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Responsabilidade civil do médico Ruy Rosado de Aguiar Jr. Sumário: Introdução. 1. Pressupostos da Responsabilidade Civil – 2. Responsabilidade Contratual e Extracontratual – 3. Obrigação de Resultado e Obrigação de Meios - 4. Deveres do Médico - 5. A culpa e Sua Prova - 6. Medicina Coletiva - 7. A Assistência e os Hospitais Públicos - 8. As Entidades Privadas de Seguro e de Assistência Médica - 9. Dano - 9.1 Aborto - 9.2 Operação Cirúrgica Para Mudança de Sexo – 9.3 A Pesquisa Médica – 10. Causalidade - 11. Conclusão - Perspectivas Atuais - 12. Bibliografia. Introdução São muitas as razões que determinam a intensificação do interesse pelo estudo da responsabilidade civil do médico. Durante muitos séculos, a sua função esteve revestida de caráter religioso e mágico, atribuindo-se aos desígnios de Deus a saúde e a morte. Je le soignais, Dieu le guérit... s'il le jugeait opportun .

Responsabilidade Civil Do Médico

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RESPONSABILIDADE CIVIL DO MDICO

Responsabilidade Civil Do Mdico

Responsabilidade civil do mdico

Ruy Rosado de Aguiar Jr.

Sumrio: Introduo. 1. Pressupostos da Responsabilidade Civil 2. Responsabilidade Contratual e Extracontratual 3. Obrigao de Resultado e Obrigao de Meios - 4. Deveres do Mdico - 5. A culpa e Sua Prova - 6. Medicina Coletiva - 7. A Assistncia e os Hospitais Pblicos - 8. As Entidades Privadas de Seguro e de Assistncia Mdica - 9. Dano - 9.1 Aborto - 9.2 Operao Cirrgica Para Mudana de Sexo 9.3 A Pesquisa Mdica 10. Causalidade - 11. Concluso - Perspectivas Atuais - 12. Bibliografia.

Introduo

So muitas as razes que determinam a intensificao do interesse pelo estudo da responsabilidade civil do mdico.

Durante muitos sculos, a sua funo esteve revestida de carter religioso e mgico, atribuindo-se aos desgnios de Deus a sade e a morte. Je le soignais, Dieu le gurit... s'il le jugeait opportun. Nesse contexto, desarrazoado responsabilizar o mdico, que apenas participava de um ritual, talvez til, mas dependente exclusivamente da vontade divina. Mais recentemente, no final do sculo passado e primrdios deste, o mdico era visto como um profissional cujo ttulo lhe garantia a oniscincia, mdico da famlia, amigo e conselheiro, figura de uma relao social que no admitia dvida sobre a qualidade de seus servios, e, menos ainda, a litigncia sobre eles. O ato mdico se resumia na relao entre uma confiana (a do cliente) e uma conscincia (a do mdico).

As circunstncias hoje esto mudadas. As relaes sociais massificaram-se, distanciando o mdico do seu paciente. A prpria denominao dos sujeitos da relao foi alterada, passando para usurio e prestador de servios, tudo visto sob a tica de uma sociedade de consumo, cada vez mais consciente de seus direitos, reais ou fictcios, e mais exigente quanto aos resultados.

De outro lado, o fantstico desenvolvimento da cincia determinou o aumento dos recursos postos disposio do profissional; com eles, cresceram as oportunidades de ao e, conseqentemente, os riscos. A eficcia o que caracteriza a Medicina moderna, a tal ponto que o mdico e o biologista contemporneos no se contentam somente em prevenir ou tratar as doenas, mas se propem a superar a deficincia de uma funo natural, substituir esta funo ou modificar caractersticas naturais do sujeito. Essa eficcia, entretanto, inseparvel de trs outros elementos, comumente desconhecidos do leigo: agressividade, perigosidade e complexidade. As expectativas do doente no s por isso se ampliaram: a seguridade social estendeu o uso dos servios mdicos. E o doente, que tambm um segurado, confunde facilmente o direito seguridade com o direito cura; se esta no ocorre, logo suspeita de um erro mdico. Acrescente-se a isso a disposio da mdia de transformar em escndalo o infortnio, e facilmente encontraremos a explicao para o incremento do nmero de reclamaes judiciais versando sobre o nosso tema, aes facilitadas porque no dependem da quebra de uma relao de respeito e afeto que existia com o mdico de famlia, pois muitas vezes, hoje, o reclamante no teve relao com o mdico, ou a teve muito superficial. Nos EUA, (Mudamos) em 1970, 1/4 dos mdicos respondia a aes de responsabilidade.

Esta exposio, destinada ao IV Congresso Internacional de Danos, que se realizou em Buenos Aires em 1995, promovido pela Asociacin de Abogados de Buenos Aires, contm notcia do estado da questo no Brasil, abordando os aspectos que me pareceram mais relevantes com referncia a conceitos jurdicos bsicos, aos deveres do mdico, culpa e sua prova, relao do mdico na medicina coletiva, aos servios de sade, pblicos e privados, ao dano, a referidos brevemente o aborto, a operao transexual e a pesquisa mdica, concluindo com observao sobre as novas tendncias da responsabilidade civil. Exclui o tema relativo indenizao, que tratarei em outra ocasio, juntamente com estudo sobre o dano pessoa.

1. Pressupostos da Responsabilidade Civil

A responsabilidade civil que decorre da ao humana tem como pressupostos a existncia de uma conduta voluntria, o dano injusto sofrido pela vtima, que pode ser patrimonial ou extrapatrimonial; a relao de causalidade entre o dano e a ao do agente; o fator de atribuio da responsabilidade pelo dano ao agente, de natureza subjetiva (culpa ou dolo), ou objetiva (risco, eqidade, etc.). O Professor Jorge Mosset Iturraspe acentua que, modernamente, el quid se encuentra en el dno, pero ms em el injustamente sufrido que en el causado com ilicitud. A responsabilidade civil especfica do profissional mdico (isto , daquele que tem habilitao universitria e exerce a Medicina com habitualidade, vivendo do seu trabalho), aspecto que ora nos interessa, tem como pressuposto o ato mdico, praticado com violao a um dever mdico, imposto pela lei, pelo costume ou pelo contrato, imputvel a ttulo de culpa, causador de um dano injusto, patrimonial ou extrapatrimonial.

Alm dessa responsabilidade por ato prprio, o mdico pode responder por ato de outro, ou por fato das coisas que usa a seu servio.

2. Responsabilidade Contratual e Extracontratual

comum fazer-se, na doutrina, a distino entre responsabilidade por violao de obrigao derivada de um negcio jurdico, cujo descumprimento caracterizaria o fato ilcito civil gerador do dano, e a responsabilidade delitual ou extracontratual, que abstrai a existncia de um contrato previamente celebrado e decorre de um ato ilcito absoluto, violador das regras de convivncia social e causador de um dano injusto. A primeira encontra seu fundamento no artigo 1.056 do Cdigo Civil: No cumprindo a obrigao ou deixando de cumpri-la pelo modo e no tempo devidos, responde o devedor por perdas e danos; a segunda, no artigo 159 do mesmo Cdigo Civil: Aquele que, por ao ou omisso voluntria, negligncia, ou imprudncia, violar direito, ou causar prejuzo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. Apesar das regras legais que lhes atribuem diferentes conseqncias, a distino est sendo abandonada pela moderna doutrina, que nela no v maior utilidade, fazendo residir o fundamento nico da responsabilidade civil no contato social. Caminha-se, pois, para a unificao do sistema. Porm, enquanto no houver a adaptao legal a esses novos princpios, devemos admitir, para o plano expositivo, que a responsabilidade mdica no obedece a um sistema unitrio. Ela pode ser contratual, derivada de um contrato estabelecido livremente entre paciente e profissional, a maioria das vezes de forma tcita, e compreende as relaes restritas ao mbito da Medicina privada, isto , ao profissional que livremente escolhido, contratado e pago pelo cliente; ser extracontratual quando, no existindo o contrato, as circunstncias da vida colocam frente a frente mdico e doente, incumbindo quele o dever de prestar assistncia, como acontece no encontro de um ferido em plena via pblica, ou na emergncia de interveno em favor de incapaz por idade ou doena mental. Ser igualmente extracontratual a relao da qual participa o mdico servidor pblico, que atende em instituio obrigada a receber os segurados dos institutos de sade pblica, e tambm o mdico contratado pela empresa para prestar assistncia a seus empregados. Nesses ltimos casos, o atendimento obrigatrio, pressupondo uma relao primria de Direito Administrativo ou de Direito Civil entre o mdico e a empresa ou o hospital pblico, e uma outra entre o empregado e a empresa, ou entre o segurado e a instituio de seguridade, mas no h contrato entre o mdico e o paciente.

A diferena fundamental entre essas duas modalidades de responsabilidade est na carga da prova atribuda s partes; na responsabilidade contratual, ao autor da ao, lesado pelo descumprimento, basta provar a existncia do contrato, o fato do inadimplemento e o dano, com o nexo de causalidade, incumbindo ao ru demonstrar que o dano decorreu de uma causa estranha a ele; na responsabilidade extracontratual ou delitual, o autor da ao deve provar, ainda, a imprudncia, negligncia ou impercia do causador do dano (culpa), isentando-se o ru de responder pela indenizao se o autor no se desincumbir desse nus. Na prtica, isso s tem significado com a outra distino que se faz entre obrigao de resultado e obrigao de meios.

3. Obrigao de Resultado e Obrigao de Meios

A obrigao de meios quando o profissional assume prestar um servio ao qual dedicar ateno, cuidado e diligncia exigidos pelas circunstncias, de acordo com o seu ttulo, com os recursos de que dispe e com o desenvolvimento atual da cincia, sem se comprometer com a obteno de um certo resultado. O mdico, normalmente, assume uma obrigao de meios.

