, quando ainda se apresentavam na Casa de Badalao e Tdio, Ney Matogrosso pegou uma pele de jacar e colocou sobre seu corpo, e como se recebesse a energia do animal, qual fazem os indgenas que vestem a pele da fera para sentir sua fora e energia para a guerra que se aproxima. Ney saiu danando e rebolando, serpenteando a calda do bicho no pblico ensandecido, que era formado em sua maioria por atores, hippies e a juventude em busca de diverso e novas experincias sensoriais. Ruth Escobar quando viu aquele ritual selvagem, proibiu que a banda se apresentasse em seu teatro, dizendo que o grupo atraia tipos marginais e maconheiros alucinados.

O enorme esprito de contestao e insatisfao e a luta por outro modo de vida, mesmo que com uma crtica anrquica e radical. A juventude quer romper as regras do jogo e questionar a cultura convencional. Coerente com uma filosofia utpica de vida, assumida pela contracultura, desencantada com o presente, descrente no futuro de uma sociedade doente, tentava criar uma cultura alternativa, situada fora daquele meio sociocultural desacreditado (CARMO, 2001 apud SILVA, 2007, p. 119).

Com o sucesso diante o pblico, a banda passou a intensificar o visual exuberante, atravs do uso de adereos, colares, brilhos, saias de fitas que flutuavam a cada movimento do corpo. No show de inaugurao do primeiro lbum, Secos & Molhados, Ney Matogrosso se apresentou todo adornado com plumas brancas, gostava de imprimir este signo selvagem, algo primitivo, inspirado na danarina Elvira Pag. Tinha como premissa a experimentao do figurino, e o que comeou com uma cala de odalisca e um vu de noiva, o corpo passou a ser desnudado, e a cala substituda por saias de fita, que danavam pelos ares a cada movimento, e das saias, muitas vezes Ney acabava o show s com o tapa-sexo, tamanha a vertigem da apresentao, que se assemelhava a um ritual catrtico.

Eu me apresento pelado, com um rabo de penas preso cabea, colares de dentes e ossos envolvendo os braos, dedos postios e grandes com unhas afiadas, cintura com penas, pintura do rosto com vrias cores complementando a mscara, parecendo uma figura muito estranha. Mas no estou querendo criar nenhum tipo especfico com isso, no estou querendo parecer uma coisa especfica. Talvez procure, inconscientemente, a indefinio (...) porque quanto mais indefinido, mais aberto e mais amplo pode ficar tudo. Se eu me definisse como um ndio, seria um ndio. Se eu me definisse como um pssaro, seria um pssaro. Mas eu no quero ser uma coisa nem outra. Quero ser tudo, uma figura que pode ser qualquer coisa (MATOGROSSO apud MORARE, 1974, p. 28).

Mas o que se tornou uma referncia da banda foi o uso da mscara, adereo at ento afeito ao teatro, que com a efervescncia do glam, passou a ser adotado por roqueiros como David Bowie, Alice Cooper e Arthur Brown. E no Brasil a apresentao de uma banda mascarada era algo indito, talvez j feito por alguma trupe carnavalesca, mas restrita aquela semana do avesso. E a mscara dos Secos e Molhados tinha uma particularidade, deixava o rosto alvo e em contraste trazia o olhar realado pelo tom negro, enquanto os mascarados do carnaval usavam a cor, e a referncia a alguma personalidade, ou a possibilidade de ser outro gnero, caso dos homens que se vestiam de mulher.

Fig. 7: Joo Ricardo e Ney Matogrosso

Esta mscara alva, de olhos e boca negros, diferia tambm daquela que ficou conhecida na pea Rei da Vela do Teatro Oficina, que tinha como referncia o circo e o palhao. A mscara dos Secos e Molhados assemelhava-se mais quela usada pelo movimento que ficou conhecido na Alemanha, como expressionismo, que surgiu aps a Primeira Guerra Mundial, numa poca em que o pas estava em crise, tempos de decadncia e desiluso com a cultura burguesa, em que a tecnologia foi utilizada para o massacre de milhares de pessoas, deixando o pas arrasado, cuja inflao deixava ainda mais miserveis os sobreviventes.

