Contribuições de Michel Foucault para pensar a Educação Formal

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SUJEITO E DISCIPLINAMENTO: Contribuies de Michel Foucault para pensar a Educao Formal PERSON AND REGIMENTATION: Michel Foucaults contributions for to think about Formal Education

Jarbas Dametto1 Valdecir Soligo2

RESUMO: Este ensaio pretende, por meio de uma reviso bibliogrfica, problematizar a questo do sujeito da Educao atravs da abordagem do filsofo francs Michel Foucault. A problemtica ressalta a leitura nas inter-relaes entre saber, poder e disciplinamento e destaca os efeitos desses elementos sobre a formao do homem moderno. Para isso, considera-se que a proposta foucaultiana no s desnaturaliza a concepo de sujeito, mas tambm amplia o papel da educao para alm do seu aprimoramento, trabalhando propriamente na constituio do sujeito e operando incisivamente sobre as subjetividades e sobre os corpos, forjando modos de ser. PALAVRAS-CHAVE: Educao; modos de subjetivao; disciplinamento; saber-poder.

ABSTRACT: This essay intend, by a bibliographyc revision, think about the person on Edication, through a Michel Foucault approach. The issue show the interrelationship between lecture and know, power and regimentation, furthermore point out the effects these elements upon modern mans formation. For this, we consider that foucaultiana proposal besides to make the concepcion of persom unnatural, enlarge the office of education outside your refinement, working factually in the persom constitution and operating directly over subjectivity and bodies, who make several way of be. KEYWORDS: Education; Subjectivation ways; Regimentation; know-power.

Introduo: As prticas e as polticas para a Educao so arquitetadas, em sua origem, sobre alguma concepo filosfica de sujeito, sendo que na sociedade ocidental, esta herda elementos da Racionalidade Moderna, baseada na filosofia iluminista. O que se pensa sobre o sujeito o ponto1

Psiclogo, aluno do Programa de Ps-Graduao Mestrado em Educao da Universidade de Passo Fundo. Bolsista CAPES. E-mail: [email protected] 2 Licenciado em Histria, aluno do Programa de Ps-Graduao Mestrado em Educao da Universidade de Passo Fundo. Bolsista CAPES. Jarbas Dametto, Valdecir Soligo [email protected]

de partida que fundamenta a construo de um projeto educativo, sendo que suas feies finais so, em grande parte, determinadas por este princpio. Deste modo, romper com uma forma unvoca de conceber o sujeito, abrir uma gama de novas possibilidades de pensar a Educao e sua insero no contexto social. A proposta deste ensaio , atravs de reviso bibliogrfica, trazer luz a concepo de sujeito presente nos estudos de Michel Foucault (1926-1984), resgatando os elementos crticos frente tradio moderna nele contidos e as possveis implicaes de sua anlise nos modos de pensar a Educao contempornea, bem como nas formas de atuar na prtica educativa cotidiana. Para este fim, so retomadas obras do autor que abordam as instituies modernas, trazendo discusso os pressupostos que fundamentam sua anlise acerca das formas de subjetivao engendradas na modernidade. Analisa-se o modo como se d a formao do sujeito na perspectiva de Foucault e o papel das instituies neste processo, dando especial ateno Escola.

O sujeito da Modernidade frente crtica foucaultiana: As construes filosficas acerca do sujeito moderno, tal como desenvolvidas por pensadores como Rousseau e Kant, contriburam, cada uma a sua forma, para a noo de sujeito desde sempre a. A prpria noo moderna de que o sujeito a matria-prima a ser trabalhada pela Educao partiu do entendimento de que o sujeito uma entidade natural, pr-existente ao mundo social, poltico, cultural e econmico. Este entendimento acaba por influenciar o campo da Educao Contempornea atravs de pensadores como Piaget, que assim como Kant, concebem o humano a partir de um mesmo ponto bsico, onde o sujeito, como ser natural, est intrinsecamente dotado da capacidade de aprender. (VEIGA-NETO, 2005). Como exemplo desta forma de interpretao, pode-se retomar alguns fragmentos da obra Emlio ou da Educao, de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), trabalho considerado uma das primeiras abordagens da Pedagogia Moderna:(...) para que o projeto [educativo] seja admissvel e praticvel em si mesmo, basta que aquilo que ele tem de bom esteja na natureza da coisa; neste caso, por exemplo, que a educao proposta seja conveniente ao homem e bem adaptada ao corao humano. (ROUSSEAU, 2004. p.5).