A obrigao ser de resultado quando o devedor se comprometer a realizar um certo fim, como, por exemplo, transportar uma carga de um lugar a outro, ou consertar e pr em funcionamento uma certa mquina (ser de garantia se, alm disso, ainda afirmar que o maquinrio atingir uma determinada produtividade). O mdico a assume, por exemplo, quando se compromete a efetuar uma transfuso de sangue ou a realizar certa visita.

Sendo a obrigao de resultado, basta ao lesado demonstrar, alm da existncia do contrato, a no-obteno do resultado prometido, pois isso basta para caraterizar o descumprimento do contrato, independentemente das suas razes, cabendo ao devedor provar o caso fortuito ou a fora maior, quando se exonerar da responsabilidade. Na obrigao de meios, o credor (lesado, paciente) dever provar a conduta ilcita do obrigado, isto , que o devedor (agente, mdico) no agiu com ateno, diligncia e cuidados adequados na execuo do contrato.

Logo, tanto na responsabilidade delitual como na responsabilidade contratual derivada de uma obrigao de meios, o paciente deve provar a culpa do mdico, seja porque agiu com imprudncia, negligncia ou impercia e causou um ilcito absoluto (art. 159), seja porque descumpriu sua obrigao de ateno e diligncia, contratualmente estabelecida.

4. Deveres do Mdico

O mdico tem o dever de agir com diligncia e cuidado no exerccio da sua profisso, conduta exigvel de acordo com o estado da cincia e as regras consagradas pela prtica mdica.

Aguiar Dias, o nosso maior tratadista sobre responsabilidade civil, decompe as obrigaes implcitas no contrato mdico em deveres de: 1) conselhos; 2) cuidados; 3) absteno de abuso ou desvio de poder.

O primeiro deles corresponde ao dever de informao. O mdico deve esclarecer o seu paciente sobre a sua doena, prescries a seguir, riscos possveis, cuidados com o seu tratamento, aconselhando a ele e a seus familiares sobre as precaues essenciais requeridas pelo seu estado. Ao reverso do que ocorria anteriormente, a tendncia, hoje, seguindo a escola americana, a de manter o paciente informado da realidade do seu estado. Quando os prognsticos so graves, preciso conciliar esse dever de informar com a necessidade de manter a esperana do paciente, para no lev-lo angstia ou ao desespero. Se a perspectiva de desenlace fatal, a comunicao deve ser feita ao responsvel (art. 59 do Cdigo de tica, Resoluo n. 1.246, de 1988, do Conselho Federal de Medicina). O prognstico grave pode ser compreensivelmente dissimulado; o fatal, revelado com circunspeco ao responsvel. Em se tratando de risco teraputico, o mdico deve advertir dos riscos previsveis e comuns; os excepcionais podem ficar na sombra. Na cirurgia, porm, muito especialmente na esttica, a informao deve ser exaustiva, bem assim quanto ao uso de novos medicamentos. Tais esclarecimentos devem ser feitos em termos compreensveis ao leigo, mas suficientemente esclarecedores para atingir seu fim, pois se destinam a deixar o paciente em condies de se conduzir diante da doena e de decidir sobre o tratamento recomendado ou sobre a cirurgia proposta.

Isso toca outro ponto de crucial importncia na atividade profissional: a necessidade de obter o consentimento do paciente para a indicao teraputica e cirrgica. Toda vez que houver um risco a correr, preciso contar com o consentimento esclarecido, s dispensvel em casos de urgncia que no possa ser de outro modo superada, ou de atuao compulsria. que cabe ao paciente decidir sobre a sua sade, avaliar sobre o risco a que estar submetido com o tratamento ou a cirurgia e aceitar ou no a soluo preconizada pelo galeno.

A falta de informao, porm, por si s no causa do dano, como adverte Penneau, pelo que preciso distinguir: se a interveno era indispensvel e causou dano, a falta de informao adequada no pode ser levada em conta, a no ser para uma indenizao por dano moral; se dispensvel, sim, porque o paciente poderia ter decidido no correr o risco.

A concluso sobre o mbito da informao e da existncia do consentimento deve ser extrada, pelo juiz, do conjunto dos fatos provados, e mais precavido ser o mdico que obtiver declarao escrita do paciente ou de seu representante.

Em certas circunstncias, a inexistncia do assentimento evidente, como no caso do surgimento de um fato novo, no desenrolar de uma cirurgia. Se possvel suspender o ato, sem risco, para submeter a deciso ao paciente em vista de novos exames do material encontrado, essa a providncia recomendada. Chammard e Monzein referem o caso do paciente com pequeno ndulo na face interna do brao, com diagnstico benfico e previso de cirurgia simples; na operao, verificou-se a existncia de um tumor maligno, que foi atacado, com seco do nervo radial, afetando o movimento do brao. A Corte entendeu culpado o cirurgio e procedente a demanda. Nos Embargos Infringentes n. 208/90, o Tribunal de Justia do Rio de Janeiro reconheceu a liceidade da conduta do cirurgio que ampliou a cirurgia e extirpou o lobo direito da tireide, sem o consentimento do doente. Mas o voto vencido, com irrecusvel acerto, acentuou que o posterior exame laboratorial comprovou que o tecido extrado era sadio e que no havia perigo de vida na interrupo da cirurgia, para aguardar o resultado da bipsia.

O ato mdico deve ser praticado de tal sorte que, alm do cuidado que toda pessoa deve guardar na sua vida de relao (no confundir, na hora da extrao, o membro so com o doente; no tombar o paciente; no esquecer instrumentos na inciso do operado, etc.), ainda atenda aos deveres de cuidado prprios da profisso, no diagnstico, na indicao teraputica, na interveno cirrgica e no prognstico. O erro de tcnica, acentua Aguiar Dias, apreciado com prudente reserva pelos tribunais. Com efeito, o julgador no deve nem pode entrar em apreciaes de ordem tcnica quanto aos mtodos cientficos que, por sua natureza, sejam passveis de dvidas e discusses.

O diagnstico consiste na determinao da doena do paciente, seus caracteres e suas causas. O erro no diagnstico no gera responsabilidade, salvo se este for realizado sem ateno e precaues conforme o estado da cincia, apresentando-se como erro manifesto e grosseiro. Comete-o o mdico que deixa de recorrer a outro meio de investigao ao seu alcance ou profere um juzo contra princpios elementares de patologia.

Na indicao teraputica, o mdico livre para a escolha do tratamento, deciso a que chega fazendo um balano entre os riscos e a eficcia das medidas preconizadas.

Aguiar Dias, depois de definir o tratamento como a soma dos meios empregados para conservar a vida, melhorar a sade ou aliviar a dor, enumera casos reveladores de erro ou culpa do mdico: exposio a riscos inteis; manuteno de aparelho que provoca reaes anormais; omisso de normas de higiene e assepsia; receita com letra ilegvel, permitindo o engano; receita de remdio txico sem investigar incompatibilidade e intolerncia, etc.

Antonio Chaves alerta para os riscos da iatrogenia (doena que surge em virtude de interveno mdica ou medicamentosa), com 5% das camas de hospitais do mundo ocupadas por pessoas cuja doena conseqncia do tratamento, significando, nos EUA, um gasto de trs bilhes de dlares.

A obedincia s regras de higiene comum a todos quantos lidam com a sade, podendo levar responsabilidade do mdico quando de seu descumprimento resultar o dano. O prognstico dificilmente acarretar prejuzo, mas poder acontecer em caso de percia mdica; tambm poder trazer dano moral a quem sofra os efeitos de errneo juzo sobre o desdobramento futuro da doena.

Alm dos deveres de informao, obteno de consentimento e de cuidado, tem o mdico os deveres de: a) sigilo, previsto no artigo 102 do Cdigo de tica; b) no abusar do poder, submetendo o paciente a experincias, vexames ou tratamento incompatveis com a situao; c) no abandonar paciente sob seus cuidados, salvo caso de renncia ao atendimento, por motivos justificveis, assegurada a continuidade do tratamento (art. 61, Cdigo de tica); d) no impedimento eventual, garantir sua substituio por profissional habilitado; e) no recusar o atendimento de paciente que procure seus cuidados em caso de urgncia, quando no haja outro em condies de faz-lo.

5. A Culpa e Sua Prova

O mdico que viola um desses deveres pratica uma ao que surge como o primeiro pressuposto da sua responsabilidade civil. A este deve somar-se a culpa, nas modalidades de imprudncia (agir com descuido), a negligncia (deixar de adotar as providncias recomendadas) e a impercia (descumprimento de regra tcnica da profisso). Anibal Bruno distingue a impercia, elemento da conduta culposa, de erro profissional que provm das imperfeies da prpria arte ou cincia. Na medicina, por exemplo, em certas circunstncias, sempre possvel um erro de diagnstico que pode acarretar conseqncias mais ou menos graves. H erro escusvel, e no impercia, sempre que o profissional, empregando correta e oportunamente os conhecimentos e as regras da sua cincia, chega a uma concluso falsa, possa, embora, advir da um resultado de dano ou de perigo. a mesma distino que faz a Corte de Cassao da Frana: a culpa supe uma falta de diligncia ou de prudncia em relao ao que era espervel de um bom profissional escolhido como padro; o erro a falha do homem normal, conseqncia inelutvel da falibilidade humana.

A apurao da culpa do profissional mdico obedece aos mesmos procedimentos adotados para a definio da culpa comum: diante das circunstncias do caso, o juiz deve estabelecer quais os cuidados possveis que ao profissional cabia dispensar ao doente, de acordo com os padres determinados pelos usos da cincia, e confrontar essa norma concreta, fixada para o caso, com o comportamento efetivamente adotado pelo mdico. Se ele no a observou, agiu com culpa. Essa culpa tem de ser certa, ainda que no necessariamente grave: No necessrio que a culpa do mdico seja grave: basta que seja certa. O Professor Caio Mrio sustenta que a culpa mdica apreciada como qualquer outra. Desde que o juiz entenda que um mdico prudente, nas mesmas circunstncias, teria tido comportamento diverso do acusado, deve condenar este reparao. Igualmente, na Frana, a doutrina unnime em rejeitar a tese de que a culpa somente ensejaria a responsabilidade se fosse grave. O que possvel, isto sim (embora no seja da nossa prtica forense), estabelecer a proporcionalidade da indenizao em funo da gradao da culpa.

