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262 TRAUMA NO PACIENTE PEDI`TRICO PEDIATRIC TRAUMA PATIENT Gerson Alves Pereira Jr. 1 ; Ana Claudia Andreghetto 2 ; Aníbal Basile-Filho 3 & José Ivan de Andrade 4 1 Médico Assistente da Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas; 2 Médica Residente (R4) de Ortopedia Pediátrica do Departa- mento de Cirurgia, Ortopedia e Traumatologia; 3 Docente do Departamento de Cirurgia, Ortopedia e Traumatologia. Chefe da Disciplina de Terapia Intensiva; 4 Docente do Departamento de Cirurgia, Ortopedia e Traumatologia. Coordenador do Serviço de Cirurgia da Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP- USP). CORRESPONDÊNCIA: Dr. Gerson Alves Pereira Júnior - Rua Iguape, 747 apto 12 – C - Jardim Paulista - CEP 14090 – 000 - Ribeirão Preto – SP - e-mail: [email protected] PEREIRA JR GA; ANDREGHETTO AC; BASILE-FILHO A & ANDRADE JI. Trauma no paciente pediátrico. Medi- cina, Ribeirão Preto, 32: 262-281, jul./set. 1999. RESUMO: Este artigo revê os princípios do atendimento inicial ao traumatizado pediátrico, após uma revisão das características específicas da anatomia e fisiologia na infância. Aborda as diferentes situações através das quais o traumatizado pediátrico pode se apresentar e discu- te as opções que existem em cada fase do atendimento primário, bem como delineia os cuida- dos definitivos em lesões de alguns sistemas específicos. UNITERMOS: Lesões. Pediatria. Traumatologia. Medicina, Ribeirªo Preto, Simpósio: TRAUMA I 32: 262-281, jul./set. 1999 Capítulo III 1. INTRODU˙ˆO O trauma permanece como a principal causa de morte e incapacidade nos pacientes pediátricos. Nos Estados Unidos da América do Norte, uma dentre três crianças (cerca de 22 milhões) é, anual- mente, vítima de trauma (1) . Em conseqüência, o trau- ma é responsável por aproximadamente 10% e 15%, respectivamente, das internações pediátricas em hos- pitais e unidades de tratamento intensivo (2) . Para cada criança que morre, outras 40 crianças requerem hos- pitalização e 1000 necessitam de avaliação e trata- mento de emergência (3) . Cerca de 80% dos traumas são contusos, re- presentados principalmente por acidentes por veícu- los a motor, bicicletas e quedas (4) . Nos acidentes automobilísticos, as vítimas ou foram atropeladas ou ocupavam o veículo. Dentre os passageiros do veículo acidentado, as lesões mais co- muns são os traumas cranioencefálicos e da coluna cervical. O uso adequado do cinto de segurança pode prevenir em 65 a 75% as lesões graves e os óbitos em passageiros menores de 04 anos de idade e 45 a 55% das lesões e mortes em pacientes pediátricos de qual- quer idade (5) . Ainda há o fato de que motoristas adolescentes são responsáveis por um número desproporcional de acidentes automobilísticos e lesões graves pela pró- pria inexperiência associada ao uso do álcool, que está envolvido em 50% dos acidentes automobilísticos fatais (5) . Os atropelamentos são a principal causa de morte entre crianças de 05 a 09 anos, nos EUA. As vítimas de atropelamento comumente apresentam a tríade de Waddell: fratura de fêmur, trauma cranioen- cefálico e lesões do tronco (4) . Os acidentes com bicicletas resultam em trau- ma cranioencefálico após queda do veículo em movi- mento sem o uso de capacete ou lesões viscerais do abdome superior associadas ao impacto contra o gui- dão (6) . O uso de capacetes para ciclistas pode preve- nir 85% das lesões cranianas (5) .

III - trauma no paciente pediátrico

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TRAUMA NO PACIENTE PEDIÁTRICO

PEDIATRIC TRAUMA PATIENT

Gerson Alves Pereira Jr.1; Ana Claudia Andreghetto2; Aníbal Basile-Filho3 & José Ivan de Andrade4

1Médico Assistente da Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas; 2Médica Residente (R4) de Ortopedia Pediátrica do Departa-mento de Cirurgia, Ortopedia e Traumatologia; 3Docente do Departamento de Cirurgia, Ortopedia e Traumatologia. Chefe da Disciplinade Terapia Intensiva; 4Docente do Departamento de Cirurgia, Ortopedia e Traumatologia. Coordenador do Serviço de Cirurgia daUnidade de Emergência do Hospital das Clínicas. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP- USP).CORRESPONDÊNCIA: Dr. Gerson Alves Pereira Júnior - Rua Iguape, 747 apto 12 – C - Jardim Paulista - CEP 14090 – 000 - Ribeirão Preto –SP - e-mail: [email protected]

PEREIRA JR GA; ANDREGHETTO AC; BASILE-FILHO A & ANDRADE JI. Trauma no paciente pediátrico. Medi-cina, Ribeirão Preto, 32: 262-281, jul./set. 1999.

RESUMO: Este artigo revê os princípios do atendimento inicial ao traumatizado pediátrico,após uma revisão das características específicas da anatomia e fisiologia na infância. Abordaas diferentes situações através das quais o traumatizado pediátrico pode se apresentar e discu-te as opções que existem em cada fase do atendimento primário, bem como delineia os cuida-dos definitivos em lesões de alguns sistemas específicos.

UNITERMOS: Lesões. Pediatria. Traumatologia.

Medicina, Ribeirão Preto, Simpósio: TRAUMA I32: 262-281, jul./set. 1999 Capítulo III

1. INTRODUÇÃO

O trauma permanece como a principal causade morte e incapacidade nos pacientes pediátricos.

Nos Estados Unidos da América do Norte, umadentre três crianças (cerca de 22 milhões) é, anual-mente, vítima de trauma(1). Em conseqüência, o trau-ma é responsável por aproximadamente 10% e 15%,respectivamente, das internações pediátricas em hos-pitais e unidades de tratamento intensivo(2). Para cadacriança que morre, outras 40 crianças requerem hos-pitalização e 1000 necessitam de avaliação e trata-mento de emergência(3).

Cerca de 80% dos traumas são contusos, re-presentados principalmente por acidentes por veícu-los a motor, bicicletas e quedas(4).

Nos acidentes automobilísticos, as vítimas ouforam atropeladas ou ocupavam o veículo. Dentre ospassageiros do veículo acidentado, as lesões mais co-muns são os traumas cranioencefálicos e da colunacervical. O uso adequado do cinto de segurança pode

prevenir em 65 a 75% as lesões graves e os óbitos empassageiros menores de 04 anos de idade e 45 a 55%das lesões e mortes em pacientes pediátricos de qual-quer idade(5).

Ainda há o fato de que motoristas adolescentessão responsáveis por um número desproporcional deacidentes automobilísticos e lesões graves pela pró-pria inexperiência associada ao uso do álcool, que estáenvolvido em 50% dos acidentes automobilísticosfatais(5).

Os atropelamentos são a principal causa demorte entre crianças de 05 a 09 anos, nos EUA. Asvítimas de atropelamento comumente apresentam atríade de Waddell: fratura de fêmur, trauma cranioen-cefálico e lesões do tronco(4).

Os acidentes com bicicletas resultam em trau-ma cranioencefálico após queda do veículo em movi-mento sem o uso de capacete ou lesões viscerais doabdome superior associadas ao impacto contra o gui-dão(6). O uso de capacetes para ciclistas pode preve-nir 85% das lesões cranianas(5).

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Trauma no paciente pediátrico

Quedas de alturas resultam em lesõescranianas, fratura de ossos longos e lesões do tronco,sendo sua gravidade diretamente relacionada à mag-nitude do deslocamento vertical(7).

O afogamento é uma causa significante de mor-tes e sequelas neurológicas em crianças menores de04 anos de idade. Para cada criança que morre devi-do a submersão, outras seis crianças são hospitaliza-das e, aproximadamente, 20% dos sobreviventes te-rão sequela neurológica grave(5).

Cerca de 80% das mortes por queimadurasocorrem em acidentes domésticos. A inalação de fu-maça, queimaduras por líquidos aquecidos e queima-duras elétricas afetam principalmente a criança me-nor de 04 anos de idade(5).

As lesões penetrantes são mais freqüentementefatais(4) e, lamentavelmente, sua incidência vem aumen-tando(8). As armas de fogo são responsáveis por umaumento do número de lesões acidentais e também poraumento do número de homcídios e suicídios na popu-lação pediátrica. O aumento na incidência de lesõespor armas de fogo ocorre paralelamente a um aumentoda disponibilidade de armas. Nos EUA, mais de 66%das residências contêm armas de fogo e cerca de 34%dos alunos do primeiro e segundo graus referem umfácil acesso às armas, aumentando o registro de casosde crianças levando armas de fogo à escola(5).

Nos EUA, para cada criança que morre devidoa traumatismos de qualquer natureza, cerca de quatrocrianças sofrem incapacidade permanente(9). O custoestimado da atenção ao trauma, nas fases agudas ede reabilitação, é de 16 bilhões de dólares anuais(10).

2. PARTICULARIDADES GERAIS DO TRAU-MA NA INFÂNCIA

Em comparação com os adultos, as criançasapresentam maior freqüência de lesões multissistêmi-cas. Isto decorre da maior absorção de energia porunidade de área, porque a massa corporal é menor.Além disso, o tecido adiposo é exíguo, o tecido con-juntivo tem menor elasticidade e os órgãos são maispróximos entre si (1,11).

A relação entre superfície e volume corporais éelevada ao nascimento e diminui com o crescimento.Como resultado, a perda de calor torna-se um fatorimportante na criança. A hipotermia desenvolve-serapidamente, em conseqüência da exposição da cri-ança às temperaturas ambientais e da infusão de líqui-dos endovenosos na reposição volêmica que, de pre-ferência, devem estar aquecidos(1,11).

Nas crianças mais jovens, a instabilidade emo-cional freqüentemente leva a um comportamento re-gressivo na presença de estresse, dor ou a percepçãode um ambiente hostil. A capacidade de a criança inte-ragir com pessoas desconhecidas e a situações dife-rentes é limitada, especialmente na presença de dor(11).

Diferentemente dos adultos, as crianças neces-sitam recuperar-se dos efeitos do trauma e continuar oprocesso de crescimento e desenvolvimento futuros.As lesões, mesmo que de pequena monta, podem le-var a um período prolongado de incapacidade, às custasde reações de natureza emocional ou orgânica, reper-cutindo, inclusive, na capacidade de aprendizado(12,13).