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Na ordem natural, sendo os homens todos iguais, sua vocao comum a condio de homem, e que quer que seja bem educado para tal condio no pode preencher mal as outras relacionadas com ela. Pouco me importa que destinem meu aluno espada, Igreja ou a barra. Antes da vocao dos pais, a natureza o chama para a vida humana. (idem, p.14-15).

Praticamente todas as correntes pedaggicas modernas partilham desse mesmo entendimento, o sujeito desde sempre a, onde a Educao deve responsabilizar-se pela conduo do processo de formao do ser humano, que possui uma natureza peculiar. Contrariamente a esta corrente, o sujeito em Foucault no concebido como desde sempre a, ou seja, ele no prexistente ao social, logo, a funo da Escola vai alm de um mero aprimoramento de um ser dado de antemo. Foucault, ao no partilhar desta concepo, acaba por esvaziar o conceito iluminista de sujeito moderno, gerando um problema at ento inexistente para as teorias da Educao Moderna. (VEIGA-NETO, 2005). Nesse sentido, a instituio Escola tem sua funo ampliada para alm do aprimoramento do homem, passando a ser atravessada e marcada pela configurao social, tendo o papel de definir o sujeito, seja por meio das relaes de poder entre professores e alunos, seja na forma pela qual concebe a aprendizagem e pelo modo como transmite o saber. (PRATA, 2005). Conforme Dreyfus e Rabinow, citados por Deacon e Parker (2000) A Educao tal a conhecemos um aspecto de uma prtica disciplinar eminentemente ocidental que tomou com a definio kantiana dos seres humanos como, simultaneamente, sujeitos cognoscentes e objetos de seu prprio conhecimento (p.100). A idia de sujeito da modernidade, o sujeito racional, que interpreta, conhece e domina, tornou-se inquestionvel como se este fosse natural, tornando-se praticamente invisvel diante de uma analise macroestrutural. J em Foucault, o sujeito constitui a si prprio em relao a outros, no duplo sentido de ser sujeito a um outro atravs do controle e da dependncia, e ligado sua prpria identidade por uma conscincia ou autoconhecimento. (FOUCAULT, apud: DEACON & PARKER, 2000, p. 102).

O papel das instituies modernas na formao do sujeito: Foucault se debruou sobre diversas instituies que compe a sociedade moderna, dentre elas destacam-se a Medicina Cientfica, a Priso e a Justia, o Manicmio e a Psiquiatria, a Moral Sexual, as Cincias Humanas, dentre outras, no entanto, suas incurses nesses campos noJarbas Dametto, Valdecir Soligo [email protected]

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ocorreram efetivamente com a inteno de traar uma histria dessas construes sociais, mas na busca da ao dessas sobre os homens deste perodo, ou seja, o estudo foucaultiano buscou analisar como as diversas instituies, com seus saberes e poderes, forjaram o homem moderno, sendo que a prpria concepo de sujeito considerada como construda dentro deste contexto. Foucault prope que a constituio deste sujeito se d por intermdio de um tipo especfico de poder alicerado nas instituies da modernidade: o poder disciplinar.O poder disciplinar com efeito um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como funo maior adestrar; ou sem dvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. (...) A disciplina fabrica indivduos; ela a tcnica especfica de um poder que toma os indivduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exerccio. No um poder triunfante que, a partir de seu prprio excesso, pode-se fiar em seu superpoderio; um poder modesto, desconfiado, que funciona a modo de uma economia calculada, mas permanente. (FOUCAULT, 1984. p.153).

Educao e a ordem, para Foucault (1984), so faces complementares do dispositivo intrnseco Racionalidade Moderna e estariam ligadas as tcnicas disciplinares das escolas. A Escola Moderna enquanto instituio que contribuiu para a formao do sujeito passou por um movimento de normatizao, que teve incio na Europa, primeiramente pela Medicina e pelo Exrcito, cujas tcnicas de disciplinamento foram transpostas para a escola:Normatizou-se primeiro a produo dos canhes e dos fuzis, em meados do sculo XVIII, a fim de assegurar a utilizao por qualquer soldado de qualquer oficina, etc. depois de ter normatizado os canhes, a Frana normatizou seus professores. As primeiras Escolas Normais, destinadas a dar a todos os professores o mesmo tipo de formao e, por conseguinte, o mesmo nvel de qualificao, apareceram em torno de 1775, antes de sua institucionalizao em 1790 ou 1791. A Frana normatizou seus canhes e seus professores, a Alemanha normatizou seus mdicos. (FOUCAULT, 1982, p. 83).

