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FUNDAMENTOS DE ANÁLISE INFINITESIMAL Mário S. R. Figueira (5ª edição)

FUNDAMENTOS DE ANÁLISE INFINITESIMAL · 2016-09-27 · t oticos, seguimos de perto os fasc culos da obra de Bourbaki sobre as fun˘c~oes reais de vari avel real. A exposi˘c~ao e

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FUNDAMENTOS DEANÁLISE INFINITESIMAL

Mário S. R. Figueira

(5ª edição)

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Textos de Matemática, Volume 5 (5.ª edição)

Departamento de Matemática

Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, 2011

Editores: Gracinda Gomes Moreira da Cunha, Fernando Ferreira

Título:

Autor: Mário S. R. Figueira

ISBN: 972 - 8394 - 04 - 7

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No centenario do nascimento de

Vicente Goncalves (1896-1985) : Matematico e Linguista

Homenagem

Aos meus Pais

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Pref�acio

Este volume foi escrito com base nas notas referentes a disciplinade Analise Infinitesimal do primeiro ano das licenciaturas em Matematica(ramo cientıfico e do ensino), e por nos professada, durante alguns anos,no Departamento de Matematica da FCUL . Para alem dos tradicionaistemas abordados nas obras de analise matematica a uma variavel (limitee continuidade, diferenciabilidade, integracao e primitivacao, sucessoese series de funcoes) introduziu-se um capıtulo sobre desenvolvimentosassintoticos, o que permite, nao so atacar os limites indeterminados massobretudo, estruturar de forma sistematica a questao da convergencia dosintegrais improprios e das series numericas.

O livro e dirigido especialmente aos alunos do primeiro ano daslicenciaturas em Matematica e exigem-se alguns conhecimentos sobre ateoria elementar dos conjuntos (o princıpio da inducao, por exemplo, e pornos usado com alguma frequencia) bem como alguns rudimentos de algebrae analise elementares (essencialmente, aquilo que se espera ter sido materiado ensino secundario).

Os numeros reais sao introduzidos no capıtulo primeiro de formaaxiomatica. E, na nossa opiniao, o processo mais direto de apresentar ocorpo R, quando se pretende evitar as elaboradas (e abstratas) construcoesdos reais. No final do capıtulo, sao dadas as nocoes basicas sobre o corpodos numeros complexos; destes se fara uso em algumas partes da exposicao.

No capıtulo segundo, dedicado as sucessoes e series numericas, da-seespecial atencao a nocao de sucessao de Cauchy, como condicao necessariae suficiente de convergencia. Aqui apenas se apresentam as primeirasdefinicoes e resultados gerais sobre as series numericas, deixando para maistarde, como foi ja referido, a questao central da convergencia.

Nos capıtulos terceiro e quarto sao estudadas a continuidade e dife-renciabilidade das funcoes reais a uma variavel, e no capıtulo quinto e feita

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a construcao do integral de Riemann em R. A primitivacao e apresentadacomo seccao deste capıtulo, na sequencia do conceito de integral indefinido.Com base na nocao de funcao de variacao limitada define-se “comprimentode arco” de uma curva plana, o que nos permite apresentar uma definicaorigorosa das funcoes trigonometricas e das suas inversas.

Na redacao do capıtulo sexto, dedicado aos desenvolvimentos assin-toticos, seguimos de perto os fascıculos da obra de Bourbaki sobre asfuncoes reais de variavel real. A exposicao e ilustrada com inumerosexemplos, tornando-se assim mais simples e acessıvel.

Nos ultimos capıtulos abordam-se as sucessoes e series de funcoese apresenta-se uma introducao classica das series de Fourier. E comespecial relevo que se analisa a nocao de convergencia uniforme; pretende--se que o aluno reconheca a importancia deste conceito, verificando como,por exemplo, a continuidade e integrabilidade se conservam na passagemao limite uniforme. Trata-se, com efeito, de um conceito que estabeleceexemplarmente a transicao da analise classica para o estudo topologico dosespacos de funcoes, tema central da Analise Funcional e, mais geralmente,de toda a analise moderna.

Foram varias as pessoas, por entre colegas e alunos, que contribuırampara o aperfeicoamento deste texto. Refiro, em particular, o meucolega Miguel Ramos, o qual me acompanhou durante alguns anos nalecionacao da disciplina de Analise Infinitesimal e cujas observacoes e co-mentarios, sempre pertinentes, permitiram uma maior elegancia na redacaomatematica apresentada.

Finalmente, torna-se obrigatoria uma referencia a Luıs Trabucho, meucolega e um dos editores desta colecao de textos. Foi o seu empenhoe entusiasmo que levaram a elaboracao deste volume, e foi ainda a suacompetencia que permitiu superar algumas dificuldades tecnicas surgidasna compilacao do livro. E pois com grande satisfacao que aqui lhe exprimoo meu reconhecimento.

Esperamos que estas notas, agora apresentadas em livro, possam ser dealguma utilidade para todos aqueles que se interessam pelos fundamentosda Analise. Se assim for, sentir-nos-emos amplamente recompensados, esera com gratidao que evocaremos a memoria de Mestre Vicente Goncalves,de quem tivemos o privilegio de ser discıpulo e admirador.

Lisboa, Dezembro de 1996

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�INDICE GERAL

Cap. 1 O Corpo dos N�umeros Reais

1.1. O corpo R dos numeros reais. Axiomatica. 1

1.2. Representacao dos reais. Potencia de R. 6Representacao geometrica dos reais. Cortes de Dedekind.

1.3. Majorar. Minorar. 13Princıpio do supremo e do ınfimo. Desigualdades.

1.4. Funcoes reais de variavel real. Propriedades gerais. 19Funcoes monotonas. Composicao de funcoes. Funcaoinversa. Supremo e ınfimo de uma funcao.

1.5. Introducao elementar dos numeros complexos. 27

Exercıcios 36

Cap. 2 Sucess~oes e S�eries Reais

2.1. Sucessoes convergentes. Sucessoes de Cauchy. 43Sucessoes monotonas. Propriedades algebricas dos limites.Exemplos.

2.2. Series reais. Generalidades e primeiros resultados. 55Series de termos positivos. Series alternadas. Series deDirichlet. Comutatividade e associatividade das series.Produto de series.

2.3. Elementos de topologia em R 67Nocao de vizinhanca. Ponto interior, exterior e fronteiro.Pontos de acumulacao. Sublimites de uma sucessao.

Exercıcios 77

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iv

Cap. 3 Limite e Continuidade

3.1. Nocao de limite. Propriedades gerais. 85Limites relativos. Limites laterais. Limite de funcaomonotona. Limite superior e inferior de uma funcao.

3.2. Funcoes contınuas. Primeiras propriedades. 100Descontinuidades. Exemplos.

3.3. Teoremas fundamentais da continuidade. 104Funcoes contınuas em intervalos. Funcoes contınuas emcompactos. Continuidade uniforme.

3.4. As funcoes exponencial e logarıtmica. 114

Exercıcios 123

Cap. 4 Introdu�c~ao ao C�alculo Diferencial

4.1. Derivacao de funcoes reais. Definicoes e exemplos. 129Derivadas laterais. Derivacao em R. Derivacao da funcaocomposta. Derivacao da funcao inversa. Derivacao defuncoes monotonas. Pontos crıticos. Extremos locais.

4.2. Teoremas globais do calculo diferencial. 143Teoremas de Rolle, Darboux e Lagrange. Regra deL’Hospital e regra de Cauchy.

4.3. A Formula de Taylor. Aplicacoes. 153Derivacao de ordem superior. A formula de Taylor-Peano eTaylor-Lagrange. Aplicacao ao estudo do comportamentode uma funcao. Pontos de inflexao e concavidade local.Nocao de assıntota.

Exercıcios 171

Cap. 5 O Integral de Riemann

5.1. Primeiras definicoes. Motivacao geometrica. 179

5.2. Somas de Darboux 183Construcao do integral de Riemann. Propriedades alge-bricas do integral

5.3. Caracterizacao das funcoes integraveis. 194

5.4. O integral indefinido. 200Teorema Fundamental do Calculo. Nocao de primitiva. Aformula de Barrow.

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5.5. Os teoremas classicos do calculo integral. 208Mudanca de variavel no integral. Teoremas da media.

5.6. Tecnicas de primitivacao. 213Primitivas imediatas. Primitivacao por partes e substi-tuicao. Primitivacao das funcoes racionais. Racionalizacaode algumas funcoes.

5.7. Os integrais improprios. 232Definicoes e primeiros resultados.

5.8. Funcoes de variacao limitada. 238Nocao de variacao total. Continuidade e variacao total.Comprimento de arco. Definicao rigorosa das funcoestrigonometricas.

Exercıcios 249

Cap. 6 Desenvolvimentos Assint�oticos

6.1. Funcoes padrao. 260

6.2. Relacoes de comparacao: relacoes fracas e fortes. 261

6.3. Propriedades e calculo das relacoes de comparacao. 264

6.4. Desenvolvimentos assintoticos. 267Definicoes. A algebra dos desenvolvimentos assintoticos.Exemplos.

6.5. Aplicacoes ao calculo dos limites. 278

6.6. Convergencia de integrais improprios. 281

6.6. Convergencia de series de termos positivos. 288

Exercıcios 296

Cap. 7 Sucess~oes e S�eries de Fun�c~oes.

7.1. Convergencia pontual e uniforme. 303Definicoes. Exemplos. Criterio de Weierstrass para aconvergencia uniforme.

7.2. Series de potencias. 310Intervalo de convergencia nas series de potencias. Con-vergencia uniforme para as series de potencias.

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7.3. Integracao e derivacao termo a termo. 314

7.4. Series de Taylor. 322Serie de Taylor e serie de Mac-Laurin. Funcoes analıticas.Exemplos.

Exercıcios 330

Cap. 8 S�eries de Fourier.

8.1. Funcoes periodicas. 336

8.2. Series de Fourier. Introducao. 341Nocao de serie trigonometrica. Coeficientes de Fourier.Exemplos.

8.3. Os teoremas de convergencia. 349O teorema de Jordan. Exemplos. A aproximacao polino-mial de Weierstrass.

Exercıcios 363

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1. O Corpo dos Numeros Reais 1

1O Corpo dos N�umeros Reais

1.1. O Corpo R dos n�umeros reais. Axiom�ati a.O nosso ponto de partida e o conjunto Q dos numeros racionais

no qual se admitem conhecidas todas as propriedades algebricas (comocorpo comutativo totalmente ordenado), bem como as usuais inclusoes,N ⊂ Z ⊂ Q, em que N e Z representam os conjuntos dos numeros naturaise inteiros, respetivamente. Faremos aqui uma apresentacao axiomatica (naoconstrutiva) do conjunto R dos numeros reais e mostramos em seguida queQ ⊂ R a menos de um isomorfismo, isto e, Q deve ser isomorfo a umsubconjunto Q ⊂ R; exibiremos ainda uma representacao para os elementosde R.

Seja dado um conjunto R, nao vazio, munido de duas operacoes, soma

e produto, representadas respetivamente por + e . tais que

(x, y) ∈ R × R −→ x+ y ∈ R(x, y) ∈ R × R −→ x.y ∈ R

e de uma relacao de ordem

x ≤ y,

satisfazendo os seguintes grupos de axiomas:

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2 1. O Corpo dos Numeros Reais

A1. R e um corpo comutativo, isto e,

(1.1) x+ (y + z) = (x+ y) + z ∀x, y, z ∈ R (associatividade(1.2) x+ y = y + x ∀x, y ∈ R e comutatividade da soma)

(1.3) Existe um elemento 0 ∈ R , dito zero, tal que0 + x = x+ 0 = x ∀x ∈ R (elemento neutro da soma)

(1.4) Para todo o x ∈ R , existe um elemento notado −x tal quex+ (−x) = (−x) + x = 0 (elemento simetrico)

(1.5) x.(y.z) = (x.y).z ∀x, y, z ∈ R (associatividade do produto)

(1.6) x.y = y.x ∀x, y ∈ R (comutatividade do produto)

(1.7) Existe um elemento 1 ∈ R, 1 6= 0, dito um ou elemento unitario, talque 1.x = x.1 = x ∀x ∈ R (elemento neutro do produto)

(1.8) Para todo o x ∈ R, x 6= 0, existe um elemento notado x−1(ou 1x),

chamado inverso de x, tal que x.x−1 = x−1.x = 1

(1.9) x.(y + z) = x.y + x.z ∀x, y, z ∈ R. (propriedade distributiva)

A2. R e um corpo totalmente ordenado, isto e,

(2.1) ∀x, y ∈ R, tem-se x ≤ y ou y ≤ x

(2.2) x = y se e so se x ≤ y e y ≤ x

(2.3) x ≤ y e y ≤ z =⇒ x ≤ z

(2.4) x ≤ y =⇒ x+ z ≤ y + z ∀z ∈ R

(2.5) 0 ≤ x e 0 ≤ y =⇒ 0 ≤ x.y .

Observacoes. 1. Se x, y, z ∈ R , escreve-se usualmente xy por x.y,x+y+z por x+(y+z) = (x+y)+z e xyz por x.(y.z) = (x.y).z; escreve-seainda x− y por x+(−y); se n ∈ N, escreve-se nx por x+ · · ·+x (n vezes),xn por x . . . x (n vezes) e x−n por x−1 . . . x−1 (n vezes) = (x−1)

n; enfim,

define-se x0 = 1, ∀x ∈ R, x 6= 0. E agora um simples exercıcio mostrar quexm+n = xm.xn, ∀m,n ∈ Z, ∀x ∈ R, x 6= 0.

2. Escreve-se y ≥ x (x, y ∈ R) se e so se x ≤ y. Dados dois elementosx, y ∈ R, usamos a notacao x < y (⇔ y > x) para significar que x ≤ y ex 6= y.

A.3 R e um corpo arquimediano, isto e, satisfaz o axioma de Ar-quimedes:

(3.1) Dados x, y ∈ R tais que 0 < x e 0 ≤ y , existe um natural n ∈ N talque y ≤ nx.

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1. O Corpo dos Numeros Reais 3

Antes de estabelecermos o ultimo axioma, introduzimos algumasdefinicoes necessarias.Dados dois quaisquer elementos a, b ∈ R tais que a < b, definimos intervaloaberto de extremos a e b e representamos por ]a, b[ ou (a, b) como o conjuntodos elementos x ∈ R compreendidos estritamente entre a e b:

]a, b[= {x ∈ R : a < x < b}.

Analogamente, os conjuntos

]a, b] = {x ∈ R : a < x ≤ b} e [a, b[= {x ∈ R : a ≤ x < b}

dizem-se intervalos semiabertos (resp. aberto em a, fechado em b e fechadoem a, aberto em b ). Sendo a ≤ b, o conjunto

[a, b] = {x ∈ R : a ≤ x ≤ b}

diz-se o intervalo fechado de extremos a (extremo esquerdo) e b (extremodireito). O numero real b− a representa a amplitude do intervalo.

A.4 R verifica o axioma do encaixe:

(4.1) Dada uma sucessao I0 = [a0, b0], I1 = [a1, b1], . . . , In = [an, bn], . . . deintervalos fechados tais que I0 ⊃ I1 ⊃ · · · ⊃ In ⊃ · · ·, existe pelomenos um real x ∈ R tal que an ≤ x ≤ bn para todo o valor den = 0, 1, 2, . . ., isto e (∗)

x ∈⋂

n∈N0

In.

Da precedente axiomatica resultam facilmente os seguintes resultadoscuja demonstracao e deixada como exercıcio:

1.Se a ≤ b e c ≥ 0, entao ac ≤ bc;se a < b e c > 0, entao ac < bc e ac−1 < bc−1;se a < b e c < 0, entao ac > bc .

2.Se ai ≤ bi, i = 1, . . . , n, entao a1 + · · · + an ≤ b1 + · · · + bn;se 0 ≤ ai ≤ bi, i = 1, . . . , n, entao a1 . . . an ≤ b1 . . . bn, tendo-se aigualdade sse ai = bi, i = 1, . . . , n ou entao bi = 0 para algum i.

Em particular,

(∗) N0 representa o conjunto dos inteiros nao negativos : N0 = {0, 1, 2, . . .}.

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4 1. O Corpo dos Numeros Reais

3.Se 0 ≤ x < y, entao 0 ≤ xn < yn, ∀n ∈ N; xn = 0 ⇐⇒ x = 0.

Daqui resulta o seguinte resultado:

Sejam a ∈ R, a ≥ 0, e n ∈ N; entao existe, no maximo, um real x ≥ 0tal que xn = a.

Com efeito, se existem x1 ≥ 0 e x2 ≥ 0 : x1n = x2

n = a, tem-se necessariamente x1 = x2 ja que 0 ≤ x1 < x2 =⇒ x1

n < x2n e

0 ≤ x2 < x1 =⇒ x2n < x1

n.

Observe-se que Q satisfaz os axiomas A.1, A.2 e A.3 (Q e um corpocomutativo, arquimediano, totalmente ordenado). No entanto, notaremosque A.4 nao e satisfeito em Q; mostremos para isso a seguinte

1.1.1. Proposicao. Seja n um inteiro ≥ 2; entao, para todo o numeroreal A ≥ 0, existe um unico real x ≥ 0 tal que xn = A.

Demonstracao. A unicidade foi ja vista anteriormente. Mostremos agoraa existencia para n = 2 (o caso geral e perfeitamente analogo).

Tome-se A > 0 (ja que o caso A = 0 e resolvido trivialmente por x = 0) econstrua-se a seguinte sucessao de intervalos encaixados. Ponha-se

a0 = 0, b0 = A+ 1 e seja c0 =a0 + b0

2=A+ 1

2.

Se c02 = A, entao x = c0.

Se c02 < A, faca-se a1 = c0, b1 = b0;

se c02 > A, faca-se a1 = a0, b1 = c0 .

Claro que b1 − a1 =b0 − a0

2, a1

2 < A < b12. Considere-se entao

c1 =a1 + b1

2e proceda-se analogamente. Obtemos, obviamente, uma

sucessao de intervalos

[a0, b0] ⊃ [a1, b1] ⊃ · · · ⊃ [an, bn] ⊃ · · ·

em que bn − an =b0 − a0

2n=A+ 1

2ne an

2 < A < bn2, n = 0, 1, 2, . . . .

Pelo axioma do encaixe existe pelo menos um x ∈⋂

[an, bn], isto e,

0 ≤ an ≤ x ≤ bn ≤ A+ 1, e portanto

an2 ≤ x2 ≤ bn

2, n = 0, 1, 2, . . . .

Assim, A e x2 pertencem a todos os intervalos [an2, bn

2] (n = 0, 1, 2, . . .).Mas

bn2 − an

2 = (bn − an)(bn + an) ≤A+ 1

2n(2(A+ 1)) =

(A+ 1)2

2n−1

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1. O Corpo dos Numeros Reais 5

o que implica que existe um unico elemento pertencente a todos os inter-valos [a2

n, b2n]; com efeito, se existem y′ < y tais que an

2 < y′ < y < bn2,

n = 0, 1, 2, . . ., vem

0 < y − y′ ≤ bn2 − an

2 ≤ (A+ 1)2

2n−1n = 1, 2, . . .

e logo

2n−1(y − y′) ≤ (A+ 1)2 n = 1, 2, . . .

o que contraria o axioma de Arquimedes. Como A, x2 ∈⋂

n

[an, bn], resulta

agora que A = x2.

O real x ≥ 0 tal que xn = A, (A ≥ 0, n ∈ N) e representado usualmente

porn√A ou A1/n.

Corolario. Q nao verifica o axioma do encaixe.

Demonstracao. Basta observar que nao existe nenhum racional r =p

q

tal quep2

q2= 2. Recordemos a demonstracao desta assercao.

Suponhamos por absurdo que existe um racional r =p

q(naturalmente

considera-se r na sua representacao reduzida, isto e, p e q sao inteiros

primos entre si) tal quep2

q2= 2. Resulta daqui que p2 = 2q2 e um inteiro

par e logo p tera de ser par: p = 2k, k inteiro. Mas entao,

4k2

q2= 2, ou seja q2 = 2k2

o que implica que q2 e par, o mesmo sucedendo com q. Assim, p e q saoambos inteiros pares o que contraria a hipotese inicial de p e q serem primosentre si.

A apresentacao axiomatica dos numeros reais nao nos permite estabe-lecer automaticamente uma relacao de inclusao de Q em R. Veja-se emseguida como e possıvel dar um significado matematico a inclusao, Q ⊂ R,definindo uma aplicacao injetiva ϕ : Q → R tal que

ϕ(r + s) = ϕ(r) + ϕ(s)

ϕ(rs) = ϕ(r).ϕ(s)

r ≤ s =⇒ ϕ(r) ≤ ϕ(s)

(1)

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6 1. O Corpo dos Numeros Reais

Uma tal aplicacao ϕ diz-se um isomorfismo e permite-nos identificar Q comϕ(Q) ⊂ R (considerados como corpos totalmente ordenados):

(Q,+, .,≤)ϕ≃ (ϕ(Q),+, .,≤).

Comecemos por definir ϕ : Z → R, dada por

ϕ(n) = 1 + 1 + · · · + 1 (n vezes)

ϕ(0) = 0

ϕ(−n) = (−1) + (−1) + · · · + (−1) (n vezes)

em que n ∈ N e 1 e o elemento unitario de R. E elementar verificar queϕ realiza um isomorfismo entre Z e ϕ(Z) ⊂ R, e escreve-se ϕ(n) = n paratodo o n ∈ Z.Mais geralmente, define-se ϕ : Q → R pondo

ϕ

(

p

q

)

= ϕ(p).ϕ(q)−1 = p.q−1 para todos p, q ∈ Z (q 6= 0)

e o leitor facilmente verificara que ϕ e injetiva e satisfaz (1), e logo realizaum isomorfismo entre Q e ϕ(Q) ⊂ R.

Como consequencia da proposicao 1.1.1, sabemos ja que existemnumeros reais que nao sao racionais. Aos elementos de R \ Q chamamosnumeros irracionais. Sao exemplos de numeros irracionais,

√2, o

numero π, o numero e = lim(1 + 1/n)n (base dos logaritmos neperi-anos), etc. Veremos adiante que os numeros irracionais sao “muito maisnumerosos” do que os racionais: o subconjunto dos irracionais tem umacardinalidade superior a de Q.1.2. Representa� ~ao dos reais. Poten ia de R.

E conhecida a representacao decimal dos numeros racionais comodızima finita ou infinita periodica. Uma representacao decimal para osnumeros reais sera agora estabelecida.

Seja a ∈ R, 0 ≤ a < 1, e considere-se α1 o inteiro tal que

α1 ≤ a.10 < α1 + 1 (2)

E claro que 0 ≤ α1 ≤ 9. Analogamente, tome-se α2 o inteiro tal que

α2 ≤ a.102 − α1.10 < α2 + 1.

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1. O Corpo dos Numeros Reais 7

Multiplicando (2) por 10, logo se percebe que 0 ≤ α2 ≤ 9. Mais geralmente,sendo αn o inteiro tal que

αn ≤ a.10n − α1.10n−1 − α2.10n−2 − · · · − αn−1.10 < αn + 1,

verifica-se ainda facilmente que 0 ≤ αn ≤ 9. Define-se entao a repre-

sentacao decimal de a ∈ [0, 1[ pondo:

a = 0, α1α2 . . . αn . . .

Facilmente se reconhece que os inteiros α1, α2, . . . , αn, . . . sao, por cons-trucao, unicos. Seja agora a ∈ R, a ≥ 1. O axioma de Arquimedes garanteque existe um inteiro α0 tal que α0 ≤ a < α0 +1. Define-se a representacaodecimal de a como

a = α0, α1α2 . . . αn . . .

em que 0, α1α2 . . . αn . . . e a representacao decimal de a− α0.Se a ∈ R, a < 0, definimos a sua representacao decimal por

a = −α0, α1α2 . . . αn . . . .

Designemos por A o conjunto das representacoes decimais

a = α0, α1α2 . . . αn . . .

com α0 ∈ Z e αi ∈ Z, 0 ≤ αi ≤ 9 (i = 1, 2, . . .), satisfazendo a condicao:

i) Nao se tem αr = αr+1 = · · · = 9 para um qualquer r ≥ 1.

1.2.1. Proposicao. Existe uma correspondencia bijetiva entre A e R.

Demonstracao. Mostraremos que existe uma bijecao entre o conjuntodos reais positivos R+ e as representacoes decimais positivas A+, obtendo-se entao o resultado da proposicao como consequencia imediata. Pelo queatras foi dito, fica definida uma aplicacao

R+ Φ−→ A+, a ∈ R+ −→ α0, α1α2 . . . αn . . . ∈ A+,

dado que nunca se verifica a representacao α0, α1 . . . 99 . . .; caso contrario,ter-se-ia α0, α1 . . . αr9 . . . 9 ≤ a < α0, α1 . . . (αr + 1) 0 . . . 0, (n decimas) eentao

0 < α0, α1 . . . (αr + 1) − a <1

10n, ∀n > r,

o que contrariava o axioma de Arquimedes (porque?).

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8 1. O Corpo dos Numeros Reais

Reciprocamente, faca-se corresponder a cada representacao de A+,digamos,α0, α1α2 . . . αn . . ., (α0 ≥ 0), a sucessao de intervalos encaixados

[a0, b0] ⊃ [a1, b1] ⊃ · · · ⊃ [an, bn] ⊃ · · ·

definidos por

a0 = α0

b0 = α0 + 1

a1 = a0 + α1.10−1

b1 = a0 + (α1 + 1).10−1

. . . . . . . . . . . . . . . . . . .

an = an−1 + αn.10−n =

= a0 + α1.10−1 + · · · + αn.10−n

bn = an−1 + (αn + 1).10−n =

= a0 + α1.10−1 + · · · + (αn + 1).10−n

. . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Pelo axioma do encaixe, existe pelo menos um real a pertencente a todosos intervalos; este elemento e necessariamente unico, ja que, se existissema, a′ ∈ R, a 6= a′, tais que an ≤ a < a′ ≤ bn para todo o n = 0, 1, . . .,ter-se-ia

0 < a′ − a < bn − an = 10−n para todo n = 0, 1, . . .

contrariando o axioma de Arquimedes. Repare-se ainda que se temnecessariamente a ∈ [an, bn[, ∀n ≥ 0; de fato, se a = br para algum r,obrigatoriamente se tinha αr+1 = αr+2 = . . . = 9 o que nao e admissıvel

em A. Fica assim definida uma aplicacao A Ψ−→ R, e e agora simplesverificar que Φ.Ψ = idA e Ψ.Φ = idR, o que termina a demonstracao.

Estabelecemos agora uma relacao de ordem total em A:

Se A = α0, α1α2 . . . αn . . . e B = β0, β1β2 . . . βn . . . sao dois elementos deA, com α0, β0 ≥ 0, define-se A < B se

a) A 6= B, isto e, αi 6= βi para algum inteiro i ≥ 0; b) sendo m o primeirointeiro em que αm 6= βm entao αm < βm.

Se α0 < 0 ≤ β0, entao poe-se A < B.

Enfim, se α0, β0 < 0, define-se A < B se −B < −A, em que

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1. O Corpo dos Numeros Reais 9

−B = −β0, β1β2 . . . βn . . . e −A = −α0, α1α2 . . . αn . . ..

Se a, b ∈ R sao os numeros reais associados pela anterior correspondenciabijetiva as representacoes A e B, facilmente se ve que (exercıcio)

a < b ⇐⇒ A < B.

E sabido que o conjunto Q dos numeros racionais e um conjuntonumeravel, isto e, tem a potencia ou cardinalidade do conjunto N dosnaturais. Veremos adiante que R nao e numeravel: card (R)>card (N).Antes, contudo, introduzimos a nocao de valor absoluto de um numero real.

Para cada a ∈ R, define-se valor absoluto ou modulo de a, e representa--se por | a |, como

| a |= a se a ≥ 0| a |= −a se a < 0

E elementar verificar as seguintes propriedades: para todo o par de reais ae b

| a | ≥ 0; | a |= 0 sse a = 0(i)

| a |= | −a |; a ≤ | a |(ii)

| a+ b | ≤ | a | + | b |(iii)

| ab |= | a || b |(iv)

| a− b | ≥ | | a | − | b | | ≥ | a | − | b |(v)

A demonstracao resulta sem qualquer dificuldade da definicao de valorabsoluto; observe-se que (v) se obtem como consequencia de (iii); bastaobservar que se pode escrever a = b+ (a− b)

Enfim, ve-se ainda sem dificuldade que

| a |< r ⇐⇒ −r < a < r ⇐⇒ a ∈] − r, r[ (r > 0)

| a |≤ r ⇐⇒ −r ≤ a ≤ r ⇐⇒ a ∈ [−r, r]

1.2.2. Proposicao. Os conjuntos R e ]0, 1[ sao equipotentes.

Demonstracao. Considere-se a aplicacao f :] − 1, 1[→ R, definida por

f(x) =x

1− | x | .

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10 1. O Corpo dos Numeros Reais

E claro que

x1 < 0 < x2 =⇒ f(x1) < 0 < f(x2),

0 ≤ x1 < x2 < 1 =⇒ f(x1) < f(x2),

−1 < x1 < x2 < 0 =⇒ f(x1) < f(x2).

Logo f e uma aplicacao injetiva. Por outro lado, f e sobrejetiva: com efeito,

dado y ∈ R e tomando x =y

1+ | y | ∈] − 1, 1[, ve-se que f(x) = y. Assim,

R e ] − 1, 1[ sao equipotentes. Finalmente, observando que a aplicacao

g :]0, 1[−→] − 1, 1[, definida por g(x) = 2x− 1

e bijetiva, tem-se o resultado.

Observacao. Da anterior proposicao resulta, mais geralmente, que R eequipotente a todo o intervalo aberto ]a, b[, (a < b); basta construir umaaplicacao bijetiva entre os intervalos ]0, 1[ e ]a, b[ : t ∈]0, 1[→ a+ t (b − a)(o leitor facilmente reconhecera que se trata de uma bijecao entre ]0, 1[ e]a, b[).

1.2.3. Proposicao. R nao e numeravel.

Demonstracao. A demonstracao e feita por absurdo; supondo que existeuma bijecao ϕ : N →]0, 1[ ter-se-a, utilizando a representacao decimal parax ∈]0, 1[,

ϕ(1) = 0, a11a12 . . . a1n . . .

ϕ(2) = 0, a21a22 . . . a2n . . .

. . . . . . . . . . . . . . . .

ϕ(n) = 0, an1an2 . . . ann . . .

. . . . . . . . . . . . . . . .

e {ϕ(1), ϕ(2), . . . , ϕ(n), . . .} =]0, 1[. Construa-se agora

x0 = 0, β1β2 . . . βn . . . ∈]0, 1[

do seguinte modo:

se 0 ≤ a11 ≤ 5 poe-se β1 = 7; se 5 < a11 ≤ 9 poe-se β1 = 3

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1. O Corpo dos Numeros Reais 11

. . . . . . . . . . . . . . . .

se 0 ≤ ann ≤ 5 poe-se βn = 7; se 5 < ann ≤ 9 poe-se βn = 3

. . . . . . . . . . . . . . . .

E claro que, por construcao, o numero 0, β1β2 . . . βn . . . nao e igual anenhum ϕ(n), o que demonstra a proposicao.

E particularmente importante a proposicao que em seguida demons-tramos na medida em que nos da ideia da reparticao dos numeros racionaisno corpo R dos reais.

1.2.4. Proposicao. Sejam a e b dois numeros reais quaisquer tais quea 6= b. Entao entre a e b existe pelo menos um numero racional.

Demonstracao. Suponha-se 0 ≤ a < b e considerem-se as suas repre-sentacoes decimais

A = α0, α1α2 . . . αn . . . e B = β0, β1β2 . . . βn . . . .

Sendo A < B, seja m o primeiro inteiro em que se tem αm < βm e sejan > m um inteiro em que αn 6= 9.Considerando a representacao

C = α0, α1 . . . αm . . . . . . (αn + 1) 0 . . . 0 . . .

ve -se imediatamente que A < C < B. Mas o numero real x associado a C eracional, e tem-se naturalmente a < x < b. Os outros casos demonstram-setrivialmente passando de x a −x.

1.2.5. Representacao geometrica dos reais. Cortes de Dedekind.

Sobre uma reta r fixemos um ponto O (origem) e a sua direita umponto U e associemos o numero racional +1 a “medida” do segmento OU .Todo o racional p/q > 0 sera entao associado ao ponto X da reta de modo aque o segmento OX seja comensuravel com OU . Por simetria, associamosos racionais negativos aos pontos a esquerda de O.

O R

x x < 0 > 0 +1

− π U X

Figura 1.1

Reciprocamente, e inevitavel a seguinte questao: Todo o ponto X da retar representa um numero racional? ou o que e equivalente, todo o segmentoOX e comensuravel com OU?

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12 1. O Corpo dos Numeros Reais

A resposta a esta questao foi dada pelos matematicos gregos da escolaPitagorica, que mostraram a existencia de segmentos incomensuraveis (oque traduz a existencia de numeros irracionais). Assim, nos Elementos deEuclides, pode-se apreciar a notavel demonstracao (puramente geometrica)de como a diagonal de um quadrado nao e comensuravel com o seu lado.

2 1 O

Figura 1.2

So muito mais tarde, no seculo XIX, se retoma e valoriza este resultadoquando Dedekind, Cantor e Weierstrass, em especial, controem rigorosa-mente o corpo dos numeros reais.

Cortes de Dedekind. A contrucao dos reais apresentada por RichardDedekind e particularmente abstracta. Veja-se resumidamente a ideiacentral de Dedekind. Partindo do conjunto Q dos numeros racionais,Dedekind considera a famılia dos pares (A,B) de subconjuntos de Q quesatisfazem:

i) A ∪B = Q, A ∩B = ∅ii) x < y ∀x ∈ A, ∀y ∈ B.

Ao par (A,B), assim definido, chama-se Corte de Dedekind. Pode agoradar-se o caso de existir um “maior” elemento a0 ∈ A (por exemplo,A = {x ∈ Q : x ≤ 1}, B = {x ∈ Q : x > 1}), ou um “mais pequeno”elemento b0 ∈ B (por ex., A = {x ∈ Q : x < 1}, B = {x ∈ Q : x ≥ 1}), ouainda pode acontecer que nao exista nenhum elemento de Q = A ∪ B quesepareA e B. Neste caso, diz Dedekind, o par (A,B) representa um numeroirracional. Para Dedekind, o conjunto dos numeros reais e o conjunto dospares (A,B), cortes de Dedekind, no qual se introduzem as operacoes deadicao e multiplicacao que o tornam um corpo arquimediano totalmenteordenado satisfazendo o axioma do encaixe.

A terminar, podemos facilmente ver como todos os pontos da retarepresentem geometricamente os numeros racionais e irracionais.

O U X

M’ M’’

Figura 1.3

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1. O Corpo dos Numeros Reais 13

Retomando a anterior representacao geometrica (cf. Fig. 1.3), seja X umponto a direita de O tal que o segmento OX seja “incomensuravel” (comOU). Ora, todo o segmento comensuravel OM ou e um segmento OM ′

contido em OX ou um um segmento OM ′′ contendo OX ; se r′ e r′′ sao osracionais associados as medidas de OM ′ e OM ′′ respetivamente, obtemosnaturalmente o corte de Dedekind (A′, A′′) o qual determina o numeroirracional a que e, por definicao, medida do segmento OX .Reciprocamente, dado um irracional a ∈ R+\Q, este sera medida de umsegmento OM ; com efeito, considerando todos os racionais 0 < r′ < a < r′′,estes sao medidas de segmentos OM ′ e OM ′′ que satisfazem

1. OM ′ ⊂ OM ′′

2. ∀δ > 0, existem segmentos OM ′ e OM ′′ de medidas r′ er′′ respetivamente, tais que r′′ − r′ < δ.

Ora, sob estas condicoes, a existencia de um unico segmento OM contendotodos os OM ′ e contido em todos os OM ′′ e aceite como um postuladofundamental da geometria. Fica assim estabelecida uma correspondenciabijetiva entre o conjunto R dos numeros reais e os pontos de uma reta r.A reta assim definida chama-se reta real.1.3. Majorar. Minorar.

Seja A ⊂ R um subconjunto de R nao vazio. Diz-se que M ∈ R e ummajorante de A se

x ≤M, para todo o x ∈ A.

Analogamente, m ∈ R diz-se um minorante de A se

m ≤ x, para todo o x ∈ A.

O conjunto A diz-se majorado ou limitado superiormente (respeti-vamente minorado ou limitado inferiormente) se admitir majorante(respetivamente minorante). O conjunto A diz-se limitado se for majoradoe minorado, isto e:

m ≤ x ≤M, para todo o x ∈ A

ou seja, A e um conjunto limitado se e so se A ⊂ [m,M ]; e ainda umexercıcio elementar verificar que A e limitado se e so se

Existe C ∈ R, C > 0, tal que | x |≤ C para todo o x ∈ A.

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14 1. O Corpo dos Numeros Reais

1.3.1. Definicao. Seja A ⊂ R um subconjunto de R nao vazio. Diz-seque L ∈ R e o supremo (ou limite superior) do conjunto A e escreve-seL = supA se:

i) x ≤ L para todo o x ∈ A (L e um majorante)ii) para todo o x ∈ R tal que x < L, existe a ∈ A tal que x < a ≤ L.

Analogamente, l ∈ R diz-se o ınfimo (ou limite inferior) de A e escreve-se l = inf A se:

i′) l ≤ x para todo o x ∈ A (l e um minorante)ii′) para todo o x ∈ R tal que l < x, existe a ∈ A tal que l ≤ a < x.

Repare-se que a definicao de sup (resp. de inf) de um subconjunto A ⊂ R,A 6= ∅, exige que A seja majorado (resp. minorado). Observe-se aindaque o supremo, L = supA (respetivamente o ınfimo, l = inf A) se existe eunico. Com efeito, se L′ e ainda supremo de A e L′ < L, de ii) resulta queexiste um elemento a ∈ A tal que L′ < a ≤ L o que contraria a definicaode L′ como supremo; do mesmo modo se ve que nao se pode ter L < L′ eportanto L = L′.

A proposicao seguinte da um novo esclarecimento a nocao de supremo(resp. ınfimo) de um conjunto.

1.3.2. Proposicao. O numero real L e o supremo de um conjunto A ⊂ R,majorado, se e so se L e o menor dos majorantes de A.O numero real l e o ınfimo do conjunto A, minorado, se e so se l e o maiordos minorantes de A.

Demonstracao. Da definicao, L = supA se e so se L e majorante de A esatisfaz a condicao ii), a qual significa exactamente que todo o real inferiora L nao e majorante de A. Isto e, L = supA se e so se L e o menor dosmajorantes de A.

Assim,

L = supA ⇐⇒

L ≥ x, ∀x ∈ Ae

L′ ≥ x, ∀x ∈ A =⇒ L′ ≥ L

Do mesmo modo

l = inf A ⇐⇒

l ≤ x, ∀x ∈ Ae

l′ ≤ x, ∀x ∈ A =⇒ l′ ≤ l

1.3.3. Exemplos.

1. O conjunto A = {x ∈ R : 1 < x ≤ 2} e evidentemente majorado eminorado (logo limitado) e tem-se claramente supA = 2, inf A = 1.

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1. O Corpo dos Numeros Reais 15

2. O conjunto A = {x ∈ Q : x2 < 2} e majorado: com efeito, se√

2 ≤ x,vem 2 ≤ x2 e logo x /∈ A; assim

√2 > x, ∀x ∈ A (

√2 e um majorante

de A). Alem disso, se x ∈ R e tal que 0 ≤ x <√

2, existe sempre umracional r tal que 0 ≤ x < r <

√2 e logo r2 < 2, isto e, r ∈ A, o que

mostra que supA =√

2.

3. Se A ⊂ R admite supremo, entao −A = {−x : x ∈ A} admite ınfimo e

inf (−A) = − sup(A).

Com efeito, se sup(A) = L, tem-se L ≥ x, ∀x ∈ A e logo −x ≥ −L,isto e, −L e minorante de −A; alem disso l ≤ −x =⇒ x ≤ −l, ∀x ∈ A,e logo L ≤ −l ou seja l ≤ −L, o que mostra que − sup(A) = −L =inf(−A).Analogamente, se A admite ınfimo, −A admite supremo e

sup(−A) = − inf (A).

Ve-se assim que o supremo (resp. ınfimo) de um conjunto pode ou naopertencer ao conjunto. Se L = supA ∈ A, entao L diz-se o maximo

do conjunto A, L = maxA; analogamente, se l = inf A ∈ A, diz-seque l e o mınimo do conjunto A, l = minA. Finalmente e pelo queatras foi dito, se A e um conjunto majorado, o conjunto dos majorantesM ′ = {m′ ∈ R : m′ ≥ x, ∀x ∈ A} e nao vazio e

supA = minM ′.

Analogamente, se A e minorado,

inf A = maxM ′′,

sendo M ′′ = {m′′ ∈ R : m′′ ≤ x, ∀x ∈ A} 6= ∅, o conjunto dos minorantes.

E agora pertinente saber se todo o subconjunto A ⊂ R admite supremo(resp. ınfimo). A resposta e dada no importante

1.3.4. Teorema (Princıpio do supremo e do ınfimo). Seja A ⊂ Rum subconjunto de R nao vazio. Se A e majorado (resp. minorado), entaoadmite supremo (resp. ınfimo).

Demonstracao. Sendo A nao vazio e majorado, escolham-se dois elemen-tos, a0, b0 ∈ R tais que

— b0 e majorante (x ≤ b0, ∀x ∈ A)— existe pelo menos um x ∈ A tal que a0 ≤ x.

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16 1. O Corpo dos Numeros Reais

Fazendo c0 =a0 + b0

2, tem-se, necessariamente, uma das duas alternativas:

x ≤ c0 ∀x ∈ A

ouc0 < x para algum x ∈ A.

No primeiro caso, poe-se a1 = a0, b1 = c0; no segundo a1 = c0, b1 = b0.Em qualquer dos casos, obtem-se

[a0, b0] ⊃ [a1, b1], b1 − a1 =b0 − a0

2.

Recomeca-se o processo com c1 =a1 + b1

2.

Repetindo sucessivamente o raciocınio, obtem-se uma sucessao de intervalosencaixados

[a0, b0] ⊃ [a1, b1] ⊃ [a2, b2] ⊃ · · · ⊃ [an, bn] ⊃ · · · , bn − an =b0 − a0

2n,

que satisfazem as seguintes duas condicoes:

a) x ≤ bn ∀x ∈ Ab) an < x para algum x ∈ A.

Pelo axioma do encaixe, existe pelo menos um elemento a ∈ ⋂

[an, bn]; esteelemento sera necessariamente unico, dado que

a, a′ ∈⋂

[an, bn] com a′ < a (por ex.)

implicaria an ≤ a′ < a ≤ bn, e portanto

a− a′ ≤ b0 − a0

2n, ou seja, (a− a′)2n ≤ b0 − a0, ∀n = 0, 1, 2, . . .

o que contrariava o axioma de Arquimedes.Resulta agora facilmente que a e majorante de A: caso contrario, existiriaum x ∈ A tal que a < x e entao an ≤ a < x ≤ bn, n = 0, 1, 2, . . . , o quecontrariava a unicidade atras establecida.Finalmente, se x0 ∈ R e tal que x0 < a, nao se podera ter, pela mesmarazao, an ≤ x0, n = 0, 1, 2, . . .; portanto x0 < an para um certo an. Maspor b), existe x ∈ A, an < x, pelo que x0 < an < x ≤ a e portantoa = supA.A demonstracao da existencia de inf A (se A e minorado) resulta agorafacilmente, passando de A a −A (1.3.3. exemplo 3.).

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1. O Corpo dos Numeros Reais 17

Por extensao de linguagem, e usual escrever supA = +∞ para designaros conjuntos nao majorados e inf A = −∞ para os conjuntos nao minorados.Todavia, os sımbolos +∞ e −∞ podem ser definidos rigorosamente noquadro matematico, ampliando o conjunto R com dois novos elementos eintroduzindo no novo conjunto

R = R ∪ {−∞,+∞}uma estrutura de ordem, definida do seguinte modo:

Dados x, y ∈ R, define-se x < y pondo

i) se x e y sao numeros reais, x < y em R se e so se x < y em R.ii) −∞ < x < +∞, ∀x ∈ R.

E facil verificar que se trata de uma relacao de ordem total em R (exercıcio).O novo conjunto ordenado designa-se por reta acabada.

Todo o conjunto A ⊂ R (e em particular A ⊂ R) e majorado eminorado em R (por +∞ e −∞ resp.). Se A nao e majorado em R entaosupA = +∞ (+∞ e claramente o mais pequeno dos majorantes em R);analogamente, se A nao e minorado em R, inf A = −∞. O princıpio dosupremo e do ınfimo pode entao ser reformulado do seguinte modo:

Todo o subconjunto A ⊂ R tem supremo e ınfimo (em R); supA ∈ R se eso se A e majorado em R e inf A ∈ R se e so se A e minorado em R.

Definem-se ainda naturalmente os intervalos ilimitados

[a,+∞[ = {x ∈ R : x ≥ a} ⊂ R, [a,+∞] = {x ∈ R : x ≥ a} ⊂ R

]a,+∞[ = {x ∈ R : x > a} ⊂ R, ]a,+∞] = {x ∈ R : x > a} ⊂ R.

Enfim, ]−∞,+∞[ = R e [−∞,+∞] = R.

As operacoes algebricas + e . prolongam-se a R pondo,

x+ ∞ = +∞ ∀x ∈] −∞,+∞]

x−∞ = −∞ ∀x ∈ [−∞,+∞[

x.(±∞) = ±∞ ∀x ∈]0,+∞]

x.(±∞) = ∓∞ ∀x ∈ [−∞, 0[.

Pomos ainda,x

±∞ = 0 ∀x ∈ R.

Observacao. Note-se que + e . nao sao operacoes binarias definidas emtodo o R (por ex. nao se da sentido a +∞+(−∞)). As anteriores relacoessao apenas convencoes que nos vao ser uteis, formalmente, no que sesegue.

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18 1. O Corpo dos Numeros Reais

1.3.5. Desigualdades. As desigualdades desempenham um papel de-terminante em qualquer nıvel da analise matematica. Frequentemente, oimportante no desenvolvimento de um raciocınio matematico e saber, naoo valor exacto de uma dada “quantidade matematica” x, mas sim esti-

mar x, isto e, saber que x e ≤ (ou ≥ ) a um certo valor b (possivelmentedependente de x).Mostremos agora algumas desigualdades numericas validas em R.

1. Se x ∈ R e tal que 1 + x ≥ 0, entao

(1 + x)n ≥ 1 + nx, ∀n ∈ N (desigualdade de Bernoulli)

Para n = 1 o resultado e imediato; sendo valido para n, tem-se paran+1, (1+x)n+1 = (1+x)n.(1+x) ≥ (1+nx).(1+x) = 1+nx+x+nx2 ≥1 + (n+ 1)x.

2. ab ≤ 1

2

(

a2 + b2)

, ∀a, b ∈ R

A demonstracao e imediata, bastando observar que (a − b)2 = a2 +b2 − 2ab ≥ 0.

3. Para todo ε > 0, existe Cε > 0 tal que

ab ≤ εa2 + Cεb2, (a, b ∈ R)

Tomando δ > 0, tem-se por 2. ab = δab

δ≤ δ2

2a2 +

1

2δ2b2 e a

desigualdade sai fazendo ε =δ2

2e Cε =

1

2δ2.

4.

(a1a2 . . . an)1/n ≤ 1

n(a1 + a2 + · · · + an) ,

(ai ≥ 0, i = 1, . . . , n);

em particular,√ab ≤ 1

2(a+ b), (a, b ≥ 0).

A desigualdade e um corolario do seguinte resultado numerico:

Lema - Sejam x1, x2, . . . , xn reais positivos tais que x1x2 . . . xn = 1.Entao, tem-se

x1 + x2 + · · · + xn ≥ n.

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1. O Corpo dos Numeros Reais 19

Uma vez mais se utiliza a inducao matematica. Para n = 1 oresultado sai trivialmente; supondo valido o resultado para n, sejamx1, x2, . . . , xn, xn+1, reais positivos tais que

x1x2 . . . xnxn+1 = 1.

Entao, ou todos os numeros sao iguais a 1 e logo a soma sera n + 1,provando a desigualdade, ou pelos menos um numero sera diferente daunidade; mas entao deverao haver pelo menos dois reais diferentes de1, sendo obrigatoriamente um deles > 1 e o outro < 1. Sem perda degeneralidade podemos supor xn > 1 e xn+1 < 1. Considerando agoraos n numeros x1, x2, . . . , (xnxn+1), tem-se pela hipotese da inducao:x1 + x2 + · · · + xnxn+1 ≥ n e logo,

x1 + x2 + · · · + xn+1 ≥ n− xnxn+1 + xn + xn+1 =

= n+ 1 + xn(1 − xn+1) + xn+1 − 1 =

= n+ 1 + xn(1 − xn+1) − (1 − xn+1) =

= n+ 1 + (1 − xn+1) (xn − 1) ≥ n+ 1.

A demonstracao da desigualdade enunciada em 4. e agora tarefa facil;sejam com efeito a1, a2, . . . , an, numeros reais positivos, e consideremosos numeros

a1

n√a1a2 . . . an

,a2

n√a1a2 . . . an

, · · · , ann√a1a2 . . . an

.

Sendo estes numeros positivos e o seu produto igual a unidade, vempelo lema:

a1

n√a1a2 . . . an

+a2

n√a1a2 . . . an

+ · · · + ann√a1a2 . . . an

≥ n;

logo

(a1a2 . . . an)1/n ≤ 1

n(a1 + a2 + · · · + an) .1.4. Fun� ~oes reais de vari�avel real. Propriedades gerais.

Uma funcao real de variavel real e uma aplicacao

f : D −→ R, D ⊂ R, x ∈ D −→ f(x) ∈ R.

O subconjunto D ⊂ R diz-se o domınio de f . Assim, uma funcao f soesta definida se for dado o domınio D de f , e a lei que a cada x ∈ D faz

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20 1. O Corpo dos Numeros Reais

corresponder um elemento f(x) ∈ R. O conjunto F = f(D) designa-se porconjunto imagem ou contradomınio da funcao f .

E habitual representar geometricamente (ou graficamente) umadada funcao f : D → R num sistema de eixos cartesianos Oxy, ondese exibe o grafico da funcao, isto e, o conjunto de pontos do planoG(f) = {(x, f(x)) : x ∈ D} ⊂ R2.

- 3 +1 4 - 1

f

Figura 1.4 f :] − 3,−1[∪]1, 4[→ R

1.4.1. Exemplos

1. As funcoes f : R → R, definidas por

f(x) = mx+ p (m, p ∈ R)

representam graficamente retas de declive m passando pelo ponto(0, p). Dizem-se funcoes lineares.

As funcoes P : R → R, P (x) = a0 + a1x + · · · + anxn, em que

a0, a1, . . . , an ∈ R, n ∈ Z, n ≥ 0, dizem-se polinomios. Se an 6= 0, Pdiz-se um polinomio de grau n.

Se P e Q sao polinomios, a funcao R : D → R com domınioD = {x ∈ R : Q(x) 6= 0} e definida por

R(x) =P (x)

Q(x),

chama-se funcao racional. Mais tarde veremos o bom comporta-mento destas funcoes.

2. Seja f : D → R uma funcao real definida num domınio D, simetricoem relacao a 0, isto e, x ∈ D ⇐⇒ −x ∈ D. A funcao f chama-se par

sef(x) = f(−x), ∀x ∈ D

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1. O Corpo dos Numeros Reais 21

e diz-se ımpar sef(x) = −f(−x), ∀x ∈ D.

E claro que o grafico de uma funcao par e simetrico em relacao ao eixodas ordenadas e o grafico de uma funcao ımpar e simetrico em relacaoa origem.

3. As funcoes trigonometricas sin e tg sao aqui representadas graficamentecom domınios [−π/2, π/2] e ]−π/2, π/2[, respetivamente.

-1.5 -1 -0.5 0.5 1 1.5

-1

-0.5

0.5

1

-Pi--- 2

Pi--2

x

y

Figura 1.5

4. A funcao f : R → R

Sgn (x) =

1 se x > 00 se x = 0−1 se x < 0

designa-se por funcao sinal e e evidentemente funcao ımpar.A funcao f : R → R, f(x) = |x|, e claramente uma funcao par efacilmente se ve que x. Sgnx = |x|, ∀x ∈ R.

-3 -2 -1 1 2 3x

1

2

y

f(x) = |x|

Figura 1.6

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22 1. O Corpo dos Numeros Reais

5. Uma funcao f : N → R, n→ f(n) = un, diz-se uma sucessao real

ou uma sucessao em R. As sucessoes desempenham, como se sabe,um importante papel na Analise. Algumas das suas propriedades seraotratadas no capıtulo seguinte.

6. Dada uma funcao f : D → R e um subconjunto E ⊂ D do domınio, anova funcao

f|E

: E −→ R

definida por

x ∈ E −→ f|E(x) = f(x)

chama-se restricao de f a E.

1.4.2. Operacoes Algebricas. Consideremos f : D → R e g : E → R,duas funcoes reais de variavel real. Define-se a soma f + g como sendo afuncao

f + g : D ∩ E −→ R, x −→ (f + g) (x) = f(x) + g(x).

Analogamente se define f.g, f − g, | f |, f/g; repare-se contudo que

f/g : D ∩ E ∩ {x : g(x) 6= 0} −→ R, x −→ f(x)/g(x).

1.4.3. Funcoes Monotonas. Seja f : D → R uma dada funcao. Diz-seque f e crescente (ou monotona crescente) se

x, y ∈ D, x < y =⇒ f(x) ≤ f(y).

A funcao f diz-se decrescente (ou monotona decrescente) se

x, y ∈ D, x < y =⇒ f(x) ≥ f(y).

Se x, y ∈ D, x < y =⇒ f(x) < f(y), f diz -se estritamente crescente.De modo identico, se x, y ∈ D, x < y =⇒ f(x) > f(y), f diz -seestritamente decrescente.Enfim, f diz-se monotona se for crescente ou decrescente.

Observacao. E usual dizer-se que uma funcao f e crescente (resp.decrescente) numa parte A ⊂ D; isso significa rigorosamente, de acordocom a definicao dada, que a restricao f|

Ae crescente (resp. decrescente).

Assim, por exemplo f : [0, 2π] → R, f(x) = sinx,

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1. O Corpo dos Numeros Reais 23

Pi--2

Pi 3 Pi---- 2

2 Pix

y

Figura 1.7

nao e monotona, mas f|[0, π/2]

e monotona crescente e f|[π/2, 3π/2]

e

monotona decrescente.

1.4.4. Composicao de funcoes. Funcao inversa.

Sejam f : D → R e g : E → R funcoes reais tais que g(E) ⊂ D; define-seagora a funcao

f ◦ g : E −→ R, (f ◦ g) (x) = f(g(x)),

dita funcao composta de f com g. Repare-se que a composicao f ◦ gexige que a imagem g(E) esteja contida no domınio de f . Assim, porexemplo, a composicao de f :] − ∞, 1] → R, f(x) =

√1 − x, com

g : R → R, g(x) = x2, nao tem sentido, existindo no entanto f ◦ g emque g = g|[−1,1] ; tem-se (f ◦ g) (x) =

√1 − x2.

Seja agora f : D → R uma funcao tal que, para quaisquer x1, x2 ∈D, x1 6= x2, se tem f(x1) 6= f(x2). A funcao f diz-se entao biunıvoca ouinjetiva: para cada y ∈ f(D) existe um unico x ∈ D tal que f(x) = y, oque nos permite definir uma nova funcao

f−1 : F = f(D) −→ R, f−1(x) = y (⇐⇒ f(y) = x)

A funcao f−1 recebe o nome de funcao inversa de f e o seu domınio eo contradomınio de f . As funcoes que admitem inversa dizem-se tambeminvertıveis e estas sao precisamente as funcoes injetivas. Das definicoesresulta ainda claramente que

f−1(f(x)) = x, ∀x ∈ D e f(f−1(x)) = x, ∀x ∈ E = f(D),

ou seja f−1 ◦ f = ID e f ◦ f−1 = IE com ID e IE , as respetivas funcoesidentidade: ID(x) = x, ∀x ∈ D, IE(x) = x, ∀x ∈ E.Sendo f uma funcao invertıvel, os graficos de f e f−1 sao simetricos emrelacao a reta y = x; basta observar que

(x, y) ∈ G(f) ⇔ y = f(x) ⇔ x = f−1(y) ⇔ (y, x) ∈ G(f−1).

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24 1. O Corpo dos Numeros Reais

1.4.5. Supremo e Infimo de uma Funcao.

Seja f : D → R uma funcao real de variavel real e A ⊂ D uma partenao vazia de D. Diz-se que f e majorada (resp. minorada) em A se oconjunto f(A) e majorado (resp. minorado), isto e

∃M ∈ R : f(x) ≤M, ∀x ∈ A

(resp. ∃m ∈ R : f(x) ≥ m, ∀x ∈ A).

A funcao f diz-se limitada em A se for majorada e minorada, ou seja, seexistem constantes m,M ∈ R : m ≤ f(x) ≤M, ∀x ∈ A, ou seja ainda

∃C > 0 : | f(x) |≤ C, ∀x ∈ A.

Pelo prıncipio do supremo e do ınfimo, se f e majorada em A entao f(A)admite supremo em R; chama-se supremo de f em A ao supremo de f(A):supx∈A

f(x) = sup f(A) (escreve-se tambem supAf(x) ou apenas sup

Af).

Do mesmo modo infx∈A

f(x) = inf f(A) e o ınfimo de f em A (escreve-se

tambem infAf(x)).

Se f nao e majorada (resp. minorada) escreve-se supAf(x) = +∞ (resp.

infAf(x) = −∞).

Enfim, se supx∈A

f(x) ∈ f(A) (resp. infx∈A

f(x) ∈ f(A)) diz-se que f tem

maximo (resp. mınimo) em A: maxx∈A

f(x) ou maxA

f (resp. minx∈A

f(x) ou

minAf).

Da definicao de supremo e ınfimo de um conjunto, resulta agora:

1.4.6. Proposicao. O numero real L ∈ R e supremo de f em A se e sose:

1) L ≥ f(x), ∀x ∈ A

2) para cada δ > 0, existe x ∈ A tal que f(x) > L− δ.

O numero real l ∈ R e ınfimo de f em A se e so se:

1’) l ≤ f(x), ∀x ∈ A

2’) para cada δ > 0, existe x ∈ A tal que f(x) < l + δ.

O teorema seguinte resume algumas das propriedades do sup e inf def em R

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1. O Corpo dos Numeros Reais 25

1.4.7. Teorema. Sejam f, g : D → R e B ⊂ A ⊂ D duas partes naovazias de D. Tem-se:

1) supBf ≤ sup

Af ; inf

B≥ inf

Af.

2) supA

(−f) = − infAf.

3) Se f(x) > 0, ∀x ∈ A, entao supA

(1/f) =1

infAf.

4) Se f(x) ≤ g(x), ∀x ∈ A, entao supAf ≤ sup

Ag; inf

Af ≤ inf

Ag.

5) supA

(f + g) ≤ supAf + sup

Ag; inf

A(f + g) ≥ inf

Af + inf

Ag.

6) Se f(x) ≥ 0 e g(x) ≥ 0 em A, entao:

supA

(fg) ≤(

supAf

) (

supAg

)

; infA

(fg) ≥(

infAf)(

infAg)

.

7) supA

(f + g) ≥ supAf + inf

Ag, estando definido o segundo membro.

8) Se f(x) ≥ 0 e g(x) ≥ 0 em A,

supA

(fg) ≥ supAf. inf

Ag, estando definido o segundo membro.

Demonstracao. Apresentamos a demonstracao das tres primeiras alıneasdeixando a demonstracao das restantes como exercıcio. As desigualdadese operacoes algebricas serao tomadas em R tendo em conta as convencoesatras referidas, no final de 1.3.4. A primeira parte de 1) resulta imediata-mente da definicao de supremo:

supAf ≥ f(x) ∀x∈A =⇒ sup

Af ≥ f(x) ∀x∈B,

pelo que supAf ≥ sup

Bf . Do mesmo modo se ve a desigualdade respeitante

ao inf. Para mostrarmos 2) observemos que infAf ≤ f(x) ∀x ∈ A, donde

− infAf ≥ −f(x) e portanto − inf

Af ≥ sup

A(−f). Por outro lado, sup

A(−f) ≥

−f(x) ∀x ∈ A e portanto − supA

(−f) ≤ f(x) ∀x ∈ A o que implica, pela

definicao de inf, − supA

(−f) ≤ infAf , establecendo-se a igualdade. A

demonstracao de 3) segue um caminho analogo; note-se entretanto que,sendo f(x) > 0 em A e podendo ter-se inf

Af = 0, se convenciona, neste caso,

1/ infAf = +∞. Assim, inf

Af ≤ f(x) ∀x ∈A pelo que 1/ inf

Af ≥ 1/f(x), e

portanto 1/ infAf ≥ sup

A(1/f); mas, sup

A(1/f) ≥ 1/f(x) ∀x ∈ A ou seja

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26 1. O Corpo dos Numeros Reais

1/ supA

(1/f) ≤ f(x) e logo 1/ supA

(1/f) ≤ infAf , obtendo-se o resultado

enunciado. Finalmente, observando que f = (f + g)− g, resulta de 2) e 5):

supAf ≤ sup

A(f + g) + sup

A(−g) = sup

A(f + g) − inf

Ag

o que estabelece 7). A desigualdade 8) pode ser demonstrada de formasemelhante.

1.4.8. Exemplos

1. Mostre que a funcao f : R → R, f(x) = x2. signx, e invertıvel eescreva a funcao inversa.

Mostraremos que a funcao f e mesmo estritamente crescente e logo,em particular, injetiva. Com efeito, f pode escrever-se

f(x) =

{

x2 se x ≥ 0−x2 se x < 0

e logo se ve que 0 < x < y =⇒ x2 < y2 i.e. f(x) < f(y); domesmo modo, x < y < 0 =⇒ 0 < −y < −x =⇒ y2 < x2 ouseja −x2 = f(x) < f(y) = −y2. Enfim, se x < 0 < y, e claro quef(x) < f(0) < f(y) e f e estritamente crescente em R.Escrevendo y = x2 para x ≥ 0 (⇔ y ≥ 0), daqui resulta x =

√y para

y ≥ 0. Para x < 0, tem-se y = −x2 < 0 e logo x = −√−y para y < 0.A funcao inversa de f escreve-se

f−1(x) =

√x se x ≥ 0

−√−x se x < 0

ou aindaf−1(x) = signx.

x.signx = signx.√

|x|

2. Prove que a funcao f : R → R, f(x) = x2 + 2x − 3, nao e injetiva.Mostre no entanto que g = f |]−∞,−1] e invertıvel e escreva a inversa.

Escrevendo y = x2 + 2x− 3, a resolucao do trinomio da-nos

x1 = −1 −√

4 + y, x2 = −1 +√

4 + y

e imediatamente se ve que para y > −4 existem dois valores x1 6= x2

que fazem f(x1) = f(x2) = y, mostrando que f nao e injetiva.Restringindo f aos x ≤ −1, e claro que x = −1−√

4 + y e o unico realtal que f(x) = y com y ≥ −4; portanto, g = f |]−∞,−1] e invertıvel e

g−1(x) = −1 −√

4 + x.

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1. O Corpo dos Numeros Reais 27

3. Mostre que a funcao f :] − 1, 1[→ R, f(x) =1√

1 − x2, e minorada

mas nao e majorada.

Com efeito, a funcao e estritamente crescente em [0, 1[ :

0 ≤ x < y =⇒ 1 − x2 > 1 − y2 =⇒ f(x) < f(y).

Como a funcao e par (f(−x) = f(x)), resulta que e decrescente em] − 1, 0[:

−1 < x < y ≤ 0 =⇒ 0 ≤ −y < −x =⇒ f(y) < f(x).

E entao claro que f(0) ≤ f(x), ∀x ∈] − 1, 1[ e a funcao f tem ummınimo no seu domınio: min f = f(0) = 1.Por outro lado, dado um qualquer M > 1, existe x ∈] − 1, 1[ tal que

1√1 − x2

> M ; com efeito, se x ∈] − 1, 1[

1√1 − x2

> M ⇐⇒ 1 − x2 <1

M2⇐⇒ x2 > 1 − 1

M2

e basta escolher x tal que√

1 − 1/M2 < x < 1 para se ter f(x) > M ,mostrando-se assim que f nao e majorada.

Dado que√

1 − x2 > 0, x ∈]−1, 1[, poder-se-ia tambem usar o teoremaprecedente para logo se obter :

sup f =1

inf√

1 − x2= +∞, inf f =

1

sup√

1 − x2= 1.1.5. Introdu� ~ao elementar dos n�umeros omplexos.

O estudo introdutorio da Analise Infinitesimal que nos propomosapresentar assenta essencialmente na estrutura do corpo R dos numerosreais. No entanto, ser-nos-ao uteis, sobretudo na analise do ultimo capıtulo(introducao as series de Fourier), alguns conhecimentos sobre o conceito denumero complexo, extensao do conceito de numero real.

Como e sabido, a extensao N ⊂ Z, dos numeros naturais aos numerosinteiros, vem permitir, neste ultimo conjunto, a operacao de subtraccao (aqual nao era valida em N); e do mesmo modo a operacao de divisao ficabem definida no corpo dos racionais, extensao de Z, Z ⊂ Q. Enfim, vimoscomo no corpo dos reais, extensao de Q, tem lugar a radiciacao, n

√a, se

a ≥ 0, isto e, a equacao algebrica xn − a = 0 tem solucao em R se a ≥ 0.E precisamente a necessidade de resolver uma qualquer equacao algebrica

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28 1. O Corpo dos Numeros Reais

que nos leva a introduzir a nocao de numero complexo. Em particular,pretende-se resolver a equacao

x2 + 1 = 0 (1)

que, claramente nao tem solucao em R. A seguir veremos como o prolonga-mento de R ao conjunto dos numeros complexos nos permite resolver aequacao (1). Mais geralmente, como se mostra na teoria das funcoes devariavel complexa, toda a equacao algebrica P (x) = 0, em que P (x) e umpolinomio com coeficientes complexos, admite solucao no novo conjunto Cdos numeros complexos. Este resultado e conhecido como Teorema Funda-mental da Algebra.

1.5.1. Definicao. No conjunto R × R = {(x, y) : x ∈ R, y ∈ R},definam-se as seguintes duas operacoes :

z1 + z2 = (x1, y1) + (x2, y2) = (x1 + x2, y1 + y2) (adicao)

z1 . z2 = (x1, y1) . (x2, y2) = (x1x2 − y1y2, x1y2 + y1x2) (multiplicacao)

quaisquer que sejam z1 = (x1, y1), z2 = (x2, y2) ∈ R × R. O conjuntoR × R, munido das referidas operacoes, representa-se por C e diz-se oconjunto dos numeros complexos.

E um exercıcio elementar verificar que as operacoes definidas, + e .,sao comutativas, associativas e satisfazem a lei distributiva. O elemento0 = (0, 0) e evidentemente o elemento neutro da adicao, e o elemento1 = (1, 0) o elemento neutro da multiplicacao:

(x, y) + (0, 0) = (0, 0) + (x, y) = (x, y)∀(x, y) ∈ C.

(x, y) . (1, 0) = (1, 0) . (x, y) = (x, y)

Dado um numero complexo z = (x, y), o elemento −z = (−x,−y) eclaramente o elemento simetrico de z :

z + (−z) = (−z) + z = 0, ∀z ∈ C.

Mostremos agora que todo o elemento z = (x, y) 6= (0, 0) admite umelemento inverso, isto e, existe w = (a, b) ∈ C tal que

z . w = (x, y) . (a, b) = (1, 0), ∀z ∈ C.

Com efeito, isto e equivalente a resolucao do sistema

{

xa− yb = 1xb+ ya = 0

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1. O Corpo dos Numeros Reais 29

e daqui resulta que a = x/(x2 + y2), b = (−y)/(x2 + y2) (repare-se quex2 + y2 6= 0, dado que se exige que (x, y) 6= (0, 0)). Assim, o elementoinverso de z = (x, y) 6= (0, 0) escreve-se

w = z−1 =

(

x

x2 + y2,

−yx2 + y2

)

.

A divisao do complexo z1 pelo complexo z2 6= 0, fica entao bem definida:z1/z2 = z1. (z2)

−1. E agora imediato concluir que (C,+, .) constitui umcorpo: o corpo dos numeros complexos.

1.5.2. Proposicao. A aplicacao

x ∈ Rψ−→ (x, 0) ∈ C

e um isomorfismo (para a adicao e multiplicacao) entre R e o subconjunto{(x, 0) : x ∈ R} ⊂ C.

Demonstracao. A aplicacao ψ e claramente biunıvoca e tem-se

ψ(x + y) = (x+ y, 0) = (x, 0) + (y, 0) = ψ(x) + ψ(y).

ψ(x.y) = (xy, 0) = (x, 0) . (y, 0) = ψ(x).ψ(y).

Logo ψ realiza um isomorfismo entre R e ψ(R) = {(x, 0) : x ∈ R} ⊂ C.

O isomorfismo precedente permite-nos “identificar” os numeros reaisaos numeros complexos que tem a segunda componente nula : x ≡ (x, 0), euma tal identificacao justifica a inclusao R ⊂ C, isto e, o prolongamento docorpo dos reais ao corpo dos numeros complexos. E claro que para λ ∈ Rse tem

λ . z = (λ, 0) . (x, y) = (λx, λy).

1.5.3. A unidade imaginaria.

O numero complexo (0, 1), representa-se usualmente por i e designa-se por unidade imaginaria. Todo o complexo z = (x, y), pode agoraescrever-se como

z = (x, y) = (x, 0) + (0, y) = (x, 0) + (0, 1) . (y, 0) =

= x+ iy, x, y ∈ R.

E imediato verificar que

i2 = (0, 1) . (0, 1) = (−1, 0) = −1

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30 1. O Corpo dos Numeros Reais

e logo, a equacao algebrica (1) admite solucao (o numero i) no campocomplexo. Os complexos da forma (0, x) = ix, (x ∈ R), dizem-se ima-

ginarios puros e estao representados geometricamente no eixo cartesianovertical; os numeros reais, x = (x, 0), estao naturalmente representados noeixo cartesiano horizontal, chamado eixo real. (cf. Fig. 1.8).

Dado o numero complexo z = x+ iy, x, y ∈ R, o numero x designa-sepor parte real de z e y por parte imaginaria e representam-se por x = Re ze y = Im z. Dados dois numeros complexos, z1 e z2, tem-se entao

z1 = z1 ⇐⇒ Re z1 = Re z2 e Im z1 = Im z2

Geometricamente, os numeros complexos podem ser representados noplano cartesiano, como elementos de R2. A adicao de complexos nao emais do que a soma dos correspondentes vetores, elementos de R2. Adianteveremos uma interpretacao geometrica simples da multiplicacao e divisao.

O

x = ( 0) 1

i

(0, y ) = z =( x , y

)

z =( x , y )

z + z = ( )

1 1 1

2 2 2

1 2 x + x , y + y 1 2 1 2

i y

x ,

Figura 1.8

1.5.4. Complexo conjugado. Valor absoluto.

A todo o numero complexo z = (x, y) = x+ iy associamos o complexoz = x − iy, chamado complexo conjugado de z. Geometricamente, ocomplexo z = (x, y) e o seu complexo conjugado z = (x,−y) representam--se simetricamente em relacao ao eixo real. Consequencia imediata dasdefinicoes e a seguinte

1.5.5. Proposicao. Para todo z ∈ C, z = z; z + z e real e z − z eimaginario puro. Mais precisamente,

z + z = 2 Re z, z − z = 2i Im z.

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1. O Corpo dos Numeros Reais 31

Para quaisquer z1, z2 ∈ C, tem-se ainda

a) z1.z2 = z1 . z2.

b)

(

1

z1

)

=1

z1se z1 6= 0.

c) z1 + z2 = z1 + z2.

1.5.6. Definicao. Define-se valor absoluto ou modulo do numerocomplexo z = x+ iy ∈ C, como o numero real

|z| = |x+ iy| =√

x2 + y2.

Observacao. Repare-se que o valor absoluto do complexo z = x+ iy naoe mais do que a norma cartesiana do vetor (x, y) em R2.

E imediato verificar que |z| = |z| =√

x2 + y2 =√z . z. Vemos ainda que

|Re z| = |x| ≤ |z|; |Im z| = |y| ≤ |z|.

1.5.7. Proposicao. Para quaisquer z, z1, z2 ∈ C, tem-se

a) |z| = 0 ⇐⇒ z = 0.

b) |z1.z2| = |z1| |z2|.

c)

1

z1

=1

|z1|se z1 6= 0.

d) |z1 + z2| ≤ |z1| + |z2|.Demonstracao. Mostremos d) a tıtulo de exemplo, deixando a demons-tracao das outras alıneas como exercıcio. Com efeito,

|z1 + z2|2 = (z1 + z2) . (z1 + z2)

= |z1|2 + |z2|2 + z1 . z2 + z2 . z1.

Mas, z1 . z2 + z2 . z1 = 2 Re (z1 . z2) ≤ 2 |z1|.|z2|, donde

|z1 + z2|2 ≤ (|z1| + |z2|)2.

Observacao. Repare-se que a divisao entre os complexos z1 e z2, z2 6= 0,vem dada por

z1z2

=z1 . z2|z2|2

.

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32 1. O Corpo dos Numeros Reais

1.5.8. Forma trigonometrica dos numeros complexos.

Seja z = x+ iy ∈ C.

x

y z

ρ

θ

Figura 1.9

Motivados pela representacao geometrica, introduzam-se as coorde-nadas polares : x = ρ cos θ, y = ρ sin θ, com (ρ, θ) ∈ R+ × R (∗). A cada(ρ, θ) ∈ R+ × R, associe-se o numero complexo

z = x+ iy = ρ cos θ + i ρ sin θ = ρ ei θ

em que ei θ representa o numero complexo cos θ+ i sin θ. Fica definida umaaplicacao

(ρ, θ) ∈ R+ × R −→ z = ρ ei θ ∈ C

cuja imagem e C \ {0}. Com efeito, dado z = x+ iy, nao nulo, procuremosρ > 0 e θ ∈ R tal que z = x+ iy = ρ cos θ + i ρ sin θ. Entao

|z|2 = x2 + y2 = ρ2(cos2 θ + sin2 θ) = ρ2

e logo ρ =√

x2 + y2 = |z|, fica bem definido. Por outro lado, θ devesatisfazer as equacoes

{

x = |z| cos θ =√

x2 + y2 cos θ

y = |z| sin θ =√

x2 + y2 sin θ(2)

Ora, ha uma infinidade de valores de θ que satisfazem (2), mais precisa-mente, θ0 +2kπ, k ∈ Z, em que −π < θ0 ≤ π, e a solucao particular de (2)tal que

tan θ0 = y/x, se x 6= 0,θ0 = π/2, se x = 0, y > 0,θ0 = −π/2, se x = 0, y < 0.

(∗) Usamos a notacao R+ para designar os reais positivos : R+ =]0,+∞[.

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1. O Corpo dos Numeros Reais 33

1.5.9. Definicao. Seja z = x + iy um complexo nao nulo. O unico realθ0 que satisfaz

x = |z| cos θ0, y = |z| sin θ0, −π < θ0 ≤ π

chama-se argumento principal de z e nota-se θ0 = Arg z.

O numero real θ = Arg z+2kπ (k ∈ Z) diz-se um argumento de z e tem-sez = |z| ei θ.Observacao. Repare-se que

∣ei θ∣

∣ = | cos θ + i sin θ| =√

cos2 θ + sin2 θ = 1.

A proposicao seguinte da-nos ideia da utilidade da representacaotrigonometrica, z = ρ ei θ.

1.5.10. Proposicao. Sejam z = ρ ei θ, z1 = ρ1 ei θ1 , z2 = ρ2 e

i θ2 , numeroscomplexos. Entao

a)(

ρ1 ei θ1

)

.(

ρ2 ei θ2

)

= ρ1ρ2 ei (θ1+θ2)

b)(

ρ ei θ)−1

=1

ρ ei θ=

1

ρe−i θ (ρ 6= 0)

c)ρ1 e

i θ1

ρ2 ei θ2=ρ1

ρ2ei (θ1−θ2) (ρ2 6= 0).

Demonstracao. Mostremos apenas a alınea a). Multiplicando osnumeros complexos do primeiro membro, e usando as conhecidas formulastrigonometricas, tem-se

(

ρ1 ei θ1

)

.(

ρ2 ei θ2

)

= ρ1ρ2(cos θ1 + i sin θ1) . (cos θ2 + i sin θ2) =

=ρ1ρ2 [cos θ1 cos θ2 − sin θ1 sin θ2 + i (cos θ1 sin θ2 + sin θ1 cos θ2)]

=ρ1ρ2 [cos (θ1 + θ2) + i sin (θ1 + θ2)] = ρ1ρ2 ei (θ1+θ2)

Corolario. Dados os numeros complexos z1 = ρ1 ei θ1 e z2 = ρ2 e

i θ2 , naonulos, tem-se

ρ1 ei θ1 = ρ2 e

i θ2 ⇐⇒ ρ1 = ρ2 e θ1 = θ2 + 2kπ,

para algum k ∈ Z.

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34 1. O Corpo dos Numeros Reais

Demonstracao. Com efeito,

z1 = z2 =⇒ |z1| = ρ1 = |z2| = ρ2.

Em consequencia,ei θ1

ei θ2= ei (θ1−θ2) = 1,

ou seja cos (θ1 − θ2) + i sin (θ1 − θ2) = 1, e logo θ1 − θ2 = 2kπ, para algumk ∈ Z.

z z

z

z

1 2

1 2

-1 1

.

θ θ

θ θ +

1

2

1 2

θ − 1

z

A formulacao trigonometrica dosnumeros complexos permite umainterpretacao geometrica simplesda multiplicacao e da divisao emC. Assim, para multiplicar com-plexos, multiplicam-se os modulose somam-se os argumentos; paradividir complexos, dividem-se osmodulos e subtraem-se os argu-mentos.

Figura 1.10

Multiplicando sucessivamente (n vezes) o complexo z = ρ ei θ por siproprio, e fazendo o mesmo com z−1 = (1/ρ) e−i θ, obtemos a importanteFormula de Moivre. :

1.5.11. Teorema. Se z = ρ ei θ = ρ (cos θ + i sin θ), entao

zn = ρn ei n θ = ρn (cosnθ + i sinnθ), ∀n ∈ Z.

(para n < 0 dever-se-a supor z 6= 0).

Seja agora w = ρ ei θ ∈ C um numero complexo e n ∈ N um inteiropositivo. Procuremos resolver a equacao

zn = w, z ∈ C. (3)

As solucoes dizem-se as raızes enesimas de w.

Escreva-se entao z = r (cosα+ i sinα). Pela formula de Moivre, vem

zn = rn (cosnα+ i sinnα) = w = ρ (cos θ + i sin θ)

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1. O Corpo dos Numeros Reais 35

e logo, rn = ρ =⇒ r = n√ρ e nα = θ + 2kπ (k ∈ Z) (cf. (1.5.10.),

Corolario). Em conclusao, tem-se

z = n√ρ

[

cos

(

θ

n+

2kπ

n

)

+ i sin

(

θ

n+

2kπ

n

)]

(4)

e obtemos n solucoes de (3) para k = 0, 1, . . . , n−1 (repare-se que qualqueroutro valor inteiro de k apenas repete os valores ja obtidos).

1.5.12. Exemplos.

1. Determinemos as raızes sextas de 1 : 6√

1.

Neste caso, 1 = ρ (cos θ + i sin θ), ρ = 1, θ = 0. Fazendo k =0, 1, . . . , 5, na formula (4), obtemos as seis raızes da unidade :

e e

e

e e

i i

i

i i

π

π π

π π

/ 3

/

/

/

2 3

4 3 5 3

1

z1 = e0 = 1, z2 = ei π/3

z3 = ei 2π/3, z4 = eiπ

z5 = ei 4π/3, z6 = ei5π/3

Figura 1.11

2. Se z1 = x1 +iy1 e z2 = x2 +iy2 sao dois complexos, |z1−z2| representaa distancia euclidiana entre eles (considerados como pontos de R2).Com efeito

|z1 − z2| = |(x1 − x2) + i (y1 − y2)| =√

(x1 − x2)2 + (y1 − y2)2.

A representacao complexa e por vezes util na determinacao de figurasgeometricas do plano; por entre as mais simples, a circunferencia decentro P0 = (x0, y0) e raio R > 0, sendo o conjunto de pontos quedista R do ponto P0, vem representada por

{z : |z − z0| = R} (5)

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36 1. O Corpo dos Numeros Reais

Fazendo z = x + iy, o leitor facilmente obtem a equacao analıtica(x− x0)

2 + (y − y0)2 = R2, equivalente a (5).

Dados z1 = x1 + iy1 e z2 = x2 + iy2 em C, o conjunto dos z ∈ C taisque

|z − z1| = |z − z2| (6)

representa claramente uma reta (a reta equidistante de z1 e z2). Denovo se obtem a equacao analıtica da reta, desenvolvendo (6), comz = x+ iy, z1 = x1 + iy1 e z2 = x2 + iy2.

Exercıcios

1. Seja a um numero racional diferente de zero e x um numero irracional.Mostre que ax e a + x sao irracionais. De um exemplo de doisirracionais x e y tais que xy e x+ y sejam racionais.

2. Sejam a e b numeros racionais positivos. Prove que√a+

√b e racional

se e so se√a e

√b forem ambos racionais.

3 Mostre que entre dois numeros reais existe sempre um irracional.

4 Seja K um corpo comutativo totalmente ordenado (K satisfaz oconjunto de axiomas A1 e A2, tendo-se a natural inclusao N ⊂ K).

a) Mostre que sao equivalentes a seguintes assercoes:

i) K e arquimediano

ii) N ⊂ K nao e majorado.

b) Um corpo totalmente ordenado K diz-se completo, se satisfazo princıpio do supremo, isto e, todo o subconjunto nao vazio emajorado, A ⊂ K, admite supremo.Mostre que K e completo se e so se satisfaz os axiomas dos reais,A1, A2, A3 e A4 ( corpo totalmente ordenado, arquimediano esatisfazendo o axioma do encaixe).

5. Seja P (x) = a0 + a1x + · · · + anxn, um polinomio com coeficientes

inteiros.

a) Se um numero racional p/q, com p e q primos entre si, e raiz deP, P (p/q) = 0, prove que p divide a0 e q divide an.

b) Conclua que, quando an = 1, as raızes de P sao inteiras ouirracionais. Em particular, considerando xn − a = 0, a > 0,conclua que n

√a ou e um numero inteiro ou irracional

c) Mostre que√

3 + 3√

2 e irracional.

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1. O Corpo dos Numeros Reais 37

6. Sejam a, b, c, e d numeros racionais. Mostre que

a+ b√

2 = c+ d√

2 ⇐⇒ a = c e b = d

7. Mostre que, se a e a+ x sao reais positivos, entao

(a+ x)n ≥ an + nan−1x, ∀n ∈ N.

8. Exprima os conjuntos seguintes como reuniao de intervalos:a) {x ∈ R : | x− 2 | + | x+ 3 |< 8}b) {x ∈ R : | x2 − 2 | ≤ 1}c) {x ∈ R : | 2x+ 1 | ≤ 1}d) {x ∈ R : | x− 5 |< | x+ 1 |}e) {x ∈ R : (2x+ 3)6(x − 2) ≥ 0}

9. Prove que, ∀x ∈ R, se tem:

i) | x− 1 | + | x− 2 | ≥ 1

ii) | x− 1 | + | x− 2 | + | x− 3 | ≥ 2

10. Mostre que se tem, ∀x1, · · · , xn ∈ R,

i) | x1 + · · · + xn | ≤ | x1 | + · · ·+ | xn |ii) | x1 · · ·xn |= | x1 | · · · | xn | .

11. Dados x ∈ R, x 6= 0 e n ∈ N, prove que (1 + x)2n > 1 + 2nx.

12. Sejam x ∈ R, x < 1 e n ∈ N; mostre que (1 − x)n ≥ 1 − nx.

13. Prove que, para todos os reais a e b que satisfazem a2 + b2 = 1, se tem|a+ b| ≤

√2.

14. Mostre que para todos os reais a1, . . . , an, b1, . . . , bn, que satisfazem

n∑

k=1

a2k =

n∑

k=1

b2k = 1,

se tem

n∑

k=1

akbk

≤ 1.

15. Prove a desigualdade: xy ≤ 1

αx2 +

α

4y2, ∀x, y ∈ R, α > 0.

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38 1. O Corpo dos Numeros Reais

16. Dados dois reais positivos, a, b > 0, chama-se media harmonica ao realα tal que

1

α=

1

2

(

1

a+

1

b

)

.

Mostre que a media harmonica e inferior ou igual a media geometrica:α ≤

√a b

Em que condicoes se tem a igualdade?

17. Utilize a inducao finita para mostrar a formula do Binomio de

Newton

(a+ b)n = an +

(

n1

)

an−1b+ · · ·(

nn− 1

)

a bn−1 + bn,

a, b ∈ R, n ∈ N, e em que

(

np

)

=n!

(n− p)! p!=n(n− 1) · · · (n− p+ 1)

1.2 · · · p , 0 ≤ p ≤ n, (0! = 1).

18. Diga se existe uma funcao f : [0,+∞[→ R que verifique f(x2) =1 + x, ∀x ∈ R. E existe f : R → R tal que f(x3) = 1 + x, ∀x ∈ R ?

19. Defina funcoes f e g que satisfacam

a) f(x2) = 1 − |x|3, ∀x ∈ R; b) g(1/x) = x2 + 1, x 6= 0

20. Determine as composicoes f ◦ g e g ◦ f em que

a) f, g : R → R

f(x) =

{

x se x ≥ 00 se x < 0

, g(x) =

{

0 se x ≥ 0x2 se x < 0

b) f, g : [−1, 1] → R, f(x) = g(x) =√

1 − x2.

c) f, g : R → R, f(x) = x5, g(x) = x+ 5.

21. Enuncie e demonstre a associatividade

(f ◦ g) ◦ h = f ◦ (g ◦ h).

22. Seja f(x) =x

x+ 1. Determine o maior domınio de f que permite

definir f ◦ f ◦ · · · ◦ f (n vezes); calcule a composicao.

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1. O Corpo dos Numeros Reais 39

23. Determine para que valores de a e b reais, a funcao f(x) = ax+ b, x ∈R, tem inversa e f−1 ≡ f .

24. Demonstre que a funcao f : R → R,

f(x) =3√

x+√

x2 + 1

tem inversa e determine-a.

