REVISTA CONTEMPORANEA N8 | 2007.1

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  • N8 | 2007.1REVISTA

  • ApresentAoDenise da Costa Oliveira Siqueira

    ArtIGosComunicao, cultura e arte contemporneaFernando do Nascimento Gonalves

    Quanto mais frio melhor: imagem e representaes sociais do turistaem Campos do JordoEuler David de SiqueiraJarlene Rodrigues ReisVirglio Czar da Silva e Oliveira

    Mtaphysique du social. Essai sur lutilit de la dmarche thologique dans linvestigation sociologiqueMalgorzata Kobierska

    ps-GrAduAoO espetculo da publicidade: a representao do corpo feminino na mdiaLiliany Samaro

    O telefone celular como produtor de novas sensorialidades e tcnicas corporais Ana Amlia Erthal

    InIcIAo cIentfIcARepresentao, imposio e negociao: a sociedade brasileira nas minis-sries da GloboBeatriz Caliman de Castro

    Mito e heri na contemporaneidade: as histrias em quadrinhos comoinstrumento de crtica socialMarcos Fbio Vieira

    Espetacularizao dos eventos de moda o Fashion RioBianca Silva Saraiva

    comentrIosLangage visuel et meutesFabio La Rocca

    Sumrio

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  • A dana contempornea carioca dos anos 1990: corpo, poltica e comunicaoAndra Bergallo Snizek

    resenhAsExposio de Fotografias Vidro-Mosaico-Arte-Rio de Janeiro, 2007Hlio Masatoshi Shiino119

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  • Apresentao

    Comunicao, cultura e arte contempornea o tema do primeiro artigo desta edio de Contempornea. O texto do professor ernando do ascimenernando do ascimento Gonalves, do PPGC/UERJ, abre a revista por seu carter interdisciplinar. ernando Gonalves pesquisa as possibilidades da arteresistncia no universo tecnolgico e apresenta algumas de suas questes.

    Esse texto d incio presente edio porque tem como objeto de pesquisa uma temtica interdisciplinar. A comunicao sempre teve esse carter. Enxergla somente nos meios de comunicao reduzir suas possibilidades humanas e culturais.

    na perspectiva da interdisciplinaridade que a publicao on-line abarca textos de reas ligadas comunicao. Assim, o segundo texto proposto, Quanto mais frio melhor: imagem e representaes sociais do turista em Campos do Jordo, do socilogo e professor do PPCS/UJ, Euler Siqueira, de Jarlene Reis e Virglio Oliveira, explora o referencial das representaes sociais, tema de uma das linhas de pesquisa do mestrado em Comunicao da UERJ.

    Mtaphysique du social. Essai sur lutilit de la dmarche thologique dans l investigation sociologique traz a contribuio da sociloga polonesa Malgorzata Kobierska, do grupo de pesquisa do CEAQ, dirigido por Michel Maffesoli, na Universit Ren Descartes, Paris V Sorbonne.

    Abrindo espao para a produo da psgraduao da UERJ, as alunas do mestrado em Comunicao, ilian Samaro e Ana Amlia Erthal, escreilian Samaro e Ana Amlia Erthal, escrevem sobre suas pesquisas, nas linhas de Cultura de massa, cidade e representao social e ovas tecnologias e cultura, respectivamente.

    Como Contempornea tambm se prope a expor trabalhos de alunos e exalunos de graduao realizados sob orientao de professores pesquisadores, na seo Iniciao Cientfica esto os textos de Beatriz Caliman, sobre as minissries da rede Globo, Marcos bio Vieira, sobre o mito nas HQ e de Bianca Silva Saraiva, sobre o ashion Rio como espetculo de comunicao.

    Com mais essa edio esperamos contribuir para o pensar contnuo sobre a pesquisa em comunicao no pas.

    Denise da Costa Oliveira Siqueira Professora do PPGC/UERJ

    ComuniCao e suas Conexes

  • ResumoA arte, como um processo de produo simblica, um espao rico para questionamentos acerca da comunicao e da cultura contemporneas. Da podermos pensar as manifestaes contemporneas da arte como fenmeno cultural complexo, na medida em que indicam a possibilidade de interessantes experimentaes nos processos comunicativos, como campo de circulao de valores e signos. O uso que artistas vm fazendo de materiais pouco convencionais e de mdias como fotografia, vdeo e as chamadas novas tecnologias chama a ateno por possibilitar arranjos singulares com a tcnica e um dilogo inusitado com nossa contemporaneidade. Por meio dessas operaes, possvel revisitar a relao que mantemos com a prpria tcnica, promover uma releitura de discursos e prticas sociais ligados constituio de nossos modos de vida, jogos de poder e criar novas condies de Possibilidade para a produo de diferena na atualidade.Palavras-chave: comunicao, arte, cultura.

    AbstractThe Art, as a process of symbolic production, is a rich locus for reflections on contemporary communication and culture. Hence, it is possible to see contemporary art manifestations as a complex cultural phenomenon as they indicate the possibilities of interesting experimentations in communicative processes, considered as a domain for values production and circulation os signs. The uncanny uses that artists are doing of technologies as photography, video and the so called new media draw attention to the possibilities for unique arrangements with techniques and for unexpected dialogues with our contemporarity. By such operations, it is possible to resignify our relationship with the technology and to reread discourses and social practices which constitute our ways of life and power games, and in so doing, it is possible to create new conditions for alterity production today. Keywords: communication, arts, culture.

    A nica finalidade aceitvel das atividades humanas a produo de uma subjetividade auto-enriquecendo de modo contnuo sua relao com o mundo(GUATTARI,1993,p.33).

    Comunicao, cultura e arte contempornea Fernando do Nascimento Gonalves

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    Comunicao, cultura e arte contempornea

    Fernando do Nascimento Gonalves*Professor da graduao e da ps-graduao da Faculdade de Comunicao Social da UERJ.

    Doutor e mestre em Comunicao pela ECO/UFRJ.

  • Comunicao, cultura e arte contempornea Fernando do Nascimento Gonalves

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    O presente trabalho parte de um projeto de pesquisa atualmente re-alizado no programa de ps-graduao em comunicao da UERJ, na linha Novas tecnologias e cultura. A questo que move a pesquisa o desejo de problematizar o que poderia ser chamado de cultura comunicacional contem-pornea, forjada a partir de um primado miditico.

    Esta cultura poderia ser caracterizada por um mdiaceantrismo, ou seja, um carter fortemente veiculativo, onde os meios e a transmissibilidade tendem a constituir o fim dos processos comunicacionais. Nesse tipo de confi-gurao, privilegia-se a profuso da informao - na figura da disponibilidade - e sobrevaloriza-se a tecnologia, a mobilidade e a interatividade como se fossem qualidades positivas em si mesmas.

    Com isso, muitos dos processos comunicativos na atualidade parecem estranhamente se colar a uma supercomunicao de fluxos instantneos, que parecem trabalhar para uma repetio no criadora. A comunicao produ-zida nesse contexto impelida ao seu limite de inteligibilidade para garantirmpelida ao seu limite de inteligibilidade para garantir garantir sua eficcia, obtida pela estabilizao dos sistemas de transmisso e recepo dentro de um mecanismo definido, como afirma Ren Berger (1977). Nesses mecanismos, a mensagem se apaga em favor da informao e em detrimento de sua qualidade de acontecimento, produzindo apenas uma reverberao de si mesma enquanto efeito de discurso.

    Talvez por isso Gilles Deleuze tenha afirmado que no sofremos da fal-ta de comunicao, mas de seu excesso (1992, p. 172). Ora, alter Benjaminalter Benjamin j observara que na modernidade acentuara-se o desvalor da comunicabilidade da experincia em favor de seu registro, codificao e circulao sob a forma de informao. Em sua anlise sobre fim da arte da narrar, verificara que o desenvol-vimento das foras produtivas vinha expulsando gradualmente a narrativa da esfera do discurso (BENJAMIN,1993, p.201). Com a desvalorizao da tra-dio oral e do pico, agrava-se tambm o enfraquecimento da gratuidade em que se apia a narrativa. Da Benjamin afirmar que a narrativa teria entrado em extino, sobretudo com o aparecimento do romance e de modos expressi-vos que favorecem o consumo da informao, como o jornal. Na verdade, foi a prpria experincia que de certo modo passou a ser desqualificada ao tornar-se um objeto de consumo.

    Benjamin reconhece essa tendncia de empobrecimento e vai afirmar que a experincia tende a ser esvaziada em seu sentido pela profuso e rapidez da circulao de notcias. Realmente, com a modernidade, passa-se a favore-cer a relao de consumo na comunicao, que vai desvalorizar a qualidade propriamente comunicativa da experincia para privilegiar os efeitos de sua circulao. Desse modo, verifica-se que o conhecimento e o valor da experincia tendem a se apagar frente informao (BENJAMIN, 1993), que sobrecodifica a realidade e a relao que mantm com ela o indivduo, inaugurando novas formas de controle subjetivo.

    Nossa sociedade atual, como bem lembra Deleuze, no opera mais sob re-gimes duros ou por confinamentos. Antes, produz formas de domnio onde as

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    regras no so mais externas e coercitivas, mas internas e aparentemente faculta-tivas e que remetem a trocas flutuantes e modulaes (DELEUZE, 1992, p. 222). No momento atual, quando a espetacularidade desses mecanismos se exibe sem pudores e em escala planetria, tornam-se mais urgentes e necessrias novas formas de pensamento e de interveno, pois, em ltima instncia, ao falar da produo e de controle de subjetividade(1), do poder sobre a vida e seus modos de manifestao que estamos falando.

    Para tanto, creio ser importante considerar o que Peter Pl Pelbart diag-nosticou como paradoxo de nossa condio contempornea: a possibilidade do domnio cada mais amplo sobre a vida ou biopoder a vida tornada alvo supremo do capital ao lado da possibilidade da vida como um capital maior, capaz de promover resistncias e singularidades, um poder da vida ou biopotncia. (PEL-BART, 2003, p. 13).