Ao realar o rosto marcado pelo medo, com seus olhos negros e pupilas dilatadas, que representavam o subjetivo dos corpos, o expressionismo buscava extravasar todas as contradies, angstias e medos pelos quais passavam os indivduos. Utilizando como recurso o realce do contraste, os rostos brancos marcados pelo negro, ao mesmo tempo, que a dana procurava libertar o corpo de suas amarras, as mulheres se permitiam vestir com vestimentas masculinas, e os homens de mulher, a exemplo do casal de danarinos e atores Sebastian Droste e Anita Berber, em suas apresentaes nos cabars. Desnudando o que havia de mais soturno, buscava extravasar, em suas mais diversas manifestaes artsticas, dana, teatro, cinema, literatura..., os sentimentos de angstia, e desespero pelos quais passavam, atravs do absurdo, do delrio e do terror, com referncia ao gtico, o trgico e o grotesco.

Para demonstrar todo o clima de hipocrisia da sociedade burguesa alem, conservadora e formalista e a falncia das instituies burguesas como a famlia, o Estado e a cincia, o expressionismo fazia uma crtica ao real, demonstrando a angstia e solido do homem, atravs da construo de um clima de transe soturno, onde esto expostos o subconsciente, e seus medos e inseguranas.

Fig. 8 O Suicdio, performance de Anita Berber e Sebastian Droste. Foto de Madame d'Ora, Atelier (1922).

Bakhtin chegou a afirmar que o expressionismo e o surrealismo assumiram de forma deslocada, boa parte do simbolismo corpreo grotesco e dos deslocamentos jocosos, que haviam sido referncia do carnaval europeu (STAM, 1992). Em suas performances os Secos e Molhados retomaram este esprito do expressionismo e foram ao extremo da provocao, atravs do olhar inquisidor e do rosto mascarado, e expuseram o corpo livre e desnudo em sua animalidade selvagem, para alm de qualquer compostura. Utilizando o corpo conforme os preceitos bakhtianos, para a liberao dos instintos e os desejos castrados e censurados pela cultura oficial, no caso do Brasil uma sociedade conservadora apoiada em uma ditadura militar.

Assim qual a Alemanha ps-guerra, o Brasil estava em crise, apesar dos meios de comunicao sob o signo da censura alardearem o desenvolvimento e a valorizao do consumo, isso era feito custa do endividamento do pas, o que mais tarde ficaria patente com a escassez de petrleo e o aumento substancial da inflao. Ao mesmo tempo, a linguagem encontrava-se interditada, os artistas estavam sob o domnio do medo, Gil e Caetano foram presos e exilados, Chico Buarque tambm foi obrigado a sair do pas, o Teatro Oficina havia sido invadido e destrudo, e Jos Celso preso e torturado, s para citar alguns exemplos. Para driblar a censura, a banda usou o subterfgio de cantar predominantemente poetas consagrados, mas mesmo assim o poema de Manuel Bandeira, Vou-me embora pra Pasrgada, foi proibido (durante a gravao do LP Secos e Molhados, de 1974).

Era necessrio, portanto, que o corpo falasse, que ele denunciasse a angstia desta gerao mutilada, suicidada pela sociedade, era preciso expandir este grito preso de dor. Fala! Quando a censura ocupava os seus shows, como em Braslia em 1973, e exigia que se fizesse uma apresentao prvia para que o show fosse liberado, a banda tocava, mas o corpo se negava a apresentar sua irreverncia. Ney Matogrosso fazia questo de mostrar sua m vontade com os censores, e apenas cantava as msicas previstas, sem danar nem expressar qualquer movimento mais audaz.

E como eu me permito tudo na vida, eu me permito mais ainda no palco. As pessoas esto pagando pra me ver, pra ver nosso trabalho, pra ver tudo. Ento, quando a gente est no palco, a gente tem que se permitir tudo, tem que ser audacioso. (...) Eu no fico dirigindo as coisas quando estou l em cima, no fico dirigindo minhas emoes para as pessoas, no. Eu libero minhas emoes, simplesmente libero. No fico pensando: Bom, fiz isso, foi forte demais, agora vou adoar. No estou preocupado com isso; no adoo. Eu falo talvez o que o inconsciente manda. No tenho em cena a menor barreira, a menor limitao. Eu fao o que tiver vontade, como uma coisa que sai de dentro pra fora. E tudo pinta, sabe? (MATOGROSSO apud MORARE, 1974, p. 29 e 32).