Na determinao da culpa, preciso levar em considerao circunstncias especiais. Assim, do anestesista se espera uma vigilncia absoluta durante o decurso da cirurgia, at a retomada da conscincia do paciente; do especialista, exige-se mais que do mdico generalista; do cirurgio esttico, rigoroso cumprimento do dever de informao e cuidado na execuo do trabalho, que muitos consideram uma obrigao de resultado.

Constituindo-se em obrigao de meio, o descumprimento do dever contratual deve ser provado mediante a demonstrao de que o mdico agiu com imprudncia, negligncia ou impercia, assim como est previsto no artigo 1.545 do Cdigo Civil (Os mdicos, cirurgies, farmacuticos, parteiras e dentistas so obrigados a satisfazer o dano, sempre que da imprudncia, negligncia ou impercia, em atos profissionais, resultar morte, inabilitao de servir, ou ferimento). A Lei n. 8.078/90 (Cdigo de Defesa do Consumidor), no seu artigo 14, 4.o, manteve a regra de que a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais ser apurada mediante a verificao da culpa. Esse mesmo nus que existe na relao contratual, tratando-se de obrigao de meio, tambm existe na responsabilidade extracontratual, cabendo igualmente ao lesado a prova dos pressupostos enumerados no artigo 159 do Cdigo Civil, que tambm se refere culpa nas suas modalidades de imprudncia, negligncia e impercia.

No se admite a culpa virtual, princpio segundo o qual, diante de certas circunstncias, estabelece-se, no que o demandado tenha cometido tal culpa, mas que no possa seno t-la cometido.

So considerveis as dificuldades para a produo da prova da culpa. Em primeiro lugar, porque os fatos se desenrolam normalmente em ambientes reservados, seja no consultrio ou na sala cirrgica; o paciente, alm das dificuldades em que se encontra pelas condies prprias da doena, um leigo, que pouco ou nada entende dos procedimentos a que submetido, sem conhecimentos para avaliar causa e efeito, nem sequer compreendendo o significado dos termos tcnicos; a percia imprescindvel, na maioria das vezes, e sempre efetuada por quem colega do imputado causador do dano, o que dificulta e, na maioria das vezes, impede a iseno e a imparcialidade. preciso super-las, porm, com determinao, especialmente quando atuar o corporativismo.

O juiz deve socorrer-se de todos os meios vlidos de prova: testemunhas, registros sobre o paciente existentes no consultrio ou no hospital, laudos fornecidos e, principalmente, percias. Uma das formas de fazer a prova dos fatos a exibio do pronturio, que todo mdico deve elaborar (art. 69, Cdigo de tica), e a cujo acesso o paciente tem direito (art. 70). Em juzo, cabe o pedido de exibio; a recusa permitir ao juiz admitir como verdadeiros os fatos que se pretendia provar, se no houver a exibio ou se a recusa for considerada ilegtima (art. 355 e 359, CPC).

Esse dever lateral de documentao, mesmo depois de esgotada a relao mdico-paciente, Figueiredo Dias e Jorge Monteiro consideram derivado do princpio da boa-f:

A boa-f exige que o mdico ou a instituio mdica que contratou com o doente, mesmo post contractum finitum, ponha sua disposio a documentao necessria para permitir averiguar se lhe foram prestados os melhores cuidados.

Na Argentina, predomina hoje o entendimento de que, em determinadas circunstncias, se produz uma transferncia da carga probatria ao profissional, em razo de encontrar-se em melhores condies de cumprir tal dever. o princpio da carga probatria dinmica, baseado no fato de que, tendo as partes o dever de agir com boa-f e de levar ao juiz o maior nmero de informaes de fato para a melhor soluo da causa, cada uma delas est obrigada a concorrer com os elementos de prova a seu alcance. Nas relaes mdico-paciente, normalmente o mdico quem dispe de maior nmero e de melhores dados sobre o fato, da o seu dever processual de lev-los ao processo, fazendo a prova da correo do seu comportamento. Tocando ao mdico o nus de provar que agiu sem culpa, no se lhe atribui a produo de prova negativa, apenas se exige dele a demonstrao de como fez o diagnstico, de haver empregado conhecimentos e tcnicas aceitveis, haver ministrado ou indicado a medicao adequada, haver efetuado a operao que correspondia em forma adequada, haver controlado devidamente o paciente, etc..

No Brasil, prevalece a orientao de que incumbe ao autor o nus de provar a culpa do profissional mdico nas relaes contratuais e delituais de natureza privada. s vezes, at, com rigor exagerado (ApCiv. 589.04565-7, TJRS; ApCiv. 589.06471-6, TJRS; ApCiv. 5.90038154, TJRS).

Mas o nus probatrio do credor dos servios mdicos, isto , do paciente, de demonstrar o descumprimento do contrato pelo devedor e prestador dos servios mdicos, limita-se ao dever de provar objetivamente que no lhe foram prestados os melhores cuidados possveis, nisto consistindo o incumprimento do contrato. Dir-se- que isto o mais difcil de conseguir. E . Mas em todo o caso, diferente ter de provar a verificao de um erro de tcnica profissional, com recurso s leis da arte e da cincia mdica, ou ter de provar que aquele mdico, naquelas circunstncias, podia e devia ter agido de maneira diferente. A prova de que estas circunstncias no se verificaram, estar o mdico em melhores condies de a fazer. Parece pois justo impor-lhe esse nus.

Quando a obrigao de resultado, cabe ao autor da ao demonstrar o descumprimento do contrato por parte do prestador dos servios mdicos, mediante a prova de que o objetivo proposto no foi alcanado.

Consideram-se obrigaes de resultado as de vacinao, de transfuso de sangue, de exames biolgicos de execuo corrente e simples, a de executar pessoalmente e em hora determinada certo ato mdico (visitas etc.), a de segurana dos instrumentos que usa na prtica do ato mdico, etc.

Polmica a definio da natureza jurdica da cirurgia esttica ou corretiva, quando o paciente saudvel e pretende apenas melhorar a sua aparncia; diferente da cirurgia reparadora, que corrige leses congnitas ou adquiridas.

A orientao hoje vigente na Frana, na doutrina e na jurisprudncia, inclina-se por admitir que a obrigao a que est submetido o cirurgio plstico no diferente daquela dos demais cirurgies, pois corre os mesmos riscos e depende da mesma lea. Seria, portanto, como a dos mdicos em geral, uma obrigao de meios. A particularidade residiria no recrudescimento dos deveres de informao, a qual deve ser exaustiva, e de consentimento, claramente manifestado, esclarecido, determinado. Duas decises da Corte de Lyon e da Corte de Cassao, de 1981, comentadas por Georges Durry, reafirmam que se trata de uma obrigao de meios, porque em toda operao existe uma lea ligada reao do organismo, e acentuam a existncia de um dever particular de informao. Mais recentemente, em 21.02.1991, a Corte de Versalhes, reconhecendo a existncia de uma obrigao de meios, condenou o cirurgio plstico que no comparou convenientemente os riscos e os benefcios de uma operao considerada prematura, deixando de fornecer a exata informao de todos os riscos.

O eminente Professor Luis Andorno, aps ter sido defensor da idia oposta, no ltimo curso ministrado em Porto Alegre, assim se expressou:

Se bem tenhamos participado durante algum tempo deste critrio de situar a cirurgia plstica no campo das obrigaes de resultado, um exame meditado e profundo da questo nos levou concluso de que resulta mais adequado no fazer distines a respeito, colocando tambm o campo da cirurgia esttica no mbito das obrigaes de meios, isto , no campo das obrigaes gerais de prudncia e diligncia. assim porquanto, como bem assinala o brilhante jurista e catedrtico francs e estimado amigo, Prof. Franois Chabas, de acordo com as concluses da cincia mdica dos ltimos tempos, o comportamento da pele humana, de fundamental importncia na cirurgia plstica, imprevisvel em numerosos casos. Ademais, agrega dito jurista, toda a interveno sobre o corpo humano sempre aleatria.

No Brasil, porm, a maioria da doutrina e da jurisprudncia defende a tese de que se trata de uma obrigao de resultado. Assim os ensinamentos de Aguiar Dias e Caio Mrio, para citar apenas dois dos nossos mais ilustres juristas.

O acerto est, no entanto, com os que atribuem ao cirurgio esttico uma obrigao de meios. Embora se diga que os cirurgies plsticos prometam corrigir, - sem o que ningum se submeteria, sendo so, a uma interveno cirrgica, - assumindo a obrigao de alcanar o resultado prometido, a verdade que a lea est presente em toda interveno cirrgica, e imprevisveis so as reaes de cada organismo agresso do ato cirrgico. Pode acontecer que algum cirurgio plstico ou muitos deles assegurem a obteno de um certo resultado, mas isso no define a natureza da obrigao, no altera a sua categoria jurdica, que continua sendo sempre a obrigao de prestar um servio que traz consigo o risco. bem verdade que se pode examinar com maior rigor o elemento culpa, pois mais facilmente se constata a imprudncia na conduta do cirurgio que se aventura prtica da cirurgia esttica que tinha chances reais, tanto que ocorrente, de fracasso. A falta de uma informao precisa sobre o risco e a no-obteno de consentimento plenamente esclarecido conduziro eventualmente responsabilidade do cirurgio, mas por descumprimento culposo da obrigao de meios.

Na cirurgia esttica, o dano pode consistir em no alcanar o resultado embelezador pretendido, com frustrao da expectativa, ou em agravar os defeitos, piorando as condies do paciente. As duas situaes devem ser resolvidas luz dos princpios que regem a obrigao de meios, mas no segundo fica mais visvel a imprudncia ou a impercia do mdico que provoca a deformidade. O insucesso da operao, nesse ltimo caso, caracteriza indcio srio da culpa do profissional, a quem incumbe a contraprova de atuao correta.

