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Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 9, N. 1, 2018, p. 113-145. Angelo Gamba Prata de Carvalho e Juliano Zaiden Benvindo DOI: 10.1590/2179-8966/2017/26477| ISSN: 2179-8966 113 Os “imperativos da revolução de março” e a fundamentação da ditadura The “imperatives of the march revolution” and the legitimization of the dictatorship Angelo Gamba Prata de Carvalho Universidade de Brasília, Brasília, Distrito Federal, Brasil. E-mail: [email protected] Juliano Zaiden Benvindo Universidade de Brasília, Brasília, Distrito Federal, Brasil. E-mail: [email protected] Artigo recebido em 25/01/2017 e aceito em 31/03/2017. This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License

Os “imperativos da revolução de março” e a fundamentação da … · Resumo A ditadura, por mais violenta que seja, busca sua justificação na edição de normas aparentemente

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Os “imperativos da revolução de março” e afundamentaçãodaditaduraThe“imperativesofthemarchrevolution”andthelegitimizationofthedictatorship

AngeloGambaPratadeCarvalho

UniversidadedeBrasília,Brasília,DistritoFederal,Brasil.E-mail:[email protected]

UniversidadedeBrasília,Brasília,DistritoFederal,Brasil.E-mail:[email protected]

Artigorecebidoem25/01/2017eaceitoem31/03/2017.

ThisworkislicensedunderaCreativeCommonsAttribution4.0InternationalLicense

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Resumo

A ditadura, por mais violenta que seja, busca sua justificação na edição de normas

aparentemente legítimas, que se pretendem democráticas por algum movimento

retórico.Odiscursosobrea“RevoluçãodeMarço”vaidesdeotompanfletárioatéode

argumentosacadêmicos,comoosescritosdeMiguelReale.Emboraaclamadocomoum

dosmaisimportantesjuristasbrasileirosdoséculoXX,seustrabalhoseteorias,comoa

Teoria Tridimensional do Direito, têm sido normalmente dissociados de uma mais

adequada compreensão do contexto de seu desenvolvimento. Este artigo supre esta

lacunaao localizarMiguelRealenahistória.Comoumdos juristasmaisproeminentes

para a formação do pensamento autoritário no Brasil, este artigo procura,

diacronicamente,analisarodiscursodejustificaçãodaditaduraemseustextospolíticos

de três períodos diferentes de nossa História, investigando em que medida há

continuidadenosprojetosautoritárioslevadosacaboemnossopaís.

Palavras-chave:Ditadura;MiguelReale;Autoritarismo;Integralismo;GolpedeEstado.

Abstract

Dictatorships,however violent theymaybe, seek their justification through seemingly

legitimatenorms,whichpurporttobedeemeddemocraticbasedonarhetoricalmove.

The discourse on the “March Revolution” ranges from controversial pamphlets to

academic arguments, such as Miguel Reale’s writings. Acclaimed as one of the most

importantBrazilianjuristsofthe20thcentury,hisworksandtheories,suchastheThree-

Dimensional Legal Theory, have however been dissociated from a more adequate

contextual comprehension of their developments. This Article fills this gap by placing

MiguelRealeinhistory.Asoneofthemostprominentjuristsforthedevelopmentofthe

authoritarian mindset in Brazil, this Article aims to diachronically examine his

justifications of the Brazilian dictatorship of 1964 in his political writings from three

distinct periods of Brazilian history, assessing thereby the continuities of the

authoritarianprojectstakenplaceinBrazil.

Keywords:Dictatorship;MiguelReale;Authoritarianism;Integralism;Coupd’État.

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Introdução

Para o estudioso do direito constitucional, ditaduras são normalmente apresentadas

como a antípoda do que tanto se defende sob o conceito de constitucionalismo

democrático. Suas características e práticas, especialmente por meio de um olhar

retrospectivo,assustame levantamoquestionamento sobreosmodoseas causasde

sociedades terem convivido com essa realidade por décadas. Não raramente um

desconfortávelressentimentoseconsubstanciaaoseverificarque,maisdoquevítimas,

sociedades inteiras foram peça essencial para a construção e promoção de regimes

autoritários.Não é sem razão que, como afirmamDenise Rollemberg e SamanthaViz

Quadrat, em tais contextos, sociedades, “diante do espelho, não raro, descobrem-se

mesmocomopartede suaengrenagem,agestá-lo, aalimentá-lo”eque isso impõea

necessidadedeentenderasditadurasapartirde“umquadromaiscomplexoefinodas

muitas relações possíveis das sociedades com os regimes autoritários e ditatoriais.”

(ROLLEMBERG;QUADRAT,2010,p.12).Nocasobrasileiro,porexemplo,aditadurade

1964-1985 foi, na verdade,umaditadura civil-militar, umavezqueo golpeencontrou

forte respaldo social, como se observou não apenas naMarcha da Família comDeus

pelaLiberdade,anterioraogolpe,mastambémnasdezenasdemarchasdessetipoque

ocorreram no país nos primeirosmeses de ditadura (BARBOSA, 2012, p. 51; PRESOT,

2012,p.71).

Parasustentarmuitasdessas“relaçõespossíveisdassociedadescomosregimes

autoritários e ditatoriais” (ROLLEMBERG; QUADRAT, 2010, p. 12), a construção do

discurso justificador do próprio autoritarismo merece uma adequada análise,

explicitando, assim, as ambivalências domomento.OBrasil apresenta, nesse aspecto,

umariquezaímparnodireitocomparado.Seépossíveldesenharumanormatividadedo

discursojustificadordoautoritarismo,oBrasilservecomoumimportanteparadigmaem

razão do modo como o direito – e os conceitos que dele derivam – foram

estrategicamente enviesados para defender, na ditadura, o verniz democrático.

Especialmenteemnossaditadurade1964a1985,emmeioacassaçõeseperseguições

aopositorespolíticosdoregime,prisõesarbitráriasetorturasistemáticanosporõesda

ditadura,oregimemilitarprocuravaformasdelegitimaçãoformaldesuapermanência

nopoder.Governosautoritáriosbuscam,dediferentesmodos,argumentosparaevitara

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admissão de seu caráter antidemocrático e, no caso brasileiro, essa estratégia se deu

pela própria remodelaçãode conceitos jurídicos. Em síntese, a ditadura fez dodireito

seuinstrumentofundamentalparasedizerdemocrática.Emais:fezdadoutrinajurídica

seucanalgarantidordeumaargumentaçãolegitimadoradesuasarbitrariedades.

Os exemplos são vários e não demoraram a se materializar como norma

institucionalizada por via do direito, que, não apenas formalmente se construiu pela

excepcionalidade,masmaterialmente passou a se definir pela onipotência do próprio

conceito de “revolução”, mesmo que ainda profundamente ligado ao passado

tradicional.ComodizLeonardoBarbosa,“opassadoéreligadoaopresente,àoperação

do sistema do direito, para legitimar um determinado projeto de futuro” (BARBOSA,

2012,p.33).Esseparadoxodoconceitode“revolução”comopassadotradicional,em

uma clara concertação das elites, se fez também pela remodelação do conceito de

“poder constituinte”paraomomento. O textodoAto Institucional (AI), baixadodias

apósogolpepeloentãodenominadoComandoSupremodaRevolução,nãotransparece

dúvidasaesserespeito.Segundoele,“Arevoluçãovitoriosase investenoexercíciodo

Poder Constituinte. [...] Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder

Constituinte.Assim, a revolução vitoriosa, comoPoderConstituinte, se legitimapor si

mesma.”(BRASIL,1964)

Dessemodo,pormaisqueaindanão tivesse sido formuladaumaConstituição

formal,oquesóocorreem1967,aditadurajáchamavaparasialegitimidadedopoder

pela própria excepcionalidade formal e material, sustentada por uma pretensa

necessidade de “restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa

Pátria”(BRASIL,1964),que,deformacontínua,seinstitucionalizavapormeiododireito.

Ajustificativa,marcadaporargumentosadterrorem,revitalizava–comosóiacontecer

em ditaduras – a pretensão de ordenação social coordenada “por cima” e por via da

força. Os militares tomavam para si, assim, não apenas a tarefa de, segundo eles,

“drenarobolsãocomunista,cujapurulência já sehavia infiltradonãosónacúpulado

governo como nas suas dependências administrativas” (BRASIL, 1964), mas se

colocavam como os agentes que supostamente reconduziriam o país à democracia, à

normalidadeinstitucional.

O regimepossuía,comoAto Institucional, seuestatuto jurídicoe,noconceito

paradoxal de “revolução” e “poder constituinte”, sua onipotência. Ao institucionalizar

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taisconceitospormeiodoAtoInstitucional,emque“arevoluçãovitoriosa,comoPoder

Constituinte,se legitimaporsimesma”(BRASIL,1964),odireitobuscavaseremodelar

emsuapróprialinguagem,agoraestrategicamenteempregadaparaumfimautoritário

sob o verniz democrático. Para tanto, a doutrina jurídica teve um papel central. Em

especial, o Ato Institucional foi engendrado a partir do pensamento de Francisco

Campos,autordaConstituiçãodoEstadoNovo,impostaporGetúlioVargasem1937,e

deCarlosMedeirosSilva,cujosargumentosjurídicospermearamdistintosmomentosda

ditadura(BARBOSA,2012,pp.23;51;GASPARI,2002,p.152).

