Revista Social Woman 01

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     HISTÓRIA

     ARTIGO

     EDITORIAL

    AVANTE

    ÉBANO

    Como a luta das mulheres se transformou no maiormovimento de gênero da história.

    A herança nordestina de

    Jeslin Elen pelas lentes de

    Andre Kuchacki e Nayelli Valentim

    “REVENGE PORN:a pornografia davingança”A nova onda de distribuição gratuíta e maldosa

    de momentos íntimos das mulheres precisaurgentemente de legislação.

       E   D   I   Ç    Ã   O    J

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    SUMÁRIO

    A Origem do Feminismo .................................................................................................................................................................. 04

    Low Poo............................................................................................................................................................ 05

    Editorial de moda ..................................................................................................................................................................... 10

    Revenge Porn ............................................................................................................................................................................... 26

    O Cissexismo ................................................................................................................................................................................... 31

    Consumir menos não é uma missão simples ............................................................................................... 33

    As mulheres por trás das roupas ................................................................................... 32

    A Insurreição das roupas ...................................................................................................... 34

    Feminismo Comunitário ................................................................................................................ 22

    Ditadura do corpo ideal .............................................................................................................. 30

    Marina Abramovic ................................................................................................................................................................... 06

    A mulher negra no mundo da moda .......................................................................... 08

    Pág.

     Junho/2016

    Direção Geral:Andre Kuchacki; Nayelli Valentim.

    Diretor de Arte:Andre Kuchacki.

    Produção:Nayelli Valentim.

    Colaboração:

    Alessandra Calisto Amanda Nunes 

    Ana Vitória Mulatti Anna Haddad 

    Bia Pagliarini  Jeslin Elen 

    La Jornada - UNAN Maria Caroline Paixão 

    Marina Colerato Maya Singer 

    Milena Louise Nayelli Valentim.

    Fotograa:Andre Kuchacki; Nayelli Valentim.

    Editorial: Jeslin Elen.

    Agradecimentos:À todas as mulheres que ajudaram essesonho se tornar realidade; à todasas mulheres que levantam todos osdias para a luta; à todas as mulheresque sofrem nesse mundo desigual edesumano; às mulheres colaboradorasque ergueram nossa bandeira ecompraram nossa briga, à todas asmulheres que lutam por direitos iguais,nosso mais sincero agradecimento porserem nossa base, nosso punho, nossa

    voz. AVANTE NA LUTA.

    Equipe Social Woman.

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      A luta das mulheres por direitos sempre esteve presente em diversos momentoshistóricos e políticos, mas foi no século XIX que o feminismo se estruturou como movimentosocial organizado. Segundo a pesquisadora Guacira Louro a história do feminismo noOcidente é marcada por diversas fases, que estruturam as reinvindicações a partir dasnecessidades de cada época, denominadas nos estudos acadêmicos de “ondas dofeminismo”.  Assim, a primeira onda do movimento feminista foi caracterizada pela luta dasmulheres por igualdade de direitos civis, políticos, educativos, e pela busca pelo direitoao voto, que até então, só era permitido aos homens. A luta do movimento sufragistapelo voto e por uma maior participação da mulher na política, ganhou muita força naInglaterra, na França, nos Estados Unidos e na Espanha e foi o foco da primeira ondado feminismo. A luta resultou na conquista do direito ao voto na primeira década doséculo XX em vários países da Europa, o que só se tornaria realidade no Brasil em 1932,

    durante o governo de Getúlio Vargas. Vale ressaltar que embora seja comum pensarno movimento sufragista como a luta pelo direito ao voto, ele trazia uma intenção bemmaior: As participantes acreditavam que com a conquista do voto as desigualdadesnos âmbitos legais, econômicos e na educação seriam corrigidas.  Porém, o movimento, formado por mulheres brancas, de classe média e sembase teórica acabou por se acomodar com as conquistas primárias, o que acaboufazendo com que as mulheres negras e pobres ainda não tivessem seus direitos con-quistados.A segunda onda do feminismo foi marcada pelo início da discussão sobregênero e pela participação acadêmica da mulher, mostrando um movimento mais po-litizado, organizado e teórico. A partir da década de 1960 a preocupação com asquestões político sociais se tornam uma pauta importante, e o movimento feminista, juntocom diferentes grupos como o movimento negro, movimento homossexual dizem não aosilenciamento e a opressão imposta pela sociedade e passam a denunciar o descon-tentamento com as normas e arranjos sociais e a reivindicar direitos sociais e políticos.

    Entretanto, Estados Unidos e França, principais locais de discussão traziam

    perspectivas diferentes sobre o feminismo. As americanas gritavam pelo m da opressãoe a busca pela igualdade, enquanto as francesas colocavam em pauta a valorizaçãodas diferenças entre homem e mulher, com uma busca por uma visibilidade maior a pers-pectiva feminina.

      Dessa forma, ressurge o movimento feminista, que deixa deser e se difundir apenas através de protestos e grupos e passa acontar com jornais, livros, revistas e também com a presença no meioacadêmico. Pesquisadoras, docentes passam a repassar os questio-namentos e pautas para o ambiente cientí co e para dentro dassalas de aula permitindo assim, que a produção acadêmica sobregênero se inicie.  Por m, a partir desse cenário de luta por visibilidade, sepercebe o fortalecimento de um feminismo, acima de tudo, mais po-litizado. Nesse movimento o movimento deixa de existir somente naesfera acadêmica, mas principalmente, se torna mais questionadordentro dele. Mulheres deixam de ser ignoradas no aspecto cientí coe passam a se tornar o tema e referências principais. Sendo assim, aatual discussão sobre o feminismo e o surgimento das suas vertentese suas especi cidades, como a visão de cada sobre gênero, sexua-lidade e papéis sociais, se baseiam principalmente nas teorias quesurgiram a partir da década de 60.

    A ORIGEM DOFEMINISMO

    Milena Louise, 21 anos, publicitária, fotógrafa emembro do coletivo

    Saia na Rua

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     Low Poo é uma técnica utilizada para fazer a limpeza do nosso cabelo de uma maneira mais suave e não tão agressiva aos os, mantendo assim a

    oleosidade natural produzida pelo couro cabeludo controlada, mas também em quantidades su cientes para proteger o o. Em uma tradução livre Poo simboliza oshampoo, Low corresponderia a pouco shampoo. Nesta técnica existem DUAS formas que podem ser utilizadas para higienizar os os:

      A primeira pode ser utilizar o co-wash intercalado com shampoos que possuem agentes limpantes mais leves, por exemplo, a cada três lavagens comcondicionadores liberados (livres de silicones insolúveis proibidos) lavar uma vez com shampoo sem sulfato. Esse tipo de shampoo ao invés dos que contêm sulfatoque é uma substância limpante extremamente agressiva para os os, deve-se optar por produtos que contenham a substância Betaína cocamidopropyl que é maissuave e agride menos o cabelo.  A segunda maneira de higienizar os os seria fazer pausa entre lavagens e nos dias escolhidos para fazer a limpeza dos os, utilizar somente o shampoosem sulfato.  Outro cuidado importante é notar quais os tipos de silicones que existem em seus produtos auxiliares como condicionadores, cremes e leave-ins. A técnicaLow Poo utiliza somente agentes limpantes leves e o mais indicado é optar por silicones solúveis em água ou insolúveis que sejam leves. Para quem está começandoa técnica, eu aconselho sempre ter a mão uma tabelinha deste tipo pois é meio difícil no começo ler os rótulos e identicar os componentes proibidos.  Logo nos primeiros dias de técnica eu já percebi meu cabelo muito mais sedoso, macio e com um brilho incrível. Após um mês praticando o Low Poo eu zo processo de descoloração e graças a técnica meu cabelo teve pouco/nenhum dano e com certeza foi graças a todos os métodos que eu aprendi e comeceia aplicar no meu dia a dia.

    Ana Vitõria Mulatti, 21 anos, estudante de Publicidadee Propaganda na Unicuritiba, bloggeira e feminista.

    Dona da pãgina Life as Ana.

    LOW POOCapilaridade sustentável

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    A Rainha da Arte Performática

    MARINA ABRAMOVIC  A arte parece não ter limites para a sérvia Marina Abramovic. Uma dasmais celebradas artistas contemporâneas, Marina tem uma carreira marcada pelapolêmica. A artista já teve um revólver apontado para sua cabeça numa das

    performances. Também já se feriu com facas, pôs fogo no próprio corpo e atuou junto de serpentes venenosas. Em 1974, no trabalho “Rhythm 2”, Marina ingeriu ummedicamento que deixa o corpo imobilizado por horas, até entrar em convulsão.Sua mente pôde observar a movimentação involuntária do corpo. Assim que oefeito da droga passou, Marina ingeriu outro medicamento, um calmante, queprovocou reação contrária. Na segunda fase da per fomance, era o corpo quemestava presente enquanto a artista e sua mente dormiam um sono profundo.  Nascida numa família ligada à aristocracia religiosa da Igreja OrtodoxaSérvia, Marina estudou artes em Belgrado. Em 1976, deixou a então Iugoslávia efoi para a Holanda, onde conheceu o alemão Uwe Laysiepen, conhecido comoUlay, com quem conviveu por 12 anos e formou uma das duplas mais emblemáticasda história da arte contemporânea.  Por uma década, Marina e Ulay foram uma espécie de consciênciaartística única. Para tanto, precisaram cada qual matar seu próprio ego. Naperfomance “Death Self”, um passou a respirar o ar expirado pelo outro, através

    de um tubo. Agüentaram 17 minutos, até que a ausência de oxigênio fez com quedesmaiassem. Sobre a intervenção, Marina comentou: “O principal problema nessarelação é lidar com o ego de dois artistas. Eu tive que encontrar um caminho paradesconstruir meu ego, como ele o fez, para criar algo como um estado hermafroditade ser, que nós chamamos ‘morte do ego’”.  Em 1988, a dupla casal Marina-Ulay resolveu se separar, num ato quealém de performático foi profundamente dramático. Cada um foi para um extremoda Muralha da China e passou a caminhar sozinho ao encontro do outro. Foramtrês meses e 2.500 km, até que se encontraram, se abraçaram e disseram adeus.Seguiram andando na direção contrária depois. Com o m do relacionamento,começava uma nova fase na carreira de Marina.  A artista já esteve no Brasil em várias ocasiões. Em 2008, se apresentouna Galeria Brito Cimino. Também já passou pelo Sesc, em São Paulo, MAM do Rioe pela Bienal do Mercosul, em Porto Alegre.  De nindo a si própria como “a avó da perfomance”, a artista

    estabeleceu a Marina Abramovic Foundation for Preservation of Performance Art,num teatro que comprou na cidade de Hudson, no Estado de Nova York. Umde seus trabalhos mais recentes é “Seven Easy Pieces” (2005), no GuggenheimMuseum. Em uma espécie de tributo à perfomance, Marina apresentou por setenoites, durante sete horas, sete trabalhos emblemáticos, como “Body Pressure”, de1974, do artista americano Bruce Naumam, em que atuava contra uma vidraça,e “Seedbed”, do italiano Vito Acconci –-em 1972, o artista se masturbou numagaleria enquanto os visitantes contavam seus fetiches.