    Pelbart, certamente apoiado em Foucault e Deleuze, cr que, em meio complexificao de nossas sociedades e modos de vida, ao acmulo do conheci-mento e da informao ser sempre possvel imaginar tambm o surgimento de uma heterogeneidade, uma polifonia capaz de gerar contrapontos, dissonncias e rupturas. Trata-se ento de produzir novas estratgias para a produo de dife-rena, pois sempre possvel pensar formas de resistncia a partir das prprias instncias em que se articulam os mecanismos de controle.

    Recordamos que Foucault (apud CAIAFA, 2000, p. 61) nos falava do surgimento de uma nova era de curiosidade, em que poder-se-ia explorar as potencialidades das novas tcnicas na direo de uma transformao, afastan-do-se assim do discurso segundo o qual tudo vai mal e de que vivemos num vazio sem futuro. Afirma ele: ao contrrio, acredito que h uma pletora. No estamos sofrendo de um vazio, mas de meios inadequados para pensar sobre tudo o que est acontecendo.

    justamente a que se insere a arte. A arte, enquanto campo de pro-duo simblica, um espao vital para o exerccio desses questionamentos e dessas intervenes. A arte vai nos interessar especialmente pela aventura de carter esttico e subjetivo a que pode dar lugar - onde o esttico diz respeito a formas de sensibilidade criadoras e o subjetivo, produo social de estilos de vida. Como operador discursivo, a arte participa dos processos de produo de sentido, favorecendo, a um s tempo, a investigao sobre as atuais dimenses da experincia do humano e o surgimento de novas ferramentas de ao.

    As aventuras a que a arte d lugar possibilitam distintas formas de per-cepo e de interveno na realidade, formas essas que podero propiciar o surgimento dos elementos de escape, que constituam o que Deleuze chamou de linhas de fuga. Fugir a, porm, no ser sair do mundo, antes, ser algo mais ativo: fazer fugir, criar brechas nas modelizaes dominantes, nas cris-talizaes e codificaes que caracterizam nossas sociedades, fazer algo esca-par, fazer um sistema vazar (DELEUZE, PARNET, 1998, p.49).

    A arte certamente no seria a nica instncia do social capaz de promover essas rupturas, mas pode ser pensada como um dos focos ativos de experimen-

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    taes que se cruzar com outros, ampliando as condies de possibilidade de engajamento da subjetividade em processos de inveno. Assim, a arte vai nos importar menos pelo que expressa e mais pelas marcas que pode deixar em ns, pela qualidade das experincias subjetivas que pode suscitar.

    Os usos artsticos de distintos elementos do cotidiano tm promovido uma intensa ressignificao de suas finalidades, capaz de instaurar com eles uma relao diferenciada, inclusive com os meios de comunicao, embora certamente de forma minoritria. Concebida dessa forma, a arte funcionaria como uma engrenagem, uma mquina produtora de novas sensibilidades: esta mquina que realiza, segundo Caiafa, um trabalho criador com as formas expressivas e abre brechas nas subjetividades padronizadas, fazendo surgir singularidades (CAIAFA, 2000, p.66). Esse trabalho criador preci-samente um exemplo do que Guattari (1993, p. 134-135) chamou de proces-sos de singularizao, processos que surgem desse poder da arte de produzir rupturas nas significaes dominantes e de sua capacidade de operar tambm transformaes na prpria subjetividade, quando os segmentos semiticos que a constituem passam a formar novos campos significacionais.

    Quando proponho pensar a relao entre os campos da comunicao e da arte, estou precisamente propondo pensar a arte como um dos elementos singularizadores das experincias comunicativas, atravs da instaurao de uma multiplicidade no interior das instncias expressivas. Essa multiplici-dade estaria fundada precisamente na possibilidade permanente de mutao dessas instncias e seus agenciamentos, que se tornariam, assim, capazes de engendrar novas referncias para a produo de sentido.

    Usos diferenciados da mdia e da tecnologia podem constituir vetores de singularizao e poderiam ser considerados indcios do surgimento daqui-lo que Guattari chamou de era ps-mdia (GUATTARI, 1993, p.16). Nessa era, a mdia e suas modelizaes subjetivas no teriam mais pretenses de sobrecodificar a realidade. Ao contrrio, teriam como objetivo ser uma fonte de heterogeneidade e polifonia, de novas formas de viver em sociedade. Essa era seria caracterizada no pela negao ou superao das tecnologias e meios de comunicao, mas por sua reapropriao e ressingularizao, a partir das experimentaes sociais feitas com seus elementos.

    Por trabalhar, de diferentes maneiras, com uma narrativa que se apia na durao, a arte poderia produzir interessantes experincias com a comuni-cao, no no nvel da transmissibilidade, mas no da criao e no do rearran-jo de cdigos sociais. que a arte realiza um trabalho intensivo com as for-mas expressivas e, pelo menos desde o comeo do sculo XX, vem realizando uma srie de experimentaes com elementos da cultura e da sociedade, ora refletindo e reforando seus valores e concretizando-os -, ora problemati-zando-os ou rompendo com eles.

    Esse trabalho de experimentao consiste exatamente na apropriao e na ressignificao de objetos, imagens, discursos, textos, do corpo, alm de tecnologias de comunicao como fotografia, cinema, vdeo e, atualmente, o

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    gicas) encontram-se sistematizados no Quadro 1 da pgina seguinte.

    Quadro 1 Categorias estruturantes da percepo turstica

    Unidade mnima ideolgica Caracterstica Frase tpica

    Alta temporada poca entre maio, junho e jul-ho, abarcando as frias do meio de ano, em que a afluncia de turistas grande e Campos do Jordo se torna um disputado ncleo turstico.

    Eu venho todo ano porque Cam-pos do Jordo um ponto tursti-co, o ponto mximo agora do in-verno, e eu gosto daqui mesmo, acho muito bacana. Nessa poca bom porque frias, todo mundo vem pra c.

    Baixa temporada Perodo de pouca afluncia turstica e menor densidade de vida social, principalmente du-rante o vero.

    Como eu sou de Pindamon-hangaba, eu sempre venho pra c o ano todo, porque perto, a gente vem e volta no mesmo dia... agora, frias de fim de ano mais raro, porque aqui nem tem muito o que fazer, aqui fica melhor no inverno.

    Frio / Inverno Ligados ao aconchego, aprox-imao das pessoas e ao uso de trajes quentes e elegantes, pro-porcionados pelas baixas tem-peraturas.

    O pessoal falava que era muito frio, frio mesmo, n... hoje no est frio, mas nesses dias tem sido gelado aqui.

    Beleza Noo de valor esttico e pais-agstico associado ao cenrio turstico em estilo europeu e aos recursos naturais.

    muito lindo aqui, muito lindo mesmo. Eu, na minha opinio, eu achava que no era to lindo assim.

    Desenvolvimento Define as melhorias em estru-tura e o aumento de investi-mentos pblicos e privados.

    Acho que Campos do Jordo vem melhorando ano aps ano. As lo-jas, eu acho que aumentou mais, entendeu? Muita coisa eu acho que aumentou aqui, em termos de estrutura para receber o tur-ista.

    Hospitalidade Refere-se sensao de acolhi-da proporcionada pela cidade.

    Eu achei que o povo aqui mui-to hospitaleiro, eu trago sempre os meus filhos aqui, hoje trouxe at um colega deles tambm, e sem-pre um passeio super agradvel, a gente se sente em casa mesmo.

    Tempo Idia de um tempo que passa depressa, em virtude da quan-tidade de atrativos e da quali-dade da experincia turstica.

    Voc passa um dia super agradvel, voc no sente o tempo passar aqui.

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    Reserva / impessoalidade / frieza

    Atitude receosa e reservada quanto s outras pessoas, pre-veno devido ao medo da vio-lncia urbana.

    S em cidade pequena que voc v isso, aqui e em Minas, da pes-soa chegar e puxar conversa com voc. Nunca que l em So Paulo voc ia ter a facilidade que tem aqui pra fazer essa sua pesquisa, por exemplo, porque as pessoas so mais fechadas, tm mais re-ceio...

    Tempo corriqueiro

    Dia-a-dia

    Tempo que no passa devido s atividades repetitivas do tra-balho e da vida nas grandes ci-dades.

    A gente quando vem de So Paulo pra c j vai sentindo como vai mudando... L a gente vive na correria, a semana toda da casa pro trabalho, levar os filhos pra escola...

    Descanso Relacionado reposio de en-ergias, revitalizao propor-cionada pelo tempo de repouso em que se procura um afasta-mento das atividades rotineiras do trabalho.

    S chegar aqui j d uma tran-qilidade; venho com a cabea cheia de coisa pra resolver, passo um fim-de-semana e parece que uma terapia, eu volto pra casa at mais leve.

    Segurana Reflete o sentimento de de-spreocupao e de liberdade, devido vida urbana pacfica de Campos do Jordo.

    Aqui bom por causa da tran-qilidade, voc deixa o carro es-tacionado na rua e no esquenta a cabea, ningum te assalta...

    Noite quando as luzes dos prdios estilizados se acendem e acon-tece o maior movimento nos bares e nas boates do Capivari.

    Tem que ver noite, que bonito, parece at Natal, por causa das luzes.

    Fonte: dados da pesquisa, 2004

    As categorias do quadro acima foram identificadas a partir da freqncia de aluses e da nfase dada pelos informantes s idias presentes nos discursos. A anlise das entrevistas revelou outros tpicos relevantes, embora menos recorrentes.

    Dentre as categorias ou representaes sociais mais significativas, esto as que opem a alta baixa temporada, a cidade pequena, sossegada e tranqila cidade grande, agitada e vio-lenta. Da mesma forma, h ainda categorias que estabelecem oposies como as que descrevem Campos do Jordo como cidade bela, requintada, aconchegante e hospitaleira cidades feias, frias e impessoais; a noite em Campos do Jordo aparece como lugar de encontro com pessoas boni-tas, simpticas, hospitaleiras, elegantes e desestressadas. O olhar do turista em Campos do Jordo socialmente construdo. Ao mesmo tempo em que mostram-lhes imagens que sugerem um lugar distante do cotidiano agitado, violento e estressante dos grandes centros, ressaltam-se as qualidades de um lugar distante, mas prximo: a Vila europia, com sua arquitetura tpica dos Alpes Suos, repleta de imagens que remetem a esse universo. Entre pltanos e casas em estilo alpino do bairro do Capivari, o turista percorre um espao distinto atravs de um tempo dife-

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    rente, o da alta temporada, daquele que vivencia na baixa temporada, quando est em casa.