25. Diga quais das seguintes funcoes sao invertıveis e determine as inversas:

a) f : [0,+∞[→ R, f(x) = 1 +√x

b) f : [−1, 1] → R, f(x) =√

1 − x2

c) f : R \ {−1} → R, f(x) =x

x+ 1.

26. Seja f : D → R uma funcao nao negativa (f(x) ≥ 0, ∀x ∈ D). Mostreque

sup(f2) = (sup f)2

( sup f e evidentemente supDf , tomado em R ).

27. Recorde que R e um corpo arquimediano e considere a aplicacaof : Z → R dada por f(n) = an com a ∈ R, a > 1. Mostre que:

a) f(Z) nao e majorado.

b) inf f(Z) = 0

28. Sejam f, g : D → R. Como e sabido

sup(f + g) ≤ sup f + sup g e inf(f + g) ≥ inf f + inf g.

De exemplos em que:

a) sup(f + g) = sup f + sup g

b) sup(f + g) < sup f + sup g

c) inf(f + g) = inf f + inf g

d) inf(f + g) > inf f + inf g

29. Sejam A ⊂ B ⊂ R dois subconjuntos de R nao vazios. Suponha queB e majorado e que, para cada x ∈ B, existe um y ∈ A tal que x ≤ y.Prove entao que, supA = supB.

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40 1. O Corpo dos Numeros Reais

30. Sejam A e B dois conjuntos nao vazios e limitados de numeros reais.

a) Mostre que A ∪B e limitado e alem disso tem-se:

sup(A ∪B) = max {supA, supB},inf(A ∪B) = min {inf A, inf B}.

b) Prove que A ∩B e limitado e:

sup{inf A, inf B} ≤ inf(A ∩B) ≤≤ sup(A ∩B) ≤ inf{supA, supB}.

De um exemplo em que as desigualdades sao estritas.

31. Sejam A e B dois conjuntos nao vazios de numeros reais; defina oconjunto

C = {z : z = x+ y, x ∈ A, y ∈ B}

a) Mostre que supC = supA+ supB.

b) Estabeleca um resultado analogo para o conjunto D = AB dosprodutos de um elemento de A por um elemento de B.

32. Sejam D,E ⊂ R subconjuntos nao vazios de R e considere-se aaplicacao f : D × E → R, (x, y) ∈ D × E → f(x, y) ∈ R.Para cada x0 ∈ D e y0 ∈ E, ponha-se

s1(x0) = sup{f(x0, y) : y ∈ E}, s2(y0) = sup{f(x, y0) : x ∈ D}.

Isto define duas aplicacoes: s1 : D → R e s2 : E → R;Mostre que se tem sup

x∈Ds1(x) = sup

y∈Es2(y). Isto e:

supx∈D

(

supy∈E

f(x, y)

)

= supy∈E

(

supx∈D

f(x, y)

)

33. Enuncie e demonstre um resultado analogo para o inf ; mostre, emseguida, que:

supy

(

infxf(x, y)

)

≤ infx

(

supyf(x, y)

)

De um exemplo em que se tenha a desigualdade estrita.

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1. O Corpo dos Numeros Reais 41

34. Calcule as partes real e imaginaria dos seguintes numeros complexos

a)1

z2; b)

z − 1

z + 1; c) z3;

em que z = x+ iy.

35. Mostre que

Re (iz) = −Im (z) e Im (iz) = Re (z), ∀z ∈ C.

36. Calcule

√√−i, sem recorrer a formula de Moivre. Utilize em seguida

a referida formula e obtenha o mesmo resultado.

37. Tenha presente os axiomas de corpo ordenado (cf. axiomas dos reais).Mostre que o corpo C dos numeros complexos nao pode ser totalmenteordenado.

Sug. Prove que i ≥ 0 (ou i ≤ 0) conduz a contradicao.

38. Seja P (z) = a0 + a1z + · · · + anzn um polinomio em z ∈ C com

coeficientes reais, a0, a1, . . . an ∈ R. Mostre que

P (z0) = 0 ⇐⇒ P (z0) = 0,

isto e, z0 e raiz de P (z) se e so se z0 o for.

39. Utilize a Formula de Moivre para demonstrar as seguintes igualdadestrigonometricas :

i) sin 3θ = 3 cos2 θ sin θ − sin3 θ

ii) cos 3θ = cos3 θ − 3 cos θ sin2 θ

40. Calcule o supremo do seguinte conjunto de numeros reais

{Re (iz3 + 2) : |z| ≤ 2}.

41. Considere as n raızes da unidade

αn = cos

(

2kπ

n

)

+ i sin

(

2kπ

n

)

, (k = 0, 1, . . . , n− 1).

Mostre que as raızes diferentes de 1 (n−1 raızes), satisfazem a equacao

1 + z + · · · + zn−1 = 0.

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42 1. O Corpo dos Numeros Reais

42. Determine as raızes da equacao

z6 − 2z3 + 2 = 0.

43. Tendo presente que z−1 =z

|z2| , de uma interpretacao geometrica de

z−1. Interprete geometricamente a divisao de complexos, z1/z2.

44. Descreva os conjuntos de complexos que satisfazem as seguintescondicoes

a) |z − i| < |z + i|; b) z + z = 1; c) |z − 1| + |z + 1| = 4.

45. Determine o conjunto de pontos de C da forma

{z2 : Im z = 1}

isto e, a imagem pela aplicacao z → z2 da reta Im z = 1.

46. Mostre que o ponto (z− 1)/(z+ 1) pertence ao eixo imaginario se e sose z pertence a circunferencia de raio 1 e centro na origem.

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2. Sucessoes e Series Reais 43

2Su ess~oes e S�eries Reais

2.1. Su ess~oes onvergentes. Su ess~oes de Cau hy.Como e ja conhecido da analise elementar, uma sucessao em R ou

sucessao real e uma aplicacao

ϕ : N −→ R, n ∈ N −→ ϕ(n) ≡ xn ∈ R,

usualmente representada por (xn); xn e o elemento da sucessao de ordemn e o conjunto {x1, x2, . . . , xn, . . .} = {xn} diz-se o conjunto dos termos dasucessao. As operacoes algebricas nas sucessoes sao naturalmente as queresultam definidas no conjunto das aplicacoes de N em R (cf. (1.4.2.)).Assim, soma, produto e cociente das sucessoes (xn) e (yn) sao definidascomo:

(xn) + (yn) = (xn + yn),

(xn).(yn) = (xn.yn),

(xn)

(yn)=

(xn

yn

)

(se yn 6= 0).

Um dos conceitos fundamentais de toda a Analise Matematica e oconceito de limite, adiante definido. Trata-se de um caso particular danocao, mais geral, de limite de uma funcao real de variavel real. No capıtuloseguinte, teremos ocasiao de desenvolver este conceito.

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44 2. Sucessoes e Series Reais

2.1.1. Definicao. Seja (xn) uma sucessao em R. Diz-se que a sucessao(xn) e convergente para um elemento a ∈ R, ou que o limite da

sucessao (xn) e a ∈ R e escreve-se limxn = a ou xn → a, se paratodo o δ > 0, existe uma ordem n0 ∈ N tal que

xn ∈]a − δ, a + δ[ para todo n > n0.

Uma sucessao (xn) que nao e convergente diz-se divergente.

Assim, limn→∞

xn = a se e so se

∀δ > 0, ∃n0 ∈ N : n > n0 =⇒| xn − a |< δ;

a a + a - x δ δ n

Figura 2.1

isto e, por mais pequeno que seja δ > 0 (e portanto a amplitude do intervalo]a− δ, a + δ[ ) todos os termos da sucessao “caem” dentro desse intervalo apartir de certa ordem. E consequencia imediata da definicao que

limxn = a se e so se lim(xn − a) = 0.

2.1.2. Proposicao (Unicidade do limite). O limite a de uma sucessao(xn) convergente e unico.

Demonstracao. Com efeito, suponha-se tambem que lim xn = b e b 6= a.Dado δ > 0 qualquer, vem

| xn − a |< δ/2 para n > n0 ∈ N

e| xn − b |< δ/2 para n > n1 ∈ N.

Mas entao, tomando N = max{n0, n1}, tem-se para n > N e para todo oδ > 0,

| a − b |=| a − xn + xn − b |≤| a − xn | + | b − xn |< δ/2 + δ/2 = δ,

o que e absurdo, ja que a 6= b.

2.1.3. Proposicao. Toda a sucessao (xn) convergente e limitada, istoe, o conjunto dos termos da sucessao, {xn}, e limitado.

Demonstracao Admitamos que xn → a ∈R. Tomando δ > 0, resultada definicao de limite que xn∈ ]a−δ, a+δ[, ∀n > n0, e portanto o conjunto

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2. Sucessoes e Series Reais 45

{xn0+1, xn0+2, . . .} ⊂ ]a − δ, a + δ[ e limitado; como apenas restam umnumero finito de termos, vem necessariamente

| xn |≤ C, ∀n ∈ N

em que C = max{| x1 |, . . . , | xn0|, | a − δ |, | a + δ |}.

E natural estender a nocao de limite de uma sucessao a R. Assim,

2.1.4. Definicao. Diz-se que a sucessao (xn) tem limite +∞ se paratodo o δ > 0, existe uma ordem n0 ∈ N tal que

n > n0 =⇒ xn >1

δ.

Analogamente, a sucessao (xn) tem limite −∞ (*) se para todo o δ > 0,existe uma ordem n0 ∈ N tal que

n > n0 =⇒ xn < −1

δ.

E claro ainda da definicao e do que atras ficou dito, que o limite de umasucessao (xn) em R, se existe, e unico; assinale-se, contudo, que umasucessao (xn) pode nao admitir limite em R (veremos alguns exemplosposteriormente).

Uma classe particularmente importante de sucessoes reais sao assucessoes monotonas.

2.1.5. Definicao. Uma sucessao (xn) diz-se monotona crescente

(respetivamente, monotona decrescente) se

xn ≤ xn+1, ∀n ∈ N (resp. xn ≥ xn+1, ∀n ∈ N).

A sucessao diz-se monotona se for monotona crescente ou monotonadecrescente.

A proposicao seguinte clarifica a importancia destas sucessoes.

2.1.6. Proposicao. Toda a sucessao monotona limitada e convergente.Mais precisamente,

sucessao monotona crescente e majorada (portanto limitada) e conver-gente ;

sucessao monotona decrescente e minorada (portanto limitada)e con-vergente.

(*) Nao se diz que (xn) e convergente para +∞ ou −∞ mas sim que (xn) tem limite

+∞ ou −∞.

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46 2. Sucessoes e Series Reais

Demonstracao. Seja (xn) uma sucessao crescente e limitada. Oprincıpio do supremo garante a existencia de a = sup{xn}. Tomando δ > 0qualquer, da definicao de supremo resulta que existe um termo da sucessao,xn0

, tal que a − δ < xn0≤ a. Mas sendo (xn) crescente, vem:

a − δ < xn0≤ xn ≤ a, ∀n ≥ n0,

o que mostra que limn→∞

xn = a. Do mesmo modo, se (xn) e uma sucessao

decrescente e minorada, tem-se limn→∞

xn = b = inf{xn}.

Corolario. Toda a sucessao monotona tem limite em R. Em particular,

sucessao monotona crescente nao limitada tem limite +∞sucessao monotona decrescente nao limitada tem limite −∞.

Demonstracao. Se (xn) e crescente e nao limitada, dado δ > 0 existe umxn0

> 1/δ e logo xn ≥ xn0> 1/δ, ∀n > n0, isto e, xn → +∞. Do mesmo

modo se ve que xn → −∞, se (xn) e monotona decrescente.

2.1.7. Propriedades algebricas dos limites.

Os resultados seguintes, para alem do interesse teorico, tem um valoressencialmente pratico.

2.1.8. Proposicao. Sejam (xn) e (yn) duas sucessoes com limite em R.Entao:

1. limxn = 0 ⇐⇒ lim | xn |= 0; limxn = a =⇒ lim | xn |=| a |;2. Se limxn = 0 e (yn) e sucessao limitada, entao limxn.yn = 0;

3. lim(xn + yn) = limxn + lim yn; lim(kxn) = k limxn, (k ∈ R);

4. lim(xn.yn) = limxn. lim yn;

5. lim

(xn

yn

)

=limxn

lim yn, se lim yn 6= 0;

6. xn ≥ 0, (n ≥ p) =⇒ limxn ≥ 0;

xn ≤ yn (n ≥ p) =⇒ limxn ≤ lim yn.

sempre que as operacoes do segundo membro facam sentido ( em R ).

Demonstracao. Escreva-se lim xn = a e lim yn = b. Faremos ademonstracao no caso real, a, b ∈ R, deixando como exercıcio o caso doslimites infinitos.

A primeira parte de 1. e consequencia imediata da definicao e asegunda sai da ja conhecida desigualdade || xn | − | a || ≤ | xn − a |.

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2. Sucessoes e Series Reais 47

2. Sendo (yn) limitada, existe C > 0 tal que | yn |≤ C, para todo on; tomando agora um qualquer δ > 0, como xn → 0, tem-se | xn |≤ δ/C apartir de certa ordem, n > n0, e logo

| xnyn |≤ C. δ/C = δ, (n > n0).

3. Dado δ > 0, existem n1, n2 ∈ N tais que

n > n1 =⇒| xn − a |< δ

2e n > n2 =⇒| yn − b |< δ

2.

Se n0 = max{n1, n2} e n > n0, tem-se naturalmente

| (xn + yn) − (a + b) |=| (xn − a) + (yn − b) |≤| xn − a | + | yn − b |< δ,

o que mostra que lim(xn + yn) = a + b. A segunda parte de 3. e um casoparticular de 4.

4. Observemos que

(xnyn − ab) = xnyn − xnb + xnb − ab = xn(yn − b) + (xn − a)b.

Mas (xn) e uma sucessao limitada e lim (yn − b) = 0; entao de 2., vemlim[xn(yn− b)] = 0. Do mesmo modo se tem lim[(xn −a)b] = 0. Utilizando3. resulta agora:

lim (xnyn − ab) = lim [xn(yn − b)] + lim [(xn − a)b] = 0,

pelo que limxnyn = ab.

5. Notemos desde logo que ynb → b2 > 0 (por hipotese, b 6= 0), eportanto, escolhendo δ suficientemente pequeno, existe n0 ∈ N tal que

n > n0 =⇒ ynb > b2− δ > 0. Assim, para n > n0 tem-se 0 <1

ynb<

1

b2 − δ

e logo a sucessao

(1

ynb

)

e limitada. Como se tem

xn

yn− a

b=

bxn − ayn

ynb= (bxn − ayn)

1

ynb,

e como lim (bxn − ayn) = ba − ab = 0, segue-se que

lim

(xn

yn− a

b

)

= 0, donde limxn

yn=

a

b.

6. Supondo limxn = a < 0, e possıvel escolher um δ > 0 tal quea + δ < 0 (por ex. δ = −a/2). Mas entao existe um n0 ∈ N tal quen > n0 =⇒ a − δ < xn < a + δ < 0, o que contradiz a hipotese de xn ≥ 0para n ≥ p. Assim, se xn ≥ 0, (n ≥ p) tem-se lim xn ≥ 0. A ultima partede 6. resulta agora trivialmente de 3.

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48 2. Sucessoes e Series Reais

2.1.9. Proposicao (sucessoes enquadradas). Sejam (xn), (yn) e (zn)sucessoes tais que xn ≤ zn ≤ yn para todo o n ≥ p. Se lim xn = lim yn = aentao lim zn = a.

Demonstracao. Dado δ > 0 qualquer, existem n1, n2 ∈ N tais que

n > n1 =⇒ xn ∈]a − δ, a + δ[ e n > n2 =⇒ yn ∈]a − δ, a + δ[.

Pondo n0 = max{n1, n2}, tem-se claramente para n > n0:

a − δ < xn ≤ zn ≤ yn < a + δ,

pelo que lim zn = a.

2.1.10. Exemplos.

1. A sucessao xn =1

ne decrescente:

1

n>

1

n + 1e converge para 0:

∣∣∣∣

1

n− 0

∣∣∣∣=

1

n< δ para n > n0 ≥ 1

δ

2. Ja a sucessao xn = 2 + (−1)n, nao e convergente. Basta observar quepara todo o n ∈ N, | xn − xn+1 |= 2 e logo, tomando um qualquerδ < 1, nao existe uma ordem a partir da qual os termos da sucessaoestejam no intervalo ]a − δ, a + δ[.

3. Seja a ∈ R um real e considere-se a sucessao xn = an.a) Se a = 0 ou a = 1, a sucessao e constante e naturalmente

convergente para 0 ou 1, respetivamente.b) Se a > 1, a sucessao e claramente monotona crescente; escrevendo

a = 1 + h, h > 0, resulta da conhecida desigualdade de Bernoulli(cf. (1.3.5.)) que

an = (1 + h)n ≥ 1 + nh −→ +∞e pelas sucessoes enquadradas conclui-se que lim an = +∞.

c) Considerando 0 < a < 1, a sucessao e agora decrescente; como1

a> 1, tem-se, pelo que atras se disse,

lim1

an= lim

(1

a

)n

= +∞

e portanto

lim an =1

lim(

1a

)n = 0.

d) Sendo agora −1 < a < 0, reconhece-se imediatamente que (an)nao e monotona (os termos de ordem par sendo positivos e os de

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2. Sucessoes e Series Reais 49

ordem ımpar negativos). Contudo, porque | an |= | a |n com0 <| a |< 1, resulta que lim | an |= lim | a |n = 0 e portantolim an = 0 (cf. (2.1.8.), (1.)).

e) Enfim, se a < −1, a sucessao tem de novo termos alternadamentepositivos e negativos; tal como em b), an e ilimitada: | an |= | a |ncom | a |> 1, o que nos leva a concluir que a sucessao, neste caso,nao e monotona nem admite limite em R.

4. Seja xn 6= 0 a partir de certa ordem. Existindo n0 ∈ N e c ∈ R taisque ∣

∣∣∣

xn+1

xn

∣∣∣∣≤ c < 1, n > n0,

entao lim xn = 0. Tendo-se,∣∣∣∣

xn+1

xn

∣∣∣∣≥ c > 1, n > n0,

entao lim |xn| = +∞. Com efeito, no primeiro caso, a sucessao |xn| eestritamente decrescente e portanto convergente ja que, 0 ≤ |xn+1| ≤c|xn| < |xn|; pondo a = lim |xn|, vem entao 0 ≤ a ≤ c.a o que implicaque a = lim |xn| = 0 (se fosse a > 0 vinha c ≥ 1, negando a hipotese)e logo lim xn = 0. Analogamente se conclui no segundo caso. Comoaplicacao imediata, resulta que

liman

n!= 0 (a ∈ R); lim

np

n!= 0 (p ∈ N).

5. Dado a ∈ R, com −1 < a < 1, considere-se a sucessao xn =

1 + a + a2 + · · ·+ an =1 − an+1

1 − a, soma dos n + 1 primeiros termos de

uma progressao geometrica de razao a 6= 1. Se 0 ≤ a < 1, a sucessaoe crescente, ja que xn+1 = xn + an+1; se −1 < a < 0, a sucessao deixade ser monotona. No entanto, em qualquer dos casos, tem-se:

limxn = lim (1 + a + a2 + · · · + an) =1

1 − a.

6. E particularmente importante em Analise a sucessao de termo geral

an = 1 +1

1!+

1

2!+ · · · + 1

n!.

Trata-se claramente de uma sucessao crescente e alem disso limitada,dado que

an < 1 + 1 +1

2+

1

2.2+ · · · + 1

2n−1< 1 +

1 − (1/2)n

1/2< 3, ∀n ∈ N.

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50 2. Sucessoes e Series Reais

7. Consideremos agora a sucessao de termo geral bn =

(

1 +1

n

)n

. A

formula do binomio de Newton (cf. exercıcio 17, Cap.1) da-nos:

bn =

(

1 +1

n

)n

=

= 1 + n.1

n+

n(n − 1)

2!

1

n2+ · · · + n(n − 1) . . . 2.1

n!

1

nn,

ou seja

bn = 1 + 1 +1

2!

(

1 − 1

n

)

+1

3!

(

1 − 1

n

)(

1 − 2

n

)

+ · · ·+

+1

n!

(

1 − 1

n

)(

1 − 2

n

)

· · ·(

1 − n − 1

n

)

.

Desta ultima representacao se ve que bn e soma de parcelas positivas,cada uma das quais crescente com n. Como o numero de parcelastambem cresce com n, logo se conclui que (bn) e sucessao crescente.Constata-se ainda que bn < an < 3, em que (an) e a sucessao referidano exemplo anterior.Assim, as duas sucessoes consideradas sao ambas crescentes e limitadase portanto convergentes. Como bn < an para todo o n, resulta desdelogo que lim bn ≤ lim an. Por outro lado, fixando p ∈ N, tem-se paratodo o n > p,

bn ≥ 1 + 1 +1

2!

(

1 − 1

n

)

+1

3!

(

1 − 1

n

)(

1 − 2

n

)

+ · · ·+

+1

p!

(

1 − 1

n

)(

1 − 2

n

)

· · ·(

1 − p − 1

n

)

.

Passando ao limite n → ∞ (e mantendo p fixo) ve-se que o segundomembro da anterior desigualdade converge para ap. A proposicao2.1.6. garante agora que lim bn ≥ ap para todo o p ∈ N. Passandode novo ao limite, agora em p → ∞, a mesma proposicao permite-nosconcluir que lim bn ≥ lim an. Logo,

e = lim

(

1 +1

n

)n

= lim

(

1 +1

1!+

1

2!+ · · · + 1

n!

)

.

Mais tarde veremos a importancia que este numero e, irracional etranscendente(*), desempenha.

(*) Um numero a∈R diz-se algebrico se for solucao de uma equacao algebrica Pn(x)=0

em que Pn(x) representa um polinomio de grau n com coeficientes inteiros; diz-se que a

e transcendente se nao for algebrico.

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2. Sucessoes e Series Reais 51

8. Sucessoes definidas por recorrencia ou sucessoes recorrentes sao fre-quentes (especialmente em analise numerica). A sua definicao assentano princıpio da inducao: conhecidos os termos x1, . . . , xn da sucessao,o termo xn+1 e expresso em funcao daqueles. Em particular, umasucessao recorrente fica definida por

{x1 = axn+1 = f(xn), n ≥ 1

em que f e uma dada funcao e a ∈ D(f); (naturalmente, a condicaoxn ∈ D(f), deve ser satisfeita para todo o n).Mas recorrentes sao ainda as sucessoes:

{x1 = a > 0, y1 = b > 0

xn+1 =1

2(xn + yn), yn+1 =

2xnyn

xn + yn

(1)

Vejamos, neste exemplo, o comportamento das sucessoes. Repare-seque a formula recorrente (1) esta bem definida, isto e, xn +yn 6= 0, ∀n.Com efeito, por inducao, facilmente se ve que xn > 0 e yn > 0, ∀n.De (1) resulta entao que

xn+1yn+1 = xnyn,yn+1

yn=

xn

xn+1, ∀n (2)

e logo

xnyn = x1y1 = ab, ∀n. (3)

Por outro lado, yn+1 ≤ xn+1, n ≥ 1, dado que

xn+1 − yn+1 =(xn + yn)2 − 4xnyn

2(xn + yn)=

(xn − yn)2

2(xn + yn)≥ 0

e logo, resulta de (1) que xn+1 ≤ xn, n > 1, e sucessao monotonadecrescente e de (2) sai que (yn) e monotona crescente. Comoyn ≤ xn, n > 1, conclui-se que lim yn = y ≤ x = limxn. Passandoao limite a primeira formula recorrente em (1), obtemos 2x = x + you seja x = y = l e finalmente de (3) obtemos l2 = ab; assim,l = limxn = lim yn =

√ab.

A definicao seguinte tem consideravel importancia teorica, na medidaem que permite estabelecer uma condicao necessaria e suficiente de con-vergencia de uma sucessao em R.

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52 2. Sucessoes e Series Reais

2.1.11. Definicao. Diz-se que uma sucessao (xn) em R e uma sucessao

de Cauchy se para todo o δ > 0, existe uma ordem p ∈ N tal que

| xn+k − xn |< δ para todo n > p e todo k ∈ N.

A definicao precedente e claramente equivalente a esta outra: a sucessao(xn) e de Cauchy se

∀δ > 0, ∃p ∈ N : | xm − xn |< δ ∀m, n > p.

Observacao. Da definicao de sucessao de Cauchy, resulta imediatamenteque a sucessao un = xn+k − xn (fixando k ∈ N qualquer) e convergentepara 0. Tenha-se, no entanto, o cuidado de nao cair no erro (por vezesfrequente) de definir uma sucessao de Cauchy como uma sucessao (xn) talque xn+k − xn converge para 0 (n → ∞), ∀k ∈ N (veja-se o proximoexemplo 4.).

2.1.12. Teorema (Princıpio de Cauchy-Bolzano).A condicao neces-saria e suficiente para que uma sucessao (xn) em R seja convergente e que(xn) seja uma sucessao de Cauchy.

Demonstracao. A condicao e necessaria: sendo xn → a ∈ R umasucessao convergente em R, dado δ > 0, existe um p ∈ N tal que

| xn − a |< δ

2, ∀n > p. Logo,

| xm − xn |= | xm − a + a − xn | ≤ | xm − a | + | xn − a |< δ

2+

δ

2= δ,

para todo m, n > p, e portanto (xn) e de Cauchy.

Condicao suficiente: Seja entao (xn) uma sucessao de Cauchy etomemos δ = 1. Da definicao resulta, em particular, que existe p ∈ Ntal que | xn − xm |< 1 para todo m, n > p e logo

| xn | − | xm |< | xn − xm |< 1,

o que implica| xn |< 1+ | xm | .

Fixando m > p, ve-se que o conjunto {xp+1, xp+2, · · ·} e limitado e portantoo mesmo sucede ao conjunto {xn} dos termos da sucessao. Para cadan ∈ N, ponha-se

αn = infk>n

{xk}, βn = supk>n

{xk};

(αn, βn ∈ R pelo princıpio do supremo e do ınfimo).

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2. Sucessoes e Series Reais 53

E facil constatar que

[αn, βn] ⊃ [αn+1, βn+1], ∀n.

Por outro lado, sendo (xn) de Cauchy, para cada δ > 0 existe n0 ∈ N tal

que xn0− δ

2< xk < xn0

2para todo k > n0, donde

xn0− δ

2≤ αn0

≤ βn0≤ xn0

2

e portantoβn − αn ≤ βn0

− αn0≤ δ (n > n0).

Daqui resulta que existe um unico elemento a ∈⋂

[αn, βn]. Tem-se,

finalmente, [αn0, βn0

] ⊂ [a − δ, a + δ] e e obvio que para k > n0,

xk ∈ [αn0, βn0

] ⊂ [a − δ, a + δ] ,

o que mostra que xn → a.

2.1.13. Exemplos.

1. A sucessao xn =1

ne de Cauchy ja que,

∣∣∣∣

1

n + k− 1

n

∣∣∣∣≤ 1

n + k+

1

n<

δ

2+

δ

2= δ, ∀k = 1, 2, . . . ,

desde que1

n<

δ

2, ou seja n > n0 ≥ 2

δ.

2 A sucessao

xn =sin 1

2+

sin 2

22+ · · · + sin n

2n

satisfaz:

|xn+p − xn| =

∣∣∣∣

sin(n + p)

2n+p+ · · · + sin(n + 1)

2n+1

∣∣∣∣≤

≤ 1

2n+p+ · · · + 1

2n+1=

1

2n+1

(

1 + · · · + 1

2p−1

)

=

=1

2n+1.1 − 1/2p

1 − 1/2<

1

2n< δ, ∀p

desde que n > n0 = n0(δ). A sucessao (xn) e portanto de Cauchy elogo convergente.

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54 2. Sucessoes e Series Reais

3. Consideremos agora a sucessao dada por recorrencia,

{x1 = 1

xn+1 = 1 +1

xn.

Mostre que se tem |xn+2 − xn+1| ≤1

2|xn+1 − xn|. Mostre em seguida

que xn e convergente e calcule o seu limite.

Como xn ≥ 1, logo se ve pela formula de recorrencia que xn+1xn =xn + 1 ≥ 2. Entao

|xn+2 − xn+1| =

∣∣∣∣1 +

1

xn+1−(

1 +1

xn

)∣∣∣∣

=

=

∣∣∣∣

xn+1 − xn

xn+1xn

∣∣∣∣≤ 1

2|xn+1 − xn|.

Resulta agora facilmente que, para n ≥ 1,

|xn+1 − xn| ≤(

1

2

)n−1

|x2 − x1| =

(1

2

)n−1

.

Mostramos finalmente que (xn) e de Cauchy e logo convergente. Comefeito,

|xn+p − xn| ≤ |xn+p − xn+p−1| + · · · + |xn+1 − xn| ≤

≤(

1

2

)n+p−2

+ · · · +(

1

2

)n−1

=

=

(1

2

)n−1[

1 + · · · +(

1

2

)p−1]

,

e tal como no exemplo anterior, conclui-se que |xn+p − xn| <(1/2)n−2 < δ, ∀p, desde que n > n(δ). Logo, (xn) e de Cauchy eportanto convergente: limxn = x. Passando ao limite na formula derecorrencia, obtemos x = 1 + 1/x, pelo que x = (1 ±

√5)/2; como

xn ≥ 1 logo se conclui que x = limxn = (1 +√

5)/2.

4. Considere-se a sucessao

Sn = 1 +1

2+ · · · + 1

n.

Verifica-se que

| S2n − Sn |= 1

n + 1+ · · · + 1

n + n>

n

n + n=

1

2∀n ∈ N,

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2. Sucessoes e Series Reais 55

o que mostra que (Sn) nao e sucessao de Cauchy. No entanto, fixandok ∈ N qualquer, a sucessao

Sn+k − Sn =1

n + 1+ · · · + 1

n + k

converge evidentemente para 0 quando n → ∞. A sucessao (Sn)nao sendo de Cauchy nao sera convergente. No paragrafo seguintevoltaremos a referir esta sucessao.2.2. S�eries reais. Generalidades e primeiros resultados.O conceito de serie aparece para dar significado matematico a grosseira

expressao de “soma infinita” de numeros reais: u0 + u1 + · · · + un + · · ·.O que esta subjacente e de novo a nocao de limite. Seguidamente apre-sentaremos as primeiras definicoes, alguns exemplos e resultados gerais; aquestao da convergencia e dos seus criterios tera adequado desenvolvimentonum futuro capıtulo.

2.2.1. Definicao. Designa-se por serie real todo o par formado porduas sucessoes(*) em R, (un) e (Sn), em que

Sn = u0 + u1 + · · · + un.

Os reais u0, u1, · · ·, chamam-se termos da serie, sendo un chamadotermo geral da serie. A sucessao Sn = u0 +u1 + · · ·+un designa-se porsucessao associada ou sucessao das somas parciais. Correntementeas series sao representadas por

n≥0

un ou

+∞∑

n=0

un ou∑

un.

2.2.2. Definicao. A serie∑

un diz-se convergente se a sucessao das

somas parciais, Sn = u0 + u1 + · · · + un, for convergente; caso contrario aserie diz-se divergente. Se a serie e convergente, o limite

S = limSn = lim(u0 + u1 + · · · + un)

diz-se a soma da serie e escreve-se

S =+∞∑

n=0

un = u0 + u1 + · · · + un + · · · .

(*) As sucessoes poderao ser indiciadas nao so em n∈N0 = {0,1,2,...}, mas tambem em

N ou ainda, mais geralmente, em Nk = {k,k+1,k+2,···}.

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56 2. Sucessoes e Series Reais

O estudo das series comporta dois grande temas: determinacao daconvergencia ou divergencia da serie e, sendo a serie convergente, o calculoda sua soma. Esta ultima questao e de dificuldade consideravel podendomesmo ser impossıvel o calculo exacto da soma da serie (recorre-se nestecaso a aproximacao numerica). O problema da convergencia das series euma questao central da analise classica, obtendo-se importantes resultados,particularmente em certas classes de series (por ex. as series de termospositivos), que mais tarde trataremos com algum desenvolvimento.

2.2.3.Proposicao (Condicao de Cauchy). A condicao necessaria esuficiente para que uma serie

∑un seja convergente e que para todo o

δ > 0, exista uma ordem p ∈ N tal que

| Sn+k − Sn |=| un+1 + · · · + un+k |< δ,

para todo o n > p e para cada k ∈ N.

A proposicao anterior resulta trivialmente do teorema 2.1.12.. Emparticular, fazendo k = 1, ve-se que (un+1), e logo (un), e convergente parazero, pelo que

2.2.4. Corolario (Condicao necessaria de convergencia). Se∑

un

e uma serie convergente entao un → 0.

Repare-se que a condicao un → 0 e necessaria mas nao e suficiente

da convergencia da serie. Com efeito, um exemplo notavel e dado pelaserie, designada por serie harmonica,

1 +1

2+ · · · + 1

n+ · · · =

n≥1

1

n.

Trata-se de uma serie divergente, tendo-se contudo un = 1/n → 0 (cf. ex.1.seguinte). O corolario anterior e especialmente importante na pratica, namedida em que estabelece uma condicao suficiente de divergencia de umaserie, a saber:

uma serie∑

un e divergente se o seu termo geral un nao convergepara 0.

E claro que a serie∑

n≥0

un e convergente se e so se a serie∑

k≥n+1

uk ≡

un+1 + un+2 + · · · for convergente e neste caso, escrevendo S =∑

un e

Rn =∑

k≥n+1

uk, tem-se

S − Sn = Rn.

Em caso de convergencia, Rn diz-se o resto de ordem n da serie∑

un eo seu valor absoluto, |Rn|, determina o erro obtido ao substituir S por Sn.

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2. Sucessoes e Series Reais 57

Dado que Sn → S ⇐⇒ Rn → 0 e nao sendo elementar o calculo da somada serie, e entao razoavel ter-se uma estimativa do erro

|S − Sn| = |Rn| ≤ ǫn,

tanto “mais fina” quanto menor for ǫn. Alguns exemplos serao apresenta-dos.

2.2.5. Exemplos.

1. A serie harmonica∑

n≥1

1

ne divergente ja que a sua sucessao

associada,

Sn = 1 +1

2+ · · · + 1

n,

nao e de Cauchy (cf. exemplo 4.(2.1.13.)). Dado que Sn e crescenteter-se-a obrigatoriamente, lim Sn = +∞.

2. Serie geometrica. A serie

1 + a + a2 + · · · + an + · · · =

+∞∑

n=0

an

e chamada serie geometrica de razao a ∈ R. A sucessao das somasparciais sera naturalmente:

Sn = 1 + a + · · · + an =1 − an+1

1 − a,

se a 6= 1, e se a = 1, Sn = 1 + · · · + 1 = n + 1.Se for | a |< 1, porque an → 0 (cf. exemplo 3.(2.1.10.)), a serie resultaconvergente com soma

S =1

1 − a.

Se | a |≥ 1, entao | a |n≥ 1 e portanto o termo geral an nao podeconvergir para 0, sendo a serie divergente.

3. Considere-se a serie

+∞∑

n=1

1

n(n + 1). O termo geral da serie pode

escrever-se un =1

n− 1

n + 1e logo a sucessao das somas parciais toma

a forma

Sn =

(

1 − 1

2

)

+

(1

2− 1

3

)

+ · · · +(

1

n− 1

n + 1

)

= 1 − 1

n + 1.

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58 2. Sucessoes e Series Reais

Conclui-se facilmente que a serie e convergente e tem soma igual a 1.Trata-se de um caso particular de uma classe de series,

∑un, em que

o termo geral e da forma un = αn − αn+1. As somas parciais,

Sn = (α1 − α2) + (α2 − α3) + · · · + (αn − αn+1) = α1 − αn+1,

sao convergentes se e so se αn tem limite finito, sendo neste caso asoma da serie igual a α1 − limαn. Tais series sao conhecidas pelonome de series de Mengoli.

Propriedades algebricas das series. Sao de simples demonstracao asproposicoes que em seguida enunciamos.

2.2.6. Proposicao. Sejam∑

un e∑

vn duas series tais que un = vn apartir de certa ordem p ≥ 0. Entao as series sao da mesma natureza, istoe, sao ambas convergentes ou ambas divergentes.

2.2.7. Proposicao. Se existe k ∈ N tal que vn = un+k, a partir de certaordem, entao as series

∑un e

∑vn sao da mesma natureza.

2.2.8. Proposicao. Sejam∑

un e∑

vn duas series convergentes desomas U e V respetivamente. Entao:a)∑

(un + vn) e convergente e a sua soma igual a U + V ;

b) para cada real λ ∈ R,∑

λun e convergente e a sua soma igual a λU .

A demonstracao das proposicoes precedentes e deixada como exercıcio.

Observacao. Poder-se-ia igualmente pensar que, sendo∑

un e∑

vn

series convergentes, a serie∑

unvn seria ainda convergente; nao e demaneira nenhuma o caso. Mais adiante regressaremos a este assunto.

2.2.9. Series de termos positivos.

Uma serie∑

un diz-se de termos positivos se un ≥ 0, ∀n ∈ N.Tendo-se apenas un ≥ 0 para n ≥ p, esta serie e da mesma naturezaque uma serie de termos positivos, bastando para isso alterar o sinaldos p primeiros termos de forma a torna-los positivos (cf.(2.2.6.)). Nestagrande classe de series, o estudo da convergencia (e divergencia) torna-se mais simples, obtendo-se criterios que serao apresentados de formasistematica num futuro capıtulo. De momento apresentamos os seguintesdois resultados de grande generalidade:

2.2.10. Proposicao. Uma serie∑

un de termos positivos e convergentese e so se a sucessao das somas parciais for limitada.

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2. Sucessoes e Series Reais 59

Demonstracao. Basta observar que, sendo un ≥ 0 para todo o n, asucessao das somas parciais Sn = u0 + · · ·+ un e crescente e portanto seraconvergente se e so se for limitada.

2.2.11. Proposicao. Sejam∑

un e∑

vn series de termos positivos taisque un ≤ vn para n ≥ p. Entao

∑vn convergente =⇒∑

un convergente.∑

un divergente =⇒∑vn divergente.

Demonstracao. Podemos supor un ≤ vn para todo o n que nao ha perdade generalidade (veja-se 2.2.6.). Sendo

Un = u0 + · · · + un e Vn = v0 + · · · + vn

as respetivas somas parciais, tem-se Un ≤ Vn. Entao, tendo em conta aproposicao precedente:

∑vn convergente ⇐⇒ Vn limitada ⇐⇒ Vn ≤ V

=⇒ Un ≤ Vn ≤ V =⇒ Un limitada ⇐⇒ Un convergente.

2.2.12. Exemplos

1. Analisemos a serie∑

n≥1

1

n2.

Trata-se naturalmente de uma serie de termos positivos; observandoque

1

n2≤ 1

(n − 1)n, n ≥ 2

resulta que a serie dada converge, ja que1

(n − 1)n=

1

n − 1− 1

ne termo

geral de uma serie de Mengoli convergente. Enfim, uma estimativa doresto resto de ordem n e facilmente obtida:

Rn =∑

k≥n+1

1

k2≤

k≥n+1

1

(k − 1)k=

1

n.

2. Sendo∑

un e∑

vn series de termos positivos convergentes, entao aserie

∑√unvn e convergente; basta observar que

√unvn ≤ 1

2(un + vn)

e aplicar as anteriores proposicoes 2.2.8. e 2.2.11.

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60 2. Sucessoes e Series Reais

Nao sendo∑

un de termos positivos e a parte alguns exemplos notaveis(de que se conhece a convergencia ou divergencia diretamente), tenta-seanalisar a serie dos modulos,

∑ |un|, esta de termos positivos. Isto motivaa seguinte definicao:

2.2.13. Definicao. A serie∑

un diz-se absolutamente convergente

se a serie∑ | un | for convergente.

A importancia desta nocao deriva da seguinte

2.2.14. Proposicao. Toda a serie,∑

un, absolutamente convergente econvergente e tem-se ∣

∣∣

un

∣∣∣ ≤

| un | .

Demonstracao. Consideremos Sn = u0 + · · ·+un e Sn = |u0|+ · · ·+ |un|,as sucessoes das somas parciais das series

∑un e

∑ |un|, respetivamente.Tem-se entao

| Sn+k − Sn | =| un+k + · · · + un+1 |≤

≤| un+k | + · · ·+ | un+1 |= Sn+k − Sn.(1)

Sendo∑

un absolutamente convergente, resulta da proposicao 2.2.3. quedado δ > 0 qualquer, existe uma ordem p ∈ N tal que Sn+k −Sn < δ, paratodo o n > p e para todo o k ∈ N. Mas entao por (1), obtem-se

| Sn+k − Sn |< δ ∀n > p ∀k ∈ N,

e logo, pela mesma proposicao,∑

un e convergente. Finalmente, notandoque

−Sn ≤ Sn ≤ Sn

obtem-se a conclusao passando ao limite n → ∞.

Veremos adiante que uma serie∑

un pode ser convergente sem serabsolutamente convergente. Neste caso, diz-se que a serie e simplesmente

convergente ou semi-convergente.

Dada a serie∑

un, ponha-se

{pn = un se un > 0pn = 0 se un ≤ 0

e

{qn = −un se un < 0qn = 0 se un ≥ 0

Tem-se claramente, un = pn − qn, |un| = pn + qn, ∀n; e tem-se ainda|un| = un + 2qn, |un| = 2pn − un. As series

∑pn e

∑qn dizem-se

respetivamente, a parte positiva e a parte negativa de∑

un;

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2. Sucessoes e Series Reais 61

sao evidentemente series de termos positivos (pn, qn ≥ 0). Como |un| =pn + qn, a serie

∑un e absolutamente convergente se e so se

∑pn e

∑qn

sao convergentes.Por outro lado, se

∑un e simplesmente convergente, entao

∑pn e

∑qn

divergem. Com efeito, se uma delas convergisse (∑

pn, por ex.), a serie∑

un seria absolutamente convergente, dado que |un| = 2pn − un.

2.2.15. Series alternadas. Series de Dirichlet.

Vejamos alguns resultados referentes a convergencia simples de certasseries notaveis.

2.2.16.Teorema (Abel, Dirichlet). Seja∑

un uma serie (nao necessari-amente convergente) cuja sucessao das somas parciais Sn = u0 + · · · + un

e limitada e seja (vn) uma sucessao decrescente com lim vn = 0. Entao aserie

∑unvn e convergente.

Demonstracao. Dado que |Sn| ≤ C, tem-se

|Sn+p − Sn| ≤ |Sn+p| + |Sn| ≤ 2C, ∀n, p ∈ N.

Por outro lado, se Wn sao as somas parciais de∑

unvn, tem-se

Wn+p − Wn = un+1vn+1 + · · · + un+pvn+p =

= un+1(vn+1 − vn+2) + (un+1 + un+2) (vn+2 − vn+3) + · · ·++ (un+1 + · · · + un+p) vn+p.

Mas como vn e decrescente e vn → 0, resulta

|Wn+p − Wn| ≤ 2C

p−1∑

k=1

(vn+k − vn+k+1) + 2Cvn+p = 2Cvn+1 < ε

∀n > n0 e ∀p, o que mostra que∑

unvn converge (cf. (2.2.3.)).

Corolario (Leibniz). Seja (un) uma sucessao decrescente com limun = 0.Entao a serie alternada

∑(−1)nun e convergente.

Demonstracao. Com efeito, a sucessao das somas parciais da serie(nao convergente)

∑(−1)n e claramente limitada. Como a sucessao un

e decrescente para 0 a conclusao segue-se do teorema.

Observacao. Tenha-se presente que a condicao un decrescente para 0 naopode ser retirada; sem a monotonia de un, a serie pode divergir: tomando

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62 2. Sucessoes e Series Reais

un =1

n(2 + (−1)n), convergente para 0 (mas nao de forma monotona), a

serie alternada∑

(−1)nun diverge (porque?).

2.2.17. Exemplos.

1. A serie∑

n≥1

(−1)n+1 1√n

e evidentemente uma serie alternada

convergente; nao e contudo absolutamente convergente, dado que aserie dos modulos tem como somas parciais:

Sn = 1 +1√2

+ · · · + 1√n≥ 1 +

1

2+ · · · + 1

n,

em que o segundo membro diverge para +∞ (cf.(2.2.5.) e (2.2.11.)).Assim, Sn → +∞ e a serie e apenas simplesmente convergente.

2. As series de Dirichlet

n≥1

sin(nx)

n(x ∈ R) e

n≥1

cos(nx)

n(x ∈ R, x 6= 2kπ),

sao convergentes, ja que as somas Sn = sin x+sin(2x)+ · · ·+sin(nx) eS′

n = 1+cosx+cos(2x)+ · · ·+cos(nx) sao limitadas; isto pode ver-sefacilmente utilizando o conhecimento dos numeros complexos. Comefeito, se x = 2kπ(k ∈ Z), e imediato para Sn ; se x 6= 2kπ, tem-se:

Sn = Im[1 + eix + (eix)2 + · · · + (eix)n

]= Im

[1 − (eix)n+1

1 − eix

]

,

com eix 6= 1(⇐⇒ x 6= 2kπ) e portanto, vem para todo n

| Sn |=∣∣∣∣Im

(1 − (eix)n+1

1 − eix

)∣∣∣∣≤∣∣∣∣

1 − (eix)n+1

1 − eix

∣∣∣∣≤ 2

| 1 − eix | .

Do mesmo modo se via a limitacao de S′n tomando a parte real.

2.2.18. Comutatividade e associatividade das series.

Comecemos por definir o que se entende por “alterar a ordem dostermos de uma serie”. Dada uma serie

∑un e uma bijecao ϕ : N0 → N0

(ou entao ϕ : N → N), a serie∑

vn em que vn = uϕ(n), n ∈ N0, diz-seuma reordenacao de

∑un.

Sendo∑

un uma serie convergente, coloca-se agora a questao de saberse uma (qualquer) reordenacao

∑vn, vn = uϕ(n), e ainda convergente e

em caso afirmativo se∑

un =∑

vn. A resposta e em geral negativa; um

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2. Sucessoes e Series Reais 63

classico contraexemplo e o seguinte: seja S a soma da serie alternada (econvergente)

∑(−1)n+11/n,

S = 1 − 1

2+

1

3− 1

4+

1

5− 1

6+ · · · =

∑(

1

2m − 1− 1

2m

)

= (1)

=∑

(1

4m − 3− 1

4m − 2+

1

4m − 1− 1

4m

)

(2)

Multiplicando (1) por 1/2 e somando (2) obtemos (cf. (2.2.8.))

3S

2= 1 +

1

3− 1

2+

1

5+

1

7− 1

4+ · · · =

∑(

1

4m − 3+

1

4m − 1− 1

2m

)

como soma de uma reordenacao da serie inicial. Assim, a alteracaoda ordem dos termos numa serie convergente, pode alterar a sua soma(e mesmo a sua natureza (cf.(2.2.22.)). Todavia, havendo convergenciaabsoluta da serie

∑un, os resultados sao positivos. E o que veremos de

seguida.

2.2.19. Definicao. Dada uma serie∑

un e uma aplicacao injetivaϕ : N0 → N0, a serie

∑vn, vn = uϕ(n), diz-se uma subserie de

∑un.

Em particular, se ϕ e bijetiva,∑

vn e uma reordenacao de∑

un.A serie

∑un diz-se comutativamente convergente, se toda a reor-

denacao de∑

un e convergente para a mesma soma.

2.2.20. Proposicao. Seja∑

un uma serie absolutamente convergente.Entao toda a subserie,

∑vn, e absolutamente convergente e

∣∣∣

vn

∣∣∣ ≤

|vn| ≤∑

|un|.

Demonstracao Seja ϕ : N0 → N0 uma aplicacao injetiva e vn = uϕ(n).Dado n ∈ N0, seja N = max{ϕ(1), . . . , ϕ(n)}. Entao

∣∣∣∣∣

n∑

k=0

vk

∣∣∣∣∣≤

n∑

k=0

|vk| ≤N∑

k=0

|uk| ≤∞∑

k=0

|uk|

o que implica a convergencia de∑n

k=0 |vk|. Logo∑

vn e absolutamenteconvergente e tem-se a desigualdade enunciada.

2.2.21. Proposicao. Toda a serie absolutamente convergente e comuta-tivamente convergente.

Demonstracao. Seja∑

un uma serie absolutamente convergente de somaS e

∑vn uma qualquer reordenacao: vn = uϕ(n). Para cada n, sendo

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64 2. Sucessoes e Series Reais

Un = u0 + · · · + un as somas parciais de∑

un, existe naturalmente Nsuficientemente grande (N = max{ϕ−1(1), . . . , ϕ−1(n)}) tal que VN =v0 + · · · + vN contenha todos os termos de Un. Entao

|Un − VN | ≤∞∑

k=n+1

|uk| = Rn

em que Rn representa a soma do resto de ordem n da serie dos modulos,∑ |un|, convergente por hipotese. Como Rn → 0 e Un → S, obtem-se∑

vn = S como se queria.

A recıproca e tambem verdadeira. E consequencia do notavel teoremade Riemann:

2.2.22.Teorema (Riemann). Seja∑

un uma serie simplesmente con-vergente. Entao, para todo o A ∈ R, existe uma reordenacao de

∑un,

digamos∑

vn, tal que∑

vn = A.

O leitor interessado podera ver a demonstracao do precedente teorema emalgumas das obras citadas na bibliografia ([4], [6] ou [8], por exemplo).

2.2.23. Concluimos este tema com alguns comentarios sobre a associativi-dade nas series (ou introducao de parenteses nos seus termos). Seja

un ≡ u0 + u1 + u2 + · · ·

uma serie convergente e consideremos, por exemplo, a nova serie

(u0 + u1︸ ︷︷ ︸

v0

) + (u2 + u3︸ ︷︷ ︸

v1

) + · · · + (u2n + u2n+1︸ ︷︷ ︸

vn

) + · · ·

A sucessao associada da nova serie, Vn = v0 + · · · + vn, e claramente umasubsucessao de Un (Vn = U2n+1) e logo, dado que Un converge para a somaS =

∑un, tambem Vn converge para o mesmo limite. Assim, a introducao

de parenteses numa serie convergente conduz a uma nova serie tambemconvergente e com a mesma soma da original.Todavia, o procedimento inverso nao conserva necessariamente a con-vergencia. Um exemplo flagrante e o seguinte: escreva-se

∑un, serie con-

vergente, como

(u0 + 1 − 1) + (u1 + 1 − 1) + (u2 + 1 − 1) + · · ·

Eliminando os parenteses, obtemos a serie

u0 + 1 − 1 + u1 + 1 − 1 + · · ·

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2. Sucessoes e Series Reais 65

claramente divergente, dado que o termo geral nao tende para zero.

2.2.24. Produto de series.

Sejam∑

un e∑

vn duas series convergentes. Nao e de esperar quea serie

∑unvn seja convergente (por exemplo, un = vn = (−1)n 1/

√n);

mas mesmo sendo convergente, a sua soma nao e igual (necessariamente)ao produto das somas de

∑un e

∑vn. Ja no caso elementar de uma soma

finita, tem-se em geral

n∑

k=1

ukvk 6=(

n∑

k=1

uk

)

.

(n∑

k=1

vk

)

.

Um dos resultados centrais da multiplicacao de series e expresso no teoremaque segue:

2.2.25.Teorema. Sejam∑

un e∑

vn duas series absolutamente conver-gentes. Seja

wn =∑

i+j=n

uivj = u0vn + u1vn−1 + · · · + un−1v1 + unv0, n ≥ 0.

Entao, a serie∑

wn e absolutamente convergente e tem-se

wn =(∑

un

)

.(∑

vn

)

.

A serie∑

wn diz-se o produto de Cauchy das series∑

un e∑

vn.

Demonstracao. Representemos por Un, Vn, Wn, as somas parciais de∑

un,∑

vn e∑

wn respetivamente e por Un, V n, Wn as somas parciaisdas correspondentes series dos modulos. E claro que

Wn ≤ Un.V n ≤ U.V , ∀n

em que U =∑ |un| e V =

∑ |vn|. Logo,∑

wn e absolutamente convergente,ja que a sucessao Wn e limitada.Por outro lado, para cada n e m ≥ 2n, todos os produtos de Un.Vn

encontram-se em Wm e logo, a diferenca Wm − UnVn apenas compreendeprodutos uivj em que i > n ou j > n. Fazendo, no primeiro caso,|uivj | ≤ |ui|.V e no segundo, |uivj | ≤ U.|vj |, obtemos

|Wm − UnVn| ≤∑

k>n

|uk|V + U∑

k>n

|vk|.

Passando ao limite, n → ∞, tem-se o resultado: Wm → W = UV.

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66 2. Sucessoes e Series Reais

Observacoes. Repare-se que a serie produto de Cauchy,∑

wn, fazintervir todos os produtos uivj , mas ordenados e associados de formaparticular (o termo wn e a soma de todos os uivj com i + j = n).Pode no entanto mostrar-se (cf.[6]) que, sendo

∑un e

∑vn absolutamente

convergentes para U e V , respetivamente, e sendo∑

tn a serie formada portodos os produtos uivj ordenados de forma arbitraria, esta serie e aindaabsolutamente convergente para UV .Qual entao o interesse da escolha particular da serie produto de Cauchy?A razao e que esta serie verifica um certo numero de resultados de grandegeneralidade. Apenas enunciamos dois desses resultados (cf.[6]):

i. Se∑

un,∑

vn e∑

wn (produto de Cauchy) convergem para U, V eW respetivamente, tem-se W = UV .

ii. Se∑

un converge para U e∑

vn converge absolutamente para V , entao∑

wn converge absolutamente para W = UV .

2.2.26. Exemplos

1. O produto de Cauchy da serie∑

n≥0

(−1)n

√n + 1

por si propria diverge. Com

efeito, o termo geral do produto de Cauchy escreve-se

wn = (−1)n

[1√

n + 1+

1√2.

1√n

+ · · · + 1√n

.1√2

+1√

n + 1

]

.

Em particular,

w2n =1√

2n + 1+ · · · + 1√

n + 1.

1√n + 1

+ · · · + 1√2n + 1

.

Logo, w2n ≥ 2n + 1√n + 1

√n + 1

que nao converge para zero, e a serie∑

wn e divergente.

2. Procuremos a natureza da serie

1√2 − 1

− 1√2 + 1

+1√

3 − 1− 1√

3 + 1+

1√4 − 1

− · · ·

Associando os termos dois a dois, obtem-se a nova serie

2

1+

2

2+

2

3+ · · · + 2

n+ · · · ,

a qual diverge (serie harmonica). Recordando o que se disse sobre aassociatividade dos termos de uma serie (cf.(2.2.23.)), a serie inicialtera de divergir (caso contrario, esta ultima convergia).

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2. Sucessoes e Series Reais 672.3. Elementos de topologia em R.A nocao basica da topologia e a nocao de vizinhanca. Em seguida

definimos vizinhanca de um ponto a ∈ R e logo aı veremos a ıntima relacaoentre este conceito e o de limite.

2.3.1. Definicao. Seja a ∈ R um numero real; chama-se vizinhanca decentro a e raio ε e representa-se por Vε(a), ao intervalo aberto ]a−ε, a+ε[.

Assim, x ∈ Vε(a) =]a − ε, a + ε[ se e so se | x − a |< ε.

Observacao. A definicao de limite de uma sucessao pode agora serreformulada do seguinte modo: xn → a se e so se

para todo ε > 0, existe p ∈ N tal que n > p =⇒ xn ∈ Vε(a).

2.3.2. Definicao. Seja X ⊂ R um subconjunto nao vazio; um pontoa ∈ R diz-se interior a X se existe uma vizinhanca Vε(a) tal queVε(a) ⊂ X. O ponto a diz-se exterior a X se existe uma vizinhancaVε(a) tal que Vε(a) ∩ X = ∅. Um ponto diz-se fronteiro a X se nao forinterior nem exterior, isto e, ∀ε > 0, Vε(a) ∩X 6= ∅ e Vε(a)∩ (R \X) 6= ∅.

O conjunto dos pontos interiores de um conjunto X chama-se interior

de X e representa-se por int (X); o conjunto dos pontos exteriores diz-se oexterior de X e representa-se por ext (X); enfim, o conjunto dos pontosfronteiros de X diz-se a fronteira de X e representa-se por fr (X).Da definicao resulta imediatamente que int (X), ext (X) e fr (X) sao con-juntos disjuntos dois a dois e int (X) ∪ ext (X) ∪ fr (X) = R. Da definicaose ve ainda que

ext (X) = int (R \ X) e fr (X) = fr (R \ X).

2.3.3. Exemplos.

1. Considerando o intervalo aberto X =]a, b[, e imediato verificar queint (X) = X, fr (X) = {a, b} e ext (X) = R \ [a, b].

2. Se X = {x1, x2, · · · , xn} ⊂ R e um conjunto finito, tem-senaturalmente: fr (X) = X, int (X) = ∅ e ext (X) = R \ X .

3. Se X = Q, e claro que fr (X) = R, int (X) = ∅ e ext (X) = ∅.

2.3.4. Definicao. Um conjunto A ⊂ R nao vazio diz-se aberto

se int (A) = A, isto e, A e formado apenas por pontos interiores.Convenciona-se que o conjunto ∅ e aberto.

E um exercıcio bastante simples a demonstracao do seguinte resultado:

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68 2. Sucessoes e Series Reais

2.3.5. Proposicao. A famılia A dos conjuntos abertos de R satisfaz asseguintes propriedades:

i) ∅,R ∈ A.

ii) Se Ai ∈ A(i ∈ I) entao⋃

i∈I

∈ A (a uniao de um qualquer numero de

abertos e aberto).

iii) Se A1, . . . , An ∈ A entao

n⋂

i=1

Ai ∈ A (a intersecao de um numero finito

de abertos e aberto).

Observacao. Repare-se que a intersecao de um numero qualquer deabertos pode nao ser aberto; por exemplo, se An = ]−1/n, 1/n[, tem-se∞⋂

n=1

]−1/n, 1/n[ = {0}, que nao e aberto.

2.3.6. Definicao. Um ponto a ∈ R diz-se um ponto aderente aoconjunto X ⊂ R (X 6= ∅) se para todo ε > 0, Vε(a) ∩ X 6= ∅.O conjunto dos pontos aderentes a X chama-se fecho ou aderencia de Xe representa-se por X. Assim,

a ∈ X ⇐⇒ ∀ε > 0, Vε(a) ∩ X 6= ∅.

Observacao. Resulta trivialmente da definicao que X ⊂ X. Reciproca-mente, se a ∈ X \ X entao a e fronteiro, o que nos permite concluir:

X = X ∪ fr (X) = int (X) ∪ fr (X).

2.3.7. Definicao. Um conjunto nao vazio F ⊂ R diz-se fechado secontem todos os pontos aderentes, ou seja, F = F . Admite-se que oconjunto vazio e fechado.

2.3.8. Exemplos.

1. Seja F ⊂ R um conjunto fechado, isto e, F = F = int (F ) ∪ fr (F ).Entao, R \ F = ext (F ) = int (R \ F ) e portanto R \ F e aberto.Reciprocamente, se A ⊂ R e aberto tem-se:

R \ A = R \ int (A) = ext (A) ∪ fr (A) == int (R \ A) ∪ fr (R \ A) = R \ A

e logo R \ A e fechado. Assim:

Um conjunto A ⊂ R e aberto se e so se R \ A e fechado.Um conjunto F ⊂ R e fechado se e so se R \ F e aberto.

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2. Sucessoes e Series Reais 69

2. O conjunto X = {1, 12 , . . . , 1

n , . . .} nao e evidentemente aberto ja quetodo o ponto de X e fronteiro; por outro lado 0 e ainda ponto aderentede X : basta observar que 1

n → 0 e portanto toda a vizinhanca de 0contem pontos de X . Enfim, o leitor pode mostrar sem dificuldadeque X = X ∪ {0}.3. Um conjunto X ⊂ R diz-se denso em R se X = R. Os conjuntos Qe R \ Q sao densos. Com efeito, para todo o real a, existem racionaise irracionais em Vε(a) =]a − ε, a + ε[ o que significa que Q = R eR \ Q = R

4. Um ponto a ∈ X diz-se isolado se existe ε > 0 tal queVε(a) ∩ X = {a}. O conjunto referido no anterior exemplo 2. eclaramente formado apenas por pontos isolados.

5. Seja X um subconjunto fechado e majorado de R e seja L = supX .Da definicao de supremo sai que ∀δ > 0, existe um elemento x ∈ X talque L − δ < x ≤ L, e portanto Vδ(L) ∩ X 6= ∅; ou seja, L ∈ X = X eo supremo de X e maximo.

Analogamente, se X e fechado e minorado entao inf X = min X ∈ X .

2.3.9. Proposicao. Seja X ⊂ R um subconjunto nao vazio. Entaoa ∈ X se e so se e limite de uma sucessao de pontos de X .

Demonstracao. Se a ∈ X, entao existem pontos xn ∈ V1/n(a) ∩ X ; logo| xn − a |≤ 1/n, e xn converge para a. A recıproca resulta imediatamenteda definicao de limite.

2.3.10. Definicao. Um elemento a ∈ R diz-se um ponto de acu-

mulacao do conjunto X ⊂ R (X 6= ∅) se para todo ε > 0 existe pelomenos um x ∈ X, x 6= a, tal que x ∈ Vε(a), isto e, para todo ε > 0,

(Vε(a) \ {a}) ∩ X 6= ∅.

O conjunto dos pontos de acumulacao de um conjunto X designa-se porconjunto derivado e representa-se por X ′.

Observacoes. 1. Repare-se que a definicao precedente e equivalente aesta outra:

um ponto a ∈ R e ponto de acumulacao do conjunto X se e so se para todoε > 0 existem infinitos pontos de X em Vε(a);

com efeito, se (Vε(a) \ {a}) ∩ X = {x1, . . . , xn}, fazendo

δ = min{| a − x1 |, . . . , | a − xn |}

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70 2. Sucessoes e Series Reais

logo se ve que a vizinhanca Vδ(a) nao contem pontos de X diferentes dea, contrariando a definicao de ponto de acumulacao. Em consequencia,conjunto finito nao tem pontos de acumulacao.Da definicao resulta ainda imediatamente que um ponto a ∈ X ou e pontoisolado ou ponto de acumulacao de X .

2. Tenha-se em atencao a diferenca entre ponto de acumulacao e pontoaderente: se bem que todo o ponto de acumulacao seja aderente nem todoo ponto aderente a um conjunto e de acumulacao; por ex., se X e umconjunto finito, todos os pontos de X sao aderentes embora nao haja pontosde acumulacao. Porem, e um simples exercıcio mostrar que se X ⊂ R(X 6= ∅), entao:

X ∪ X ′ = X ∪ fr (X) = X .

3. Reconhece-se sem dificuldade que o raciocınio da proposicao 2.3.9. seaplica identicamente para mostrar que:

a e ponto de acumulacao de um conjunto X se e so se e limite de umasucessao de elementos de X diferentes de a.

Seja dada a sucessao (xn) : n ∈ N → xn ∈ R, e considere-se umaaplicacao n ∈ N → αn ∈ N estritamente crescente. A composicao dasduas aplicacoes

n ∈ N −→ αn ∈ N −→ xαn∈ R

chama-se subsucessao de (xn) e representa-se por (xαn). Assim (x2n) e a

subsucessao dos termos pares e (x2n+1) e a subsucessao dos termos ımpares.Se xαn

→ a ∈ R, diz-se que a e sublimite de (xn). Por exemplo, tomando

a sucessaon

2 + (−1)nn, e imediato verificar que

x2n =2n

2 + 2n−→ 1 e x2n+1 =

2n + 1

2 − (2n + 1)−→ −1.

Da definicao de limite, resulta naturalmente que se (xn) tem limite, todosos sublimites de (xn) coincidem com o limite.

A proposicao seguinte poe em evidencia a relacao entre sublimite de(xn) e ponto de acumulacao de {xn}.2.3.11. Proposicao. O numero real a ∈ R e sublimite de (xn) se e sose a e um elemento da sucessao que se repete infinitas vezes ou e ponto deacumulacao do conjunto dos termos {xn}.Demonstracao. Seja a = limxαn

, sublimite de (xn). Se a nao e umelemento de (xn) que se repete infinitas vezes, entao xαn

6= a a partir decerta ordem (n > p). Mas como xαn

→ a, para cada δ > 0 existe uma

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2. Sucessoes e Series Reais 71

ordem n0 tal que n > n0 =⇒ xαn∈ Vδ(a) e logo, em particular, a e de

acumulacao de {xn}.Reciprocamente, seja a ∈ {xn} repetindo-se infinitas vezes; tem-se entaoobviamente a = xαn

e a e sublimite. Sendo a de acumulacao de {xn},construa-se a subsucessao (xαn

) do seguinte modo: tome-se xα1∈ V1(a);

escolha-se em seguida xα2∈ V1/2(a) com α2 > α1; xα3

∈ V1/3(a) comα3 > α2 > α1 e assim sucessivamente. Repare-se que tal construcao epossıvel porque a e ponto de acumulacao de {xn}. E agora elementar verque xαn

→ a.

E sabido que uma sucessao (xn) em R pode ser convergente ou nao.A questao agora e de saber em que condicoes (xn) admite pelo menos umsublimite em R. A resposta deriva de um dos mais importantes teoremasda topologia de R:

2.3.12. Teorema (Bolzano-Weierstrass). Todo o conjunto X ⊂ Rinfinito e limitado admite pelo menos um ponto de acumulacao.

Demonstracao. Dado que X ⊂ R e limitado, escolha-se a1, b1 ∈ R,

a1 < b1, tal que X ⊂ [a1, b1] e faca-se ξ1 =a1 + b1

2. E claro que um dos

intervalos [a1, ξ1] e [ξ1, b1] contem infinitos pontos de X ; seja [a2, b2] talintervalo. Tem-se portanto

X ∩ [a2, b2] infinito e b2 − a2 =b1 − a1

2.

Repita-se o processo fazendo ξ2 =a2 + b2

2e representando por [a3, b3] um

dos intervalos [a2, ξ2], [ξ2, b2] tal que X ∩ [a3, b3] e infinito.Continuando o raciocınio, obtemos uma sucessao de intervalos encaixados:

[a1, b1] ⊃ [a2, b2] ⊃ · · · ⊃ [an, bn] ⊃ · · ·

tais quei) X ∩ [an, bn] e infinito, ∀n ∈ N

ii) bn − an =b1 − a1

2n−1.

O axioma do encaixe garante a existencia de um ponto c ∈⋂

[an, bn];

tem-se ainda lim an = lim bn = c, ja que

an ≤ c ≤ bn =⇒

0 ≤ bn − c ≤ bn − an =b1 − a1

2n−1→ 0 (n → ∞)

0 ≤ c − an ≤ bn − an =b1 − a1

2n−1→ 0 (n → ∞)

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72 2. Sucessoes e Series Reais

Enfim, da definicao de limite resulta que

∀ε > 0 ∃p ∈ N : n > p =⇒ an, bn ∈]c − ε, c + ε[,

ou seja [an, bn] ⊂]c − ε, c + ε[. Como [an, bn] ∩ X e infinito, e claro queX∩]c− ε, c + ε[ e infinito (∀ε > 0) e logo c e ponto de acumulacao de X .

Corolario. Seja (xn) uma sucessao limitada em R; entao existe pelomenos uma subsucessao convergente.

Demonstracao. Se o conjunto dos termos da sucessao, {xn}, e finito,existe pelo menos um elemento a = xαn

que se repete infinitas vezes e logoe sublimite. Se {xn} e um conjunto infinito, sendo limitado, o teoremade Bolzano-Weierstrass garante a existencia de pelo menos um ponto deacumulacao e portanto de sublimite (cf. (2.3.11.)).

Topologia de R. Foi dada anteriormente a nocao de limxn = +∞ elimxn = −∞. No sentido de unificar de um ponto de vista topologicoa nocao de limite, e conveniente estender a nocao de vizinhanca a cadaelemento de R. Assim, para cada a ∈ R e ε > 0, chama-se vizinhanca decentro a e raio ǫ, ao conjunto Vε(a) definido do seguinte modo:

i) se a ∈ R, Vε(a) =]a − ε, a + ε[= {x ∈ R :| x − a |< ε}(coincidindo portanto com a nocao de vizinhanca ja definida em R)

ii)

Vε(+∞) =

{

x ∈ R : x >1

ǫ

}

=

]1

ǫ, +∞

]

,

Vε(−∞) =

{

x ∈ R : x < −1

ǫ

}

=

[

−∞,−1

ǫ

[

.

Pode agora escrever-se, lim xn = a em R se e so se:

∀δ > 0 ∃p ∈ N : n > p =⇒ xn ∈ Vδ(a).

Trata-se, formalmente, da mesma definicao que foi dada em R; contudo,abrangemos agora os casos a = +∞ e a = −∞. Assim, por ex.,limxn = +∞ se e so se:

∀δ > 0 ∃p ∈ N : n > p =⇒ xn ∈ Vδ(+∞),

isto e

∀δ > 0 ∃p ∈ N : n > p =⇒ xn >1

δ.

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2. Sucessoes e Series Reais 73

A nocao de ponto de acumulacao estende-se naturalmente a R: umelemento a ∈ R diz-se um ponto de acumulacao de um conjunto X ⊂ Rse para todo δ > 0, (Vδ(a) \ {a}) ∩ X 6= ∅, ou seja, para cada δ > 0 avizinhanca Vδ(a) contem infinitos pontos de X .

E agora claro que um conjunto X e nao majorado (resp. nao minorado)em R se e so se +∞ (resp. −∞) e ponto de acumulacao de X . O teoremade Bolzano-Weierstrass toma entao a forma:

Todo o conjunto infinito X ⊂ R tem pelo menos um ponto de acumulacao(em R).

Como consequencia imediata resulta que toda a sucessao (xn) em Rtem pelo menos um sublimite em R, ou seja o conjunto L dos sublimites deuma sucessao (xn) e nao vazio. No que se segue, mostramos que por entreos sublimites de (xn) em R ha um maior e um mais pequeno.

Tomemos (xn) em R e escreva-se:

vn = supk≥n

{xk}, un = infk≥n

{xk}.

Tem-se naturalmente,

u1 ≤ u2 ≤ · · · ≤ un ≤ · · · ≤ vn ≤ · · · ≤ v2 ≤ v1.

As novas sucessoes (un) e (vn), sendo monotonas, admitem limite em R.Assim,

2.3.13. Definicao. Chama-se limite superior de uma sucessao (xn)em R e representa-se por lim sup xn ou limxn ao limite da sucessao (vn).Chama-se limite inferior de (xn) e representa-se por lim inf xn ou limxn

ao limite da sucessao (un):

limxn = lim vn = inf{vn}, limxn = limun = sup{un}.

Consequencia imediata da definicao e a relacao: lim xn ≤ limxn.

A definicao apresentada tem valor essencialmente teorico. Na pratica,a determinacao dos limites superior ou inferior de uma dada sucessao fazuso de caracterizacoes mais manejaveis.

2.3.14. Proposicao. L ∈ R e limite superior de uma sucessao (xn) se eso se:

i) para todo δ > 0 existe p ∈ N tal que xn < L + δ, ∀n > p;ii) existe uma subsucessao xαn

convergente para L.

Do mesmo modo, l ∈ R e limite inferior de (xn) se e so se:

i′) para todo δ > 0 existe p′ ∈ N tal que xn > l − δ, ∀n > p′;ii′) existe uma subsucessao xβn

convergente para l.

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74 2. Sucessoes e Series Reais

Demonstracao. Seja limxn = lim vn = L ∈ R, com vn = supk≥n

{xk}.Entao, dado δ > 0

L − δ < vn < L + δ para n ≥ p

e logo xk < L + δ para todo o k > p, o que mostra i).Construa-se agora xαn

do seguinte modo: para δ = 1, tem-se L− 1 < vn <L + 1 a partir de certa ordem e portanto, pela definicao de supremo, existe

α1 tal que L−1 < xα1< L+1; sendo n2 > α1 tal que L− 1

2< vn2

< L+1

2escolha-se xα2

tal que

L − 1

2< xα2

< L +1

2

com α2 ≥ n2 > α1, e assim sucessivamente. E agora claro que xαn→ L.

Reciprocamente, de i) sai que vn ≤ L + δ para n > p1. Como poroutro lado existe xαn

→ L, tem-se L − δ < xαn< L + δ para αn ≥ p2 e

logo L − δ < vn (n > p2). Portanto, dado δ > 0 qualquer, tem-se:

L − δ < vn ≤ L + δ para n > p = max{p1, p2}o que mostra que lim vn = limxn = L. Analogamente para o limite inferior.

2.3.15. Proposicao. Uma sucessao (xn) admite limite em R se e so se

limxn = limxn = a ∈ R.

Em particular, (xn) e convergente se e so se

limxn = limxn = a ∈ R.

Demonstracao. Se limxn = a ∈ R, tem-se a − δ/2 < xn < a + δ/2para n > p e logo a − δ < un ≤ vn < a + δ (n > p), o que mostraque limxn = limxn = a. Reciprocamente, tendo-se esta igualdade,a conclusao sai como consequencia imediata das condicoes i) e i′) daproposicao anterior.

Os resultados precedentes mostram, em particular, que o limite supe-rior e o limite inferior de uma sucessao (xn) sao respetivamente o maiore o mais pequeno dos sublimites de (xn) em R. Assim, por exemplo, paraa sucessao xn =

√n − (−1)n

√n − 1, que tem apenas os dois sublimites

x2k → −1 e x2k+1 → +∞, resulta naturalmente que limxn = +∞ elimxn = −1. Os limites superior e inferior de uma sucessao sao um casoparticular dos limites superior e inferior de uma funcao num ponto. Noproximo capıtulo regressaremos a este assunto.

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2. Sucessoes e Series Reais 75

Terminamos com a demonstracao de um resultado que tem im-portancia pratica consideravel no calculo dos limites de certas sucessoes.

2.3.16. Proposicao. Seja (xn)uma sucessao de numeros reais positivos.Tem-se

limxn+1

xn≤ lim n

√xn ≤ lim n

√xn ≤ lim

xn+1

xn.

Em particular, existindo limxn+1

xn, existe tambem lim n

√xn e os dois limites

sao iguais.

Lema. Seja k > 0 um real positivo. Tem-se lim n√

k = lim k1/n = 1.

Demonstracao. Se k = 1 o resultado e trivial. Se 0 < k < 1, a sucessaok1/n e crescente e majorada por 1; sendo k > 1 a sucessao e decrescentee minorada (por 1, naturalmente). Em qualquer dos casos existe limitelim k1/n = l 6= 0. Considerando a subsucessao k1/n(n+1), tem-se por umlado l = lim k1/n(n+1) e por outro:

lim k1/n(n+1) = lim k1n− 1

n+1 = limk1/n

k1/n+1=

l

l= 1

pelo que l = 1.

Demonstracao da proposicao. Mostremos a desigualdade referente aolimite superior; a desigualdade referente ao limite inferior tem demons-tracao semelhante. Raciocinando por absurdo, suponhamos que nao se

tinha lim n√

xn ≤ limxn+1

xn. Sendo assim, existiria um real c tal que

limxn+1

xn< c < lim n

√xn. Mas entao, pela primeira destas desigualdades,

existe p ∈ N tal que n ≥ p =⇒ xn+1

xn< c (cf. (2.3.14.)). Logo , ter-se-ia

xp+1

xp< c,

xp+2

xp+1< c, . . . ,

xn

xn−1< c.

Multiplicando termo a termo resultaxn

xp< cn−p; portanto, tem-se

xn < (xp/cp).cn.

Fazendo k = xp/cp, numero real fixo, obtem-se para todo o n > p, xn <

k cn e logo n√

xn < cn√

k. Como limn√

k = 1, segue-se que

lim n√

xn ≤ lim cn√

k = lim cn√

k = c

o que e contraditorio.

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76 2. Sucessoes e Series Reais

2.3.17. Exemplos.

1. Procure-se o limite da sucessao: limn→∞

xn =n

n√n!. Tem-se xn = n

√yn

em que yn =nn

n!. Pela proposicao precedente, tem-se lim xn =

limyn+1

ynse este ultimo existir. Como

limyn+1

yn= lim

(n + 1)n+1

(n + 1)!

n!

nn= lim

(

1 +1

n

)n

= e

conclui-se que

limn→∞

nn√n!

= e.

2. Consideremos yn > 0, ∀n, e admita-se que∑

n

yn = +∞. Supondo que

limxn

yn= a, mostremos que

limx1 + x2 + · · · + xn

y1 + y2 + · · · + yn= a.

Seja entao ǫ > 0 qualquer. Da hipotese resulta que existe uma ordemN tal que a − ǫ < xn/yn < a + ǫ, n > N , ou seja

ayn − ǫ yn < xn < ayn + ǫ yn, se n > N.

Somando termo a termo, tem-se

a (yN+1 + · · · + yn) − ǫ (yN+1 + · · · + yn) < xN+1 + · · · + xn <

< a (yN+1 + · · · + yn) + ǫ (yN+1 + · · · + yn)

e portanto,

a

(

1 − y1 + · · · + yN

y1 + · · · + yn

)

− ǫ

(

1 − y1 + · · · + yN

y1 + · · · + yn

)

<

<xN+1 + · · · + xn

y1 + · · · + yn<

< a

(

1 − y1 + · · · + yN

y1 + · · · + yn

)

+ ǫ

(

1 − y1 + · · · + yN

y1 + · · · + yn

)

.

Como∑

yn = +∞, os limites, n → ∞, a esquerda e a direita, saorespetivamente a − ǫ e a + ǫ; logo

a − ǫ ≤ limxN+1 + · · · + xn

y1 + · · · + yn≤ a + ǫ

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2. Sucessoes e Series Reais 77

e analogamente para o limite inferior. Sendo ǫ qualquer, tem-se entao

lim = lim = limxN+1 + · · · + xn

y1 + · · · + yn= a.

A conclusao sai agora da decomposicao

x1 + · · · + xn

y1 + · · · + yn=

x1 + · · · + xN

y1 + · · · + yn+

xN+1 + · · · + xn

y1 + · · · + yn

e de∑

yn = +∞.

Exercıcios

1. Seja (xn) uma sucessao convergente, com lim xn > 0. Mostre quetodos os termos da sucessao, excepto possivelmente um numero finito,sao positivos.Prove, com um exemplo, que a recıproca e falsa.

2. Indique quais das seguintes sucessoes sao majoradas, minoradas oulimitadas:

a)n + (−1)n

n; b) (−1)nn2; c) n(−1)n

; d) 1 +1

2+ · · · + 1

2n;

e) u1 = 0, u2 = 1, un+2 =un + un+1

2;

f) u1 = −1, un+1 = −2un.

3. De exemplos de sucessoes (xn) e (yn) tais que limxn = lim yn e

a) limxn

yn= 0 ; b) lim

xn

yn= 1 ; c) lim

xn

yn= +∞ ;

d) limxn

ynnao existe.

4. Suponha que lim xn.yn = 0. Poder-se-a concluir que pelo menos umadas sucessoes (xn) ou (yn) tende para 0?

5. Seja (xn) uma sucessao tal que lim xn = x, xn 6= 0, ∀n.

a) Mostre, apresentando um exemplo, que nao existe necessaria-

mente limxn+1

xn.

b) Demonstre que, se existe limxn+1

xn= a, entao |a| ≤ 1.

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78 2. Sucessoes e Series Reais

6. Seja (xn) uma sucessao limitada. Ponha-se

yn = max1≤k≤n

{xk}, zn = min1≤k≤n

{xk}, n ∈ N.

Mostre que as sucessoes (yn) e (zn) convergem.

7. Seja (xn) uma dada sucessao e ϕ : N → N uma bijecao. Pondoyn = xϕ(n), mostre que (xn) e convergente se e so se (yn) o for.

8. Considere uma sucessao un crescente e uma sucessao vn decrescente esuponha que un ≤ vn para todo o n ∈ N.

a) Mostre que as sucessoes un e vn sao convergentes e que se temlimun ≤ lim vn.Se, alem disso, a sucessao vn − un tiver limite 0, mostre que asduas sucessoes atras referidas tem o mesmo limite.

b) Aplique os resultados precedentes as sucessoes un e vn definidaspor u0 e v0, 0 < u0 < v0, e por:

un+1 =√

unvn, vn+1 =un + vn

2.

9. Seja (xn) uma sucessao tal que lim xn = 0 e para cada n ponha

yn = min{| x1 |, | x2 |, . . . , | xn |}

Prove que yn → 0.

10. Seja (xn) uma sucessao que satisfaz

|xn+1 − xn| ≤ C kn, 0 < k < 1, n ∈ N, C ∈ R.

Mostre que (xn) e de Cauchy.

11. Diz-se que uma sucessao (xn) tem variacao limitada quando a sucessao

(vn), dada por vn =n−1∑

i=1

|xi+1 − xi|, e limitada. Prove que, nesse caso,

(vn) converge. Prove ainda que:

a) Se (xn) tem variacao limitada, entao xn e convergente.b) Se

|xn+2 − xn+1| ≤ c |xn+1 − xn| , ∀n ∈ N, com 0 ≤ c < 1,

entao (xn) tem variacao limitada.

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2. Sucessoes e Series Reais 79

c) Sendo (xn) de variacao limitada e considerando a sucessao wn =vn + xn entao wn e crescente e limitada.Conclua que (xn) e uma sucessao de variacao limitada se e sose xn = yn − zn em que (yn) e (zn) sao sucessoes crescentes elimitadas.

12. Considere a sucessao, definida por recorrencia,

a1 = 1, an+1 = an + (−1)n 1

n + 1.

Mostre que (an) e uma sucessao de Cauchy e portanto convergente.Conclua que (an) e exemplo de uma sucessao convergente que nao temvariacao limitada.

13. Ponha x1 = 1 e xn+1 = 1 +√

xn. Mostre que a sucessao (xn), assimdefinida, e monotona e limitada. Determine limxn.

14. Defina-se a sucessao recorrente (xn) por

x1 = a

xn+1 = qxn + da, q, d ∈ R, n ∈ N.

(xn) diz-se uma progressao aritmetico-geometrica.

a) Se |q| < 1, mostre que a sucessao (xn) converge e calcule o seulimite.

b) Se |q| > 1 e a 6= d/(1 − q), mostre que a sucessao (xn) diverge.

c) Supondo q 6= 1, considere-se a sucessao

Sn = x1 + · · · + xn, n ∈ N.

Calcule limSn

ne lim(Sn − nxn).

15. Considere-se a sucessao

x1 > 0

xn+1 = a (xn + 1/xn)n ∈ N, a ∈ R.

a) Demonstre que lim xn = +∞ se a ≥ 1

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80 2. Sucessoes e Series Reais

b) Se 0 < a < 1, mostre que

|xn+2 − xn+1| ≤ c |xn+1 − xn|, 0 < c < 1, ∀n > 1.

c) Sempre na hipotese de 0 < a < 1, utilize o exercıcio 10. paramostrar que (xn) e sucessao de Cauchy.Conclua que limxn =

a/(1 − a).

16. Utilize o metodo das sucessoes enquadradas para determinar o limitedas seguintes sucessoes:

a)n!

nn ; b)2n

n!; c)

(a

n

)n

(a ∈ R); d)an

n!(a ∈ R);

e)(n − p)!

n!(p ∈ N); f)

1

n2+

1

(n + 1)2+ · · · + 1

(2n)2.

17. Determine os limites das sucessoes de termos gerais:

a)(−1)nn3 + 1

n2 + 2; b)

anbn

an + bn, a > 0, b > 0.

c)1 + 3 + 5 + · · · + (2n − 1)

n2.

18. Seja (xn) uma sucessao tal que lim xn = a. Pondo,

yn =x1 + · · · + xn

n,

mostre que lim yn = a. Apresente um exemplo de uma sucessao (xn)divergente para a qual existe lim yn.

19. Seja (yn) uma sucessao estritamente crescente tal que lim yn = +∞.Utilize o exemplo 2.(2.3.17.) para mostrar que:

limxn+1 − xn

yn+1 − yn= a =⇒ lim

xn

yn= a.

20. Aplique o resultado anterior na determinacao do limite :

limn→∞

1p + 2p + · · · + np

np+1.

21. Estude quanto a convergencia as sucessoes seguintes, indicando oslimites das que sao convergentes:

a) xn =1

nn√

n(n + 1) · · · 2n; b) xn = (√

n + 1 −√n)

n +1

2;

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2. Sucessoes e Series Reais 81

c) xn =n√

n4 + 1+

n√n4 + 2

+ · · · + n√n4 + n

;

d) xn =3n

n√

2n + (3n)n;

e) xn = sin(π

2+ nπ

) n3 + 3

4n3 + 4; f) xn =

1

nn

n sin( π

4n

)

.

22. Determine α ∈ R tal que:

limn→∞

n

n!

nnαn = 2.

23. Seja ϕ : N → N uma sucessao de numeros naturais. Mostre aequivalencia das seguintes assercoes:

a) limn→∞

ϕ(n) = +∞.

b) Para todo k ∈ N, ϕ−1(k) e um subconjunto finito de N.

c) Para todo o subconjunto finito F ⊂ N, ϕ−1(F ) e finito.

Em particular, se ϕ for injetiva, tem-se limn→∞

ϕ(n) = +∞.

(Podera mostrar: a) =⇒ b) =⇒ c) =⇒ a).)

24. Seja (xn) uma sucessao em R tal que as subsucessoes (x2n), (x2n+1) e(x3n) sao convergentes. Mostre que (xn) e convergente.

25. Mostre que uma sucessao (xn) e convergente para a ∈ R se e sose de toda a subsucessao (xαn

) e possıvel extrair uma subsucessaoconvergente para a.

26. Seja (xn) uma sucessao limitada. Demonstre que a sucessao yn =n (xn+1−xn) nao pode ter limite +∞. De um exemplo de uma sucessao(xn) convergente e tal que lim |n (xn+1 − xn) | = +∞.

27. Seja xn uma sucessao majorada, satisfazendo a condicao

xn+1 − xn ≥ an, n ∈ N,

em que an e tal que∑

an e uma serie convergente. Mostre que asucessao (xn) converge.

Sug. Tenha presente a demonstracao do resultado que estabelece olimite de sucessao monotona limitada.

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82 2. Sucessoes e Series Reais

28. Estude a natureza das series de Mengoli,∑

(an−an+k), k ∈ N. Comoaplicacao, calcule

n≥1

1

n2 + 6n + 5.

29. Mostre que, sendo a serie∑

u2n convergente, entao

∑un/n e absolu-

tamente convergente.

30. Se∑

un, un ≥ 0, e serie convergente, mostre que∑√

unun+1 con-verge. Demonstre que a recıproca tambem e verdadeira se (un) forsucessao monotona.