Odiscursodefundamentaçãodaditaduranãoconsistia,portanto,somentenas

palavrasdeordemdosmilitares,mashaviaummovimentodejustificaçãoacadêmicado

golpe. Os juristas da ditadura tiveram o importante papel de construção teórica e

política da legimidade do regime. São exemplos a obraO Estado Nacional (CAMPOS,

2001),deFranciscoCampos,emqueseconstruíramasbasesideológicasdapolíticado

EstadoNovo,agorarevitalizadasnocontextodaditadurade1964;noesforçoteóricode

legitimação da nova ordem política que CarlosMedeiros Silva empreende nos textos

Observações sobre o Ato Institucional e Seis Meses de Aplicação do Ato Institucional

(SILVA, 1964a); e, como se estudarámais a fundo neste trabalho, nos Imperativos da

RevoluçãodeMarço(REALE,1965),deMiguelReale.

Imperativos da Revolução deMarço é uma obra publicada em 1965, na qual

estãoreunidosalgunstextoseentrevistasdeMiguelRealeacercadaideologiadogolpe,

alémdeumadescriçãodocontextofáticodasociedadebrasileiraantes(como intuito

deexporas causasdogolpe)edepoisda intervençãomilitar.Curiosamente, contudo,

estaobraemuitodaproduçãoacadêmicadeMiguelReale ligadaàditadura têmsido

negligenciadaspelahistoriografianacionalepelospesquisadoresdenossaditadurade

1964. Embora haja uma interessante produção nacional sobre sua conexão com o

integralismo (BERTONHA, 2013; CARVALHO, 2013), Miguel Reale é normalmente

apresentado, sobretudo nos cursos de direito, apenas como um dos mais influentes

juristas nacionais, autor da denominada “Teoria Tridimensional do Direito” e um

pesquisador de relevo no âmbito da filosofia do direito. Seu pensamento, todavia,

muitas vezes é apresentado desconectado desse passado, embora ele seja

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estruturalmente impactante em suas formulações mais abstratas.1 A própria “Teoria

TridimensionaldoDireito”, tãodifundidaespecialmenteemestudospropedêuticosdo

direito,talvezpossaadquirirnovoscontornosseestepassadovieràtona,namedidaem

que especialmente a dimensão axiológica ligada à cultura e sua conexão com a

normatividade já se revelavam constantes no discurso justificador da ditadura, ainda

queemescritospolíticosdoautor.

Em um contexto em que a doutrina jurídica se fez fortemente presente para

apresentar uma argumentação justificadora da ditadura, é preciso aprofundar as

conexõesdesentidoemostrarcomoahistória reconfiguraaprópria interpretaçãode

conceitoseteoriastãodifundidas.MiguelReale,comoumimportanteexpoentedesse

movimento, precisa, portanto, ser compreendido em seus vários tempos. Este artigo

preenche esta lacuna ao examinar, diacronicamente, suas obras em suas respectivas

temporalidades,especialmenteseus ImperativosdaRevoluçãodeMarço.Paratanto,o

queaquisebuscaráéanalisarcriticamenteo ideáriopolíticodesenvolvidoporRealee

seusreflexosnesseprocessoargumentativo legitimadordaditadura.Aoassimfazer,o

propósitoétambémcontrariarotípicoestudodesuaobra,emqueanegligênciasobre

seusentidomaisprofundosefazconstância.Afinal,seustextossãopordiversasvezes

reproduzidos como argumentos de autoridade, sem qualquer contextualização maior

senãoalgumcomentárioacercadetersidooautordaTeoriaTridimensionaldoDireito

ouousodeepítetosdepoucautilidadecomo“osaudosojurista”.

Mais particularmente, este artigo pretende investigar o significado dos

Imperativos da Revolução de Março na fundamentação e na formulação do projeto

políticodoregimemilitar.Porém,nointuitodefazerjusaumaadequadacompreensão

de sua temporalidade, os Imperativos serão confrontados com escritos políticos de

MiguelRealedeperíodosanteriores(daEraVargas)eposteriores(dasegundametade

daditadura),a fimdequesepermitaconcluiremquemedidahouvecontinuidadeno

discurso político que Reale buscou aplicar à ditadura de 1964-1985, de maneira a

evidenciar as transformações e permanências do pensamento de Reale no desenrolar

dessesacontecimentospolíticos,semperderdevistaaliteraturajádisponívelarespeito

(RAMOS, 2008; CALDEIRA NETO, 2011; BERTONHA, 2013; CODATO, 2013). Ao final,

1Vide,porexemplo,asanálisessobreaobradeMiguelRealeemquenãoháumadiretacorrelaçãodeseupensamentocomaditadurade1964emMARTINS,2008;DANTASDOROSÁRIOETAL,2016;LAFER,2006.

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espera-se que Miguel Reale, ao lado de seu impactante pensamento no âmbito da

filosofia do direito e, especialmente, na construção da tão aclamada “Teoria

TridimensionaldoDireito”,sejatambémlembradocomoumimportantejuristaquefez

daditaduraumtemacontínuodeseusestudose,apesardesuasnítidasarbitrariedades,

umarealidadequemerecialegitimação.

2.Naçãoaflita:omomentodogolpeeoAtoInstitucional

2.1 Ajustificaçãodogolpe

Humberto Castelo Branco, em citação de Reale, alegou em visita à Bahia que “a

Revolução é o síndico de uma pobre massa falida” (REALE, 1965, pp. 19-20). Os

Imperativos da Revolução de Março de Miguel Reale iniciam-se com essa ilustração

sintetizadora da forma como a ditadura tratava o governo anterior. Comoum regime

que se faz necessário diante do inimigo, surgiria, assim, o “imperativo indeclinável de

livrar-nos do comunismo e da corrupção”, conforme a redação do primeiro Ato

Institucional(REALE,1965,pp.20-21).

Contudo, há mais: é necessário levar o progresso. Para tanto, é preciso

confrontar um passado que tem severamente afetado as capacidades da nação

brasileiradealcancedodesenvolvimento.Noensaio intituladoTrês ImagensdoBrasil

(REALE, 1965, pp. 20-37), componente dos Imperativos, Miguel Reale tenta construir

umaanáliseeconômicadahistóriabrasileiraemqueusacomoreferênciaa“imagem”

do potencial econômico brasileiro, expondo sua perplexidade com o rótulo de

“subdesenvolvido” atribuído aopaís.Aprimeira imagemconsistenonacionalismo, no

lirismo dos versos do Hino Nacional, imagem que começa a ruir após as revoltas

tenentistas e a Revolução de 1930. A segunda diz respeito ao desenvolvimentismo,

ideologia predominante após a Segunda Guerra Mundial, na qual o autor ressalta a

formação de “técnicas de domínio político totalmente estranhas à nossa formação

histórica”, funcionando como “simples reflexos dos desígnios do internacionalismo

moscovita”.Nessemomentodesencadeou-se,segundoReale,a“RevoluçãodeMarço”,

uma possibilidade de se formar uma terceira imagem do país, que ocorreria por

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intermédio de uma revolução intelectual (tendo sido identificadas as deficiências

culturaiseeducacionaisdapopulação)edasuperaçãodeideologiasanacrônicascomoo

marxismo.2

Justificar o golpe, todavia, seja por intermédio de uma argumentação ad

terrorem,sejapormeiodeumaexigênciadeserestauraraordem“porcima”emuma

sociedade ainda carente de cultura e educação, implicaria a necessidade de se

remodelar conceitos a partir de profundas ambivalências. Isso se espelhou, por

exemplo,comoassinalaLeonardoBarbosa(2012),noconteúdodoAtoInstitucional.No

texto do Ato, ao passo que se pregava o objetivo de “restaurar” a ordemnacional, a

ditadura delegava a si um poder superior àquele necessário para a promoção da

reforma constitucional. Haveria, assim, uma subversão da oposição entre revolução e

reforma, mascarando a ruptura da ordem constitucional por meio da utilização de

procedimentos tipicamente democráticos, em um prelúdio, embora em uma

configuração mais radical, do que posteriormente seria chamado de “abuso

constitucional”(LANDAU,2013).

A ditadura, ao mesmo tempo que reivindicava o poder constituinte, dizia-se

preocupadacomarestauraçãodaordem.(BARBOSA,2012,pp.59-60).Talambiguidade

podeseridentificadaemumapassagemdaobraDaRevoluçãoàDemocracia,publicada

em1977,emqueRealeafirma,comotemacentral,juntodaideiadeformaçãodeuma

novaimagemparaopaíspormeioda“revolução”(damesmaformaquesepropõenos

Imperativos), a “realização de reformas de base num clima de ordem e hierarquia”

(REALE, 1977, pp. 54-55). Segue-se, então, a ideia de “fundação de uma ordem

democrática mais aderente às nossas circunstâncias, ainda que com o sacrifício

necessárioeprovisóriodecertasfranquiascívicas”(REALE,1977,pp.54-55).

2Seupensamentoacompanha,decertomodo,odeCarlosMedeirosSilva,que,emsuasObservaçõessobreoAtoInstitucional(MEDEIROSSILVA,1964),buscajustificaranecessidadedaintervençãomilitarapartirdetrês crises “de imensas proporções”. Tais crises seriam a renúncia de Jânio Quadros, a experiênciaparlamentaristaearestauraçãodoregimepresidencialistaque“levavaoPaísparaodramáticodesfechodaditaduracomunista[...]”.