No apenas a normatizao do professor fez surgir a Escola Moderna, mas a prpria normatizao do espao fsico foi elemento constitutivo desta, pois a disciplina exige um espao especfico, til e funcional. Para Foucault (2002, p.106), um ensino coletivo dado simultaneamente a todos os alunos implica uma distribuio espacial. Este espao normatizado constitudo a partir da organizao arquitetnica podendo ser comparada as prises, com salas distribudas lado a lado sem qualquer comunicao entre si, grades nas janelas, refeitrioJarbas Dametto, Valdecir Soligo [email protected]

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comunitrio, muros altos, portes e vigias nos acessos etc., ou na dinmica do espao interno das salas de aula, com mesas distribudas em fileiras e alunos uniformizados, sujeitos a suposta autoridade do professor. A organizao ou normatizao do espao objetiva o disciplinamento do sujeito atravs da individualizao dos alunos, enquadrados em um espao quadriculado, onde suas posturas e gestos so monitorados permanentemente, bem como sua produo ou aproveitamento, atravs de exames peridicos.A disciplina uma tcnica de poder que implica uma vigilncia perptua e constante dos indivduos. No basta olh-los s vezes ou ver se o que fizeram conforme regra. preciso vigi-los durante todo o tempo da atividade e submet-los a uma perptua pirmide de olhares. (FOUCAULT, 2002. p.106).

A vigilncia no paradigma disciplinar se d de forma, paradoxalmente, massificante e individualizada, onde os sujeitos policiam-se mutuamente atravs do olhar, estabelecendo o que Foucault chama de panoptismo, um olhar onipresente, que teve sua origem no controle das infestaes da peste nas cidades, e que veio a permear toda a sociedade.O esquema panptico, sem se desfazer nem perder nenhuma de suas propriedades, destinado a se difundir no corpo social; tem por vocao tornar-se a uma funo generalizada. (...) O panoptismo o princpio geral de uma nova anatomia poltica cujo objeto e fim no so a relao de soberania mas as relaes de disciplina. (FOUCAULT, 1984, p.183-4).

O projeto moderno de educao, em consonncia com o modelo poltico adotado aps a decadncia do Antigo Regime (monarquias absolutistas), foi um empreendimento que idealizava a universalizao da educao, ao mesmo tempo em que a tornava mais cientifica. Nos sculos XIX e XX, o projeto do progresso universal atravs da educao foi pensado por diversos setores da sociedade, como a Igreja e o Estado, com o intuito de tornar o sujeito um cidado moral e politicamente til. Neste sentido, houve a contribuio de cincias emergentes como Psicologia, Sociologia e Cincia Poltica, que buscaram desenvolver as metodologias empricas e cientificamente verificveis que possibilitariam identificar de modo objetivo os sistemas sociais mais racionais e condizentes com o projeto da Modernidade. (JONES, 1994). Deste modo uma educao corretamente ordenada revelaria ou recuperaria a natureza verdadeira do homem possibilitando a criao em todo o indivduo da capacidade latente para aJarbas Dametto, Valdecir Soligo [email protected]

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liberdade moral. J para Foucault, a cincia no corresponde necessariamente originalidade, a descoberta e a melhoria da condio humana, pois a vontade cientfica e o progresso humano no so intrnsecos, so na verdade, em ltima instncia, fenmenos polticos e ticos. A partir do sculo XIX h uma mudana discursiva abrindo um novo domnio de governabilidade, onde a soberania concebida em termos jurdicos sede espao para uma nova preocupao com a tcnica gerencial. Dessa forma, a preocupao emergente com a populao desencadeava a necessidade de inventar novas tcnicas de poder. No entanto, isso no significa que Foucault, acreditasse ter havido uma simples evoluo ou progresso de uma sociedade de soberania, como as antigas monarquias, para uma sociedade disciplinar, que seria seguida por uma sociedade de governo. (QUEIROGA, 2001).A viso da educao como benevolncia desinteressada foi ampliada pelos tericos coletivistas liberais e socialistas, para os quais a educao era uma questo de eficincia nacional e uma preocupao nacional assumida no interesse de uma comunidade como um todo. (JONES, 1994, p. 112).