    Desconecte-se. Desligue o celular e qualquer

    outro dispositivo móvel e os deixe na recepção, junto com outrospertences. Você entrará em uma sala com pessoas desconhecidas everá a imagem da artista sérvia Marina Abramovic em uma t ela à suafrente. Ela vai orientá-lo a realizar alguns exercícios de respiraçãoantes de iniciar um número.  Primeiro os braços, depois os olhos e orelhas, eentão o nariz e a boca. Quando você estiver totalmente relaxado,será orientado a colocar fones de ouvido, que vão te isolar domundo ao redor: este é o momento que será congelado.  Durante as próximas duas horas e meia, vocêandará em câmera lenta, deitará sobre uma cama de madeira e decristal, sentará em bancos e poderá acariciar, de pé, um pedestal.Se escutar bem, poderá até ouvir o silêncio.  A ideia é que o indivíduo se desligue e se concentreno aqui e agora, presencie o momento presente, que a tecnologiaestá roubando. “A performance não é para o público. O público e oartista constroem a peça juntos, um não existe sem o outro”, declarouMarina Abramovic durante entrevista coletiva de apresentação donúmero.  Com mais de 40 anos de trajetória e consideradauma das 100 pessoas mais inuentes do mundo pela revista “Time”em 2014, ela convidou todos os que se atreverem a interagir comsua proposta artística. “Quero trazer a arte para todos, quero que

    esteja disponível para qualquer pessoa, a qualquer momento”,continuou Marina, que defendeu com veemência que “a função doartista é fazer com que o público tenha ciência sobre tudo queperdemos durante o dia”.  Entre os instrumentos que a artista utiliza paraalcançar tal objetivo estão os chamados “Objetos Transitórios”, queservem para conectar o público com a experiência da artista e suaprática em performances de longa duração. “Quando jovem, euestava muito interessada em conhecer outras culturas, mas depoisme dei conta de que a ferramenta para expressar a minha arte erameu próprio corpo e que eu precisava compreendê-lo”, relatou.  Essa aprendizagem pode ser acompanhada pelopúblico na retrospectiva “Terra Comunal - Marina Abramovic + MAI”,que está em cartaz no Sesc Pompeia e é a maior exposição jáproduzida na América Latina sobre seu trabalho.  Na mostra, Marina exibe, ao lado de seu ex-marido- o também performer Ulay - vídeos, espaços e instalações quevão desde seus primeiros exercícios de repetição até trabalhos deresistência.  Em 2014, Marina se apresentou ao públicolondrino em “512 horas”, performance na qual permaneceu duranteo este período de tempo na Serpentine Gallery, onde esteve em“confronto direto com as pessoas”. Mas foi a apresentação “a artista

    está presente” em 2010, no Moma em Nova York, que a lançouao estrelato. Uma performance na qual ela se manteve imóvel,encarando xamente quem quer que sentasse em uma cadeiraa sua frente. Assim, Marina demonstrou “o poder transformador daperformance”.  “Saí do museu como uma celebridade. Não foiminha culpa”, disse a artista, que rapidamente acrescentou quenão hesita em “tirar proveito disto”. E ela o fez, trazendo a arte daperformance para o público e a consolidando como uma formaautônoma de arte.

    O Artista está presente

      “O corpo sempre foi o seu tema e sua mídia.Explorando os limites físicos e mentais de seu ser, ela suportou a dor,a exaustão e o perigona busca da transformação emocional eespiritual. Abramovic preocupa-se com a criação de trabalhos queritualizem as ações simples da visa cotidiana como deitar, sentar,sonhar e pensar; com efeito, a manifestação de um único estadomental. Como membro vital de uma geração de artistas pioneiros deperformance que inclui Bruce naumam, Vito Acconci, e Chris Burden,Abramovic criou algumas das mais históricas peças iniciais e é aúnica que ainda faz importantes trabalhosde longa duração.(...)” 

    Marcelo Amorim - Colunista

    Fontes:http://modices.com.br/cultura/a-vida-e-arte-de-marina-abramovic/;https://www.nexojornal.com.br/podcast/2016/05/06/Como-o-Brasil-moldou-as-performances-de-Marina-Abramovic;http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2015/03/rainha-da-arte-performatica-marina-abramovic-faz-megaexposicao-em-sp.html

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      A indústria da moda é uma das menos inclusivas e mais classis-tas, separatistas e racistas que qualquer pessoa possa presenciar. Minha

     jornada nesse universo, como mulher negra, nunca foi e não tem sido fácil.Desde bem nova, as pessoas sempre me disseram que eu deveria sermodelo, me chamavam de Naomi Campbell e a pressão colocada emmim e nos meus pais não cessou até que, em 2011, eu z minha primeiratentativa ocial de ingressar em uma agência de modelos. Recebi vários“nãos” e decidi que não era meu futuro andar pelas passarelas. Eu nãoentendia o porque todos os agentes me diziam que eu tinha altura ecorpo perfeito, mas sempre me diziam que já tinham alguém com meu perl

    no catálogo da agência.“Alguém com meu perl” basicamente signicava “já temos a

    negra, não precisamos de outra”. Em média, para cada agência de mo-delo no Brasil, você provavelmente vai encontrar 2 à 3 modelos negrasem um casting de mais de 100 modelos. Quando se trata dos homens,são inexistentes ou apenas um homem negro. Eu não entendia e não eraempoderada o suciente pra enxergar a crueldade nisso e achei quesimplesmente não era bonita, “exótica” ou magra o suciente.

    Comecei minha carreira de modelo há duas temporadas masminha relação com a moda nunca parou, anal em breve tenho meu ba-charel de designer de moda e pretendo seguir a carreira. O que euaprendo todos os dias é que eu tenho que andar dez vezes melhor quequalquer outra modelo caucasiana, tenho que estar mais magra, maisem forma, completamente impecável, para que eu tenha o mesmo tra-balho que elas. Meu cabelo é motivo de piada e frustação pra muitos

    hair-stylists, que simplesmente não sabem o que fazer e por vezes, tiveque fazer meu próprio cabelo para um desle. Maquiadores não sabemcomo fazer a minha pele, não possuem base no meu tom e eu literalmentecarrego minha própria maquiagem na bolsa, depois da triste experiênciade descer uma passarela de cara cinza, ou sem nenhuma maquiagem.Minhas curvas são vistas como comerciais demais por certos designers. Fuicortada de desles porque, segundo o diretor criativo da marca, eu nãoestava em harmonia com as outras modelos (digo, eu era negra e elastodas brancas, que loucura é essa?).

    O que me entristece é o fato disso não ser um caso isolado.Toda modelo negra luta contra essas adversidades que citei ou mais. Oracismo nos persegue em uma indústria que apropria da nossa cultura masnão nos quer representando como tal. Eu ainda não consegui abrir umdesle ou estar em uma capa de revista. Não sei se conseguirei em algumponto. Sou sempre escolhida para os mesmos tipos de t rabalho, sou hiper-

    sexualizada descaradamente e sou tratada como a carne mais barata.Em 2011, apenas 8% das modelos nas passarelas da NYFW eram negras.Oito por cento. 91% das modelos em desles foram mulheres caucasianas.Essa cultura de “all white castings” é perpetuada década após décadapor diretores criativos que, antes mesmo de nos dar a chance de mostrarnosso trabalho, informam agencias que “não querem modelos de cor ”. Aicônica Naomi Campbell é uma ferrenha defensora dos direitos das mo-delos negras e da necessidade de diversicar as campanhas e deslesque, juntamente com outros nomes de peso na passarela como JourdannDunn, trazem atenção para o problema. E acredito que a mulher negrana moda precisa falar, gritar, exigir o seu espaço, porque se a moda seinspira tanto em nós e nossa cultura, ela precisa nos dar o devido valor.

    Eu tenho fé em mim, nos meus colegas designers, stylists, direto-res criativos e tenho fé no consumidor de moda. Diversidade racial é umamicro tendência e eu espero que a moda realmente a abrace pois a

    beleza desse universo de sonhos é justamente essa: as diversas faces queela apresenta.

    A MULHER NEGRA NOMERCADO DA MODAA vida de uma modelo negra ebrasileira no cenário fashioneuropeu.

    Texto por: Maria Caroline Paixão, também conhecida como Madison.Modelo, estilista, carioca, lutadora assidua na causa negra e na causa

    feminista. Vive atualmente em Istambul, Túrquia, onde estuda moda na

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      Da série semana de moda: z um tting dia 11 de marçoe a agência me pediu para alisar o cabelo para essa marca. Jáestou acostumada com isso mas né, dicilmente me pedem especi-camente isso. Então chego ao tting e o diretor da marca diz queme quer como sou, meus cabelos são crespos e ele quer a minhaidentidade lá, e na frente de umas 20 modelos ele fala “ai falasério, todo mundo está de cabelo liso aqui, nada diferente, coisachata!” Agradeci por ele manter minhas raízes e apreciar minha be-

    leza negra pelo que sou. Vai ter preta de black na passarela, sim!Isso tudo aconteceu depois de um pequeno incidente, o que medeu um pouco de esperança.