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2.2 Amigoseinimigos

Ditadurasnãosecompletamsemnomearo inimigo.Derrida,aliás,aesserespeito,em

umabrilhanteanálisedopensamentodeCarlSchmittnãopoderiamelhorsintetizaressa

premissa:“seSchmittéparaserlevadoàsério,apolíticanãopodejamaisserpensada

sem saber o que o “inimigo” significa, nem tampouco uma decisão ser tomada sem

saber quem é o inimigo” (DERRIDA, 2005b, p. 106). Não seria diferente na realidade

brasileira e a doutrina nacional não se furtaria a adotar semelhante estratégia

argumentativa. No ensaio “As Quatro Linhas da Revolução”, também parte de seus

Imperativos,Miguel Reale constrói toda uma categorização dos indivíduos segundo a

lógica amigo-inimigo. Ali ele se preocupa em definir quem são os “verdadeiros

revolucionários”, aqueles integrantes da “linha justa”, e aqueles que se afastam dos

ideaisdoregime.Realedistingue,ainda,aquelesquesedeclarammembrosdo“corpo

revolucionário”eaquelesquesãoclaramente inimigosdoregime,aexemplodaqueles

“parlamentares que conspiravam abertamente contra o Congresso” (REALE, 1965, pp.

42-43).Paraoautor,alémdachamada“linha justa”,compõemocorporevolucionário

aslinhas“mole”(arevoluçãoqueperdeuconsciênciadesimesma,acomodando-sena

antigaestruturapolítica);“arrependida”(aquelesqueperceberamtardiamentequenão

sediferenciamdogovernodeposto);ea“linhadura”(quepropõeumgolpedentrodo

golpe,intensificandoarepressão).(REALE,1965,pp.42-43).

QuandoRealedescreveosopositores, tantoos“parlamentaresconspiradores”

quantoos“corruptosecomunistas”,reiteradamenteosatacaeestabelecesuaderrota

como essencial para que a “revolução” possa seguir tranquilamente (enfatizando a

importânciadousodospoderesexcepcionaiscontidosnoAtoInstitucional).

É a queda do “tonus” revolucionário, ou a falta de uma claradefinição de propósitos que tem permitido a rearticulação, comêxito,defôrçasdeoposiçãoforadaórbitadospartidos,dirigidosporelementos que ardilosamente juram fidelidade ao nôvo govêrno,para melhor solapar-lhe as bases, atuando sobretudo nos meiosuniversitários, onde o clima de insatisfação e de rebeldia é devidotambém a êrros de perspectiva por parte de certos órgãos oficiaispoucosensíveisàsaspiraçõesdamocidadedenossotempo.(REALE,1965,p.47)

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Ficaevidente,napassagemacima,queRealetemcomoalvoogovernodeJoão

GoularteoLegislativo,atribuindo-lhesaresponsabilidadepelacriseinstitucionalquese

instaurou e que requereu a intervenção dos militares. Novamente o argumento ad

terrorem complementa o discurso do “caos” que haveria ensejado a urgência da

intervenção: para ele, o governo anterior ao golpe julgou, segundo um esquema

internacionalizado – outro inimigo –, que o Brasil fosse destituído de opinião pública

estável, demodo a ser suscetível a influências dos “ditames de Cuba ou de Pequim”

(REALE,1965,pp.97-98).

À nomeação dos inimigos segue a dignificação dos salvadores da pátria,

novamente reconstruindo a lógica amigo-inimigo. As Forças Armadas teriam, afinal,

salvooPaísdos“opositoresdademocracia”ecumprido,portanto,seudevercívico,que,

aliás, não havia sido devidamente reconhecido pelo governo anterior. Nesse aspecto,

Reale assinala que um dos equívocos do governo Jango foi “pensar que o Exército

Brasileiro podia ser equiparado às hostes de um sargento Batista, amercenários sem

convicçõescívicasesemresponsabilidadehistória”(REALE,1965,p.98).

Foi a essa altura que se deu a interferência militar. Jamais vi noexército nacional “o grandemudo” da tradiçãomaçônica francesa,porquesempreprefericonsiderá-loo“grandesilencioso”.Omudoévítima de umadeficiência intrínseca e insuperável; não fala porquenão pode falar. O silêncio é a contenção da responsabilidade; oequilíbrioponderadodequemsabequeasuafalapodeserdecisiva.O silêncio é a disciplina do espírito; não é a decadência física damudez. Tivemos, assim, as Fôrças Armadas silenciosas, quepacientaram durante meses e meses; que viram as suas colunasinvadidaspelas ondasdodesrespeitohierárquico, sendoapontadoscomopartícipese coniventesdeummovimento contra-marchasdeumpresidentedaRepública tocadopor todososventos, reflexodoentrecruzar de ideologias e apetites contrastantes. (REALE, 1965,pp.95-96)

O Exército, tendo escapado do corpo de aliados de Jango, estaria imbuído de

caráterpopularedemocrático,estandoaptoaatenderao“apêlodamulherbrasileira”

(REALE, 1965, pp. 96-97), ou seja, concretizar os verdadeiros anseios do povo. Aqui

aparece o outro ponto comum do pensamento ditatorial: a identificação de uma

redençãovinda“porcima”queseidentificacomosanseiosdopovo,mesmoque,para

tanto, se intitule democrático (SCHMITT, 2003, p. 234). As Forças Armadas, portanto,

seriamosbastiõesdademocracia,que,porsuavez,agemcomoproteçãodasociedade

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contraumgoverno fortemente influenciadoporagentes internacionaisedesviantede

um“ideal”dedemocraciaassimremodeladosobosauspíciosdeumaditadura.

Essa necessidade de “democracia” e de identificação com o povo se revela

particularmente instigantena forma comoMiguel Realequalifica onovo governo. Em

razãodeosensaiosque compõemos Imperativos teremsidoescritosaindaem1964,

poucos meses após o golpe, Miguel Reale tem um cuidado especial em relação à

imagemdonovochefedegoverno.Oautorseesforçapararepelirascríticasaogoverno

recém-constituído(eafirmara imagemdochefedegoverno)ressaltandoque,embora

as medidas tomadas pelo regime militar fossem escancaradamente excepcionais em

relação à normalidade democrática, estavam concretizando a vontade popular.

Novamente, a vontade popular, em uma identificação com o governo, justificaria a

exceção:

Poderá alguém atribuir maliciosamente a uma tradicional einveterada tendência adesista o movimento de simpatia ou desolidariedade que se vem formando em tôrno da figura serena doMarechalCasteloBranco,masseriainjustodesconhecerque,navidadas nações, há momentos que por intuição natural se consideramdefinitivamente superados, muito embora persista compreensívelsaudosismo entre os frustrados em suas esperanças ou privilégios.(REALE,1965,p.39)

Enfim,a identificaçãodo inimigoeavanglóriadosamigosdapátria sedãono

caldeirãodaconstruçãodeumambientede“caos”queensejariaaadoçãodemedidas

urgenteseexcepcionais.Novamenteaqui,aconexãocomSchmittédireta.Afinal,para

Carl Schmitt, a diferenciação entre amigos e inimigos expressa o máximo grau de

intensidadedeumvínculooudeumaseparação,quedeveseexpressarconcretamente.

Eécomestadistinçãoquesetornapossíveloconflito,demodoquenãoháqualquer

terceiro imparcial que defina previamente as normas do conflito político. Por

consequência,osprincípiosdoinimigo,quehádeserpúblicoecontrariara“totalidade

dahumanidade”,devemserrechaçadosparaqueseafirmeaexistênciaearetidãodo

grupoaliado.(SCHMITT,2009,pp.25-27).

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3.Osimperativosdarevolução

Jánoprefáciodos ImperativosdaRevoluçãodeMarço,Realedeixamuitoevidentesos

objetivosdosensaios contidosnessaobra. Seupropósitoéestudaraspotencialidades

doAtoInstitucionalparaumareformulaçãodaordemconstitucionaleparaquefossem

reestabelecidasaordemmoralepolítica:

Oquemepareceuindispensável–eosacontecimentosestãoaíparaconfirmaro acêrtodemeupontode vista, – foi indagardas razõessubjacentes de um movimento aparentemente desprovido dequalquer conteúdo programático, a fim de tirarmos proveito dospoderes excepcionais contidos no Ato Institucional, não só para asmedidas repressivas, imprescindíveisao restabelecimentodaordemmoralepolítica,massobretudoparaarevisãoconstitucionaleasleisfundamentais necessárias à atualização da democracia e aoprogressoculturaleeconômicodenossaterra. (REALE,1965,pp.9-10)

Antes de tratar propriamente dos objetivos do regime autoritário que se

instaurou,Realeproduzumesforçoargumentativoemtornodadistinçãoentre“golpe”

e “revolução”. Para Reale, uma revolução é caracterizada por dar início a uma nova

ordem constitucional, superando definitivamente as estruturas políticas vigentes,

estruturasestasqueseriamincompatíveiscomasexigênciasfundamentaisdanação.A

tênue diferença entre uma revolução de fato renovadora e um golpe estaria

estabelecida pelas restrições do Ato Institucional, que limitava expressamente sua

vigência (emboraabrisseespaçoparaumasériedearbitrariedadesdoEstado) (REALE,

1965,pp.38-45)3.Há,dessemodo,umprofundoparadoxoemseuraciocínio:aomesmo

tempo que justifica a exceção, deposita nela própria e em seu ato inaugurador seus

próprios limitesparacaracterizá-lade“revolucionária”.Oatoexcepcional–comoseo

direitotivesseessapotência–controlariaaexceção.

Contudo,agrandeduraçãodoregimeditatorialpermitiuqueateoriapolíticade

MiguelRealesedesenvolvessedemaneiraaadaptarseusargumentosàscircunstâncias

fáticas,novamenteabrindoespaçoàremodelaçãoestratégicadeconceitosjurídicos.O

paradoxo antes desenhadomostraria sua inerente fragilidade Se, em 1964, havia um

3Valenotar,aqui,queCarlosMedeirosSilvatrataadistinçãodeformasimilar,afirmandoqueomovimentode 1964 se afasta da ideia de golpe e adquire o status de revolução justamente em razão do AtoInstitucional.(SILVA,1964a)

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esforço para caracterizar o golpe como revolução e o Ato Institucional como

constitucional,aextensãoda“revolução”criouanecessidadedeargumentarnosentido

desuaconversãoemnormaconstitucionalpermanente.“Nãosedissequearevolução

foi”,dizoAtoInstitucionalnº2,“masqueéecontinuará”.