Tardiamente, distúrbios sociais, afetivos e doaprendizado podem ser identificados em metade dascrianças vítimas de trauma grave.

O trauma pediátrico desarranja a estrutura fa-miliar, com conseqüentes distúrbios emocionais e com-portamentais, além de financeiros. Cerca de dois ter-ços dos irmãos de uma criança traumatizada apresen-tam distúrbios emocionais e afetivos(11). Freqüente-mente, ocorrem distúrbios entre os pais, os quais po-dem culminar com a separação do casal (11).

Todos estes problemas tornam indispensáveluma assistência psicológica à criança e à sua família.

3. PARTICULARIDADES ANATÔMICAS EFISIOLÓGICAS

Devido à imaturidade da sua estrutura anatômi-ca e de sua resposta fisiológica, o politraumatizadopediátrico requer atenções especiais na sua avaliaçãoinicial(1).

O crânio oferece uma proteção inadequada parao cérebro da criança e os traumatismos cranioencefá-licos podem produzir lesão cerebral grave, principal-mente no primeiro ano de vida(14).

O cérebro dobra de tamanho nos primeiros 06meses de vida e atinge 80% do tamanho do cérebroadulto aos 02 anos de idade(11). Apresenta um maiorconteúdo aquoso e sua mielinização ainda não estácompleta. Sendo que a mielina ajuda a proporcionarestrutura ao cérebro, a sua falta torna-o mais homo-gêneo e muito mais susceptível às lesões difusas(14).

As lesões difusas do encéfalo, particularmenteo edema e a lesão axonal difusa, são mais comuns nacriança do que em qualquer outra faixa etária(4). Oedema está associado à perda da autorregulação dapressão arterial, resultando em anóxia (por paralisiavasomotora arteriolar e aumento do volume sangüí-neo encefálico e aumento da pressão intracraniana).

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Em contraste, lesões focais por contusão ou laceração,que ocorrem adjacentes a proeminências ósseas (ge-ralmente em lobos temporal e frontal) e, hemorragiaintracraniana importante (epidural, subdural ou hema-tomas intraparenquimatosos) são incomuns e, quandopresentes, têm pequeno volume, insuficiente para jus-tificar a evacuação cirúrgica(4).

A maior relação entre o tamanho da cabeça e orestante do corpo torna mais provável uma lesão cer-vical, particularmente em traumatismos cranioencefá-licos e traumas multissistêmicos. No entanto, a lesãomedular é menos freqüente em crianças do que emadultos. De todas as lesões cervicais, 5% ocorrem emcrianças(1). É mais freqüente em subluxações atlantaxial(C1 - C2) ou na junção atlantoccipital até a fase pré-escolar e, lesões mais baixas (C5 - C7) na idade esco-lar(4,5) As lesões que se situam acima das raízes ner-vosas, responsáveis pela maior parte da inervaçãodiafragmática (C4), predispõe à parada respiratória eà tetraplegia(4). A subluxação (com ou sem desloca-mento) e a fratura do odontóide são bem mais comunsque a lesão do corpo vertebral(4). As diferenças anatô-micas responsáveis por estas particularida-des são: ligamentos interespinhosos e cáp-sulas articulares mais flexíveis; articulaçãouncinada pobremente desenvolvida e incom-pleta; corpos vertebrais encunhados anteri-ormente com tendência ao escorregamentolateral com a flexão; facetas articulares pla-nas; cabeça relativamente grande em rela-ção aos adultos com maior angulação du-rante a flexão ou extensão, resultando emmaior transferência de energia(1,4).

A pseudo-subluxação (deslocamentoanterior de C2 em C3) é vista em 40% dascrianças menores de 07 anos. Apenas 20%apresentam esta particularidade até os 16anos(1,11)(ver Figura 1)

Os centros de crescimento esqueléticopodem simular fraturas: a sincondroseodontóide basilar aparece como área radio-lucente na base da lâmina, principalmente emmenores de 05 anos; a epífise odontóideapical aparece como separação vista entre05 e 11 anos; as extremidades dos proces-sos espinhosos podem simular fraturas(1,11).

As vias aéreas representam a maisimportante diferença anatômica entre crian-ças e adultos em relação ao trauma(4). Quan-to menor a criança, maior a desproporção

entre o tamanho do crânio e da face, sendo mais pos-terior a faringe e maior a força passiva de flexão cer-vical(1). Os tecidos moles (língua, tonsilas palatinas)são relativamente maiores, quando comparados coma cavidade oral, o que dificulta a visualização da larin-ge e facilita a obstrução completa da via aérea pelaqueda posterior da língua(1,4). A laringe da criança temmaior angulação anterocaudal, dificultando sua visua-lização para canulação direta(1).

As crianças são respiradores nasais primáriosaté os 06 meses de idade. A maior resistência no fluxoaéreo ocorre ao nível das narinas. O batimento de asade nariz é um indicador confiável de insuficiência res-piratória em criança(14).

As vias aéreas pediátricas são mais estreitasem todos os níveis, principalmente no nível da cartila-gem cricóide e, são mais facilmente obstruídas pormuco, sangue ou corpos estranhos e pelos própriostecidos moles da cavidade oral, especialmente no trau-ma cranioencefálico(4).

A traquéia tem aproximadamente 5 cm de ex-tensão e cresce para 7 cm aos 18 meses, o que au-

Figura 1: Radiografia de coluna cervical em perfil, mostrando a pseudo-subluxação C2 - C3 (veja a seta).

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Trauma no paciente pediátrico

menta o risco de intubação seletiva (1,8), que pode ocor-rer com igual freqüência à direita e à esquerda, dife-rentemente do adulto, cuja intubação seletiva direita émais freqüente devido a maior horizontalização do bron-quiofonte direito(14).

O trauma pediátrico grave é mais uma desor-dem das vias aéreas e ventilação do que da circula-ção(4). A parada cardíaca pediátrica geralmente é umevento secundário ao desenvolvimento de choque cir-culatório progressivo ou insuficiência respiratória, comhipóxia e acidose concomitantes(14).

A etiologia da parada cardiorrespiratória emcrianças é mais comumente relacionada a uma desor-dem respiratória primária, diferentemente da dos adul-tos, em que a principal etiologia é por desordens cardí-acas. A parada respiratória descoberta a tempo emuma criança, tendo ainda os pulsos arteriais centraispalpáveis, supõe uma sobrevida de 60 a 70% e a gran-de maioria dos sobreviventes não apresenta sequelasdo ponto de vista neurológico(14).

Na caixa torácica, a estrutura óssea é maiscartilaginosa em crianças, tendo maior complacência.O aumento de pressão intratorácica, durante a insufi-ciência respiratória, é menos eficiente em aumentar ovolume corrente, porque o tórax se retrai, reduzindo ovolume corrente e, indiretamente, aumentando o tra-balho da ventilação. A retração dos tecidos moles, si-milarmente, reduz o volume torácico durante esforçosrespiratórios vigorosos. Assim, na criança até a fasepré-escolar, o volume corrente é muito dependente domovimento do diafragma(14).

As costelas estão alinhadas em um plano maishorizontal, o que diminui o deslocamento inspiratóriodo tórax no plano anteroposterior. Os pontos de inser-ção muscular do diafragma, no tórax, também são ho-rizontais na criança, levando a menor excursão dia-fragmática durante a inspiração, reduzindo o volumeinspiratório, principalmente na presença de distensãoabdominal e cirurgia(14).

Os músculos intercostais são imaturos e nãopodem manter a ventilação ativa por vários anos apóso nascimento, aumentando a dependência da função eexcursão do diafragma(14).

Contusões pulmonar e miocárdica podem ocor-rer sem fraturas costais ou outros sinais de trauma. Apresença de fraturas costais sugere grande transfe-rência de energia, comumente associada a lesõesviscerais graves(1,4).

O tórax flácido e o pneumotórax hipertensivo(a lesão com maior potencial de letalidade) aumentam

o risco de comprometimento ventilatório e circulatóriona criança, devido à maior mobilidade mediastinal(4,8).

A capacidade de compensação da insuficiênciarespiratória é limitada pelos seguintes fatores: maiorconsumo de oxigênio (2 a 3 vezes o do adulto); menorreserva funcional (que torna a criança mais susceptí-vel à hipóxia); menor complacência pulmonar; maiorcomplacência da parede torácica (que resulta emtaquipnéia em resposta à hipóxia); maior horizontali-zação das costelas e musculatura intercostal rudimen-tar(4,14). A cianose é um pobre indicador de hipóxia,particularmente na criança anêmica, pois tem menornível de hemoglobina e a cianose ocorre apenas quan-do um nível crítico de hemoglobina reduzida (5g/dL)está presente. Assim, o conteúdo sangüíneo de oxigê-nio deve cair a níveis muito baixos antes da cianoseser evidente(5,14).

A diferença fisiológica fundamental em relaçãoao adulto é a capacidade da criança de compensar ostranstornos hemodinâmicos induzidos pelo choque he-morrágico, mantendo a pós-carga devido à vasocons-tricção periférica (o que mantém a perfusão dos ór-gãos vitais)(4). O volume sangüíneo circulante e o dé-bito cardíaco são maiores por quilograma de peso doque os adultos, porém os valores absolutos são meno-res devido ao menor tamanho do corpo(14).

O débito cardíaco é grandemente dependente daalta freqüência cardíaca, uma vez que o volume sistólicoé baixo devido ao pequeno tamanho do coração. A bra-dicardia pode limitar muito a perfusão sistêmica e cons-titui-se um sinal de hipóxia grave ou acidose. Lembrarque, se apesar de oxigenação e ventilação fornecidas,uma criança menor de 02 anos tiver freqüência cardí-aca menor que 80 bpm ou uma criança maior que 02anos tiver uma freqüência cardíaca menor que 60 bpm,devemos iniciar as manobras de compressões torácicasda ressuscitação cardiopulmonar(14,15).

A freqüência cardíaca deve ser sempre valori-zada em função da idade e do quadro clínico da criança.Quanto menor a idade e maior a alteração, mais elevadaserá a freqüência cardíaca(5,11,14,15). (ver Tabela I).

A criança permanece normotensa e com boaperfusão tecidual até a perda de 25 a 30% do volumesangüíneo(1,4). Esta grande capacidade de preserva-ção da estabilidade hemodinâmica decorre da deriva-ção do fluxo sangüíneo dos tecidos periféricos. Istoresulta em metabolismo anaeróbio e acidose láctica,aumentando o trabalho ventilatório e diminuindo a con-tratilidade miocárdica, o que limita esta resposta com-pensatória por um período prolongado(4).

