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Estudo voltado a compreender a nova abordagem das questões de interesse coletivo, através de mobilizações sociais que usam o ciberespaço como principal meio de comunicação. O objeto empírico da pesquisa é o ativismo, analisado a partir do Estudo de Caso do grupo Shoot The Shit de Porto Alegre (RS), que de maneira genérica define-se como uma organização formada por empreendedores sociais. Nesse contexto, o ciberespaço passa a ser identificado como um meio de comunicação dialógica que atua como ferramenta para ações de ativismo. Um espaço interativo utilizado para discordar da ordem vigente, mas principalmente para disseminar a cultura da mobilização. Slides da apresentação disponíveis em: http://pt.slideshare.net/annalauraneumann/mobilizao-social-no-ciberespao-a-shoot-the-shit-e-a-nova-face-do-ativismo Artigo disponível no E-book da UNISC: http://unisc.br/portal/pt/editora/e-books/388/ensino-e-extensao-da-unisc-memoria-e-inovacao.html
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CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL / PUBLICIDADE E PROPAGANDA
Anna Laura Neumann
MOBILIZAÇÃO SOCIAL NO CIBERESPAÇO:
a Shoot The Shit e a nova face do ativismo
Santa Cruz do Sul
2013
1
Anna Laura Neumann
MOBILIZAÇÃO SOCIAL NO CIBERESPAÇO:
a Shoot The Shit e a nova face do ativismo
Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso
de Comunicação Social da Universidade de
Santa Cruz do Sul para a obtenção do título
de bacharel em Comunicação Social /
Habilitação Publicidade e Propaganda.
Orientador: Prof. Rudinei Kopp
Santa Cruz do Sul
2013
2
Anna Laura Neumann
MOBILIZAÇÃO SOCIAL NO CIBERESPAÇO:
a Shoot The Shit e a nova face do ativismo
Este trabalho foi submetido ao Curso de
Comunicação Social / Habilitação
Publicidade e Propaganda, Universidade de
Santa Cruz do Sul – UNISC, como requisito
parcial para obtenção do título de bacharel
em Comunicação Social / Habilitação
Publicidade e Propaganda.
Dr. Rudinei Kopp
Professor Orientador – UNISC
Mestra Karine Moura Vieira
Professora Examinadora
Mestre Leonel Aires
Professor Examinador
Santa Cruz do Sul
2013
3
AGRADECIMENTOS
Ao professor Fabio Hansen, por adicionar a pesquisa ao meu percurso acadêmico. À
professora Cristine Kaufmann, por compartilhar conhecimentos inspiradores. À professora
Ângela Felippi, pela ternura e apoio. Ao professor Rudinei Kopp, pelo aprendizado e
orientação, anexados a muita paciência. Ao Gabriel Gomes e Luciano Braga, pela
disponibilidade e auxílio. Aos meus pais, Erni e Liselena, por tornarem o meu sonho parte das
suas vidas. Às irmãs Maria Paula e Maria Clara, pela parceria. Ao namorado Diego, por estar
sempre disposto a aconselhar e ouvir. Às amigas e colegas, Taíssi e Desirê, por viverem o
amor à Comunicação comigo.
4
RESUMO
A pesquisa em questão consolida um estudo voltado a compreender a nova abordagem
das questões de interesse coletivo, através da formulação de mobilizações sociais que usam o
ciberespaço como principal meio de comunicação, o que acaba repercutindo também nos
veículos tradicionais. Portanto o objeto empírico da pesquisa é o ativismo, analisado a partir
do grupo Shoot The Shit de Porto Alegre (RS), que de maneira genérica define-se como uma
organização formada por empreendedores sociais. Utilizando a análise qualitativa, esta
pesquisa constrói o ciberespaço como um meio que pertence ao cenário midiático, mas que
também engendra a sociedade culturalmente. A partir da metodologia do Estudo de Caso
foram analisados os documentos do grupo e as entrevistas realizadas com os idealizadores,
buscando resolver questões do tipo “como” e “por que” esse fenômeno possui tanta
representatividade no período contemporâneo. Identificou-se que há um vácuo deixado pela
administração pública em nossa sociedade, uma falta de representação, que é assumida por
grupos como a Shoot The Shit. Ela utiliza o ciberespaço pela fácil repercussão de
informações, o que não identifica as novas tecnologias como decisivas para a democracia
contemporânea, elas apenas auxiliam a mudança de hábitos nos indivíduos. Afinal, os efeitos
da Internet são relativos, não sendo totalmente livre do sistema e das pessoas que nela atuam.
Mas o importante é perceber que as mobilizações promovidas levam os problemas locais para
uma instância global, em uma efervescência micropolítica, que os indivíduos conquistam o
direito de discordar da ordem vigente, aliando o ativismo de sofá ao ativismo de rua.
Palavras-chave: Mobilização social; comunicação; ciberespaço; cibercultura; ativismo.
5
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1 – Campanha “Desmatamento Zero – Cortes de carne”, peça de revista e jornal . 19
Ilustração 2 – Escala de níveis de vinculação........................................................................... 22
Ilustração 3 – “Salve uma vida, apague seu cigarro” no site AdOnline ................................... 63
Ilustração 4 – “Que Ônibus Passa Aqui” no site da Prefeitura Municipal de Porto Alegre ..... 68
Ilustração 5 – “Que Ônibus Passa Aqui” no portal G1 Rio Grande do Sul .............................. 69
Ilustração 6 – Instruções da ação “Que Ônibus Passa Aqui” ................................................... 71
Ilustração 7 – Adesivo da ação “Que Ônibus Passa Aqui” ...................................................... 72
Ilustração 8 – “Que Ônibus Passa Aqui” no jornal Gazeta do Sul ........................................... 73
Ilustração 9 – Projeto Movilidad Colectiva, desenvolvido no México..................................... 74
Ilustração 10 – Ação “Mexa-se” divulgada em um blog russo ................................................ 90
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 8
1 MOBILIZAÇÃO SOCIAL E COMUNICAÇÃO ................................................................. 11
1.1 O que é Mobilização Social ................................................................................................ 11
1.2 A Comunicação Social para mobilizar os públicos ............................................................ 13
1.3 As funções da comunicação mobilizadora ......................................................................... 17
1.4 De público-alvo a sujeito participante ................................................................................ 20
1.5 A influência dos meios de comunicação nas mobilizações sociais .................................... 24
2 CIBERESPAÇO: CONTEXTO E POTENCIAL DE MOBILIZAÇÃO .............................. 31
2.1 O ciberespaço: um novo cenário para as mobilizações sociais .......................................... 31
2.2 A comunicação no ciberespaço: o trânsito da informação ................................................. 36
2.3 As Redes Sociais e o caráter interativo da comunicação.................................................... 39
2.4 As comunidades virtuais e a cibercultura ........................................................................... 44
2.5 A mobilização e o ativismo no ciberespaço ....................................................................... 49
3 SHOOT THE SHIT: UMA NOVA FACE DO ATIVISMO? ................................................ 56
3.1 Metodologia de pesquisa .................................................................................................... 56
3.2 O percurso do grupo Shoot The Shit ................................................................................... 60
3.3 Análise do potencial mobilizador da Shoot The Shit .......................................................... 77
3.3.1 O que é Mobilização Social para a Shoot The Shit? ........................................................ 77
3.3.2 Como é a comunicação para mobilizar? .......................................................................... 80
3.3.3 Quais são as funções da comunicação mobilizadora? ..................................................... 83
3.3.4 Como é possível que os sujeitos participem ativamente? ............................................... 85
3.3.5 Como os meios de comunicação influenciam os projetos mobilizadores? ..................... 87
3.3.6 E o ciberespaço? .............................................................................................................. 88
3.3.7 Como é a comunicação no ciberespaço? ......................................................................... 91
3.3.8 É possível mobilizar através do ciberespaço? ................................................................. 94
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 97
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 104
ANEXO A .............................................................................................................................. 107
ANEXO B .............................................................................................................................. 109
ANEXO C .............................................................................................................................. 112
ANEXO D .............................................................................................................................. 129
7
ANEXO E ............................................................................................................................... 131
8
INTRODUÇÃO
Em maio de 2011, três publicitários decidem jogar golfe em ruas esburacadas, do
Bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre. Gravam a encenação, veiculam no Youtube e
rapidamente o vídeo se dissemina na Internet. A situação desperta o público desse meio e
chama a atenção da administração pública, que decide resolver o problema identificado pelos
jovens. A ação é repercutida em meios de comunicação pelo Brasil e pelo mundo. Os criativos
responsáveis, naquele momento, já possuíam uma organização chamada Shoot The Shit. Não
agiam, portanto, de forma completamente despropositada. Eles sentiam uma insatisfação,
tinham objetivos, entendiam o meio de comunicação que usariam para veicular a cena e
imaginavam a possível reação dos públicos que tocariam. Porém, não tinham como calcular a
dimensão que a ação alcançaria.
Parece haver algo novo ou diferente no modo de tratar questões de interesse coletivo.
Essa é a idéia genérica que tem se propagado e que tem despertado tanto interesse como
possibilidade de ação e mobilização social usando as formas tradicionais e contemporâneas de
comunicação. Esse, aliás, foi o principal ponto de motivação para o fundamento dessa
pesquisa. A pretensão é estudar um agente mobilizador relevante para procurar entender como
ele surgiu, por que surgiu, suas motivações, seus métodos de ação e assim por diante. Pela
representatividade que o grupo vem recebendo, principalmente pela cobertura midiática, pela
repercussão na Internet e pelos debates junto ao poder público, é possível acreditar, a
princípio, que há um fenômeno em curso e há uma manifestação disso muito próxima das
nossas vidas. O objetivo é analisar o ciberespaço como um meio de comunicação que faz
parte do elenco midiático e atua culturalmente sobre a sociedade, buscando compreender -
através do estudo de caso de um agente importante nessa dinâmica - de que forma as
mobilizações sociais contemporâneas possuem tanta repercussão sobre a sociedade.
Mas essa nova forma de mobilização precisa ser contextualizada: enfim, o que é
mobilização social? Qual a função da comunicação para mobilizar? E a relevância dos meios
de massa? O que é o ciberespaço? Será ele um meio fundamental de mobilização cultural e
social? Seria um novo meio de comunicação, apenas um recurso tecnológico ou o palco para
o desenvolvimento de um modo de vida? Há uma inquietação acerca das atividades realizadas
no ciberespaço atualmente, principalmente no âmbito da Internet e das Redes Sociais, que
servem como meio de divulgação das mobilizações sociais e culturais. A pesquisa em questão
9
não pretende valorizar deliberativamente o ciberespaço, apenas objetiva caracterizá-lo e
reconhecê-lo como um novo espaço com um possível potencial mobilizador.
O objeto empírico, a Shoot The Shit, é caracterizada por seus idealizadores como uma
organização que pretende “tirar as ideias da gaveta”. O nome é uma expressão americana que
significa “jogar conversa fora”, ou seja, conversar despretensiosamente. Não é uma empresa,
nem uma agência de publicidade, apesar de ser composta primordialmente por publicitários.
Eles acreditam que através de suas ações podem mobilizar as pessoas a mudar atitudes, pensar
e debater seus papéis como responsáveis pelas suas cidades, mas principalmente agir como
cidadãos que se preocupam com sua convivência urbana, que se enxergam como parte de um
todo maior, de uma coletividade.
A pesquisa é dividida em três capítulos. O primeiro é dedicado a construir um
referencial acerca do significado de mobilização social, de que forma a comunicação pode
influenciar tais ações, quais são as principais funções da comunicação aplicada a projetos
mobilizadores, como os públicos-alvo se tornam participantes ativos e defensores das causas
sociais abordadas e qual a influência dos meios de comunicação de massa nesse processo.
Com enfoque sobre os autores Henriques (2004), Mafra (2006) e Toro (2007), esse capítulo
também exemplifica as teorias abordadas a partir dos projetos realizados, principalmente, pelo
Greenpeace, devido às ações espetaculares postas em prática pelo grupo com o objetivo de
chamar a atenção dos meios de comunicação para as causas ambientais defendidas; pela
Pastoral da Criança, escolhida graças à criação da Rede de Comunicadores Voluntários, o
que evidencia uma preocupação com o planejamento e execução profissional das estratégias
nesse âmbito do projeto; e pelo grupo Vida Urgente de Porto Alegre, uma vez que esse
projeto possui uma ampla repercussão das suas ações principalmente nos meios de
comunicação contemporâneos, com o objetivo de atingir o público jovem.
O segundo capítulo trata do ciberespaço, um meio de comunicação mais interativo,
onde se desenvolvem as comunidades virtuais e a cibercultura, abrangendo, por fim, as
formas contemporâneas de mobilizações sociais - ou ativismo - promovidas na Internet. Os
grupos mobilizadores utilizados no primeiro capítulo também são exemplo para as teorias
abordadas, principalmente as dos autores Lévy (1999), Castells (2003) e Lemos (2004).
Enfim, no capítulo três, é explicada a metodologia utilizada, o Estudo de Caso, a partir
de autores como Fragoso (2011), Duarte (2006) e Yin (2005), que contou com a organização e
descrição da documentação de todas as ações desenvolvidas pelo grupo Shoot The Shit, uma
10
entrevista realizada com Gabriel Gomes e Luciano Braga, fundadores e participantes, e
também uma palestra feita por eles na Universidade de Santa Cruz do Sul. O percurso do
grupo, as metodologias utilizadas e suas percepções sobre os temas abordados nesta pesquisa
são analisados ao final do terceiro capítulo, com base nas elucidações teóricas dos dois
primeiros capítulos.
O ciberespaço é um meio que instiga a minha curiosidade e quando três publicitários
resolvem jogar golfe no meio de uma rua e isso se transforma em algo que faz as pessoas
pensarem, o meu interesse é despertado também acerca das novas possibilidades existentes
para o âmbito da Comunicação Social e para o aprimoramento de uma sociedade mais
engajada e participativa. Por esse motivo desenvolvi essa pesquisa para compreender como é
possível promover um empoderamento dos indivíduos para torná-los sujeitos proativos para a
mudança social. A partir das técnicas e dispositivos tecnológicos utilizadas como suporte,
busquei entender as ações desenvolvidas pela Shoot The Shit, como elas são executadas e no
que os idealizadores acreditam, analisando a documentação e a percepção dos envolvidos.
11
1 MOBILIZAÇÃO SOCIAL E COMUNICAÇÃO
1.1 O que é Mobilização Social
A sociedade nos moldes atuais vive de acordo com um tipo de organização que faz
com que tenhamos determinadas expectativas em relação a certos grupos ou pessoas. Hoje,
muitas das decisões tomadas pelos gestores públicos são aceitas como resoluções únicas e
definitivas para os problemas que atingem todos os sujeitos. Sujeitos esses que,
coletivamente, também possuem respaldo para discutir e debater questões que interferem na
vida em sociedade. A mobilização social de indivíduos dispostos a responsabilizar-se por
questões sociais é vista como necessária para a real aplicabilidade da democracia.
O verbo mobilizar, originalmente, significa “dar movimento a, por em movimento ou
circulação”. A mobilização social amplia esse significado: se caracteriza por movimentar e
reunir pessoas em torno de questões sociais que devem ser discutidas, postas em movimento,
em benefício do todo. No entanto, não significa apenas manifestar publicamente tais questões
em um local físico, por exemplo. Nas palavras de Bernardo Toro e Nisia Werneck, a
mobilização social efetiva “ocorre quando um grupo de pessoas, uma comunidade ou uma
sociedade decide e age com um objetivo comum, buscando, quotidianamente, resultados
decididos e desejados por todos.” (2007, p. 3) As manifestações públicas são estratégias,
partes do processo de mobilização social, que precisa almejar a construção de um projeto
futuro, com propósitos definidos e concretos, que necessitem de uma dedicação contínua.
Mobilizar, efetivamente, é divulgar os problemas sociais que dificultam o bom
funcionamento da sociedade, convocando pessoas dispostas a transformar a realidade, a
dividir responsabilidades, compartilhando soluções e conhecimentos em um aprendizado
conjunto. Em outras palavras, o objetivo da mobilização social é gerar um sentimento de
corresponsabilidade nos sujeitos que vivem em um meio social democrático. Isso não
significa que o Estado pode se ausentar da função de “garantir a integração, a regulação e o
bom funcionamento da sociedade. Mas implica que a própria sociedade crie meios de
solucionar os problemas com os quais o Estado por si só não seja capaz de lidar.”
(HENRIQUES; BRAGA; MAFRA, 2004, p. 36)
12
Henriques percebe que esses movimentos se configuram como verdadeiras redes de
aprendizagem em conjunto, “sendo capazes de, ao assimilar novos conhecimentos advindos
de sua experiência, adaptar-se continuamente à velocidade das transformações e à dinâmica
das lutas sociais.” (HENRIQUES, 2005b, p. 9) Outra característica relevante das mobilizações
sociais é a de que cada indivíduo é livre para participar ou não, devendo se sentir
verdadeiramente responsável pela problemática defendida pelo grupo, sentindo-se capaz de
provocar e desenvolver mudanças efetivas. Rennan Mafra (2006) analisa que “quando
projetos e movimentos lutam por determinadas causas, há um desejo de „movimentar‟ as
estruturas, os significados, os entendimentos acerca de algumas questões.” (p. 33) Ou seja,
cada indivíduo deve desejar o envolvimento e o relacionamento com a causa. Henriques
define as possibilidades de mobilização social:
A mobilização social tem enorme amplitude e pode referir-se tanto a movimentos
sociais de massa quanto a formas associativas as mais diversas: projetos de ação
voluntária, organizações não-governamentais e entidades do chamado Terceiro
Setor, militância partidária, organização popular e comunitária, trabalho
cooperativo, fóruns de participação institucionalizada em temas públicos
(conselhos, comitês etc.), projetos de ação social (inclusive projetos de
responsabilidade social onde empresas buscam atuar junto aos públicos que
denominam de “comunidades”). (HENRIQUES, 2006, p. 2)
Mafra afirma que a democracia contemporânea clama pela existência de grupos
mobilizadores que exigem o aprendizado e comprometimento dos sujeitos em torno de
questões públicas, carentes de “(re) definições coletivas.” (MAFRA, 2006, p. 14) Na América
Latina esses grupos ainda estão em construção devido a dificuldade da sociedade em
diferenciar o que pertence ao governo e o que é público. Braga, Silva e Mafra (2004)
contribuem, atribuindo tal característica ao tipo de colonização exercido na região, que não foi
motivado por cidadãos em busca de uma terra para viver. O objetivo principal era dominar e
explorar as riquezas, o que gerou (grosso modo) um sentimento de paternalismo arraigado na
sociedade latina. Mas, afinal:
13
Como é possível que tal processo aconteça? Como é possível mobilizar os sujeitos
à participação coletiva? É possível tomar alguns procedimentos e elaborar
estratégias para que os sujeitos se sintam mobilizados e tenham interesses
despertados para as questões públicas? Quais seriam os limites e as possibilidades
dessas estratégias de mobilização social? (MAFRA, 2006, p. 14)
Um dos exemplos mais recorrente de mobilização social que efetivamente acontece,
viabilizada principalmente por um processo planejado estrategicamente, é o Greenpeace,
organização criada no Canadá em 1971 que visa mobilizar as pessoas quanto a questões
ambientais: “o objetivo é manter informados os ambientalistas e a população em geral sobre a
temática ambiental e, ao mesmo tempo, expor a crise ambiental que o planeta está
vivenciando.” (MORIGI; KREBS, 2012, p. 134) Com abrangência geográfica internacional
(em mais de 40 países) e mais de três milhões de colaboradores financeiros, ela busca
sensibilizar cada vez mais sujeitos quanto aos hábitos que causam um impacto considerável
ao ambiente, mudando efetivamente a realidade de diferentes locais, além de divulgar
publicamente as organizações públicas e privadas que não cumprem suas responsabilidades
em benefício da natureza. Para “os militantes do Greenpeace, a mobilização é imprescindível
e fundamental para o sucesso do trabalho.” (MORIGI; KREBS, 2012, p. 138)
Considerando que o processo de mobilização social exige: o compartilhamento de
informações, conhecimentos, valores, visões e responsabilidades; a preocupação com os
discursos responsáveis por convocar os sujeitos dispostos a transformar a situação da
sociedade; e também a exigência de “conversa, troca, partilha intersubjetiva, interação”
(MAFRA, 2006, p. 34) entre os sujeitos, parte fundamental da solução para as mobilizações
sociais é planejar e exercer estratégias de Comunicação Social.
1.2 A Comunicação Social para mobilizar os públicos
A mobilização social não é uma novidade, “ela é histórica e sempre ocorre quando os
líderes de um povo percebem que é impossível resolver determinada crise ou problema sem
que se mobilize a força da própria sociedade ameaçada.” (LOBO, 1996, p. 75) A novidade, no
14
entanto, é o uso da comunicação de massa1 para esse propósito. A comunicação direcionada
para as mobilizações sociais assume um caráter dialógico, libertador e educativo, segundo
Henriques, Braga, Silva e Mafra (2004). Dialógica, porque almeja primordialmente um
relacionamento com os receptores e não apenas a busca por um meio unidirecional de
transmissão de informações. Por defender objetivos de interesse mútuo, a comunicação
precisa motivar a co-participação e defender a busca por um fim comum a todos. Libertadora,
porque sugere um acordo entre os sujeitos, onde haja compreensão sem manipulação ou
imposição, ou seja, os problemas sociais devem ser compartilhados e discutidos entre os
sujeitos, que possuem a liberdade de comunicação a fim de expor suas ideias e
conhecimentos, contribuindo para a construção de um raciocínio coletivo. E pedagógica,
porque educa acerca das motivações e objetivos sociais do grupo, através da interação com os
participantes, valorizando suas reações e interpretações. Não há imposição e sim diálogo com
os sujeitos. Segundo Testa (1996), a comunicação tende “à massificação que torna anônimo o
indivíduo, mas, por outro lado, permite também que esse mesmo indivíduo assuma sua
individualidade e se realize, enquanto agente comunicador.” (p. 65)
Sob um viés mais prático, a comunicação pode se estabelecer a partir de um caráter
informacional, caracterizado por um processo de transmissão de informações do receptor para
o emissor, simplesmente. Ou um caráter relacional, que prevê os participantes do processo
como “instituidores de sentido.” (MAFRA, 2006, p. 35) A divulgação das informações é
importante para mobilizar as pessoas e para assegurar a estabilidade e a continuidade do
movimento, já que ela dissemina o que está sendo feito e decidido no grupo, oferecendo
sentido e motivação às atitudes e iniciativas de cada participante.
Assim, a comunicação para mobilização deve se propor a orientar os indivíduos em
seus espaços de interação, ou mesmo criar ambientes, onde as relações e as
interações ocorrerão através do diálogo livre entre os sujeitos, e o conhecimento
será apreendido e reelaborado através dos próprios contextos da comunidade.
(HENRIQUES; BRAGA; SILVA; MAFRA, 2004, p. 28)
1 As denominações “comunicação de massa” e “meios de massa” serão utilizadas para nomear os veículos de
comunicação de grande alcance, ou seja, a mídia audiovisual e impressa, como Folha de São Paulo, Jornal A
Zero Hora, Rede Globo e Rede Bandeirantes. Ou seja, “dirige-se às diversas comunidades do espaço público (a
massa).” (LEMOS, 2004, p. 79)
15
No entanto, quando o enfoque da comunicação é a mobilização, a principal abordagem
é a relacional, que incentiva o sentimento de co-participação dos sujeitos, sendo que “o
grande desafio da comunicação, ao mobilizar, é tocar a emoção das pessoas, sem, contudo,
manipulá-las, porque se assim for feito, ela será autoritária e imposta.” (HENRIQUES;
BRAGA; MAFRA, 2004, p. 37) Ou seja, a comunicação que visa a coletivização não deve ser
estritamente estratégica e imutável. Apesar de assemelhar-se às campanhas publicitárias
veiculadas nos grandes meios, por exemplo, ela assume outro compromisso perante a
sociedade: o de conquistar o envolvimento dos públicos acerca de questões que merecem ser
discutidas e reinventadas, em um consenso coletivo, e não aquelas que permeiam apenas o
universo individual de cada cidadão. Mas, “para que qualquer debate possa ocorrer, é
fundamental que os interlocutores forneçam argumentos formulados de maneira racional e
expliquem seus pontos de vista” (MAFRA, 2006, p. 18); não esquecendo, entretanto, de
valorizar as interpretações de cada participante. Bernardo Toro e Nísia Werneck avaliam:
Esse consenso não é um acordo em que as pessoas negam suas diferenças. Elas são
preservadas e respeitadas. As pessoas não estão necessariamente de acordo entre si,
mas de acordo com alguma coisa, com uma ideia, que é colocada acima das
divergências. Ela é a expressão de um exercício de convivência democrática.
(TORO; WERNECK, 2007, p. 28)
Segundo Henriques, a maior preocupação dos grupos mobilizadores é conquistar a
visibilidade e a atenção dos públicos, utilizando para isso “a composição de estratégias de
comunicação, mesmo que de forma intuitiva.” (HENRIQUES, 2006, p. 5) Mas, segundo ele,
essas questões estão sendo abordadas cada vez mais sob uma perspectiva profissional. Afinal,
os autores concordam que a forma de aplicabilidade da comunicação é responsável por gerar
mais visibilidade ao grupo mobilizador, permitindo consequentemente, a continuidade de suas
ações. Somente um processo comunicativo consegue motivar os públicos por meio de apelos
emocionais e ações espetaculares, estimulando-os ao debate, analisa Mafra, que acrescenta:
16
É fundamental que uma determinada competência comunicativa esteja presente nas
rotinas dos projetos de mobilização social, tanto no sentido de entender e operar
com a “gramática” própria da mídia de massa, quanto no sentido de utilizar outros
meios, técnicas e instrumentos de comunicação que traduzam sua causa, incluam
novos temas na cena pública e estabeleçam conversações a partir de procedimentos
estratégicos. (MAFRA, 2006, p. 45)
Com origem no ano de 1983, no âmbito da Igreja Católica, a Pastoral da Criança é
uma referência nacional de mobilização social segundo Rabelo e Suzina (2005a). Os
voluntários são responsáveis por desenvolver “ações de saúde, nutrição, educação, cidadania e
espiritualidade de forma ecumênica nas comunidades pobres”, segundo o site da Instituição.2
Em 1994, foi criada a Rede de Comunicadores Solidários à Criança, ligada à Pastoral, que
reuniu cerca de 500 comunicadores voluntários de 24 estados brasileiros, distribuídos em
diferentes comunidades e regiões, o que “permitiu tornar a ação comunicativa mais horizontal
e ágil pelo contato direto entre agentes e lideranças da Pastoral da Criança e os meios de
comunicação locais.” (RABELO; SUZINA, 2005a, p. 73) Atuando nas áreas de comunicação
pessoal e grupal, rádio e assessoria de comunicação e mobilização, a Rede formou
comunicadores capazes de produzir e veicular informações, mas principalmente “pessoas
capazes de gerar processos de comunicação em favor da mobilização.” (RABELO; SUZINA,
2005a, p. 74)
Existem, segundo Braga, Silva e Mafra (2004), três características nos movimentos
mobilizadores importantes para a formulação de um planejamento estratégico
comunicacional. São elas: a identidade, que “é como o movimento se autodefine, a partir de
suas práticas, valores e discursos.” (BRAGA; SILVA; MAFRA, 2004, p. 63) O adversário,
que participa na definição da identidade a partir da diferença entre o “nós” e o “eles”. E o que
os autores nomeiam como Meta Societal, que aborda a visão do grupo e de seus participantes
acerca do futuro das ações promovidas. Com as estratégias de comunicação concluídas a
partir das informações citadas, os grupos motivadores só as aproveitam efetivamente caso o
profissional responsável (nos casos em que exista um) se preocupe em transformar as
informações e dados do grupo em sinais de esperança e mudança, despertando a proatividade
e a contribuição efetiva dos públicos, divulgando ações e decisões possíveis de ser postas em
prática por cada sujeito, tendo como enfoque contínuo a Meta Societal, ou seja, os objetivos
traçados pelos mobilizadores responsáveis pelo projeto.
2 Disponível em:
http://www.pastoraldacrianca.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=75&Itemid=27
17
1.3 As funções da comunicação mobilizadora
A comunicação tem como função primordial difundir informações, publicizando e
dirigindo-as aos públicos em potencial. No caso dos projetos mobilizadores, essa função é
imprescindível, uma vez que divulga a existência do projeto de mobilização social, tornando
suas propostas e objetivos conhecidos, possibilitando o julgamento e posterior participação da
sociedade. Outra função da comunicação com fins mobilizadores é promover a coletivização,
com o objetivo de sensibilizar as pessoas para com a causa defendida, gerando um sentimento
de pertencimento ao projeto, um compromisso e interesses comuns. A comunicação atinge
então o nível da corresponsabilidade, em que vínculos são gerados e mantidos entre os
sujeitos participantes, que se sentem partes importantes do todo, responsáveis pelo sucesso da
mobilização. É esse nível que oferece estabilidade ao projeto mobilizador, sendo que o
enfoque deve estar na geração de sentimentos como solidariedade, sentimento de querer
acabar com determinada situação, e compaixão, quando os sujeitos se enxergam como
semelhantes. Isso só é possível através da “geração de um fluxo comunicativo em que se
possa visualizar a trajetória do movimento e suas conquistas, de forma a orientar os atores e
promover a continuidade das ações e dos resultados.” (HENRIQUES; BRAGA; SILVA;
MAFRA, 2004, p. 23)
Para esse propósito é importante registrar a memória do grupo através da reunião de
todas as ações já realizadas, para servir de referência aos futuros participantes e como
instrumento de verificação da pertinência do movimento a toda sociedade. Ou seja, o projeto
precisa apresentar coesão e continuidade. Uma das formas de executar tal objetivo é
acompanhar os resultados do projeto, afinal “eles são importantes para manter aceso o
entusiasmo dos que estão participando, estimular a ampliação dos participantes e argumentar
com os possíveis financiadores do movimento.” (TORO; WERNECK, 2007, p. 31)
É ainda função dos comunicadores fornecer elementos de identificação com a causa e
com o projeto mobilizador. Em outras palavras, a comunicação é responsável, em um projeto
de mobilização, por criar símbolos e valores que formem uma identidade. A “detecção de
elementos simbólicos comuns que podem ser facilmente decodificados e compartilhados e
que melhor traduzam a causa em si e os valores que a ela podem ser agregados.”
(HENRIQUES; BRAGA; SILVA; MAFRA, 2004, p. 24) Dessa forma o projeto mobilizador
organiza-se no imaginário do público: “os atores sociais podem se sensibilizar e se identificar
18
com a beleza e coerência das peças gráficas do projeto, com o ritual das reuniões e eventos
que promove, com os valores que defende, com os conhecimentos que dissemina.”
(HENRIQUES; BRAGA; SILVA; MAFRA, 2004, p. 24) Com a ação da Rede de
Comunicadores, a Pastoral da Criança, por exemplo, conseguiu seduzir os públicos,
ocupando o imaginário coletivo através de mensagens sedutoras e mobilizadoras em benefício
das crianças brasileiras.
Ainda sobre a última função identificada, é possível perceber sua importância para a
própria coesão do grupo com seu público. Segundo Henriques, ela se manifesta através dos
seguintes aspectos:
Unidade visual e gráfica; coesão do discurso projetado para os públicos, mesmo
que transposto para linguagens diferentes; coerência entre o discurso e as ações
efetivamente realizadas; complementaridade dos instrumentos e veículos, para que
se reforcem mutuamente. (HENRIQUES, 2005b, p. 11)
Peças tradicionalmente de caráter publicitário assumem um viés simbólico a fim de
desenvolver uma identidade visual, a partir da criação de uma logomarca, da disseminação de
um grande volume de informações qualificadas – “aquela que informa e orienta de modo
prático, que permite aos sujeitos saber o que fazer e como se posicionar dentro do
movimento/projeto” (HENRIQUES, 2005b, p. 10) – em folhetos, panfletos, fôlderes, cartilhas
e manuais, a postura dos participantes, a sede do projeto (espaço físico, cores utilizadas,
bandeiras, hinos) e a organização de eventos (atos públicos, passeatas), que garantem a
visibilidade e possível engajamento dos sujeitos atingidos. Esses estabelecem suas próprias
conexões de maneira orientada, mas não manipuladora, apesar de fazer parte do planejamento
estratégico do projeto. Nas mídias de massa a Pastoral da Criança prioriza os depoimentos de
líderes e coordenadores comunitários, “o que facilita a empatia com a maior parte das
lideranças” (RABELO; SUZINA, 2005a, p. 84), já o Greenpeace investe em uma linguagem
visual em anúncios impressos.
19
Ilustração 1 – Campanha “Desmatamento Zero – Cortes de carne”, peça de revista e jornal
Fonte: disponível em: <http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Participe/Divulgue/Midia-
Impressa/>. Acesso em: 8 de maio de 2013.
A comunicação assume todas essas funções com o objetivo de dinamizar e
potencializar os movimentos mobilizadores, coordenando ações que isoladamente geram
pouca representatividade. Ela coordena as ações e cria canais de comunicação relevantes entre
sujeitos e projeto: “a comunicação, planejada a partir de um horizonte ético, passa a ser um
dos principais instrumentos para auxiliar o movimento em seu processo de transformação da
realidade” (HENRIQUES; BRAGA; SILVA; MAFRA, 2004, p. 20), mobilizando diferentes
20
públicos e possibilitando a efetiva participação e engajamento dos sujeitos na defesa das
causas sociais assumidas pelo projeto mobilizador.
É possível compreender a demanda pela comunicação estrategicamente planejada
na estruturação de um projeto mobilizador, uma vez que as pessoas precisam sentir-
se como parte do movimento e abraçar verdadeiramente a sua causa.
(HENRIQUES; BRAGA; SILVA; MAFRA, 2004, p. 20)
Mas as estratégias comunicacionais devem relevar o ponto de vista estritamente
técnico, compreendendo antes de tudo que tal competência é fundamental para o exercício de
cidadania de toda a sociedade. Ou seja, “o planejamento da comunicação deve existir no
sentido de permitir a tomada de posições a respeito de questões críticas e estratégicas”
(HENRIQUES; BRAGA; MAFRA, 2004, p. 40), estreitando os vínculos entre os públicos e
os projetos mobilizadores. Ainda “é preciso que as pessoas tenham conhecimento dos
objetivos, metas e prioridades da mobilização, sintam-se seguras quanto à valorização de sua
forma de pensar e sintam a confiança dos outros participantes.” (BRAGA; SILVA; MAFRA,
2004, p. 70) Entretanto, o maior desafio dos comunicadores é identificar e classificar os
públicos, uma vez que as técnicas utilizadas no meio empresarial, em planejamentos de
marketing, por exemplo, não são suficientes para apreender os vínculos que regem um projeto
mobilizador.