    Algumas semanas antes, z um casting, pra variar só tinhamodelo branca, loira, etc. De repente, eu recebo um abraço equando viro, outra modelo negra (sudanesa), pulando de alegriae falando o quanto estava feliz em me ver. Uma das modelos diz“vocês se conhecem, que tudo!” e ela responde na hora “não, nãonos conhecemos mas pela primeira vez essa semana eu encontrooutra mulher negra em um casting, não sei expressar a felicidadeem ver uma irmã, eu não sou a única negra nalmente”. Isso só mefaz ver que representatividade importa demais, o quanto a gentever outro negro ocupando o mesmo espaço é empoderador, e oquanto seria incrível se todos nós nos apoiássemos sempre, invésde querer derrubar outro irmão.

    No dia seguinte, eu recebo uma triste notícia. Acabeipor perder um dos melhores trabalhos da temporada, pois fui subs-tituída por uma modelo russa, porque a designer decidiu que eunão cava bem contrastando com as outras modelos, todas bran-cas. E aí eu bato na tecla de sempre, nós precisamos de diversida-de na moda! É uma necessidade urgente.

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    EDITORIAL

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    23 anos, natural de Curitiba, gestora de informação, Jeslin Elen

    mostra sua beleza de herança nordestina às lentes de

    Andre Kuchacki e Nayelli Valentim.

    Maquigem: Yasmin Mello e Andre KuchackiDireção de Fotografia: Eduardo Razzotto e Nayelli Valentim

    Suporte: Bernardo Nilo Bastos e Thâmara da SilvaProdução visual: Andre Kuchacki

    Fotografia: Andre Kuchacki e Nayelli Valentim

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    FEMINISMO COMUNITÁRIO:Uma resposta ao individualismoCopilação: Nayelli ValentimAutoria: La Jornada – UNANPintura: Frida Kahlo, The Two Fridas, 1939, Oil on canvas, 173,5 x 173 cm, Museumof Modern Art, Mexico-City, Mexico.

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    O 8 de março foi cando repleto de felicitações e ores. O DiaInternacional da Mulher, que em sua origem foi uma data de

    protesto político pela opressão das mulheres, hoje corre o risco deser “suavizado” por grandes marcas comerciais e alguns meios de

    comunicação que tratam de convertê-lo em uma celebração.

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      Há mulheres, inclusive, que questionam a necessidade daexistência do feminismo na atualidade, pois consideram que a igualdadede direitos e oportunidades já foi conseguida, e que tudo o mais é umexagero.  “Para começar, isso é dito a partir de um lugar privilegiado”,re ete Fabiola Domenique, integrante da Coletiva de Gafas Violetas,grupo feminista da cidade de México. “Se você não percebe adesigualdade que ainda existe é porque talvez você seja uma pessoade classe média, que pode ir à escola, mas não percebe que nem

    todas as pessoas vivem assim”.  Em conversa com Letra S, Fabiola menciona que existe um “véude igualdade”, isto é, a ilusão de que “porque já estamos nos mesmosespaços, porque nos deixam votar (como si isso realmente tivesse umimpacto político), já somos iguais”. Sublinha que “não vemos que há umteto de cristal; é verdade que somos muitas nas escolas, mas quantomais avanço nas escalas de poder, quando mais alto for o posto detoma de decisões, há sempre mais e mais homens”.

    “Se o patriarcado se reinventa, o feminismo também”

      Em geral, o feminismo tem se caracterizado por buscardesconstruir o sistema social, pois considera que ele está baseado emuma desigualdade entre homens e mulheres, o que as coloca em uma

    situação de inferioridade diante deles. No entanto, entre os preconceitosmais comuns acerca dessa corrente de pensamento aparece o de queas feministas estão em luta “contra os homens”, que os consideram afonte de todos os problemas das mulheres e que – também já se disse –perseguem sua eliminação.  As feministas esclarecem que não buscam desfazer-se doshomens, mas do sistema patriarcal ou patriarcado. Alda Facio, juristafeminista, em seu artigo “Feminismo, gênero e patriarcado”, de ne esteúltimo como: “Um sistema que justi ca a dominação com base em umasuposta inferioridade biológica das mulheres. Tem sua origem histórica nafamília, cuja che a é exercida pelo pai e se projeta por toda a ordemsocial”.  A ativista costarriquenha agrega que “existe também umconjunto de instituições da sociedade política e civil que se articula

    Arab Women by Aeich Thimer

    para manter e reforçar o consenso expressado em uma ordem social,econômica, cultural, religiosa e política, que determina que as mulherescomo categoria social sempre estejam subordinadas aos homens,embora possa acontecer que uma ou várias mulheres tenham poder,até muito poder, ou que todas as mulheres exerçam certo tipo de poder,como o poder que as mães exercem sobre lhos e lhas”.  No caso do feminismo comunitário, essa de nição de sistemaopressor também acontece no plano do sistema econômico imperante,como no caso do neoliberalismo e do capitalismo. Ou seja, o capitalismo

    também representa o patriarcado, assim como encarnou a conquistados povos indígenas originários do continente americano.

    “Mas o que é o feminismo comunitário?”

      Esta corrente do feminismo se autode ne como um movimentosócio político e se centra na necessidade de construir comunidade, Porter-se originado na Bolívia e contar com um forte componente indígena,se poderia pensar que ao falar de comunidade refere-se ao âmbitorural, mas não é assim. Julieta Paredes, a quem é atribuída sua criação,em seu livro “Tecendo no a partir de um feminismo comunitário”, comentaque comunidade é um “princípio de inclusão que cuida da vida”, e é oespaço em que convivem as pessoas.  “A comunidade pode ser realizada a partir de qualquer lugar

    do mundo, porque nós, mulheres, somos a metade de cada povo eporque cada feminismo comunitário que está sendo criado em cadalugar tem sua história”, explica Evelyn Rodríguez, outra das las integrantesda Coletiva de Gafas Violetas.  Sua companheira de grupo, Fabiola, recorda que o feminismonão é apenas um, porque há diversas expressões dele e que estassurgem porque apesar do objetivo buscado ser similar, “não há umacordo de como chegar lá”. Além disso, essas expressões diferem notipo de patriarcado que oprime as mulheres em diferentes lugarese contextos. “E porque as lutas são diferentes, não se podem aplicaros mesmos métodos e formas do norte político, na Europa, aqui no sulpolítico, na América Latina”  Ao falar de comunidade, então, segundo Julieta Paredes,está se falando das comunidades urbanas, rurais, religiosas, esportivas,

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    culturais, políticas, de luta, territoriais, educativas, de lazer, de bairro, de gerações,sexuais, agrícolas, escolares, etc. “É compreender que todos os grupos humanospoder fazer e construir comunidades; é uma proposta alternativa à sociedadeindividualista”.  Sobre este ponto, Fabiola e Evelyn a rmam em entrevista que, emborao feminismo comunitário seja um processo individual (é indispensável que a mulherse assuma feminista para envolver-se na luta), a soma desses processos é quepermitirá criar comunidade e dessa forma combater o individualismo.

    “Pensar a partir do próprio lugar”

      Sobre este ponto, Fabiola e Evelyn a rmam em entrevista que, emborao feminismo comunitário seja um processo individual (é indispensável que a mulherse assuma feminista para envolver-se na luta), a soma desses processos é quepermitirá criar comunidade e dessa forma combater o individualismo.  Para Evelyn Rodríguez, a existência do feminismo comunitário éimportante porque as mulheres da América Latina devem criar sua própria luta.Preferem chamar esse território de Abya Yala, que é o nome que o povo kuna, doPanamá e da Colômbia deu ao continente americano antes da conquista doseuropeus.  “Nós não somos lhas do “Iluminismo”, assinala. Existe um feminismo criadona Europa desde a Revolução Francesa, mas o feminismo do Ocidente não nosdeu esse dom de ser capaz de analisar-nos, de confrontar nossa realidade como

    mulheres”. De fato, já em 1781, em La Paz, Bolívia, Gregoria Apaza e BartolinaSisa lutavam junto aos reconhecidos líderes incas Túpac Katari y Túpac Amaru,tomando decisões políticas e militares; isto foi antes que a francesa Olympe deGouges escrevesse a Declaração dos direitos da mulher e da cidadã (1791).  Desta maneira, a partir do território mesoamericano, o pensamentofeminista comunitário contempla cinco eixos de ação.  O primeiro é o corpo, que deve ser visto como uma unidade (energética,sensível, espiritual, sensorial) e não separar a alma do corpo, como propôs acultura europeia colonizadora. No seu livro, Julieta Paredes sustenta que asmulheres “queremos olhar no espelho e amar nossas formas corporais, nossascores de pele e as cores de nossos cabelos, porque estamos fartas de umaestética colonial do branco como belo (que é) parte do culto à aparência queo neoliberalismo implantou ”.  O segundo eixo é o espaço, entendido como “um campo vital para

    que o corpo se desenvolva”. Pode ser a rua, a terra, a casa, a escola, o bairro;é onde se faz a vida comunitária. Pode ser tangível, como os já mencionados, ouintangível, como o espaço político ou cultural.  O terceiro é o tempo. Concebe-se que a vida “corre graças aomovimento da natureza e os atos conscientes”, e que é percebida como tempo.Neste conceito, Paredes distingue entre o que o patriarcado considera o “ tempoimportante” que é onde se situam os homens, e o “tempo não importante”, ondeas mulheres desenvolvem suas atividades, principalmente as mais tediosas erepetitivas como os afazeres domésticos, e também outras fundamentais como ocuidado de outros homens e mulheres da comunidade.  O quarto eixo de ação é, precisamente, o movimento, onde seclassi cam a organização e as propostas políticas. “O movimento nospermite construir um corpo social, um corpo comum que luta para viver e viverbem”, diz a feminista boliviana. Também considera importante falar do movimentoenquanto permite a relação entre mulheres de algumas comunidades e outras,bem como entre as mulheres de comunidades e as instituições.  O quinto eixo é a memória, que é vista como o caminho já percorridopelas antecessoras, as avós, “seiva de raízes das quais procedemos”. No entanto,as feministas comunitárias têm muito claro que o pré-colombiano não era um mundoidílico para as mulheres, pois o patriarcado já existia. O encontro da opressãopré-colombiana com a opressão europeia contra as mulheres é denominado porParedes de “entroncamento patriarcal”.

    fonte: http://operamundi.uol.com.br/dialogosdosul/feminismo-comunitario-uma-resposta-ao-individualismo/05042016/

    “Seguir construindo”

    Esta corrente do feminismo aposta na memória, na identidade

    e na comunidade. Atualmente, diz Evelyn, há feministascomunitárias em Oaxaca e Chiapas, criando comunidade apartir de seus campos de ação: algumas são professoras, outrassão mulheres indígenas. Também no Distrito Federal formam-segrupos, como o convocado por Yan María Yaoyólotl Castro,lesbiana feminista de longa trajetória em diversas lutas sociaisdo país.  Para as jovens citadinas universitárias como Evelyn,Fabiola e muitas de suas companheiras da Colectiva de GafasVioletas, a aposta é a mesma: os feminismos (o comunitário,o lesbo-feminismo, o anarco-feminismo e outros) como posturapolítica. O coletivo tem apenas um ano de existência, mas têmclaro que estão dispostas a trabalhar para terminar com a

    sociedade patriarcal e viver a partir da congruência. “Nãoquer dizer que nós somos perfeitas”, explica Domenique, “todasas pessoas foram criadas em uma sociedade patriarcal, mas oimportante é avançar e desconstruir-nos”.  Está consciente de que é processo que demandarátempo: “eu vou morrer e o mundo vai continuar patriarcal;sabemos que é uma mudança que não vamos ver em dezanos, mas isso não quer dizer que não valha a pena”.