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A resposta primária à hipovolemia na criança éa taquicardia, que também pode ocorrer por dor, medoou estresse emocional(1).

A taquicardia, a má perfusão periférica e a di-minuição da pressão de pulso são fundamentais parao diagnóstico do choque circulatório(1,11). A melhor evi-dência clínica de diminuição da perfusão tecidual é apalidez cutânea, o enchimento capilar prolongado e afrialdade de extremidades. O enchimento capilar pro-longado (mais de 02 segundos) pode ser causado porchoque, febre ou ambientes frios. Na avaliação doenchimento capilar, a extremidade deve ser eleva-da acima do nível do coração para assegurar que seesteja avaliando o enchimento dos capilares arteriolarese não a estase venosa. A hipotensão arterial aparecetardiamente e indica estado de choque descompensado,perda sanguínea grave, com ressuscitação inade-quada, levando ao risco de parada cardiorrespiratóriaiminente(1,4,14).

Reavaliações freqüentes são imperativas noreconhecimento precoce do choque circulatório nacriança(1).

Como regra, a pressão sistólica em crianças deveser 80 mmHg mais 02 vezes a idade em anos e a pres-são diastólica deve ser 2/3 da pressão sistólica(1).

A hipotensão arterial é definida como pressãosistólica menor que 70 mmHg mais 2 vezes a idadeem anos(4).

O volume sangüíneo circulante é de 8 a 9%do peso corpóreo, porém em valores absolutos tal vo-lume é pequeno, portanto, devemos valorizar qualquerperda(11).

O menor tamanho do abdome predispõe a ocor-rência de lesões múltiplas em traumas contusos(4). Ascostelas flexíveis e a fina parede abdominal proporcio-nam pouca proteção aos órgãos parenquimatosos (quesão proporcionalmente maiores na criança) do abdo-me superior, aumentando a incidência de lesões, inclu-sive do pâncreas (pancreatite ou pseudocisto traumá-tico)(4). As lesões costumam ser mais profundas e ex-

Tabela I - Sinais vitais nos pacientes pediátricos

Grupos etários Peso(kg)

Freqüênciacardíaca (bpm)

Pressão arterialSistólica (mmHg)

Freqüênciarespiratória (ipm)

Débito urinário(mL/kg/hora)

até os 06 meses

Lactentes

Pré-escolares

Adolescentes

3 - 6

12

16

35

160 - 180

160

120

100

60 - 80

80

90

100

60

40

30

20

2

1,5

1

0,5

tensas, porque os órgãos possuem cápsula mais espessae elástica. Pela mesma razão, a hemorragia cessa es-pontaneamente com maior freqüência, facilitando otratamento conservador não operatório das lesões(4).

A dilatação gástrica aguda, devida à aerofagia,predispõe a criança ao comprometimento ventilatóriopela limitação da mobilidade diafragmática, maior ris-co de aspiração e ao estímulo vagal, que pode masca-rar a taquicardia em resposta à hipovolemia(4,8,11).

O periósteo mais espesso e mais elástico e acortical óssea altamente porosa e vascular, associa-dos a maior quantidade proporcional de matriz protéicaem relação ao seu conteúdo mineral, torna a constitui-ção óssea mais maleável, justificando a ocorrência defraturas incompletas (torus e fratura em galho verde)e completas sem desvio(4). (ver Figuras 2 e 3)

Outros fatores que diferenciam o traumaesquelético pediátrico são: rápida taxa de cicatriza-ção; tendência à remodelação da fratura, exceto noplano rotacional; alta incidência de lesões vasculares,particularmente no cotovelo, que, embora não repre-sentem risco imediato de perda do membro, podemocasionar contratura isquêmica; baixa incidência delesões ligamentares associadas; distúrbios a longo pra-zo do crescimento em fraturas que envolvem a carti-lagem de conjugação e a diáfise de ossos longos(4,11).

As fraturas de ossos longos mais comuns sãodo fêmur e tíbia, secundárias a atropelamentos, com-pondo a tríade de Waddell, juntamente com o traumacranioencefálico e as lesões do tronco(4). As fraturasde ossos longos em crianças podem estar associadasa grandes sangramentos, já que as partes moles nãotamponam adequadamente a hemorragia(1).

As perdas insensíveis de água são maiores doque nos adultos em virtude da maior relação entre aárea de superfície e a massa corpórea. Os estoquesde glicogênio são pequenos e, associados a maior taxametabólica, fazem com que a hipoglicemia seja co-mum em situações de estresse. Uma infusão contínuade glicose é necessária(14).

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Trauma no paciente pediátrico

4. SISTEMA DE ATENDIMENTO MÉDICODE EMERGÊNCIA

Assim como no adulto, a sobrevida de criançasenvolvidas em emergências médicas traumáticas ounão traumáticas é bastante influenciada por um ade-quado sistema de emergência pré-hospitalar. Este sis-tema é responsável pela identificação das emergênci-as, liberação de veículos e recursos humanos adequa-dos para aquele tipo de emergência, atendimento (emtempo) na cena e encaminhamento para o hospital maispróximo e mais preparado para o atendimento daque-la emergência específica, mediante contato prévio coma equipe médica que irá recepcionar o caso.

Devido ao significante potencial de recupera-ção plena das crianças traumatizadas, os cuidadosdevem começar o mais breve possível após o trauma,de preferência na cena do acidente.

Há várias etapas que devem ser bem equacio-nadas para uma boa eficiência do serviço de atendi-mento de emergência na fase pré-hospitalar.

• Reconhecimento do problema.• Acessar o sistema de emergência.• Providenciar os primeiros socorros.Normalmente, a identificação da emergência é

feita pelos próprios pais e familiares, que devem saberda existência e de como acessar o sistema de atendi-mento médico de emergência. Devem saber relatar ade-quadamente o fato ocorrido e saber iniciar os cuidadosou receber informações de como iniciar os cuidadosaté a chegada da equipe de atendimento pré-hospita-lar. Este contato é crítico e as comunidades devem seesforçar para que o nível cultural de sua populaçãopermita a melhor eficiência nesta comunicação, assimcomo a melhor qualidade de primeiros socorros possaser prestada por quem identificou a emergência.

A equipe que presta serviços na fase pré-hospi-talar, seja ela composta ou não por um médico, deve terconhecimento e experiência na abordagem do pacientepediátrico.Protocolos de atendimento devem existir parauma padronização e melhor eficiência desse atendi-mento. Todos os veículos devem conter equipamentosespecíficos e apropriados para qualquer tipo de inter-venção que venha a estar indicada a estes pacientes.

Na fase pré-hospitalar ou no atendimento numhospital de pequeno porte, as crianças com traumamultissistêmico ou com risco de mortalidade significa-tivo [Escala de trauma pediátrico(15) de 8 ou menos ouRTS (Revised Trauma Score)(16) de 11 ou menos]devem, se possível, ser encaminhadas para hospitaiscom recursos materiais disponíveis e recursos huma-nos habituados no tratamento do trauma pediátricograve(Ver Tabelas II e III)

O débito urinário aceitável para uma criançabem hidratada é de 02 ml/kg/hora para crianças me-nores de 2 anos e de 1 ml/kg/hora para crianças mai-ores(11,14). (ver Tabela I)

Figura 2: Radiografia em posição anteroposterior, mostrando umafratura de antebraço “em galho verde” .

Figura 3: Radiografia em perfil, mostrando uma fratura de antebraço“ em galho verde”.

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NGA Pereira Jr; AC Andreghetto; A Basile-Filho & JI Andrade

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Tabela II - Escore de trauma pediátrico (PTS - Pediatric Trauma Score) (15)

EscoresComponente avaliado +2 +1 -1

Peso (kg)

Vias aéreas

Pressão arterial sistólica mmHg)

Nível de consciência

Fratura

Pele

> 20

normal

> 90

alerta

nenhum

nenhum

10 - 20

técnica de manutenção, 02

50 - 90, pulsos carotídeos efemorais palpáveis

obnubilado ou qualqueralteração

simples, fechada

contusão ou laceração < 7 cm

< 10

via aérea definitiva

<50,pulsos filiformes ouausentes

coma

múltipla, exposta

perda de tecido

As vias aéreas são avaliadas não como uma função, mas como uma descrição de qual o cuidado requerido para uma adequadaabordagem.Como um índice preditor de lesões, todas as crianças com PTS menor que 08 devem ser encaminhadas para um local apropriado deatendimento a crianças traumatizadas

do choque circulatório e das lesões torácicas com ris-co iminente de vida(1,4).

Também é importante que um cirurgião qualifi-cado e experiente no manuseio do trauma pediátricoesteja envolvido precocemente nas fases iniciais daressuscitação(17,18), pois as principais causas de iatro-genias que afetam a mortalidade no trauma pediátri-co(19), em adição à inadequada reposição volêmica ini-cial, têm sido a falha em se reconhecer o sangramen-to interno (intracraniano e intra-abdominal) em tempohábil, atrasando o tratamento operatório e a falha emreconhecer a ausência de sangramento interno, pro-movendo perigosa hiper-hidratação(4,18,19).

5.1. Avaliação primária e reposição volêmica

A avaliação e o suporte das funções cardiopul-monares são aspectos fundamentais da avaliação pri-mária, realizada durante os minutos iniciais do atendi-mento ao trauma. Ao mesmo tempo em que as fun-ções cardiopulmonares são avaliadas, um rápido exa-me físico toraco-abdominal deve ser realizado para sedetectar em lesões torácicas que causem risco imedi-ato de vida ou quaisquer outras condições que interfi-ram com o sucesso do restabelecimento das funçõesvitais(5).

A padronização proposta pelo ATLS (AdvancedTrauma Life Support) consiste na sistematização doatendimento em fases sucessivas: 1) avaliação primá-ria e restabelecimento das funções vitais; 2) medidasadicionais; 3) avaliação secundária; 4) reavaliação e5) tratamento definitivo(1,11).