1.4 De público-alvo a sujeito participante
A fim de compreender as relações sistêmicas existentes entre os sujeitos e entre eles e
os projetos de mobilização social, é preciso que os comunicadores busquem encontrar os
vínculos principais, em outras palavras, “torna-se necessário rastrear os caminhos e circuitos
por meio dos quais o processo comunicativo em movimento proporcionará uma produção de
sentido comum.” (HENRIQUES; BRAGA; MAFRA, 2004, p. 41) O ideal é que o público não
seja mantido apenas sobre interesses recíprocos existentes entre eles e a mobilização, mas sim
que se tornem parte do “próprio grupo gerador do projeto.” (BRAGA; SILVA; MAFRA,
2004, p. 61)
21
O livro organizado por Márcio Henriques (2004) contribui de maneira efetiva para tal
abordagem, a partir do desenvolvimento de níveis de análise dos públicos, que auxiliam na
determinação da posição dos sujeitos em segmentos específicos dos projetos de mobilização
social. O primeiro deles é a localização espacial: “onde, no espaço real (geográfico) ou virtual
estão localizados os públicos dentro do universo de atuação e de influência do projeto.”
(HENRIQUES; BRAGA; MAFRA, 2004, p. 42) Após, leva-se em consideração os níveis de
informação, afinal, as pessoas podem ter diferentes tipos de conhecimento acerca do projeto,
originadas através de diversos meios, entre eles os da comunicação. No terceiro nível de
acionamento está o julgamento, que ocorre quando as pessoas já avaliaram as informações e
decidem então apoiar o projeto.
Uma certa quantidade de informações, com determinado nível de detalhamento,
gera uma tomada de posição dos públicos em relação ao projeto. O julgamento é a
constituição deste posicionamento, que se dá a partir do estabelecimento de juízos
de valor. (HENRIQUES; BRAGA; MAFRA, 2004, p. 42)
A seguir há a ação, uma instância mais prática onde são gerados materiais diversos
que contribuem direta ou indiretamente com os objetivos iniciais do projeto. Após há o nível
da coesão, que ocorre quando as ações e os diferentes públicos de um projeto se tornam
interdependentes; e a continuidade, quando as ações mobilizadoras não são mais pontuais ou
instantâneas: se tornam permanentes e contínuas. Esses dois níveis de acionamento recebem a
contribuição direta da comunicação estratégica. Em outras palavras, “sendo os níveis de
coesão e continuidade o elo entre a ação isolada e efêmera e ação co-responsável, a
comunicação deve ser planejada principalmente para atuar sobre esses dois pontos.”
(HENRIQUES; BRAGA; MAFRA, 2004, p. 46)
Assim, “quando o público se sente também responsável pelo sucesso do projeto,
entendendo a sua participação como uma parte essencial no todo” (HENRIQUES; BRAGA;
MAFRA, 2004, p. 43), ele ocupa o nível da corresponsabilidade, permeado por sentimentos
como a compaixão e a solidariedade. Não há hierarquia, “a participação mais ou menos
assídua, a contribuição mais direta ou mais indireta, o tempo em que começou a participar,
nada disso gera hierarquias e poderes.” (TORO; WERNECK, 2007, p. 50) Por fim existe a
participação institucional, nível onde há poucos indivíduos participantes, uma vez que se
refere àquelas pessoas que são contratadas pelo grupo mobilizador.
22
Ilustração 2 – Escala de níveis de vinculação
Fonte: (HENRIQUES; BRAGA; MAFRA, 2004, p. 44)
Após compreender os níveis de acionamento existentes em um projeto de mobilização
social, o comunicador deve mapear e segmentar os públicos, por critérios como a força dos
vínculos, o grau de informação e a efetiva incorporação de valores dos públicos. O objetivo
final é levar os públicos ao nível da corresponsabilidade.
A geração de corresponsabilidade, como um vínculo ideal entre os públicos e uma
causa ou movimento é, portanto, um processo que depende da geração de um lento
e contínuo aprendizado e que potencialmente se traduza numa transformação
gradual de hábitos e atitudes, construindo novos significados e incorporando
valores. (HENRIQUES; BRAGA; MAFRA, 2004, p. 48)
23
Toro e Werneck (2007) avaliam que os comunicadores também precisam conhecer os
níveis de atuação dos sujeitos no interior de um projeto mobilizador. O primeiro deles é o
Produtor Social, que não é dono, mas faz com que o processo de mobilização ocorra. Ele “é
responsável por viabilizar o movimento, por conduzir as negociações que vão lhe dar
legitimidade política e social.” (TORO; WERNECK, 2007, p. 21) Esse participante assume
algumas características como respeito e confiança na participação coletiva dos sujeitos,
incentivando tal comportamento. Ele acredita “na importância de se liberar a energia, a
criatividade e o espírito empreendedor das pessoas e das coletividades.” (TORO; WERNECK,
2007, p. 22) Possui um conhecimento claro acerca da democracia, cidadania, público e
participação, sendo capaz de interpretar a realidade na qual o projeto se insere. Nas palavras
dos autores, ele é “sensível e tolerante.” (TORO; WERNECK, 2007, p. 23) Na organização
ambiental Greenpeace, por exemplo, todas as pautas sugeridas pela população passam
primeiro pelo filtro das pessoas denominadas como líderes, que assumem a função de
selecionar o que será “investigado e publicado, obedecendo a critérios próprios” (MORIGI;
KREBS, 2012, p. 137), ou seja, o Greenpeace atua “de forma colaborativa junto à sociedade
civil num esforço conjunto entre técnicos, especialistas e „cidadãos comuns‟, e, muitas vezes,
com depoimentos de testemunhas que presenciaram as agressões ambientais” (MORIGI;
KREBS, 2012, p. 137), mas primando sempre pela veracidade das informações divulgadas.
No segundo nível estão, por exemplo, os professores e líderes comunitários,
denominados Reeditores. Segundo os autores, essas pessoas possuem um reconhecimento
importante na sociedade, principalmente no âmbito onde atuam, são eles “que tem a
capacidade de negar, transformar, introduzir e criar sentidos frente a seu público, contribuindo
para modificar suas formas de pensar, sentir e atuar.” (TORO; WERNECK, 2007, p. 23) Para
os comunicadores voluntários que atuam na Pastoral da Criança, esse nível é o mais
importante. São produzidas para eles, mensagens condizentes e mobilizadoras, uma vez que
“o conteúdo das informações precisa ser exato para garantir os resultados esperados.”
(RABELO; SUZINA, 2005a, p. 87) Além do “investimento nos três níveis de comunicação,
de massa, macro e micro, com veículos distintos, conteúdos e sentidos específicos.”
(RABELO; SUZINA, 2005a, p. 84) Condizente a isso, no terceiro nível elaborado por Toro e
Werneck (2007) há o profissional da comunicação, o Editor, que se relaciona com os públicos
do projeto e principalmente com os Reeditores.
24
Como estruturar as mensagens, que códigos são necessários para que a mensagem
seja compreendida e absorvida pelo Reeditor e para que ele possa convertê-la em
uma forma de sentir, de atuar e de decidir em função do imaginário? Essas são as
perguntas às quais o Editor deve dar respostas. É evidente que quanto melhor o seu
conhecimento sobre o campo de atuação do Reeditor, maiores as possibilidades de
êxito no seu trabalho. (TORO; WERNECK, 2007, p. 24)
A “comunicação bem planejada é aquela que possibilita a criação, a manutenção ou o
fortalecimento dos vínculos, já que o enfraquecimento dos mesmos, embora sempre possa
acontecer, nunca é desejável.” (HENRIQUES; BRAGA; MAFRA, 2004, p. 45) Ou seja, a
partir de seus conhecimentos, o profissional da comunicação atua diretamente na ação de
transformar o público-alvo em sujeito mobilizado pela ação, participando do projeto,
tornando-o conhecido através dos meios de comunicação.
1.5 A influência dos meios de comunicação nas mobilizações sociais
O planejamento comunicacional voltado a projetos mobilizadores tem como um dos
objetivos tornar as ideias e propostas do grupo, públicas a toda a sociedade. Para tanto,
“passam a programar estratégias comunicativas, tanto para „chamar‟ a atenção da mídia de
massa, quanto para convocar públicos específicos.” (MAFRA, 2006, p. 16) Os grupos
mobilizadores se transformaram a partir do desenvolvimento dos media no século XX,
ficando mais evidentes, “transformando sua configuração e dinâmica da mobilização”.
(BRAGA; SILVA; MAFRA, 2004, p. 61) No Brasil, por exemplo, a televisão “teve o seu
início em setembro de 1950 com a inauguração da TV Tupi de São Paulo, fundada por Assis
Chateaubriand.” (TAHARA, 1998, p. 38) De acordo com Matos (2009) “quando surgiu a
televisão, havia uma expectativa de que o novo meio propiciaria o crescimento do
engajamento cívico e da consciência política dos cidadãos.” (p. 133) Todos poderiam
testemunhar as decisões políticas, por exemplo. Dessa forma os meios de massa como um
todo assumiram uma responsabilidade estrutural nos projetos mobilizadores, evitando
principalmente as ações individuais, de pouca representatividade.
25
Aí podemos identificar o papel da mídia. Tornando públicas as suas causas e as
suas ações, procuram com isso reforçar sua potência cívica, para colocarem-se
como legítimos interlocutores ou mesmo para ganharem simpatia para a causa.
Diante desse novo cenário, torna-se evidente que a questão da imagem assume
posição central para os processos de mobilização. (HENRIQUES, 2005b, p. 9)
Antes do surgimento dos meios de comunicação, as interações se davam apenas no
âmbito presencial, sendo que, com o advento da imprensa e posteriormente o da mídia
eletrônica, houve a possibilidade de ampliar esse contexto, sob um viés espacial e temporal. É
a interação através da publicidade mediada, segundo Braga, Silva e Mafra. (2004, p. 71) A
televisão, por exemplo, “é o veículo, seja por força das suas próprias virtudes técnicas,
artísticas, comerciais e sociais (...) que tem todas as condições para assumir uma posição de
proeminência.” (SANT‟ANNA, 1998, p. 219) Dessa forma, os grupos mobilizadores
transformaram as lutas políticas em lutas por visibilidade devido ao fato de que os meios de
massa atingem diferentes públicos, ampliando o raio de atuação do projeto, evidenciando
então “a importância social dos meios de comunicação, uma vez que, dependendo da situação,
podem servir como espécie de arena pública, na qual circulam questões que orientam a vida
coletiva.” (MAFRA, 2006, p. 28) Por esse motivo, ações coletivas com o objetivo de “chamar
a atenção” se tornam cada vez mais frequentes, em busca da ocupação de um espaço na
agenda dos meios de comunicação. Essa característica das mobilizações sociais é bem visível
na organização Greenpeace, uma vez que as ações planejadas pelo movimento são bastante
espetacularizadas, com o objetivo de chamar a atenção da mídia. Quando militantes
ambientais se colocam na frente de tratores destinados ao desmatamento, as causas defendidas
são vistas, interiorizadas, ampliadas e potencializadas mais fácil e rapidamente, com a ajuda
dos meios de comunicação.
Para a Pastoral da Criança,
A presença da mídia dá legitimidade e visibilidade à mobilização, reforça a
participação do voluntário, das famílias acompanhadas, e ajuda a sensibilizar a
população para as questões da infância e adolescência, propondo uma agenda social
sobre esse tema. Além disso, internamente, reforça a dimensão e a importância do
trabalho junto aos próprios voluntários que, pelas informações, conseguem perceber
que o trabalho localizado que fazem se soma ao de outros e gera grandes resultados.
(RABELO; SUZINA, 2005a, p. 84)
26
Através da Rede de Comunicadores Voluntários, a Pastoral da Criança atinge em
nível macro os diversos públicos principalmente através de Relatórios de Situação de
Abrangência e do Jornal da Pastoral da Criança. Dessa forma a mensagem contribui para
estimular e fortalecer a participação dos indivíduos. O Relatório é uma das responsabilidades
dos comunicadores voluntários, que tornam o material publicizável, através da
contextualização nas diferentes regiões do país. Com o objetivo de socializar as ações do
projeto, o jornal bimestral, tem 70% do espaço ocupado pelas “notícias das comunidades, com
informações enviadas pelas próprias lideranças locais.” (RABELO; SUZINA, 2005a, p. 86)
As autoras acrescentam que “nesse nível macro, também estão os materiais institucionais,
educativos e didáticos, utilizados pelos assessores, coordenadores e líderes comunitários.”
(RABELO; SUZINA, 2005a, p. 86) Outra estratégia da associação é o programa radiofônico
Viva a Vida, transmitido por mais de 1700 emissores por todo o Brasil, com duração de 15
minutos e em duas versões, uma para a região Sul e outra para as regiões Norte e Nordeste.
Há ainda a Assessoria de Comunicação e Mobilização Social, que tem como objetivo
“mobilizar a sociedade e promover a cultura da esperança.” (RABELO; SUZINA, 2005a, p.
92) No Greenpeace é organizada uma revista trimestral, exclusiva aos associados, que traz as
principais notícias divulgadas no período, além de divulgações das ações em rádio, televisão,
mídia impressa e nos produtos da loja Greenpeace. E também “vale ressaltar que a mídia
institucional, em geral, não colabora com a divulgação das causas dos ativistas. Os espaços
que estes usam dentro dos meios comerciais são todos pagos.” (MORIGI; KREBS, 2012, p.
140)
Essa atitude do Greenpeace se aproxima do que Henriques (2006) atenta: é preciso
levar em consideração que os meios de comunicação possuem seus próprios interesses. A
Rede Globo de Televisão é a maior financiadora da Pastoral da Criança, por exemplo, através
do Criança Esperança, desenvolvido em parceria com a Unesco. Em outras palavras, “com
suas regras discursivas peculiares, não apenas garante a publicidade e visibilidade, mas ao
realizar a mediação, ela organiza o mundo a seu modo próprio.” (MAFRA, 2006, p. 39) Ela
interfere e participa do processo comunicacional, possuindo recursos para editar as
informações e manipular a opinião pública.
27
A mídia tem uma capacidade limitada de transmitir uma imagem completa dos
fatos. Contudo, seu sistema de funcionamento muitas vezes permanece invisível ao
sujeito, o que pode levá-lo a acreditar que a mídia destaca o mundo “como ele é”.
(MAFRA, 2006, p. 47)
Segundo o autor e diretor de Projetos Especiais da Central Globo de Comunicação,
Luiz Lobo, a emissora tem consciência sobre sua responsabilidade social, sendo que “os
projetos orientados para melhorar a qualidade de vida das comunidades são, hoje, o terceiro
maior componente da programação, depois do entretenimento e do jornalismo.” (LOBO,
1996, p. 75) Segundo ele, assuntos como prevenção à Aids e o aleitamento materno são
tratados já há muito tempo no interior das novelas, no que ele define como merchandising
social. A questão do planejamento familiar, por exemplo, foi tratada de maneira bem
subjetiva: “nenhum casal bem sucedido, em novela da Globo, tinha mais de dois filhos e os
casais que tinham muitos filhos eram, geralmente, aqueles que tinham muitos problemas a
resolver.” (LOBO, 1996, p. 77) Por mais que a promoção de mudanças de comportamento
seja a tarefa mais difícil da comunicação, a televisão possui uma credibilidade muito alta e
uma forte influência sobre os hábitos dos indivíduos.
O projeto Vida Urgente, por exemplo, criado pela Fundação Thiago de Moraes
Gonzaga (FTMG) em 1996 com o objetivo de exigir “leis mais rígidas e específicas para o
trânsito” (RODRIGUES, 2012, p. 40) e conscientizar a sociedade quanto aos perigos de
dirigir alcoolizado, alcançou uma repercussão nacional e um crescimento do voluntariado
principalmente com a ajuda da comunicação: “entre os parceiros midiáticos encontram-se,
Correio do Povo, Zero Hora, (...) revistas, rádios – AM e FM e as emissoras de televisão
RBS, Record, Band, TVE.” (RODRIGUES, 2012, p. 41) Além da colaboração voluntária da
agência de publicidade e propaganda experimental da PUCRS, “que planeja e produz os
materiais (folders, banners, cartazes, bandeiras, panfletos, tatuagens auto colantes, adesivos)
para a fundação.” (RODRIGUES, 2012, p. 41)
Mas a mobilização efetiva precisa acontecer de maneira gradual, envolvendo os
públicos em um processo de criação e compartilhamento de valores e princípios. As notícias
veiculadas pelos meios de comunicação são facilmente esquecidas, impedindo a criação de
um valor coletivo e mobilizador. A novidade divulgada pode causar comoção pública, mas
nunca uma verdadeira transformação da realidade. E mais: “a tendência é que as ações
provocadas a partir desse „tiro inicial‟ não tenham tanta continuidade, a não ser dentro dos
28
segmentos diretamente envolvidos na situação.” (BRAGA; SILVA; MAFRA, 2004, p. 73)
Apesar dos meios terem se tornado uma peça chave para a vida cívica atual, além de um
desafio e necessidade para todos os projetos de mobilização, eles não conseguem abordar toda
a complexidade da vida em sociedade. A televisão, por exemplo, mais de meio século depois
do seu surgimento, “passou a ser vista como causa do declínio da vida pública e da coesão
social.” (MATOS, 2009, p. 133) Ou seja, os meios de massa geram visibilidade, mas também
têm seus limites e contradições, o que leva a uma busca por outros espaços comunicativos que
assumam um caráter mais dialógico, formando redes de conversação e ação, condizentes com
os objetivos mobilizadores.
A publicidade midiática não tem por si mesma um caráter dialógico, já que os
produtores e receptores de formas simbólicas mediadas, em geral, não estabelecem
uma relação num mesmo grau de reciprocidade e não se encontram em uma
totalidade simultânea no ato comunicativo. (BRAGA; SILVA; MAFRA, 2004, p.
72)
Não é apenas através da difusão de informações que a mobilização acontece, mas sim
a partir de uma comunicação dirigida e orientada para o relacionamento com os receptores,
envolvendo valores e significados comuns: “por buscar a efetividade, a mobilização social
deve dar atenção especial a uma comunicação de menor cobertura, mas de maior impacto.”
(HENRIQUES; BRAGA; SILVA; MAFRA, 2004, p. 19) Para que os sujeitos co-participantes
do projeto possam exercer a coletividade em busca de decisões partilhadas, é preciso que
existam canais desobstruídos, que permitam autonomia. Em outras palavras, “da ideia de que
é preciso falar para convencer deve-se passar para a noção de que é preciso falar e será o
público que formará a sua própria ideia.” (BRAGA; SILVA; MAFRA, 2004, p. 74) A mídia
de massa oferece visibilidade às ideias do projeto, mas é a partir de outros meios que se tem a
verdadeira mobilização dos públicos, avalia Mafra (2006, p. 48), que acrescenta:
Podemos inferir que ações estratégicas planejadas por projetos de mobilização
social podem direcionar-se para cinco possíveis espaços de visibilidade pública: o
midiático massivo, o midiático massivo local, o dirigido, o presencial e o
telemático. (MAFRA, 2006, p. 49)
29
Este último assume uma relevância nesta pesquisa por abordar, segundo Mafra (2006),
o “espaço de visibilidade telemático” (p. 50), o ciberespaço. Ele permite a mobilização das
pessoas a partir de dispositivos tecnológicos, “que podem fomentá-la com incrível
velocidade” ou mesmo, “obscurecer (ou até prejudicar) o fenômeno mais lento de
incorporação e manutenção dos valores que a sustentam.” (HENRIQUES; BRAGA; MAFRA,
2004, p. 49) A Pastoral da Criança, por exemplo, possui uma infra-estrutura informatizada
que permite o “acompanhamento e apoio às atividades desenvolvidas mesmo à distância”
(RABELO; SUZINA, 2005a, p. 79), possibilitando a troca de informações e de novos
conhecimentos entre as regiões e os diversos voluntários, estimulando-os uma vez que
valoriza o trabalho desenvolvido pelo indivíduo e pelo grupo. Além do site da Rede Brasileira
de Informação e Documentação sobre a Infância e Adolescência (www.rebidia.org.br), criado
para reunir todas as informações produzidas pela própria Pastoral acerca da situação da
infância no país.
A Pastoral da Criança privilegia o gerenciamento constante das ações; a
divulgação de seus balanços e dos resultados obtidos. Tais informações estão
disponibilizadas, por exemplo, no site da entidade. Essa política reforça a
credibilidade da proposta junto à opinião pública e rende novos parceiros.
(RABELO; SUZINA, 2005a, p. 83)
O Greenpeace é caracterizado principalmente por abranger diferentes âmbitos: local,
regional, nacional e até internacional. No entanto, a coordenação e interligação entre as
lideranças só se faz possível a partir do ciberespaço, através das trocas de e-mails entre os
participantes. Além disso, a organização “tem uma presença significativa na Internet (website,
Youtube, Twitter, blog, Facebook, Flickr (...))” (MORIGI; KREBS, 2012, p. 140) e
newsletter, através da qual são divulgadas informações de cunho ambiental para a imprensa e
cidadãos, além dos relatórios anuais das ações já desenvolvidas.
Ou seja, os grupos mobilizadores, quando auxiliados por profissionais da
comunicação, procuram utilizar as mídias tradicionais – TV, rádio – para adquirir visibilidade
e notabilidade na sociedade. Entretanto, eles também almejam ocupar um espaço mais
adequado à reunião de pessoas dispostas a discutir e debater questões que influenciam o bem
coletivo, através de uma comunicação mais dialógica e interativa. Em outras palavras,
objetivam informar e divulgar as propostas, mas acima de tudo desejam convidar para o
30
grupo, agregar mais participantes responsáveis e engajados nas causas defendidas. O objetivo
é mobilizar e o ciberespaço é o cenário escolhido para isso. Se anteriormente as mobilizações
sociais aconteciam em ruas e praças públicas, com indivíduos munidos de megafones e caras
pintadas, hoje isso tudo acontece em grande parte no interior do ciberespaço, situação que
deve ser analisada de maneira criteriosa, a fim de descobrir de que forma a Internet pode
realmente ser uma mídia com poder cultural e social, capaz de empoderar indivíduos,
contribuindo assim com as mobilizações sociais atuais.
31
2 CIBERESPAÇO: CONTEXTO E POTENCIAL DE MOBILIZAÇÃO
2.1 O ciberespaço: um novo cenário para as mobilizações sociais
Uma das intenções pretendidas, nos anos 1980, por grupos como o Greenpeace,
envolvendo ações radicais que podiam se basear em abordagens de pequenos barcos contra
grandes navios baleeiros, era provocar alarde e presença em redes de televisão, revistas e
jornais pelo mundo. A ação específica mudava muito pouco o curso da história, mas os
ativistas entendiam que essa era uma forma de mobilizar as pessoas, de entrar em suas vidas
através de canais de comunicação que faziam parte do seu cotidiano. O trabalho que pretendia
fazer com que o público se conscientizasse sobre os temas ambientais, depois desse choque
visual, se tornava mais fácil e já havia, de alguma forma, uma noção diferente sobre a
realidade. Era, portanto, mais simples mobilizar pessoas e grupos depois de fazer com que as
imagens marcantes tivessem entrado no imaginário da sociedade. A realidade das crianças no
Brasil também não foi alterada graças à divulgação em massa das ações da Pastoral da
Criança, mas a Rede de Comunicadores Solidários à Criança conseguiu promover uma
empatia da sociedade com as causas defendidas. A partir disso, grupos de pessoas e empresas
privadas passaram a garantir a viabilidade financeira do projeto, por exemplo.
Percebe-se que a comunicação faz parte da história da humanidade e das mobilizações
sociais, começando pelo impresso a partir da invenção de Gutenberg, o telefone e a
possibilidade de comunicação instantânea e a transmissão de informações em massa através
do surgimento do rádio e posteriormente da televisão. E, através de inovações tecnológicas,
desenvolveu-se o ciberespaço, um espaço caracterizado por viabilizar uma comunicação de
todos para todos os sujeitos através de dispositivos tecnológicos, os computadores e as redes.
Estas características estão naturalizadas nos indivíduos da última geração, na qual me incluo,
já que nascemos e crescemos mergulhados no ciberespaço. O estranhamento inicial para o
desenvolvimento desta pesquisa surge a partir de Margaret Wertheim (2001), que estuda as
transformações e o surgimento de diferentes espaços, “adentrados” pelos seres humanos no
decorrer de toda a história. Para ela, o ciberespaço se revela como uma espécie de espaço
eletrônico da mente. Ou seja,
32
Quando “vou” ao ciberespaço, meu corpo permanece em repouso na minha cadeira,
mas algum aspecto de mim “viaja” para outra esfera. Não quero sugerir com isto
que deixo meu corpo para trás. Pessoalmente, não acredito que mente e corpo
possam se separar – seja durante a vida ou após a morte. O que estou sugerindo é
que, quando estou interagindo no ciberespaço, minha “posição” não pode mais ser
fixada puramente por coordenadas no espaço físico. (...) Quando estou on-line, a
questão de “onde” estou não pode ser plenamente respondida em termos físicos.
(WERTHEIM, 2001, p. 30)
O ciberespaço pode ser considerado, segundo Wertheim (2001), como “um subproduto
tecnológico da física” (p. 167), mas está além de um espaço físico comum, quantificável. Na
verdade, é um espaço ainda pouco compreendido, que “formou-se, a partir do nada, em pouco
mais de um quarto de século, o que faz dele o „território‟ de mais rápido crescimento da
história.” (WERTHEIM, 2001, p. 167) O ciberespaço é como o espaço literário, estudado
pelos teóricos da literatura, afinal “o fato de algo não ser material não significa que é irreal,
como a tão citada distinção entre „ciberespaço‟ e „espaço real‟ implica.” (WERTHEIM, 2001,
p. 169) E essa dualidade espacial não é tão recente, afinal algo muito parecido foi vivenciado
na década de 1950 com a expansão da televisão. Em uma “alucinação consensual”, segundo
Wertheim (2001), foi criado outro plano “habitado” pelos seres humanos, que assistiam e
interagiam de alguma forma com as informações e personagens dos programas televisivos. A
partir disso “preparamos o caminho para o novo dualismo do ciberespaço.” (WERTHEIM,
2001, p. 179)
Pierre Lévy, no ano de 1999, definiu o ciberespaço como um novo meio com
potencialidade para se tornar o principal canal de comunicação da humanidade, através da
“digitalização geral das informações” (1999, p. 93). Ele entendia o ciberespaço como uma
nova fronteira que deveria ser explorada imediatamente pela humanidade. Um canal de
comunicação diferente dos outros meios, principalmente por ser coletivo e interativo,
permitindo e incentivando as conexões sociais. Em outras palavras, a infra-estrutura e a
técnica existentes no ciberespaço não condicionariam a recepção das informações e o
relacionamento entre os sujeitos, pois todos participariam ativamente do processo de
comunicação. Para Lemos (2004), “mais do que um fenômeno técnico, o ciberespaço é um
fenômeno social.” (p. 138) No ciberespaço é permitido que cada usuário adicione, retire e
modifique partes, interagindo com a estrutura, em uma espécie de “hipertexto mundial
interativo” (LEMOS, 2004, p. 123), um espaço que se localiza na dimensão do não-lugar,
assumindo as características de “aterritorialidade, imaterialidade, instantaneidade e
33
interatividade”. (LEMOS, 2004, p. 126) Ou seja, “estamos testemunhando o nascimento de
um novo domínio, um novo espaço que simplesmente não existia antes.” (WERTHEIM,
2001, p. 163) Um espaço que ocupa cada vez mais a vida das pessoas, devido principalmente
a facilidade de comunicação independente da distância espacial. Mas a comunicação no
ciberespaço só é potencializada a partir do surgimento da grande rede planetária: a Internet.
Através dela, “pela primeira vez, o homem pode trocar informações, sob as mais diversas
formas, de maneira instantânea e planetária.” (LEMOS, 2004, p. 116)
Formada por um conjunto de redes planetárias de base telemática, a Internet surgiu em
1969, com o objetivo de assegurar e dividir informações vitais entre os responsáveis pelo
departamento de defesa dos EUA durante a Guerra Fria, a rede Arpanet.
Em outubro de 1969, técnicos da firma Bolt Beranek and Newman, sediada em
Boston, conectaram, através de linhas telefônicas especialmente instaladas, dois
computadores separados por centenas de quilômetros, um na UCLA e o outro no
Stanford Research Institute. No final do ano, dois outros nós haviam sido
acrescentados a essa rede nascente – a Universidade da Califórnia em Santa
Barbara e a Universidade de Utah – compondo uma rede de quatro sites.
(WERTHEIM, 2001, p. 164)
Ou seja, a Internet forma uma rede de sujeitos que se comunicam a partir de uma rede
tecnológica, “conectadas por redes telefônicas, satélites, microondas, cabos coaxiais e fibras
óticas.” (LEMOS, 2004, p. 118) Mas, como a Arpanet era uma rede exclusiva da ARPA,
cientistas da computação começaram a desenvolver uma rede civil própria, desencadeando em
1980 o chamado Internet Protocol, “um conjunto padronizado de procedimentos que
permitissem a todas as redes trocar informação entre si.” (WERTHEIM, 2001, p. 165)
Entretanto, segundo a autora, ainda neste ano “poucas pessoas fora da área militar e do campo
acadêmico da ciência dos computadores tinham algum acesso à rede, e poucos americanos
tinham sequer o conhecimento da existência do ciberespaço.” (WERTHEIM, 2001, p. 165)
Apenas em 1985, a NSFNET, “uma série de redes regionais ligando universidades por todo o
país” (WERTHEIM, 2001, p. 165) instituiu o que logo seria a Internet, caracterizada
efetivamente como uma grande rede comunicacional, gratuita e abrangente, que hoje é vista
com otimismo pela maioria dos projetos mobilizadores que buscam um contato mais
interativo e dialógico com seus receptores, diferentemente da comunicação massiva exercida
através das mídias tradicionais.
34
O ciberespaço se transforma então em um meio capaz de “colocar o poder de emissão
nas mãos de uma cultura jovem, tribal, gregária, que vai produzir informação, agregar ruídos
e colagens, jogar excesso ao sistema.” (LEMOS, 2004, p. 87) Segundo Wertheim (2001)
“cada dia, milhares de novos nós ou „sites‟ são acrescentados à Internet e outras redes
afiliadas, e com cada novo nó o domínio total do ciberespaço aumenta.” (p. 163) No entanto,
um dos obstáculos do ciberespaço seria a era comercial da Internet, em que apenas as classes
mais altas da sociedade teriam acesso ao ciberespaço, dificultando “o desenvolvimento de
novas formas de comunicação transversais, interativas e cooperativas” (LÉVY, 1999, p. 12).
Mas, segundo Lévy (1999), os serviços gratuitos acabaram crescendo mais rapidamente que
os pagos, advindos principalmente “das universidades, dos órgãos públicos, das associações
sem fins lucrativos, dos indivíduos, de grupos de interesse diversos e das próprias empresas.”
(LÉVY, 1999, p. 13) A Internet começou a ser vista como um espaço propício para o
compartilhamento de informações, dados, pesquisas e conhecimentos entre conceituadas
universidades e a sociedade, por exemplo. Ou seja, a Internet sofreu ao longo dos anos uma
apropriação social, descentralizada do poder técnico, industrial e dos grandes meios de
comunicação. Segundo Wertheim (2001), “fosse qual fosse a visão dos fundadores da
Internet, o ciberespaço rompeu há muito tempo seu casulo acadêmico.” (p. 166)
Lucia Santaella definiu o ciberespaço como “o universo virtual das redes”, que
“alastrou-se exponencialmente por todo o planeta fazendo emergir um universo paralelo ao
universo físico no qual nosso corpo se move.” (SANTAELLA, 2004, p. 39) Segundo ela, o
ciberespaço pode ser definido como uma rede global estruturada por computadores, onde
dados e informações são produzidos e compartilhados por humanos. Essa rede global é antes
de técnica, social, “constituindo-se como uma rede de redes não só de máquinas, mas também
de pessoas.” (LEMOS, 2004, p. 142) Mas o social se dá de outra forma nesse espaço,
exemplificado por Lemos (2004) através da metáfora da ponte e da porta: “indivíduos
isolados em seus quartos, com a porta bem fechada, buscam, ao mesmo tempo, individualizar
e socializar, fazendo pontes e fechando portas na sua relação com o outro e o mundo”
(LEMOS, 2004, p. 141), em referência à virtualidade do ciberespaço e sua contínua conexão
com a realidade concreta dos sujeitos no mundo “real”. Ambiguidade relevante para o estudo
do ciberespaço e seu possível potencial mobilizador, uma vez que os grupos visam mobilizar
os sujeitos conectados em rede a assumir responsabilidades “reais”.
Além dos aspectos sociais, o ciberespaço também assume uma responsabilidade
informativa e educativa. Para Santaella (2004), o “ciberespaço, é um espaço feito de circuitos
35
informacionais navegáveis” (p. 45), um espaço aberto a todos os sujeitos conectados na rede
que possibilita a formação de um canal de comunicação interativo e comunitário, ideal para o
surgimento do que Lévy define por inteligência coletiva.
Para Pierre Lévy, as novas tecnologias do ciberespaço podem, verdadeiramente,
ajudar a criar a circulação do saber, circulação esta que forma o que ele chama de
inteligência coletiva. Partindo da análise antropológica do espaço, Lévy mostra que
depois da terra (espaço do mito e do rito, marcado por uma ligação completa do
homem ao cosmos), do território (fruto da revolução neolítica, onde surge a
agricultura, as primeiras cidades, a escrita e o Estado), do mercado (espaço do
trabalho e da velocidade, instaurado no século XVI com as conquistas marítimas e
a globalização dos mercados com os fluxos de matéria-prima, de mão-de-obra e de
capital), o ciberespaço seria o formador de um quarto espaço, um espaço do saber.
