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8/6/2019 con Crimes de Transito
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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
RAFAELA MARCON
HOMICDIO PRATICADO SOB INFLUNCIA DE LCOOL NA DIREO DE
VECULO AUTOMOTOR: DOLO EVENTUAL OU CULPA CONSCIENTE?
Tubaro
2008
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RAFAELA MARCON
HOMICDIO PRATICADO SOB INFLUNCIA DE LCOOL NA DIREO DE
VECULO AUTOMOTOR: DOLO EVENTUAL OU CULPA CONSCIENTE?
Monografia apresentada ao Curso de Direito, daUniversidade do Sul de Santa Catarina, como requisitoparcial obteno do ttulo de Bacharel em Direito.
Orientadora: Denise Silva de Amorim Faria, Msc.
Tubaro
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RAFAELA MARCON
HOMICDIO PRATICADO SOB INFLUNCIA DE LCOOL NA DIREO DE
VECULO AUTOMOTOR: DOLO EVENTUAL OU CULPA CONSCIENTE?
Esta monografia foi julgada adequada obteno dottulo de Bacharel em Direito e aprovada em sua formafinal pelo Curso de Direito da Universidade do Sul deSanta Catarina.
Tubaro, 26 de novembro de 2008.
_________________________________________________________
Prof. e orientadora Denise Silva de Amorim Faria, Msc.
Universidade do Sul de Santa Catarina
_________________________________________________________
Prof. Lrio Hoffmann Junior, Esp.
Universidade do Sul de Santa Catarina
_________________________________________________________
Prof. Edir Josias Silveira BeckUniversidade do Sul de Santa Catarina
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Dedico este trabalho aos meus pais, Elizabeth
e Alberto (in memorian), e minha irm
Daniela, pelo incentivo durante todo o curso,
compreenso, carinho, e esforo prestados em
todos os momentos, sem os quais eu jamais
teria chegado at aqui.
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeo a Deus, por ter me dado vida, sade e muita fora para
enfrentar todos os obstculos que surgiram durante a minha caminhada
Agradeo toda a minha famlia, em especial minha me Elizabeth Dalponte
Marcon, exemplo de pessoa, a quem muito devo, tendo em vista seu sacrifcio e afeto, os
quais eu jamais conseguirei retribuir da mesma forma. Ela que sempre me incentivou a no
desistir diante dos obstculos que surgiam ao longo desta caminhada.
Meu pai Alberto Felipe Marcon (in memoriam), que mesmo no estando mais
presente, sempre me incentivou a estudar, e com certeza estaria muito orgulhoso nestemomento.
Minha irm Daniela Marcon, que tambm muito me ajudou e colaborou para que
eu conseguisse chegar at aqui.
Agradeo de forma especial a professora e orientadora Denise Silva de Amorim
Faria, por ter aceitado o meu convite e me ajudado nesta tarefa. Tambm pela sua ateno,
dedicao, conhecimento e tempo despendidos para prestar os ensinamentos necessrios na
concretizao deste trabalho. minha tia, Itinha, que bastante colaborou na concretizao deste sonho.
Agradeo, tambm, todos os meus colegas, que durante a caminhada, sempre me
ajudaram nos momentos em que eu encontrava alguma dificuldade. Aqueles que se tornaram
grandes amigos e confidentes, os quais deixaro muitas saudades.
Enfim, a todos que de um modo ou de outro, participaram desta caminhada
contribuindo de forma significante na realizao deste sonho.
Obrigada a todos vocs!
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A coragem a primeira qualidade humana, pois garante todas as outras.
(Aristteles)
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RESUMO
Este trabalho foi elaborado com o objetivo de verificar se um sujeito que pratica homicdio no
trnsito sob influncia de lcool deve ser punido na forma culposa, na espcie de culpa
consciente, de acordo com o Cdigo de Trnsito Brasileiro ou na forma dolosa, na
modalidade de dolo eventual e julgado pelo Tribunal do Jri. Para realizao deste trabalho
utilizou-se a pesquisa bibliogrfica, com o estudo e anlise de legislao, doutrinas e artigos
sobre o tema, bem como pesquisa documental, onde foram analisados acrdos colhidos do
Tribunal de Justia do Estado de Santa Catarina e do Superior Tribunal de Justia. Com esteestudo observou-se queoproblema do lcool e direo bastante complexo e h muito sediscute esta questo, uma vez que cresce diariamente o nmero de veculos em circulao.