3. Secos e Molhados e o corpo andrgino

Os Secos e Molhados utilizaram-se da performance como uma possibilidade de desvio e crtica a cultura dominante, e a partir da apresentao exuberante de Ney Matogrosso, foi possvel a abertura de uma reflexo sobre a sexualidade e o questionamento de categorias de gnero rgidas, mesmo por que, tinha um corpo masculino, com uma voz de mulher, vestia saias de fitas que flutuavam com o movimento do corpo, por vezes utilizava-se do tapa-sexo para no ficar desnudo no palco e adornava-se com arranjos de penas de pavo na cabea, colares de contas, ossos e dentes de animais, e unhas alongadas por metais prateados. Os outros integrantes eram mais contidos no figurino, mas no fugiam da esttica glam, vestiam calas com lantejoulas rosa, e outras cores vibrantes, dorso desnudo ou com uma blusa to justa e dobrada de tal forma que a barriga ficava a mostra, alm da maquiagem e dos adereos brilhantes.

Fig. 9: Gerson Conrad, Joo Ricardo e Ney Matogrosso

A banda expandia uma forma de ver o mundo, disseminada pelas comunidades alternativas, e midiaticamente pelo rock de bandas que adotavam o esprito andrgino, atravs da boca ostensiva e do figurino justssimo dos Rolling Stones; o visual indefinido de David Bowie que inventou uma persona camalenica, que foi Diva em The man who sold the world (1970) e Hunky Dory (1971), e mimetizou uma figura interplanetria de nome Ziggy Stardust (1972), em que seu corpo esguio, usava uma espcie de vestido metlico com franjas nos braos e longas botas de salto alto, e uma cabeleira ruiva, espetada no alto da cabea, que passava dos ombros e o rosto alvo era destacado por um raio laranja brilhante com detalhe azul. Antes, no final da dcada de 60, nos Estados Unidos, Iggy Pop, durante suas apresentaes cobria o corpo com purpurina e se jogava sobre cacos de vidro; Velvet Undergroud, sob a direo de Andy Warhol, fazia apresentaes junto com atores vestindo adereos sadomasoquistas, e a banda New York Dolls apresentava-se com calas justas, roupas e adereos femininos, da maquiagem ao salto plataforma.

Esta atitude andrgina foi adotada tambm pelos Tropicalistas, com Caetano, Gilberto Gil e Gal que se possibilitaram ocupar o palco, no apenas para cantar, mas para exibir o corpo enquanto performance: ao subirem no palco, principalmente Gal e Caetano com sua cabeleira rebelde, calas boca de sino, roupas coloridas, cheios de colares e anis, cantavam e danavam. Numa referncia a Carmem Miranda, Caetano rebolava e provocava o pblico, que respondia com gritos eufricos a reprovao das vaias. E Ney Matogrosso desenvolveu uma apresentao ainda mais violenta e subversiva, onde fitava a plateia com seus olhos negros, adornado apenas com colares, penas e uma saia de fitas que deixava o corpo quase desnudo.

No comeo da dcada de 1970, a figura unissex popularizada por Caetano e os outros em 1968 foi levada ainda mais longe por outros artistas, de modo mais notvel pelo grupo de teatro Dzi Croquettes e o cantor Ney Matogrosso. Ambos usavam o desvio de gnero e a androginia para desestabilizar as representaes padronizadas do masculino e do feminino. Seus shows refletiam uma ampla aceitao social, entre pblico de classe mdia, de representaes provocativas de papis e identidades de gnero (GREEN, 2000, p. 409).

A proposta do Dzi Croquettes[footnoteRef:4] se aproximava mais ao teatro, em espetculos que misturavam jazz, musicais da Broadway, cabaret, teatro de revista, macumba, bossa nova, improviso e antropofagia, apresentadas em formato de esquetes debochadas, em que os homens com barba, bigode, longos clios postios e muita purpurina, ora vestidos com roupas de mulher, ora quase desnudos. Quando no ornavam enormes sutis sobre peitos cabeludos, desfilando suas pernas grossas e peludas, equilibrando-se sobre sapatos de salto alto, calados com meias de futebol, alternados por meias-calas de nylon e botas at os joelhos. Tiveram certo destaque na TV, mas seu pblico se restringia mais ao underground. E depois da reprimenta da censura, que s permitiria novos shows se apresentassem vestidos, preferiram partir para a Europa, onde fizeram relativo sucesso, atraindo a ateno de Maurice Bjart, Liza Minelli e Josephine Backer. (GREEN, 2000). [4: Os Dzi Croquettes eram Carlos Machado (Lotinha), Rogrio de Poli, Cludio Gaya, Cludio Tovar, Paulo Bacellar (Paulette), Roberto Rodrigues, Lenni Dale, Wagner Ribeiro de Souza, Ciro Barcelos, Reginaldo Poli, Bayard Tonelli, Eloy Simes e Benedictus Lacerda.]