(LEMOS, 2004, p. 135)
Este espaço do saber surgiria, segundo Lemos (2004), a partir dos laços comunitários
existentes no ciberespaço entre os diferentes usuários, constantemente preocupados em
pluralizar discussões, compartilhar conhecimentos e competências, desenvolvendo um saber
coletivizado. Segundo Wertheim, a Internet contribui com a sociedade “ao pôr em foco o fato
de que estamos todos ligados numa teia de eus inter-relacionados e fluidos” (2001, p. 184),
afinal, é a partir do crescimento do ciberespaço planetário, que valores, práticas, atitudes e
técnicas se desenvolvem em conjunto, em comunidades. Para Castells (2003), “se alguma
coisa pode ser dita, é que a Internet parece ter um efeito positivo sobre a interação social, e
tende a aumentar a exposição a outras fontes de informação.” (p. 102) Lévy resume o
ciberespaço da seguinte maneira:
O ciberespaço (que também chamarei de “rede”) é o novo meio de comunicação
que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não
apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo
oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que
navegam e alimentam esse universo. (LÉVY, 1999, p. 17)
Wertheim contribui afirmando que o ciberespaço é “muito mais que um mero espaço
de dados” (2001, p. 170), despontando atualmente como um novo cenário para os grupos
mobilizadores a partir da busca por uma comunicação informativa e principalmente mais
36
próxima com os públicos; de menor alcance, mas de maior impacto mobilizador. No entanto,
apesar de ser identificado inicialmente como um meio mais flexível e autônomo, que permite
o diálogo e a participação, ele precisa ser analisado sob uma perspectiva crítica. O
ciberespaço é em primeira instância um aparato técnico que possui seus limites e benefícios à
estruturação da sociedade e consequentemente para a viabilidade dos projetos de mobilização
social. Sob essa perspectiva, é preciso avaliar em primeiro lugar o ciberespaço como um meio
de comunicação que possibilita, assim como as mídias tradicionais, o fluxo, a troca e o
armazenamento da informação.
2.2 A comunicação no ciberespaço: o trânsito da informação
A comunicação característica das novas tecnologias do ciberespaço é aquela que faz a
informação transitar idealmente de todos para todos os sujeitos, em um processo
compartilhado. A partir de 1975 há “a passagem do mass media (cujos símbolos são a TV, o
rádio, a imprensa, o cinema) para formas individualizadas de produção, difusão e estoque de
informação” (LEMOS, 2004, p. 68), ou seja, a informação não é apenas recebida pelo grande
público, no ciberespaço ela pode ser produzida e compartilhada entre todos os atores. Com o
telefone, por exemplo, não era possível escolher falar apenas com os torcedores do mesmo
time de futebol ou com pessoas que gostam de comer massa. Até mesmo com o surgimento
da televisão a única interação possível era a escolha entre diferentes canais: “o zapping é
assim um antecessor da navegação contemporânea na World Wide Web (WWW ou Web)”,
completa Lemos (2004, p. 113). Ou seja, “as audiências deixam de ser entidades nebulosas e
inatingíveis para se transformarem, ao menos parcialmente, em leitores, telespectadores ou
rádio-ouvintes com nomes, inquietudes e sobrenomes muito concretos.” (DELARBRE, 2012,
p. 185) Na evolução da comunicação há “a passagem do modelo informal da comunicação
para o modelo da comunicação de massa e deste para o atual modelo de redes de comunicação
informatizadas.” (LEMOS, 2004, p. 79) A primeira, rodeada de mitos, símbolos e religiões, é
a da linguagem, da fala. É o primeiro tipo de comunicação que institui nos sujeitos o
sentimento de pertencimento a uma comunidade. A comunicação massiva, simbolizada pela
televisão, é aquela automática e prioritariamente discursiva: “a comunicação de massa não
constitui uma comunidade, antes dirige-se às diversas comunidades do espaço público (a
massa).” (LEMOS, 2004, p. 79) Por último, segundo o mesmo autor, há
37
O modelo informatizado, cujo exemplo é o ciberespaço, é aquele onde a forma do
rizoma (redes digitais) se constitui numa estrutura comunicativa de livre circulação
de mensagens, agora não mais editada por um centro, mas disseminada de forma
transversal e vertical, aleatória e associativa. A nova racionalidade dos sistemas
informatizados age sobre um homem que não mais recebe informações homogêneas
de um centro “editor-coletor-distribuidor”, mas de forma caótica, multidirecional,
entrópica, coletiva e, ao mesmo tempo, personalizada. (LEMOS, 2004, p. 79)
No ciberespaço há uma comunicação dialógica, mais personalizada, que privilegia
trocas recíprocas e comunitárias entre os sujeitos, e não apenas a comunicação unidirecional e
isolada praticada pelas mídias denominadas como tradicionais ou clássicas, que são alvos de
críticas por diversos autores, entre eles Lévy (1999). Ele as considera como “instrumentos de
manipulação e de desinformação muito mais eficazes do que a Internet, já que podem impor
„uma‟ visão da realidade e proibir a resposta, a crítica e o confronto.” (LÉVY, 1999, p. 230)
Mas, ele acrescenta: “é muito raro que um novo modo de comunicação ou de expressão
suplante completamente os anteriores” (p. 212), sendo as novas tecnologias de comunicação
apenas uma alternativa aos sujeitos, no caso aos grupos mobilizadores, que além de objetivar
a divulgação de suas propostas, pretendem conquistar novos participantes. Como no caso da
Pastoral da Criança, em que o uso do ciberespaço permite o “acompanhamento e apoio às
atividades desenvolvidas mesmo à distância” (RABELO; SUZINA, 2005a, p. 79), facilitando
a troca de informações e de novos conhecimentos entre os voluntários, notabilizando o projeto
perante a sociedade e mobilizando mais sujeitos em benefício das crianças brasileiras. Na
Internet a própria noção de público é alterada, já que permite uma comunicação mais
participativa, com debates coletivos que não são viáveis através dos outros meios de
comunicação. Para o Greenpeace, as informações que transitam no ciberespaço são
imprescindíveis frente à intenção mobilizadora do grupo, que visa mudar o comportamento
dos sujeitos em relação ao meio ambiente. Elas incentivam a construção de um novo
conhecimento sobre o tema, tornando visíveis as causas ambientais e as empresas
ambientalmente irresponsáveis, “possibilitando através da prática e da acessibilidade das
informações, a mobilização e a construção de redes sociais preocupadas com as questões
ecológicas.” (MORIGI; KREBS, 2012, p. 134) Portanto,
38
Sem ter alcançado a propagação que têm a televisão e o rádio entre as maiorias da
nossa sociedade e possivelmente sem ter ainda a influência que a imprensa escrita
mantém no intercâmbio e, ocasionalmente, na deliberação diante das elites, a
Internet pode ser reconhecida como meio de comunicação com características
específicas. (DELARBRE, 2012, p. 169)
O autor ainda analisa que os meios de comunicação de massa transformaram os
cidadãos em verdadeiros consumidores, uma vez que obedecem interesses de cunho
mercantil, corporativo, político e ideológico. A Internet, no entanto, “foi incorporada ao
elenco midiático, mas com diferenças substanciais com relação àquelas vias de comunicação
convencionais” (DELARBRE, 2012, p. 171), ela não possui um centro único. É relevante
também a percepção de que “a tecnologia digital possibilita ao usuário interagir, não mais
apenas com o objeto (a máquina ou a ferramenta), mas com a informação, isto é, com o
conteúdo.” (LEMOS, 2004, p. 114) É uma comunicação mais comunitária, coletiva e
abrangente. Todos os sujeitos participam da produção e compartilhamento de uma pluralidade
de informações, que também alcançam o mundo off-line, segundo Recuero (2010). Mas,
afinal
Como o desenvolvimento do ciberespaço afeta o urbano e a organização dos
territórios? Que procedimento ativo, positivo, que tipos de projetos podem ser
desenvolvidos para explorar da melhor forma possível os novos instrumentos de
comunicação? Esses problemas não interessam somente aos políticos, urbanistas e
planejadores do território: dizem respeito principalmente aos cidadãos. (LÉVY,
1999, p. 185)
Quando os cidadãos assumem a responsabilidade pelos problemas sociais o
ciberespaço funciona como um instrumento para divulgar informações dos projetos
mobilizadores, notabilizando-os, mas também promove uma conexão entre os sujeitos
participantes. Ou seja, “podemos dizer que a dinâmica social atual do ciberespaço nada mais é
que esse desejo de conexão se realizando de forma planetária.” (LEMOS, 2004, p. 71) No
ciberespaço a circulação de informações não obedece mais a hierarquia do um para todos,
nele há a comunicação efetiva entre emissores e receptores, que podem ser até milhões de
pessoas, conectadas em rede. Delarbre afirma que “para muitos desses internautas, a rede é
hoje parte de suas experiências cotidianas e nela dispõem de novas opções para estabelecer,
expandir e/ou diversificar seus vínculos sociais.” (2012, p. 167) É um novo espaço de
39
comunicação promissor e, segundo Lévy (1999): “cabe apenas a nós explorar as
potencialidades mais positivas deste espaço nos planos econômicos, político, cultural e
humano.” (p. 11)
Potencial que para ser aproveitado pelos projetos de mobilização social deve ser
compreendido por todos os sujeitos envolvidos, já que esses precisam participar ativamente
dos processos de inteligência coletiva desenvolvidos no ciberespaço. Não basta ter o
conhecimento das técnicas das novas tecnologias de comunicação, do acesso à Internet
somente, isso não gera mobilizações efetivas e com possibilidades de extensão ao mundo off-
line. Em outras palavras, “os movimentos sociais têm processado a importância da (...)
Internet, o que implica não só ser usuários, mas também aprofundar o entendimento de suas
lógicas para poder tirar um proveito maior.” (VALDERRAMA, 2012, p. 206) O ciberespaço
deve “servir prioritariamente para valorizar a cultura, as competências, os recursos e os
projetos locais, para ajudar as pessoas a participar de coletivos de ajuda mútuo, de grupos de
aprendizagem cooperativa etc.” (LÉVY, 1999, p. 238) Nas palavras de Recuero (2010), “as
pessoas publicam informações não de forma aleatória, mas baseada na percepção de valor
contida na informação que será divulgada.” (p. 133)
Entretanto, por ser uma forma de comunicar mais descentralizada e universal, é
igualmente importante evitar ao máximo a mera circulação de informações quando o objetivo
é mobilizar sujeitos. Assim como tratado no primeiro capítulo, a comunicação precisa assumir
um “caráter relacional, que prevê os participantes do processo como „instituidores de
sentido‟” (MAFRA, 2006, p. 35), como co-participantes e responsáveis pelo projeto,
efetivamente, consideração que sugere a prática de uma comunicação interativa no
ciberespaço.
2.3 As Redes Sociais e o caráter interativo da comunicação
Além de informativo, o ciberespaço também promove a interação entre os atores
conectados em rede, ou seja, “a interatividade digital é um tipo de relação tecno-social”
(LEMOS, 2004, p. 114), que não leva em consideração apenas as mensagens ou o contexto
dos interagentes, mas também o “relacionamento que existe entre eles.” (PRIMO, 2008, p.
111) E essas interações acontecem mútua e dialogicamente, para Recuero (2010), possuindo
40
um impacto social sobre as relações entre os sujeitos que precisa ser compreendido. A
“comunicação, mais do que permitir aos indivíduos comunicar-se, amplificou a capacidade de
conexão, permitindo que redes fossem criadas e expressas nesses espaços: as redes sociais
mediadas pelo computador.” (RECUERO, 2010, p. 16) Ou seja, o ciberespaço se torna o
cenário para o surgimento de novas formas de socialização entre os indivíduos, através de
redes sociais diferentes daquelas concretizadas fora da Internet, o que atinge diretamente os
projetos mobilizadores. Antes a interação entre as pessoas era física e presencial,
cumprimentávamos e trocávamos experiências com outros indivíduos nas vias e espaços
públicos. Eram parâmetros tradicionais de localidade, parentesco e vizinhança segundo Costa
(2008). Com a configuração de mundo atual isso passa a acontecer também através da
Internet, o que influencia diretamente a forma com que os projetos de mobilização social
devem se comunicar com seus públicos, já que através desse novo meio de comunicação é
possível, além de informar, criar laços sociais: “digamos que, anteriormente, os indivíduos se
deslocavam de um lugar para o outro para interagir com sua rede pessoal, mas, atualmente,
eles vivem uma dinâmica de relação que salta de uma pessoa a outra numa rede virtual.”
(COSTA, 2008, p. 35) Segundo Manuel Castells (2003), “quando a web explodiu na década
de 1990, milhões de usuários levaram para a Net suas inovações sociais com a ajuda de um
conhecimento técnico limitado.” (p. 47) O autor enfatiza, principalmente, que a intenção
inicial já era pautada pela vontade de não usar a tecnologia pela tecnologia, simplesmente.
Reduzir a interação a aspectos meramente tecnológicos, em qualquer situação
interativa, é desprezar a complexidade do processo de interação mediada. É fechar
os olhos para o que há além do computador. Seria como tentar jogar futebol
olhando apenas para a bola, ou seja, é preciso que se estude não apenas a interação
com o computador, mas também a interação através da máquina. (PRIMO, 2011, p.
30)
A Internet configura uma espécie de transformação comunicacional, que segundo
Delarbre (2012) “vai do informacionismo à construção conjunta de sentidos.” (p. 207) O
Greenpeace, por exemplo, atua de uma forma diferente em relação aos anos 1980, a partir do
surgimento da Internet. Hoje suas ações podem ser divulgadas de maneira personalizada
através do envio de e-mails, que visam principalmente motivar os sujeitos a assinar petições
públicas on-line ou contribuir financeiramente com as ações desenvolvidas. Além de motivar
o surgimento de grupos de debate no ciberespaço acerca de temas ambientais. Ou seja, em
41
meio às novas tecnologias de comunicação há certa busca pela reinvenção da sociedade,
devido ao fato de que a Internet, “muitas vezes, constitui-se em uma via alternativa para o
envolvimento em grupos sociais.” (RECUERO, 2010, p. 52) Caracterizando-se como um
meio importante para a divulgação das propostas dos grupos mobilizadores, por exemplo, mas
principalmente para a interação com os públicos-alvo, já que “o termo „interatividade‟ em
geral ressalta a participação ativa do beneficiário de uma transação de informação” (LÉVY,
1999, p. 79), o que consequentemente colabora para o desenvolvimento de sentimentos como
a corresponsabilidade e o coletivismo entre os atores. A construção de sentidos no
ciberespaço redefine as práticas dos grupos mobilizadores, como as “rotinas de ação,
dinâmicas organizacionais, incorporação de hábitos, relação com o ambiente, relação com o
outro, práticas discursivas.” (VALDERRAMA, 2012, p. 207) Ou seja,
A comunicação digital apresenta-se como um processo comunicativo em rede e
interativo. Neste, a distinção entre emissor e receptor é substituída por uma
interação de fluxos informativos entre o internauta e as redes, resultante de uma
navegação única e individual que cria um rizomático processo comunicativo entre
arquiteturas informativas (...), conteúdos e pessoas. (DI FELICE, 2008, p. 44)
Quando os sujeitos se apropriam das novas ferramentas de comunicação, mediadas
pelo computador, as redes sociais existentes no ciberespaço passam a ser expressas através
dos Sites de Redes Sociais. Em outras palavras, “Sites de Redes Sociais são os espaços
utilizados para a expressão das redes sociais na Internet.” (RECUERO, 2010, p. 102) São
aqueles sites caracterizados por permitir a criação de um perfil público, que interage com as
páginas pessoais de outros sujeitos. A partir dessas ferramentas é possível visualizar as
relações e os laços sociais existentes no ciberespaço, como por exemplo, identificar aqueles
sujeitos mais engajados na defesa dos direitos da criança.
Embora os Sites de Redes Sociais atuem como suporte para as interações que
constituirão as redes sociais, eles não são, por si, redes sociais. Eles podem
apresentá-las, auxiliar a percebê-las, mas é importante salientar que são, em si,
apenas sistemas. São os atores sociais, que utilizam essas redes, que constituem
essas redes. (RECUERO, 2010, p. 103)
42
Esses Sites proporcionam o desenvolvimento de um capital social, que mede o
potencial de interação dos indivíduos, diferente daquele que conhecíamos no espaço off-line,
afinal hoje “a conectividade social não depende necessariamente da vinculação definitiva dos
indivíduos a rede sociais concretas e/ou virtuais” (MATOS, 2009, p. 151), mas sim do
relacionamento entre os sujeitos. Ou seja, “para que as redes sociais virtuais gerem capital
social é preciso, primeiro, concebê-las como espaços relacionais” (MATOS, 2009, p. 145),
através das “conexões construídas, mantidas e amplificadas no ciberespaço.” (RECUERO,
2010, p. 107)
É preciso compreender como os indivíduos se organizam para formar essas redes e
comunidades a partir do ciberespaço, afinal com uma maior conectividade surgem valores
diferentes daqueles criados no mundo off-line, como a maior visibilidade das ações e
informações divulgadas pelos sujeitos na Internet. Gera-se também uma reputação aos
usuários, que passam a ter um maior controle sobre as impressões dos outros no ciberespaço.
Outro aspecto é a popularidade, relacionada a audiência dos sujeitos nas redes: “trata-
se de um valor relativo à posição de um ator dentro de sua rede social.” (RECUERO, 2010, p.
111) O que se aproxima da definição utilizada no primeiro capítulo desta pesquisa acerca do
papel dos Reeditores nos projetos de mobilização social: pessoas que possuem um
reconhecimento importante na sociedade. Ou seja, “um nó mais centralizado na rede é mais
popular, porque há mais pessoas conectadas a ele e, por conseguinte, esse nó poderá ter uma
capacidade de influência mais forte” (RECUERO, 2010, p. 111) Essa influência também é
medida a partir da autoridade de um determinado ator no ciberespaço. Portanto:
A abordagem de rede fornece ferramentas únicas para o estudo dos aspectos sociais
no ciberespaço: permite estudar, por exemplo, a criação das estruturas sociais; suas
dinâmicas, tais como a criação de capital social e sua manutenção, a emergência da
cooperação e da competição; as funções das estruturas e, mesmo, as diferenças
entre os variados grupos e seu impacto nos indivíduos. (RECUERO, 2010, p. 13)
Segundo Delarbre (2012): “os usuários da Internet navegam, divagam, encontram e, às
vezes, debatem, compartilham e socializam com tanta assiduidade e de maneira tão notória
que as redes informáticas já são reconhecidas como parte do espaço público contemporâneo.”
(p. 169) Por esse motivo, juntamente com esse espaço público, “há lugar para um exercício
interado e racional, que talvez seja capaz de articular a esfera pública” (DELABRE, 2012, p.
43
177), onde informações e valores são compartilhados entre a sociedade, cada vez mais coesa e
solidária entre si, com indivíduos que se sentem efetivamente pertencentes a uma
comunidade. Portanto, “não basta contar com uma tecnologia que possua características
potentes em termos de rapidez, interatividade, multimidialidade, hipertextualidade; que conte
com espaços para a criatividade e a argumentação” (VALDERRAMA, 2012, p. 202), é
preciso, em primeira instância, “democratizar os processos de configuração de uma esfera
pública como as condições socioculturais para que os públicos possam participar
qualificadamente dela.” (VALDERRAMA, 2012, p. 202) Ou seja, o que realmente importa
não são os recursos tecnológicos do ciberespaço, mas sim a sociabilidade que ele possibilita.
Obviamente, todos os meios e espaços de comunicação são indispensáveis não
unicamente por seus dispositivos tecnológicos, mas pelas consequências que essa
capacidade de propagação de mensagens significa em relação à sociedade. Seria
difícil, ou mesmo impossível, entender cabalmente o rádio sem seus ouvintes ou a
imprensa sem os leitores que lhe dão sentido. Porém, no caso da rede ou do
ciberespaço, (...) estamos diante de uma coleção de áreas de expressão e
intercâmbio que simplesmente não fariam sentido algum sem a interação de seus
usuários. (DELABRE, 2012, p. 180)
No caso do Greenpeace, os processos interativos entre os indivíduos possibilitam a
utilização da “informação como ferramenta de mudança comportamental, pela significação
das práticas de degradação ambiental.” (MORIGI; KREBS, 2012, p. 135) Isso porque o
diálogo entre os envolvidos é contínuo. Os documentos produzidos pelo grupo, por exemplo,
não possuem nenhum custo para divulgação, o que estimula na sociedade “o debate em prol
da construção de novos ideais sócio-políticos e ambientais.” (MORIGI; KREBS, 2012, p.
138) A partir disso, o ciberespaço passa a ser entendido como “um sistema de comunicação
eletrônica global que reúne os humanos e os computadores em uma relação simbiótica que
cresce exponencialmente graças à comunicação interativa.” (SANTAELLA, 2004, p. 45) Ou
seja, “o nervo do ciberespaço não é o consumo de informações ou de serviços interativos, mas
a participação em um processo social de inteligência coletiva” (LÉVY, 1999, p. 194), o que
Lévy define como “o modo de realização da humanidade que a rede digital universal
felizmente favorece, sem que saibamos a priori em direção a quais resultados tendem as
organizações que colocam em sinergia seus recursos intelectuais.” (1999, p. 132)
44
Como foi abordada no primeiro capítulo desta pesquisa, a comunicação é benéfica aos
projetos de mobilização social, uma vez que notabiliza e divulga seus valores, intenções e
informações através de diferentes meios. Mas, diferentemente dos outros meios de
comunicação, o ciberespaço agrega a esse processo o fator interativo, que aproxima os
sujeitos, proporcionando a socialização, a criação de comunidades - que no caso dos projetos
mobilizadores reúne sujeitos preocupados com as questões que não são resolvidas pelos
gestores públicos, por exemplo – e o desenvolvimento de uma cultura própria: a cibercultura.
2.4 As comunidades virtuais e a cibercultura
Existe um novo espaço para a comunicação, mais informativo e interativo que os
meios tradicionais, que acaba gerando agregações sociais e culturais. Portanto “o ciberespaço
se tornou o lar de comunidades virtuais inteiras, grupos de pessoas que se reúnem e
comungam na Internet em salas de conversa (...) e fóruns on-line.” (WERTHEIM, 2001, p.
20) Em outras palavras, o ciberespaço, através da Internet, dos Sites de Redes Sociais,
possibilita o surgimento de comunidades virtuais formadas pela reunião de usuários, que
juntos, ao socializar e se comunicar, criam a cultura do ciberespaço ou cibercultura.
Neste sentido, a tecnologia, que foi o instrumento principal da alienação, do
desencantamento do mundo e do individualismo, vê-se investida pelas potências da
socialidade. A cibercultura que se forma sob os nossos olhos, mostra, para o melhor
ou para o pior, como as novas tecnologias estão sendo, efetivamente, utilizadas
como ferramentas de uma efervescência social (compartilhamento de emoções, de
convivialidade e de formação comunitária). A cibercultura é a socialidade como
prática da tecnologia. (LEMOS, 2004, p. 89)
Compreender as redes sociais criadas na Internet e analisar essas novas formas de
socialidade é essencial para compreender como acontecem as mobilizações de sujeitos em
prol de questões ambientais, por exemplo. Como tratado no início deste capítulo, a sociedade
já foi tocada por outros meios de comunicação, como o telefone e o rádio. No entanto,
segundo Recuero (2010), o diferencial no ciberespaço é a formação de coletivos de sujeitos
com características mais participativas e comunitárias. As pessoas interagem socialmente na
45
rede, formando as comunidades virtuais, compartilhando valores e sentimentos, até mesmo
com possibilidades de extensão ao plano off-line. E essas comunidades são formadas pelas
“discussões públicas; as pessoas que se encontram e reencontram, ou que ainda mantêm
contato através da Internet (para levar adiante a discussão); o tempo; e o sentimento.”
(RECUERO, 2010, p. 137) Para alguns autores, “os grupos sociais no ciberespaço são
comunidades virtuais a partir da definição de laços fortes e interação social concentrada, além
de capital social e compromisso com o grupo.” (RECUERO, 2010, p. 147) Mesmo
considerando que os participantes das comunidades não se conhecem, “e uma conversação
que os envolva não é possível, os recursos e bens produzidos são públicos, compartilhados
por todos os membros.” (PRIMO, 2008, p. 113) Isso porque a “coletividade não é apenas um
mecanismo tecnológico e um estoque digital” (PRIMO, 2008, p. 117), ela promove a
interação entre os atores sociais.
O ambiente de uma comunidade é construído através de uma história de
aprendizagem em conjunto entre seus membros ao longo do tempo. O compromisso
comum que une as pessoas decorre da identificação com um domínio (assunto)
compartilhado por interesses e com as pessoas que partilham da identificação com
o domínio. (PAULINO, 2012, p. 19)
Segundo Recuero (2010), indivíduos que possuem fortes interesses em comum, como
é o caso dos agentes de projetos mobilizadores, conseguem formar comunidades bem coesas
no ciberespaço que não excluem as interações face a face. Matos complementa afirmando
que: “tanto a história do telefone, da televisão como os primeiros dados sobre o uso da
Internet constituem um indício de que a comunicação mediada pelo computador acabará
complementando (e não substituindo) as interações face a face.” (2009, p. 136) Os agentes são
atores sociais relevantes ao processo, pois como ocorre nas mobilizações sociais realizadas no
plano off-line, ocupam o centro das comunidades, sendo mais fortemente comprometidos com
a coesão do grupo formado. No entanto, na Internet, “a liderança tende a espalhar-se entre os
participantes na medida em que cada um, de acordo com sua participação (...), torna-se um
pequeno líder que constrói seu próprio nó.” (VALDERRAMA, 2012, p. 201) Como é o caso
da Pastoral da Criança, em que o ciberespaço auxilia na mobilização e reunião de pessoas
que possuem uma relação e um sentimento em comum com a causa defendida, para que
possam colaborar (no ciberespaço ou fora dele) com o projeto.
46
Entretanto, é preciso compreender que estudar redes sociais na Internet é estudar
uma possível rede social que exista na vida concreta de um indivíduo, que apenas
utiliza a comunicação mediada por computador para manter ou criar novos laços.
Não se pode reduzir a interação unicamente ao ciberespaço, ou ao meio de
interação. A comunicação mediada por computador corresponde a uma forma
prática e muito utilizada para estabelecer laços sociais, mas isso não quer dizer
necessariamente que tais laços sejam unicamente mantidos no ciberespaço. A
redução da interação ao ciberespaço, portanto, serve apenas para fins de estudo, já
que se pressupõe que uma grande parte dela acontece principalmente através da
mediação pelo computador. (RECUERO, 2010, p. 144)
Ou seja, é preciso evidenciar que as novas tecnologias também são um instrumento de
desagregação, além de não existir apenas associações de sujeitos do tipo comunitárias no
ciberespaço. Não se pode falar em comunidades virtuais de maneira generalizada, apenas que
o ciberespaço, quando apropriado pelos sujeitos, passa a ser um vetor de realiance3. As
comunidades virtuais autênticas se caracterizam como um espaço de troca de conhecimentos,
um agrupamento social que gera um sentimento de pertencimento nos sujeitos. Em outras
palavras, “a moral implícita da comunidade virtual é em geral a da reciprocidade.” (LÉVY,
1999, p. 128) Construída sobre projetos de interesses mútuos, as comunidades virtuais devem
possibilitar a circulação do saber, ou a inteligência coletiva, de acordo com Lévy (1999).
Um grupo humano qualquer só se interessa em constituir-se como comunidade
virtual para aproximar-se do ideal do coletivo inteligente, mais imaginativo, mais
rápido, mais capaz de aprender e de inventar do que um coletivo inteligentemente
gerenciado. O ciberespaço talvez não seja mais do que o indispensável desvio
técnico para atingir a inteligência coletiva. (LÉVY, 1999, p. 130)
Portanto, é a partir da ação dos sujeitos envolvidos na ágora eletrônica global, assim
denominada por Manuel Castells (2003), ou seja, da sinergia entre tecnologias do ciberespaço
e sociedade, que surgem as comunidades virtuais. Essas “têm crescido e se diferenciado com
tal intensidade que produziram o aparecimento de uma nova forma de cultura, a cultura do
ciberespaço ou cibercultura.” (SANTAELLA, 2004, p. 44) Isso se deve ao fato de que “as
3 “O desenvolvimento tecnológico, longe de ser apenas agente de separação, de alienação e de esgotamento de
formas de solidariedade sociais, pode servir como vetor de reliance, como instrumento de cooperação mútua e
de solidariedades múltiplas.” (LEMOS, 2004, p. 20)
47
descobertas científicas e as inovações tecnológicas nunca ocorrem isoladamente; são sempre
parte de movimentos culturais, sociais, filosóficos e até políticos mais amplos.”
(WERTHEIM, 2001, p. 16) Ou seja, é a cibercultura que oferece as condições para a
substituição de uma tecnologia fria e individualizante em função de um novo espaço de
socialização e comunicação dialógica. A característica do imaginário cibercultural, como
apresenta Primo (2008), é apresentar um mundo informatizado que inclui a subjetividade
humana. Em outras palavras, “o horizonte técnico do movimento da cibercultura é a
comunicação universal.” (LÉVY, 1999, p. 127) O que não é uma característica apenas da fase
contemporânea, afinal:
Os sonhos de uma sociedade nunca ocorrem num vácuo. As fantasias que uma
cultura alimenta sobre o futuro e as ideias que forma sobre o que poderia ser
possível ou desejável são sempre reflexos da época e da sociedade particular. Desde
o florescimento intelectual do Renascimento e, em particular, desde a revolução
científica do século XVII, a ciência e a tecnologia tornaram-se correntes definidoras
na cultura ocidental, conformando nosso fluxo imaginativo e embalando nossos
sonhos. (WERTHEIM, 2001, p. 16)
Com origem técnica nos remotos anos 1950, a cibercultura só se tornou mais
conhecida a partir dos anos 1990 com o surgimento da Internet, o ciberespaço planetário.
Permeada por características socioculturais complexas, a cibercultura passa a ser um
fenômeno global, “fruto de novas formas de relação social.” (LEMOS, 2004, p. 257) Relações
sociais que são cada vez mais complexas, uma vez que aproximam a “técnica (o saber fazer)
do prazer estético e comunitário.” (LEMOS, 2004, p. 17) Existe na sociedade atual uma nova
forma de estar junto, de vida social, de cooperação entre os indivíduos, ligada ao ciberespaço
e a cibercultura, “que tenta romper e desorganizar o deserto racional, objetivo e frio da
tecnologia moderna.” (LEMOS, 2004, P. 15) Não se trata de uma cultura particular a um ou
mais grupos, “ao contrário, a cibercultura é a nova forma de cultura. Entramos hoje na
cibercultura como penetramos na cultura alfabética há alguns séculos.” (LEMOS, 2004, p. 11)
Ao que o autor acrescenta:
48
A cultura contemporânea, associada às tecnologias digitais (ciberespaço, simulação,
tempo real, processos de virtualização, etc.), vai criar uma nova relação entre a
técnica e a vida social que chamaremos de cibercultura. Hoje podemos dizer que
uma verdadeira estética do social cresce sob nossos olhos, alimentada pelas
tecnologias do ciberespaço. (LEMOS, 2004, p. 15)
Erick Felinto defende a perspectiva de que a cibercultura é “um „espaço‟ saturado
pelas tecnologias digitais, no qual as formas de vida e comunicação são continuamente
modeladas pela lógica e pela materialidade das novas mídias” (FELINTO, 2007, p. 55),
espaço esse que é utilizado cada vez mais como cenário para as mobilizações sociais.
Diferentes autores concordam que a cibercultura gera laços sociais que não surgem a partir de
proximidades geográficas ou relações de poder, mas sim em torno de sujeitos interessados em
reunir-se em detrimento de interesses comuns, compartilhando conhecimentos e informações
em um processo coletivo. O ciberespaço cria um mundo que permite a produção excessiva de
informações e é a cibercultura a responsável por organizar os conteúdos e estruturar a
sociedade “através de uma conectividade telemática generalizada, ampliando o potencial
comunicativo, proporcionando a troca de informações sob as mais diversas formas,
fomentando agregações sociais.” (LEMOS, 2004, p. 87) Ou seja, a cibercultura contribui
diretamente para a efetividade do potencial mobilizador no ciberespaço, inibindo a mera
circulação de informações, criando valores e ideias compartilhados pelos indivíduos.
O ciberespaço se caracteriza como um espaço propício para o desenvolvimento de
uma nova cultura e de comunidades virtuais formadas por sujeitos preocupados com questões
sociais e coletivas. E para que a cibercultura e os indivíduos participantes nos projetos
mobilizadores possam efetivamente mobilizar ou conectar mais sujeitos é essencial o uso da
comunicação informativa e interativa. Afinal, “no horizonte da cultura „ciber‟, o maior
imperativo social é a comunicação.” (FELINTO, 2007, p. 54) Ou seja, compreender a Internet
como “ferramenta da organização social e informação contemporânea” é essencial para
entender as “mobilizações que emergem no ciberespaço.” (RECUERO, 2010, p. 164)
Afinal, “as pessoas só adotam uma tecnologia quando ela está em consonância com
um desejo latente. A simples escala do interesse despertado pelo ciberespaço sugere haver
aqui desejos intensos em ação.” (WERTHEIM, 2001, p. 22) Um sujeito que participa do
projeto Vida Urgente, por exemplo, muda seu comportamento no trânsito e ainda busca
mobilizar e conscientizar toda a sociedade sobre o assunto, despertado em parte pela
comunicação do grupo na Internet. No início do projeto, os fundadores Diza e Régis Gonzaga,
49
pais do menino falecido em acidente de trânsito que dá nome à fundação, perceberam que era
preciso mudar “toda uma cultura social que estimulava os jovens a beber e dirigir em alta
velocidade.” (RODRIGUES, 2012, p. 40) Para dar visibilidade à causa, uma das primeiras
ações desenvolvidas pelo grupo foi a pintura de borboletas, símbolo do projeto, no asfalto
onde havia acontecido um acidente de trânsito com morte fatal, como sinal de alerta. Mas isso
só alcançou maior relevância e principalmente continuidade graças a criação de um “mapa
eletrônico no site institucional do programa, onde são identificadas todas as borboletas
pintadas na cidade de Porto Alegre.” (RODRIGUES, 2012, p. 41) Assim as estatísticas
ganham rosto e história, o que mobiliza mais indivíduos a se engajarem na causa segundo os
organizadores: “desta forma a sociedade percebe com mais clareza a dimensão da realidade
do trânsito no Brasil.” (RODRIGUES, 2012, p. 41) Para o Greenpeace o conhecimento
disseminado no ciberespaço “assume característica de fator de mudança social, e pode ser
considerado como instituinte da cultura” (MORIGI; KREBS, 2012, p. 136), uma vez que os
sujeitos participam de um “processo de constante recriação e reelaboração dos significados”
(MORIGI; KREBS, 2012, p. 136) da temática ambiental. Enfim, pode-se dizer que a cultura
desenvolvida no ciberespaço auxilia na geração de novos hábitos na sociedade, o que permite
a viabilidade das mobilizações sociais, processo que esta pesquisa almeja compreender.