6. Medicina Coletiva

No desempenho de sua funo, o mdico contata muitas pessoas e entidades, com as quais mantm relaes jurdicas de diversas espcies. Assim, entre o mdico e o hospital, o mdico e o seu pessoal auxiliar, o cirurgio e o anestesista, as relaes entre os integrantes da equipe ou do grupo, do generalista com o especialista, a situao especial dos hospitais pblicos, dos mdicos credenciados pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), os convnios de sade, etc., todas so situaes relevantes, algumas vezes complexas, que exigem ao menos uma breve referncia.

Em primeiro lugar, preciso distinguir entre (1) o ato mdico propriamente dito, que somente pode ser realizado por mdico (diagnstico, indicao teraputica, cirurgia, prognstico), e pelo qual ele responde, (2) e os atos realizados por pessoal auxiliar mediante a sua direta superviso, ou por pessoal qualificado que segue suas instrues, pelos quais tambm responde, (3) dos atos derivados do contrato de hospedagem, ligados administrao hospitalar, como o dever de guarda do doente, e (4) dos atos de tratamento, realizados em hospital ou em farmcia, de que so exemplos a administrao de remdio errado, injeo mal feita, compressas excessivamente quentes etc., pelos quais o mdico no responde.

O hospital uma universalidade de fato, formado por um conjunto de instalaes, aparelhos e instrumentos mdicos e cirrgicos destinados ao tratamento da sade, vinculado a uma pessoa jurdica, sua mantenedora, mas que no realiza ato mdico. Sobre ele no incide o disposto no artigo 1.545 do Cdigo Civil, sendo-lhe aplicveis os princpios comuns da responsabilidade civil. Quando se fala aqui em hospital, a referncia pessoa jurdica que o mantm. O hospital firma com o paciente internado um contrato hospitalar, assumindo a obrigao de meios, consistente em fornecer hospedagem (alojamento, alimentao) e em prestar servios paramdicos (medicamentos, instalaes, instrumentos, pessoal de enfermaria, etc.); se dispuser de um corpo de mdicos, seus empregados, tambm poder assumir a obrigao de prestar servios mdicos propriamente ditos. Pelos atos culposos de mdicos que sejam seus empregados, ou de seu pessoal auxiliar, responde o hospital como comitente, na forma do artigo 1.521, III, do Cdigo Civil: So tambm responsveis pela reparao civil: (...) III o patro, amo ou comitente, por seus empregados, serviais e prepostos, no exerccio do trabalho que lhes competir, ou por ocasio dele.

A regra da responsabilidade do comitente sofre restries quanto a certas profisses, como a dos mdicos e dos advogados, pois no se admite uma subordinao para com os clientes nos termos indicados. Mas isso no que concerne s relaes entre o cliente e o mdico, conforme esclarece em nota o emitente professor portugus, citando Ruy de Alarcao, porque se admite a relao de comisso de mdico a mdico, e, digo eu, de hospital para mdico.

O hospital responde pelos atos mdicos dos profissionais que o administram (diretores, supervisores etc.) e dos mdicos que sejam seus empregados. No responde quando o mdico simplesmente utiliza as instalaes do hospital para internao e tratamento dos seus pacientes. Em relao aos mdicos que integram o quadro clnico da instituio, no sendo assalariados, preciso distinguir: se o paciente procurou o hospital e ali foi atendido por integrante do corpo clnico, ainda que no empregado, responde o hospital pelo ato culposo do mdico, em solidariedade com este; se o doente procura o mdico e este o encaminha baixa no hospital, o contrato com o mdico, e o hospital no responde pela culpa deste, embora do seu quadro, mas apenas pela m prestao dos servios hospitalares que lhe so afetos. A responsabilidade pela ao do integrante do corpo clnico, na situao primeiramente referida, explica-se porque a responsabilidade por ato de outro, prevista no artigo 1.521, III, do Cdigo Civil ( responsvel o patro, amo ou comitente, por seus empregados, serviais e prepostos), abrange tambm aquelas situaes em que no existe uma relao de emprego, bastando que a pessoa jurdica utilize servios de outra atravs de uma relao que gere o estado de subordinao. o caso do hospital, que, para seu funcionamento, necessita do servio do mdico, o qual, por sua vez, fica subordinado, como membro do corpo clnico, aos regulamentos da instituio.

O hospital responde pelo dano produzido pelas coisas (instrumentos, aparelhos) utilizadas na prestao dos seus servios:

Ao dono da coisa incumbe, ocorrido o dano, suportar os encargos dele decorrentes, restituindo o ofendido ao statu quo ideal, por meio da reparao. Essa presuno no irrefragvel. Mas ao dono da coisa cabe provar que, no seu caso, ela no tem cabimento.

Tambm responde pelos atos do seu pessoal, com presuno de culpa: presumida a culpa do patro ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto (Smula 341 do Supremo Tribunal Federal). Isso, contudo, no dispensa que se prove a culpa do servidor na prtica do ato danoso. Isto , o hospital no responde objetivamente, mesmo depois da vigncia do Cdigo de Defesa do Consumidor, quando se trata de indenizar dano produzido por mdico integrante de seus quadros (AgIn. 179.184-1 5.a CCTJSP), pois preciso provar a culpa deste, para somente depois se ter como presumida a culpa do hospital.

O no-atendimento do doente pelo hospital pode expressar-se atravs de simples recusa ou pelo encaminhamento a outro hospital (hospital de referncia). No primeiro caso, a falta de assistncia por defeito da organizao, no mantendo o planto ou os servios necessrios para atender a uma emergncia previsvel, fator determinante da responsabilidade do hospital. No segundo caso, a remessa justificada do doente a um hospital de referncia no constitui motivo para a atribuio da responsabilidade:

Em tese, o mdico que ordenar o reencaminhamento de paciente por falta de leito ou condies de atendimento age com diligncia e no deve ser considerado culpado. Da mesma forma, o hospital no pode ser obrigado a se preparar para todos os casos de emergncia, sendo certo que todos so aparelhados com unidades de pronto-socorro, o que elide a culpa e, mais, inviabiliza a tcnica da presuno da culpa, que seria uma eterna responsabilizao. Ademais, no a atividade hospitalar responsvel por todos os infortnios da vida.

A jurisprudncia registra os casos de responsabilidade do hospital por falta de planto (8.a CCTJRJ, 1981, RT 556/190), por efetuar diagnstico inadequado (6.a CCTJSP, 1981, RT 549/72) e por demorar no atendimento cirrgico que se fazia necessrio (TJSC, Ap. 19.672, 1986).

Quando se aborda este tema, no possvel esquecer a situao dramtica em que se encontra a rede hospitalar do pas, bem descrita na reportagem de Elio Gaspari, na revista Veja de 18.08.1993, A insuportvel leveza da morte, cujas deficincias constantemente constrangem os mdicos a decidir sobre quem tem direito ao nico aparelho, escassa medicao, ao uso da sala cirrgica. A Constituio de 1988 instituiu o Sistema nico de Sade (SUS), garantindo atendimento a todos. Com isso igualou, perante o servio pblico da sade, o desempregado e o que passa suas frias na Europa, fato que foi recentemente objeto da crtica do Ministro da Sade (Folha de S. Paulo, edio de 03.03.1995), pois cria uma situao insustentvel, no dispondo o Estado de recursos para atender a essa demanda. Em parte, porque no destina sade pblica recursos suficientes (4% do PIB, enquanto nos EUA de 12%); em parte, porque no h mdicos em nmero suficiente (150 mil mdicos para uma populao de 150 milhes; em Portugal, 23 mil mdicos, para uma populao de 10 milhes); finalmente, porque o Estado tem de atender de graa quem pode pagar, e fica sem recursos para tratar do necessitado.

O mdico pode se reunir a colegas para o exerccio da profisso.

A situao mais comum se d com a formao de uma equipe cirrgica, pela qual responde o chefe da equipe, tanto pelos atos dos outros mdicos, seus assistentes, como pelos servios auxiliares de enfermagem (salvo quando estes constituem atos de enfermagem banais e comuns, pelos quais responde o hospital).

O anestesista ocupa hoje uma posio especial, em razo da autonomia que alcanou a especialidade: em relao a este, tem sido aplicada a noo de ato destacvel, prpria do Direito Administrativo (ac. da 2.a CCTJ. RS, Rel. Antonio Augusto Uflacker, Revista Jurdica 75/237), a fim de determinar a sua responsabilidade, e no necessariamente a do cirurgio. Uma vez demonstrada a causalidade exclusiva do ato anestsico, sem a concorrncia do cirurgio, isto , sem que este pratique atos ou expea ordens contrrias ao recomendado pelo anestesista, no h razo para a imputao do cirurgio; porm, se foi ele quem escolheu o anestesista, poder responder pela culpa in eligendo. Integrando o anestesista o quadro mdico do hospital, sem possibilidade de escolha pelo paciente, mesmo assim, normalmente surge uma relao contratual entre o anestesista e o paciente, que por ele previamente examinado e dele recebe cuidados prvios, razo pela qual respondem tanto o hospital quanto o anestesista, solidariamente.

Os erros do anestesista podem ser de diagnstico (avaliar mal o risco anestsico, a resistncia do paciente), teraputico (medicao pr-anestsica ineficaz, omisses durante a aplicao) e de tcnica (uso de substncia inadequada, oxigenao insuficiente etc.). Sustenta-se que ele assume uma obrigao de resultado, desde que tenha tido oportunidade de avaliar o paciente antes da interveno e concludo pela existncia de condies para a anestesia, assumindo a obrigao de anestesi-lo e de recuper-lo. Parece, todavia, que a lea a que esto submetidos o anestesista e seu paciente no diferente das demais situaes enfrentadas pela medicina, razo pela qual no deixa de ser uma obrigao de meios, ainda que se imponha ao profissional alguns cuidados especiais na preparao do paciente, na escolha do anestsico, etc. Dele se exige acompanhamento permanente, no podendo se afastar da cabeceira do paciente durante o ato cirrgico, at a sua recuperao.