Tambm se verificou que existem entendimentos nos dois sentidos, tanto no Tribunal de
Justia de Santa Catarina, como no Superior Tribunal de Justia e que atualmente h uma
tendncia em se punir esses motoristas na forma dolosa. Observou-se, tambm, que no
necessariamente a maneira de punir o condutor do veculo que vai reduzir esse nmero que a
cada dia cresce mais. Assim, concluiu-se que a questo dos homicdios praticados por
motorista sob influncia de lcool um problema social. Os Tribunais esto se mostrandofavorveis em pronunciar o motorista para que o mesmo seja julgado pelo Tribunal do Jri,
como uma maneira de intimidar outros motoristas no intuito de que no desenvolvam esta
conduta, mas por outro lado, tambm se mostram favorveis punio na forma culposa, uma
vez que no a punio mais severa que intimidaria estes motoristas. Medidas preventivas e
uma educao para o trnsito tambm poderiam auxiliar na reduo desse nmero de
motoristas que praticam homicdios quando embriagados.
Palavras-chave: Homicdio. Bebidas e acidentes de trnsito. Culpa (Direito).
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ABSTRACT
This work was developed with the goal of verifying if a person that practice murder in the
traffic under influence of alcohol should be punished as culpable, in the kind of conscious
guilt, according to the Brazilian Traffic Code, or deceit, in the form of eventual deceit and
judged by the Court of Justice. To develop this work, it was used literature research, with the
study and analysis of the legislation, doctrines and articles about the subject, as well as a
documentary research where were analyzed judgments collected to the Court of Justice of the
Santa Catarina and the High Court of Justice. With this study, it was observed that the
problem related to alcohol and driving is quite complex and the issue has been studied for along time, since the number of vehicles on the streets has grown every day. It was also
verified that there are understandings in both ways, as in the Court of Justice of the Santa
Catarina as in the High Court of Justice, and currently, there is a tendency in punishing those
drivers as malicious. It was also observed that it is not the way of punishing the driver that
will reduce that number which grows every day. So, it is concluded that the issue about the
homicides practiced by drunk drivers is a social problem. The Courts have been favorable
when they take the driver to the Court of Jury, as a way to intimidate the other drivers; on theother hand, Courts have been favorable to the culpable prosecution, since it is not the most
severe punishment to intimidate those drivers. Preventive ways and a good education related
to transit could also reduce the number of drunk drivers who practice homicides.
Keywords: Murder. Beverages and traffic accidents. Guilt (Law).
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SUMRIO
1 INTRODUO ............................................................................................................. 10
2 DIREITO PENAL E PENA.......................................................................................... 12
2.1 CONCEITO DE DIREITO PENAL ............................................................................. 12
2.2 FUNES DO DIREITO PENAL .............................................................................. 14
2.2.1 Funes legtimas ou declaradas ............................................................................. 16
2.2.2 Funes ilegtimas ou no declaradas..................................................................... 18
2.3 CONCEITO DE PENA ................................................................................................. 20
2.4 FUNES DA PENA................................................................................................... 222.4.1 Teorias absolutas ...................................................................................................... 22
2.4.2 Teorias relativas........................................................................................................ 23
2.4.2.1 Preveno geral ....................................................................................................... 24
2.4.2.2 Preveno especial................................................................................................... 26
2.4.3 Teorias mistas ........................................................................................................... 27
3 HOMICDIO................................................................................................................... 29
3.1 CONCEITO .................................................................................................................. 293.2 OBJETIVIDADE JURDICA ...................................................................................... 30
3.3 SUJEITOS ..................................................................................................................... 31
3.3.1 Sujeito ativo............................................................................................................... 31
3.3.2 Sujeito passivo........................................................................................................... 32