31. Mostre a convergencia das series

a)∑

(−1)n sin(nx)

n; b)

(−1)n sin(x/n)

n;

c) 1 +1

2− 1

3− 1

4+

1

5+

1

6− · · ·

32. Considere a serie alternada,∑

(−1)nun, com un decrescente para 0.Prove a seguinte estimacao do resto de ordem n,

|Rn| ≤ un+1 − un+2 + un+3.

Aplique o resultado as series

n≥1

(−1)n 1

ne

n≥1

(−1)n 1

n!

e diga qual o menor numero de termos que tem de somar para obterum erro inferior a 1/1000, ao substituir a soma da serie por Sn.

33. Seja A ⊂ R um subconjunto majorado de R e seja L = supA.Prove que existe uma sucessao (xn), com xn ∈ A, ∀n ∈ N, convergentepara L. Mostre ainda que, se A nao tem maximo, a sucessao (xn) podeser escolhida estritamente crescente.

34. Determine os pontos interiores, exteriores, fronteiros, de acumulacao eisolados dos seguintes subconjuntos de R, indicando os que sao abertose fechados:

a) N b) Q c) R-Q d)

{1

n: n ∈ N

}

e)

([1

2, π

]

− Q

)

∪ (Q ∩ [1, 3]) f)

{1

n+

1

m: (n, m) ∈ N2

}

.

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2. Sucessoes e Series Reais 83

35. Seja A ⊂ R um aberto de R. Prove que, para todo o x ∈ R, o conjunto:

x + A = {x + y : y ∈ A}

e aberto. Do mesmo modo, se x 6= 0, mostre que o conjunto:

x.A = {xy : y ∈ A}

e aberto.

36. Sejam A e B subconjuntos abertos em R. Mostre que os conjuntos:

A + B = {x + y : x ∈ A, y ∈ B} e A.B = {xy : x ∈ A, y ∈ B}

sao abertos.

37. Considere as funcoes f, g, h : R → R, dadas por

f(x) = ax + b (a 6= 0), g(x) = x2, h(x) = x3.

Mostre que, para cada aberto A ⊂ R, f−1(A), g−1(A) e h−1(A) saoabertos.De um exemplo de um conjunto A aberto tal que g(A) nao seja aberto.

38. Determine os limites superior e inferior das sucessoes:

a) n(−1)n+1; b) cosnπ

8; c)

√n − (−1)n√n − 1.

39. Construa uma sucessao real em que o conjunto dos sublimites e umdado conjunto finito, {l1, . . . , lm} ⊂ R

40. Construa uma sucessao (xn) de numeros reais tal que todo o inteiropositivo seja limite de uma subsucessao de (xn).

41. Seja (xn) uma sucessao limitada tal que

lim (xn+1 − xn) = 0.

Seja a = limxn e b = limxn, com a < b. Mostre que todo o numerodo intervalo [a, b] e sublimite de (xn).

42. Seja X ⊂ R um subconjunto nao vazio de R. Mostre que int(X) e umaberto. Mostre em seguida que X e fechado.

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84 2. Sucessoes e Series Reais

43. Seja A uma famılia de abertos e F uma famılia de fechados em R.

a) Se Ai ∈ A(i ∈ I), mostre que⋃

i∈I

Ai e aberto. Se A1, · · · , An ∈ A,

mostre quen⋂

i=1

Ai e aberto.

b) Se Fi ∈ F(i ∈ I), mostre que⋂

i∈I

Ai e fechado. Se F1, · · · , Fn ∈ F ,

mostre que

n⋃

i=1

Ai e fechado.

c) De contraexemplos mostrando que a intersecao de um numeroqualquer de abertos nao e necessariamente aberto e a reuniao deum numero qualquer de fechados nao e necessariamente fechado.

44. Seja X ⊂ R um subconjunto nao vazio e considere o seu conjuntoderivado X ′. Demonstre :

a) X ′ e fechado, isto e (X ′)′ ⊂ X ′.

b) Se X ⊂ Y entao X ′ ⊂ Y ′.

c) (X ∪ Y )′ = X ′ ∪ Y ′.

d) (X)′ = X ′

45. Mostre que todo o conjunto aberto A ⊂ R e uniao numeravel deintervalos abertos.

46. Seja (Fn)n∈N uma coleccao numeravel de conjuntos fechados e naovazios em R, e tais que

i) Fn+1 ⊂ Fn, n = 1, 2, . . .

ii) Cada Fn e fechado e F1 e limitado.

Mostre que⋂

n

Fn e fechado e nao vazio.

47. Mostre que o conjunto de racionais, Q∩]0, 1[, nao pode ser intersecaonumeravel de conjuntos abertos.

Conclua que Q nao e intersecao numeravel de abertos e logo, o conjuntodos irracionais, R\Q, nao e uniao numeravel de fechados.

Sug. Escreva Q∩ ]0, 1[ = {q1, q2, . . .} =⋂

n

An, An aberto, e verifique

que pode ter A1 ⊃ A2 ⊃ · · ·. Para cada n, construa um fechadoFn ⊂ An e tal que qn /∈ Fn. Utilize o exercıcio precedente.

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3. Limite e Continuidade 85

3Limite e Continuidade

3.1. No� ~ao de limite. Propriedades gerais.Seja f : D → R uma funcao real de variavel real e a ∈ D um ponto de

R aderente ao domınio D ⊂ R.

3.1.1. Definicao. Diz-se que o limite de f no ponto a ∈ D e b ∈ R eescreve-se b = lim

x→af(x) se para todo δ > 0, existe um ε > 0 tal que, se

x ∈ Vε(a) ∩ D entao f(x) ∈ Vδ(b) ou seja,

x ∈ D e | x − a |< ε =⇒ | f(x) − b |< δ.

Observacao importante. Repare-se que se a ∈ D e se existe limx→a

f(x)

entao necessariamente limx→a

f(x) = f(a). Com efeito, se limx→a

f(x) = b, como

a ∈ D satisfaz | a− a |< ε, ter-se-a entao | f(a)− b |< δ para todo o δ > 0e logo f(a) = b. Assim

a ∈ D e limx→a

f(x) existe ⇐⇒ limx→a

f(x) = f(a).

Para muitos autores, o limite de f em a ∈ D nao faz intervir o valorde f em a, isto e, o limite de f quando x tende para a e b se e so se∀δ > 0, ∃ǫ > 0 : x ∈ D e 0 < |x − a| < ǫ =⇒ |f(x) − b| < δ. Estadefinicao corresponde ao que nos chamaremos, limite de f quando x tendepara a por valores diferentes de a.

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86 3. Limite e Continuidade

O a

b

b+

b-

y

x

f

ε ε

δ

δ

a-

f(a) d

c a +

Figura 3.1

Na figura representada, f nao tem limite em a∈D (f(a) /∈ Vδ(b)), mas temlimite em c ∈ D\D : lim

x→cf(x) = d.

3.1.2. Proposicao. Sejam f, g : D → R funcoes reais de variavel real ea ∈ D.

1. Se existe limx→a

f(x), entao e unico (unicidade do limite).

2. Se f(x) = g(x) ∀x ∈ Vε(a) ∩ D e existe limx→a

f(x), entao limx→a

g(x)

existe e tem-se:limx→a

f(x) = limx→a

g(x).

3. Se limx→a

f(x) < limx→a

g(x), entao existe ε > 0 tal que:

f(x) < g(x) ∀x ∈ Vε(a).

4. Se f(x) ≤ g(x) ∀x ∈ Vε(a) ∩ D, entao

limx→a

f(x) ≤ limx→a

g(x),

caso existam os limites considerados.

5. Se h(x) ≤ f(x) ≤ g(x) ∀x ∈ Vε(a) ∩ D e se limx→a

h(x) = limx→a

g(x),

entao limx→a

f(x) existe e

limx→a

f(x) = limx→a

h(x) = limx→a

g(x).

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3. Limite e Continuidade 87

Demonstracao. Comecemos por ver 1. (unicidade do limite). Tendo-selimx→a

f(x) = b e limx→a

f(x) = b′, para cada δ > 0, existe ε > 0 tal que

| f(x) − b |< δ/2 e | f(x) − b′ |< δ/2

desde que x ∈ D e | x − a |< ε; escolhendo um x ∈ D nestas condicoes (oqual existe ja que a ∈ D) tem-se

| b − b′ | =| b − f(x) + f(x) − b′ |≤≤| f(x) − b | + | f(x) − b′ |< δ/2 + δ/2 = δ,

para todo o δ > 0, o que implica que b = b′.A demonstracao de 2. e 5. resulta facilmente da definicao de limite e 4. econseqencia imediata de 3. que passamos a demonstrar; seja

limx→a

f(x) = b < limx→a

g(x) = c

e escolha-se δ : 0 < δ <c − b

2(portanto b + δ < c − δ). Entao existe ε > 0

tal que, para x ∈ Vε(a) ∩ D, se tem

b − δ < f(x) < b + δ e c − δ < g(x) < c + δ

e portanto, em particular,

f(x) < b + δ < c − δ < g(x), ∀x ∈ Vε(a) ∩ D.

Limites em R. A nocao de limite e agora estendida ao caso em que a e+∞ ou −∞ (limites no infinito); de seguida contemplamos o caso em queo limite da funcao possa ser +∞ ou −∞ (limites infinitos).

3.1.3. Definicao. Se +∞ e ponto de acumulacao de D (isto e, D nao emajorado), diz-se que lim

x→+∞f(x) = b ∈ R se

∀δ > 0 ∃ε > 0 : x ∈ D, x >1

ε=⇒ | f(x) − b |< δ.

Se −∞ e ponto de acumulacao de D (isto e, D nao e minorado), diz-seque lim

x→−∞f(x) = b ∈ R se

∀δ > 0 ∃ε > 0 : x ∈ D, x < −1

ε=⇒ | f(x) − b |< δ.

3.1.4. Definicao. Diz-se que o limite de f em a e +∞ (resp. −∞) se

∀δ > 0 ∃ε > 0 : x ∈ Vε(a) ∩ D =⇒ f(x) >1

δ(resp. f(x) < −1

δ)

e escreve-se limx→a

f(x) = +∞ (resp. limx→a

f(x) = −∞).

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88 3. Limite e Continuidade

De uma maneira geral: se a ∈ D e b ∈ R, diz-se que limx→a

f(x) = b se

(L) ∀δ > 0 ∃ε > 0 : x ∈ Vε(a) ∩ D =⇒ f(x) ∈ Vδ(b).

Observacao. Note-se que se f : N → R, f(n) = xn, e uma sucessaoreal, o limite lim

n→+∞f(n) coincide com a nocao de limite de uma sucessao,

ja de nos conhecida.

Definicao de limite pelas sucessoes. A definicao de limite de funcaonum ponto, atras estabelecida com base no conceito topologico de vizinhan-ca, pode ser reformulada no quadro das sucessoes, o que nos permitetirar partido do conhecimento ja adquirido das propriedades algebricas etopologicas das sucessoes reais. Mostraremos entao a equivalencia das duasdefinicoes.

3.1.5. Definicao. Sejam a ∈ D e b ∈ R. Diz-se que o limite de f em a eb e escreve-se lim

x→af(x) = b se para toda a sucessao xn ∈ D tal que xn → a,

entao f(xn) → b, isto e

(L′) xn ∈ D, xn −→ a =⇒ f(xn) −→ b.

Mostremos a equivalencia das duas definicoes ou seja: (L) ⇐⇒ (L′).

Seja xn ∈ D com xn → a; entao, dado δ > 0, existe p ∈ N tal que

n > p =⇒ xn ∈ Vε(a) ∩ D

em que ε > 0 e dado pela definicao (L); e daqui resulta que f(xn) ∈ Vδ(b)para n > p, isto e, f(xn) → b, o que mostra que (L) =⇒ (L′).Reciprocamente, mostremos por absurdo que (L′) =⇒ (L). Com efeito, senao se verifica (L), isto significa que existe δ > 0 tal que para todo ε > 0existe

x ∈ Vε(a) ∩ D e f(x) /∈ Vδ(b).

Em particular, fazendo ε =1

n, escolha-se um elemento xn ∈ V1/n(a) ∩ D

tal que f(xn) /∈ Vδ(b), ∀n ∈ N. Mas entao xn → a e f(xn) nao convergepara b o que contraria (L′).

3.1.6. Proposicao. Para que exista limite limx→a

f(x) e necessario e sufi-

ciente que f(xn) tenha limite, para toda a sucessao xn ∈ D tal quelimxn = a.

Demonstracao. Trata-se apenas de mostrar que dadas duas sucessoes emD, xn e yn com limite a entao f(xn) e f(yn) tem o mesmo limite.

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3. Limite e Continuidade 89

Com efeito, construindo a sucessao zn como z2n = xn e z2n+1 = yn, tem-senaturalmente zn → a e logo, existindo limite de f(zn) todos os sublimitessao iguais:

lim f(z2n) = lim f(z2n+1) =⇒ lim f(xn) = lim f(yn).

3.1.7. Proposicao (Criterio de Cauchy). A condicao necessaria esuficiente para que f tenha limite finito no ponto a e que para todo δ > 0exista um ε > 0 tal que

(C) x, y ∈ Vε(a) ∩ D =⇒| f(x) − f(y) |< δ.

Demonstracao. Se existe limx→a

f(x) = b ∈ R, para todo δ > 0, existe

ε > 0 tal que

x, y ∈ Vε(a) ∩ D =⇒| f(x) − b |< δ/2, | f(y) − b |< δ/2

e portanto

| f(x) − f(y) |≤| f(x) − b | + | b − f(y) |< δ/2 + δ/2 = δ.

Reciprocamente, suponhamos satisfeita esta condicao e tomemos xn → a.Entao f(xn) e sucessao de Cauchy: com efeito, dado ε > 0, existe p ∈ Ntal que n, m > p =⇒ xn, xm ∈ Vε(a) e logo por (C),

| f(xn) − f(xm) |< δ.

Sendo de Cauchy f(xn) e convergente e a conclusao sai da proposicaoprecedente.

Das propriedades algebricas dos limites das sucessoes resulta agora:

3.1.8. Teorema (Propriedades algebricas dos limites). Admitindoque lim

x→af(x) = b e lim

x→ag(x) = c, tem-se

i) limx→a

(f + g)(x) = b + c,

ii) limx→a

(f.g)(x) = b.c,

iii) limx→a

|f(x)| = |b|

iv) limx→a

(

f

g

)

(x) =b

cse c 6= 0.

v) limx→a

|f(x)| = 0 ⇐⇒ limx→a

f(x) = 0.

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90 3. Limite e Continuidade

3.1.9. Exemplos.

1. Seja Pn(x) = a0xn + a1x

n−1 + · · ·+ an−1x+ an, an 6= 0 um polinomiode grau n com coeficientes reais. Pn representa uma funcao definidaem R que admite limite em cada ponto a ∈ R. Com efeito, pelaspropriedades algebricas dos limites, se x → a entao xn → an e logo

limx→a

Pn(x) = Pn(a).

2. Nos supomos conhecidas as funcoes trigonometricas bem como as suasrelacoes algebricas. Mais tarde teremos ocasiao de apresentar umadefinicao rigorosa destas funcoes. Recordemos entretanto a introducaogeometrica elementar das funcoes sin x e cosx. O numero real xrepresenta o comprimento do arco de circunferencia de raio 1 associadoao angulo θ; sin x representa a medida do segmento CB enquanto cosxrepresenta a medida do segmento OC (cf. Figura 3.2).

O A

B

C

θ

tg

cos

sin

x

x

x x

D

Figura 3.2

Consideremos agora a funcao f :]

−π

2, 0[

∪]

0,π

2

[

−→ R dada por

f(x) =1 − cosx

x.

Como o segmento AB tem uma medida inferior a x ∈]0, π/2[ (medidado arco AB), tira-se do teorema de Pitagoras:

x2 > AB2

= CA2

+ CB2

= (1 − cosx)2 + sin2 x = 2 − 2 cosx

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3. Limite e Continuidade 91

e logo, 0 <1 − cosx

x<

x

2.

Dado que cos(−x) = cosx, tem-se 0 <

1 − cosx

x

<∣

x

2

∣, para todo

x ∈] − π/2, π/2[\{0}, donde (prop. 3.1.2.(5.)):

limx→0

1 − cosx

x= 0.

Repare-se ainda (cf. Figura 3.2) que

0 < sinx < x, x ∈]

0,π

2

[

e mais geralmente (dado que sin(−x) = − sinx)

0 < | sin x | ≤ | x |, x ∈]

−π

2,π

2

[

.

Recordando agora a identidade

sin u − sin v = 2 sinu − v

2cos

u + v

2,

tem-se

| sin x − sin a | ≤ 2

sin

(

x − a

2

)∣

≤ | x − a |

e logo (3.1.2.(5.))limx→a

sinx = sina.

3. Considere-se a funcao f :]−π/2, π/2[\{0} → R dada por f(x) =sin x

x.

Sendo a medida do arco AB inferior a soma das medidas dos segmentosCA e CB (cf. Figura 3.2), tem-se para x ∈]0, π/2[:

x < 1 − cosx + sin x < 1 − cosx + x

e portanto

1 <1 − cosx

x+

sin x

x<

1 − cosx

x+ 1,

ou seja

0 < 1 − sin x

x<

1 − cosx

x=

1 − cosx

x

.

Dado quesin(−x)

−x=

sin x

x, a desigualdade anterior e valida para

x ∈] − π/2, π/2[\{0} e, pelo resultado do exemplo anterior, podemosconcluir:

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92 3. Limite e Continuidade

-5 -2.5 2.5 5 7.5 10 12.5

-0.2

0.2

0.4

0.6

0.8

1

f(x)=sin(x)/xlimx→0

sinx

x= 1.

Figura 3.3

4. Considere-se a funcao f definida por

f(x) =

{

1 x ∈ Q0 x ∈ R \ Q.

Trata-se de uma funcao que nao tem limite em nenhum ponto a ∈ R.Com efeito, basta observar que, tomando sucessoes xn ∈ Q → a ex′

n ∈ R \ Q → a se tem, respetivamente, f(xn) → 1 e f(x′n) → 0 o

que mostra, de acordo com a definicao de limite pelas sucessoes, quef nao pode ter limite em a.

5. Tomemos a funcao f : R \ {0} → R dada por f(x) = x sin

(

1

x

)

(cf.

Figura 3.4).

-0.4 -0.2 0.2 0.4

-0.2

-0.1

0.1

0.2

0.3

0.4Tem-se obviamente∣

x sin

(

1

x

)∣

≤| x |,

pelo que

limx→0

x sin

(

1

x

)

= 0.

Figura 3.4

6. Considerando agora a funcao f : R+ → R dada por f(x) = sin

(

1

x

)

(cf. Figura 3.5) logo se ve que a funcao nao admite limite na origem :

Figura 3.5

0.2 0.4 0.6 0.8 1

-1

-0.5

0.5

1

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3. Limite e Continuidade 93

tomando xn =1

2nπe x′

n =1

2nπ + π/2, tem-se lim xn = limx′

n = 0; como

lim f(xn) = sin(2nπ) = 0 e lim f(x′n) = sin(2nπ + π/2) = 1, f nao tem

limite em x = 0.

Limites relativos. Limites laterais. Seja f : D → R uma dada funcaoe considere-se uma parte A ⊂ D; seja a ∈ A (fecho de A em R).

3.1.10. Definicao. Chama-se limite de f em a relativo a A erepresenta-se por lim

x→ax∈A

f(x), ao limite (quando existe) :

limx→ax∈A

f(x) = limx→a

(

f|A)

(x).

3.1.11. Proposicao. Se limx→a

f(x) = b entao limx→ax∈A

f(x) = b para toda a

parte A ⊂ D tal que a ∈ A.

A demonstracao e imediata; repare-se que, reciprocamente, umafuncao f pode admitir limite em a relativo a alguns subconjuntos do seudomınio sem que no entanto tenha limite no ponto a : retomando o exemplo3.1.9.(4.)

f(x) =

{

1 x ∈ Q0 x ∈ R \ Q

embora nao haja limite em nenhum ponto, tem-se

limx→ax∈Q

f(x) = 1 e limx→a

x∈R\Q

f(x) = 0 ∀a ∈ R.

Casos especialmente importantes:

1. A = D \ {a}; note-se desde logo que a ∈ A significa aqui que a eponto de acumulacao de D. Sob esta condicao, lim

x→ax∈A

f(x) diz-se o

limite de f quando x tende para a por valores diferentes de ae representa-se por

limx→ax 6=a

f(x).

2. A = {x ∈ D, x < a} = D−a ; se a ∈ A, o que significa que a e

de acumulacao de D−a , entao lim

x→ax∈D−

a

f(x) diz-se o limite lateral a

esquerda de f no ponto a e representa-se por

limx→a−

f(x), limx→ax<a

f(x) ou f(a−).

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94 3. Limite e Continuidade

3. A = {x ∈ D, x > a} = D+a ; sendo a de acumulacao de D+

a , limx→a

x∈D+a

f(x)

diz-se o limite lateral a direita de f no ponto a e representa-sepor

limx→a+

f(x), limx→ax>a

f(x) ou f(a+).

Observacoes.1. Repare-se que limx→a−

f(x) = b (caso exista) significa

∀δ > 0 ∃ε > 0 : x ∈ D, a − ε < x < a =⇒ f(x) ∈ Vδ(b)

e limx→a+

f(x) = b e equivalente a

∀δ > 0 ∃ε > 0 : x ∈ D, a < x < a + ε =⇒ f(x) ∈ Vδ(b).

2. Se a e ponto de acumulacao de D−a e D+

a (e portanto de D) e umsimples exercıcio mostrar que lim

x→ax 6=a

f(x) = b se e so se limx→a−

f(x) e limx→a+

f(x)

existem e sao iguais a b. Observe-se no entanto que limx→a−

f(x) = limx→a+

f(x)

nao implica que exista limx→a

f(x) (cf. Figura 3.1). Enfim, se a ∈ D,

podemos concluir que existe limx→a

f(x) se e so se

limx→a−

f(x) = limx→a+

f(x) = f(a).

Mudanca de variavel: limite da funcao composta.

Sejam f : D → R e ϕ : T → R funcoes tais que ϕ(T ) ⊂ D. Conside-remos a composicao,

f ◦ ϕ : T −→ R, t ∈ T −→ f(ϕ(t)).

3.1.12. Teorema. Se limt→t0

ϕ(t) = x0 e limx→x0

f(x) existe, entao f ◦ ϕ tem

limite em t0 elimt→t0

(f ◦ ϕ)(t) = limx→x0

f(x).

Observacao. Devera admitir-se que t0 ∈ T e x0 ∈ D. Contudo bastasupor que t0 ∈ T dado que tal hipotese implica x0 ∈ D (exercıcio).

Demonstracao. Tomemos tn → t0; como limt→t0

ϕ(t) = x0 vem ϕ(tn) → x0

e como limx→x0

f(x) existe, f(ϕ(tn)) → limx→x0

f(x). Logo, a definicao de limite

pelas sucessoes da o resultado.

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3. Limite e Continuidade 95

O teorema do limite da funcao composta generaliza-se imediatamente(com as devidas hipoteses) ao caso dos limites relativos e em particular aoslimites laterais. Vejamos o seguinte exemplo de aplicacao:

limt→0+

sin t2

t;

na pratica toma-se a mudanca de variavel t2 = x, que se traduz na

composicao da aplicacao f : R+ → R, f(x) =sinx√

x, com a aplicacao

ϕ : R+ → R, x = ϕ(t) = t2, isto e,sin t2

t= f(ϕ(t)); como x = ϕ(t) → 0+

quando t → 0, tem-se

limt→0+

sin t2

t= lim

x→0+f(x) = lim

x→0+

sin x√x

= limx→0+

(√x.

sin x

x

)

= 0.

Limite de funcoes monotonas. Recordemos a nocao de funcaomonotona (cf. (1.4.3.)). Tem-se agora o seguinte importante

3.1.13. Teorema. Toda a funcao monotona f : D → R tem limiteslaterais a esquerda (resp. a direita) em todo o ponto a em que tais limitespossam ser definidos: a ponto de acumulacao de D−

a (resp. a ponto deacumulacao de D+

a ).

Demonstracao. Seja f : D → R e a um ponto de acumulacao deD−

a = {x ∈ D : x < a}. Mostremos primeiro que

se f e monotona crescente entao f(a−) = supx∈D−

a

f(x)

se f e monotona decrescente entao f(a−) = infx∈D−

a

f(x)

Seja L = supx∈D−

a

f(x) ∈ R (finito); se L = +∞ a demonstracao e analoga.

Da definicao de supremo, para todo δ > 0 existe um x0 ∈ D−a tal que

f(x0) > L − δ. Sendo f crescente, f(x0) ≤ f(x) para todo x ∈]x0, a[∩D elogo

L − δ < f(x0) ≤ f(x) ≤ L ∀x ∈]x0, a[∩D

ou seja L = f(a−).Se f e monotona decrescente entao e claro que −f e monotona

crescente. Utilizando o resultado ja demonstrado e o teorema 1.4.7.(2.),tira-se

f(a−) = − limx→a−

(−f(x)) = − supx∈D−

a

(−f(x)) = infx∈D−

a

f(x).

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96 3. Limite e Continuidade

Analogamente

f(a+) = infx∈D+

a

f(x) se f e monotona crescente

f(a+) = supx∈D+

a

f(x) se f e monotona decrescente.

1234567890123456789012345612345678901234567890123456 x

O

y

a

f(a - )

f(a ) +

D a - D a

+

Funcao monotona crescente:

f(a−) = supx∈D−

a

f(x)

f(a+) = infx∈D+

a

f(x).

Figura 3.6

Corolario 1. Se f : D → R e monotona e a ∈ D, entao f(a−) e f(a+)sao finitos e tem-se

f(a−) ≤ f(a) ≤ f(a+) se f e crescente.

f(a−) ≥ f(a) ≥ f(a+) se f e decrescente.

Corolario 2. Se f : D → R e monotona e +∞ (resp. −∞) e ponto deacumulacao de D entao existem os limites de f em +∞ (resp. em −∞) etem-se

limx→+∞

f(x) = supD

f se f e crescente

limx→+∞

f(x) = infD

f se f e decrescente

respetivamente:

limx→−∞

f(x) = infD

f se f e crescente

limx→−∞

f(x) = supD

f se f e decrescente.

Observacao. Aplicando o corolario precedente a sucessao f : N → N,f(n) = xn, obtemos os resultados ja conhecidos sobre os limites dassucessoes monotonas (cf. (2.1.6.)).

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3. Limite e Continuidade 97

3.1.14. Limite superior e inferior de uma funcao.

Consideremos f : D → R e a ∈ D (em particular a = +∞ ou−∞). Suponhamos f majorada numa dada vizinhanca Vδ(a) e para todoε > 0 (ǫ ≤ δ), consideremos

L(a, ε) = supx∈Vε(a)∩D

f(x).

E claro que 0 < ε1 < ε2 =⇒ L(a, ε1) ≤ L(a, ε2) e logo

L(a, ε) :]0, δ[−→ R, ε ∈]0, δ[−→ L(a, ε)

define uma funcao crescente (e portanto, como vimos, com limite lateralem cada ponto). Define-se limite superior de f em a e representa-se porlimx→a

f(x), como

limε→0+

L(a, ε) ≡ limx→a

f(x).

Analogamente, sendo f minorada numa dada vizinhanca Vδ(a) e pondo

l(a, ε) = infx∈Vε(a)∩D

f(x) (ǫ ≤ δ),

obtem-se uma funcao, agora decrescente,

l(a, ε) :]0, δ[−→ R, ε ∈]0, δ[−→ l(a, ε)

e define-se limite inferior de f em a como

limε→0+

l(a, ε) ≡ limx→a

f(x).

Assim, tem-se

limx→a

f(x) = limε→0+

(

supx∈Vε(a)∩D

f(x)

)

= infε>0

(

supx∈Vε(a)∩D

f(x)

)

e

limx→a

f(x) = limε→0+

(

infx∈Vε(a)∩D

f(x)

)

= supε>0

(

infx∈Vε(a)∩D

f(x)

)

.

Se f nao for majorada em nenhuma vizinhanca de a, entao define-selimx→a

f(x) = +∞; do mesmo modo, se f nao e minorada em nenhuma

vizinhanca de a, define-se limx→a

f(x) = −∞.

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98 3. Limite e Continuidade

Observacoes. 1. No caso particular de uma sucessao f : N → R,f(n) = xn e a = +∞, a definicao de limite superior significa

limx→+∞

f(x) = infε>0

(

supn∈Vε(+∞)

xn

)

= infε>0

(

supn>1/ε

xn

)

que e igual a

infp∈N

(

supn≥p

xn

)

= limxn

ou seja, o limite superior de uma sucessao, anteriormente definido (cf.(2.3.13.)). Do mesmo modo se recupera a nocao de limite inferior de umasucessao.

2. Dado que l(a, ε) ≤ L(a, ε) para todo ε > 0, tem-se entao

limx→a

f(x) ≤ limx→a

f(x).

A semelhanca do que acontece com as sucessoes, temos agora

3.1.15. Proposicao. Seja f : D → R e a ∈ R. A funcao f tem limite noponto a se e so se lim

x→af(x) = lim

x→af(x), tendo-se entao

limx→a

f(x) = limx→a

f(x) = limx→a

f(x).

Demonstracao. Suponhamos que limx→a

f(x) = A ∈ R. Entao

∀δ > 0 ∃ε > 0 : x ∈ Vε(a) ∩ D =⇒ f(x) ∈ Vδ/2(A)

e portantol(a, ε), L(a, ε) ∈ Vδ(A).

Tomando uma sucessao δn → 0, e entao possıvel escolher εn → 0 tal quel(a, εn), L(a, εn) ∈ Vδn

(A) e portanto l(a, εn) → A e L(a, εn) → A, o queimplica

limx→a

f(x) = limx→a

f(x) = limx→a

f(x) = A. (l)

Reciprocamente, suponha-se a condicao (l) satisfeita com A ∈ R (o casoA = ±∞ tem demonstracao semelhante). Dado δ > 0, existe ε > 0 tal que

A − δ < L(a, ε) < A + δ e A − δ < l(a, ε) < A + δ.

Mas,L(a, ε) − A < δ =⇒ f(x) − A < δ ∀x ∈ Vε(a) ∩ D,

A − l(a, ε) < δ =⇒ A − f(x) < δ ∀x ∈ Vε(a) ∩ D.

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3. Limite e Continuidade 99

Logo

| f(x) − A |< δ ∀x ∈ Vε(a) ∩ D

ou seja, limx→a

f(x) = A.

3.1.16. Proposicao. Sejam f, g : D → R e a ∈ D. Entao tem-se

1. Se f(x) ≤ g(x) (x ∈ Vε(a) ∩ D),

limx→a

f(x) ≤ limx→a

g(x); limx→a

f(x) ≤ limx→a

g(x);

2. limx→a

(−f(x)) = − limx→a

f(x);

3. Se f(x) > 0 (x ∈ Vε(a) ∩ D), limx→a

1

f(x)=

1

limx→a

f(x);

4. limx→a

(f(x) + g(x)) ≤ limx→a

f(x) + limx→a

g(x);

limx→a

(f(x) + g(x)) ≥ limx→a

f(x) + limx→a

g(x);

limx→a

(f(x) + g(x)) ≥ limx→a

f(x) + limx→a

g(x);

5. Se f(x), g(x) ≥ 0 (x ∈ Vε(a) ∩ D),

limx→a

(f(x)g(x)) ≤ limx→a

f(x) limx→a

g(x);

limx→a

(f(x)g(x)) ≥ limx→a

f(x) limx→a

g(x);

limx→a

(f(x)g(x)) ≥ limx→a

f(x) limx→a

g(x);

6. Se existe limx→a

g(x),

limx→a

(f(x) + g(x)) = limx→a

f(x) + limx→a

g(x);

7. Se f(x), g(x) ≥ 0 (x ∈ Vε(a) ∩ D) e se existe limx→a

g(x),

limx→a

(f(x)g(x)) = limx→a

f(x) limx→a

g(x);

sempre que os segundos membros facam sentido em R.

Demonstracao. Observe-se desde logo que 6. e 7. sao consequenciaimediata de 4. e 5. respetivamente. A demonstracao resulta facilmentedas definicoes de limite superior e inferior e da aplicacao do teorema 1.4.7..A tıtulo ilustrativo vejamos, por exemplo, a primeira desigualdade de 4..Com efeito,

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100 3. Limite e Continuidade

limx→a

(f(x) + g(x)) = limε→0+

(

supx∈Vε(a)∩D

f(x) + g(x)

)

;

como, por 1.4.7.(5.), se tem

supx∈Vε(a)∩D

(f(x) + g(x)) ≤ supx∈Vε(a)∩D

f(x) + supx∈Vε(a)∩D

g(x)

a conclusao sai trivialmente de 3.1.2. e 3.1.8.

3.1.17. Exemplo. Retomando o ja conhecido exemplo

f : R \ {0} −→ R, f(x) = sin

(

1

x

)

vemos que

L(0, ε) = supx∈Vε(0)\{0}

sin

(

1

x

)

= 1,

l(0, ε) = infx∈Vε(0)\{0}

sin

(

1

x

)

= −1

∀ε > 0

e logo

limx→a

sin

(

1

x

)

= 1, limx→a

sin

(

1

x

)

= −1.3.2. Fun� ~oes ont��nuas. Primeiras propriedades.3.2.1. Definicao. Seja f : D → R e a ∈ D. Diz-se que f e uma funcaocontınua no ponto a se lim

x→af(x) = f(a), isto e

∀δ > 0 ∃ε > 0 : x ∈ D, | x − a |< ε =⇒| f(x) − f(a) |< δ.

Observacoes. 1. De acordo com a definicao dada de limite, a funcao f econtınua no ponto a se e so se f tem limite em a (como vimos, sea funcao tem limite em x = a ∈ D, este nao pode deixar de ser f(a)).A definicao de limite pelas sucessoes permite tambem acrescentar que f econtınua em a se e so se

∀xn ∈ D, xn −→ a =⇒ f(xn) −→ f(a).

2. E claro que toda a funcao f e contınua em todo o ponto isolado do seudomınio.

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3. Limite e Continuidade 101

3. Se a ∈ D e ponto de acumulacao, e portanto e possıvel definir o limitequando x tende para a por valores diferentes de a, resulta das definicoesque

limx→a

f(x) = f(a) ⇐⇒ limx→ax 6=a

f(x) = f(a)

e logo f e contınua em a se e so se f(a+) = f(a−) = f(a) (admitindo serpossıvel definir os limites laterais).

As duas proposicoes seguintes sao consequencia imediata dos corres-pondentes resultados sobre limites.

3.2.2. Proposicao (Propriedades algebricas). Sejam f, g, funcoescontınuas em a ∈ D ⊂ R. Entao f + g, f.g, | f | e −f sao contınuas ema. Se g(a) 6= 0, f/g e tambem contınua em a.

3.2.3. Proposicao (Continuidade da funcao composta). Considere-mos ϕ : D → R e f : E → R funcoes tais que ϕ(D) ⊂ E. Se ϕ e contınuaem a ∈ D e f e contınua em ϕ(a) ∈ E entao f ◦ ϕ e contınua em a.

3.2.4. Definicao. Uma funcao f : D → R diz-se contınua em D (ouapenas contınua) se for contınua em todos os pontos de D. Uma funcaof : D → R diz-se contınua numa parte C ⊂ D se f|C for contınua.

3.2.5. Descontinuidades.

Seja dada uma funcao f : D → R; diz-se que a ∈ D e umadescontinuidade ou um ponto de descontinuidade se f nao e contınuaem a.

Diz-se que a funcao f possui uma descontinuidade de primeiraespecie em a se f e descontınua em a e admite os limites lateraisfinitos, lim

x→a+f(x) = f(a+) e lim

x→a−f(x) = f(a−). (Se a e somente de

acumulacao de D+a ou D−

a , isto e, se a ∈ (D+a )′ ou a ∈ (D−

a )′, apenas seexige a existencia do limite lateral finito correspondente). Um ponto dedescontinuidade diz-se de segunda especie se nao for de primeira especie.

A analise do conjunto dos pontos de descontinuidade de uma funcaoe um tema particularmente relevante; teremos ocasiao de regressar a esteassunto quando adiante estudarmos o integral de Riemann.

Por vezes, e conveniente definir o salto de f , σ(a), num ponto a ∈ Dque admita os limites laterais f(a+) e f(a−). Assim, por definicao,

σ(a) = max{|f(a+) − f(a)|, |f(a−) − f(a)|}, se a ∈ (D+a )′ ∩ (D−

a )′;

se apenas a ∈ (D+a )′, respetivamente a ∈ (D−

a )′, pomos

σ(a) = |f(a+) − f(a)|, respetivamente σ(a) = |f(a−) − f(a)|.

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102 3. Limite e Continuidade

Enfim, se a /∈ (D+a )′∪(D−

a )′, (a e um ponto isolado em D), pomos σ(a) = 0.E claro que σ(a) ≥ 0 e σ(a) = 0 se e so se f e contınua em a.

Seja agora f uma funcao monotona; as suas descontinuidades seraonecessariamente de primeira especie (cf. 3(.1.13.), Corolario.). Alem disso,

3.2.6. Proposicao. Se f : D → R e uma funcao monotona, entao oconjunto das suas descontinuidades e finito ou numeravel.

Demonstracao. Fixando a, b ∈ D, a < b, quaisquer, basta provar que oconjunto das descontinuidades de f em D ∩ [a, b] e numeravel (porque ?).Seja entao Dn = {x ∈ D ∩ [a, b] : σ(x) ≥ 1/n}. O conjunto das

descontinuidades de f em D ∩ [a, b] e obviamente⋃

n

Dn, e este sera

numeravel se todos os Dn forem, em particular, finitos. Admitindo quef e monotona crescente (o caso decrescente e similar), sejam a ≤ x1 <x2 < · · · < xm ≤ b, m discontinuidades de f em Dn. Entao,

m∑

k=1

σ(xk) ≤m∑

k=1

[f(x+k ) − f(x−

k )] ≤ f(b+) − f(a−)

e como σ(xk) ≥ 1/n e claro que Dn tera de ser finito (ou vazio), para todoo n, o que prova o resultado.

3.2.7. Exemplos.

1. A funcao Sgn : R → R, chamada funcao sinal de x e dada por

Sgn(x) =

1 se x > 00 se x = 0−1 se x < 0

tem em 0 uma descontinuidade de primeira especie:

limx→0+

Sgn(x) = Sgn(0+) = 1, limx→0−

Sgn(x) = Sgn(0−) = −1.

2. Um classico exemplo e dado pela funcao, ja conhecida: dado x0 ∈ R,f(x) = sin(1/x) se x 6= 0 e f(0) = x0.

Figura 3.7

-1 -0.5 0.5 1

-1

-0.5

0.5

1

1.5

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3. Limite e Continuidade 103

A funcao f tem uma descontinuidade de segunda especie em 0: naoexistem f(0+) e f(0−).

3. A funcao f : R → R,

f(x) =

{

1 se x ∈ Q0 se x ∈ R \ Q

e descontınua em todos os pontos x ∈ R, os quais sao descon-tinuidades de segunda especie : para todo a ∈ R, existem sucessoesxn > a, yn > a, xn ∈ Q, yn ∈ R \ Q, convergentes para a, tendo-seentao f(xn) → 1 e f(yn) → 0, o que mostra que nao existe f(a+); domesmo modo se via que nao existe f(a−).

4.

a f(a)

f(a )

f(a )

b x

y

O

+

_

Figura 3.8

A funcao representada na figura admite uma descontinuidade em ade primeira especie e uma descontinuidade em b de segunda especie.f(a+), f(a−) ∈ R, f(b−) = +∞.

5. Consideremos a funcao f : R → R,

f(x) =

0 se x ∈ R \ Q1/q se x = p/q ∈ Q \ {0}1 se x = 0

sendo p/q uma fraccao irredutıvel, isto e, p, q ∈ Z, sao primos entresi e q > 0. Mostremos que existe lim

x→a

x 6=a

f(x) = 0, para todo o a ∈ R.

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104 3. Limite e Continuidade

Bastara mostrar que limx→a

x∈Q

f(x) = 0, ou seja

∀δ > 0 ∃ε > 0 : |p/q − a| < ε =⇒ 1/q < δ (⇔ q > 1/δ).

Ora, os inteiros positivos q ≤ 1/δ sao em numero finito; designemospor B = {q1, . . . , qm} o seu conjunto. Existe entao uma maispequena fraccao com denominador em B, p′/qi, tal que p′/qi > a;analogamente, seja p′′/qj a maior fraccao com denominador em B etal que p′′/qj < a. Fazendo ε = min{a − p′′/qj, p′/qi − a}, e agoraclaro que todo o racional p/q 6= a, tal que a− ε < p/q < a + ε, deverasatisfazer q /∈ B, ou seja 1/q < δ como se queria.Como f e nula nos irracionais, tem-se lim

x→af(x) = f(a) = 0 se

a ∈ R\Q; a funcao f e um exemplo de funcao contınua no conjunto dosirracionais e descontınua no conjunto dos racionais. No entanto naoexiste nenhuma funcao f que seja contınua nos racionais e descontınuanos irracionais (cf. exercıcio 30.).3.3. Teoremas fundamentais da ontinuidade.Os teoremas apresentados nesta seccao constituem resultados centrais

da Analise Real. Sao resultados globais, isto e, determinam o compor-tamento das funcoes f : D → R em todo o seu domınio e derivam daconjuncao dos seguintes dois aspectos:

1. A funcao f e contınua.2. O domınio D de f tem uma determinada “forma topologica”.

Funcoes contınuas em intervalos.

Comecemos por observar que um conjunto I ⊂ R e um intervalo(limitado, nao limitado, aberto, fechado ou semiaberto) se e so se paraquaisquer x, y ∈ I com x ≤ y se tem [x, y] ⊂ I.

3.3.1. Teorema (Existencia de zeros). Sejam a, b ∈ R numeros reaistais que a < b e f : [a, b] → R uma funcao contınua. Se f(a).f(b) < 0,existe pelo menos um ξ ∈]a, b[ tal que f(ξ) = 0; tal ξ diz-se um zero de f .

Demonstracao. Seja entao f(a).f(b) < 0, isto e, f(a) e f(b) temsinais contrarios. Tomemos c = (a + b)/2; se f(c) = 0 entao c = ξ,senao f(a).f(c) < 0 ou f(c).f(b) < 0 (cf. Fig. 3.9). Seja por exemplof(a).f(c) < 0; ponha-se entao a1 = a, b1 = c e escolha-se de novo o pontointermedio, c1 = (a1 + b1)/2. Se f(c1) = 0 entao c1 = ξ; caso contrario,ter-se-a f(a1).f(c1) < 0 ou f(c1).f(b1) < 0. Seja (por ex.) f(c1).f(b1) < 0;faz-se entao a2 = c1, b2 = b1.

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3. Limite e Continuidade 105

c c

c 1 a

b x

y

O 12345678901234567890123456789012123456789012345678901

2

f

Figura 3.9

Prosseguindo o raciocınio, ou terminamos num numero finito de passos:cn = ξ; ou obtemos uma sucessao de intervalos encaixados

[a0, b0] = [a, b] ⊃ [a1, b1] ⊃ [a2, b2] ⊃ · · ·

tais que, bn − an =b − a

2n. Mas entao existira um unico ponto ξ comum a

todos os intervalos (axioma do encaixe). Como por construcao se tem

f(an) < 0 e f(bn) > 0,

ouf(an) > 0 e f(bn) < 0

conclui-se em qualquer dos casos

0 ≥ limn→∞

f(an) = f(ξ) = limn→∞

f(bn) ≥ 0 =⇒ f(ξ) = 0

ou0 ≤ lim

n→∞f(an) = f(ξ) = lim

n→∞f(bn) ≤ 0 =⇒ f(ξ) = 0.

O corolario seguinte, devido a Bolzano, exprime a ideia intuitiva deque uma funcao contınua definida num intervalo “nao passa de um valor aoutro sem passar por todos os valores intermedios”.

Corolario (Bolzano). Sejam a, b ∈ R numeros reais tais que a < b ef : [a, b] → R uma funcao contınua. Entao f assume todos os valoresentre f(a) e f(b), isto e, se (por ex.) f(a) < f(b),

∀y0 tal que f(a) < y0 < f(b), ∃x0 ∈]a, b[ tal que f(x0) = y0.

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106 3. Limite e Continuidade

Demonstracao. Admitindo (por ex.) que f(a) < f(b) e tomando umqualquer y0 tal que f(a) < y0 < f(b), a funcao

g : [a, b] −→ R, g(x) = f(x) − y0

esta nas condicoes do teorema, pelo que existe x0 ∈ [a, b] tal que g(x0) = 0e logo f(x0) = y0.

Observacoes 1. O metodo utilizado na demonstracao do teorema prece-dente e um classico metodo de aproximacao numerica dos zeros de umafuncao. Repare-se que, quando aplicado a funcao f(x) = xn −A, reproduzprecisamente a demonstracao da proposicao 1.1.1. (existencia da raiz n deum real positivo). Existem outros metodos de aproximacao das raızes def(x) = 0; este importante tema e objecto de desenvolvimento na disciplinade Analise Numerica.

2. A funcao f : [−1, +1] → R dada por

f(x) =

−1 se x ∈ [−1, 0[

+1 se x ∈ [0, +1]

embora tenha como domınio um intervalo, nao toma valores entre f(−1) =−1 e f(1) = 1. Com efeito, a funcao f e descontınua em x = 0.

Tomemos agora a funcao f : [−1, 0] ∪ [1, 2] → R definida por f(x) = x;embora se trate de uma funcao contınua, f nao toma todos os valoresvalores entre f(−1) = −1 e f(1) = 1: neste caso o seu domınio nao e umintervalo.

3.3.2. Teorema (Bolzano). Seja f : I → R, uma funcao contınua numintervalo I ⊂ R. Entao f(I) e um intervalo.

Demonstracao. Sejam y1, y2 ∈ f(I) tais que y1 < y2. Tem-se y1 = f(x1)e y2 = f(x2) com x1, x2 ∈ I. Como f e contınua em [x1, x2] (ou [x2, x1]no caso de x2 < x1), resulta do corolario anterior que [y1, y2] ⊂ f(I) e logof(I) e um intervalo.

Observacao. Repare-se que o teorema de Bolzano nao se pronuncia sobrea natureza do intervalo f(I); o intervalo f(I) tera necessariamente comoextremos inf

If e sup

If que poderao pertencer ou nao a f(I), isto e, o

intervalo f(I) pode ser fechado, aberto ou semiaberto. Assim, por exemploa funcao

f : I = [−π/2, π/2] −→ R, f(x) = sinx

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3. Limite e Continuidade 107

e contınua e tem-se f(I) = [−1, 1] (intervalo fechado). Tomando agora afuncao

f : I =] − 1, 1[−→ R, f(x) =| x |,tambem contınua em I, obtem-se como imagem o intervalo f(I) = [0, 1[(intervalo semiaberto).

3.3.3. Proposicao. Seja I ⊂ R um intervalo de R e f : I → R umafuncao contınua e injetiva. Entao f e estritamente monotona.

Demonstracao. Se I = {x0} o resultado e trivial.Sejam entao x0, y0 ∈ I dois quaisquer elementos de I tais que x0 < y0.Como f(x0) 6= f(y0), ter-se-a f(x0) < f(y0) ou f(y0) < f(x0). Noprimeiro caso mostra-se que f e estritamente crescente e no segundoestritamente decrescente. Suponha-se entao f(x0) < f(y0) (no segundocaso a demonstracao e identica) e mostremos em primeiro lugar que, paratodo x tal que x0 < x < y0 se tem f(x0) < f(x) < f(y0). Com efeito, seassim nao for, tem-se

(a) f(x) < f(x0) < f(y0)

ou(b) f(x0) < f(y0) < f(x).

Mas, tendo-se (a), o teorema de Bolzano implica que existe ξ ∈]x, y0[ talque f(ξ) = f(x0) o que contraria a injetividade de f . (cf. Fig. 3.10)

x x y η ξ 0 0

Figura 3.10

Tendo-se (b), de novo o teorema de Bolzano implica a existencia de umη ∈]x0, x[ tal que f(η) = f(y0), contrariando ainda a injetividade de f .Logo

f(x0) < f(x) < f(y0).

Finalmente, se x0 < x < y < y0, pela parte atras demonstrada, tira-se quef(x0) < f(y) < f(y0); mas como x0 < x < y e f(x0) < f(y), tem-se aindapela parte anterior

f(x0) < f(x) < f(y).

Logo, f|[x0,y0] e estritamente crescente e portanto f tambem o sera ja quex0 e y0 sao quaisquer em I.

3.3.4. Proposicao. Seja f : I → R uma funcao monotona no intervaloI; se f(I) e um intervalo entao f e contınua.

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108 3. Limite e Continuidade

Demonstracao. Suponhamos f crescente e seja x0 ∈ I (se f e decrescenteo raciocınio e semelhante). Pelo corolario 1. de 3.1.13. tem-se

f(x−0 ) ≤ f(x0) ≤ f(x+

0 ).

Se fosse f(x−0 ) < f(x+

0 ), entao f(I) nao podia ser um intervalo ja que todoo ξ ∈

]

f(x−0 ), f(x+

0 )[

com ξ 6= f(x0) nao esta em f(I). Logo os limiteslaterais sao iguais e f e contınua.

Podemos agora estabelecer o importante teorema da continuidade dafuncao inversa. A questao e a de saber se para uma funcao f contınua einjetiva a funcao inversa e ainda contınua. A resposta, em geral, e negativa(veja-se a Figura 3.11);

3.3.5. Teorema (continuidade da funcao inversa). Seja f umafuncao contınua e injetiva definida num intervalo I ⊂ R. Entao f−1 econtınua.

Demonstracao. Pela proposicao 3.3.3. f vem estritamente monotona eportanto tambem f−1 e estritamente monotona. Mas f−1 esta definidaem f(I) que e um intervalo (teorema 3.3.2. (Bolzano)) e a sua imagem,im f−1 = dom f = I, ainda e um intervalo. Resulta agora da proposicaoanterior que f−1 e contınua.

Observacoes. 1. A funcao f nas condicoes do teorema e portanto umabijecao de um intervalo I sobre um intervalo J e e bicontınua, isto e, fe f−1 sao ambas contınuas; por isso, f diz-se um homeomorfismo de Isobre J .

2.

O 1 2 x

y

f

O x

y

f

1

2

_ 1

f :]0,1[∪]1,2]−→R e contınua. f−1:R−→R e descontınua em 0.Figura 3.11

A funcao f da figura precedente embora seja contınua e injetiva naotem inversa contınua (f−1 e descontınua em x = 0). De acordo com o

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3. Limite e Continuidade 109

teorema da funcao inversa, o que falha neste exemplo e o facto de o domıniode f nao ser um intervalo.

3.3.6. Funcoes contınuas em compactos.

Na anterior seccao vimos como as funcoes contınuas, quando definidasem intervalos, tem notaveis propriedades. No que se segue, sao apresenta-dos novos resultados referentes a funcoes contınuas definidas em conjuntoscompactos.

3.3.7. Definicao. Um conjunto D ⊂ R diz-se um conjunto compactose for limitado e fechado.

Antes de apresentarmos algumas caracterizacoes dos conjuntos com-pactos em R, introduza-se a nocao de cobertura de um conjunto D ⊂ R.

Uma famılia de conjuntos {Iα}α∈A diz-se uma cobertura de D se

D ⊂⋃

α∈A

Iα. Uma subfamılia, {Iβ}β∈B, B ⊂ A, que seja ainda uma

cobertura de D, diz-se uma subcobertura de {Iα}α∈A.

3.3.8. Proposicao(*) Seja D ⊂ R um subconjunto de R. Sao equivalentes

a) D e compacto

b) Toda a cobertura {Iα}α∈A de D formada por intervalos abertos contemuma subcobertura finita.

c) Para toda a sucessao (xn) em D existe uma subsucessao (xαn)

convergente para um ponto de D.

Demonstracao. a) =⇒ b). Seja {Iα}α∈A uma cobertura de D formadapor intervalos abertos e suponhamos (por absurdo) que nao e possıvelcobrir D com um numero finito de tais intervalos. Sendo D limitado,D ⊂ [a, b] (a < b); dividindo o intervalo ao meio, pelo menos um dos doissubintervalos obtidos, J1, e tal que D ∩ J1 nao e coberto com um numerofinito de intervalos Iα. Prosseguindo o raciocınio, obtemos uma sucessaode intervalos encaixados,

J1 ⊃ J2 ⊃ · · · ⊃ Jn ⊃ · · · , Jn = [an, bn],

com bn − an → 0 e tais que Jn ∩ D nao e coberto com um numero finitode intervalos Iα. Pelo axioma do encaixe, existe x0 ∈ ⋂ Jn, que sera pontode acumulacao de D (porque?). Dado que D e fechado, x0 ∈ D e logox0 ∈ Iα0

, para algum α0 ∈ A. Como an, bn → x0 e Iα0e um intervalo

(*) A implicacao a) =⇒ b) e usualmente designada na literatura matematica por Lema

da cobertura ou Lema de Borel - Lebesgue.

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110 3. Limite e Continuidade

aberto, a partir de certa ordem n > N , vem Jn ⊂ Iα0o que e contraditorio

(os conjuntos Jn ∩ D nao podiam ser cobertos com um numero finito deintervalos Iα).

b) =⇒ c). Seja (xn) uma sucessao em D; como D satisfaz a propriedade b)(tambem chamada propriedade da cobertura), tera de ser necessariamentelimitado (bastara tomar a cobertura { ]x − 1, x + 1[ }x∈D e aplicar b)).A sucessao (xn) e entao limitada e logo (cf. (2.3.12.), Corolario.) existeuma subsucessao convergente, xαn

→ x0, x0 ∈ D. Afirmamos que x0 ∈ D.Caso contrario, a famılia de intervalos abertos

{ ]x0 − 1/n, x0[, ]x0, x0 + 1/n[,

] −∞, x0 − 1/2[, ]x0 + 1/2, +∞[ }n∈N

e uma cobertura de D e nao contem nenhuma subcobertura finita.

c) =⇒ a). Se D nao e limitado, existe xn ∈ D tal que xn → +∞(ou xn → −∞) e tal sucessao nao pode ter sublimite finito (e portantopertencente a D).Enfim, D e fechado, ja que todo x0 ∈ D e limite de uma sucessao de pontosde D (cf. (2.3.9.)) e logo, pela hipotese b), x0 ∈ D.

Observacao. O leitor reconhecera imediatamente que nao e possıvelextrair nenhuma subcobertura finita nos exemplos seguintes:

R =⋃

n∈N

] − n, n[,

]0, 1] ⊂⋃

n∈N

]1/n, 2].

Com efeito, R nao e limitado e ]0, 1] nao e fechado.

3.3.9. Proposicao. Seja f : D → R uma funcao contınua definida numconjunto compacto D ⊂ R. Entao f(D) e compacto.

Demonstracao. Tendo presente a anterior caracterizacao, trata-se demostrar que para toda a sucessao (yn) de pontos de f(D) se pode extrairuma subsucessao convergente para um ponto de f(D). Tomando yn ∈ f(D)tem-se yn = f(xn) com xn ∈ D. Como D e um conjunto compacto, existeuma subsucessao xαn

→ x0 ∈ D. Logo, sendo f contınua

yαn= f(xαn

) −→ f(x0) ∈ f(D)

e portanto yαne uma subsucessao de yn convergente para um ponto de

f(D), como se queria.

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3. Limite e Continuidade 111

Corolario 1. Se f : [a, b] → R e uma funcao contınua definida numintervalo limitado e fechado (intervalo compacto), a sua imagem e umintervalo limitado e fechado :

f([a, b]) = [α, β].

Demonstracao. Consequencia imediata da proposicao anterior e doteorema 3.3.2.(Bolzano).

Corolario 2. (Teorema de Weierstrass). Seja f : D → R uma funcaocontınua num compacto D ⊂ R. Entao f tem maximo e mınimo.

Demonstracao. Basta observar que supD

f, infD

f ∈ f(D) = f(D).

3.3.10. Continuidade uniforme.

Uma classe particular de funcoes contınuas sao as funcoes uniforme-mente contınuas.

3.3.11. Definicao. Seja f : D → R uma funcao real de variavel real.Diz-se que f e uniformemente contınua em D se para todo δ > 0 existeε > 0 tal que

x1, x2 ∈ D e | x1 − x2 |< ε =⇒ | f(x1) − f(x2) |< δ.

Resulta imediatamente da definicao que uma funcao uniformementecontınua e contınua : basta fixar x1 = x0 ∈ D. A recıproca e falsa :

Contraexemplo. Seja f : R → R, f(x) = x2; trata-se claramente de umafuncao contınua. No entanto f nao e uniformemente contınua em R; comefeito, se assim fosse, dado δ = 1, existia ε tal que

x1, x2 ∈ R, | x1 − x2 |< ε =⇒ | x21 − x2

2 |< 1.

Escolhendo x1 =1

εe x2 =

1

ε+

ε

2, vinha | x1 − x2 |< ε e

| x21 − x2

2 |=∣

1

ε2−(

1

ε2+

ε2

4+ 1

)∣

= 1 +ε2

4> 1

o que e absurdo.

3.3.12. Dois exemplos notaveis.

1. Uma funcao f : D → R diz-se lipschitziana em D se existe K > 0tal que

| f(x) − f(y) |≤ K | x − y | ∀x, y ∈ D.

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112 3. Limite e Continuidade

A constante K diz-se a constante de Lipschitz. Uma funcao lipschi-tziana com constante de Lipschitz K ≤ 1 diz-se uma contracao e seK < 1, diz-se uma contracao estrita.

2. Uma funcao f : D → R diz-se holderiana de ordem α ∈]0, 1[ emD se existe uma constante Hα > 0 tal que

| f(x) − f(y) |≤ Hα| x − y |α ∀x, y ∈ D.

A constante Hα diz-se a constante de Holder de ordem α ∈]0, 1[. Eimediato verificar que as funcoes lipschitzianas e holderianas em D saouniformemente contınuas em D.

3.3.13. Proposicao. Seja f : D → R uma funcao uniformementecontınua e (xn) uma sucessao de Cauchy em D. Entao f(xn) e umasucessao de Cauchy.

Demonstracao. Dado δ > 0 existe ε > 0 tal que

x, y ∈ D e | x − y |< ε =⇒ | f(x) − f(y) |< δ.

Como (xn) e de Cauchy, existe p ∈ N tal que | xn − xm |< ε ∀n, m > p eportanto | f(xn) − f(xm) |< δ (n, m > p), o que mostra o resultado.

Corolario. Seja f : D → R uniformemente contınua. Entao para todoa ∈ D ∩ R, existe lim

x→af(x) e e finito.

Demonstracao. Com efeito, toda a sucessao xn → a com xn ∈ D, sendoconvergente e de Cauchy; logo f(xn) e de Cauchy e portanto convergente.Portanto, o lim

x→af(x) existe e e finito (cf. (3.1.6.)).

Observacoes. 1. Sabıamos ja que uma funcao contınua em D transformasucessoes convergentes em D em sucessoes convergentes; no entanto, naotransforma sucessoes de Cauchy em sucessoes de Cauchy : uma sucessao deCauchy em D (que e convergente em R) nao e necessariamente convergentepara um ponto de D. Por exemplo, a funcao f :]0, +∞[→ R, f(x) = 1/x,e contınua e transforma a sucessao de Cauchy 1/n na sucessao divergente,f(1/n) = n. A propriedade de transformar sucessoes de Cauchy emsucessoes de Cauchy e privilegio das funcoes uniformemente contınuas.

2. Util na pratica e a contra-recıproca do corolario precedente :

Se para algum a ∈ D ∩ R nao existe limx→a

f(x) finito, entao f nao e

uniformemente contınua.

3.3.14. Teorema (Cantor). Seja f : D → R uma funcao contınua numcompacto D ⊂ R. Entao f e uniformemente contınua.

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3. Limite e Continuidade 113

Demonstracao. Se f nao e uniformemente contınua, existe δ > 0 talque, para cada n ∈ N existem elementos xn, yn ∈ D satisfazendo

| xn − yn |< 1

ne | f(xn) − f(yn) |≥ δ.

Mas sendo D compacto, a sucessao (xn) possui uma subsucessao (xαn)

convergente para um elemento x0 ∈ D e pela condicao anterior resulta quelim yαn

= x0.Como f e contınua, tem-se entao

lim f(xαn) = lim f(yαn

) = f(x0)

o que contraria a desigualdade | f(xαn) − f(yαn

) |≥ δ.

3.3.15. Exemplos

1. Seja f : [0, 1] → R, dada por f(x) =√

x. E uma funcao contınuano compacto [0, 1] e portanto uniformemente contınua. Todavia nao elipschitziana: com efeito

supx,y∈[0,1]

| √x −√y |

| x − y | = supx,y∈[0,1]

1√x +

√y

= +∞.

Tomemos agora a funcao g : [0, +∞[→ R, definida por g(x) =√

x.Trata-se evidentemente de uma funcao contınua mas, o seu domınionao sendo compacto, nao e aplicavel o teorema de Cantor. No entanto,g[1,+∞[ e lipschitziana (e logo uniformememnte contınua) :

| g(x) − g(y) |= | x − y || √x +

√y | ≤

1

2| x − y |, ∀x, y ≥ 1.

Como g[0,1] = f e uniformemente contınua, conclui-se sem dificuldadeque g e uniformemente contınua. Com efeito, dado δ > 0 existe ε1 > 0tal que

x1, x2 ∈ [0, 1], | x1 − x2 |< ε1 =⇒| f(x1) − f(x2) |<δ

2

e existe ε2 > 0 tal que

x1, x2 ∈ [1, +∞[, | x1 − x2 |< ε2 =⇒| f(x1) − f(x2) |<δ

2

e logo, para x1 ∈ [0, 1], x2 ∈ [1, +∞], |x1 − x2| < ε = min{ε1, ε2},tem-se

| f(x1) − f(x2) |≤| f(x1) − f(1) | + | f(1) − f(x2) |<δ

2+

δ

2= δ.

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114 3. Limite e Continuidade

2. A ja conhecida funcao f :]0, 1] → R, f(x) = sin

(

1

x

)

e contınua

mas nao uniformemente contınua; basta aplicar o anterior corolarioe observar que f nao admite limite quando x → 0+.3.4. As fun� ~oes exponen ial e logar��tmi a.Se a e um real positivo, recordemos que a1/q(q ∈ N) foi definido (cf.

(1.1.1.)) como o unico real x > 0 tal que xq = a. Tomando agora um

racionalp

q> 0, define-se ap/q como

(

a1/q)p

; define-se ainda a−p/q pondo

a−p/q =1

ap/q.

Enfim, convenciona-se que a0 = 1.

Observacao. Tem-se naturalmente ap/q =(

a1/q)p

= (ap)1/q

. Com efeito,

[(

a1/q)p]q

=[(

a1/q)q]p

= ap

donde a conclusao.

Fica assim definida uma aplicacao r ∈ Q → ar ∈ R que satisfaz oseguinte conjunto de propriedades :

(PQ)

1. ar > 0 ∀r ∈ Q;

2. a0 = 1, ar+s = ar. as, (ar)s = ars ∀r, s ∈ Q;

3. se a > 1, r ∈ Q → ar e estritamente crescente;se a < 1, r ∈ Q → ar e estritamente decrescente;se a = 1, ar = 1r = 1 ∀r ∈ Q.

A demonstracao destas propriedades e bastante elementar e segue-se doscorrespondentes resultados ja conhecidos para ar (r ∈ Z). A guisa deexemplo, veja-se a segunda iguldade de 2.; fazendo r = p/q, s = p′/q′,tem-se

(ar.as)qq′

=(

(ap)1/q)qq′

.

(

(

ap′)1/q′)qq′

= apq′

.ap′q = apq′+p′q

pelo que ap/q.ap′/q′

= a(pq′+p′q)/qq′

= ar+s.

O nosso objectivo e estender a aplicacao r ∈ Q → ar (a > 0) a todo oR (definindo assim a potenciacao: ax, x ∈ R).

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3. Limite e Continuidade 115

Definicao de x ∈ R → ax.

Defina-se a aplicacao x ∈ R → ax, prolongando por continuidadea todo o R a aplicacao r ∈ Q → ar.

Lema. Seja a > 0 um numero real. Tem-se limr→0r∈Q

ar = 1. Em consequencia,

a aplicacao r ∈ Q → ar e contınua.

Demonstracao. Se a = 1 o resultado e imediato. Se a > 1, resulta daspropriedades (PQ) que r ∈ Q → ar e estritamente crescente e portantoexistem os limites laterais em 0. Como

limr→0+

ar = limn→∞

a1/n = 1; limr→0−

ar = limn→∞

a−1/n =1

limn→∞

a1/n= 1

tem-se o resultado. Se a < 1, entao1

a> 1 e a conclusao sai de

limr→0

ar = limr→0

1

(1/a)r = 1.

Finalmente, a continuidade sai de

ar − ar0 = ar0(

ar−r0 − 1) r→r0−→ 0.

Eis agora o resultado que nos permite prolongar por continuidade aaplicacao r ∈ Q → ar:

3.4.1. Proposicao. A aplicacao r ∈ Q → ar (a > 0) admite limite finitoem todo o ponto x ∈ Q = R

Demonstracao. Seja x ∈ R e fixemos racionais s0, s1 tais que s1 < x <s0. Tem-se entao para todo o par de racionais r, s tais que s1 < r, s < s0

|ar − as| =∣

∣as(

ar−s − 1)∣

∣ < M∣

(

ar−s − 1)∣

em que M = max{as0 , as1}. Por outro lado sai do lema precedente que,dado δ > 0 existe um ε > 0, tal que

r, s ∈ Q, | r − s |< ε =⇒∣

∣ar−s − 1∣

∣ < δ/M

e logo

r, s ∈ Q, r, s ∈ Vε/2(x) =⇒ |ar − as| < M∣

(

ar−s − 1)∣

∣ < δ.

O criterio de Cauchy 3.1.7. estabelece a conclusao.

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116 3. Limite e Continuidade

Se x = p/q ∈ Q, a continuidade de ar, r ∈ Q, implica limr→p/qr∈Q

ar = ap/q.

Portanto, e natural definir ax (x ∈ R) como o limite

ax = limr→xr∈Q

ar.

A aplicacao x ∈ R → ax diz-se a funcao exponencial de base a (a > 0).

3.4.2. Teorema. A funcao exponencial x ∈ R → ax (a > 0) e contınua esatisfaz as propriedades:

(P )

1. ax > 0 ∀x ∈ R;

2. ax+y = ax. ay, (ax)y = axy ∀x, y ∈ R;

3. se a > 1, x ∈ R → ax e estritamente crescente;se a < 1, x ∈ R → ax e estritamente decrescente;se a = 1, ax = 1x = 1 ∀x ∈ R.

Demonstracao. A demonstracao de (P ) e simples consequencia daspropriedades algebricas dos limites e das propriedades (PQ). A tıtulo deexemplo vejamos que ax, a > 1, e estritamente crescente. Sejam x, y ∈ R,x < y e fixem-se racionais r1, r2 tais que x < r1 < r2 < y. Tomando assucessoes rn ∈ Q → x e sn ∈ Q → y tem-se (a partir de certa ordem n0)rn < r1 < r2 < sn e logo

ax = lim arn ≤ ar1 < ar2 ≤ lim asn = ay.

Finalmente, a continuidade de x ∈ R → ax sai do mesmo argumento queo utilizado no lema anterior para mostrar a continuidade da exponencialracional.

No que se segue faremos o estudo da funcao exponencial fixando umadeterminada base, a saber, o numero

e = limn→∞

(

1 +1

n

)n

,

numero de Neper, ja nosso conhecido: e = 2.718 281 828 459 045 . . .. Nofinal deduz-se facilmente o comportamento da exponencial x ∈ R → ax,∀a > 0. Veremos mais tarde a razao da eleicao do numero e para base dafuncao exponencial. Mostremos entretanto

3.4.3. Proposicao. Tem-se

limx→+∞

(

1 +1

x

)x

= limx→−∞

(

1 +1

x

)x

= e.

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3. Limite e Continuidade 117

Demonstracao. Vejamos primeiro o limite em +∞. Seja x > 1 edesignemos por I(x) o maior inteiro ≤ x. Tem-se I(x) ≤ x < I(x) + 1e logo

1 +1

I(x)≥ 1 +

1

x> 1 +

1

I(x) + 1

o que implica, pela monotonia da exponencial de base maior que 1

(

1 +1

I(x)

)1+I(x)

>

(

1 +1

x

)x

>

(

1 +1

I(x) + 1

)I(x)

.

Pondo n = I(x), vem entao

limx→+∞

(

1 +1

I(x)

)1+I(x)

= limn→+∞

(

1 +1

n

)n+1

=

= lim

(

1 +1

n

)n

. lim

(

1 +1

n

)

= e.

Analogamente, fazendo n = I(x) + 1 :

limx→+∞

(

1 +1

I(x) + 1

)I(x)

= limn→+∞

(

1 +1

n

)n−1

=

= lim

(

1 +1

n

)n /

lim

(

1 +1

n

)

= e.

Finalmente, para obter o resultado com x → −∞, faca-se x1 = −(1 + x);tem-se entao

limx→−∞

(

1 +1

x

)x

= limx1→+∞

(

x1

x1 + 1

)−1−x1

=

= limx1→+∞

[(

1 +1

x1

)x1

.

(

1 +1

x1

)]

= e.

3.4.4. Proposicao. Tem-se

limx→+∞

ex

x= +∞ e lim

x→−∞x ex = 0.

Demonstracao. Pondo e = 1 + h (h > 0), resulta do binomio de Newton,

en

n=

(1 + h)n

n>

1

n+ h +

(n − 1)

2h2

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118 3. Limite e Continuidade

pelo que limn→∞

en

n= +∞. Fazendo n = I(x), tem-se n ≤ x < n + 1 e

portantoex

x>

en

n + 1=

1

e

en+1

n + 1

n→∞−−−−→ +∞

donde a conclusao. Resulta agora facimente que

limx→−∞

xex = limy→+∞

−ye−y = − limy→+∞

y

ey= 0.

Corolario. Para todo o k ∈ R tem-se

limx→+∞

ex

xk= +∞ e lim

x→−∞| x |k ex = 0

Diz-se por isso que, “ ex e um infinito superior a todas as potenciasde x”.

Demonstracao. O limite em −∞ sai do primeiro fazendo a mudancade variavel ja utilizada na proposicao. Veja-se entao o limite em +∞. Sek ≤ 0 o resultado e trivial; para k > 0, observando que

ex

xk=

(

ex/k

x

)k

sai da proposicao

limx→+∞

ex/k

x= lim

u→+∞

eu

ku=

1

klim

u→+∞

eu

u= +∞.

Em consequencia do que foi dito, resulta que a aplicacao x ∈ R → ex

e uma bijecao de R sobre R+ =]0, +∞[. A aplicacao inversa chama-sefuncao logaritmo e representa-se por

log :]0, +∞[−→ R.

A funcao log x, sendo a inversa de ex, e portanto estritamente crescentee contınua (continuidade da funcao inversa). O conhecimento da funcaoexponencial permite-nos enunciar o seguinte conjunto de propriedades:

3.4.5. Teorema A funcao x ∈]0, +∞[→ log x satisfaz

1. log (ex) = x ∀x ∈ R; elog x = x ∀x ∈]0, +∞[;

2. log(x.y) = log x + log y; log

(

1

x

)

= − log x ∀x, y ∈]0, +∞[;

3. Para a > 0 (a ∈ R), ax = ex log a ∀x ∈ R;

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3. Limite e Continuidade 119

4. log (xy) = log(

ey log x)

= y log x ∀x > 0, ∀y ∈ R.

Demonstracao. Escreva-se log x = y e note-se que

log x = y ⇐⇒ x = ey.

As propriedades validas para a funcao exponencial permitem obter semdificuldade os resultados enunciados. Veja-se, por exemplo, 2. Tem-se,com efeito

x.y = elog x.elog y = elog x+log y

e logo, log(x.y) = log x + log y. Enfim,

0 = log 1 = log(x.x−1) = log x + log x−1

e portanto, log x−1 = − log x.

-2 2 4 6

-4

-2

2

4

6

exp (x)

log x

Figura 3.12

3.4.6. Proposicao. Para todo k > 0, tem-se

limx→+∞

log x

xk= 0.

Isto e, “ log x e um infinito inferior a todas as potencias de x”.

Tem-se aindalimx→0

xk log x = 0 ∀k > 0.

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120 3. Limite e Continuidade

Demonstracao. A demonstracao sai facilmente do correspondente re-sultado para a funcao exponencial (3.4.4. corolario); com efeito, fazendoy = k log x = log xk tem-se

limx→+∞

log x

xk=

1

klim

y→+∞

y

ey= 0.

Finalmente,

limx→0

xk log x = limy→+∞

(

1

y

)k

log

(

1

y

)

= − limy→+∞

log y

yk= 0.

Sublinhe-se uma vez mais que log x −→x→+∞

+∞, mais lentamente do

que qualquer potencia arbitrariamente pequena de x. Vejam-se as figurasabaixo em que se comparam as funcoes log x e x0.2.

1 2 3 3.654

-3

-2

-1

1

Na vizinhanca do ponto x = 3.65 log x

a funcao log “ultrapassa” a

funcao x0.2, dando a ideia

geometrica falsa de que o

crescimento do log e mais rapido.

Figura 3.13

320000 332105 350000

12.5

12.6

12.7

12.8

12.9

No entanto para grandes valores x0.2

de x, (x = 332105 (!!)), x0.2 log x

torna-se enfim superior a log x.

Figura 3.14

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3. Limite e Continuidade 121

3.4.7. Proposicao. Tem-se

limx→0

ex − 1

x= 1 e lim

x→0

log(1 + x)

x= 1.

Demonstracao. De limx→+∞

(

1 +1

x

)x

= e vem limx→0

(1 + x)1/x = e, e pela

continuidade da funcao log resulta

limx→0

log(1 + x)

x= lim

x→0log[

(1 + x)1/x]

= log e = 1.

Finalmente, de y = ex − 1 ⇐⇒ x = log(1 + y) sai

limx→0

ex − 1

x= lim

y→0

y

log(1 + y)= 1.

O estudo da exponencial de base a > 0, ax, reduz-se agora a exponen-cial ex pela relacao ax = ex log a.

-3 -2 -1 1 2 3x

1

2

4

6

8

y

ax (a > 1)

ax (0 < a < 1)

Figura 3.15

Tem-se entao:

limx→+∞

ax = limx→+∞

ex log a = +∞

limx→−∞

ax = limx→−∞

ex log a = 0

(a > 1)

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122 3. Limite e Continuidade

e

limx→+∞

ax = limx→+∞

ex log a = 0

limx→−∞

ax = limx→−∞

ex log a = +∞(0 < a < 1)

Corolario. Para todo x ∈ R, se xn → x e un → +∞, entao

limn→∞

(

1 +xn

un

)un

= ex.

Demonstracao. Com efeito,

log

[(

1 +xn

un

)un

]

= un log

(

1 +xn

un

)

=

= xn .

log

(

1 +xn

un

)

xn

un

n→∞−−−−→ x.1 = x

dado que xn/un → 0 (cf. (3.4.7.)); pela continuidade de x → ex, saifinalmente

limn→∞

(

1 +xn

un

)un

= limn→∞

elog (1+xn/un)un

= ex.

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3. Limite e Continuidade 123

Exercıcios

1. Sejam X = Y ∪ Z subconjuntos de R e a ∈ Y ∩ Z. Dada f : X → R,tomemos g = f|Y e h = f|Z. Mostre que, se lim

x→ag(x) = L e

limx→a

h(x) = L entao limx→a

f(x) = L.

2. Analise os limites quando x → +∞ e x → −∞ da funcao f : R → R,dada por

f(x) = x +x

2sin x.

3. Para todo o real x represente-se por I(x) o maior inteiro ≤ x. Mostreque se a e b sao numeros positivos entao

limx→0+

x

aI

(

b

x

)

=b

ae lim

x→0+

b

xI(x

a

)

= 0.

Prove tambem que

limx→0−

x

aI

(

b

x

)

=b

ae lim

x→0−

b

xI(x

a

)

= +∞.

4. Seja f : R → R, dada por f(x) = x + ax sin x (a ∈ R). Mostre que se| a |< 1 entao lim

x→±∞f(x) = ±∞.

5. Discuta a existencia de limite em a ∈ R da funcao f : R → R, dadapor

f(x) =

{

x3 se x ∈ Qx se x ∈ R \ Q

6. Analise os seguintes limites:

a) limx→a

| x |x

(a ∈ R); b) limx→0

√1 + x −

√1 − x

x;

c) limx→+∞

√x (

√x + a −

√x) ;

d) limx→+∞

(√

x2 +√

x2 + x − x

)

;

e) limx→(π/2)−

(

1 + tgx −√

tgx)

.

7. De um exemplo de funcoes f : D → R e g : f(D) → R tais que existalimx→a

f(x) = b, exista limx→a

(g ◦ f)(x) e nao exista limy→b

g(y).

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124 3. Limite e Continuidade

8. Mostre que limx→a

f(x) = b (em R) sse para toda a sucessao xn → a,

existe uma subsucessao xαntal que f(xαn

) → b.

9. Mostre que a funcao f : R → R, dada por

f(x) =

x se x ∈ R \ Q

q se x = p/q, p, q ∈ Z, q > 0

com p/q fraccao irredutıvel, e ilimitada em qualquer intervalo naodegenerado.

Sug. Reveja o exemplo 5. (3.2.7.).

10. Calcule os limites superior e inferior das seguintes funcoes nos pontosindicados

a) | sin x | no ponto +∞;

b) tg1

x2no ponto 0;

c)1

x− I

(

1

x

)

no ponto 0;

d) f(x) =

0 se x ∈ Q

I(x) − x se x ∈ R \ Qnum ponto a ∈ R.

11. Seja f : [x0, +∞[→ R uma funcao limitada em cada conjunto limitadodo seu domınio. Mostre que

a)

limx→+∞

[f(x + 1) − f(x)] = a ∈ R =⇒ limx→+∞

f(x)

x= a.

b) Mais geralmente, se existe limite em R

limx→+∞

f(x + 1) − f(x)

xn(n = 0, 1, 2, . . .),

mostre que

limx→+∞

f(x + 1) − f(x)

xn= lim

x→+∞

f(x)

xn+1.

12. Seja P : R → R um polinomio nao constante. Dado b ∈ R, suponhaque existe uma sucessao (xn) tal que P (xn) → b. Mostre que (xn) euma sucessao limitada. Prove, em particular, que se existe (xn) talque P (xn) → 0, entao P admite pelo menos uma raiz real.

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3. Limite e Continuidade 125

13. Demonstre que nao existe uma funcao racional R(x) =P (x)

Q(x), P e

Q polinomios de coeficientes inteiros, que satisfaca a seguinte pro-priedade: para todo o racional r ∈ Q existe um inteiro k ∈ Z tal queR(k) = r.

14. Determine os pontos de continuidade e descontinuidade (indicando asdescontinuidades de primeira e segunda especie) das funcoes :

a) f :] − 1, 3] → R,

f(x) =

1x2 − 1

se x ∈] − 1, 0]

I(x) + x se x ∈]0, 3]

b) f : R → R,

f(x) =

2x se x ∈ Q

x2 + 1 se x ∈ R \Q

15. Seja f : R → R uma funcao tal que

f(x + y) = f(x) + f(y) ∀x, y ∈ R.

a) Mostre que f(rx) = r.f(x), ∀r ∈ Q, ∀x ∈ R.

b) Suponha que f e limitada numa vizinhanca de zero. Mostre quef e contınua em x = 0 e conclua que f e contınua em R.

c) Prove que existe c ∈ R tal que f(x) = c.x, ∀x ∈ R.

16. Mostre que uma funcao f : R → R e contınua se e so se a imageminversa de qualquer aberto de R e um aberto de R. Mostre tambemque f e contınua se e so se a imagem inversa de todo conjunto fechadode R e um fechado. Conclua que o conjunto dos zeros de uma funcaocontınua em R e um conjunto fechado.

17. Sejam f, g : [0, 1] → R funcoes contınuas. Se f(1) = g(0), prove acontinuidade da funcao h : [0, 1] → R, definida por

h(x) =

f(2x) se 0 ≤ x ≤ 1/2

g(2x − 1) se 1/2 ≤ x ≤ 1

18. Seja f : D → R uma funcao contınua em D e sejam a, b ∈ R coma < b. Mostre que a funcao

h : D → R, h(x) =

f(x) se a ≤ f(x) ≤ ba se f(x) < ab se f(x) > b

e contınua em D.

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126 3. Limite e Continuidade

19. Seja P : R → R um polinomio, P (x) = a0 + a1x + · · · + anxn coman > 0 e n par. Mostre que P tem um mınimo em R, isto e, existex0 ∈ R : P (x0) ≤ P (x), ∀x ∈ R. Se P (x0) < 0, mostre que P admitepelo menos duas raızes reais.

20. Seja f : [a, b] → R uma funcao contınua (a < b). Prove que as funcoesm(x) e M(x) dadas por

m(x) = min[a,x]

f e M(x) = max[a,x]

f

estao bem definidas e sao contınuas em [a, b].

21. Seja f : R → R uma funcao contınua. Prove que sao equivalentes asseguintes condicoes:

a) limx→+∞

| f(x) |= limx→−∞

| f(x) |= +∞;

b) Se | xn |→ +∞, entao | f(xn) |→ +∞;

c) Se K e compacto, entao f−1(K) e compacto.

22. Mostre que a equacao

sin3 x + cos3 x = 0

tem pelo menos uma raız no intervalo ]0, π[.

23. Seja f : [a, b] → R (a < b) uma funcao definida no intervalo limitadoe fechado [a, b] e satisfazendo a seguinte propriedade:

para todo x1, x2 ∈ [a, b] e para todo o numero C entre f(x1) e f(x2)existe um ξ entre x1 e x2 tal que f(ξ) = C.

a) De um exemplo de uma funcao com tal propriedade mas que naoseja contınua em [a, b].

b) Mostre que toda a funcao que satisfaz a propriedade indicada naopode ter descontinuidades de primeira especie.

24. Seja f : R → R uma funcao contınua. Suponha que para todo oaberto A ⊂ R, f(A) e aberto. Mostre que entao f e injetiva (e logomonotona).

25. De um exemplo de uma funcao injetiva, contınua em x0 e tal que f−1

e descontınua em y0 = f(x0).

26. Seja f : [a, b] → R uma funcao contınua no intervalo limitado e fechado[a, b] ⊂ R e tal que f([a, b]) ⊂ [a, b].

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3. Limite e Continuidade 127

a) Mostre que f tem pelo menos um ponto fixo, isto e, existe pelomenos um c ∈ [a, b] tal que f(c) = c.

b) Suponha agora que f e uma contracao estrita:

∃K, 0 < K < 1 : |f(x) − f(y)| ≤ K|x − y|, ∀x, y ∈ [a, b].

Mostre que f admite um unico ponto fixo, c. Mostre ainda que,dado um qualquer x0 ∈ [a, b], a sucessao definida por recorrencia,xn = f(xn−1), n ≥ 1, converge para c.

27. Seja f : [a, b] → R (a < b) uma funcao tal que f([a, b]) ⊂ [a, b] esatisfazendo a condicao

| f(x) − f(y) |<| x − y |, ∀x, y ∈ [a, b], (x 6= y).

a) Mostre que a equacao f(x) = x tem uma unica solucao θ.

b) Defina a sucessao xn por recorrencia dando x0 e xn = f(xn−1),com n ∈ N.Mostre que | xn − θ | e decrescente e tem limite l.

c) Mostre que se pode extrair da sucessao (xn) uma subsucessaoconvergente para θ + εl em que ε = +1 ou ε = −1.

d) Mostre que | f(θ + εl) − θ |= lConclua que l = 0 e logo xn → θ.

28. Dizemos que a funcao f : D → R e semi-contınua superiormente noponto a ∈ D se ∀δ > 0, ∃ε > 0 tal que

x ∈ D, |x − a| < ε =⇒ f(x) < f(a) + δ.

A funcao f diz-se semi-contınua superiormente em D se o for em todosos pontos de D.

a) Defina funcao semi-contınua inferiormente em a ∈ D e mostre quef e contınua em a ∈ D se e so se f e semi-contınua superiormentee inferiormente em a.

b) Mostre que f e semi-contınua superiormente em a ∈ D se eso se lim

x→af(x) = f(a). Enuncie e demonstre a correspondente

caracterizacao para as funcoes semi-contınuas inferiormente.

29. Seja f :]a, b[→ R uma funcao contınua num intervalo aberto ]a, b[⊂ Re sejam l = lim

x→bf(x), L = lim

x→bf(x), L > l.

Demonstre que para todo C, l < C < L, a equacao f(x) = C teminfinitas raızes em qualquer vizinhanca de b.

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128 3. Limite e Continuidade

30. Seja f : R → R uma funcao arbitraria definida em R. Para cadan ∈ N, represente por Cn o conjunto dos pontos a ∈ R com a seguintepropriedade: existe um intervalo aberto I contendo a e tal que

x, y ∈ I =⇒ |f(x) − f(y)| < 1/n.

a) Prove que cada Cn e um conjunto aberto.

b) Mostre que f e contınua em a se e so se a ∈⋂

n∈N

Cn. Conclua

que o conjunto dos pontos de continuidade de qualquer funcaof : R → R e uma intersecao numeravel de abertos. Concluafinalmente que nao existe uma funcao f : R → R, contınua nosracionais e descontınua nos irracionais. (cf. exerc. 47, Cap.2.).

31. Considere as sucessoes xn =√

π/2 + 2nπ e yn =√

2nπ

a) Mostre que xn − yn → 0 (n → ∞).

b) Mostre que a funcao ϕ : R → R, ϕ(x) = sin(x2) nao euniformemente contınua.

32. Seja g : R →] − 1, 1[ o inverso do homeomorfismo f(x) =x

1 − |x| ,x ∈]−1, 1[ . Mostre que g e uniformemente contınua mas g−1 = f naoo e.

33. Seja D ⊂ R um conjunto nao fechado. De um exemplo de uma funcaocontınua, f : D → R, que nao se estenda contınuamente a D.

34. Seja f : D → R uma funcao uniformemente contınua. Mostre queexiste uma unica funcao contınua ϕ : D → R extensao de f , isto e, talque ϕ|D = f .

35. Mostre que a funcao f : [0, +∞[→ [0, +∞[, dada por n

√x, nao e

lipschitziana num intervalo da forma [0, a], (a > 0), embora seja aıuniformemente contınua.Mostre ainda que f e lipschitziana no intervalo [a, +∞[. Conclua quef e uniformemente contınua em [0, +∞[.

36. Mostre que toda a funcao contınua, monotona e limitada, definida numintervalo I ⊂ R, e uniformemente contınua.

37. Seja f : [a, +∞[→ R contınua e tal que existe e e finito limx→+∞

f(x).

Mostre que f e uniformemente contınua.