A formao de um grupo de mdicos pode se dar quando os associados tm todos igual habilitao para a prestao de iguais servios ao doente, revezando-se indistintamente no atendimento, ou quando so reservadas reas de especializao para cada um. Em ambas as situaes, diversos profissionais prestam servios ao mesmo paciente. A doutrina se inclina por admitir, em respeito ao princpio da independncia do mdico (um direito do doente), que a responsabilidade individualizada, cada um respondendo pelos seus atos.

Estabelecendo-se, porm, entre eles, uma relao de subordinao (de fato ou regulamentar), possvel aplicar a regra da responsabilidade transubjetiva do artigo 1.521, III, do Cdigo Civil, sendo necessrio para isso, inicialmente, definir o mbito da deciso de cada um: se o subordinado apenas cumpriu ordens, responde s o superior; se teve condies para concorrer na deciso, ambos respondem solidariamente. Pelos atos do estagirio, que desenvolve atividade de aprendizado sob a direta superviso do orientador, no responde seno este.

Nas relaes entre o generalista e o especialista: a) responde o generalista que deixa de chamar um especialista, quando as condies o recomendavam e havia essa possibilidade; b) o generalista que cumpre as recomendaes do especialista, contratado pelo paciente, no responde pelas conseqncias da advindas, atribuveis ao especialista; c) se optar, porm, por outra indicao teraputica, responde o generalista pelos danos.

O mdico que estiver eventualmente impossilibitado de prestar pessoalmente os servios ao seu cliente poder providenciar a sua substituio. Nesse caso, adverte a Professora Vera Fradera, quando o substitudo dirige a ao do substituto, responde o primeiro, como preponente; se no, a responsabilidade apenas do substituto, de natureza extracontratual, pois entre este e o paciente no se estabeleceu nenhum vnculo. Diferente a situao do mdico que, podendo recusar seus servios (artigos 35 e 58 do Cdigo de tica), simplesmente indica outro profissional, por cujos atos no se responsabiliza.

O mdico que solicita exame que no seja comum e de rotina deve avisar o paciente dos riscos a que estar sujeito, respondendo pela sua omisso. Essa responsabilidade no elimina a do mdico incumbido de realizar o exame, pois este, mais do que ningum, sabe ou deve saber da perigosidade dos aparelhos, substncias e tcnicas que utiliza, incumbindo-lhe no apenas zelar pela segurana do paciente, como o dever de especialmente inform-lo dos riscos. Inaceitvel, pois, a afirmativa de que o mdico executor de aortografia no responde por culpa se deixa de avisar o paciente dos riscos do exame obrigao que incumbe ao mdico clnico, solicitante do exame (4.a CCTJRS, RJTJRS 68/340).

Pela utilizao de instrumentos perigosos que causem danos aos seus pacientes, responde o mdico, tenha sido ele mesmo quem manipulou o instrumento ou o aparelho, tenha sido um no-mdico, seu empregado.

H uma tendncia, legtima, de fazer pesar sobre o profissional uma obrigao de resultado a partir do momento em que a prestao de ordem material. E a novidade reside precisamente no fato de que a responsabilidade de pleno direito, aqui, se aplica prestao mesma do mdico.

A responsabilidade do mdico, relativamente s coisas e instrumentos que utiliza, decorre do princpio geral da responsabilidade do dono ou detentor, j anteriormente citado, quando se tratou do hospital. Se o defeito de fabricao, responde o fabricante, independentemente da prova de culpa (art. 12 do Cdigo de Defesa do Consumidor).

At aqui tratamos da Medicina privada, prestada por hospitais e clnicas particulares, exercida por mdicos profissionais liberais.

7. A Assistncia e os Hospitais Pblicos

Os hospitais pblicos, da Unio, Estados, Municpios, suas empresas pblicas, autarquias e fundaes, esto submetidos a um tratamento jurdico diverso, deslocadas suas relaes para o mbito do Direito Pblico, especificamente do Direito Administrativo, no captulo que versa sobre a responsabilidade das pessoas de direito pblico pelos danos que seus servidores, nessa qualidade, causem a terceiros. Dispe o artigo 37, 6.o, da Constituio da Repblica:

As pessoas jurdicas de direito pblico e as de direito privado prestadoras de servios pblicos respondero pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsvel nos casos de dolo ou culpa.

Adotou-se o princpio da responsabilidade objetiva, cabendo ao Estado o dever de indenizar sempre que demonstrada a existncia do fato, praticado pelo agente do servio pblico que, nessa qualidade, causar o dano ( a responsabilidade pelo fato do servio), eximindo-se a Administrao, total ou parcialmente, se provar a fora maior, o fato necessrio ou inevitvel da natureza, ou a culpa exclusiva ou concorrente da vtima.

O dissdio que lavrou na doutrina sobre a prevalncia da teoria do risco integral ou do risco administrativo no tem maior relevncia, pois os defensores de ambas as correntes aceitam a possibilidade de excluso ou atenuao da responsabilidade do Estado sempre que provada a atuao de fatores causais estranhos ao Estado, como a culpa exclusiva ou concorrente da vtima. Apenas corrente minoritria apregoa que o Estado responde sempre, ainda quando a vtima seja culpada pelo evento. O STF tem reiteradamente acolhido a teoria do risco administrativo.

Essa responsabilizao do Estado pelo fato do servio, porm, no pode ser submetida a um regime nico. Assim, quando se trata de omisso do Estado em evitar um resultado que deveria impedir, em razo da sua posio de garantidor do bem (p. ex.: danos decorrentes de inundao), a sua responsabilidade somente se estabelece uma vez demonstrada a culpa do servio; igualmente, a responsabilizao do Estado pelos atos do juiz pressupe o funcionamento anormal da Justia. Pe-se, ento, a questo sobre a atuao dos servios pblicos de sade, prestadores de servios mdico-hospitalares.

Canotilho classifica a responsabilidade por fato da funo administrativa em (a) responsabilidade por atos administrativos lcitos, em que h a imposio de um sacrifcio inexigvel, e (b) responsabilidade por risco, que pode derivar de danos resultantes de trabalhos pblicos, de atividades excepcionalmente perigosas, de vacinaes obrigatrias, da ao de presos foragidos ou alienados, do funcionamento de mquinas empregadas na atividade administrativa, do risco social, de necessidade administrativa e de calamidades nacionais.

A responsabilizao do Estado pelo risco decorre do prprio fato do desempenho da atividade perigosa que o Estado exerce para a realizao dos seus fins, na consecuo do bem comum, cujos danos no podem ser transferidos ao indivduo. Contudo, quando a atividade exercida para benefcio do cidado, que recebe do servio pblico o tratamento para a sua doena, de se perguntar se o Estado tambm a responde objetivamente por todo o dano sofrido pelo paciente, independentemente da regularidade do servio prestado. Tratando da situao de quem solicita o servio de vacinao, asseverou Canotilho:

Nesta hiptese, poderia dizer-se que quem aceita uma atividade perigosa no seu exclusivo interesse dever suportar o risco correspondente... (...) (mas) ser sempre de pr a questo da omisso de um dever de cuidado por parte dos servios de sade na hiptese que estamos analisando. Aceitar-se-ia, pois, a demonstrao de uma atividade faltosa dos servios competentes.

Pode ser indenizado o dano produzido pela morte de um paciente internado em hospital pblico, para o qual a cincia recomendava a realizao de cirurgia, efetuada com todos os cuidados e de acordo com as prescries mdicas, mas que mesmo assim se revelou inexitosa, causando a morte? Melhor incluir tal hiptese no mbito restrito da responsabilidade pela culpa do servio, pois no parece razovel impor ao Estado o dever de indenizar dano produzido por preposto de servio pblico cuja ao, sem nenhuma falha, tenha sido praticada para beneficiar diretamente o usurio. Por isso, e para no fugir do sistema, assim como institudo no texto constitucional, devemos refluir para o exame do requisito da causa do dano. Na hiptese em que h o resultado danoso, apesar dos esforos do servio pblico para o tratamento do doente, elimina-se a responsabilidade do Estado sempre que a administrao pblica demonstrar o procedimento regular dos seus servios, atribuda a causa do resultado danoso a fato da natureza. Ao tratar da excluso da responsabilidade do Estado, leciona o Professor Yussef Cahali, partidrio da responsabilidade objetiva do Estado pela teoria do risco:

A segunda regra pode ser estabelecida reconhecendo-se a nenhuma responsabilidade ressarcitria se o dano sofrido pelo particular tem a sua causa no fato de fora maior, conseqncia de eventos inevitveis da natureza: a excluso de responsabilidade da Administrao decorre da no-identificao de nenhum nexo de causalidade entre o evento danoso e a atividade ou omisso do Poder Pblico.

Assim, o Estado se exonera do dever de indenizar por danos decorrentes do exerccio de sua atividade mdico-hospitalar sempre que demonstrar que o mdico a seu servio no lhes deu causa, mas que esta adveio das condies prprias do paciente.

A jurisprudncia se divide quanto natureza da responsabilidade do Estado por atos danosos praticados nos hospitais pblicos por seus servidores, sejam mdicos, enfermeiros ou serviais, mas a maioria pende para a responsabilidade objetiva. Acrdo de 16.09.1986, do antigo Tribunal Federal de Recursos, est assim ementado:

Realizada a cirurgia, com tcnica adequada, no se atribuindo negligncia, imprudncia ou impercia do cirurgio, o acidente imprevisvel de que resulta comprometimento do nervo citico, com seqela de reduo de movimentos do joelho e paralisao do p, no h como responsabilizar civilmente, por indenizao correspondente, o cirurgio que recomendou o tratamento e o executou. A responsabilidade da entidade empregadora do encarregado do tratamento , contudo, fundada no art. 107 da Constituio (de 1967), que adota o princpio da responsabilidade objetiva, pelo risco administrativo, em que a indagao de culpa pertinente apenas para possibilitar regresso ou para elidir o dever de indenizar, quando, no primeiro caso, haja culpa do preposto e, no segundo, a culpa pelo evento seja exclusivamente da vtima (ApCiv. 80.336, 1.a Turma). Outro no mesmo sentido:

Responsabilidade civil. Menor hospitalizado s custas e sob a responsabilidade do INAMPS (...) Causalidade inafastvel entre o dano e ato, sem concorrncia qualquer da menor ou de seus genitores. Aplicao da teoria do risco administrativo, inserta no artigo 107, da Constituio Federal (de 1967) (ac. de 25.06.1985, Revista do TFR 124/163).