Não creio seja necessário demonstrar a existência e a gravidadedesse desajuste, que, na prática, corresponde a um desrespeitoflagrante de um Poder às prerrogativas do outro. Com efeito, se oExecutivo é expressão da competência soberana do Estado, e se aConstituiçãolheconfereopoder-deverdeproporprojetosdelei,emfunção do bem público, como admitir-se que o Parlamento seconsidere com o direito de protelar o exame da matéria, ou deeximir-se de fazê-lo mediante a técnica da obstrução e doesquecimento? Bem pouco adiantaria o princípio da harmonia dospoderes, se um ficasse à mercê do outro. Daí a medida drásticaestatuída no Ato Institucional, estabelecendo prazos fatais, cujovencimentoarmaoGovernodafaculdadededesdelogoemanaraleide conformidade com o projeto oferecido à consideração doCongresso.Pode-se dizer que, hoje em dia, não há quem não reconheça aprocedência dessamedida, concordando em convertê-la emnormaconstitucionalpermanente.(REALE,1978,p.49)

Para se chegar a essa construção da “revolução permanente” que permeou a

ditadura e que foi encampada doutrinariamente por Reale, é preciso, de qualquer

modo,entenderRealeemseutempoeemsuahistória.Ostópicosseguintesirão,desse

modo,examinarseparadamenteoprojetopolíticodeRealeemtrêsmomentosdesua

produção teórica e que levaram à construção paulatina e coerente de um verdadeiro

projeto político nacional: seu período de filiação à Ação Integralista, seus ensaios

escritoslogoapósadeflagraçãodogolpe(os ImperativosdaRevolução)e,porfim,um

momento situado mais adiante na ditadura, retirando algumas reflexões de obras

posteriores,aexemplodeDaRevoluçãoàDemocracia,de1977.

3.1OEstadointegral

OintegralismofoiummovimentopolíticofundadoporPlínioSalgadoem1932,aoqual

Miguel Reale ingressou em 1933, desempenhando importante papel de militante

políticoeteórico.Deforte influênciadocorporativismofascistadeBenitoMussolini,o

integralismofoi,nadécadade1930,umacontecimentopolíticoderazoávelrelevância,

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sobretudonofimdesuaexistênciaenavigênciadoEstadoNovo4.Realetornou-seum

importante teórico desse movimento e, embora não tenha sido, como ele próprio

reitera,seufundador,desempenhouimportantefunçãonapropagaçãoeteorizaçãodas

diretrizesdomovimento,quepautavaumpartidoúnicobaseadoemcorporaçõesque

governariaumEstadoFortecomoodeBenitoMussolini.Aexposiçãodosprincípiosdo

integralismoéimportanteparaquesecompreendaodesenvolvimentodopensamento

políticodeRealequeculminaemsuasreflexõessobreogolpede1964.Suaspalavrasjá

espelhavamessedesenhoaxiológiconacionalistaque,anosàfrente,seriamretomados

no Imperativos da Revolução de Março. Segundo ele, “O Integralismo quer a

cooperação de todas as forças nacionais para a realização do Estado Integral que é o

Estado identificado com aNação como síntese de seus valores espirituais emateriais

maisaltos.”(REALE,1983,v.2,p.15).

Adefiniçãoacimapossuiumasériededesdobramentosqueacabamporformar

asorientaçõesfundamentaisdoIntegralismo.Sãoelas:acríticaàvidapolítico-partidária

nacional, considerando que a ideia de uma nação sindicalista-corporativa era um dos

pilaresdo Integralismo, influênciadofascismo italiano;umaafirmaçãoradicaldovalor

Nação, prescrevendo-se uma nação consciente de seus valores próprios e de sua

unidade; a necessidade de um “Governo forte (autoritarismo)” para que o Brasil se

afirme como nação; a substituição dos partidos estaduais (resíduos da política

oligárquicapré-Vargas)porestruturascorporativasnacionaisorganizadasporeleições(o

que Reale chama de corporativismo democrático); a promoção de ummovimento de

arregimentação para a “Milícia dos Camisas Verdes”, fundado na dedicação e na

hierarquia; um nacionalismo econômico que vise à distribuição social da riqueza

nacional;eaoposiçãofrancaaocomunismo.(REALE,1983,v.1,pp.8-9)

Vários aspectos, portanto, já consubstanciados na ideologia integralista

prepararamoterrenodesuasjustificativasparaogolpede1964.Porexemplo,talcomo

nos Imperativos da Revolução de Março, o autor enfatiza a importância do

estabelecimento de objetivos bem determinados, baseados na identidade histórica,

4AAção IntegralistaBrasileira lançou,em1937, seucandidatoàpresidência,PlínioSalgado. Salgadonãochegou,todavia,adisputaraseleições,queacabaramnãoserealizandoemrazãodogolpedoEstadoNovoem 10 de novembro de 1937. Em 1938, foi organizado um levante integralista no Rio de Janeiro com oobjetivodedeporogovernodeVargas,quefoisuplantadofacilmentepelasforçasdogoverno.AolongodaditaduradoEstadoNovo,osintegralistasforamconsideradosinimigosdogoverno.(SILVA,1971)

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culturalesocialdanaçãobrasileira,pois“asgrandesrevoluçõessefazememtornode

poucasidéiasgerais”(REALE,1965,pp.11-18).

Se alhures, grandes revoluções se fizeram sem programa inicialdeterminado, a nossa deve começar, ao contrário, revelando umrumo.Agrandezado Integralismoconsisteemter revividooantigoidealdaNação,conclamandoosnovosbandeirantesparaaconquistadaTerraedenósmesmos.Éoimperialismodentrodasfronteiras.Atensão espiritual que há de dar ao mundo um tipo novo decivilização, a civilização tropical, cheia de delicadeza e deespiritualidadecristã.(REALE,1983,v.2,p.168)

Destaca-se,nessepropósito,a“reconquista”deumidealdeNaçãoquepertence

aoPaísequeécompartilhadopelopovo,masquefoidesfiguradopelasforçaspolíticas

governantes. É importante notar, aqui, que a construção de uma imagempara o País

proposta por Miguel Reale na Ação Integralista precisa ser contextualizada

especialmenteemrelaçãoaumdeseusaspectos:osintegralistassepreocupavamcom

a fragmentaçãoeconômicadopaís,que lentamenteseafastavadapolíticaoligárquica

do “café com leite”, o que leva o autor a utilizar a ideologia fascista italiana do

corporativismo.(REALE,1983,v.2,p.167)

A“civilizaçãotropical”,diferentementedetradiçõesestrangeiras,eradotadade

diversas particularidades que deveriam ser afirmadas para que se produzisse a

qualidadedeEstadoquedesejavamos integralistase, também,seoperacionalizassem

as mudanças institucionais necessárias para a implantação do Estado Integral. Nesse

aspecto, vale ressaltar um conflito político que, todavia, compartilhava alguns

elementos ideológicos com o governo Vargas. Embora tido como inimigo do governo

(SILVA, 1971), o integralismo possuía algumas semelhanças com o projeto de nação

varguista de controle político por intermédio do trabalhismo (GOMES, 2005). Esse

aspectogerouduasconsequências:a)umaaproximaçãocomosfascistasitalianose;b)a

suspensãodoincentivodositalianosàAçãoIntegralista(BERTONHA,2001).

O projeto de alteração das estruturas políticas estatais pretendido pelos

integralistas pode ser também percebido na citação de Reale a Alberto Torres, que

afirma que as reformas se iniciam como uma mudança de atitude em face dos

problemas e prosseguem com um programa político firme dentro de uma fórmula

constitucional flexível, à moda do que foi construído na Itália por Mussolini (REALE,

1983,v.2,pp.166-167).

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Em 1964, no entanto, Reale tenta denunciar que o Brasil tem vivido

precipitadamente e aos saltos o que outros povos realizaram serenamente. Assim, a

dimensãodotempoéadasobrasquetranscendematransitoriedadedosmomentos,de

modoquenãosepodemaisadiaraderrubadadasconstruçõesprecáriasquesustentam

anação.

Pode parecer sem encanto para o povo a verdade despida dosarranjos e dos cocares que estimulam a imaginação, a verdadehumilde e desataviada, sem gestos arrogantes, nem gritosameaçadores,oupromessascarismáticas.Maseuestouconvencidode que a humanidade, após meio século de “mostração” – e eumesmocompartilheicomfervordessaépocadascamisassimbólicasedasdedicaçõescívicasemcolunasmarciais–tenderácadavezmaisa preferir a simplicidade que se casa a uma clara consciência delimitesedelimitações.(REALE,1965,p.13)

3.2Osimperativosdemarçode1964esuastemporalidades

Oprimeiroensaiodos Imperativos carregao títuloDiretrizes Fundamentais epossui a

maispesadacarga ideológicaentreoscapítulosdessaobra,quevariamentrediversos

tonsdefala.Aqui,RealeexplicitaseuprojetoparaaRevolução,quepodeatéderramar

sangue, “mas não pode deixar de derramar idéias” (REALE, 1965, p. 11). O Ato

Institucional, ainda que temporário, fixava um rumo, que procurava estabelecer

consequênciaspermanentes a seremconsubstanciadasna reformadaConstituiçãode

1946.Era tempodesepôr fimaeufemísticas“urgênciasurgentíssimas” (REALE,1965,

pp.11-12)paraquerealmenteserealizasseumareformaconstitucional.