    “FABIOLA DOMENIQUE, FILÓSOFA FEMINISTA, INTEGRANTE DO

    GRUPO “COLECTIVA DE GAFAS VIOLETAS”, GRUPO FEMINISTA

    ATIVISTA NA CIDADE DO MÉXICO.”

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    REVENGE PORNA Pornografia da vingança.Com as facilidades trazidas pela internet, a vingança pornô se mostra como uma ótima maneira de

    constranger alguém. A sensação de impunidade frente a conduta é enorme, haja vista se trata de umcrime cibernético e, portanto, difícil de investigar.

    Por conta disso, é preciso entender o que é e como funciona a pornograa de vingança e comoa lei pode ajudar para amenizar as potenciais ofensas aos bens jurídicos no ambiente cibernético

    entendendo quais são as possibilidades de tutela jurídica para as vítimas de pornograa de vingança.

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      A pornogra a de vingança, pornogra a de revanche, ou vin-gança pornô, são as versões abrasileiradas do termo “revenge porn”,reconhecido no Urban Dictionary desde nal de 2007. Tal termo podeser conceituado como como toda ação em que alguém expõe materialde nudez de outrem em meio cibernético com o objetivo de humilhar avítima

    À título de exemplo, essa conduta pode funcionar da seguinteforma: liberdade dos envolvidos, as pessoas gravam suas práticas sexuaisa m de ter uma recordação do ocorrido. O conteúdo do material áudiovisual é estritamente particular e privado.Entretanto, um dos envolvidos na gravação, decide compartilhar o

    conteúdo sem a anuência dos outros. Tal compartilhamento resulta emoutras visualizações e novos compartilhamentos. Isso contribui para queas pessoas envolvidas - principalmente as mulheres – se tornem alvo decomentários negativos em razão do material audiovisual.

    A pornogra a de revanche normalmente é ligada a uma si-tuação de rompimento de relacionamento, como um ato de vingançadaquele que foi deixado, traído ou qualquer outro motivo que procure

     justi car o desejo de vingança. Entretanto, o revenge porn também podeacontecer no contexto do sexo casual, sem qualquer vínculo sentimentalou objetivo vingativo, mas sim apenas pelo prazer em constranger outrempor conta da exposição.  Vale ressaltar que a característica principal é o compartilha-mento do material com nudez de alguém sem a devida anuência, com a nalidade de expor de maneira negativa o envolvido no vídeo.

    O site SaferNet - pertencente a uma ONG que auxilia em

    casos de crimes cibernéticos- expõe os dados alarmantes da práticade revenge porn, vez que, apenas no ano de 2014, o serviço de de-núncias do site registrou 224 casos de sexting2 – um aumento de 120%em relação a 2013 quando foram registrados 101 casos, muitas vezesrelacionados ao revenge porn.

    Outro dado interessante da mesma pesquisa é que 77% daspessoas que procuraram o site para fazer denúncias sobre sexting epornogra a de vingança são mulheres e aproximadamente 88% destasmulheres têm entre 13 a 25 anos de idade. Resta se perguntar então, oporquê da mulher jovem ser o alvo do crime de pornogra a de vingança.No livro “a dominação masculina”, do Pierre Bourdieu, entende-se que àmulher cabem os atos voltados a submissão. A mulher deve ser feminina ena sociedade patriarcal, isso pode signi car ser contida, discreta e atémesmo, apagada.

    Situações em que a mulher é exposta, ainda mais sexualmente,

    pode “manchar a honra” da mulher perante essa sociedade machista,que, muitas vezes é carregada de parâmetros para a aceitação dasmulheres. A mulher jovem, sob uma visão feminista, sofre ainda mais com odiscurso sexista que restringe a sexualidade com estigmas como virginda-de e pureza entre outras qualicações.  Diante disso, a pornogra a de vingança então, funcionacomo uma ferramenta que reprime a mulher a exercer a sexualidade demaneira livre, haja vista que, a qualquer momento ela poderá ser grava-da e exposta, o que resulta na caracterização desta mulher como anor-mal, pois se esquivou do padrão normalizado de mulher bela, recatadae do lar.

    Na mesma linha, a pornogra a de vingança serve como me-canismo de controle do companheiro que possui o material de nudez,pois a mulher conviverá com a possibilidade de exposição do conteú-do e se quedará por sujeitar-se aos caprichos do parceiro para não

    correr o risco de ser exposta. Sendo assim, a pornogra a de vingançacondiciona a mulher a submissão diante da ameaça de exposição do

    conteúdo. Considerando que a pornogra a de vingança é uma atitudeque envolve a honra e a imagem da pessoa exposta, o Direito costumanormalmente envolver duas esferas jurídicas: o direito civil e o direito crimi-nal.

    O direito civil discute a pornogra a de vingança sob pers-pectiva da tutela dos direitos da personalidade como, por exemplo, ahonra, o nome e a imagem da vítima, como também visa questionar acer-ca da proteção de dados do indivíduo, bem como sua privacidade.Considerando que a área civilista já possui um forte arcabouço teóricono que tange a tutela da privacidade em meio cibernético, não é sur-presa que a atitude em questão tenha sido prevista no Marco Civil da

    internet antes que no Código Penal.O Marco Civil trata da pornogra a de vingança quando pro-

    tege os dados pessoais e a privacidade dos usuários brasileiros, bemcomo quando, no seu artigo 21 salienta a responsabilidade subsidiáriados provedores de internet que, por ventura, tiverem em seu banco de in-formações a exposição de nudez de outrem sem o devido consentimen-to, forçando a retirada das cenas de nudez dos sites que a publicaram.Em suma, se, por exemplo, João expor publicamente a nudez de Mariasem o seu consentimento numa rede social, na falta de conseguir respon-sabilizar João por danos morais, a rede social será responsabilizada.

    Por outro lado, o direito penal, que devidamente funcionacomo último recurso, não possui ampla discussão acerca do tema, ex-ceto os projetos de lei propostos pelo legislativo sobre a tipi cação docrime de vingança pornô no Código Penal, Lei Maria da Penha entreoutras legislações.

    Na prática, quando a situação de pornogra a de vingançaé narrada numa delegacia, o delegado enquadra tal pratica no crimede difamação, vez que o objetivo da ação de pornogra a de vingançaé justamente a ofensa da honra da pessoa exposta (circunstância queenquadra a conduta descrita no tipo penal citado).

    1. Fui ameaçada de exposição. Como agir?

      Deve manter a calma, tirar print screen de todas as evidências e ir àdelegacia de cibercrimes para registrar uma notícia-crime de ameaça - caso nãoconheça a autoria e exista tal delegacia especializada - ou na delegacia maispróxima, caso conheça a autor da ameaça ou não tenha a delegacia especia-lizada na sua cidade.2. Fui exposta. Como agir?

    Novamente, é necessário manter a calma, tirar print screen de todasas ameaças e registrar a notícia-crime na delegacia com as provas da autoria eda existência do crime. Como a pornograa de vingança não é um crime tipica-do, o delegado vai buscar o delito que mais se enquadrar ao caso, normalmente,como já citado, é a difamação. Na delegacia, espera-se que a vítima de reven-ge porn seja bem recebida e que a pessoa que zer o atendimento expliqueos próximos procedimentos, como por exemplo, se necessário, a instauração doinquérito e a representação.Pode-se também ingressar em juízo com um processo cível. Neste caso, será umaação de indenização por danos morais com tutela antecipada para que o ma-gistrado, ao notar o perigo da demora e a veracidade das alegações (porisso a importância das telas printadas), ocie o provedor do site em que foramcompartilhadas as imagens para que ocorra a retirada do conteúdo audiovisual,nos termos do artigo 21 do Marco Civil da Internet.

    Alessandra Calisto PilotoGraduanda em direito pela Universidade Positivo, pesquisadora com enfoque naviolência contra mulher e integrante do Coletivo Alzira.

    A pornografi a de vingança então, funciona como uma ferramenta que reprime a mulher a exercer

    a sexualidade de maneira livre, haja vista que, a qualquer momento ela poderá ser gravada eexposta, o que resulta na caracterização desta mulher como anormal, pois se esquivou do padrão

    normalizado de mulher bela, recatada e do lar.

    “ 

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      “Com a estética, o sujeito entra em uma relação sensível como mundo que se diferencia conscientemente da natureza objetiva concebida a partir da revolução copernicana. A subjetivi-dade torna-se então, por meio do sentimento representado, o fundamento de uma presença estética de uma natureza”. Rolf

    Kuhn¹.