Fig. 10: Dzi Croquettes

A possibilidade do ser hbrido era uma forma de contestar a imposio da dualidade capitalista/judaico-crist que impe a identificao heteronormativa compulsria e total de um sexo biolgico (macho/fmea, determinado pelo rgo sexual), um gnero culturalmente construdo (homem/mulher) e a expresso da manifestao do desejo por meio da prtica sexual pelo seu oposto. A partir da constituio de dispositivos que devem ser seguidos desde a mais tenra infncia, como a vestimenta a ser usada (rosa para as meninas e azul para os meninos), os cortes de cabelo, o modo de sentar, os trejeitos e o modo de falar, os brinquedos e posteriores interesses pessoais, enfim todos os padres de comportamento que sero cobrados pela famlia e ensinados na escola, vigiados pelos vizinhos e compulsoriamente veiculados nos meios de comunicao e lojas de departamentos. E que consideram a diferena como abjeta, algo que no merece espao na sociedade.

A performance dos Secos e Molhados vai possibilitar agir como fresta, na intenso de subverter esta ordem compulsria, o que Judith Butler vai chamar de sexualidades desviantes, que visam desmontar a obrigatoriedade entre sexo, gnero e desejo. Uma transformao na forma de se pensar/sentir o corpo, de acordo com Butler, no um ser, mas uma fronteira varivel, uma superfcie cuja permeabilidade politicamente regulada, uma pratica significante dentro de um campo cultural de hierarquia de gnero e heterossexualidade corporal (2003, p. 198).

O Secos e Molhados era frontalmente desafio. Mas, se voc ataca antes, j impe um certo respeito. E eu fazia isso: no dava chance de ningum me atacar, porque agredia primeiro. Logo no incio do conjunto, percebia que as pessoas ficavam chocadas s com a minha figura. A pensava assim: At agora no fiz nada para chocar, e vocs esto assim? Pois vo ficar chocadas, agora, com razo. E a ia descendo a cala, segurava meu pau com a mo, virava e mostrava a bunda de fora. Outra hora, sentava em cima de chifre. Desaforo total contra tudo. Rebeldia sem causa. Em 73, isso era demais para a cabea das pessoas. E sacar isso s fazia eu enlouquecer cada vez mais. Dizia pro Joo Ricardo: Vou ficar de quatro na sua frente, e voc finge que est me comendo. O mesmo tipo de coisa que os Dzi Croquetes fizeram depois, mas que a j se considerava bal. No Secos e Molhados no tinha nem essa justificativa. Era pura loucura. O Joo Ricardo ficava atrs de mim rebolando, me agarrando, e eu ficava de quatro olhando srio para a cara das pessoas (Matogrosso apud Vaz, 1992, p. 56-57).

Algo que ajudou na notoriedade da banda e possibilitou um deslocamento do espao performtico que antes era restrito as apresentaes em pequenos teatros e bares alternativos, foi sua divulgao na mdia, principalmente, suas apresentaes na televiso, que atingiram aquele pblico, que passou a ter como diverso, assistir seus programas favoritos em casa. Desde as crianas seduzidas pelo clima onrico e fantasioso de Vira, at idosos, alm daqueles que os transformaram em dolos, a serem copiados em suas vestimentas e atitudes, atraindo mais pessoas em seus espetculos, que passaram a lotar estdios, como o show no Maracanzinho, em 23 de fevereiro de 1974, que atraiu 25 mil pessoas, algo inimaginvel at ento para uma banda nacional, e foi transmitido ao vivo, pela Rede Globo.

O destaque conseguido pela banda na mdia foi auxiliado pela forma como esta, sobretudo a televisiva, estava sendo estruturada na poca. Sob o risco de sofrer reprimendas dos rgos de controle da ditadura, ao invs de coberturas/programaes crticas, apostaram no que Roland Barthes chamou de fait-divers, que d destaque aos fatos mais extraordinrios, o que acontece de mais curioso no cotidiano, e que notcia por si mesmo, o que permitia a ausncia de uma contextualizao histrico-poltica da situao delicada pela qual passava o pas. Mesmo porque, na mesma poca, a televiso passou por uma modernizao que a possibilitou chegar a territrios os mais distantes e baratear seus custos, graas aos investimentos em tecnologia, como a implantao de satlites, realizados pelo governo militar (RIBEIRO e BOTELHO apud NOVAES, 2005).