    COnSIDERaES fInaISO cenrio turstico de Campos do Jordo passa por um ciclo anual de

    preparao para receber os turistas (a baixa temporada) e de grande movimento e concentrao social (a alta temporada). O inverno , para a cidade, o pice da vida cultural e social, um tempo em que os indivduos se aproximam, se agru-pam e modos de pensar, ser, desejar, sentir e agir ocupam maior um espao maior na conscincia dos sujeitos, como detalha Mauss (1974). Os visitantes so os atores principais desse espetculo, que transforma a cidade pequena da Serra da Mantiqueira numa charmosa vila de caractersticas tipicamente euro-pias. So significados socialmente construdos que emergem nesse momento e que ajudam a formar o imaginrio coletivo em Campos do Jordo.

    Em Campos do Jordo, os turistas se sentem atrados pelo que lhes pa-rece diferente e extico, pelo que no experienciam em seu cotidiano. Trata-se de um tempo e espao que rompem com o continuum do resto do ano. Temos, de fato, aqui, uma dupla morfologia e ao mesmo tempo distintos sistemas de representaes. Os visitantes procuram, em seus momentos de lazer, o oposto do que vivenciam nas grandes cidades: poluio, violncia, barulho, trabalho desgastante e estresse. Se, durante o vero, essas pessoas viajam para o litoral, no inverno, Campos do Jordo se torna o refgio onde encontram sossego, se-gurana, descanso e beleza. O outro , para o turista, um meio e um conjunto de relaes sociais e ambientais que no lhe so habituais. O contato com uma cultura diferente instiga o visitante a refletir sobre a sua prpria, o que favorece a compreenso de suas particularidades por meio da comparao e da oposio. sobretudo a partir da diferena que relaes, olhares e sentidos que colocam lado a lado o tempo e o espao normais ao tempo e espao distintos de Campos do Jordo.

    O local de origem dos visitantes parece ser um fator decisivo, ainda que no nico, na construo de sua percepo da realidade. Os respondentes, oriundos de cidades com caractersticas industriais e cosmopolitas, possuem uma cultura de valorizao dos aspectos paisagsticos, da segurana, da tran-qilidade e dos recursos naturais. So esses elementos, sobretudo, que parecem ter se perdido em seus espaos de vida e trabalho.

    Considerando que, para Cuche (1999), a identidade local se consolida a partir das relaes contrastivas entre diferentes grupos, torna-se mais fcil com-preender como formada, no imaginrio dos visitantes, a imagem de Campos do Jordo: uma cidade pequena, bonita, tranqila, com predominncia do estilo arquitetnico europeu, de recursos naturais abundantes e freqentada por pessoas bonitas e de bom gosto. Essa , tambm, a imagem veiculada e

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    reforada pela mdia. Se h bairros pobres e algum tipo de fealdade, se difcil a vida dos residentes, isso passa bem longe dos pontos para onde se direciona o olhar do turista. Mas as qualidades das imagens veiculadas pela mdia no esto presentes no real, na paisagem em seus aspectos naturais. Antes, ela o resultado do que as categorias de uma cultura ou do imaginrio construdo socialmente podem dar, pr ou colocar, criando a prpria realidade para os sujeitos que a vivem.

    De fato, o turista em Campos do Jordo parece no estar procura de um contato maior ou um conhecimento mais efetivo da populao e da cultu-ra local. Mas no seria a questo pensarmos qual populao, qual cultura local, j que falamos de lugares hbridos? Seu imaginrio transforma o real numa fantasia de vila europia mais prxima e acessvel que a verdadeira Europa (Op. Cit., 1997). O contato com a pobreza, com os morros da periferia e com o cotidiano simples dos moradores locais poderia macular ou ainda profanar a imagem paradisaca e sagrada da vila europia.

    No obstantes a variedade e o valor dos atrativos, podemos observar a importncia da concentrao de visitantes numa mesma poca, como motiva-dor da escolha de Campos do Jordo pelos turistas. O gregarismo (Op. Cit., 2000) justifica a enorme demanda que aumenta a cada temporada. Os turistas se sentem atrados pela possibilidade de conhecer novas pessoas, de ver gente famosa e, principalmente, de fazer parte de um grupo seleto que consome produtos e servios caros e de qualidade num lugar privilegiado. Em Campos do Jordo, o que atrai os turistas so os prprios turistas, como observa Silva (2004).

    Chama a ateno a composio do espao urbano, principalmente no bairro turstico, o Capivari, e nas suas imediaes. O espao concebido como um atrativo turstico constitui um cenrio transposto de lugar, uma tenta-tiva de reconstruo de caractersticas arquitetnicas tipicamente europias, sem qualquer ligao original com as razes da cidade. Seria melhor ento falarmos de culturas, lugares e tradies hbridas em Campos do Jordo. A cultura caipira timidamente inserida nesse contexto, atravs da introduo de elementos e produtos ditos jordanenses. nesse momento que emergem questes importantes colocadas pela pesquisa. O que o turista v em Campos do Jordo? O que se lhe dirigido ao olhar ou o que ele mesmo, a partir de seu imaginrio, expectativas e categorias culturais lhe possibilitam a classificao? Suas percepes so simplesmente sugeridas? Construdas com base no que foi feito para seus olhos e que existe com a finalidade maior de ser experimentado pelo visitante? Acreditamos que seria melhor dizermos que Campos do Jordo se apresenta como vrias possibilidades de realidade para os mais distintos gru-pos sociais. O que est por trs do espetculo em Campos do Jordo deve ser entendido menos como uma farsa artificial e inautntica para enganar turistas desavisados e alienados do que diferentes percepes, estilos e modos de vida coabitando um mesmo espao que se torna mais complexo e multicultural. A

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    despeito disso tudo, o visitante volta para casa satisfeito e encantado, a ponto de desejar ver tudo outra vez, no ano seguinte.

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    1 Com populao estimada de 46.444 habitantes, Campos do Jordo chega a receber, durante a alta temporada, mais de 1 milho de visitantes, a maior parte da classe mdia paulistana. A grande afluncia de turistas provoca engarrafamentos e uma enorme concorrncia nos atrativos e nos hotis, que efetuam reservas com meses de antecedncia. Vrias lojas se instalam temporariamente na cidade, apenas durante o inverno

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  • Mtaphysique du social. Essai sur lutilit de la dmarche thologique dans linvestigation sociologique Malgorzata Kobierska

    ResumoNesta reflexo a autora faz um olhar sobre os telogos medievais que, por meio de um pensamento puramente especulativo provam a existncia de Deus. O objetivo fixado duplo: argumentar e provar um enunciado, A sociedade como um Deus e, em seguida, refletir sobre suas conseqncias epistemolgicas.Palavras-chave: investigao sociolgica, teologia, metafsica.

    RsumDans cette rflexion lauteur vas procder linstar des thologiens mdivaux qui travers une dmarche purement spculative prouvrent lexistence de Dieu. Lobjective fix ce raisonnement est double: argumenter et prouver un nonc: La socit est comme un Dieu et ensuite rflchir sur ses consquences pistmologiques.Mots-clfs: investigation sociologique, thologie, mtaphysique.

    Le monde a besoin de contemplation en face de faits irrductibles et opinitres

    (A.N. Whitehead)

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    Mtaphysique du social. Essai sur lutilit de la dmarche thologique dans linvestigation

    sociologiqueMalgorzata Kobierska

    Doutora em Sociologia pela Universit Ren Descartes - Paris V, Sorbonne. Pesquisadora do CEAQ (Centre dtudes du actuel e du quotidien).

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    Mtaphysique du social. Essai sur lutilit de la dmarche thologique dans linvestigation sociologique Malgorzata Kobierska

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    Dans cette rflexion je vais procder linstar des thologiens mdi-vaux qui travers une dmarche purement spculative prouvrent lexistence de Dieu. Lobjective que je fixe ce raisonnement est double: argumenter et prouver un nonc: La socit est comme un Dieu et ensuite rflchir sur ses consquences pistmologiques.

    La dmarche que je propose ici na rien dune provocation intellectuelle. Lenjeu mthodologique qui se pose aujourdhui devant toute rflexion hu-maniste et sociale confronte au rejet populaire (sic !) des dogmes pistmo-logiques et ontologiques de la modernit se manifestant par leffondrement brusque ou leffritement latent de leurs constructions sociales consiste trouver les procds intellectuels qui sachent rendre compte de leur complexit. Bref, dans ce temps marqu par le retour de la contradiction, il faut trouver la com-prhension qui lui convient.

    En se rfrant la pense bergsonienne on peut dire que la rflexion dans les sciences sociales doit trouver les procds qui sachent sinstaller dans la ralit mobile, qui sont donc fluides, capables de suivre la ralit dans toutes ses sinuosits et dadopter le mouvement mme de la vie intrieure des choses (BERGSON, 1990, p.231).

    Lvocation de la tradition mdivale est une rfrence une pistmo-logie base sur la reconnaissance ontologique de la contradiction qui se manifeste par le suprme intrt pris la mort, au non tre, une existence posthume (MUMFORD, 1974, p.32). Lobjectif de la thologie consiste connatre et comprendre Dieu qui selon une belle expression simmelienne est concidentia oppositorum, centre o se fondent les antinomies de la vie ; (SIMMEL, 1964, p.19).

    Dfinition De la MtaphysiqueLe point de dpart de ma dmarche est la reprise de la dfinition aris-

    totlicienne de la mtaphysique considrant celle-ci comme une discipline qui vient aprs la connaissance physique (sensible/exprimentale) et qui a pour objet Etre en tant qutre . Selon Aristote la mtaphysique est une philoso-phie premire, elle est donc une sorte de mta-science . Cest une science fondamentale de ltre, une rflexion globalisante et suprasensible. Cest elle qui grce limagination spculative raisonne rassemble les bribes de savoir obtenus au travers de linvestigation sensible. J. Moreau (1985, p.14) constate : La mtaphysique dAristote peut tre considre comme un effort pour sur-monter le dualisme de lintelligible et du sensible .