3.4 ELEMENTO SUBJETIVO ........................................................................................... 33
3.4.1 Culpa.......................................................................................................................... 34
3.4.1.1 Culpa consciente...................................................................................................... 383.4.1.2 Culpa inconsciente................................................................................................... 40
3.4.2 Dolo ............................................................................................................................ 41
3.4.2.1 Dolo direto............................................................................................................... 42
3.4.2.2 Dolo indireto............................................................................................................ 43
3.4.2.2.1 Dolo alternativo.................................................................................................... 44
3.4.2.2.2 Dolo eventual........................................................................................................ 45
4 HOMICDIO PRATICADO SOB INFLUNCIA DE LCOOL NA DIREO DE
VECULO AUTOMOTOR: DOLO EVENTUAL OU CULPA CONSCIENTE..... 48
4.1 O TRNSITO BRASILEIRO ...................................................................................... 48
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4.2 ASPECTOS DO CRIME DE HOMICDIO PREVISTO NO ARTIGO 302 DO
CDIGO DE TRNSITO BRASILEIRO ......................................................................... 50
4.3 A INFLUNCIA DO LCOOL E OS CRIMES DE TRNSITO - ALTERAES
DA LEI 11.705 DE 19 DE JUNHO DE 2008 .................................................................. 54
4.4 A CELEUMA ACERCA DA NATUREZA JURDICA DOS CRIMES DE
HOMICDIOS PRATICADOS NO TRNSITO POR MOTORISTA EMBRIAGADO .. 57
4.4.1 Homicdio culposo (culpa consciente)..................................................................... 57
4.4.2 Homicdio doloso (dolo eventual) ............................................................................ 59
4.5 POSIO DO TRIBUNAL DE JUSTIA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
EM RELAO AOS CASOS DE HOMICDIO PRATICADO NO TRNSITO POR
MOTORISTA EMBRIAGADO.......................................................................................... 604.6 POSIO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA EM RELAO AOS CASOS
DE HOMICDIO PRATICADO NO TRNSITO POR MOTORISTA EMBRIAGADO.63
4.7 MEDIDAS PREVENTIVAS PARA A REDUO DOS CASOS DE HOMICDIO NO
TRNSITO ......................................................................................................................... 66
5 CONCLUSO................................................................................................................. 70
REFERNCIAS ............................................................................................................... 73
ANEXOS ........................................................................................................................... 78ANEXO A Acrdo proferido pelo Tribunal de Justia de Santa Catarina que trata
sobre dolo eventual ............................................................................................................ 79
ANEXO B Acrdo proferido pelo Superior Tribunal de Justia que trata sobre
culpa consciente ................................................................................................................. 83
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1 INTRODUO
Os crimes de homicdio praticados por motoristas sob influncia de lcool causam
repercusso social todas as vezes que aparecem nos noticirios, bem como geram grande
discusso entre os operadores do direito, com relao natureza jurdica deste delito.
Este trabalho monogrfico abordar aspectos relativos ao consumo de lcool e os
homicdios causados pelos motoristas que praticam este delito em estado de embriaguez, uma
vez que h entendimentos de que este crime configura dolo eventual e entendimentos de que
configura culpa consciente.
Para tanto, inicia-se o estudo apresentando consideraes gerais acerca do DireitoPenal, mostrando o conceito deste ramo do direito e as suas funes legtimas e ilegtimas,
tendo em vista que ele o responsvel por impor regras e aplicar sanes aos membros da
sociedade com intuito de manter a harmonia entre todos.
Ainda neste captulo, abordar-se-o o conceito das penas e quais as funes que
estas cumprem, sob a tica de trs teorias que se ocupam em explicar qual seria a funo da
pena na sociedade.
No segundo captulo, discorrer-se-o sobre o crime de homicdio, destacando-se oconceito deste delito, qual o objeto jurdico, ou em outras palavras, qual o bem jurdico
tutelado neste caso, os sujeitos ativo e passivo, necessrios para a configurao do delito.
Analisar-se-o, ainda, o elemento subjetivo norteador da conduta do sujeito ativo no momento
que pratica a infrao penal, que no caso do homicdio poder ser a culpa, consciente ou
inconsciente e o dolo, direto ou indireto, sendo este dividido em eventual ou alternativo.