No sculo XX as exigncias de governabilidade propiciaram um complexo de conselho e segurana, desgarrados do ideal de modernidade progressista. A escola, o hospital, as agencias promotoras do bem-estar social forneceram locais institucionais propcios s tcnicas e prticas: estratgias de um biopoder sobre uma populao crescentemente terapeutizada. Todo este aparato tutelar saturou a famlia urbana com normas mdicas, psicolgicas e pedaggicas, desencadeando j no final do sculo um conjunto de situaes que apontam para uma insuficincia do paradigma moderno de progresso atravs da educao cientfica. (QUEIROGA, 2001). As alteraes nas relaes de poder propiciaram a passagem da fora fsica, material e temvel do Monarca, com seus rituais pblicos de suplcio dos condenados, para o que Foucault (1984) chamou de reforma psicolgica e moral das atitudes e do comportamento dos indivduos, ou seja, o aprisionamento e a correo. Foi essa significativa transformao que marcou a passagem de uma sociedade penal para uma sociedade disciplinar, de vigilncia individualizada. Como cone desta modalidade de poder, tem-se o Panoptcon, projeto arquitetnico de Jeremy Bentham (1748-1832) que consistia basicamente em:Um edifcio em forma de anel, no meio do qual havia um ptio com uma torre no centro. O anel se dividia em pequenas celas que davam tanto para o interiorJarbas Dametto, Valdecir Soligo [email protected]

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quanto para o exterior. Em cada uma dessas pequenas celas, havia segundo o objetivo da instituio, uma criana aprendendo a escrever, um operrio trabalhando, um prisioneiro se corrigindo, um louco atualizando sua loucura, etc. na torre central havia um vigilante. Como cada cela dava ao mesmo tempo para o interior e para o exterior, o olhar do vigilante podia atravessar toda a cela; no havia nela nenhum ponto de sombra e, por conseguinte, tudo o que fazia o indivduo estava exposto ao olhar de um vigilante que observava atravs de venezianas, de postigos semi-cerrados de modo a poder ver sem que ningum ao contrrio pudesse v-lo. (FOUCAULT 1996, p. 87).

O ideal de observao da sociedade disciplinar, pouco a pouco espalhava-se pelas prises, hospitais, escolas, cidades operrias (FOUCAULT, 1984). A viglia ininterrupta desempenhava um poder ao mesmo tempo em que constitua saberes. As relaes cotidianas de poder empreendidas nas prises encontraram-se com os saberes da criminologia, da mesma forma, os hospitais encontraram-se com os saberes da classificao das doenas, e nas escolas encontraramse com os saberes da pedagogia. (FONSECA, 1995). No entanto, Foucault no estabeleceu nem uma relao causa efeito entre saber e poder. Defendia a existncia de um total entrelaamento ou encontro entre um e outro. E foi exatamente esse encontro do poder com o saber que possibilitou a configurao da sociedade disciplinar, ao mesmo tempo em que permitia a difuso dos cuidados e preocupaes com a disposio do espao, com o controle do tempo, com a ininterrupta observao e viglia, atrelados elaborao de registros, distino de condutas e hbitos e produo de conhecimentos especficos. (SILVA, 2007).

O poder disciplinar se exerce tornando-se invisvel: em compensao impe aos que submete um princpio de visibilidade obrigatria. Na disciplina, so os sditos que tm que ser vistos. Sua iluminao assegura a garra do poder que se exerce sobre eles. o fato de ser visto sem cessar, de sempre poder ser visto, que mantm sujeitado o indivduo disciplinar. (FOUCAULT, 1984, p.167).

Como dispositivo essencial para a proliferao do modelo de sociedade disciplinar, foi utilizada visibilidade que, a principio, era percebida como elemento controlador do detento, do aluno, do doente, do louco, do operrio, mas, para alm desse objetivo, com a observao cotidiana possibilitou-se a construo de um conjunto de saberes com o objetivo de moldar o comportamento, o pensamento e os costumes dos indivduos. Com a configurao da sociedade disciplinar, a visibilidade acabou por se atrelar a outras caractersticas, principalmente no que se Jarbas Dametto, Valdecir Soligo [email protected]

refere expanso das reas de atuao dos saberes. A partir desse contexto, o vigiar constante ultrapassou o interior arquitetnico do panptico (prises, escolas, hospitais, etc.), para atingir o espao pblico. (SILVA, 2007).