Tabela III - Escore de trauma revisada(RTS - Revised Trauma Score) (16)

Parâmetros Variáveis Escores

A) Freqüência respiratória(ipm)

10 - 29

> 29

6 - 9

1 – 5

0

4

3

2

1

0

B) Pressão arterialsistólica (mmHg)

> 89

76 - 89

50 - 75

1 - 49

0

4

3

2

1

0

C) Escala de Coma deGlasgow

13 - 15

9 - 12

6 - 8

4 - 5

< 4

4

3

2

1

0

TOTAL = Escores de (A + B + C)

5. ATENDIMENTO INICIAL

É similar à abordagem dada ao adulto. A aten-ção inicial deve ser dirigida para a manutenção dapermeabilidade das vias aéreas, ventilação e circula-ção, incluindo o controle do sangramento, tratamento

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Trauma no paciente pediátrico

Na avaliação primária, o ATLS utiliza o seguin-te método mnemônico(11):

A) (Airway maintenance with cervical spinecontrol): Manutenção da permeabilidade das vias aé-reas e estabilização da coluna cervical.

B) (Breathing and ventilation): Manutençãoda respiração e ventilação.

C) (Circulation with hemorrhage control):Estabilização circulatória com controle da hemorragiaexterna.

D) (Disability - neurological status): Avalia-ção da incapacidade e exame neurológico sumário.

E) (Exposure/Enviromental): Exposição comple-ta do paciente, com controle da temperatura ambiental.

A avaliação e reanimação inapropriadas são iden-tificadas como a principal causa de mortes evitáveisna população pediátrica. Os erros mais comuns são: afalha em abrir e manter a via aérea permeável; falhana reposição volêmica adequada, especialmente emcrianças com traumatismo cranioencefálico e a falhaem reconhecer e tratar as hemorragias internas(5).

5.2. Vias aéreas e estabilização da coluna cervical

O objetivo é restaurar ou manter a oxigenaçãotecidual adequada.

A obstrução imediata das vias aéreas ou a pa-rada respiratória pode se desenvolver na criança comtraumatismo cranioencefálico grave, devido a três me-canismos:(5)

• oclusão das vias aéreas superiores devido àqueda da língua com fechamento da epiglote, que ocorrequando a criança perde a consciência;

• transecção da coluna cervical com paradarespiratória subseqüente;

• contusão cerebral.A primeira consideração no manuseio das vias

aéreas é a posição da cabeça. A criança com altera-ção do nível de consciência ou que é incapaz de man-ter uma posição confortável da cabeça, deve ser colo-cada na “posição do cheirador” (em superfície rígida,rodando a cabeça para trás, de modo que a face dacriança esteja dirigida para cima) para minimizar a obs-trução das vias aéreas superiores pelos tecidos moles.Se a criança estiver consciente, ela deve escolher asua posição de conforto e não deve ser forçada a fi-car numa posição diferente(14).

Na criança traumatizada, respirando esponta-neamente, com mecanismo de trauma onde a lesão decoluna cervical seja possível, a cabeça deve ser man-tida em posição neutra e a patência da via aérea deve

ser assegurada pelo pelas manobras de elevação domento (chin lift) ou tração da mandíbula (jaw thrust)(1).Após limpeza e aspiração da boca e orofaringe, o oxi-gênio deve ser administrado em altas concentrações.

Se o paciente estiver inconsciente, os métodosmecânicos para manutenção da permeabilidade dasvias aéreas ou mesmo uma via aérea definitiva podemser necessários, como o uso da cânula orofaríngea oucânula de Guedel(11).

É fundamental que se use a cânula de tamanhoadequado, ou seja, do mento ao ângulo da mandíbula.

A introdução da cânula de Guedel na direção dopalato duro, e, posteriormente, promovendo sua rotaçãode 180 graus, não é recomendada em crianças. Deveser introduzida suavemente em direção à orofaringe(1).Pode-se usar também um abaixador de língua. Comono adulto, não deve ser usado na criança consciente.

Se não se conseguir manter uma boa oxigena-ção através destas técnicas de manutenção da per-meabilidade das vias aéreas (avaliada pela oximetriade pulso), deve-se partir para o estabelecimento deuma via aérea definitiva, onde colocamos uma cânulaendotraqueal, adequadamente fixada e conectada aum respirador mecânico.

A via aérea definitiva pode ser conseguida atra-vés de um tubo endotraqueal (oro ou nasotraqueal) oude uma via aérea cirúrgica (cricotireoidostomia porpunção ou cirúrgica, ou traqueostomia) (1,5,11).

As indicações para intubação endotraqueal nacriança traumatizada são:(5)

• parada respiratória;• insuficiência respiratória (hipoventilação e

hipoxemia arterial; apesar da suplementação de oxi-gênio e/ou acidose respiratória);

• obstrução de vias aéreas;• coma - escala de coma de Glasgow ou esca-

la de coma pediátrico de Adelaide menor ou igual a 8;• necessidade de suporte ventilatório prolonga-

do (lesões torácicas ou necessidade de estudos radio-lógicos prolongados).

A intubação orotraqueal é o modo mais confiávelde ventilação na criança com a via aérea comprome-tida e deve ser realizada com adequada imobilização eproteção da coluna cervical(1,4,8,11).

Tubos endotraqueais de tamanho adequado esem balonete (cuff) (até os 08 anos de idade) devemser usados para evitar edema subglótico, ulceração eruptura da frágil via aérea. O menor diâmetro das viasaéreas está ao nível da cartilagem cricóide, que formaum selo natural com o tubo endotraqueal(1,11,14).

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Uma técnica simples para escolher o tamanhodo tubo adequado para a criança a ser intubada é odiâmetro externo da narina ou do dedo mínimo da mão.O tamanho correto do tubo endotraqueal é determina-do mais pelo diâmetro do anel da cartilagem cricóidedo que pela abertura glótica. Normalmente, no pacien-te intubado com tubo de tamanho apropriado, observa-se um escape de ar quando se ministra uma pressãoinspiratória positiva de 20 a 30 cm H2O. Se não forobservada a passagem de ar com tais pressões, podeser que o tubo seja muito grande e pode causar com-plicações pós-extubação, como edema e estenosesubglótica(14).

Há várias outras maneiras de se estimar o ta-manho correto do tubo endotraqueal, como a fórmulaque se segue, usada para crianças maiores de 02 anos:(5)

Tubo endotraqueal (mm) = Idade (em anos) + 4 4

A maioria dos centros de trauma utilizam umprotocolo medicamentoso de seqüência rápida de intu-bação. Assim, as crianças que requerem a intubaçãoendotraqueal devem, primeiro, ser pré-oxigenadas ereceber sulfato de atropina (0,02 mg/kg – dose mínimade 0,1 e máxima de 0,5 mg) para assegurar que a fre-qüência cardíaca permanecerá elevada, já que a fre-qüência cardíaca é o principal determinante do débitocardíaco na criança e a estimulação mecânica das viasaéreas ou a hipoxemia pode induzir bradiarritmia. Aseguir, devem ser sedadas, sendo que, para isso, po-demos utilizar o tiopental (4 a 5 mg/Kg), se estiveremnormovolêmicas ou, midazolam (0,1 mg/Kg, com má-ximo de 5 mg), se estiverem hipovolêmicas. Após asedação, a pressão sobre a cartilagem cricóide (ma-nobra de “Sellick”) é mantida para se evitar a aspira-ção de conteúdo gástrico. Neste momento, faz-se ouso de bloqueadores neuromusculares que podem ser:succinilcolina (2 mg/Kg para menores de 10 Kg e 1mg/Kg para maiores de 10 Kg), que é um agente decurta duração e é considerado a droga de escolha ou,vencurônio, que é um agente de ação mais prolonga-da, o que pode ser benéfico em certas situações, comono caso de realização de exames complementares. Ouso destas drogas deve ser feito de acordo com o jul-gamento clínico e o nível de prática e experiência dequem vai manuseá-las(11,20).

Ao se realizar a intubação orotraqueal, pode serdifícil o controle da posição da língua e, em criançasmenores de 20 quilos, é aconselhável o uso de lâminareta no laringoscópio, devendo ser longa o bastante

para atingir a epiglote e permitir a visualização dascordas vocais(21).

Após passar a abertura glótica, o tubo endotra-queal deve ser posicionado 2 a 3 cm abaixo do nívelda corda vocal(11,21). Neste momento, pode-se retirara pressão sobre a cartilagem cricóide(11,21).

Uma regra utilizada, em crianças maiores de 2anos, para se estimar o comprimento adequado de in-trodução do tubo endotraqueal, desde a arcada dentáriasuperior até o meio da traquéia, é:(5)

Comprimento (cm) = Idade (em anos) + 122

Alternativamente, a distância de inserção, emcentímetros, a partir da arcada dentária superior, podeser estimada, multiplicando-se o diâmetro interno (emmm) do tubo endotraqueal por 3 (5).

Deve-se auscultar o tórax bilateralmente nasaxilas para evitar intubação seletiva. Porém, em virtu-de de fácil transmissão do murmúrio respiratório atra-vés da parede torácica, a posição da cânula orotra-queal deve ser, tão logo seja possível, confirmada pelaradiografia de tórax(8,11,21).

Qualquer movimento da cabeça pode deslocaro tubo, sendo necessário avaliar periodicamente se acânula permanece em posição apropriada(11,21).

A intubação nasotraqueal não deve ser realiza-da na criança traumatizada abaixo de 12 anos, poisrequer passagem, às cegas, através de ângulo agudona nasofaringe em direção anterior e caudal para en-trar na glote, o que torna esta via difícil. Também apenetração inadvertida no crânio ou lesão de tecidosmoles da nasofaringe apresentam riscos consideráveisna criança (11,21).

Após várias tentativas frustradas de se obteruma via aérea definitiva (geralmente, a intubação oro-traqueal) ou quando não se dispõe de material adequa-do ou pessoal habilitado para tal procedimento ou ain-da na presença de trauma facial grave com necessidadeimediata de uma via aérea definitiva, partimos para arealização de uma via aérea cirúrgica (cricotireoidos-tomia por punção ou cirúrgica, ou traqueostomia).

A cricotireoidostomia não deve ser realizada,por via cirúrgica, em crianças menores de 12 anos(1).

A cricotireoidostomia por punção permite a oxi-genação por, no máximo, 30 a 45 minutos. O acúmuloprogressivo de dióxido de carbono impossibilita o usodo método além desse período, especialmente no trau-ma cranioencefálico(1).

Na técnica da cricotireoidostomia por punção,fazemos a antissepsia e anestesia da região cervical

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271

Trauma no paciente pediátrico

anterior, localizamos a membrana cricotireóidea, fixa-mos a traquéia em virtude da sua grande mobilidade efazemos uma punção com “abocath” apropriado (ca-téter venoso 16 ou 18), em direção caudal a 45o doplano anterior, conectado a uma seringa contendo sorofisiológico, que deve ser mantida em aspiração duran-te todo o procedimento, para certificarmos da introdu-ção do catéter no lúmen traqueal. Ao aspirar ar, reti-ramos a agulha e mantemos o cateter no local(1,21)(verFigura 4).