Igual orientao foi reafirmada na ApCiv. 35.424-SP, em que a 4.a Turma do TFR considerou aplicvel o princpio da responsabilidade objetiva do Estado para a indenizao de dano provocado pelos servios do INPS. O Tribunal Regional Federal da 1.a Regio (Braslia) possui diversos julgados admitindo a responsabilidade objetiva dos hospitais mantidos pelo INAMPS (ApCv. 89.01.221268-MG, de 17.09.1990; ApCv. 89.01.226480-AM, de 12.09.1990: As pessoas jurdicas respondem pelos danos que seus agentes, nesta qualidade, causarem a terceiros (art. 27, 6.o, CF), sendo de natureza objetiva a responsabilidade, somente elidvel por prova exclusiva da parte contrria; ApCv. 92.01.32316-6-MG, de 03.03.1993).

J o Tribunal de Justia de So Paulo, na ApCv. 76.340-1, 5 Cmara Civil, de 23.04.1987, considerou indispensvel a prova da falta annima do servio.

A melhor soluo est no meio: no se atribui ao Estado a responsabilidade pelo dano sofrido por paciente que recorre aos servios pblicos de sade, ainda quando provada a regularidade do atendimento dispensado, nem se exige da vtima a prova da culpa do servio: em princpio, o Estado responde pelos danos sofridos em conseqncia do funcionamento anormal de seus servios de sade, exonerando-se dessa responsabilidade mediante a prova da regularidade do atendimento mdico-hospitalar prestado, decorrendo o resultado de fato inevitvel da natureza.

O mdico servidor pblico, pelos atos praticados nessa condio, pode determinar a responsabilidade da entidade pblica a que est vinculado. Ele responde regressivamente perante o ente pblico condenado a indenizar o dano, se demonstrada a sua culpa, pois a falta pode ser annima, atribuvel ao servio, sem possibilidade de individualizao do agente. A responsabilidade direta e primria do Estado; a do mdico, como a de todo servidor pblico, deveria ser apenas indireta, recompondo o prejuzo sofrido pelo Estado, desde que provada a sua culpa. O Supremo Tribunal Federal, no entanto, interpretando a Constituio anterior, que nesse ponto no foi substancialmente modificada, tem reiteradas decises sobre a admissibilidade de ajuizamento de ao diretamente contra o servidor, em litisconsrcio facultativo com o Estado, desde que o autor se proponha a provar, relativamente ao servidor, ter agido ele com culpa (RTJ 115/1383, 106/1182; 96/237).

A responsabilidade que surge para o Poder Pblico de natureza extracontratual, submetida s regras do Direito Administrativo, pois na relao entre paciente e hospital, de contrato no se trata. Figueiredo Dias e Monteiro sustentam que, embora entre o doente e o mdico que o assiste, por dever de ofcio, em hospital pblico, no haja contrato, deve ser reconhecida a existncia de uma relao contratual de fato entre o paciente e a organizao hospitalar, pois o doente internado no um estranho. Ocorre que os deveres de cuidado e de proteo que resultam do comportamento social tpico da internao derivam do princpio da boa-f, e o seu descumprimento pode ser examinado, no Direito brasileiro, luz do artigo 159, que fixa o dever de indenizar os danos decorrentes de atos praticados com negligncia, imprudncia ou impercia (ilcito absoluto).

O Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) pode prestar servios hospitalares atravs de seus prprios hospitais, ou entidades conveniadas, e por mdicos credenciados. Fazendo ele convnio com hospitais particulares, dele a obrigao de fiscalizar a prestao desses servios, e dele, portanto, a responsabilidade pelos danos causados em pacientes, seus segurados. Foi isso o que decidiu o Tribunal de Alada de Minas Gerais no AI 135.591-7, de 24.11.1992:

Ao exame do contrato de fls. dessume-se que a agravada obrigada a oferecer internao e tratamento a todas as pessoas que o INAMPS (Instituto Nacional de Assistncia Mdica, depois substitudo pelo INSS) lhe enviar (clusula primeira), como tambm o aludido rgo pblico tem o direito de fiscalizar os servios mdico-hospitalares prestados pela agravada... Deflui dessa circunstncia que o referido rgo pblico responsvel pelo tratamento mdico-hospitalar dado aos seus beneficirios, inclusive pelos danos advindos a eles na realizao do aludido tratamento (...) O INAMPS obrigado a responder pelos danos causados a terceiros, no exerccio da sua funo, consoante os precisos termos do 6.o do artigo 37 da Constituio Federal.

Tambm pelos atos dos mdicos credenciados tem sido reconhecida a responsabilidade do Instituto (TRF da 1.a Regio, ApCv. 89.01.221268; TFR 1.a Regio, ApCiv. 89.01.226.480; TRF da 3.a Regio, ApCiv. 90.03.12035-8, de 16.12.1991). Respondem os mdicos, diretamente, provada a sua culpa, e o Instituto, solidariamente.

8. As Entidades Privadas de Seguro e de Assistncia Mdica

A previdncia privada assume a cada dia maior importncia no pas. As dificuldades encontradas pela Previdncia Social para atuao eficaz no mbito da sade tm levado grande nmero de pessoas proteo complementar na rea da previdncia privada, que hoje j atinge 35 milhes de pessoas, das quais 28 milhes so ligadas a empresas. Apesar do custo (U$ 35,00 por pessoa), tende a se expandir.

A entidade privada de assistncia sade, que associa interessados atravs de planos de sade e mantm hospitais ou credencia outros para a prestao dos servios a que est obrigada, tem ela responsabilidade solidria pela reparao dos danos decorrentes de servios mdicos ou hospitalares credenciados. A 2.a Cmara Cvel do TJSP, sendo relator o Desembargador Walter Moraes, nos Emb. Infr. n. 106.119-1, assim decidiu:

Empresa de assistncia mdica. Leso corporal provocada por mdico credenciado. Responsabilidade solidria da selecionadora pelos atos ilcitos do selecionado (...) Embargante: Golden Cross Assistncia Internacional de Sade. Igualmente, o TJRJ, no AI 1.475/92, por sua 2.a Cmara Cvel, admitiu que se h solidariedade da empresa de assistncia mdica, do mdico por ela credenciado e do hospital, na reparao dos danos, contra qualquer deles pode dirigir-se o pedido. Tambm em ao de indenizao promovida contra a clnica mdica e a empresa de sade Blue Life ficou reconhecido:

A co-r tambm responsvel solidariamente em decorrncia do contrato de assistncia mdica havido com a autora. Tendo aquela credenciado o ru para a prestao dos servios mdicos, assumiu a responsabilidade para a sua perfeita execuo (voto vencido proferido na Ap.Civ 140.190-1, de 06.12.1990, depois acolhido nos embargos infringentes julgados em 06.08.1992).

Na ApCiv. 165.656-2, o TJMG reconheceu a responsabilidade solidria da Golden Cross com o mdico por ela contratado (ac. de 14.12.1993).

Diferentemente ocorre com os planos de sade que do liberdade para a escolha de mdicos e hospitais, e com os seguros-sade, que apenas reembolsam as despesas efetuadas pelo paciente, e por isso no respondem pelos erros dos profissionais livremente selecionados e contratados pelo seu segurado.

As instituies privadas utilizam-se de contratos de adeso, cujas clasulas muitas vezes no se harmonizam com o princpio da boa-f objetiva e com as regras do Cdigo de Defesa do Consumidor. Convm examinar, embora sucintamente, alguns exemplos desse conflito, que tende a se ampliar na medida em que se estende o campo da previdncia privada, utilizando informao jurisprudencial coletada no Estado de So Paulo pelo Dr. Aristbulo de Oliveira Freitas:

a) No se admitiu como vlida clusula de excluso de pagamento de seguro de reembolso de despesa com internao hospitalar, porque, apesar da internao, no houve a cirurgia (3 CCTJRS, 30/9/92, Ap.Civ. 592070528).

b) A limitao do nmero de dias de internao no foi aceita pela 15.a CCTJSP na Ap.Civ. 222.217-2/7, em acrdo de 22.02.1994, porque a norma contratual h de ser sopesada ante a realidade da situao individual, sob pena de chegar-se ao absurdo de impor ao prprio paciente que limite a extenso do seu mal ou que estabelea o prazo da sua internao, tarefa que na realidade est afeta ao mdico acompanhante. No caso presente, tem-se que o paciente esteve internado por seis dias, alm dos trinta dias, vindo o bito.

c) Julgou-se inadmissvel a exigncia de apresentao de guia de internao, subscrita por mdico credenciado, at 24 horas depois da internao de urgncia determinada por mdico no credenciado:

Se o paciente atendido por mdico particular e nessa situao internado, mais do que evidente que nenhum outro mdico credenciado interferir ou assinar requisio de guia, criando-se um impasse que, como bem salientou o julgado, viola a essncia do contrato (ac. da 14a CCTJSP, na Ap.Civ. 222589-2/3, de 08.03.1994).