A narrativa de Reale acerca da motivação do golpe, exposta em conferência

proferida a convite dos acadêmicos da Faculdade de Direito da Universidade de São

Paulo,dosoficiaisesargentosdaForçaPúblicaedoRotaryClubdoestado,entre17e

24deabrilde1964(adataéincerta),ésimilaràqueladescritaporCarlosMedeirosSilva:

Ao contrário do que propalam os decaidos do poder ou certosjeremiasdasletras,arevoluçãodemarçoresultoudeumaexigênciafundamentaldefidelidadedemocrática,desdeoinstanteemqueseverificounoBrasil o absurdodehaverumgovêrnoagindo como sefôra oposição, ou seja, um govêrno que, eleito para realizar umprogramaexpostonoscomícioseleitorais,pretendeudirigiranaçãosegundocritérioseplanosseusoudesuagrei.OdesviodalinhademocráticateveinícioquandoumPresidente,emcrescente conflito com o imenso eleitorado que o elegera, acabou

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por lançar às urtigas milhões de votos recebidos com tanta fé eentusiasmo.Após a renúncia, que é o mais triste dos gestos políticos, o novochefedanaçãonãoabandonoualinhatraçadapelorenunciante,masantes a acentuou, passando a nos querer impor as suas diretrizespessoais, tirando proveito das complascências do CongressoNacional, que foi cedendo sob a pressão de falsos movimentos daopiniãopública,engendradosnomeiosindicalouuniversitário,atéoinstanteemquesedispozareagir,quandojáfundasbrechashaviamsidoabertasemsuasprerrogativasconstitucionais.(REALE,1965,pp.93-94)

OqueacontecianoBrasil,paraReale,erauma“revoluçãodaopiniãopública”

que representou uma surpresa para “todos os intoxicados pela solerte propaganda

comuno-janguista”.ComoAto Institucional,Realeafirmaquecomeçouaser trazidaà

plenitude,pormeiodosistemanormativo,a“consciênciacomum”formadaemreação

àsameaçasnacional-comunistas(REALE,1965,pp.94-97).

O esforço argumentativo de Reale na análise do Ato Institucional é realizado

com o intuito de afastar o governomilitar do conceito de ditadura. O autor chega a

narraraperplexidadenosprimeirosmomentosapósogolpeperanteduasopções:

[...] ou as Fôrças Armadas fechavam o Congresso Nacional,mergulhando-nosnaditadura,quesesabequandocomeçaejamaiscomo e quando se finda; ou, então conservavam o Congresso naplenitude de seus poderes, preservando intactas as antigasestruturas, com todos os riscos e males que lhes eram inerentes.(REALE,1965,p.100)

Os dois caminhos, mediante a instauração do Ato Institucional, teriam sido

afastados, pois o Ato veio, por meio da suspensão de determinadas garantias

constitucionais, consolidar o processo revolucionário. Já se explorou a forma como

Realetrataadistinçãoentre“revolução”e“golpe”,atribuindolegitimidadeàrevolução

por iniciar umanova ordem constitucional que atenda às exigências fundamentais do

país. Mas sua argumentação se estende para uma descrição das necessidades da

operacionalização imediata da mudança. Reale trabalha, partindo desse pressuposto,

comumapropostade“revolução”noplanodasideiasenoplanodosfatos,referindo-se

nãoapenasaocombateàsideologiassubversivasquesediziamdominantesnogoverno,

mastambémareformasimediatasnoLegislativoqueoAtoInstitucionalprescrevia.

Quando os homens honestos não promovem a “revolução dasidéias”, estasacabampor se transformarem instrumentosespúrios

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nas mãos dos farsantes. O que se impõe, por conseguinte, é areunião de homens capazes de alguma contribuição ideológica eideal, abstração feita dos cargos públicos que eventualmenteocupem.(REALE,1965,p.115)

Para ele, o legislativo se acomodavanos dispositivos sobre suaorganização, o

queseriatão-somenteumpretextoparaaadesãoaogovernodeJango,desvinculandoo

Legislativodeseuautênticoamparoconstitucional.Portanto,afunçãodomovimentode

marçonãoseriaapenas“salvaguardaraordemconstitucionalpostaemriscoporfôrças

heterogêneas, desde o peleguismo até ao peleguismo corrupto”, mas também

introduzirnaConstituiçãodoisprincípios:aobrigaçãodoLegislativodejulgaremprazo

determinado as propostas de lei e a proibição do aumento das despesas públicas.

(REALE,1965,pp.63-64).

UmpontoaqueRealededicaquantidadeconsideráveldepáginaséavigência

do Ato Institucional, a fim de legitimar sua intervenção desregulada na separação de

poderes pela excepcionalidade das condições em que foi editado. Seu propósito,

todavia,segundosustenta,nãoéenfraqueceroLegislativoetransferiraprerrogativada

legislaçãoaoPresidente,mas,sim,obedecera“umaexigênciadeordemtécnica”,com

vistas a evitar que se editem Portarias e Resoluções sem que seja pronunciada sua

inconstitucionalidade.(REALE,1965,p.65)

Acontradiçãoexplícitaemsuafalaremeteaoutra,típicadaditadurade1964:a

revoluçãoquepretendeapenasdeixartudocomojáestá.Realeafirmacategoricamente

queoAtoInstitucionalfoiumacertode“revolução”,poisserviucomomeiodeproteção

deseusimperativos.Oretornoaosistemaanterior,repletodaatuaçãodecomunistase

corruptos, seria a marca de um fracasso que o Ato Institucional impediu que

acontecesse.Apassagemseguinteénotávelnaconstruçãodesseargumento:

Anteo fatorevolucionário,édesecundária importânciaaconjeturasôbre se teria sido ou não possível superar a crise sem quebra daordem legal: a revolução vale por si mesma, pelos propósitos queencerra, dando início a um nôvo ciclo na vida do direito, mesmoquando deflagrada para a tutela e a defesa do sistema jurídicoexistente.Ela representasempreumplusnahistóriadodireito,umcaminho que se rasga para o futuro, e que, às vêzes, [...] podeconduziraresultadosimprevistos,totalmentealheioàsintençõesdosqueasuscitaram.(REALE,1965,p.101)

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Como anteriormente ressaltado, a necessidade de uma ordem constitucional

vem acompanhada de uma dignificação das Forças Armadas e dos agentes do

movimentodeproteçãodademocracia.AindanotemadavigênciadoAtoInstitucional

edaprópriarevolução,Realeatenta–eaquivaleregistraraironiadahistória–paraa

possibilidade de adição de aspectos de violência ao impulso revolucionário “que a

sensibilidadecordialbrasileira,acomeçarporsuasFôrçasArmadas,temsabidoevitar”

(REALE,1965,p.115).Nãoapenasportersalvaguardadoa“democracia”,aintervenção

militarselegitimariaportersefurtadodoatodesupressãodoParlamento,oqueseria

incompatívelcomo“espíritodedesprendimentoede respeitoàdemocraciaquevem

sendo uma notamarcante das Fôrças Armadas desde o término do Estado Novo”. O

autornãoconsideraantidemocráticas–éclaro–asmudançassúbitasnasregrasdojogo

queforamintroduzidaspeloAtoInstitucional,játendodemonstradoqueascassaçõese

medidasdeexceçãoeram legítimaspelacriseemqueseencontravaopaís.Afinal, tal

comojáexplicitadoemsuadefesadosprincípiosbasilaresdapanfletagemintegralista,o

fundamental é que haja o reforço dos valores intrínsecos do povo brasileiro, a

necessidadedeuniãodapopulaçãonesseprojetohistóricoeanecessidadederepeliros

inimigosdoregime:

Atendamos a êsse chamado certos de que só serviremos à pátriaservindo aos postulados desta que é uma “revolução da opiniãopública”,destinadaarestituiraoBrasilapossibilidadedeafirmar-sena auto-consciência de seus valores próprios, desta revolução quenãoeclodiuparasalvaguardaroucriarprivilégios,massimparadarinício a uma obra corajosa de solidariedade humana e de justiçasocial.(REALE,1965,p.110)

Essa ênfase axiológica em uma brasilidade que exigia um processo de

“democratização” de cima para abaixo, como um caminho necessário ao resgate de

solidariedadeameaçada,aliás,éumaconstânciaemseupensamento.Nãohavia,para

Reale, a associação entre essa determinação heterônoma dos valores tipicamente

brasileiros com a defesa de interesses egoísticos de determinados grupos sociais. A

heteronomia axiológica, em seudiscurso,manifestava-se, a despeitode seuparadoxo

insuperável,comoamaisnaturalcondiçãoparaapreservaçãodapretensasolidariedade

humana e justiça social. Nesse sentido, pode-se rememorar que, ainda à época do

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integralismo,dissertavaRealesobreanoçãodeEstadoapartirdeeticidadefortemente

arraigada:

OEstadoético,daconcepçãofascistaeintegralista,é,aocontrário,oEstado subordinado à lei ética. A diferença entre um e outro éessencial:noprimeiroamoralsubordina-seaoEstado;nosegundo,oEstado submete-se ao imperativo moral, ou, como diz Redanó, nohegelianismo a ética está imanente ao Estado, enquanto que, noFascismo,aéticaotranscende.(REALE,1983,v.2,p.138)