38. De um exemplo de uma funcao limitada e contınua num intervalo eque nao seja uniformemente contınua.

39. Seja f : R → R uniformemente contınua. Mostre que existemconstantes a, b ≥ 0 tais que

|f(x)| ≤ a |x| + b, ∀x ∈ R.

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4. Introducao ao Calculo Diferencial 129

4Introdu� ~ao aoC�al ulo Diferen ial

4.1 Deriva� ~ao de fun� ~oes reais. De�ni� ~oes e exemplos.Seja f : D → R uma funcao real de variavel real e a ∈ D um ponto de

acumulacao de D.

4.1.1. Definicao. Diz-se que f e derivavel ou diferenciavel em a se

existe (e e finito) o limite: limx→a

f(x) − f(a)

x − a(*). Tal limite (quando existe)

diz-se a derivada de f no ponto a e representa-se por

f ′(a) = limx→a

f(x) − f(a)

x − a= lim

h→0

f(a + h) − f(a)

h.

A derivada de f em a pode ainda representar-se por Df(a) ou ainda pordf

dx(a).

Newton e Leibnitz introduzem a nocao matematica de derivada com oobjectivo de dar uma definicao rigorosa (analıtica) da nocao de velocidade.Todavia, foi Fermat um dos primeiros matematicos a definir o conceito

(*) Repare-se que o limite em a ∈ D e o limite por valores diferentes; com efeito, o

domınio da razao incremental,f(x)−f(a)

x−a, e precisamente D \ {a}.

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130 4. Introducao ao Calculo Diferencial

de derivada ao interessar-se em determinar o maximo e o mınimo de umafuncao y = f(x). Geometricamente, a interpretacao do conceito de derivadae bastante clara e permite em particular definir rigorosamente tangente auma curva (que seja grafico de uma funcao y = f(x)). Intuitivamente,(cf. Fig. 4.1), a tangente no ponto A = (a, f(a)), e obtida como o “limitegeometrico” da secante AX quando o ponto X = (x, f(x)) se “aproxima” deA, isto e, quando x → a; como a secante AX e determinada pelo ponto A e

pelo seu declive,f(x) − f(a)

x − a, tal limite geometrico existira se e so se existir

o limite limx→a

f(x) − f(a)

x − a. Assim, a tangente Taf no ponto A = (a, f(a))

esta definida se e so se f admite derivada em a; Taf e entao definida peloponto A e pelo coeficiente angular f ′(a), e a sua equacao vem dada por:

y = f(a) + f ′(a)(x − a).

A=(a, f(a))

X=(x, f(x))

a x

f(x)

f(a)

T

O x

y

f

a f

Figura 4.1

Derivadas laterais.

Retomemos a nossa funcao f : D → R e seja a ∈ D um ponto deacumulacao de D−

a = {x ∈ D : x < a}.Diz-se que f e derivavel (ou diferenciavel) a esquerda em a se existee e finito o limite

limx→a−

f(x) − f(a)

x − a= lim

h→0−

f(a + h) − f(a)

h= f ′

e(a).

Seja agora a ∈ D um ponto de acumulacao de D+a = {x ∈ D : x > a}.

Diz-se que f e derivavel (ou diferenciavel) a direita em a se existe ee finito o limite

limx→a+

f(x) − f(a)

x − a= lim

h→0+

f(a + h) − f(a)

h= f ′

d(a).

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4. Introducao ao Calculo Diferencial 131

Resulta imediatamente das definicoes que, se a e ponto de acumulacaode D+

a e D−a , f e derivavel em a se e so se f e derivavel a esquerda e

a direita em a e f ′e(a) = f ′

d(a). A semelhanca do que se disse com anocao de derivada, funcao derivavel a esquerda em a implica a existenciade tangente a esquerda ao grafico de f no ponto A = (a, f(a));analogamente, funcao derivavel a direita em a implica a existencia detangente a direita ao grafico de f no ponto A.

T T e d

a

f

Do mesmo modo que umafuncao f pode nao ter deri-vada num ponto a, emboraadmita as derivadas laterais,assim a curva, grafico de f ,pode nao ter tangente no pon-to A e admitir as tangentes aesquerda e a direita em A.

Figura 4.2

Extensao a R: derivadas infinitas.

Diz-se que a derivada de f em a e +∞ (resp. −∞) se

limx→a

f(x) − f(a)

x − a= +∞ (resp. −∞).

Do mesmo modo se definem as derivadas infinitas a esquerda e a direitade a. Geometricamente, se f tem derivada infinita em a, o grafico dafuncao admite tangente em (a, f(a)), paralela ao eixo dos yy, e a mesmainterpretacao e dada para as derivadas laterais. As figuras abaixo exibemexemplos de derivadas infinitas (+∞ e −∞ respetivamente): a derivada ema e +∞ (resp. −∞) sendo a tangente, paralela ao eixo dos yy, aproximadapor secantes com declive positivo (resp. com declive negativo).

a a

f ′(a) = +∞ f ′(a) = −∞

Figura 4.3 (a) Figura 4.3 (b)

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132 4. Introducao ao Calculo Diferencial

Na figura em baixo, o grafico de f nao admite tangente em (a, f(a)): atangente a esquerda corresponde a f ′

e(a) = +∞ enquanto a tangente adireita corresponde a f ′

d(a) = −∞. Contudo, geometricamente, as duastangentes sobrepoem-se.

a

f ′

e(a) = +∞ f ′

d(a) = −∞

Te ≡ Td

Figura 4.4

4.1.2. Definicao. Diz-se que a funcao f : D → R e derivavel (oudiferenciavel) em D se for derivavel em todo o ponto de D (*) e a novafuncao f ′ : D → R, x → f ′(x), chama-se derivada de f ; representa-se

tambem por Df oudf

dx.

4.1.3. Proposicao. Se f : D → R e uma funcao derivavel em a ∈ D,entao e contınua nesse ponto.

Demonstracao. Com efeito, para x ∈ D, (x 6= a) tem-se

f(x) − f(a) =f(x) − f(a)

x − a. (x − a)

e logo limx→a

[f(x) − f(a)] = f ′(a).0 = 0 o que mostra a continuidade de fem a.

Observacao importante. A existencia de derivada infinita, f ′(a) = +∞ou f ′(a) = −∞, nao garante a continuidade de f em a. Por exemplo,a funcao f(x) = Sgn(x) (cf.(1.4.1.)), descontınua em 0, tem derivadaf ′(0) = +∞.

(*) Se a ∈ D for somente ponto de acumulacao de D+a ou D−

a , apenas se exige que a

funcao tenha aı a derivada lateral finita correspondente.

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4. Introducao ao Calculo Diferencial 133

4.1.4. Teorema. Sejam f, g : D → R funcoes derivaveis em a ∈ D; entao

f + g e derivavel em a e

(f + g)′(a) = f ′(a) + g′(a);

f.g e derivavel em a e

(f.g)′(a) = f(a)g′(a) + f ′(a)g(a);

em particular, fn e derivavel em a e tem-se

(fn)′(a) = nfn−1(a)f ′(a), n ∈ N;

se g(a) 6= 0, f/g e ainda derivavel em a e

(f

g

)′

(a) =f ′(a)g(a) − f(a)g′(a)

g2(a).

Demonstracao. Demonstremos apenas a derivacao do produto, deixandoa cargo do leitor a demonstracao das outras alıneas. Observemos que

f(x)g(x) − f(a)g(a)

x − a= g(x)

f(x) − f(a)

x − a+ f(a)

g(x) − g(a)

x − a.

Como g e derivavel em a, e aı contınua; passando ao limite x → a, obtem-seo resultado.

4.1.5. Exemplos.

1. A funcao linear f : R → R, f(x) = ax + b (a e b constantes reais) eclaramente derivavel em todo o ponto x ∈ R: f ′(x) = a ∀x ∈ R; afuncao derivada e a funcao constante, f ′ ≡ a.

2. Resulta imediatamente das regras da derivacao atras enunciadas quea funcao f(x) = xn, (n ∈ N), admite derivada em todo o ponto x ∈ Rigual a nxn−1. Mais geralmente, o polinomio

P (x) = a0 + a1x + · · · + an−1xn−1 + anxn

e derivavel em R e a sua derivada e ainda um polinomio, agora degrau n − 1:

P ′(x) = a1 + · · · + an−1(n − 1)xn−2 + annxn−1.

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134 4. Introducao ao Calculo Diferencial

3. A funcao sinx, definida em R, e derivavel em todos os pontos; comefeito, da relacao trigonometrica

sin x − sina = 2 sinx − a

2cos

x + a

2

e de (3.1.9.(3.)), tira-se

limx→a

sin x − sin a

x − a= lim

x→a

sinx − a

2x − a

2

. cosx + a

2= 1. cosa = cos a

e portanto, (sinx)′ = cosx.

4. Consideremos agora a funcao exponencial ex : R → R e um pontoa ∈ R qualquer. Sai de (3.4.7.) que

limh→0

ea+h − ea

h= lim

h→0

ea.eh − ea

h= ea. lim

h→0

eh − 1

h= ea.1 = ea

o que mostra que a funcao exponencial e derivavel em todo o pontoda reta e a sua derivada coincide com a propria funcao: (ex)

′= ex.

5. De modo analogo se ve a diferenciabilidade da funcao log : R+ → R.Com efeito, se a > 0, tem-se

log(a + h) − log a

h=

loga + h

ah

=

log

(1 +

h

a

)

h

e por (3.4.7.),

limh→0

log(a + h) − log a

h= lim

h→0

1

a.

log

(1 +

h

a

)

h

a

=1

a.1 =

1

a.

Assim, log x e derivavel no seu domınio e a sua derivada: (log x)′=

1

x.

6. Vimos anteriormente que funcao derivavel num ponto e contınua nesseponto. Reciprocamente, sublinhe-se que nem toda a funcao contınuae derivavel. Assim, por exemplo, a funcao f(x) =| x |, claramentecontınua em todo o ponto x ∈ R, nao e derivavel na origem, dado que

f ′e(0) = lim

x→0−

| x | −0

x − 0= −1, f ′

d(0) = limx→0+

| x | −0

x − 0= 1.

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4. Introducao ao Calculo Diferencial 135

Poder-se-a mesmo ter uma funcao contınua que nem tao poucoderivadas laterais possua num determinado ponto; e o caso da funcao,ja nossa conhecida,

f(x) =

x sin1

xse x 6= 0

0 se x = 0

em que, por exemplo, limx→0+

x sin1

x− 0

x − 0= lim

x→0+sin

1

x, nao existe.

O resultado seguinte da uma caracterizacao (condicao necessaria esuficiente) de diferenciabilidade de uma funcao num ponto.

4.1.6. Proposicao. Seja f : D → R uma funcao real e a ∈ D um pontode acumulacao do domınio. Entao f e derivavel em a se e so se existel ∈ R tal que

f(x) = f(a) + l(x − a) + θ(x), (x ∈ D),

em que θ e uma funcao que satisfaz: limx→a

θ(x)

x − a= 0. Sendo assim, l e

unico e l = f ′(a).

Demonstracao. Seja f(x) = f(a) + l(x − a) + θ(x), em que θ(x) satisfaza condicao do enunciado; entao,

f(x) − f(a)

x − a= l +

θ(x)

x − a

e logo

limx→a

f(x) − f(a)

x − a= l + lim

x→a

θ(x)

x − a= l.

Portanto f e derivavel em a e f ′(a) = l.

Reciprocamente, seja f derivavel em a e faca-se θ(x) = f(x) − f(a) −f ′(a)(x − a). Resulta entao que

limx→a

θ(x)

x − a= lim

x→a

[f(x) − f(a)

x − a− f ′(a)

]= 0

o que conclui a demonstracao.

Observacao. A relacao limx→a

θ(x)

x − a= 0 exprime-se dizendo que θ(x) e

um infinitesimo de ordem superior a x − a e escreve-se θ(x) = o(x − a)

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136 4. Introducao ao Calculo Diferencial

(esta notacao, devida a Landau, sera mais tarde desenvolvida). Observe-

-se ainda que, escrevendoθ(x)

x − a= α(x), se tem θ(x) = (x − a)α(x) com

limx→a

α(x) = 0. Assim, f e derivavel em a se e so se

f(x) = f(a) + l(x − a) + o(x − a)

ou ainda, f e derivavel em a se e so se

f(x) = f(a) + l(x − a) + (x − a)α(x), α(x)x→a−−−−→ 0.

Note-se enfim que a anterior caracterizacao se estende naturalmente asderivadas laterais.

4.1.7. Proposicao (Derivacao da funcao composta). Consideremosas funcoes f : D → R e ϕ : E → R, tais que ϕ(E) ⊂ D. Se ϕ ediferenciavel em t0 ∈ E e f e diferenciavel em x0 = ϕ(t0) ∈ D, entaof ◦ ϕ : E → R e diferenciavel em t0 e tem-se

(f ◦ ϕ)′(t0) = f ′(x0)ϕ

′(t0) = f ′(ϕ(t0))ϕ′(t0).

Demonstracao. Sendo f diferenciavel em x0, tem-se pela anteriorproposicao

f(x) − f(x0) = (x − x0)f′(x0) + (x − x0)α(x), (α(x)

x→x0−−−−→ 0).

Fazendo x = ϕ(t) e x0 = ϕ(t0), obtem-se

f(ϕ(t)) − f(ϕ(t0)) = (ϕ(t) − ϕ(t0))f′(ϕ(t0)) + (ϕ(t) − ϕ(t0))α(ϕ(t))

e portanto

f(ϕ(t)) − f(ϕ(t0))

t − t0=

ϕ(t) − ϕ(t0)

t − t0(f ′(ϕ(t0)) + α(ϕ(t))) .

Como ϕ e contınua em t0, resulta que x = ϕ(t) → ϕ(t0) = x0 (t → t0) elogo α(ϕ(t)) → 0 (t → t0). Entao

limt→t0

f(ϕ(t)) − f(ϕ(t0))

t − t0=

= limt→t0

(ϕ(t) − ϕ(t0))

t − t0. limt→t0

(f ′(ϕ(t0)) + α(ϕ(t))) =

= ϕ′(t0).f′(ϕ(t0))

o que mostra o resultado.

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4. Introducao ao Calculo Diferencial 137

4.1.8. Exemplos.

1. A funcao cosx = sin(x +

π

2

), sendo composicao da funcao sin x e da

funcao x +π

2, e diferenciavel em todos os pontos e a sua derivada

(cosx)′ = sin(x +

π

2

)′

= cos(x +

π

2

).1 = − sin x.

A derivabilidade da funcao tan :]−π/2, π/2[→ R sai agora trivialmentedas regras de derivacao:

(tanx)′ =

(sin x

cosx

)′

=cos2x + sin2x

cos2x= sec2x.

2. Se ϕ : D → R e uma funcao diferenciavel, a funcao composta,eϕ : D → R e ainda diferenciavel; com efeito, x → ex e derivavel emtodos os pontos tendo como derivada a propria funcao exponencial,pelo que

(eϕ)′ (t) = eϕ(t)ϕ′(t), (t ∈ D).

3. Do mesmo modo, se ϕ : D → R e uma funcao diferenciavel tal queϕ(t) > 0, ∀t ∈ D, a composta log ϕ : D → R e diferenciavel e a suaderivada

(log ϕ)′(t) =

ϕ′(t)

ϕ(t), (t ∈ D).

4. Tomemos de novo ϕ : D → R, funcao diferenciavel tal que ϕ(t) > 0,∀t ∈ D, e para α ∈ R considere-se a funcao ϕα = eα log ϕ; trata-se deuma dupla composicao:

t −→ ϕ(t) −→ α log ϕ(t) −→ eα log ϕ(t).

Dos exemplos anteriores resulta agora que

(ϕα)′(t) =

(eα log ϕ

)′(t) = eα log ϕ(t).α

ϕ′(t)

ϕ(t)= αϕα−1(t)ϕ′(t).

E de sublinhar o caso particular α = 1/n, n ∈ N, isto e,

( n√

ϕ)′(t) =

ϕ′(t)

n n√

ϕn−1(t).

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138 4. Introducao ao Calculo Diferencial

5. Tomemos enfim a exponencial de base a > 0, ax = ex log a. Pelo que sedisse, e claramente uma funcao diferenciavel e a sua derivada

(ax)′=

(ex log a

)′= ex log a. log a = ax. log a,

o que mostra que a unica funcao exponencial (de base a) que admitederivada igual a si propria e a exponencial de base e. Tal e a razao daescolha de ex como funcao exponencial privilegiada.

4.1.9. Proposicao (Derivacao da funcao inversa). Seja f umafuncao diferenciavel e injetiva definida num intervalo I ⊂ R. Seja x0 ∈ Ital que f ′(x0) 6= 0; entao f−1 e diferenciavel em y0 = f(x0) e

(f−1

)′(y0) =

1

f ′(x0).

Demonstracao. Faca-se y = f(x) e note-se que y 6= y0 =⇒ f−1(y) 6=f−1(y0) = x0 (f e injetiva). Pode entao escrever-se

f−1(y) − f−1(y0)

y − y0=

1y − y0

f−1(y) − f−1(y0)

=1

f[f−1(y)

]− f(x0)

f−1(y) − x0

.

Mas como f e diferenciavel (e portanto contınua) e esta definida numintervalo, f−1 e contınua (continuidade da funcao inversa) e portantoy → y0 =⇒ f−1(y) → x0; a conclusao sai agora do conhecido resultadosobre limites:

limy→y0

f−1(y) − f−1(y0)

y − y0= lim

y→y0

1

f[f−1(y)

]− f(x0)

f−1(y) − x0

=1

f ′(x0).

Observacoes. 1. A anterior proposicao e ainda valida para funcoes fdefinidas em domınios gerais (nao necessariamente intervalos). Bastarapara isso (apercebe-se da demonstracao) acrescentar a hipotese de con-tinuidade da funcao inversa f−1, em y0 = f(x0).

2. Note-se que a hipotese f ′(x0) 6= 0 e fundamental. Caso contrarioo resultado nao e necessariamente verdadeiro. Tome-se, por exemplo, afuncao bijetiva: f : R → R, dada por f(x) = x3; a funcao inversa, 3

√x nao

e derivavel na origem:(

3√

x)′x=0

= +∞. (cf. Fig.4.5).

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4. Introducao ao Calculo Diferencial 139

-2 -1 1 2

-2

-1.5

-1

-0.5

0.5

1

1.5

2

3√

x

x3

Figura 4.5

4.1.10. Derivacao de funcoes monotonas. Pontos crıticos. Ex-tremos locais.

Seja f : D → R uma funcao monotona crescente, isto e,

x, y ∈ D, x < y =⇒ f(x) ≤ f(y).

Se f e derivavel em a ∈ D, porquef(x) − f(a)

x − a≥ 0, resulta obviamente

f ′(a) = limx→a

f(x) − f(a)

x − a≥ 0.

Do mesmo modo, se f e monotona decrescente e derivavel em a ∈ D, a suaderivada f ′(a) ≤ 0. Assim,

f monotona crescente e derivavel =⇒ f ′(x) ≥ 0;

f monotona decrescente e derivavel =⇒ f ′(x) ≤ 0.

Observe-se contudo que, funcao estritamente monotona e derivavel naotem necessariamente derivada > 0 (ou < 0); basta ter presente o exemplof(x) = x3, funcao estritamente crescente mas com derivada nula na origem.Veremos adiante que, reciprocamente, funcao derivavel num intervalocom derivada positiva (ou negativa) em todos os pontos e monotona.Entretanto, analisemos o que se passa na vizinhanca de um ponto em quea derivada lateral nesse ponto e positiva ou negativa.

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140 4. Introducao ao Calculo Diferencial

4.1.11. Proposicao. Seja f : D → R e a ∈ D um ponto de acumulacao.Entao

1. se f ′d(a) > 0, existe ε > 0 tal que f(x) > f(a)

∀x ∈]a, a + ε[∩D;

2. se f ′d(a) < 0, existe ε > 0 tal que f(x) < f(a)

∀x ∈]a, a + ε[∩D;

3. se f ′e(a) > 0, existe ε > 0 tal que f(x) < f(a)

∀x ∈]a − ε, a[∩D;

4. se f ′e(a) < 0, existe ε > 0 tal que f(x) > f(a)

∀x ∈]a − ε, a[∩D.

Observacao. Note-se que f ′d(a) e f ′

e(a) representam as derivadas lateraisde f , finitas ou infinitas.

Demonstracao. Veja-se a demonstracao de 1. (a demonstracao dosrestantes pontos e perfeitamente analoga). Dado que

f ′d(a) = lim

x→a+

f(x) − f(a)

x − a> 0

resulta de 3.1.2. que existe ε > 0 tal que

f(x) − f(a)

x − a> 0 ∀x ∈]a, a + ε[∩D;

como x − a > 0, a conclusao e agora imediata.

Obervacao. Note-se que f ′d(a) > 0 nao implica que f seja crescente

nalguma vizinhanca, ]a, a + ε[. Considere-se, com efeito, a funcao (cf. Fig.4.6)

f(x) =

x2 sin

(1

x

)+

x

2, x 6= 0

0 x = 0

Tem-se f ′(0) = f ′d(0) = 1/2 e portanto, a proposicao anterior garante

que existe ε > 0 : 0 < x < ε ⇒ f(x) > f(0) = 0. No entanto, dado

que f ′(x) = 2x sin

(1

x

)− cos

(1

x

)+

1

2, existem pontos arbitrariamente

perto de 0,

(xn =

1

2nπ, xm =

1

2mπ + π/2

), que fazem f ′(xn) = −1

2< 0

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4. Introducao ao Calculo Diferencial 141

e f ′(xm) > 0 e logo, de acordo com o que se disse no inıcio desta seccao, fnao sera crescente nem decrescente em nenhum intervalo ]0, ε[.

-0.4 -0.2 0.2 0.4

-0.2

-0.1

0.1

0.2

0.0035 0.004 0.0045 0.005

0.0016

0.0018

0.0022

0.0024

12345678901234567890123456789012123451234567890123456789012345678901212345123456789012345678901234567890121234512345678901234567890123456789012123451234567890123456789012345678901212345123456789012345678901234567890121234512345678901234567890123456789012123451234567890123456789012345678901212345123456789012345678901234567890121234512345678901234567890123456789012123451234567890123456789012345678901212345123456789012345678901234567890121234512345678901234567890123456789012123451234567890123456789012345678901212345123456789012345678901234567890121234512345678901234567890123456789012123451234567890123456789012345678901212345123456789012345678901234567890121234512345678901234567890123456789012123451234567890123456789012345678901212345123456789012345678901234567890121234512345678901234567890123456789012123451234567890123456789012345678901212345123456789012345678901234567890121234512345678901234567890123456789012123451234567890123456789012345678901212345123456789012345678901234567890121234512345678901234567890123456789012123451234567890123456789012345678901212345123456789012345678901234567890121234512345678901234567890123456789012123451234567890123456789012345678901212345123456789012345678901234567890121234512345678901234567890123456789012123451234567890123456789012345678901212345123456789012345678901234567890121234512345678901234567890123456789012123451234567890123456789012345678901212345123456789012345678901234567890121234512345678901234567890123456789012123451234567890123456789012345678901212345123456789012345678901234567890121234512345678901234567890123456789012123451234567890123456789012345678901212345

123456789123456789123456789123456789123456789123456789123456789123456789123456789123456789123456789123456789123456789123456789123456789

12345678901234567890123456789012123456789012345671234567890123456789012345678901212345678901234567123456789012345678901234567890121234567890123456712345678901234567890123456789012123456789012345671234567890123456789012345678901212345678901234567123456789012345678901234567890121234567890123456712345678901234567890123456789012123456789012345671234567890123456789012345678901212345678901234567123456789012345678901234567890121234567890123456712345678901234567890123456789012123456789012345671234567890123456789012345678901212345678901234567123456789012345678901234567890121234567890123456712345678901234567890123456789012123456789012345671234567890123456789012345678901212345678901234567123456789012345678901234567890121234567890123456712345678901234567890123456789012123456789012345671234567890123456789012345678901212345678901234567123456789012345678901234567890121234567890123456712345678901234567890123456789012123456789012345671234567890123456789012345678901212345678901234567123456789012345678901234567890121234567890123456712345678901234567890123456789012123456789012345671234567890123456789012345678901212345678901234567123456789012345678901234567890121234567890123456712345678901234567890123456789012123456789012345671234567890123456789012345678901212345678901234567123456789012345678901234567890121234567890123456712345678901234567890123456789012123456789012345671234567890123456789012345678901212345678901234567123456789012345678901234567890121234567890123456712345678901234567890123456789012123456789012345671234567890123456789012345678901212345678901234567123456789012345678901234567890121234567890123456712345678901234567890123456789012123456789012345671234567890123456789012345678901212345678901234567123456789012345678901234567890121234567890123456712345678901234567890123456789012123456789012345671234567890123456789012345678901212345678901234567123456789012345678901234567890121234567890123456712345678901234567890123456789012123456789012345671234567890123456789012345678901212345678901234567123456789012345678901234567890121234567890123456712345678901234567890123456789012123456789012345671234567890123456789012345678901212345678901234567123456789012345678901234567890121234567890123456712345678901234567890123456789012123456789012345671234567890123456789012345678901212345678901234567123456789012345678901234567890121234567890123456712345678901234567890123456789012123456789012345671234567890123456789012345678901212345678901234567123456789012345678901234567890121234567890123456712345678901234567890123456789012123456789012345671234567890123456789012345678901212345678901234567123456789012345678901234567890121234567890123456712345678901234567890123456789012123456789012345671234567890123456789012345678901212345678901234567123456789012345678901234567890121234567890123456712345678901234567890123456789012123456789012345671234567890123456789012345678901212345678901234567

Zoom

Figura 4.6

Em particular, se a e de acumulacao de D+a e D−

a e f ′(a) > 0, comof ′(a) = f ′

d(a) = f ′e(a), a proposicao apenas nos garante que existe ε > 0

tal quea − ε < x < a < y < a + ε =⇒ f(x) < f(a) < f(y)

sem que f seja necessariamente crescente em ]a − ε, a[ ou ]a, a + ε[.

Da mesma maneira, se f ′(a) < 0, existe ε > 0 tal que

a − ε < x < a < y < a + ε =⇒ f(x) > f(a) > f(y)

sem que f seja necessariamente decrescente em ]a − ε, a[ ou ]a, a + ε[.

As precedentes consideracoes vao-nos ser de grande utilidade na buscade maximos e mınimos locais de funcoes diferenciaveis. Comecemos porintroduzir estas nocoes.

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142 4. Introducao ao Calculo Diferencial

4.1.12. Definicao. Seja f : D → R e a ∈ D. Diz-se que ftem em a um maximo local (ou relativo) se existe ε > 0 tal quef(x) ≤ f(a) ∀x ∈ Vε(a) ∩ D.

Do mesmo modo, diz-se que f tem em a um mınimo local (ou relativo)se existe ε > 0 tal que f(a) ≤ f(x) ∀x ∈ Vε(a) ∩ D.

Maximo ou mınimo local diz-se extremo local (ou relativo).

Consequencia imediata da proposicao 4.1.11. e o seguinte resultado:

4.1.13. Proposicao. Seja f : D → R uma funcao com derivada ema ∈ D, ponto de acumulacao de D+

a e D−a . Se f tem em a um extremo

local, entaof ′(a) = 0,

isto e, f tem um ponto crıtico em a.

Maximo local e ponto critico

Ponto critico

Minimo local e ponto critico

Minimo local

Figura 4.7

Observacao. A proposicao estabelece uma condicao necessaria deextremo local para uma funcao diferenciavel. Sublinhe-se uma vez mais ahipotese de a ∈ D ser de acumulacao de D+

a e D−a ; se apenas uma derivada

lateral estiver definida, o ponto a nao sera necessariamente crıtico, mesmoque a seja extremo local (cf. Fig. 4.7).

Reciprocamente, a pode ser um ponto crıtico (f ′(a) = 0) e nao ser extremolocal; e o caso do ponto assinalado na Fig. 4.7, ou ainda o ponto x = 0para a funcao

f(x) =

x2 sin

(1

x

), x 6= 0

0 x = 0

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4. Introducao ao Calculo Diferencial 143

Tem-se f ′(0) = 0, mas claramente f nao tem maximo nem mınimo locaisem x = 0 (cf. Fig. 4.8).

-0.1 -0.05 0.05 0.1x

-0.01

-0.005

0.005

0.01

y

Figura 4.8

A determinacao dos extremos de uma funcao diferenciavel (condicoessuficientes de extremo) sera analisada mais adiante.4.2. Teoremas globais do �al ulo diferen ial.

Tal como acontecera com a continuidade, o facto de o domınio defuncoes diferenciaveis ser um intervalo vai ser determinante na obtencaode novos resultados fundamentais. Eis os teoremas:

4.2.1. Teorema de Rolle. Seja f : [a, b] → R uma funcao contınua nointervalo limitado e fechado [a, b] e com derivada (finita ou infinita) emtodos os pontos do seu interior, ]a, b[. Se f(a) = f(b), entao existe pelomenos um ponto crıtico ξ ∈]a, b[, isto e, f ′(ξ) = 0.

Demonstracao. Sendo f contınua no compacto [a, b], f tem maximo emınimo absolutos, e logo relativos (teorema de Weierstrass). Se o maximo emınimo sao atingidos nos extremos do intervalo, como f(a) = f(b), ter-se-af ≡ constante e portanto qualquer c ∈]a, b[ satisfaz f ′(c) = 0.

Caso contrario, o maximo ou mınimo e atingido num ponto interior ξ ∈]a, b[e logo, por 4.1.13., f ′(ξ) = 0.

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144 4. Introducao ao Calculo Diferencial

f(a)=f(b)

b a ξ

f

Figura 4.9

Seja f : D → R uma funcao diferenciavel em D, o que nos permitedefinir a funcao f ′ : D → R, x → f ′(x). A funcao f diz-se de classe C1

em D se f ′ e contınua em D e escreve-se f ∈ C1(D) ou apenas f ∈ C1.Nem todas as funcoes diferenciaveis sao de classe C1; por exemplo, a funcao

f(x) =

x2 sin

(1

x

)se x 6= 0

0 se x = 0

admite derivada finita em todos os pontos,

f ′(x) =

2x sin

(1

x

)− cos

(1

x

)se x 6= 0

0 se x = 0

mas f ′ e descontınua na origem: limx→0

2x sin

(1

x

)− cos

(1

x

)nao existe.

Consideremos agora uma funcao f ∈ C1 ([a, b]); sendo f ′ contınuano intervalo [a, b], o teorema de Bolzano garante que f ′(x) toma todos osvalores entre f ′(a) e f ′(b). Contudo, nao sendo f ′ contınua em [a, b], talconclusao (que a priori nao estaria garantida) continua a ser valida: e oque exprime o notavel teorema de Darboux.

4.2.2. Teorema (Darboux). Seja f : [a, b] → R uma funcao contınuacom derivada (finita ou infinita) no intervalo limitado e fechado [a, b].Entao f ′(x) assume todos os valores entre f ′(a) e f ′(b).

Demonstracao. Seja y0 um real entre f ′(a) e f ′(b) (elementos de R) eadmita-se, por exemplo, que f ′(a) < y0 < f ′(b). Mostremos que existec ∈]a, b[ tal que f ′(c) = y0.

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4. Introducao ao Calculo Diferencial 145

Para isso, considere-se a funcao g(x) = f(x) − y0x; sendo uma funcaocontınua, g admite um mınimo em c ∈ [a, b] (teorema de Weierstrass). Poroutro lado, g′(x) = f ′(x) − y0 e logo

g′(a) = g′d(a) = f ′(a) − y0 < 0,

g′(b) = g′e(b) = f ′(b) − y0 > 0.

Pela prop. 4.1.11., existe ε > 0 tal que

g(x) < g(a) ∀x ∈]a, a + ε[,

g(x) < g(b) ∀x ∈]b − ε, b[.

Assim, o ponto de mınimo c, nao sendo nem a nem b, tera de ser um pontointerior, c ∈]a, b[ e aı, g′(c) = 0 (4.1.13.).

4.2.3. Teorema do Valor Medio de Lagrange.(∗) Seja f : [a, b] → Ruma funcao contınua no intervalo limitado e fechado [a, b] e com derivada(finita ou infinita) no interior ]a, b[. Entao, existe pelo menos um pontoc ∈]a, b[ tal que

f(b) − f(a) = (b − a)f ′(c).

a c b

f(a)

f(b)

A

B

f

ξ

Figura 4.10

A interpretacao geometrica do teorema e simples: em pelo menos umponto interior ao intervalo, a tangente ao grafico de f devera ser paralelaa corda que liga os pontos A = (a, f(a)) e B = (b, f(b)).

Demonstracao. Considere-se a funcao

ϕ(x) = f(x) − f(b) − f(a)

b − ax.

(∗) O teorema de Lagrange tambem e designado por teorema dos acrescimos finitos.

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146 4. Introducao ao Calculo Diferencial

Tal como f , a funcao ϕ e contınua em [a, b] e tem derivada em ]a, b[. Alemdisso, tem-se

ϕ(b) =f(b) − f(b) − f(a)

b − a[(b − a) + a] =

=f(a) − f(b) − f(a)

b − aa = ϕ(a).

O teorema de Rolle garante entao que existe c ∈]a, b[ tal que

ϕ′(c) = f ′(c) − f(b) − f(a)

b − a= 0

o que conclui a demonstracao.

Seja agora f : I → R uma funcao contınua num intervalo I qualquer ecom derivada no seu interior, int(I); fixando a ∈ I, o teorema de Lagrangepermite-nos escrever:

∀x ∈ I, f(x) = f(a) + (x − a)f ′(c) para algum c entre a e x

ou seja,

f(x) = f(a) + (x − a)f ′(a + θ(x − a)) para algum θ entre 0 e 1;

basta aplicar o teorema de Lagrange ao intervalo [a, x] ou [x, a], conformea < x ou x < a; note-se que θ ∈]0, 1[ depende de a e x. De modoequivalente, pode ainda escrever-se, ∀h ∈ R tal que a + h ∈ I,

f(a + h) = f(a) + hf ′(a + θh) para algum θ entre 0 e 1.

O teorema de Lagrange e rico em consequencias. Vejamos algumas delas:

Corolario 1. Seja f : I → R uma funcao contınua em I e com derivadaem int (I). Entao

f ′(x) = 0 ∀x ∈ int (I) =⇒ f = Const.

Corolario 2. Seja f : I → R uma funcao contınua em I e com derivadaem int (I). Entao

f ′(x) ≥ 0 ∀x ∈ int (I) ⇐⇒ f e crescente;

f ′(x) ≤ 0 ∀x ∈ int (I) ⇐⇒ f e decrescente.

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4. Introducao ao Calculo Diferencial 147

Tem-se ainda

f ′(x) > 0 ∀x ∈ int (I) =⇒ f e estritamente crescente;

f ′(x) < 0 ∀x ∈ int (I) =⇒ f e estritamente decrescente.

Demonstracao. Vimos ja atras que, se f e monotona crescente (resp. de-crescente) e derivavel entao f ′(x) ≥ 0 (resp. f ′(x) ≤ 0). Reciprocamente,se f esta nas condicoes do enunciado, tomando x, y ∈ I, com x < y, tem-se

f(y) − f(x) = (y − x)f ′(c), (x < c < y).

Entao, f ′(c) ≥ 0 =⇒ f(y)−f(x) ≥ 0 (resp. f ′(x) > 0 =⇒ f(y)−f(x) > 0)ou seja, f e crescente (resp. estritamente crescente). Do mesmo modo seconclui o caso decrescente.

observacao. Note-se que para as duas ultimas implicacoes, a recıprocae falsa; bastara recordar o exemplo, f : R → R, f(x) = x3, funcaoestritamente crescente em R mas com derivada nula na origem.

E de demonstracao imediata o seguinte

Corolario 3. Seja f : I → R uma funcao contınua em I e com derivadaem int (I). Se existe K > 0 tal que | f ′(x) |≤ K, ∀x ∈ int (I), entao f eK-lipschitziana:

| f(x) − f(y) |≤ K | x − y | ∀x, y ∈ I.

Corolario 4. Seja f : I → R uma funcao contınua em I e c ∈ I um pontodo intervalo. Se f tem derivada em I \ {c} e se existe lim

x→c+f ′(x) = L

(finito ou infinito) entao existe f ′d(c) e tem-se f ′

d(c) = L.Do mesmo modo para a derivada a esquerda. Em particular, se existelimx→c

f ′(x) = L (finito ou infinito) entao existe f ′(c) e tem-se f ′(c) = L.

Demonstracao. Seja xn → c, c < xn, xn ∈ I; pelo teorema de Lagrange,existe yn, c < yn < xn tal que

f(xn) − f(c)

xn − c= f ′(yn).

Mas xn → c =⇒ yn → c e portanto f ′(yn) → L o que mostra que

f ′d(c) = lim

n→∞

f(xn) − f(c)

xn − c= lim

n→∞f ′(yn) = L.

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148 4. Introducao ao Calculo Diferencial

4.2.4. Exemplos.

1. Tomemos a funcao sin :[−π

2,π

2

]−→ R. Como (sin x)

′= cosx > 0

∀x ∈]−π/2, π/2[, resulta que sinx e estritamente crescente e portantoinvertıvel; a funcao inversa, definida em [−1, 1], designa-se por

arcsin : [−1, 1] −→ R

e e derivavel (derivacao da funcao inversa) em ] − 1, 1[; escrevendoy = sin x, x ∈] − π/2, π/2[, tem-se

(arcsiny)′=

1

(sin x)′

=1

cosx=

1√1 − y2

.

Finalmente, dado que

limy→1

1√1 − y2

= limy→−1

1√1 − y2

= +∞

o anterior corolario 4. diz-nos que

d(arcsin y)

dy

∣∣∣∣y=±1

= +∞.

2. Analogamente, a funcao cos : [0, π] → R tem derivada − sinx < 0∀x ∈]0, π[ e logo, sendo estritamente decrescente e invertıvel; a funcaoinversa,

arccos : [−1, 1] −→ R,

−1 −0.5 0.5 1

−π−−2

π−2

π

e derivavel no interiordo domınio:

arccos y

(arccos y)′=

1

(cosx)′

=

= − 1

sinx= − 1√

1 − y2.

Tem-se ainda

d(arccos y)

dy

∣∣∣∣y=±1

= −∞.

arcsin y

Figura 4.11

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4. Introducao ao Calculo Diferencial 149

3. Considere-se enfim, a funcao trigonometrica

tan :]−π

2,π

2

[−→ R.

Sendo diferenciavel, com derivada (tanx)′

= sec2 x > 0, a funcaotangente e uma bijecao estritamente crescente sobre R, sendo a funcaoinversa representada por

arctan : R −→ R

−4 −2 2 4

−π−−2

π−2

Figura 4.12

De novo, utilizando o teorema da derivacao da funcao inversa e dadoque sec2 x = 1 + tan2 x = 1 + y2,

(arctany)′=

1

(tanx)′=

1

sec2 x=

1

1 + y2.

4.2.5. Teorema do Valor Medio de Cauchy. Sejam f, g : [a, b] → R,funcoes contınuas no intervalo limitado e fechado [a, b] e com derivada(finita ou infinita) no interior ]a, b[. Entao, se g′(x) 6= 0 ∀x ∈]a, b[, existepelo menos um ponto c ∈]a, b[ tal que

f(b) − f(a)

g(b) − g(a)=

f ′(c)

g′(c).

Demonstracao. Considerando a funcao

ϕ(x) = f(x) − f(b) − f(a)

g(b) − g(a).g(x),

a demonstracao e agora similar a do teorema de Lagrange.

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150 4. Introducao ao Calculo Diferencial

Observacao. O teorema do valor medio de Cauchy generaliza o teoremade Lagrange e reduz-se a este quando g(x) = x. Repare-se ainda que oenunciado do teorema esta bem definido, isto e, g(b) 6= g(a); com efeito, seg(b) = g(a), o teorema de Rolle implicava a existencia de um ponto ξ ∈]a, b[com g′(ξ) = 0 o que contrariava a hipotese.

Aplicacao ao calculo dos limites nas indeterminacoes0

0e

.

4.2.6. Proposicao (Regra de L’Hospital ). Sejam f, g : D → R,funcoes diferenciaveis em a ∈ D; suponha-se que, nalguma vizinhanca dea, g(x) 6= 0, x ∈ (Vε(a) \ {a}) ∩ D. Se f(a) = g(a) = 0 e g′(a) 6= 0 entao

limx→a

f(x)

g(x)existe e tem-se

limx→a

f(x)

g(x)=

f ′(a)

g′(a).

Demonstracao. Para x ∈ (Vε(a) \ {a}) ∩ D tem-se

f(x)

g(x)=

f(x) − f(a)

g(x) − g(a)=

f(x) − f(a)

x − a

/g(x) − g(a)

x − a

e passando ao limite x → a, obtem-se o resultado.

Observacoes. 1. A regra e ainda valida se f ′(a) = ±∞ e g′(a) = k ∈ R;neste caso,

limx→a

f(x)

g(x)=

±∞k

.

Ou ainda se f ′(a) = k ∈ R e g′(a) = ±∞, tendo-se agora

limx→a

f(x)

g(x)=

k

±∞ = 0.

2. Se g′(a) = 0 e f ′(a) 6= 0 e claro que o resultado nao e conclusivo; apenaspodemos acrescentar que

limx→a

∣∣∣∣f(x)

g(x)

∣∣∣∣ = +∞.

Um outro resultado, porventura ainda de maior aplicacao (ja que

permite atacar as indeterminacoes0

0e∞∞ ) e a regra de Cauchy.

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4. Introducao ao Calculo Diferencial 151

4.2.7. Proposicao (Regra de Cauchy). Seja I ⊂ R um intervaloqualquer de R e a ∈ I (*); sejam f, g : I \ {a} → R funcoes diferenciaveise admita-se que g′(x) 6= 0, x ∈ I \ {a}. Suponha-se agora que

limx→a

f(x) = limx→a

g(x) = 0

ou

limx→a

g(x) = ±∞e lim

x→a

f ′(x)

g′(x)existe.

Entao, limx→a

f(x)

g(x)existe e tem-se

limx→a

f(x)

g(x)= lim

x→a

f ′(x)

g′(x).

Demonstracao. Seja L = limx→a

f ′(x)

g′(x)e admita-se que L ∈ R; o caso

L = ±∞ tem demonstracao similar. Entao, dado um qualquer δ > 0,existe ε > 0 tal que

L − δ ≤ f ′(x)

g′(x)≤ L + δ, ∀x ∈ Vε(a) ∩ I. (1)

Do teorema do valor medio de Cauchy, dados x, y ∈ Vε(a) ∩ I, existe um centre x e y (e logo c ∈ Vε(a) ∩ I) tal que

f(x) − f(y)

g(x) − g(y)=

f ′(c)

g′(c)

e portanto, de (1) sai

L − δ ≤ f(x) − f(y)

g(x) − g(y)≤ L + δ ∀x, y ∈ Vε(a) ∩ I. (2)

1o caso : limx→a

f(x) = limx→a

g(x) = 0.

Fixando x em (2) e passando ao limite y → a, vem entao

L − δ ≤ f(x)

g(x)≤ L + δ ∀x ∈ Vε(a) ∩ I,

(*) Note-se que a pode pertencer ou nao a I; neste ultimo caso, a sera um extremo do

intervalo, podendo ser +∞ ou −∞.

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152 4. Introducao ao Calculo Diferencial

ou seja

limx→a

f(x)

g(x)= L = lim

x→a

f ′(x)

g′(x).

2o caso : limx→a

g(x) = ±∞.

Dado que, neste caso, g(x) 6= 0, x ∈ Vε(a) ∩ I, as desigualdades (2)podem escrever-se

L − δ ≤

f(x)

g(x)− f(y)

g(x)

1 − g(y)

g(x)

≤ L + δ ∀x, y ∈ Vε(a) ∩ I. (3)

Fixado y ∈ Vε(a) ∩ I, tem-se limx→a

g(y)

g(x)= 0 e portanto 1 − g(y)

g(x)e positivo

quando x e vizinho de a; sendo assim, (3) pode escrever-se

(L − δ)

(1 − g(y)

g(x)

)≤ f(x)

g(x)− f(y)

g(x)≤ (L + δ)

(1 − g(y)

g(x)

).

Tomando os limites superior e inferior (quando x → a) e utilizando(3.1.16.), obtemos

L − δ ≤ limx→a

f(x)

g(x)≤ L + δ

L − δ ≤ limx→a

f(x)

g(x)≤ L + δ

∀δ > 0

e logo

limx→a

f(x)

g(x)= lim

x→a

f(x)

g(x)= lim

x→a

f(x)

g(x)= L.

Observacao. Aplicada a regra de Cauchy af

g, se

limx→a

f ′(x) = limx→a

g′(x) = 0

ou

limx→a

g′(x) = ±∞

e sef ′(x)

g′(x)esta nas condicoes de aplicacao da regra de Cauchy, entao

limx→a

f(x)

g(x)= lim

x→a

f ′(x)

g′(x)= lim

x→a

f ′′(x)

g′′(x).

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4. Introducao ao Calculo Diferencial 153

Assim, por exemplo, sendo α e β constantes reais positivas, o calculo

do limx→+∞

log (1 + αx)

log (1 + βx)pode ser feito utilizando sucessivamente a regra de

Cauchy:

limx→+∞

log (1 + αx)

log (1 + βx)= lim

x→+∞

α1

1 + αx

β1

1 + βx

=

β. limx→+∞

1 + βx

1 + αx=

α

β.β

α= 1.4.3. A F�ormula de Taylor. Apli a� ~oes.

4.3.1. Derivacao de ordem superior.

Seja f : D → R uma funcao diferenciavel em D. Se f ′ e diferenciavelem a ∈ D entao diz-se que f e duas vezes diferenciavel em a: a segunda

derivada de f em a representa-se por f ′′(a) ou D2f(a) ou ainda pord2f

dx2(a)

e vem dada por

f ′′(a) = (f ′)′(a) = lim

x→a

f ′(x) − f ′(a)

x − a.

Mais geralmente, se existem f ′, f ′′, . . . , f (n−1) em D e f (n−1) e derivavelem a, entao diz-se que f tem derivada de ordem n em a :

f (n)(a) = limx→a

f (n−1)(x) − f (n−1)(a)

x − a.

A funcao f diz-se de classe Cn e escreve-se f ∈ Cn(D) se f e n vezesdiferenciavel em D e a funcao f (n) e contınua em D. Por extensao delinguagem, escreve-se f ∈ C0(D) para designar f como funcao contınua.Se f admite derivadas de todas as ordens em D, entao dizemos que f eindefinidamente diferenciavel ou de classe C∞.

4.3.2. Exemplos.

1. A funcao ex e de classe C∞ em R ja que

(ex)(n) = ex ∀n ∈ N.

2. A funcao xn, (n ∈ N) e ainda de classe C∞; com efeito,

Dp (xn) =n(n − 1) . . . (n − p + 1)xn−p (p < n)

Dn (xn) =n!

Dp (xn) =0 (p > n).

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154 4. Introducao ao Calculo Diferencial

Resulta agora que o polinomio de grau n,

P (x) = a0 + a1x + · · · + anxn ∈ C∞.

3. A funcao f1 : R → R, dada por

f1(x) =

x2 sin1

xse x 6= 0

0 se x = 0

e derivavel em todos os pontos de R mas a sua derivada, f ′1(x) =

2x sin1

x− cos

1

xse x 6= 0 e f ′

1(x) = 0 se x = 0, nao e contınua na

origem. Assim, f1 e derivavel mas nao e de classe C1. Mais geramente,a funcao fn : R → R definida por

fn(x) =

x2n sin1

xse x 6= 0

0 se x = 0

e n vezes diferenciavel mas nao e de classe Cn (exercıcio).

4. Se f, g : D → R sao n vezes derivaveis em x ∈ D, entao f + g e f.gsao n vezes derivaveis e tem-se

i) (f + g)(n)(x) = f (n)(x) + g(n)(x);

ii) Dn(f.g)(x) =

f(x)Dng(x) + nDf(x)Dn−1g(x) +

(n2

)D2f(x)Dn−2g(x)+

+ · · · +(

nn − 1

)Dn−1f(x)Dg(x) + Dnf(x)g(x) =

=

n∑

p=0

(np

)Dpf(x)Dn−pg(x). (Formula de Leibnitz).

A demonstracao da formula de Leibnitz pode ser feita por inducao emn. (exercıcio).

5. A funcao f : R \ {0} → R, dada por f(x) =1

x, e C∞ ; a derivada de

ordem n:

Dn 1

x= (−1)(−2) · · · (−n)x−1−n = (−1)n n!

x1+n.

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4. Introducao ao Calculo Diferencial 155

6. Como log :]0, +∞[→ R e derivavel com derivada igual a 1/x, resultaque log x ∈ C∞ e

Dn log x = (−1)n−1 (n − 1)!

xn.

7. Consideremos a funcao f : R → R,

e−

1

x2 se x 6= 0

0 se x = 0.

Para x 6= 0, f ′(x) = 2x

(1

x2

)2

e−

1

x2 −→ 0 (x → 0) e portanto

f ′(0) = 0 (cf. (4.2.3.), Cor. 4.).

Mais geralmente, mostremos por inducao em n que

f (n)(x) = P (x)

(1

x2

)l

e−

1

x2

em que P (x) e um polinomio e l um inteiro positivo dependentes de n.Com efeito, a formula e valida para n = 1 como vimos; admitindo-avalida para n, a derivada de ordem n + 1 de f vira dada por

f (n+1)(x) =(f (n)

)′

(x) = P ′(x)

(1

x2

)l

e−

1

x2 + (1)

+ P (x) l

(1

x2

)l−1

(−2x)

(1

x2

)2

e−

1

x2 + (2)

+ P (x)

(1

x2

)l

e−

1

x2 2

x3. (3)

Mas

(1) = x4P ′(x)

(1

x2

)l+2

e−

1

x2 = P1(x)

(1

x2

)l+2

e−

1

x2

(2) = −2x3P (x)

(1

x2

)l+2

e−

1

x2 = P2(x)

(1

x2

)l+2

e−

1

x2

(3) = 2xP (x)

(1

x2

)l+2

e−

1

x2 = P3(x)

(1

x2

)l+2

e−

1

x2

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156 4. Introducao ao Calculo Diferencial

e logo

f (n+1)(x) = Q(x)

(1

x2

)l+2

e−

1

x2

em que Q(x) e o polinomio P1(x) + P2(x) + P3(x). Isto termina ademonstracao; como

f (n)(x) = P (x)

(1

x2

)l

e−

1

x2 −→ 0 (x → 0)

conclui-se que fn(0) = 0. Assim, f ∈ C∞ e fn(0) = 0, ∀n ∈ N.

4.3.2. A Formula de Taylor.

Seja f : I → R uma funcao diferenciavel em a ∈ I (sendo I umintervalo arbitrario de R). Recordemos que (cf. (4.1.6.))

(F1) f(x) = f(a) + f ′(a) (x − a) + θ(x), x ∈ I,

em que θ(x) = o(x − a) e um infinitesimo de ordem superior a x − a:

limx→a

θ(x)

x − a= 0. Isto e, a funcao f e aproximada pelo polinomio de primeiro

grau, f(a)+f ′(a) (x−a), com um “erro” determinado por θ(x) = o(x−a).No que se segue, procuramos uma melhor aproximacao de f na vizinhancade a: o erro sera determinado por o((x − a)n); tal aproximacao vem dadapela formula de Taylor, de que (F1) e um caso particular.

4.3.3. Proposicao. Seja f : I → R uma funcao n vezes diferenciavel ema ∈ I. Se f(a) = f ′(a) = · · · = f (n)(a) = 0, entao

limx→a

f(x)

(x − a)n= 0.

Demonstracao. A demonstracao sera feita por inducao. Para n = 1,

limx→a

f(x)

(x − a)= lim

x→a

f(x) − f(a)

(x − a)= f ′(a) = 0.

Suponha-se agora o resultado valido para n − 1 (n > 1) e seja f tal quef(a) = f ′(a) = · · · = f (n)(a) = 0. A hipotese da inducao aplicada a f ′

implica limx→a

f ′(x)

(x − a)n−1= 0. Aplicando a regra de Cauchy,

limx→a

f(x)

(x − a)n=

1

nlimx→a

f ′(x)

(x − a)n−1= 0.

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4. Introducao ao Calculo Diferencial 157

4.3.4. Teorema (Formula de Taylor).(*) Seja f : I → R uma funcaon vezes diferenciavel em a ∈ I. Entao, ∀x ∈ I tem-se

(Fn) f(x) = f(a) + f ′(a) (x − a) + · · · + f (n)(a)

n!(x − a)n + Rn(x)

em que

Rn(x) = o((x − a)n), isto e, limx→a

Rn(x)

(x − a)n= 0.

O polinomio T na (x) = f(a) + f ′(a) (x − a) + · · ·+ f (n)(a)

n!(x − a)n diz-se o

polinomio de Taylor. A funcao Rn(x) e designada por resto de ordemn.

Demonstracao. Designe-se por g(x) = f(a) + f ′(a) (x − a) + · · · +f (n)(a)

n!(x − a)n o polinomio de Taylor; trata-se entao de demonstrar que

f(x) − g(x) = o((x − a)n). Com efeito,

g(a) = f(a)

g′(a) = f ′(a)

...

g(n)(a) = f (n)(a)

e o resultado sai agora trivialmente da anterior proposicao.

Dado que α(x) =Rn(x)

(x − a)n−→ 0 (x → 0), tem-se Rn(x) =

(x − a)n.α(x) em que α(x) = o(1)x→a−−−−→ 0, e a formula de Taylor pode

escrever-se

(F ′n) f(x) = f(a) + f ′(a) (x − a) + · · ·+ f (n)(a)

n!(x − a)n + (x − a)nα(x).

Se a = 0 ∈ I, a formula de Taylor na origem escreve-se

(Mn) f(x) = f(0) + f ′(0)x + · · · + f (n)(0)

n!xn + o(xn)

(*) A formula de Taylor e tambem chamada desenvolvimento limitado de Taylor ou

apenas desenvolvimento de Taylor; desenvolvimento limitado, porque faz intervir um

numero limitado (ou finito) de termos, contrariamente a serie de Taylor, nocao que sera

abordada mais tarde.

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158 4. Introducao ao Calculo Diferencial

e designa-se por formula de Mac-Laurin.

4.3.5. Proposicao (Unicidade do Desenvolvimento Tayloriano).Seja f : I → R uma funcao n vezes diferenciavel em a ∈ I. Se existemconstantes c0, c1, . . . , cn ∈ R tais que

f(x) = c0 + c1(x − a) + · · · + cn(x − a)n + Rn(x) (1)

em que Rn(x) = o((x − a)n), entao

c0 = f(a), c1 =f ′(a)

1!, · · · , cn =

f (n)(a)

n!.

Demonstracao. Subtraindo (1) de (Fn) obtem-se

0 = (c0 − f(a)) + (c1 − f ′(a)) (x − a) + · · ·

+

(cn − f (n)(a)

n!

)(x − a)n + (Rn(x) − Rn(x))

onde claramente, (Rn(x) − Rn(x)) = o((x − a)n). Passando ao limite(x → a), obtem-se imediatamente c0 = f(a). Dividindo agora por x − a epassando de novo ao limite (x → a), vem c1 = f ′(a) e assim sucessivamente,obtendo-se o resultado quando, pela n-esima vez, se divide por (x− a) e sepassa ao limite x → a.

Conhecidas as derivadas de ordem n na origem, podemos escrever osdesenvolvimentos de Mac-Laurin :

ex = 1 + x +x2

2+ · · · + xn

n!+ o(xn) ;

log (1 + x) = x − x2

2+ · · · + (−1)n−1 xn

n+ o(xn) (x > −1) ;

(1 + x)α = 1 + αx + · · · + α(α − 1) · · · (α − n + 1)

n!xn + o(xn)

(α ∈ R, (x > −1) ;

sin x = x − x3

3!+

x5

5!+ · · · + (−1)n x2n+1

(2n + 1)!+ o(x2n+1) ;

cosx = 1 − x2

2!+

x4

4!+ · · · + (−1)n x2n

(2n)!+ o(x2n).

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4. Introducao ao Calculo Diferencial 159

Seja f : I → R uma funcao n + 1 vezes diferenciavel em a ∈ I. Aformula de Taylor escreve-se

f(x) = f(a) + f ′(a) (x − a) + · · · + f (n)(a)

n!(x − a)n+

+f (n+1)(a)

(n + 1)!(x − a)n+1 + Rn+1(x)

em que Rn+1(x) = α(x) (x − a)n+1, com α(x) → 0 (x → a). Associandoos dois ultimos termos da anterior formula de Taylor, obtemos o resto deordem n na forma

(RP ) Rn(x) =(x − a)n+1

(n + 1)!

(f (n+1)(a) + o(1)

)

com o(1) = (n + 1)! α(x) → 0 (x → a). O resto dado por (RP ) designa-sepor resto de Peano e a formula de Taylor associada

f(x) = f(a) + f ′(a) (x − a) + · · · + f (n)(a)

n!(x − a)n+

+(x − a)n+1

(n + 1)!

(f (n+1)(a) + o(1)

)

e designada por formula de Taylor-Peano.

Exija-se agora que f ∈ C(n)(I) e que f (n) admita derivada (finita ouinfinita) no int (I). Fixado a ∈ I, defina-se, para cada x ∈ I, a funcaoϕ : [a, x] ⊂ I → R, se x > a, (ou entao ϕ : [x, a] → R se x < a) por

ϕ(t) = f(x) − f(t) − (x − t) f ′(t) − · · · − (x − t)n

n!f (n)(t)−

− K

(n + 1)!(x − t)n+1 (1)

em que K e uma constante a fixar. A funcao ϕ assim definida e evidente-mente contınua, com derivada em ]a, x[ (ou ]x, a[). Alem disso, um simplescalculo permite ver que

ϕ′(t) =K − f (n+1)(t)

n!(x − t)n. (2)

Escolha-se entao K, em (1), tal que ϕ(a) = 0. Como ϕ(x) = 0 = ϕ(a), oteorema de Rolle garante que existe c entre a e x tal que ϕ′(c) = 0 e logo

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160 4. Introducao ao Calculo Diferencial

de (2) se tira que K = f (n+1)(c) = f (n+1)(a + θn(x − a)), (0 < θn < 1).Finalmente, sendo ϕ(a) = 0, de (1) vem

f(x) = f(a) + f ′(a) (x − a) + · · · + f (n)(a)

n!(x − a)n+

+f (n+1)(a + θn(x − a))

(n + 1)!(x − a)n+1,

formula de Taylor de f no ponto a com resto

Rn(x) =(x − a)n+1

(n + 1)!f (n+1)(a + θn(x − a)), (0 < θn < 1),

dito resto de Lagrange.

Um exemplo classico : seja P (x) = a0 +a1x+ · · ·+anxn um polinomiode grau n. Como P (n+1)(x) = 0, ∀x ∈ R, o resto de Lagrange (de ordemn) vem identicamente nulo e logo a correspondente formula de Taylor numponto a ∈ R, toma a forma

P (x) = P (a) + P ′(a) (x − a) + · · · + P (n)(a)

n!(x − a)n,

que nao e mais do que o desenvolvimento do polinomio P (x) em potenciasde x − a. A formula de Mac-Laurin

P (x) = P (0) + P ′(0)x + · · · + P (n)(0)

n!xn

vem dada pelo proprio polinomio (consequencia de 4.3.5.) :

P (0) = a0, P ′(0) = a1, . . . ,P (n)(0)

n!= an.

4.3.6. Aplicacao ao estudo do comportamento de uma funcao :extremos locais, pontos de inflexao e concavidade local.

Seja f : I → R uma funcao diferenciavel e a ∈ int (I) um pontode maximo ou mınimo local; entao e sabido que a e um ponto crıtico :f ′(a) = 0.Reciprocamente, sabemos ja que um ponto crıtico a pode nao ser ponto deextremo local. No entanto,

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4. Introducao ao Calculo Diferencial 161

4.3.7. Proposicao. Seja f : I → R uma funcao n vezes diferenciavel numponto a interior ao intervalo I. Admita-se que f ′(a) = 0 e designemos porf (n) (n > 1) a primeira das sucessivas derivadas de f que nao se anulamem a :

f ′(a) = · · · = f (n−1)(a) = 0, f (n)(a) 6= 0 (n > 1).

Entao,

n par

se f (n)(a) > 0, a e ponto de mınimo local

se f (n)(a) < 0, a e ponto de maximo local

n ımpar : a nao e ponto de extremo local

Demonstracao. Escreva-se a formula de Taylor-Peano (de ordem n − 1)no ponto a,

f(x) − f(a) =(x − a)n

n!

(f (n)(a) + o(1)

).

Como o(1) → 0 (x → a), ve-se que existe ε > 0 tal que f (n)(a)+ o(1) temo sinal de f (n)(a) se x ∈ Vε(a). Logo, se n e ımpar, (x− a)n muda de sinalem Vε(a) consoante x > a ou x < a o mesmo acontecendo a f(x) − f(a)e portanto f nao admite extremo local em a. Se n e par, (x − a)n esempre positivo e logo f(x) − f(a) tem o sinal de f (n)(a), o que termina ademonstracao.

Corolario. Seja f : I → R uma funcao duas vezes diferenciavel numponto a ∈ int (I), ponto crıtico de f , (f ′(a) = 0). Entao,

f ′′(a) > 0 ⇒ a : ponto de mınimo local

f ′′(a) < 0 ⇒ a : ponto de maximo local.

Sentido da concavidade. A nocao de funcao convexa (ou concava)pode ser estabelecida para funcoes em geral (nao apenas para funcoesdiferenciaveis) e constitui a base de um importante domınio da AnaliseMatematica dos nossos dias: a Analise Convexa. Todavia, nos limitar-nos-emos apenas a definir rigorosamente, para funcoes diferenciaveis, o sentidoda concavidade num ponto. Seja f : I → R uma funcao diferenciavel ema ∈ I; o grafico de f admite entao tangente no ponto A = (a, f(a)) (cf. Fig.4.13). Intuitivamente, e razoavel dizer que f tem a concavidade voltadapara baixo (resp. a concavidade voltada para cima) no ponto a, se nalguma

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162 4. Introducao ao Calculo Diferencial

vizinhanca de a o grafico de f estiver “abaixo” (resp. “acima”) da tangenteem A.

Escreva-se a equacao da tangente em A = (a, f(a)) : y = f(a) +f ′(a) (x − a) e faca-se r(x) = f(x) − f(a) − f ′(a) (x − a); assim,

4.3.8. Definicao. Diz-se que f tem a concavidade voltada parabaixo no ponto a se existe ε > 0 tal que r(x) < 0, ∀x ∈ Vε(a) \ {a}.

Diz-se que f tem a concavidade voltada para cima no ponto ase existe ε > 0 tal que r(x) > 0, ∀x ∈ Vε(a) \ {a}.

Diz-se que a ∈ int (I) e ponto de inflexao se existe ε > 0 tal que,num dos intervalos ]a − ε, a[ e ]a, a + ε[ se tenha r(x) > 0 e no outror(x) < 0.

a a a + ε − ε

A f(a)

f

Figura 4.13

Como analisar a concavidade de f em a ∈ I ?

Seja f duas vezes diferenciavel em a ∈ I e admita-se que f ′′(a) 6= 0.Escrevendo a formula de Taylor-Peano

f(x) = f(a) + f ′(a) (x − a) +(x − a)2

2!(f ′′(a) + o(1))

tira-se que

r(x) =(x − a)2

2!(f ′′(a) + o(1)) .

Como o sinal de f ′′(a) + o(1), numa vizinhanca de a, e o de f ′′(a) (note-seque o(1) → 0 (x → a)), o sinal de r(x) sera portanto, na dita vizinhanca, ode f ′′(a) o que nos permite concluir:

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4. Introducao ao Calculo Diferencial 163

4.3.9. Proposicao. Se f : I → R e duas vezes diferenciavel em a ∈ I,entao f tem a concavidade voltada para baixo nos pontos a ∈ I tais quef ′′(a) < 0 e a concavidade voltada para cima nos pontos a ∈ I tais quef ′′(a) > 0

Corolario. Se f : I → R e duas vezes diferenciavel em a ∈ int (I) e a eponto de inflexao, entao f ′′(a) = 0.

x

y

O corolario diz-nos que, para umafuncao duas vezes diferenciavel, ospontos a ∈ I candidatos a pontosde inflexao sao os que anulam asegunda derivada de f ; no entantoa recıproca e falsa ( cf. Fig. 4.14): a segunda derivada de f(x) = x4

anula-se na origem que no entantonao e ponto de inflexao (a analisedireta da funcao permite concluirimediatamente que f(x) = x4 tem aconcavidade voltada para cima emx = 0).

Figura 4.14

f(x)=x4

Tal como a analise das derivadas superiores de f foi determinante paraencontrar os pontos de extremo local por entre os pontos crıticos, tambemagora o uso da formula de Taylor permitira decidir, por entre os pontos queanulam a segunda derivada, quais os pontos de inflexao.

4.3.10. Proposicao. Seja f : I → R, uma funcao n vezes diferenciavel(n > 2) em a ∈ int (I), tal que

f ′′(a) = · · · = f (n−1)(a) = 0 e f (n)(a) 6= 0.

Entao,

n par

f (n)(a) > 0 ⇒ concavidade voltada para cima em a.

f (n)(a) < 0 ⇒ concavidade voltada para baixo em a.

n ımpar : a e ponto de inflexao.

Demonstracao. Basta observar que se tem

f(x) = f(a) + f ′(a) (x − a) +(x − a)n

n!

[f (n)(a) + o(1)

]

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164 4. Introducao ao Calculo Diferencial

e portanto

r(x) =(x − a)n

n!

[f (n)(a) + o(1)

].

Dado que o(1) → 0, quando x → a, f (n)(a) + o(1) tera, numa vizinhancade a, o sinal de f (n)(a). Logo, se n e par, r(x) tera o sinal de f (n)(a) oque mostra a primeira parte. Se n e ımpar, como (x − a)n muda de sinalem qualquer vizinhanca de a, o mesmo sucede a r(x) e a sera ponto deinflexao.

4.3.11. Nocao de assıntota.

Seja f : D → R uma funcao definida num domınio D contendo umavizinhanca de +∞ : Vε(+∞) ⊂ D (resp. Vε(−∞) ⊂ D). Diz-se que a retay = ax + b e assıntota ao grafico de f em +∞ (resp. −∞) se

limx→+∞

[f(x) − (ax + b)] = 0 (1)

(resp. limx→−∞

[f(x) − (ax + b)] = 0).

Faca-se ω(x) = f(x) − (ax + b); se y = ax + b e assıntota em +∞ entao,como

a =f(x)

x− ω(x) + b

x,

tem-se

a = limx→+∞

f(x)

x(2)

e de (1) resulta ainda que

b = limx→+∞

(f(x) − ax). (3)

Reciprocamente, existindo os limites (2) e (3), a reta ax + b e assıntota em+∞, dado que

limx→+∞

[f(x) − (ax + b)] = limx→+∞

(f(x) − ax) − b = 0,

como se ve imediatamente de (3). Resultado semelhante se estabelece paraa assıntota em −∞.

A analise do grafico de uma funcao completa-se, introduzindo a nocao deassıntota vertical ao grafico de f : se a ∈ D ∩ R e se

limx→a+

f(x) = ±∞ ou limx→a−

f(x) = ±∞,

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4. Introducao ao Calculo Diferencial 165

dizemos que o grafico de f admite em a uma assıntota vertical.

4.3.12. Exemplos.

1. Tomemos a funcao

f : ]−∞, 1[ ∪ ]1, +∞[ −→ R, f(x) =x2

4(1 − x).

-4 -2 2 4x

-4

-2

-0.25

2

y

Figura 4.15

Tem-se

limx→±∞

f(x)

x= lim

x→±∞

x

4(1 − x)= −1/4

e logo

limx→±∞

[f(x) − (−1/4)x] = limx→±∞

x2

4(1 − x)+

x

4= −1/4

pelo que −1

4x − 1

4e assıntota ao grafico de f em +∞ e em −∞;

finalmente, e claro que x = 1 e assıntota vertical ao grafico de f (cf.Fig. 4.15).

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166 4. Introducao ao Calculo Diferencial

2. Estudo das funcoes hiperbolicas.

Em varias aplicacoes da Analise, desempenham papel importante aschamadas funcoes hiperbolicas. Sao definidas do seguinte modo:

sinhx =ex − e−x

2, x ∈ R seno hiperbolico

coshx =ex + e−x

2, x ∈ R cosseno hiperbolico

Como se pode ver, a funcao sinh x e ımpar e coshx e par. Claramenteque

(sinhx)′ = coshx e (coshx)′ = sinhx

e portanto sinhx e funcao estritamente crescente em todo o seudomınio; a funcao coshx e crescente para x > 0 e decrescente parax < 0, admitindo um mınimo (absoluto) em x = 0. E aindaclaro que ambas as funcoes tendem para +∞ (quando x → +∞)do mesmo modo que a funcao exponencial; em −∞, a funcao sinhx,sendo ımpar, tende (exponencialmente) para −∞ e coshx, funcao par,tende exponencialmente para +∞. Enfim, a analise das segundasderivadas, mostra um ponto de inflexao em x = 0 para a funcaosinhx : (sinhx)′′ = sinhx, enquanto a funcao coshx tem a segundaderivada sempre positiva : (coshx)′′ = coshx.

-3 -2 -1 1 2 3

-6

-4

-2

2

4

6

sinh x

-3 -2 -1 0 1 2 3

1

2

3

4

5

6

cosh x

Figura 4.16

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4. Introducao ao Calculo Diferencial 167

Foi referido que, quando x → +∞, as funcoes sinh x e coshx tendempara +∞ exponencialmente; mais precisamente,

-2 -1 1 2

-3

-2

-1

1

2

3sinhx − 1

2ex = −1

2e−x

cosh x

coshx − 1

2ex =

1

2e−x.

Como e−x tende rapidamente para 0, (1/2) ex

os graficos de sinh x, coshx e (1/2)ex,

tendem a identificar-se para x > x0.

sinhx

Figura 4.17

Defina-se agora a funcao tangente hiperbolica de x :

tanhx =sinhx

coshx=

ex − e−x

ex + e−x, x ∈ R.

-3 -2 -1 1 2 3

-1

-0.5

0.5

1

tanh x

Figura 4.18

A funcao tanhx e ımpar, positiva se x > 0 e negativa em x < 0, etem-se 0 ≤ tanhx < 1, x ≥ 0. Tem-se ainda

limx→+∞

tanhx = 1 e limx→−∞

tanhx = −1.

Derivando, (tanhx)′ = 1 − tanh2 x, pelo que a funcao e estritamentecrescente. A segunda derivada, (tanhx)′′ = −2 tanhx (1 − tanh2 x),mostra que se tem um ponto de inflexao em x = 0 e que o grafico

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168 4. Introducao ao Calculo Diferencial

apresenta a concavidade voltada para baixo em x > 0 e voltada paracima em x < 0. Finamente, como lim

x→±∞tanhx/x = 0, as retas y = 1

e y = −1 sao assıntotas em +∞ e −∞, respetivamente.

A semelhanca das funcoes trigonometricas, as funcoes hiperbolicassatisfazem um certo numero de relacoes algebricas. Exibimos algumas,deixando a demonstracao como exercıcio.

cosh2x − sinh2x = 1 (1)

1 − tanh2x =1

cosh2x= sech2x (2)

cosh (x + y) = coshx cosh y + sinhx sinh y (3)

sinh (x + y) = sinhx cosh y + coshx sinh y (4)

Fazendo x = cosh t e y = sinh t, a anterior relacao (1) mostra que oponto P (cosh t, sinh t) do plano Oxy, descreve a hiperbole x2 − y2 = 1(quando t percorre R). Esta a razao pela qual as funcoes descritas saodesignadas por funcoes hiperbolicas:

sinh

cosh

tanh

= 1 2 2

t

t

x y -

t

x

y

1 O

Figura 4.19

3. As aplicacoes do calculo diferencial a determinacao de maximos emınimos das funcoes constituem a versao elementar de um domınio

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4. Introducao ao Calculo Diferencial 169

da Matematica especialmente importante designado por Calculo dasVariacoes. Vejamos um simples (mas classico) exemplo tirado daGeometria elementar.

Problema. Por entre os triangulos com um dado perımetro P > 0,quais sao aqueles de maior area?

a) Consideremos em primeiro lugar o problema de determinar ostriangulos de maior area por entre aqueles que tem o perımetro P e umlado de comprimento dado, digamos 2r (r > 0). No plano cartesianoOxy representemos o dito triangulo conforme a figura

- x

h l

l 1 2

O x

y

r r

Figura 4.20

Como a area do triangulo vem dada por A = r.h, maximizar a area emaximizar h = h(x) (ou se quisermos h2(x)). Ora

h2 = l21 − (x + r)2 = l22 − (x − r)2 (1)

e daqui tira-sel21 − l22 − 4rx = 0. (2)

Mas l1 + l2 + 2r = P ; fazendo P − 2r = k, tem-se

l21 = (k − l2)2 = k2 − 2kl2 + l22 (3)

e portanto, de (2) e (3) obtemos l2 = (k2 − 4rx)/2k. Trata-se assim demaximizar a funcao

f(x) = h2(x) = l22 − (x − r)2 =(k2 − 4rx)2

4k2− (x − r)2.

Derivando,

f ′(x) =−2r(k2 − 4rx)

k2− 2(x − r) =

(8r2 − 2k2)x

k2=

=2P (4r − P )x

k2

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170 4. Introducao ao Calculo Diferencial

e portanto, f ′(x) = 0 ⇐⇒ x = 0. Como 4r−P < 0, e agora imediatoconcluir que x = 0 e ponto de maximo (absoluto) de h2(x), e logo eponto de maximo da area A(x). Assim, por entre os triangulos comum dado perımetro e um dado lado, sao os isosceles (l1 = l2 = l) osque tem area maxima.

b) Para um qualquer triangulo de perımetro P , a cada r > 0associamos a area maxima do triangulo isosceles de perımetro P elado de comprimento 2r, a qual vem dada por A(r) = r.h = r.

√l2 − r2.

Como P = 2l + 2r, i.e., l = P/2 − r, trata-se agora de maximizar afuncao

A(r) = r

√(P

2− r

)2

− r2 = r

√P 2

4− Pr.

Dado que

A′(r) =(P 2/2)− 3Pr

2

√P 2

4− Pr

, (4)

o unico ponto crıtico, ponto de maximo, e r = P/6, o que significaque 2r = P/3 = l, e portanto os triangulos de perımetro P com areamaxima sao precisamente os equilateros.

Observacao. Repare-se que o denominador de (4) e sempre positivodado que o lado de comprimento 2r tera naturalmente de ser inferiora P/2 e logo o domınio de A(r) e 0 < r < P/4.

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4. Introducao ao Calculo Diferencial 171

Exercıcios

1. Calcule as derivadas das seguintes funcoes, indicando o maior domıniode diferenciabilidade :

a) arcsin(1 − x) ;

b) 5√

x2 − 1 ;

c) log(log x) ;

d) (xx)x ;

e) (1 + x2)x .

2. Determine os numeros naturais p para os quais a funcao, dada por

f(x) =

xp sin1

xse x 6= 0

0 se x = 0

a) e derivavel em R;

b) tem derivada contınua em R.

3. Mostre que se f e derivavel num ponto x0, entao a sucessao

(n

[f

(x0 +

1

n

)− f(x0)

])

converge. Mostre, com um exemplo, que a recıproca nao e verdadeira.

4. Sejam f e g : R → R, dadas por

f(x) =

x2 se x ≥ 0

−1 se x < 0, g(x) =| x | .

Mostre que f e g nao sao derivaveis no ponto zero mas que f ◦ g ederivavel nesse ponto.

5. Considere a funcao f : R → R, f(x) = x + cosx.

a) Mostre que f e invertıvel.

b) Calcule a derivada de f−1 no ponto y = 5π/2. Determine ospontos em que a funcao inversa tem derivada +∞.

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172 4. Introducao ao Calculo Diferencial

6. Diga para que valores de α e β (β > 0) a funcao

f(x) =

|x|α sin(1/|x|β) se x 6= 0

0 se x = 0

no ponto x = 0 e:

a) contınua; b) tem derivada; c) tem derivada contınua.

7. Determine os valores de α e β para os quais a funcao

f(x) =

arctanαx se |x| ≤ 1

β signx +x − 1

2se |x| > 1

tem derivada

a) no ponto x = 1; b) no ponto x = −1.

8. Estude a derivabilidade das funcoes :

a) f(x) =

{x2 se x ∈ Q0 se x ∈ R \ Q

b) f(x) =

{x2 se x ∈ Q2|x| − 1 se x ∈ R \ Q

9. Prove que x3 + 3x− 1 tem um so zero em R, ficando esse zero situadono intervalo ]0, 1[.

10. Seja f uma funcao real tres vezes diferenciavel em R e tal que

f ′′′(x) > 0 ∀x ∈ R.

Determine o numero maximo de zeros de f .

11. Seja f : D → R uma funcao derivavel num ponto a interior a D.Mostre que

limh→0

f(a + h) − f(a − h)

2h= f ′(a).

Prove, com um exemplo, que a existencia do anterior limite nao implicatao pouco a continuidade de f em a.

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4. Introducao ao Calculo Diferencial 173

12. Prove que a aplicacao f : [0, 2] → R, dada por

f(x) =

3 − x2

2se 0 ≤ x ≤ 1

1

xse 1 < x ≤ 2

satisfaz as condicoes do teorema de Lagrange em [0, 2] e determine osvalores c ∈ [0, 2] tais que

f(2) − f(0) = 2f ′(c).

13. Determine os seguintes limites

a) limx→0

ax − bx

xa, b > 0; b) lim

x→0

x(1 − log x)

log(1 − x);

c) limx→0

tan x − x

x − sin x; d) lim

x→0

ex sin1

xex − 1

;

e) limx→0

tan(ax) − ax

tan(bx) − bx; f) lim

x→+∞

log

(1 +

1

x

)

e1/ log x − 1

g) limx→0

x1/x; h) limx→π/4

(tanx)tan(2x)

.

14. De um exemplo de funcoes f, g :]0, 1[→ R com derivadas finitas em]0, 1[, g′(x) 6= 0, ∀x ∈]0, 1[, e verificando

limx→0

f(x)

g(x)= 0, lim

x→0

f ′(x)

g′(x)nao existe.

15. Mostre, utilizando o teorema do valor medio de Lagrange, que para0 < b ≤ a,

a − b

a≤ log

a

b≤ a − b

b.

16. Utilize o teorema de Lagrange para mostrar

a)x

1 + x< log(1 + x) < x com x > 0.

b) tanx ≥ x, x ∈ [0, π/2[.

17. Mostre que

b − a

1 + b2< arctan b − arctana <

b − a

1 + a2(0 < a < b).

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174 4. Introducao ao Calculo Diferencial

18. Mostre que se tem

xα| log x| ≤ 1

αe

para todo 0 < x < 1 e para todo α > 0.

19. Seja f : [a, +∞[→ R uma funcao contınua no seu domınio, dife-renciavel em ]a, +∞[ e satisfazendo as condicoes

f(a) < 0

f ′(x) ≥ m > 0 ∀x ∈]a, +∞[

a) Mostre que a equacao f(x) = 0 admite uma unica raiz real em]a, +∞[.

b) Verifique, com um exemplo, que a condicao f ′(x) ≥ m > 0, comx ∈]a, +∞[, nao pode ser substituida pela condicao f ′(x) > 0.

c) Mostre que a raiz da equacao pertence ao intervalo

]a, a − f(a)

m

].

20. Mostre que a equacao

ex − a − bx3 = 0, a, b ∈ R

nao pode ter mais de quatro raızes reais.

21. Seja f : [a, b] → R uma funcao nas condicoes do teorema de Rolle.Mostre que se f nao e constante, existem ξ1, ξ2 ∈]a, b[ tais quef ′(ξ1) < 0 e f ′(ξ2) > 0.

22. Mostre que se tem

√x + 1 −

√x =

1

2√

x + θ(x), x ≥ 0,

em que 1/4 ≤ θ(x) ≤ 1/2. Mostre ainda que

limx→0+

θ(x) =1

4e lim

x→+∞θ(x) =

1

2.

23. Seja f derivavel em [a, b] ⊂ R e tal que f(a) = f(b). Mostre que existeξ ∈]a, b[ tal que

f(a) − f(ξ) = ξ f ′(ξ).

Sug. Repare que [xf(x)]′ = f(x) + xf ′(x); aplique o teorema de Rollea uma conveniente funcao.

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4. Introducao ao Calculo Diferencial 175

24.a) Seja f : [a, +∞[→ R, funcao derivavel tal que lim

x→+∞f ′(x) = 0.

Demonstre que

limx→+∞

f(x)

x= 0.

b) Mostre com um exemplo que a recıproca nao e verdadeira. Noentanto tem-se

limx→+∞

f(x)

x= 0 =⇒ lim

x→+∞

|f ′(x)| = 0.

25. Seja f : [a, b] → R uma funcao derivavel e suponha-se que a equacaox = f(x) tem uma unica raiz, c ∈ [a, b].Defina-se a sucessao recorrente

un = f(un−1), u0 ∈ [a, b] dado.

a) Mostre que, se

0 ≤ f ′(x) ≤ 1, ∀x ∈ [a, b],

entao un ∈ [a, b], ∀n, e a sucessao (un) e monotona e convergentepara c.

b) Mostre que, se

−1 ≤ f ′(x) ≤ 0, ∀x ∈ [a, b], e u1 ∈ [a, b],

entao un ∈ [a, b], ∀n, e as subsucessoes u2n, u2n+1, sao monotonase convergentes para raızes da equacao

x = (f ◦ f) (x).

Mostre finalmente que c e a unica raiz da anterior equacao, se−1 < f ′(x) ≤ 0.

26. Estude as seguintes funcoes, determinando os limites nos pontosde descontinuidade e nos pontos +∞ e −∞, assıntotas, maximose mınimos, sentido da concavidade e pontos de inflexao; esboce osgraficos;

a)x√

x2 − 1; b) log |log x| ;

c)

{x (log x)2 se x > 00 se x = 0

; d) arcsin2x

x2 + 1;

e) x

(1 +

1

x2

); f)

x

1 + e1/xse x 6= 0

0 se x = 0.

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176 4. Introducao ao Calculo Diferencial

27. Seja f : [a, b] → R duas vezes derivavel e suponha-se que f ′(a) =f ′(b) = 0. Mostre que existe ξ ∈]a, b[ tal que

|f ′′(ξ)| ≥ 4

(b − a)2|f(b) − f(a)|.

Sug. Considere o desenvolvimento de Taylor de f em a e em b econsidere o ponto intermedio c = (a + b)/2.

28. Seja f : R → R uma funcao de classe C∞. Suponha que se tem,

f (n)(0) = 0, ∀n ∈ N0 e supx∈R

| f (n)(x) |≤ n!kn

em que k > 0 e um numero real fixo. Utilize Mac-Laurin para mostrarque f e nula no intervalo [−1/k, 1/k].

Mostre finalmente que f e identicamente nula em R.

29. Prove que a funcao f(x) =| x |2n+1 (n ∈ N0) e de classe C2n em R,mas nao e 2n + 1 vezes diferenciavel.

30. Seja f : I → R uma funcao de classe Cn+1 e a ∈ I. Escreva-se aformula de Taylor-Lagrange de ordem n − 1,

f(a + h) = f(a) + f ′(a).h + · · · + f (n−1)(a)

(n − 1)!.hn−1+

+f (n)(a + θn.h)

n!.hn

em que 0 < θn = θn(h) < 1. Mostre que, se f (n+1)(a) 6= 0, entao

limh→0

θn(h) =1

n + 1.

31. Seja f : [0, 1] → R duas vezes diferenciavel tal que f(0) = f(1) = 0.Suponha-se que a segunda derivada de f e limitada e seja M > 0 :|f ′′(x)| ≤ M, ∀x ∈ [0, 1]. Mostre entao que |f ′(x)| ≤ M/2, ∀x ∈ [0, 1].

Sug. Escreva o desenvolvimento de Taylor de f num ponto x0 ∈ [0, 1].

32. Seja f : I → R uma funcao duas vezes diferenciavel num pontoa ∈ int I.

a) Utilize convenientemente a formula de Taylor para mostrar que

f ′′(a) = limh→0

f(a + h) + f(a − h) − 2 f(a)

h2.

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4. Introducao ao Calculo Diferencial 177

b) De um exemplo em que exista o limite acima indicado mas f ′(a)nao exista.

33. Seja f : R → R uma funcao duas vezes diferenciavel. Suponha-seque f e f ′′ sao funcoes limitadas em R e ponha-se M0 = sup

x∈R

|f(x)| e

M2 = supx∈R

|f ′′(x)|.

a) Mostre que f ′ e limitada em R e que se tem

supx∈R

|f ′(x)| = M1 ≤ M0

a+

a M2

2, ∀a > 0.

Sug. Escreva o desenvolvimento de Taylor de f no ponto x eaplique-o aos pontos x + a e x − a.

b) Minimize a aplicacao x ∈]0, +∞[−→ M0

x+

xM2

2e conclua que

M1 ≤√

2√

M0 M2.

c) Seja agora f : R → R uma funcao p vezes diferenciavel, p ≥ 2,e suponha-se que f e f (p) sao funcoes limitadas em R. PondoM0 = sup

x∈R

|f(x)| e Mp = supx∈R

|f (p)(x)|, utilize a inducao e o

resultado precedente para mostrar que

supx∈R

|f (k)(x)| = Mk ≤ 2k (p−k)

2 M1−k

p

0 Mkp

p , 1 ≤ k ≤ p − 1.

34. Determine o retangulo de area maxima inscrito na elipse

x2

a+

y2

b= 1, a, b > 0.

35. Dados dois pontos A e B representando dois focos luminosos deintensidades p (o ponto A) e q (o ponto B), determine o ponto X dareta AB menos iluminado (sabendo que a iluminacao de um ponto einversamente proporcional ao quadrado da distancia ao foco luminoso).

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178 4. Introducao ao Calculo Diferencial

36. Dados dois pontos A e B no semi-plano superior, Oxy, y > 0,determine o ponto M no eixo dos x que torna mınimo o comprimentoda linha quebrada AM+MB. Verifique que o ponto M e o unico pontoque satisfaz α = β, sendo α e β os angulos AMC, respetivamenteCMB, formados pelos segmentos AM e MB com a vertical ao eixo

dos x.

A

B

M

C

α β

.

.

Figura 4.21. Fenomeno da reflexao.

37. Sejam P e Q dois pontos situados respetivamente nos semi-planossuperior e inferior de Oxy. Suponha que um ponto material de deslocade P para Q segundo uma linha quebrada PMQ, em que M e umponto do eixo dos x. Se v1 e a velocidade no semi-plano superior e v2

a velocidade no semi-plano inferior, mostre que o ponto M para o quale mınimo o tempo de deslocamento ao longo de PMQ e tal que

sin α

sin β=

v1

v2

sendo α (respetivamente β) o angulo de vertice M , formado pelosegmento PM (respetivamente MQ) com a vertical ao eixo dos x.