Aps esse apanhado, o terceiro captulo, se ocupar do tema desta monografia,
sendo enfoque de estudo o trnsito brasileiro e a atual situao de violncia que se encontranas rodovias brasileiras, onde uma das causas preponderantes o lcool.
Essa violncia no trnsito acaba gerando inmeros homicdios, delito este que, em
se tratando de crimes de trnsito, tipificado pelo artigo 302 do Cdigo de Trnsito
Brasileiro, que apresenta alguns aspectos, sendo estes destacados no ltimo captulo.
Pertinente apresentar algumas alteraes que a Lei n. 11.705/08 efetuou no
Cdigo de Trnsito Brasileiro, relativas aos delitos de trnsito praticados por motorista
embriagado, incluindo-se a, o delito de homicdio.
Os argumentos utilizados para enquadrar o homicdio praticado no trnsito por
motorista sob influncia de lcool sob o ponto de vista daqueles que entendem se tratar de
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homicdio doloso, na modalidade de dolo eventual e aqueles que entendem se tratar de
homicdio culposo, na espcie de culpa consciente, um dos tpicos abordado no ltimo
captulo.
Essa divergncia entre homicdio doloso e homicdio culposo ser demonstrada,
tambm, atravs de alguns julgados oriundos do Tribunal de Justia do Estado de Santa
Catarina e tambm do Superior Tribunal de Justia, sendo que existem decises nos dois
sentidos.
E, por ltimo, elencam-se algumas medidas preventivas que deveriam ser
colocadas em prtica como uma tentativa de soluo dos problemas do trnsito, tentando
afastar um pouco do Direito Penal a funo de resolver todos os conflitos sociais.
Este trabalho monogrfico foi elaborado atravs de pesquisa bibliogrfica edocumental, buscando-se investigar o problema com base em doutrinas, artigos, legislao e
jurisprudncias.
O principal instrumento de controle da situao do trnsito brasileiro atualmente,
o Cdigo de Trnsito Brasileiro, editado exclusivamente para este fim, haja vista o crescente
nmero de veculos em circulao e os nmeros cada vez maiores de mortos e feridos no
trnsito.
A celeuma envolvendo a natureza jurdica dos crimes de homicdio praticados pormotoristas embriagados foi o ponto principal que deu nfase na elaborao deste estudo.
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2 DIREITO PENAL E PENA
Diante do tema proposto - Homicdio praticado sob influncia de lcool na
direo de veculo automotor: dolo eventual ou culpa consciente? - no presente captulo far-
se-o breves consideraes acerca do conceito de Direito Penal e suas funes legtimas ou
declaradas, quais sejam, as funes tico-sociais e preventivas e as ilegtimas ou no
declaradas, divididas em funo simblica e promocional.
Neste captulo, ainda, analisar-se-o o conceito e as funes da pena, sob o
enfoque das trs teorias que a explicam: as teorias absolutas, as teorias relativas, estas
baseadas na preveno geral e preveno especial e as teorias mistas.
2.1 CONCEITO DE DIREITO PENAL
Os bens essenciais ao convvio em sociedade, por serem extremamente valiosos,
precisam ser constantemente tutelados pelo Estado, e, por esta razo, surgiu o Direito Penal,ramo especfico do Direito que visa proteo de todos os cidados.
As sociedades precisam de um sistema de controle social capaz de assegurar sua
estabilidade e sobrevivncia, bem como garantir que os indivduos sejam submissos s
normas de convivncia (disciplina social), que contemple, tambm, modelos de conduta,
castigando-os (penalmente) quando praticados fatos que (de modo intolervel) coloquem o
grupo em perigo.1
Diante desta necessidade, surge o direito penal, que nas palavras de Noronha oconjunto de normas jurdicas que regulam o poder punitivo do Estado, tendo em vista os
fatos de natureza criminal e as medidas aplicveis a quem os pratica. 2
Welzel apudBitencourt tambm conceitua o direito penal como aquela parte do
ordenamento jurdico que fixa as caractersticas da ao criminosa, vinculando-lhe penas ou
medidas de segurana. 3
1 GOMES, Luiz Flvio; MOLINA, Antnio Garca-Pablos de; BIANCHINI, Alice. Direito penal: introduo e
princpios fundamentais. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, v. 1, p. 25.2 NORONHA, E. Magalhes. Introduo e parte geral. In: ______ Direito penal. 34. ed. atual. So Paulo:Saraiva, 1999, v. 1, p. 4.