Essa lógica argumentativa aparece novamente, por exemplo, em discurso

proferido em 1970 na Escola Superior de Guerra, quando, então, volta a enfatizar a

defesadosvalorestipicamentebrasileiros.Cadapovo,paraoautor,nãopodedeixarde

obedecer àquilo que substancialmente lhe é peculiar, “não só em virtude de suas

condições objetivas, de ordemmesológica e social, mas também em função de suas

contingênciashistóricas” (REALE,1978,p.19). E,paradefenderessesvaloresdopovo

brasileiro,afasta,depronto,ocaráteropressivodoregimemilitar,descritocomouma

possibilidade de luta contra as barreiras impostas ao progresso das nações

subdesenvolvidas. O que interessa, nesse sentido, não são clichês e estereótipos

ideológicos,masomodeloque seplasmaemumesforçodeautorrevelaçãodenossa

imagem cultural e histórica. Aqui, o que Reale defende é a constituição de uma

Democracia social do Estado de Direito, que se entenderia como Estado da Justiça

Social,comtodasasimplicaçõesnecessáriasdemodernizaçãodosquadroslegislativos,

partidárioseadministrativosrequeridospelaeradaciênciaedatecnologia:

Aocontráriodoquemaldosaoudolosamenteseafirma,oprocessoda Revolução Brasileira de 31 demarço, apesar de suas vacilações,situa-se na linhade repúdio à tese segundo a qual a conquista dosvaloresmateriais e da segurança deva ter comopreço inexorável aprivaçãodosdireitosfundamentaisdohomem.Se se fala,porém,emprocesso revolucionário, já se reconhecequeexisteumaordemjurídicainfieri,istoé,umprocessodemodelagemde novas estruturas políticas, cujo advento não pode prescindir deinevitáveis restrições temporárias em certas faculdades eprerrogativasque,deixadasentreguesasimesmas,determinariamoretorno a situações que a opinião pública considera superáveis.(REALE,1978,p.19)

As restrições políticas derivadas dos Atos Institucionais cumprem, assim, a

função de legitimação da violência ou, demodomais eufemístico, da necessidade de

preservação da ordem e da segurança, “condições sine qua non” da política do

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desenvolvimento, que somente seria possível “num país de frágil estrutura social e

reduzidaculturademocrática,comumExecutivoforte,capazdecomporemunidadeos

esforçosindividuaisecoletivos”(REALE,1978,p.42).ADemocraciaSocialpropostapelo

Presidente Garrastazu Médici, segundo Reale, consistiria em um novo conceito de

igualdade, um tipo de igualdade concreta perante a vida, em oposição à igualdade

formal.

Reale prescreve que a Democracia Social envolve dois compromissos: (i) a

transitoriedadedosatosdeexceção,“nãoparavolvermosaumasupostanormalidade

constitucionalpassada,[...]massimparainstaurar-seumaestruturapolíticaqueconcilie

aliberdadeeahierarquia,aigualdadeeasegurançanacional”(REALE,1978,p.43);e(ii)

a justiça social. Aomesmo tempoque prega a preservação da ordeme da segurança

mediante a adoção de medidas de exceção, o autor repete o que já disse nos

ImperativosdaRevoluçãodeMarço:“umarevoluçãopodedeixardederramarsangue,

mas não pode deixar de derramar idéias” (REALE, 1978, p.41). Note-se, aqui, que se

tratadeconferênciaproferidaem1972,quandoaditadurajácompletavaoitodeseus

vinteeumanos.

Haveria, por trás dessa transitoriedade que já se fazia permanência em sua

profundaviolência,umaracionalidade.A“revolução”seria,paraReale,ummovimento

racionalvoltadoa transformara realidadeeapromovera tão-aclamada justiçasocial.

Por isso, era preciso separar o revolucionário, ainda que preocupado com interesses

antigos,daquelesreacionáriosquesustentamaculpadamisérianacional.Aqui,nãose

pode deixar de notar a semelhança do Estado propugnado por Reale com aquele

referido por Hegel, para quem o Estado deveria ser autoritário e representar força,

proporcionando,assim,arealizaçãodaliberdade(HEGEL,1997; SCLIAR,2007).

A Revolução de Reale não é caracterizada por soldados uniformizados que se

organizavamemmarchas cívicas, comoelemesmoo feznos temposdo Integralismo,

maseraracionaleindicavaparaapráxis.Asemoçõesenvolvidasnoprocessodecorriam

docompromissocívicocomdeterminadoprojetodenação,comumamudançaradical

da opinião pública que pretendia restabelecer os valores essenciais da nação, porém

orientando-sepeloprogresso.

Estamos coma alma aberta ao calor de umaderradeira esperança.Foi êsse o estado de espírito que senti em Brasília, na posse doeminente Presidente da República. Sentíamos todos, autoridades e

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povo,quenãosedesenrolavaapenasumacerimôniaprotocolar,masum verdadeiro compromisso cívico. Estávamos ali, não para ouvirpalavras ôcas, mas palavras medidas e concretas, palavras quetraduzissem a consciência comum de querer de um povo que temperdido tantas oportunidades de ser fiel a si mesmo. Foi grato atodos ouvir um marechal despido de arrogância, reclamando acolaboração de seus concidadãos por entender que jamais homemalgumprecisará tantodacompreensãodeseupovo. (REALE,1965,pp.109-110)

Otrechoacimadescrito,muitoemboraseposicionedentreosescritospolíticos

deReale,emmuitoserelacionacomaconcepçãodedireitodesenvolvidapeloautorao

longo de sua obra. Basta notar que, em O Direito como Experiência, quando Miguel

Realedelineavaa intrincada relaçãoentre fatose valoresquedariabasea suaTeoria

Tridimensional,ojuristaexploraopapeldasançãonaconstruçãodanormatividadedo

direitoapartirda“certificaçãodoestadoatualdodireito”:

Seumplexodevaloraçõesconfereaumouamaisfatossociaisumasignificação relevante, econômica ou ética, de tal modo que sereconheçasernecessáriorespeitá-lacomoumbemsocial,munindo-ade meios idôneos e adequados à sua preservação, não há comocontestar a correção essencial ou a íntima complementariedadeexistenteentreasanção,comoatodecisórioquedeclaraaregra,easanção, como forma específica de sua garantia. É em razão dêsseduploaspectodasançãoqueomomentonormativoseconverteeminiliminávelmomentodogmático, que é omomentode certificaçãodoestadoatualdodireito(REALE,1968,p.133).

A ditadura durou tempo suficiente para que Reale percebesse que suas

aspirações iniciais teriam fracassado. Contudo, se o tempo desconstrói verdades,

também abre novos campos para remodelá-las. A seguir, analisaremos os escritos do

autordatadosdo fimdaditadura,quando já reconheciaalgumasderrotas,porémnão

deixavadeexaltarvirtudesqueentendeuteremsidoconsolidadas.

3.3Arevoluçãoemretrospectiva

JádiziaReinhartKoselleckque“quantomenoraexperiência,maioraexpectativa”.Por

outrolado,“quantomaioraexperiência,maiscautelosa,emboratambémmaisaberta,a

expectativa.” (KOSELLECK, 1989, p. 374). A interdependência de tais conceitos –

experiência e expectativa – que indica uma relação constante de aprendizado e

horizonte,expõeoquãoahistóriaserefazemsuasdiversastemporalidadeseoquanto,

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ao se olhar em retrospectiva, já se mostra outra história. Reale, anos após seus

Imperativos,tentacompatibilizarsuaexperiênciacomumaexpectativaque,aospoucos,

já se revelava fracassada, mas que agora precisa ser reconstruída como condição de

legitimaçãodeseuprópriodiscurso.Opassadonãopoderiasernegado,masreafirmado

emumanovaconfiguraçãoargumentativa,queserevelamaiscautelosa,emboraainda

profundamente carregada por um propósito de coerência conservadora. A obra Da

RevoluçãoàDemocracia,publicadaem1977,nocontextoda“distensãolenta,graduale

segura” do governo de Ernesto Geisel, é um claro espelho desse novomomento. Ali

Realeconstróiumareflexãoacercadosprojetospolíticosdopassadoesobreocaminho

que deverá ser traçado para o restabelecimento da democracia. A justificação pelo

alcance democrático, já exposta em seus Imperativos, mesmo após treze anos de

ditadura,énovamenteaexpectativalegitimadoradogolpe,emboraaexperiênciavenha

aexigirumareconstruçãodeseuprópriosignificado.

A dicotomia experiência-expectativa está ali estampada no uso dos velhos

argumentos, agora reconstruídos para o novo contexto. São retomados, no textoDa

Revolução à Democracia, os temas centrais da “Revolução”, desde a luta contra a

corrupção, passando pela preservação da segurança e dos interesses nacionais, até a

possibilidadededescartarcertasgarantiascívicasparaqueserestabeleçaademocracia:

Esteúltimoéumpontoessencial,pois,desdeoprimeiroinstante,aomesmo tempo que era afirmada a “soberania do fatorevolucionário”, proclamava-se, também como objetivo final esupremo da Revolução, o estabelecimento de um sistema degarantiasconstitucionais,suscetíveldepreservartantoasliberdadescivis e políticas como os valores que compõem a nossa tradiçãohistórica deNação inserida no contexto da civilização ocidental, daqualosdireitoshumanossãocomponenteessencial.(REALE,1977,p.54)

Percebe-se,portanto,que foimantidoodiscursode1964emesmodadécada

de 1930 no que concerne à tradição histórica da Nação. A diferença é a adição, no

contextodessaexpectativajustificadoraquesereconstrói,dosdireitoshumanoscomo

componente essencial da inserção da nação no contexto político a que pretende se

integrar. É interessante o surgimento dos direitos humanos no discurso de defesa da

ditadura,poisevidenciaalgunselementos-chavedaquela conjunturaquenãoestavam

presentes logoapósogolpe,comoapassagempeloAI-5epelos“anosdechumbo”,a

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insurgênciadeváriasentidadesdasociedadecivilcontraoregime,comofoiocasoda

Ordem dos Advogados do Brasil5, e de um avanço do sistema de proteção jurídica

internacional.