    A palavra estética refere-se à cognição pelos sentidos, ou seja, a “com-preensão pelos sentidos”. É um ramo da losoa que perpassa e ultrapassa o cam-po visual já que compreende um conjunto de sensações que reetem a percepçãoda beleza. Além das avaliações e julgamentos do que é o belo, contempla-se tam-bém a emoção que ela suscita nos seres humanos. Essa concepção está presenteespecialmente na arte, mas diz respeito a toda a natureza. Dessa forma, infere-seuma questão: “o que é a beleza?” e com ela, o chavão de que gosto não se dis-cute.  É claro que não se pode denir objetivamente a beleza, visto que elanão é uma propriedade imutável que se atribui ou não aos objetos, mas uma sen-sação própria do sujeito que a percebe, ajustada aos seus valores pessoais, ain-da que tais valores estejam inevitavelmente subordinados aos valores culturais ehistórico-sociais de determinada sociedade em dado tempo histórico. A belezaé relativa, não há como negar, mas essa relativização é profundamente ofuscadapela busca de uma essência ideal, um padrão de beleza.  As transformações dos padrões de beleza do corpo feminino ao longodo tempo marcaram a evolução de diferentes visões sociais acerca do modeloestético que deveria ser incorporado pelas mulheres. A forma como as mulhereseram retratadas no período colonial, por exemplo, distancia-se bastante do mode-lo buscado atualmente. Além desse processo corrente, isso evidencia também queos padrões são produtos de uma cultura.

    Ideal de beleza ao longo do tempo.

      O corpo da mulher durante o período colonial era tido como dentrodos padrões de beleza ao apresentar um aspecto saudável, simbolizado pelaaparência rechonchuda, ou seja, quanto mais gorda a mulher fosse, mais bonita elaera considerada, isso porque o perl untuoso do corpo remetia a um corpo bemnutrido e ao seu volume era atribuída uma visão de saúde e vigor. Já durante a anti-guidade clássica, o ideal grego da beleza era outro, com base em uma construçãointelectual artística, os gregos valiam-se da perfeição e equilíbrio das formas, bem

    como a harmonia e a proporcionalidade de todas as medidas, é quando surgeo nu feminino e a valorização do movimento. Para a antiga sociedade Egípcia,a juventude era muito valorizada bem como o corpo esbelto e os traços nos ealongados.  Durante o século XIX, a forma mais avantajada ganha destaque nova-mente na classe da burguesia, mulheres gordas e de semblantes corados remetiama riqueza e ostentação. Com a revolução industrial esse modelo estético foi resga-tado do período renascentista, o uso de espartilhos também estava presente comforça nessa época, e as mulheres os utilizavam cada vez mais apertados. O séculoXX recupera o ideal de boa forma, marcado, entre outros, pela emancipação femi-nina.  Após o m da segunda guerra, o corpo feminino curvilíneo, valorizandoquadris e seios ganha ênfase. A mulher dos anos 50 é mais sosticada, adornadae a beleza é de grande importância e preocupação social, bem como o uso de

     joias, cosméticos, salto alto, tintura para cabelo, entre outros assessórios. Os anos

    60 foram marcados pelos movimentos de contracultura e o movimento hippie foi oprecursor dos novos pers que surgiram na época, tais como o modelo estético,que valorizou um corpo de aspecto adolescente, sem muitas curvas. Com a con-solidação do movimento hippie, nos anos 70, os cabelos eram longos, crespos earmados, maquiagem forte nos olhos e muito blush no rosto. Enquanto os anos 80pregaram o exagero, um estilo de extravagâncias e excessos, os anos 90 trouxerama naturalidade, a simplicidade.  Durante a década de 90 e inicio dos anos 2000, a ditadura da magre-za parece se tornar mais hegemônica, talvez como consequência da expansão dacomunicação e da imagem como símbolo. Ser magra torna-se uma verdadeira ob-sessão, mulheres altas e magras consagram o novo modelo estético. Alcançar essepadrão torna-se um esforço com a utilização de dietas malucas e a busca cadavez mais árdua pelo corpo “ ideal”, a bulimia e a anorexia passam a ser frequentes.  Atualmente, o padrão de beleza feminino estampado nas imagens midi-áticas é: corpo magro, malhado, seios grandes, bumbum perfeito, pernas torneadas

    e barriga chapada. Em nome desse corpo ideal, as academias estão lotadas eas cirurgias plásticas para colocar silicone e lipoaspirações são cada vez maiscomuns.

    Baixa, gorda e linda?

      Desde sempre existe essa pressão social em cima das mulheres e seuscorpos. Em todos os lugares é possível captar essa imposição e padronizaçãoinexplicável que se faz do corpo feminino, nas revistas, nos outdoors, nas propa-gandas, nos lmes, nas novelas, nas passarelas. Sempre encontramos mulherescom corpos “perfeitos” ou o famoso ‘corpo violão’, corpo esse que é símbolo desaúde, de sensualidade, de beleza, tido como único que atrai e que é aceito.Esses paradigmas ditam muito mais do que como deve ser o corpo feminino comotambém a roupa que combina com qual tipo de corpo, o sapato, o corte de

    cabelo adequado para as altas, para as baixas… A questão é: por que serbaixa, gorda ou não ter um corpo violão faz você não ser considerada umamulher linda?  Você não vai encontrar uma mulher de estatura mediana, com algunsquilinhos a mais em um desle de moda ou estampada em outdoors usando umbiquíni, mas por que isso? A maioria das mulheres não são como os padrõesditam, muito pelo contrário, mas ainda assim um modelo estético adotado pelaminoria é considerado padrão, por quê? Por que não fazem desles com mulheresreais? As mulheres vêm em todas as formas e tamanhos, são diferentes, lindas deformas diversas, não há motivo nenhum para mudarem seus corpos ou seus estilospara se adaptarem a um padrão que nem ao menos faz sentido.  “Há uma corrente de teóricos que acreditam que, com tantos avançosfemininos, a ditadura do corpo ideal é uma forma de ainda deter a mulher. E fazsentido, já que a maior parte acaba cedendo à pressão”, arma a psicólogaMarjorie Vicente em matéria do portal UOL. O cinema, a TV e a publicidade não

    enxergam a mulher gorda como qualquer outra, não exploram sua personalidadesem levar em consideração o físico ou apelar para o humor. A mídia age comose ser gorda não fosse o natural (não somente gorda, como ser baixinha, ter umcorpo sem curvas ou uma deciência física). O mercado é cruel com quem estáfora dos padrões e a sociedade também.  Em uma matéria feita na revista Marie Claire, chamada: “Por que o mun-do odeia as gordas”; uma pesquisa realizada com as leitoras da revista reveladados estatísticos que evidenciam o preconceito. Das respostas, 66% admitiram

     já ter feito um comentário maldoso ao ver uma mulher gorda usando biquíni; 58% já se sentiram secretamente felizes porque a ‘ex ’ do namorado engordou muito;52% acham que é pior engordar 15 quilos do que reduzir o salário em 30%; 37%cam incomodadas vendo uma mulher gorda comer hambúrguer com batatasfritas; 36% não iriam a um médico de regime que fosse gordo; 21% acreditam queas gordas são preguiçosas; 21% imaginam que, se um bonitão está com uma mu-lher gorda, é porque existem outros interesses; 18% dizem que uma pessoa muito

    gorda deveria pagar por dois assentos nos aviões.  As mulheres gordas sofrem discriminação diariamente, nos mais simpleseventos cotidianos. Quantas vezes já não ouvimos alguém dizer: “ela é linda derosto” ou “ela é bonita, mas é gorda” ou ainda: “se emagrecesse caria linda”.Por que uma mulher não pode ser linda sendo gorda? Por que ser gorda nãoé natural? Por que estar fora dos padrões não é bonito? A sociedade estáalienada, não consegue abrir a mente e ver que a mulher não precisa seguirpadrões para ser considerada bonita. Ser gorda não impede uma mulher deser linda e atraente, mas a mulher gorda sofre extremamente com tal realidade,desde a diculdade que enfrenta para encontrar roupas no seu tamanho até acompetição com uma magra por um emprego. É vergonhoso e infeliz o quão cruela sociedade pode ser com quem foge aos padrões de beleza. Todos os dias,diferentes mulheres que não se encaixam nos padrões, sofrem preconceitos, sãovitimas de insultos e levam desvantagem somente por não estarem na “medidacerta”.

      Em 2011, o artista Bakalia criou uma Barbie plus size. Muitas marcasde roupas e revistas aderiram ao polêmico modelo plus size, lançando cam-panhas com modelos gordinhas e criando roupas especiais para a maioriadas mulheres. Essa inovação gerou controvérsias e muitas pessoas rejeitaram acriação de Bakalia, a Barbie gordinha não agradou todo mundo e recebeuduras criticas, tais quais: “ninguém é gordo naturalmente, isso mandaria uma men-sagem para as meninas de que é OK não ser saudável”; “Barbie não precisade queixo duplo. Você pode ser plus size sem ter esse queixo”; “nem gorda, nemmuito magra, por uma Barbie saudável”. É um grande equivoco achar que “só égorda quem quer”, emagrecer é um processo que depende de cada organis-mo e de outros fatores externos que inuenciam. Ser magra não signica ter umótimo atestado de saúde.  As mulheres são diferentes, podem ser altas, baixas, gordas, magras,de todas as formas e tamanhos e não há nada de errado em fugir do padrão,assim como segui-lo. Toda mulher deveria simplesmente amar seu corpo. A

    beleza é tão somente uma contemplação subjetiva e relativa, não deveria serenquadrada em padrões que excluem e discriminam. Pode ser clichê, mas élegítimo: bonita é ser você.

    A DITADURA DO CORPO IDEAL E OPRECONCEITO VELADOAmanda Nunes é estudante de comunicação social, apaixonada por livros, música ecinema. E, feminista, claro.