2.5 A mobilização e o ativismo no ciberespaço
As mobilizações sociais sempre foram promovidas em nossa sociedade, segundo
Castells (2003), a única novidade é a possibilidade de interconexão via Internet: “ela permite
ao movimento ser diverso e coordenado ao mesmo tempo, engajar-se num debate permanente
sem, contudo ser paralisado por ele.” (CASTELLS, 2003, p. 118) A partir do surgimento do
ciberespaço, de uma comunicação mais interativa, de comunidades virtuais e da cibercultura,
as ações mobilizadoras recebem também a denominação de ativismo, que seria a “forma de
ação e participação social via rede na medida em que se multiplicam os espaços que
possibilitam a comunicação dialógica.” (MORIGI; KREBS, 2012, p. 134) Mas
independentemente do meio utilizado, na essência do termo, as duas possuem o mesmo
significado. E, por serem ações pouco teóricas, mais perceptíveis no dia a dia, a análise se
torna um desafio ainda pouco explorado pelos autores. Matos (2009), por exemplo, percebe
similaridades entre os efeitos da televisão e do ciberespaço: “ambas as tecnologias afastariam
50
as pessoas de seu ambiente imediato, alienando-as da interação social e do engajamento
cívico.” (2009, p. 139) Entretanto a diferença existente entre os dois meios seria a maior
interação social permitida pela Internet em contrapartida do caráter mais imersivo da
televisão, já que essa “tende a exigir maior atenção e absorver mais o telespectador.”
(MATOS, 2009, p. 140) Enfim, associar as recentes mobilizações sociais com um fenômeno
primordialmente técnico pode parecer inadequado, mas Lévy (1999) sustenta que:
A emergência do ciberespaço é fruto de um verdadeiro movimento social, com seu
grupo líder (a juventude metropolitana escolarizada), suas palavras de ordem
(interconexão, criação de comunidades virtuais, inteligência coletiva) e suas
aspirações coerentes. (LÉVY, 1999, p. 123)
O ciberespaço foi tomado por jovens que almejam novas formas de comunicação, cada
vez mais coletivas, sendo que “ao longo da década de 1990, no mundo todo, importantes
movimentos sociais se organizaram com a ajuda da Internet.” (CASTELLS, 2003, p. 115) O
que continua acontecendo no século XXI, através de “ações coletivas deliberadas que visam a
transformação de valores e instituições da sociedade.” (CASTELLS, 2003, p. 114) O
ciberespaço é o cenário escolhido para isso, mas, não “será puramente instrumental o papel da
Internet na expressão de protestos sociais e conflitos políticos?” (CASTELLS, 2003, p. 114)
Segundo Castells, não. Para ele a explicação está no fato de que a Internet é uma mídia que se
ajusta às necessidades das mobilizações sociais, organiza os sujeitos participantes e possibilita
novas formas de comunicação. Ela é técnica, mas serve como base para importantes trocas
sociais. Isso se deve, em primeira instância, ao fato de que:
Ao lado de fundos públicos e de serviços pagos oferecidos por empresas privadas, a
extensão do ciberespaço repousa em grande parte sobre o trabalho benévolo de
milhares de pessoas pertencentes a centenas de instituições diferentes e a dezenas
de países, sobre uma base de funcionamento cooperativo. (LÉVY, 1999, p. 194)
O que se encaixa, abstraindo a face lucrativa do ciberespaço, no “ideal de cientistas, de
artistas, de gerentes ou de ativistas da rede que desejam melhorar a colaboração entre as
pessoas.” (LÉVY, 1999, p. 24) Trata-se de uma nova forma de organização da sociedade,
mais cooperativa, que busca “valorizar e compartilhar a inteligência distribuída em toda parte
51
nas comunidades conectadas e colocá-la em sinergia em tempo real.” (LÉVY, 1999, p. 188) O
que é ideal para a criação de projetos de mobilização social, que utilizam a inteligência
coletiva desenvolvida no ciberespaço para reunir sujeitos, dividindo informações e
compartilhando valores, em busca de soluções para diferentes problemas sociais a partir do
esgotamento dos modos de organização política tradicional. Matos (2009) avalia que:
Além dos baixos custos de aquisição do computador e das facilidades
proporcionadas por seu uso assincrônico, a Internet leva à uma transformação no
contato social e no envolvimento cívico, permitindo ao indivíduo agregar-se às
redes sociais dispersas e estimulando a adesão a movimentos de solidariedade local
e grupal. (MATOS, 2009, p. 137)
Para Giardelli (2012), “a mobilização virtual vem se refletindo no mundo real,
mudando governos, panoramas e situações, defendendo causas, conscientizando pessoas e
fazendo reivindicações conforme o desejo de grupos” (p. 110), devido ao papel prestado pela
Internet. Para o autor, no século XXI a sociedade reinventou os conceitos de
compartilhamento e cocriação. Mas as mobilizações sociais não podem retirar a
responsabilidade dos atores verdadeiramente responsáveis pelas questões coletivas, como os
gestores públicos? Segundo Giardelli (2012) tudo depende do comportamento da
comunidade. A administração pública da Islândia, por exemplo, “resolveu discutir sua
constituição somente no Facebook.” (GIARDELLI, 2012, p. 111) Ou seja, para o autor “é
possível diminuir os problemas do mundo por meio da inteligência coletiva, da sociedade em
rede e da colaboração humana” (GIARDELLI, 2012, p. 120), sem excluir o papel prestado
pelos setores públicos da sociedade. Assemelhando-se ao conceito de Lévy (1999) acerca da
inteligência coletiva, Giardelli afirma: “em uma sociedade em rede, o presente e o futuro da
educação estão nas mãos de todos” (GIARDELLI, 2012, p. 119), apontando como exemplo as
conferências internacionais promovidas pela fundação privada sem fins lucrativos TED, que
disseminam ideias e conhecimentos criativos, ampliando a abrangência através de vídeos de
18 minutos, que são amplamente compartilhados na Internet. Delarbre preocupa-se em
analisar tais efeitos de maneira imparcial, identificando que:
52
Regulada por leis do mercado, na Internet têm mais peso os conteúdos e sites das
corporações comunicacionais, ou das instituições com mais recursos para projetos e
divulgação, do que os conteúdos disponibilizados por cidadãos sem respaldo
corporativo ou institucional. Porém, é cada vez mais freqüente ganharem destaque
textos, argumentos, imagens ou cenas difundidas por pequenos grupos ou por
indivíduos que, de outra maneira, permaneceriam isolados e, inclusive, em silêncio.
(DELARBRE, 2012, p. 168)
É a partir da comunicação no ciberespaço que os projetos mobilizadores “conseguem
alcançar aqueles capazes de aderir a seus valores e, a partir daí, atingir a consciência da
sociedade como um todo” (CASTELLS, 2003, p. 116), ou como afirma Lévy (1999), a
comunicação na Internet “engendra uma mobilização otimizada das competências.” (p. 199)
Ela acaba se tornando uma vitrine para os grupos mobilizadores divulgarem suas causas e
ações, mas também para que a sociedade assuma uma posição: “na construção de pontes entre
instituições e cidadãos, a rede é um veículo para expor preocupações, solicitações e iniciativas
da sociedade.” (DELARBRE, 2012, p. 184) No caso do projeto Vida Urgente, por exemplo, a
maior representação da comunicação no ciberespaço voltada para a mobilização é no Site
Twitter, no qual existe um perfil pessoal da fundadora Diza Gonzaga, “devido à sua
representatividade, enquanto imagem identificadora da Fundação” (RODRIGUES, 2012, p.
45), no qual é transmitido o posicionamento do grupo e o convite à mobilização. É evidente
também que o responsáveis pelo Vida Urgente se preocupam em responder os
questionamentos dos voluntários na rede, gerando o comprometimento esperado, atrelado “à
necessidade de reeducação social dos sujeitos.” (RODRIGUES, 2012, p. 85)
Giardelli denomina as mobilizações sociais, ou ativismo na Internet como Social
Good, que se forma a partir do esgotamento da vontade dos indivíduos em usar as Redes
Sociais “como um lugar apenas para compartilhar fotos, vídeos e (...) ler e escrever notícias
ruins”, começando a “compartilhar coisas boas e com conteúdo verdadeiramente
engrandecedor” (GIARDELLI, 2012, p. 128), acerca de causas sociais, por exemplo. De
maneira prática, o ciberespaço é um meio para resolver os problemas de proximidade e
envolvimento que existem nos projetos mobilizadores, ou seja, não basta comunicar, é preciso
também despertar sentimentos nos receptores, tornando “os grupos humanos conscientes
daquilo que fazem em conjunto.” (LÉVY, 1999, p. 196) O site do Greenpeace, por exemplo,
“é o mediador do processo de construção de significações, pois nele circulam as informações
e o conhecimento sobre o meio ambiente aos cidadãos.” (MORIGI; KREBS, 2012, p. 136) Os
diversos grupos sociais interconectados utilizam esse espaço como reflexão e também como
53
forma de denúncia contra as ações industriais ou individuais que causam danos à natureza.
Através do cadastro no site, os cidadãos têm “acesso mais fácil as decisões do governo que
lhe dizem respeito, nem sempre acessível a todos, como votações, sanções e projetos de lei.”
(MORIGI; KREBS, 2012, p. 138) É a comunicação menos concentrada, informativa e
interativa, atuantes no ciberespaço, que geram comunidades virtuais com uma cultura própria
e uma inteligência compartilhada entre os sujeitos. Em outras palavras, é
Um novo humanismo que inclui e amplia o “conhece-te a ti mesmo” para um
“aprendamos a nos conhecer para pensar juntos”, e que generaliza o “penso, logo
existo” em um “formamos uma inteligência coletiva, logo existimos eminentemente
como comunidade”. (...) Longe de fundir as inteligências individuais em uma
espécie de magma indistinto, a inteligência coletiva é um processo de crescimento,
de diferenciação e de retomada recíproca das singularidades. (LÉVY, 2000, p. 31)
Enfim, o ciberespaço é apresentado pelos autores com a finalidade de “colocar os
recursos de grandes coletividades a serviço das pessoas e dos pequenos grupos.” (LÉVY,
1999, p. 199) Quando a Internet permite consultar publicações dos partidos políticos ou
normas governamentais, por exemplo, “não torna mais legítimo nem mais plausível o trabalho
que realizam, mas, em todo caso, o deixa menos opaco.” (DELARBRE, 2012, p. 182) Em
outras palavras, “o fato de utilizar a rede para se vincular aos cidadãos não garante a
democratização do governo nem de suas decisões, mas constitui uma nova forma de relação
entre uns e outros.” (DELARBRE, 2012, p. 183) É uma nova forma de comunicar, que usa
como fonte o meio tecnológico, com o objetivo de permitir aos sujeitos se mobilizarem em
função de decisões coletivas, se caracterizando como um “instrumento de organização, ação
coletiva e construção de significado.” (CASTELLS, 2003, p. 49) Como exemplo Giardelli
(2012) cita os projetos brasileiros Meu Rio que usa ferramentas do ciberespaço para
transformar a cidade e Quem se Importa, “que inspira as pessoas a ser transformadoras.”
(GIARDELLI, 2012, p. 126) O primeiro é um conjunto de interfaces no ciberespaço que
possibilitam a participação mais efetiva dos cidadãos cariocas comuns na construção de
políticas públicas. Uma das ideias desenvolvidas pelo grupo é o Panela de Pressão,
caracterizado por mobilizar a população a resolver problemas públicos através da convocação
de outros cidadãos com o mesmo interesse para juntos pressionarem políticos, empresários ou
gestores públicos por e-mail e Sites de Redes Sociais. O Quem se Importa, por sua vez,
começou através de um longa metragem de 91 minutos, dirigido por Mara Mourão e filmado
54
em sete países diferentes, que mostra empreendedores sociais, ou seja, mobilizadores em seus
espaços de atuação. Isso, segundo os organizadores, foi disseminado nos Sites de Redes
Sociais o que acabou por motivar mais pessoas a buscar transformar os espaços coletivos,
inspiradas por movimentos que já deram certo em outros lugares do mundo. Mas, segundo
Costa (2008),
Há muito ainda a se aprender sobre a formação de redes sociais e a afluência de
ideias e informações por meio de associações humanas no ciberespaço. O que já
está claro, para a multidão que povoa o mundo virtual, é que estamos diante de um
fenômeno que nos força a pensar diferentemente a maneira como nos organizamos
em grupo e comunidades. (COSTA, 2008, p. 46)
O que se sabe até o momento, segundo Valderrama (2012), é que as novas
mobilizações sociais são organizadas sem interesses de classe, apenas culturais; que
“substituem o vazio deixado pela crise das organizações políticas verticalmente integradas”
(VALDERRAMA, 2012, p. 199) e que “assumem um caráter global – ou pelo menos
pretendem fazê-lo -, especialmente através das tecnologias da comunicação e da informação.”
(VALDERRAMA, 2012, p. 199) Através de uma analogia com os antigos protestos, em que o
espaço para as mobilizações sociais eram as praças e ruas públicas, hoje no ciberespaço “a
sociedade está com um megafone na mão e todos estão conversando com todos”
(RODRIGUES, 2012, p. 87). Resta aprender como mudar efetivamente os comportamentos
da sociedade em benefício das causas sociais. Por esse motivo a pesquisa em questão irá
abordar as ações de mobilização social realizadas pela organização Shoot The Shit de Porto
Alegre (RS), que visa agregar os cidadãos para uma participação mais ativa nas questões da
cidade, a fim de mudar questões simples do cotidiano da sociedade: como as deformidades
das ruas ou a dificuldade de identificação dos ônibus urbanos.
O grupo é formado primordialmente por estudantes e profissionais formados em
Comunicação Social, habilitação em Publicidade e Propaganda, que decidem utilizar o
ciberespaço não mais apenas como diversão, mas sim como ferramenta integradora de
indivíduos, com o objetivo de resolver impasses de interesse coletivo a partir de ações
conjuntas e principalmente criativas. Tal iniciativa revela-se um âmbito ainda pouco
explorado pelos autores, mas importante para o conhecimento acerca das possibilidades
55
existentes no meio da Comunicação Social. O ciberespaço é uma mídia, que possui um
potencial cultural e social, analisado e exemplificado no capítulo a seguir.
56
3 SHOOT THE SHIT: UMA NOVA FACE DO ATIVISMO?
3.1 Metodologia de pesquisa
O objeto empírico da pesquisa em questão é o ativismo, ou as mobilizações sociais
desenvolvidas no ciberespaço, a partir de “reflexões sobre a potencialização da ação do
indivíduo/coletividade em termos de ação política via Internet.” (FRAGOSO; RECUERO;
AMARAL, 2011, p. 47) A análise será realizada a partir do grupo mobilizador Shoot The Shit
de Porto Alegre (RS), com o objetivo de encontrar as respostas para muitos dos
questionamentos acerca das características necessárias para gerar cooperação e mobilização
através das ações promovidas no ciberespaço. O grupo vai contribuir para a pesquisa na
tentativa de exemplificar as teorias que tratam do ciberespaço e seu potencial social e cultural.
Recuero (2010) expõem um exemplo bem significativo:
Em novembro de 2008, uma série de chuvas frequentes gerou uma das maiores
catástrofes naturais da história do estado de Santa Catarina. Em alguns dias, o
estado viu-se diante do caos: rios transbordaram e inundaram grandes áreas,
isolando cidades inteiras; deslizamentos soterraram estradas, casas e pessoas.
Durante esses eventos, uma série de blogs, ferramentas de mensagens como o
Twitter, mensageiros instantâneos e outros recursos foram utilizados para informar
o resto do país a respeito dos acontecimentos. Essas ferramentas mobilizaram
pessoas, agregaram informações, criaram campanhas e protagonizaram a linha de
frente do apoio que Santa Catarina recebeu. (RECUERO, 2010, p. 16)
A pesquisa é justificada a partir da curiosidade e do interesse sobre essas novas
possibilidades existentes no ciberespaço para o âmbito da Comunicação Social, que devem ser
analisadas a fim de compreender os paradigmas de engajamento e consequente incentivo as
coletividades existentes na sociedade atual. Analisar até que ponto as novas tecnologias e suas
técnicas podem contribuir para novas formas de agregação social pode direcionar os novos
rumos da comunicação, como afirma Lemos (2004). O ciberespaço é um âmbito de pesquisa
bem recente caracterizado, portanto, por mudanças constantes. Por esse motivo é preciso
contextualizar a Internet a partir de pesquisas de mídia e tecnologia que já existem, ou seja,
57
“investigar comparativamente o passado para não cair na armadilha fácil da novidade.”
(FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011, p. 32) Afinal,
O foco nos modismos pode implicar em não aprofundamento das questões e em um
certo apagamento da perspectiva histórica, dotando uma determinada amostra de
um caráter “inovador” que provavelmente já foi estudado em outras condições em
relação a algum outro objeto. (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011, p. 35)
A Internet, segundo as autoras, pode ser dividida em duas categorias de análise,
“sendo a primeira relativa à habilidade de busca e recuperação de informações a partir de
enormes bancos de dados; e a segunda, que diz respeito às capacidades de comunicação
interativa presentes na Internet” (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011, p. 33), o que não
as diferencia completamente em relação aos outros meios de comunicação, como a TV e o
rádio, segundo elas a “complexidade reside nas diferentes apropriações e formatos e nas
diferenças históricas.” (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011, p. 33) Por esse motivo é
importante também abordar a Internet a partir das condições humanas que se desenvolvem em
conjunto com as tecnologias, observando as condições culturais e subjetivas existentes,
primando “pela reflexividade e pelos conceitos, definições, rótulos e metáforas através dos
quais organizamos e construímos nossas recomendações teóricas.” (FRAGOSO; RECUERO;
AMARAL, 2011, p. 32) Esta pesquisa irá construir o ciberespaço teoricamente a partir da
análise qualitativa, uma vez que “em ciências sociais, os procedimentos quantitativos às vezes
são menos valorizados por seu caráter reducionista” (EPSTEIN, 2006, p. 26), partindo da
abordagem que considera a Internet como uma forma de engendrar a cultura, o que é
decorrência da ideia de Internet como tecnologia midiática.
É importante a observação de Fragoso, Recuero e Amaral (2011) de que a Internet é
uma forma de cultura baseada em conexões, ou seja, no relacionamento entre os grupos
sociais que desenvolvem suas comunidades virtuais no ciberespaço. As autoras afirmam que
“na perspectiva da Internet como cultura, ela é normalmente compreendida enquanto um
espaço distinto do off-line, no qual o estudo enfoca o contexto cultural dos fenômenos que
ocorrem nas comunidades e/ou mundos virtuais.” (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL,
2011, p. 41) Essa perspectiva é decorrente da abordagem da Internet como mídia, uma vez
que essa gera determinadas ações sociais, “práticas e estratégias comunicacionais que estão
articuladas com os diferentes tipos de cultura.” (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011,
58
p. 44) Como exemplo pode-se citar a televisão, que também é analisada a partir da “relação
entre as práticas midiáticas e cultura popular como um conjunto de práticas relacionadas com
o consumo de meios audiovisuais” (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011, p. 44), que
geram a sociabilidade entre os indivíduos, criando e mantendo relações sociais afetivas e de
solidariedade, construindo até mesmo as identidades coletivas.
O método de pesquisa para a realização da coleta dos dados que será utilizada a fim de
analisar tal abordagem será a do Estudo de Caso, devido a suas quatro características
essenciais. Primeiro é um estudo que “se centra em uma situação, acontecimento, programa
ou fenômeno particular, proporcionando assim uma excelente via de análise prática de
problemas da vida real.” (DUARTE, 2006b, p. 217) É também uma forma de descrição
detalhada de determinado assunto, ele ajuda a efetivamente compreender o que se submete à
análise, obtendo-se “novas interpretações e perspectivas, assim como o descobrimento de
novos significados e visões antes despercebidas.” (DUARTE, 2006b, p. 217) Além disso, “em
muitas ocasiões, mais que verificar hipóteses formuladas, o Estudo de Caso pretende
descobrir novas relações entre elementos.” (DUARTE, 2006b, p. 217) É a estratégia mais
indicada quando as questões são do tipo “como” e “por que”, quando há a intenção de
esclarecer um conjunto de decisões, por exemplo, juntamente com seus motivos, seu processo
de implementação e resultados obtidos. É utilizada principalmente “quando o pesquisador tem
pouco controle sobre os acontecimentos e quando o foco se encontra em fenômenos
contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real.” (YIN, 2005, p. 19) Além disso, a
particularidade do Estudo de Caso “é sua capacidade de lidar com uma ampla variedade de
evidências – documentos, artefatos, entrevistas e observações – além do que pode estar
disponível no estudo histórico convencional.” (YIN, 2005, p. 26)
Para a execução de um Estudo de Caso é preciso observar atentamente os princípios
para o trabalho de coleta de dados. O primeiro deles é a preocupação em reunir mais de uma
fonte de evidência, que mantenha a relação com o mesmo conjunto pesquisado, mantendo em
segunda instância, um banco de dados organizado para posterior análise das evidências. Por
fim é preciso fazer o que Yin define como encadeamento de evidências, que são as “ligações
explícitas entre as questões feitas, os dados coletados e as conclusões a que se chegou.” (YIN,
2005, p. 109) A coleta dos dados será realizada a partir de dois tipos: os documentos e as
entrevistas. No primeiro caso serão reunidos para análise “recortes de jornais e outros artigos
que aparecem na mídia de massa ou em informativos de determinadas comunidades” (YIN,
2005, p. 112) acerca do grupo Shoot The Shit e as ações realizadas por eles. O uso de tais
59
documentos é importante principalmente por “corroborar e valorizar as evidências oriundas de
outras fontes.” (YIN, 2005, p. 112) As características dessa técnica do Estudo de Caso é que é
bastante estável, uma vez que “pode ser revisada inúmeras vezes”, discreta, pois “não foi
criada como resultado do Estudo de Caso”, exata por conter “nomes, referências e detalhes
exatos de um evento”, e com uma ampla cobertura, “longo espaço de tempo, muitos eventos e
muitos ambientes distintos.” (YIN, 2005, p. 113) Entretanto possui também pontos fracos,
que podem ser a dificuldade em recuperar os documentos ou em ter acesso a eles, e a seleção
tendenciosa com enfoque nas ideias preconcebidas do pesquisador sobre o assunto.
Outra forma de coleta de evidências que será utilizada são as entrevistas, uma das
fontes de informação mais importantes para responder perguntas do tipo “como” e “por que”.
Elas exigem que o pesquisador atue em dois níveis simultâneos: “satisfazendo as necessidades
de sua linha de investigação enquanto, de forma simultânea, passa adiante questões
„amigáveis‟ e „não-ameaçadoras‟ em suas entrevistas espontâneas.” (YIN, 2005, p. 117)
Geram evidências bem direcionadas, já que “enfocam diretamente o tópico do Estudo de
Caso” e perceptivas por fornecer “inferências causais percebidas.” (YIN, 2005, p. 113) Mas
também pode apresentar “vieses devido a questões mal-elaboradas, respostas viesadas,
ocorrem imprecisões devido à memória fraca do entrevistado” e reflexibilidade, quando “o
entrevistado dá ao entrevistador o que ele quer ouvir.” (YIN, 2005, p. 113) Ou seja,
“novamente, uma abordagem razoável a essa questão é corroborar os dados obtidos em
entrevistas com informações obtidas através de outras fontes” (YIN, 2005, p. 119), no caso
através dos documentos fornecidos.
As entrevistas realizadas vão assumir um caráter qualitativo, com abordagem em
profundidade, caracterizada por explorar e ampliar os conceitos da pesquisa, por tratar de
percepções e visões acerca da situação analisada. É utilizada de maneira descritiva, quando “o
pesquisador busca mapear uma situação ou campo de análise, descrever e focar determinado
contexto.” (DUARTE, 2006a, p. 64) As questões serão semiestruturadas, com um roteiro pré-
estabelecido, permitindo respostas de forma semiaberta, caracterizadas pela maior
flexibilidade, dinamismo e possibilidade ao pesquisador de explorar ao máximo o assunto.
60
A lista de questões desse modelo tem origem no problema de pesquisa e busca
tratar da amplitude do tema, apresentando cada pergunta da forma mais aberta
possível. Ela conjuga a flexibilidade da questão não estruturada com um roteiro de
controle. As questões, sua ordem, profundidade, forma de apresentação, dependem
do entrevistador, mas a partir do conhecimento e disposição do entrevistado, da
qualidade das respostas, das circunstâncias da entrevista. (DUARTE, 2006a, p. 66)
Em outras palavras, “a entrevista é conduzida, em grande medida, pelo entrevistado,
valorizando seu conhecimento, mas ajustada ao roteiro do pesquisador.” (DUARTE, 2006a, p.
66) Segundo Yin o uso do gravador é uma escolha pessoal, mas “as fitas certamente fornecem
uma expressão mais acurada de qualquer entrevista do que qualquer outro método.” (YIN,
2005, p. 119)
A seguir será descrito o percurso da Shoot The Shit, a partir de todas as ações de
mobilização social realizadas até o primeiro semestre do ano de 2013, do site organizado pelo
próprio grupo e das matérias e entrevistas veiculadas principalmente em jornal, TV e Internet
nos âmbitos estadual, nacional e internacional. Será apresentada a entrevista (ANEXO B)
feita com o grupo em Porto Alegre no dia 30 de abril de 2013, especificadamente com Gabriel
Gomes e Luciano Braga, fundadores e participantes ativos nas ações desenvolvidas, com o
objetivo de elucidar suas percepções sobre o conteúdo abordado. A palestra sobre criação
coletiva voltada a projetos sociais, realizada no evento “Reconecte Festival” da Universidade
de Santa Cruz do Sul no dia 22 de maio de 2013, com duração de aproximadamente uma hora
e trinta minutos, também servirá como referência. Além disso, questões que surgiram durante
o desenvolvimento da pesquisa foram solucionadas via e-mail e inseridas na pesquisa.
(ANEXO D e E) Por fim será feita a análise do conjunto de materiais, que será realizada em
diferentes níveis temáticos a partir da recuperação teórica elucidada nos capítulos anteriores
da pesquisa em questão.
3.2 O percurso do grupo Shoot The Shit
Gabriel Gomes (21) e Luciano Braga (25) estudavam Comunicação Social -
Publicidade e Propaganda, na PUCRS e na UFRGS, respectivamente, quando se conheceram
em um curso promovido pela escola Perestroika de Porto Alegre, que incentivava os alunos a
61
liberar suas mentes criativas. Em um conversa sem pretensão nenhuma, algo que seria
recorrente nos próximos encontros, surgiu a ideia de criar um grupo que permitisse a criação
de ações inovadoras, diferentes daquelas desenvolvidas para a faculdade ou para os clientes
das agências de publicidades nas quais trabalhavam. A expressão americana Shoot The Shit,
que significa “jogar conversa fora” ou conversar despretensiosamente, foi escolhida para
nomear o grupo, a partir da sugestão de Gabriel, sendo considerada sonora e adequada aos
objetivos da organização. Com o passar do tempo a criatividade dos participantes foi
direcionada para promover melhorias do espaço público da cidade de Porto Alegre, além de
assumir o objetivo de inspirar cidadãos de outros lugares a agir dessa maneira. O integrante
Giovani Groff ajudou a fundar a organização e participou de várias ações, não estando mais
presente devido a outros projetos pessoais.
Atualmente o grupo ainda não possui uma sede oficial, encontrando-se na casa do
entrevistado Gabriel Gomes ou na empresa Cosmonauta. Luciano Braga desde setembro de
2012 pode se dedicar exclusivamente à Shoot The Shit, uma vez que a partir da execução de
palestras e cursos já há um retorno financeiro adequado e similar ao pago pelas agências de
publicidade de Porto Alegre: “o Gabriel tem a empresa dele, a Cosmonauta, mas eu me dedico
100%.”4 Isso apesar de afirmarem que as ideias em si não são monetizadas de nenhuma
maneira. Referente ao desenvolvimento das ações, os participantes relataram que a quantidade
de pessoas envolvidas é muito relativa. Algumas foram realizadas apenas pelos dois
entrevistados enquanto outras receberam a participação de, ao menos na concepção da ideia,
em torno de trinta pessoas. Segundo Luciano, “a questão de execução também depende, tem
ideia que é só eu e ele, mas quase sempre alguém nos ajuda.” A ação “Socialnema”, por
exemplo, obteve a contribuição da Gabriela Guerra (administradora) e do Gus Bozzetti
(designer), enquanto a “Paraíso do Golfe” foi feita apenas pelos fundadores, mas, segundo
Luciano, com uma câmera de vídeo emprestada.
A Shoot The Shit sob o olhar de Gabriel Gomes é de “uma organização que induz, cria
e executa projetos através da participação das pessoas, para melhorar a cidade.”5 Em seu
endereço na Internet6 o grupo mobilizador define-se como um mediador entre os cidadãos e a
democracia, uma vez que busca engajar as pessoas, mobilizando-as a “criar, financiar e
executar projetos que causam impacto positivo na sociedade.” A intenção é desenvolver as
4 Todas as respostas do entrevistado Luciano Braga encontram-se no ANEXO C.
5 Todas as respostas do entrevistado Gabriel Gomes encontram-se no ANEXO C.
6 Disponível em: www.shoottheshit.cc
62
ideias necessárias para que Porto Alegre se torne uma cidade “mais inteligente, conectada,
criativa e divertida”, afinal na concepção do grupo, os problemas podem ser resolvidos de
maneira aberta e compartilhada. Eles entendem que “por diversas vezes, as soluções que
surgem na base da pirâmide são subestimadas pelas grandes corporações, organizações e
governo”, ou seja, eles buscam modificar essa realidade, desenvolvendo “ideias com pessoas
que vivem os problemas do dia a dia da cidade”, afirmando: “elas são os agentes da mudança
que queremos ver.”
A partir desse princípio norteador, o grupo Shoot The Shit colocou em prática no dia
29 de agosto de 2010 a sua primeira intervenção urbana intitulada “Salve uma vida, apague o
seu cigarro”, em função do Dia Nacional do Combate ao Fumo. A ideia inicial partiu de
Gabriel Gomes, que já a havia apresentado para os colegas da agência de publicidade onde
trabalhava no período. Cem adesivos foram colocados em postes nas calçadas, em dois locais
com intensa circulação de indivíduos em Porto Alegre. Os postes pareciam cigarros, nas cores
branco e amarelo, atraindo o público. De acordo com o site do grupo, “a ação chamou
bastante atenção pela sua mensagem forte e pela simplicidade da execução, sendo destacada
nos principais sites de publicidade do mundo”, como Ads Of The World7, Copyranter,
Comunicadores8 e AdOnline em 30 de agosto de 2010.”
7 Disponível em http://adsoftheworld.com/media/ambient/antismoking_street_poles?size=original
8 Disponível em http://comunicadores.info/2010/09/02/marketing-guerrilha-anti-fumo/
63
Ilustração 3 – “Salve uma vida, apague seu cigarro” no site AdOnline
Fonte: disponível em: <http://www.adonline.com.br/ad2005/index.asp>. Acesso em: em 30 de
agosto de 2010
No site Comunicadores a notícia recebeu o título: “Mobiliário urbano usado em
campanha contra o fumo”, sendo publicada no dia 2 de setembro de 2010 por Lucas Pereira.
Segundo Gabriel Gomes, neste período a exigência era bem menor e, portanto, as únicas
dificuldades eram a falta de conhecimento sobre a execução de ações mobilizadoras, e a falta
de tempo e de recursos financeiros para investir nas ideias. De acordo com Gabriel, não
existia “uma necessidade de executar projetos.”
A ação desenvolvida em seguida, também com um caráter de intervenção urbana, foi a
“Mexa-se”. O objetivo era levar o exercício físico para as paradas de ônibus, driblando a falta
de tempo de muitos cidadãos para os cuidados com a saúde. Um aparelho de ginástica foi
disponibilizado, sendo utilizado por em média vinte pessoas, o que gerou um conteúdo
disseminado na Internet, levando mais pessoas a refletir “sobre sua saúde e sobre o que anda
fazendo com o seu tempo livre.” Conforme divulgado no site do grupo, “a ação atingiu os
64
mais importantes blogs de comunicação do mundo, chegando a países como Rússia, Espanha,
Estados Unidos, Inglaterra e Canadá.” Durante a palestra realizada na UNISC em maio de
2013, Gabriel e Luciano afirmaram que essa ação não custou absolutamente nada, uma vez
que o aparelho de ginástica utilizado foi emprestado. A única dificuldade, no entanto, foi a
vergonha dos indivíduos que passavam pelo local, um sentimento mais forte do que a
curiosidade gerada pela interferência urbana.
E então surgiu a ação “Paraíso do Golfe”, a que gerou mais visibilidade e
reconhecimento ao grupo. Segundo os participantes: “para mostrar o péssimo estado das ruas
de Porto Alegre, nós transformamos o asfalto esburacado da cidade em um grande campo de
golfe.” A ideia é de Luciano Braga e o custo da ação foi de apenas 5,90 libras, ou seja, o
preço do taco de golfe comprado por Gabriel Gomes durante uma viagem ao exterior.
Segundo os idealizadores, conforme explicado durante a palestra na UNISC, para gravar o
vídeo de divulgação da ação eles buscaram referências do jogo de golfe, tais como a postura
dos jogadores e o vestuário utilizado. Pesquisaram também os buracos próximos às ruas onde
eles costumavam trafegar e combinaram o melhor dia para a gravação: um domingo, devido
ao pouco movimento. Esta fase da ação demorou aproximadamente um mês para ser
realizada. O vídeo publicado no site Youtube alcançou 80 mil visualizações em uma semana.