O Fantstico da Rede Globo surgiu junto com o sucesso dos Secos e Molhados, e se tornou o programa smbolo dos fait-divers, veiculado noite, no dia de descanso do povo brasileiro, o domingo; valorizava o espetculo, o entretenimento e o star system (o dolo a ser venerado). Estreou em 05 de agosto de 1973, e em 09 de setembro do mesmo ano, a banda esteve no programa, gravado no Teatro Fnix, para o lanamento de seu primeiro disco, em que apresentou trs nmeros musicais, antecipando o que seria o formato dos vdeo-clips, cantando Rosa de Hiroshima, O Vira, e Sangue Latino, em um cenrio que reconstitua a impactante capa do primeiro lbum, de Antnio Carlos Rodrigues. Na foto, os integrantes aparecem com as cabeas em bandejas, dispostas sobre a mesa de jantar, ornadas por gros, manteiga, pes e vinho, numa aluso ao nome Secos e Molhados, emprestado dos mercadinhos especializados em vender de tudo, e que lembrava uma cena do filme O Estranho Mundo de Z do Caixo, de Jos Mojica Marins (1968).

Fig. 11: Capa do primeiro lbum dos Secos e Molhados (Ney Matogrosso, Joo Ricardo, Gerson Conrad e Marcelo Frias). Foto de Antonio Carlos Rodrigues.

No entanto, mesmo o sucesso televisivo, no impediu as crticas por figuras ilustres da poca, como o dolo da tropiclia pelo seu estilo desbocado e kitsch, o Velho Guerreiro, Chacrinha. Para Abelardo Batista, artistas como Gal e Maria Bethnia deveriam ser vigiados pela censura, achava um absurdo as cantoras sarem nuas na capa de seus discos em 1972, Gal lanou o lbum ndia em que aparecia de biquni com o umbigo a mostra, e Maria Bethnia, em seu lbum de 1968, Recital na Boite Barroco, mostrava na capa o desenho de uma mulher de seios a mostra adornada por flores, frutos e insetos. J o Secos e Molhados deveria ser combatido pelos censores e pelo juizado de menores, por ser rebolativo, ertico e muito bichnico, pois Ney Matogrosso era muito mais comprometedor e ertico que qualquer travesti. E ao saber da reprimenda imposta banda pela censura, que foi proibida de se apresentar na televiso com seu figurino ousado e s poderia ser exibida do dorso para cima, o homem das chacretes desnudas e rebolantes comemorou, bem feito, pra tomar jeito! E o subversivo rebolado andrgino fora barrado na televiso (ARAJO, 2002, p. 66-7).

Voc est passando dos limites. Quanto mais eles me mandavam recados, mais louco eu ficava. Eles queriam me proibir na televiso por causa da androginia. E a primeira vez que [a] gente fez televiso em So Paulo, um censor l dentro disse: Olha, voc no pode aparecer pintado desse jeito, porque isso coisa de mulher. Eu disse: Olha, me mostra uma mulher com cara pintada de branco do queixo at a testa, de preto do nariz at a orelha. Eu nunca vi uma mulher pintada assim. E a o rabo de cavalo no podia, porque rabo de cavalo era coisa de mulher. Eu disse: Mas o rabo de cavalo porque o cabelo uma coisa muito valorizada. No quero valorizar o cabelo exatamente, quero tirar esse valor dado ao cabelo. Por isso eu prendo o cabelo. E ele ainda disse: Mas no pode se requebrar. E eu: Tudo bem, no precisa me mostrar da cintura pra baixo. Ele no desistiu: Mas, e esse olhar?. Eu saquei o que eles estavam vendo, mas me fiz de desentendido e disse: Ah, mas eu no sei do que vocs esto falando. No sei o que eu estava pensando naquele momento, mas sabia perfeitamente bem tudo a que ele estava se referindo. Era sobre um olhar muito incisivo, olho a olho com o espectador de casa. Isso tambm foi uma coisa subvertida por ns, porque esse olhar no existia dentro da televiso. Quando ns viemos TV Globo pela primeira vez, a primeira coisa que disseram foi: Vocs no podem olhar pras cmeras. Eu disse: Mas eu quero me comunicar com quem est em casa. Disseram: , mas no pode olhar para as cmeras. E falei: Mas eu vou olhar sim. Eles sabiam desse poder. Era uma lei dentro das televises: a cmera mostra voc, mas no olhe pra ningum em casa. Ningum se comunicava diretamente (MATOGROSSO apud FONTELES; FONSECA, 2002, p. 103-4).