    La mtaphysique est une discipline ayant pour ambition de trouver lessence de ltre, cest--dire ce qui est constitutif pour lui, donc invariable et permanent. Autrement dit, ses noncs ont un caractre intemporel et impersonnel.

    Mtaphysique et thologieLa religion chrtienne assimile la mtaphysique. Si la mtaphysique est

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    Mtaphysique du social. Essai sur lutilit de la dmarche thologique dans linvestigation sociologique Malgorzata Kobierska

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    la science fondamentale de lEtre, donc de la cration divine, la thologie est la science de ltre divin en tant que premier est suprme. La mtaphysique touche le sacr car le monde profane est la preuve tangible de lexistence divine. Elle est, par consquent, le discernement par lesprit humain de ce monde mul-tiple, tangible, sensible, pos aux yeux de lhomme. Le point de dpart de la d-monstration thologique est la Rvlation, cest--dire le moment dapparition de la dit. Et ceci parce que Dieu ncrit pas des livres. Ils se rvle dans les vnements (POULAIN, 1989, p. 490).

    Apparaitre veut dire se montrer aux yeux de lhomme . Autre-ment dit, la Rvlation est une forme suprme de lapparence, elle est donc phnomnale . Si la thologie est un discours sur la dit et ses actes, la mtaphysique est une recherche du plan, du schma de la cration divine. Ces disciplines sont donc complmentaires en embrassant la totalit de la probl-matique ontologique : celle du Crateur et celle de sa Cration.

    Par consquent, elles visent dfinir les conditions gnrales dexistence, cest--dire savoir: Quest ce qui fait que la vie commence, perdure et cesse ? Dans cette perspective, on peut donc dire que la thologie est une rflexion sur la contradiction elle-mme, alors que la mtaphysique rflchit sur ses modulations profanes. Do ces deux disciplines ont la mme mthode de la connaissance qui est la phnomnologie.

    sociologie et MtaphysiqueDfinir les conditions gnrales de lexistence est lobjectif principal des

    sciences dites naturelles et aussi des sciences humaines y compris de socio-logie. Do en paraphrasant lexpression de R. Nisbet, je dirais que la sociologie est une forme de rflexion mtaphysique . Plus prcisment, cest une mta-physique comprhensive dont le rle consiste comprendre les significations et les consquences des phnomnes sociaux. Elle vise dfinir les conditions gnrales de lexistence sociale, donc savoir : Quest ce qui fait que la vie sociale commence, perdure et cesse ? . Par consquent, la sociologie est un discours rflchi, disciplin, organis sur le social qui lui-mme est instantan, mouvant, structur par le jeu de la contradiction.

    Dune manire gnrale, on peut dire que la rflexion de Maffesoli est un exemple de type mtaphysique . Si on fait une analyse transversale de son uvre, on se rend compte que le sujet principal de son investigation est la poursuite des diverses modulations sociales de la contradiction. Le refus du dualisme constitue le pivot central de son systme de comprhension. De cela rsulte un autre prsuppos mtaphysique, celui du mystre social exprim dans un postulat de la docte ignorance (MAFFESOLI, 1985). Mtaphysique est aussi Durand. Son livre, Les structures anthropologiques de limaginaire, est un exemple pure de la dmarche phnomnologique. Ses conclusions sont mtaphysiques et transcendantales . Mtaphysique est enfin Simmel. Dans lun de ses textes on peut lire :

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    Comme toute science exacte dirige vers la comprhension immdiate des donnes, la science sociale est entoure de deux domaines philosophiques. Le premier comprend les conditions, les concepts fondamentaux, les hypothses de la recherche singulire. Dans le second, la recherche singulire est porte des accomplissements et des synthses, elle est mise en relation avec des questions et des concepts qui nont pas leur place dans lexprience immdiate ou le savoir objectif et immdiat. (1964, p. 39).

    La dmarche mtaphysique est selon Simmel indispensable dans la rflexion sociale car lpuisement rapide de ce qui peut se constater et d-montrer objectivement conduit complter cet inachvement par le moyen de la spculation (ibidem). Larchtype jungien, lidal type weberien, la forme simmelienne et le rsidu de Pareto marquent cette volont de la re-cherche de principes ternels et immuables si caractristique pour chaque dmarche mtaphysique.

    sociologie et aRtCependant, les uvres de la sociologie mtaphysique et comprhensi-

    ve nont rien voir avec cette mtaphysique instantane qui est la littrature et/ou lart en gnral. Il existe une diffrence fondamentale entre La philoso-phie de largent, de Simmel et La montagne magique, de Mann. Le roman de Mann est beaucoup plus agrable lire que luvre majeure de Simmel. Signale par R. Nisbet la ressemblance frappante des sujets et des inspirations qui paraissent tant dans les travaux des sociologues que des artistes rsulte mon avis de ce que G. Durand appelle le bassin smantique et que, pour ma part, jinterprte en tant que fond imaginatif commun propre une poque donne. Ceci est selon moi la consquence du fait que la socit rsulte daction rciproque donc aussi de communication rciproque. Les discours scientifique et artistique baignent dans le contexte social global, ils expri-ment aussi lambiance de leur poque. Enfin, soyons ralistes !, ses auteurs vi-vent dans une socit donne, dans un contexte historique dfini et participent la vie de leur socit.

    Par contre, la mtaphysique instantane (BACHELARD, 1992, p. 103-109): posie, prose, rcit populaire peut fournir les donnes sociales par excellence. Le fait quelle dcrit les situations probables, vcues par des gens imaginaires na aucune importance sur le plan pistmologique. Ainsi donc pour comprendre bien lambiance qui rgnait en Russie lors des purges stali-niennes, il vaut mieux lire Le Matre et Marguerite, Boulgakov que nimporte quel travail scientifique bourr de donnes statistiques et historiques.

    La valeur de luvre littraire en tant que donne sociale rsulte du fait que celui-ci montre la socit de lindividu en action et interaction en dvoilant lambiance du temps, les sentiments. La russite de la dmarche heideggrienne est cet gard instructive. R. Jolivet remarque pertinemment :

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    Lintuition est riche et pleine de charme, mais le philosophe doit la traduire en mots et phrases, en discours cohrent. (JOLIVET, 1958, p.55).

    BipolaRit De la cognition huMaineLa mtaphysique est selon Aristote la forme de la connaissance qui vient

    aprs la connaissance physique (sensible). Autrement dit, il peroit le processus de la connaissance comme oscillation constante entre sensible et suprasensible. Cest bien entendu, la dcouverte du fonctionnement du cogito humain qui confront aux contradictions naturelles et sociales fonctionne ainsi. Plus prcisment, cest la dcouverte de sa structure archtypale ( KOBIERSKA,1994, p.61-64).

    Le rle de la connaissance mtaphysique, celle qui dpasse le sensible est multiple. Elle consiste, premirement tablir une image relativement coh-rente de la ralit dtecte lors de lexprience sensible. Deuximement, elle la projette sur lensemble de lexprience acquise par lhomme pendant sa lutte pour la vie. Troisimement, aprs le traitement rflexif de ces donnes venant de la connaissance sensible, elle formule en fonction des profonds besoins vi-taux de lhomme, les questions et les directions pour la suite de linvestigation empirique. Enfin, confronte lexprience ultime et pourtant quotidien-ne et banale : la mort elle la dpasse par les moyens de la transcendance. Et ceci parce quon narrive jamais ni la comprendre ni lexpliquer, ni non plus lliminer. Visible, cruelle, mystrieuse elle frappe chaque instant et partout. Elle peut venir de lunivers naturel, elle peut rsulter de la concurrence entre les hommes, le temps qui passe lannonce. Elle se cache dans le corps et lesprit. La maladie cest la mort rveille Do la mtaphysique naboutit jamais au repos et en jouit jamais de la scurit

    Dans cette perspective, on peut donc dire que le rle principal de la dmarche mtaphysique consiste dchiffrer la vritable signification des ph-nomnes toujours multiples, fragmentaires, htrognes, mouvants. Il sagit de savoir sils sont pour lhomme menaants, neutres, bnfiques. Et ceci se passe travers diverses oprations mentales : raisonnement logique, intuition, spculation. Dune manire gnrale, le traitement mtaphysique des donnes sensibles est une vritable pagaille o se mlent toutes les formes de pense.

    Si on observe exactement les reprsentations crit Simmel qui traversent continuellement notre conscience, leur vacillement, leurs mouvement en zigzags, le tourbillonnement dimages et dides sans lien rel entre elles, leurs combinaisons injustifiables, du point de vue de la logique, pour ainsi dire exprimentale tout cela est extrmement loin dune norme rationnelle. (SIMMEL, Secret et socits secrtes, p.13)

    Cest donc lun des mcanismes fondamentaux de linstinct dautoconservation qui comme le systme immunitaire conditionne la possibi-lit de vie. On peut agir dune manire efficace et avec le moins de risque pos-sible si on est en bonne sant psychique et physique. La sant psychique cest

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    Mtaphysique du social. Essai sur lutilit de la dmarche thologique dans linvestigation sociologique Malgorzata Kobierska

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    justement lquilibre dynamique entre ces deux formes de la connaissance. De cela on peut dduire que chaque perturbation de ce mouvement rcipro-que et oscillatoire doit provoquer chez lhomme le dysfonctionnement, cest--dire les troubles de la conscience se manifestant par la perte de la cohsion de ses actes physiques et psychiques. Ceci met en pril sa vie. La cessation de ce mouvement signifie pratiquement la mort, lentropie, le nant. Dou chaque rupture, mme momentane, est potentiellement mortifre. Par consquent, chaque pistmologie visant sparer ces modes de la connaissance contient la destruction en germe, alors que lordre ontologique construit selon sa vision est forcment coercitif.

    epistM MoDeRne et sens coMMun. Dune manire gnrale, tout ce qui est archtypale, primaire fait partie

    de linstinct dautoconservation . Cest donc, comme dit V. Pareto (1968), le rsidu, cest--dire la structure psychique et comportementale qui reste et r-siste. Le refus constant dexcuter tel ou tel acte, la persistance obstine dans telle ou telle attitude (habitude) peuvent signifier que la structure archtypale est atteinte. De mme pour le phnomne de la rsistance sociale : les mouve-ments chaotiques et nerveux du corps social, la rvolte ouverte, le refus tacite, l vitement, lironie, voil lventail des comportements sociaux travers les-quels la socit dit NON limposition sociale. Ici on peut tre daccord avec Maffesoli que la cration intellectuelle mise en application sociale nest per-tinente que lorsquelle senracine dans la cration populaire. (MAFFESOLI). Autrement dit, cest dans la vie quotidienne, dans les actes les plus banals que le bien fond dune conception intellectuelle peut tre confirm. Le non spontan dun homme ordinaire est toujours un signe de dcalage entre la vie et sa g-nralisation intellectuelle. La sparation si caractristique pour lpistmologie moderne ne senracine dans la vie courante.