O conceito da ação foi criado a partir de um processo de busca de elementos de outros
universos, que associados a um ambiente diferente, causam uma curiosidade e maior
visibilidade. Para Gabriel e Luciano, “sempre existe uma forma mais criativa de falar sobre a
mesma coisa”, ao que eles acrescentam dizendo que tapar os buracos com cimento resolveria
o problema neste caso, “mas a criatividade traz mais engajamento” e repercussão.
Várias entrevistas foram dadas sobre a ação em canais da TV brasileira: no programa
Bom Dia Brasil da Rede Globo, no Jornal do Almoço da afiliada RBS TV, no programa SBT
Rio Grande, no Hoje em Dia da TV Record e na Rede Bandeirantes. No site do programa
Bom Dia Brasil uma notícia intitulada “Jovens de Porto Alegre aproveitam buracos nas ruas
para jogar golfe”,9 foi publicada no dia 17 de maio de 2011, com uma afirmação do então
secretário municipal de Obras e Viação de Porto Alegre, Cássio Togildo, que se mostrou
contrário a ação do grupo. Segundo ele os orçamentos da prefeitura, cerca de 30 milhões de
reais, são muito bem investidos: “portanto, eu acredito que nós estamos no caminho certo de
conservações das nossas vias da cidade de Porto Alegre sem golfe. Golfe é para campo de
9 Disponível em: http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2011/05/jovens-de-porto-alegre-aproveitam-
buracos-nas-ruas-para-jogar-golfe.html
65
Golfe”, afirmou. A ideia também foi divulgada no blog de publicidade Brainstorm 910
, no
blog do jornalista e apresentador Marcelo Tas11
e no site do jornal A Zero Hora no dia 10 de
maio de 201112
, onde o participante Luciano Braga questionou: “queremos o óbvio: que
acabem os buracos na cidade. Se há buracos em ruas de bairros considerados nobres, imagina
na periferia.” A ação “Paraíso do Golfe” também foi premiada como a melhor “Ação do
Bem” no Festival Mundial de Publicidade de Gramado, em setembro de 2011, e segundo os
participantes do grupo todos os buracos que aparecem no vídeo foram concertados.
Em seguida, o projeto “POA precisa” ampliou a atuação do grupo mobilizador Shoot
The Shit: um painel de uma esquina movimentada da capital gaúcha foi transformado em um
espaço para a manifestação dos cidadãos, acerca do que a cidade precisa para ficar melhor.
Foram inscritas diversas vezes com spray a frase “Porto Alegre precisa de mais...”, seguida
por um espaço em branco para as respostas. Essas eram escritas em giz e de acordo com o site
do grupo “eram 60 lacunas ao total” sendo que “todas foram preenchidas em apenas um dia”,
inclusive “as pessoas começaram a preencher o restante do tapume, transformando aquele
espaço em uma obra de arte.” De acordo com os criadores, a intervenção despertou “nas
pessoas o senso de preocupação com a cidade, além de gerar uma reflexão sobre o papel de
cada uma dentro dela.” O investimento, destinado a compra dos materiais utilizados, totalizou
R$21,50, não havendo a solicitação prévia para uso do local. Como referências para a
concepção da ideia foram utilizadas as intervenções criadas pela artista Candy Chang. A ação
sofreu repercussão na Internet, sendo criado um espaço específico para a divulgação de todas
as respostas dos cidadãos através de fotografias13
. A notícia circulou em diversos portais
como o Hypeness14
, site brasileiro caracterizado por divulgar ações sociais, e no site de arte
coletiva Before I Die15
, criado por um americano. A intervenção do grupo também foi
divulgada no site do jornal A Zero Hora de Porto Alegre16
, no dia 16 de setembro de 2011, e
no próprio jornal impresso. Segundo afirmação feita durante a palestra na UNISC, a ação foi
replicada em outros locais de Porto Alegre, a pedido da prefeitura, com estrutura autorizada,
10
Disponível em: http://www.brainstorm9.com.br/22703/web-video/porto-alegre-o-paraiso-do-
golfe/?ModPagespeed=noscript 11
Disponível em: http://blogdotas.terra.com.br/2011/05/10/porto-alegre-o-paraiso-do-golfe-de-rua/ 12
Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2011/05/em-video-estudantes-simulam-jogo-de-
golfe-para-denunciar-buracos-em-vias-da-capital-3305070.html 13
Disponível em: www.poaprecisa.tumblr.com 14
Disponível em: http://www.hypeness.com.br/2011/09/do-que-porto-alegre-precisa/ 15
Disponível em: http://beforeidie.cc/site/porto-alegre/ 16
Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2011/09/painel-em-esquina-propoe-reflexao-
sobre-os-problemas-da-capital-3490093.html
66
mas, segundo eles, essa abertura poderia ser ampliada cada vez mais, transformando tal
espaço artístico em uma forma de comunicação da sociedade com o poder público.
A partir da concretização destas primeiras ideias, o grupo Shoot The Shit começou a
adquirir credibilidade e também a conquistar o apoio de diferentes corporações. Em parceria
com o Grupo RBS TV, em janeiro de 2012, foi impresso para o projeto “Artemosfera”, um
poema do escritor Mario Quintana em tamanho gigante, com o objetivo de enaltecer a
produção cultural do estado, como também abrir “os olhos das pessoas para alguns detalhes
da cidade que poderiam ser mais interessantes, como o imenso muro branco e descuidado em
que o poema foi colado”, afirmam os organizadores no site do grupo. Consequentemente a
iniciativa foi noticiada no site do jornal A Zero Hora no dia 12 de janeiro de 2012.17
A ação que obteve mais desdobramentos foi a “Que Ônibus Passa Aqui”, dividindo-se,
de acordo com o grupo, em três fases. A ideia surgiu a partir de uma constatação simples: “a
grande parte dos pontos de ônibus de Porto Alegre, assim como acontece na maioria das
cidades do Brasil, não possuem sinalização informando quais ônibus passam” em cada um. O
fato faz com que vários usuários – de cidadãos a turistas - percam seu tempo ao tentar utilizar
o meio de transporte, ou seja, o objetivo era alertar a administração pública acerca desse
problema. Devido a dificuldades financeiras e pela falta de padronização dos pontos de ônibus
de Porto Alegre, a solução foi “simplificar a ideia até chegar num modelo colaborativo18
, que
além de resolver todos os problemas técnicos de produção, ainda trazia a população da cidade
para participar do projeto.” Então, na primeira fase foram impressos 50 adesivos verticais com
um espaço em branco para a resposta dos indivíduos, totalizando um investimento no valor de
R$100,00. A pergunta era: “Que ônibus passa aqui?”. Uma notícia publicada no dia 6 de
fevereiro de 2012 no site do jornal A Zero Hora19
ressaltou a importância da iniciativa mas
também divulgou a opinião de Vanderlei Cappellari, secretário de Mobilidade Urbana e
diretor-presidente da EPTC no referido ano, que considerou a ideia interessante, mas
irregular. Segundo ele, “qualquer adesivagem em mobiliário público só pode ser feita com
autorização do órgão responsável, no caso, a EPTC. Aconselho que eles nos procurem para
podermos avaliar a melhor maneira de proceder com essa ideia.” A mesma informação foi
17
Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/cultura-e-lazer/artemosfera/noticia/2012/01/com-poema-de-
mario-quintana-obra-de-publicitarios-incentiva-a-leitura-3628905.html 18
Segundo Gabriel Gomes, em seu discurso durante a palestra realizada na UNISC em maio de 2013, o modelo
colaborativo significa que as ideias são criadas pela Shoot The Shit, mas que o objetivo é torná-las facilmente
replicáveis e executáveis por qualquer cidadão. No caso da ação “Que Ônibus Passa Aqui” o fato de cada
indivíduo cuidar de uma parada de ônibus, colando um dos adesivos, exemplifica um projeto colaborativo. 19
Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/noticia/2012/02/com-adesivos-grupo-sugere-que-usuarios-
indiquem-percurso-dos-onibus-3655162.html
67
divulgada no blog de criatividade IdeaFixa20
no dia 08 de fevereiro, data da reportagem
realizada pela TV Record21
, que entrevistou além do grupo, o gerente da EPTC Carlos Pires,
que relatou a intenção de reunir-se com os responsáveis para melhorias da ideia. No entanto, a
partir dessa primeira ação foi filmado um vídeo para a plafatorma de financiamento coletivo,
o Catarse22
, com a intenção de alcançar 6 mil reais em doações para a impressão dos 5 mil
adesivos restantes para abranger toda a cidade. O valor estipulado, no entanto, foi mais baixo
para não gerar o veto do site. Após dois dias foram arrecadados mil e quinhentos reais, o que
chamou a atenção dos meios de comunicação, “fazendo com que a Prefeitura decidisse bancar
o projeto e as doações não fossem mais necessárias”, segundo o site da Shoot The Shit. O
resultado foi tão surpreendente que até mesmo o Catarse publicou o financiamento realizado
pelo grupo em seu blog em 16 de fevereiro de 201223
, enfatizando o recorde em arrecadação e
participação, “superando em 352% o orçamento planejado”, além de ter conquistado a
atenção da prefeitura de Porto Alegre.
Assim iniciou-se a segunda fase do projeto “Que Ônibus Passa Aqui”: a EPTC
(Empresa Pública de Transporte e Circulação) convidou a Shoot The Shit para desenvolver um
adesivo em parceria, com as linhas de ônibus já impressas. Segundo o site do jornal A Zero
Hora, em uma notícia publicada no dia 4 de julho de 201224
, a EPTC adesivou as avenidas
Cristóvão Colombo e Benjamin Constant com a indicação do número e nome da linha dos
ônibus que passam por cada parada. Segundo Pires, “tivemos apenas que adequar a ideia às
normas e regras de transporte, garantindo que todo e qualquer dado informado seja fiel à
realidade. O objetivo é qualificar a informação para quem utiliza ônibus.” O fato recebeu uma
repercussão positiva na página da EPTC no Facebook, com um aumento considerável na
quantidade de interações, sendo também divulgado no site da Prefeitura Municipal de Porto
Alegre, onde Pires afirma: “oficializamos uma ação criativa que teve repercussão positiva
com os usuários.”
20
Disponível em: http://www.ideafixa.com/shoot-the-shit 21
Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=xopYJt68Wdw 22
Projeto de financiamento da Shoot The Shit disponível em: http://catarse.me/pt/que-onibus-passa-aqui-shoot-
the-shit 23
Disponível em: http://webmais.net.br/catarse/?p=17726513625 24
Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/noticia/2012/07/prefeitura-da-capital-inicia-processo-de-
adesivagem-de-paradas-de-onibus-na-quinta-feira-3811091.html
68
Ilustração 4 – “Que Ônibus Passa Aqui” no site da Prefeitura Municipal de Porto Alegre
Fonte: disponível em: <http://www2.portoalegre.rs.gov.br/portal_pmpa_novo/>. Acesso em: 4
de julho de 2012
No dia seguinte (5 de julho) o site da Zero Hora publicou outra notícia25
que continha
a seguinte afirmação da diretora de Transportes, Maria Cristina Molina Ladeira: “será um
teste, vamos avaliar a aceitação e a durabilidade para decidir se será expandida.” No dia 5 de
julho também foi publicada uma notícia no portal G1 Rio Grande do Sul, intitulada: “Pontos
de ônibus de Porto Alegre ganham adesivos que indicam linhas”, com o subtítulo “Prefeitura
adaptou a ideia e começou a colocação nesta quinta (5)”.
25
Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/transito/noticia/2012/07/paradas-de-onibus-da-capital-
recebem-adesivos-informativos-3811969.html
69
Ilustração 5 – “Que Ônibus Passa Aqui” no portal G1 Rio Grande do Sul
Fonte: disponível em: <http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/index.html >. Acesso em: 5
de julho de 2012
Luciano Braga, integrante da Shoot The Shit respondeu algumas colocações da EPTC
em uma notícia divulgada pelo site do Grupo Bandeirantes, no dia 6 de julho26
: “a questão do
vandalismo existe, mas não podemos deixar de fazer algo por conta disso. A EPTC possui
verbas para repor o material se for necessário.” Para os integrantes do grupo o medo da
interferência negativa das pessoas só oferece obstáculos ao processo criativo. O ideal,
segundo eles, é pensar os projetos como um espiral, em que os problemas são resolvidos
somente quando começam a acontecer efetivamente, após o impacto inicial da ação
executada. Porém os adesivos oficiais que foram colados sofreram a ação de alguns vândalos,
o que criou um receio por parte da Prefeitura de Porto Alegre. No dia 16 de novembro o site
26
Disponível em: http://www.bandrs.com.br/noticias/index.php?n=25407&p=26&PHPSESSID=
70
do jornal A Zero Hora publicou uma notícia27
com o título: “EPTC revê projeto dos adesivos
nas paradas de ônibus da Capital.” Novamente o diretor-presidente da EPTC, Vanderlei
Cappellari se pronunciou afirmando: “estamos aguardando o resultado da avaliação, que
definirá se vale ampliar o projeto”, ao que o participante do grupo, Gabriel Gomes, rebateu:
“deixamos bem claro que devem colocar mais adesivos. É ingenuidade crer que ninguém vai
arrancá-los ou pichá-los. Esse projeto já conta com um valor para isso.” No dia 18 de
novembro a Shoot The Shit manifestou-se no Facebook acerca do assunto28
, enfatizando sua
opinião: “não podemos deixar de beneficiar milhares de pessoas que pegam ônibus
diariamente, por causa de meia dúzia de pessoas que não pensam no coletivo e na vida em
sociedade.” Aproveitando também para perguntar aos seus seguidores na rede: “e então, o que
vocês acham: ampliar ou abandonar?”
Apenas em fevereiro de 2013 a ideia foi novamente retomada a partir da gravação de
um pequeno documentário sobre o projeto para o Imagina na Copa29
, um grupo responsável
por compartilhar na Internet ações que mudam o país, oferecendo também oficinas presenciais
voltadas a essa temática, com o objetivo de preparar positivamente o Brasil para a Copa do
Mundo de Futebol em 2014. Portanto, “durante a gravação surgiu a ideia de levar o projeto
para todo o Brasil”, iniciando-se assim a terceira fase do “Que Ônibus Passa Aqui”. Nesse
momento a campanha começou a alcançar todas as regiões do país, sendo notícia em meios de
comunicação como Folha de São Paulo30
, Estadão, Veja, Globo e SBT. Sobre o primeiro
veículo o participante Luciano Braga se pronunciou em seu perfil pessoal no Facebook31
,
colocando que o fato do projeto aparecer na Folha de São Paulo, “talvez o maior jornal do
país, considerando o tamanho do Brasil e a quantidade de notícias que existem circulando por
aí, é uma vitória e que merece ser comemorada.” Na reportagem, divulgada no dia 1 de
março, Luciano afirma: “se não pudermos contar com o apoio da prefeitura, esperamos que o
projeto continue por iniciativa popular. (...) é muito mais fácil cada pessoa cuidar de três
adesivos, do que a EPTC cuidar de 6000.” E foi exatamente isso que aconteceu através de um
27
Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2012/11/eptc-reve-projeto-dos-adesivos-nas-
paradas-de-onibus-da-capital-3953903.html 28
Disponível em:
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=457844504262440&set=a.191560617557498.47040.187018991344
994&type=1&relevant_count=1 29
Disponível em: http://imaginanacopa.com.br/ 30
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/empreendedorsocial/minhahistoria/1238649-o-nosso-processo-
criativo-e-viver-a-cidade-andar-antenado-e-ver-o-que-podemos-fazer.shtml 31
Disponível em:
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=4028188323317&set=a.1218082592430.24455.1839847193&type=
1&relevant_count=1
71
vídeo, responsável por convocar os indivíduos na Internet a partir do dia 4 de março de 2013,
repercutindo o objetivo de convocar “o maior número de pessoas possível para levar o projeto
para suas respectivas cidades.” No site do grupo consta que o projeto, ainda em andamento,
“contou com a participação de mais de 20 cidades, cerca de 5 mil pessoas (...) e mais de 6 mil
adesivos impressos.” Assim, o grupo conseguiu driblar o processo extremamente burocrático
da EPTC em Porto Alegre, segundo afirmação feita durante a palestra realizada na UNISC. A
mobilização aconteceu principalmente através da Rede Social Facebook e a partir do site do
grupo que disponibilizou, com a ajuda do Imagina na Copa, o adesivo e as instruções para
impressão.
Ilustração 6 – Instruções da ação “Que Ônibus Passa Aqui”
Fonte: Acervo do grupo. Disponível em: <shoottheshit.cc>. Acesso em: 7 de maio de 2013.
72
Ilustração 7 – Adesivo da ação “Que Ônibus Passa Aqui”
Fonte: Acervo do grupo. Disponível em: <shoottheshit.cc>. Acesso em: 7 de maio de 2013.
Enfim, o projeto “Que Ônibus Passa Aqui” recebeu simpatizantes em diferentes
estados do Brasil: em Florianópolis (SC) segundo notícia publicada no portal G1 em 10 de
março32
; no dia 12 de março também no G133
referente à colagem de adesivos no Distrito
Federal; em São Paulo no dia 13 segundo o site do jornal Folha de São Paulo34
, que também
abordou a problemática das novas paradas de ônibus na cidade com coberturas feitas em
vidro; e em Manaus, segundo a própria página da Shoot The Shit no Facebook35
. Lá a ação
chamou a atenção das autoridades locais, que contribuíram para a criação e impressão do Guia
Ônibus Manaus, que também conta com um endereço de busca na Internet36
. O jornal Gazeta
32
Disponível em: http://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2013/03/projeto-que-onibus-passa-aqui-vai-
adesivar-pontos-em-florianopolis.html 33
Disponível em: http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2013/03/grupo-inicia-sinalizacao-colaborativa-em-
paradas-de-onibus-do-df.html 34
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1245258-novos-abrigos-high-tech-de-sp-nao-
informam-itinerarios-de-onibus.shtml 35
Disponível em:
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=461535400560017&set=a.191560617557498.47040.187018991344
994&type=1&relevant_count=1&ref=nf 36
Disponível em: http://www.onibusmanaus.com.br/
73
do Sul também noticiou os adesivos colados em Santa Cruz do Sul (RS) por voluntários no
dia 19 de março.
Ilustração 8 – “Que Ônibus Passa Aqui” no jornal Gazeta do Sul
Fonte: disponível em: <http://www.gaz.com.br/gazetadosul/>. Acesso em: 19 de março de
2013
Além disso, a ideia também foi aplicada em outros países, como o México, que
adaptou a linguagem visual do adesivo.
74
Ilustração 9 – Projeto Movilidad Colectiva, desenvolvido no México
Fonte: disponível em: <https://www.facebook.com/MovilidadColectiva?fref=ts>. Acesso em:
14 de maio de 2013
A passarela que liga os dois lados do campus da PUCRS, em Porto Alegre, também
recebeu a intervenção da Shoot The Shit. Chamada de “Tá Com Pressa” a ideia foi organizar o
“trânsito” das pessoas e a solução para isso foi bem simples: adesivos com sinalizações.
Partindo do princípio de que “no exterior, já faz parte da cultura ficar à direita em escadas
rolantes, calçadas e corredores” permitindo que pessoas mais apressadas passem pela
esquerda, foram colados adesivos com flechas indicativas nos dois lados da passarela.
Segundo os organizadores, “alguns minutos depois da colagem, já era possível ver as pessoas
andando de acordo com a sinalização.” O problema foi identificado a partir da vivência
75
pessoal dos próprios participantes da Shoot The Shit, que investiram aproximadamente
R$250,00 na ação. Mais uma vez a ideia do grupo foi divulgada no site Hypeness.37
As ideias da Shoot The Shit também foram levadas para os alunos do Ensino Médio do
Colégio Farroupilha, um dos maiores colégios particulares de Porto Alegre. De acordo com o
site do grupo “o projeto abria espaço para os estudantes discutirem suas percepções sobre a
cidade e encontrar soluções para os seus problemas.” Os organizadores ministraram uma
palestra para 500 estudantes, seguida por um workshop para cerca de 100 alunos, onde foi
ensinada a metodologia da Shoot The Shit para que cada grupo de alunos buscasse soluções
para os problemas encontrados no cotidiano, muitas vezes comum a todos. Foram
introduzidas “técnicas de brainstorming, facilitando o surgimento de novas ideias e
empoderando os alunos para que eles mesmos tomassem decisões com relação aos projetos.”
Os principais problemas colocados foram “a mobilidade urbana, a consciência
ecológica e a falta de interação entre as pessoas no transporte público.” A partir disso, a ação
que visava resolver um problema de mobilidade urbana recebeu o título de “Sobe Aqui”,
surgida a partir da identificação pelos alunos que no bairro há poucas calçadas com acesso
para cadeirantes. Para despertar a consciência da administração pública e do restante dos
cidadãos foram colocadas rampas nas calçadas com a frase “Aqui seria um bom lugar para
uma rampa de verdade.” Outra ação colocada em prática foi a “Calma, lixo é no lixo”, na qual
foram pintadas nas calçadas próximas ao colégio frases como “Calma, lixeira a 15 metros” e
“Calma, lixeira a 30 metros” com o objetivo de incentivar as pessoas a esperar a próxima
lixeira antes de poluir o espaço urbano. A terceira ação, chamada “Bonde do Sorriso”, visava
incentivar a interação e os gestos de gentileza entre as pessoas no transporte público, ou seja,
“cada pessoa que entrava na lotação e respondia o boa tarde dados pelos alunos, recebia uma
pequena festa como prêmio.”
Todas as atividades realizadas pelos alunos do Colégio Farroupilha foram filmadas e
documentadas, se tornando um conteúdo para disseminação nas Redes Sociais e também em
portais de notícia como o Terra.38
A novidade para o ano de 2013, segundo os participantes, é
o contrato com o grupo para o desenvolvimento de um conjunto de ações com os alunos de
diferentes séries do Colégio Farroupilha, que serão posteriormente utilizadas pela instituição
37
Disponível em: http://www.hypeness.com.br/2012/09/como-uma-ideia-simples-pode-mudar-a-vida-dos-
pedestres-de-uma-grande-cidade/ 38
Disponível em: http://noticias.terra.com.br/educacao/noticias/0,,OI6350394-EI8266,00-
RS+alunos+desenvolvem+propostas+de+cidadania+para+Porto+Alegre.html
76
como material publicitário. Na palestra realizada em maio na UNISC, Gabriel e Luciano
afirmaram que a iniciativa também será levada para algumas escolas públicas.
No início de 2013 a Rua Anita Garibaldi em Porto Alegre, foco de engarrafamentos
diários, estava sendo alvo de polêmicas entre administração pública e comunidade. Segundo a
Shoot The Shit, a rua estava “parcialmente bloqueada para a construção de uma trincheira que
visa desafogar o fluxo de veículos”, obra que tem gerado discussões e protestos
principalmente por parte dos cidadãos locais, “que se mostram em grande parte contrários à
trincheira.” O grupo, no entanto, utilizou as Redes Sociais para mobilizar os cidadãos em
torno de uma questão mais abrangente: a mobilidade urbana de toda a cidade. O conceito
surgiu com o objetivo de discutir novas formas para exigir da administração pública a
resolução dos problemas da capital, sendo que para isso, segundo os idealizadores, é preciso
primeiramente conhecer e formular soluções possíveis, que podem ser inspiradas pelas
atuações de outros países. A ideia desenvolvida recebeu o nome de “Socialnema: um cinema
social ao ar livre, gratuito, aberto e itinerante que busca discutir problemas pontuais de cada
local da cidade através de filmes e documentários.” Mais de 300 pessoas compareceram à Rua
Anita Garibaldi para assistir a um documentário sobre a temática e também para discutir e
manifestar suas opiniões sobre a cidade de Porto Alegre e sobre a polêmica da rua em si. O
custo total foi de R$510,00 e a ação acabou repercutindo por diversos meios.
No site do jornal A Zero Hora, por exemplo, uma notícia publicada no dia 17 de
janeiro39
relata que “pela promessa da prefeitura, a mudança no trânsito irá melhorar o fluxo
de veículos na região.” Mas, segundo explicação de Gus Bozzetti, integrante da Shoot The
Shit, “não gostaríamos que a obra saísse sem o debate com os moradores”, ao que a
participante Gabriela Guerra complementa: “a ideia não é ser contra nada, mas sim trazer o
assunto para reflexão e se divertir.” A notícia também foi divulgada no programa Bom Dia
Rio Grande, no canal RBS, afiliada da Rede Globo40
; no site EcoDesenvolvimento41
com o
título “Socialnema: Jovens de Porto Alegre realizam sessão de cinema ao ar livre” e também
39
Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2013/01/via-da-capital-recebe-cinema-ao-ar-
livre-4014668.html 40
Disponível em: http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/videos/t/bom-dia-rio-grande/v/grupo-realiza-sessao-
de-cinema-ao-ar-livre-em-importante-avenida-de-porto-alegre/2352979/ 41
Disponível em: http://www.ecodesenvolvimento.org/posts/2013/janeiro/socialnema-jovens-de-porto-alegre-
realizam-sessao
77
no canal MTV RS, versão estadual da MTV Brasil, dedicada principalmente ao público
jovem42
.
É válido ressaltar que no dia 24 do mesmo mês uma nova notícia sobre a Rua Anita
Garibaldi foi divulgada no site do jornal A Zero Hora e compartilhada pela Shoot The Shit nas
Redes Sociais. Com o título: “Moradores montam acampamento para impedir obra da
trincheira da Anita Garibaldi”,43
o texto relata os novos protestos criados através do site
Facebook e de blogs com o objetivo de reunir pessoas para discutir alternativas para a obra.
Com os nomes de “Anita Camp” e “Anita Mais Verde”, o protesto gerou atrito com alguns
moradores, que relataram: “é uma obra necessária. Se toda vez que o poder público for fazer
uma obra de mobilidade alguém vier protestar, a cidade nunca vai para frente.” Segundo o
jornal a obra deve durar em torno de um ano pelo valor de aproximadamente 16 milhões de
reais, e “a demora ocorreu porque moradores da região e ambientalistas protestaram contra a
realização da obra.”
A metodologia utilizada para a idealização e execução das ações de mobilização
social, a divulgação dessas e a ideia dos participantes acerca das funções dos meios de
comunicação, do ciberespaço e do relacionamento da Shoot The Shit com os públicos a fim de
promover a coletivização serão abordadas em seguida, a partir da entrevista realizada com
Gabriel Gomes e Luciano Braga no dia 30 de abril de 2013 em Porto Alegre (ANEXO C).
3.3 Análise do potencial mobilizador da Shoot The Shit
3.3.1 O que é Mobilização Social para a Shoot The Shit?
Mobilizações sociais efetivas exigem a existência de um objetivo comum a vários
sujeitos, que buscam movimentar e alterar questões sociais em benefício do todo, almejando a
construção de um projeto futuro. O modelo democrático prevê essa preocupação conjunta e a
corresponsabilidade de todos em torno do bom funcionamento da sociedade, atuando nos
42
Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=3IfALU5jBmY&feature=youtu.be 43
Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2013/01/moradores-montam-acampamento-
para-impedir-obra-da-trincheira-da-anita-garibaldi-4021273.html
78
âmbitos em que a administração pública, sozinha, não atinge. As mobilizações sociais não são
uma novidade, elas apenas assumem diferentes formulações conforme o período de execução
e intenção pretendida. O grupo Greenpeace, por exemplo, opta por amarrar participantes em
troncos de árvores com o objetivo de impedir o desmatamento através da exposição nos meios
de comunicação, que geram mais visibilidade às causas ambientais defendidas, enquanto que
a Pastoral da Criança visa, através do mesmo meio, obter apoio financeiro para viabilizar a
sua atuação em meio a famílias carentes do Brasil.
Nessa perspectiva a Shoot The Shit, pode ser considerada uma organização que ocupa
um espaço caracterizado pela manifestação pública, um dos tipos possíveis de mobilização
social, admitida como uma forma de disseminação da cultura da mobilização, inspirando e
incentivando o surgimento de outros grupos e ideias semelhantes. Ou seja, a Shoot The Shit
cria projetos com o intuito declarado de serem benéficos para uma parcela da população, mas
assume, principalmente, o discurso de, segundo Gabriel Gomes, “fazer com que as pessoas
mudem a sua percepção em relação à cidade e mudem a maneira com que elas participam das
questões da cidade”. Eles admitem que buscam promover (re)definições coletivas, a partir do
compartilhamento de ideias, soluções e conhecimentos, promovendo um aprendizado
conjunto. Essa é a principal diferença entre a Pastoral da Criança e a Shoot The Shit, por
exemplo. Percebe-se que o enfoque da primeira está na ação ampla e efetiva, direcionada aos
problemas que precisam ser resolvidos, visando a atuação sobre as deficiências em saúde,
educação, cidadania e espiritualidade nas comunidades pobres, através dos voluntários
cadastrados e espalhados por todo o país. Em contraponto, a Shoot The Shit preocupa-se
primordialmente com o conteúdo que é disseminado e publicizado aos indivíduos com a
intenção de promover a cultura da proatividade à mobilização social, disseminando ideias
criativas que podem ser adotadas por outros sujeitos sem a atuação direta dos responsáveis
pelo grupo. Um tipo de movimento que surge a partir das novas tecnologias comunicativas, de
fácil acesso – principalmente aos públicos mais jovens -, repercussão e interação.
Os idealizadores, no entanto, enxergam a diferença existente entre os projetos
mobilizadores sob outra perspectiva. Segundo Gabriel Gomes, a Shoot The Shit está
“ancorada em três pilares, que é criatividade, inteligência e fazer o bem”, assumindo de
acordo com a noção deles, objetivos mais amplos e superiores, não sendo apenas um “projeto
de assistencialismo”, com o “objetivo unilateral” de arrecadar recursos para ajudar indivíduos
financeiramente necessitados, por exemplo. A ideia “é pensar um projeto que todo mundo
pode sair ganhando”, afirma Luciano, é planejar uma forma mais sustentável de mobilização
79
social do que aquela praticada pelas ONG‟s, que acabam realizando um “caminho de uma via
só.” Para Gabriel “a maioria dos projetos de ONG não tem criatividade”, eles apenas
entendem o problema e o resolvem, fazendo e propagando o bem, mas de maneira muito
“paliativa”. No entendimento dos idealizadores do grupo, realizar ações criativas é enxergar
novas possibilidades, caminhos, responsáveis por alcançar e mobilizar de maneira mais
efetiva os públicos, compostos principalmente por jovens. A intenção identificada nos
participantes da Shoot The Shit é a de alterar o “modelo mental da sociedade”, enfatizando em
suas ações a criatividade, o discurso e a possibilidade de repercussão da ação na mídia,
enquanto que o Greenpeace, por exemplo, promove petições públicas que podem ser
assinadas pelos próprios usuários da Internet, com o objetivo de alterar a legislação ambiental
do Brasil.
Em Porto Alegre está em funcionamento o Orçamento Participativo desde 1989, um
processo, segundo o site da prefeitura44
, em que a população decide de forma direta, o destino
de aplicação dos recursos em obras e serviços executados pela administração pública. Mas,
segundo a palestra realizada na UNISC, os participantes do grupo, Gabriel e Luciano,
associam isso à cultura do “pedir” e não ao “fazer acontecer” realmente, ou seja, para eles as
mudanças efetivas no espaço público acontecem apenas quando são pensadas formas criativas
de chamar a atenção de toda a sociedade e da mídia, do contrário a administração pública não
resolve em período viável as solicitações.
Enfim, segundo os entrevistados, “alguns meios” como jornal e televisão, definem os
participantes da Shoot The Shit como empreendedores sociais: “talvez sim, talvez a gente seja
ativista, talvez a gente seja publicitário.” Na verdade, Gabriel expõe que não sabe
“exatamente qual é a nomenclatura”, mas acredita estar “caminhando para um
empreendedorismo social.” Luciano encara a pergunta de uma maneira mais despojada: “eu
acho que essa expressão de ativismo vai mudar, já vem mudando sabe?”, ou seja, ele se define
como uma pessoa que quer fazer “coisas” interessantes para melhorar a cidade de Porto
Alegre com a contribuição do maior número de cidadãos possíveis, de maneira inteligente e
criativa. O grupo como um todo, segundo eles, acaba recebendo a denominação de
organização, afinal: não é uma agência de publicidade, não é uma empresa com registro e
CNPJ, não é um coletivo informal, não é uma associação, nem uma fundação. Mas em meio a
incerteza quanto às denominações individuais e do grupo, percebe-se, principalmente, uma
44
Disponível em: http://www2.portoalegre.rs.gov.br/op/
80
preocupação unificada quanto ao planejamento comunicacional - mesmo que não seja
desenvolvido formalmente, mas de maneira intuitiva -, considerado uma das partes
fundamentais para viabilizar ações de mobilização social.
3.3.2 Como é a comunicação para mobilizar?
O viés essencialmente conceitual e discursivo adotado pela organização, que executa
ações mobilizadoras com o objetivo principal de incentivar outros sujeitos a realizar o mesmo,
parte principalmente do percurso profissional dos idealizadores. Como publicitários, Gabriel e
Luciano, acreditam que ações de pouco impacto prático significativo promovem uma
mudança na sociedade a partir do momento em que são amplamente divulgadas. O enfoque
mobilizador recai sobre a repercussão.
Na ação “Paraíso do Golfe”, por exemplo, o sucesso é atribuído ao alcance e cobertura
midiática sobre a ideia executada, e não acerca de uma possível resolução do problema, de
maneira efetiva. Para Gabriel, a Shoot The Shit é uma organização que a partir de “eventos,
seminários, workshops, oficinas (...) induz que as pessoas criem projetos para a sua cidade.”
Segundo Testa (1996), o indivíduo que participa e incentiva projetos mobilizadores acaba se
realizando como agente comunicador. Por esse motivo, Luciano afirma que a motivação
maior para iniciar as atividades da Shoot The Shit foi “a vontade de querer fazer coisas
diferentes”, afinal, segundo ele, o mercado publicitário ainda é conservador e impõe muitos
obstáculos à comunicação: “a gente meio que criou ela para libertar a nossa criatividade. Um
lugar onde a gente não teria amarras.” Gabriel complementa: “a principal mudança foi a
maneira como a gente enxergava a nossa profissão”, sendo que a partir da criação do grupo
foi possível ir muito além quanto às possibilidades criativas, à diferenciação no mercado
profissional, gerando principalmente uma maior identificação com os projetos executados. É
evidente, portanto, também levando em consideração as primeiras ações realizadas, que a
intenção inicial dos participantes do grupo não era executar algo em prol da sociedade como
um todo, mas sim, diversificar a própria produção criativa, aplicada principalmente ao espaço
público de Porto Alegre.