3 BITENCOURT, Cezar Roberto. Parte geral. In: ______ Tratado de direito penal. 11 ed. atual. So Paulo:Saraiva, 2007, v. 1, p. 2.
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O direito penal, portanto, apresenta-se como um conjunto de normas jurdicas que
regulam o poder punitivo do Estado quando h ofensa a um bem jurdico. Neste sentido
Bitencourt afirma que:
O Direito Penal apresenta-se como um conjunto de normas jurdicas que tem porobjeto a determinao de infraes de natureza penal e suas sanes
correspondentes penas e medidas de segurana. Esse conjunto de normas eprincpios, devidamente sistematizados, tem a finalidade de tornar possvel aconvivncia humana, ganhando aplicao prtica nos casos ocorrentes, observandorigorosos princpios de justia. Com esse sentido, recebe tambm a denominao deCincia Penal, desempenhando igualmente uma funo criadora, libertando-se dasamarras do texto legal ou da dita vontade esttica do legislador, assumindo seuverdadeiro papel, reconhecidamente valorativo e essencialmente crtico, no contextoda modernidade jurdica.4 (grifos do autor)
Percebe-se, assim, que o direito penal possui um papel fundamental na sociedade,
tendo em vista que regula as relaes sociais, impondo regras que possibilitem umaconvivncia harmoniosa entre os membros de uma sociedade e, tambm, aplicando sanes
queles que desviaram sua conduta, praticando alguma infrao de natureza penal.
Nas palavras de Zaffaroni e Pierangeli, o direito penal, ainda, pode ser
conceituado como:
[...] o conjunto de leis que traduzem normas que pretendem tutelar bens jurdicos, eque determinam o alcance de sua tutela, cuja violao se chama delito, e aspira aque tenha como conseqncia uma coero jurdica particularmente grave, queprocura evitar o cometimento de novos delitos por parte do autor.5 (grifo do autor)
Os autores prosseguem afirmando que com a expresso direito penal se
designam conjunta ou separadamente duas entidades diferentes: 1) o conjunto de leis
penais, isto , a legislao penal; ou 2) o sistema de interpretao desta legislao, isto , o
saber do direito penal. 6 (grifos do autor)
O direito penal se ocupa de penalizar os indivduos que praticam infraes com
natureza penal. Essa penalizao dos delitos exercida pelo Estado, que possui a funo de
garantir o bem estar dos membros da sociedade. Gomes, Molina e Bianchini preconizam:
[...] trs so as instituies penais bsicas do Direito Penal: (a) o delito, comoantecedente ou pressuposto lgico da resposta criminal; (b) a sano penal (pena oua medida de segurana, como conseqncia jurdica derivada da infrao penal) e(c) as normas (instrumento por meio do qual so formulados os mandamentos ou asproibies legais).7 (grifos do autor)
Ainda, conceituando o direito penal, Gomes, Molina e Bianchini afirmam que este
ramo do direito apresenta dois conceitos distintos: um sob o enfoque dinmico e social e outro
sob o enfoque esttico e formal:
4 BITENCOURT, 2007, p. 1-2.5 ZAFFARONI, Eugenio Ral; PIERANGELI, Jos Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral.2 ed. rev. e atual. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 86.
6 Ibid., p. 85.7 GOMES; MOLINA; BIANCHINI, 2007, p. 28.
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Pode-se definir o Direito penal, do ponto de vista dinmicoe social, como um dosinstrumentos do controle social formal por meio do qual o Estado, mediante umdeterminado sistema normativo (leia-se: mediante normas penais), castiga comsanes de particular gravidade (penas e outras conseqncias afins) as condutasdesviadas (crimes e contravenes) mais nocivas para a convivncia, visando a
assegurar, dessa maneira, a necessria disciplina social bem como a convivnciaharmnica dos membros do grupo.Sob o enfoque esttico e formal pode-se afirmar que o Direito penal um conjuntode normas (normas jurdico-pblicas) que definem certas condutas como infrao,associando-lhes penas ou medidas de segurana assim como outras conseqnciasjurdicas (indenizao civil, por exemplo). 8 (grifos do autor)
Deste modo, observa-se que o direito penal apresenta diversos conceitos, mas de
um modo geral todos possuem a mesma essncia, qual seja, o poder punitivo do Estado em
impor regras e aplicar sanes aos membros de determinada sociedade.