A Escola, a Educao e o sujeito: Embora Foucault no tenha dedicado nenhum de seus trabalhos exclusivamente Escola, so diversas as menes a prticas e saberes pedaggicos, vinculando-os a forma de poder caracterstico da Modernidade o poder disciplinar. Para adentrar nesse pensamento onde o poder e o saber envolvem a Escola, a Educao e, por conseguinte o sujeito, se faz necessrio organizar algumas idias em torno do que j foi feito por autores que estudaram Foucault e suas contribuies para a educao. Para Deacon e Parker (2000) a educao ocidental tem assumido vrias formas, seja ela religiosa, tradicional, liberal, comportamentalista, socialista; fascista; nacionalista; progressista; construtivista, crtica, entre outras tantas, todas vinculadas escolarizao de massa que tem seus discursos educacionais baseados num ncleo de prticas e pressupostos ortodoxos prprios da Modernidade e derivados da f iluminista na capacidade da razo para esclarecer, transformar e melhorar a natureza e a sociedade. Esta prtica considera o sujeito, em seus discursos pedaggicos, algo unitrio, autoconsciente e engajado na busca racional da verdade e dos limites da realidade que pode ser descoberta. O prprio professor, obediente a esses preceitos, se constitui como a autoridade ativa e comunicativa capaz de produzir e reproduzir o conhecimento, enquanto o aluno pode ser ativo, mas nunca deixando de ser subordinado, conduzido pela autoridade do professor ou por si prprio, atravs do autodisciplinamento. Segundo Gore (2000) a pedagogia tem enfatizado o autodisciplinamento, onde os estudantes so conduzidos a conservar a si e aos outros sob controle. As tcnicas e prticas que induzem esse comportamento podem ser chamadas de tecnologias do eu. Tais tecnologias agem sobre o corpo, controlando olhos, mos, boca e movimentos.As pedagogias, nessa anlise, funcionam como regimes de verdade. As relaes disciplinares de poder-saber so fundamentais aos processos da pedagogia. Sejam elas auto-impostas, impostas pelos professores, ou impostas sobre os professores. (GORE, 2000, p.14).Jarbas Dametto, Valdecir Soligo [email protected]

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A Educao, nesse contexto analisada como uma prtica disciplinar de normatizao e de controle social. Nessas condies, na analise de Foucault desenvolvida at 1972 as prticas pedaggicas funcionam como um dispositivo orientador produo do sujeito e esto relacionadas a procedimentos de objetivao e metaforizao no panoptismo, sendo o exame ou a prova um bom exemplo de prticas educativas dentro de um conjunto mais amplo de dispositivos mediados por certas tecnologias de classificao e diviso, tanto entre indivduos, quanto do prprio indivduo. (LARROSA, 2000). Segundo Varela (2000), a disciplinarizao dos saberes e a disciplinarizao dos sujeitos criaram um crculo vicioso onde um reforma o outro tornando possvel o nascimento das Cincias Humanas. Esse crculo de disciplinarizao encontrou no interior das escolas as condies culturais necessrias para sua propagao. Constituindo-se em duas faces de um processo que atravessa o conjunto da organizao escolar.Os saberes pedaggicos so o resultado, em boa parte, da articulao dos processos que levaram pedagogizao dos conhecimentos e disciplinarizao interna dos saberes. Estas classificaes e hierarquias de sujeitos e saberes costumam, em geral, ser aceitas como algo dado, como naturais, razo pela qual seu reconhecimento contribui para aprofundar sua lgica de funcionamento. A pedagogia racionaliza, em geral, uma certa organizao escolar e certas formas de transmisso sem questionar nunca a arbitrariedade dessa organizao, nem tampouco o estatuto dos saberes que so objeto da transmisso. (VARELA, 2000, p.93).