Para Gabriel, a preocupação sobre o uso adequado da comunicação no grupo Shoot
The Shit se deve ao fato de os fundadores terem trabalhado e adquirido experiência em
81
agências de publicidade, afinal, “nos deu critério pra gente entender o que é bom e o que é
ruim.” Ele trabalhou nas agências DCS (de agosto de 2008 a junho de 2009) e Competence
(de agosto de 2009 a dezembro de 2010), ambas de Porto Alegre, enquanto Luciano Braga
atuou na Purple (2009), Escala (2010), Dez (2010) e na revista Noize (2012). Essa perspectiva
profissional do processo comunicativo aplicada a projetos de mobilização social é importante,
segundo Henriques (2006), uma vez que as ações que pretendem mobilizar precisam ter
apelos emocionais e ações espetaculares, adequadas e estrategicamente planejadas. Por terem
vivido, como lembra Gabriel, “muito tempo em agência trabalhando com uns „caras‟ muito
bons e aprendendo” eles identificam em si mesmos uma habilidade maior em separar as ideias
boas e prósperas, das ideias ruins que tendem a não funcionar, ou seja, a não mobilizar.
Segundo eles, a Shoot The Shit “tem uma lista de cem ideias a serem executadas”, no entanto,
“muitas delas são ruins.” Para Luciano essa experiência também auxilia na execução das
ideias, afinal “a agência trabalha num formato” e por isso, eles já conhecem os passos
necessários. Algo que foi ensinado até mesmo para os alunos do Colégio Farroupilha, na ação
“Da Escola Pra Vida”, a partir da introdução de técnicas de brainstorm para a criação das
ideias. Além disso, Gabriel acrescenta que a formação acadêmica em Comunicação Social
também acrescentou, oferecendo contatos e conhecimento.
Uma das principais características do grupo, como eles costumam repetir, é a
criatividade, algo que os diferencia de outros projetos de mobilização social. Segundo
Luciano: “a gente tem o know-how da criatividade, a gente sabe como comunicar”,
diferentemente de outros grupos que apresentam boas ideias, mas comunicadas de uma
maneira inadequada, não atraente nem persuasiva: “a gente tem esse cuidado (...) de como se
fosse uma peça publicitária, como se fosse um anúncio para uma empresa, para um cliente”,
com o objetivo de atingir o máximo de indivíduos. No entanto, é preciso alertar para o fato de
que apesar das ações mobilizadoras se assemelharem muito às campanhas publicitárias, o
compromisso com o público é muito diferente. As questões defendidas nesses casos
permeiam o espaço público e coletivo, e não apenas o individual, objetivando despertar a
proatividade dos sujeitos.
Para Luciano, “hoje em dia se comunicar não é uma coisa que todo mundo sabe” e o
próprio processo de criação das ações demonstra isso: após a ideia ser definida, o grupo
começa a fazer mais reuniões, encarando o projeto de maneira profissional, a partir do
cumprimento de prazos e metas, por exemplo. Para Henriques (2006), é evidente que cada vez
mais os projetos de mobilização assumam uma perspectiva profissional, neste caso
82
evidenciada através do planejamento comunicacional, que abrange essa preocupação com a
identidade visual, além da identificação dos adversários e da organização de objetivos e
metas.
Portanto os participantes identificam alguns indivíduos contrários às ideias executadas
pela Shoot The Shit, como os agentes públicos, por exemplo. Para Luciano: “o governo é uma
esfera que a gente tem que achar uma forma de trabalhar de uma forma mais sustentável”,
afinal “eles querem resultado, eles querem dinheiro (...) eles querem voto.” O grupo, segundo
Gabriel, assume uma intenção política, mas não relacionada a um partido político. Ou seja,
posiciona-se com o objetivo de fazer os políticos enxergarem as situações da sociedade que
precisam ser alteradas, a partir de ideias e atitudes que surgem de “debaixo da pirâmide”,
pontua Luciano. A administração pública precisa “rever algum modelo, alguma lei, alguma
coisa, onde essa participação das pessoas em questões da cidade seja mais transparente, mais
dinâmica e mais positiva” para ambos os lados. Hoje, para Gabriel, a Shoot The Shit
desempenha o papel de ligar esses dois lados: “é que a gente conversa com eles e conversa
com as pessoas.” No entanto, na ação “Que Ônibus Passa Aqui”, por exemplo, o grupo não
tentou conversar primeiramente com a EPTC, a fim de buscar uma solução mais simples,
direta e racional. Para Luciano, o fato de eles não aceitarem fazer o adesivo posteriormente só
mostra que eles realmente não teriam a intenção de buscar uma mudança efetiva para o
problema da falta de sinalização dos pontos de ônibus da capital. Ou seja, ele não parece
acreditar que a negociação e o caminho através das vias oficiais sejam eficientes ou rápidas.
Além do fato de que encaminhamentos que procuram os passos legais e burocráticos tendem a
ser monótonos, nada espetaculares, pouco identificados com o mundo midiático, mesmo que
isso não seja verbalmente admitido.
Além desses entraves ou adversários, existem também os ativistas mais militantes e
que se definem como tais, que, segundo Luciano, não entendem um tipo de mobilização que
não funcione a partir da violência, da alta exposição: “porque a gente não funciona nesse
modelo que tem que quebrar a prefeitura pra dar certo”, sentencia Luciano, apesar dessa
afirmação contradizer a alta visibilidade e repercussão pretendidas pela Shoot The Shit.
Eles também possuem uma visão e um desejo futuro para o grupo. Gabriel imagina a
Shoot The Shit “como uma organização que trabalha junto ao governo e junto a marcas,
desenvolvendo projetos” para a cidade de Porto Alegre, através da participação dos próprios
cidadãos, em uma parceria entre a iniciativa privada, pública e os agentes mobilizadores. Na
83
ação “Mexa-se”, por exemplo, uma marca de cunho esportivo poderia ter apoiado a ação. Ou
seja, ao contrário dos dois primeiros anos de existência da organização, em que era
completamente paralela a marcas e partidos políticos, hoje os participantes já visualizam esses
agentes como facilitadores de melhorias para a cidade, o que pode ser denominado de Meta
Societal. Na palestra realizada na UNISC, os participantes ainda alertaram que, no caso das
empresas, por exemplo, é preciso aliar tais ações mobilizadoras à imagem institucional, à
missão e aos valores executados e comunicados para a sociedade.
Conforme a recuperação dos documentos das ações já desenvolvidas pelo grupo, é
possível identificar três delas que já sofreram algum tipo de interferência pública ou privada:
o Grupo RBS TV, na ação “Artemosfera”; a EPTC, no momento em que propôs para a ação
“Que Ônibus Passa Aqui” um adesivo em parceria, com as linhas de ônibus já impressas; e o
Colégio Farroupilha, que inclusive utiliza o material produzido como conteúdo publicitário.
3.3.3 Quais são as funções da comunicação mobilizadora?
Uma das principais funções da comunicação é divulgar e informar aos públicos as
iniciativas e causas defendidas pelos projetos mobilizadores. Segundo Gabriel, o conteúdo da
comunicação executada para a Shoot The Shit recebe como enfoque os “problemas que nos
atingem no dia a dia.” Para Lemos (2004), “podemos notar, na prática daquilo que se
convencionou chamar de comunidade virtual, uma certa efervescência micropolítica, diária,
dirigida aos problemas do dia a dia.” (p. 137) É possível observar que o ciberespaço, apesar
de ser uma rede comunicacional globalizada, promove ações e interações locais, repercutindo
objetivos pequenos e alcançando dimensões imprevistas.
Gabriel acrescenta que depois de identificado o propósito inicial é desenvolvido “um
processo que é de cortar barreiras”, ou seja, a ideia é simplificada ao máximo para ser
viabilizada em tempo e financiamento hábil, afinal eles acreditam que é possível fazer muito
com muito pouco. Portanto, afirmam: “vários projetos que a gente pensou que eram super
complexos, a gente teve (sic) que simplificar até chegar no modelo que fosse possível
executar”, como no caso dos adesivos da ação “Que Ônibus Passa Aqui”. Todo esse processo,
84
segundo eles, é organizado a partir de um gerenciador de tarefas on-line45
, sendo possível
controlar as atividades de cada um dos participantes. Isso se deve ao fato do grupo acreditar
que não adianta ser criativo se não se é, também, organizado: é preciso “direcionar sua
criatividade”, analisa Gabriel. No entanto, uma das peculiaridades da atuação do grupo é a
ordem de execução: primeiro a ação é posta em prática, depois é assinada pela Shoot The Shit.
Eles se consideram totalmente desapegados de qualquer tipo de direito autoral sobre as ideias.
Outra característica identificada é o símbolo criado: “é um globo terrestre que tem um pedaço
fora. A gente é esse pedaço fora”, explica Gabriel. Algo que também se relaciona diretamente
com a atuação publicitária, uma vez que a logomarca é um dos primeiros materiais criados
para os clientes atendidos pelas agências. Assim, o projeto mobilizador organiza-se no
imaginário do público-alvo, mas – é importante ressaltar – nunca de maneira persuasiva,
apenas com a intenção de estreitar os vínculos entre sujeitos participantes e projeto.
Quanto a continuidade das ações, Luciano diz que o grupo procura pensar iniciativas
que possam ser replicáveis em outras cidades, não apenas em Porto Alegre ou no Rio Grande
do Sul, ou seja, o objetivo é atravessar fronteiras, expandindo as ideias: “a gente se preocupa
muito em como deixar ela uma ideia global”, afinal, “outra pessoa realizando é publicidade
pra nós”, o que identifica nos idealizadores uma intenção de alcançar um reconhecimento
pessoal e profissional pelo trabalho executado, não apenas sob o viés social. Gabriel
acrescenta: “a gente lida com os problemas da cidade, então os problemas da nossa cidade
provavelmente são os problemas de outras cidades.” Ou seja, como afirma Castells (2003), as
mobilizações sociais “mais influentes são, ao mesmo tempo, enraizadas em seu contexto local
e voltadas para um impacto global.” (p. 118)
A preocupação do grupo também recai sobre o discurso utilizado pelos participantes,
principalmente nos meios de comunicação. Para Gabriel, é importante, por exemplo, que eles
sejam coesos e claros quanto aos objetivos das ações desenvolvidas pela Shoot The Shit. Para
Luciano, o discurso do grupo vai se formatando a cada ação, a cada entrevista ou na
preparação para palestras e cursos. Ou seja, o entendimento deles sobre o funcionamento das
mobilizações sociais contemporâneas também está em um processo de desenvolvimento.
Perguntados sobre a memória e registros do grupo, os entrevistados revelaram que
guardam os arquivos de divulgação e de citação em meios de massa. Mas, segundo Luciano,
organizar o que é colocado na Internet já se tornou mais complicado, uma vez que os links de
45
Disponível em: www.do.com
85
direcionamento se espalham e são compartilhados muito rapidamente por diferentes sites.
Sobre a ação “Que Ônibus Passa Aqui”, por exemplo, há os dados de quantos indivíduos
acessaram a página para salvar o adesivo e também de quantas cidades adotaram a ideia: em
torno de vinte e sete, segundo Luciano. O site do grupo também contém um histórico de todas
as ações desenvolvidas, de forma bastante completa e informativa, evidenciando a atuação
contínua da Shoot The Shit.
A comunicação também possui a função de coletivizar os indivíduos, desenvolvendo a
credibilidade em torno das ações mobilizadores realizadas. De acordo com Gabriel Gomes, a
Shoot The Shit “nunca trabalhou pra ter credibilidade e isso dá credibilidade.” Ou seja, as
próprias atitudes e ideias dos participantes geraram uma confiança nos sujeitos mobilizados,
que simplesmente gostaram do trabalho realizado, das causas defendidas. Para Luciano, é
importante destacar a “identificação” gerada, segundo ele o grupo executa aquilo que muitos
jovens gostariam de estar fazendo por suas cidades, principalmente através de ideias
interessantes e criativas. No entanto, é importante também realizar um esforço para identificar
de uma forma mais concreta como esse envolvimento se desenvolve.
3.3.4 Como é possível que os sujeitos participem ativamente?
O público da Shoot The Shit é bem amplo, segundo os idealizadores, levando em
consideração que, de maneira generalizada, ela “atua sobre todos os moradores que vivem na
cidade”. Mas Gabriel Gomes afirma que o público atingido pelo grupo não é “todo mundo”,
uma vez que “cada ação tem um público mais específico.” A “Que Ônibus Passa Aqui”, por
exemplo, atinge os indivíduos das classes B, C e D, que utilizam o transporte público, em sua
maioria estudantes, de 18 a 25 anos, sugere Gabriel, a partir de uma referência particular de
universo. Ou seja, é possível identificar e caracterizar apesar disso não ser uma das
prioridades do grupo. Inclusive a metodologia necessária para identificar os públicos dos
projetos mobilizadores é diferente da aplicada para os planejamentos de marketing das
empresas.
Segundo Henriques (2004), os sujeitos poderiam ser identificados a partir da
formulação de uma escala de acordo com os diferentes níveis de atuação no projeto. Para isso,
seria necessário determinar a localização espacial dos sujeitos; o nível de conhecimento
86
acerca das ações desenvolvidas e a partir de que meios (Internet, TV) eles recebem essas
informações; o julgamento que realizam sobre o grupo, ou seja, já considerando aqui um
envolvimento maior com as causas defendidas; e o nível da ação, em que os sujeitos se
dispõem efetivamente a ajudar o projeto, sentindo-se parte do grupo gerador das ações, a
partir de financiamento, por exemplo. Em seguida os sujeitos seriam organizados a partir do
nível de corresponsabilidade com o grupo, gerado principalmente através do planejamento
comunicacional estratégico, que visa adicionar ao projeto itens como coesão e continuidade
nas ações. O nível que identificaria o maior envolvimento possível é o de participação
institucional, que no caso da Shoot The Shit, seria ocupado apenas por Luciano Braga, único
integrante contratado pelo grupo.
Outra forma de análise, com mais enfoque sobre os sujeitos, seria a dos níveis de
atuação, proposta por Toro e Werneck (2007). Em um primeiro patamar estariam aqueles
indivíduos identificados como Produtores Sociais, que fazem o processo mobilizador
acontecer apesar de não serem donos do grupo. Eles possuem conhecimento sobre as causas
defendidas e conseguem interpretar a realidade, o que se aplica a função exercida na Shoot
The Shit por Gabriel e Luciano, que identificam os problemas cotidianos da cidade de Porto
Alegre para idealizar as ações realizadas pela organização, com o envolvimento posterior de
outros sujeitos, como na ação “Socialnema”. Os Reeditores são aqueles que estão próximos
do grupo, auxiliando principalmente na divulgação das causas defendidas. Luciano identifica
que o público mais próximo do grupo que compartilha quase imediatamente e de maneira
muito acentuada as ideias são os publicitários, colegas de profissão dos fundadores da Shoot
The Shit. Isso acontece, segundo Gabriel e Luciano, por ser tratar de um meio em que a
maioria dos profissionais se conhece, por ser uma profissão próxima e ativa nas Redes
Sociais, na geração de conteúdo, sendo mais fácil disseminar as ações, como aconteceu com o
“Paraíso do Golfe”. Um público que, admirado com o trabalho criativo e visualmente atraente
dos participantes da Shoot The Shit, tornou visíveis aos outros públicos interessados as
mobilizações sociais desenvolvidas. Por esse motivo, os Editores, responsáveis por planejar o
conteúdo comunicacional dos grupos mobilizadores, nesse caso o Gabriel e o Luciano,
precisam se preocupar principalmente com a criatividade dos materiais. Esse nível de atuação
é normalmente ocupado por profissionais da comunicação, que se preocupam em se relacionar
diretamente com os públicos e com os Reeditores, conhecendo o espaço ocupado
principalmente por esses últimos, algo que é visível no funcionamento da Shoot The Shit.
87
Luciano acrescenta que com o surgimento da Internet, passou a existir três tipos de
sujeitos: os que só reclamam, os que reclamam e fazem algo para mudar e aqueles que apóiam
quem se preocupa em fazer algo para mudar determinada situação. Para ele, com o avanço dos
Sites de Redes Sociais, esse terceiro tipo ganhou destaque, uma vez que “ele agora tem a
tecnologia a seu favor”, principalmente a partir da possibilidade de financiamento coletivo, o
que atinge diretamente o funcionamento dos grupos mobilizadores. Lemos (2004) expõe as
seguintes funcionalidades:
O uso de software que permita discussão em grupo, a ausência de limitação em
troca de mensagens, a possibilidade de acesso para pessoas diversas, a possibilidade
de deixar que os usuários resolvam seus problemas, a promoção de uma memória
da comunidade, a promoção da continuidade, (...) e a confrontação dos usuários nas
crises das comunidades. (...) no ciberespaço, “o sentimento comunitário é muito
forte”. (LEMOS, 2004, p. 146)
No entanto, outra forma de mobilização enfatizada e valorizada pelos integrantes da
Shoot The Shit é o uso dos meios de comunicação de massa.
3.3.5 Como os meios de comunicação influenciam os projetos mobilizadores?
A Internet é considerada pelos idealizadores o principal meio de divulgação e
comunicação da Shoot The Shit, mas, é possível identificar também uma preocupação comum
a vários projetos mobilizadores: a luta por visibilidade a partir dos meios de comunicação de
massa. O objetivo é evitar ações individuais, de pouca representatividade, além de promover o
aumento na quantidade de participantes. A partir dos meios de massa, as causas defendidas
são vistas, interiorizadas, ampliadas e potencializadas mais fácil e rapidamente, além de
estimular a participação de mais sujeitos e a criação de outras ações.
Durante a entrevista com os participantes da Shoot The Shit, surgiu uma questão
interessante quanto a influência dos meios de comunicação, em primeira instância dos meios
de massa. Segundo Luciano, quando há divulgação na televisão, por exemplo, é possível
atingir outro público “que não tá (sic) no teu Facebook ou não tá (sic) no Facebook.” A partir
88
disso, os dois entrevistados começaram a citar alguns veículos nos quais foram divulgadas as
ações, como o jornal Zero Hora, o noticiário Bom Dia Brasil, da Rede Globo, e o Jornal do
Almoço, da RBS TV (afiliada da Rede Globo). Por fim, eles comentaram que a ação “Paraíso
do Golfe” quase apareceu no programa dominical Fantástico, também da Rede Globo. Isso só
não aconteceu por questões de exclusividade exigidas pela emissora, fato que exemplifica a
afirmação feita por Mafra (2006) de que os meios de comunicação possuem seus próprios
interesses acerca da divulgação das causas defendidas pelos projetos de mobilização social.
Os comentários que se seguiram voluntariamente durante a entrevista demonstraram a
vontade dos agentes em aparecer no meio televisivo, uma vez que somente a partir desse
iriam atingir o máximo da visibilidade, voltada a todos os públicos do país. Inclusive, quando
a ação “Que Ônibus Passa Aqui” foi veiculada no jornal Folha de São Paulo, Luciano fez
questão de se pronunciar em seu perfil pessoal no Facebook, considerando a veiculação como
algo digno de ser comemorado, principalmente por ser o maior jornal do país.
A televisão, por exemplo, possui uma elevada credibilidade, segundo Lobo (1996),
que promove mudanças de hábitos nos indivíduos, mas em certos momentos também é
limitada frente à complexidade da sociedade. Quanto a sua influência em projetos de
mobilização, ela é imprescindível para divulgar a gerar visibilidade aos grupos, mas as causas
noticiadas muitas vezes causam apenas comoção e não uma transformação efetiva. E é nesse
momento que a Internet ganha espaço, alterando a concepção de que é preciso falar para
convencer, para a ideia de que é preciso falar e deixar o público falar também, em uma
perspectiva relacional entre emissores e receptores. No ciberespaço, a Shoot The Shit possui
uma maior representatividade, exemplificada no dia 16 de maio de 2013, quando a ação “Que
Ônibus Passa Aqui” recebeu destaque no portal do programa Fantástico na Internet.46
3.3.6 E o ciberespaço?
A partir da criação da rede planetária, a Internet, aumentou o potencial de
comunicação de todos para todos, entre emissores e receptores, de uma forma interativa e
dialógica através desse novo meio. A digitalização de todas as informações gerou, segundo
Lévy (2000), um espaço comum do saber, denominado pelo autor como inteligência coletiva,
46
Disponível em: http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2013/05/grupo-cria-projeto-para-levar-informacao-
pontos-de-onibus.html
89
um fenômeno social gerado a partir da apropriação da tecnologia pela sociedade. Para a
Pastoral da Criança, por exemplo, não existem mais limites espaciais para a atuação dos
voluntários, uma vez que todos os conhecimentos são compartilhados e as ações podem ser
acompanhadas e geridas mesmo à distância. No início, a Shoot The Shit, segundo os
entrevistados, encaminhava releases de cada ação para a imprensa, com o objetivo de ampliar
a abrangência da informação e a visibilidade das causas defendidas. Atualmente, no entanto, o
único meio utilizado é a Internet, através da qual inclusive, a imprensa busca conteúdo e
informações para publicar nos meios de massa. Segundo Luciano, “eles estão bem antenados
no que a gente faz.” Gabriel contextualiza a visibilidade das ações, explicando que a “Salve
uma vida, apague seu cigarro” e a “Mexa-se” foram disseminadas principalmente em blogs de
publicidade, inclusive pelo mundo, mas não tanto na própria cidade de Porto Alegre, o que
reverteu apenas em visibilidade profissional para os idealizadores do grupo. Foi o “Paraíso do
Golfe”, que segundo ele, “deu a visibilidade que a gente precisava”, aumentando as
visualizações do canal no Youtube e dos seguidores nos Sites de Redes Sociais administrados
pelo grupo.
Segundo citado na palestra realizada em maio na UNISC, a ação “Mexa-se” também
foi publicada em um blog russo com o conteúdo completamente modificado. No texto há a
falsa afirmação de que a iniciativa partiu do Ministério da Saúde do Brasil, por exemplo, o
que evidencia uma projeção exagerada e pouco confiável das ações desenvolvidas pelo grupo
através desse meio, talvez como reflexo dos interesses em busca de visibilidade do blog em
questão.
90
Ilustração 10 – Ação “Mexa-se” divulgada em um blog russo
Fonte: arquivo pessoal do idealizador Gabriel Gomes
Sobre o potencial mobilizador da Internet, Luciano resume que sem ela “seria viável,
mas (...) não teria quase nenhum impacto”, ao que Gabriel complementa, afirmando que o
grupo teria “que arranjar um jeito de impactar as pessoas de outra forma.” Para ele, o
ciberespaço tem a capacidade de divulgar as informações da Shoot The Shit, mas
principalmente “centralizar pessoas, organizar pessoas, distribuir informação de uma maneira
horizontal.” Ou seja, a Internet auxilia na reunião e mobilização de indivíduos, alterando suas
percepções acerca de questões coletivas, o que influencia diretamente o trabalho desenvolvido
pela Shoot The Shit. As ações “Mexa-se” e “POA Precisa”, por exemplo, geraram conteúdo
para mobilizar mais pessoas através da Internet. Gabriel analisa que hoje “é tudo mais
colaborativo, tudo mais transparente”, possibilitando e incentivando doações em plataformas
on-line, por exemplo, de uma maneira mais fácil e rápida: “hoje em dia, esse modelo mental
já funciona”, exemplificado na ação “Que Ônibus Passa Aqui”, no momento em que foi
91
rapidamente financiada pelos indivíduos mobilizados, através do site Catarse, obtendo um
recorde em arrecadação, segundo o mesmo. Isso se deve a uma preocupação acerca da
comunicação desenvolvida no ciberespaço, que assume o objetivo de atingir um menor
alcance, mas um maior impacto mobilizador sobre os sujeitos.
No entanto, os primeiros usos da Internet se refletem até mesmo nas experiências
pessoais dos entrevistados com o meio. Luciano lembra que no início da sua experiência com
a Internet, por volta do ano de 1998, ele visitava chats de conversas on-line e sites que
disponibilizavam novos jogos de vídeo game, com o propósito único da diversão. No início o
acesso era precário, sendo possível apenas nos finais de semana ou à noite, quando o custo era
mais baixo. Apesar disso, ele afirma: “sempre continuo, não tem quem não goste” da Internet.
Portanto, o ciberespaço possui uma dualidade intrínseca no seu funcionamento, exemplificada
por Lemos (2004) através da sua metáfora entre a porta e a ponte, ou seja, na comparação
entre os indivíduos isolados e fechados em seus próprios computadores e a busca por
socialização através da rede planetária, que possibilita uma comunicação informativa, mas
principalmente interativa. Para Giardelli (2012) os indivíduos cansaram de utilizar a Internet
apenas para fins supérfluos.
3.3.7 Como é a comunicação no ciberespaço?
O ciberespaço é considerado um meio de comunicação que complementa os
tradicionais, fazendo parte do elenco midiático. No entanto, a informação nesse espaço não é
mais editada por um centro, possibilitando uma comunicação mais participativa e uma
identificação maior dos públicos. Ou seja, não é um fenômeno apenas técnico, uma vez que
envolve a compreensão de todos os sujeitos envolvidos. O ciberespaço se transformou em um
instrumento para conectar pessoas, não estabelecendo para isso nenhum tipo de hierarquia,
segundo Lemos (2004). No entanto, Gabriel analisa que atualmente as ideias ainda surgem no
interior da própria Shoot The Shit, mas a intenção é começar a criar “dinâmicas pra conhecer
os problemas de cada região”, com o objetivo de desenvolver um processo mais participativo.
Luciano contribui dizendo que é muito importante a participação das pessoas, afinal o
objetivo do grupo é justamente incentivar novas ideias e atitudes em todos os indivíduos
mobilizados: “a Shoot The Shit não é nossa, ela é de todo mundo.” Lévy (1999) afirma que
92
cabe aos próprios sujeitos a função de explorar o potencial positivo da Internet, para valorizar
a cultura de cada localidade, os projetos desenvolvidos e os coletivos de ajuda mútua, por
exemplo, afinal o “ciberespaço não deriva automaticamente da presença de equipamentos
materiais, mas (...) exige igualmente uma profunda reforma das mentalidades, dos modos de
organização e dos hábitos políticos.” (LÉVY, 1999, p. 185) O Greenpeace é um dos grupos
que incentiva em suas ações a construção de um novo conhecimento acerca das causas
ambientais, mas principalmente acerca das mudanças de hábitos necessárias para promover a
mudança da situação atual. Ou seja, a comunicação desenvolvida no ciberespaço deve impedir
a mera circulação de informações entre os sujeitos.
Segundo Castells (2003), desde o surgimento do ciberespaço a intenção era de não
usar a tecnologia pela tecnologia, simplesmente. Através do desenvolvimento de uma
comunicação mais interativa, que possibilitou o surgimento de novas redes sociais com
configurações diferentes das anteriores, começou a existir uma relação tecno-social dos
sujeitos com a Internet. Hoje, por exemplo, os projetos mobilizadores podem criar laços
sociais com os indivíduos através desse meio, em uma construção conjunta de sentidos, como
a corresponsabilidade e coletivismo. Para Lévy (1999), o ponto principal do ciberespaço é o
“processo social de inteligência coletiva.” Os Sites de Redes Sociais são as ferramentas
utilizadas para a expressão das redes sociais na Internet, segundo Recuero (2010). Para a
Shoot The Shit, por exemplo, o Facebook é considerado o meio mais relevante, uma vez que
centraliza as informações dos outros canais disponíveis, como blog e site.
Os recursos tecnológicos, quando democratizados, geram condições para a liberdade
criativa e argumentativa dos sujeitos, segundo Valderrama (2012). A Internet já é
reconhecida, de acordo com Delarbre (2012), como parte do espaço público. A Shoot The Shit
incentiva essa ideia de democratização: para Gabriel o grupo “acredita que a participação das
pessoas tem que ir além do voto. Tem que participar das questões da cidade”, por esse motivo,
“não faria sentido se a gente não deixasse as pessoas participarem das questões da Shoot The
Shit também.” Ou seja, “a gente não pode incentivar a passividade se a gente tá (sic) querendo
projetos para a participação popular”, afirma Luciano. A ação “POA Precisa”, por exemplo,
despertou “nas pessoas o senso de preocupação com a cidade, além de gerar uma reflexão
sobre o papel de cada um dentro dela”, segundo os idealizadores. É uma comunicação que
empodera os sujeitos, como exemplificado na ação “Que Ônibus Passa Aqui”, que previa
adesivos com um espaço em branco que permitia a participação dos indivíduos que
efetivamente utilizam o transporte público. Além disso, os idealizadores também perguntaram
93
nos Sites de Redes Sociais se o projeto deveria ser ampliado ou abandonado depois das
críticas recebidas da EPTC, promovendo o debate acerca do assunto. Em uma das fases da
ação também afirmaram que: “é mais fácil cada pessoa cuidar de três adesivos, do que a
EPTC cuidar de 6000.” Para Lévy,
A verdadeira democracia eletrônica consiste em encorajar, tanto quanto possível –
graças às possibilidades de comunicação interativa e coletiva oferecidas pelo
ciberespaço -, a expressão e a elaboração dos problemas da cidade pelos próprios
cidadãos, a auto-organização das comunidades locais, a participação nas
deliberações por parte dos grupos diretamente afetados pelas decisões, a
transparência das políticas públicas e sua avaliação pelos cidadãos. (LÉVY, 1999,
p. 186)
Características existentes também na ação “Socialnema”, na qual os Sites de Redes
Sociais foram utilizados para mobilizar os cidadãos em torno de uma questão maior do que
aquela existente em torno do problema na Rua Anita Garibaldi: a mobilidade urbana de toda a
cidade de Porto Alegre, levando em consideração exemplos de ações desenvolvidas em outras
partes do mundo. Um exemplo do uso do ciberespaço para incentivar o potencial social e
cultural da sociedade.
Portanto o ciberespaço não gera apenas um acervo de informações digitalizadas, ele
também oferece as ferramentas necessárias que promovem a interação entre diferentes
indivíduos, que quando assumem fortes interesses em comum, formam as chamadas
comunidades virtuais. Portanto, o ciberespaço é visto como um importante vetor de realiance
na sociedade contemporânea, uma vez que as inovações tecnológicas nunca acontecem
isoladamente, sem a interferência dos sujeitos. E é a partir da socialização e da comunicação
no interior das comunidades virtuais que surge a cibercultura, caracterizada como “a
socialidade como prática da tecnologia.” (LEMOS, 2004, p. 89) A cibercultura, considerada
uma forma de cultura do período contemporâneo, inclui à tecnologia a subjetividade humana,
evitando a mera circulação de informações e criando valores e interesses comuns a vários
sujeitos. Ou seja, utilizando o ciberespaço como cenário, a cibercultura gera laços sociais e
hábitos com características diferentes na sociedade, o que influencia diretamente o trabalho
desenvolvido pelos projetos mobilizadores, como no exemplo do Vida Urgente de Porto
Alegre, que visa alterar o comportamento dos jovens que costumam dirigir alcoolizados.
94
E isso também pode ser identificado no grupo Shoot The Shit. Gabriel Gomes
contextualiza a sua resposta durante a entrevista, citando o livro Here Comes Everybody
(2008), escrito por Clay Shirky, que traz a ideia, nas palavras do entrevistado: “a sociedade
não muda quando assume novas tecnologias, muda quando assume novos comportamentos.”
Isso se assemelha, segundo ele, ao que aconteceu com a televisão, que “não trouxe um novo
comportamento, mas (...) induziu com que novos comportamentos começassem a emergir.” E
“a Internet faz a mesma coisa”, mesmo sendo a tecnologia dependente de ferramentas
técnicas, ela incentiva novos comportamentos sociais e culturais nos indivíduos que a
utilizam: “tem gente que usa a Internet pro bem, tem gente que usa a Internet pro mal. A gente
quer usar o poder de conexão da Internet pra fazer o bem à cidade”, afirma Gabriel. Para
Luciano a Internet não é só um meio técnico, ela empodera os usuários, oferecendo vantagens
a partir das conexões realizadas, possibilitando uma comunicação dialógica entre emissores e
receptores, facilitando o trabalho dos grupos mobilizadores. Segundo ele é um meio que
permite mais “atividade” do que os antigos meios de massa. No entanto, é preciso descobrir
como essa “atividade” pode ser utilizada efetivamente pelos projetos mobilizadores em prol
das causas sociais defendidas.
3.3.8 É possível mobilizar através do ciberespaço?
O ciberespaço possui um caráter técnico, mas é importante também como base para
trocas sociais entre os indivíduos. Ao contrário da televisão, que exerce uma comunicação
mais imersiva, a Internet abriu um espaço para as interações entre os indivíduos e
consequentemente para as mobilizações sociais, ou como são denominadas atualmente: ações
de ativismo. De acordo com Gabriel, esse é um assunto recorrente no grupo devido a recente
criação de um curso chamado “Ativismo 2.0”, que tem como objetivo ensinar a mais pessoas
o tipo de mobilização social em prol das cidades realizada pela Shoot The Shit. Segundo ele,
essa é uma nova maneira de fazer ativismo, “mais pacífica, democrática, que é acessível a
todos e que tem diferentes níveis de participação.” Para ele, “dar like numa foto é um tipo de
ativismo, (...) compartilhar é um tipo de ativismo, (...) comentar, divulgar, etc. é um tipo de
ativismo, doar, participar, (...) liderar um movimento”, no entanto, “são níveis diferentes de
ativismo.” Gabriel complementa, afirmando que antigamente a única forma possível de
mobilização social era ir para a rua, divulgar as ideias em megafones e ocupar praças, o que
95
não é errado, segundo ele, mas hoje existe uma nova forma, que não anula a anterior. Em
outras palavras, “o que existe agora é uma nova forma, que complementa a anterior e que
facilita a anterior”, a partir de exemplos como a Primavera Árabe e a ocupação de Wall
Street, citados também por Gabriel.