P

Q

M x

α

β

.

. Figura 4.22. Fenomeno da refraccao.

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5. O Integral de Riemann 179

5

O Integral de Riemann

O conceito de integral, historicamente anterior ao de derivada, nascecom o objectivo de definir rigorosamente a nocao intuitiva de “area” deuma regiao do plano limitada por uma curva fechada. Embora o processode integracao remonte a Antiguidade Classica, e so no seculo XVII, comNewton e Leibnitz, que os conceitos de integral e derivada aparecemrelacionados, descoberta decisiva para o desenvolvimento fulgurante doCalculo. Contudo, a apresentacao sistematica da teoria do integral so e feitaem todo o rigor no seculo XIX (com Riemann, em particular), fenomenoque podemos perceber se tivermos presente que e apenas no seculo passadoque o conceito de limite e rigorosamente formulado.

No capıtulo que segue, sera exposta a teoria do integral de Riemannpara funcoes (limitadas) definidas em intervalos compactos [a, b] ⊂ R.A integracao de funcoes ilimitadas em [a, b] ou de funcoes definidas emintervalos ilimitados, ] − ∞, b], [a,+∞[, sera exposta na parte final docapıtulo (integrais improprios). Ponto central da teoria do integral e oTeorema Fundamental do Calculo, em que se mostra como a integracaoe a “operacao inversa” da derivacao; isto leva-nos a definir o conceitode primitiva e a apresentar com algum desenvolvimento as tecnicas deprimitivacao.

5.1. Primeiras de�ni�c~oes. Motiva�c~ao geom�etrica.

Considere-se uma funcao f : [a, b]→ R (a < b) definida num intervalolimitado e fechado [a, b] ⊂ R e admita-se que f(x) ≥ 0, ∀x ∈ [a, b]. O nosso

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180 5. O Integral de Riemann

objectivo e associar a funcao f um numero real que “represente a area” daregiao do plano limitada pelo grafico de f e o eixo dos xx. Neste sentido,decompomos o intervalo [a, b] em n subintervalos [xi, xi+1] (i = 0, · · · , n−1)determinados pelos pontos a = x0 < x1 < · · · < xn = b, e escolhemosarbitrariamente em cada um dos subintervalos um ponto ξi ∈ [xi, xi+1] (cf.Fig. 5.1).

a b x x i i + 1 i

f

Figura 5.1

Considere-se entao a soma das areas dos retangulos de base [xi, xi+1]e altura igual a f(ξi):

S =n−1∑i=0

f(ξi) (xi+1 − xi).

E claro que o valor de S representa uma aproximacao grosseira da“area” limitada pelo grafico de f e pelo eixo dos xx; todavia, intuitiva-mente, e razoavel esperar que para intervalos [xi, xi+1] com uma amplitudesuficientemente pequena a soma das areas dos retangulos, S, se aproximeda area procurada. Esta e, com efeito, a ideia subjacente a nocao de inte-gral de f , a qual permitira definir rigorosamente a area do subconjunto deR2 limitada pelo grafico de f ≥ 0 e pelo eixo dos xx.

Em toda a teoria que se segue, o domınio das funcoes consideradas,[a, b] ⊂ R, e um intervalo compacto de R nao degenerado, isto e, a < b.

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5. O Integral de Riemann 181

5.1.1. Definicao. Seja [a, b] ⊂ R um intervalo limitado e fechado em R.Chama-se particao de [a, b] ao conjunto P={x0 = a, x1, · · · , xn = b} emque a = x0 < x1 < · · · < xn = b. Os elementos x0, x1, · · · , xn, dizem-se osvertices da particao. Os intervalos [xi, xi+1] chamam-se intervalos daparticao e a maior das amplitudes destes intervalos diz-se o diametro daparticao e representa-se por |P | = max

i=0,···,n−1|xi+1 − xi|.

Dadas duas particoes de [a, b], P = {x0, x1, · · · , xn} e Q = {y0, y1, · · · , ym},diz-se que Q e mais fina do que P se todo o vertice de Q e um vertice deP .

Assim, para o intervalo [0, 1], a particao Q = {0, 1/3, 1/2, 1} eevidentemente mais fina do que a particao P = {0, 1/2, 1}. Dadasduas particoes P e Q de [a, b], e facil constatar que existe sempre umaparticao mais fina do que P e Q; com efeito, bastara considerar a particaoR = P ∪ Q formada pelos vertices de P e pelos vertices de Q; porexemplo, relativamente ao intervalo [0, 1] e as particoes P = {0, 1/2, 1}e Q = {0, 1/3, 1}, a particao R = P ∪ Q = {0, 1/3, 1/2, 1} e claramentemais fina do que P e Q.

Seja agora f : [a, b] → R, uma funcao definida no intervalo limitado efechado [a, b]; considere-se uma particao P = {x0, x1, · · · , xn} e escolha-searbitrariamente um elemento ξi ∈ [xi, xi+1] em cada um dos intervalos daparticao. A soma

SP =n−1∑i=0

f(ξi) (xi+1 − xi)

e designada por soma de Riemann relativa a funcao f no intervalo [a, b]e associada a particao P e a escolha dos ξi.

5.1.2. Definicao. Diz-se que a funcao f : [a, b] → R e integravel aRiemann ou R-integravel, se existe um numero real I satisfazendo aseguinte condicao:

para todo δ > 0, existe ε > 0 tal que |SP − I| < δ

para toda a particao P de [a, b] tal que |P | < ε e qualquer que seja aescolha dos pontos ξi ∈ [xi, xi+1].

Exprime-se a condicao precedente dizendo que existe “limite” das somasde Riemann quando o diametro da particao tende para zero:

lim|P |→0

n−1∑i=0

f(ξi) (xi+1 − xi) = I.

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182 5. O Integral de Riemann

O numero I e designado por integral de Riemann ou integral definido(a Riemann) de f em [a, b] e representa-se por

I =∫ b

a

f(x) dx ou I =∫ b

a

f.

A funcao f diz-se a funcao integranda.

Observacoes 1. E um elementar exercıcio verificar que, para uma funcaoR-integravel f em [a, b], o integral I =

∫ baf(x) dx e unico; o leitor podera

utilizar um raciocınio similar ao utilizado para mostrar a unicidade dolimite para funcoes reais de variavel real.

2. Se f ≥ 0 em [a, b] e integravel a Riemann, e agora natural definir a areado subconjunto de R2 limitado pelo grafico de f e pelo segmento do eixodos xx entre a e b como o numero:

A =∫ b

a

f(x) dx.

Nao sendo f R-integravel, diremos que o subconjunto de R2 em questaonao tem area definida (no sentido de Riemann).

O teorema seguinte e particularmente importante na medida em quenos permite restringir o desenvolvimento da teoria do integral de Riemanna uma classe particular de funcoes : as funcoes limitadas; com efeito,

5.1.3. Teorema. Seja f : [a, b]→ R uma funcao R-integravel. Entao f elimitada.

Demonstracao. Sendo f uma funcao R-integravel em [a, b], dado δ > 0existe ε > 0 tal que para toda a particao P com |P | < ε as correspondentessomas de Riemann satisfazem:

|SP | = |SP − I + I| ≤ |SP − I|+ |I| < δ + |I|.

Facamos agora um raciocınio por absurdo, supondo que f e ilimitada em[a, b]. Consideremos uma particao P de [a, b] com |P | < ε e considere-

-se a correspondente soma de Riemann, SP =n−1∑i=0

f(ξi) (xi+1 − xi). Sendo

f ilimitada em [a, b] entao sera ilimitada num dos intervalos da particao,digamos [xi0 , xi0+1], e podemos escrever:

SP = f(ξi0) (xi0+1 − xi0) +∑j 6=i0

f(ξj) (xj+1 − xj). (1)

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5. O Integral de Riemann 183

Fixemos os ξj (j 6= i0 ) e designemos por B a soma que figura a direita dosegundo membro de (1). Tem-se naturalmente,

|SP | ≥ |f(ξi0)| (xi0+1 − xi0)− |B|.

Dado agora um qualquer N ∈ N (arbitrariamente grande), como f eilimitada em [xi0 , xi0+1], existe um ξi0 tal que:

|f(ξi0)| > N + |B|(xi0+1 − xi0)

e logo|SP | ≥ |f(ξi0)| (xi0+1 − xi0)− |B| > N, ∀N ∈ N;

mas entao, pelo que se disse no inıcio da demontracao, f nao seria R-integravel.

5.2. Somas de Darboux.

Seja f : [a, b]→ R uma funcao limitada no intervalo compacto [a, b] ⊂R e considere-se uma qualquer particao P = {a = x0 < x1 < · · · < xn = b}.Ponha-se

mi = infx∈[xi,xi+1]

f(x) e Mi = supx∈[xi,xi+1]

f(x), (i = 0, 1, · · ·n− 1)

e tomemos as somas

SP (f) =n−1∑i=0

mi (xi+1 − xi) e SP (f) =n−1∑i=0

Mi (xi+1 − xi).

As somas SP (f) e SP (f) sao chamadas respetivamente, somas de Dar-boux inferiores e superiores. Sao numeros reais bem definidos (f efuncao limitada) que dependem evidentemente de f e de P . Geometrica-mente:

M

M m

m

1

0 1

0

Figura 5.2

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184 5. O Integral de Riemann

E imediato constatar que SP (f) ≤ SP (f) para toda a particao P de[a, b]. Mais geralmente:

5.2.1. Proposicao. Se P1 e P2 sao duas particoes quaisquer de [a, b],entao SP1

(f) ≤ SP2(f).

Demonstracao. Comecemos por mostrar que se P e uma particao de[a, b] e P ′ uma particao mais fina do que P , entao

SP (f) ≤ SP ′(f) ≤ SP ′(f) ≤ SP (f). (1)

Por simplicidade, admita-se que a particao P ′ tem o numero de verticesde P mais um, isto e, se P = {a = x0 < x1 < · · · < xn = b}, faca-seP ′ = {a = x0 < x1 < · · · < xi < t < xi+1 < · · · < xn = b}. Seja agora

Mi = supx∈[xi,xi+1]

f(x), M ′ = supx∈[xi,t]

f(x), M ′′ = supx∈[t,xi+1]

f(x).

Entao,

SP ′(f) = M0 (x1 − x0)+ · · ·+M ′ (t− xi)+M ′′ (xi+1 − t) + · · ·+Mn−1 (xn − xn−1).

Como M ′ ≤ Mi e M ′′ ≤ Mi, e claro que M ′ (t − xi) + M ′′ (xi+1 − t) ≤Mi (xi+1 − xi) e logo SP ′(f) ≤ SP (f). Analogamente se via que SP (f) ≤SP ′(f); repetindo o raciocınio, obtem-se (1) para qualquer particao P ′ maisfina do que P .A proposicao resulta agora facilmente se observarmos que a particao P1∪P2

e mais fina do que P1 e P2 e logo

SP1≤ SP1∪P2

≤ SP1∪P2 ≤ SP2 .

A proposicao anterior significa, em particular, que o conjunto dassomas inferiores de Darboux,∑

(f) = {SP (f) : P e particao de [a, b] },

e majorado (qualquer soma superior e um majorante); do mesmo modo, oconjunto das somas superiores de Darboux,∑

(f) = {SP (f) : P e particao de [a, b] },

e minorado (qualquer soma inferior e um minorante). Podemos entaoestabelecer:

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5. O Integral de Riemann 185

5.2.2. Definicao. Seja f : [a, b] → R uma funcao limitada. Define-se

integral inferior de f em [a, b] e representa-se por∫ b

a−f(x) dx ou

∫ b

a−f

como o supremo das somas inferiores, supremo tomado relativamente atodas as particoes P de [a, b] :

∫ b

a−f(x) dx = sup

∑(f) = sup

PSP (f).

Analogamente, define-se integral superior de f em [a, b] e representa-se

por∫ b

a

−f(x) dx ou

∫ b

a

−f como o ınfimo das somas superiores de Darboux:

∫ b

a

−f(x) dx = inf

∑(f) = inf

PSP (f).

Consequencia da anterior proposicao e da precedente definicao sao asseguintes propriedades:

1. Para qualquer particao P de [a, b], tem-se

SP (f) ≤∫ b

a−f(x) dx ≤

∫ b

a

−f(x) dx ≤ SP (f).

2. Se m ≤ f(x) ≤M, ∀x ∈ [a, b], entao

m(b− a) ≤∫ b

a−f(x) dx ≤

∫ b

a

−f(x) dx ≤M(b− a).

Em particular, se |f(x)| ≤ K, ∀x ∈ [a, b], vem∣∣∣∣∣∣∫ b

a−f(x) dx

∣∣∣∣∣∣ ≤ K(b− a) e

∣∣∣∣∣∣∫ b

a

−f(x) dx

∣∣∣∣∣∣ ≤ K(b− a),

ja que |f(x)| ≤ K ⇐⇒ −K ≤ f(x) ≤ K.

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186 5. O Integral de Riemann

5.2.3. Exemplos.

1. Seja f : [a, b]→ R, dada por

f(x) =

0 se x e irracional (x ∈ [a, b] ∩ (R−Q))

1 se x e racional (x ∈ [a, b] ∩Q)

Tomando uma qualquer particao P = {a = x0 < x1 < · · · < xn = b}de [a, b], e claro que

mi = infx∈[xi,xi+1]

f(x) = 0 e Mi = supx∈[xi,xi+1]

f(x) = 1.

Logo, SP (f) = 0 e SP (f) =n−1∑i=0

1.(xi+1 − xi) = b− a e portanto

∫ b

a−f(x) dx = 0 e

∫ b

a

−f(x) dx = b− a.

Intuitiva e geometricamente, poder-se-ia pensar que os integrais infe-rior e superior de Darboux sao iguais para uma qualquer funcao; esteexemplo mostra bem que nao e assim.

2. Seja agora f : [a, b] → R, f(x) = K, ∀x ∈ [a, b], a funcao constante.Entao, mi = Mi = K e logo

SP (f) = SP (f) =n−1∑i=0

K(xi+1 − xi) = K(b− a)

para toda a particao P de [a, b], donde∫ b

a−f(x) dx =

∫ b

a

−f(x) dx = K(b− a).

5.2.4. Teorema. Sejam f, g : [a, b]→ R duas funcoes limitadas. Entao,

1.∫ b

a−f +

∫ b

a−g ≤

∫ b

a−(f + g) ≤

∫ b

a

−(f + g) ≤

∫ b

a

−f +

∫ b

a

−g.

2. Para c > 0, tem-se∫ b

a−c.f = c.

∫ b

a−f e

∫ b

a

−c.f = c.

∫ b

a

−f.

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5. O Integral de Riemann 187

3. Para c < 0, tem-se

∫ b

a−c.f = c.

∫ b

a

−f e

∫ b

a

−c.f = c.

∫ b

a−f.

Em particular,

∫ b

a−(−f) = −

∫ b

a

−f e

∫ b

a

−(−f) = −

∫ b

a−f.

A demonstracao do teorema utiliza o seguinte lema elementar, cujaprova e deixada ao leitor como exercıcio.

Lema 1. Sejam A e B subconjuntos de R nao vazios e limitados; sejam

A+B = {z = x+ y : x ∈ A, y ∈ B} e c.A = {cx : x ∈ A} (c ∈ R).

Entao, tem-se

inf (A+B) = inf A+ inf B, sup (A+B) = supA+ supB;

inf (c.A) = c inf A, sup (c.A) = c supA, se c > 0;

inf (c.A) = c supA, sup (c.A) = c inf A, se c < 0.

Demonstracao do teorema. Mostremos a primeira desigualdade de 1.(a desigualdade a direita de 1., prova-se de modo identico). Tomemos umaparticao P = {a = x0 < x1 < · · · < xn = b} de [a, b] e designemospor mi(f), mi(g), mi(f + g) os ınfimos, respetivamente de f, g e f + g,no intervalo [xi, xi+1] (0 ≤ i ≤ n − 1). Como e sabido, mi(f + g) ≥mi(f) +mi(g) e logo SP (f + g) ≥ SP (f) + SP (g), pelo que

SP (f) + SP (g) ≤∫ b

a−(f + g)

para toda a particao P de [a, b]. Por outro lado, dadas duas quaisquerparticoes P e Q, como P ∪ Q e mais fina do que P e Q, vem (cf. Prop.5.2.1. (1)) :

SP (f) + SQ(g) ≤ SP∪Q(f) + SP∪Q(g) ≤∫ b

a−(f + g)

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188 5. O Integral de Riemann

e do lema precedente, resulta

∫ b

a−f +

∫ b

a−g = sup

∑(f) + sup

∑(g) = sup

(∑(f) +

∑(g))

=

= supP,Q

(SP (f) + SQ(g)

)≤∫ b

a−(f + g).

Para mostrar 2. observemos que se tem

mi(c.f) = cmi(f), Mi(c.f) = cMi(f) se (c > 0)mi(c.f) = cMi(f), Mi(c.f) = cmi(f) se (c < 0).

Entao, para c > 0

SP (c.f) =∑i

mi(c.f) (xi+1 − xi) =

= c.∑i

mi(f) (xi+1 − xi) = c. SP (f).

Aplicando de novo o lema, tira-se que

∫ b

a−c.f = sup

PSP (c.f) = sup

P[c. SP (f)] =

= c. supP

(SP (f)) = c.

∫ b

a−f.

Analogamente se obtem as outras igualdades.

Antes de apresentarmos o teorema central que poe em relacao a nocaode integral de Riemann com as de integral inferior e superior de Darboux,introduzimos a nocao de oscilacao de uma funcao f num conjunto.

5.2.5. Definicao. Seja f : [a, b] → R uma funcao limitada e X ⊂ [a, b]um subconjunto do domınio [a, b]. Define-se oscilacao de f no conjuntoX como o numero real:

ω(f ;X) = supXf − inf

Xf = sup f(X)− inf f(X).

O lema seguinte permite-nos dar um outro esclarecimente a nocao deoscilacao de f em X.

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5. O Integral de Riemann 189

Lema 2. Seja A ⊂ R um conjunto de reais nao vazio e limitado; faca-seM = supA e m = inf A. Entao,

M −m = sup{|x− y| : x ∈ A, y ∈ A}.

Demonstracao. Seja C = {|x − y| : x ∈ A, y ∈ A}. Dados doisquaisquer elementos x, y ∈ A (podemos naturalmente supor x ≥ y ), tem-sem ≤ y ≤ x ≤ M e logo |x − y| = (x − y) ≤ M −m, isto e, M −m e ummajorante de C. Tomemos agora um arbitrario ε > 0; entao existe x ∈ Atal que x > M − ε/2 e existe y ∈ A tal que y < m+ ε/2, pelo que

|x− y| ≥ x− y > M − ε/2− (m+ ε/2) = M −m− ε

ou seja, M −m = supC.

Pode entao dizer-se que a oscilacao ω(f ;X) vem dada por:

ω(f ;X) = sup{|f(x)− f(y)| : x ∈ X, y ∈ X}.

5.2.6. Teorema. Seja f : [a, b] → R uma funcao limitada. Entao saoequivalentes:

i.

∫ b

a−f =

∫ b

a

−f.

ii. Para todo δ > 0, existe uma particao P de [a, b] tal que

SP (f)− SP (f) < δ. (1)

iii. Para todo δ > 0, existe ε > 0 tal que a desigualdade (1) e verificadapara toda a particao P de [a, b] satisfazendo |P | < ε.

iv. Para todo o δ > 0, existe uma particao P = {a = x0 < x1 < · · · <xn = b} de [a, b] tal que

n−1∑i=0

ωi (xi+1 − xi) < δ,

em que ωi = ω (f ; [xi, xi+1]) representa a oscilacao de f no intervalo[xi, xi+1].

v. f e R-integravel e tem-se

∫ b

a

f =∫ b

a−f =

∫ b

a

−f.

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190 5. O Integral de Riemann

Demonstracao. Comon−1∑i=0

ωi (xi+1 − xi) = SP (f)− SP (f)

e imediato que ii. ⇐⇒ iv.

Vejamos agora que i. =⇒ ii.Da definicao de integral inferior e superior, para δ > 0, existem particoesP1 e P2 tais que ∫ b

a−f − δ

2< SP1

e SP2 <

∫ b

a

−f +

δ

2.

Como∫ b

a−f =

∫ b

a

−f = I vem, tomando a particao P = P1 ∪ P2 e tendo

presente a Prop. 5.2.1. (1) :

I − δ

2< SP1

≤ SP ≤ SP ≤ SP2 < I +δ

2,

o que da o resultado.

ii.=⇒ i.

Seja δ > 0 qualquer e P uma particao que satisfaca (1). Como

SP (f) ≤∫ b

a−f ≤

∫ b

a

−f ≤ SP (f),

tem-se ∫ b

a

−f −

∫ b

a−f < δ, ∀δ > 0, ou seja

∫ b

a−f =

∫ b

a

−f.

iii.=⇒ii. E imediato.

ii.=⇒iii.

Seja entao δ > 0 um qualquer numero positivo; por ii., existe uma particaoQ = {a = x0 < x1 < · · · < xn = b} tal que SQ(f)− SQ(f) < δ/2. Escolha-se agora ε > 0 tal que 8nεK < δ, sendo K = sup

x∈[a,b]

|f(x)|, e escreva-se para

toda a particao P de [a, b],

SP (f)− SP (f) =∑α

(Mα −mα) (xα+1 − xα)+

+∑β

(Mβ −mβ) (xβ+1 − xβ),

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5. O Integral de Riemann 191

em que∑α se estende a todos os intervalos da particao P que contem

algum vertice da particao Q e∑β corresponde a todos os outros intervalos

da particao P . Facilmente se constata que∑α nao pode conter mais do

que 2n parcelas. Tomando entao P tal que |P | < ε, tem-se∑α

(Mα −mα) (xα+1 − xα) ≤ 2K 2nε < δ/2.

Analisemos agora a soma∑β correspondente aos intervalos de P estrita-

mente contidos nalgum intervalo [xi, xi+1] da particao Q. Designando por[xβi

, xβi+1 ] os intervalos de P contidos (estritamente) no intervalo [xi, xi+1],tem-se∑

βi

(Mβi−mβi

) (xβi+1 − xβi) ≤ (Mi −mi)

∑βi

(xβi+1 − xβi) <

< (Mi −mi) (xi+1 − xi)

e portanto,∑β

(Mβ −mβ) (xβ+1 − xβ) =∑i

∑βi

(Mβi −mβi) (xβi+1 − xβi) <

<∑i

(Mi −mi) (xi+1 − xi) =

= SQ(f)− SQ(f) < δ/2.

Em conclusao, tem-se

SP (f)− SP (f) < δ/2 + δ/2 = δ

para toda a particao P tal que |P | < ε, o que mostra a implicacao.

iii.=⇒v.

Seja δ > 0 e escolha-se ε > 0 satisfazendo iii. Como foi ja visto que iii.⇐⇒i.

tem-se∫ b

a−f =

∫ b

a

−f = I. Tomando agora uma particao P tal que |P | < ε,

tem-seSP (f) ≤

∑i

f(ξi) (xi+1 − xi) ≤ SP (f)

com ξi arbitrariamente escolhido no intervalo [xi, xi+1]. Dado que SP (f) ≤I ≤ SP (f), podemos entao escrever∣∣∣∣∣I −∑

i

f(ξi) (xi+1 − xi)

∣∣∣∣∣ ≤ SP (f)− SP (f) < δ,

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192 5. O Integral de Riemann

o que mostra que f e R-integravel e∫ b

a

f =∫ b

a−f =

∫ b

a

−f.

v.=⇒iii.

Sendo f uma funcao R-integravel, dado δ > 0, existe ε > 0 tal que:∫ b

a

f − δ

2<∑i

f(ξi) (xi+1 − xi) <∫ b

a

f +δ

2

para toda a particao P : |P | < ε e para quaisquer ξi ∈ [xi, xi+1]. Tomandoo ınfimo e o supremo das somas

∑i f(ξi) (xi+1 − xi) relativamente a todos

os ξi ∈ [xi, xi+1] e usando o lema 1, obtemos∫ b

a

f − δ

2≤ SP (f) ≤ SP (f) ≤

∫ b

a

f +δ

2,

o que mostra iii. O teorema esta demonstrado.

As propriedades algebricas do integral.

Dados os resultados obtidos sobre os integrais inferior e superior deDarboux, com relativa facilidade se demonstra um conjunto de propriedadesalgebricas satisfeitas pelo integral de Riemann e condensadas no seguinteteorema:

5.2.7. Teorema. Sejam f, g : [a, b]→ R funcoes R-integraveis. Entao,

(i) Se a < c < b, f|[a,c] e f|[c,b] sao R-integraveis e∫ b

a

f =∫ c

a

f +∫ b

c

f. (1)

Reciprocamente, se f|[a,c] e f|[c,b] sao R-integraveis, entao f e R-integravel em [a, b] e verifica-se (1).

(ii) Para todo o λ ∈ R, λ.f e R-integravel e tem-se∫ b

a

λ.f = λ.

∫ b

a

f. (2)

(iii) f + g e R-integravel e tem-se∫ b

a

(f + g) =∫ b

a

f +∫ b

a

g. (3)

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5. O Integral de Riemann 193

(iv) Se f(x) ≥ 0, ∀x ∈ [a, b], entao∫ b

a

f ≥ 0.

Se f(x) ≥ g(x), ∀x ∈ [a, b], entao∫ b

a

f ≥∫ b

a

g.

(v) |f | e R-integravel e tem-se∣∣∣∣∣∫ b

a

f

∣∣∣∣∣ ≤∫ b

a

|f |.

Em particular, se |f(x)| ≤ K, ∀x ∈ [a, b], entao∣∣∣∣∣∫ b

a

f

∣∣∣∣∣ ≤ K (b− a).

Demonstracao. Comecemos por mostrar (i). Consideremos uma sucessaode particoes Pn, de [a, b], tal que |Pn| → 0 (n → ∞) e tal que o ponto cseja vertice de cada uma das particoes Pn. Cada particao Pn determinanaturalmente duas particoes, P ′n e P ′′n de [a, c] e [c, b] respetivamente, etem-se

SPn(f)− SPn(f) =

(SP ′n(f)− SP ′n(f)

)+(SP ′′n (f)− SP ′′n (f)

). (∗)

Como f e R-integravel em [a, b], o teorema 5.2.6. (iii.) garante que o ladoesquerdo da igualdade (∗) tende para zero com n → ∞ pelo que, cadauma das parcelas (positivas) do lado direito converge tambem para zero(n → ∞ ); de novo o teorema 5.2.6. (ii.) garante agora que f|[a,c]

e f|[c,b]

sao R-integraveis.Finalmente, escrevendo as somas de Riemann, tem-se

SPn(f) = SP ′n(f) + SP ′′n (f)

e passando ao limite n→∞, obtemos (1).Reciprocamente, se f|[a,c] e f|[c,b] sao R-integraveis, tomando arbitrariasparticoes P ′n e P ′′n de [a, c] e [c, b] respetivamente, e tais que |P ′n| →0, |P ′′n | → 0 com n → ∞, o mesmo sucede a particao Pn de [a, b] formadapelos vertices de P ′n e P ′′n : |Pn| → 0 (n → ∞). Mais uma vez o teorema5.2.6. (iii.) garante a convergencia para zero da parte direita de (∗), e logoda parte esquerda, o que implica (teorema 5.2.6. (ii.)) a integrabilidade def em [a, b].As alıneas (ii) e (iii) saem trivialmente do teorema 5.2.4. e (iv) e dedemonstracao elementar. Resta-nos mostrar (v); como

| |f(x)| − |f(y)| | ≤ |f(x)− f(y)|, ∀x, y ∈ [a, b],

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194 5. O Integral de Riemann

sai do lema 2 que, para toda a parte X ⊂ [a, b], se tem ω (|f |;X) ≤ ω (f ;X).Tomando uma particao P de [a, b], tem-se em particular, ωi(|f |) ≤ ωi(f)(recorde-se que ωi representa a oscilacao relativa ao intervalo [xi, xi+1]associado a P ). Sendo f R-integravel, o teorema 5.2.6. (iv.) garanteentao que |f | e R-integravel.Finalmente, sendo |f | R-integravel e tendo-se

−|f(x)| ≤ f(x) ≤ |f(x)|, ∀x ∈ [a, b],

sai de (ii) e (iv) :

−∫ b

a

|f | ≤∫ b

a

f ≤∫ b

a

|f |,

ou seja, ∣∣∣∣∣∫ b

a

f

∣∣∣∣∣ ≤∫ b

a

|f |.

5.3. Caracteriza�c~ao das fun�c~oes integr�aveis.

Quais as funcoes integraveis a Riemann no intervalo [a, b]? Estaquestao, como veremos adiante, foi respondida pelo matematico francesHenri Lebesgue. Entretanto, um primeiro resultado pode desde ja serestabelecido.

5.3.1. Teorema. Se uma funcao f e contınua no intervalo limitado efechado [a, b], entao f e R-integravel.

Demonstracao. Sendo f contınua no compacto [a, b], f e aı uniforme-mente contınua e logo, dado δ > 0, existe ε > 0 tal que

x, y ∈ [a, b], |x− y| < ε =⇒ |f(x)− f(y)| < δ

b− a.

Seja n ∈ N tal que (b − a)/n < ε e tome-se a particao P = {a=x0<x1<

· · · < xn = b} em que os vertices sao definidos por xi = a + i.b− an

com

i = 0, 1, . . . , n. E imediato verificar que se x, y ∈ [xi, xi+1], entao |x−y| < ε

e portanto |f(x)− f(y)| < δ

b− a, o que mostra que ωi ≤ δ/(b− a). Logo

∑i

ωi (xi+1 − x1) ≤ δ

b− a(b− a) = δ,

e o teorema 5.2.6. (iv.) garante que f e R-integravel.

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5. O Integral de Riemann 195

Assim, a classe das funcoes contınuas em [a, b] e uma parte dasfuncoes R-integraveis. Se f tem um numero finito de descontinuidadese ainda possıvel ver, sem qualquer dificuldade, que f e R-integravel; e umaconsequencia da seguinte proposicao:

5.3.2. Proposicao. Seja f : [a, b] → R uma funcao limitada e R-integravel em todo o intervalo [a, x] com a < x < b. Entao f e R-integravelem [a, b].Analogamente, f e R-integravel em [a, b] se for R-integravel em [x, b] paratodo x : a < x < b.

Demonstracao. Por hipotese, tem-se |f(x)| ≤ M, ∀x ∈ [a, b], para umcerto M > 0. Seja agora um qualquer δ > 0 e escolha-se ε = δ/4M . Comof e R-integravel em [a, b − ε], existe uma particao Q = {a = x0 < x1 <· · · < xn−1 = b− ε} tal que

SQ(f)− SQ(f) =n−2∑i=0

(Mi −mi) (xi+1 − xi) <δ

2.

em que Mi = supx∈[xi,xi+1]

f(x) e mi = infx∈[xi,xi+1]

f(x). Tomando entao a

particao P = {a = x0 < x1 < · · · < xn−1 < xn = b} de [a, b], tem-se

SP (f)− SP (f) = SQ(f)− SQ(f) + (Mn−1 −mn−1)ε <

2+ 2Mε =

δ

2+δ

2= δ,

e o teorema 5.2.6. (ii.) da-nos a conclusao.

Corolario 1. Seja f : [a, b] → R uma funcao limitada e R-integravel emtodo o intervalo [x, y] com a < x < y < b. Entao f e R-integravel em [a, b].

Demonstracao. Seja a < c < b; como f e R-integravel em [x, c], paratodo x tal a < x < c, a proposicao implica que f e R-integravel em[a, c].Analogamente se ve que f e R-integravel em [c, b]. A conclusao sai agorado teorema 5.2.7.(i).

Corolario 2. Seja f : [a, b] → R uma funcao limitada com um numerofinito de descontinuidades. Entao f e R-integravel.

Demonstracao. Sejam, por exemplo, a = x0 < x1 < · · · < xn = bos pontos de descontinuidade de f ; pelo corolario anterior resulta quef e integravel em [xi, xi+1] (ja que f e contınua em todo o intervalo[c, d] : xi < c < d < xi+1). Do teorema 5.2.7. conclui-se que f e R-integravel e ∫ b

a

f =∫ x1

a

f +∫ x2

x1

f + · · ·+∫ b

xn−1

f.

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196 5. O Integral de Riemann

De seguida enunciamos (sem demonstracao (∗)) um importante re-sultado devido a Lebesgue, o qual caracteriza as funcoes integraveis aRiemann em [a, b] (condicao necessaria e suficiente de integrabilidade aRiemann em [a, b]). Para tal, torna-se necessario introduzir a seguintenocao:

5.3.3. Definicao. Um conjunto E ⊂ R diz-se um conjunto de medidanula a Lebesgue se para todo δ > 0, existe uma famılia numeravel deintervalos abertos, In, tal que

E ⊂⋃n

In e∞∑n=1

|In| ≤ δ,

em que |In| representa a amplitude do intervalo In. Escreve-se µ(E) = 0para designar que E tem medida nula a Lebesgue.

5.3.4. Exemplos.

1. Todo o conjunto numeravel D ⊂ R tem medida nula a Lebesgue.Com efeito, seja D = {x1, x2, · · · , xn, · · ·} um conjunto numeravele δ > 0 um qualquer numero positivo; considere-se a famılia dosintervalos abertos,

In =]xn −

δ

2n+1, xn +

δ

2n+1

[, n = 1, 2, . . . .

E claro que D ⊂⋃n

In; tem-se ainda

∞∑1

|In| =∞∑1

δ

2n= δ.

∞∑1

12n

= δ,

e portanto µ(D) = 0. Em particular µ(Q) = 0.

2.i) Se D ⊂ E e µ(E) = 0, entao µ(D) = 0.

ii) Se D ⊂ E1 ∪ E2 ∪ · · · ∪ En ∪ · · · e µ(Ei) = 0, i = 1, 2, . . .entao µ(D) = 0.

A demonstracao de (i) e trivial. Vejamos agora (ii); como µ(En) = 0,para cada δ > 0 e para cada n existem intervalos abertos Inj , (j ∈ N)

tais que En ⊂ In1 ∪ · · · ∪ Inj∪ · · · e

∞∑j=1

|Inj| ≤ δ/2n. Entao

D ⊂∞⋃

n,j=1

Inje

∑n

∑j

|Inj| ≤

∞∑n=1

δ

2n= δ;

(∗) O leitor interessado pode consultar a referencia bibliografica [8].

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5. O Integral de Riemann 197

assim, a uniao numeravel (ou finita) de conjuntos de medida nula aLebesgue e um conjunto de medida nula a Lebesgue.

3. Um intervalo [a, b], a < b, nao pode ter medida nula.

Com efeito, dada uma cobertura de [a, b], formada de intervalos abertosIn =]an, bn[, mostremos que

(b− a) <∞∑n=1

(bn − an) =∞∑n=1

|In|.

Pelo lema da cobertura (cf. (3.3.8.)), podemos extrair uma subcober-

tura finita. Basta entao mostrar que se [a, b] ⊂n⋃i=1

]ai, bi[, entao

n∑n=1

(bi − ai) > b− a.

Podemos obviamente admitir que nao se tem Ii ⊂ Ij , para doisquaisquer intervalos da cobertura, e que Ii ∩ [a, b] 6= ∅, ∀i. Ordenemosagora os extremos esquerdos dos intervalos Ii : u1 < u2 < · · · < un, erepresentemos ainda por Ii =]ui, vi[ os mesmos intervalos da cobertura,mas agora reordenados. A demonstracao prossegue por inducao; paran =1, e trivial. Admitindo o resultado para n, escreva-se paran+ 1, u1 < u2 < · · · < un < un+1. E claro que

u1 < a, un+1 < b < vn+1 e [a, un+1] ⊂n⋃i=1

]ui, vi[.

Pela hipotese da inducaon∑i=1

(vi − ui) > un+1 − a

e portanton+1∑i=1

(vi − ui) > un+1 − a+ (vn+1 − un+1) > b− a

como se queria.

5.3.5. Teorema (Lebesgue). A condicao necessaria e suficiente paraque uma funcao f : [a, b] → R seja integravel a Riemann e que f sejalimitada e o conjunto das descontinuidades de f seja um conjuntode medida nula a Lebesgue.

Corolario 1. Toda a funcao f : [a, b] → R limitada e com um numeronumeravel de descontinuidades e R-integravel.

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198 5. O Integral de Riemann

Por exemplo, a funcao f : [0, 1]→ R, dada por

f(x) =

sin(

1sin(1/x)

)x 6= 0, x 6= 1

kπ , k = 1, 2, . . .

0 x = 0, x = 1kπ , k = 1, 2, . . .

e evidentemente limitada e admite um numero numeravel de descon-tinuidades (x = 0, x = 1/kπ, k = 1, 2, . . .); sera portanto R-integravel.

Corolario 2. Se f, g : [a, b] → R sao funcoes R-integraveis, entao f.g eR-integravel.

Demonstracao. Designemos por Df , Dg e Df.g o conjunto das descon-tinuidades, respetivamente de f, g e f.g. E claro que Df.g ⊂ Df ∪ Dg;como f e g sao R-integraveis, sai do teorema de Lebesgue que µ(Df ) = 0 eµ(Dg) = 0, pelo que µ(Df.g) = 0. A conclusao sai agora aplicando de novoo teorema de Lebesgue a f.g.

Observacao. Notemos que, se f : [a, b] → R e uma funcao R-integravel,modificando f num numero finito de pontos, x1, x2, . . . , xn ∈ [a, b],obtemos uma nova funcao g, tambem R-integravel e com integral igualao integral de f . Com efeito, escreva-se

f(x) = g(x) + ϕ(x) com ϕ(x) = 0, ∀x ∈ [a, b] \ {x1, . . . , xn}.

Evidentemente que ϕ e R-integravel e∫ baϕ = 0. Entao f−ϕ e R-integravel

e tem-se (teorema 5.2.7.):

∫ b

a

g =∫ b

a

(f − ϕ) =∫ b

a

f −∫ b

a

ϕ =∫ b

a

f.

Tenha-se, contudo, a prudencia de nao aplicar o precedente resultadoquando se modifica f num numero numeravel de pontos do domınio: afuncao f : [a, b]→R, f(x) = 1, ∀x ∈ [a, b], difere da funcao g : [a, b] → R,dada por

g(x) =

1 se x e irracional (x ∈ [a, b] ∩ (R−Q))

0 se x e racional (x ∈ [a, b] ∩Q)

num numero numeravel de pontos : x ∈ [a, b]∩Q, e no entanto g, como sesabe, nao e integravel.

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5. O Integral de Riemann 199

5.3.6. Exemplos.

1. A funcao f : [a, b] → R, f(x) = x, sendo contınua e R-integravel.Mais adiante veremos as tecnicas adequadas ao calculo dos integraisde uma vasta classe de funcoes. Por agora e utilizando diretamente adefinicao, determinemos o valor do integral,

∫ bax dx. Escolha-se uma

sucessao de particoes Pn, de [a, b], do seguinte modo :

Divida-se [a, b] em n intervalos de amplitude igual a

h =b− an

, P = {a, a+ h, · · · , a+ nh}

e escolha-se ξ0 = a + h, ξ1 = a + 2h, . . . , ξn−1 = a + nh (recordemosque podemos escolher arbitrariamente os pontos ξi ∈ [xi, xi+1]). Assomas de Riemann tomam entao a forma:

Sn(f) = h (a+ h) + h (a+ 2h) + · · ·+ h (a+ nh) =

= nah+ (1 + 2 + · · ·+ n)h2.

Como 1 + 2 + · · ·+ n = n (n+ 1)/2, vem entao

Sn(f) = nab− an

+n (n+ 1)

2(b− a)2

n2.

Passando ao limite n→∞, obtem-se∫ b

a

x dx = a (b− a) +12

(b− a)2 =12

(b2 − a2).

a b

f(x) = x

Figura 5.3

A =∫ b

a

x dx =12

(b2 − a2).

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200 5. O Integral de Riemann

2. Seja dado um intervalo [a, b] ⊂ R e P = {a = x0 < x1 < · · · < xn = b}uma particao. Considere-se a funcao f : [a, b]→ R definida por

f(x) ={ki, x ∈]xi, xi+1[, i = 0, 1, . . . , n− 1ci, x = xi, i = 0, 1, . . . , n

1 2 3 4 5

-1

1

2

3

Figura 5.4

A funcao f diz-se uma funcao em escada. Tem um numero finitode descontinuidades, sendo portanto R-integravel; o seu integral:∫ b

a

f =∫ x1

a

f|[a,x1] +∫ x2

x1

f|[x1,x2] + · · ·+∫ b

xn−1

f|[xn−1,b] .

Mas pelo que foi dito na observacao precedente, tem-se∫ xi+1

xi

f|[xi,xi+1] =∫ xi+1

xi

ki,

apos ter modificado a funcao f nos extremos xi e xi+1 tornando-aidenticamente igual a ki no intervalo [xi, xi+1]. Assim,∫ b

a

f =∫ x1

a

k0 +∫ x2

x1

k1 + · · ·+∫ b

xn−1

kn−1 =

= k0(x1 − a) + k1(x2 − x1) + · · ·+ kn−1(b− xn−1).

3. Toda a funcao f : [a, b]→ R monotona e R-integravel.

Basta ter presente que uma funcao monotona f possui um conjuntonumeravel (ou finito) de descontinuidades (cf. (3.2.6.)).

5.4. O integral inde�nido.

Recordemos (teorema 5.2.7.) que a igualdade∫ baf =

∫ caf +

∫ bcf e

valida se a < c < b e f e R-integravel em [a, b]. Pretende-se agora estender

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5. O Integral de Riemann 201

a anterior igualdade, tornando-a valida para quaisquer reais a, b, e c. Paratal, convencionamos:∫ a

a

f = 0;∫ b

a

f = −∫ a

b

f.

E agora simples constatar que a anterior formula da decomposicao dointervalo continua valida para quaisque a, b, c ∈ R (supondo naturalmenteque f e R-integravel no maior dos intervalos em questao); assim, porexemplo, sendo a < b < c e f uma funcao R-integravel em [a, c], tem-se ∫ c

a

f =∫ b

a

f +∫ c

b

f

e logo ∫ b

a

f =∫ c

a

f −∫ c

b

f =∫ c

a

f +∫ b

c

f ;

analogamente se obtem o mesmo resultado nos outros casos (c < a < b,b < c < a, etc.).

Observacao importante. Como e sabido (cf. (5.2.7.), (v)), se a < b e fe R-integravel em [a, b],

∣∣∣∫ ba f ∣∣∣ ≤ ∫ ba |f |; se b < a, a desigualdade deixa deser verdadeira tal como esta escrita; tem-se no entanto

(v∗)

∣∣∣∣∣∫ b

a

f

∣∣∣∣∣ ≤∣∣∣∣∣∫ b

a

|f |

∣∣∣∣∣ .Com efeito,

∣∣∣∫ ba f ∣∣∣ =∣∣− ∫ a

bf∣∣ =

∣∣∫ abf∣∣ ≤ ∫ a

b|f | =

∣∣∣∫ ba |f |∣∣∣ .Seja f :I → R uma funcao definida num intervalo I ⊂ R e R-integravel

em todo o intervalo [x, y] ⊂ I. Diz-se entao que f e localmente integravel; fixemos agora um qualquer a ∈ I.

5.4.1. Definicao. A funcao F :I → R, definida por

F (x) =∫ x

a

f(t) dt,

diz-se o integral indefinido de f .

Se f e limitada em I, isto e, |f(x)| ≤ K, ∀x ∈ I, tem-se por (v∗)

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202 5. O Integral de Riemann

|F (x)− F (y)| =∣∣∣∣∫ x

a

f(t) dt−∫ y

a

f(t) dt∣∣∣∣ =

∣∣∣∣∫ x

y

f(t) dt∣∣∣∣ ≤

≤∣∣∣∣∫ x

y

|f(t)| dt∣∣∣∣ ≤ K|x− y|, ∀x, y ∈ I.

Ve-se assim que, se f e limitada, o integral indefinido F e uma funcao “maisbem comportada” : e lipschitziana. O teorema seguinte vem sublinhar esteprocesso de regularizacao, quando se passa de uma funcao integranda f afuncao integral indefinido, F .

5.4.2. Teorema Fundamental do Calculo. Seja f :I → R uma funcaolocalmente integravel. Se f e contınua em c ∈ I, entao a funcao integralindefinido

F (x) =∫ x

a

f(t) dt, a ∈ I,

e derivavel em c e tem-se F ′(c) = f(c).

Observacao. Supoe-se naturalmente que o intervalo I e nao degenerado(nao reduzido a um ponto). Se c ∈ I e extremo do intervalo I, a derivadaF ′(c) e evidentemente entendida como a derivada lateral correspondente.

Demonstracao. Sendo f contınua em c ∈ I, para todo δ > 0, existe ε > 0tal que

t ∈ I, |t− c| < ε =⇒ |f(t)− f(c)| < δ.

Tomando h tal que 0 < |h| < ε e c+h ∈ I e utilizando a desigualdade (v∗),tem-se∣∣∣∣F (c+ h)− F (c)

h− f(c)

∣∣∣∣ =1|h|

∣∣∣∣∣∫ c+h

a

f(t) dt−∫ c

a

f(t) dt− hf(c)

∣∣∣∣∣=

1|h|

∣∣∣∣∣∫ c+h

c

f(t) dt− hf(c)

∣∣∣∣∣ =1|h|

∣∣∣∣∣∫ c+h

c

[f(t)− f(c)] dt

∣∣∣∣∣≤ 1|h|

δ |h| = δ,

o que mostra que F ′(c) = f(c).

Corolario. Seja f : I → R uma funcao contınua num intervalo I ⊂ R.Entao existe F : I → R tal que F ′ = f .

Demonstracao. Se f : I → R e contınua, entao e localmente integravele fixando a ∈ I, o teorema garante que F (x) =

∫ xaf(t) dt e derivavel em

todo o x ∈ I e F ′(x) = f(x).

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5. O Integral de Riemann 203

5.4.3. Exemplos.

A funcao f(x) = sgnx ={

1, x ∈ [0, 1]−1, x ∈ [−1, 0[ e descontınua em x = 0;

mas sendo limitada em [−1, 1], o seu integral indefinido e, como vimos,uma funcao lipschitziana; neste caso, g(x) =

∫ x0

1 dt = x se x ≥ 0 e, sex < 0, g(x) =

∫ x0−1 dt = −

∫ 0

x−1 dt =

∫ 0

x1 dt = −x. Logo

g(x) =∫ x

0

f(t) dt = |x|.

Como g e lipschitziana (e portanto contınua) o seu integral indefinido serauma funcao derivavel (cf. Exemplo 1. (5.3.6.)):

ϕ(x) =∫ x

0

g(t) dt =

∫ x0t dt = x2/2, x ≥ 0∫ x

0−t dt = −

∫ 0

x−t dt = −x2/2, x < 0.

-1 -0.5 0.5 1

-1

-0.5

0.5

1

-1 -0.5 0.5 1

0.5

1

f = sgnx

g(x) =∫ x0f = |x|

-1 -0.5 0.5 1

-0.5

0.5

ϕ(x) =∫ x0g =

x2/2, x ≥ 0

−x2/2, x < 0

Figura 5.5

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204 5. O Integral de Riemann

O Teorema Fundamental do Calculo motiva a seguinte importantedefinicao:

5.4.4. Definicao. Seja f : D → R uma funcao definida num domınioD ⊂ R. Chama-se primitiva de f a funcao F : D → R, derivavel e talque F ′(x) = f(x), ∀x ∈ D. A funcao f diz-se primitivavel se admitepelo menos uma primitiva. E usual representar-se uma primitiva de f porPf .

Se f, g :D → R sao funcoes primitivaveis, e consequencia imediata dadefinicao que

P (f + g) = Pf + Pg

P (λ.f) = λ.Pf, λ ∈ R.

Observacoes 1. Se f : I → R e uma funcao contınua num intervaloI ⊂ R, o Teorema Fundamental implica que f e primitivavel:

F (x) =∫ x

a

f(t) dt (a ∈ I),

e uma primitiva de f . Porem, nem toda a funcao R-integravel eprimitivavel; com efeito, a funcao f : [−1, 1]→ R,

f(x) =

1, x ∈ [0, 1]

−1, x ∈ [−1, 0[

e evidentemente R-integravel mas nao e primitivavel : se existisse F tal queF ′(x) = f(x), x ∈ [−1, 1], a funcao f = F ′ deveria tomar todos os valoresentre F ′(−1) = f(−1) = −1 e F ′(1) = f(1) = 1 (teorema de Darboux), oque claramente nao acontece.

2. E claro que, se a funcao f : D → R admite uma primitiva F , entaoadmite infinitas : F + C, C ∈ R. Repare-se no entanto que, nem toda aprimitiva de f e da forma F + C (em que F e uma dada primitiva de f);por exemplo a funcao

f : [−1, 0[∪ [1, 2] −→ R, f(x) =

1, x ∈ [1, 2]

−1, x ∈ [−1, 0[

admite como primitivas, a funcao F (x) = |x|, x ∈ [−1, 0]∪[1, 2], bem comoa funcao

G(x) =

x+ 1, x ∈ [1, 2]

−x , x ∈ [−1, 0[

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5. O Integral de Riemann 205

e nao se tem F = G+C para algum C ∈ R. Assim, nao se podera afirmar,em geral, que a diferenca de duas primitivas de f e uma constante. Todavia,isto verifica-se se D = I e um intervalo:

5.4.5. Proposicao. Seja f :I → R uma funcao primitivavel num intervaloI ⊂ R; entao a diferenca de duas quaisquer primitivas de f e constante:se F e uma dada primitiva de F , qualquer primitiva de f e da formaF + C (C ∈ R).

Demonstracao. Trata-se de mostrar que, se F e G sao duas primitivasde f em I entao a sua diferenca e constante; com efeito, de F ′ = G′ = fresulta que (F − G)′ = F ′ − G′ = f − f = 0 em I. A funcao F − Gtem derivada nula no intervalo I e o teorema do valor medio de Lagrangegarante-nos que F −G = C.

Resulta da proposicao que, sendo f : [a, b]∪ [c, d]→ R primitivavel nauniao de dois intervalos disjuntos de R e sendo F uma primitiva particularde f , a representacao generica das primitivas de f vem dada pela famıliade funcoes

G(x) =

F (x) + C1, x ∈ [a, b]

F (x) + C2, x ∈ [c, d]

para quaisquer C1, C2 ∈ R.

5.4.6. Proposicao. Seja f :I → R uma funcao primitivavel num intervaloI ⊂ R e fixemos a ∈ I. Entao, dado k ∈ R qualquer, existe uma unicaprimitiva G de f tal que G(a) = k.

Demonstracao. Se F e uma primitiva de f , logo se ve que a funcaoG(x) = F (x) + (k − F (a)) e ainda uma primitiva e satisfaz G(a) = k.Reciprocamente, se G e uma primitiva de f tal que G(a) = k, como adiferenca G− F e constante, tem-se

G(x)− F (x) = G(a)− F (a) = k − F (a)

e logo G(x) = F (x) + (k − F (a)).

Observacao. A proposicao anterior diz-nos que, se f e uma funcaoprimitivavel no intervalo I, o problema

(P )

du

dt= f, u = u(t), t ∈ I

u(a) = k (a ∈ I)

admite uma unica solucao, u : I → R.

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206 5. O Integral de Riemann

A equacaodu

dt= f e o exemplo mais simples de uma equacao diferen-

cial ordinaria, em que u : I → R representa a funcao incognita. Oproblema (P ) e usualmente designado por problema de valor inicial ouproblema de Cauchy e traduz matematicamente um classico problemade cinematica:

conhecida a velocidade em cada instante t, v(t), de um ponto material quese desloca ao longo de uma reta

v ( t ) O

u ( t )

Figura 5.6

e designando por u(t) o espaco percorrido no tempo t, e conhecido das leis

elementares da mecanica quedu

dt= v(t). Se para alem da velocidade v(t),

conhecermos a posicao do ponto material num dado instante, u(t0) = u0,a solucao do problema de Cauchy, (P ), diz-nos que existe um unicomovimento retilıneo t → u(t), correspondente a dada velocidade v(t),sempre que esta for primitivavel.

Seja F : [a, b]→ R uma funcao de classe C1. Dado que F ′ e contınua,sai do Teorema Fundamental que ϕ(x) =

∫ xaF ′(t) dt e uma primitiva de

F ′; a diferenca das duas primitivas, ϕ e F de F ′, sera entao constante em[a, b]:

ϕ(x)− F (x) = const = ϕ(a)− F (a) = −F (a)

e logoϕ(x) = F (x)− F (a), x ∈ [a, b].

Fazendo x = b, obtem-se a classica formula de Barrow:∫ b

a

F ′(t) dt = F (b)− F (a).

A exigencia da continuidade de F ′ pode, contudo, ser retirada; assim, maisgeralmente, tem-se:

5.4.7. Teorema (Formula de Barrow). Seja f : [a, b]→ R uma funcaoR-integravel e primitivavel em [a, b]. Representando por F uma primitivade f , tem-se ∫ b

a

f(x) dx = F (b)− F (a).

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5. O Integral de Riemann 207

Demonstracao. Seja P = {a = x0 < · · · < xn = b} uma qualquerparticao de [a, b]. Aplicando o teorema do valor medio de Lagrange,obtemos

F (b)− F (a) =n−1∑i=0

[F (xi+1)− F (xi)] =n−1∑i=0

F ′(ξi) (xi+1 − xi)

com xi < ξi < xi+1 (i = 0, . . . , n− 1). Escrevendo,

m′i = inf[xi,xi+1]

F ′, M ′i = sup[xi,xi+1]

F ′,

tem-se evidentemente, m′i ≤ F ′(ξi) ≤ M ′i e logo SP (F ′) ≤ F (b) − F (a) ≤SP (F ′). A conclusao e agora imediata do teorema 5.2.6.

F (b)− F (a) =∫ b

a

F ′(x) dx =∫ b

a

f(x) dx.

Observacoes. 1. O teorema precedente exprime que, se F : [a, b] → R euma funcao com derivada integravel em [a, b] (e nao necessariamente declasse C1) entao

F (b)− F (a) =∫ b

a

F ′(x) dx.

E o caso, por exemplo, de

F (x) =

x2 sin1x, x ∈]0, 2/π]

0, x = 0

F e derivavel em [0, 2/π] e a sua derivada vem dada por

f(x) =

2x sin 1/x− cos 1/x, x ∈]0, 2/π]

0, x = 0

A funcao f nao e contınua; mas sendo limitada e tendo apenas umadescontinuidade (em x = 0), f e R-integravel e tem-se :∫ 2/π

0

(2x sin

1x− cos

1x

)dx = F

(2π

)− F (0) =

4π2.

2. Repare-se que a formula∫ baf(x) dx = F (b) − F (a), demonstrada para

a < b e ainda valida para b ≤ a; basta observar que:

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208 5. O Integral de Riemann

∫ b

a

f = −∫ a

b

f = −(F (a)− F (b)) = F (b)− F (a).

3. A formula de Barrow e particularmente importante do ponto de vistapratico ja que permite calcular exactamente o integral de uma funcaof : [a, b]→ R de que se conheca uma sua primitiva. Algumas das tecnicasde primitivacao serao abordadas mais adiante.

5.5. Teoremas cl�assicos do c�alculo integral.

5.5.1. Teorema A1(Mudanca de variavel no integral). Seja f umafuncao contınua num intervalo I ⊂ R e ϕ : [α, β] → R uma funcaoderivavel com derivada ϕ′ R-integravel e tal que ϕ([α, β]) ⊂ I. Se a = ϕ(α)e b = ϕ(β), tem-se ∫ b

a

f(x) dx =∫ β

α

f(ϕ(t))ϕ′(t) dt.

Demonstracao. Como f e contınua em [a, b], admite uma primitiva F ;derivando a funcao composta F (ϕ(t)), obtem-se

[F (ϕ(t))]′ = f(ϕ(t))ϕ′(t),

o que mostra que F (ϕ(t)) e uma primitiva de f(ϕ(t))ϕ′(t) em [α, β]; esta,por outro lado, e uma funcao R-integravel dado que e produto de funcoesR-integraveis em [α, β] (cf. (5.3.5.), Cor.2.). Finalmente (cf. (5.4.7.)),∫ β

α

f(ϕ(t))ϕ′(t) dt = F [ϕ(β)]− F [ϕ(α)] =

= F (b)− F (a) =∫ b

a

f(x) dx.

Uma nova versao da mudanca de variavel no integral e agora apresen-tada, em que nao se exige a continuidade de f mas em contrapartida seacrescenta uma hipotese de monotonia para a funcao ϕ.

5.5.2. Teorema A2 (Mudanca de variavel no integral). Seja fuma funcao localmente integravel num intervalo I ⊂ R, isto e, integravelem todo o intervalo compacto [a, b] ⊂ I; seja ϕ : [α, β] → R uma funcaomonotona, derivavel, com derivada ϕ′ R-integravel e tal que ϕ([α, β]) ⊂ I.Se a = ϕ(α) e b = ϕ(β), tem-se∫ b

a

f(x) dx =∫ β

α

f(ϕ(t))ϕ′(t) dt.

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5. O Integral de Riemann 209

Demonstracao. Supomos ϕ : [α, β] → R monotona crescente (o casodecrescente e analogo). Consideremos entao uma particao P = {α = t0 <t1 < · · · < tn = β} de [α, β]; tal particao induz naturalmente uma outra,Q = {a = x0 < x1 < · · · < xn = b}, xi = ϕ(ti), de [a, b]. Representemospor ψ(t) a funcao f(ϕ(t))ϕ′(t) e consideremos as somas de Riemann:

SP (ψ) =n−1∑i=0

ψ(ti∗) (ti+1 − ti), ti∗ ∈ [ti, ti+1], ψ(ti∗) = f(ϕ(ti∗))ϕ′(ti∗),

SQ(f) =n−1∑i=0

f(xi∗) (xi+1 − xi), xi∗ = ϕ(ti∗) ∈ [xi, xi+1].

Como f e R-integravel em [a, b], dado δ > 0, existe ε > 0 tal que∣∣∣∣∣SQ(f)−∫ b

a

f

∣∣∣∣∣ < δ/2, (1)

desde que |Q| < ε. Por outro lado, do teorema do valor medio de Lagrangesai que xi+1 − xi = ϕ(ti+1) − ϕ(ti) = ϕ′(ξi) (ti+1 − ti), ξi ∈]ti, ti+1[, eportanto

|SQ(f)− SP (ψ)| ≤n−1∑i=0

|f(xi∗) (ϕ′(ξi)− ϕ′(ti∗)| |ti+1 − ti| .

Designando por M ′i = sup[ti,ti+1]

ϕ′, m′i = inf[ti,ti+1]

ϕ′, e pondo |f(x)| ≤M para

todo x ∈ [a, b], resulta da anterior desigualdade:

|SQ(f)− SP (ψ)| ≤Mn−1∑i=0

(M ′i −m′i) (ti+1 − ti). (2)

Dado que ϕ′ e R-integravel, pelo teorema 5.2.6. (iii), existe η1 > 0 tal que

|P | < η1 =⇒ |SQ(f)− SP (ψ)| ≤ δ/2. (3)

Enfim, como ϕ e contınua e portanto uniformemente contınua em [α, β],existe η (escolha-se η ≤ η1) tal que xi+1 − xi = ϕ(ti+1) − ϕ(ti) < ε desdeque ti+1 − ti < η. Logo, dada uma particao P de [α, β] com |P | < η, vem|Q| < ε e portanto de (1) e (3) tem-se∣∣∣∣∣

∫ b

a

f − SP (ψ)

∣∣∣∣∣ ≤∣∣∣∣∣∫ b

a

f − SQ(f)

∣∣∣∣∣+ |SQ(f)− SP (ψ)| < δ,

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210 5. O Integral de Riemann

o que mostra que

∫ b

a

f =∫ β

α

ψ =∫ β

α

f(ϕ(t))ϕ′(t) dt.

5.5.3. Exemplos.

1. Seja f : I = [−a, a] → R, a > 0; recordemos que f se diz umafuncao par se f(−x) = f(x), ∀x ∈ I; e diz-se uma funcao ımparse f(−x) = −f(x), ∀x ∈ I.

Supondo agora que f e uma funcao R-integravel no intervalo [−a, a],tem-se ∫ a

−af(x) dx = 0 se f e ımpar∫ a

−af(x) dx = 2

∫ a

0

f(x) dx se f e par

Com efeito,∫ a−a f =

∫ 0

−a f +∫ a0f ; sendo f ımpar, considerando a

mudanca de variavel, x = ϕ(t) = −t, ϕ : [0, a] → R (ϕ e monotona),obtem-se:∫ 0

−af(x) dx =

∫ 0

a

f(−t).(−1) dt =∫ a

0

f(−t) dt = −∫ a

0

f(t) dt,

pelo que ∫ a

−af =

∫ 0

−af +

∫ a

0

f = 0.

Se f e par, de modo analogo se ve que,∫ a−a f = 2

∫ a0f.

a - a

a - a

f ımpar f par

∫ a−a f = 0 ∫ a

−a f = 2∫ a0f

Figura 5.7.

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5. O Integral de Riemann 211

5.5.4. Teorema (Integracao por partes). Sejam f, g : [a, b] → Rfuncoes com derivadas R-integraveis. Entao∫ b

a

f(x) g′(x) dx = [fg]ba −∫ b

a

f ′(x) g(x) dx,

em que [fg]ba = f(b)g(b)− f(a)g(a).

Demonstracao. Como (fg)′ = fg′+f ′g, fg e uma primitiva de fg′+f ′ge como esta e uma funcao R-integravel, a formula de Barrow conclui oresultado.

5.5.5. Teorema (Primeiro Teorema da Media). Sejam f, g funcoesR-integraveis no intervalo [a, b] ⊂ R. Se g nao muda de sinal em [a, b],entao existe K tal que inf

x∈[a,b]f(x) ≤ K ≤ sup

x∈[a,b]

f(x), e

∫ b

a

f.g = K.

∫ b

a

g.

Em particular, tem-se ∫ b

a

f(x) dx = K.(b− a).

a b

f

K ∫ b

a

f = K.(b− a)

Figura 5.8

Demonstracao. Faca-se m = infx∈[a,b]

f(x) e M = supx∈[a,b]

f(x); suponha-

-se (por ex.) que g ≥ 0 em [a, b]. Entao, de mg(x) ≤ f(x) g(x) ≤Mg(x), x ∈ [a, b], tira-se que

m

∫ b

a

g ≤∫ b

a

f.g ≤M∫ b

a

g

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212 5. O Integral de Riemann

e logo existe K, m ≤ K ≤M , tal que∫ b

a

f.g = K.

∫ b

a

g.

Corolario. Sejam f, g : [a, b]→ R funcoes definidas em [a, b] tais que f econtınua e g e R-integravel. Se g nao muda de sinal em [a, b], entao existeξ ∈ [a, b] tal que ∫ b

a

f(x)g(x) dx = f(ξ)∫ b

a

g(x) dx.

Demonstracao. Sendo f contınua, tem-se f([a, b]) = [m,M ]; entao, sem ≤ K ≤ M, e claro que existe ξ ∈ [a, b] tal que f(ξ) = K (consequenciados teoremas de Bolzano e Weierstrass).

5.5.6.Teorema (Segundo Teorema da Media). Sejam f e g funcoesdefinidas em [a, b] ⊂ R, g monotona e f R-integravel. Entao existec ∈ [a, b] tal que∫ b

a

f(x) g(x) dx = g(a)∫ c

a

f(x) dx+ g(b)∫ b

c

f(x) dx. (1)

Demonstracao. Basta mostrarmos o teorema para g monotona decres-cente (se g e crescente, −g e decrescente e aplicando (1) a −g o mesmoresultado se obtem para g). Como g, sendo monotona, e R-integravel (cf.(5.6.3.)) e f e R-integravel entao f.g e R-integravel (cf. (5.3.5.), Cor. 2.).A demonstracao e feita em primeiro lugar para g ≥ 0, decrescente parag(b) = 0. Como f e limitada em [a, b], tem-se f ≥ −M em [a, b], para umdado M > 0. Tomemos agora uma qualquer particao P = {a = x0 < x1 <· · · < xn = b}; tendo em conta que f +M ≥ 0 e g decrescente, tem-se∫ b

a

(f +M).g =n−1∑k=0

∫ xk+1

xk

(f +M).g ≤n−1∑k=0

g(xk)∫ xk+1

xk

(f +M) =

=n−1∑k=0

g(xk)∫ xk+1

xk

f + M

n−1∑k=0

g(xk) (xk+1 − xk) (2)

Sendo F (x) =∫ xaf(t) dt, o integral indefinido, o primeiro somatorio em (2)

pode escrever-se:n−1∑k=0

g(xk) (F (xk+1)− F (xk)) =n−1∑k=0

F (xk+1) (g(xk)− g(xk+1)) ≤

≤ supx∈[a,b]

F (x)n−1∑k=0

(g(xk)− g(xk+1)) = supx∈[a,b]

F (x).g(a)

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5. O Integral de Riemann 213

dado que F (a) = 0, g(b) = 0 e g e decrescente (e logo g(xk)−g(xk+1) ≥ 0).Passando entao ao limite em (2) quando |P | → 0, tem-se∫ b

a

(f +M).g ≤ g(a). supx∈[a,b]

F (x) +M

∫ b

a

g

e logo ∫ b

a

f.g ≤ g(a). supx∈[a,b]

F (x). (3)

Aplicando (3) a −f tem-se∫ b

a

f.g ≥ g(a). infx∈[a,b]

F (x) ou seja

infx∈[a,b]

F (x) ≤ 1g(a)

∫ b

a

f.g ≤ supx∈[a,b]

F (x).

Como F e funcao contınua em [a, b], todos os valores entre inf F e supFsao tomados pela funcao (Bolzano e Weierstrass) e logo existe c ∈ [a, b] talque ∫ b

a

f(x) g(x) dx = g(a)∫ c

a

f(x) dx (4)

o que mostra o resultado para g ≥ 0 decrescente para g(b) = 0. Finalmente,a formula geral (1) sai de (4) quando aplicada a g(x)− g(b).

Corolario. Nas condicoes do teorema, se g ≥ 0 e monotona decrescente,existe ξ ∈ [a, b] tal que∫ b

a

f(x) g(x) dx = g(a)∫ ξ

a

f(x) dx.

Basta observar que, sendo g ≥ 0 e decrescente, podemos alterar o valor deg em b escolhendo g(b) = 0 sem modificar o valor do integral a esquerda de(1) (repare-se que a funcao modificada permanece monotona).

5.6. T�ecnicas de primitiva�c~ao.

Consideremos as seguintes classes de funcoes:

1. As funcoes racionais, isto e, as funcoes definidas analiticamente por

f(x) =P (x)Q(x)

,

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214 5. O Integral de Riemann

em que P (x) = a0 + a1x+ · · ·+ anxn, Q(x) = b0 + b1x+ · · ·+ bmx

m,sao polinomios tais que bm 6= 0, n,m ∈ N. O domınio de f

e entendido como o maior domınio de definicao deP (x)Q(x)

, ou seja

D = {x ∈ R : Q(x) 6= 0}.

2. As funcoes trigonometricas : sinx, cosx, tanx e as suas inversas,arcsinx, arccosx e arctanx.

3. As funcoes exponencial, ex, e a sua inversa, log x.

4. As funcoes x→ xa (a ∈ R).

Se a ∈ R\Q e irracional, xa = ea log x esta definida em R+. Sea ∈ Q+, a = p/q, p, q ∈ N, o domınio vem dado porD(xa) = R se q e ımpar

D(xa) = {x ∈ R : x ≥ 0} se q e par;

e o caso, por exemplo, de√x ou 3

√x funcoes que tem como domınios

respetivamente {x ∈ R : x ≥ 0} e R.

5.6.1. Definicao. Chama-se funcao elementar toda a funcao que seobtem como soma, produto, divisao ou composicao de um numero finito defuncoes fazendo parte das quatro famılias atras assinaladas.Representamos por E a famılia das funcoes elementares.

Observacao. Quando se fala em soma e produto de duas funcoes f e g,nos consideraremos f + g e f.g definidas na intersecao dos domınios de fe g, sempre que tal intersecao e nao vazia. Do mesmo modo, f/g e f ◦ gsao supostas ser definidas nos maiores domınios possıveis e nao vazios docampo real.

E claro da definicao que a soma, produto, divisao e composicao deduas funcoes de E e ainda uma funcao de E; das regras de continuidade ederivacao, e ainda imediato constatar que toda a funcao de f ∈ E e contınuae derivavel (no seu domınio de diferenciabilidade); alem disso f ′ ∈ E.

Assim, sao exemplos de funcoes elementares, as funcoes dadas por√1 + x

√1− x2 ou sin

(log(1− x2)

), definidas em [−1, 1] e ]−1, 1[ respeti-

vamente, ou ainda xx = ex log x definida em R+ e arctan1

1 + x2, definida

em todo o R.

Como ja foi assinalado, se f : I → R e uma funcao contınua numintervalo I ⊂ R, entao f e funcao primitivavel e

∫ xaf(t) dt + C e uma

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5. O Integral de Riemann 215

primitiva de f (a ∈ I, C ∈ R); no entanto, mesmo no caso em quef ∈ E e uma funcao elementar, nao esta dito que a primitiva

∫ xaf(t) dt

seja uma funcao elementar. Com efeito, mostra-se (a demonstracao saifora do ambito deste curso) que, por exemplo, a funcao e−x

2(funcao de

grande importancia, especialmente em Teoria das Probabilidades) emboraprimitivavel, a sua primitiva nao e funcao elementar. O mesmo sucede

com a funcao, f(x) =sinxx

(x 6= 0), f(0) = 1, funcao contınua e logo

primitivavel; a sua primitiva,∫ x0

sin t/t dt nao pertence a E.

O que nos vai ocupar nesta seccao e precisamente a exposicao dealgumas tecnicas capazes de primitivar uma vasta classe de funcoes, noquadro das funcoes elementares. A exposicao que segue sera apresentadaem tres grandes partes: numa primeira parte apresentamos um quadrosuficientemente amplo de funcoes cuja primitiva se determina de modoimediato, bem como as tecnicas de primitivacao por partes e substituicao;de seguida e exibida a primitivacao das funcoes racionais e finalmente,utilizando convenientes mudancas de variavel, mostramos como e possıvelracionalizar certas classes de funcoes, “tornando-as” assim primitivaveis.

A. Primitivas imediatas.Primitivacao por partes e substituicao.

1. f(x) = xα (α ∈ R, α 6= −1) Pf(x) =xα+1

α+ 12. f(x) =

1x

Pf(x) = log |x|

3. f(x) = sinx Pf(x) = − cosx

4. f(x) = cosx Pf(x) = sinx

5. f(x) = sec2 x Pf(x) = tanx

6. f(x) =1

1 + x2Pf(x) = arctanx

7. f(x) =1√

1− x2Pf(x) = arcsinx

8. f(x) =−1√

1− x2Pf(x) = arccosx

9. f(x) = ex Pf(x) = ex

10. f(x) = sinhx Pf(x) = coshx

11. f(x) = coshx Pf(x) = sinhx

O conhecimento das funcoes derivaveis e das suas derivadas permite--nos desde logo, por verificacao direta, obter as primitivas (como elementos

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216 5. O Integral de Riemann

de E) de grande numero de funcoes. O quadro anterior exibe algumasfuncoes bem conhecidas e as suas primitivas (o domınio das funcoes estaomisso, admitindo-se que as funcoes primitivas estao definidas no seu maiordomınio de diferenciabilidade).

As observacoes que se seguem permitem-nos aumentar consideravel-mente o quadro das funcoes que tem primitiva imediata. Seja, com efeito,f :E → R uma funcao primitivavel e ϕ :D → R, uma funcao derivavel talque ϕ(D) ⊂ E; representando por F uma primitiva de f , tem-se

[F (ϕ(x))]′ = F ′(ϕ(x)) ϕ′(x) = f(ϕ(x)) ϕ′(x),

pelo queP [f(ϕ(x)) ϕ′(x)] = F (ϕ(x)) em que F = Pf. (1)

5.6.2. Exemplos.

1. Seja ϕ : D → R uma funcao derivavel. De acordo com a formula (1) etendo presente as primitivas ja conhecidas, obtem-se agora as seguintesprimitivas imediatas:

P [ϕα(x).ϕ′(x)] =ϕα+1(x)α+ 1

(α 6= −1),

P

[ϕ′(x)ϕ(x)

]= log |ϕ(x)| (x ∈ D : ϕ(x) 6= 0),

P[eϕ(x).ϕ′(x)

]= eϕ(x),

P

[ϕ′(x)

1 + ϕ2(x)

]= arctanϕ(x),

P [cosϕ(x).ϕ′(x)] = sinϕ(x), etc.

2. Mais concretamente, vejam-se os seguintes exemplos:

a) P(ex

3x2)

=13P(ex

3.3x2

)=

13ex

3.

b) P

(1

sinx

)= P

(1

2 sin x2 cos x2

)= P

( 12 sec2 x

2

tan x2

)=

= log∣∣∣tan

x

2

∣∣∣ (x 6= kπ, k ∈ Z).

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5. O Integral de Riemann 217

c) P

(x

x2 + a

)=

12P

(2x

x2 + a

)=

12

log(x2 + a) (a > 0).

d) P

(1

cosx

)= P

(1

sin(x+ π

2

)) = log∣∣∣tan

(x2

4

)∣∣∣(x 6= kπ + π

2 , k ∈ Z).

5.6.3. Primitivacao por partes.

Sejam f, g : D → R funcoes definidas em D, f primitivavel e gderivavel. Escrevendo F = Pf , tem-se (F.g)′ = f.g + F.g′ pelo quef.g = (F.g)′ − F.g′; entao f.g sera primitivavel se e so se o for F.g′ etem-se

P (f.g) = (Pf).g − P [(Pf).g′].

Observacao. Se f, g : [a, b]→ R sao funcoes com derivadas R-integraveis,supondo que f ′g (ou fg′) e primitivavel, vem da anterior formula∫ b

a

fg′ = [P (fg′)]ba = [fg]ba − [P (f ′g)]ba = [fg]ba −∫ b

a

f ′g

e recuperamos assim, em particular, a anterior formula de integracao porpartes (cf. (5.5.4.))

5.6.4. Exemplos

1. P (x. sinx) = −x. cosx+ P (cosx) = sinx− x cosx.

2. P (log x) = P (1. log x) = x. log x−P(x.

1x

)= x (log x−1), (x > 0).

3. P (arcsinx) = P (1. arcsinx) = x. arcsinx− P x√1− x2

, x ∈]− 1, 1[.

Mas, Px√

1− x2= −1

2P (1− x2)−1/2 (−2x) = −

√1− x2, donde

P (arcsinx) = x. arcsinx+√

1− x2.

4.P (eax. cosx) = eax. sinx− aP (eax. sinx) =

= eax. sinx− a [− cosx.eax + aP (eax. cosx)] .

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218 5. O Integral de Riemann

Logo, (1 + a2)P (eax. cosx) = eax. sinx+ a cosx.eax, ou seja

P (eax. cosx) =eax(sinx+ a cosx)

1 + a2, (a ∈ R).

5.P (cos2 x) = P (cosx. cosx) = sinx cosx+ P (sin2 x) =

= sinx cosx+ P (1− cos2 x) = sinx cosx+ x− P (cos2 x),

pelo que

P (cos2 x) =x+ sinx cosx

2.

5.6.5. Primitivacao por substituicao.

Seja f : J → R uma funcao definida num intervalo J ⊂ R e ϕ : I → Juma funcao bijetiva e diferenciavel definida num intervalo I ⊂ R e talque ϕ′(t) 6= 0 (t ∈ I). Suponha-se ainda que a funcao ψ : I → R, dada por

ψ(t) = f (ϕ(t)) ϕ′(t)

e primitivavel e seja Ψ uma primitiva de ψ. Entao, pondo x = ϕ(t), tem-se,para todo x ∈ J ,

d

dxΨ[ϕ−1(x)

]= Ψ′

[ϕ−1(x)

](ϕ−1)′ (x) =

= ψ(t)1

ϕ′(t)= f [ϕ(t)] = f(x)

e portanto, sob as hipoteses apresentadas, a funcao f e primitivaveldesde que o seja a funcao f (ϕ(t)) ϕ′(t) e tem-se

(Pf) (x) = P [f (ϕ(t)) ϕ′(t)]t=ϕ−1(x) .

5.6.6. Exemplo. Procuremos a primitiva de

f(x) =√a2 − x2, a > 0, −a < x < a.

Pondo, x = a sin t = ϕ(t), t ∈] − π/2, π/2[, desde logo se verifica que ϕ euma bijecao de ]− π/2, π/2[ sobre ]− a, a[ com derivada ϕ′(t)=a cos t 6= 0,t ∈]− π/2, π/2[. Vem entao

f (ϕ(t)) ϕ′(t) =√a2(1− sin2 t

). a cos t = a2 cos2 t.

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5. O Integral de Riemann 219

Mas (cf. (5.6.4.),(5)),

P(a2 cos2 t

)= a2P

(cos2 t

)= a2 t+ sin t cos t

2.

Regressamos a variavel x tendo presente que t = ϕ−1(x) = arcsin(x/a);como, de a sin t = x se tira que a cos t =

√a2 − x2, tem-se finalmente

P(√

a2 − x2)

= P(a2 cos2 t

)t=arcsin(x/a)

=

=a2

2arcsin

x

a+x

2

√a2 − x2.

B. Primitivacao das funcoes racionais.

Sejam

P (x) = a0 + a1x+ · · ·+ anxn

Q(x) = b0 + b1x+ · · ·+ bmxm

n,m ∈ N0, bm 6= 0

dois polinomios com coeficientes aj , bj ∈ R; n e m os graus de P eQ, respetivamente. Recordemos que funcao racional e toda a funcaof :D → R, dada por

f(x) =P (x)Q(x)

, D = {x ∈ R : Q(x) 6= 0}.

De seguida faremos uma revisao sucinta da teoria algebrica dos polinomiose funcoes racionais, omitindo as demonstracoes dos principais resultados.

Dois polinomios P e Q dizem-se iguais e escreve-se P = Q se

P (x) = Q(x), ∀x ∈ R.

O leitor pode verificar facilmente que, sendo P (x) = a0 + a1x+ · · ·+ anxn

e Q(x) = b0 + b1x+ · · ·+ bmxm se tem

P (x) = Q(x), ∀x ∈ R ⇔ n = m e a0 = b0, a1 = b1, . . . , an = bn.

(metodo dos coeficientes indeterminados)

Dados dois polinomios P e Q 6= 0 (isto e bm 6= 0), existem polinomios D eR tais que

Divisao de P por Q

P (x) = D(x)Q(x) +R(x)

grau deR < grau deQ

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220 5. O Integral de Riemann

D diz-se o polinomio cociente e R diz-se o polinomio resto.

No caso particular de Q = x− a (polinomio de grau 1), tem-se

P (x) = (x− a)D(x) +R(x)

com grau R < 1 e logo R ≡ Const; (verifica-se imediatamente queR(x) = P (a)).

5.6.7. Definicao. Um polinomio P de grau ≥ 1 diz-se redutıvel,se existem polinomios P1 e P2 tais que grauPi < grauP (i = 1, 2) eP (x) = P1(x)P2(x).O polinomio P diz-se irredutıvel se nao for redutıvel.

E possıvel determinar quais sao precisamente os polinomios irre-dutıveis. Considere-se, com efeito, (e sem perda de generalidade) ospolinomios unitarios (com coeficiente an = 1): P (x) = xn + an−1x

n−1 +· · ·+ a1x+ a0.

• Todos os polinomios de grau 1, P (x) = x− a sao irredutıveis.

• Um polinomio de grau 2, P (x) = x2 + bx + c e irredutıvel se e so senao tem raızes reais, isto e

b2 − 4c < 0.

Assim os polinomios de grau 2 irredutıveis sao precisamente ospolinomios da forma:

P (x) = (x− α)2 + β2 (α, β ∈ R, β 6= 0)

associado as duas raızes complexas conjugadas α± iβ.

• Os unicos polinomios irredutıveis sao os considerados :

x− a, x ∈ R

(x− α)2 + β2, α, β ∈ R, β 6= 0,

e mostra-se que todo o polinomio P (x) com grau P ≥ 1 e produto depolinomios irredutıveis:

P (x) = (x− a1)n1 · · · (x− ap)np [ (x− α1)2 + β21 ]m1 · · ·

· · · [ (x− αq)2 + β2q ]mq

em que ni,mj ∈ N representam o grau de multiplicidade docorrespondente fator em P .

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5. O Integral de Riemann 221

Na pratica, a decomposicao de um polinomio P (x) nos elementos irre-dutıveis e em geral complexa: tal decomposicao e evidentemente equiva-lente a determinacao das raızes de P e das suas multiplicidades.

Decomposicao de uma funcao racional.

Seja

f(x) =P (x)Q(x)

, Q 6= 0,

uma funcao racional. O teorema principal que adiante enunciaremos,permite-nos decompor a funcao racional em soma de “elementos simples”,os quais sao primitivaveis (como veremos) no quadro das funcoes ele-mentares.

Observemos em primeiro lugar que, se grau P ≥ grau Q, da divisaode P por Q resulta P (x) = D(x)Q(x) +R(x), grauR < grauQ e logo

P (x)Q(x)

= D(x) +R(x)Q(x)

,

o que nos leva a considerar apenas o caso

f(x) =P (x)Q(x)

com grauP < grauQ.

5.6.8. Teorema. Sejam P e Q dois polinomios com grau P < grau Q.

Entao f(x) =P (x)Q(x)

e soma de um numero finito de funcoes racionais dos

tipos:

i)A

(x− a)k, ii)

bx+ c

[(x− α)2 + β2]l;

A, b e c sao constantes reais; x − a, respetivamente (x − α)2 + β2, saoos fatores irredutıveis da decomposicao de Q(x), de multiplicidade ≥ k,respetivamente ≥ l. Mais precisamente, se

Q(x) = (x− a1)n1 · · · (x− ap)np [ (x− α1)2 + β21 ]m1 · · ·

· · · [ (x− αq)2 + β2q ]mq ,

entao

P (x)Q(x)

=p∑i=1

ni∑k=1

Aik(x− ai)k

+q∑j=1

mj∑l=1

bjlx+ cjl[(x− αj)2 + β2

j

]l .Trata-se agora de determinar os coeficientes Aik, bjl e cjl; a anterior

igualdade reduz-se (apos desembaracar de denominadores) a uma igualdade

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222 5. O Integral de Riemann

de polinomios e os coeficientes referidos podem ser calculados utilizando ometodo dos coeficientes indeterminados.

5.6.9. Exemplos.

1. De acordo com a teoria exposta, a funcao racional1

x (x2 + 1)de-

compoe-se do seguinte modo:

1x (x2 + 1)

=A

x+

bx+ c

x2 + 1.

Simplificando,

1 = (x2 + 1)A+ x (bx+ c) = (A+ b)x2 + cx+A

pelo que A+ b = 0, c = 0, A = 1 e logo

1x (x2 + 1)

=1x− x

x2 + 1.

2. Os coeficientes Ak (1 ≤ k ≤ m), correspondentes ao fator (x− a)m dadecomposicao de Q(x), podem ser calculados diretamente utilizando aformula de Taylor. Seja, com efeito, a uma raiz real de multiplicidadem de Q(x) e escreva-se Q(x) = (x − a)mQa(x), em que Qa(x) e opolinomio que resulta de Q quando se suprime o termo (x − a)m;entao

P (x)Q(x)

=A1

(x− a)m+ · · ·+ Am

(x− a)+P2(x)Qa(x)

e multiplicando por (x− a)m, tem-se

P (x)Qa(x)

= A1 +A2(x− a) + · · ·+Am(x− a)m−1 + o((x− a)m−1

),

dado que a nao e raiz de Qa(x) e portanto

P2(x)Qa(x)

(x− a)m = o((x− a)m−1

).

Finalmente, pela unicidade do desenvolvimento Tayloriano em x = a

deP (x)Qa(x)

, podemos concluir que

A1 =[P (x)Qa(x)

]x=a

, A2 =[P (x)Qa(x)

]′x=a

, · · · ,

Am =1

(m− 1)!

[P (x)Qa(x)

](m−1)

x=a

.

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5. O Integral de Riemann 223

Apliquemos as observacoes precedentes ao seguinte exemplo:

f(x) =x+ 1

x3(x2 + 1)=A1

x3+A2

x2+A3

x+bx+ c

x2 + 1.

Tem-se entaoA1 =

[x+ 1x2 + 1

]x=0

= 1

A2 =[x+ 1x2 + 1

]′x=0

= 1

A3 =12

[x+ 1x2 + 1

]′′x=0

= −1

e logox+ 1

x3(x2 + 1)=

1x3

+1x2− 1x

+bx+ c

x2 + 1.

O metodo dos coeficientes indeterminados permite agora mais facil-mente calcular b e c : b = 1, c = −1; assim

f(x) =x+ 1

x3(x2 + 1)=

1x3

+1x2− 1x

+x− 1x2 + 1

.

5.6.10. Primitivacao de uma funcao racional.

Decomposta nos seus elementos simples, a primitivacao da funcao

racional f(x) =P (x)Q(x)

depende agora apenas do conhecimento de uma

primitiva das funcoes;

1(x− a)n

ebx+ c

[(x− α)2 + β2]m, β 6= 0, n,m ∈ N.

A primeira funcao primitiva-se imediatamente e tem-se:

P

[1

(x− a)n

]=

log |x− a| se n = 1

1(−n+1) (x− a)n−1

se n > 1

A primitiva debx+ c

[(x− α)2 + β2]m, β 6= 0, n,m ∈ N, obtem-se fazendo uma

conveniente mudanca de variavel e, tal como anteriormente, considerandoos casos m = 1 e m > 1.

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224 5. O Integral de Riemann

1o Caso : m = 1

Fazendo x = α+ βt, obtem-se

P

[bx+ c

(x− α)2 + β2

]= P

[b (α+ βt) + c

β2t2 + β2. β

]t=(x−α)/β

.

Mas

P

[b (α+ βt) + c

β2t2 + β2.β

]= b P

(t

1 + t2

)+bα+ c

βP

(1

1 + t2

)=

=b

2log (1 + t2) +

bα+ c

βarctan t;

donde

P

[bx+ c

(x− α)2 + β2

]=

=b

2log[(x− α)2 + β2

]+bα+ c

βarctan

(x− αβ

).