A ventilação com pressão positiva é feita comextensão de borracha numa fonte de oxigênio que for-neça 100 ml/kg/minuto, num total de 1 a 5 L/minuto,para minimizar o potencial de barotrauma. Devemosfazer um orifício lateral na borracha ou usar um me-canismo em Y para controlar o tempo inspiratório eexpiratório. Como a expiração é mais difícil por estemétodo, mantemos uma relação inspiração : expiraçãode 1: 4. A expiração é feita pelo orifício lateral ou do Ye também através da região supraglótica. Se notar-mos a ausência de saída ou a saída de pequena quan-tidade de ar pela boca e nariz, na expiração, com otórax excursionando pouco durante a inspiração e man-tendo-se progressivamente insuflado, devemos dimi-nuir a fonte de oxigênio à metade ou estabelecer umapausa entre as insuflações para permitir a expiraçãopassiva e procurar estabelecer mais rapidamente umavia aérea definitiva, pelo risco de barotrauma(1,21).

Outras maneiras de fazermos a insuflação dear através de punção cricotireóide seriam: a) dispositi-vo mecânico de insuflação de gás e b) conexão de

uma seringa de 3 ml (sem o êmbolo) no cateter e adap-tação à seringa do intermediário da cânula orotraquealno 6, que permite a conexão com o Ambu(14).

Após este procedimento, dependendo da situa-ção que motivou a sua indicação (falta de materialadequado ou pessoal habilitado no momento, traumafacial grave, etc), podemos partir para a intubação oro-traqueal ou traqueostomia.

A estabilização da coluna cervical em posiçãoneutra impede a potencial lesão da medula espinhal.Na criança pequena, é necessário a colocação de umcoxim debaixo do tronco e extremidades, já que o oc-cipício proeminente força o pescoço para uma ligeiraflexão na posição supina sobre uma superfície plana(4).

No caso da realização de cricotireoidostomiacirúrgica (em crianças maiores de 12 anos), após aabertura da membrana cricotireóidea, colocamos umacânula de traqueostomia ou mesmo uma cânula traquealcomum, porém adequadamente fixada para evitar in-tubação seletiva. Idealmente, nas primeiras 24 horasou, no máximo em 72 horas, deve ser convertida numatraqueostomia para se evitar estenose de traquéia.

A traqueostomia é um procedimento que levatempo para a sua realização e tem riscos potenciaisgraves de lesões de estruturas importantes que pas-sam pela região cervical. Sua única indicação na emer-gência é a presença de fratura de laringe (clinicamen-te, o paciente apresenta-se com rouquidão e enfisemasubcutâneo cervical), quando não é factível a realiza-ção da cricotireoidostomia. No procedimento, não re-tiramos a porção anterior do anel traqueal como noadulto, sendo feita uma incisão em cruz, no terceiroanel da traquéia, para a introdução da cânula.

5.3. Ventilação

O volume corrente é de 7 a 10 ml/Kg e a fre-qüência respiratória depende da idade (ver Tabela I).Na hora de ventilar, não se esquecer do volume cor-rente adequado, principalmene quando se usa o AMBU,pois as vias aéreas são frágeis e imaturas com riscode barotrauma(4,17).

A grande distensibilidade do tórax em criançasfaz com que o mesmo se expanda facilmente, quandoaplicamos ventilação com pressão positiva (via bolsa emáscara ou por ventilação mecânica). Se a parede to-rácica não se elevar visivelmente durante a ventilaçãocom pressão positiva, o apoio ventilatório não está ade-quado(14,17).

A hipoventilação é a causa mais comum de pa-rada cardíaca na criança e a anormalidade acidobásica

Figura 4: Cricotireoidostomia por punção.

Cartilagem tireóide Cartilagem Cricóide

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mais comum é a acidose causada por hipoventilação,que precede a parada cardíaca(5,17).

A presença de fraturas costais indica que ocor-reu um traumatismo torácico grave e que podem ocor-rer lesões de outros órgãos, tais como do fígado, baçoe pulmões(5,11).

As duas lesões, que mais comumente impedem,a estabilização inicial de crianças com trauma são opneumotorax hipertensivo e o pneumotorax aberto(5).

As lesões pleurais (hemo ou pneumotórax) ocor-rem com igual freqüência em adultos e crianças. Opneumotórax hipertensivo requer alívio imediato pelorisco iminente de vida(4,8). O diagnóstico é confirmadopela introdução de uma agulha no 2o espaço intercos-tal, na linha hemiclavicular. A saída de ar confirma asuspeita clínica. O cateter deve ser mantido na posição eo tórax deve ser drenado no 5o espaço intercostal (nalinha do mamilo) entre as linhas axilares média e ante-rior. A exploração digital após a abertura da cavidadepleural e antes da introdução do dreno é necessáriapara certificarmos de que não há aderências pleurais eexcluir a presença de vísceras abdominais em posiçãoanômala, como no caso de ruptura diafragmática(11).

Os tubos de drenagem torácica têm seu diâ-metro escolhido de acordo com a idade, sendo, emgeral, usado o de 12F no lactente, o de 20F na criançamenor que 30 Kg e o de 28F no adolescente(6). Senecessário colocá-los em aspiração, usamos a pres-são de 10 cm de água no infante e de 20 cm de águana criança maior(8).

O pneumotórax aberto resulta de um ferimentopenetrante do tórax que permite um fluxo bidirecionalde ar entre o hemitórax afetado e o ar ambiente (nor-malmente, tal ferimento deve ter, pelo menos, dois ter-ços do diâmetro da traquéia). Isto impede uma ventila-ção efetiva por levar a um equilíbrio das pressões intrae extratorácica, resultando num desvio paradoxal domediastino para o lado contralateral, em cada respira-ção espontânea. O tratamento a ser realizado é a ven-tilação com pressão positiva, curativo oclusivo de trêspontas para ocluir o ferimento e ainda permitir a saídade ar durante a expiração e a subseqüente drenagempleural, a não ser que o defeito seja tão grande quetorne necessário o reparo cirúrgico(5).

A toracotomia está indicada em casos dehemotórax com drenagem de sangue contínua de 2 a4 ml/Kg/hora(8).

O oxímetro de pulso deve ser usado continua-mente no atendimento à criança traumatizada, deven-do-se usar o probe adequado(3).

5.4. Circulação

5.4.1 Acesso venosoDevemos estabelecer, pelo menos, dois aces-

sos venosos (no mínimo de calibre 20 ou 22) na crian-ça gravemente traumatizada(1,11).

Numa situação de emergência, quando neces-sitamos da infusão imediata de adrenalina, atropina,lidocaína ou naloxone, numa criança sem qualqueracesso venoso, tais medicamentos podem ser utiliza-dos por via intratraqueal, numa dose de 2 a 2,5x adose usual(14,17).

Os acessos percutâneos preferidos estão namão, fossa antecubital e safena no tornozelo. A veiafemoral deve ser evitada em crianças devido à altaincidência de trombose venosa e possibilidade de per-da do membro isquêmico(1,11).

Se tais acessos não forem conseguidos apósduas tentativas, devemos considerar a infusão intra-óssea em crianças menores que 6 anos e a dissecçãovenosa nas demais(1).

Na dissecção venosa, os locais preferidos são:safena magna no tornozelo, veia basílica no cotovelo,veia cefálica principal mais alta no braço e veia jugularexterna(1,8).

A grande dificuldade de obtenção rápida deacesso venoso em crianças menores que 06 anos, par-ticularmente aqueles que não possuem sinais vitais,motivou o desenvolvimento da infusão intra-óssea. Asbases anatômicas e fisiológicas da infusão intra-ósseaforam estabelecidas em 1922, sendo empregada, cli-nicamente, pela primeira vez, em 1934, no tratamentoda anemia perniciosa(22). O método ganhou grandeaceitação na década de 40 (23/26), porém caiu no ostra-cismo nas décadas seguintes, até que na década de 80voltou a ser utilizado(27,28,29).

Qualquer droga ou solução que possa ser admi-nistrada por via endovenosa, também pode ser infun-dida por via intra-óssea. Assim, podem ser utilizadaspor esta via: adrenalina, bicarbonato de sódio, cloretode cálcio, soluções cristalóides e colóides, sangue ederivados, aminas vasoativas e as soluções emprega-das em hiperalimentação parenteral(11,14).

A via intra-óssea é rápida e efetiva, com tempomenor que 20 segundos para atingir a circulaçãosistêmica.A razão desta eficiência é que os vasosintramedulares e os lagos venosos são protegidos porparedes ósseas rígidas e não colabáveis, que se man-têm pérvias, mesmo durante o choque ou parada car-díaca, e que têm comunicação direta e extensa com acirculação sistêmica(28,29).

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Trauma no paciente pediátrico

O local preferido para infusão intra-óssea (ca-teter curto 16 ou 18). é a tíbia proximal (cerca de 1 a3 cm abaixo de sua tuberosidade e medialmente aoplatô tibial) com introdução da agulha em direção dis-tal (para não lesar a cartilagem de crescimento).Outrossítios possíveis de obtenção do acesso intra-ósseo são:1) fêmur distal (1cm acima da patela na linha média)com introdução da agulha em direção cranial, 2)maléolo lateral ou medial e as cristas ilíacas. A viaesternal não é aconselhada pelo risco de transfixaçãodo osso com perfuração cardíaca e dos grandes va-sos. A infusão intra-óssea não deve ser realizadadistalmente a um sítio de fratura(1,11,14).

Os passos técnicos são os seguintes: 1) posicio-nar a criança em decúbito dorsal; 2) identificar umaextremidade sem lesão; 3) fletir o joelho, permitindo orepouso do calcanhar sobre o leito; 4) colocar um coximsob o joelho; 5) definir o local de punção; 6) antissepsiae, se a criança estiver consciente, infiltração anestésicalocal; 7) introduzir a agulha de punção de medula ós-sea curta, lisa ou com rosca ou agulha de punçãoperidural curta, de calibre 18, com o mandril, o biselda agulha deve ser voltado para o pé, a agulha, deveser introduzida perpendicularmente à superfície óssea;8) avançar a agulha através do cortex e para dentroda medula óssea por meio de movimentos de rotaçãoe pressionando-a firme, mas delicadamente; 9) remo-ver o mandril e conectar a uma seringa de 10 ml, comcerca de 5 ml de cloreto de sódio a 0,9%, aspirando-se medula óssea; 10) conectar a agulha a um equipo einiciar a infusão de líquidos(11,14). (ver Figura 5).