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      A identidade de gênero das pessoas se objetiva enquanto fatosocial não pela categoria de indivíduos, mas porque a estrutura das normas de

    gênero (enquanto fato social exterior a qualquer indivíduo) estabelecem que aidentidade dos indivíduos deve ser cisgênera, heterossexual, etc…  As normas de gênero, além de heterossexuais, são cisgêneras. Ocissexismo não é violência que pessoas trans sofrem enquanto indivíduos pontuaisem razão da externalização das suas identidades; o cissexismo atua de formaprévia a casos de violência contingentes e eu vou explicar o porquê. A atuaçãodo cissexismo, portanto, é estruturante e fundante das normas de gênero quecausam violência.  O argumento que diz que a causa das pessoas trans ou o transfeminismoé “subjetivista” apela, na verdade, através justamente de um argumento liberal, jáque a categoria de análise que se está usando para negar a existência datransfobia como estruturante das normas de gênero é a de indivíduos. Quandose diz que mulheres trans são homens em virtude de um desígnio dado as nascerse está apelando para a existência individual de pessoas trans (em especial,apelando para uma vaga imagem sobre “mulheres trans não transicionadas”) não

    enquanto classe de pessoas.  Para uma perspectiva materialista, ao contrário, pessoas trans secon guram enquanto “classe” ou grupo social na medida em que existe transfobia(assim como pelo fato de ser este o grupo que resiste à esta opressão e propora transformação e superação desta realidade), e na medida em que existetransfobia, a existência de pessoas trans é questionada, causando marginalizaçãodeste grupo. Ou seja, independentemente da existência pontual de pessoas trans,existe a interdição prévia, em nossa sociedade, de que pessoas possam ser trans!  É aí que reside simultaneamente o cissexismo e a naturalização e

     justi cação da transfobia. A transfobia, compreendida por esta perspectiva, nãoé portanto gerada a partir da existência de indivíduos lidos como trans e doscasos pontuais de violência que daí resultam; já que ela existe externamentee anteriormente à existência dos indivíduos, ela sustenta de forma prévia anaturalização e a justi cação destas mesmas violências. A gênese da transfobianão reside no olhar do agressor que enxerga uma pessoa trans enquanto trans

    e torna a violência transfóbica em ato só a partir disto; a gênese da transfobiaestá previamente inscrita a qualquer ato contingente, pois é o que, além deorientar o ato, justi ca, sustenta e naturaliza a violência. É assim que as violênciasse tornam sistemáticas, pela inscrição da transfobia no próprio funcionamento dasnormas de gênero. Só existe a violência transfóbica a partir de um regime queestrutura previamente o cissexismo como base de normas de gênero; este regimeestruturado, por sua vez, está inscrito e diluído por todo o tecido social.  O discurso trans-excludente é liberal porque impede a compreensãodas pessoas trans enquanto grupo; e justamente há a compreensão de pessoastrans enquanto indivíduos tanto no intuito de culpabilizar as violências pelas quaiselas estão expostas quanto no intuito de deslegitimar as lutas por direitos dessapopulação.  Vemos com muita frequência discursos trans-excludentes que a rmamque gênero é uma entidade de poder que se baseia tão somente na biologiacomo um dado previamente estabelecido. De fato, o poder machista se apoderados corpos como forma de controlá-los, mas a categoria de análise que nósenquanto feministas temos que acionar para a compreensão deste fenômeno

    não é da biologia, mas sim categorias provenientes de um trabalho teóricoque se inscreve no âmbito de uma teoria de cunho social e histórico.Apelar para a universalização de uma suposta condição de “macho” parainvalidar a identidade feminina de mulheres trans só se sustenta a partir deuma perspectiva que toma como categoria de análise fundante o indivíduo.  Há uma sobreposição equívoca entre as categorias que seutiliza para a análise crítica e o fenômeno que se pretende criticar quandose toma as relações hierárquicas de poder enquanto reexo de umarealidade biológica. Vejam bem, o discurso que a rma que o transfeminismoé “subjetivista” é, em si mesmo, subjetivista, pois só pode fazer isso a partir domomento em que se toma para si uma categoria de análise liberal centradaem uma biologia do indivíduo trans.  Essa falsa perspectiva materialista que julga supostamente criticara causa de pessoas trans como liberal é em si mesma liberal porque elain-compreende a existência de pessoas trans; esta falta de compreensãose dá sobretudo através do aparecimento sub-reptício da questão datransição de pessoas trans como uma categoria de análise que se dá deforma, justamente, liberal com um teor culpabilizante.  Um dos argumentos usados para dizer que transfeminismo serialiberal usa da ideia de que, se mulheres trans podem, enquanto indivíduos,não transicionar, poderiam supostamente se bene ciar estruturalmentedo machismo como homens. Percebam que tal argumento ignora quea transfobia é FUNDANTE e ESTRUTURANTE das normas de gênero,independentemente de existirem mulheres trans não transicionadasenquanto indivíduos; apelar para isso não prova nem desmente nada emrelação a existência da transfobia como fato estruturante das violências degênero e não poderia ser mobilizado, portanto, como categoria de análisematerialista já que se sustenta na concepção da violência contra pessoastrans como acontecimento contingente. O fato de mulheres trans nãopoderem transicionar sem sofrerem violência prova justamente a existênciada transfobia, e não o contrário.

    O CISSEXISMO É FUNDANTE EESTRUTURANTE DAS NORMAS DEGÊNERO

    BIA PAGLIARINIMulher trans - síntese disjuntiva inclusiva entre travesti e transexual. Transexual ou

    travesti? Sim, e também outras coisas. Revoltada contra o “cistema”, transfeminista einteressada na forma como o discurso pode ser utilizado como arma de resistência.

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      Não importa se você gosta ou nãode moda, fato é que você compra roupas –poucas ou muitas – para se vestir diariamente.Sua compra impulsiona um mercado cujovalor estimado é de três trilhões de dólares efaz a engrenagem da indústria girar. Indústria

    essa que é responsável por empregar cercade 40 milhões de pessoas das quais 85%são mulheres. Nesse Dia Internacional DasMulheres nós precisamos falar sobre a roupaque nos veste, sim.  São mais de 30 milhões demulheres produzindo nossas roupas, e nós

     já temos amplo conhecimento de como acadeia de produção de bens de consumo,incluindo a da moda, é cruel, então por que,nós como feministas, temos falhado em lutarcom essas mulheres por melhores condiçõesde trabalho? Por que continuamos comprarroupas produzidas de maneira lamentável?Por que não falamos mais sobre isso?

      Não é de hoje, e também nãoé por culpa exclusiva do sistema de fast-fashion atual, que as mulheres trabalhadoraspor trás das máquinas de costura sãoexploradas pela indústria. Desde a invençãoda linha de produção, mulheres fazem amoda acontecer de maneira desumana.O próprio Dia Internacional Das Mulheresé uma prova disso. De certa forma, a databusca relembrar as 129 mulheres (ou 123, onúmero varia) que morreram no incêndio daTriangle Shirtwaist Company em Nova Iorque,no dia 25 de março de 1911. A TriangleShirtwaist Company produzia blusas femininas,conhecidas na época como “shirtwaist”.

      Ao lermos os relatos dessa data,percebemos o quão parecidos eles são comos relatos do desastre do Rana Plaza, emBangladesh, em 2013. “Saídas de incêndiofechadas para evitar furtos”, “máquinasamontadas sem espaço su ciente nãopermitindo a devida circulação de pessoas”,“prédio já autuado por má condições”. Ahistória se repete, e na verdade se repetedesde antes de 1911. Na virada do séculopassado, mulheres já lutavam por melhorescondições de trabalho na indústria têxtil nosEUA. Em 1909, a maior greve por melhorescondições de trabalho e melhores salários,conhecida como Uprising of The Twenty

    Thousand, juntou mais de 15 mil trabalhadorasnas ruas de Manhattan e logo se espalhoupor todo o país [1].  Hoje, como podemos notar, as

    mulheres dessa indústria ainda lutam. No mundotodo, as condições de trabalho das mulheresresponsáveis por fazer nossas roupas continuammuito parecidas com as condições que originaramo Dia Internacional Das Mulheres, mais de umséculo atrás. E ao contrário do que podemos

    imaginar, elas permanecem resistindo e nãoaceitam passivamente. Juntas, elas se organizampor condições melhores de trabalho, mas sofremabusos e ameaças, são silenciadas e seus direitoscontinuam sendo violados.  Essa realidade nos faz lembrar queprecisamos sim falar sobre o direito de andar nasruas sozinhas e com segurança, o direito ao abortoseguro, o direito de usar a roupa que mais nosagradar sem nos sentirmos ameaçada e sermosculpabilizadas por isso, mas nós precisamos tambémolhar além de nossa realidade e fortalecer o corodas mulheres que ainda são privadas dos direitoshumanos mais básicos. Como Kimberlé Crenshawrelembra, a interseccionalidade no movimento

    feminista não pode mais esperar.  Eu de nitivamente não tenho todas asrespostas para as perguntas do começo do texto,mas acredito, sem hesitar, que estamos fazendopouco para tentar acha-lás e por isso estamoslonge de termos soluções para elas. Quandodigo fazendo pouco, não estou me referindoà maneira como compramos. É claro que sim,devemos repensar nossos hábitos de consumo eainda preferir comprar de marcas cuja produção éalinhada com nossos valores, marcas responsáveispor valorizar e empoderar suas trabalhadoras.Quando não podemos arcar com o valor mais altodessas peças, nós também podemos recorrer ànossa rede de amigas para pedir algo emprestado

    para um evento especial ao invés de ir correndo àForever 21 atrás de uma “ roupa baratinha”.  Mas o problema da moda não vai sersolucionado apenas com compras melhores poruma parcela de pessoas que pode arcar com isso.Por mais que nos esforcemos para “votar com nossodinheiro”, nós precisamos mesmo é nos esforçarpara entender o problema e mudar o sistema dedentro para fora. Só assim, as mulheres na Índia, naÁfrica, ou seja lá onde for, vão ter qualquer chancereal de melhores condições de vida e trabalho.Entretanto, para entender o problema precisamosestar abertas a debate-lo, precisamos tentar, mesmoque de longe, nos propor a conhecer as realidadesque parecem alheias a nós, mas na verdade estão

    bem perto, ali pendurada no nosso cabide ourepousando na nossa sapateira. Precisamos buscare incentivar iniciativas, organizações, sindicatosespalhados pelo globo responsáveis por fortalecer

    a luta de melhores condições de trabalho para astrabalhadoras.  Ao mesmo tempo, é necessário entendercomo a moda e o sistema capitalista estãointrinsecamente ligados e são co-dependentes.Nenhuma indústria tem tanta capacidade de

    fortalecer a economia do enriquecimento pessoale da valorização da crença de “possuir” acimade “ser” como a moda. Desde quando nosentendemos como sociedade, a moda é capazde separar as pessoas hierarquicamente pelo queelas vestem – ricos e pobres, monarquia e plebe[2]. Para um sistema de moda justo, nós precisamosir contra o sistema econômico que permite umamoda centralizada, feita e dominada por meiadúzia de conglomerados, sempre buscando oenriquecimento dos seus CEOs e acionistas acustos das pessoas e do meio-ambiente.  Feminismo é sobre isso também, é sobremoda, indústria e sistema de produção do quecompramos todos os dias. É reetir o que signi ca

    compartilhar campanhas bem feitas de marcasresponsáveis por explorar mulheres na sua linhade produção. Se nós não nos importarmos em unirnosso discurso às nossas práticas reais, mesmo queelas nos tirem da nossa zona de conforto, poucovamos nos diferenciar do homem que dá ores nodia das mulheres, mas se acha melhor do que acompanheira de trabalho. Se continuarmos nosdefendendo por usar roupas feitas por mulheresabusadas e violadas, nada somos de diferentesdos homens que dão parabéns às mulheres no dia08 de março, mas falam que igualdade de gêneroé mimimi.  Nosso olhar não pode ser míope, nãopodemos enxergar apenas as desigualdades que

    nos favorecem e não podemos aceitar comprar“trabalho escravo” porque “é a única coisa que euposso comprar”. Então, pare um momento, respire,reita e tire um tempo para se informar sobre comovocê pode fazer a diferença quando o assuntosão mais de 30 milhões de mulheres.