É importante ressaltar que o próprio surgimento do ciberespaço caracterizou-se como
uma mobilização social, realizada por jovens ávidos por mudanças, que buscavam um meio
de comunicação mais cooperativo e de fácil acesso. Após o surgimento das comunidades
virtuais o objetivo passou a ser as tentativas de suprir o esgotamento de algumas instâncias
mais tradicionais da sociedade. Mas o funcionamento adequado dessas ações depende da
comunidade, ou seja, as mobilizações efetivas, comunicadas através dos meios de massa ou
do ciberespaço, dependem do nível de descontentamento dos sujeitos. Para Delarbre (2012),
essas ações e os sujeitos que as desenvolvem apenas ganham mais destaque, saindo da zona
de isolamento através da vitrine possibilitada pela Internet, através de uma comunicação que
desperta também um maior envolvimento e proximidade. Portanto, o ciberespaço não gera
democracia, apenas novas relações entre os envolvidos e uma maior transparência das
informações comunicadas. Para Lévy (2000) “aprendemos a nos conhecer para pensar juntos”
(p. 31), como no caso do Greenpeace, que oferece fácil acesso às decisões do governo de
cunho ambiental para promover uma inteligência compartilhada entre os sujeitos.
Luciano levanta a questão do chamado ativismo de sofá, que “parte do pressuposto
que as pessoas tão (sic) on-line (...) fazendo alguma coisa”, mas segundo ele, o ideal é levar as
causas para o espaço físico, agindo de alguma forma para alterar a situação combatida, ou
seja: “pode fazer o ativismo de sofá, mas também tem que sair pra rua, fazer alguma coisa.”
Como exemplo, ele cita a campanha “Fora Sarney”: “não adianta todo mundo twittar „Fora
Sarney‟ e ninguém ir lá no mínimo entregar uma petição.” Na ação “Socialnema” o grupo
conseguiu reunir mais de 300 pessoas na Rua Anita Garibaldi em Porto Alegre, para discutir e
manifestar suas opiniões sobre a polêmica envolvendo o local, mas também referente a todos
os problemas da capital. É importante observar que essa ação motivou o surgimento de outras
mobilizações, como é o caso da “Anita Camp” e da “Anita Mais Verde”, organizadas também
através dos Sites de Redes Sociais. Trata-se de uma simbiose entre ativismo de sofá e
ativismo de rua, que juntas viabilizam as mudanças desejadas na sociedade.
Durante as perguntas em torno desse tema, Luciano comenta com Gabriel que, em
uma entrevista realizada por um aluno da cidade de Santa Maria, ele foi informado de que
96
aproximadamente 70% das paradas de ônibus de lá ainda estão com os adesivos da ação “Que
Ônibus Passa Aqui”, o que provoca um entusiasmo nos dois entrevistados, admirados com a
repercussão e aplicabilidade da ideia. Mas até que ponto a criatividade dessas ações pode
efetivamente alterar a atual situação da sociedade? A repercussão e visibilidade do grupo
geram as mudanças sonhadas por eles? Esta pesquisa não tinha essa perspectiva como foco,
mas é impossível não pensar nisso depois de reunir tantas informações e analisar a forma
como um grupo dessa natureza pensa e age.
97
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os criadores da Shoot The Shit não foram as primeiras pessoas a fazerem graça com
buracos de rua para chamar a atenção do poder público. Faz tempo que comunidades se
organizam, como forma de protesto, e fazem churrascos dentro de valas em estradas do
interior ou que produzem fotos com alguém simulando pescarias dentro de verdadeiras
crateras cheias de água em vias públicas país afora. A Shoot The Shit alcançou, no entanto,
notoriedade e visibilidade nacional através do seu vídeo veiculado no Youtube. A cobertura da
mídia e as visualizações na Internet alcançaram o status de verdadeiro fenômeno e muita
gente se sentiu envolvida pela ação bem humorada e com compromisso social. Poucos dias
depois os buracos que serviram de personagens para o vídeo até foram fechados.
Infelizmente, não dá para considerar que esse tipo de ação tenha gerado um trabalho
amplo da mesma prefeitura em relação aos inúmeros buracos nos tantos bairros de Porto
Alegre. Não podemos nem mesmo dizer se no Moinhos de Vento ainda existe alguma
preocupação em manter a pavimentação sem irregularidades. Do ponto de vista do grupo, o
principal objetivo estava relacionado ao compartilhamento de conteúdos para promover uma
cultura de proatividade à mobilização social nos sujeitos. Ou seja, eles pretendem, acima de
tudo, alterar o “modelo mental da sociedade”, fazendo com que mais indivíduos façam
acontecer mudanças no mundo em que vivemos. A Shoot The Shit é considerada, portanto,
uma organização formada por empreendedores sociais que assumem o compromisso de
disseminar a cultura da mobilização, incentivando a propagação das suas ideias. Essa
dinâmica se deve em parte ao surgimento das tecnologias do ciberespaço, que possibilitam
uma comunicação informativa e interativa entre emissores e receptores, de forma globalizada,
o que atua diretamente sobre as ações mobilizadoras desenvolvidas por grupos como a Shoot
The Shit, que utilizam a Internet como o principal meio para tornar as causas sociais
defendidas visíveis, além de promover a coletivização dos públicos-alvo. Ou seja, o objetivo
principal é tornar a sociedade horizontalmente integrada.
Como publicitários, os idealizadores da Shoot The Shit assumem focar a repercussão
das ações em detrimento de ações mais concretas e abrangentes, utilizando para isso os
recursos técnicos do ciberespaço, de fácil acesso aos públicos visados e com grandes
possibilidades de repercussão e interação. Nesse meio, a representatividade da organização é
maior, uma vez que promove um espaço relacional e de maior impacto, segundo Gabriel
98
Gomes e Luciano Braga. A busca do grupo é por uma interação mais participativa com os
públicos, evitando a mera circulação de informações e ensinando a mais pessoas o tipo de
mobilização realizada por eles, através de cursos como o “Ativismo 2.0”. Mas o problema das
ruas esburacadas, por exemplo, foi solucionado ou apenas divulgado? Como estão os buracos
de outras regiões de Porto Alegre? De outras cidades e estados que também foram impactados
pela ação?
Identifica-se um vácuo, um espaço deixado pela administração pública, uma ausência
de representação que acaba sendo assumida por grupos como a Shoot The Shit. Há segmentos
da população que identificam neles uma oportunidade de manifestação, de comunicação das
dificuldades enfrentadas por aqueles que os idealizadores definem como de “debaixo da
pirâmide”. No entanto, problemas como os buracos das vias públicas, por exemplo, são
obrigação dos gestores das cidades e não deveriam servir como tema para mobilizações
sociais. O grande entrave no Brasil é a demora e a falta de sintonia entre os poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário, segundo os idealizadores do grupo “eles querem
resultado, eles querem dinheiro (...) eles querem voto”, o que é verdade, mas contradiz um
ponto do discurso da própria Shoot The Shit, já que ela também acaba buscando resultados e
visibilidade perante os públicos, e até mesmo solicita recursos para viabilizar suas ações,
como no caso do Colégio Farroupilha, por exemplo. Não se trata aqui de condenar essa
prática, mas chama atenção o fato de o grupo fazer questão de apresentar o baixo custo
material que suas ações despendem sem nunca descrever o custo do próprio tempo como
articuladores e executores. Esse custo surge, obviamente, quando eles são contratados e o seu
tempo passa a ter valor monetário. A ideia do custo baixo ou custo zero só existe nas
apresentações, na prática, esse valor acaba aparecendo quando eles se tornam prestadores de
serviço e revelam a impossibilidade de não contabilizar o próprio tempo de idealização e
realização das ações. Não há nada de ilegal em cobrar por esse trabalho. Fica, no entanto,
apenas a sensação de um discurso com um certo ar de incoerência por não se deixar
transparente que o tempo também é um valor que deve ser contabilizado.
A pesquisa buscou avaliar esse processo mobilizador realizado pela Shoot The Shit,
com o objetivo de exemplificar as formas com que os sujeitos lidam atualmente com as
questões de interesse coletivo. O estudo e análise sobre as motivações do grupo mostram que
há uma intenção de promover a cultura do ativismo, de coletivizar ações de indivíduos, de
representá-los na defesa de questões que são de responsabilidade da administração pública. Os
métodos utilizados partem da formação profissional dos idealizadores, que como
99
publicitários, privilegiam o uso de uma comunicação adequada, da criação de uma identidade
visual para o grupo e do uso dos meios de comunicação como forma de espetacularização das
ações, tanto junto aos veículos de massa quanto no ciberespaço. E essa midiatização das
causas sociais é algo que já tem um caminho histórico na época em que vivemos. São coisas
de ontem, de logo mais à noite, coisas acontecendo em tempo real. Greenpeace, Pastoral da
Criança e Vida Urgente são alguns exemplos já citados nesta pesquisa, que caracterizam o
tempo atual e as mobilizações sociais que presenciamos.
Tudo o que eclode, nesse momento, em diversas cidades brasileiras pode ser visto
como sequência levemente tardia daquilo que começou no final de 2010 na Tunísia. O
movimento que veio a se chamar de Primavera Árabe surgiu da insatisfação diante do
aumento do preço da farinha e do pão e ganhou visibilidade mundial depois que um
comerciante de rua ateou fogo no próprio corpo. As articulações para a ida às ruas
encontraram nos Sites de Redes Sociais as condições para tornar essa mobilização mais ágil e
acessível. Depois disso, vários países viram movimentos semelhantes tomarem conta das ruas
e praças. Os resultados desses protestos não podem ser classificados exatamente como de
êxito. Houve alterações de governos em algumas nações, mas essas mudanças representam,
por hora, a manutenção do mesmo e até mesmo o retrocesso em algumas situações.
As mobilizações caracterizam-se por grupos pouco articulados ou programáticos, que
decidem expressar seus anseios diante de problemas sociais a partir do ciberespaço,
conquistando adeptos que se identificam com os mesmos sentimentos. Por vezes defendem
problemas de maior envergadura, fazendo com que governos estabelecidos e pouco
acostumados à expressão das insatisfações revidem da pior forma: ignorando ou deturpando
as verdadeiras intenções dos sujeitos mobilizados. Há um caráter de engajamento
contemporâneo através do sentimento de que não existem canais de expressão eficientes, da
falta de representações políticas conectadas aos grupos e do sentimento de pertencimento
global – através da viralização desse sentimento –, que acaba gerando as condições para o
florescimento de um comportamento que vê nessas mobilizações sociais a forma autêntica de
rebeldia contemporânea.
No entanto, depois de compreendido o que caracteriza o grupo utilizado como objeto
de pesquisa, outras questões acabam se descortinando como forma de reflexão. Começa-se a
pensar se o grupo é reflexo de uma época, tenta-se imaginar que públicos reagem de forma
mais engajada ou conectada a essas ações e provocações. Mesmo que esta pesquisa não tenha
100
tido esse foco, é natural que essas questões surjam e gerem interesse. Por hora é possível
desenhar um cenário breve e introdutório, que poderia servir a outros estudos e indagações
mais elaborados. Em uma tentativa de análise crítica da atuação da Shoot The Shit, aproximo
as ações desenvolvidas pelos idealizadores do grupo com o assassinato de um soldado em
Londres em 22 de maio de 2013. Explico: o crime, tratado como terrorismo matou uma
pessoa, mas repercutiu sobre milhares, deixando todo o país em estado de alerta. Isso porque
toda a ação do criminoso foi filmada, sendo que segundo a matéria publicada no site O
Globo47
, “diante da câmera de um transeunte, um dos suspeitos, um homem negro (...), fez
ameaças, em inglês aparentemente sem sotaque, e falou em vingança pelos muçulmanos”,
com as mãos ensanguentadas ainda pelo crime. Segundo uma das testemunhas entrevistadas,
“é como se eles quisessem ficar famosos, mas de uma forma estúpida.” Trata-se também de
dois indivíduos que isoladamente pretendem mudar uma situação considerada, a partir de uma
perspectiva particular, um problema de toda a sociedade e que pode ser alterado sem a ajuda
da administração pública.
Valderrama (2012) e Delarbre (2012) acreditam que a democratização da Internet,
tornando-a parte do espaço público, possibilita uma maior liberdade aos sujeitos, e é nisso que
a Shoot The Shit acredita. As novas tecnologias não são decisivas para as mobilizações
sociais, mas acabam auxiliando na formação de laços sociais, numa comunicação mais
dialógica, no empoderamento dos sujeitos e na mudança de hábitos. Como afirma Gabriel, “a
sociedade não muda quando assume novas tecnologias, muda quando assume novos
comportamentos.” No entanto, os efeitos do ciberespaço são relativos, assim como tem
méritos, também tem problemas na mesma medida, como qualquer outro dispositivo técnico
existente. Ele permite, por exemplo, o controle da administração pública sobre a vida pessoal
dos cidadãos, como no caso recente nos Estados Unidos, em que importantes empresas do
setor tecnológico divulgaram “a existência de programas secretos para vigilância
eletrônica”48
. Na matéria consta que “as gigantes da tecnologia querem apresentar detalhes
sobre as solicitações secretas que recebem do governo de acesso a dados de usuários,
amparadas sob o controverso Ato de Vigilância Estrangeiro (Fisa).” As empresas são
proibidas de revelar tal informação aos usuários, mas de acordo com James Clapper, diretor
da inteligência nacional do governo Obama, o monitoramento existe (conhecido como sistema
47
Disponível em: http://oglobo.globo.com/mundo/homem-morto-em-suposto-ataque-terrorista-em-londres-
8464922 48
Disponível em: http://oglobo.globo.com/mundo/eua-gigantes-da-tech-se-unem-para-pedir-transparencia-ao-
governo-8661400
101
Prism), mas a “fiscalização é [ou seria?] mais limitada do que as descritas nas reportagens”.
Ou seja, o ciberespaço não é um meio livre do sistema e das pessoas que nele atuam.
E essas pessoas precisam ser caracterizadas. Os Millennials, por exemplo, são aquelas
pessoas que nasceram entre 1980 e 2000, segundo a revista Time de 9 de maio de 201349
. Na
matéria, escrita por Joel Stein, várias pesquisas e especialistas tentam entender o perfil desses
sujeitos, considerados narcisistas, preguiçosos, alienados, ansiosos, mas “gente boa”. E o
ativismo contemporâneo está muito identificado com essas características de comportamento
dos Millennials. Sempre houve insatisfações na sociedade, e isso continua acontecendo
atualmente, mas com métodos e abordagens diferentes, através de ações menos dogmáticas e
programáticas, mais descompromissadas, o que pode ser exemplificado na fala de Luciano
Braga, de que ele apenas participa da Shoot The Shit para fazer “coisas” interessantes. A
mobilização iniciada na Turquia nas primeiras semanas de junho deste ano é um exemplo
claro de ação pacífica e despreocupada na sua origem, mas que acaba assumindo proporções
maiores e imprevisíveis. A população se revoltou quando um dos poucos parques restantes de
Istambul, o Gezi, teria suas árvores derrubadas para a construção de mais um centro
comercial. Como a mobilização foi organizada através dos Sites de Redes Sociais, o primeiro-
ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, manifestou-se: “essa coisa que chamam de redes
sociais não passa de uma fonte de problemas para a sociedade atual. Há um problema que se
chama Twitter. Ali se difundem mentiras”50
, o que foi divulgado por vários veículos de
comunicação pelo mundo. No entanto, segundo o site do jornal A Folha de São Paulo, “da
defesa do Gezi nasceu a onda de manifestações contra o primeiro-ministro.”51
E no que se
refere ao ciberespaço, diferentes discursos e símbolos foram criados pelos manifestantes e
compartilhados por milhares de pessoas, até mesmo por aquelas que não são influenciadas
diretamente pela situação. Novamente no site da Folha de São Paulo, foi divulgado no dia 5
de junho que “a polícia turca prendeu mais de 20 pessoas sob a acusação de terem divulgado
falsas informações nas Redes Sociais sobre as manifestações antigoverno e a reação da
polícia”52
, ou seja, “as Mídias Sociais tem sido uma importante ferramenta para divulgar
informações e fotos dos protestos.” Aliás, uma sequência de fotos feitas pelo fotógrafo Osman
Orsal que mostram o momento em que uma mulher, vestida de vermelho e branco, cores da
49
Disponível em: http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,2143001,00.html
50 Disponível em: http://oglobo.globo.com/mundo/o-governo-turco-versus-twitter-8576388
51 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2013/06/1290561-parque-estopim-de-protestos-e-ilha-
verde-em-istambul.shtml 52
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2013/06/1290348-policia-turca-prende-acusados-de-
divulgarem-informacoes-falsas-em-redes-sociais.shtml
102
bandeira da Turquia, é atacada por gás lacrimogêneo “provocaram revolta entre os
manifestantes que as postaram nas Redes Sociais. Para alguns ativistas, representa a violência
usada pela polícia turca na repressão dos protestos.”53
Trata-se de outro exemplo de
esvaziamento da esfera pública institucionalizada, que acaba sendo ocupada por indivíduos
comuns que utilizam a rapidez de transmissão de informações da Internet como forma de
atingir uma visibilidade global para um problema local, com a intenção de repercutir a
manipulação exercida pelos dirigentes políticos sobre a população. Ou seja, como afirma
Manuel Castells, “agora, os cidadãos se autocomunicam, auto-organizam e automobilizam
sem pedir a qualquer partido para defender seus direitos e dignidade, palavra recorrente nos
protestos”54
, trata-se do “direito de discordar”, segundo ele.
No entanto, as mobilizações sociais efetivas, comunicadas através dos meios de massa
ou do ciberespaço, dependem primordialmente do nível de descontentamento da sociedade.
Ou seja, o ciberespaço não gera a democracia, apenas permite uma maior facilidade e
transparência no fluxo de informações. Nas palavras de Lévy (1999) o “ciberespaço não
deriva automaticamente da presença de equipamentos materiais, mas (...) exige igualmente
uma profunda reforma das mentalidades, dos modos de organização e dos hábitos políticos.”
(p. 185) Para Gabriel Gomes, as mobilizações amparadas pela Internet são uma nova maneira:
“mais pacífica, democrática, que é acessível a todos e que tem diferentes níveis de
participação.” Mas é preciso analisar, segundo Lemos (2004), que existe “na prática daquilo
que se convencionou chamar de comunidade virtual, uma certa efervescência micropolítica,
diária, dirigida aos problemas do dia a dia.” (p. 137) São ações locais, de efeito imediato e
ampla viralização, mas como os vírus que atingem os computadores, elas podem ser
rapidamente solucionadas ou esquecidas.
Para Castells, as mobilizações sociais são locais e globais porque “as causas que levam
as pessoas às ruas estão relacionadas a disputas que ocorrem nas cidades, mas que são comuns
a todos os centro urbanos ao redor do planeta”55
, algo que é defendido também pelos
idealizadores da Shoot The Shit. Castells propõem que é preciso desenvolver “uma nova
forma de participação dos cidadãos nos processos de decisão do Estado.” Ele observa – e a
53
Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2013/06/1290139-sequencia-de-fotos-mostra-mulher-
atacada-com-gas-na-turquia.shtml 54
Disponível em: http://www.lavanguardia.mobi/slowdevice/opinion/articulos/20130608/54375789623/de-
tahrir-a-taksim.html 55
Disponível em: http://www.sul21.com.br/jornal/2013/06/atual-modelo-de-democracia-representativa-esta-
esgotado-afirma-manuel-castells/
103
ação dos Milennials podem ser identificadas com essas características – que as mobilizações
surgem de um cunho muito emocional, voltado contra alguma injustiça. Quando o sentimento
de cada indivíduo encontra o de todos nos Sites de Redes Sociais a mobilização ganha força
para ocupar os espaços físicos das cidades. Segundo o autor, “passar da indignação pessoal à
ação coletiva é um processo de comunicação”, nestes casos “de comunicação em rede, que é
instantânea e transmite o local ao global.” Pode-se identificar aqui uma aproximação entre o
chamado ativismo de sofá e o ativismo de rua, que juntos viabilizam as mudanças desejadas,
afinal “se querem modificar políticas, não basta somente as críticas na Internet. É preciso
tornar-se visível, desafiar a ordem estabelecida e forçar um diálogo”, afirma Castells. A Shoot
The Shit, por exemplo, não consegue e não deve se desvencilhar do espaço físico, como
aconteceu na ação “Socialnema”, quando o grupo conseguiu reunir mais de 300 pessoas na
Rua Anita Garibaldi para discutir e manifestar suas opiniões sobre os problemas de Porto
Alegre. Mas nem todas as ações já desenvolvidas pelo grupo assumem essa característica, o
que evidencia nos idealizadores um processo de desenvolvimento desse entendimento, ou
seja, essas questões ainda não são claras, o que não chega a ser um problema até o momento.
Segundo Castells, essas formas contemporâneas de ativismo “não são políticas em sua
essência institucional e partidária, mas carregam consigo a característica de qualquer
mobilização social: a de transformar instituições, culturas e pensamentos.”
Mas como será o futuro dessa interação entre tecnologias e mudanças sociais? O
Google Glass é um exemplo interessante. Ele “é um óculos que fixado em um dos olhos
disponibiliza uma pequena tela logo acima do campo de visão”, ou seja, “um óculos
conectado a Internet que se utiliza da tecnologia futurista da realidade aumentada”56
. Até o dia
4 de abril de 2012 ele era apenas um projeto secreto da Google, mas aos poucos vai sendo
consumido, absorvido e naturalizado pela sociedade, que poderá começar a utilizá-lo também
em benefício das mobilizações sociais. Com ele posso identificar, por exemplo, um local da
cidade que esteja precisando de um voluntário, posso saber sobre a localização dos buracos
das ruas da minha cidade ou uma praça que será substituída por um shopping. Posso, por
outro lado, ser identificado rapidamente como indivíduo ou grupo de indivíduos que se
deslocam para um ponto da cidade que talvez não seja tão interessante àqueles que têm acesso
a esse tipo de informação. Algo está em curso e o que vemos ainda não é completamente
compreensível. Vemos e sentimos a corrente, mas não temos certeza ainda do que se trata.
56
Disponível em: http://www.googleglass.com.br/google-glass-oculos-realidade-aumentada-faz-ligacoes-
compartilhar-video-fotos-aceita-comandos-de-voz/
104
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107
ANEXO A
Questões realizadas por Facebook com Luciano Braga, um dos idealizadores do grupo
Shoot The Shit, durante todo o andamento da pesquisa.
14 de agosto de 2012
Anna: Eu gostaria de saber, por exemplo, como é que vocês se encontram, planejam as futuras
ações.
Luciano: (...) A gente se reúne uma vez por semana depois do horário de trabalho. Ali pelas
19h... Daí conversamos despretensiosamente sobre assuntos que nos chamaram atenção,
referências bacanas, problemas que percebemos e sobre qualquer coisa, “na real”. Não
seguimos um roteiro nas nossas reuniões, apenas conversamos e deixamos a conversa fluir de
maneira natural. Tentamos criar um ambiente fértil para o surgimento das ideias, sem muita
pressão e seriedade. 90% do que a gente fala é piada hehehe (sic). Só depois que temos
alguma ideia definida que fazemos reuniões mais seguidas e encaramos o projeto de maneira
mais profissional (com prazos e metas).
4 de setembro de 2012
Anna: (...) Tenho só duas perguntas pra nortear um pouco, para saber se estou no caminho
certo: tu acredita (sic) que as redes sociais, Facebook/Twitter, auxiliam o trabalho de
engajamento da Shoot The Shit? Se sim, qual o nível de importância delas para a divulgação
dos trabalhos desenvolvidos?
Luciano: (...) A gente acredita sim que as redes sociais nos ajudam, e MUITO!
Com elas a gente pode fazer com que mais pessoas “ouçam” nossa voz. Um exemplo: a ação
“Paraíso do Golfe” foi realizada num domingo de manhã, num feriado. Não tinha ninguém na
rua. Só após a gente postar o vídeo na Internet que ela repercutiu. O nível de importância é
imensurável. A gente crê que existem 3 tipos de pessoas. As que só reclamam, as que
reclamam e fazem algo para mudar, e as que apóiam quem faz algo pra mudar. Com o avanço
das Redes Sociais, esse terceiro tipo de pessoa, a que apóia, ganhou muita força, pois eles têm
108
muitas ferramentas disponíveis para ajudar. Seja dando like, compartilhando, comentando,
doando dinheiro por crowdfunding... Enfim, as Redes Sociais são um ótimo lugar pra gente
conseguir expandir nossas ações, pois é aí que encontramos um jeito fácil de divulgar, barato,
e com pessoas dispostas a levar a ideia adiante.
24 de maio de 2013
Anna: (...) Queria te perguntar o seguinte: o Giovani Groff (é assim que escreve?) ajudou a
fundar a Shoot The Shit e participou de quais ações? Qual foi o motivo da saída dele? (...)
Luciano: (...) Ajudou a fundar e participou de todas, menos do “Cinema da Anita” e do “Que
Ônibus Passa Aqui, Brasil?” (...) Ele queria tocar outros projetos e não teria muita
disponibilidade pra STS (Shoot The Shit).
26 de maio de 2013
Anna: (...) Para usar o tapume da ação “POA Precisa”, vocês pediram autorização? E depois a
prefeitura cedeu um lugar já com autorização?
Luciano: Não pedimos autorização, e depois eles criaram um tapume pra gente.
109
ANEXO B
Questionário previamente formulado para a entrevista com o grupo Shoot The Shit
Sobre a criação do grupo:
1) O que é a Shoot The Shit.
2) Como ela começou, as dificuldades, as conquistas.
3) O que motivou vocês a criá-la? (formação, família, valores)
4) Contem um pouco o percurso profissional de vocês.
5) O que mudou?
6) Hoje vocês se dedicam exclusivamente ao grupo?
7) De que forma isso é viável, financeiramente, por exemplo.
8) Como vocês enxergam a anterior forma predominante de protestos sociais? (ir fisicamente
para os espaços públicos)
9) Há uma diferença das mobilizações realizadas aqui com relação ao resto do mundo?
10) Como vocês enxergam a Shoot The Shit no futuro (visão do grupo).
As principais características do grupo:
11) Como vocês se denominariam? (agentes mobilizadores?)
12) A Shoot The Shit tem um caráter voluntário?
13) Quais seriam as responsabilidades da Shoot the Shit (Produção Social).
14) Quais seriam as responsabilidades dos gestores públicos.
15) Qual a orientação política do grupo.
16) Quantas pessoas participam diretamente da concepção das ações (normalmente)?
17) Os participantes diretos assumem uma determinada postura frente ao público? Isso é uma
preocupação contínua?
18) Existe um ou mais “adversários” combatidos pelo grupo? Quais?
19) O grupo tem uma sede? (física ou só na Internet?)
110
Metodologia de trabalho:
20) Como vocês planejam o discurso da Shoot The Shit?
21) Como são escolhidos os conteúdos das ações?
22) Como elas são postas em prática? (da ideia, criação, decisão até a ação)
23) Há uma preocupação na continuidade delas?
24) Quais informações são vistas como mais relevantes? (como o público se informa sobre o
projeto)
Divulgação do grupo:
25) Como o grupo adquiriu visibilidade? Através de qual meio?
26) Qual é a importância da Comunicação? E da Publicidade na viabilidade da Shoot The Shit
(Editores)?
27) Como vocês enxergam a comunicação participativa (era preciso falar para convencer, agora é
preciso falar e deixar o público falar por si).
28) A Shoot The Shit tem uma identidade (visual, de conteúdo).
29) Como vocês enxergam a questão visual/gráfica.
30) Quais seriam os principais símbolos da Shoot The Shit?
31) Como são divulgados os eventos/as ações.
32) Há um registro da memória da Shoot The Shit? Ela é disponibilizada através de qual meio?
33) Os resultados são contabilizados de que forma? São divulgados? (como no caso das pessoas
que aderiram ao projeto “Que Ônibus Passa Aqui”)
O uso dos meios de comunicação:
34) Qual a importância da Internet?
35) Como foram os primeiros contatos de vocês com a Internet?
36) Ela é só um meio técnico?
37) Quais as qualidades dela para viabilizar os projetos da Shoot The Shit.
38) Como vocês enxergam a cultura que surge a partir do ciberespaço, como por exemplo, a
maior vontade em se engajar em ações sociais.
39) Como vocês enxergam a influência dos outros meios de comunicação (percebi que as matérias
em que a Shoot The Shit é citada são sempre divulgadas no Facebook).
111
40) Qual a função da televisão, por exemplo, nos movimentos sociais?
41) Qual é o Site de Rede Social mais eficaz?
Públicos atingidos pela Shoot The Shit:
42) Como é o relacionamento com os públicos.
43) Vocês se preocupam em empoderar os sujeitos a co-participar do projeto? Elas se sentem
responsáveis pelas causas defendidas?
44) Como é possível a coletivização de pessoas, a organização em torno de causas comuns.
45) Como eles são identificados? É diferente do realizado pelas empresas?
46) Onde está o público que participa da Shoot The Shit? A localização espacial (primordialmente
na Internet?)
47) A intenção é fazer os sujeitos agirem fora do ciberespaço?
48) Existem sujeitos mais importantes durante o processo (Reeditores)?
49) Como as pessoas “julgam” a Shoot The Shit. Qual é o retorno das ações?
50) Há uma preocupação com a coesão das necessidades dos públicos e das iniciativas da Shoot
the Shit?
112
ANEXO C
Entrevista realizada com o grupo Shoot The Shit no dia 30 de abril de 2013 em Porto
Alegre
Anna: Como vocês iam definir, assim, o que é a Shoot The Shit.
Gabriel: Como que a gente ia?
Anna: É. Como vocês definem, assim, em poucas palavras o que é a Shoot The Shit.
Gabriel: A Shoot The Shit é uma organização que induz, cria e executa projetos através da
participação das pessoas, para melhorar a cidade.
Anna: E como ela começou assim... As dificuldades iniciais, as primeiras conquistas.
Gabriel: Começou em 2010, agosto de 2010, com o projeto “Salve uma vida, apague seu
cigarro”. Por ser um projeto paralelo, a gente não tinha tanta dificuldade, porque a gente
tocava (sic) tudo em um único dia, o nosso “sarrafo” era baixo. A gente não tinha uma
necessidade de executar projetos. Então a gente era bem mais tranquilos, assim. A gente tinha
só algumas dificuldades, como: não tinha “grana” para investir nas ideias, não tinha tempo
suficiente para investir nas ideias, e às vezes até não tinha o know-how. Então no início essas
eram as principais dificuldades.
Anna: E o que motivou vocês a criar a Shoot The Shit. Partiu da família, ou do estudo, da
formação de vocês.
Luciano: O que motivou foi a nossa vontade de querer fazer coisas diferentes, né? A gente
tava (sic) cansado de ser publicitário, que é um mercado conservador, assim, pelo menos aqui
em Porto Alegre, não nos dava liberdade de ser tão criativos assim, de fazer o que a gente
queria fazer. Aí a gente criou um espaço onde a gente poderia fazer o que a gente achasse que
deveria fazer, sabe?
Anna: Sim.
113
Luciano: Projetos “irados”, criativos. A gente meio que criou ela para libertar a nossa
criatividade. Um lugar onde a gente não teria amarras, não teria “rabo preso”.
Anna: E o que mudou no percurso profissional de vocês. Vocês trabalhavam em agência,
chegaram a estagiar em agência ou algo parecido.
Luciano: A gente já trabalhava em agência quando a gente entrou na Shoot The Shit. A Shoot
The Shit eu acho que nos fez sair da agência, entendeu? Talvez foi o motivo da gente não
querer mais aquilo, sabe?
Anna: Sim.
Gabriel: É, a principal mudança foi a maneira como a gente enxergava a nossa profissão. A
gente entendeu que conseguia ir muito mais além do que o que a gente tava (sic) fazendo. E a
maneira como as pessoas começaram a nos enxergar também, porque dentro da agência todo
mundo é publicitário, a gente faz a mesma coisa. E quando a gente começou a trazer, a
executar os projetos pela Shoot The Shit, a gente começou a se identificar por esses projetos,
não pelos projetos que a gente fazia dentro da agência. Então teve (sic) uma identificação bem
forte assim, profissional, com os projetos que a gente tava (sic) fazendo.
Anna: E hoje vocês se dedicam exclusivamente a Shoot The Shit.
Luciano: O Gabriel tem a empresa dele, a Cosmonauta, mas eu me dedico 100%.
Anna: E como que vocês, como que isso é viável, assim pra vocês: tem algum retorno
financeiro?
Luciano: Tem. Eu só pude largar meu emprego quando a Shoot The Shit poderia pagar o
salário igual ao que eu ganhava.
Gabriel: Dez mil reais. (risos)
Luciano: Isso aconteceu, sei lá, em setembro do ano passado, que eu larguei, eu tava (sic) na
Noize. E a Shoot The Shit hoje com palestras, com cursos e o trabalho com o Farroupilha, que
a gente faz nas escolas, nos dá esse...
Anna: O trabalho com o Farroupilha continua?
114
Luciano: Sim. A gente fechou um pacote para esse ano, que eles gostaram do nosso trabalho,
então a gente fechou um pacote para em 2013 inteiro poder realizar mais atividades lá. Então
isso já é uma segurança financeira que a gente tem.
(comentários paralelos)
Anna: E como é que vocês enxergam assim as formas bem anteriores de fazer mobilizações
sociais, que as pessoas iam pras ruas, que nem na época do Impeachment, assim que as
pessoas realmente... que não tinha a Internet.
Gabriel: Sim, sim. Bom, isso é um assunto que a gente tava (sic) discutindo bastante, que a
gente chama de “Ativismo 2.0”. Que é essa nova forma de fazer ativismo. Uma maneira mais
pacífica, democrática, que é acessível a todos e que tem diferentes níveis de participação.
Então tipo, sim dar like numa foto é um tipo de ativismo, sim compartilhar é um tipo de
ativismo, sim comentar, divulgar, etc. é um tipo de ativismo, doar, participar, ir na rua, liderar
um movimento... São níveis diferentes de ativismo. Antigamente essa era a única forma de tu
conseguir (sic) as coisas, ir pra rua e trancar uma rua, ou ir para a frente da prefeitura bater
panela. Não que isso seja errado. Agora a gente tem uma nova forma. Que não anula o
anterior, tanto que ocuparam Wall Street, Primavera Árabe, essa agora das passagens de
ônibus, deram certo. O que existe agora é uma nova forma, que complementa a anterior e que
facilita a anterior.