Para checar o adequado posicionamento parainfusão intra-óssea, podemos observar os seguintes

sinais: 1) verificar a sensação de queda da resistênciaoferecida à infusão; 2) depois de introduzida, a agulhapermanece em posição, sem a necessidade de nenhumapoio e não pode ser deslocada facilmente; 3) aspirara medula óssea (de aspecto gelatinoso e avermelhado,que contém gotas de gordura); 4) fácil infusão defluidos, sem extravazamento para tecidos moles ouedema. Muitos autores desaconselham a aspiração demedula óssea pelo risco de entupimento da agulha.Um curativo oclusivo deve ser usado para a proteçãoda agulha(11,14,29).

É importante salientar que a punção intra-ósseadeve ser abandonada tão logo um acesso venoso peri-férico adequado for estabelecido, de preferência den-tro das primeiras duas horas(1). Após a descontinuaçãodesta via e retirada da agulha, deve ser aplicada umapressão no sítio de punção por, pelo menos, 05 minu-tos, e deixado com curativo oclusivo estéril(14).

As contra-indicações da punção intra-óssea sãopoucas: fratura, infecção local, punção prévia, inter-rupção vascular prévia de origem traumática ou cirúr-gica. Um membro no qual a flebotomia esteja sendotentada não deve ser usado para infusão intra-óssea(14).

As complicações deste procedimento incluem:abscesso e celulite local, hematomas, síndrome de com-partimento, infiltração de fluidos no periósteo e/ou sub-cutânea, dor e, raramente, osteomielite (0,6%) (1,10,13).

Foi demonstrado que a infusão intra-óssea nãoleva a alterações do crescimento do osso em desen-volvimento. Uma complicação clínica rara e, prova-velmente, sem maiores repercussões é a ocorrênciade embolia gordurosa pulmonar, porém não se mos-traram alterações da pO2 arterial ou de “shunt” pul-monar, durante um estudo experimental(29).

A cateterização percutânea de veia central estásujeita a complicações freqüentes, em um paciente hi-povolêmico, e está contra-indicada nesta fase do aten-dimento.

Assim que for conseguido um acesso venoso,amostras de sangue devem ser enviadas para tipagem,prova-cruzada, contra-prova e exames bioquími-cos(1,4,8).

5.4.2 Reposição volêmica

A taquicardia, a má perfusão periférica e a di-minuição da pressão de pulso são fundamentais parao diagnóstico do choque circulatório(1). A melhor evi-dência clínica de diminuição da perfusão tecidual é apalidez cutânea, o enchimento capilar prolongado e afrialdade de extremidades(11,14). (ver Tabela IV).

Figura 5: Técnica de punção intraóssea.

Tuberosidade tibial

Borda anterior da tíbia

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Tabela IV - Respostas sistêmicas à perda sangüínea no paciente pediátrico

Sistemas Perda sangüínea < 25%Perda sangüíneaentre 25 e 45% Perda sangüínea > 45%

Cardiovascular

SistemaNervoso

Pele

Rins

Pulso filiforme, aumentoda freqüência cardíaca

Letárgico, irritado,confuso

Fria

Diminuição do débitourinário

Aumento da freqüênciacardíaca

Alteração no nível deconsciência, poucaresposta à dor

Fria, cianótica, diminuiçãodo enchimento capilar

Redução maior do débitourinário

Hipotensão, taquicardia oubradicardia

Comatoso

Fria e pálida

Não há diurese

Uma queda de 25% da volemia é necessáriapara a manifestação clínica de choque. A associaçãode taquicardia, extremidades frias e pressão arterialsistólica menor que 70 mmHg claramente indica cho-que(1,4). A hipotensão arterial na criança representa umestado de choque descompensado e indica uma perdasangüínea maior que 45% do volume circulante(11).

O risco de parada cardiopulmonar está presen-te em qualquer criança que demonstre insuficiênciarespiratória, redução do nível de consciência e cianoseou palidez cutânea. Os sinais clínicos de choque e in-suficiência respiratória resultam da disfunção orgâni-ca causada pela hipóxia e acidose. Estes sinais inclu-em taquicardia, alteração do nível de consciência (irri-tabilidade ou letargia), oligúria, hipotonia, pulsos cen-trais fracos ou pulsos periféricos ausentes e enchi-mento capilar prolongado, apesar de adequada tem-peratura ambiental. A bradicardia, hipotensão e respi-rações irregulares são sinais tardios(5).

Na suspeita de choque, devemos usarhidratação endovenosa em bolo com fluidos aqueci-dos, sempre que possível. O aquecimento dos fluidosintravenosos pode ser feito até a temperatura de 39o

C, normalmente utilizando o aquecedor de líquidos ouo microondas para o aquecimento dos cristalóides e osangue através da passagem pelo aquecedor(1,11).Usamos 20 ml/Kg da solução de lactato de Ringer(25% da volemia estimada da criança)(1).

O retorno à estabilidade hemodinâmica é re-presentado por alguns parâmetros(1): freqüência car-díaca < 130 bpm; aumento da pressão arterial > 20mmHg; aquecimento das extremidades; melhora dosensório; diurese > 1ml/Kg/hora; aumento da pressão

arterial sistólica > 80 mmHg(1,11).Essa mesma dose de solução cristalóide deve

ser repetida, se a criança não se estabiliza prontamen-te, o que aumenta a suspeita de hemorragia contí-nua(1,11). Já que o objetivo é repor o volume intravas-cular perdido, podem ser necessários três “bolus” de20 ml/Kg para atingir a reposição de 25% da volemia,pois a regra do 3:1 (cada ml de sangue perdido é re-posto com 3 ml de cristalóide, para permitir a restitui-ção do volume plasmático perdido para os espaçosintersticial e intracelular) aplica-se, também, ao paci-ente pediátrico, assim como ao adulto(11).

Se houver hipotensão franca (choque des-compensado) ou a criança responder pobremente outransitoriamente às duas infusões de solução cristalói-de (40 ml/Kg) e estiver iniciando o terceiro “bolus” de20 ml/Kg, devemos transfundir papas de hemácias dosangue tipo específico ou O negativo (se não estiverpronta a tipagem) na dose de 10 ml/Kg e a criançadeve ser preparada para a cirurgia, mantendo o he-matócrito em torno de 30%, dependendo da idade(11).A hemotransfusão está indicada sempre que a crian-ça não responde à fluidoterapia inicial, para melhorfornecimento de oxigênio aos tecidos. Na criança quese estabilizou rapidamente, a infusão de líquidos deveser controlada para manter um débito urinário de 1 a2 ml/kg (dependendo da idade) e a hemotransfusãoindicada quando o hematócrito estiver abaixo de 20%,dependendo da idade(1,4).

Após a estabilização hemodinâmica, a fluidote-rapia de manutenção deve obedecer à formula deHolliday(30). (ver Tabela V) ou a qualquer outro métodode hidratação que oriente a manutenção da volemia.

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275

Trauma no paciente pediátrico

Tabela V - Necessidades hídricas diárias emfunção do peso corporal na infância, segundo afórmula de Holliday (30)

Peso corporal Necessidades hídricas diárias

até 10 kg

10 a 20 kg

20 a 30 kg

100 ml/kg

1000 ml + 50 ml/kg (10 - 20 kg)

1500 ml + 20 ml/kg (20 - 30 kg)

Tabela VI - Escala de coma pediátrico de

Adelaide (31)

Valor

Abertura ocular

espontânea

ao comando verbal

à dor

nenhuma

4

3

2

1

Melhor resposta verbal

orientado

palavras

sons

choro

nenhuma

5

4

3

2

1

Melhor resposta motora

obedece aos comandos

localiza a dor

flexão à dor

extensão à dor

nenhuma

5

4

3

2

1

Valores normais

0 - 6 meses

6 - 12 meses

1 - 2 anos

2 - 5 anos

> 5 anos

9

11

12

13

14

Na fase de avaliação primária ou reavaliação,executam-se a sondagem nasogástrica (ou orogástrica,se houver trauma facial ou sinais de fratura de base docrânio) e a sondagem vesical. As contra-indicações dasondagem vesical são uretrorragia, hematoma na basedo escroto ou fratura de bacia com deslocamento dasínfise púbica(4,11). Na sondagem vesical, são usadasas sondas de calibre 8F, nas crianças menores de 02anos, 10F, na criança maior, e 14F, no adolescente(8).

Nesta fase, também fazemos o controle da he-morragia externa por pressão direta sobre o ferimento,se houver a necessidade(1).

5.5. Exame neurológico

Devido à limitada resposta verbal em crianças,na avaliação neurológica sumária usamos a Escala deComa Pediátrico de Adelaide(31), que, na presença deescore menor ou igual a 8, indica intubação traqueal ehiperventilação(1,4,5,11) (ver Tabela VI).

Pode ser empregada também a escala de comade Glasgow (32) (ver Tabela VII), porém, nas crian-ças menores de 04 anos, deve-se mudar o escore ver-bal. (ver Tabela VIII) Lembrar que, no pacienteintubado, inconsciente ou numa fase pré-verbal, a partemais importante desta escala é a resposta motora(5,11).

Como no adulto, a hipotensão jamais deve seratribuída ao traumatismo cranioencefálico e outrasfontes de hemorragia devem ser exaustivamenteinvestigadas.Lembrar que, na criança, embora infre-qüente, a hipotensão pode ocorrer por perda sanguí-nea em ferimentos do couro cabeludo(1,11).

5.6. Exposição completa e controle da temperatura

A maior razão entre a superfície corpórea e ovolume corporal aumenta as trocas de calor com oambiente e afeta diretamente a capacidade da criançaem regular a temperatura. A pouca espessura da pelee a falta de tecido subcutâneo desenvolvido contribuipara o aumento da perda de calor por evaporação(1,4).

A hipotermia prolonga o tempo de coagula-ção e afeta adversamente a função do sistema nervo-so central(4).

Lâmpadas de calor e colchões térmicos podemser necessários para manter a temperatura corpórea.O aquecimento da sala de admissão e dos fluidosintravenosos é necessário para preservar o calor docorpo(1).

5.7. Avaliação secundária

Um cuidadoso exame da cabeça aos pés, comono adulto, é fundamental nesta fase de avaliação dopolitraumatizado e deve abordar todos os sistemas eincluir os exames bioquímicos e a avaliação radio-lógica(1,4,11).