Esse caminho de transgresso atravs do desvio e exposio de uma sexualidade dbia, no foi algo fcil, nem mesmo dentro da banda, entre eles havia esta problematizao de que pelo fato de adotarem uma performance andrgina, sua opo sexual tambm estaria sendo questionada. E tambm havia uma cobrana da famlia dos integrantes que questionavam a respeito da sexualidade dos filhos, e no escondiam o incmodo com a atuao de Ney Matogrosso. Inclusive o primeiro baterista da banda, Marcelo Frias, que aparece na capa do disco, a cabea ao fundo da mesa de jantar, preferiu ficar como msico de apoio, para no precisar maquiar-se e vestir-se como os outros integrantes (SILVA, 2007).

Eu me lembro de um show em janeiro de [19] 74, no Rio, que foi a primeira vez que eu fiquei sozinho com o Ney no palco, e num momento, ele vinha danando de uma extremidade do palco e eu da outra, e quando a gente se cruzava, fazia a meno de um beijo durante os ensaios. Na hora do show, ele resolveu me beijar de verdade. Me pegou de surpresa, mas tirei aquilo de letra. Mas a cena chocou a minha me, a me do Joo, a irm do Joo, os amigos que estavam na plateia. Aquele beijo, inclusive, passou a ser uma constante do show, mas no me incomodava (CONRAD apud ASSIM, 2004, p. 8).

Nos shows com toda a experimentao da banda que buscava provocar o pblico, aquele corpo que rebolava e que numa msica como o Vira trazia na letra uma brincadeira com as fbulas infantis e a msica portuguesa, ao mesmo tempo permitia uma ressignificao do sentido, em que a cada giro do corpo vira homem/ vira lobisomem. Esta brincadeira com o sentido das palavras era muito reforada pela dana, com o movimento que a banda se permitia no palco. As insinuao ao sexo e a ousadia do beijo, muitas vezes incomodava o pblico, que chamava Ney Matogrosso de bicha, como uma forma de ofensa. Ou mesmo numa entrevista ao Fantstico depois no Show do Maracnazinho, em que a entrevistada, falou que gostava da minhoquinha que dana.

Uma vez, quando [Ney] cantava num ginsio para cinco mil pessoas, uma parte do pblico comeou a cham-lo de bicha. Pensou que, se ficasse quieto, perderia o controle da situao e todo mundo iria agredi-lo. Parou de cantar e fez uma pose linda. Continuaram chamando-o de bicha. Olha, ento vocs vo tomar no cu. Passaram a jogar flores em cima dele e a bater palmas. No entendeu nada. Precisava compreender melhor alguns componentes daquela histria: por que somente uma reao agressiva fazia a parte do pblico que estava calada se manifestar e calar a boca dos que o estavam agredindo? No encontrava resposta, apesar de j possuir dados interessantes sobre o comportamento das pessoas. Percebera, por exemplo, que essas manifestaes agressivas s apareciam nos momentos em que cantava msicas mais delicadas e sensveis, como Rosa de Hiroshima. Nas horas de brabeira, quando agredia o pblico deliberadamente, ningum reagia. Gostava tambm dos momentos em que algum fazia um fiu-fiu, crente que o estava ofendendo. Quando ele adorava o fiu-fiu, a pessoa (em geral, um homem) imediatamente se calava. Ney confessa que adorava a manifestao por duas razes: primeiro, para sacanear o manifestante, e, depois, porque estava tirando algum do srio para um homem ter coragem de fazer fiu-fiu para outro homem porque se sentira bastante ameaado e agredido. E a partia tambm para o que considerava uma agresso: um elogio destinado somente s mulheres. Quanto mais aconteciam essas reaes, mais Ney se esmerava nas provocaes. Aparecia com um pssaro vermelho pousado no ombro, ou com borboletas na cabea, cada vez mais requintado e tentando atingir a essncia da questo: o limite preconceituoso entre homem e mulher. Nunca procurou fazer uma cpia de mulher. Ao contrrio. Quis defender o direito de o homem tambm ser sensual e atraente

(VAZ, 1992, p: 57-58).