Anna: E como é que vocês enxergam então, falando sério então, a Shoot The Shit no futuro.
Qual é que é a visão de vocês.
Gabriel: Bom, eu imagino a Shoot The Shit como uma organização que trabalha junto ao
governo e junto a marcas, desenvolvendo projetos, pra deixar a cidade mais “afudê”, deixar a
cidade mais “bacana”. E essas ações têm por princípio básico melhorar a cidade através da
participação das pessoas.
Anna: Então vocês imaginam criar essas parcerias assim, entre público e privado.
Gabriel: Sim.
Anna: E como vocês, vocês como pessoas assim, se denominariam. Vocês seriam agentes de
mobilização, vocês têm um nome pra isso assim... Ou ainda não.
115
Gabriel: Tem gente que chama o que a gente faz, tem gente que acha que a gente é
empreendedor social. Talvez sim, talvez a gente seja ativista, talvez a gente seja publicitário.
Eu não sei exatamente qual é a nomenclatura, mas eu acredito que eu esteja caminhando para
um empreendedorismo social, até pelos projetos que eu tô (sic) pensando... O Luciano eu não
sei, talvez seja mais para o ativismo, eu não sei, como é que tu prefere ser chamado...?
Luciano: Eu acho que essa expressão de ativismo vai mudar, já vem mudando sabe? Hoje
ativista tu pode ser, qualquer pessoa pode ser ativista. Eu realmente não penso no que eu sou
assim, no que eu posso ser. “Fazedor”, eu quero fazer coisas.
Anna: E a Shoot The Shit, ela tem um caráter voluntário, assim no sentido de querer ajudar as
pessoas ou não, mais, como eu posso explicar... Um caráter voluntário de, de repente, ajudar
pessoas menos favorecidas... Que nem as ONG‟s. Se a Shoot The Shit se encaixa nisso ou
não.
Luciano: Eu acho que sim, mas não no formato que as ONG‟s fazem, sabe? Não é
assistencialismo. É pensar um projeto que todo mundo pode sair ganhando, sei lá. Que não
tenha que ficar gastando muita energia em conseguir a verba para ajudar pessoas, entendeu?
Acho que é conseguir um jeito que o sistema se...
Anna: As pessoas mesmo se ajudam, né?
Luciano: Não é nem as pessoas que se ajudam, é que o que as ONG‟s fazem é um caminho de
uma via só sabe? É pegar o dinheiro e mandar para os “caras” que precisam, eles ficam
sempre nessa, em vez de pensar em um formato que seja mais sustentável sabe?
Gabriel: Aí tem uma questão que a Shoot The Shit, ela tá ancorada em três pilares, que é
criatividade, inteligência e fazer o bem. A maioria dos projetos de ONG não tem criatividade.
São inteligentes, porque entendem o problema e conseguem resolver o problema, e fazem o
bem, mas são projetos quadrados.
Luciano: Eles não resolvem o problema...
Gabriel: Eles até resolvem pontualmente ali...
Anna: Paliativamente.
Gabriel: Muito... O problema não é resolvido, eles tentam resolver o problema... Eles “tapam
o buraco”, não resolvem a rua inteira.
116
Anna: Então as responsabilidades da Shoot The Shit vocês acreditam que seja isso assim,
tentar ajudar as pessoas a mudar a cidade de Porto Alegre.
Gabriel: Sim, o nosso principal trabalho é, não só criar nossos projetos, mas fazer com que as
pessoas mudem a sua percepção, em relação à cidade e mudem a maneira com que elas
participam das questões da cidade.
Anna: Qual vocês acreditam que sejam as responsabilidades dos gestores públicos, vocês têm
alguma posição política, ou não.
Gabriel: Posição política tu diz o quê?
Anna: Se vocês... Que nem essa questão toda do ônibus né, que a EPTC ia fazer e desistiu e...
Se vocês têm alguma intenção política assim, na Shoot The Shit.
Gabriel: Intenção política sim. Partido político não. O que a gente faz é política na verdade,
mas...
Luciano: A gente tem a intenção do ponto de vista de fazer os políticos passarem a enxergar
esse tipo de... Atitude... Atitude de debaixo da pirâmide sabe? De pessoas fazendo como algo
que pode servir para eles, ser útil.
Gabriel: A administração pública tem que entender que, eles não tão separados da gente né?
Então, eles precisam rever algum modelo, alguma lei, alguma coisa, onde essa participação
das pessoas em questões da cidade seja mais transparente, mais dinâmica e mais positiva para
ambos os dois (sic) lados.
Anna: A Shoot The Shit, ela estaria em paralelo então com a gestão pública de Porto Alegre.
Gabriel: Hoje a Shoot The Shit liga quase, quase que liga as pessoas a... É que a gente
conversa com eles e conversa com as pessoas.
Anna: Quantas pessoas participam diretamente da concepção das ações.
Luciano: Quantas pessoas participam da execução?
Anna: É das ações... É tu, o Gabriel, teria mais alguém?
Luciano: Isso é muito relativo, depende da ação sabe? Tem ação que eu e o Gabriel chegamos
no consenso eu e ele, e a gente faz... Têm ações que a gente pergunta para outras pessoas. A
117
gente adora abrir as ideias para os outros, tem ideia que a gente pergunta para trinta pessoas,
tem ideia que uma já nos resolveu sabe? Então é bem relativo assim. A questão de execução
também depende, tem ideia que é só eu e ele, mas quase sempre alguém nos ajuda.
Anna: A Gabriela...
Luciano: No “Socialnema” teve ela, o Gus e o Guilherme que nos ajudaram. No “Que Ônibus
Passa Aqui” teve o Larusso, no “POA Precisa” teve o Vinícius Resing, o “Paraíso do Golfe”
foi só nós... Mas nos emprestaram a câmera, por exemplo, sabe? Sempre tem alguma relação,
alguém nos ajuda.
Anna: E vocês acreditam que tem alguns adversários, que o grupo tenta combater ou não.
Essa questão da gestão pública ou dessas pessoas que de repente não acreditam nesse tipo de
ação.
Luciano: É eu não vejo como adversários assim, o “arquiinimigo”. Mas tem gente que
acredita... O governo sim, o governo é uma esfera que a gente tem que achar uma forma de
trabalhar de uma forma mais sustentável... Eles querem resultado, eles querem dinheiro sabe?
Eles querem voto, “tá ligado”? Talvez o que a gente faça pra eles não resolva, não dê o
suficiente. Mas tem gente que não gosta da gente por achar que o mundo não é paz e amor, “tá
ligado”? Os caras mais “ativistas true” assim, eles tão “cagando” pra nós, porque a gente não
funciona nesse modelo que tem que quebrar a prefeitura pra dar certo.
Anna: Pra chamar a atenção... E o grupo tem uma sede ou a sede mesmo é na Internet?
Gabriel: A gente faz reuniões lá em casa e na Cosmonauta, e restaurantes assim... Não tem
uma sede.
Anna: E como vocês planejam assim o discurso da Shoot The Shit, que antes tu comentou
(sic) que são três pilares, isso tudo vocês planejam junto...
Luciano: A maioria sai na hora e a gente acaba adotando né? Claro que pra palestra a gente
para e pensa. Quando a gente faz uma ação, por exemplo, quando eles vêm nos entrevistar, é
meio o que sai na hora... Mas a gente não pensa, quando a gente faz uma ação assim...
Quando a gente diz as coisas pela primeira vez “tá ligado”? A gente vai formatando o nosso
discurso.
118
Anna: Porque normalmente eu, quando eu reuni tudo o que saiu de entrevistas e tal,
normalmente vocês seguem uma linha só. Eu acho que a partir do momento que vocês...
Gabriel: É que como é muito novo o que a gente faz e não existe um... Não existe uma
definição do tipo: agência de publicidade. Então se a gente não “bater na mesma tecla”, cada
um diz que é uma coisa, já tem uma confusão se é grupo, se é coletivo, se é organização, se é
empresa... A gente chama de organização porque ainda não temos CNPJ, mas isso não é um
coletivo, porque coletivo parece que é meio informal assim, mas não já tá mais formalizado,
então é uma organização, mas não é uma empresa, não é uma instituição, uma associação,
fundação, sei lá o que. Então é uma organização que induz, o que é o induzir, a gente tem
eventos, seminários, workshops, oficinas, onde a gente induz que as pessoas criem projetos
para a sua cidade. A gente cria com os nossos amigos, com a gente, a gente cria os projetos e
executa, e a gente ajuda pessoas a executar também.
Anna: E os conteúdos das ações vocês, também surge assim do cotidiano.
Gabriel: É, são os problemas que a gente vive no dia a dia.
Anna: Vocês enxergam que nem a do golfe também, eu vi que vocês disseram que eram
problemas que vocês realmente enxergavam.
Gabriel: Problemas que nos atingem no dia a dia.
Anna: Sim. E como as ideias são postas em prática. No momento que vocês decidiram o que
fazer, como é que vai da criação, a decisão até a ação. Resumidamente o que vocês fazem...
Gabriel: Bom, a gente tem um processo que é de cortar barreiras. Simplificar a ideia ao
máximo, porque a gente não tem grana pra investir, a gente não tem tempo suficiente pra
investir, agora tem né? Então é simplificar ao máximo. Então vários projetos que a gente
pensou eram super complexos, a gente teve (sic) que simplificar até chegar no modelo que
fosse possível executar. A gente é super organizado em termos de o que cada um tem que
fazer, porque não adianta você ser super criativo e tu não ser organizado e aí tu não consegue
direcionar sua criatividade. Então a gente tem lá a plataforma, plataforma não, o site do.com,
um gerenciador de tarefas. E aí lá: “ah o Luciano delegou uma tarefa para o Gabriel, o Gabriel
vai aceitar? Sim”. Então a gente tem tudo certinho. Então é um coletivo que faz ações para a
cidade, meio “porra louca” assim, mas é organizado.
119
Anna: Vocês se preocupam assim na continuidade das ações, que nem a do “Que Ônibus
Passa Aqui” acabou indo para outras cidades... Então vocês se preocupam de início com isso
ou acaba acontecendo, se repercutindo.
Luciano: Quando a gente pensa a ação a gente pensa em ações que sejam replicáveis. Ações
que não podem ser realizadas só aqui em Porto Alegre, que seja uma coisa muito específica, a
gente pensa no macro. Então a gente realiza aqui porque é onde a gente tá. A gente se
preocupa muito em como deixar ela uma ideia global também. Porque outra pessoa realizando
é publicidade pra nós, né? Repercute a ideia, a mensagem. Então tem que pensar nessa
mudança de ter a opção de a ideia ser... Atravessar fronteiras “vamos dizer”.
Gabriel: Tem uma questão que é: a gente lida com os problemas da cidade, então os
problemas da nossa cidade provavelmente são os problemas de outras cidades. Então, sei lá,
eu imagino que qualquer ideia que a gente tenha pra cá, ela funcione no restante.
Anna: É eu até tava em Brasília um tempo atrás pra fazer visto e aí eu tive que andar de táxi,
porque eu não ia saber andar de ônibus lá dentro. Sem contar que a cidade é toda diferente,
né? E assim, quais informações sobre as ações vocês acham que são mais relevantes, que as
pessoas procuram mais assim. Vocês acham que as pessoas procuram buscar uma
credibilidade na Shoot The Shit ou isso já tá meio que, já existe assim, as pessoas já
conhecem, o grupo assim. Como que vocês criaram a credibilidade pra Shoot The Shit, pras
pessoas chegarem a conhecer e a confiar a ponto de doar dinheiro para as coisas acontecerem.
Que informações vocês foram passando pra elas até da postura de vocês assim né?
Luciano: Eu acho que a credibilidade veio do nosso trabalho né? O pessoal viu que é um
trabalho legal, eles curtiam o que a gente fazia, e vinham muito por se identificar com a gente
sabe? Porque não “é uns caras” de terno de cinquenta anos, a gente é “gurizão” que nem todo
mundo, assim que é meio o nosso público então... Causa identificação porque nos curtem, bah
(sic) são gente como a gente fazendo o que a gente deveria estar fazendo. Então rola muito
disso e rola muito do trabalho assim, sei lá, o pessoal curte o que a gente faz... A questão da
credibilidade a gente nunca trabalhou pra isso, simplesmente fez coisas e a credibilidade veio.
Anna: No “Paraíso do Golfe” vocês comentaram bastante que os buracos, que realmente
foram tapados, os que vocês filmaram...
Gabriel: É a gente nunca trabalhou pra ter credibilidade e isso dá credibilidade.
120
Luciano: A gente nem assina as ações.
Gabriel: A gente nem assina, a gente faz, bota na rua...
Luciano: E depois a gente divulga que é nosso, “tá ligado”?
Anna: E como adquiriu visibilidade assim, foi a partir do golfe ou foi antes disso.
Gabriel: Antes o “Salve uma vida” e o “Mexa-se” “bombaram” muito em blogs de
publicidade pelo mundo, mas não tanto em Porto Alegre. E aí com o “Paraíso do Golfe” teve
sei lá, 70 mil views, 60 mil views em uma semana, ai “bombou” muito, muito. E foi esse
projeto que deu a visibilidade que a gente precisava. Mas a gente ainda no Facebook com o
“Paraíso do Golfe”... A gente tinha mil likes, uma coisa assim. E aí...
Luciano: Nem tinha eu acho...
Gabriel: É nem tinha, foi pra mil eu acho.
Luciano: Não sei... A gente lançou o “Paraíso do Golfe” e depois a gente lançou a página ou
divulgou a página, não sei...
Gabriel: Bom, pode ser. Mas assim a gente tinha bem pouca, não tinha site, não tinha nada, a
gente tipo (sic) postava na nossa timeline. E aí com o “Paraíso do Golfe” e logo em seguida,
quer dizer logo em seguida não foi, foi quase... oito meses depois...
Luciano: Não, tem o “POA Precisa”, foi logo depois...
Gabriel: Ah! Tem o “POA Precisa”, que deu muito resultado...
Luciano: Foi o que “bombou” a página.
Gabriel: É, foi o que “bombou” a página e aí depois o “Que Ônibus Passa Aqui”, que aí
“explodiu geral”, aí “a casa caiu de vez”.
Luciano: Mas a gente deu sorte, que entra muito na questão de contexto, de época, de que a
gente é da publicidade, e a gente se conhece todo mundo (sic) no meio publicitário, todo
mundo se conhece no meio da publicidade de Porto Alegre, e querendo ou não o pessoal de
publicidade é quem é muito ativo em Redes Sociais... Geração de conteúdo. Então a gente já
sendo conhecido pelos publicitários, porque fez o “Paraíso do Golfe”, foi muito fácil a
questão de “bombar”. Se a gente fizesse química, por exemplo, sei lá... Do nosso grupo de
121
amigos nenhum usa Facebook sabe, da geologia, nem sei o que eles fazem na geologia, mas...
Só um exemplo de que... Por exemplo meu irmão não usa quase o Facebook porque ele é da
Educação Física. Então se a gente fosse muito “micha” talvez não tivesse “bombado” tanto, a
gente teve isso a nosso favor assim, de ter todos os nossos amigos compartilhando como se
não houvesse amanhã assim, porque eles gostaram sabe?
Anna: E até foi para outros meios aí, que nem do golfe depois do “Que Ônibus Passa Aqui”...
TV, jornal. Vocês acham que isso ajudou a dar visibilidade?
Luciano: Sim, quando tu aparece na TV tu atinge um outro pessoal que não tá (sic) no teu
Facebook ou não tá (sic) no Facebook sabe?
Gabriel: É, o “Paraíso do Golfe” apareceu na Zero Hora, quer dizer, apareceu em todos os
jornais, mas apareceu no Bom Dia, como chama esse programa aqui?
Luciano: Jornal do Almoço.
Gabriel: No Jornal do Almoço, apareceu no Bom Dia Brasil. Ia aparecer no Fantástico, não
apareceu porque eles queriam exclusividade. E aí como já tinha aparecido em outros... Mas
imagina se tinha aparecesse no Fantástico, aí ia...
Luciano: Nós não estaria (sic) aqui agora (risos).
Gabriel: Provavelmente estaria em Nova York (risos).
Anna: E como vocês enxergam assim a formação de vocês em Comunicação, em Publicidade.
Vocês acham que, como vocês falaram dos contatos de vocês, que o público publicitário
divulga mais as coisas... Mas como a formação de vocês, vocês acham que se vocês tivessem
outra formação, de repente até uma outra habilitação...
Luciano: Eu acho que sim, tipo era o que a gente tava falando antes, o Gabriel falou das
ONG‟s não serem criativas... Porque o pessoal das ONG‟s talvez não tenha esse, não para
para fazer uma coisa assim entendeu? É gente da sociologia, sei lá... E a gente tem o no-hall
da criatividade, a gente sabe como comunicar. Que também tu vê (sic) várias ideias boas, mas
comunicadas de uma forma muito “tosca” assim, um flyer muito “bizarro”, um evento no
Facebook que sei lá... Tu não quer participar do evento, sabe? E a gente tem esse cuidado
assim de como se fosse uma peça publicitária, como se fosse um anúncio para uma empresa,
para um cliente sabe? Então a gente tem esse cuidado de fazer a comunicação da melhor
122
forma possível sabe? Que é pra atingir o máximo de gente. Isso talvez as ONG‟s não tenham,
falta de... Não só ONG, sei lá, várias coisas. Hoje em dia se comunicar não é uma coisa que
todo mundo sabe.
Gabriel: Mas tem outras coisas também, por exemplo: o fato da gente ter trabalhando em
agência nos deu critério pra gente entender o que é bom e o que é ruim, sabe? Então várias...
A gente tem uma lista de cem ideias a serem executadas. A gente sabe que muitas delas são
ruins, a gente só sabe porque a gente viveu muito tempo em agência trabalhando com “uns
caras” muito bons e aprendendo. Então a gente sabe “bah (sic), isso aqui não é tão bom.” Mas
se a gente não tivesse trabalhado, tivesse no primeiro, segundo semestre agora, a gente ia
amar a ideia, e a ideia não ia “bombar” e a gente não ia saber o porquê.
Anna: A experiência...
Gabriel: É.
Anna: E em quais agências vocês trabalharam?
Gabriel: Eu trabalhei na DCS e na Competence.
Luciano: Eu trabalhei na Purple, na Escala e na Dez... E na Noize.
Gabriel: E tem outra coisa, critério foi importantíssimo, a faculdade de Comunicação Social
não dá isso, não te ensina o que é bom e o que é ruim, mas trabalhando em agência tu
aprende. Contato, conhecimento, porque querendo ou não a faculdade te ensina uma série de
coisas, tu acha que não aprende nada, mas tu aprende...
Luciano: Execução até de ideia, né?
Gabriel: Execução, né?
Luciano: A agência trabalha num formato, assim, de ter a ideia, produzir e tal. A gente meio
que conhece os passos.
Anna: Os passos pra seguir isso... E como vocês enxergam então essa comunicação mais
participativa, de tu... Porque na época que tinha TV ou rádio, tu falava (sic) e as pessoas
escutavam... E agora as pessoas escutam e falam também e a Shoot The Shit... A gente de fora
enxerga, que a Shoot The Shit quer que as pessoas falem... Como é que vocês enxergam isso...
É difícil de lidar com isso?
123
Luciano: Das pessoas falando da Shoot The Shit?
Anna: É falando e querendo ajudar, ou criticar também... Porque não é mais unilateral assim
né?
Gabriel: Não é fácil.
Luciano: Mas eu acho que é importantíssimo as pessoas participarem assim, a gente até fala
que a Shoot The Shit não é nossa, ela é de todo mundo. Quem quiser fazer uma ideia, vamos
fazer juntos.
Anna: Vocês acabam incentivando essa...
Luciano: A gente deu sorte de que na maioria das vezes que falaram, falaram bem... Então a
gente meio que incentiva esse... Induz, as pessoas nos mandam ideias, a gente adora quando a
gente recebe um e-mail das pessoas nos dando elogio... É isso, não pode ser só passivo
também, a gente não pode incentivar a passividade se a gente tá (sic) querendo projetos para a
participação popular sabe? Então se a gente não ser (sic) democráticos também...
Gabriel: A gente acredita que a participação das pessoas tem que ir além do voto. Tem que
participar das questões da cidade, não faria sentido se a gente não deixasse as pessoas
participarem das questões da Shoot The Shit também.
Anna: E essa questão visual, gráfica, a identidade da Shoot The Shit, o símbolo dela, isso tudo
vocês acham importante assim, para criar uma identidade visual, né?
Luciano: É aquela coisa né? Para não ser uma coisa tosca assim... Tipo ah “os caras” tão
fazendo isso aqui... É um cuidado, a gente tem muito cuidado com tudo.
Anna: Sim, e os símbolos...
Gabriel: O símbolo é um globo terrestre que tem um pedaço fora. A gente é esse pedaço fora.
Luciano: É a lua... (risos)
Gabriel: Pode ser a lua também, depende do ponto de vista (risos).
Luciano: Não tem uma definição eu acho né? Do que significa... Porque a gente é separado,
porque a gente não tá no mundo junto?
Gabriel: Sei lá “meu”...
124
(comentários paralelos)
Anna: E como é que vocês divulgam os eventos, que nem o “Socialnema” que acabou
levando muitas pessoas pra rua... Como vocês fazem essa divulgação assim, é só na Internet
ou é fora dela também.
Luciano: É só Internet, no máximo falar com amigos, mas a maioria é Internet. No início a
gente mandava release de cada ação, para avisar a imprensa e... Mas hoje já não, hoje a gente
posta no Facebook e ali já é um canal de...
Anna: E a imprensa acaba buscando o conteúdo de vocês na Internet?
Luciano: Sim, bastante. Eles estão bem antenados no que a gente faz.
Anna: E vocês se preocupam em registrar assim a memória da Shoot The Shit, que nem eu
buscando no site de vocês eu consegui mapear tudo assim, vocês se preocupam com esse...
Guardar onde saiu, o que foi falado.
Luciano: Eu particularmente tenho um arquivo, uma caixa de jornal e arquivos... Os links eu
vou salvando né, nos favoritos ali, clico ali.
Gabriel: Eu tiro printscreen de tudo.
Luciano: Eu não tenho tudo eu acho, mas eu acho que tenho...
Gabriel: Eu tiro printscreen da maioria, pelo menos dos mais relevantes... No início a gente
tirava de tudo, mas daí como a gente começou a sair muito, aí é meio cansativo também né?
Ficar o tempo inteiro tirando...
Luciano: Não é questão que a gente não dá mais “bola”, antes a gente botava a Shoot The Shit
no Google apareciam três, hoje aparece muito sabe? A gente já perdeu a noção...
Gabriel: Aí sai no g1.com.br, e aí desse G1 alguém pegou e levou para 15 outros lugares, não
vale a pena ir em todos né?
Anna: Vocês contabilizam assim, por exemplo, quantas pessoas baixaram o adesivo do
ônibus, quantos estados que fizeram, levaram a ação adiante... Essa contagem.
Luciano: A gente não tem o dado de quem baixou o adesivo, tem o dado de quantos entraram
no site, na sessão de adesivos. Eu não sei o número agora, mas eu posso te ver depois. E os
125
dados também, eu posso ver depois. Eu tenho lá por arquivos todas as cidades conforme a
participação. Eu acho que são vinte e sete cidades.
Anna: Lá em Santa Cruz até saiu na Gazeta do Sul, eu clipei (sic) lá também, eu acho até que
vocês colocaram ou uma colega minha.
Luciano: Eu tive uma entrevista com um cara de Santa Maria esses dias, lembra? Ele falou
que “meu”, setenta por cento da cidade, das paradas, tão (sic) com o adesivo.
Gabriel: “Uau!”
Luciano: “Cara” isso é muito! “Cara” ninguém tá arrancando!
Anna: E assim, qual vocês enxergam, assim de maneira bem genérica, a importância da
Internet. Em poucas palavras o que vocês diriam... A Shoot The Shit, ela seria viável sem a
Internet?
Gabriel: Sim.
Luciano: Seria viável, mas ela não teria quase nenhum impacto.
Gabriel: É a gente ia ter que arranjar um jeito de impactar as pessoas de outra forma. Mas... A
Internet pra nós ela tem uma função que é de divulgação, mas ela é capaz de centralizar
pessoas, organizar pessoas, distribuir informação de uma maneira horizontal. E ela tem uma
função muito importante que foi, está tendo, que é mudar a percepção das pessoas em relação
à comunidade. Então mudou a maneira como elas pensam.
Anna: Essa interação né?
Gabriel: Exatamente, é tudo mais colaborativo, tudo mais transparente, é uma mudança de um
modelo mental. E isso influencia nos nossos trabalhos, porque tipo, sem Internet nunca
ninguém ia pensar porque eu vou doar dez reais num (sic) Catarse da “vida”, que não
“existe”. Porque eu vou doar dinheiro pra eles fazerem isso. Sim, hoje em dia esse modelo
mental já funciona.
Anna: Até o do “Que Ônibus Passa Aqui” vocês acabaram devolvendo o dinheiro das pessoas
que doaram...
Gabriel: Ficou com a gente.
126
Luciano: A gente pediu pra, se eles queriam de volta, a gente ofereceu: “vocês querem de
volta?” Dois que pediram de volta, eles doaram bastante, eles conhecem pouco a gente.
Anna: E qual é que foram os primeiros contatos de vocês com a Internet?
Luciano: Na Shoot The Shit ou na nossa vida?
Anna: Na vida de vocês, vocês mesmo assim, tem como lembrar? Porque a Shoot The Shit
surgiu já com a Internet...
Luciano: Sim, sim. A gente já era heavy user da Internet. Eu lembro tá? No início eu entrava
no chat do Terra e baixava joguinho de emulador que é pra jogar vídeo game no computador.
Gabriel: “Bah” é mesmo “cara”!
Luciano: Eu só fazia isso! Eu entrava nos sitezinhos (sic), baixava... Mas era aquela coisa né?
No início tu só entrava no fim de semana, que era mais barato, depois da meia-noite... Ficava
o fim de semana inteiro, daí saía e de segunda a sexta tu não entrava...
Anna: Se tinha que usar o telefone...
Luciano: É, “bah” era muita “mão” usar a Internet.
Gabriel: É mesmo “velho”!
Luciano: Pra conectar era muita “raça”! Mas eu não sei quando, que ano foi isso sabe? Acho
que foi 98, por aí... Mas era uma coisa meio “tosca” assim... Mas sempre continuo, não tem
quem não goste.
Anna: E vocês acreditam que assim: é só um meio técnico, só, ou ela possibilita assim mudar
a cultura realmente das pessoas. Que nem hoje em dia com relação às mobilizações sociais,
ela realmente assim, ela tem qualidade pra isso ou ela só é uma ferramenta pra...
Luciano: Eu acho que ela pode mudar. Assim como a TV mudou a cultura, a culpa não foi da
TV, a culpa foi das pessoas que usaram a TV pra só ver, tipo elas trabalhavam, ficavam em
casa, ficavam na TV. Meio impossível né de... Então elas se acostumaram a fazer isso, e com
o tempo a cultura mudou, chegar em casa, ver TV e esquecer da vida e não faziam mais nada,
porque a TV não te permite fazer outra coisa, tu tem que ficar ali vendo TV se não tu perde...
E a Internet é o contrário eu acho, ela veio pra trazer mais atividade, pra ajudar as pessoas...
Tu pode produzir ao mesmo tempo que tu tá consumindo ela sabe? E que tu pode também, ela
127
tem muitas vantagens, a questão de mobilização, de conexão... Então isso vai dando poder
pras pessoas, poder que elas tinham perdido ou que elas não tiveram antigamente. Que eram
meios que não te permitiam produzir, era só te...
Anna: E a intenção da Shoot The Shit é realmente empoderar as pessoas assim, para elas co-
participarem das ações.
Luciano: Sim. Vai ser muito “afudê” o dia que rolar quinze ações diferentes “tipo”. Então
muita coisa com esse viés sabe? De melhorar a cidade assim...
Anna: Qual é que é o Site de Rede Social, é o jeito que eles definem, mas assim Facebook,
Twitter, blog, site... Que vocês acham que funciona mais. Se teria (sic) como dizer o que
funciona mais...
Gabriel: É a gente tem todos né? Tem blog que é afudê.cc, tem Twitter, shoottheshit, tem o
Facebook, shoottheshitcc...
Luciano: shoottheshit.cc
Gabriel: Ah dá no mesmo... E o site, shoottheshit.cc.
Luciano: Tá, mas a pergunta é qual o melhor...
Anna: É, se vocês enxergam que um é mais...
Luciano: Facebook, ele centraliza, né?
Anna: Ele traz os...
Gabriel: Mas olha, na pergunta anterior... Tem um livro que se chama Aqui Vem Todo Mundo,
Here comes everybody... do Clay Shirky. Que ele, a ideia do livro é: a sociedade não muda
quando assume novas tecnologias, muda quando assume novos comportamentos. Então a
Internet ela é uma tecnologia, o problema é que ela induz com que as pessoas tenham novos
comportamentos. Então depende da maneira como tu usa aquela tecnologia. Então assim
como a TV, ela não trouxe um novo comportamento, mas ela induziu com que novos
comportamentos começassem a emergir. A Internet faz a mesma coisa. Tem gente que usa a
Internet pro bem, tem gente que usa a Internet pro mal. A gente quer usar o poder de conexão
da Internet pra fazer o bem à cidade.
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Anna: E como é que vocês identificam o público de vocês assim. As empresas elas, na
agência de publicidade... Faz pesquisa, tenta descobrir o comportamento... Como é que vocês
enxergam assim, o público de vocês tá em Porto Alegre ou tá na Internet, tá em todo lugar.
Como é que vocês enxergam assim onde eles estão?
Gabriel: Eu odeio dizer “ah o nosso público é todo mundo”. Isso não existe. Mas a partir do
momento que a gente parte do princípio que a gente tá (sic) trabalhando pras cidades, e todos
vivem na cidade, a gente tem o público que é bem amplo assim. Só que cada ação tem um
público mais específico. O “Que Ônibus Passa Aqui” a gente pode dizer olha: é “galera”
classe B, C, D, que pega ônibus, estudante, de 18 a 25, 26 anos, que mora nessas regiões...
Então a gente consegue identificar... Mas a gente nunca parou pra ver, mas a gente consegue.
Anna: Que nem a ação do golfe vocês fizeram em bairros nobres de Porto Alegre, mas vocês
até comentaram nos lugares que... Se ali já é assim, imagina fora de lá. E vocês enxergam
assim, vocês tentam levar os sujeitos pra fora da Internet, as pessoas pra fora da Internet ou
vocês acham que algum dia vai surgir uma ação que aconteça só na Internet.
Luciano: Pode surgir uma ação na Internet, mas eu acho que o ideal é levar pra fora... É que a
gente fala do ativismo de sofá né? O ativismo de sofá parte do pressuposto que as pessoas tão
(sic) on-line ali fazendo alguma coisa, mas não ter ninguém fazendo nada físico, fora, não
adianta sabe? Não adianta todo mundo twittar “Fora Sarney” e ninguém ir lá no mínimo
entregar uma petição contra o “cara”, entendeu? Tem que ter uma ação, então... A nossa ideia
é que quanto mais gente... Pode fazer o ativismo de sofá, mas também tem que sair pra rua,
fazer alguma coisa.
Anna: E vocês tentam escutar as necessidades das pessoas, pra tentar ser coeso com isso ou
surge muito de vocês assim.
Gabriel: Ainda surge muito nosso, mas a nossa ideia é começar a ter dinâmicas pra conhecer
os problemas de cada região e poder começar a pensar nisso.
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ANEXO D
Entrevista realizada por e-mail com Luciano Braga, um dos idealizadores do grupo
Shoot The Shit, em 21 de maio de 2013.
- De quem foi a ideia inicial de formação do grupo, ou de repente, da concepção da primeira
ideia: “Salve uma vida”?
A ideia do grupo surgiu em conjunto durante um evento em que nós três estávamos
conversando e tomando uma cerveja. A ideia do “Salve uma vida” foi do Gabriel, ele já tinha
apresentado essa ideia na agência que ele trabalhava, antes da gente escutar ela.
- Tu e o Gabriel tinham quantos anos na época?
25 e 21, respectivamente.
- Já eram formados? (E só para confirmar: o Gabriel estudou (sic) na UFRGS e tu na
PUCRS?)
Não. O Gabriel é formado na PUCRS, e eu na UFRGS.
- O Giovani, que aparece no vídeo do “Paraíso do Golfe”, continua participando?
Não.
- Como vocês se conheceram? Como descobriram esse objetivo em comum, em melhorar a
cidade de Porto Alegre a partir da participação das pessoas?
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Se conhecemos (sic) num curso da Perestroika, o Chernobyl (que não existe mais). O objetivo
em comum no início era de criar projetos “irados” e criativos. Com o tempo fomos
percebendo também que tínhamos em comum o fato de querer melhorar a cidade.
- Shoot The Shit significa “jogar conversa fora”, mas, porque esse nome? Quem escolheu?
O que a gente fazia nas primeiras reuniões era basicamente jogar conversa fora. Por isso o
nome fazia sentido. Ele também era bem sonoro, por isso gostamos. O Gabriel era quem
conhecia a expressão e nos sugeriu ela. A gente aceitou na hora.
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ANEXO E
Entrevista realizada por e-mail com Luciano Braga, um dos idealizadores do grupo
Shoot The Shit, em 22 de maio de 2013.
- De onde vocês tiram as ideias? Vocês procuram adaptar à realidade local? Como vocês
enxergam esse tipo de ação em outras partes do mundo?
Da vida, hehe (sic). De viver a vida, ter experiências, viver os problemas. Quanto mais coisas
a gente fizer na vida, maior será o nosso repertório de possibilidades, por isso a gente procura
estar sempre conhecendo coisas novas e saindo da nossa zona de conforto. Assim que
enxergamos um possível problema, daí a ideia vem de horas incansáveis de brainstorm.
Quanto maior esse nosso repertório de vivências, mais rico é o brainstorm.
- No “Que Ônibus Passa Aqui”, vocês tentaram conversar com a EPTC antes de colar os
adesivos? Eles não teriam uma forma mais racional/diferente de executar essa ideia desde o
início?
Nem tentamos. Talvez eles tivessem uma outra solução, mas se ele não querem nem fazer o
adesivo, mostra que mesmo que eles tivessem, eles não teriam se mexido (sic) muito pra
executar.