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As crianças também são particularmente sus-ceptíveis aos efeitos da lesão cerebral secundária quepode ser produzida por hipóxia, hipotensão com perfu-são cerebral diminuída, convulsões e hipotermia. Aadequada restauração do volume sangüíneo circulanteé mandatória e a hipóxia deve ser evitada(4,11).

A hipersensibilidade sobre a coluna cervical,edema, espasmo e torcicolo podem estar presentes,mas sua ausência não exclui lesão vertebral(4,11).

A ausência de sinais externos de trauma ( he-matomas, equimoses, escoriações) não excluem a pre-sença de lesões internas no tronco(1,4).

A distensão abdominal devido a distensão gás-trica e a lesão de nervos intercostais devida a fraturasde costelas inferiores podem simular peritonite. Adescompressão gástrica assim como a vesical facili-tam a avaliação abdominal(l,4).

A presença de instabilidade pélvica pode serdeterminada pela compressão das espinhas ilíacasântero-superiores e da sínfise púbica(11).

Deve ser levada em conta a perfusão sanguí-nea das extremidades (avaliada pela coloração, tem-peratura e pulsos) e a presença de deformidades nosmembros, sugerindo fraturas. Deve ser realizada apalpação cuidadosa de todos os ossos. No caso defraturas de membros, a simples tentativa de reduçãorestaura o fluxo sangüíneo e deve ser apropriadamen-te seguida de enfaixamento simples ou tração(1).

Os ferimentos em extremidades devem ser cui-dadosamente inspecionados, identificando-se o graude lesão dos tecidos moles, a integridade muscular edos tendões e a presença ou não de fraturas associa-das. Até prova em contrário, qualquer dessesferimentos em extremidades pode representar umafratura exposta. Quando próximos às articulações,deve ser verificada a presença de continuidade, o queirá alterar a conduta.

5.9. Exames laboratoriais

A medida seriada do hematócrito estima a ex-tensão da perda sanguínea continuada, tão logo sejamantida a estabilidade hemodinâmica(4).

As dosagens de transaminases séricas e amilasesão importantes indícios de contusão, respectivamen-te, do fígado e do baço (que é contíguo à cauda dopâncreas)(4).

A urina macroscopicamente hematúrica ou quecontenha mais de 20 hemácias por campo, no examemicroscópico, sugere lesão renal(12). A hematúria é tam-bém um marcador da gravidade do trauma, uma vez

Tabela VII - Escala de coma de Glasgow (32)

Valor

Abertura ocular

espontânea

ao comando verbal

aos estímulos dolorosos

nenhuma

4

3

2

1

Melhor resposta verbal

orientada

confusa

palavras inapropriadas

sons incompreensíveis

nenhuma

5

4

3

2

1

Melhor resposta motora

obedece aos comandos

localiza o estímulo doloroso

retirada ao estímulo doloroso

flexão anormal (decorticação)

extensão anormal (descebração)

nenhuma

6

5

4

3

2

1

TOTAL 3 - 15

5.8. Exame físico

A perda imediata da consciência é comum nalesão axonal difusa, enquanto a progressiva e rápidadeterioração é sugestiva de edema cerebral difuso.As crianças com fontanelas e suturas não fixas sãomais tolerantes às lesões expansivas intracranianas.Os sinais de massa em expansão podem não estarpresentes até rápida descompensação(1).

Tabela VIII - Modificação da escala de coma deGlasgow para a resposta verbal em criançasmenores de 04 anos (1,11)

Resposta verbal Valor

Palavras apropriadas ou sorriso social

Choro, mas consolável

Irritação persistente

Agitado

Nenhuma

5

4

3

2

1

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277

Trauma no paciente pediátrico

que os rins são órgãos bem protegidos, e está associ-ada com outras lesões intra-abdominais, em 80% doscasos(4).

5.10. Exames radiológicos

A avaliação radiológica básica é realizada comradiografias da coluna cervical (antero-posterior e per-fil), tórax e bacia (ambas antero-posteriores)(1).

A radiografia da coluna cervical em perfil nãopode excluir lesão da medula espinhal (não sendo pré-requisito para a intubação endotraqueal de emergên-cia, uma vez indicada, porém devem-se tomar pre-cauções para a imobilização cervical) e também nãopode definitivamente afastar qualquer anormalidadeóssea, particularmente a fratura do odontóide, que é amais comum na criança. Na presença de forte suspei-ta da coluna cervical, devemos realizar a tomografiacomputadorizada, que pode se seguir à tomografia decrânio, quando esta também estiver indicada(4).

A radiografia simples de crânio é um pobremarcador de lesão cerebral e não deve fazer parte daavaliação inicial da criança comatosa, a não ser nasuspeita de fratura craniana com afundamento(1).

A tomografia computadorizada de crânio, ge-ralmente, é o primeiro exame na avaliação da criançacom significante traumatismo craniano (escala de comade Adelaide menor ou igual a 13 ou perda da consci-ência maior que 05 minutos) ou sinais de aumento dapressão intracraniana (cefaléia intensa, sonolência evômitos persistentes) e deve ser repetida em 24 a 48horas após a admissão para aquelas crianças que per-manecem comatosas, para determinar se as lesões pre-viamente identificadas progrediram ou se apareceuuma lesão que ainda não tinha sido identificada(4,11).

A tomografia computadorizada do abdome temsua indicação liberada na avaliação do trauma abdominalcontuso(4,11). Uma tomografia abdominal com duplo outriplo contraste (via oral, endovenosa e por enema),incluindo o tórax inferior, deve ser realizada, quando omecanismo de trauma sugerir que significante lesãointra-abdominal pode estar presente. Normalmente, énecessário o uso de sedação, pois a criança não devese mover durante a realização do exame(11).

Lembrar que nenhuma criança deve ser sub-metida a investigação radiológica se não estiver he-modinamicamente estável ou continuamente monito-rizada e assistida por um médico capaz de estabeleceruma via aérea definitiva, particularmente se for usadoalgum sedativo ou bloqueador muscular para permitira realização dos exames(4,11).

As radiografias para diagnóstico de fraturasdevem ser realizadas conforme suspeita clínica ou pelomecanismo de lesão. Eventualmente, também são re-alizadas radiografias do lado não lesado para estudoscomparativos.

Ultimamente, o ultras-som tem sido utilizado naprópria sala de atendimento ao politraumatizado porser um exame não invasivo, rápido e fácil de ser rea-lizado e a baixo custo e, com a vantagem de realiza-ção seriada. É um método que tem sido utilizado pararastreamento, determinando a presença e a quantida-de de líquido intraperitoneal, não interessando especi-ficamente quais as lesões que ocorreram(33). Seu realpapel no atendimento inicial entre a tomografia com-putadorizada de abdome e o lavado peritoneal diag-nóstico está por se determinar(34).

5.11. Lavado peritoneal diagnóstico

Raramente é útil na avaliação do trauma abdo-minal contuso em crianças, já que a necessidade delaparotomia é determinada não pela presença ou au-sência de sangue intraperitoneal, mas, pela necessida-de de transfusão continuada(4,11).

A maior parte das lacerações hepáticas, esplê-nicas e renais cicatrizam espontaneamente, sem a ne-cessidade de laparotomia, após adequado estadiamentoda lesão na tomografia de abdome(35).

Algumas indicações desse exame são: choqueinexplicado, crianças com trauma cranioencefálico quenão pode ser submetida a tomografia abdominal, feri-mentos penetrantes abaixo do nível dos mamilos, an-teriormente, crianças que serão submetidas a anestesiageral para tratamento cirúrgico de lesões intracranianasou musculoesqueléticas(8).

Tecnicamente, esse exame deve ser realizadoapós prévia sondagem naso ou orogástrica e vesical,com incisão cutânea abaixo do umbigo.Utilizar umcateter de diálise de tamanho pediátrico e infundir 10ml/Kg de solução fisiológica, de preferência aquecida,até 39o C(1,11).

A interpretação é feita da mesma maneira queno adulto, ou seja, mais de 100.000 hemácias por cam-po; presença de bile, conteúdo entérico, fezes ou fi-bras vegetais; número de leucócitos maior que 500por ml e presença de bactérias no Gram(11).

5.12. Indicações cirúrgicas no trauma pediátrico

No trauma contuso, as indicações de tratamen-to cirúrgico são: instabilidade hemodinâmica, apesarde adequada ressuscitação volêmica; necessidade

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transfusional maior que 50% do volume sangüíneo es-timado; sinais inequívocos de peritonite no exame físi-co; evidência endoscópica de ferimento retal; evidên-cia radiológica de ar intra ou retroperitoneal; evidên-cia radiológica de perfuração gastrintestinal; evidên-cia radiológica de ruptura intraperitoneal da bexiga;evidência radiológica de lesão do pedículo renal; evi-dência radiológica de transecção pancreática; efluídoda lavagem peritoneal contendo bile, bactérias, fezesou mais de 500 leucócitos por ml(8,11).

Nos traumas penetrantes, as indicações de ci-rurgia são: todos os ferimentos por arma de fogo emque haja suspeita de violação do peritônio; todos osferimentos por arma branca, associados com evisce-ração e na vigência de sangue no estômago, urina oureto; sinais físicos de choque ou peritonite; evidênciaradiológica de ar intra ou retroperitoneal; fluido da la-vagem peritoneal contendo bile, bactéria, fezes ou maisde 500 leucócitos po ml(8,11).

5.13. Condutas na urgência

5.13.1 Trauma cranioencefálicoOs sinais de lesão cerebral difusa em crianças

podem incluir a perda inicial da consciência e a pre-sença de pupilas fixas e dilatadas. Ainda que estessinais sejam de prognóstico ruim no traumatismo cra-nioencefálico de adultos, por se relacionarem a lesõesdo tronco cerebral, nas crianças, podem se relacionara graus variados de lesão, podendo, inclusive, ter re-cuperação neurológica completa. Por isso, criançascom escore da Escala de Coma de Glasgow, entre 05e 08, têm mortalidade baixa (< 35%) e morbidade me-nor que os adultos com a mesma pontuação na escalade Glasgow(14).

Os vômitos e amnésia são mais comuns apóstrauma cranioencefálico em crianças e não necessa-riamente implicam em aumento da pressão intracra-niana, porém, se persistirem, devem ser investigadoscom tomografia computadorizada de crânio(4,11,14).

As convulsões pós-trauma são comuns e usual-mente autolimitadas, não requerendo tratamento es-pecífico. As crises convulsivas persistentes indicam aocorrência de patologia intracraniana grave(1,4,11).