Em análisemaismadura do processo de implantação do regimemilitar, Reale

procura explicitar que a “Revolução de Março” difere do projeto integralista de

estabelecimentodocorporativismoestataldepartidoúnicoe,alémdisso,seafastado

quesebuscadefinircomo“ditadura”(osocialismototalitário):

Sim, porque a Revolução deMarço não visa a implantar nenhumaRepública sindicalista ou corporativa; nem se presta a funcionarcomocabeçadeponteparaqualquerdasexperiênciasdosocialismototalitário. Se algo a distingue e legitima é o seu nacionalismo semagressivas deformações ideológicas; é a sua fidelidade às raízes denosso serhistórico,pouco se lhedandoqueas soluçõespreferidas,emfunçãodasnecessidadeseaspiraçõesdenossopovo,possamserounãodoagradodaspotênciasdoOrienteoudoOcidente.(REALE,1977,p.75)

Acoerênciaconservadoradeseudiscursoévisível,compequenasconcessõesà

experiência.Emboratentesepararomovimentode1964daAçãoIntegralistapelofato

de não se pretender um regime corporativista, o fundamento para a intervenção na

ordem constitucional permanece omesmo. Reale continua, quarenta anos depois de

argumentarafavordoIntegralismo,legitimandoumnacionalismoautoritárioapartirdo

recurso à fidelidade ao nexo histórico de coesão da nação, às aspirações comuns do

povo e à insatisfação popular. Nesse sentido, muito embora o discurso de Reale

apresenteaberturaparaosideaisdemocráticosocidentaisnoperíodoemquestão,sua

compreensão do direito ainda se relaciona fortemente a um “processo universal de

objetivaçãodoespírito”(REALE,1968,pp.134-135)enraizadoemconcepçõeséticasou,

emoutraspalavras,noVolksgeist.

Narealidade,oenquadramentodecadanormajurídicanumsistemaé, ao mesmo tempo, uma exigência lógica e deontológica: lógica,porquenãoseriapossíveloestudocientíficodaexperiênciajurídica,se as soluções normativas particulares não se compusessem emunidade, refletindo, na substância de suas relações preceptivas, osenlacesde solidariedade conaturais aomundodos valoresqueelasexpressam,podendo-sedizerqueasistemáticadasnormasjurídicascorresponde, no fundo, a uma exigência de unidade própria doespíritoqueasinstitui;edeontológica,porquealegitimidadedecadapreceitojurídicopromanatantodosvalores,cujasalvaguardasevisa

5Cf.BARBOSA,2012,p.151-153.

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em cada caso concreto, como também e principalmente do valorglobaldoordenamento,que,consideradonoseutodocongruente,éexpressão das aspirações comuns do povo, do plexo atual dasvalorações coletivas, ora referido ao “espírito do povo”, ora à“consciência coletiva”, ora ao “espírito coletivo”, ou à “vontade danação”, expressões todas que, não obstante as suas divergências,coincidem em assinalara a eminência transpessoal e obrigatória decertostiposdeconduta.(REALE,1968,pp.134-135)

Dessamaneira,arediscussãodaspremissasdeseuprópriopensamentopolítico

remete à noção de valor que também se faz presente em seu pensamento jurídico.

Evidencia-se,portanto,que“valor”paraRealenãoserefereavaloresenquantonormas

representativas de determinados ideais constitucionais (ALEXY, 2008), mas enquanto

“tábuadeestimativasemvigoremseutempo”(REALE,1988,p.583).

A expectativa, todavia, tão projetada nessa reconstrução “revolucionária”

almejadaemseusImperativos,frustra-sepelasuadilaçãonotempo.Apreocupaçãode

Miguel Reale em operacionalizar os poderes do Ato Institucional para uma grande

reformapolítico-institucionalcontinuapresenteemDaRevoluçãoàDemocracia.Porém,

o autor expressa, nesse texto, seu desapontamento com o “desperdício do tempo

político” (REALE, 1977, p. 51), que atribui aos dirigentes da ditadura em seu primeiro

momento.Realecritica,nessesentido,ogovernoCastelloBrancoporaplicaroesquema

“desenvolvimentodisciplinadoeplanejado,semdemagogia,ecominflaçãocontrolada”

apenas no plano político-financeiro. (REALE, 1977, p. 51). Seu discurso, portanto, já

expõeoressentimentoemrazãodapotencialidadenãoaproveitadapelogolpe,oque

acaboupormostrar fracassadoseuprojeto inicialdemudançageneralizadadeatitude

danaçãofrenteaosproblemaspolíticos.

Esse ressentimento reverbera-se em outros momentos. Em conferência

proferidanaocasiãodainauguraçãodoAuditóriodeCiênciasJurídicasdaUniversidade

de Brasília, em 25 de outubro de 1982, intitulada Momentos decisivos da história

constitucional brasileira, Miguel Reale volta a tratar do regimemilitar, reconhecendo

equívocos do “processo revolucionário”, porém também apontando virtudes. Aqui,

Reale remete a livros que publicou desde 1965, nos quais apontou uma série de

“omissões e erros graves na Revolução de Março, a começar pela carência de um

processo de institucionalização política mais constante e preciso, capaz de corrigir a

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visão exclusivista e unilateral da problemática econômico-financeira” (REALE, 1984, p.

94).

Apesardessaquebradeexpectativa,ajustificaçãodogolpee,porconseguinte,

de seu próprio discurso legitimador do golpe permanece. Reale defende que, por ter

comentadodeterminadoserrosdaditadura,sesenteàvontadeparacontestar“aqueles

quepretendemdenegrirdezesseisanosdecisivosdenossahistória” (REALE,1984,pp.

94-95). Para ele, sem se falar em milagre, tais anos tiveram o mérito de superar as

resistências de uma sociedade ainda agrária ou pré-industrial, “de periclitante

aglutinação nacional, por absoluta carência de meios de transporte e canais de

comunicação”(REALE,1984,p.96).6

Prosseguindocomotemadapalestra,Realepassaacomentaraspeculiaridades

daConstituiçãode1967eainfluênciadosAtosInstitucionaissobresuavigência.OAI-5

é, novamente, criticado por Reale, que já nos Imperativos apontava a existência da

“linhadura”(opostaà“linhajusta”),quevisavaaintensificararepressãodoregime.À

épocadaconferência,oAI-5jáseencontravarevogadopelaEmendaConstitucionalnº

11 de 1978, que tornou semefeito todos os atos institucionais e complementares no

quecontrariassemaConstituiçãoFederal.

Houve, semdúvida,a introdução,naCarta,denormascasuísticasedeemergência,edeoutrasdevalidadediscutível,comoasrelativasàreformadaJustiça,maséprecisoconvirqueemendasposterioresjásuperaram as distorções de caráter episódico ou transitório,restabelecendo, em sua substância e aperfeiçoamento, o textoorigináriode1967,queentraraemeclipsesoboimpacto,ameuverdispensável, do Ato Institucional n. 5 - AI-5. O que ora se acha emvigor, em suma, é um estatuto político que não se pode declarardestituído de organicidade e de valia, até o ponto de falar-se em"vacânciaconstitucional".Pretender,pois,passarumaesponjasobreesseprocessoconstitucionaldequinzeanosconstituidemonstraçãode iluminismo jurídico irrecusável.Ahistória temsuas razõesquearazãodesconhece,eHegeljánoschamouaatençãoparaaastúciadarazão na história, retomando um tema sutilmente versado porMachiavelli.Éinútil,pois,fazergratuitasconjeturassobreoqueteriasidoaCartade1967seasuaplenavigênciaeeficácianãotivessemsofridotãolongainterrupçãoporforçadoAI-5.(REALE,1984,p.94)

6 Tais resistências da sociedade agrária são um dos principais temas de crítica institucional de OliveiraVianna, autor destacado do pensamento autoritário nacional, sobretudo no início do século XX e,notadamente,naditaduradoEstadoNovo.Paraesseautor,afaltadecoesãopolíticadopovobrasileirosedeve à formação histórica do Brasil em torno do isolamento dos senhores de terras, cujas relaçõessocioeconômicas somente poderiam se desenvolver de forma extremamente simplificada. Em suma, asoluçãoparaaorganizaçãopolíticanacionalseriaainstituiçãodeum“governoforte”queacabassecomocaudilhismoecomasoligarquiasregionais.(OLIVEIRAVIANNA,1999;PRATADECARVALHO,2016).

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ÀpartedesuasobjeçõesaoAtoInstitucionalnº5,uma“normacasuísticaede

emergência”(REALE,1984,p.94),RealereiteraalegitimidadedaConstituiçãode1967.

Seuanteprojeto,enviadoporCastelloBranco,deixariamuitoadesejar,porémteveuma

sériedevaloresvirtuososintegradosaseutexto,aexemplodeumariquezadefiguras

doprocessolegislativo,ummelhorentrosamentoentreospoderes,odelineamentode

um federalismocooperativo,entreoutrascontribuiçõescujasdiretrizesbásicasnãose

poderiaabandonar.