d) Os contratos de seguro ou de assistncia excluem, de modo geral, a cobertura para o tratamento dos pacientes afetados pelo vrus da Aids. A Resoluo 1401/93, do Conselho Federal de Medicina, condenou essa prtica, mas nos Tribunais as decises so divergentes. A 5.a CCTJRS considerou que a mera excluso de tratamento de molstia infecto-contagiosa de notificao compulsria no clusula abusiva (MS 594012130, de 14.04.1994), invocando outra deciso no mesmo sentido, da 4.a CCTJRJ, na Ap.Civ. 6.217/93, e o contedo da Circular 10/93, da Superintendncia de Seguros Privados (Susep), rgo federal encarregado da fiscalizao das companhias de seguros, vedando a incluso, nos seguros de assistncia mdica ou hospitalar, de coberturas no particularizadas na aplice. J a 14.a CCTJSP, em mandado de segurana impetrado para garantir a continuidade da assistncia, afirmou, com melhor razo, que a supresso de determinados tratamentos como aquele aqui contemplado configura em princpio uma clusula abusiva nos termos do artigo 51, I, 1.o, da Lei 8.079 (de 11.09.1990, Cdigo de Defesa do Consumidor) (MS 224430-2/3, de 03.05.1994). A 18.a CCTJSP considerou que, j estando sendo prestada a assistncia, ela deve, de qualquer modo, continuar, na medida em que a suspenso de tratamento mdico do paciente aidtico, como notrio, implica abreviao da morte, reservado seguradora o direito de, na ao principal, uma vez acolhida a sua tese de excluso, cobrar as despesas efetuadas (MS 231992-2, de 29.03.1994).

e) Quando o segurado procurou hospital conveniado com o plano de sade (Blue Life), considerou-se abusiva a clusula que condicionava a cobertura ao atendimento por mdico credenciado:

A clusula VI, inc. 8, do mesmo plano de sade, exclui da obrigatoriedade do ressarcimento, tratamento e exame de qualquer espcie por mdicos no credenciados, mas, como se pode concluir, trata-se de verdadeiro artifcio malicioso utilizado pela r-apelada, porquanto ao credenciar determinado hospital est aceitando o tratamento por mdicos a este vinculados, e no seria possvel ao autor ficar procurando mdico que se dispusesse a atend-lo nesse hospital (Ap.Civ. 223242-2/8, 18.a CCTJSP, de 09.05.1994).

f) muito comum clusula abusiva que permite entidade de assistncia rescindir unilateralmente o contrato, utilizada quando o paciente avana na idade ou comea a apresentar doenas. A 19 CCTJSP, na ApCiv. 292337-2/6, considerou invlida a clusula que permitia companhia Amil a extino unilateral do contrato de cobertura de servios mdicos, ainda durante o perodo de carncia (25.10.1993). J a extino do contrato por falta de pagamento das prestaes somente pode ocorrer aps constitudo o devedor em mora, j que no se cuida na espcie de mora ex re, pois as clusulas contratuais devem ser interpretadas em favor do consumidor (ac. da 18.a CCTJSP, ApCiv. 233323-2/6, de 09.05.1994). Nesse mesmo acrdo, foi excluda a clusula que estabelecia carncia por dias de atraso no pagamento das prestaes.

A defesa judicial dos associados de instituio privada de seguro ou assistncia mdico-hospitalar pode ser individual ou coletiva (art. 80, CDC). A defesa coletiva (art. 81) ser exercida quando se tratar de interesses ou direitos difusos (os transindividuais, indivisveis, de pessoas indeterminadas e ligadas por circunstncias de fato), de interesses ou direitos coletivos (os transindividuais, indivisveis, de grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrria por uma relao jurdica base) e de interesses ou direitos individuais homogneos (os decorrentes de origem comum). So legitimados, concorrentemente, o Ministrio Pblico, a Unio, Estados e Municpios, as entidades da administrao pblica destinadas especificamente defesa desses interesses e direitos e as associaes constitudas h pelo menos um ano, que tenham por fim a sua defesa (art. 82). Os interesses e direitos dos associados de companhia de seguro ou assistncia mdica podem ser classificados no grupo dos interesses ou direitos coletivos, cabendo a ao coletiva quando se cuida, genericamente, da eliminao de uma clusula abusiva usada em contrato de massa, ou da reduo dos reajustes de prestaes, estando legitimada para promover a ao a associao privada constituda para a defesa do consumidor. No Brasil, a mais ativa e respeitada entidade desse gnero o IDEC Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, com sede em So Paulo, de significativa atuao na rea, cuja legitimidade ativa tem sido reconhecida para promover aes civis pblicas sobre a validade de clusulas e prticas nesse mbito (Emb. Infr. 180713-8-01, de 20.12.1993).

9. Dano

Pressuposto da responsabilidade o dano (toda ofensa a bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurdica), que pode ser patrimonial, de natureza material ou econmica, refletindo-se no patrimnio do lesado, ou extrapatrimonial, relativo a valores de ordem espiritual. O mesmo fato pode gerar as duas responsabilidades, que so cumulveis.

A ofensa pessoa pode trazer prejuzos de variada natureza, (a) provocando morte, doenas, incapacidades orgnicas ou funcionais; (b) gerando conseqncias de ordem psquica, sexual ou social; (c) frustrando o projeto de vida da vtima. Tais danos podem afetar, conforme sua natureza, tanto o paciente como os seus familiares.

Na verificao da existncia do dano, atende-se ao estado anterior do paciente, quando j apresentar deficincias, s quais se acrescenta o fato da interveno mdica, de tal modo que o dano agora produzido seja especialmente mais grave em razo da deficincia anterior, como ocorre com quem j no tinha o par do rgo duplo e perde o segundo, ou portava uma deficincia cardaca, aumentada com o fato superveniente. O dano pelo qual responde o mdico o decorrente diretamente da sua ao, agravado pelas condies pessoais do paciente, pois este resultado mais grave estava na linha da causalidade posta pela ao do mdico.

Para a sua avaliao, deve ser considerada a melhoria do estado do paciente, favorecido pela atuao mdica. Fica excluda a alterao que se constituir em meio necessrio para a realizao do ato mdico, como a inciso cirrgica praticada de acordo com os padres aceitos.

Havendo a interveno de diversos agentes, um problema de causalidade determinar o que deve ser atribudo a cada um. A 2 CCTJRS julgou improcedente, por falta de prova, a ao de indenizao promovida por uma paciente em quem foi encontrado corpo estranho no abdmen, tendo sido submetida a trs cesarianas, por mdicos diversos (RJTJRS v. 167, p. 412).

Examina-se, a seguir, algumas situaes em que o dano excepcionalmente autorizado: aborto, operao transexual e pesquisa mdica.

9.1. Aborto

O aborto prtica proibida pelo Cdigo Penal (arts. 124, 125 e 126), somente permitido o praticado por mdico e se necessrio para salvar a vida da gestante, ou para interromper gravidez resultante de estupro (art. 128). O Cdigo de tica Mdica veda o descumprimento da legislao especfica sobre o abortamento (art. 43). Trata-se de um fato social, mais do que jurdico, pois o radicalismo da soluo legal leva os interessados para a clandestinidade, em que o risco fica superlativamente agravado. De acordo com dados estatsticos, no municpio de So Paulo, para cada 100 mil nascidos vivos, 99,5 a taxa de morte materna, sendo o aborto responsvel por 10,7% dessas mortes. A deciso para o abortamento, nos casos permitidos no Cdigo Penal, chamados de aborto necessrio e de honra, reservada ao mdico; quando se trata de estupro, porm, se no h sentena judicial autorizando o aborto ou sentena condenatria penal do autor do fato (o que dificilmente vai ocorrer, dada a exigidade do tempo), o mdico deve se resguardar com a exigncia de apresentao de documento que o convena da existncia do estupro. Nos seus Comentrios ao Cdigo Penal, ensina Nelson Hungria:

Se existe, em andamento, processo criminal contra o estuprador, seria mesmo de bom aviso que fossem consultados o juiz e o representante do Ministrio Pblico, cuja aprovao no deveria ser recusada, desde que houvessem indcios suficientes para a priso preventiva do acusado. (...) Na prtica, para evitar abusos, o mdico s deve agir mediante prova concludente do alegado estupro, salvo se o fato notrio ou se j existe sentena judicial condenatria do estuprador. Entretanto, se o conhecimento de alguma circunstncia foi razoavelmente suficiente para justificar a credulidade do mdico, nenhuma culpa ter este, no caso de verificar-se, posteriormente, a inverdade da alegao. Somente a gestante, em tal caso, responder criminalmente.

Isso se recomenda para evitar a fraude lei ou uma imputao mais apressada.

A 24 Assemblia Geral da Associao Mdica Mundial, em Oslo, 1970, adotou uma declarao sobre o aborto teraputico a respeito do que deve ser observado:

a) a deciso de interromper uma gravidez deve ser normalmente aprovada por escrito por pelo menos dois mdicos, escolhidos em razo de sua competncia profissional;

b) a interveno dever ser praticada por mdico habilitado, em estabelecimentos credenciados pelas autoridades competentes. Ressalva-se, entretanto:

c) se o mdico, em razo de suas convices, considera-se impedido de aconselhar ou de praticar o aborto, ele pode se negar a faz-lo, assegurando a continuidade dos cuidados por um colega qualificado.

H notcias de sentenas autorizando o aborto fora dos casos permitidos na lei, para interrupo da gravidez de feto anencfalo, o que soluo de eqidade.

9.2. Operao Cirrgica Para Mudana de Sexo

O transexualismo capaz de produzir profundo desequilbrio psquico, que pode conduzir ao suicdio; mas, como adverte Penneau, h tambm o transexualismo de perverso. Por falta de uma soluo legislativa, a jurisprudncia francesa negava os pedidos de transexuais, tendo a Corte Europia proferido julgamentos condenatrios contra a Frana, por desrespeito ao artigo 8o da Conveno dos Direitos do Homem, o que levou a Corte da Cassao, em 1992, a aceitar a mudana de sexo.