2o Caso : m > 1

Utilizando sempre a mudanca de variavel, x = α+ βt, tem-se agora

P

[bx+ c

[(x− α)2 + β2]m

]= P

[b (α+ βt) + c

(β2t2 + β2)m. β

]t=(x−α)/β

e

P

[b (α+ βt) + c

(β2t2 + β2)m. β

]=

= P

[bβ2t

(β2t2 + β2)m

]+

bα+ c

β2m−1P

[1

(1 + t2)m

]=

=b

2(1−m) (β2t2 + β2)m−1+

bα+ c

β2m−1P

[1

(1 + t2)m

].

e o problema reduz-se a calcular a primitiva de1

(1 + t2)m(m > 1).

Observando que

1(1 + t2)m

=1

(1 + t2)m−1− t

22t

(1 + t2)m

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5. O Integral de Riemann 225

e que

P

[t

22t

(1 + t2)m

]=

=t

21

(1−m) (1 + t2)m−1− 1

2(1−m)P

[1

(1 + t2)m−1

],

obtem-se a formula de recorrencia:

P

[1

(1 + t2)m

]=

t

(2m−2) (1 + t2)m−1+

3−2m2−2m

P

[1

(1 + t2)m−1

].

No caso particular de m = 2, tira-se que

P

[1

(1 + t2)2

]=

t

2 (1 + t2)+

12

arctan t

e substituindo,

P

[bx+ c

[(x− α)2 + β2]2

]= − b

2 [(x− α)2 + β2]+

+bα+ c

β2

[x− α

2 [(x− α)2 + β2]

]+bα+ c

2β3arctan

(x− αβ

).

C. Racionalizacao de algumas funcoes.

A utilizacao de convenientes mudancas de variavel, x = ϕ(t), podeem certos casos transformar funcoes f , dadas por expressoes irracionais,em funcoes f(ϕ(t))ϕ′(t) racionais e logo primitivaveis como funcoes ele-mentares. Introduza-se em primeiro lugar a nocao de polinomio e funcaoracional em varias variaveis.

Designa-se por polinomio em duas variaveis, x e y, com coefi-cientes reais, a aplicacao P = P (x, y) : R×R→ R, dada por

P (x, y) = a00 + a01y + a10x+ a11xy + · · ·+ amnxmyn,

com m,n ∈ N0, aij ∈ R. Define-se o grau de P como o maior inteiro i+ jtal que aij 6= 0.

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226 5. O Integral de Riemann

Mais geralmente define-se, de modo analogo, polinomio em p variaveisu1, . . . , up, como a aplicacao P : R× · · · ×R︸ ︷︷ ︸

p vezes

−→ R, dada por

P (u1, . . . , up) =∑

i1,...,ip

ai1...ipui11 . . . uipp ,

i1, . . . , ip ∈ N0, ai1...ip ∈ R e∑

i1,...,ip

representa uma soma finita em

i1, . . . , ip.

Se P (u1, . . . , up) e Q(u1, . . . , up) sao dois polinomios em p variaveis, define--se funcao racional em p variaveis como a aplicacao

R(u1, . . . , up) =P (u1, . . . , up)Q(u1, . . . , up)

e definida naturalmente nos elementos (u1, . . . , up) ∈ R× · · · ×R︸ ︷︷ ︸p vezes

tais que

Q(u1, . . . , up) 6= 0.

Analisemos entao algumas classes de funcoes susceptıveis de serem raciona-lizadas por convenientes mudancas de variavel.

C1. Seja dada uma funcao racional em n variaveis, R(u1, . . . , un), econsidere-se a funcao f :D → R, definida por

f(x) = R

(x,

(ax+ b

cx+ d

)r2, · · · ,

(ax+ b

cx+ d

)rn)

em que r2, . . . , rn ∈ Q e a, b, c, d ∈ R.

Represente-se por µ o menor multiplo comum de {1, r2, . . . , rn}, isto e, omenor inteiro positivo tal que µrj ∈ Z (j = 2, . . . , n). Admitindo que

ad − bc 6= 0, a funcao x → ax+ b

cx+ de biunıvoca e logo invertıvel num

dado intervalo de definicao (com efeito, a sua derivada vem dada porad− bc

(cx+ d)26= 0 ).

Logo, pondoax+ b

cx+ d= tµ, daqui se tira que

x =d tµ − ba− c tµ

= ϕ(t)

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5. O Integral de Riemann 227

a qual e funcao racional; como ϕ′(t) e ainda racional, vem finalmente

f(ϕ(t))ϕ′(t) = R (ϕ(t), tµr2 , . . . , tµrn) ϕ′(t),

funcao racional e logo primitivavel no quadro das funcoes elementares.

Exemplos.

1. A funcaox3

√x− 1

e do tipo R(x, (x− 1)1/2

)(x > 1). Aqui

ax+ b

cx+ d= x− 1 com a = 1, b = −1, c = 0, d = 1;

tem-se ainda, µ = m.m.c.{1, 1/2} = 2; logo, x = ϕ(t) = t2 + 1 eϕ′(t) = 2t, donde

f(ϕ(t))ϕ′(t) =(t2 + 1)3

t2t = 2 (t2 + 1)3.

2. A funcao1

x1/2 + x1/3e tambem racionalizavel ja que

f(x) = R(x, x1/2, x1/3

);

aqui,ax+ b

cx+ d= x e portanto a = 1, b = 0, c = 0, d = 1; alem

disso tem-se, µ = m.m.c.{1, 1/2, 1/3} = 6 e a mudanca de variavelx = ϕ(t) = t6 (ϕ′(t) = 6t5) da-nos:

f(ϕ(t))ϕ′(t) =1

t3 + t26t5.

C2. Dada uma funcao racional em duas variaveis, R(x, y), vejamos comoe possıvel racionalizar as funcoes do tipo

f(x) = R(x,√ax2 + bx+ c

), a 6= 0.

1o Caso : O binomio ax2 + bx + c admite duas raızes reais α e β (α 6= β)(o caso α = β e trivial).

Faz-se entao

t =√ax2 + bx+ c

x− α=

√a (x− α) (x− β)

x− α

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228 5. O Integral de Riemann

ou seja

x =α t2 − a βt2 − a

= ϕ(t).

A funcao ϕ e racional e logo se ve que ϕ′(t) =2at (β − α)(t2 − a)2

6= 0. Como ϕ′

e ainda racional, tem-se

f(ϕ(t))ϕ′(t) = R (ϕ(t), t (ϕ(t)− α)) ϕ′(t),

funcao racional, como era pretendido.

2o Caso : b2 − 4ac < 0

O binomio tem, neste caso, duas raızes complexas; deveremos entao suporque a > 0 (caso contrario, o binomio seria negativo, tornando indefinida afuncao f ). Faz-se entao√

ax2 + bx+ c =√a x+ t

e portanto

x =t2 − c

b− 2√a t

= ϕ(t),

funcao racional tal que ϕ′(t) 6= 0. Tem-se enfim,

f(ϕ(t))ϕ′(t) = R(ϕ(t),

√aϕ(t) + t)

)ϕ′(t),

funcao racional num conveniente intervalo de t.

Exemplos.

3. Consideremos a funcao irracional

f(x) =1

x√x2 − x− 2

= R(x,√x2 − x− 2

).

Neste caso,√x2 − x− 2 =

√ax2 + bx+ c com a= 1, b=−1, c=−2;

x2−x−2 admite as raızes reais: α=−1, β=2. A mudanca de variavel

t =√x2 − x− 2x+ 1

=

√(x− 2)(x+ 1)

x+ 1da-nos:

x =−t2 − 2t2 − 1

= ϕ(t) ; ϕ′(t) =6t

(t2 − 1)2.

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5. O Integral de Riemann 229

Repare-se que, ϕ :]0, 1[→]1,+∞[ e uma bijecao e ϕ′ 6= 0. Entao,

f(ϕ(t))ϕ′(t) = R (ϕ(t), t[ϕ(t) + 1]) ϕ′(t) =

=t2 − 1−t2 − 2

1

t(−3t2−1

) 6t(t2 − 1)2

=2

2 + t2.

e logo

P

[1

x√x2 − x− 2

]= P

[2

2 + t2

]t=

√x2−x−2

x+1

=

=√

2 arctan

(1√2

√x2 − x− 2x+ 1

).

C3. Racionalizacao de funcoes trigonometricas do tipo

R (sinx, cosx)

em que R(u, v) e uma funcao racional de duas variaveis. Utilizamos aqui amudanca de variavel

tanx

2= t ⇐⇒ x = 2 arctan t = ϕ(t).

Tem-se ϕ′(t) =2

1 + t26= 0. Como

1 + tan2 x

2=

1cos2 x

2

= 1 + t2,

tira-se que

cos2x

2=

11 + t2

e logo sin2 x

2=

t2

1 + t2;

portantosinx = 2 sin

x

2cos

x

2=

2t1 + t2

cosx = cos2x

2− sin2 x

2=

1− t2

1 + t2.

Assim, sendo f(x) = R (sinx, cosx), obtem-se a funcao racional:

f(ϕ(t))ϕ′(t) = R

(2t

1 + t2,

1− t2

1 + t2

).

21 + t2

.

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230 5. O Integral de Riemann

Algumas classes particulares de funcoes do tipo R (sinx, cosx) podemser racionalizadas com outras mudancas de variavel o que, na pratica, e porvezes util. Sao as seguintes:

a) Racionalizacao de funcoes do tipo f(x) = R(tanx, sin2 x, cos2 x

)sendo R(u, v, w) uma funcao racional em tres variaveis. Fazemos

tanx = t ⇐⇒ x = arctan t = ϕ(t)

e portanto ϕ′(t) =1

1 + t26= 0. Como

1cos2 x

= 1 + tan2 x = 1 + t2,

tem-se entao

cos2 x =1

1 + t2e sin2 x =

t2

1 + t2;

logo

f(ϕ(t))ϕ′(t) = R

(t,

t2

1 + t2,

11 + t2

).

11 + t2

.

b) Racionalizacao de funcoes do tipo f(x) = R (sinx) . cosx

em que R(u) e uma funcao racional numa variavel. Faz-se

sinx = t ⇐⇒ x = arcsin t = ϕ(t), t ∈]− 1, 1[

e logo ϕ′(t) =1√

1− t26= 0. Como cosx =

√1− sin2 t =

√1− t2,

vemf(ϕ(t))ϕ′(t) = R (t) .

c) Racionalizacao de funcoes do tipo f(x) = R (cosx) . sinx.

Analogamente fazemos

cosx = t ⇐⇒ x = arccos t = ϕ(t), t ∈]− 1, 1[.

Dado que ϕ′(t) =1√

1− t26= 0 e sinx =

√1− cos2 t =

√1− t2,

obtemos a funcao racional

f(ϕ(t))ϕ′(t) = −R (t) .

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5. O Integral de Riemann 231

Exemplos.

4. Seja

f(x) =1

1 + cosx= R (sinx, cosx) .

Fazendo tanx

2= t,

f(ϕ(t))ϕ′(t) = R

(2t

1 + t2,

1− t2

1 + t2

)2

1 + t2=

=1

1 +1− t2

1 + t2

21 + t2

= 1,

e portanto P [f(ϕ(t))ϕ′(t)] = t, pelo que P(

11 + cosx

)= tan

x

2.

5. Seja agora f(x) =cosx

sinx+ cosx; observando que

f(x) =cosx

sinx+ cosx=

11 + tanx

= R(tanx, sin2 x, cos2 x

).

e fazendo tanx = t, tem-se

f(ϕ(t))ϕ′(t) = R

(t,

t2

1− t2,

11 + t2

)1

1 + t2=

11 + t

11 + t2

;

e agora facil concluir que

P

(cosx

sinx+ cosx

)=

12

log |1 + tanx| − 14

log (1 + tan2 x) +x

2.

Observacoes finais. As tecnicas de primitivacao apresentadas, embo-ra amplas, nao abrangem uma vasta classe de funcoes, as quais nao saoprimitivaveis no quadro das funcoes elementares. Com efeito, algunsmatematicos do seculo XIX, entre os quais Liouville, Abel, Tschebyschef,analisaram a impossibilidade de exprimir como funcoes elementares aprimitiva de certas classes de funcoes. Entre estas, refira-se a funcaox→ e−x

2e as funcoes

f(x) =√a0 + a1x+ · · ·+ anxn, g(x) =

1√a0 + a1x+ · · ·+ anxn

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232 5. O Integral de Riemann

com n > 2. Estas funcoes nao sao, em geral, primitivaveis como funcoeselementares. No entanto, as suas primitivas (como integrais indefinidos),poderao apresentar importantes propriedades, do ponto de vista teorico edas aplicacoes. E o caso, em especial, das chamadas funcoes elıpticas

f(x) =1√

(1− x2) (1− k2x2)

funcoes que desempenham papel de relevo em varias aplicacoes da Fısica.

5.7. Os integrais impr�oprios.

Considere-se a funcao f :]0, 2]→ R,

f(x) =1√x.

2O x

Ax

Figura 5.9

A funcao nao e limitada e logo,naturalmente, nao admite integraldefinido de Riemann em ]0, 2]. No en-tanto, retomando a motivacao origi-nal do integral definido, vejamos sede alguma maneira e possıvel definira area da parte de R2 limitada pelografico de 1/

√x e pelo segmento da

abcissa entre 0 e 2. Com efeito, dadoque 1/

√t e funcao contınua no in-

tervalo [x, 2], a area Ax=∫ 2

x1/√t dt

limitada pela curva e pelo segmento[x, 2] esta bem definida; e entao natu-ral definir a area limitada pelo graficode 1/

√x e pelo segmento ]0, 2] como

o limite, caso exista, de Ax quando x→ 0+.

Ax =∫ 1

x1√tdt

Estas consideracoes motivam a seguinte definicao:

5.7.1. Definicao. Seja D ⊂ R um subconjunto de R com interior naovazio; diz-se que f : D → R e uma funcao localmente integravel se f eR-integravel em todo o intervalo [x, y] ⊂ D.

Seja [a, b[⊂ R um intervalo de R com b finito ou b = +∞ e seja fuma funcao localmente integravel em [a, b[. Define-se integral improprio

de f em [a, b[ e representa-se por∫ baf(x) dx, como∫ b

a

f(x) dx = limx→b−

∫ x

a

f(t) dt,

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5. O Integral de Riemann 233

caso este limite exista e seja finito.

Analogamente, se f :]a, b] → R e localmente integravel (a finito ou a =−∞), define-se o integral improprio de f em ]a, b] como∫ b

a

f(x) dx = limx→a+

∫ b

x

f(t) dt,

sempre que este limite exista e seja finito.

Se o integral improprio esta bem definido (isto e, se o limite atras assinaladoexiste e e finito) diz-se tambem que o integral improprio e convergente;caso contrario o integral improprio dir-se-a divergente. E usual designaro ponto b (resp. o ponto a) por ponto improprio.

Observacao. Se f e uma funcao R-integravel em [a, b] ⊂ R, tem-sesempre lim

x→b−

∫ xaf(t) dt =

∫ baf(x) dx, dado que o integral indefinido e funcao

contınua; e reciprocamente, se f e limitada e localmente integravel em[a, b[ entao f e R-integravel em [a, b] (cf. (5.3.2.)) verificando-se de novoa precedente igualdade. Assim, para intervalos limitados, torna-se claroque a nocao de integral improprio aparece como uma extensao (as funcoesilimitadas) do integral definido. Enfim, notemos que os pontos b = +∞(resp. a = −∞) sao sempre (naturalmente) pontos improprios.

Retomemos a nossa funcao f :]0, 2]→ R, f(x) =1√x

; trata-se de uma

funcao contınua em ]0, 2] e portanto localmente integravel; tem-se entao

limx→0+

∫ 2

x

1√tdt = lim

x→0+

[2√t]2x

= 2√

2− limx→0+

2√x = 2

√2,

e logo o integral improprio e convergente:∫ 2

0

f(x) dx =∫ 2

0

1√xdx = 2

√2.

Procedendo de modo analogo para a funcao g :]0, 2]→ R, g(x) =1x

, vira:

limx→0+

∫ 2

x

1tdt = lim

x→0+[log t]2x = log 2− lim

x→0+log x = +∞,

e aqui o integral improprio,∫ 2

0

1xdx, e divergente.

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234 5. O Integral de Riemann

Seja agora f :]a, b[→ R uma funcao localmente integravel (a e b podem,em particular, tomar os valores −∞ e +∞, respetivamente). Pretendendoestender a nocao de integral improprio a ]a, b[, poderıamos ser levados adefinir

∫ baf como lim

ε→0+

∫ b−εa+ε

f . Nao se trata contudo de uma boa definicao;

com efeito, o limite anterior pode existir e ser finito e no entanto o integralimproprio

∫ caf, a < c < b, ser divergente: tomemos, por exemplo, a funcao

f :]− 1, 1[→ R, f(x) =x

1− x2; tem-se

limε→0+

∫ 1−ε

−1+ε

x

1− x2dx = −1

2limε→0+

[log (1− x2)

]1−ε−1+ε

= 0,

e o integral improprio∫ 1

0

x

1− x2dx = lim

x→1−

∫ x

0

t

1− t2dt =

= −12

limx→1−

[log (1− t2)

]x0

= +∞

e divergente. Propomos agora a seguinte definicao :

5.7.2. Definicao. Seja f :]a, b[→ R localmente integravel. Diz-se que ointegral improprio de f em ]a, b[ e convergente se para algum c, a < c < b,sao convergentes os integrais improprios

∫ ca

e∫ bc

e define-se:

∫ b

a

f(x) dx =∫ c

a

f(x) dx+∫ b

c

f(x) dx.

A anterior definicao exige todavia um reparo: mostrar que o integralassim definido nao depende do ponto c ∈]a, b[ escolhido.

Seja, com efeito, c′, a < c′ < b; tem-se entao∫ c′

a

f(x) dx = limy→a+

∫ c′

y

f(x) dx =

= limy→a+

[∫ c

y

f(x) dx+∫ c′

c

f(x) dx

]=∫ c

a

f(x) dx+∫ c′

c

f(x) dx.

Do mesmo modo se ve que∫ b

c′f(x) dx =

∫ c

c′f(x) dx+

∫ b

c

f(x) dx

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5. O Integral de Riemann 235

e logo

∫ c′

a

f(x) dx+∫ b

c′f(x) dx =

∫ c

a

f(x) dx+∫ b

c

f(x) dx.

Mais geralmente, dados a = x0 < x1 < · · · < xn = b e sendo f localmenteintegravel em [a, b]\{x0, . . . , xn}, define-se o integral improprio convergenteem [a, b] como∫ b

a

f(x) dx =∫ x1

a

f(x) dx+∫ x2

x1

f(x) dx+ · · ·+∫ b

xn−1

f(x) dx

sempre que sejam convergentes os integrais improprios∫ xi+1

xif(x) dx, para

0 ≤ i ≤ n− 1.

Retomemos de novo f : [a, b[→ R e admita-se que o integral impro-prio,

∫ baf(x) dx, e convergente. Coloca-se naturalmente a questao de

saber se, neste caso, o integral∫ ba|f(x)| dx e ou nao convergente; veremos

adiante, com um contra-exemplo, que a convergencia do integral improprio∫ baf(x) dx nao implica a convergencia do integral

∫ ba|f(x)| dx. Assim,

5.7.3. Definicao. O integral improprio,∫ baf(x) dx, diz-se absoluta-

mente convergente se o integral∫ b

a

|f(x)| dx

for convergente. Analogamente se define a convergencia absoluta do integralimproprio em ]a, b].

Observacao. E imediato o paralelismo entre as nocoes de convergencia econvergencia absoluta para series e integrais improprios. Tal como para asseries numericas, veremos de seguida que a convergencia absoluta implicaa convergencia do integral improprio.

5.7.4. Proposicao. Seja f : [a, b[→ R uma funcao localmente integravel.Entao o integral improprio,

∫ baf(x) dx, e convergente se e so se, para todo

δ > 0, existe ε > 0 tal que∣∣∣∣∫ y

x

f(t) dt∣∣∣∣ < δ, ∀x, y ∈]b− ε, b[.

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236 5. O Integral de Riemann

Demonstracao. Da definicao de convergencia de integral improprioresulta que

∫ baf(x) dx e convergente se e so se a funcao F (x) =

∫ xaf(t) dt

tem limite finito quando x → b−, ou seja (caracterizacao de Cauchy-Bolzano) :

∀δ > 0, ∃ε > 0 tal que x, y ∈]b− ε, b[ =⇒ |F (x)− F (y)| < δ,

o que mostra o resultado.

Corolario. Se o integral improprio,∫ baf(x) dx, e absolutamente conver-

gente entao e convergente.

Demonstracao. Com efeito, sendo∫ ba|f(x)| dx convergente, resulta da

da proposicao que dado δ > 0, existe ε > 0 tal que∣∣∣∣∫ y

x

|f(t)| dt∣∣∣∣ < δ, ∀x, y ∈]b− ε, b[

e logo (cf. 5.4.(v∗)) ∣∣∣∣∫ y

x

f(t) dt∣∣∣∣ ≤ ∣∣∣∣∫ y

x

|f(t)| dt∣∣∣∣ < δ,

o que da a conclusao.

Observacoes 1. Os resultados atras referidos para os integrais impropriosem [a, b[ sao naturalmente validos para os integrais improprios em ]a, b].

2. Note-se que, se f : [a, b[→ R e localmente integravel, a convergenciaou divergencia do integral

∫ baf(x) dx e equivalente respetivamente a

convergencia ou divergencia do integral∫ bb−ε f(x) dx (b ∈ R), com ε > 0;

basta, com efeito, observar que∫ x

a

f(t) dt =∫ b−ε

a

f(t) dt+∫ x

b−εf(t) dt,

e logo limx→b−

∫ xaf existe e e finito se e so se existe e e finito lim

x→b−

∫ xb−ε f. A

mesma observacao vale naturalmente para f :]a, b]→ R. Enfim, se b = +∞(ou a = −∞), o mesmo raciocınio se aplica: ∀M ≥ a,∫ +∞

a

f(t) dt convergente ⇐⇒∫ +∞

M

f(t) dt convergente.

Torna-se portanto claro que, para funcao localmente integravel, a natureza(convergencia ou divergencia) do integral improprio num ponto dependeapenas do comportamento da funcao numa vizinhanca desse ponto.

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5. O Integral de Riemann 237

Tal como fora ja assinalado para as series reais, a questao da con-vergencia ou divergencia dos integrais improprios e um assunto em geraldelicado. Todavia, se a funcao integranda for positiva, ou pelo menospositiva numa vizinhanca do ponto improprio (cf. Obs. 2.) e possıvelapresentar um conjunto sistematico de criterios de convergencia. Este tema(juntamente com as series de termos positivos) sera analisado com desen-volvimento no proximo capıtulo. A terminar esta seccao demonstramos umresultado que, em particular, se aplica ao estudo de um importante integralimproprio, o integral de Dirichlet:

∫ +∞1

sinx/x dx.

5.7.5. Proposicao. Sejam f, g : [a,+∞[−→ R funcoes localmenteintegraveis e K > 0 tal que∣∣∣∣∫ y

x

f(t) dt∣∣∣∣ ≤ K, ∀x, y ∈ [a,+∞[.

Se g e decrescente e limx→+∞

g(x) = 0, entao o integral improprio

∫ +∞

a

f(x) g(x) dx

e convergente.

Demonstracao. Como limx→+∞

g(x) = 0, dado δ > 0, existe M > 0

tal que 0 ≤ g(x) ≤ δ/K, ∀x ∈ [M,+∞[. Entao, tomando quaisquerc, d>M (c<d), pelo 2o Teorema da Media (Cor.) existe ξ, c ≤ ξ ≤ d talque ∣∣∣∣∣

∫ d

c

f(x) g(x) dx

∣∣∣∣∣ = g(c)

∣∣∣∣∣∫ ξ

c

f(x) dx

∣∣∣∣∣ ≤ δ

K.K = δ,

e o resultado e agora consequencia imediata da Prop. 5.7.4.

Corolario. O integral de Dirichlet,∫ +∞

1

sinxx

dx, e convergente.

Basta observar que,∣∣∣∣∫ y

x

sin t dt∣∣∣∣ = |[− cos t]yx| ≤ 2, ∀x, y.

No entanto,

5.7.6. Proposicao. O integral de Dirichlet,∫ +∞

1

sinxx

dx, nao e

absolutamente convergente.

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238 5. O Integral de Riemann

Demonstracao. Mostremos que

limN→+∞

∫ 2Nπ+π/2

1

∣∣∣∣ sinxx∣∣∣∣ dx = +∞.

Com efeito,

∫ 2Nπ+π/2

1

∣∣∣∣ sinxx∣∣∣∣ dx ≥ N∑

j=1

∫ 2jπ+π/2

2jπ+π/4

∣∣∣∣ sinxx∣∣∣∣ dx ≥

≥N∑j=1

π

4sin (π/4)

2jπ + π/2≥ C

N∑1

1j,

e como limN→+∞

N∑j=1

1j

= +∞, tem-se a conclusao.

5.8. Fun�c~oes de varia�c~ao limitada.

Seja f uma funcao real definida num intervalo [a, b] ⊂ R, a < b.

5.8.1. Definicao. Diz-se que f e uma funcao de variacao limitadaem [a, b] (tambem se diz v.l.) se existe M > 0 tal que para toda a particaoP = {a = x0 < x1 < · · · < xn = b}, se tem

vP (a, b) =n−1∑i=0

|f(xi+1)− f(xi)| ≤M.

Neste caso, o supremo das somas vP (a, b), para todas as particoes de [a, b],e um numero real chamado variacao total de f em [a, b] e representa-sepor

V (a, b) = supPvP (a, b).

Observacao. Sendo P uma particao de [a, b] e P ′ uma particao mais fina, efacil ver que vP (a, b) ≤ vP ′(a, b). Com efeito, admita-se (por simplicidade)que P ′ = P ∪ {c}, com xi < c < xi+1; a anterior desigualdade e imediataconsequencia de

|f(xi+1)− f(xi)| ≤ |f(xi+1)− f(c)|+ |f(c)− f(xi)|.

O leitor desprevenido podera agora ser levado a concluir que a variacaototal, V (a, b) = sup

PvP (a, b), e ainda igual ao limite de vP (a, b) quando

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5. O Integral de Riemann 239

|P | → 0. Todavia o resultado nao e, em geral, verdadeiro (∗) : a funcaof : [−1, 1] → R, f(0) = 1, f(x) = 0 se x 6= 0, tem a variacao totalV (−1, 1) = 2 e no entanto vP (−1, 1) = 0, para qualquer particao que naotenha 0 como vertice.

5.8.2. Exemplos.

1. A funcao f(x) = sinx e de variacao limitada em qualquer intervalo[a, b] ⊂ R; com efeito,

| sinxi+1 − sinxi| ≤ xi+1 − xi (Teor. de Lagrange),

e logo vP (a, b) ≤∑

(xi+1 − xi) = b− a.

2. E claro que toda a funcao monotona f em [a, b] e de variacao limitada,

vP (a, b) = |f(b)− f(a)| = V (a, b),

para qualquer particao P de [a, b].

3. Consideremos a funcao f(x) = sin 1/x se x 6= 0, f(0) = x0. Escolham-

-se particoes com vertices nos pontos xm =1

(2m+ 1)π/2, m ∈ N;

nestes pontos tem-se f(xm) = (−1)m e logo |f(xm+1) − f(xm)| = 2.Fixado um qualquer intervalo [0, b], todos os xm, para m suficiente-mente grande, estao em [0, b]; logo se constata que vP (0, b) ≥ 2k, paratoda a particao com os vertices b, xm, xm+1, · · · , xm+k, 0, e portantoV (0, b) = +∞. A funcao nao e de variacao limitada em nenhum inter-valo [0, b].

De mesmo modo se ve que a funcao contınua, f(x) = x sin 1/x, x ∈ R,nao e de variacao limitada em qualquer [0, b]. Escolhendo agora os

pontos xm =1

mπ/2, m ∈ N, facilmente se ve que

|f(xm+1)− f(xm)| =

2/π

1m

se m ımpar

2/π1

m+ 1se m par

e em qualquer dos casos, estas parcelas sao termo geral de um seriedivergente.

(∗) O resultado e verdadeiro se f e contınua; a demonstracao e um pouco delicada e

nos nao a faremos aqui.

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240 5. O Integral de Riemann

5.8.3. Proposicao. Seja f : [a, b] → R de variacao limitada. Entao f elimitada.

Demonstracao. Para cada x ∈ [a, b], tem-se

vP = |f(x)− f(a)|+ |f(b)− f(x)| ≤ V (a, b).

Em particular, |f(x)− f(a)| ≤ V (a, b) e logo

|f(x)| ≤ |f(a)|+ V (a, b), ∀x ∈ [a, b].

5.8.4. Proposicao. Seja f : [a, b] → R e a < c < b. Entao f e devariacao limitada em [a, b] se e so se e de variacao limitada em [a, c] e[c, b]. Neste caso, tem-se

V (a, b) = V (a, c) + V (c, b),

em que V (a, c) e V (c, b) representam as variacoes totais de f em [a, c] e[c, b], respetivamente.

Demonstracao. Suponha-se f de variacao limitada em [a, c] e [c, b] eseja P uma particao de [a, b]. Tomando P ′ = P ∪ {c}, tem-se vP (a, b) ≤vP ′(a, b) = vP ′(a, c) + vP ′(c, b) e portanto

vP (a, b) ≤ V (a, c) + V (c, b).

Logo f e v.l. em [a, b] e V (a, b) ≤ V (a, c) + V (c, b).Reciprocamente, uma particao de [a, c] e uma particao de [c, b] definem umaparticao de P de [a, b] e entao, se f e v.l. em [a, b], tem-se

vP (a, c) + vP (c, b) = vP (a, b) ≤ V (a, b).

Logo, f e de variacao limitada em [a, c] e [c, b] e (cf. (5.2.4.), Lema 1)V (a, c) + V (c, b) ≤ V (a, b).

Sendo f : [a, b] ⊂ R → R de variacao limitada, define-se a funcaovariacao total, x ∈ [a, b]→ V (a, x), pondo V (a, x) = variacao total de fem [a, x], a < x ≤ b, e V (a, a) = 0.

Corolario 1. Se f : [a, b] → R e de variacao limitada, a funcao variacaototal, V (a, x), e funcao crescente.

Corolario 2. Seja f : [a, b] → R uma funcao derivavel em todos ospontos exceto num numero finito, y1, . . . , yk ∈ [a, b]. Suponha-se que existeM > 0, tal que |f ′(x)| ≤ M, ∀x ∈ [a, b] \ {y1, . . . , yk}. Entao f e devariacao limitada em [a, b].

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5. O Integral de Riemann 241

Demonstracao. Pela proposicao, basta-nos demonstrar o resultado paraum so yk, digamos c, a < c < b. Como f ′ e limitada em [a, c[ e ]c, b], entaof e limitada, |f(x)| ≤ K, x ∈ [a, b] (T. de Lagrange, Cor.3.). Tomandoagora uma particao P de [a, b], considere-se P ′ = P ∪ {c} = {x0 < · · · <xj−1 < c < xj+1 < · · · < xn}, (xj = c). Tem-se entao

vP (a, b) ≤ vP ′(a, b) =n−1∑i=0

|f(xi+1)− f(xi)| =

=∑

i 6=j,j+1

|f(xi+1)− f(xi)|+ |f(xj+1)− f(c)|+ |f(c)− f(xj−1|

Usando de novo Lagrange,∑i 6=j,j+1

|f(xi+1)− f(xi)| ≤M∑

i 6=j,j+1

|xi+1 − xi| ≤M(b− a)

e logo, vP (a, b) ≤M(b− a) + 4K, o que mostra o resultado. Se c = a ou b,a demonstracao e essencialmente a mesma.

O teorema seguinte da uma nova caracterizacao das funcoes de variacaolimitada.

5.8.5. Teorema. A funcao f : [a, b] → R e de variacao limitada se e sose f e diferenca de duas funcoes crescentes.

Demonstracao. Ponha-se

f(x) = V (a, x)− [V (a, x)− f(x)]. (J)

Foi ja visto que a funcao variacao total, V (a, x), e crescente. Mostremosagora que g(x) = V (a, x) − f(x) e tambem crescente em [a, b]. Tomandoa ≤ x < y ≤ b, vem (cf. (5.8.4.))

g(y)− g(x) = V (a, y)− V (a, x)− [f(y)− f(x)] == V (x, y)− [f(y)− f(x)].

Mas resulta da propria definicao de V (x, y) que

|f(y)− f(x)| ≤ vP (x, y) ≤ V (x, y)

e logo g(x) ≤ g(y).

Tendo presente as prop. 3.2.6. e 5.8.3., resulta imediatamente

Corolario. Uma funcao f : [a, b] → R de variacao limitada tem nomaximo um numero numeravel de descontinuidades. Em particular, f eR-integravel.

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242 5. O Integral de Riemann

5.8.6. Continuidade e variacao total.

5.8.7. Proposicao. Seja f : [a, b]→ R uma funcao de variacao limitadae c ∈ [a, b]. Entao f e contınua em c se e so se V (a, x) e contınua em c.

Demonstracao. Seja a ≤ c < b e mostremos primeiro que f(c+) =f(c) =⇒ V (a, c+) = V (a, c). Dado δ > 0, existe P = {c = x0 < x1 <· · · < xn = b}, particao de [c, b], tal que vP (c, b) > V (c, b) − δ. Tomandox ∈]c, x1[, e claro que

V (c, b)− δ < vP (c, b) ≤ |f(x)− f(c)|+ V (x, b)

ou sejaδ + |f(x)− f(c)| > V (c, b)− V (x, b) = V (c, x).

Como f(c+) = f(c), passando ao limite x → c+ a anterior desigualdade,obtemos

limx→c+

[V (a, x)− V (a, c)] = limx→c+

V (c, x) ≤ δ

o que mostra que V (a, c+) = V (a, c).A recıproca e consequencia imediata de

|f(x)− f(c)| ≤ V (c, x) = V (a, x)− V (a, c), x ∈]c, b].

Analogamente se trata a continuidade a esquerda.

Resulta agora de (5.8.5.(J))

Corolario 1. A funcao f : [a, b] → R e contınua e de variacao limitadase e so se f e diferenca de duas funcoes crescentes e contınuas em [a, b].

Corolario 2. Seja f uma funcao contınua e de variacao limitada em [a, x]para todo x tal que a < x < b. Se V (a, x) ≤ M, ∀x ∈]a, b[, entao f ede variacao limitada em [a, b] e em consequencia V (a, b) = lim

x→b−V (a, x).

Resultado analogo se f e v.l. em todo [x, b], a < x < b.

Demonstracao. Fixado δ > 0, pela continuidade de f , existe ε > 0tal que |f(x) − f(b)| < δ, ∀x ∈ [b − ε, b]. Tomando agora uma qualquerparticao P = {a = x0 < x1 < · · · < xn = b}, escolha-se x ∈ [b − ε, b] talque xn−1 < x < b. Entao, tem-se

vP (a, b) ≤ V (a, x) + |f(x)− f(b)| < M + δ.

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5. O Integral de Riemann 243

5.8.8. Comprimento de arco.

5.8.9. Definicao. Uma curva no plano R2 e uma aplicacao

γ : [a, b] −→ R2, t ∈ [a, b] −→ γ(t) = (x(t), y(t)).

As funcoes x(t) e y(t) dizem-se as funcoes componentes da curva. Aimagem γ([a, b]) diz-se o traco ou grafico da curva e e representado porΓ.

Em particular, o grafico de uma funcao de variavel real, f : [a, b]→ R,nao e mais do que o grafico da curva γ(t) = (t, f(t)), em que as funcoescomponentes sao x(t) = t e y(t) = f(t), t ∈ [a, b].

A curva γ(t) = (x(t), y(t)) diz-se contınua se as funcoes componentesx(t) e y(t) sao contınuas em [a, b].

Pretende-se definir “comprimento de arco” de uma curva contınua.Veremos que se trata de um conceito intimamente relacionado com o defuncao de variacao limitada, atras analisado. Considere-se entao uma curvaγ : [a, b]→ R2 e tomemos uma particao P = {a = t0 < t1 < · · · < tn = b}de [a, b]. Uma tal particao determina naturalmente um polıgono (“inscritona curva”) com vertices γ(ti).

( )

( ) ( )

( )

( )

( )

( )

a

b t

t

t

t

t 5

1

2

3

4

E razoavel definir o comprimento

da curva como o supremo dos com-

primentos dos polıgonos inscritos,

para todas as particoes de [a, b].

Figura 5.10

5.8.10. Definicao. Seja γ(t) = (x(t), y(t)) uma curva contınua definidaem [a, b]. Seja P = {a = t0 < t1 < · · · < tn = b} uma particao de [a, b] econsideremos o comprimento do polıgono associado,

l (P ) =n−1∑i=0

√[x(ti+1)− x(ti)]2 + [y(ti+1)− y(ti)]2. (1)

Se existe M > 0 tal que l(P ) ≤ M , para toda a particao P de [a, b], entaoa curva diz-se retificavel e neste caso

supP

l (P ) = Λ(a, b),

diz-se o comprimento de arco da curva γ.

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244 5. O Integral de Riemann

Observacoes. 1. No somatorio que figura em (1), cada parcela, como sesabe da Geometria Analıtica elementar, nao e mais do que o comprimentodo segmento PiPi+1, em que Pi = γ(ti) e Pi+1 = γ(ti+1).

2. Se P ′ e uma particao mais fina do que P , P ⊂ P ′, facilmente se ve quel (P ) ≤ l (P ′).

5.8.11. Teorema. Uma curva contınua γ(t) = (x(t), y(t)), t ∈ [a, b], eretificavel se e so se as funcoes componentes, x(t) e y(t), sao de variacaolimitada, e tem-se

Vx(a, b), Vy(a, b) ≤ Λ(a, b) ≤ Vx(a, b) + Vy(a, b),

em que Vx(a, b) e Vy(a, b) representam as variacoes totais de x(t) e y(t) em[a, b].

Demonstracao. Tomando uma particao P = {a = t0 < t1 < · · · < tn =b}, tem-se

n−1∑i=0

|x(ti+1)− x(ti)|,n−1∑i=0

|y(ti+1)− y(ti)| ≤ l (P ) ≤

≤n−1∑i=0

|x(ti+1)− x(ti)|+n−1∑i=0

|y(ti+1)− y(ti)|.

A conclusao e agora imediata.

Com demonstracao identica a da proposicao 5.8.4., tem-se agora

5.8.12. Proposicao. Uma curva contınua γ, definida em [a, b] ⊂ R, eretificavel se e so se e retificavel em [a, c] e [c, b], a < c < b, e tem-se

Λ(a, b) = Λ(a, c) + Λ(c, b).

Se γ e uma curva retificavel em [a, b], e a semelhanca da nocao defuncao variacao total, define-se a funcao perımetro da curva, t → Λ(a, t),pondo Λ(a, a) = 0.

Corolario 1. Se γ e curva contınua retificavel em [a, b] ⊂ R, a funcaoperımetro, t→ Λ(a, t), e crescente e contınua.

Demonstracao. A monotonia sai logo da proposicao. Por outro lado, sea < t < t′, tem-se (cf. (5.8.11.))

0 ≤ Λ(a, t′)− Λ(a, t) = Λ(t, t′) ≤ Vx(t, t′) + Vy(t, t′),

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5. O Integral de Riemann 245

e o segundo membro tende para 0 quando t′ → t+ (cf. (5.8.7.)).

Corolario 2. Uma curva contınua γ, definida em [a, b] ⊂ R, e retificavelse e so se e retificavel em [a, t] para todo t ∈ [a, b[ e existe M > 0 tal queΛ(a, t) ≤M, ∀t ∈ [a, b[. Em consequencia, Λ(a, b) = lim

t→b−Λ(a, t)

Resultado analogo se γ e retificavel em todo [t, b], a < t < b.

Demonstracao. Sendo γ(t) = (x(t), y(t)) retificavel em [a, t], as funcoescomponentes sao v.l. em [a, t] (cf. (5.8.11.)) e

Vx(a, t), Vy(a, t) ≤M.

A conclusao sai de (5.8.7. Cor.2.) e (5.8.11.).

5.8.13. Exemplos.

1. A curva, grafico da funcao f(x) = x sin 1/x, x ∈ [0, b], nao e reti-ficavel; com efeito, f nao e de variacao limitada.

-0.4 -0.2 0.2 0.4

-0.2

-0.1

0.1

0.2

0.3

0.4

Tem-se Λ(0, b) = +∞

Figura 5.11

2. Seja agora f : [a, b]→ R uma funcao contınua, e diferenciavel em ]a, b[.Para cada particao P = {a = t0 < t1 < · · · < tn = b}, considere-se ocomprimento do polıgono inscrito no grafico de f ,

l (P ) =n−1∑i=0

√[ti+1 − ti]2 + [f(ti+1)− f(ti)]2.

Pelo teorema de Lagrange, existe ξi ∈]ti, ti+1[ tal que f(ti+1)−f(ti) =(ti+1 − ti) f ′(ξi) e logo

l (P ) =√

1 + [f ′(ξi)]2 (ti+1 − ti),

soma de Riemann da funcao√

1 + [f ′(t)]2. Logo, se esta funcao forR-integravel, o leitor pode facilmente mostrar (exercıcio) que o graficode f e retificavel (cf. (5.8.10.), Obs. 2.) e

Λ(a, b) =∫ b

a

√1 + [f ′(t)]2 dt. (2)

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246 5. O Integral de Riemann

Tratando-se de integral improprio em b (ou em a) convergente, a curvae ainda retificavel e o seu comprimento (cf. (5.8.12.), Cor. 2.),

Λ(a, b) = limt→b−

Λ(a, t) = limt→b−

∫ t

a

√1 + [f ′(τ)]2 dτ

=∫ b

a

√1 + [f ′(t)]2 dt.

Enfim, sendo o integral improprio em a e b convergente, tem-se aindao mesmo resultado (cf. (5.8.12.)).

5.8.14. Definicao rigorosa das funcoes trigonometricas.

Na circunferencia de raio 1 e centro na origem, u2 + v2 = 1, conside-remos a parte situada no semi-plano superior, grafico da curva γ, descritapor f(u) =

√1− u2, −1 ≤ u ≤ 1; trata-se de uma curva contınua e a sua

derivada, f ′(u) = −u/√

1− u2 e finita para −1 < u < 1. Como√1 + [f ′(u)]2 =

1√1− u2

,

a curva γ e retificavel, e o comprimento de arco, vem dado por

Λ(−1, 1) =∫ 1

−1

du√1− u2

,

integral improprio convergente em −1 e 1 (cf. (5.8.13.),(2.)). Assim, a semi-circunferencia de raio 1 e retificavel e o seu comprimento e um numero realdesignado, numero π :

π =∫ 1

−1

du√1− u2

.

Pretende-se agora definir em todo o rigor (mas motivados pela ideiaintuitiva) as funcoes trigonometricas, sinx e cosx.

Para cada u ∈ [−1, 1], tome-se o ponto B da semi-circunferencia γ(cf. Fig. 5.12) cuja abcissa e u e considere-se o comprimento de arcoAB; designamo-lo por x = arccosu. Fica assim bem definida a aplicacaou→ arccosu, u ∈ [−1, 1], dada por

x = arccosu =∫ 1

u

dt√1− t2

, −1 ≤ u ≤ 1 (1)

Em particular, arccos 1 = 0, arccos −1 = π, e como a funcao integranda

em (1) e par, tem-se arccos 0 = 1/2∫ 1

−1

du√1− u2

= π/2.

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5. O Integral de Riemann 247

O A

B

x

u

v

Figura 5.12

A funcao arccos : [−1, 1] → R, dada pelo integral indefinido (1), eclaramente contınua e e derivavel em ]− 1, 1[:

(arccos u)′ =−1√

1− u2< 0.

Trata-se de uma funcao estritamente decrescente; a funcao inversa repre-senta-se por cosx, x ∈ [0, π], e e tambem estritamente decrescente norespetivo intervalo. Tendo presente a representacao geometrica de u = cosxcom x ∈ [0, π], esta funcao prolonga-se a toda a reta do seguinte modo:ponha-se cosx = cos (−x) se x ∈ [−π, 0]

cos (x+ 2kπ) = cosx se x ∈ [−π, π], k ∈ Z

A funcao assim definida e par e satifaz cos(x+2π) = cosx, ∀x ∈ R. Diz-seentao que cosx e uma funcao periodica de perıodo 2π ou 2π-periodica (∗).

Define-se agora a funcao sinx, x ∈ R, pondo sinx = cos(π

2− x).

Se x ∈]0, π[, a derivacao da funcao inversa da-nos

(cosx)′ =1

(arccos u)′= −

√1− u2 = −

√1− cos2 x (2)

(∗) O estudo das funcoes periodicas em R tera algum desenvolvimento no Cap.8

dedicado as series de Fourier

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248 5. O Integral de Riemann

Sendo cosx funcao par e 2π-periodica, a sua derivada em R vem aindadada por (2); em particular (cosx)′x=0 = 0, (cosx)′x=π = 0 (cf. (4.2.3.),Cor.4.). Derivando de novo, resulta de (2)

(cosx)′′ =cosx (cosx)′√

1− cos2 x= − cosx

e logo a funcao u(x) = cosx, x ∈ R, e solucao do problema diferencial

(P1)

u′′(x) + u(x) = 0, x ∈ Ru(0) = 1u′(0) = 0

Analogamente, a funcao v(x) = sinx = cos(π

2− x)

satisfaz

(P2)

v′′(x) + v(x) = 0, x ∈ Rv(0) = 0v′(0) = 1

Mais geralmente se verifica que a funcao, u(x) = a cosx+b sinx, a, b ∈ R,e solucao do problema

(P )

u′′(x) + u(x) = 0, x ∈ Ru(0) = au′(0) = b

Mostremos que esta solucao e unica, isto e, existe uma unica funcaoduas vezes diferenciavel em R que satisfaz (P ). Desde logo, se u(x) e funcaoduas vezes diferenciavel em R e satisfaz (P ), multiplicando a equacaodiferencial por u(x), obtem-se

d

dx

[(u′(x))2 + (u(x))2

]= 0, ∀x ∈ R

e logo (funcao com derivada nula em R e constante)

[u′(x)]2 + [u(x)]2 = [u′(0)]2 + [u(0)]2 = a2 + b2, ∀x ∈ R. (3)

Se u1(x) e u2(x) sao duas solucoes de (P ), a funcao w(x) = u1(x)− u2(x)satisfaz ainda w′′(x) + w(x) = 0, w(0) = 0, w′(0) = 0, e por (3), tem-se

[w′(x)]2 + [w(x)]2 = 0, ∀x ∈ R.

Logo, w(x) = u1(x)− u2(x) = 0, ∀x ∈ R.

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5. O Integral de Riemann 249

Assim, u(x) = a cosx+b sinx, e a unica solucao de (P ); em particularas funcoes, u(x) = cosx e v(x) = sinx, sao as unicas solucoes dos problemas(P1) e (P2), respetivamente. As propriedades das funcoes trigonometricascosx e sinx derivam agora facilmente da analise dos problemas diferenciais(P1) e (P2) que as caracterizam. Vejamos algumas:

a) Dado que v(x) = sinx satisfaz (P2), e claro que u(x) = v′(x) = (sinx)′

satisfaz u′′ + u = 0, u(0) = v′(0) = 1, u′(0) = v′′(0) = −v(0) = 0;isto e, v′(x) e solucao do problema (P1) e, pela unicidade estabelecida,resulta que (sinx)′ = cosx. Daqui sai, (cosx)′ = (sinx)′′ = − sinx.

b) Aplicando a formula (3) ao problema (P1), tem-se [u′(x)]2 + [u(x)]2 =1, ∀x ∈ R, isto e

sin2 x+ cos2 x = 1, ∀x ∈ R.

c) Deduzimos ainda a formula fundamental da trigonometria:

cos (x+ y) = cosx cos y − sinx sin y, ∀x, y ∈ R. (4)

Para cada y ∈ R, consideremos a funcao x → u(x) = cos (x + y). Eclaramente uma funcao duas vezes diferenciavel e satisfaz o problema(P ) com u(0) = a = cos y e u′(0) = b = − sin y. Tendo presente quea unica solucao de (P ) e a funcao u(x) = a cosx + b sinx, obtemosentao a formula procurada.

Exercıcios

1. Seja f : [a, b]→ R uma funcao limitada. Prove que∫ b

a

−f(x)dx = −

∫ b

a−(−f(x))dx.

2. Sejam f, g : [a, b] → R funcoes limitadas tais que f ≤ g em [a, b].Mostre que∫ b

a−f(x)dx ≤

∫ b

a−g(x)dx,

∫ b

a

−f(x)dx ≤

∫ b

a

−g(x)dx.

3. Seja f : [a, b] → R uma funcao limitada. Utilize os exercıciosprecedentes para provar que∣∣∣∣∣∣

∫ b

a

−f(x)dx

∣∣∣∣∣∣ ≤∫ b

a

−| f(x) | dx.

De um exemplo em que a anterior desigualdade nao se verifica para osintegrais inferiores.

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250 5. O Integral de Riemann

4. Seja f : [a, b] → R uma funcao integravel. Considere uma sucessaode particoes Pn obtida dividindo o intervalo [a, b] em n subintervalosiguais :

[x

(n)i , x

(n)i+1

]. Considere em seguida as somas de Riemann

Sn =∑i

(x

(n)i+1 − x

(n)i

)f(ξ(n)

i ).

a) Fazendo ξ(n)i = x

(n)i mostre que

limn

1n

n−1∑i=0

f

(a+ i

b− an

)=

1b− a

∫ b

a

f(x)dx.

b) Sendo a um real superior a 1, mostre que a sucessao n(a1/n − 1)tem por limite: ∫ a

1

1xdx.

Sug. Considere as particoes Pn definidas pelos pontos ai/n.

5. Utilizando as ideias do exercıcio precedente determine os limites dasseguintes sucessoes :

a) xn =n∑p=1

n

n2 + p2,

b) yn =1√n

(1√n+ 1

+1√n+ 2

+ · · ·+ 1√n+ n

).

6. Seja f : [a, b]→ R uma funcao contınua. Mostre que∫ b

a

| f(x) | dx = 0 sse f(x) = 0, ∀x ∈ [a, b] .

7. Seja f : [a, b]→ R uma funcao limitada e nao negativa: f(x) ≥ 0, ∀x.Prove que ∫ b

a−f(x)dx = sup

ϕ

∫ b

a

ϕ(x)dx,

onde ϕ percorre o conjunto das funcoes em escada tais que ϕ(x) ≤f(x), ∀x ∈ [a, b] .

8. Seja f : [a, b]→ R, funcao contınua, e ϕ : [t0 − ε, t0 + ε]→ R, funcaoderivavel tal que Im ϕ ⊂ [a, b] e c ∈ [a, b]. Mostre que sao equivalentes

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5. O Integral de Riemann 251

1. ϕ′(t) = f(ϕ(t)) para todo t ∈ [t0 − ε, t0 + ε] e ϕ(t0) = c.

2. ϕ(t) = c+∫ t

t0

f(ϕ(s))ds para todo t ∈ [t0 − ε, t0 + ε].

9. Suponha-se que f : [a, b]→ R e uma funcao integravel e que

f(a+ b− x) = f(x), x ∈ [a, b] .

Mostre que ∫ b

a

xf(x)dx =a+ b

2

∫ b

a

f(x)dx.

10. Seja f : [a, b] → R uma funcao integravel. Para cada h tal que0 < h < (b− a)/2, associe-se a funcao gh : [a+ h, b− h]→ R definidapor

gh(x) =1

2h

∫ x+h

x−hf(t)dt =

12h

∫ h

−hf(x+ u)du.

a) Mostre que, se f e contınua entao gh e derivavel.

b) Supondo sempre que f e contınua, mostre que

limh→0

gh(x) = f(x).

c) Mais geralmente, nao sendo f necessariamente contınua, masadmitindo os limites laterais f(x+) e f(x−), mostre que se tem

limh→0

gh(x) =12[f(x+) + f(x−)

].

11. Represente-se por In o integral

In =∫ 1

0

xn sin(πx)dx.

Calcule I0 e I1. Estabeleca uma relacao entre In e In+2 e utilize estarelacao para calcular I4.

12. Seja a > 0 um real positivo e f : [0, a]→ R uma funcao derivavel comf ′(x) > 0, ∀x ∈ [0, a] e f(0) = 0; represente por g a funcao inversade f e defina-se F : [0, a]→ R por

F (x) =∫ x

0

f(t)dt+∫ f(x)

0

g(t)dt− xf(x).

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252 5. O Integral de Riemann

Mostre que F e derivavel e calcule a sua derivada. Qual o valor deF (x)?

13. De um exemplo de uma funcao primitivavel num dado intervalo masque nao seja integravel.

Sug. Determine uma funcao f , derivavel em [0, 1], por exemplo, talque f ′ nao seja limitada.

14. Sejam f, g : [a, b] → R funcoes integraveis e seja D = {x ∈ [a, b] :f(x) 6= g(x)}. Mostre que seD tem medida nula a Lebesgue, µ(D) = 0,entao ∫ b

a

f(x)dx =∫ b

a

g(x)dx.

De um exemplo de duas funcoes f e g definidas em [a, b], tais que oconjunto D = {x ∈ [a, b] : f(x) 6= g(x)} tenha medida nula a Lebesgue,f seja integravel e g nao o seja.

15. Seja f : [a, b] → R, uma funcao com derivada integravel em [a, b].

Pondo m =a+ b

2, prove que

f(a) + f(b) =2

b− a

∫ b

a

[f(x) + (x−m)f ′(x)] dx.

16. Mostre que a funcao

f(x) =

sin1x

se x 6= 0

0 se x = 0

admite uma primitiva em R.

Sug. Observe que a funcao x2 sin 1/x admite derivada em todo o ponto.

17. Seja f : [a, b]→ R uma funcao derivavel com derivada f ′ R-integravele tal que f(a) = 0. Seja M = sup

x∈[a,b]

|f ′(x)|.

a) Mostre que se tem ∣∣∣∣∣∫ b

a

f(x) dx

∣∣∣∣∣ ≤M (b− a)2

2.

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5. O Integral de Riemann 253

b) Se alem disso f verifica f(a) = f(b) = 0, mostre que∣∣∣∣∣∫ b

a

f(x) dx

∣∣∣∣∣ ≤M (b− a)2

4.

18. Sejam p e q numeros reais superiores a 1 tais que

1p

+1q

= 1.

a) Mostre que se u, v ∈ R+ entao

uv ≤ up

p+vq

q.

Sug. Estude as variacoes da funcao u→ up/p− uv.

b) Se f, g : [a, b] → R sao funcoes integraveis em [a, b], mostre que| f |p e | g |p sao integraveis.

c) Considerando os numeros

Ap =

(∫ b

a

| f(t) |p dt

)1/p

, Bq =

(∫ b

a

| g(t) |q dt

)1/q

,

e aplicando a) aos numeros u =| f(t) |Ap

, v =| g(t) |Bq

, mostre que

∣∣∣∣∣∫ b

a

f(t)g(t)dt

∣∣∣∣∣ ≤(∫ b

a

| f(t) |p dt

)1/p

.

(∫ b

a

| g(t) |q dt

)1/q

.

( Desigualdade de Holder. No caso de p = q = 2, a desigualdadetoma a designacao de Desigualdade de Cauchy-Schwarz.)

19. Seja f : [a, b] → R, f(x) ≥ 0, uma funcao contınua satisfazendo aseguinte desigualdade:

(∗) f(x) ≤ C1 + C2

∫ x

a

f(s)ds, ∀x ∈ [a, b] , C1, C2 > 0.

a) Determine uma primitiva da funcao

g(t) =C2f(t)

C1 + C2

∫ taf(s)ds

, t ∈ [a, b] .

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254 5. O Integral de Riemann

b) Escrevendo a anterior desigualdade (∗) na forma

C2f(t)

C1 + C2

∫ taf(s)ds

≤ C2,

mostre que (Desigualdade de Gronwall ) :

f(x) ≤ C1 eC2(x−a), x ∈ [a, b] .

20. Seja g : [0, T ]→ R uma funcao de classe C1, satisfazendo as condicoes{g′(s) = kg(s), s ∈ [0, T ] , k ∈ Rg(0) = g0

Utilize o exercıcio anterior para mostrar que se tem

| g(t) |≤| g0 | e|k|t ∀t ∈ [0, T ] .

21. Sejam f e ϕ funcoes definidas no intervalo [a, b] ⊂ R, contınuas epositivas. Suponha-se que

f(x) ≤ C1 + C2

∫ x

a

ϕ(t) f(t) dt, ∀x ∈ [a, b], C1, C2 > 0.

Utilize o mesmo raciocınio do exercıcio 19. para mostrar

f(x) ≤ C1 eC2

∫ x

aϕ(t) dt

, ∀x ∈ [a, b].

(Desigualdade de Gronwall generalizada.)

22. Seja f : [0, T ]→ R uma funcao contınua e positiva e tal que

f(t) ≤ C1 + C2

∫ t

0

f(s)√t− s

ds, C1 > 0, C2 > 0, t ∈ [0, T ].

Mostre que existem constantes C1 e C2 positivas, tais que

f(t) ≤ C1 eC2t, ∀t ∈ [0, T ].

Sug. Considere a funcao g(t)= sups∈[0,t]

f(s). Constate que g e contınua

e crescente. Decomponha o integral∫ t0

em∫ t−ε0

+∫ tt−ε, com ε sufien-

temente pequeno, e aplique Gronwall a g.

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5. O Integral de Riemann 255

23. Prove que se f : [0, T ]→ R e contınua e

f(x) =∫ x

0

f(t)dt, x ∈ [0, T ] ,

entao f e identicamente nula.

24. Seja f : [0, a]→ R (a > 0) uma funcao contınua. Mostre que∫ x

0

[∫ u

0

f(t)dt]du =

∫ x

0

f(u) (x− u)du, x ∈ [0, a] .

25. Calcule a derivada das seguintes funcoes:

a) F : ]0,+∞[ −→ R, F (x) =∫ x3

x2log t dt;

b) G : R \ {0} −→ R, G(x) =∫ x

1/x

cos t2dt.

26. Determine a funcao f , contınua em R, que satisfaz as seguintescondicoes:

a)

f ′(x) =

x2

x+ 2se x > −1

0 se x < −1f(−1) =

52

b)

f ′(x) =

0 se x < 1

log xx

se x > 1f(1) = 1

27.a) Determine a funcao f , contınua em R, tal que f ′(x) =

1x+ 3√x, ∀x 6= 0

f(0) = 1

b) Calcule f ′e(0) e f ′d(0).

c) Verifique se a funcao f verifica as hipoteses do teorema de Rolleno intervalo [−1, 1].

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256 5. O Integral de Riemann

28. Seja ϕ : [a, b] −→ R uma funcao contınua tal que ϕ(a) = 0 ed+ϕ

dx(x) = 0, ∀x ∈ [a, b]. Seja dado um qualquer ε > 0.

a) Mostre que existe δ > 0 tal que |ϕ(x)| ≤ ε (x− a), ∀x ∈ [a, δ].

b) Seja c = sup{δ : |ϕ(x)| ≤ ε (x−a), ∀x ∈ [a, δ]}. Mostre que c = b.

Sug. Se c < b, utilize o facto ded+ϕ

dx(c) = 0 para mostrar que

existe h > 0 : |ϕ(c + h)| ≤ ε (c + h − a) e assim chegar a umabsurdo.

c) Conclua que ϕ ≡ 0 em [a, b].

29. Seja ϕ : [a, b]→ R contınua ed+ϕ

dx(x) contınua em [a, b]. Escreva

f(x) = ϕ(a) +∫ x

a

d+ϕ

dt(t) dt.

Utilize o exercıcio precedente para mostrar que f(x) ≡ ϕ(x) em [a, b].Conclua que funcao contınua com derivada a direita contınua em [a, b]e de classe C1([a, b]).

30. Determine a funcao f duas vezes diferenciavel em R+ e verificando ascondicoes:

f ′′(x) =1x2

+ e−x

f ′(1) = −1

f(1) =2e

31. Primitive as seguintes funcoes

a)1

x log xem ]0,+∞[;

b)1

cos2 x.√

1 + tanxem ]0,+π/2[ ;

c) etan x. sec2 x em ]− π/2, π/2[;

d)√

log xx

em ]1,+∞[ .

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5. O Integral de Riemann 257

32. Determine uma primitiva de cada uma das seguintes funcoes:

a)log xx3

; b) sin(log x); c) x2ex sinx;

d) tan2 x; e)x3 + x2 + x− 1x4 + 3x2 + 2

; f)

√1− x1 + x

;

g)3x2 + 2x− 2

x3 − 1; h)

1x√x2 + 4x− 2

; i)1√

1 + ex.

33. Calcule os seguintes integrais:

a)∫ 1

0

√1− cosx . sin2 x

2dx; b)

∫ 1

0

earcsin xdx;

c)∫ a

0

dx

x− 2 3√x+ 4

(a > 0); d)∫ π/2

π/3

dx

sin3 x;

e)∫ 2

1

(log x)2

x2dx; f)

∫ 1

0

11 + e2x

dx;

g)∫ π/6

0

dx

cos2 x− sin2 x; h)

∫ 1

0

x√x2 − 2x+ 2 dx.

34. Diga para que valores de a o integral∫ +∞

0

axdx (a > 0)

e convergente ou divergente; calcule-o no caso convergente.

35. Mostre que ∫ +∞

1

log xxn

dx =1

(n− 1)2(n ∈ N, n ≥ 2).

36. Demonstre que

limm→+∞

∫ a

0

sin(mx)x

dx

existe, ∀a 6= 0.

37. Mostre que ∫ 1

0

xa−1 log x dx = − 1a2

(a > 0).

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258 5. O Integral de Riemann

38. Seja f : [0, 1]→ R uma funcao contınua tal que f(0) = 0 e f ′(0) existee e finita. Mostre que o integral improprio∫ 1

0

f(x)x√xdx

e convergente.

39. Determine a natureza do integral improprio∫ e

0

dx

1− log x.

40. Sejam a e b dois reais tais que 0 < a < b e f : [0,+∞[→ R uma funcao

contınua tal que∫ +∞

1

f(t)t

dt e convergente.

a) Mostre que a funcao x→ f(kx)x

e integravel em [u,+∞[ se u e ksao reais estritamente positivos.

b) Mostre que ∫ +∞

u

f(bx)− f(ax)x

dx =∫ au

bu

f(t)t

dt.

c) Mostre que a funcao

x −→ f(bx)− f(ax)x

e integravel em ]0,+∞[ e prove que∫ +∞

0

f(bx)− f(ax)x

dx = f(0) loga

b.

41. Mostre que a funcao f :]0,+∞[→ R, dada por

f(x) =∫ 1

0

e−x2t2 1√

tdt,

e contınua no seu domınio. Prove que limx→+∞

f(x) = 0.

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6. Desenvolvimentos Assintoticos 259

6Desenvolvimentos Assint�oti ose Apli a� ~oes

Ao longo deste capıtulo serao expostas algumas tecnicas que nospermitirao estudar o “andamento das funcoes” na vizinhanca de umdado ponto de R. O termo, “andamento de uma funcao”, embora grosseirona terminogia matematica, reflecte a ideia que esta subjacente a teoria eaos resultados que se pretendem obter: o comportamento da funcao navizinhanca de um dado ponto x0 ∈ R, e em particular a “velocidade”de convergencia (caso haja limite) da funcao nesse ponto. Tomemos oseguinte exemplo: as funcoes x, ex, x + sin πx, tem todas limite +∞quando x → +∞; porem, ex tende “mais rapidamente” para +∞ do queas outras duas, no sentido em que

limx→+∞

x

ex= 0 e lim

x→+∞

x + sinπx

ex= 0;

vemos ainda que as funcoes x e x + sin πx tendem para +∞ do mesmomodo, ja que

limx→+∞

x

x + sinπx= 1.

Comecaremos entao por construir uma famılia F de funcoes ditas“conhecidas” na vizinhanca de um ponto x0 ∈ R, pretendendo depoiscomparar uma dada funcao definida em V (x0) com funcoes da famılia F.

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260 6. Desenvolvimentos Assintoticos6.1. Fun� ~oes padr~ao.Consideremos primeiro o caso x0 = +∞. Tome-se o seguinte conjunto

de funcoes, cujo comportamento consideramos conhecido na vizinhanca de+∞:

1, xα, (log x)β (β 6= 0), ecxγ

(c 6= 0, γ > 0), α, β, γ ∈ R.

A famılia de funcoes padrao F+∞ e, por definicao, formada pelas funcoesanteriores bem como pelos seus produtos. Assim, o elemento generico dafamılia F+∞ e dado pela funcao padrao

g(x) = xα (log x)β

eP (x),

com

P (x) = c1xγ1 + · · · + cnxγn , γ1 > γ2 > · · · > γn > 0, α, β, cj ∈ R.

6.1.1. Proposicao. As funcoes de F+∞ satisfazem as seguintes condicoes:

1) Toda a funcao de F+∞ e estritamente positiva na vizinhanca de +∞.

2) Toda a funcao de F+∞ diferente de 1, tem limite 0 ou +∞ quandox → +∞.

3) f, g ∈ F+∞ =⇒ f.g ∈ F+∞; f ∈ F+∞ =⇒ fλ ∈ F+∞, ∀λ ∈ R.

em particular, se f, g ∈ F+∞ entao f/g ∈ F+∞.

Demonstracao. As alıneas 1) e 3) sao imediatas. Vejamos 2); se P = 0(caso em que cj = 0, j = 1, . . . , n), o elemento generico de F+∞ vem dadopor

g(x) = xα (log x)β

eP (x) = xα (log x)β

;

entao o limite de g quando x → +∞ sera +∞ ou 0 conforme α > 0 ouα < 0 respetivamente, e qualquer que seja β ∈ R. Se α = 0, e claro queg(x) −→

x→+∞+∞ se β > 0 e g(x) −→

x→+∞0 se β < 0.

Seja agora P 6= 0; sendo P (x) = c1xγ1 + · · · + cnxγn , γ1 > γ2 > · · · >

γn > 0, existe um primeiro cj 6= 0 que podemos supor, sem perda degeneralidade, como sendo o coeficiente c1; assim,

P (x) = c1xγ1(1 + b2x

γ2−γ1 + · · · + bnxγn−γ1)

com bj =cj

c1, (j = 2, . . . , n). O fator dentro de parenteses converge para

1 (x → +∞) e portanto, o limite de g(x) = xα (log x)β

eP (x) sera +∞

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6. Desenvolvimentos Assintoticos 261

ou 0 consoante c1 > 0 ou c1 < 0, respetivamente (a exponencial dominaqualquer potencia de x).

Pretendendo agora estudar o comportamento das funcoes na vizin-hanca a direita (resp. a esquerda) (*) de um ponto x0 ∈ R, introduz-se afamılia Fx+

0das funcoes padrao definidas em ]x0, x0 + ǫ[ e dadas por

g(x) = (x − x0)α | log (x − x0) |β e

P(

1x−x0

)

, α, β ∈ R,

em que

P

(1

x − x0

)

= c1

(1

x − x0

)γ1

+ · · · + cn

(1

x − x0

)γn

,

γ1 > · · · > γn > 0, cj ∈ R.

Analogamente se introduz a famılia Fx−

0das funcoes definidas em ]x0−ǫ, x0[

e dadas por g(x) = (x0 − x)α |log (x0 − x)|β eP(

1x0−x

)

.

Observacoes. 1. Repare-se que a famılia Fx+0

se obtem de F+∞ pela

mudanca de variavel x → 1

x − x0; isto e, as funcoes de Fx+

0sao precisamente

as funcoes g

(1

x − x0

)

, g ∈ F+∞, definidas em ]x0, x0 + ǫ[. Do mesmo

modo, Fx−

0e formada pelas funcoes g

(1

x0 − x

)

, g ∈ F+∞, com x ∈]x0 − ǫ, x0[.Finalmente, refira-se que a famılia F−∞, das funcoes padrao definidas emVǫ(−∞), e obtida de F+∞ pela mudanca de variavel x → −x :

F−∞ = {g(−x), x ∈ Vǫ(−∞), g ∈ F+∞}.

2. Os resultados da anterior proposicao sao naturalmente validos para Fx+0

e Fx−

0.6.2. Rela� ~oes de ompara� ~ao: rela� ~oes fra as e fortes.

Por comodidade de exposicao, todas as nocoes e resultados que emseguida serao expostos referem-se a funcoes definidas numa vizinhanca a

(*) Designamos por vizinhanca a direita (respetivamente a esquerda) de um ponto

x0 ∈ R, o intervalo ]x0, x0 + ǫ[, ǫ > 0 (resp. ]x0 − ǫ, x0[ ).

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262 6. Desenvolvimentos Assintoticos

direita de um ponto x0∈R : ]x0, x0+ǫ[; as mesmas nocoes e resultados seraoevidentemente validas para funcoes definidas numa vizinhanca a esquerdade x0, bem como para funcoes definidas em Vǫ(+∞) ou Vǫ(−∞).

Sejam entao f e g funcoes definidas em ]x0, x0 + ǫ[ e admita-se queg(x) 6= 0, ∀x ∈]x0, x0 + ǫ[.

6.2.1. Definicao. Diz-se que f e equivalente a g em x+0 e escreve-se

f ∼ g em x+0 se

limx→x+

0

f(x)

g(x)= 1.

A definicao mostra, em particular, que g(x) e uma primeira aproxi-macao de f(x) na vizinhanca ]x0, x0 + ǫ[. E pois natural procurar porentre as funcoes padrao da famılia Fx+

0aquela que, multiplicada por uma

constante, seja equivalente a f em ]x0, x0 + ǫ[.

6.2.2. Definicao. Seja g ∈ Fx+0

e c 6= 0 uma constante real nao nula. Se

f ∼ c.g, diz-se entao que c.g e a parte principal de f em relacao a

Fx+0.

Observe-se que as funcoes de Fx+0

sao a parte principal de si proprias.

6.2.3. Proposicao. Seja f :]x0, x0 + ǫ[→ R uma funcao definida numavizinhanca a direita de x0. Se f admite uma parte principal c.g, g ∈ Fx+

0,

entao esta e unica.

Demonstracao. Suponha-se com efeito que f ∼ cg e f ∼ c1g1 comg, g1 ∈ Fx+

0, c, c1 6= 0. Entao, tem-se em ]x0, x0 + ǫ[

g(x)

g1(x)=

g(x)

f(x).f(x)

g1(x)

e logo limx→x+

0

g(x)

g1(x)=

1

c.c1 6= 0. Como g/g1 ∈ Fx+

0, a proposicao 6.1.1.

implica que g/g1 ≡ 1, e em consequencia tera de ser c = c1.

6.2.4. Definicao. Seja g uma funcao positiva numa vizinhanca ]x0, x0+ǫ[.Diz-se que uma funcao f , definida em ]x0, x0 + ǫ[, e fracamente inferior

a g em x+0 e escreve-se f = O(g) se

existe K > 0 tal que|f(x)|g(x)

≤ K, para todo x ∈]x0, x0 + ǫ[.

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6. Desenvolvimentos Assintoticos 263

Diz-se que f e fortemente inferior a g em x+0 e escreve-se f = o(g) se

(*)

limx→x+

0

f(x)

g(x)= 0.

Observacoes 1. E imediato verificar que f =o(g) =⇒ f =O(g).

2. A relacao f = O(1) significa que|f(x)|

1≤ K, ∀x ∈]x0, x0 + ǫ[, ou seja

f =O(1) ⇐⇒ f e limitada em ]x0, x0 + ǫ[.

Por outro ladof = o(1) ⇐⇒ lim

x→x+0

f(x) = 0.

3. Resulta tambem das definicoes que

f ∼ g ⇐⇒ f − g = o(g).

Em particular, se c.g, g ∈ Fx+0, e a parte principal de f , tem-se

f ∼ c.g ⇐⇒ f − c.g = o(g) ⇐⇒ f = c.g + o(g).

Como adiante veremos, a relacao f = c.g + o(g) e o exemplo mais simplesde um desenvolvimento assintotico.

6.2.5. Exemplos.

1. Notemos que nem todas as funcoes admitem parte principal relativa-mente a uma famılia F de funcoes padrao. Assim, por exemplo, afuncao f(x) = sin x nao admite claramente parte principal em relacaoa F+∞. Porem, a parte principal da mesma funcao, f(x) = sin x, em

relacao a F0+ e g(x) = x : limx→0+

sin x

x= 1.

2. Se α, β ∈ R, entao

α < β =⇒ xα = o(xβ)

em + ∞α < β =⇒ xβ = o (xα) em 0+.

3. A funcao f(x) = x + sin πx tem como parte principal x em relacao aF+∞:

x + sin πx

x−→

x→+∞1;

(*) As notacoes f = O(g) e f = o(g) designam-se usualmente por notacoes de Landau.

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264 6. Desenvolvimentos Assintoticos

mas a sua parte principal em relacao a F0+ e (1 + π)x :

limx→0+

x + sinπx

(1 + π)x=

1

1 + π+

π

1 + π= 1.6.3. Propriedades e �al ulo das rela� ~oes de ompara� ~ao.

Algumas propriedades algebricas podem ser estabelecidas no quadrodas relacoes de comparacao. Estes resultados estao condensados nasproposicoes seguintes, cuja demonstracao (consequencia elementar dasdefinicoes) e deixada como exercıcio. Recordemos de novo que os enun-ciados se referem a x+

0 , sendo evidentemente validos para x−0 , +∞ ou −∞.

6.3.1. Proposicao. Sejam f, g e h funcoes definidas em ]x0, x0 + ǫ[.Entao

a) f = O(g) e g = O(h) =⇒ f = O(h) i .e. O(O(h)) = O(h);

b) f = o(g) e g = o(h) =⇒ f = o(h) i .e. o(o(h)) = o(h);

c) f = O(g) e g = o(h) =⇒ f = o(h) i .e. O(o(h)) = o(h).

6.3.2. Proposicao (Adicao). Sejam f1, f2 e g funcoes definidas em]x0, x0 + ǫ[. Entao

a)

f1 = O(g) e f2 = O(g) =⇒

f1 ± f2 = O(g)

λf1 = O(g), λ ∈ R

ou seja

O(g) + O(g) = O(g),

λO(g) = O(g).

b)

f1 = o(g) e f2 = o(g) =⇒

f1 ± f2 = o(g)

λf1 = o(g), λ ∈ R

que podemos escrever como

o(g) + o(g) = o(g), λo(g) = o(g).

Observacao importante. O leitor devera ter presente o significado dasigualdades anteriores, escritas nas notacoes de Landau; em particular,

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6. Desenvolvimentos Assintoticos 265

dever-se-ao evitar “enormidades” do tipo o(g) + o(g) = o(g) =⇒ o(g) = 0;a precedente igualdade apenas significa que a soma de duas funcoes quesao o(g) e uma funcao o(g).

6.3.3. Proposicao (Multiplicacao). Sejam f1, f2, g1 e g2 funcoes defini-das na vizinhanca ]x0, x0 + ǫ[. Entao

a)f1 = O(g1) e f2 = O(g2) =⇒ f1.f2 = O(g1.g2);

b)f1 = o(g1) e f2 = O(g2) =⇒ f1.f2 = o(g1.g2);

em particular

f1 = o(g1) =⇒ f1.g = o(g1.g).

c)f1 = O(g1) =⇒ |f1|λ = O

(gλ1

), ∀λ > 0;

f1 = o(g1) =⇒ |f1|λ = o(gλ1

), ∀λ > 0.

Ou seja :

O(g1).O(g2) = O(g1.g2);

o(g1).O(g2) = o(g1.g2); g.o(g1) = o(g.g1);

|O(g1)|λ = O(gλ1

)e |o(g1)|λ = o

(gλ1

), ∀λ > 0.

6.3.4. Proposicao (Divisao). Supondo f e g definidas em ]x0, x0 + ǫ[ ef(x) 6= 0, ∀x ∈]x0, x0 + ǫ[, tem-se:

a)f = O(g) ⇐⇒ 1/g = O (1/|f |) ;

f = o(g) ⇐⇒ 1/g = o (1/|f |) .

b)f = O(g) =⇒ gλ = O

(|f |λ

), ∀λ < 0;

f = o(g) =⇒ gλ = o(|f |λ

), ∀λ < 0.

Relacao de ordem na famılia padrao.

Sejam f, g ∈ Fx+0

e considere-se a relacao

R(f, g) ⇐⇒ ( f = g ou f = o(g) ).

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266 6. Desenvolvimentos Assintoticos

6.3.5. Proposicao. A relacao R(f, g) e uma relacao de ordem em Fx+0.

Demonstracao. 1) A relacao e reflexiva: f = f, ∀f ∈ Fx+0.

2) A relacao e transitiva: consequencia imediata da prop. 6.3.1.

f = o(g) e g = o(h) =⇒ f = o(h).

3) Resta-nos mostrar que para dois quaisquer elementos f, g ∈ Fx+0

se tem

sempre R(f, g) ou R(g, f). Por simplicidade tome-se o caso f, g ∈ F0+ . Oelemento generico da famılia e da forma

g(x) = xα |log x|β eP( 1x ), α, β ∈ R,

em que

P

(1

x

)

= c1

(1

x

)γ1

+ · · · + cn

(1

x

)γn

,

γ1 > · · · > γn > 0, cj ∈ R, c1 6= 0.

Escrevendo P (x) como

P (x) = c1

(1

x

)γ1[

1 +c2

c1

(1

x

)γ2−γ1

+ · · · + cn

c1

(1

x

)γn−γ1]

logo se ve que o termo dentro de parenteses retos converge para 1 quandox → 0+, e portanto podemos reduzir-nos ao caso em que

f(x) = xα |log x|β ec( 1x )γ

e g(x) = xα′ |log x|β′

ec′( 1x)γ′

.

As conhecidas propriedades das funcoes exponencial e logarıtmica levam--nos a concluir:

1. Se c = 0 (o termo exponencial nao figura em f), tem-se f = o(g) sec′ > 0 e g = o(f) se c′ < 0.

2. Sendo c 6= 0,

a) Se γ > γ′ > 0 entao

g = o(f) se c > 0

f = o(g) se c < 0∀α, α′, β, β′, c′.

b) Se γ = γ′ e c > c′ entao g = o(f) ∀α, α′, β, β′.

c) Se γ = γ′, c = c′ e α > α′ entao f = o(g) ∀β, β′.

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6. Desenvolvimentos Assintoticos 267

d) Se γ = γ′, c = c′, α = α′ e β > β′ entao g = o(f).

Enfim, se c = c′ = 0 as conclusoes sao as mesmas que em 2. c) e 2. d).6.4. Desenvolvimentos assint�oti os.Vimos anteriormente que, se f : ]x0, x0 + ǫ[→ R admite uma parte

principal c1.g1, entao

f = c1g1 + o(g1), c1 6= 0, g1 ∈ Fx+0.

Procuremos agora (caso exista) a parte principal da funcao f − c1g1; seassim for, existe uma constante c2 6= 0 e uma funcao g2 ∈ Fx+

0tal que

f − c1g1 = c2g2 + o(g2).

Mostremos entao que g2 = o(g1). Com efeito,

c2g2

g1=

(f

g1− c1

)

− o(g2)

g1;

comoo(g2)

g1=

o(g2)

g2.g2

g1, vem

g2(x)

g1(x)=

(f(x)

g1(x)− c1

)/(

c2 +o(g2)

g2(x)

)

.

Mas

f(x)/g1(x) − c1 −→x→x+

0

0 e c2 + o(g2)/g2(x) −→x→x+

0

c2 6= 0;

logo, g2(x)/g1(x) −→x→x+

0

0, isto e g2 = o(g1). Mais geralmente,

6.4.1. Definicao. Diz-se que f :]x0, x0+ǫ[→ R admite um desenvolvi-

mento assintotico (ou desenvolvimento limitado) relativamente a Fx+0, se

existem constantes c1, . . . , cn ∈ R e funcoes g1, . . . , gn ∈ Fx+0, tais que

f = c1g1 + c2g2 + · · · + cngn + o(gn) e gi+1 = o(gi), i = 1, . . . , n − 1.

o(gn) diz-se o resto do desenvolvimento; diz-se ainda que o desenvolvi-mento assintotico tem a precisao gn. Sendo os coeficientes c1, . . . , cn naonulos, o desenvolvimento diz-se a n termos.

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268 6. Desenvolvimentos Assintoticos

Observacao. Existindo um desenvolvimento assintotico de f com pre-cisao gn : f = c1g1 + c2g2 + · · · + cngn + o(gn), entao tem-se tambemo desenvolvimento assintotico de f com precisao gk (k ≤ n); com efeito,basta observar que se f = c1g1 + · · ·+ ckgk + ck+1gk+1 + · · ·+ cngn + o(gn),como gi+1 = o(gi), tem-se (cf. (6.3.1.), (6.3.2.))

ck+1gk+1 + · · · + cngn + o(gn) = o(gk) + · · · + o(gk) = o(gk)

e portantof = c1g1 + · · · + ckgk + o(gk).

6.4.2. Proposicao. Seja f =c1g1 + · · ·+cngn +o(gn) um desenvolvimentoassintotico de f a n termos (c1, . . . , cn 6= 0), com precisao gn. Entao odesenvolvimento e unico (por entre os desenvolvimentos a n termos).

Demonstracao. Recordemos que a parte principal de uma funcao (emrelacao a Fx+

0, por ex.) quando existe e unica (cf. (6.2.3.)). Mas,

pela definicao de desenvolvimento assintotico, resulta que ckgk e a parteprincipal de f − c1g1 − · · · − ck−1gk−1, com k = 2, . . . , n; a conclusao eagora imediata.

6.4.3. Exemplos

1. Exemplos de desenvolvimentos assintoticos num ponto x0 ∈ R (adireita ou a esquerda, isto e, em relacao a Fx+

0ou Fx−

0) sao dados

pela formula de Taylor de uma funcao f , n vezes diferenciavel em x0:

f(x) = f(x0) + f ′(x0) (x − x0) + · · ·+

+f (n)(x0)

n!(x − x0)

n + o ((x − x0)n) .

Trata-se de um desenvolvimento assintotico ja que (x − x0)k+1 =

o((x − x0)k) quando x → x+

0 (ou x → x−0 ).

O quadro seguinte, exibe os desenvolvimentos em 0 (formula de Mac--Laurin) de algumas funcoes elementares: com n ∈ N0, tem-se

a) ex = 1 + x +x2

2+ · · · + xn

n!+ o(xn);

b) cosx = 1 − x2

2!+

x4

4!+ · · · + (−1)n x2n

(2n)!+ o(x2n);

c) sin x = x − x3

3!+

x5

5!+ · · · + (−1)n x2n+1

(2n + 1)!+ o(x2n+1);

d) log (1 + x) = x − x2

2+

x3

3+ · · · + (−1)n+1 xn

n+ o(xn);

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6. Desenvolvimentos Assintoticos 269

e) (1 + x)α = 1 + αx +α(α − 1)

2!x2 + · · · +

(αn

)

xn + o(xn),

(α ∈ R, α 6= 0).

2. Veja-se agora o desenvolvimento em +∞ da funcao f(x) = log (1+x);observando que

log (1 + x) = log

[

x

(

1 +1

x

)]

= log x + log

(

1 +1

x

)

e dado que 1/x → 0 (x → +∞), o desenvolvimento de log

(

1 +1

x

)

em +∞ e o desenvolvimento de log (1 + y) em 0, com y = 1/x; tendopresente a anterior alınea d), tem-se

log

(

1 +1

x

)

=1

x− 1

2x2+ · · · + (−1)n+1 1

nxn+ o

(1

xn

)

e logo

log (1 + x) = log x +1

x− 1

2x2+ · · · + (−1)n+1 1

nxn+ o

(1

xn

)

.

Repare-se que1

x= o(log x) em +∞, obtendo-se portanto o desenvolvi-

mento de log (1 + x) em +∞ com n + 1 termos.A �algebra dos desenvolvimentos assint�oti os.Sejam

f1 = a1u1 + a2u2 + · · · + amum + o(um)

f2 = b1v1 + b2v2 + · · · + bnvn + o(vn)

ai, bj ∈ R, ui, vj ∈ Fx+0, desenvolvimentos assintoticos das funcoes f1 e f2

em relacao a Fx+0.

6.4.4. Soma de desenvolvimentos assintoticos.

Dados um, vn ∈ Fx+0, tem-se sempre uma (e uma so) das tres possibil-

idades (cf. (6.3.5.)):

1. um = vn, 2. um = o(vn), 3. vn = o(um).

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270 6. Desenvolvimentos Assintoticos

No caso 1. (um = vn), obtem-se o desenvolvimento de f + g com precisaoum (= vn) escrevendo

f + g =∑

(aiui, bjvj) + o(um)

figurando em∑

todos os termos aiui, bjvj colocados na ordem decres-

cente associada a definicao de desenvolvimento assintotico (cada termo eum o do termo precedente).No caso 2. (um = o(vn)) tem-se o desenvolvimento de f + g com precisaovn:

f + g =∑

(aiui, bjvj) + o(vn)

figurando em∑

todos os termos aiui e bjvj exceto os termos akuk taisque uk = o(vn). Com efeito, como para tais termos, uk = o(vn) eo(um) = o(o(vn)) = o(vn), tem-se

∑akuk =

∑o(vn) = o(vn).

Analogamente no caso 3. (vn = o(um)) :

f + g =∑

(aiui, bjvj) + o(um)

eliminando em∑

todos os bkvk tais que vk = o(um).

Assim, a precisao de f + g sera a menor das precisoes um ou vn de f e g,respetivamente.

Exemplo. Tomemos os seguintes dois desenvolvimentos em 0:

sin x = x − x3

3!+ o(x3)

cosx = 1 − x2

2!+

x4

4!+ o(x4)

Dado que x4 = o(x3) em 0, obtemos para a soma sin x+cosx o desenvolvi-mento com precisao x3:

sin x + cosx = 1 + x − x2

2!− x3

3!+ o(x3).

6.4.5. Produto de desenvolvimentos assintoticos.

Retomemos os anteriores desenvolvimentos de f1e f2 com precisoes um

e vn, respetivamente. Dado que se verifica, necessariamente, um dos tresseguintes casos,

1. u1vn = o(v1um)2. v1um = o(u1vn)3. u1vn = v1um

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6. Desenvolvimentos Assintoticos 271

assim se obtem o desenvolvimento de f1f2 com precisao v1um no caso 1.,u1vm no caso 2. e u1vn = v1um no caso 3., escrevendo :Caso 1.

f1f2 =∑

ordemdecrescente

aibjuivj + o(v1um)

e eliminando em∑

os termos akblukvl tais que ukvl = o(v1um).

Repare-se que, executando o produto dos desenvolvimentos de f1 e f2, paraalem dos termos akblukvl, obtemos

uio(vn) = o(u1vn) = o(o(v1um)) = o(v1um) e vjo(um) = o(v1um)

dado que ui = o(u1) e vj = o(v1).

Caso2.f1f2 =

ordemdecrescente

aibjuivj + o(u1vn)

e eliminando em∑

os termos akblukvl tais que ukvl = o(u1vn).