Para Pignatelli (2000), essa escola um lcus de poder e saber. Assim sendo, as instituies escolares podem ser um local perigoso. No pelas formas grosseiras, brutais ou ilcitas de poder, e sim, pelo disciplinamento aparentemente benevolente e eficiente que busca saberes sobre os professores, suas prticas e seus alunos, ampliando o domnio autolimitador da normalidade e da marginalizao, ou da reabilitao do desviante.O sujeito obediente produzido e sustentado por um poder pouco notado e difcil de denunciar: um poder que circula atravs dessas pequenas tcnicas, numa rede de instituies sociais tais como a escola. Em geral, prticas tais como o exame e outras pequenas tcnicas tabelas, grficos, formulrios fabricam e fixam o indivduo e sua diferena medida que acumulam e ordenam uma massa de significaes. (PIGNATELLI, 2000, p.129).Jarbas Dametto, Valdecir Soligo [email protected]

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Este sujeito obediente, produto e produtor de uma realidade fabricada, adquire uma coleo de hierarquizaes e ordenaes divisrias surgidas a partir de operaes disciplinares, ampliando a superfcie sobre a qual o poder opera. Essas pequenas prticas colaboram para produzir um indivduo segmentado, permitindo o aumento na quantidade de poder exercido. O sujeito torna-se mais visvel, e tal visibilidade a medida de um poder que se move com o objetivo de disciplinar. Enquanto somos produzidos, no somos meramente um artefato ossificado do poder e do saber. O sujeito uma presena plstica, uma resposta urgente desordem, tanto no sentido teraputico quanto no poltico (PIGNATELLI, 2000, p.129). Fischer (2002) aponta que em Foucault, o sujeito no considerado como titular ou desencadeador dos acontecimentos, mas situado no jogo contnuo das relaes saber/poder, e delas em parte dependente.(p.78). Considera-se que o sujeito intersubjetivamente determinado na medida em que ele governado externamente por outros, e internamente, atravs de sua prpria conscincia.(...) encarar o sujeito muitas vezes como produto de relaes de poder no significa que ele exera somente papel passivo diante dos fatos vividos. H aes e reaes por ele assumidas, denotando-o como partcipe na edificao de sua subjetividade. De fato, sob esta perspectiva que a sociedade se organiza e a histria se efetiva: os indivduos sabem o que devem fazer e pensar, sem que mecanismos de poder sejam acionados de forma vigorosa ou lancinante. (FISCHER, 2002.p.79).

Pignatelli (2000) citando Foucault a partir de diversos de seus artigos, percebe o sujeito como indivduo coagido, mas isso no significa dizer que este indivduo seja meramente explorado, ele no est falando em tirar, mas em investir no corpo atravs da aplicao de vrias tcnicas disciplinares, que por sua vez, ampliam a capacidade produtiva desse sujeito. Assim, o poder molda e informa nossa psique, tornando os indivduos objetos de instituies e processos sociais a partir do momento que nos envolvemos intencionalmente numa ao. O sujeito acaba por se destituir de seu poder para se tornar economicamente eficiente, ao mesmo tempo, acredita adquirir mais poder atravs de suas aes polticas engajadas ou militantes (somadas a redes de poder-saber socialmente constitudas).

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Consideraes Finais: A Educao permanece na sociedade ocidental como meio pelo qual os sujeitos tm acesso aos discursos - as verdades historicamente estabelecidas, e sua forma de atuao reflete a dinmica das lutas sociais, onde, segundo os interesses polticos, tem-se uma abertura ou restrio ao direito a tais posies de sujeito falante. Todo sistema de educao uma maneira poltica de manter ou modificar a apropriao dos discursos, com os saberes e poderes que eles trazem consigo. (FOUCAULT, 2002b, p.44). A necessidade da presena dos jovens na escola permanece como um ponto consensual, resistindo s crticas que emergem com freqncia em diversos contextos. Paradoxalmente, tambm consensual que a Escola, tal qual a conhecemos, deve mudar, no entanto, diversas aes de cunho transformador redundam em retornos a velhas prticas: voltam ao disciplinamento como condio bsica para um sucesso na empreitada educacional. Tal entrave nos pe algumas questes: estaria a sociedade atual apta a romper tais paradigmas? Estaramos, de fato, transitando para alm da Modernidade? E mais, poderiam os indivduos se inserirem no enquadre social atual, dele participar ou a ele transformar, se apresentados a um outro modelo educacional, ou estariam eles apenas alheios aos atuais cdigos de verdade, e desta forma, excludos da possibilidade de enunciao?

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