A legislao penal brasileira prev como crime de leso corporal gravssima a ao da qual resulta perda ou inutilizao de membro, sentido ou funo (art. 129, 2.o, CP). A jurisprudncia, porm, tem autorizado a operao, do que bom exemplo acrdo do Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul:

Jurisdio voluntria. Autorizao para operao. A pretenso da postulante de obter autorizao para submeter-se a interveno cirrgica com o propsito de alterao de sexo, com extirpao de glndulas sexuais e modificaes genitais, de ser conhecida pelos evidentes interesses jurdicos em jogo, dados os reflexos no s na sua vida privada como na vida da sociedade, no podendo tal fato ficar a critrio exclusivamente das normas tico-cientficas da medicina.

A outra questo, conseqente operao, a alterao do registro civil, que tambm tem sido autorizada, pois se trata de simples conformidade do assento nova realidade. As certides fornecidas pelo Ofcio do Registro Civil no devem fazer referncia ao fato da operao, para no manter nos documentos a dualidade que j atormentava o transexual, salvo o caso de certido requisitada pelo juiz.

9.3. A Pesquisa Mdica

O Tribunal de Nuremberg, diante do horror por que passavam as vtimas dos campos de concentrao, julgou conveniente estipular dez regras sobre a experimentao humana: o sujeito deve ter capacidade de consentir e dar seu consentimento, livre de qualquer coao e plenamente esclarecido; a experincia deve ser necessria, e impossvel de realizar-se de outro modo; deve ser precedida de experincias animais e de estudo profundo da questo; deve evitar todo o sofrimento e dano no necessrios; no deve pressupor a morte ou a invalidez do sujeito; os riscos no devem exceder o real valor da experincia; deve ser evitado todo o dano eventual; o experimentador deve ser qualificado; o sujeito deve poder interromper a experincia; o pesquisador deve estar pronto a interromper a experincia em caso de perigo.

Essas recomendaes, um avano para a poca e fundadas basicamente nas prescries adotadas pela associao americana, j sofreram crticas pelas suas insuficincias.

A matria veio a ser regulada exaustivamente, no Brasil, no ano de 1988, atravs de dois textos.

O Cdigo de tica Mdica (Resoluo n. 1246/88) veda ao mdico: participar de qualquer tipo de experincia no ser humano com fins blicos, polticos, raciais ou endmicos; a pesquisa sem consentimento esclarecido por escrito; o uso de teraputica no liberada, sem autorizao dos rgos competentes e sem o consentimento do paciente; promover pesquisa na comunidade sem o conhecimento da coletividade e sem que o objetivo seja a proteo da sade pblica; obter vantagens pessoais ou renunciar sua independncia em relao aos financiadores; realizar pesquisa mdica em ser humano sem aprovao e acompanhamento de comisso isenta; utilizar-se de voluntrios dependentes ou subordinados ao pesquisador; realizar pesquisa com suspenso ou no uso de teraputica consagrada, em prejuzo do paciente; realizar experincias com novos tratamentos em paciente incurvel ou terminal sem esperana razovel de utilidade (artigos 122 a 130).

Em 1988, o Conselho Nacional de Sade editou a Resoluo n. 1, de 13.06.1988, em que regulou a pesquisa na rea da sade, dispondo sobre: normas gerais de pesquisa em sade; aspectos ticos da pesquisa em seres humanos; pesquisa de novos recursos profilticos - diagnsticos teraputicos e de reabilitao; pesquisa em menores de idade inferior a 18 anos completos e em indivduos sem condies de dar conscientemente seu consentimento em participar; pesquisa em mulheres em idade frtil, mulheres grvidas; pesquisa em conceptos - pesquisa durante o trabalho de parto, no puerprio e na lactao - pesquisa em bito fetal; pesquisa em rgos, tecidos e seus derivados, cadveres e parte de seres humanos; pesquisa farmacolgica; pesquisa de outros recursos novos; pesquisa com microorganismos patognicos ou material biolgico que possa cont-los; pesquisas que impliquem construo e manejo de cidos nucleicos recombinantes; pesquisa com istopos radioativos, dispositivos e geradores de radiaes ionizantes e eletromagnticas; comits internos das instituies de sade; execuo da pesquisa nas instituies de sade.

10. Causalidade

A fim de que uma modificao no mundo exterior possa ser atribuda a algum, preciso determinar que o fator causal desse resultado foi posto pelo imputado, em se tratando de responsabilidade por fato prprio, ou por pessoa ou coisa pela qual ele responda.

Acontecendo os fatos sempre num contexto de mltiplos fatores e condies, pois nada se d de forma isolada, indispensvel definir qual a condio determinante do resultado, a fim de que este possa ser imputado ao seu autor. No Direito Penal, em que a matria extensamente estudada em razo da posio proeminente que o ponto assume na responsabilidade criminal, vrias teorias surgiram para precisar, dentre todas as condies, qual a causa do dano. A mais aceita, inclusive no mbito do Direito Civil, a teoria da causalidade adequada, segundo a qual o juiz, num juzo de inferncia estabelecido a partir dos dados experimentais, determina qual, naquelas circunstncias, era a condio mais adequada para produzir o resultado. O autor dessa condio responde pelo resultado danoso.

A resoluo do tema da causalidade, em se tratando de responsabilidade mdica, tem sido sempre um tormento para a doutrina, e tambm para os tribunais, uma vez que a ao mdica se faz presente em situaes peculiares, provocando reaes orgnicas e psquicas s vezes imprevisveis e de conseqncias srias. Da a dificuldade de explicitar qual realmente foi a causa posta pelo galeno. Ainda mais se agrava a questo quando interferem condies supervenientes, com a participao de outras pessoas, mdicos ou no; nestes casos, no h a responsabilidade do que primeiro atuou se o resultado decorreu de fato novo e alheio, que por si s causou o resultado.

Para vencer a dificuldade da prova do nexo de causalidade, a jurisprudncia francesa aceita a teoria da perda de uma chance. Em um julgamento de 1965, a Corte de Cassao admitiu a responsabilidade mdica porque o erro de diagnstico levou a tratamento errado, privando a vtima de uma chance de cura. Na verdade, de acordo com essa teoria, o juiz no est seguro de que o evento teria ocorrido pela ao do mdico, mas a falta facilitou a supervenincia do resultado. O Professor Franois Chabas critica a soluo, pela qual se faz a abstrao do lao de causalidade, presumindo-se a sua existncia, e preconiza o retorno teoria clssica da culpa com nexo causal. Jean Penneau tambm a critica, mas Chammard e Monzein consideram que a atual orientao da Corte francesa, diante da evoluo atual da Medicina, uma necessria soluo de eqidade.

11. Concluso Perspectivas Atuais

A mudana do eixo da teoria da responsabilidade civil passou do autor do ato ilcito para a vtima do dano, o que aconteceu a partir do trabalho de Boris Starck e hoje constitui sua mais forte tendncia. A responsabilidade que mira a vtima , a nosso juzo, a verdadeiramente jurdica. Lambert-Faivre publicou artigo na Revue Trimestrielle de Droit Civil (1987, p. 1), com o sugestivo ttulo A evoluo da responsabilidade civil de uma dvida de responsabilidade a um crdito de indenizao, e ali analisou duas recentes leis francesas (a da circulao de veculos, de 05.07.1985; e a de indenizao por atos de terrorismo, de 09.09.1986), em que mostra que o pivot da responsabilidade civil, antes centrado no sujeito responsvel, hoje est na reparao do dano vtima, ficando marginalizada a pessoa do agente.

A par dessa tendncia, ainda existe a inafastvel realidade de ampliao crescente do nmero de reclamaes administrativas ou judiciais fundadas em culpa atribuda ao mdica. Seus valores, no Brasil, so relativamente baixos, mas nos EUA chegam a milhes, assim tambm no Canad, onde a empresa seguradora Loyds de Londres chegou a dizer: Mudem a responsabilidade civil ou a maneira de indenizar; se no, nos vamos, porque no rentvel.

Os mdicos e juristas que tm estudado o assunto concluem de uma maneira uniforme pela necessidade da repartio econmica do risco do exerccio da medicina. Mlle. Viney j demonstrara sua necessidade, diante das modernas caractersticas da atividade tcnica. O Professor Andre Tunc, no seu trabalho Lassurance tous risques medicauxs, considera melhor substituir a responsabilidade civil individual do mdico pelo seguro. Guido Alpa responde objeo que se faz instituio do seguro mdico, que seria um fator de perda da qualidade da Medicina e do sentido de responsabilidade profissional, lembrando que na Europa as ordens profissionais so favorveis difuso do seguro.

No Brasil, segundo informa Miguel Kfouri Neto, os profissionais mdicos pouco procuram o seguro de risco, o que se deve em parte ao fato de muitos serem assalariados e, em parte, ao pequeno nmero das aes de indenizao. No Congresso Nacional tramitam dois projetos de lei. O de autoria do Senador Nelson Carneiro institui seguro obrigatrio dos estabelecimentos que realizam cirurgias com anestesia geral; o do Deputado Nelson do Carmo cria o seguro obrigatrio contra erros mdicos e infeces hospitalares, que seria contratado pelo prprio paciente. As solues, como se v, so incompletas.

De tudo, porm, se conclui que o futuro se encaminha para alguma forma de repartio dos riscos atravs do seguro, depois de resolvidas as seguintes questes: a definio de profissional; a definio da responsabilidade profissional; a determinao das tcnicas de distribuio do risco profissional; os limites do seguro.

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CCTJRS Cmara Civil do Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul

CCTJSC Cmara Civil do Tribunal de Justia de Santa Catarina

CCTJSP Cmara Civil do Tribunal de Justia de So Paulo

INAMPS Instituto Nacional de Assistncia Mdica e Previdncia Social

INPS Instituto Nacional de Previdncia Social

INSS Instituto Nacional de Seguridade Social

MS Mandado de Segurana

REsp. Recurso Especial

RTJ Revista Trimestral de Jurisprudncia (STF)

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justia

TACiv/RJ Tribunal de Alada Civil do Rio de Janeiro

TFR Tribunal Federal de Recursos

TJMG Tribunal de Justia de Minas Gerais

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Autor: Aguiar Jnior, Ruy Rosado de.

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Le dclin de la responsabilit indiv