2.2 FUNES DO DIREITO PENAL
O Direito Penal trata de situaes em que as pessoas extrapolam os limites do
razovel, agindo de forma totalmente liberal e, assim, atingindo direitos de terceiros. Em
decorrncia disso, a resposta jurdica vem em forma de punio dos desvios. Deste modo,
discute-se quais seriam as funes do direito penal.
Em toda sociedade existe uma estrutura de poder e segmentos ou setores mais
prximos do poder, sendo necessrio assim, um controle social com uma parte punitiva para
sustentar essa estrutura. O sistema penal o alicerce dessa estrutura, ou seja, uma das
formas de sustentao mais violentas, e cumpre esta funo mediante a criminalizao
seletiva dos marginalizados, para conter aos demais. Tambm quando os outros meios de
controle social fracassam o sistema penal no tem dvida em criminalizar pessoas, a fim de
que de sejam mantidos no seu rol, e no venham a desenvolver condutas prejudiciais hegemonia dos grupos a que pertencem.9
Consabidamente,uma das funes primordiais doDireito Penal proteger os bensjurdicos, que nas palavras de Bitencourt seriam todo valor da vida humana protegido pelo
Direito.10 Quando um bem jurdico ofendido, e os outros ramos do direito no se mostram
suficientes para resolver o conflito, por se tratar de infrao penal, o direito penal tem funo
precpua na tentativa de soluo do problema.
8 GOMES; MOLINA; BIANCHINI, 2007, p. 24.9 ZAFFARONI; PIERANGELI, 1999, p. 77-78.10 BITENCOURT, 2007, p. 7.
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Queiroz assinala que o direito penal no seno um dos muitos instrumentos de
poltica social de que se vale o Estado para a realizao dos fins que lhe so
constitucionalmente assinalados. 11
Se uma concepo predominantemente liberal concede ao Direito Penal uma
funo protetora de bens e interesses, uma concepo social, em sentido amplo, pode, por sua
vez, adotar uma concepo predominantemente imperialista e, portanto, reguladora de
vontades e atitudes internas, como ocorreu, por exemplo, com o nacional-socialismo alemo.
A primeira concepo destaca a importncia do bem jurdico; a segunda apia-se na infrao
do dever, na desobedincia, na rebeldia da vontade individual contra a vontade coletiva.
Agora, se um Estado Social pretende ser tambm um Estado de Direito ter de outorgar
proteo penal ordem de valores constitucionalmente assegurados, rechaando ospostulados funcionalistas protetores de um determinado status quo. 12 (grifos do autor)
Corroborando com a idia de que o direito penal busca proteger os bens jurdicos
dos indivduos e proporcionar uma convivncia harmoniosa entre os mesmos, Queiroz
assevera que:
[...] sob o manto de um Estado a que se defere funes relativas, exclusivamente,no pode ser fim da pena o retribuir por retribuir, nem o pretender fazer justia sobrea terra, mas simplesmente possibilitar, em termos mui relativos e limitados, isto ,subsidiariamente, e dentro duma poltica social de largo alcance (interveno de
carter etiolgico), a convivncia social, condicionando o exerccio da liberdade,coibindo o arbtrio e, por conseqncia, a violncia mesma. Ao declarar, pois, oEstado determinados comportamentos como delituosos, pretende-se prevenir, maisenergicamente, sua reiterao, protegendo determinados bens jurdicos; busca-secontrol-lo, enfim, quando semelhante fim no se possa lograr por outros meiosmenos onerosos liberdade, e para cuja finalidade possa o direito penal concorrerutilmente.13 (grifos do autor)
Cumpre destacar, ainda, que o direito penal possui funes e misses, sendo umas
distintas das outras, conforme extrai-se da lio de Gomes, Molina e Bianchini, que abaixo
elencam quais seriam as misses do direito penal:
As misses do Direito Penal, isto , suas finalidades, suas metas, so asconseqncias queridas e buscadas oficialmente pelo sistema (proteo de bensjurdicos, diminuio da violncia estatal, diminuio da violncia individual etc.).Funes so as conseqncias (efetivas) no desejadas (oficialmente,ostensivamente), mas reais do sistema. [...]14
Destarte, percebe-se que a funo primordial do direito penal a proteo dos
bens jurdicos essenciais para se viver da forma mais harmoniosa possvel na sociedade, e este
11QUEIROZ, Paulo de Souza. Funes do direito penal: legitimao versus deslegitimao do sistema penal.Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 122.