Do mesmo modo para o caso 3. Torna-se claro que o desenvolvimentoescolhido para f1f2 tem a menor das precisoes v1um ou u1vn.

Observacao. Dado o desenvolvimento f = a1u1 + · · · + amum + o(um) eg ∈ Fx+

0, como gui∈Fx+

0, gui+1 =o(gui) e g.o(um)=o(gum) e claro que g.f

admite o desenvolvimento

g.f = a1gu1 + · · · + amgum + o(gum).

6.4.6. Exemplos.

1. Desenvolva-se em 0+ a funcao

f(x) = log x sin x ex.

Escrevendo o desenvolvimento de sin x em 0+ (com precisao x3, porex.) :

sin x = x − x3

3!+ o(x3),

tem-se entao

log x sinx = x log x − x3 log x

3!+ o(x3 log x), log x ∈ F0+ ;

desenvolvendo agora ex (com precisao x4, por ex.) :

ex = 1 + x +x2

2!+

x3

3!+

x4

4!+ o(x4)

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272 6. Desenvolvimentos Assintoticos

e dado que x5 log x = o(x3 log x), obtemos o desenvolvimento def(x)=log x sin x ex com precisao x3 log x :

log x sin x ex =

x log x + x2 log x +

(1

2!− 1

3!

)

x3 log x + o(x3 log x) =

x log x + x2 log x +x3 log x

3+ o(x3 log x).

2. Suponha-se que f :]x0, x0 + ǫ[→ R admite o desenvolvimento assinto-tico

f = a1g1 + · · · + argr + o(gr) em x+0 , a1 6= 0;

e admita-se que limx→x+

0

f(x) = 0, o que implica que g1(x) −→x→x+

0

0

(porque?). E claro que f2 admite o correspondente desenvolvimentocom precisao g1gr e mais geralmente o desenvolvimento de fn teraa precisao gn−1

1 gr. Como gn−11 gr = o(gr), resulta que a precisao de

f + f2 + · · ·+ fn (a menor das precisoes das parcelas) e a precisao def , isto e, gr.

6.4.7. Composicao de desenvolvimentos assintoticos.

Seja f :]x0, x0 + ǫ[→ R tal que limx→x+

0

f(x) = 0 e suponha-se que f

admite o desenvolvimento assintotico

f = a1g1 + · · · + argr + o(gr) em x+0 , a1 6= 0. (1)

Seja ainda g : V (0) → R uma funcao definida numa vizinhanca de 0 e nvezes diferenciavel; pode escrever-se a formula de Mac-Laurin

g(t) = c0 + c1t + · · · + cntn + o(tn) ,

e tem-se entao para a composicao g ◦ f (t = f(x)),

g ◦ f = c0 + c1f + · · · + cnfn + o(fn). (2)

Pelo que se disse atras sobre a soma e produto de desenvolvimentosassintoticos, c0 + c1f + · · · + cnfn admite um desenvolvimento em x+

0

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6. Desenvolvimentos Assintoticos 273

com a precisao do desenvolvimento de f , isto e gr (cf. (6.4.6.),(2.)); comoo(fn) = o(gn

1 ), (2) da-nos o desenvolvimento de g ◦f em x+0 com a precisao

gn1 ou gr conforme gr = o(gn

1 ) ou gn1 = o(gr), respetivamente.

6.4.8. Exemplo. Considere-se a funcao θ(x) = esin x/x −1, isto e,

θ(x) = g(f(x)) com g(t) = et e t = f(x) =sin x

x− 1

e procuremos o desenvolvimento de θ em 0+. Como f(x) =sin x

x−1 −→

x→0+0,

escreva-se o desenvolvimento de et em 0 : et = 1+ t+t2

2+ o(t2). Dado que

sinx = x − x3

3!+

x5

5!+ o(x5) em 0+,

vem

f(x) =sin x

x− 1 = −x2

3!+

x4

5!+ o(x4);

daqui sai

f2 =x4

62− 2

3!5!x6 + o(x6)

e logo

1 + f +f2

2= 1 − x2

3!+

(1

5!+

1

2.62

)

x4 + o(x4).

Finalmente, como o(f2) = o(x4) que e, no nosso caso, a precisao de f ,tem-se o desenvolvimento de θ com a precisao x4 :

θ(x) = esin x/x −1 = 1 − x2

3!+

(1

5!+

1

2.62

)

x4 + o(x4).

Se em vez da precisao x5 para o desenvolvimento de sinx tivessemos tomadoa precisao x3, vinha

sin x = x − x3

3!+ o(x3)

e portanto

f(x) =sin x

x− 1 = −x2

3!+ o(x2) e f2 =

x4

62+ o(x4) ;

como o(f2) = o(x4) e x4 = o(x2) em 0+, toma-se a precisao x2 para

θ = 1 + f +f2

2+ o(f2) = 1 − x2

3!+ o(x2).

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274 6. Desenvolvimentos Assintoticos

Casos Particulares.

6.4.9. Desenvolvimento assintotico de fα, α ∈ R.

Seja f = a1g1 + · · ·+ argr + o(gr) o desenvolvimento de f em x+0 com

a1 > 0. Pode entao escrever-se f como

f = a1g1(1 + b2h2 + · · · + brhr + o(hr)︸ ︷︷ ︸

w

) = a1g1(1 + w)

em que bj =aj

a1, hj =

gj

g1, j = 2, . . . , r. Como gj = o(g1), tem-se

hj → 0 (x → x+0 ) e logo w → 0 (x → x+

0 ). Tem-se entao

fα = aα1 gα

1 (1 + w)α, a1 > 0, aα1 gα

1 ∈ F0+ .

Por outro lado, dado que w(x) → 0 (x → x+0 ), obtemos o desenvolvimento

de (1 + w)α como composicao de (1 + t)α em t = 0 com t = w(x). Logo,do desenvolvimento de (1 + t)α (cf. (6.4.3.)) tira-se que

(1 + w)α = 1 + αw +α(α − 1)

2!w2 + · · · +

(αn

)

wn + o(wn)

com precisao o(wn) = o(hn2 ) ou o(hr) consoante hr = o(hn

2 ) ou hn2 = o(hr)

(cf. (6.4.7.)).

6.4.10. Exemplos.

1. Desenvolva-se em 0 a funcaox log |x|1 + ex

. Tem-se

x log |x| ∈ F0+ e 1 + ex = 2 + x +x2

2+ o(x2).

Entao

1

1 + ex= (1 + ex)−1 =

[

2

(

1 +x

2+

x2

4+ o(x2)

)]−1

=

1

2

(

1 +x

2+

x2

4+ o(x2)

︸ ︷︷ ︸

w

)−1

=1

2

(1 − w + w2 + o(w2)

)=

1

2

[

1 −(

x

2+

x2

4+ o(x2)

)

+

(x2

4+

x3

4+ o(x3)

)

+ o(w2)

]

.

Como o(w2) = o(x2), tem-se enfim

1

1 + ex=

1

2

(

1 − x

2+ o(x2)

)

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6. Desenvolvimentos Assintoticos 275

e portanto

x log |x|1 + ex

=x log |x|

2− x2 log |x|

4+ o(x3 log |x|).

2. Procuremos agora o desenvolvimento de tanx =sin x

cosxem x = 0.

Sendo

sinx = x − x3

3!+

x5

5!+ o(x5) e cosx = 1 − x2

2!+

x4

4!+ o(x4) = 1 + w,

vem entao

1

cosx= (1 + w)−1 = 1 − w + w2 + o(w2) =

1 −(

−x2

2!+

x4

4!+ o(x4)

)

+

(x4

4− x6

4!+ o(x6)

)

+ o(x4) =

1 +x2

2!+

5

24x4 + o(x4)

e portanto

tan x = sin x.1

cosx=

(

x − x3

3!+

x5

5!+ o(x5)

)(

1 +x2

2!+

5

24x4 + o(x4)

)

=

x +

(1

2!− 1

3!

)

x3 +

(1

5!− 1

2!3!+

5

24

)

x5 + o(x5) =

x +x3

3+

2

15x5 + o(x5).

6.4.11. Desenvolvimento assintotico de ef .

Seja f = a1g1 + · · · + argr + o(gr) o desenvolvimento de f em x+0 e

suponha-se que f(x) → 0 (x → x+0 ). Pelo que foi dito sobre a composicao

de desenvolvimentos assintoticos, obtemos o desenvolvimento de ef :

ef = 1 + f +f2

2!+ · · · + fn

n!+ o(fn)

com precisao o(gn1 ) ou o(gr).

Se limx→x+

0

f(x) 6= 0 e ainda possıvel obter o desenvolvimento de ef se existir

algum gi (do desenvolvimento de f) que tenda para 0 (x → x+0 ). Seja com

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276 6. Desenvolvimentos Assintoticos

efeito i, o mais pequeno ındice tal que gi → 0 (x → x+0 ); entao f = f1 + f2

com

f1 = a1g1 + · · · + ai−1gi−1, f2 = aigi + · · · + argr + o(gr)

e tem-se ef = ef1 .ef2 . Escrevendo o desenvolvimento de ef2 , ja quef2(x) −→

x→x+0

0, obtemos o desenvolvimento de ef se o termo

ef1 = ea1g1 . . . eai−1gi−1 ∈ F0+ .

6.4.12. Exemplos.

1. Procuremos o desenvolvimento de h(x) = (1 + x)1/x em +∞.

Escreva-se h(x) = e(1/x) log (1+x) = ef com f(x) =1

xlog (1 + x). Ora,

log (1 + x) = log

[

x

(

1 +1

x

)]

= log x + log

(

1 +1

x

)

;

dado que 1/x → 0 (x → +∞), tem-se

log

(

1 +1

x

)

=1

x− 1

2x2+ o

(1

x2

)

em + ∞,

pelo que

f(x) =1

xlog (1 + x) =

log x

x+

1

x2− 1

2x3+ o

(1

x3

)

em + ∞.

Como f(x) → 0 (x → +∞), o desenvolvimento de ef vem dado por

h(x) = ef(x) = 1 + f(x) +f2(x)

2!+

f3(x)

3!+ o(f3);

sendo o(f3) = o

((log x)3

x3

)

e a precisao de f, o(1/x3), resulta que a

precisao de ef(x) sera o

((log x)3

x3

)

,donde

h(x) = ef(x) = 1 + f(x) +f2(x)

2+

f3(x)

6+ o

((log x)3

x3

)

=

= 1 +

(log x

x+

1

x2+ o

((log x)3

x3

))

+

+1

2

((log x)2

x2+ o

((log x)3

x3

))

+

+1

6

((log x)3

x3+ o

((log x)3

x3

))

=

= 1 +log x

x+

(log x)2

2x2+

1

x2+

(log x)3

6x3+ o

((log x)3

x3

)

.

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6. Desenvolvimentos Assintoticos 277

2. Veja-se agora o desenvolvimento assintotico de ex/ sin x em 0.

Dado que sinx = x − x3

3!+

x5

5!+ o(x5), vem entao

1

sin x=

[

x

(

1 − x2

3!+

x4

5!+ o(x4)

)]−1

=

=1

x

[

1 −(

−x2

3!+

x4

5!+ o(x4)

)

+

+

(x4

3!3!− x6

3.5!+ o(x6)

)

+ o(x4)

]

=

=1

x

(

1 +x2

3!+

(1

3!3!− 1

5!

)

x4 + o(x4)

)

.

e logo

x

sin x= 1 +

x2

3!+

7

360x4 + o(x4) = 1 + f1,

tendo-se limx→0

f1 = 0. Assim,

ef = e.ef1 = e

(

1 + f1 +f21

2!+ o(f2

1 )

)

=

e

[

1 +

(x2

3!+

7

360x4 + o(x4)

)

+1

2

(x4

3!3!+ o(x4)

)

+ o(x4)

]

=

e +e

6x2 +

e

30x4 + o(x4).

3. Tomemos enfim a funcao f(x) = log

(sinx

x

)

e determine-se um

desenvolvimento assintotico em 0.

De novo, sinx = x − x3

3!+

x5

5!+ o(x5) em 0, pelo que

sin x

x= 1 − x2

3!+

x4

5!+ o(x4) = 1 + v com v(x) −→

x→00;

entao, a composicao dos desenvolvimentos de log (1 + y) com y = v(x)

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278 6. Desenvolvimentos Assintoticos

da-nos :

log

(sinx

x

)

=

= log (1 + v) = v − v2

2+ o(v2) =

=

(

−x2

3!+

x4

5!+ o(x4)

)

− 1

2

(x4

3!3!+ o(x4)

)

+ o(x4) =

= −x2

6− x4

180+ o(x4).6.5. Apli a� ~oes ao �al ulo dos limites.

A utilizacao das regras de Cauchy e de L’Hospital no levantamentode indeterminacoes e por vezes penosa, nao se conseguindo, em algunscasos, obter facilmente o limite desejado. Veremos agora como o usodos desenvolvimentos assintoticos permite obter, com elegancia, os limitesindeterminados.Para alem dos desenvolvimentos de Mac-Laurin ja expostos, acrescentemosainda os das funcoes hiperbolicas :

sinhx =ex − e−x

2e coshx =

ex + e−x

2,

respetivamente as funcoes seno hiperbolico e cosseno hiperbolico. Sao,como se sabe, funcoes definidas em R e de classe C∞; os desenvolvimentosde Mac-Laurin sao dados por

sinhx = x +x3

3!+

x5

5!+ · · · + x2n+1

(2n + 1)!+ o(x2n+1)

coshx = 1 +x2

2!+

x4

4!+ · · · + x2n

(2n)!+ o(x2n).

6.5.1. Exemplos

1. Determine-se

limx→0

esin x. log (cos x) − 4√

1 + 4x + x − 32x2

x sin x2

A ideia e desenvolver assintoticamente (em x = 0) as funcoes el-ementares que figuram na expressao, levando os desenvolvimentos

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6. Desenvolvimentos Assintoticos 279

tao longe quanto necessario para levantar a indeterminacao. Assim,

sinx = x − x3

3!+

x5

5!+ o(x5) donde

sin x2 = x2 − x6

3!+

x10

5!+ o(x10). (1)

Como cosx = 1 − x2

2!+

x4

4!+ o(x4), tem-se

log (cosx) =

log

[

1 +

(

−x2

2!+

x4

4!+ o(x4)

)]

= w − w2

2+ o(w2) =

(

−x2

2!+

x4

4!+ o(x4)

)

− 1

2

(x4

2!2!+ o(x4)

)

+ o(x4) =

− x2

2− x4

12+ o(x4);

entao, sin x. log (cosx) = −x3

2+ o(x5) −→ 0 (x → 0), e logo

esin x. log (cos x) =

ef = 1 + f +f2

2!+ o(f2) = (2)

1 +

(

−x3

2+ o(x5)

)

+ o(x5) = 1 − x3

2+ o(x5).

Tem-se ainda, com α = 1/4,

(1 + 4x)1/4 =

1 + α(4x) +α(α − 1)

2!(4x)2 +

α(α − 1)(α − 2)

3!(4x)3 + o(x3) =

1 + x − 3

2x2 +

21

6x3 + o(x3). (3)

Finalmente, de (1), (2) e (3) resulta que:

esin x. log (cos x) − 4√

1 + 4x + x − 32x2

x sin x2=

=1 − x3

2 + o(x5) −(1 + x − 3

2x2 + 216 x3 + o(x3)

)+ x − 3

2x2

x3 + o(x6)=

=−4x3 + o(x3)

x3 + o(x6)=

−4 + o(1)

1 + o(x3)−→x→0

−4.

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280 6. Desenvolvimentos Assintoticos

2. Determine-se agora, para que valores de α ∈ R e n ∈ N existe o limitefinito:

limx→0

eαxn − cosx2

√1 + x8 − cosx4

.

Analisando o denominador e tendo presente os desenvolvimentos ja denos conhecidos, tem-se (cf. (6.4.3.)) :

1 + x8 = (1 + x8)1/2 = 1 +x8

2+ o(x8) e cosx4 = 1 − x8

2!+ o(x8)

donde √

1 + x8 − cosx4 = x8 + o(x8) ∼ x8.

Para que o limite em questao seja finito e necessario que, no desen-volvimento do numerador com precisao x8, os termos em xk com k < 8sejam eliminados; como

eαxn

= 1 + αxn +α2x2n

2!+ o(x2n) e cosx2 = 1 − x4

2!+

x8

4!+ o(x8)

tera de ser α = −1/2 e n = 4; tem-se entao

limx→0

e−x2/2 − cosx2

√1 + x8 − cosx4

= limx→0

(1/8 − 1/24)x8 + o(x8)

x8 + o(x8)=

1

12.

3. E conveniente, na pratica, reduzir o calculo do limite de uma funcaoem x0 ∈ R ao limite em 0; para isso basta tomar a mudanca de variavelx − x0 = y se x0 ∈ R, ou 1/x = y se x0 = +∞, obtendo-se

limx→x0

f(x) = limy→0

f(x0 + y) ou limx→+∞

f(x) = limy→0

f(1/y),

respetivamente. Veja-se, por exemplo, o calculo de

limx→+∞

e1/x(x2 − x + 2

)−√

x4 + x2 + 1.

Fazendo 1/x = y, pretende-se calcular

limy→0+

ey

(1

y2− 1

y+ 2

)

−√

1

y4+

1

y2+ 1 =

limy→0+

ey(1 − y + 2y2

)−√

1 + y2 + y4

y2.

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6. Desenvolvimentos Assintoticos 281

Ora, tem-se em 0+

(1 + y2 + y4)1/2 = 1 +1

2(y2 + y4) − 1

8(y2 + y4)2 + o(y4) =

= 1 +1

2y2 +

3

8y4 + o(y4);

como ey = 1 + y +y2

2!+ o(y2), tem-se entao

ey(1 − y + 2y2

)−√

1 + y2 + y4 =

= 1 +3

2y2 + o(y2) −

(

1 +1

2y2 + o(y2)

)

= y2 + o(y2)

e logo

limy→0+

ey(1 − y + 2y2

)−√

1 + y2 + y4

y2= lim

y→0+

y2 + o(y2)

y2= 1.6.6. Convergen ia de integrais impr�oprios.

Seja f : [a, b[→ R uma funcao localmente integravel. Vimos que o

integral improprio em b,∫ b

a f(x) dx, e convergente se existe e e finito,

limx→b−∫ x

af(t) dt, o que e ainda equivalente a convergencia do integral

improprio de f na vizinhanca de b,∫ b

b−ǫ f(x) dx. Sabemos ainda que,

se o integral improprio e absolutamente convergente (isto e,∫ b

a|f(t)| dt

converge) entao e convergente. Acontece que, na pratica, e frequentementesimples decidir da convergencia ou divergencia dos integrais improprios defuncoes positivas (ou negativas) na vizinhanca do ponto improprio. Ocupar-nos-emos, neste paragrafo, de apresentar criterios de convergencia dosintegrais improprios de funcoes que nao mudam de sinal na vizinhanca doponto improprio.

O grande criterio de comparacao esta expresso no seguinte

6.6.1. Teorema. Sejam f, g : [a, b[→ R, funcoes localmente integraveis epositivas numa vizinhanca (a esquerda) de b. Suponha-se que f = O(g) emb−, isto e

0 ≤ f(x) ≤ Ag(x), ∀x ∈ [b − ǫ, b[, A > 0.

Entao

1)

∫ b

a

g(x) dx convergente =⇒∫ b

a

f(x) dx convergente

2)

∫ b

a

f(x) dx divergente =⇒∫ b

a

g(x) dx divergente.

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282 6. Desenvolvimentos Assintoticos

Demonstracao. Repare-se que 1) ⇐⇒ 2); basta portanto mostrarmos 1).E claro que

∫ b

a

f(t) dt convergente ⇐⇒∫ b

b−ǫ

f(t) dt convergente.

Mas, F (x) =

∫ x

b−ǫ

f(t) dt e funcao monotona crescente (porque f e positiva

em [b − ǫ, b[ ) : com efeito, se x1 < x2

F (x2) =

∫ x2

b−ǫ

f(t) dt =

∫ x1

b−ǫ

f(t) dt +

∫ x2

x1

f(t) dt

︸ ︷︷ ︸

≥0

≥ F (x1).

Do mesmo modo, x →∫ x

b−ǫ g(t) dt e crescente; como∫ b

a g(x) dx e conver-gente, tem-se

F (x) =

∫ x

b−ǫ

f(t) dt ≤ A

∫ x

b−ǫ

g(t) dt ≤ A

∫ b

b−ǫ

g(t) dt

e logo, F (x) e crescente e limitada. Portanto

F (x) =

∫ x

b−ǫ

f(t) dt −→x→b−

∫ b

b−ǫ

f(t) dt < +∞

ou seja,∫ b

a f(t) dt e convergente.

Como consequencia do criterio de comparacao resultam os criterioslogarıtmicos, expostos nas proposicoes que seguem.

6.6.2. Proposicao. Seja f : [a, +∞[→ R localmente integravel e positivanuma vizinhanca de +∞. Entao

f(x) ≤ K

xα, α > 1, K > 0 em V (+∞) =⇒

∫ +∞

a

f(t) dt conv .

f(x) ≥ K

xα, α ≤ 1, K > 0 em V (+∞) =⇒

∫ +∞

a

f(t) dt div .

Demonstracao. O resultado sai imediatamente do criterio de com-paracao, tendo presente que

∫ +∞1/xαdx e convergente se α > 1 e di-

vergente se α ≤ 1.

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6. Desenvolvimentos Assintoticos 283

Pode contudo dar-se o caso de uma funcao f , positiva em V (+∞), naoser comparavel com xα no quadro do criterio precedente; por exemplo, em

+∞, a funcao1

x log xnao e O(1/xα) com α > 1 e tambem nao e ≥ K/xα

com α ≤ 1. Isto conduz-nos a um criterio mais refinado:

6.6.3. Proposicao. Nas condicoes da anterior proposicao, tem-se

f(x) ≤ K

x (log x)α , α > 1, em V (+∞) =⇒∫ +∞

a

f(t) dt conv .

f(x) ≥ K

x (log x)α , α ≤ 1, em V (+∞) =⇒∫ +∞

a

f(t) dt div .

Demonstracao. A primitiva de 1/x (log x)α vem dada por

1

−α + 1(log x)

−α+1se α 6= 1 e log (log x) se α = 1.

Entao

∫ +∞

a

dx

x (log x)α =

[1

−α + 1(log x)

−α+1

]+∞

a

, conv., se α > 1.

Se α ≤ 1, como1

x (log x)α ≥ 1

x log x, o integral e divergente, dado que

∫ +∞

a

dx

x log x= [log (log x)]+∞

a diverge.

Analogamente se obtem os correspondentes criterios para o pontoimproprio a = 0 :

6.6.4. Proposicao. Seja f :]0, b] → R localmente integravel e positivanuma vizinhanca de 0. Entao

f(x) ≤ K

xα, α < 1, K > 0, em V (0) =⇒

∫ b

0

f(t) dt conv .

f(x) ≥ K

xα, α ≥ 1, K > 0, em V (0) =⇒

∫ b

0

f(t) dt div .

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284 6. Desenvolvimentos Assintoticos

6.6.5. Proposicao. Nas hipoteses precedentes, tem-se

f(x) ≤ K

x |log x|α , α > 1, em V (0) =⇒∫ b

0

f(t) dt conv .

f(x) ≥ K

x |log x|α , α ≤ 1, em V (0) =⇒∫ b

0

f(t) dt div .

Finalmente, observemos que se f :]a, b] → R e localmente integravel e

tem um ponto improprio em a, o integral

∫ b

a

f(x) dx, reduz-se ao integral

∫ b−a

0

f(y + a) dy, improprio em 0, pela mudanca de variavel x − a = y.

Do mesmo modo, para f : [a, b[→ R, o integral improprio em b reduz-se

ao integral

∫ 0

b−a

f(b− y).(−1) dy =

∫ b−a

0

f(b− y) dy, improprio em 0, pela

mudanca de variavel b − x = y.

Do ponto de vista pratico, a analise da convergencia ou divergenciados integrais improprios pode seguir a seguinte metodologia: seja dadaf : [a, +∞[→ R, localmente integravel e positiva.

Procura-se a parte principal de f : f ∼ c.g (c 6= 0),

g ∈ F+∞, g(x) = xα (log x)β

eP (x),

com P (x) = c1xγ1 + · · ·+ cnxγn , γ1 > · · · > γn > 0, α, β, cj ∈ R. Dado

que f = cg + o(g), e claro que (exercıcio)

∫ +∞

M

f convergente ⇐⇒∫ +∞

M

g convergente.

Agora tem-se:

6.6.6. Proposicao.

a) Se c1 6= 0, entao

∫ +∞

M

g

convergente se c1 < 0

divergente se c1 > 0∀α, β.

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6. Desenvolvimentos Assintoticos 285

b) Se P (x) = 0, entao

∫ +∞

M

g

convergente se α < −1

divergente se α > −1∀β.

c) Se P (x) = 0 e α = −1,

∫ +∞

M

g

convergente se β < −1

divergente se β ≥ −1.

Demonstracao. Trata-se de uma consequencia das propriedades dasfuncoes logarıtmica e exponencial e dos anteriores criterios de comparacao.Veja-se a tıtulo de exemplo o caso c1 < 0. Escrevendo

P (x) = c1xγ1(1 + b2x

γ2−γ1 + · · · + bnxγn−γ1)

com bj =cj

c1, (j = 2, . . . , n), e claro que o fator dentro de parenteses

converge para 1 (x → +∞) e portanto, para c1 < c′1 < 0 vem

g(x) < xα (log x)β ec′1xγ1, x ∈ V (+∞).

E agora imediato ver que

xα (log x)β

ec′1xγ1= o(1/x2)

o que implica, em particular, g = O(1/x2), mostrando-se assim que

∫ +∞

M

g

e convergente (cf. Proposicao. 6.6.2.).

No caso de f :]0, b] → R ter um ponto improprio em 0, procura-se aparte principal de f : f ∼ c.g (c 6= 0),

g ∈ F0, g(x) = xα |log x|β eP (1/x),

com

P

(1

x

)

= c1

(1

x

)γ1

+ · · · + cn

(1

x

)γn

, γ1 > · · · > γn > 0,

e α, β, cj ∈ R. Analogamente ao caso +∞, tem-se agora

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286 6. Desenvolvimentos Assintoticos

6.6.7. Proposicao.

a) Se c1 6= 0, entao

∫ ε

0

g

convergente se c1 < 0

divergente se c1 > 0∀α, β.

b) Se P (x) = 0, entao

∫ ε

0

g

convergente se α > −1

divergente se α < −1∀β.

c) Se P (x) = 0 e α = −1,

∫ ε

0

g

convergente se β < −1

divergente se β ≥ −1.

Nao sendo possıvel determinar a parte principal de f deverao entaousar-se os criterios contidos nas proposicoes de 6.6.1. a 6.6.5..

6.6.8. Exemplos.

1. Analisemos a natureza (convergencia ou divergencia) do integral

∫ +∞

0

√x

ex − 1dx.

Trata-se de um integral improprio em +∞ e 0 e portanto a analise dasua natureza passa desde logo pela decomposicao

∫ +∞

0

=

∫ M

0

+

∫ +∞

M

.

Em 0, ex − 1 = x + o(x); portanto

√x

ex − 1=

√x

x + o(x)= x−1/2 1

1 + o(1)∼ x−1/2

e logo

∫ M

0

√x

ex − 1dx e convergente. Em +∞,

√x

ex − 1∼

√x

ex= x1/2e−x

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6. Desenvolvimentos Assintoticos 287

e

∫ +∞

x1/2e−x dx e convergente; assim,

∫ +∞

0

√x

ex − 1dx e convergente.

2. Veja-se agora o integral

∫ +∞

0

sin2 1

xdx.

O integral e improprio apenas em +∞, ja que a funcao integrandaadmite uma unica descontinuidade em x = 0 e alem disso | sin2(1/x)| ≤1; portanto

∫M

0 sin2(1/x) dx converge (integral definido).

Em +∞,

sin1

x=

1

x+ o

(1

x

)

=⇒ sin2 1

x=

1

x2+ o

(1

x2

)

∼ 1

x2.

Logo

∫ +∞

0

sin2 1

xdx e convergente.

3. Finalmente, vejamos o integral

∫ π

0

1√sin x

dx,

improprio em 0 e π. Em 0 tem-se sinx = x + o(x) e portanto

(sin x)−1/2 = x−1/2 (1 + o(1))−1/2

= x−1/2(1 + o(1)) ∼ x−1/2.

Logo,

∫ 1

0

dx√sin x

converge (cf. (6.6.7.)).

Em π, fazendo a mudanca de variavel π − x = y, vem

∫ π

1

dx√sinx

=

∫ 0

π−1

−1√

sin(π − y)dy =

=

∫ π−1

0

dy√

sin(π − y)=

∫ π−1

0

dy√sin y

o qual, como vimos, e convergente.

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288 6. Desenvolvimentos Assintoticos6.7. Convergen ia de s�eries de termos positivos.O conhecimento dos integrais improprios vai permitir-nos, em parti-

cular, estabelecer um importante criterio de convergencia para as series determos positivos. Recordemos que a nocao de serie de termos positivos

designa uma serie∞∑

n=0

un, em que un ≥ 0 a partir de certa ordem, n ≥ p.

Tenha-se ainda presente o criterio de comparacao para esta classe deseries (cf. (2.2.11.)):

6.7.1. Proposicao. Se∑

un e∑

vn sao series de termos positivos e

un ≤ vn (n ≥ p), entao

∑vn convergente =⇒ ∑

un convergente

∑un divergente =⇒ ∑

vn divergente.

Daqui resulta facilmente a seguinte regra para as series de termospositivos:

Sendo c.g(n), c 6= 0, g ∈ F+∞, a parte principal de n → un em +∞,

un converge se e so se∑

g(n) converge.

Com efeito, se un ∼ c.g(n) em +∞, tem-seun

g(n)−−−−−→n→+∞

c > 0 e portanto,

a partir de certa ordem,

1

2c ≤ un

g(n)≤ 3

2c ou seja

1

2c.g(n) ≤ un ≤ 3

2c.g(n),

e o criterio de comparacao da-nos o resultado.

Consequencia ainda do criterio de comparacao e o seguinte criterio,bastante util na pratica e usualmente designado por criterio da raiz :

6.7.2. Proposicao (Criterio da raiz). Seja∑

un uma serie de termospositivos. Entao

a) lim supn→∞

n√

un < 1 =⇒∑

un convergente

b) lim supn→∞

n√

un > 1 =⇒∑

un divergente.

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6. Desenvolvimentos Assintoticos 289

Demonstracao. Seja lim supn→∞

n√

un = a < 1; tomando a < q < 1, resulta

da definicao de limite superior que, a partir de certa ordem, n > p, se temn√

un < q e logo un < qn. Como∑

qn e convergente (serie geometricade razao q, 0 < q < 1), o criterio de comparacao implica que

∑un e

convergente.Sendo agora lim sup

n→∞

n√

un = a > 1, de novo a caracterizacao de limite

superior garante a existencia de uma subsucessao αn√

uαn → a > 1, e logoexistem infinitos uαn > 1; isto mostra que o termo geral da serie, un, naotende para 0 e portanto

∑un diverge.

Observacao. O raciocınio utilizado na anterior proposicao permiteconcluir mais geralmente que, se para alguma subsucessao

αn√

uαn ≥ 1, entao∑

un diverge.

6.7.3. Teorema (Criterio do integral ). Seja f : [1, +∞[→ Ruma funcao positiva, decrescente e tal que lim

x→+∞f(x) = 0. Escreva-

-se

Sn =

n∑

k=0

f(k), Tn =

∫ n

1

f(x) dx, Dn = Sn − Tn.

Entao

a) limDn = D existe e e finito.

b) A serie∑

f(n) converge se e so se

∫ ∞

1

f(x) dx e convergente.

c) Tem-se o seguinte desenvolvimento

n∑

k=0

f(k) =

∫ n

1

f(x) dx + D + O(f(n)). (1)

Demonstracao. Comecemos por mostrar que Dn e uma sucessao decres-cente e limitada. Com efeito

Dn+1 − Dn = Sn+1 − Sn − (Tn+1 − Tn) =

f(n + 1) −∫ n+1

n

f(x) dx ≤ f(n + 1) −∫ n+1

n

f(n + 1) dx = 0(2)

Por outro lado

Tn+1 =

∫ n+1

1

f(x) dx =

n∑

k=1

∫ k+1

k

f(x) dx ≤

≤n∑

k=1

∫ k+1

k

f(k) dx =

n∑

k=1

f(k) = Sn

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290 6. Desenvolvimentos Assintoticos

e logo Dn+1 = Sn+1 − Tn+1 ≥ Sn+1 − Sn = f(n + 1), donde

0 < f(n + 1) ≤ Dn+1 ≤ Dn ≤ D1 = f(1).

Isto mostra a), e b) e consequencia imediata. Retomando (2), vem agora

0 ≤ Dn − Dn+1 ≤∫ n+1

n

f(n) dx − f(n + 1) = f(n) − f(n + 1)

e logoDn − Dn+p ≤ f(n) − f(n + p);

passando ao limite, p → ∞, vem finalmente

0 ≤ Dn − D ≤ f(n), n = 1, 2, . . .

Corolario. A serie∑ 1

nαe convergente se α > 1 e divergente se α ≤ 1.

Observacao. Dado que f(n) → 0 e supondo a serie convergente (e

portanto∫ +∞

1 f convergente), tem-se

∞∑

k=1

f(k) =

∫ ∞

1

f(x) dx + D

e logo∞∑

k=n+1

f(k) =

∫ ∞

n

f(x) dx + O(f(n)). (3)

6.7.4. Exemplo. Tomemos a funcao f(x) =1

x. A formula (1) da-nos

n∑

k=1

1

k= log n + D + O

(1

n

)

. (1′)

Veja-se agora como e possıvel melhorar (neste caso) a anterior expressaoe obter um desenvolvimento assintotico com precisao o(1/n). Com efeito,escreva-se

wn =1

n− (log n − log(n − 1)), n ≥ 2, w1 = 1.

Entaon∑

k=1

wk =

n∑

k=1

1

k− log n

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6. Desenvolvimentos Assintoticos 291

e em particular

∞∑

k=1

wn = D (cf. (1′)). Logo

n∑

k=1

1

k− log n =

n∑

k=1

wk =

∞∑

k=1

wk −∞∑

k=n+1

wk = D −∞∑

k=n+1

wk. (4)

Mas, desenvolvendo wn, obtemos

wn =1

n+ log

(

1 − 1

n

)

∼ − 1

2n2;

usando (3) e o exercıcio 5., vem

−∞∑

k=n+1

wk ∼∞∑

k=n+1

1

2k2=

∫ ∞

n

1

2x2dx + O

(1

n2

)

=

=1

2n+ o

(1

n

)

∼ 1

2n.

Logo, resulta de (4)

n∑

k=1

1

k= log n + D +

1

2n+ o

(1

n

)

,

que nao e mais do que o desenvolvimento assintotico de

n∑

k=1

1

kem +∞. A

constante D designa-se por constante de Euler:

D = limn→∞

(n∑

k=1

1

k− log n

)

= 0.577215 . . . .

A terminar apresentamos um criterio que faz intervir o comportamento

da razaoun+1

une que e usado com sucesso em certo tipo de series de termos

positivos.

6.7.5. Proposicao (Criterio de Raabe). Seja∑

un uma serie determos positivos. Entao,

a)un+1

un≤ 1 − α

ncom α > 1, (n ≥ p) =⇒∑

un convergente.

b)un+1

un≥ 1 − 1

n(n ≥ p) =⇒

un divergente.

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292 6. Desenvolvimentos Assintoticos

Demonstracao. Para α > 1, multiplicando membro a membro as

desigualdadesun+1

un≤ 1 − α

npara n ≥ p, obtemos

un+1 ≤ up

n∏

k=p

(

1 − α

k

)

= vn.

Como

log(

1 − α

k

)

= −α

k− α2

2k2+ o

(1

k2

)

≤ −α

k− α2

4k2, para k grande,

resulta que (cf. (6.7.4.))

log vn = −α log n + C + O

(1

n

)

(C constante).

Daqui sai, vn ∼ eC 1

nα, donde

∑vn, e portanto

∑un, e convergente.

Seun+1

un≥ 1 − 1

n=

n − 1

n(n ≥ p), a multiplicacao membro a membro

das precedentes desigualdades, da-nos un+1 ≥ K/n, (n ≥ p), e logo∑

un

diverge.

Corolario 1 (Raabe). Seja∑

un uma serie de termos positivos, tal que

un+1

un= 1 − α

n+ o

(1

n

)

.

Entao∑

un converge se α > 1 e diverge se α < 1.

Demonstracao. Se α > 1, tomemos α > α > 1; entao

un+1

un= 1 − α

n−(

α − α

n+ o

(1

n

))

< 1 − α

n

a partir de certa ordem n ≥ p, e o teorema aplica-se. Sendo α < 1, tem-seagora

un+1

un= 1 − 1

n+

(1 − α

n+ o

(1

n

))

≥ 1 − 1

n

a partir de certa ordem, e de novo o teorema da-nos a conclusao.

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6. Desenvolvimentos Assintoticos 293

Corolario 2. Seja∑

un uma serie de termos positivos e tal que

un+1

un= 1 − α

n+ o

(1

n

)

. (5)

Entao se α > 0, a serie alternada∑

(−1)nun e convergente.

Demonstracao. Bastara mostrar que un tende para zero e e decrescente.De (5) resulta logo que

un+1

un< 1

para n ≥ p e portanto a partir de certa ordem, un e decrescente. Por outrolado, fazendo α > α > 0, sai ainda de (5)

log uk+1 − log uk = log

(

1 − α

k+ o

(1

k

))

= −α

k+ o

(1

k

)

≤ − α

k, k ≥ p, (porque?)

Somando de k = p a n, obtemos a esquerda log un+1 − log up e a direita

−α

n∑

k=p

1

k, que diverge para −∞, dado que α > 0. Logo, lim log un = −∞

e portanto un → 0, como se queria.

Corolario 3 (Criterio de d’Alembert (*) ). Seja∑

un uma serie determos positivos. Entao

a) lim supn→∞

un+1

un< 1 =⇒

un convergente.

b) lim infn→∞

un+1

un> 1 =⇒ un nao converge para 0 =⇒

un div.

Observacao. A parte b) do corolario precedente pode ser refinada; assim,

se a partir de certa ordem, n ≥ p,un+1

un≥ 1 entao

∑un diverge.

Com efeito

un+1

un≥ 1, n ≥ p, =⇒ un+1

up≥ 1 =⇒ un+1 ≥ up

o que mostra que un nao converge para 0, e portanto∑

un diverge.

(*) Este criterio e tambem usualmente designado por criterio da razao.

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294 6. Desenvolvimentos Assintoticos

6.7.6. Exemplos.

1. Consideremos a serie de termos positivos

log

(n + 1

n − 1

)

.

Procurando a parte principal do termo geral da serie, obtemos

log

(n + 1

n − 1

)

= log

((n − 1) + 2

n − 1

)

= log

(

1 +2

n − 1

)

=

=2

n − 1+ o

(1

n − 1

)

.

Entao

log

(n + 1

n − 1

)

∼ 2

n − 1∼ 2

n

e logo∑

log

(n + 1

n − 1

)

e divergente.

2. Tomemos a serie∑

n≥1

knn!

nn, k ∈ R. Considerando a serie dos modulos

n≥1

|k|nn!

nn=∑

n≥1

|un|

e dado que nao e simples obter a parte principal de |un|, apliquemoso criterio de d’Alembert:

|un+1||un|

=|k|n+1(n + 1)!

(n + 1)n+1.

nn

|k|nn!=

|k|(1 + 1/n)

n −→ |k|e

.

Entao, se |k| > e a serie diverge (note-se que |un| nao converge parazero sse un nao converge para zero). Se |k| < e, a serie e absolutamenteconvergente e logo convergente. Resta ver os casos k = ±e. Emqualquer dos casos, tem-se

|un+1||un|

=e

(1 + 1/n)n ≥ 1

(recordemos que (1 + 1/n)n

e crescente para e) pelo que |un| e portantoun nao converge para zero; em conclusao a serie e absolutamenteconvergente se |k| < e e divergente se |k| ≥ e.

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6. Desenvolvimentos Assintoticos 295

3. Consideremos a serie

1 + αx +α(α − 1)

2!x2 + · · · +

(αn

)

xn + · · · , α, x ∈ R

com

(αn

)

=α(α − 1) · · · (α − n + 1)

n!. Esta serie e usualmente desig-

nada por serie do binomio; mais tarde teremos ocasiao de a analisar.Por agora interessa-nos saber o que se passa para x = ±1, ou seja,qual a natureza das series

A)∑

n≥0

(αn

)

, B)∑

n≥0

(−1)n

(αn

)

.

E claro que para n > α+1, o termo

(αn

)

e alternadamente positivo e

negativo e portanto, a serie A) tem a natureza da serie alternada,∑

(−1)nun, e a serie B) e da mesma natureza da serie de termos

positivos∑

un, com un =

∣∣∣∣

(αn

)∣∣∣∣. Como

un+1

un=

∣∣∣∣

α − n

n + 1

∣∣∣∣= 1 − 1 + α

n + 1= 1 − 1 + α

n+ o

(1

n

)

resulta que a serie B) e convergente se 1 + α > 1, (cf. (6.7.5.), Cor.1.)e a serie A), alternada, converge se 1 + α > 0 (cf. (6.7.5.), Cor.2.).

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296 6. Desenvolvimentos Assintoticos

Exercıcios

1. Mostre as seguintes propriedades algebricas das relacoes de com-paracao:

a) f = O(g) e g = O(h) =⇒ f = O(h) em x+0 ;

b) f = o(g) e g = O(h) =⇒ f = o(h) em x+0 ;

c) o(f) + o(f) = o(f) em x+0 .

d) o(f1).O(f2) = o(f1.f2) em x+0 .

2. Seja g > 0 em [x0, x0 + ε[.

a) Mostre, com um exemplo, que em x+0 ,

f = O(g) nao implica ef = O(eg)

Do mesmo modo, f ∼ g nao implica ef ∼ eg.

b) Se limx→x+

0

g(x) = +∞, mostre que

f = o(g) =⇒ ef = o(eδg), ∀δ > 0.

De um contra-exemplo em que a implicacao nao se verifica, nocaso em que g e limitada em [x0, x0 + ε[.

b) Se limx→x+

0

g(x) = +∞, mostre que

f ∼ c.g, c 6= 0, =⇒ log |f | ∼ log g.

Mostre que f = o(g) nao implica log |f | = o (log g).

3. Sejam f e g funcoes localmente integraveis em [x0, x0+ǫ[, com x0 ∈ R,e suponha-se que g(x) > 0 em [x0, x0 + ǫ[. Mostre que

f = o(g) em x+0 =⇒

∫ x

x0

f(t) dt = o

(∫ x

x0

g(t) dt

)

.

Utilize este resultado para obter um desenvolvimento a tres termos dasfuncoes arcsinx, arccosx e arctanx em 0.

Sug: Obtenha um desenvolvimento da derivada de cada uma dasfuncoes.

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6. Desenvolvimentos Assintoticos 297

4. Sejam f e g funcoes localmente somaveis em [a, +∞[ e suponha-seg > 0 neste intervalo.

a) Se∫ +∞

af = +∞, entao em V (+∞) tem-se

i) f = o(g) =⇒∫ x

a

f = o

(∫ x

a

g

)

,

ii) f ∼ g =⇒∫ x

a

f ∼∫ x

a

g.

b) Sendo∫ +∞

a f convergente, entao em V (+∞) tem-se

i) f = o(g) =⇒∫ +∞

x

f = o

(∫ +∞

x

g

)

,

ii) f ∼ g =⇒∫ +∞

x

f ∼∫ +∞

x

g.

5. Correspondente resultado para as series. Sejam un e vn os termosgerais de duas series e vn > 0.

a) Se∑

vn diverge, entao

i) un = o(vn) =⇒n∑

k=1

uk = o

(n∑

k=1

vk

)

;

ii) un ∼ vn =⇒n∑

k=1

uk ∼n∑

k=1

vk.

b) Se∑

vn converge, entao

i) un = o(vn) =⇒∞∑

k=n

uk = o

(∞∑

k=n

vk

)

;

ii) un ∼ vn =⇒∞∑

k=n

uk ∼∞∑

k=n

vk.

6. Obtenha um desenvolvimento a tres termos das seguintes funcoes, nospontos considerados:

a)√

x em x0 = 1 ; b) sin(x + 1). sin(x + 2) em x0 = −1 ;

c) log 3√

7x − 2 em x0 = 1 ; d) tan (sinh 3x) em x0 = 0.

7. Obtenha um desenvolvimento assintotico a tres termos da funcao

f(x) = xx1/x

, em + ∞.

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298 6. Desenvolvimentos Assintoticos

8. Obtenha o desenvolvimento assintotico de Mac-Laurin com precisaoo(x3) das seguintes funcoes:

a)√

1 + 2x − x2 −√

1 − 3x + x3 ; b) 3√

1 − 3x cos 2x ;

c) arctan (sinx) ; d)x

ex − 1.

9. Determine os seguintes limites:

a) limx→0

√1 + 2 tanx − ex + x2

arcsinx − sin x. (sol: 2)

b) limx→0

earctan x − 1

1 − x+

x2

2

log

(1 + x

1 − x

)

− 2x

. (sol: −7/4)

c) limx→2

(√3 − x + log (x/2)

) 1sin2(x−2) . (sol: e−1/4)

d) limx→0

log (1 + x) +1

2sinhx2 − x

√1 + tanx −

√1 + sinx

. (sol: 4/3)

e) limx→1

(√x − 1

2log x

) 1cos2 x sin2(1−x)

. (sol: e1

8 cos2 1 )

f) limx→+∞

(5√

x5 + x4 − 5√

x5 − x4)

. (sol: 2/5)

g) limx→π

2−

[(π

2− x)

tan x]tan x

. (sol: 1)

10. Estude a convergencia dos seguintes integrais:

a)

∫ +∞

0

x2

x4 + 1dx ; b)

∫ +∞

0

x10e−x/100dx ;

c)

∫ +∞

0

sin2 x

x2dx; d)

∫ +∞

0

x log x

1 + x2dx.

11. Para que valores de s e t e convergente o integral

∫ +∞

0

xs−1

1 + xtdx?

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6. Desenvolvimentos Assintoticos 299

12. Estude a natureza dos seguintes integrais improprios:

a)

∫ A

a

dx√

(x − a) (A − x)(0 < a < A);

b)

∫ A

a

dx√x2 − a2

(0 < a < A) ;

c)

∫ A

a

dx

(xn − an)(n−1)/n(n > 1, 0 < a < A).

13. Mostre, integrando por partes, que o integral

∫ +∞

0

t sin t

1 + t2dt

e convergente.

(Constate que se trata de um integral de Dirichlet convergente).

14. Estude a natureza do integral

∫ π/2

0

log (sin x) dx.

15. Prove que, se∑

an e∑

bn sao duas series convergentes de termos

positivos, entao∑√

anbn e convergente.

16. Seja∑

an uma serie de termos positivos convergente. Mostre que

a)∑

akn e convergente, ∀k ∈ N;

b)∑ n + 1

nan e convergente.

17. Seja∑

an uma serie de termos positivos convergente. Mostre que

∑√

an

npconverge se p > 1/2.

De um contra-exemplo para p = 1/2.

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300 6. Desenvolvimentos Assintoticos

18. Estude a natureza das seguintes series:

a)∑ 1

3n√

n; b)

∑ 2 +√

n

2n2 + n; c)

(−1)n 3n + 1

n(n + 1);

d)∑ 2 + n2

2n; e)

∑(

n + 1

n

)n2

; f)∑

(3n + 4

3n2

)n

;

g)∑ 1 +

√2 + · · · + √

n

n2 + 1; h)

∑[

sin(π

2+ nπ

)]n

.

19. Mostre que as series

∞∑

n=2

log (n + 1) − log n

(log n)2,

n≥1

(

1 − 1√n

)n

.

sao convergentes.

20. Diga para que valores de a, b ∈ R, a serie

n≥1

log n + a log (n + 1) + b log (n + 2)

e convergente.

21. Seja∑

an uma serie de termos positivos. Mostre que, se o conjuntodos termos da sucessao n

√an tiver um ponto de acumulacao maior do

que 1, a serie∑

an diverge.

22. Estude a natureza das seguintes series:

a)∑ 1 . 3 . · · · . (2n + 1)

4 . 8 . · · · . (4n + 4);

b)∑

(3

3 + sin (nπ/2)

)n

;

c)∑

an com an =

1

nnse n par

n2n

(1 − 3n)2nse n ımpar

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6. Desenvolvimentos Assintoticos 301

23. Sejam p, q ∈ N, p > q e consideremos

xn =

pn∑

k=qn+1

1

k, Sn =

n∑

k=1

(−1)k+1

k.

a) Use o teorema 6.7.3. para mostrar que lim xn = log (p/q).

b) Fazendo q=1 e p = 2, mostre (por inducao) que S2n = xn.Conclua que

∞∑

n=1

(−1)n+1

n= log 2.

24. Utilize o teorema 6.7.3. para mostrar

n∑

k=1

1

k log k= log log n + A + O

(1

n log n

)

.

Melhore o anterior resultado e obtenha um desenvolvimento comprecisao o (1/(n log n)).

25. No espırito do precedente exercıcio, mostre agora que

n∑

k=1

1

ks=

n1−s − 1

1 − s+ ζ(s) +

1

2ns+ o

(1

ns

)

, s ∈ R \ {1}.

A aplicacao

s > 1 −→ ζ(s) = limn→∞

(n∑

k=1

1

ks− n1−s − 1

1 − s

)

diz-se a funcao zeta de Riemann.

26. Diga para que valores reais de x a serie

∞∑

n=1

(

1 +1

2+ · · · + 1

n

)sin nx

n

e convergente.

27. Demonstre que o produto de Cauchy da serie∞∑

n=0

(−1)n+1

n + 1por si

propria, e a serie

∞∑

n=1

(−1)n+1

n + 1

(

1 +1

2+ · · · + 1

n

)

.

Mostre que esta e uma serie convergente.

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302 6. Desenvolvimentos Assintoticos

28. Mostre o seguinte criterio de Raabe generalizado:

Se∑

un e uma serie de termos positivos, entao

a)un+1

un≤ 1 − 1

n− α

n log n, α > 1, (n ≥ p) =⇒

un conv.

b)un+1

un≥ 1 − 1

n− 1

n log n(n ≥ p) =⇒

un div.

Sug. Utilize a demonstracao do criterio de Raabe e o exerc. 24.

29.a) Seja

∑un uma serie de termos positivos tal que

un+1

un=

nm + pnm−1 + · · ·nm + qnm−1 + · · · (m ≥ 1)

Use os criterios de Raabe para mostrar que∑

un converge se e sose q − p > 1.

b) Aplique o resultado a analise completa da natureza das series

A)∑

n≥0

(αn

)

,

B) 1 +α

1

β

γ+

α(α + 1)

1.2

β(β + 1)

γ(γ + 1)+ · · · α, β, γ ∈ R

(serie hipergeometrica)

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7. Sucessoes e Series de Funcoes 303

7Su ess~oes e S�eries de Fun� ~oes

7.1. Convergen ia pontual e uniforme.Consideremos uma sucessao de funcoes, (fn), fn : D → R, D ⊂ R.

7.1.1. Definicao. Diz-se que a sucessao de funcoes (fn) converge emx ∈ D, se a sucessao numerica (fn(x)) e convergente. Diz-se que a sucessaode funcoes (fn) converge pontualmente em D, se (fn(x)) converge paratodo x ∈ D; neste caso, a funcao f : D → R, f(x) = lim

n→∞fn(x), diz-se a

funcao limite e escreve-se limn→∞

fn = f .

7.1.2. Exemplos.

-4 -2 2 4

-4

-2

2

4

1. Considere-se a sucessao de funcoes

fn : R → R, fn(x) =x

n.

E claro que fn −→n→∞

f ≡ 0

pontualmente em R.

Figura 7.1

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304 7. Sucessoes e Series de Funcoes

2.

0.2 0.4 0.6 0.8 1

0.2

0.4

0.6

0.8

1

Tomemos agora a sucessao

fn : [0, 1] → R, fn(x) = xn.

Neste caso, o limite pontual ea funcao :

f(x) =

{0 se x ∈ [0, 1[1 se x = 1.

Figura 7.2

Repare-se que, embora as funcoes fn sejam contınuas em [0, 1], a funcaolimite, f , e descontınua em x = 1. Adiante, analisaremos mais emprofundidade este ponto.

3. Para a sucessao de funcoes, fn(x) = 2nx (1 − x)n, x ∈ [0, 1],

−0.2 0.2 0.4 0.6 0.8 1

−0.2

0.2

0.4

0.6

0.8

Figura 7.3

sem dificuldade se ve que a funcao limite e a funcao nula, f ≡ 0;notemos que o maximo de cada uma das funcoes fn e tomado em

xn =1

n + 1e o seu valor,

fn

(1

n + 1

)

=2n

n + 1

(n

n + 1

)n

−→ 2

e.

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7. Sucessoes e Series de Funcoes 305

7.1.3. Definicao. Dada uma sucessao de funcoes un :D → R, (un)n∈N0,

chama-se serie de funcoes de termo geral un ao par ((un), (Sn)), em que

Sn = u0 + · · · + un

representa a sucessao de funcoes das somas parciais. Tal como para as

series numericas, a serie de funcoes e representada por∞∑

n=0

un,∞∑

n=1

un ou

simplesmente∑

un.

Diz-se que a serie de funcoes,∑

un, converge no ponto x ∈ D se a serie

numerica∑

un(x) for convergente; senao, diz-se divergente. Diz-se que

a serie de funcoes,∑

un, converge pontualmente em D se∑

un(x) for

convergente ∀x ∈ D; neste caso, fica definida a funcao soma

u : D −→ R, u(x) =∑

un(x), x ∈ D.

Enfim, diz-se que∑

un converge absolutamente em D se∑

un(x) con-

vergir absolutamente, ∀x ∈ D.

7.1.4. Exemplos.

1. A conhecida serie geometrica

n≥0

xn ≡ 1 + x + x2 + · · · + xn + · · · , x ∈] − 1, 1[,

e uma serie de funcoes convergindo pontualmente e absolutamente em

] − 1, 1[ para u(x) =1

1 − x.

2. A serie de funcoes∑

n≥1

sin (nx)

n2

converge absolutamente em R, dado que

∣∣∣∣

sin (nx)

n2

∣∣∣∣≤ 1

n2, ∀x ∈ R (cf.(6.7.1.)).

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306 7. Sucessoes e Series de Funcoes

7.1.5. Convergencia uniforme.

Foi ja notado (cf. (7.1.2.)) que a convergencia pontual de uma sucessaode funcoes nao conserva a continuidade, isto e, se (fn) e uma sucessaode funcoes contınuas em D convergindo (pontualmente) para f , esta naoe necessariamente contınua em D. Mais adiante veremos tambem que,se (fn) e uma sucessao de funcoes integraveis num intervalo [a, b], afuncao limite pontual, f : [a, b] → R, nao e forcosamente integravel e

se o for nao se tem necessariamente: lim∫ b

a fn(x) dx =∫ b

a f(x) dx. Aconvergencia pontual e pois uma nocao “fraca” de convergencia que naogarante a conservacao na passagem ao limite (n → ∞) de um certonumero de importantes propriedades topologicas e analıticas (continuidade,integabilidade, etc); isto leva-nos a introduzir o conceito de convergencia

uniforme, caso particular (e por consequencia, nocao “mais forte”) deconvergencia pontual.

Seja (fn) uma sucessao de funcoes fn : D → R convergindo pontual-mente para f : D → R. Entao, fn(x) −→

n→∞f(x), para cada x ∈ D, e

logo∀δ > 0, ∃N : n > N =⇒ |fn(x) − f(x)| < δ

em que N = N(δ, x) e um numero que depende de δ (o que e natural)mas tambem de x ∈ D. Se for possıvel encontrar uma ordem N ∈ Nindependente de x, tal que n > N =⇒ |fn(x) − f(x)| < δ, entao aconvergencia de (fn) dir-se-a uniforme. Mais precisamente:

7.1.6. Definicao. Diz-se que a sucessao de funcoes (fn) converge

uniformemente em D para f , se

∀δ > 0, ∃N : n > N =⇒ |fn(x) − f(x)| < δ, ∀x ∈ D,

ou seja

∀δ > 0, ∃N : n > N =⇒ supx∈D

|fn(x) − f(x)| < δ.

Logo, fn −→n→∞

f uniformemente em D, se e so se

limn→∞

supx∈D

|fn(x) − f(x)| = 0.

A figura seguinte representa geometricamente a nocao de convergenciauniforme. Se fn → f uniformemente, a partir de certa ordem, n > N ,o grafico de fn ficara situado na banda compreendida entre os graficos def(x) − δ e f(x) + δ.

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7. Sucessoes e Series de Funcoes 307

f x ( )

f x ( ) n

f x ( ) + δ

f x ( ) δ -

Figura 7.4

7.1.7. Exemplos.

1. Retomemos o exemplo, fn(x) = xn, x ∈ [0, 1]; vimos ja que, pontual-mente,

fn(x) −→ f(x), f(x) =

{0 se x ∈ [0, 1[1 se x = 1.

Tem-se, para todo n ∈ N

supx∈[0,1]

|fn(x) − f(x)| = supx∈[0,1[

xn = 1,

que claramente nao converge para 0 (n → ∞); a convergencia fn → fnao e uniforme.

2. Se as funcoes, fn(x) = xn, sao definidas em [0, a] com 0 < a < 1, asucessao de funcoes fn sera aı uniformemente convergente, dado que

supx∈[0,a]

|fn(x) − f(x)| = supx∈[0,a]

xn = an −→ 0.

3. Consideremos agora

fn(x) = x +x

n, x ∈ [0, 1].

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308 7. Sucessoes e Series de Funcoes

E claro que pontualmente, fn −→n→∞

f, f(x) = x; como

supx∈[0,1]

|fn(x) − f(x)| = supx∈[0,1]

∣∣∣x

n

∣∣∣ =

1

n−→

n→∞0,

a convergencia e uniforme.

4. Finalmente, vejamos o que se passa com o exemplo atras apresentado(cf.(7.1.2.),(3.))

fn : [0, 1] −→ R, fn(x) = 2nx (1 − x)n.

A funcao limite pontual e a funcao nula e, como fora assinalado,

supx∈[0,1]

|fn(x) − f(x)| = maxx∈[0,1]

fn(x) =

= fn

(1

n + 1

)

= 2n1

n + 1

(n

n + 1

)n

−→ 2

e,

o que mostra que a convergencia nao e uniforme.

O resultado seguinte estabelece uma condicao necessaria e suficiente deconvergencia uniforme para as sucessoes de funcoes (condicao de Cauchy

para a convergencia uniforme).

7.1.8. Proposicao. A sucessao de funcoes fn : D → R convergeuniformemente em D se e so se

∀δ > 0, ∃N : n, m > N =⇒ supx∈D

|fn(x) − fm(x)| < δ. (1)

Demonstracao. Condicao necessaria : fn → f uniformemente em D.Entao

∀δ > 0, ∃N : n > N =⇒ supx∈D

|fn(x) − f(x)| < δ/2

e logo

n, m > N =⇒ supx∈D

|fn(x) − fm(x)| ≤

≤ supx∈D

|fn(x) − f(x)| + supx∈D

|f(x) − fm(x)| < δ/2 + δ/2 = δ.

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7. Sucessoes e Series de Funcoes 309

Condicao suficiente : a sucessao de funcoes (fn) satisfaz (1). Daqui resultaque, para todo x ∈ D, a sucessao (fn(x)) e uma sucessao de Cauchy eportanto existe lim

n→∞fn(x) = f(x). Por outro lado, dado δ > 0 qualquer,

tem-se por (1) que

|fn(x) − fm(x)| < δ, ∀x ∈ D, n, m > N ;

fixando n > N e passando ao limite m → ∞, tem-se

|fn(x) − f(x)| = limm→∞

|fn(x) − fm(x)| ≤ δ, ∀x ∈ D, n > N,

o que mostra que a convergencia e uniforme.

As nocoes atras apresentadas sobre a convergencia uniforme desucessoes de funcoes estendem-se naturalmente as series de funcoes.

7.1.9. Definicao. Diz-se que a serie de funcoes∑

un converge uniforme-mente em D, se a sucessao das somas parciais, Sn = u0+· · ·+un, convergeuniformemente em D.

Da precedente proposicao resulta que∑

un e uniformemete conver-gente se e so se

∀δ > 0, ∃N : n > N =⇒

| Sn+k(x) − Sn(x) |=| un+1(x) + · · · + un+k(x) |< δ,

∀x ∈ D, ∀k ∈ N.

7.1.10. Teorema (Criterio de Weierstrass para a convergen-

cia uniforme). Seja∑

un, un : D → R, uma serie de funcoes; suponha-se que a partir de certa ordem, n ≥ p, se tem

|un(x)| ≤ an, ∀x ∈ D.

Se a serie de termos positivos∑

an for convergente, entao∑

un e uni-formemente convergente em D.

Demonstracao. Seja An = a0 + · · · + an a sucessao das somas parciaisde∑

an e Sn = u0 + · · · + un a sucessao das somas parciais da serie defuncoes

∑un. Vimos que (Sn) converge uniformemente sse

∀δ > 0, ∃N : n > N =⇒|Sn+k(x) − Sn(x)| < δ, ∀x ∈ D, ∀k ∈ N.

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310 7. Sucessoes e Series de Funcoes

Mas, (podemos evidentemente escolher N ≥ p)

|Sn+k(x) − Sn(x)| = |un+1(x) + · · · + un+k(x)| ≤≤ |un+1(x)| · · · + |un+k(x)| ≤≤ an+1 + · · · + an+k = An+k − An.

Como∑

an e convergente, vem|An+k −An| < δ se n > N e ∀k ∈ N, o queconclui a demonstracao.

As series de Dirichlet,∑

sin (nx)/n e∑

cos (nx)/n, convergem uni-formemente em R. Isto e consequencia imediata do resultado seguinte, quenao e mais do que uma extensao, aplicada agora a convergencia uniforme,do teorema 2.2.16.. Deixamos ao leitor o cuidado da demonstracao, similara do teorema 2.2.16..

7.1.11. Proposicao (Abel, Dirichlet). Seja∑

un uma serie de funcoesdefinidas em D ⊂ R e cuja sucessao das somas parciais, Sn = u0+ · · ·+un,e uniformemente limitada, i.e., |Sn(x)| ≤ M, ∀x ∈ D. Seja vn umasucessao de funcoes tal que vn+1(x) ≤ vn(x), ∀x ∈ D, ∀n, e convergindouniformemente para 0 em D. Entao,

∑unvn e uniformemente convergente

em D.7.2. S�eries de poten ias.Designam-se por series de potencias, as series de funcoes

an(x − x0)n, an ∈ R, x0 ∈ R.

Faremos o estudo para∑

anxn (x0 = 0), transferindo em seguida osresultados para o caso geral,

∑an(x − x0)

n, por uma simples mudancade variavel: y = x − x0.

Consideremos entao a serie de potencias

n≥0

anxn ≡ a0 + a1x + a2x2 + · · · .

Aplicando o criterio da raiz a∑ |anxn|, vem (cf. (6.7.2.))

lim n

|anxn| = |x| lim n

|an| < 1 =⇒ ∑anxn abs. conv.,

lim n

|anxn| = |x| lim n

|an| > 1 =⇒ ∑anxn divergente.

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7. Sucessoes e Series de Funcoes 311

Escrevendo

R =1

lim n

|an|,

R = +∞ se lim n

|an| = 0

R = 0 se lim n

|an| = +∞

podemos concluir :

7.2.1. Teorema. Para a serie de potencias∑

an(x − x0)n, tem-se:

∑an(x − x0)

n e abs. conv. se x ∈]x0 − R, x0 + R[,

∑an(x − x0)

n e divergente se x ∈ R \ [x0 − R, x0 + R].

Nos pontos x = x0 ± R, so o estudo direto da serie permite concluir daconvergencia ou divergencia. R diz-se o raio de convergencia da seriede potencias e o intervalo ]x0 − R, x0 + R[ designa-se por intervalo deconvergencia.

Dado que lim

∣∣∣∣

an+1

an

∣∣∣∣= lim n

|an|, se existir o primeiro limite, entao

R = limn→∞

∣∣∣∣

an

an+1

∣∣∣∣, caso exista este limite.

Convergencia uniforme nas series de potencias.

Utilizando o criterio de Weierstrass, facilmente vemos que∑

anxn con-verge uniformemente em [α, β] se

∑anxn for absolutamente convergente

em α e em β; com efeito, se x ∈ [α, β],

|anxn| ≤ |an| (|α|n + |β|n)

e portanto a serie de potencias∑

anxn e uniformemente convergente emtodo o intervalo compacto [α, β] contido no intervalo de convergenciaabsoluta, ]−R, R[. Este resultado sera, todavia, melhorado por um teoremadevido a Abel. Mostremos entretanto a seguinte

7.2.2. Proposicao. Seja fn : D → R uma sucessao de funcoesconvergindo uniformemente para f : D → R. Se ϕ : E → R e tal queϕ(E) ⊂ D, entao fn ◦ ϕ : E → R converge uniformemente (em E) paraf ◦ ϕ.Do mesmo modo, se

∑fn e uniformemente convergente em D, entao

∑fn◦ϕ e uniformemente convergente em E.

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312 7. Sucessoes e Series de Funcoes

Demonstracao. Se fn → f uniformemente em D, tem-se

∀δ > 0, ∃N : n > N =⇒ |fn(x) − f(x)| < δ, ∀x ∈ D,

e logo

|fn(ϕ(t)) − f(ϕ(t))| < δ, ∀t ∈ E.

Portanto, fn ◦ ϕ → f ◦ ϕ uniformemente em E.

7.2.3. Teorema de Abel. Se a serie de potencias∑

anxn convergenos extremos de um intervalo [α, β] (mesmo simplesmente), entao convergeuniformemente em [α, β].

Demonstracao. Suponha-se α < β; observemos desde logo que o intervalo[α, β] esta contido no intervalo [0, β] ou [α, 0], ou entao [α, β] = [α, 0]∪ [0, β](se α < 0 < β). Basta portanto fazer a demonstracao do teorema para[α, β] = [0, ρ] (ρ > 0) ja que,

∑anxn e uniformememte convergente em

[−ρ, 0] sse∑

(−1)nantn e uniformemente convergente em [0, ρ] (faca-se amudanca de variavel x = −t e aplique-se a proposicao anterior). Enfim,podemos ainda reduzir a demonstracao no intervalo [0, ρ] ao intervalo [0, 1],considerando a mudanca de variavel t = x/ρ e aplicando de novo a anteriorproposicao.

Admita-se pois que∑

anxn e convergente para x = 1, isto e,∑

an e umaserie convergente. Sejam Sn(x) as somas parciais de

∑anxn e Sn(1) as

somas parciais de∑

an. Da hipotese, resulta que

∀δ > 0, ∃N : n > N =⇒|Sn+k(1) − Sn(1)| = |an+1 + · · · + an+k| < δ, ∀k ∈ N.

Como x ∈ [0, 1], xn decresce: xn+1 ≥ xn+2 ≥ · · · ≥ xn+k, e o mesmoraciocınio algebrico usado em 2.2.16., da-nos agora

∣∣an+1x

n+1 + an+2xn+2 + · · · + an+kxn+k

∣∣ < δxn+1 ≤ δ,

ou seja

∀δ > 0, ∃N : n > N =⇒|Sn+k(x) − Sn(x)| < δ, ∀x ∈ [0, 1], ∀k ∈ N.

Logo (cf. (7.1.9.)),∑

anxn converge uniformemente em [0, 1].

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7. Sucessoes e Series de Funcoes 313

7.2.4. Exemplos.

1. Considere-se a serie de potencias,∑

n≥1

xn

n. Tem-se

R = limn→∞

∣∣∣∣

an

an+1

∣∣∣∣= lim

n→∞

∣∣∣∣

n + 1

n

∣∣∣∣= 1

e logo, a serie converge absolutamente se x ∈]−1, 1[ e diverge se |x| > 1.Resta-nos os pontos x = ±1. Se x = 1, obtemos a serie harmonica,∑ 1

n, que e divergente; para x = −1, obtem-se a serie alternada,

∑ (−1)n

n, serie simplesmente convergente. Em conclusao:

se x ∈] − 1, 1[, a serie e absolutamente convergente;

se x = −1, a serie e simplesmente convergente;

se x ∈] −∞,−1[∪[1, +∞[, a serie e divergente;

a serie e uniformemente convergente em todo o intervalo [−1, 1−ǫ](Abel).

2. A serie∑

n≥0

xn

n!e absolutamente convergente em toda a reta, ja que

R = limn→∞

∣∣∣∣

an

an+1

∣∣∣∣= lim

n→∞

∣∣∣∣

(n + 1)!

n!

∣∣∣∣= +∞.

A serie e uniformemente convergente em todo o intervalo compacto deR.

3. Consideremos, enfim, a serie

anxn, com an =

1

nn, n par

n2n

(1 − 3n)2n, n ımpar

Neste caso, embora

∣∣∣∣

an

an+1

∣∣∣∣

nao tenha limite, tem-se, seguindo a

definicao geral:

R =1

lim n

|an|=

1

max{0, 1/9} = 9

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314 7. Sucessoes e Series de Funcoes

e a serie converge absolutamente para |x| < 9 e diverge para |x| > 9;para x = ±9, a serie torna-se

∑an(±9)n e, para n ımpar,

n

|an(±9)n| =n2

(1 − 3n)2. 9 =

1

(3 − 1/n)2 . 9 ≥ 1.

Logo, a serie diverge (cf. (6.7.2.), Obs.) nos extremos do intervalo deconvergencia. De novo o teorema de Abel permite concluir que a serieconverge uniformemente em todo o intervalo [−9 + ǫ, 9 − ǫ], ǫ > 0.7.3. Integra� ~ao e deriva� ~ao termo a termo.Tomemos de novo a sucessao de funcoes fn(x) = xn, x ∈ [0, 1[, em

que fn → f ≡ 0 pontualmente. Vemos que

limx→1

(

limn→∞

fn(x))

= 0 enquanto limn→∞

(

limx→1

fn(x))

= 1.

Portanto, neste caso (em que a convergencia nao e uniforme), verifica-se

limx→1

(

limn→∞

fn(x))

6= limn→∞

(

limx→1

fn(x))

.

Sendo a convergencia uniforme, tem-se

7.3.1. Teorema. Seja fn :D → R uma sucessao de funcoes convergindouniformemente para f : D → R. Se a ∈ D (emR) e se para cada n ∈ Nexiste lim

x→afn(x) = Ln ∈ R, entao

a) Existe limn→∞

Ln = L ∈ R.

b) Tem-se limx→a

f(x) = L;

isto e,

limn→∞

[

limx→a

fn(x)]

= limx→a

[

limn→∞

fn(x)]

desde que existam os limites (finitos) dentro dos parenteses retos e osegundo seja uniforme.

Demonstracao. Faca-se a demonstracao para a ∈ R (se a = ±∞ ademonstracao e semelhante). Para mostrar que (Ln) e convergente para Lbasta-nos ver que (Ln) e de Cauchy. Como fn → f uniformemente em D,entao (fn) e uniformemente de Cauchy (cf. (7.1.8.)) e logo, dado δ > 0,existe N ∈ N tal que

m, n > N =⇒ |fm(x) − fn(x)| < δ, ∀x ∈ D.

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7. Sucessoes e Series de Funcoes 315

Fixados m, n > N , como Lm = limx→a

fm(x) e Ln = limx→a

fn(x), tem-se

|Lm − Ln| = limx→a

|fm(x) − fn(x)| ≤ δ

pelo que (Ln) e de Cauchy e logo convergente : Ln → L ∈ R.

Mostremos agora que L e o limite quando x → a de f , com f = limn→∞

fn

uniforme. Dado um qualquer δ > 0, existe n ∈ N tal que

n > N =⇒ |L − Ln| < δ/3 e |fn(x) − f(x)| < δ/3 (∀x ∈ D).

Fixando um n > N , como limx→a

fn(x) = Ln, existe ǫ > 0 tal que

x ∈ D, |x − a| < ǫ =⇒ |fn(x) − Ln| < δ/3;

logo, se x ∈ D e |x − a| < ǫ, tem-se

|f(x) − L| ≤ |f(x) − fn(x)| + |fn(x) − Ln| + |Ln − L|< δ/3 + δ/3 + δ/3 = δ.

Corolario 1. Seja∑

n

fn uma serie de funcoes convergindo uniformemente

para f em D. Se a ∈ D (emR) e se para cada n ∈ N existe limx→a

fn(x) =

Ln ∈ R, entao∑

n

Ln converge e tem-se∑

n

Ln = limx→a

f(x), isto e

limx→a

[∑

n

fn(x)

]

=∑

n

[

limx→a

fn(x)]

se∑

n

fn converge uniformemente.

A demonstracao e imediata, bastando aplicar o teorema a sucessao dassomas parciais.

Corolario 2. Seja fn : D → R uma sucessao de funcoes que convergeuniformemente para f :D → R. Se as funcoes fn sao contınuas em a ∈ D,entao f e contınua em a. E analogamente para as series.

Demonstracao. Basta observar que

limx→a

f(x) = limx→a

[

limn→∞

fn(x)]

= limn→∞

[

limx→a

fn(x)]

=

= limn→∞

fn(a) = f(a).

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316 7. Sucessoes e Series de Funcoes

Exprime-se o anterior resultado dizendo que a continuidade das

funcoes conserva-se na passagem ao limite uniforme.

Observacao. Para uma sucessao de funcoes contınuas fn, cujo limite(pontual) f nao e funcao contınua nalgum ponto, podemos concluir que aconvergencia nao e uniforme. E o caso, por exemplo, da sucessao fn(x) =

xn, x ∈ [0, 1], funcoes contınuas cujo limite, f(x) =

{0 x ∈ [0, 1[1 x = 1

, nao e

funcao contınua (em x = 1). Logo, fn nao converge uniformemente paraf , confirmando o que ja tınhamos provado usando diretamente a definicao(cf. (7.1.7.))

Integracao termo a termo.

Considere-se a seguinte sucessao de funcoes:

fn : [0, 1] −→ R, fn(x) = nxe−nx2

;

claramente que fn → f ≡ 0 e, naturalmente,∫ 1

0f(x) dx = 0. Mas,

∫ 1

0

fn(x) dx =

∫ 1

0

nxe−nx2

dx = −1

2

[

e−nx2]1

0=

1

2− 1

2e−n −→

n→∞

1

2

e assim

limn→∞

∫ 1

0

fn(x) dx 6=∫ 1

0

(

limn→∞

fn(x))

dx.

Porem,

7.3.2. Teorema (Passagem ao limite sob o sinal de integral).Seja fn : [a, b] → R uma sucessao de funcoes integraveis que convergeuniformemente para f : [a, b] → R. Entao, f e integravel e tem-se

∫ b

a

f(x) dx = limn→∞

∫ b

a

fn(x) dx.

Demonstracao. Sejam Dn e D os conjuntos dos pontos de descon-tinuidade de fn e f , respetivamente. Se x e um ponto de continuidadede todas as fn, entao x e ponto de continuidade de f (cf. (7.3.1.)) e por-tanto D ⊂

⋃Dn; como Dn tem medida nula (fn e integravel) entao D tem

medida nula.

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7. Sucessoes e Series de Funcoes 317

Por outro lado, como fn → f, (n → ∞) uniformemente, dado δ > 0, existeN ∈ N tal que

n > N =⇒ |fn(x) − f(x)| <δ

b − a, ∀x ∈ [a, b]. (1)

Fixando n0 > N , como fn0e limitada resulta que f e limitada, dado que

|f(x)| ≤ |f(x) − fn0(x)| + |fn0

(x)| <δ

(b − a)+ |fn0

(x)| , ∀x ∈ [a, b].

Assim, f e limitada e D tem medida nula, concluindo-se entao que f eintegravel em [a, b]. Finalmente, para n > N , tira-se de (1) :

∣∣∣∣∣

∫ b

a

f(x) dx −∫ b

a

fn(x) dx

∣∣∣∣∣=

∣∣∣∣∣

∫ b

a

(f(x) dx − fn(x)) dx

∣∣∣∣∣≤

≤∫ b

a

|f(x) − fn(x)| dx < (b − a)δ

b − a= δ,

ou seja,∫ b

a

fn(x) dx −→n→∞

∫ b

a

f(x) dx.

O correspondente resultado para as series e agora imediato:

Corolario. Sejam fn : [a, b] → R funcoes integraveis, termo geral de uma

serie,∑

n

fn, uniformemente convergente. Entao a sua soma e integravel

e tem-se∫ b

a

(∑

n

fn

)

=∑

n

∫ b

a

fn.

Poder-se-ia esperar um resultado semelhante para a derivacao: umasucessao fn de funcoes derivaveis convergindo uniformemente para umafuncao derivavel f , deveria implicar que a sucessao de funcoes f ′

n conver-gisse para f ′. Tal nao e (de modo nenhum) o caso:

Contra-exemplo. A sucessao, fn(x) =sin(nx)

n, converge uniformemente

em R para a funcao f ≡ 0; contudo, a sucessao das derivadas, f ′n(x) =

cos(nx), nem sequer converge pontualmente em nenhum intervalo da reta.

A derivacao termo a termo de uma sucessao de funcoes exige hipotesesmuito mais fortes, nao se conseguindo, mesmo assim, garantir a con-vergencia da sucessao das derivadas. Eis o resultado:

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318 7. Sucessoes e Series de Funcoes

7.3.3. Teorema. Seja fn : I → R uma sucessao de funcoes derivaveisnum intervalo limitado, I ⊂ R. Se para um certo c ∈ I a sucessaonumerica (fn(c)) e convergente e se a sucessao das funcoes derivadas, (f ′

n),e uniformemente convergente para uma funcao g em I, entao a sucessao(fn) converge uniformemente em I para uma funcao f derivavel, tal quef ′ = g.

Demonstracao. Aplicando o teorema do valor medio de Lagrange afuncao fm − fn, tem-se, para todo x ∈ I,

fm(x) − fn(x) = fm(c) − fn(c) + (x − c) [f ′m(d) − f ′

n(d)] , (1)

com d entre x e c. Mas (f ′n), sendo uniformemente convergente, e unifor-

memente de Cauchy e portanto, dado um qualquer δ > 0, existe N ∈ Ntal que, para m, n > N se tem |f ′

m(x) − f ′n(x)| < δ/2|I|, ∀x ∈ I,

representando |I| a amplitude do intervalo I; por outro lado, como (fn(c))e convergente e logo de Cauchy, tem-se tambem |fm(c) − fn(c)| < δ/2,m, n > N . Entao, para m, n > N e para todo o x ∈ I, resulta de (1)

|fm(x) − fn(x)| ≤ |fm(c) − fn(c)| + |(x − c) [f ′m(d) − f ′

n(d)] | ≤≤ δ/2 + |I|.δ/2|I| = δ,

o que mostra que (fn) e uniformemente de Cauchy e portanto uniforme-mente convergente em I.Represente-se por f(x) = lim

n→∞fn(x) o limite pontual de (fn). Escrevendo

de novo a igualdade (1), agora com x0 em lugar de c, tem-se para todox 6= x0:

fm(x) − fm(x0)

x − x0− fn(x) − fn(x0)

x − x0= f ′

m(ξ) − f ′n(ξ)

com ξ entre x e x0; esta igualdade mostra-nos que a sucessao de funcoes

hn(x) =fn(x) − fn(x0)

x − x0e uniformemente de Cauchy em I − {x0} e logo

uniformemente convergente para h(x) =f(x) − f(x0)

x − x0. O teorema 7.3.1.

permite-nos agora escrever

limx→x0

[

limn→∞

hn(x)]

= limn→∞

[

limx→x0

hn(x)

]

︸ ︷︷ ︸

f ′

n(x0)

,

ou seja

limx→x0

f(x) − f(x0)

x − x0= g(x0).

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7. Sucessoes e Series de Funcoes 319

Como x0 e qualquer em I, concluimos que f e derivavel em I e f ′ = g.

Observacao. O precedente teorema e sobretudo um resultado de primi-tivacao termo a termo e pode ser reformulado do seguinte modo:

Se uma sucessao de funcoes fn, primitivaveis num intervalo limitadoI ⊂ R, e uniformemente convergente em I para uma funcao f , entao umasucessao de primitivas, Fn = Pfn, converge uniformemente em I para umaprimitiva F = Pf , caso Pfn convirja nalgum ponto c ∈ I.

O anterior teorema e trivialmente adaptavel as series de funcoes:

Corolario 1. Seja∑

n

fn uma serie de funcoes derivaveis no intervalo

limitado I ⊂ R tal que∑

n

fn(c) e convergente para algum c ∈ I. Se a

serie∑

n

f ′n e uniformemente convergente em I para uma funcao g, entao

n

fn e uniformemente convergente em I e a sua soma e uma funcao f

derivavel tal que f ′ = g.

Observacao. Tal como para as sucessoes, o anterior corolario pode serreformulado. Assim:

Se uma serie∑

n

fn de funcoes primitivaveis num intervalo limitado

I ⊂ R e uniformemente convergente em I para uma funcao f , entao a serie

de primitivas,∑

n

Pfn, converge uniformemente em I para uma primitiva

F = Pf , caso∑

n

Pfn convirja nalgum ponto c ∈ I.

Corolario 2. Considere-se a serie de potencias∑

n≥0

anxn e a serie

n≥1

nanxn−1 que se obtem formalmente da anterior derivando termo a

termo. Entao:

a) As duas series de potencias tem o mesmo raio de convergencia, R.

b) Se R > 0, a funcao f(x) =∑

n≥0

anxn e derivavel em ]−R, R[ e tem-se

f ′(x) =∑

n≥1

nanxn−1, ∀x ∈] − R, R[.

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320 7. Sucessoes e Series de Funcoes

Demonstracao. Dado que uma serie de potencias converge uniforme-mente em todo o intervalo compacto contido em ] − R, R[, o corolario saiimediatamente do teorema se tivermos mostrado a).

Se for R′ o raio de convergencia da serie∑

n≥1

nanxn−1, e claro que R′ e

ainda o raio de convergencia da serie x.∑

n≥1

nanxn−1 =∑

n≥0

nanxn; entao

R′ =1

lim n

n|an|=

1

lim n

|an|= R.

Observacoes. 1. O anterior corolario mostra a evidencia como asseries de potencias sao series de funcoes particularmente bem comportadas;no interior do intervalo de convergencia, as series de potencias sao naoso primitivaveis termo a termo mas tambem derivaveis (!) termo atermo. Estas propriedades sao especialmente importantes na pratica; eo que veremos mais adiante, quando tivermos que desenvolver em serie depotencias uma importante classe de funcoes: as funcoes analıticas.

2. O corolario estende-se naturalmente ao caso geral das series de potencias

n≥0

an(x − x0)n.

7.3.4. Aplicacao as series repetidas.

7.3.5. Definicao. Chama-se sucessao dupla e representa-se por (unm),a uma aplicacao (n, m) ∈ N× N → unm ∈ R.

Dada a sucessao dupla (unm), para cada n fica definida a sucessao

m → unm, e a correspondente serie∑

m

unm; do mesmo modo, cada m ∈ N

determina a serie∑

n

unm. Admitindo que estas series sao convergentes,

ficam agora definidas as sucessoes n →∑

m

unm e m →∑

n

unm. As

correspondentes series designam-se por series repetidas e representam-sepor

n

(∑

m

unm

)

e∑

m

(∑

n

unm

)

.

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7. Sucessoes e Series de Funcoes 321

Distribuindo os termos da sucessao dupla (unm) no quadro seguinte,

a soma da n-esima linha e∑

m

unm e da m-esima coluna∑

n

unm.

u11 u12 u13 · · · u1m · · ·u21 u22 u23 · · · u2m · · ·u31 u32 u33 · · · u3m · · ·· · · · · · · · · ·· · · · · · · · · ·

un1 un2 un3 · · · unm · · ·· · · · · · · · · ·· · · · · · · · · ·

A questao que agora se coloca e a seguinte:

Problema. ? Em que condicoes se tem

m

(∑

n

unm

)

=∑

n

(∑

m

unm

)

.

O resultado e, em geral, falso.

Contra-exemplo. Considere-se a sucessao dupla

unm =

1 se n = m + 1−1 se m = n + 10 nos outros casos

O leitor constata imediatamente, pela simples leitura do quadro,

0 −1 0 0 0 · · ·1 0 −1 0 0 · · ·0 1 0 −1 0 · · ·0 0 1 0 −1 · · ·· · · · · · · ·· · · · · · · ·

que se tem∑

m

(∑

n

unm

)

= 1 e∑

n

(∑

m

unm

)

= −1.

Eis agora o resultado positivo:

7.3.6. Teorema. Dada a sucessao dupla (unm), admita-se que para cada

n ∈ N a serie∑

m

unm e absolutamente convergente, e seja an =∑

m

|unm|.

Suponha-se ainda que∑

n

an < +∞. Entao

n

(∑

m

unm

)

=∑

m

(∑

n

unm

)

.

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322 7. Sucessoes e Series de Funcoes

Demonstracao. Faca-se Sn(m) = un1 + un2 + · · · + unm. Tem-se

|Sn(m)| ≤ an, ∀m, ∀n.

Como∑

an e convergente, o teorema de Weierstrass (cf. (7.1.10.)) garanteque a serie de funcoes,

∑Sn, Sn : N → R, e uniformamente convergente

em N. Finalmente, pelo teorema 7.3.1., Corol.1 (e pondo Sn(0) = 0), tem-se

n

(∑

m

unm

)

=∑

n

[

limm→∞

Sn(m)]

= limm→∞

n

Sn(m) =

=∑

m

[∑

n

Sn(m) −∑

n

Sn(m − 1)

]

=∑

m

(∑

n

unm

)

.7.4. S�eries de Taylor.Seja f :I → R uma funcao indefinidamente diferenciavel num intervalo

I ⊂ R. Fixando x0 ∈ I, chama-se serie de Taylor de f em x0 a seriede potencias

∞∑

n=0

f (n)(x0)

n!(x − x0)

n ≡

≡ f(x0) + f ′(x0) (x − x0) + · · · + f (n)(x0)

n!(x − x0)

n + · · · .

Se x0 = 0 ∈ I, a serie de Taylor designa-se por serie de Mac-Laurin eescreve-se

∞∑

n=0

f (n)(0)

n!xn ≡ f(0) + f ′(0)x + · · · + f (n)(0)

n!xn + · · · .

7.4.1. Exemplos.

1. A funcao f(x) = ex satisfaz f (n)(x) = ex, ∀n ∈ N, ∀x ∈ R; a serie deMac-Laurin escreve-se entao:

1 +x

1!+

x2

2!+ · · · + xn

n!+ · · · .