    M. Weber remarque : Ce que nous appelons au sens propre la platitude de la vie quotidienne consiste prcisment en ce que lhomme qui sy trouve plong nest pas conscient et surtout ne veut pas prendre conscience pour des raisons psychologiques et pragmatiques, de cet enchevtrement des valeurs fon-cirement hostiles les unes aux autres. Au contraire, il refuse tout simplement de choisir entre Dieu et Diable (WEBER, 1990, p.390). Ce refus populaire de procd sparateur prouve tout simplement que la contradiction est cons-titutive de ltre quelle est de ce fait indpassable (MAFFESOLI).

    Ceci est lorigine dune autre sparation, celle entre le corps pensant du corps social et le corps social lui-mme. Pour lintellectuel moderne le sens commun nest quune lexpression dune pense immature. Il a beaucoup de mal accepter la vie telle quelle est . La folie du professeur du chinois dans le roman dElias Canetti Auto-da-f, est une mtaphore paroxystique de la situation de lintellectuel moderne enferm dans le monde strile de ses pro-ductions intellectuelles et de ce fait totalement perplexe et impuissant devant

  • Espetacularizao dos eventos de moda o Fashion Rio Bianca Silva Saraiva

    ResumoO artigo tem por objetivo analisar a relao do homem com a moda e discutir os grandes eventos como Fashion Rio. Buscamos analisar como a exploso de imagens promovida pela sociedade do espetculo contribui para aumentar cada vez mais a necessidade do homem de estar inserido no mundo da moda.Palavras-chave: comunicao, espetculo, moda, fashion.

    AbstractThis article analyzes the relationship between man and fashion to understand the success of events like Fashion Rio. We pretended to analyze how the explosion of images provided by the society of spectacle contributes to increase mans necessity of being inside the world of fashion.Keywords: communication, fashion, spectacle

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    Espetacularizao dos eventos de moda o Fashion Rio

    Bianca Silva SaraivaBianca da Silva Saraiva graduada em comunicao social, habilitao relaes pblicas, pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Atualmente pesquisa a relao do homem com a moda e a influncia da exploso de imagens da sociedade do espetculo nos eventos de

    moda.

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    Espetacularizao dos eventos de moda o Fashion Rio Bianca Silva Saraiva

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    IntRoduo O objetivo deste artigo discutir a relao do homem com a moda a

    partir do estudo do evento Fashion Rio. Buscaremos relacionar a necessidade do homem estar inserido no mundo da moda que, juntamente com a explo-so de imagens vendidas pela mdia na sociedade do espetculo, justificaria a espetacularizao e o grande sucesso desses eventos perante pessoas que no necessariamente esto inseridas no mundo profissional da moda. Hoje, tais eventos deixam de ser uma forma de apresentao da nova coleo de um esti-lista ou uma grife para um pblico selecionado e se transformam em desfiles de celebridades, que aproveitam a concentrao de jornalistas para se promover, o que chama ainda mais a ateno do pblico leigo para tais acontecimentos.

    Alm do desfile de celebridades nas passarelas e nas platias, a movi-mentao da mdia se intensifica com a realizao de representaes de aspecto cnico por parte das grifes, com desfiles muitas vezes realizados fora das pas-sarelas montadas no evento, reforando a idia da construo de cenrios ao invs do desfilar de modelos em passarelas tradicionais. As roupas tornam-se coadjuvantes nesse espetculo miditico de imagens, que d mais destaque s modelos que desfilam e s celebridades sentadas nas primeiras fileiras.

    Como Guy Debord, autor bastante comentado em reflexes sobre o conceito de espetculo, definiu em sua obra A sociedade do espetculo, o espe-tculo no um conjunto de imagens, mas uma relao social entre pessoas, mediada por imagens (1997, p. 14). Essas imagens so vendidas na mdia na ocasio dos grandes eventos de moda.

    Moda e eSpetculo impossvel falar em desfiles de moda e no lembrar de modelos fa-

    mosas, pessoas disputando os melhores lugares para assistir aos desfiles e flashes dos fotgrafos na intensa e massiva cobertura da imprensa. Essas imagens e a cobertura sero avidamente consumidas pelos fashionistas (pessoas que se interessam e vivem no mundo da moda) frustrados porque no tiveram a opor-tunidade de conferir, ao vivo e em cores, os badalados eventos que acontecem pelo mundo.

    Esses espectadores ficaro hipnotizados em frente aos televisores e sites na Internet conferindo as ltimas novidades. E essas novidades no vo in-teressar somente aos fashionistas, e sim a uma legio de espectadores que no fazem parte do mundo fashion e, muitas vezes tm nenhum conhecimento de moda, mas se tornam os maiores experts e interessados no assunto diante do destaque que a mdia d a esses eventos e a tudo o que acontece em torno deles. assim que funciona a moda na sociedade do espetculo.

    Segundo Debord, o espetculo uma forma de sociedade em que a vida real pobre e fragmentria, e os indivduos so obrigados a contemplar e a consumir passivamente as imagens de tudo o que lhes falta em sua existncia real (1997). No espetculo, os indivduos tm de olhar para os outros (estrelas,

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    homens polticos, e, no caso dos desfiles de moda, as modelos) que vivem em seu lugar. A realidade torna-se uma imagem, e as imagens tornam-se realidade; a unidade que falta vida, recupera-se no plano da imagem.

    Para Debord, a imagem uma abstrao do real, e o espetculo sig-nifica um tornar-se abstrato do mundo. Em eventos como os estudados, o indivduo geralmente esquece de todos os seus problemas e passa a viver outra realidade: a realidade do espetculo, do que fashion. Mesmo que somente por alguns instantes (enquanto observa as modelos na passarela), esse indivduo sente-se inserido naquele mundo de imagens.

    Nesse mundo mediado por imagens, pode-se dizer que o espetculo um suplemento do mundo real? Segundo Debord, no. Para ele, o espet-culo (...) o mago do irrealismo da sociedade real. Sob todas as suas formas particulares informao ou propaganda, publicidade ou consumo direto de divertimentos -, o espetculo constitui o modelo atual da vida dominante na sociedade (1997, p. 14). Isso significa que o espetculo no apenas uma parte do mundo real. Mesmo no seu irrealismo, o espetculo se coloca como real a partir da escolha feita pelo indivduo, sendo apresentado como modelo de vida a ser seguido: ou voc escolhe viver o espetculo ou decide excluir-se comple-tamente deste estilo de vida dominante na sociedade.

    Quando o mundo real se transforma em simples imagens, as simples imagens tornam-se seres reais e motivaes eficientes de um comportamento hipntico. O espetculo, como tendncia a fazer ver (por diferentes mediaes especializadas) o mundo que j no se pode tocar diretamente, serve-se da viso como o sentido privilegiado da pessoa humana o que em outras pocas fora o tato; o sentido mais abstrato, e mais sujeito mistificao, corresponde abstrao generalizada da sociedade atual. Mas o espetculo no pode ser identificado pelo simples olhar, mesmo que este esteja acoplado escuta. Ele escapa atividade do homem, reconsiderao e correo de sua obra. o contrrio do dilogo. Sempre que haja representao independente, o espetculo se reconstitui. (DEBORD, 1997, p. 18)

    Esse ponto destacado por Debord interessante pois mostra que a abs-trao da sociedade do espetculo constituda porque esta sociedade se baseia em um sentido abstrato: o olhar. Como no possvel tocar o principal instru-mento do espetculo as imagens -, o que se observa a abstrao generalizada da sociedade atual. No entanto, como o prprio autor define no trecho citado, o espetculo no pode ser identificado somente pelo olhar: sempre que existe a representao, a est o espetculo.

    Outro ponto que Debord define como caracterstico da sociedade do espetculo a falta de objetividade. Para o autor, no espetculo, (...) o fim no nada, o desenrolar tudo. O espetculo no deseja chegar a nada que no seja ele mesmo (1997, p. 17). Neste ponto, fica clara a falta de reflexo e a superficialidade que se tornam as caractersticas principais desta sociedade. Se-

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    gundo o autor, o objetivo das imagens do espetculo no criar formadores de opinio ou estimular as reflexes polticas. O importante, alm de fazer parte do espetculo, como ser construda sua passagem dentro dele. O que importa a histria que se cria dentro do espetculo, ou seja, o desenrolar tudo.

    Essa passividade da sociedade do espetculo confirmada posterior-mente pelo autor:

    O espetculo se apresenta como uma enorme positividade, indiscutvel e inacessvel. No diz nada alm de o que aparece bom, o que bom aparece. A atitude que por princpio ele exige a da aceitao passiva que, de fato, ele j obteve por seu modo de aparecer sem rplica, por seu monoplio da aparncia. (DEBORD, 1997, p. 16)

    Para ser considerado espetculo, tudo o que faz parte dele deve ser positivo, indiscutvel e inacessvel. particularmente essa sua aura inacessvel que o torna espetculo. E ao mostrar a exigncia de passividade caracters-tica desta sociedade, Debord confirma que o objetivo a falta de reflexo e a superficialidade.