    [1] Stiched-Up – Tansy E. Hoskins (pág 73)[2] O Império do Efêmero – Gilles Lipovetsky (pág 39)

    NÓS PRECISAMOS FALARSOBRE AS MULHERES PORTRÁS DAS NOSSAS ROUPAS

    TEXTO POR: MARINA COLERATO AOBLOG MODEFICA E CEDIDO À SOCIAL WOMAN

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      Estou rodeada de várias mulheres tentando rever a lógica de con-sumo na qual operam há anos. Consumir menos, bem menos, só o necessário.Consumir de um jeito mais consciente e sustentável, olhando com cuidado parao próprio corpo, favorecendo o que é natural e prestando atenção no impactosocial e ambiental dos atos de consumo. Eu sou uma delas. Há mais de 1 anoestou comprometida com o meu processo de tirar a atenção das coisas materiaise valorizar as pessoas e as experiências.  Desde o começo dessa jornada, esbarrei algumas vezes com uma falade que a mudança é simples: “É só comprar menos e escolher melhor as marcas.”  Essa fala vinha de todos os lados. Família, namorado, amigas. De pes-

    soas super bacanas envolvidas com consumo sustentável. Sofri um bocado atédescobrir que não, o problema não estava só em mim. Para nós, mulheres, deixarde comprar e parar de acumular coisas não é uma mudança fácil.  Essa mudança não é só sobre gradualmente transformar nossos há-bitos de compra. Não se resume a escolher outras marcas, preferir orgânicos, lercom mais atenção os rótulos. Se quisermos realmente consumir menos e melhor,precisamos entender o contexto economico e cultural que nos empurra, todos osdias, em direção ao consumo.

    Por que nós compramos demais?“Mulheres são muito consumistas.”“Você compra demais, gasta muito dinheiro com coisas inúteis.”“Pra quê tanto produto de beleza?”“Mais uma roupa nova?”

      E por aí vai. Se não ouvimos essas frases com frequência, nos vemosdizendo para nós mesmas, ou para amigas. E é verdade. Em geral, compramosbem mais do que precisamos.  Segundo estudo conduzido pelo americano Michael Silverstein, as mu-lheres controlavam ou inuenciavam, em 2102, 70% dos gastos de consumo feitosnos Estados Unidos, gerindo cerca de 5 trilhões de dólares. A pesquisa mostraque somos nós que compramos itens para a casa e os lhos, decidimos quandoa família vai redecorar o apartamento ou trocar de carro. Os homens compramcoisas mais caras, mas nós, mulheres, compramos mais. Sempre queremos novida-des e inuenciamos outras mulheres a comprar também.  Esse ano, no Brasil, nós também superamos os homens em compras naweb: 67% das mulheres são consumidoras on-line, enquanto entre os homens essenúmero é de 65%.

    Padrão de Beleza e Consumo: Duas Prisões Que SeRetroalimentam

      Esses números contam uma história longa e muito mais complexa doque as falas que costumamos ouvir por aí. Quando falamos do nosso compor-tamento de consumo, não podemos ignorar o contexto cultural que coloca asmulheres, desde muito cedo, em uma corrida eterna pela aparência ideal.  Desde que nos entendemos por gente, somos ensinadas, de jeitos oraescancarados e ora sutis, que nosso maior atributo é a beleza. Que se formos bo-nitas, navegaremos melhor pelo mundo. Aprendemos também uma de nição bemestreita de beleza. A mídia se encarrega de mostrar que existe uma beleza certa,um padrão a ser alcançado. Esse padrão que tomamos por referêncial nortea-dor a vida toda é o da beleza ocidental responsável por estampar as capasdas revistas: peso e estatura dentro de certos limites considerados “normais” eaceitáveis, pele branca, cabelos lisos, físico agradável ao olhar masculino, entreoutras coisas.  As diferenças, os diversos tipos de corpos possíveis, não são retrata-dos, abordados com frequência ou naturalidade. Crescemos então perseguindoo inalcançável para a grande maioria de nós: corpos que não são os nossos enunca vão ser.

      Fazer as mulheres acreditarem que devem e podem se encaixar nopadrão de beleza vigente cria e estimula a reprodução in nita de prisões femi-ninas nocivas que se perpetuam por gerações, ao mesmo tempo que alimentadevidamente uma indústria gigantesca de consumo desenfreado de produtose serviços, que vão desde peças de fast fashion e cosméticos variados até ses-sões estéticas de congelamento de gordura e intervenções plásticas absurdas.  Nada que esteja em desacordo com a lógica capitalista de produ-tividade extrema e maximação dos lucros.  Em resumo, a lógica da prisão estética reforçada pelos meios decomunicação – que nos apontam, o tempo todo, que não somos magras, bo-

    nitas ou saudáveis o su ciente – aliada a uma solução em forma de produto,adquirível a um clique, faz com que nos tornemos presas fáceis.

    A Solução Passa Por Uma Transformação Profunda

      Na minha perspectiva, a transformação é bem mais profunda do queapenas parar de comprar, ou substituir algumas marcas por outras, mais cons-cientes.  Precisamos, antes de tudo, parar um pouco e olhar em volta. Notaras diferenças e entender que não existe só um tipo de corpo possível e correto.SE que seguir em uma corrida maluca para ter um corpo que não é o nosso sóvai trazer ansiedade, obsessão e frustração constantes. Mais que isso: vai trazerdoença ao invés de saúde.

      Depois, precisamos encarar de frente o nosso corpo que a gentetem e cultivar um olhar constante de carinho para ele e para outros corpos fora

    do padrão. Praticar a auto-compaixão e acolher ao invés de criticar, julgare lançar no grupo do whatsapp das amigas uma nova dieta do verão quepromete enxugar 3kg de gordura em 5 dias.  Esse processo de verdadeira aceitação é intenso e contínuo, já quenossa aparência se transforma o tempo todo, com o passar dos anos: menstru-amos, camos doentes, engravidamos, envelhecemos. Mas é o único modo denos libertarmos de verdade.  Essa jornada também nos deixa mais atentas. Passamos a examinarcom mais critério toda vez que alguém nos diz sobreque saiu um novo métodopara queimar gordura localizada, e a questionar o dermatologista quando elenos dá uma receita in nita de cremes e loções caríssimas para prevenir marcasde expressão.  Passamos a olhar com menos ansiedade para tudo que tentam nosvender, porque sabemos que aquela montanha de coisas não é, necessaria-mente, a resposta para as nossas questões. Passamos a compreender e con ar

    mais no nosso corpo, nas respostas orgânicas, biológicas e pessoais, do que naindústria cosmética, na mídia tradicional e nos médicos. A partir daí, começamostambém a cultivar uma relação mais protagonista e curiosa com as coisas quecompramos e usamos.  Isso não signi ca negar tudo o que a ciência criou para nós, nemdar as costas para séculos de avanço tecnológico. Pelo contrário. Signi cacompreender o cenário, as opções que existem e fazer escolhas mais justas econscientes. Justas conosco, com o nosso corpo, com as próximas gerações econscientes por bene ciarem toda a cadeia produtiva.

    Anna HaddadAnna é advogada, escritora, empreendedora e feminista. Estuda e produz conteúdo sobre temas como educação,

    colaboração, gênero e novos negócios. Fundou a plataforma de aprendizagem livre Cinese e a comunidade deempoderamento feminino Comum.

    Consumir Menos Não É UmaMissão Simples Para

    As Mulheres

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      Eu costumava ter pesadelos sobre plástico. Em 2008,eu passei o dia de ano novo emergida em O Mundo Sem Nós, odifícil experimento de Alan Weisman sobre o que aconteceria com

    a Terra se a humanidade simplesmente desaparecesse. Existe ummonte de informação naquele livro – incluindo alguns fatos malucossobre gatos- mas o capítulo que realmente me marcou foi no qualWeisman descreve os gigantes blocos de lixo se formando nos ro-damoinhos oceânicos. Eu já tinha ouvido falar sobre isso, claro, maso que eu não havia entendido é que os produtos plásticos nelestêm uma taxa de decomposição que deve ser medida em tempogeológico. Um cientista com o qual Weisman conversou sugeriu100 mil anos como um bom palpite de quanto tempo irá demorarpara a maior parte do plástico no planeta se biodegradar. Nomeio tempo, o plástico que vai parar na água está se quebrandoem pequenas partículas, que criaturas como os plânctons confun-dem com comida. Plâncton é o bloco essencial de construção detoda a cadeia alimentar. Hoje, em várias partes do mundo, partícu-las de plástico superam o número de plânctons encontrado perto

    da superfície dos oceanos.  O Mundo Sem Nós é um dos textos seminais da minhavida. Ele mudou o meu modo de olhar para o mundo, me fez vê-lode maneira parecida com a qual eu acredito que o fotógrafoAndreas Gursky o vê, como uma vasta máquina de pessoas e bens.Eu passei muito tempo, em 2008, me preocupando com microplás-ticos – grânulos de 2 milímetros que são derretidos para fazer plás-tico de todas as maneiras – e pregando para as pessoas sobrecompostagem. E também porque esse foi o ano que comecei noStyle.com, eu me encontrei tendo um enorme interesse na cadeiade produção de moda.  “Cadeia de produção.” A frase é tão vaga, tão neutra,que parece ter sido cunhada com a intenção de fazer os olhosdas pessoas revirarem quando elas trombam com ela. Cadeia deprodução é o back end de qualquer negócio que vende bens – a