O importante é observar - o que facilmente se esquece - que hojeestamosvivendosobaégidedeumaConstituição,cujotextodecorredeumcernenormativooriginário,nãooutorgado,ode1967,oqualveio sendo alterado ou refundido, com avanços e recuos, segundocontingências variáveis dos tempos, o que tudo se reflete em suasvinte emendas, a última das quais restabeleceu as chamadasprerrogativas do Congresso Nacional. Entremeiam-se, no textovigente,emendasoutorgadaseoutraspromulgadaspeloCongressoNacional,oqueimpedeselhecontestealegitimidade.(REALE,1984,p.95)

RealerepeletambémascríticasàlegitimidadedaEmendanº1de1969,imposta

pelostrêsministrosdasForçasArmadas,afastandoascríticasideológicasaoregimeeà

estruturajurídicaquelheatribuiseusfundamentos:

Alega-se, emvirtudedasemendasoutorgadaspela JuntaMilitarde1969, ou por presidentes eleitos indiretamente, após "escolharevolucionária", que a Constituição atual carece de legitimidade,chegando-se a afirmar que ela não se encontra enraizada numaordemjurídicadepoder,pornãosuporumaideologiacomosistemacoerentedeidéias.Nãopossocompartilhardetalpontodevista,nãoobstanteasnobresintençõesqueaspossaminspirar,nemseiaqueideologiasseaspira.(REALE,1984,p.95)

As observações de Reale sobre a legitimidade das Constituições da ditadura

estãodeacordocomaideiadefundamentaçãodoDireitoqueoautorprocuradelinear

emsuaobrafilosófica,expondo,assim,umacoerênciaargumentativaquemuitasvezes

é negligenciada pela doutrina quando esquecido esse passado. Para ele, afinal, o

fundamento filosóficodoDireito consistiria no complexode valoresque legitimauma

ordem jurídica dando a razão de sua obrigatoriedade, o que muito expõe essa

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“revolução” em retrospectiva e, mais remotamente, às suas reflexões em defesa do

Integralismo.O“Direitopossível”émuitomaisabrangentequeo“Direitopositivo”,que

deve ser posto em sintonia com as exigências da sociedade civil, de maneira que a

“PolíticadoDireito”tambémestáligadaàespeculaçãoaxiológica.

Temos, além disso, a convicção de que, apesar das incessantesmutações históricas operadas na vida do Direito, a vida destepressupõe um núcleo resistente, uma "constante axiológica doDireito",asalvodetransformaçõespolíticas,técnicasoueconômicas.A existência de uma "constante estimativa do Direito" é quepossibilita, anossover, a compreensãodo fenômeno jurídicocomofenômenouniversal.Ofenômenojurídico,emsuaessência,traduzoquehádeuniversalemnossoespírito,oquehádecomumentreumhomemeoutro,oegoeoalter.Assim como o homem muda cotidianamente sem perder a suaessência,assimcomohojenãosomosoqueéramosdiasatrás(maspermanece sempre uma constante psíquica e moral que nosindividualiza),damesmaforma,os fatos jurídicossofremalteraçõesradicais,maspersistesemprecomoqueum"eujurídico",emvirtudedoqualofluxodosacontecimentosnãoperdeanotadajuridicidadequeosdistingueelegitima.(REALE,2002,p.591)

A legitimidade – ou mesmo a normatividade propriamente dita – da norma

tambémnão se sustenta se forem ignoradas as “conquistas universais da experiência

histórica”, ou seja, a dimensão fática do Direito. O Direito se conhece como fato

(aspectos sociológicos, históricos, psicológicos) e valor (aspectos políticos) que obtém

sua dimensão de concreção na norma (dogmática jurídica e teoria geral do Direito).

(REALE,2002,p.615).Énessesentidoqueumaleiemconflitocomdeterminadorolde

valoresquefundamentaaordemjurídicarepresentanadamaisdoqueummomentode

anormalidade que deve ser observado em função de todo o sistema do Direito, que

condicionatantoanormaparticularquantoopoderqueemana.(REALE,2002,p.596).

SuaTeoriaTridimensionaldoDireito,tãodifundidanoscurrículosdeIntrodução

aoEstudodoDireitoetãoaclamadaporfilósofosdodireito,émuitooresultadodesse

passado em que experiência e expectativa se reconstruíram a cadamomento, a cada

eventoemqueoautoritarismosefezrealidade.É,sobretudo,muitodeumateorização

quebebeudeumaexperiênciaautoritáriaedeumaexpectativade“democracia”vinda

por cima, mesmo que cambaleada por violências e conveniências justificadas pela

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exigência de defesa da nação brasileira e de seus valores. Sua teoria do direito como

Fato,ValoreNormanãopodeser,porisso,isoladadesuamaisíntimahistória.

Conclusão

Paraqueseperpetuenopoder,éevidentequeaditaduraprecisaprocurarmaneirasde

legitimarsuapermanência.Ameraimposiçãounilateraldeatosadministrativosescritos

emquartéisnãoésuficienteparatal.Porisso,esteartigoconcentrou-seemevidenciara

importância dos juristas na construção de um projeto político autoritário e, mais

precisamente, na obra deMiguel Reale e sua defesa da ditadura de 1964. A escolha

pelo estudo da obra deste jurista tão aclamado pela literatura nacional está na

constatação de que há uma lacuna na compreensão de seu pensamento na história.

Reale, como muitos outros juristas de seu tempo, construiu seu discurso por uma

contínua tentativa de desqualificar a ordem jurídica vigente por meio do

estabelecimentodeumideal,deummodelodedemocracia.Ademocraciaé,portanto,

o objetivo do regime que se auto-intitula “revolucionário”.Mas aqui a democracia se

qualificapelasuaprópriaexcepcionalidade,negando-a:paraalcançá-la–aexpectativa

semprediferida–éprecisosuspendê-la.

Os sinais da construção do argumento autoritário, que acompanha uma

normatividadecomumemditaduras,sãobemdefinidos.Nomeia-seo inimigo,aqueles

que estão com o regime e aqueles que estão contra, na lógica binária do “ame-o ou

deixe-o” que, sob o pretexto de erradicar os males do regime, tem como função

desqualificar um grupo para consagrar o outro. Constrói-se, assim, um sistema

complexo de fontes da legitimação do governo autoritário, que contribuem para que

seusprojetospolíticossejamfriamenteaplicados.Ea“democracia”–essaexpectativa

justificadoradogolpe–sefaz“revolução”:

OqueaRevoluçãonosensinou–eosdemaispovosnãoestiveramem condições de compreender-nos, habituados que estão aojulgamentodaAméricaLatina,segundosovadosclichêscaudilhescos–équepodemosdivergirquantoaosrumosaseremseguidos,masnão quanto à exigência, por todos sentida, de que o conflito dasidéias passe a se desenrolar tão sòmente no âmbito do respeito

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mútuo e dignificante do regime democrático. Em suma, reformaspela Democracia e para a Democracia, e não reformas para ocaudilho ou para os aspirantes a “comissários do povo”, queastuciosamenteseocultavamatrásdesuasbombachas(REALE,1965,p.114)

O que a história revela é que, se Reale fez algumas concessões ao seu

pensamentoaolongodesuahistória,suacoerênciasemanteveconstantenadefesade

umprojetodenação.Emrelaçãoàditadurade1964,seuprojetopolíticosefundavana

ideia de unidade histórica dos ânimos nacionais, na formação de um Estado que

correspondesse ao real nexo unitário que existia entre os brasileiros. Com algumas

variações,nãodiferiaprofundamentedosseustrabalhosconstruídosdesdeadécadade

1930.Se,duranteoIntegralismo,sustentavaumplanocorporativistacompartidoúnico,

moldadono fascismo italianoeemsuas respectivas ideiasde resgateeafirmaçãodos

valoresprimeirosdopovopormeiodeumEstadoautoritário,duranteaditadurade64,

essa ênfase axiológica nacionalista reaparece, embora não permeada do foco

corporativista,emsuadefesadoAtoInstitucional.Paraele,eraurgenteseconstruirum

ambiente livre da subversão e daqueles que propugnavam a subversão. Era preciso

aclamar a “paz de cemitério” prescrita pela disciplina militar e que seria capaz de

proporcionar o “retorno à democracia”. Se houve desconforto em relação a alguns

destinostomadospeladitadura,éinegávelqueseupensamentoéumadefesaprofunda

doEstadoautoritário.A ideiadeordem,unidadenacional estavaali estampada como

fundamentoparaacontinuidadedaditadura,arevolução,que,permanentementeeem

seuprofundoparadoxo,nadamaisfezdoquemanterascoisascomosempreforam.A

mudança“revolucionária”mostrou-secomoreafirmaçãodeumpassadoquenãoqueria

verdadeiramentemudaretinhaarraigadomedodamudança.

O Miguel Reale jurista, filósofo, autor da Teoria Tridimensional e de demais

publicações, nãopode serdissociadodoMiguelReale teóricoedefensordaditadura.

Suahistóriaexpõeumaexperiênciaquenãopodeseresquecida,sobpenadedeixarde

ladoapotencialidadedo imprescindívelaprendizado.Seépara reconhecermosneleo

grande jurista e fazer uso de suas teorias e conceitos, é preciso projetá-los em seu

própriotempoeemumahistóriaquetemmuitoarevelar.Somenteassimfaremosjus

aos seus ensinamentos e saberemos ponderar, na sua devida dimensão, sua valiosa

contribuiçãoparaopensamentojurídiconacional.

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SobreosautoresAngeloGambaPratadeCarvalhoMestrando no Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade de Brasília eBacharel pela mesma Faculdade de Direito. Pesquisador do Centro de Pesquisa emDireitoComparadodaUniversidadedeBrasília.JulianoZaidenBenvindoProfessordeDireitoConstitucionaldaFaculdadedeDireitodaUniversidadedeBrasília.PesquisadordeProdutividadedoCNPq(Processon.308733/2015-0).DoutoremDireitoPúblico pela Universidade Humboldt de Berlim (Alemanha) e pela Universidade deBrasília.CoordenadordoCentrodePesquisaemDireitoConstitucionalComparado.Osautorescontribuíramigualmenteparaaredaçãodoartigo.