O raio de convergencia e R = limn→∞

∣∣∣∣

an

an+1

∣∣∣∣

= +∞. Assim, a serie de

Mac-Laurin de ex e absolutamente convergente em R e uniformementeconvergente em todo o intervalo compacto contido na reta.

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7. Sucessoes e Series de Funcoes 323

2. Considere-se a funcao

f : R −→ R, f(x) =

{

e−1/x2

, x 6= 00, x = 0

E do nosso conhecimento (cf. (4.3.1.),(7.)) que f e funcao indefinida-mente diferenciavel e que, para x 6= 0

f (n)(x) = P (x)

(1

x2

)l

e−1/x2

em que P (x) e um polinomio e l um inteiro positivo dependente de n.Como f (n)(x) −→

x→00, tem-se f (n)(0) = 0 e logo a serie de Mac-Laurin

de f e a serie de potencias de x com todos os coeficientes nulos.

3. Tomemos agora a funcao f(x) = log (x + 1), x > −1; e claramenteuma funcao indefinidamente diferenciavel e tem-se

f ′(x) =1

1 + x; f ′′(x) = − 1

(1 + x)2; f ′′′(x) =

2

(1 + x)3; · · ·

· · · ; f (n)(x) = (−1)n−1 (n − 1)!

(1 + x)n.

Entao, f (n)(0) = (−1)n−1(n − 1)!, n ≥ 1, f(0) = 0, e a serie de Mac-Laurin escreve-se

n≥1

anxn ≡ x − x2

2+

x3

3+ · · · + (−1)n−1 xn

n+ · · · ;

como |an| =1

n, o raio de convergencia e R = 1, e portanto a serie e

absolutamente convergente em ] − 1, 1[; nos extremos, a serie divergeem x = −1 e converge simplesmente em x = 1 (serie alternada); enfim,a serie da Mac-Laurin de log (1 + x) converge uniformemente em todoo intervalo [−1 + ǫ, 1] (Abel).

4. A funcao f(x) = (1 + x)α, α ∈ R, x > −1, e indefinidamentediferenciavel no seu domınio e a sua n-esima derivada, f (n)(x) =α(α − 1) . . . (α − n + 1) (1 + x)α−n; a serie de Mac-Laurin escreve-seentao

n≥0

anxn ≡ 1 + αx +α(α − 1)

2!x2 + · · ·

+α(α − 1) . . . (α − n + 1)

n!xn + · · ·

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324 7. Sucessoes e Series de Funcoes

serie de potencias em x com raio de convergencia, R = lim

∣∣∣∣

an

an+1

∣∣∣∣= 1,

e portanto absolutamente convergente em ] − 1, 1[.

Problema Central. A questao fundamental no desenvolvimento em seriede Taylor de uma funcao indefinidamente diferenciavel e a seguinte:

? Existe uma vizinhanca V (x0) tal que

f(x) = f(x0) + f ′(x0) (x − x0) + · · · + f (n)(x0)

n!(x − x0)

n + · · ·

∀x ∈ V (x0), isto e, a serie de Taylor de f em x0 e convergente para todox ∈ V (x0) e a sua soma igual a f(x)?

No anterior exemplo 1. viu-se que a serie de Taylor (Mac-Laurin) def(x) = ex e convergente em toda a reta. Veremos adiante que

ex = 1 +x

1!+

x2

2!+ · · · + xn

n!+ · · · ∀x ∈ R.

Mas ja no exemplo 2., a funcao f(x) =

{

e−1/x2

, x 6= 00, x = 0

nao e soma da

sua serie de Mac-Laurin em nenhum ponto de V (0) (excepto naturalmenteem 0) dado que a serie e ≡ 0 e f(x) 6= 0 se x 6= 0.

Seja entao Sn(x) a soma dos n+1 primeiros termos da serie de Taylor(sucessao das somas parciais) de f em x0 ∈ I. Tendo presente a formulade Taylor, tem-se

Rn(x) = f(x) − Sn(x)

em que Rn(x) = o((x− x0)n) representa o resto de ordem n. E agora claro

que

7.4.2. Teorema. A condicao necessaria e suficiente para que a funcaoindefinidamente diferenciavel, f : I → R, seja soma da sua serie de Taylornuma vizinhanca V (x0), x0 ∈ I, e que

limn→∞

Rn(x) = 0, ∀x ∈ V (x0).

Na pratica, utilizam-se condicoes suficientes:

7.4.3. Proposicao. Seja f : I → R uma funcao indefinidamentediferenciavel e suponha-se que existem constantes M, k ≥ 0 tais que, numavizinhanca V (x0), se tenha

∣∣∣f (n)(x)

∣∣∣ ≤ Mkn, ∀x ∈ V (x0), n > p, n ∈ N.

Entao f e soma da sua serie de Taylor em V (x0).

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7. Sucessoes e Series de Funcoes 325

Demonstracao. Considerando, por exemplo, o resto de Lagrange:

Rn(x) =(x − x0)

n+1

(n + 1)!f (n+1)(x0 + θn(x − x0)), 0 < θn < 1,

tem-se,

|Rn(x)| ≤ M(k|x − x0|)n+1

(n + 1)!, x ∈ V (x0);

como(k|x − x0|)n+1

(n + 1)!−→

n→∞0 (e termo geral de serie convergente), a

conclusao sai agora trivialmente do teorema.

Corolario. Se existe M ≥ 0 tal que em V (x0) se tenha

∣∣∣f (n)(x)

∣∣∣ ≤ M, ∀x ∈ V (x0), n > p, n ∈ N,

entao f e soma da sua serie de Taylor em V (x0).

7.4.4. Exemplos.

1. Dado um K > 0 qualquer, as derivadas da funcao exponencialsatisfazem

∣∣∣(ex)(n)

∣∣∣ ≤ eK = M, ∀x ∈ [−K, K], ∀n ∈ N

e o corolario precedente garante portanto que ex e soma da sua seriede Mac-Laurin em [−K, K]; sendo K qualquer, tem-se entao

ex = 1 +x

1!+

x2

2!+ · · · + xn

n!+ · · · ∀x ∈ R.

2. Tomemos a funcao f(x) = sinx, x ∈ R. E sabido que f ∈ C∞(R) eas suas derivadas:

f ′(x) = cosx = sin (x + π/2) ;f ′′(x) = cos (x + π/2) = sin (x + 2π/2) ;

......

...

f (n)(x) = sin (x + nπ/2) .

Entao, f (n)(0) = sin (nπ/2) e portanto

f (2n)(0) = 0

f (2n+1)(0) = (−1)n(n ∈ N0).

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326 7. Sucessoes e Series de Funcoes

Como∣∣∣f (n)(x)

∣∣∣ = |sin (x + nπ/2)| ≤ 1, ∀x ∈ R, resulta que sinx e

soma da sua serie de Mac-Laurin em R:

sinx = x − x3

3!+

x5

5!+ · · · + (−1)n x2n+1

(2n + 1)!+ · · · , ∀x ∈ R.

3. Se f(x) = cosx, x ∈ R, tem-se

f (n)(x) =(

sin(

x +π

2

))(n)

= sin(

x +π

2+ n

π

2

)

=

= cos(

x + nπ

2

)

;

e logo

f (n)(0) = cos (nπ/2) ,

f (2n)(0) = (−1)n

f (2n+1)(0) = 0(n ∈ N0).

Analogamente,∣∣∣f (n)(x)

∣∣∣ = |cos (x + nπ/2)| ≤ 1, ∀x ∈ R, e portanto

a funcao cosx desenvolve-se em serie de MacLaurin em toda a reta:

cosx = 1 − x2

2!+

x4

4!+ · · · + (−1)n x2n

(2n)!+ · · · , ∀x ∈ R.

7.4.5. Definicao. Seja f : I → R uma funcao definida num intervaloI ⊂ R. Diz-se que f e uma funcao analıtica em x0 ∈ I, se existe umaserie de potencias,

∑an(x−x0)

n, tal que numa vizinhanca V (x0) se tenha

f(x) =∑

an(x − x0)n, ∀x ∈ V (x0).

Como as series de potencias sao derivaveis termo a termo (no intervalode convergencia) (cf. (7.3.3.), Cor. 2.) vemos que, funcao analıtica em x0

e indefinidamente diferenciavel em V (x0) e todas as suas derivadas saoanalıticas em x0.

7.4.6. Proposicao (Unicidade do desenvolvimento em serie). Se fe soma de uma serie de potencias

∑an(x − x0)

n numa vizinhanca V (x0),entao esta serie e a serie de Taylor de f em x0.

Observacao. A proposicao significa precisamente o seguinte:

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7. Sucessoes e Series de Funcoes 327

f : I → R e funcao analıtica em x0 ∈ I se e so se f e indefinidamentediferenciavel e soma da sua serie de Taylor numa vizinhanca V (x0).

Demonstracao. Por hipotese,

f(x) =∑

n≥0

an(x − x0)n, x ∈ V (x0),

o que implica, f(x0) = a0. Derivando,

f ′(x) =∑

n≥1

nan(x − x0)n−1, x ∈ V (x0)

e portanto, f ′(x0) = a1. Prosseguindo o raciocınio, tem-se mais geralmente

f (n)(x) = n!an + (n + 1) . . . 2an+1 (x − x0)+

+ (n + 2) (n + 1) . . . 3an+2 (x − x0)2 + · · ·

o que nos da f (n)(x0) = n!an, n ∈ N, concluindo o resultado.

7.4.7. Exemplos. Na pratica, nem sempre e facil obter o desenvolvimentoem serie de Taylor de uma funcao, utilizando os resultados teoricos queexigem a limitacao de todas as derivadas de f (cf. (7.4.3.)). Por vezesrecorre-se ao facto de a derivada ou primitiva de f poderem ser soma deseries de potencias conhecidas. Vejamos alguns exemplos de aplicacao:

1. Procure-se o desenvolvimento em serie de potencias de x (serie de Mac-Laurin) da funcao f(x) = log (1 + x), x > −1. Observemos desde logo

que, f ′(x) =1

1 + xe soma da serie geometrica de razao −x:

1

1 + x= 1 − x + x2 − x3 + · · · + (−1)nxn + · · · , x ∈] − 1, 1[.

Como a convergencia e uniforme em cada intervalo compacto de ]−1, 1[,integrando termo a termo (cf. (7.3.2.), Cor.) :

∫ x

0

1

1 + tdt = log (1 + x) − log (1 + 0) = log (1 + x) =

= x − x2

2+

x3

3+ · · · + (−1)n+1 xn

n+ · · · , x ∈] − 1, 1[.

Finalmente notamos que a serie de potencias obtida e ainda conver-gente em x = 1 (serie alternada) e logo uniformemente convergente em[−1 + ǫ, 1] (Abel); designando por ϕ(x) a soma da serie em ] − 1, 1],

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328 7. Sucessoes e Series de Funcoes

vimos que ϕ(x) = log (1 + x), x ∈] − 1, 1[. Mas entao (cf. (7.3.1.),Cor.1.)

log (1 + 1) = limx→1−

log (1 + x) = limx→1−

ϕ(x) =

= 1 − 1

2+

1

3+ · · · + (−1)n+1 1

n+ · · ·

e em conclusao, tem-se

log (1 + x) = x − x2

2+

x3

3+ · · · + (−1)n+1 xn

n+ · · · , ∀x ∈] − 1, 1].

2. Desenvolva-se em serie de Taylor a funcao f(x) =1

x2, no ponto x = 1.

Como a primitiva de1

x2e − 1

x= − 1

1 + (x − 1), o seu desenvolvimento

em potencias de x − 1 vem dado por:

− 1

x= − 1

1 + (x − 1)=

= −[1 − (x − 1) + (x − 1)2 + · · · + (−1)n+1(x − 1)n + · · ·

],

valido para |x − 1| < 1 ⇐⇒ x ∈]0, 2[. Como no intervalo deconvergencia podemos derivar termo a termo (cf. (7.3.3.), Cor.2.),vem entao

1

x2= 1 − 2 (x − 1) + 3 (x − 1)2 + · · ·

+ (−1)n+1n (x − 1)n−1 + · · · , x ∈]0, 2[.

3. Vimos anteriormente (cf. (7.4.1.), 4.) que a serie de Mac-Laurin dafuncao f(x) = (1 + x)α, α ∈ R, vem dada por

1 + αx +α(α − 1)

2!x2 + · · · +

(αn

)

xn + · · ·

com

(αn

)

=α(α − 1) · · · (α − n + 1)

n!, e e uma serie convergente em

]−1, 1[. Veremos agora que f(x) = (1+x)α e, naquele intervalo, somada sua serie de Mac-Laurin. Seja

g(x) = 1 + αx +α(α − 1)

2!x2 + · · · +

(αn

)

xn + · · · , |x| < 1

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7. Sucessoes e Series de Funcoes 329

e derivemos termo a termo (no interior do intervalo de convergencia);tem-se

g′(x) = α + α(α − 1)x +α(α − 1)(α − 2)

2!x2 + · · ·

e logo1

αg′(x) = 1 + (α − 1)x +

(α − 1)(α − 2)

2!x2 + · · ·

Multiplicando ambos os membros da anterior igualdade por 1 + x etendo em conta que

(α − 1n − 1

)

+

(α − 1

n

)

=

(αn

)

obtemos

1

α(1 + x) g′(x) = 1 + αx +

α(α − 1)

2!x2 + · · · +

(αn

)

xn + · · · = g(x).

Entao1

α(1+x) g′(x) = g(x), x ∈]−1, 1[, e em consequencia a derivada

da funcao g(x)/(1 + x)α em ] − 1, 1[ e nula. Logo

g(x)/(1 + x)α = g(0) = 1, ∀x ∈] − 1, 1[

e temos assim o desenvolvimento

(1 + x)α = 1 + αx +α(α − 1)

2!x2 + · · · +

(αn

)

xn + · · · , |x| < 1.

O desenvolvimento sera ainda valido em x = 1, se α > −1 (cf. (6.7.6.),3.) (porque?).

Terminamos o capıtulo colocando a seguinte questao: seja f umafuncao analıtica em x0, isto e, f(x) e soma de uma serie de potenciasem x − x0 numa vizinhanca Vr(x0), r > 0. Perguntamos se f e analıticaem todos os pontos de Vr(x0). A resposta e positiva, e tem-se, maisprecisamente,

7.4.8. Proposicao. Seja f(x) =∑

an(x − x0)n a soma de uma serie de

potencias definida em |x − x0| < r. Entao, para cada c ∈ Vr(x0), existeuma serie de potencias,

∑bn(x − c)n, tal que

f(x) =∑

bn(x − c)n, se |x − c| < r − |c − x0|.

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330 7. Sucessoes e Series de Funcoes

Demonstracao. Se x e tal que |x−c| < r−|c−x0|, entao |x−c|+|c−x0| < re logo a serie

∑an (|x − c| + |c − x0|)n e absolutamente convergente

(porque?). Usando o binomio de Newton

n≥0

|an|n∑

m=0

(nm

)

|c−x0|n−m|x−c|m =∑

n≥0

|an| (|x−c|+ |c−x0|)n < +∞.

Podemos entao inverter a ordem a ordem da serie repetida (cf. (7.3.6.)) :

f(x) =∑

n≥0

an(x − x0)n =

=∑

n≥0

an [(x − c) + (c − x0)]n =

n≥0

an

n∑

m=0

(nm

)

(c − x0)n−m(x − c)m

=∑

m≥0

n≥m

(nm

)

(c − x0)n−m

︸ ︷︷ ︸

bm

(x − c)m.

Exercıcios

1. Determine os domınios de convergencia de cada uma das seguintesseries:

a)∑ 1

n

√n + 1

(x − 3)n; b)∑

(

1 +(−1)n

2

)n

(2x + 1)n.

2.a) Determine o maior intervalo de convergencia da serie

∑ 1

n

(

a − x

2

)n

, a ∈ R.

b) Prove que existe um unico valor de a ∈ R, para o qual a serie esimplesmente convergente no ponto x = 0.

3. Determine os domınios de convergencia simples, absoluta e uniformedas series:

a)∑

(−1)n log n

n2

(x

4

)n

; b)∑ xn

n + log n; c)

∑ n!

nn

(1

x + 2

)

.

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7. Sucessoes e Series de Funcoes 331

4. Determine o maior domınio de convergencia das series:

a) f(x) =∑

n≥0

(3x)2n+1

2n + 1; b) g(x) =

n≥1

(−1)n x2n

n;

c) h(x) =∑

n≥0

x2n+1

(2n + 1)32n.

Calcule f ′

(1

4

)

e h′(1). Determine a funcao g(x) recorrendo a serie

derivada.

5. Estude a serie hiper-geometrica (cf. exercıcio. 29. Cap.6.)

1 +α

1

β

γx +

α(α + 1)

1.2

β(β + 1)

γ(γ + 1)x2 + · · · α, β, γ ∈ R

e determine os maiores intervalos de convergencia pontual e uniforme.

6. Considere a sucessao de funcoes fn(x) = nx(1 − x)n. Mostre que (fn)converge pontualmente, mas nao uniformemente em [0, 1].

7.a) Mostre que a serie de funcoes,

∑xn (1 − x), converge pontual-

mente mas nao uniformemente em [0, 1].

b) Mostre que∑

(−1)n xn (1−x), converge uniformemente em [0, 1].

8. Considere as seguintes sucessoes de funcoes:

fn(x) =1

nx + 1, x ∈]0, 1]; gn(x) =

x

nx + 1, x ∈]0, 1];

hn(x) = cosn x, x ∈ [0, π/2].

Determine as funcoes limite pontual nos domınios indicados e diga,justificando, se a convergencia e uniforme.

9. Demonstre que a serie

∞∑

n=1

(−1)n

√n

sin(

1 +x

n

)

converge uniformemente em R.

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332 7. Sucessoes e Series de Funcoes

10. Seja fn : [0, 1] → R uma sucessao de funcoes contınuas e suponha-seque fn → f uniformemente em [0, 1]. Mostre que

limn→∞

∫ 1−1/n

0

fn(x) dx =

∫ 1

0

f(x) dx.

11. Mostre que a serie∞∑

n=0

e−nx

n2 + 1,

e convergente para x ≥ 0 e divergente para x < 0. Defina-se parax ≥ 0 a funcao

f(x) =

∞∑

n=0

e−nx

n2 + 1;

mostre que f e contınua para x ≥ 0 e derivavel para x > 0.

12. Justifique que a funcao

f(x) =∑

n≥1

xn

n(n + 1)

e contınua em [0, 1].

13. Criterio integral para a convergencia uniforme.

Seja f : [1, +∞[×D → R, D ⊂ R, (t, x) → f(t, x), uma aplicacaopositiva e tal que, para cada x ∈ D, a funcao t → f(t, x) e decrescente.Suponha-se que a sucessao de funcoes, un(x) = f(n, x), x ∈ D,converge uniformemente para 0 em D.

a) Adapte a demonstracao de 6.7.3. e mostre que a serie de funcoes∑

un(x) e uniformemente convergente em D se e so se a sucessaode funcoes,

∫ n

1 f(t, x) dt, e uniformemente convergente em D.

b) Usando o anterior resultado, verifique se as seguintes series sao ounao uniformemente convergentes em [0, 1] :

i)∑ x

1 + n2x2, ii)

∑ x

1 + n2x.

14. Mostre que a serie de funcoes

(−1)n x

1 + nx2

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7. Sucessoes e Series de Funcoes 333

converge uniformemente em R.

Sug. Utilize Abel-Dirichlet para a convergencia uniforme.

15. Considere a serie de funcoes

∞∑

n=0

x2n+1

2n + 1− xn+1

2n + 2(1)

a) Mostre que a serie (1) converge pontualmente em [0, 1].

b) Demonstre que a convergencia nao e uniforme em [0, 1].

Sug. Determine a soma f(x) da serie (1). Tenha presente que

log 2 = 1 − 1

2+

1

3− 1

4+ · · ·

16. Dada a funcao M : R → R, M(x) = x − I(x), considere a serie

∞∑

n=1

M(nx)

2n(I(x) = parte inteira de x).

a) Mostre que a serie e uniformemente convergente em R e representepor f(x) a funcao limite.

b) Mostre que f e contınua em R − Q.

17. Irracionalidade do numero π.

a) Sejam a, b ∈ N e seja Pn o polinomio

Pn(x) =xn (bx − a)n

n!.

Mostre que Pn e todas as suas derivadas tomam valores inteirosem x = 0 e x = a/b.

Pode usar a formula de Leibnitz para determinar a derivada deordem k de Pn.

b) Mostre que lim In = 0, em que

In =

∫ π

0

Pn(x) sin xdx.

c) Mostre que se π = a/b e racional, entao In e um inteiro nao nulo,para todo o n. Conclua que π nao pode ser racional.

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334 7. Sucessoes e Series de Funcoes

18. Represente por series de potencias de x as seguintes funcoes, indicandoem cada caso o maior aberto em que o desenvolvimento e valido:

a)1

(1 + x)2; b) f(x) =

sin x

xse x 6= 0

1 se x = 0

;

c)1

(x − 1) (x − 2); d) sin2 x ; e)

1

1 + x2.

19. Desenvolva em serie de potencias de x as funcoes

i) f(x) = arcsinx; ii) g(x) =1√

1 + x2

e determine o maior domınio em que e valido o desenvolvimento.

20. Desenvolva a funcao f(x) =1

1 + xem serie de potencias de x−3. Qual

o maior domınio aberto onde o desenvolvimento e valido?

21. Desenvolva a funcao f(x) = log x em potencias de (x− 1) e indique omaior intervalo aberto onde o desenvolvimento e valido.

22. Prove que

a)∑

n≥0

n2xn =x2 + x

(1 − x)3, |x| < 1;

b)∑

n≥0

(n + 1)xn =1

(1 − x)2, |x| < 1.

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8. Series de Fourier 335

8S�eries de Fourier

Uma introducao classica

Grande parte dos fenomenos que tem lugar na natureza sao fenomenosditos periodicos (movimento da corda vibrante, movimento do pendulo,intensidade sonora, intensidade da corrente electrica, etc.); sao descritospor equacoes diferenciais cujas solucoes sao funcoes f que traduzem essaperiodicidade: satisfazem, para algum T ∈ R, f(x+ T ) = f(x), para todox ∈ D(f). Desde logo, portanto, se reconhece a importancia do estudomatematico desta classe de funcoes, de que sinx e cosx sao os mais simplesexemplos: sin (x+ 2π) = sinx, cos (x+ 2π) = cosx para todo x ∈ R.

O interesse deste estudo torna-se flagrante ao verificarmos, na sequen-cia da analise matematica de certos problemas de fısica e mecanica, asnotaveis propriedades de desenvolvimento em serie das funcoes periodicas.Assim, quando no inıcio do seculo XIX, Fourier se apercebe que umafuncao “arbitraria” se pode desenvolver em soma de senos e cossenos, aquelematematico frances tinha dado inıcio a um dos capıtulos mais importantesda Analise Matematica: a Analise de Fourier.

Essencialmente, a Analise de Fourier “decompoe” uma funcao f emelementos simples (sinx e cosx) recombinando-os em seguida. Porem, aum nıvel mais profundo, a importancia capital da Analise de Fourier naoderiva tao pouco dessa possibilidade de desenvolvimento em serie; a razaofinal do seu sucesso e a seguinte: as funcoes elementares sin kx e cos kxformam uma base de um espaco vectorial (espaco de funcoes) de dimensao

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336 8. Series de Fourier

infinita, e sao “funcoes proprias” do operador derivada (tal como um vectorpode ser um vector proprio de uma transformacao linear). Mas esta euma questao ja mais avancada e que o leitor podera reconhecer mais tarde,quando regressar a Analise de Fourier no quadro geral da Analise Funcional.8.1. Fun� ~oes peri�odi as.

Seja f : D → R uma funcao real de variavel real.

8.1.1. Definicao. Diz-se que a funcao f e uma funcao periodica seexiste um real T 6= 0 tal que

x+ T ∈ D, x− T ∈ D, f(x+ T ) = f(x), ∀x ∈ D.

O numero real T diz-se o perıodo da funcao periodica f . Diz-se aindaque f e uma funcao T -periodica.

Exemplos imediatos de funcoes periodicas sao as funcoes trigonome-tricas sinx e cosx, periodicas em R de perıodo 2π. Naturalmente queo perıodo de uma funcao periodica nao e unico; 4π, 6π, . . . sao tambem

perıodos de sinx e cosx e a funcao cos2 x =1 + cos 2x

2(cf. Fig. 8.1),

periodica em R de perıodo π, admite ainda como perıodo, kπ, k ∈ Z\ {0}.

−π α −π−−2α + π π−2

π

1f(x) = cos2 x

Figura 8.1

−3 π−−−− 2

−π −π−−2π−2

π3 π−−− 2

−10

−7.5

−5

−2.5

2.5

5

7.5

10

A funcao f(x) = tanx, definida

para x ∈ R \ {kπ + π/2}, k ∈ Z,

e evidentemente π-periodica.

Figura 8.2

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8. Series de Fourier 337

8.1.2. Proposicao. Seja f : D → R, funcao periodica de perıodo T .Entao:

a) −T e perıodo de f .

b) Se T e T ′ sao dois perıodos de f , nao simetricos, T + T ′ e aindaperıodo de f .

c) kT, k ∈ Z \ {0}, e perıodo de f .

Demonstracao. Como

f(x) = f(x− T + T ) = f(x− T ), ∀x ∈ D,

a alınea a) resulta imediatamente. Enfim, b) sai de f(x + T + T ′) =f(x+ T ) = f(x), ∀x ∈ D, e c) e consequencia de a) e b).

Consideremos agora a funcao f : [a, b[→ R, definida no intervalo semi-aberto [a, b[⊂ R, a < b; pondo T = b− a e

fa(x+ kT ) = f(x), x ∈ [a, b[, k ∈ Z,

obtemos uma funcao fa : R → R periodica, de perıodo T , prolongamentode f a toda a reta R; fa diz-se o prolongamento de f por periodicidade

T = b− a.Notemos que a funcao fa nao e necessariamente contınua, mesmo que

f o seja; mais precisamente, ve-se sem dificuldade que sendo f : [a, b[→ Rcontınua, o prolongmento fa e funcao contınua se e so se existe lim

x→b−f(x)

e f(a) = limx→b−

f(x). Assim, por exemplo, a funcao

f : [−π, π[−→ R, f(x) = x,

prolonga-se por periodicidade na funcao f−π representada na figura:

−3 π −2 π −π π 2 π 3 π

−3

−2

−1

1

2

3

Figura 8.3

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338 8. Series de Fourier

f(−π)=−π 6= limx→π−

f(x)=π. A funcao prolongada por periodicidade 2π e

descontınua nos pontos −π + 2kπ, k ∈ Z.

Do mesmo modo se prolonga por periodicidade a funcao f definida em]a, b], pondo

fb(x+ kT ) = f(x), x ∈]a, b], k ∈ Z, T = b− a.

Enfim, a funcao f : [a, b] → R e prolongavel por periodicidade de perıodoT = b− a, se e so se f(b) = f(a), sendo a funcao prolongada fa = fb.

Consideremos f : R → R, uma funcao T -periodica. Os intervalos [a, b]e [a+kT, b+kT ], k ∈ Z, dizem-se congruentes; da T -periodicidade resultaclaramente que f|[a,b] = f|[a+kT,b+kT ]. Congruentes tambem se dizem ospontos x e x+ kT, k ∈ Z.

8.1.3. Proposicao. Seja f : R → R uma funcao T -periodica e integravel(propria ou impropriamente) num intervalo [a, b] ⊂ R. Entao f e in-tegravel em todo o intervalo congruente e o integral conserva-se, isto e

∫ b

a

f(x) dx =

∫ b+kT

a+kT

f(x) dx.

Enfim, existindo o integral,

∫ a+T

a

f(x) dx, este e independente de a.

Demonstracao. Sendo f integravel em [a, b], a mudanca de variavely = x+ kT da-nos

∫ b

a

f(x) dx =

∫ b+kT

a+kT

f(y − kT ) dy =

∫ b+kT

a+kT

f(y) dy. (1)

α β π α + 2 π β + 2 π

1

Figura 8.4

O caso improprio em a ou b ou num numero finito de pontos de [a, b],resulta agora sem dificuldade.

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8. Series de Fourier 339

Por outro lado, existindo o integral,∫ a+T

af(x) dx, a funcao f e integravel

(propria ou impropriamente) em todo o intervalo [x, y] ⊂ R, ja que esteesta contido numa uniao finita de intervalos congruentes com [a, a + T ].Entao, dado a′ ∈ R, tem-se por (1) :

∫ a′+T

a′

f(x) dx =

∫ a

a′

f +

∫ a+T

a

f +

∫ a′+T

a+T

f =

=

∫ a

a′

f +

∫ a+T

a

f +

∫ a′

a

f =

∫ a+T

a

f(x) dx.

Poder-se-ia pensar que uma funcao f : D → R, periodica, admitesempre um mais pequeno perıodo T > 0; tal nao e o caso: a funcao

f : R −→ R, f(x) =

{0, se x ∈ Q1, se x ∈ R − Q

e claramente periodica, em que todo o racional r 6= 0 e perıodo.

8.1.4. Definicao. Diz-se que f tem um perıodo primitivo se f admiteum mais pequeno perıodo positivo, T0 > 0.

8.1.5. Proposicao. Seja f : D → R uma funcao periodica nao constantee com pelo menos um ponto de continuidade. Entao f admite um perıodoprimitivo T0 > 0. Todo o perıodo T de f e multiplo inteiro de T0 : T =kT0, k ∈ Z.

Demonstracao. Seja f : D → R, periodica, nao constante e contınuaem a ∈ D. Comecemos por mostrar que nao pode haver infinitos perıodosarbitrariamente pequenos : Tn → 0. Se assim for, dado x ∈ D qualquer,tome-se kn ∈ Z o menor inteiro tal que a− x ≤ knTn < a− x+ Tn; entao,wn =knTn → a− x, isto e, x+ wn −→

n→∞a. Como os wn sao perıodos de f ,

resulta que f(x) = f(x+ wn) e logo

f(x) = limn→∞

f(x+ wn) = f(a), ∀x ∈ D,

o que implica f constante.Assim, nao havendo perıodos arbitrariamente pequenos, o ınfimo dosperıodos positivos, T0 = inf{T > 0}, e ainda perıodo de f (caso contrario,existia Tn → T0, Tn 6= Tn+1 e logo wn = Tn − Tn+1 → 0, contrariando aprimeira parte da demonstracao).Tomemos enfim um qualquer perıodo T > T0 e seja k o maior inteiro quesatisfaz kT0 ≤ T . Como T − kT0 e ainda um perıodo de f (se nao for nulo)e T−kT0 < T0, ter-se-a necessariamente T−kT0 = 0, isto e, todo o perıodopositivo e multiplo inteiro de T0.

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340 8. Series de Fourier

Se f1, f2 : D → R sao funcoes periodicas com o mesmo perıodo T , eclaro que f1+f2 e T -periodica. Mais geralmente, se f1 e f2 sao periodicas deperıodos T1 e T2 respetivamente, nem sempre f1 + f2 e periodica; contudo,se T1/T2 ∈ Q (diz-se que T1 e T2 sao comensuraveis) facilmente se ve quef1 + f2 e periodica: com efeito, se T1/T2 = p/q ∈ Q, p, q ∈ Z − {0}, entaoqT1 = pT2 = T , pelo que f1 e f2 admitem o mesmo perıodo T (cf. (8.1.2.))e logo f1 + f2 e T -periodica.

Particularmente importante e o caso das funcoes sin kx, cos kx, k =1, . . . , n. A funcao sinx e 2π-periodica; sin 2x e 2π/2=π-periodica; enfim, afuncao sinnx e 2π/n-periodica. O cociente dos perıodos referidos e racionale portanto as ditas funcoes admitem um mesmo perıodo (que neste caso e,por exemplo, 2π) e o mesmo para as funcoes cos kx. Em consequencia, afuncao

Sn(x) =a0

2+

n∑

k=1

(ak cos kx+ bk sinkx) , a0, ak, bk ∈ R

e 2π-periodica. A anterior funcao, Sn(x), e usualmente designada porpolinomio trigonometrico. Na figura abaixo, exibe-se o grafico dafuncao 2π-periodica: f(x) = f1(x) + f2(x) + f3(x), fk(x) = sin kx, k =1, 2, 3.

2 4 6 8 10 12

-2

-1

1

2

Figura 8.5

f

f1 f3

f2

Mais adiante veremos que, sob condicoes bastante gerais, toda a funcao2π-periodica em R e limite de polinomios trigonometricos e portanto somade serie de funcoes de que (Sn(x)) sao as somas parciais.

Sendo f uma funcao T -periodica em R, podemos sempre reduzir-nosa uma funcao 2π-periodica; e o que exprime a proposicao seguinte:

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8. Series de Fourier 341

8.1.6. Proposicao. Seja f : R → R uma funcao periodica de perıodo T .

Entao a funcao g, dada por g(x) = f

(T

T ′x

)

, e periodica de perıodo T ′.

Demonstracao. Basta observar que

g(x+ T ′) = f

(T

T ′(x+ T ′)

)

= f

(T

T ′x+ T

)

= f

(T

T ′x

)

= g(x).8.2. S�eries de Fourier. Introdu� ~ao.Em seguida trabalharemos sempre com funcoes “absolutamente in-

tegraveis”.

8.2.1. Definicao. Diz-se que uma funcao real e absolutamente in-

tegravel em [a, b] ⊂ R, se existe um numero finito de pontos a = c0 <c1 < · · · < cn = b tais que:

a) f e R-integravel em todo o intervalo compacto que nao contenhanenhum dos pontos c0, c1, . . . , cn.

b) Para todo k = 1, 2, . . . , n, o integral

∫ ck

ck−1

f(x) dx existe como integral

definido ou como integral improprio absolutamente convergente.

Assim, se f e absolutamente convergente en [a, b], tem-se

∫ b

a

f(x) dx =

n∑

k=1

∫ ck

ck−1

f(x) dx.

Observacao. Notemos que a precedente definicao nao exige que f estejadefinida nos pontos ck.

A tıtulo de exemplo, a funcao f : R → R, definida por:

f(x) =

[2 log(|x| − 2) − 2] ex/5, x < −2

2ecosx, −2 < x < 1

3 sin2 xx2(x− 1)4/5 , x > 1

e abslolutamente integravel em R (cf. Fig. 8.6).

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342 8. Series de Fourier

-4 -2 2

-4

-2

2

4

6

Figura 8.6

8.2.2. Definicao. Chama-se serie trigonometrica, a serie de funcoes

a0

2+

∞∑

n=1

(an cosnx+ bn sinnx), a0, a1, . . . , b1, b2, . . . ∈ R.

Repare-se que se a serie trigonometrica e convergente em x, entao seraconvergente em x + 2kπ, ∀k ∈ Z (isto e, em todos os pontos congruentescom x, modulo 2π), dado que o termo geral, un(x) = an cosnx+ bn sinnx,e uma funcao periodica de perıodo 2π. Assim, a funcao soma

f(x) =a0

2+

∞∑

n=1

(an cosnx+ bn sinnx) =a0

2+

∞∑

n=1

un(x), (1)

e uma funcao periodica de perıodo 2π.

Suponha-se a igualdade (1) verificada em ] − π, π[ (excepto possivel-mente num numero finito de pontos) e admita-se que a funcao f assimdefinida e absolutamente integravel em ] − π, π[. Multipliquemos ambosos membros de (1) por cos kx, (k ≥ 0 inteiro) e suponha-se ainda que epossıvel integrar termo a termo em ] − π, π[. Como (exercıcio)

∫ π

−π

cosnx cos kx dx = 0 (k 6= n) e

∫ π

−π

sinnx cos kx dx = 0,

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8. Series de Fourier 343

resulta que∫ π

−π

un(x) cos kx dx = 0 (k 6= n),

∫ π

−π

uk(x) cos kx dx = πak, (k ≥ 0).

Portanto, sob as hipoteses precedentes

∫ π

−π

f(x) cos kx dx = πak, k = 0, 1, 2, . . .

e analogamente

∫ π

−π

f(x) sin kx dx = πbk, k = 1, 2, . . .

Logo

ak =1

π

∫ π

−π

f(x) cos kx dx, bk =1

π

∫ π

−π

f(x) sin kx dx. (2)

Os numeros ak e bk dizem-se os coeficientes de Fourier da funcao (2π-periodica e absolutamente integravel) f .

Assim, a cada funcao f :] − π, π[→ R, absolutamente integravel(a qual pode ser prolongada por periodicidade 2π), associamos a serietrigonometrica (1), convergente ou divergente, com os coeficientes definidospor (2).

8.2.3. Definicao. Sendo f :]−π, π[→ R absolutamente integravel, a serie

a0

2+

∞∑

n=1

(an cosnx+ bn sinnx)

com os coeficientes an e bn dados por (2), diz-se a serie de Fourier de fe escreve-se

f(x) ∼ a0

2+

∞∑

n=1

(an cosnx+ bn sinnx).

Observacao. Repare-se que modificando f num numero finito de pontosa funcao permanece absolutamente integravel e tem a mesma serie deFourier: os integrais que definem os coeficientes an e bn nao se alteramao modificarmos f num numero finito de pontos.

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344 8. Series de Fourier

O problema central da teoria que adiante desenvolvemos consisteem saber sob que hipoteses a serie de Fourier de f e convergente e emparticular convergente para f(x), pontualmente ou uniformemente nalgumaparte D ⊂ [−π, π].

8.2.4. Exemplos.

1. Seja f :] − π, π[→ R uma funcao absolutamente integravel. Se f efuncao par, entao f(x) cosnx e par e f(x) sinnx e ımpar. Logo, nodesenvolvimento de Fourier de f , vem

ak =2

π

∫ π

0

f(x) cos kx dx, k = 0, 1, . . . e bk = 0, k ∈ N;

neste caso a serie de Fourier de f e uma serie de cossenos. Analoga-mente, se f e funcao ımpar,

ak = 0, e bk =2

π

∫ π

0

f(x) sin kx dx

e assim, a serie de Fourier de uma funcao ımpar e uma serie desenos (note-se que o prolongamento periodico de uma funcao par,respetivamente ımpar, e uma funcao par, respetivamente ımpar).

2. Procure-se o desenvolvimento de Fourier de f(x) = |x|, x ∈] − π, π[.Tratando-se de uma funcao par, obtemos um desenvolvimento de f emserie de cossenos, com

ak =2

π

∫ π

0

x cos kx dx, k = 0, 1, . . .

Integrando por partes,

∫ π

0

x cos kx dx =

[1

kx sin kx

0

− 1

k

∫ π

0

sin kx dx, k 6= 0

e logo, para k 6= 0,

∫ π

0

x cos kx dx =

0 se k par

− 2

k2se k ımpar

Obtemos assim o desenvolvimento,

|x| ∼ π

2− 4

π

(

cosx+cos 3x

32+

cos 5x

52+ · · ·

)

, x ∈] − π, π[.

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8. Series de Fourier 345

3. Desenvolva-se em serie de senos a funcao f(x) = cosx, x ∈ [0, π[.Como uma serie de senos e o desenvolvimento de uma funcao ımpar,teremos de definir f(x) = − cosx para x ∈]−π, 0[. No desenvolvimentoprocurado, os coeficientes nao nulos sao

bk =2

π

∫ π

0

cosx sinkx dx, k = 1, 2, . . .

Mas∫ π

0

cosx sin kx dx =1

2

∫ π

0

[sin(k + 1)x+ sin(k − 1)x] dx =

=

0 se k ımpar

2k

k2 − 1se k par

Fazendo k = 2n, n = 1, 2, . . ., obtem-se

cosx ∼ 8

π

∞∑

n=1

n sin 2nx

4n2 − 1, x ∈ [0, π[.

4. Seja f :]a, b[→ R uma funcao absolutamentente integravel. Repre-sentemos por f(x) o prolongamento periodico de f , de perıodo T =

b − a. Sabendo que g(y) = f

(T

2πy

)

e periodica de perıodo 2π (cf.

(8.1.6.)), e agora simples obter o desenvolvimento de Fourier de f .Com efeito

f

(T

2πy

)

= g(y) ∼ a0

2+

∞∑

n=1

(an cosny + bn sinny)

e portanto, fazendo x = (T/2π) y, tem-se

f(x) ∼ a0

2+

∞∑

n=1

(an cosnωx+ bn sinnωx)

com ω = 2π/T (∗) e, para n = 0, 1, . . . ,

an =1

π

∫ π

−π

g(y) cosny dy =1

π

∫ π

−π

f

(T

2πy

)

cosny dy =

=2

T

∫ T/2

−T/2

f(x) cosnωxdx =2

T

∫ a+T

a

f(x) cosnωxdx,

(∗) O termo ω = 2π/T e usualmente designado por pulsacao.

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346 8. Series de Fourier

dado que f(x) cosnωx e T -periodica (cf. (8.1.3.)). Analogamente, tem-se

bn =2

T

∫ a+T

a

f(x) sinnωxdx, n = 1, 2, . . . .

8.2.5. Notacao complexa das series trigonometricas.

Seja

Sn(x) =a0

2+

n∑

k=1

(ak cos kx+ bk sin kx) (1)

a sucessao das somas parciais da serie trigonometrica correspondente.Tendo presente que eiθ = cos θ + i sin θ (θ ∈ R),

∣∣eiθ

∣∣ = 1, tem-se

cos kx =1

2

(eikx + e−ikx

), sinkx = −1

2i(eikx − e−ikx

).

Substituindo, obtem-se

Sn(x) =n∑

k=−n

αkeikx, (2)

em que

αk =1

2(ak − ibk)

α−k =1

2(ak + ibk)

α0 =1

2a0

k = 1, 2, . . . (3)

Daqui se tira

ak = αk + α−k

bk = i(αk − α−k)(4)

Notemos que reciprocamente, dado Sn(x) =n∑

k=−n

αkeikx, αk ∈ C, esta

soma e um polinomio trigonometrico (1) com ak e bk dados por (4), e estessao reais se e so se αk + α−k e real e αk − α−k e imaginario puro; isto e,Sn(x) em (2) representa um polinomio trigonometrico com coeficientes ak

e bk reais, se e so se αk e α−k sao complexos conjugados.Finalmente, observe-se que a serie trigonometrica pode ser represen-

tada pela seriek=+∞∑

k=−∞

αkeikx

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8. Series de Fourier 347

entendida esta como o limite n→ ∞ de

Sn(x) =

k=n∑

k=−n

αkeikx.

8.2.6. Lema. Tem-se

σn(x) =1

2+ cosx+ cos 2x+ · · · + cosnx =

=

sin

(

n+1

2

)

x

2 sinx

2

, x ∈ R.

Demonstracao. Comecemos por observar que a formula so faz sentidopara sinx/2 6= 0, isto e, x 6= 2kπ (k ∈ Z); mas para estes pontos, define-se

σn(x) = n+1

2, x = 2kπ, k ∈ Z.

Dado que σn(x) e um polinomio trigonometrico com ak = 1 e bk = 0,escreva-se entao (cf. (8.2.5.), (2))

σn(x) =1

2

n∑

k=−n

e−ikx =1

2e−inx

2n∑

k=0

eikx

que representa uma progressao geometrica de razao eix = q = cosx+i sinx.E claro que q = 1 se e so se cosx = 1, sinx = 0 ⇐⇒ x = 2kπ (k ∈ Z) eo lema resulta valido para estes pontos. Para todos os outros valores dex (q 6= 1) a soma da progressao sera

σn(x) =1

2e−inx 1 − q2n+1

1 − q=

1

2

e−inx − eix(n+1)

1 − eix;

multiplicando o numerador e denominador por e−ix/2, vem finalmente

σn(x) =1

2

e−i(n+1/2)x − ei(n+1/2)x

e−ix/2 − eix/2=

sin

(

n+1

2

)

x

2 sinx

2

.

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348 8. Series de Fourier

8.2.7. Proposicao. Sejam

Sn(x) =a0

2+

n∑

k=1

(ak cos kx+ bk sin kx)

as somas parciais da serie de Fourier de uma funcao f absolutamenteintegravel em ] − π, π[. Entao

Sn(x) =1

π

∫ π

−π

f(t+ x)sinµt

2 sint

2

dt com µ = n+1

2.

Demonstracao. Dado que os coeficientes de Fourier (cf. (8.2.2.)) seescrevem

ak =1

π

∫ π

−π

f(t) cos kt dt, bk =1

π

∫ π

−π

f(t) sin kt dt,

tem-se

Sn(x) =1

π

∫ π

−π

f(t)

1

2+

n∑

k=1

cos kt cos kx+ sin kt sin kx︸ ︷︷ ︸

cos k(t−x)

dt

e pelo anterior lema resulta

Sn(x) =1

π

∫ π

−π

f(t)sin [(n+ 1/2) (t− x)]

2 sin[(t− x)/2]dt

=1

π

∫ π+x

−π+x

f(t)sin [(n+ 1/2) (t− x)]

2 sin[(t− x)/2]dt

dado que, para funcoes periodicas, o integral e invariante para intervaloscongruentes. Finalmente, a evidente mudanca de variavel t−x→ t, da-noso resultado:

Sn(x) =1

π

∫ π

−π

f(t+ x)

sin

(

n+1

2

)

t

2 sint

2

dt.

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8. Series de Fourier 3498.3. Os teoremas de onvergen ia.Os principais resultados de convergencia vao exigir algumas proposi-

coes auxiliares.

8.3.1. Proposicao Seja f : [a, b] → R uma funcao R-integravel. Entao∀β ∈ R,

limα→+∞

∫ b

a

f(x) sin(αx + β) dx = 0.

Demonstracao. Se f e constante, tem-se

∣∣∣∣∣

∫ b

a

sin(αx+ β) dx

∣∣∣∣∣=

∣∣∣∣

cos(αa+ β) − cos(αb+ β)

α

∣∣∣∣≤ 2

α

α→+∞−→ 0,

e logo o resultado e ainda verdadeiro se f e uma funcao em escada.Dado agora um ε > 0 qualquer, seja P uma particao de [a, b] tal queSP (f)−SP (f) < ε/2 e designemos por m(x) e M(x) as funcoes em escadaassociadas a SP (f) e SP (f); e claro que m(x) ≤ f(x) ≤M(x). Entao

∣∣∣∣∣

∫ b

a

(f(x) −m(x)) sin(αx + β) dx

∣∣∣∣∣≤

≤∫ b

a

M(x) −m(x) dx = S(P ) − S(P ) < ε/2.

Por outro lado, existe A suficientemente grande tal que, para α > A, se

tem∣∣∣

∫ b

a m(x) sin(αx + β) dx∣∣∣ < ε/2. Logo

∣∣∣∣∣

∫ b

a

f(x) sin(αx + β) dx

∣∣∣∣∣< ε para α > A.

Observacoes. 1. Fazendo β = 0, π/2, obtemos em particular

limα→+∞

∫ b

a

f(x) sinαxdx = limα→+∞

∫ b

a

f(x) cosαxdx = 0.

2. O leitor facilmente deriva da precedente demonstracao que

limα→+∞

∫ l

k

f(x) sin(αx + β) dx = 0,

uniformemente em k, l ∈ [a, b].

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350 8. Series de Fourier

Corolario. Seja f absolutamente integravel em [a, b] ⊂ R. Entao

limα→+∞

∫ l

k

f(x) sin(αx + β) dx = 0,

uniformemente em k, l ∈ [a, b].

Demonstracao. Basta decompor∫ b

a f segundo os intervalos associadosaos pontos improprios e mostrar que em cada um deles se tem o resultado.Mostremos por exemplo, no caso de b = +∞, que

limα→+∞

∫ +∞

c

f(x) sin(αx + β) dx = 0.

Dado ε > 0, seja M tal que∫ +∞

M |f(x)| < ε/2. Por outro lado, resulta daproposicao que existe A > 0 tal que, para α > A, se tem

∣∣∣∣∣

∫ M

c

f(x) sin(αx+ β) dx

∣∣∣∣∣< ε/2.

Logo

∣∣∣∣

∫ +∞

c

f(x) sin(αx+ β) dx

∣∣∣∣≤

∣∣∣∣∣

∫ M

c

+

∫ +∞

M

∣∣∣∣∣< ε/2 + ε/2 = ε.

8.3.2. Proposicao. Seja f uma funcao absolutamente integravel em[a, b] ⊂ R e ϕ uma funcao monotona em [k, l] ⊂ [a, b]. Entao

limα→+∞

∫ l

k

f(x+ t)ϕ(t) sinαt dt =

= limα→+∞

∫ l

k

f(x+ t)ϕ(t) cosαt dt = 0,

uniformemente em x, k, e l tal que k + x ∈ [a, b] e l + x ∈ [a, b].

Demonstracao. Faca-se uα =∫ l

kf(x + t) sinαt dt (ϕ ≡ 1) e mostremos

primeiro o resultado para uα. A mudanca de variavel t+ x = τ da-nos

uα =

∫ l+x

k+x

f(τ) sinα(τ − x) dτ

=

∫ l+x

k+x

f(τ) [sinατ cos αx − cosατ sinαx] dτ

= cosαx

∫ l+x

k+x

f(τ) sinατ dτ − sinαx

∫ l+x

k+x

f(τ) cosατ dτ,

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8. Series de Fourier 351

e o resultado sai agora do corolario anterior. Analogamente para uα =∫ l

kf(x + t) cosαt dt. Tomando agora ϕ monotona em [k, l], resulta do

segundo teorema da media (cf. (5.5.6.))

∫ l

k

f(x+ t)ϕ(t) sinαt dt =

= ϕ(k)

∫ c

k

f(x+ t) sinαt dt+ ϕ(l)

∫ l

c

f(x+ t) sinαt dt

(1)

para algum c entre k e l. Aplicando a primeira parte da demons-tracao a cada um dos anteriores integrais no segundo membro de (1) edado que ϕ e limitada, obtemos a conclusao.

No que se segue, supomos f uma funcao periodica de perıodo 2π eabsolutamente integravel em [−π, π]. Entao e claro que f e absolutamenteintegravel em qualquer intervalo [a, b] ⊂ R. Vimos antes que a convergenciada serie de Fourier de f em x ∈ [−π, π[ (e portanto em todo o ponto 2π-congruente aquele) e determinada pela convergencia da sucessao das somasparciais, dada pelo integral (cf. (8.2.7.))

Sn(x) =1

π

∫ π

−π

f(t+ x)

sin

(

n+1

2

)

t

2 sint

2

dt. (2)

8.3.3. Teorema. A serie de Fourier de f e convergente no ponto x ∈ Re tem por soma S(x) se e so se ∀δ > 0, ∃ε > 0 tal que

∣∣∣∣

1

π

∫ ε

0

[f(x+ t) + f(x− t) − 2S(x)]sin(n+ 1/2) t

tdt

∣∣∣∣< δ (3)

para n > n(δ). A serie e uniformemente convergente no intervalo [p, q], seS(x) e limitada em [p, q] e se existe ε > 0, independente de x ∈ [p, q], talque se tenha (3).

Demonstracao. Escreva-se a sucessao das somas parciais dada por (2)como

Sn(x) = γn(x) +1

π

∫ ε

−ε

f(t+ x)sin(n+ 1/2) t

2 sin t/2dt

com ε > 0 ja fixado, mas a determinar a posteriori, e em que

γn(x) =1

π

∫ −ε

−π

+1

π

∫ π

ε

.

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352 8. Series de Fourier

E claro da proposicao 8.3.2. que γn(x) → 0 (n→ ∞) e uniformemente emx ∈ [p, q]; tenha-se presente que f e absolutamente integravel em qualquer

[a, b] ⊂ R e1

2 sin(t/2)e monotona em [−π,−ε] e [ε, π]. Por outro lado,

defina-se

ϕ(t) =

1

2 sin t/2− 1

tse t 6= 0

0 se t = 0

Facilmente se ve (exercıcio) que ϕ(t) e funcao de classe C1 em [−ε, ε]com ϕ′(0) = −1/4!. Escolhe-se entao ε de modo a que ϕ tenha derivadanegativa, e logo seja monotona em [−ε, ε]. Tem-se

Sn(x) = γn(x) +1

π

∫ ε

−ε

f(t+ x) sin[(n+ 1/2) t]ϕ(t) dt+

+1

π

∫ ε

−ε

f(t+ x)sin(n+ 1/2) t

tdt

e de novo pela prop. 8.3.2., o primeiro integral tende para zero (n → ∞),e portanto

Sn(x) = γn(x) +1

π

∫ ε

−ε

f(t+ x)sin(n+ 1/2) t

tdt (4)

com γn(x) → 0 (n → ∞) uniformemente em x ∈ [p, q].Consideremos agora a funcao g(x) ≡ 1 e determine-se as somas parciais dasua serie de Fourier

Sn(x) =a0

2+

n∑

k=1

(ak cos kx+ bk sin kx)

coma0 = 1

π

∫ π

−π1.dt = 2;

ak = 1π

∫ π

−π1. cos kt dt = 0;

bk = 1π

∫ π

−π1. sinkt dt = 0.

(k = 1, 2 . . .).

Assim, Sn(x) = 1 para a funcao g(x) ≡ 1; aplicando (4) a esta funcao,tem-se

1 = γ∗n +1

π

∫ ε

−ε

1.sin(n+ 1/2) t

tdt, γ∗n

n→∞−→ 0.

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8. Series de Fourier 353

Multiplicando esta igualdade por um dado valor numerico S(x) e subtraindode (4), obtemos

Sn(x) − S(x) = ρn(x) +1

π

∫ ε

−ε

[f(t+ x) − S(x)]sin(n+ 1/2) t

tdt.

Decompondo∫ ε

−ε=

∫ 0

−ε+

∫ ε

0e mudando a variavel t → −t no primeiro

integral, tem-se enfim

Sn(x) − S(x) =

=ρn(x) +1

π

∫ ε

0

[f(t+ x) + f(x− t) − 2S(x)]sin(n+ 1/2) t

tdt

com ρn(x) = γn(x) − S(x)γ∗nn→∞−→ 0 uniformemente em x ∈ [p, q], desde

que S(x) seja limitada em [p, q]. A conclusao do teorema e agora imediata.

8.3.4. Teorema. Seja f uma funcao 2π-periodica e localmente absoluta-mente integravel. Suponhamos que numa vizinhanca de um ponto x0 ∈ R,f verifica a condicao

|f(x) − f(x0)| ≤ C|x− x0|α, α > 0, x ∈ V (x0). (5)

Entao f(x0) e soma da sua serie de Fourier no ponto x0.

Demonstracao. Seja ε > 0 tal que [x0 − ε, x0 + ε] ⊂ V (x0). FazendoS(x0) = f(x0), o primeiro membro de (3) vem inferior a

1

π

∫ ε

0

1

t|f(x0 + t) − f(x0)| dt+

1

π

∫ ε

0

1

t|f(x0 − t) − f(x0)| dt <

<2

π

C

αεα < δ

com ε pequeno.

Utilizando o mesmo raciocınio e de novo o teorema 8.3.3., imediata-mente se obtem

Corolario 1. Seja f uma funcao 2π-periodica e localmente absolutamenteintegravel, verificando a condicao de Holder:

|f(x1) − f(x2)| ≤ C|x1 − x2|α, α > 0, ∀x1, x2 ∈ [p, q].

Entao a serie de Fourier de f converge uniformemente em qualquer inter-valo [p+ ε, q − ε], ε > 0.

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354 8. Series de Fourier

Corolario 2. Seja f uma funcao 2π-periodica e localmente absolutamenteintegravel. Entao a serie de Fourier de f converge em x0 ∈ R se existem esao finitas as derivadas laterais f ′

d(x0) e f ′e(x0). Se alem disso f e contınua

e satisfaz |f ′(x)| ≤M, M > 0, para todo o x ∈ [p, q], excepto num numerofinito de pontos, entao a serie de Fourier de f converge uniformementepara f em [p+ ε, q − ε], ε > 0.

Demonstracao. Se f tem derivadas laterais finitas em x0, e claro quenuma vizinhanca de x0, f satisfaz a condicao (5) com α = 1 (porque?), eo resultado sai logo do teorema anterior. Finalmente, sendo f contınua talque |f ′(x)| ≤ M, ∀x ∈ [p, q] excepto num numero finito de pontos, f e aılipschitziana (porque?) e a conclusao sai agora do corolario anterior.

O teorema seguinte e um dos resultados mais gerais da teoria classicadas series de Fourier.

8.3.5. Teorema (Jordan). Seja f uma funcao 2π-periodica. Suponha-seque f e de variacao limitada numa vizinhanca de um ponto x0, V (x0) =[x0 − η, x0 + η]. Entao a serie de Fourier de f converge no ponto x0 para

o valor medio de f nesse ponto:1

2[f(x+

0 ) + f(x−0 )].

Demonstracao. Se f e de variacao limitada em [x0 − η, x0 + η], a funcao

ψ(t) = f(x0 + t) − f(x+0 ) + f(x0 − t) − f(x−0 )

e de variacao limitada em [0, η] e logo e diferenca de duas funcoes cres-centes: ψ(t) = ψ1(t) − ψ2(t). Como lim

t→0+ψ(t) = 0, tem-se lim

t→0+ψ1(t) =

limt→0+

ψ2(t) = C e pode admitir-se C = 0 (basta observar que ψ(t) =

(ψ1(t) − C) − (ψ2(t) − C) ). Entao, ψ1(t) e ψ2(t) sao funcoes nao nega-

tivas em ]0, η]. Tomando agora S(x0) =1

2[f(x+

0 )+f(x−0 )], o integral (3) do

teorema 8.3.3. decompoe-se em duas parcelas; uma delas e (por exemplo)

∫ ε

0

ψ1(t)sin(n+ 1/2) t

tdt.

Do segundo teorema da media, tira-se entao

∣∣∣∣

∫ ε

0

ψ1(t)sin(n+ 1/2) t

tdt

∣∣∣∣= ψ1(ε)

∣∣∣∣

∫ ε

ρ

sin(n+ 1/2) t

tdt

∣∣∣∣=

ψ1(ε)

∣∣∣∣∣

∫ (n+1/2)ε

(n+1/2)ρ

sin t

tdt

∣∣∣∣∣≤ ψ1(ε)

∫ π

−π

sin t

tdt,

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8. Series de Fourier 355

dado que (exercıcio),

∣∣∣∣∣

∫ b

a

sin t

tdt

∣∣∣∣∣≤

∫ π

−π

sin t

tdt, ∀a, b ∈ R.

Como ψ1(0+) = 0 e portanto ψ1(ε) < δ

/ (

2

∫ π

−π

sin t

tdt

)

desde que ε

seja suficientemente pequeno, a conclusao sai do teorema 8.3.3.

Consequencia imediata e o seguinte

Corolario 1. Seja f uma funcao 2π-periodica e contınua em x0. Se f ede variacao limitada numa vizinhanca V (x0), entao a serie de Fourier def converge no ponto x0 para f(x0).

Observacao. Se f e de variacao limitada em [a, b], o teorema de Jordanaplica-se a todos os pontos interiores, x ∈]a, b[, mas nao necessariamente aa e b. Contudo, se b = a+ 2π, pela periodicidade 2π de f , esta e ainda devariacao limitada em todo o intervalo que contenha [a, b], e logo o teoremaainda se aplica a a e b.

Corolario 2. Seja f uma funcao 2π-periodica. Suponha-se que f ede variacao limitada e contınua num intervalo [a, b]. Entao a serie deFourier de f converge uniformemente para f(x) em qualquer intervalo[a+ ε, b− ε], ε > 0.

Demonstracao. Como f e de variacao limitada, tem-se em [a, b], f(x) =ϕ1(x)−ϕ2(x) com ϕ1 e ϕ2 funcoes crescentes. Consideremos agora a funcaot→ ψ(x, t), dada por

ψ(x, t) = f(x+ t) + f(x− t) − 2f(x), x ∈ [a, b].

Entao ψ(x, t) = ψ1(x, t) − ψ2(x, t), com

ψ1(x, t) = ϕ1(x+ t) − ϕ2(x− t) − ϕ1(x) + ϕ2(x) ≥ 0

ψ2(x, t) = ϕ2(x+ t) − ϕ1(x− t) − ϕ2(x) + ϕ1(x) ≥ 0.

Sendo f contınua em [a, b], ϕ1 e ϕ2 sao tambem contınuas em [a, b] (cf.(5.8.7.), Cor.1.) e logo uniformemente contınuas (cf. (3.3.14.)). Retomandoa demonstracao do teorema de Jordan, resulta da continuidade uniformede ϕ1 e ϕ2

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356 8. Series de Fourier

ψ1(x, t) = [ϕ1(x + t) − ϕ1(x)] + [ϕ2(x) − ϕ2(x− t)] <

2∫ π

−π sin t/t dt+

δ

2∫ π

−π sin t/t dt

desde que 0 < t < ε e uniformemente em x ∈ [a+ ε, b− ε].

8.3.6. Exemplos. Como vimos, o desenvolvimento em serie de Fourier deuma funcao f : [a, b] → R, absolutamente integravel em [a, b], correspondeao desenvolvimento da funcao periodica de perıodo T = b − a, prolonga-mento de f , e os coeficientes da serie, an, bn, vem dados por

an =2

T

∫ b

a

f(x) cosnωxdx, bn =2

T

∫ b

a

f(x) sinnωxdx,

com ω = 2π/T (cf. (8.2.4.),(4.)). Frequentemente, procura-se o desenvolvi-mento de Fourier de funcoes 2π-periodicas. Tratando-se de funcoes pares(resp. ımpares) obtem-se, o desenvolvimento em serie de cossenos (resp.serie de senos) com os coeficientes an (resp. bn) dados por (8.2.4.,(1.)). Osvarios resultados de convergencia exibidos determinam os pontos em que aserie converge, em particular para f(x), e uniformemente nalguma regiaoD ⊂ R.

1. Desenvolva em serie de Fourier, f(x) = |x|, −π < x < π.

Vimos anteriormente (cf. (8.2.4.),(2.)) que

|x| ∼ π

2− 4

π

(

cosx+cos 3x

32+

cos 5x

52+ · · ·

)

, x ∈] − π, π[. (1)

A funcao f(x) = |x| e de variacao limitada em [−π, π] (e derivavel comderivada limitada em ]− π, π[\{0}, (cf. (5.8.4.), Cor.2.)) e claramentecontınua em ] − π, π[. Observe-se ainda que o prolongamento 2π-periodico de f , digamos f , e ainda contınua em −π e π, e maisgeralmente, em kπ, k ∈ Z; basta notar (por ex. no ponto π)

f(π−) = π e f(π+) = f((−π)+) = |π| = π.

−3 π −2 π −π π 2 π 3 π

1

2

3

Figura 8.7

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8. Series de Fourier 357

Logo, tem-se a igualdade no desenvolvimento (1), e mais geralmente

f(x) =π

2− 4

π

(

cosx+cos 3x

32+

cos 5x

52+ · · ·

)

, ∀x ∈ R,

e uniformemente em todo o [a, b] ⊂ R.

2. Mostre a validade do desenvolvimento

x2 =4

3π2 + 4

∞∑

n=1

(cosnx

n2− π sinnx

n

)

, 0 < π < 2π.

Trata-se do desenvolvimento da funcao 2π-periodica, determinada porf(x) = x2, x ∈]0, 2π[. Entao

a0 =1

π

∫ 2π

0

f(x) dx =8π2

3

e alem disso, simples (mas cuidadosas) integracoes por partes, dao-nos

an =4

n2, bn =

−4π

n.

−4 π −3 π −2 π −π π 2 π 3 π 4 π

10

20

30

40

Figura 8.8

Claro que f(x) e de variacao limitada em [0, 2π] e e contınua em ]0, 2π[.Porem, f(0+) = 0 6= f((2π)−) = f(0−) = 4π2. Assim, a serie e convergenteem ]0, 2π[ para a funcao e uniformemente em [ε, 2π − ε]. Nos extremos dointervalo, aplica-se o teorema de Jordan na sua generalidade; no ponto 0,por exemplo, a soma da serie vem dada por [f(0+)+ f(0−)]/2 = 2π2 e logo,

2π2 =4

3π2 + 4

∞∑

n=1

1

n2.

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358 8. Series de Fourier

Daqui resulta a formula

∞∑

n=1

1

n2=π2

6.

3. Veja-se agora um exemplo mais elaborado, no que respeita ao calculodos coeficientes de Fourier. Mostremos o seguinte desenvolvimento deFourier

log∣∣∣sin

x

2

∣∣∣ = − log 2 −

∞∑

n=1

cosnx

n, x 6= 2kπ, k ∈ Z.

A funcao log |sinx/2|, definida em R \ {2kπ}, k ∈ Z, e 2π-periodicae par. Repare-se ainda que a funcao e absolutamente integravel em[0, π]. Logo, tem-se o desenvolvimento em serie de cossenos

a0

2+

∞∑

n=1

an cosnx

com

a0 =2

π

∫ π

0

log(

sinx

2

)

dx, an =2

π

∫ π

0

log(

sinx

2

)

cosnxdx.

Calculo de a0 : Tem-se

∫ π

0

log(

sinx

2

)

dx =

=2

∫ π/2

0

log (sinx) dx = 2

∫ π/2

0

log[

2 sinx

2cos

x

2

]

dx = (2)

=π log 2 + 2

∫ π/2

0

log(

sinx

2

)

dx+ 2

∫ π/2

0

log(

cosx

2

)

dx.

Mas como cosx/2 = sin[(π − x)/2], mudando a variavel no ultimointegral, tem-se

∫ π/2

0

log(

cosx

2

)

dx =

∫ π

π/2

log(

sinx

2

)

dx

e de (2) resulta

∫ π

0

log(

sinx

2

)

dx = −π log 2, pelo que a0/2 = − log 2.

Calculo dos an : Integrando por partes, tem-se (n ≥ 1)

∫ π

0

log(

sinx

2

)

cosnxdx = − 1

n

∫ π

0

1

2 sinx/2cosx/2. sinnxdx. (3)

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8. Series de Fourier 359

Mas (recorde-se que sin a+ sin b = 2 sin(a+ b)/2 cos(a− b)/2),

cosx

2. sinnx =

1

2

[

sin(

nx+x

2

)

+ sin(

nx− x

2

)]

e logo, o integral em (3) desdobra-se nas parcelas

− 1

2n

[∫ π

0

sin(n+ 1/2)x

2 sinx/2dx+

∫ π

0

sin((n− 1) + 1/2)x

2 sinx/2dx

]

.

Finalmente, dado que (cf. (8.2.6.))

sin (n+ 1/2) x

2 sinx/2=

1

2+ cosx+ cos 2x+ · · · + cosnx, n ≥ 0,

obtemos por simples integracoes

∫ π

0

log(

sinx

2

)

cosnxdx = − 1

2nπ

e portanto an = − 1

n.

−4 π −3 π −2 π −π π 2 π 3 π 4 π

−5

−4

−3

−2

−1

Figura 8.9

Dado que a funcao log | sinx/2| e contınua em ] − π, 0[∪]0, π[, e devariacao limitada em todo o intervalo compacto contido em ]−π, 0[∪ ]0, π[,a serie de Fourier converge para a funcao em todo x ∈ R, x 6= 2kπ, k ∈ Z.

8.3.6. Integracao e derivacao das series de Fourier.

A integracao termo a termo das series de Fourier aplica-se, natural-mente, sempre que se esteja nas condicoes de convergencia uniforme num

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360 8. Series de Fourier

intervalo [a, b] (cf. (7.3.2.)). Particularmente notavel e, contudo, a possibil-idade de derivar termo a termo a serie de Fourier de uma funcao periodicasuficientemente regular ( i.e. de classe Ck). Suponha-se, com efeito, quef : R → R e uma funcao 2π-periodica e derivavel. Entao, uma simplesintegracao por partes da-nos

πan =

∫ π

−π

f(x) cosnxdx =

=

[1

nf(x) sinnx

−π

− 1

n

∫ π

−π

f ′(x) sinnxdx = (1)

= − 1

n

∫ π

−π

f ′(x) sinnxdx

πbn =

∫ π

−π

f(x) sinnxdx =

=

[

− 1

nf(x) cosnx

−π

+1

n

∫ π

−π

f ′(x) cosnxdx = (1′)

=1

n

∫ π

−π

f ′(x) cosnxdx

O mesmo resultado se obtem supondo que f e uma funcao 2π-periodica,contınua e admitindo derivada absolutamente integravel (i.e. a funcao f ′(x)esta definida em todos os pontos de [−π, π] excepto num numero finito depontos e e funcao absolutamente integravel).

Mais geralmente, se f e uma funcao 2π-periodica, de classe Ck e comderivada f (k+1) absolutamente integravel, aplicando sucessivamente (1) e(1′) e tendo presente que f, f ′, . . . , f (k), sao ainda 2π-periodicas (porque?)e contınuas, tem-se

π|an| =1

n

∣∣∣∣

∫ π

−π

f ′(x) sinnxdx

∣∣∣∣=

=

(1

n

)k+1 ∣∣∣∣

∫ π

−π

f (k+1)(x) sinnxdx

∣∣∣∣

se k par

(1

n

)k+1 ∣∣∣∣

∫ π

−π

f (k+1)(x) cosnxdx

∣∣∣∣

se k ımpar

e analogamente para os coeficientes bn. Em qualquer dos casos

|an|, |bn| ≤C

nk+1,

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8. Series de Fourier 361

o que mostra que os coeficientes de Fourier de f , an e bn, convergem para0 (n→ ∞) tanto mais rapidamente quanto mais regular for a funcao f .

8.3.7. Teorema. Seja f : R → R uma funcao 2π-periodica, de classe Ck,com k ≥ 3, e com derivada f (k+1) absolutamente integravel. Entao a seriede Fourier de f pode ser derivada termo a termo k − 1 vezes.

Demonstracao. E claro que f e soma da sua serie de Fourier

f(x) =a0

2+

∞∑

n=1

(an cosnx+ bn sinnx),

e tal como vimos, tem-se

|an|, |bn| ≤C

nk+1.

Derivando termo a termo k−1 vezes, a serie obtida e majorada em modulo

por∑ D

n2, e portanto uniformemente convergente (cf. (7.1.10.)). A

conclusao sai agora da proposicao 7.3.3., Corolario 1.

8.3.8. Aproximacao polinomial de Weierstrass.

Os resultados de convergencia para as series de Fourier permitem-nosmostrar, sem dificuldade, um importante teorema de aproximacao devidoa Weierstrass, o qual estabelece que toda a funcao contınua num intervalo[a, b] ⊂ R e limite uniforme de polinomios.

8.3.9. Proposicao. Seja f : [a, b] → R uma funcao contınua. Entao,

para todo δ > 0 existe um polinomio trigonometrico, Sm(x) =a0

2+

m∑

k=1

(ak cos kx+ bk sin kx), tal que

|f(x) − Sm(x)| < δ, ∀x ∈ [a, b].

Demonstracao. Dado que f e contınua em [a, b], ela e aı uniformementecontınua (cf. (3.3.14.)) e logo, existe η > 0 tal que

|x− y| < η =⇒ |f(x) − f(y)| < δ/4.

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362 8. Series de Fourier

Seja a = x1 < x2 < · · · < xn = b uma particao tal que |xi+1 − xi| < η,i = 1, . . . , n − 1, e fixemos um intervalo [α, β] satisfazendo [a, b] ⊂]α, β[.Defina-se entao a funcao poligonal L : [α, β] → R (cf. Fig. 8.10)

L(α) = 0 = L(β), L(xi) = f(xi), i = 1, . . . , n

L(x) = L(xi) + (x− xi)f(xi+1) − f(xi)

xi+1 − xi, x ∈ [xi, xi+1],

i = 0, . . . , n, x0 = α, xn+1 = β

a b β α

Figura 8.10

Dado que todo x ∈ [a, b] pertence a algum [xi, xi+1], logo se ve que

|f(x) − L(x)| ≤ |f(x) − f(xi)| + |f(xi) − L(x)| ≤(1)

≤ |f(x) − f(xi)| + |f(xi) − f(xi+1)| < δ/4 + δ/4 = δ

Como L(α) = L(β) = 0, a funcao L admite um prolongamento periodicocomo funcao contınua, com derivada em todos os pontos de [α, β] exceptonum numero finito, e logo e soma uniforme da sua serie de Fourier (cf.(8.3.4.), Cor.2). Entao, existe m ∈ N tal que

|L(x) − Sm(x)| < δ, ∀x ∈ [a, b] (2)

sendo Sm o polinomio trigonometrico associado a L. A conclusao sai agorade (1) e (2).

8.3.10. Teorema (da aproximacao de Weierstrass). Seja f umafuncao contınua no intervalo [a, b] ⊂ R. Entao para todo δ > 0, existe umpolinomio (algebrico) P (x) tal que

|f(x) − P (x)| < δ, ∀x ∈ [a, b].

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8. Series de Fourier 363

Demonstracao. Pela anterior proposicao, dado δ > 0, existe um

polinomio trigonometrico Sm(x) =a0

2+

m∑

k=1

(ak cos kx+ bk sin kx) tal que

|f(x) − Sm(x)| < δ, ∀x ∈ [a, b].

Como as funcoes cosx e sinx sao analıticas em R o mesmo sucede a cos kxe sin kx, que portanto sao limite uniforme dos seus polinomios de Taylorem cada compacto de R (cf. (7.4.4.)). Assim, sejam Pk(x) e Qk(x) ospolinomios de Taylor tais que

|ak cos kx− Pk(x)| < δ/2m, |bk sinkx−Qk(x)| < δ/2m, ∀x ∈ [a, b].

Fazendo P (x) =a0

2+

m∑

k=1

(Pk(x) +Qk(x)), e agora claro que

|f(x) − P (x)| < 2δ, ∀x ∈ [a, b].

Exercıcios

1. Mostre que sao periodicas as seguintes funcoes

a) f : R → R, f(x) = x− αI(x

α

)

, α ∈ R \ {0};

b) f : R → R, f(x) = | sin (√

2x+ 1)|;c) f : R → R, f(x) = sin3 x+ cos3 x;

d) f : D → R, f(x) = tan (x+ sinx).

2. Demonstre que a funcao f : R → R, f(x) = sin√

|x|, nao eperiodica.

3. Determine o perıodo mınimo positivo da funcao

f(x) = 8 sin

(9x

8

)

+ 2 cos

(3x

2

)

.

4.a) De um exemplo de uma funcao periodica em que todo o numero

racional e perıodo e nenhum irracional o e.

b) Podera existir uma funcao periodica em que todo o irracional eperıodo e nenhum racional o e ?

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364 8. Series de Fourier

5. Mostre que a funcao f : D → R, D ⊂ R, e periodica se existe T 6= 0tal que

x ∈ D =⇒ x+ T ∈ D, x− T ∈ D, f(x+ T ) = −f(x).

6. Desenvolva em serie de Fourier no intervalo ] − π, π[, as seguintesfuncoes :

a) f(x) =

ax se −π < x ≤ 0

bx se 0 < x < πa, b ∈ R; b) f(x) = x2;

c) f(x) = sin ax; c) f(x) = sinhx; d) f(x) = eax, (a ∈ R).

7. Desenvolva em serie de senos a funcao f(x) =π

4, 0 < x < π.

Aproveite o resultado para calcular a soma das seguintes series

a) 1 − 1

3+

1

5− 1

7+ · · · ; b) 1 +

1

5− 1

7− 1

11+

1

13+

1

17− · · ·

8. Desenvolva em serie de Fourier a funcao 2π-periodica, | sinx|, e use oresultado para mostrar que

∞∑

1

1

4n2 − 1=

1

2;

∞∑

1

(−1)n

4n2 − 1=

1

2− π

4.

9. Demonstre a validade dos seguintes desenvolvimentos

a) x = π − 2

∞∑

n=1

sinnx

nse 0 < x < 2π

b)x2

2= πx− π2

3+ 2

∞∑

n=1

cosnx

n2se 0 ≤ x ≤ 2π

c) x2 =4

3π2 + 4

∞∑

n=1

(cosnx

n2− π sinnx

n

)

se 0 < x < 2π

d) cosx =8

π

∞∑

n=1

n sin 2nx

4n2 − 1se 0 < x < π

e) x cosx = −1

2sinx+ 2

∞∑

n=2

(−1)nn sinnx

n2 − 1se − π < x < π

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8. Series de Fourier 365

10. Tendo presente o exemplo (8.3.6.(3.)), mostre os seguintes desenvolvi-mentos

a) log∣∣∣cos

x

2

∣∣∣ = − log 2−

∞∑

n=1

(−1)n cosnx

nse x 6= (2k+1)π, k ∈ Z

b) log∣∣∣tan

x

2

∣∣∣ = −2

∞∑

n=1

cos(2n− 1)x

2n− 1se x 6= kπ, k ∈ Z

11. Escreva as series de Fourier e investigue a sua convergencia para asfuncoes f, g, h :] − π, π] → R :

a) f(x) = sin2 x

b) g(x) =

x3 se x > 0

x2 se x ≤ 0

c) h(x) =

x2 + 1 se x ≥ 0

0 se x < 0

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Bibliografia 367

BIBLIOGRAFIA

[1] Apostol, Tom. Mathematical Analysis, Addison-Wesley, Mas-sachusets, U.S.A. (1957)

[2] Apostol, Tom. Calculus, Vol. I, Blaisdell Pub. Comp. (1967)

[3] Bourbaki, N. Fonctions d’une variable reelle, Livre IV, Hermann(1961)

[4] Campos Ferreira, J. Introducao a Analise Matematica, Fun-dacao Calouste Gulbenkian (1987)

[5] Courant, J e John, F. Introduction to Calculus and Analysis,Interscience Publishers, New York, London, Sydney (1965)

[6] Goncalves, J.V. Curso de Algebra Superior (1950)

[7] Guerreiro, J. Santos Curso de Matematicas Gerais, Vol. 2, 3,Livraria Escolar Editora (1973)

[8] Lima, E. L. Curso de Analise, Vol.1, IMPA, Rio de Janeiro (1987)

[9] Nickolsky, S.M. A Course of Mathematical Analysis, Vol. 1, MirPublishers, Moscow (1977)

[10] Rudin, W. Principles of Mathematical Analysis, Mc Graw-Hill(1964)

[11] Spivac, M. Calculus, Benjamin (1974)

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INDICE REMISSIVO

A

Aproximacao polinomial, 361

Argumento de um complexo, 33

Assıntota, 164

Axioma

de Arquimedes, 2

do encaixe, 3

Axiomatica dos reais, 1

C

Cobertura

de um conjunto, 109

Comprimento de arco, 243

Concavidade local, 163

Conjunto(s)

aberto, 67

compacto, 109

de medida nula, 196

denso, 69

derivado, 69

equipotentes, 9

fechado, 67

ınfimo de, 14

limitado, 13

majorado, 13

minorado, 13

numeravel, 9

supremo de, 14

Continuidade uniforme, 111

Contracao, 112

Convergencia

pontual, 303

uniforme, 306

Corpo

comutativo, 2

dos reais, 1

totalmente ordenado, 2

Cortes de Dedekind, 11

Criterio

da raız, 288

de Cauchy, 56, 89, 308

de comparacao, 281, 288

de convergencia, 281

de d’Alembert, 293

de Raab, 191

de Weierstrass para a

convergencia uniforme, 309

do integral, 289

Curva

no plano, 243

retificavel, 243

D

Derivada

da funcao composta, 136

da funcao inversa, 138

de funcao monotona, 139

de ordem n, 153

infinita, 131

lateral, 130

num ponto, 129

Derivacao

de series de Fourier, 359

termo a termo, 318

Descontinuidade

de primeira especie, 101

de segunda especie, 101

Desenvolvimento

assintotico, 267

resto do, 267

precisao do, 267

E

Extremo relativo, 142

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F

Formula

de Barrow, 206

de Leibnitz, 154

de Mac-Laurin, 158

de Moivre, 34

de Taylor, 157

Funcao(oes)

absolutamente integravel, 341

analıtica, 326

composta, 23

contınua, 100

contradomınio de, 20

crescente, 22

de classe Cn, 153

de classe C∞, 153

de variacao limitada, 238

decrescente, 22

derivavel, 129

diferenciavel, 153

domınio de, 19

elementar, 214

em escada, 200

equivalentes, 262

exponencial, 114

hiperbolicas, 166

grafico de, 20

ımpar, 21

indefinidamente

diferenciavel, 153

ınfimo de, 24

inversa, 23

linear, 20

lipschitziana, 111

localmente integravel, 201

logarıtmo, 118

monotona, 22

padrao, 260

par, 20

periodica, 336

racional, 20, 221

real, 19

restricao, 22

salto de, 101

sinal, 21

supremo de, 24

trigonometricas, 246

G

Grafico, 20

I

Integral

absolutamente

convergente, 235

de Riemann, 181

definido, 182

improprio, 232

indefinido, 201

inferior, 185

superior, 185

Integracao

de series de Fourier, 359

por partes, 211

termo a termo, 314

Intervalo

aberto, 3

fechado, 3

semiaberto, 3

L

Limite(s)

de funcao, 85

de funcao monotona, 95

indeterminados, 150

inferior de funcao, 97

inferior de sucessao, 73

laterais, 93

relativos, 93

superior de funcao, 97

superior de sucessao, 73

M

Majorante, 13

Maximo relativo, 142

Mınimo relativo, 142

Minorante, 13

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N

Notacao de Landau, 263

Numero

complexo, 27

complexo conjugado, 30

imaginario puro, 30

irracional, 6

O

Oscilacao de uma funcao, 188

P

Parte principal de funcao, 262

Particao, 181

Polinomio, 20, 219

Polinomio de Taylor, 157

Polinomio trigonometrico, 340

Ponto

aderente, 68

crıtico, 142

de acumulacao, 69

de inflexao, 162

exterior, 67

fronteiro, 67

interior, 67

isolado, 69

Primitiva(s), 204,

imediatas, 215

Primitivacao

das funcoes racionais, 219

por partes, 217

por substituicao, 218

Produto

de Cauchy, 65

de series, 65

R

Racionalizacao de funcoes, 225

Reta

acabada, 17

real, 13

Regra

de L’Hospital, 150

de Cauchy, 151

Representacao

decimal, 7

geometrica dos reais, 11

trigonometrica dos

complexos, 32

Resto

de Lagrange, 160

de ordem n, 157

de Peano, 159

S

Salto, 101

Serie(s)

absolutamente convergente, 60

alternada, 61

associatividade, 62

comutatividade, 62

convergente, 55

de Dirichlet, 61

de Fourier, 335, 343

de funcoes, 303

de Mac-Laurin, 322

de Mengoli, 58

de potencias, 310

de Taylor, 322

de termos positivos, 58, 288

divergente, 55

geometrica, 57

harmonica, 56

pontualmente convergente, 303

produto de, 65

real, 55

repetidas, 320

resto de ordem n, 56

simplesmente convergente, 60

soma de uma, 55

trigonometrica, 342

Somas de Darboux, 183

Sublimite, 70

Subsucessao, 70

Sucessao

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convergente, 44

de Cauchy, 52

de funcoes, 303

divergente, 44

dupla, 320

enquadrada, 48

limitada, 44

limite de, 44

limite inferior de, 73

limite superior de, 73

monotona, 45

real, 22, 43

recorrente, 51

T

Teorema

Abel, Dirichlet, 61, 310

da Aproximacao de

Weierstrass, 362

da continuidade da funcao

inversa, 108

da Existencia de zeros, 104

da Mudanca de variavel

no integral, 208

de Abel, 312

de Bolzano, 106

de Bolzano-Weierstrass, 71

de Cantor, 112

de Darboux, 144

de Jordan, 354

de Lebesgue, 197

de Riemann (comutatividade

das series), 64

de Rolle, 143

de Weierstrass, 111

do valor medio de Cauchy, 149

do valor medio de

Lagrange, 145

Fundamental do Calculo, 202

Primeiro Teorema da

Media, 211

Princıpio de

Cauchy-Bolzano, 52

Princıpio do

Supremo e do Infimo, 15

Segundo Teorema da

Media, 212

Topologia

em R, 67, 72

V

Valor absoluto, 9, 31

Variacao total, 240

Vizinhanca, 67

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Volumes publicados

1. Luís Sanchez

Métodos da Teoria de Pontos Críticos, 1993.

2. Miguel P. N. Ramos

Teoremas de Enlace na Teoria de Pontos Críticos, 1993.

3. Orlando Neto

Equações Diferenciais em Superfícies de Riemann, 1994.

4. A. Bivar Weinholtz

Integral de Riemann e de Lebesgue em N, 4ª Ed., 2006.

5. Mário S. R. Figueira

, 5ª Ed., 2011.

6. Owen J. Brison

Teoria de Galois, 4ª Ed., 2003.

7. A. Bivar Weinholtz

Equações Diferenciais - Uma Introdução, 3ª Ed., 2005.

8. Armando Machado

Tópicos de Análise e Topologia em Variedades (Esgotado), 1997.

9. Armando Machado

Geometria Diferencial - Uma Introdução Fundamental, 2ª Ed., 2002.

10. A. Bivar Weinholtz

Teoria dos Operadores, 1998.

11. T. Monteiro Fernandes

Topologia Algébrica e Teoria Elementar dos Feixes, 1998.

12. Owen J. Brison

Grupos e Representações, 1999.

13. Jean-Pierre Schneiders

Introduction to Characteristic Classes and Index Theory, 2000.

14. Miguel Ramos

Curso Elementar de Equações Diferenciais, 3ª ed., 2011.

15. Nuno da Costa Pereira

Exponencial Complexa, Funções Circulares e Desenvolvimentos em Série, 2001.

16. Colectivo

, 2002.

17. M. C. Póvoas

Métodos Matemáticos da Física - Uma Introdução, 2002.

18. José Joaquim Dionísio

Fundamentos da Geometria, 2ª ed., 2011.

19. Pedro Jorge Freitas

Tópicos de Álgebra Superior, 2005.

20. Pedro Jorge Freitas

Polinómios, 2010.

21. Nuno da Costa Pereira

Teoremas Clássicos de Integração — Um Curso Avançado, 2010.

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RESUMO

Este livro é dirigido, em especial, aos alunos das licenciaturas em Matemática

e, mais geralmente, a todos aqueles que se interessam por uma apresentação

rigorosa dos fundamentos de Análise. Para além dos clássicos temas sobre limite

e continuidade, diferenciabilidade, integral de Riemann e primitivação, sucessões

e séries de funções, é dado particular relevo aos desenvolvimentos assimptóticos,

permitindo uma abordagem clara e sistemática da convergência de séries numéricas e

integrais impróprios. No último capítulo exibe-se uma introdução clássica das séries

de Fourier, e aí se demonstram resultados gerais de convergência simples e uniforme.

O texto é ilustrado com inúmeros exemplos e exercícios, permitindo aos � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � �� � � � � � � � � � � � � ! " # $ ! � � % � & ! ' � () * + , - . ) % / 0 1 2 3 4 - & 3 5 6 7 � 4 /ISBN: 972 - 8394 - 04 - 7