    “cadeia” que liga a fonte de componentes, as fábricas onde aspeças são transformadas em material comprável, e a rede de dis-tribuição pelo qual esse material é entregue aos consumidores (ouàs lojas que eles freqüentam). Antigamente, a cadeia de produ-ção da moda era bem direta: um fazendeiro tosquiava sua ovelha;um tecelão da vila transformava a lã em tecido; o alfaiate com-prava o tecido e o transformava em uma batina para um burguêslocal, ou algo parecido. Eu estou aproximando, mas você entendeo ponto. Depois disso, o feudalismo acabou, a Revolução Industrialaconteceu, Henry Ford inventou a linha de produção, a globaliza-ção se tornou algo importante. Agora, na era do hipercapitalismo,a cadeia de produção de moda típica é vasta e complexa aoestilo Rude Goldberg. A saber:  “De acordo com a teoria da moda, existe 101 estágiosna cadeia de produção, o primeiro sendo ‘designer visita uma fei-

    ra de tecidos’ e o último, ‘pedido pronto para ser despachado’”,escreve Lucy Siegle em seu livro To Die For, um iniciador útil sobre oassunto. A teoria a qual Siegle se refere, uma que é ensinada emescolas, é na verdade bem abreviada: Ela deixa de fora os passosnecessários para produção dos tecidos entre os quais os desig-ners navegam nas feiras tipo Première Vision, sem mencionar a vastarede de distribuição que entrega as peças nas lojas. Os fazendei-ros cultivam, os tecelões tecem, os tintureiros tingem, os cortadorescortam, os costureiros costuram; as peças são empacotadas e co-locadas em caixas e carregadas em navios cargo ou atoladas emfretes aéreos; elas chegam em armazéns em todo o mundo e sãodespachadas novamente, para lojas ou para compradores online.Milhões de pessoas e toneladas de água, produtos químicos, cul-turas, e petróleo estão envolvidos no processo que transforma afantasia de um designer em um objeto sensual pendurado em uma

    arara de loja. Essa é a cadeia de suprimentos e sua totalidadelabiríntica é projetada para diminuir o atrito entre a satisfação dodesejo do consumidor e a compra. Eu quero aquilo! Clique. Algunsdias depois, um pacote chega à sua porta.

      Entende o que eu quero dizer sobre máquina? A cadeia deprodução industrial moderna da moda é fascinante, se, como acontececomigo, está em sua natureza car fascinada por esse tipo de coisa.

    Todo o resto das pessoas parece achar o tópico dolorosamente chato.Como Tom McCarthy escreveu sobre o mistério “Project” no centro de seumais recente romance Satin Island, a cadeia de produção de moda “teráefeitos diretos em você… embora você provavelmente não saiba disso.Não que seja segredo. Coisas como essa não precisam ser. Elas rastejamsob o radar por serem chatas. E complexas.”  Então eu vou tentar tornar isso interessante. Imagine JenniferLawrence. Melhor ainda, imagine que você é Jennifer Lawrence, estrelade uma franquia que acontece em uma distopia futura. Nesse mundo,a norma social é você comprar, regularmente, uma determinada peçade vestuário – diversas variações de uma que você já tem. Os meios desubsistência de muitas pessoas dependem de você comprar e recompraressa peça de vestuário. Depois, um dia, você – heroína em ação – fazuma descoberta. A fábrica onde a peça onipresente da sua sociedadeé produzida está despejando tanto material nocivo na atmosfera que o

    mundo pode acabar se ela não parar. A versão hollywoodiana dessahistória contaria com um vilão – um mentor déspota no topo do sistema,que seria descoberto e deposto. Um sistema mais gentil magicamenteemergiria, e você começaria seu reinado como a rainha generosa daterra, com um garoto bonito e interessante ao seu lado. Fim.  Agora imagine que a peça de vestuário onipresente no cen-tro dessa ação hollywoodiana é: jeans. Esse é mais ou menos o mundoem que vivemos, nós super-compradores do Ocidente desenvolvido. Nóssomos os consumidores nais de um produto – aparentemente inócuo, masnão – que nós compramos e recompramos sem pensar muito. Porque, vocêsabe, é assim que funciona. É assim que fazemos.  Os impactos da cadeia de produção da moda são vastos.Para efeitos do espaço, eu vou deixar de lado a discussão de sereshumanos e animais e se concentrar apenas sobre os custos ambientais. Oque é absurdo – certamente os seres humanos e os animais contam como

    parte do “meio ambiente?” – Mas inevitável. A mente de uma pessoa sópode processar um tanto de informação por vez. Então, para voltarmosao cenário acima apresentado, considere o denim. Ele é feito de al-godão produzido em fazendas espalhadas pelo mundo. O algodão étransportado para lá e para cá entre os oceanos para ser transformadoem tecido, costurado e beneciado. No caminho, o par de jeans conven-cional é tratado com PFCs, químicos que tornam o material respirável eà prova de manchas, e lavado com detergentes que contêm nonilfenóis,outro composto perigoso.  O processo todo é incrivelmente intensivo em água, da fazen-da para cima; e a carga de carbono do transporte do algodão paraas usinas e do denim cru para fábricas é astronômico por conta própria.Depois, há o impacto adicional do transporte, de barco ou de comboioou de jato, de jeans para as lojas. Eles chegam selados em sacos deplástico transparentes, que são prontamente descartados. Pelo menos

    o algodão decompõe-se; os sacos fazem o seu caminho para aterrossanitários, ou talvez, tomados por um senso de aventura, para a grandemancha de lixo do Pacíco entre a Califórnia e o Havaí. Quantos paresde jeans você possui? Eu acho que eu tenho cerca de uma dúzia depares, dos quais eu uso talvez quatro.  Um único par de jeans não é uma ameaça ao Planeta Ter-ra. Mas como Siegle fala em seu livro, “um escalonamento de um bilhãoe meio de calças jeans e de algodão são costuradas em Bangladeshtodo ano”. E isso é só em Bangladesh. E isso é só jeans (e calças dealgodão). Virtualmente cada item de moda produzido em massa chegaàs nossas costas com uma história Bizantina. E na maioria dos casos, é otamanho da escala empresarial que está fazendo o dano. Nosso desejoinsaciável por cashmere barato resulta em uma supercriação de cabrasno Gobi, um delicado ecossistema rapidamente sendo despido da ve-getação necessária para suportar animais como, bem, cabras. Na Índia,

    o crómio usado pelos curtumes de couro de baixo custo tem manchadoporções do Ganges de azul brilhante, o tornando praticamente despro-vido de vida. Ou, para mudar a ação para a Indonésia ou Brasil, poupe

    A Insurreição Das Roupas:É Hora De Assumir As ResponsabilidadesDa Cadeia De ProduçãoTexto originalmente publicado no extinto Style.Com. Traduzido,republicado no Modefica e cedido à Social Woman.Tradução: Maya Singer.

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    um pensamento para um material laborioso conhecido como viscose. A viscose éproduzida a partir de polpa de madeira e, graças a onipresença do material namoda, está relacionada à destruição de enormes parcelas de oresta tropical.

    Lembrete amigável: A oresta tropical é o nosso sumidouro de carbono maisecaz, absorvendo CO2 e o expelindo de volta na forma de delicioso oxigênio.  Em abril desse ano, a Rainforest Action Network lançou uma novacampanha, Fora de Moda, chamando 15 marcas bem conhecidas para secomprometerem a fazer mudanças em sua cadeia de fornecimento visando me-lhorar a perda da oresta. Existem outras iniciativas em andamento também: 24de abril marca o Fashion Revolution Day, em que as pessoas em todo o mundosão convidados a postar seles com as etiquetas de conteúdo de suas roupascomo uma forma de desaar a indústria da moda para se tornar mais transpa -rente.  Enquanto isso, diversas marcas começaram a dar passos à direçãocerta. A Levi’s está encabeçando um movimento de tornar o consumo de águana produção de jeans mais eciente, e a companhia se comprometeu em aboliro uso de PFCs em sua produção até 2016. Enquanto isso, também na linha defrente do denim, Pharrell Williams formou parceria com a G-Star para criar uma

    linha com tecidos feitos de algodão e plástico reciclado tirado dos oceanos.(Acho que Pharrel tem os mesmos pesadelos que eu tenho). François-Henri Pi-nault, CEO do grupo Kering, emergiu como um forte líder na sustentabilidade:Ele instituiu reformas para localizar e reduzir desperdício na companhia inteira, eestabeleceu o Laboratório De Inovação De Material, que desenvolve artigosde luxo mais sustentáveis. Entre as marcas de fas-fashion, H&M demostrou um de-sejo sincero de limpar sua sujeira, lançando uma variedade de iniciativas sob ologo “H&M Conscious” e comprometendo-se a não usar nada além de algodãoorgânico ou reciclado em suas roupas até 2020. H&M já é a maior consumidorade algodão orgânico do mundo.  Estes esforços são de certa maneira louváveis. Mas há uma questãomaior, que está intrinsecamente relacionada ao tamanho. O problema com amoda, vis-à-vis o meio ambiente, não é com um produto qualquer ou um pro-cesso qualquer. Alguns deles são bastante ruins realmente, mas é a escala deprodução que de fato importa no nal. Uma imensa infra-estrutura foi concebida

    para apoiar uma cultura de compras em que estamos encorajados a comprarmais, mais, mais. Comprar agora; comprar mais barato; comprar constantemente.  Eu vou poupar você sobre a lição do consumo consciente. Não hádúvidas que você já ouviu sobre isso antes. Ao invés disso, me permita pausarpara admitir que eu mesma sou totalmente permeável ao fascínio das compras.Só nessa semana, eu concebi um desejo urgente por uma cropped are, duasblusas de algodão bordadas da Madewell, e um novo par de Birks. A croppedare eu comprei de segunda mão, as blusas eu decidi esperar até que eu pu -desse me decidir entre uma das duas, e as Birkenstocks eu pulei porque, bem, opar que eu tenho é suciente. Tudo isso eu mencionei apenas para notar quefoi um ato de verdadeira disciplina limitar minhas compras. Todo o processo medeixou mais exausta do que satisfeita. Eu não acho que eu sou a única a ter essesentimento oco, contemplando o meu curso. E então – por força do