    No entanto, ao analisar este ponto, importante citar as reflexes de Nstor Garca Canclini em sua obra Consumidores e Cidados. No captulo O consumo serve para pensar, o autor afirma que hoje vemos os processos de consumo como algo mais complexo do que uma relao entre meios mani-puladores e dceis audincias (CANCLINI, 2006, p. 59). Assim, Canclini argumenta que a exploso de imagens e o consumo no significam neces-sariamente que os indivduos adquirem produtos sem reflexo, de maneira puramente manipulada e superficial. Segundo o autor,

    (...) A hegemonia cultural no se realiza mediante aes verticais nas quais os dominadores capturariam os receptores: entre uns e outros se reconhecem mediadores, como a famlia, o bairro e o grupo de trabalho (...). A comunicao no eficaz se no inclui tambm interaes de colaborao e transao entre uns e outros. (CANCLINI, 2006, p. 60)

    Ou seja, no adianta falar de espetculo e manipulao sem reconhecer que o consumo vem acompanhado de uma reflexo, o que significa que o es-pectador no reage a tudo o que observa de maneira unicamente passiva e au-sente de crtica. Pelo contrrio: ele possui filtros culturais que lhe permitem ter uma viso crtica do que observa na sociedade dominada pela publicidade e pelas imagens. Como definiu o filsofo Gilles Lipovetsky, em sua obra O imprio do efmero,

    Os consumidores esto menos deslumbrados com o estardalhao dos utenslios, informam-se mais sobre a qualidade dos produtos, comparam seus mritos, buscam a operatividade tima. O consumo

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    torna-se mais adulto, a atitude ldica j no mais preponderante (...), no exclui o desejo aumentado de funcionalidade e de independncia individual. No mais o culto das manipulaes gratuitas, mas o do conforto e da habitabilidade; queremos objetos confiveis, carros para viver (1989, p. 161).

    A antroploga Miriam Goldenberg, ao analisar a tendncia da imita-o de corpos na cultura brasileira, defende a idia de imitao prestigiosa de Marcel Mauss (1974) ao afirmar que os indivduos imitam atos, compor-tamentos e corpos que obtiveram xito e que tm prestgio em sua cultura (GOLDENBERG, 2006, p. 3). Desta forma, at mesmo a imitao no vem desacompanhada de uma reflexo por parte do indivduo que imita. Este s imita aquilo que ele realmente considera como bem-sucedido e que lhe traria um retorno positivo.

    Alm disso, tambm importante ressaltar outro ponto defendido por Canclini quando afirma que inegvel que as ofertas de bens e a induo publicitria de sua compra no so atos arbitrrios (CANCLINI, 2006, p. 61). Ou seja, embora a publicidade crie necessidades e instigue o consumidor aquisio de produtos, esse processo no automtico, o que significaria que o indivduo realiza o consumo sem reflexo. De maneira consciente, este consumidor, mesmo que de alguma forma seja influenciado pela publicidade, possui filtros culturais que o fazem observar as mensagens dos meios de co-municao de massa de certa forma e filtrar aquilo que realmente o interessa, consumindo unicamente os produtos que se encaixam no seu perfil, nos seus desejos e objetivos. Segundo Canclini, o consumo um processo em que os desejos se transformam em demandas e em atos socialmente regulados (Ibid, p. 65). No entanto, a influncia dos meios to grande que o senso crtico do indivduo, que o faria filtrar o que ele observa, muitas vezes fica prejudicado ou afetado pela exploso de informaes e imagens a que ele submetido constan-temente.

    Voltando anlise da obra de Guy Debord, este ainda reflete sobre outra caracterstica intrigante: meios deixam o indivduo a par de tudo o que acontece no mundo, deixam-no em contato com multides de todas partes do planeta, mas paradoxalmente, aqueles que so refns deste sistema encon-tram-se cada vez mais isolados. Atualmente, observa-se exatamente isso: os indivduos tornam-se dependentes de um estilo de vida vinculado s tecnolo-gias solitrias, como a televiso e a Internet. Ao assistir TV ou ficar horas em frente ao computador, esse indivduo est sozinho. O mesmo acontece com os eventos de moda: o espetculo de imagens envolvendo as multides que fazem parte do staff da moda exibido para um pblico que quer fazer parte deste show, mas que se encontra sozinho sentado em seu sof ou em frente tela do computador apenas contemplando essas imagens.

    O isolamento fundamenta a tcnica; reciprocamente, o processo tc-nico se isola. Do automvel televiso, todos os bens selecionados pelo sistema

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    Espetacularizao dos eventos de moda o Fashion Rio Bianca Silva Saraiva

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    espetacular so tambm suas armas para o reforo constante das condies de isolamento das multides solitrias, afirma o autor (DEBORD, 1997, p. 23). um sistema contraditrio: ao mesmo tempo em que cria espetculos de e para as multides, estas podem ser chamadas, como o prprio Debord definiu, de multides isoladas.

    Na sociedade contempornea em que vivemos, at o luxo vem perden-do espao para o efmero, pois as pessoas no do mais valor a coisas que vo perdurar por longas datas. Segundo Gilles Lipovetsky, a seduo e o efmero tornaram-se, em menos de meio sculo, os princpios organizadores da vida coletiva moderna (LIPOVETSKY, 1989, p.12). A prpria lgica da sociedade capitalista reordena a produo e o consumo de massa sob a lei da obsoles-cncia, da seduo e da diversificao, aquela que faz passar o econmico para a rbita da forma moda (Ibid, p. 159). No estamos falando aqui da qualida-de dos produtos que garantiria sua durabilidade, mas sim da efemeridade da moda e do sistema capitalista em si. Os itens que geralmente fazem sucesso e esto na ltima moda so efmeros porque provavelmente na prxima esta-o j estaro ultrapassados. Por exemplo, se um indivduo continuar a usar a moda retr na prxima estao, ele no estar mal-vestido, mas certamente no estar mais seguindo a moda.

    No entanto, conforme observaram Nzia Villaa e Fred Ges, no livro Em nome do corpo, Lipovetsky no participa de uma viso apocalptica que analisa a cultura de massa como destruidora da razo. O autor compreende a seduo como fator que reduz a falta de razo, o factcio favorecendo o acesso ao real, o superficial permitindo um uso ampliado do pensamento e o espeta-cular ldico como trampolim subjetivo (VILLAA E GES, 1998, p. 114). Alm disso, Villaa e Ges ainda concluem que Lipovetsky v a moda no como um neototalitarismo doce, mas como autonomizao do pensamento e das existncias subjetivas, alm de um alargamento do questionamento pbli-co (Ibid., p. 121).

    O prprio autor destaca sua viso no-radical sobre a efemeridade da moda ao afirmar que esta no faz desaparecer as reivindicaes e a defesa de interesses particulares, ela os torna mais negociveis; as lutas de interesses (...) no chegam jamais a ameaar a continuidade e a ordem republicanas (LI-POVETSKY, 1989, p. 14). Assim, mesmo observando e fazendo uma anlise crtica a respeito da efemeridade da moda e suas conseqncias na sociedade, o filsofo no v o futuro de maneira negativa:

    Evitemos ler o futuro apenas luz dos quadros quantificados do presente: uma era acionada pela informao, pela seduo do novo, pela tolerncia, pela mobilidade das opinies, nos prepara, se soubermos explorar sua boa inclinao, para os desafios do futuro. O momento difcil, mas no sem sada; as promessas da sociedade-moda no daro seus frutos imediatamente; preciso deixar ao tempo a possibilidade de fazer sua obra. (...) O terminal da moda no caminho do nada (...) (Ibid, p. 14)

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    Ao criticar a viso radical e apocalptica de autores e filsofos como Adorno, Horkheimer e Habermas, Lipovetsky afirma que nossos letrados continuam sendo moralistas prisioneiros da espuma dos fenmenos, incapazes de abordar de qualquer modo que seja o trabalho efetivo da moda (Ibid, p. 16). Segundo o autor:

    A est a grande, a mais interessante lio histrica da Moda: nos antpodas do platonismo, deve-se compreender que hoje a seduo o que reduz a desrazo, o factcio favorece o acesso ao real, o superficial permite um uso ampliado da razo, o espetacular ldico o trampolim para o juzo subjetivo. O momento terminal da moda no coroa a alienao das massas, um vetor ambguo mas efetivo da autonomia dos seres, e isso pela prpria heteronomia da cultura de massa. (Ibid, p. 16)

    At mesmo a relao do consumo de marcas comea a ter um lado emocional e no apenas como elemento de distino social. Segundo o filsofo define, em O luxo eterno da idade do sagrado ao tempo das marcas, agora, con-sumir esses bens preciosos tambm significa ter uma relao emocional com as marcas, concordar com seus valores, sentir-se bem ao lado delas, criar um vnculo com grandes empresas que nos fazem sonhar:

    No mais apenas a riqueza do material que constitui o luxo, mas aura do nome e renome das grandes casas, o prestgio da grife, a magia da marca. Nesse quadro, as competies pelo prestgio no sero mais exercidas apenas no campo das classes superiores, mas tambm no campo dos produtores de bens de luxo. (LIPOVETSKY, 2005, p. 43).

    Outra idia interessante defendida por Lipovetsky relaciona-se neces-sidade de diferenciao dos indivduos e o sentimento de pertencimento a um determinado grupo ou classe social:

    Em um tempo de individualismo galopante, afirma-se a necessidade de destacar-se da massa, de no ser como os outros, de sentir-se um ser de exceo. Assim, as motivaes elitistas permanecem, mas esto menos baseadas em desgnios de honorabilidade e de ostentao social do que no sentimento da distncia, no gozo da diferena proporcionada pelos consumos raros e no afastamento que abrem em relao maioria. (LIPOVETSKY, 2005, p. 52).

    A participao em eventos de moda refora a idia defendida por Li-povetsky ao passo que se assiste hoje a uma democratizao do acesso a tais eventos. Qualquer pessoa pode participar do Fashion Rio desde que disponha de bons contatos que lhe fornecero o convite necessrio. Assim, a presena no evento no serve mais somente para o espectador se sentir inserido em de-terminado grupo social, mas principalmente para diferenci-lo do comum, no s porque participa de um acontecimento exclusivo de moda, mas tam-

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    bm porque tem acesso a novidades e tendncias que s estaro disponveis para o grande pblico algum tempo depois. Desta forma, este espectador sen-te-se uma exceo e destaca-se das massas.