A enorme preocupao da sociedade com o desejo que algo ntimo da pessoa, por que subverte a ordem compulsria que conecta um sexo a um gnero e a um desejo heterossexual. Era necessrio ressignificar esta carga negativa relacionada sexualidade desviante, por que a pessoa que dana chamada de minhoquinha, e se for homem bicha, como se o fato de danar, ou gostar de outra pessoa do mesmo sexo, fosse um xingamento. Green (2000), em sua pesquisa, sobre o Carnaval que considerado um momento de subverso, afirma que nos anos 30, observou que no Bloco Bola Preta, um dos mais antigos do Rio de Janeiro, o homem podia se vestir de mulher, mas era proibida a entrada de gays, e se os dirigentes desconfiassem que algum fosse gay, este era expulso do bloco.

Desta forma, os Secos e Molhados com sua performance possibilitou que se questionasse esta imposio, em um ato de resistncia atravs da androginia, permitindo enfeitar-se, vestir-se de plumas, usar batom e maquiagem, se cobrir de purpurina, rebolando ao som da msica, para questionar o padro de comportamento do homem (heteronormatividade), o que Foulcault (1987) vai chamar de corpo dcil, perpetrado pela sociedade. Utilizando-se da performance enquanto possibilidade de luta contra as normas e convenes que restrinjam as condies da prpria vida, como respirar, desejar, amar e viver.

Na condio de superastro de rock, a forma aberta com que Ney Matogrosso abordava sua sexualidade ofereceu um novo modelo para muitos homossexuais. Ele falava com orgulho do modo como provocava desejo tanto em homem quanto em mulheres: Agora eu percebo que as mulheres, quando sacam que eu sou homossexual, ela morrem de teso de mim. Macho no sabe dar prazer. Trepa, gozou, sai de cima. Pelo fato de eu ser homo sexual, eu sei acariciar uma mulher como eu gosto de ser acariciado. E quando estou na cama com um homem, no sou fmea, eu sou homem (GREEN, 2000)

Consideraes Finais

A nica finalidade aceitvel das atividades humanas a produo de uma subjetividade que enriquea de forma contnua sua relao com o mundo (Guattari)

Neste ensaio, buscou-se apresentar uma forma de resistncia ao dispositivo, atravs da performance da banda Secos e Molhados, demonstrando como a banda atravs de sua postura de palco irreverente em que os corpos eram livres para experimentar a dana, sentir o movimento dos msculos, entrar em um transe mstico junto ao pblico, girando suas saias esvoaantes, rebolando os quadris, brilhando e ornando plumas, colares de dentes de animais, e seu corpo quase nu.

Contrastando a fragilidade do corpo descoberto em um momento em que o exrcito marchava pelas ruas, soldados sustentavam a mesma farda, coturno, capacete e cassetete, com seus corpos rgidos; em que o homem deveria demonstrar seriedade e obedincia a autoridade e a hierarquia, sem demonstrar sentimentos. Soldados que no podiam sorrir, de cabelo cortado e barba feita, tratados pelo sobrenome da famlia, e que deveriam sempre que chamados, responder em posio de sentido, Sim, Senhor!

Enquanto, que os corpos resistentes, na figura dos Secos e Molhados, se permitiam o movimento, o enfeite, o excesso de brilho, de purpurina, de plumas e colares, podiam experimentar uma nova forma de ser a cada apresentao, a cada cano um novo gesto, um nova possibilidade de ser insubordinado. Um ser extico, um bicho, um ser indefinido, a contrastar a cultura heteronormativa que exige que as pessoas se adequem a um gnero, masculino ou feminino, moldem seu comportamento a ele.

Na busca por possibilidades em que o desejo seja mais importante que marchar em nome da tradio, famlia e propriedade. Se permitir quebrar esta lgica binria que separa as pessoas, e define pelo gnero como algum deve se comportar, o que deve sentir, como deve expressar seus sentimentos. Que as pessoas possam transitar no espao pblico sem medo de que seu comportamento seja considerado ofensivo por algum.