Os hematomas extradural e subdural, com vo-lume suficiente para causar efeito de massa, reque-rem cirurgia. Porém, as fontanelas abertas e as linhasde suturas móveis tornam o crânio mais tolerante àpresença de uma lesão expansiva. Os sinais de massaexpansiva intracraniana podem estar ocultos até querápida descompensação ocorra. Assim, as crianças,

mesmo as que não estão em coma, mas que apresen-tem fontanela abaulada ou diástase de suturas, devemser agressivamente avaliadas e tratadas(11,14).

As crianças tendem a ter menos lesões focaisdo que os adultos, porém a freqüência de aumento dapressão intracraniana devida ao edema cerebral é maiscomum(11,14). Assim sendo, a monitorização da pres-são intracraniana deve ser considerada mais precoce-mente, principalmente em crianças com escala de comade Glasgow, menor que 08 ou com escores motores de01 ou 02 e, naquelas crianças que requerem reposiçãoabundante de volume, com cirurgia abdominal ou torá-cica devida a risco de vida iminente ou, ainda, quandoa estabilização e avaliação forem prolongadas(11).

As fraturas cranianas lineares têm tratamentoexpectante. As fraturas abertas (com exposição demassa encefálica) e as fraturas com afundamento, queinvadem a caixa craniana por uma distância igual àespessura da tábua óssea, requerem antibioticotera-pia e tratamento cirúrgico. Suspeita-se de fraturas dabase do crânio na vigência dos seguintes sinais clíni-cos: olhos de “guaxinim” (equimose periorbital), sinalde “Battle” (equimose do mastóide), hemotímpano eoto ou rinorragia com fluido cérebro-espinhal, já queos exames radiológicos raramente são diagnósticos.Na presença de fístula liquórica, não devem ser dadosantibióticos, a não ser que haja febre, e o tratamentocirúrgico só está indicado naqueles casos em que adrenagem não cessa após 02 a 03 semanas(4).

Lembrar que as doses dos medicamentos utili-zados no traumatismos cranioencefálicos devem serajustadas de acordo com o peso da criança:(11)

• diazepan - 0,25 mg/kg, em “bolus” lento en-dovenoso;

• fenitoína - 15 a 20 mg/kg, sendo a dose deataque de 0,5 a 1,5 ml/kg/minuto e manutenção de 4a7 mg/kg/dia;

• manitol - 0,5 a 1,0 g/kg. Normalmente nãoutilizado, pois pode piorar a hipovolemia devido adiurese osmótica, aumentando a lesão cerebral secun-dária;

• fenobarbital - 15 a 20 mg/kg (dose de ataque)e 5 mg/kg/dia (dose de manutenção).

As crianças têm uma recuperação do traumacranioencefálico melhor que os adultos. Essa vanta-gem deixa de existir, se houver lesões associadas gra-ves o bastante para causar hipotensão ou hipóxia(36).As crianças menores de 03 anos têm pior resultado notrauma cranioencefálico grave do que crianças maisvelhas(1).

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279

Trauma no paciente pediátrico

5.13.2 Lesão medularA região cervical é a mais freqüentemente afe-

tada. Metade dos pacientes morrem antes de chegarao hospital ou durante a hospitalização. Dos restantes,a maioria permanece incapacitada, com pouca espe-rança de recuperação, apesar das recentes evidênci-as de que altas doses de metilpredinisolona (30 mg/kgem 15 minutos, seguido do uso de 5,4 mg/kg/hora naspróximas 23 horas) dadas até 08 horas após o traumapodem ter algum efeito na lesão primária(4). Após maisde 08 horas da lesão, o uso de metilprednisolona não érecomendado. Existem vários estudos em andamentopara melhor definição quanto ao uso de corticóides notrauma raquimedular(11,37).

O tratamento é realizado, enfocando o choqueneurogênico, que, tipicamente, está presente no cho-que medular (reversível) e na secção medular com-pleta (irreversível). As fraturas vertebrais associadas,que, freqüentemente, são estáveis, são tratadas porimobilização contínua até a cicatrização completa(1).

Lembrar que a presença de lesão medular semanormalidades radiológicas é mais comum em crian-ças do que em adultos. Cerca de dois terços dos ca-sos de crianças com lesão medular têm radiografiasnormais. Se há suspeita de lesão medular, baseada nomecanismo de trauma e no exame neurológico, a radi-ografia normal não exclui lesão medular(38,39). Na dú-vida quanto à integridade da coluna cervical, devemosmanter a imobilização da cabeça e do pescoço e pros-seguir na investigação com tomografia computadori-zada ou ressonância nuclear magnética.

5.13 TóraxA grande maioria das lesões são tratadas con-

servadoramente ou por drenagem pleural. Na técnicade drenagem pleural, devemos criar um túnel de ade-quada extensão, pois a fina parede torácica da criançanão propicia um selo efetivo ao redor do dreno(4). Nor-malmente, fazemos uma incisão na pele, um espaçointercostal abaixo do espaço intercostal que será aber-to para a introdução do dreno pleural(ver Figura 7).

A contusão pulmonar, embora possa ocorrer naausência de fraturas costais, não é freqüente e seutratamento é expectante(1,40).

A insuficiência respiratória pós-traumática éencontrada na presença de contusão pulmonar com-plicada com aspiração gástrica ou quando a ressusci-tação inicial é complicada com hiper-hidratação. Oscorticóides não são benéficos nesta condição, poden-do mesmo piorar o resultado nos pacientes com aspi-ração gástrica(4).

A asfixia traumática é mais freqüente em cri-anças e nenhum tratamento é requerido, porém refle-te a extrema força aplicada no tórax, devendo-se sus-peitar de lesões internas(4).

5.13.4 AbdomeAs lesões hepáticas, esplênicas e renais, geral-

mente, são autolimitadas, estando a laparotomia re-servada para pacientes com choque circulatório semresposta à reposição volêmica ou quando a necessi-dade transfusional excede metade da volemia em 24horas. O tratamento não cirúrgico requer um mínimode 07 a 10 dias de restrição ao leito, sendo que osprimeiros 01 a 03 dias devem ser observados na Uni-dade de Terapia Intensiva(41). Devem ser realizadoshematócritos seriados e a excessiva palpação abdo-minal deve ser evitada. O exame tomográfico podeser repetido em casos de dúvidas. Não devem ser fei-to exames tomográficos de rotina na alta hospitalarpara documentar a evolução do quadro(4).

O hematoma de parede duodenal resulta de umtrauma direto no abdome superior, geralmente associ-ado a quedas de bicicleta, pode ser suspeitado atravésda tomografia computadorizada ou de seriografia e têmtratamento conservador inicialmente com o uso de son-da nasogástrica e nutrição parenteral(11,42).

Pseudocisto de pâncreas ocorre com maior fre-qüência que no adulto e é suspeitado na presença demassa epigástrica dolorosa, cerca de 30 a 05 dias apóstrauma no abdome superior, sendo tratado com nutri-ção parenteral prolongada por 06 a 08 semanas, quan-do se realiza a drenagem cirúrgica(4,11).

Crianças com o “sinal do cinto de segurança”no abdome, pela colocação inapropriadamente alta daporção abdominal do cinto de segurança, particular-mente aquelas com fratura de vértebras lombares porflexão, têm alta taxa de lesões gastrintestinais associ-adas, particularmente a ruptura direta da víscera ousua avulsão do mesentério. Deve-se ficar atento nes-tes casos, para a indicação precoce de cirurgia(43,44).

5.13.5. ExtremidadesA estabilização precoce diminui o desconforto

do paciente e limita a perda sanguínea. O tratamentoconservador predomina em casos de fratura de claví-cula, extremidades superiores, tíbia e fêmur. Neste tra-tamento, a redução inicial pode permitir eventuais des-vios (exceto os rotacionais), pois a remodelação ós-sea os corrige gradativamente(11).

Nas fraturas de fêmur, tem-se aumentado o usode fixadores externos (crianças em idade escolar) ehastes intramedulares (em adolescentes), o que dimi-

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nui o tempo de recuperação, com retorno mais rápidoàs atividades habituais(4).

O tratamento cirúrgico é realizado em casos defraturas expostas (para desbridamento, lavagem e fi-xação). As fraturas supracondilianas do cotovelo comdesvio (que têm maior associação com lesão vascularisquêmica) e fraturas envolvendo a cartilagem de cres-cimento devem ser reduzidas anatomicamente atra-vés de cirurgia(4,11).

5.14 Abuso físico contra crianças

É definido como qualquer lesão não acidentaldevido a ações de pais, parentes ou familiares(1).

A história e avaliação cuidadosa da criança comsuspeita de abuso é fundamental para impedir a morteeventual, especialmente em crianças menores de 01ano(1,11) O médico deve suspeitar de abuso se houver:discrepância entre a história e o grau de lesões físicas;intervalo prolongado entre o tempo de lesão e a con-

sulta médica; história de traumas repetidos, tratadosem locais diferentes; pais que respondem inapropria-damente ou que não seguem as recomendações médi-cas; história de lesões diferentes ou alteradas entrepais ou familiares.

Há certos achados físicos que sugerem abusofísico e sugerem investigação mais pormenorizada: múl-tiplos hematomas subdurais, sem história significativade trauma; hemorragia retiniana; lesões periorais; rup-tura de víscera interna sem antecedente de traumacontuso; trauma em região cervical genital ou perianal;evidência de lesões freqüentes como cicatrizes e fra-turas consolidadas nas radiografias; fraturas de ossoslongos em crianças menores de 03 anos; lesões bizar-ras como mordeduras, queimaduras por cigarros oumarcas de corda; queimaduras de 2 e 3 graus repeti-das em áreas não usuais(1,11).

É obrigação do médico denunciar os casos sus-peitos de abuso físico às autoridades judiciais(1,11).

PEREIRA JR GA; ANDREGHETTO AC; BASILE-FILHO A & ANDRADE JI. TITULO EM INGLES. Medicina,Ribeirão Preto, 32: 262-281, july/sept. 1999.

ABSTRACT: The purpose of this chapter is to present those principles of care that impact theintegrity of the airway, breathing, and circulation or influence the priorities of advanced trauma lifesupport for the pediatric trauma patient. Assessment and treatment decisions must be madequickly to prevent progression and deterioration to respiratory failure and cardiopulmonary arrest.Definitive evaluation and initial treatment of most other injuries can be safely undertaken afterventilation, oxygenation, and perfusion have been restored. Such definitive care is provided uponcompletion of the secondary survey, a detailed head-to-toe examination for detection of specificinjuries.

UNITERMS: Pediatrics. Injuries. Traumatology.

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Recebido para publicação em 11/8/99

Aprovado para publicação em 14/9/99