    Segundo Canclini, consumir participar de um cenrio de disputas por aquilo que a sociedade produz e pelos modos de us-lo (CANCLINI, 2006, p. 62). Ou seja, participar de um evento elitizado ou consumir de-terminados tipos de produtos faz parte do exerccio do senso crtico por parte do consumidor, que v a uma oportunidade de conquistar seu espao e se diferenciar de outros. E neste processo, se os membros de uma sociedade no compartilhassem os sentidos dos bens, se estes s fossem compreensveis elite ou maioria que os utiliza, no serviriam como instrumentos de diferencia-o (Ibid, p. 63).

    Outro ponto importante a ser analisado a influncia da exposio do mundo da moda na mdia e a construo do imaginrio em torno dos padres de beleza aceitveis pela sociedade. Assim, cabe a pergunta: que papel desem-penham os desdobramentos de um grande evento de moda como o Fashion Rio na construo da subjetivao individual e do imaginrio nacional em torno de padres aceitveis de beleza?

    Certamente a intensa midiatizao do evento exerce uma profunda in-fluncia neste processo de construo dos padres aceitveis de beleza. Quem ganha espao nesses eventos, alm das famosas modelos e atrizes que desfi-lam e vo assistir s apresentaes das novas colees, so as muitas modelos desconhecidas magrrimas que ganham leveza com as roupas que vestem, a maquiagem que usam e as luzes dos cenrios dos desfiles. Desta forma, como a mdia destaca estas modelos e o que elas vestem como belos, certamente isso vai influenciar na construo geral da sociedade em torno do que belo e do que aceitvel como padro de beleza.

    o FaShIon RIo O Fashion Rio um evento que tem, entre outros objetivos, inserir o

    Rio de Janeiro no calendrio brasileiro de moda. Desde que evoluiu da Sema-na BarraShopping de Estilo, o evento ganhou ares profissionais e estampa as pginas das editorias de moda dos principais jornais. E para ganhar ainda mais a ateno da mdia, o Fashion Rio se reorganizou, se modernizou, e hoje exibe estrutura profissional para que a imprensa se sinta em casa na cobertura do evento.

    Alm de toda a preocupao com a infra-estrutura do evento, o obje-tivo chamar a ateno da mdia para as grifes e suas novas colees. E esse interesse pela mdia explicvel porque, segundo definiu Ricardo Freitas, no artigo Comunicao, consumo e moda: entre os roteiros das aparncias, a mdia um dos maiores articuladores das tendncias da moda, no s por meio da publicidade e da propaganda, mas tambm pelas coberturas jornalsticas de grandes eventos esportivos e artsticos (2005, p. 126). O objetivo no s

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    vender as peas das colees, mas tambm um estilo de vida. Desta forma, para as grifes em exposio, nada melhor do que investir pesado naquilo que mais chama a ateno do pblico e da imprensa: as celebridades.

    Na platia dos desfiles, so comuns cenas de empurra-empurra dos fotgrafos na nsia de obter o melhor ngulo da celebridade que acaba de chegar para assistir aos desfiles. E exatamente por isso que essas celebridades so convidadas: para agitar os fotgrafos e chamar a ateno para o desfile da marca. Afinal, nada melhor do que ver o nome da marca estampado na mdia agregado ao nome de gente importante que ganha destaque na mdia.

    Um exemplo foi o desfile da Colcci, na edio outono/inverno do Fashion Rio, que aconteceu em janeiro de 2007. Alm de exibir o trunfo do evento (a presena da modelo Gisele Bndchen no desfile), a platia estava re-cheada de convidados VIPs, que muitas vezes aproveitam a ocasio para falar sobre novos projetos profissionais e assumir e desmentir romances, pois isso que chama a ateno do pblico que consome as revistas de celebridades.

    O desfile s comea quando todas as celebridades esto a postos, em seus devidos lugares, para conferir o show. E isso muitas vezes pode significar longos atrasos, como o de mais de uma hora no desfile da Colcci. E no impor-ta a que horas elas chegam: para as celebridades, sempre tem um lugarzinho reservado na primeira fileira para que confiram de perto a nova coleo apre-sentada.

    O ator Marcos Paulo, que chegou quando o desfile j havia comeado, no deixou de se sentar na primeira fileira, protagonizando, inclusive, uma situao inusitada: com a falta de lugares devido lotao da platia, o ator se sentou no lugar da namorada que, por sua vez, se sentou no seu colo. Ambos foram vaiados pela platia, que considera um desrespeito a abertura das portas durante o desfile, o que muitas vezes atrapalha o espetculo.

    A presena de Gisele Bndchen em suas passarelas j faz de uma grife um fenmeno de vendas. A coleo da Colcci quase passou despercebida. Afi-nal, quem conferiu o desfile, no ia interessado na coleo ou na marca, mas queria ver Gisele. Segundo o fotgrafo Rogrio Canella, do site de notcias UOL, quase no se fala na coitada da grife (...) o Desfile da Gisele. Em-bora a grife aparentemente aproveite a oportunidade para pegar uma carona no sucesso da modelo (a Colcci a marca mais franqueada do pas, segundo o site de notcias G1, do Globo Online), o interesse principal da platia que assiste ao desfile parece ser apenas ver o furaco Gisele passar.

    O interessante que a aura em torno da modelo algo que refora ainda mais a idia de espetculo definida por Debord. Segundo o autor, para ser considerado espetculo, tudo o que faz parte dele deve ser positivo, indiscu-tvel e inacessvel (DEBORD, 1997, p. 16). particularmente essa sua aura ina-cessvel que o torna espetculo. E ao exibir uma top model de grande sucesso internacional, to famosa que se torna quase inacessvel, o evento se encaixa

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    cada vez mais na definio de espetculo do autor.

    Muitas vezes a escolha das celebridades est relacionada com o mo-mento profissional e pessoal dessas estrelas, alm da atrao natural que de-terminados nomes exercem na mdia. Por exemplo, quando questionado sobre o motivo da escolha de Reinaldo Gianecchini para estrelar o desfile da sua marca, a TNG, o estilista Tito Bessa explica que ele no foi escolhido por cau-sa do recente furor em torno de sua separao da jornalista Marlia Gabriela aps oito anos de relacionamento, mas que ele foi escolhido porque A mdia sempre esteve no p dele.

    Nessa edio, uma das celebridades que mais atraiu flashes dos fot-grafos foi rika Abreu, a suposta nova namorada do jogar de futebol Ronal-dinho. A moa no agentou tanta presso por parte da imprensa e se retirou aps 15 minutos de Fashion Rio.

    Alm dos pesados investimentos em celebridades para chamar a aten-o da mdia, as grifes tambm vm apostando em performances, que muitas vezes so realizadas com cenrios diferentes para chamar a ateno, ou aconte-cem em outros locais, fora das tendas oficiais do evento.

    A primeira performance do Fashion Rio aconteceu na edio prima-vera/vero realizada em junho de 2005 no desfile da estilista Karlla Girotto. A estilista colocou cinco modelos para dormir das 9h30 ao meio-dia, no jardim do MAM, em camas gigantes, remetendo ao mundo dos contos de fada. As roupas traziam uma silhueta anos 50, com pitadas do guarda-roupa masculi-no. No final as modelos acordaram, se levantaram e saram de cena.

    Na edio outono/inverno 2007 do Fashion Rio, vrias grifes optaram por inovar em suas apresentaes. Segundo o site de celebridades Ego, a grife Mara Mac, por exemplo, fez um desfile com o objetivo de enfatizar o equi-lbrio e a leveza de uma ps-aula de dana de uma mulher contempornea e chique. Difcil foi entender por qu a passarela estava cheia de carros Merce-des, simulando um grande engarrafamento, a ponto at mesmo de atrapalhar e desviar a ateno das modelos, que deveriam ser o foco do desfile. O desta-que ficou ento para os automveis, lembrando mais um show room do que o lanamento de uma coleo de roupas. Ou seja: s vezes, inovar demais pode ser perigoso. Mas o desfile cumpriu seu objetivo: chamar a ateno, no s dos convidados, mas principalmente da imprensa. A movimentao j come-ava nos bastidores e nos corredores do evento antes mesmo da apresentao. Curiosos observavam atentos o entra-e-sai de carres no espao e se pergunta-vam para onde ia aquilo tudo. Tal curiosidade fez do desfile da Mara Mac foi um dos mais concorridos do segundo dia de evento. Bem diferente da edio anterior, que apresentou um desfile bem mais conceitual, mas que no atraiu tanto a ateno do pblico.

    Alm dos desfiles citados, algumas grifes optaram por realizar seus desfiles fora das tendas tradicionais do espao, em locais como sales de leitu-

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    ra, aumentando ainda mais a caracterstica desfile-espetculo do evento.

    Um exemplo foi o desfile do estilista Walter Rodrigues, realizado no Real Gabinete Portugus de Leitura. A coleo era inspirada em culturas dis-tintas como a chinesa Miao e a centro americana Maia. A realizao da apre-sentao em um gabinete de leitura contribuiu para reforar a idia etnogrfica e antropolgica do estilista, idia que poderia se perder nas tradicionais passa-relas do evento. Mais um exemplo que confirma que um evento de moda no serve apenas para apresentar novas peas de roupa, mas tambm apresentar idias, conceitos e chamar a ateno da mdia.

    concluSo Nas discusses propostas neste artigo, coube a anlise da seguinte

    questo: ser que a profissionalizao e a midiatizao necessariamente deve vir de mos dadas com a banalizao e a exposio macia de celebridades e dos desfiles simplesmente a troco de conseguir mais espao e destaque na mdia? Ao analisar o tema, chegamos concluso de que a intensa espetacularizao muitas vezes banaliza e esvazia o sentido do evento, que deixa de ter um sig-nificado mais profundo e transforma-se em desfiles de celebridades e modelos famosas em que as roupas e o conceito das grifes, viram meros coadjuvantes.

    importante ressaltar que, embora o show de celebridades e os des-files-show apaguem um pouco a aura conceitual e reflexiva dos desfiles, isso no significa que um evento espetacular como o Fashion Rio seja vazio de significados. Ainda segundo Umberto Eco, a espetacularizao no significa necessariamente perda de intensidade, desateno, leviandade. Trata-se apenas de uma forma diferente de viver um debate cultural (ECO, 1984, p. 217). Ou seja: mesmo que aparentemente seja vazio em significado, um evento de moda muitas vezes uma ocasio de questionamento em relao s roupas apresentadas, aos estilos, conceitos das grifes e das tribos que circulam pelos corredores.