O potencial da arte possa sobrepor-se cultura do medo, como sonhou Carlos Drummond de Andrade, a flor a florescer no asfalto, mesmo quando surge a doena, que logo foi chamada de cncer gay e que matou tantos amigos de Ney Matogrosso, e levou cinco dos Dzi Croquettes, a doena que tentou transformar o sexo em algo bruto e higienizar o corpo, doena que foi posteriormente chamada de AIDS. De pensar a intolerncia, que matou com 107 facadas, Luiz Antnio Martinez Corra, diretor de teatro e irmo do Jos Celso, por simplesmente ser gay.

Pois queremos sentir a vida adentrando em todos os poros, queremos amar, ter prazer, danar, ser bicho, virar homem, lobisomem, saci e fada. Cansamos da Rosa de Hiroshima, da sua estupidez! Cansamos das misrias, queremos falar, gritar o desejo, cuidar desta mulher barriguda que vai ter menino. Nada espero/E tudo quero/ Sou quem toca/ Sou quem dana/ Quem na orquestra / Desafina /Quem delira ... (Delrio, Secos e Molhados)

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Lista de Imagens:

Fig. 1 (p. 11): Os Mutantes e Gilberto Gil. Cena do filme Tropiclia de Marcelo Machado, 2012.

Fig. 2 (p. 15): Flvio de Carvalho e o New look (Experincia n. 3 - 1956). CARVALHO, Flvio. A moda e o novo homem. Rio de Janeiro: Azougue, 2010.

Fig. 3 (p.16): Teatro Oficina: cena da pea Rei da Vela. Foto de Carlos Hlio Eichbauer. (1972). Funarte. Disponvel em:

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Fig. 4 (p. 17): Parangol de Hlio Oiticica. Foto de Gui Paganini (2006). Exposio Flvio de Carvalho desveste a moda da cabea aos ps. Disponvel em: . Acesso em: 27/02/2013.

Fig. 5: Ney Matogrosso. Foto de Madalena Schwartz. Acervo Instituto Moreira Salles. SCHWARTZ, Madalena; Jorge Schwartz (Org). Crislidas. So Paulo: Instituto Moreira Salles (2012).

Fig. 6 (p. 24): Secos e Molhados Gerson Conrad, Ney Matogrosso e Joo Ricardo. Disponvel: . Acesso em: 20/05/2012.

Fig. 7 (p. 26): Joo Ricardo e Ney Matogrosso. Disponvel:

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Fig. 8 (p. 28): O Suicdio, performance de Anita Berber e Sebastian Droste. Foto de Madame d'Ora, Atelier (1922).

Fig. 9 (p. 30): Gerson Conrad, Joo Ricardo e Ney Matogrosso. Disponvel:

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Fig. 10 (p. 33): Dzi Croquettes. VILELA, Lucila. A fora do macho e a graa da fmea: Dzi Croquettes. Interartive. Disponvel em: . Acesso em: 22/06/2012.

Fig. 11 (p.36): Capa do primeiro lbum dos Secos e Molhados (Ney Matogrosso, Joo Ricardo, Gerson Conrad e Marcelo Frias). Foto de Antonio Carlos Rodrigues. Disponvel em: < http://www2.uol.com.br/secosemolhados/novo_site/html/discografia/secosemolhados.html> Acesso em: 13/09/2012.

Filmes:

ISSA, Tatiana; ALVAREZ, Raphael. Dzi Croquettes. 2009.

MACHADO, Marcelo. Tropiclia. 2012, Documentrio, Colorido/PB, 82 min.

MARINS, Jos Mojica. Estranho Mundo de Z do Caixo. 1968, Fico, PB, 80min.

RATTON, Helvcio. Batismo de Sangue. 2007, Fico, Colorido, 110 min.

ROCHA, Glauber. Terra em Transe. RJ, 1967, Fico, PB, 107 min.

TAVARES, Camilo. O dia que durou 21 anos. 2011, Documentrio, Colorido/PB, 77 min.

TERRA, Renato; CALIL, Ricardo. Uma noite em 67. 2010, Documentrio, Colorido/PB, 85 min.

Sites:

http://neymatogrossobauderaridades.blogspot.com

http://tropicalia.com.br

http://uol.com.br/neymatogrosso

http://uol.com.br/secosemolhados

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=lCUdmH2gZq0#!

http://www.youtube.com/watch?v=oH3RY2m3bbs&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=vvJEV2HRHNA&feature=related

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