    Referncias bibliogrficas:

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    Espetacularizao dos eventos de moda o Fashion Rio Bianca Silva Saraiva

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    Langage visuel et meutes

    Fabio La RoccaChercheur au CeaQ (Centre dtudes de lactuel et du quotidien), responsable du GRIS (Groupe de Recherche sur lImage en Sociologie). [email protected] www.gris.ceaq-sor-

    bonne.org

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    Les flammes des banlieues pendant les vnements de lautomne 2005, ont occup le devant de la scne de tous les mdias rpondant une logique spectaculaire , typique de la conception mdiatique. Ces images ont fonc-tionn comme un modle dinclusion pour la population des insurgs. En effet le langage visuel a t un outil pour sexprimer et pour donner visibilit cette partie de la socit, qui dans leur vie quotidienne subissent les formes dexclusion.

    Cette explosion de violence a eu une ampleur considrable : ce sou-lvement populaire spontan et non organis qui a pour origine une motion collective partage a utilis la forme mdiatique pour remettre en cause les problmes qui affligent les territoires des banlieues, les ainsi dit quartiers sensibles qui dans le langage commun sont souvent dfinies comme zone de non-droit , lieux dexclusion, spatiale et sociale, o les habitants vivent leur vie aux marges, borderline.

    La diffusion et lampleur mdiatique donne ces vnements a t trs importante, daucuns vont jusqu donner des responsabilits aux mdias dans le dveloppement du phnomne.

    On peut parler dune idologie de la communication, le prestige de limage, comme nous le rappelle Marc Aug (1997), joue un rle essentiel dans leffet dune mulation entre les divers groupes de banlieues pour apparatre aux actualits des mdias. Nous savons limportance de la place de limage tlvisuelle dans la socit, et ainsi les meutiers avec leurs gestes veulent tre vus la tl.

    Mais il ne sagit pas dune prsence mdiatique pour la clbrit warho-lienne , mais dun besoin de visibilit qui, lre du devenir image du mon-de , selon les propos de Baudrillard, possde une certaine importance. Cest ainsi que mettre le feu, devient un moyen disponible pour se faire entendre compte tenu que tous les discours politiques nont amen aucune amliora-tion de la situation. Dans ce cas, mon avis, on pourra parler dune volont dinclusion mdiatique, dune recherche de visibilit pour une possible recon-naissance sociale.

    Les mdias, selon lanalyse faite par Meyrowitz (1995), ont chang dans leur volution la manire de faire exprience des vnements sociaux, ils per-mettent une communication directe avec les autres sans se trouver dans le mme espace, ils ont la capacit de modifier la gographie situationnelle de la vie sociale (McLuhan). De ce fait, se dveloppe travers limage, le da-sein heideggrien, donc une participation travers le flux visuel qui garantit lexistence de lindividu comme sujet participant la ralit partage. Ds lors, travers cette fentre ouverte sur le monde (la tl selon le propos de Rgis Debray (1992)), le tlspectateur derrire son cran participe lui aussi la fa-brication de lvnement. On est dans une logique de partage dune motion, dimage comme facteur de communion qui favorise, selon Michel Maffesoli

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    (1993b), laisthesis, le sentir collectif. Il sagit bien dune esthtique, ce que Ma-ffesoli entend comme le fait dprouver des motions, des sentiments, des pas-sions communes (1993a). Et les nuits de novembre 2005 sont bien de lordre de lmotion. Nous pouvons dire que cest une sorte de nature qui fait retour, et le feu, dans ce cas spcifique, met en image une situation de rsistance loppression, devient une manire de se faire voire, de se rendre visible. Devenir visible en sincluant par lcran, en mettant en scne la violence pour exister et pour se manifester. Cest la logique de la mise en spectacle du monde (Marc Aug), o le rapport au monde se fait travers les images.

    Mais si dune ct on met laccent sur le facteur dinclusion par limage, de lautre on peut observer linstrumentalisation mdiatique ou la mise en sc-ne spectaculaire qui, outre mettre en vidence le dficit de reconnaissance sociale ressenti par la jeunesse insurge, rpond bien au voyeurisme, ce besoin visuel du spectateur faonn par le pouvoir de limage. Nous le savons, limage de violence suscite un plaisir au regard du spectateur.

    De ce point de vue l pidmie de voitures incendies a continu se propager en rponse ce besoin voyeuriste, tant quon peut faire allusion une sorte de comptition des feux , qui est dailleurs aussi typiques des ftes reli-gieuses, spcifiquement dans le sud de lItalie ou en Espagne. Limage fonctio-nne comme mmoire permanente du regard et devient ainsi une reprsentation visuelle de la ralit. Le grand spectacle de la socit mdiatique multiplie la violence et lindividu est le tmoin dune reprsentation continu dvnements violents. Il y a un processus daction mimtique des mdias o le spectateur est directement entran dans les vnements.

    Cest cela mon avis le but du concept de linformation spectacle continu: une diffusion en temps rel dun vnement pour faire ressentir au tlspecta(c)teur une motion. Mais comme dit Rgis Debray, sans vnement fort il ny a pas dimage-motion.

    Il me semble alors, que les Notti dei fuochi (1) de 2005, en France, ren-trent dans ces caractristiques. La rvolte nous rappelle, dailleurs, ce besoin deffervescence de lanimal humain et le feu symbolise un moyen de commu-nication.

    Michel Maffesoli dans son ouvrage du 1979, La violence totalitaire, illus-tre la dimension cyclique inaugure par une violence destructrice, fondatrice dune ncessaire circulation sociale; la violence, la rvolte qui vont de paire avec leffervescence joueuses des ftes restaurent la communion sociale. Dans la violence banale et fondatrice sexprime le dsir du collectif lencontre dune violence totalitaire qui atomise le corps social (Maffesoli).

    Une violence qui contamine le corps social comme un virus et qui in-fecte les mdias et en manire particulire, les nouveaux mdias. En effet la technologie a t en lment significatif lors des meutes, les images se sont multiplies grce aux petites camras numriques ou le tlphone portable et

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    avec leur vitesse de circulation ont franchit les barrires du lieu physique (le quartier de banlieue en question) pour arriver au-del, au dehors, donc une forme instantane de partage dinformation et dun moment deffervescence en cours. Cest le cas de la prolifration des blogs qui prolifrent parmi les jeunes des cits comme forme de fiert, dappartenance et de rivalit pour d-terminer le quartier plus chaud . Aujourdhui avec les nouvelles technolo-gies, le regard est absorb par une visualisation sophistique. Limage comme machine de vision (Alain Mons) devient une arme de diffusion daffects et de pulsions. La violence aussi devient une question esthtique et spectaculaire: il y a selon Maffesoli, une violence ritualis travers la guerre des images. Limage a une essence mostrative, cest--dire, dans limage la chose se pr-sente comme dit Jean Luc Nancy (dans SALZANO, 2004), et les images des feux des banlieues nous ont montr un aspect de la ralit, une forme prsenteiste du vcu quotidien de notre socit. Une socit qui pour Bau-drillard (1970), met en place des modles de violence qui par consquent sont mass-mdiatises. Une violence consomm qui alimente la quoti-diennet, et est mdiatise par des modles culturels et donc fait partie de la substance apocalyptique des mdias. prsent, il ny a plus de situations urbaines sans quun spectateur ne film les scnes avec le portable ou une camra, et les nombreuses camras disperses sur les lieux sont le symptme de cette prolifration de limage.

    Les mdias participent la spectacularisation ferique de la ra-lit et contribuent au voyeurisme dune partie de la socit qui se nourrit dimages.

    Dans lanalyse mdiologique , mon avis, il y a le danger dune standardisation de la pense dans le sens que la surabondance dinformation visuelle devient simple divertissement, sans toutefois oublier que les images constituent aussi une invitation la rflexion, lanalyse.

    Dans ce sens, il faut tre capable dentendre et de voir dans la flambe incendiaire du fripon (2) meutier, une pulsion motionnelle, un dsir de reconnaissance sociale. On assiste ainsi une grande effervescence : la jeunesse, comme lindique Angela Davis (ex-Black Panthers), est plus rvolte et plus crative que jamais. On est dans une situation o, en citant Maffesoli (2002), le destin cest ce creux o lon est jet, le monde comme mun-dus : un trou ordure o il faut se dbrouiller. Se dbrouiller donc ! Et les flammes alors sont le symbole dune prsence sociale qui nous rappelle la diversit de nos villes, les diffrences, lAutre. Dans cette analyse la figure mythique de Dionysos me semble adquate la violence incendiaire: tre en mme temps, destructivement cratifs et crativement destructifs .

    Une violence alors dans ce cas, destructrice et constructrice du lien social, une force de structuration du social (Maffesoli). Dailleurs comme lexprime Michel Bakounine (2000) lhomme a commenc son histoire

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    et son dveloppement proprement humain par un acte de dsobissance et de science, cest--dire par la rvolte et par la pense .

    Rappelons nous que la rvolte pour ce thoricien de lanarchisme est un de trois principes fondamentaux, avec lanimalit humaine et la pense, de tout dveloppement humain, tant collectif quindividuel dans lhistoire.

    Notas(1)Ce terme a une certaine importance en Italie et renvoie aux attaques dinstitutions politiques, financires etc. par le mouvement dAutonomie Ouvrire pendant la nuit du 18 et 19 dcembre 1978 Padoue. Mais ce terme aujourdhui est aussi utilis en rfrence aux ftes religieuses. Ainsi en italien cette expression a une connotation autant politique que reli-gieuse. (2)e fripon est la figure archtpale de laltrit et favorise la rbellione fripon est la figure archtpale de laltrit et favorise la rbellion ponctuelle. Voir Jung C.G. et Kereni C. (1958), Le fripon divin, Genve, Georg, et Maffesoli M (2002). La part du diable. Prcis de subversion postmoderne, Paris, Flammarion.

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