12 COBO DEL ROSAL, Manuel; ANTON VIVES, R.S. apud BITENCOURT, 2007, p. 7.13 QUEIROZ, op. cit., p. 127.14 GOMES; MOLINA; BIANCHINI, 2007, p. 222.
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direito entra em cena quando os outros ramos do direito no se mostram razoveis na soluo
dos conflitos sociais.
Alm desta funo precpua, Gomes faz uma distino bipartida das funes reais
do direito penal em funes legtimas ou declaradas e ilegtimas ou no declaradas15, objeto
de estudo dos prximos tpicos.
2.2.1 Funes legtimas ou declaradas
Dentre as funes legtimas ou declaradas, tambm chamada de funes tico-social e preventiva, ressaltam-se as de maior relevncia, quais sejam: a) proteo (subsidiria
e fragmentria) de bens jurdicos; b) proteo do indivduo contra a reao social que o crime
desencadeia; c) construo de um sistema normativo dotado de garantias que lhe concedem
racionalidade. Em outras palavras, significa dizer que o direito penal tem como funo
proteger a pessoa dos ataques (da violncia) de outras pessoas e tambm, de proteg-las da
prpria violncia do poder estatal.16
A funo tico-social exercida por meio da proteo dos valores fundamentaisda vida social, que deve configurar-se com a proteo de bens jurdicos. Esses bens jurdicos
so de vital importncia para a sociedade e para os indivduos, merecendo assim, proteo
legal. Em decorrncia da funo tico-social surge a funo preventiva, porque sempre que os
indivduos violarem limites de liberdade, e esta violao adequar-se aos princpios de
tipicidade e culpabilidade, acarretar responsabilidade penal do agente. Essa conseqncia
jurdico-penal da infrao ao ordenamento produz um efeito preventivo, que caracteriza a
funo preventiva.
17
Neste nterim, percebe-se que o direito penal primeiramente busca garantir a
segurana da sociedade e, posteriormente, aplica uma sano quele que violou uma norma
penal, reagindo frente a uma situao, em que ocorreu o descumprimento das normas tico-
sociais.
As funes legtimas basicamente visam proteger os indivduos da violncia
praticada por outros indivduos, bem como a violncia do prprio Estado. Neste norte, Gomes
15 GOMES, Luiz Flvio; BIANCHINI, Alice. O direito penal na era da globalizao. So Paulo: Revista dosTribunais, 2002, p. 92 - 98.
16 Ibid., p. 92.17 BITENCOURT, 2007, p. 7-8.
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e Bianchini asseveram que o direito penal:
[...] poder punitivo, sancionador, castigo, mas tambm Direito (e Direito doEstado Constitucional e Democrtico de Direito). ius puniendi (poder de imporsanes a quem descumprir a norma ofendendo o bem jurdico tutelado), mas
tambm ius poenale (conjunto de normas dotado de garantias e racionalidade). Direito penal subjetivo (ius puniendi), mas tambm objetivo (conjunto de garantias).Em suma: o poder punitivo do Estado nunca limitado; sempre encontrar (ou deveencontrar) as barreiras tpicas (do contrapoder) do Direito Penal do Estado deDireito. 18 (grifo do autor)
O ius puniendi tem como objeto a proteo dos bens jurdicos, dando segurana a
todos, protegendo os inocentes, bem como o descumpridor da norma, sobre o qual pode recair
reaes sociais decorrentes do delito praticado e o ius poenale deve estar estruturado para
minimizar a violncia, eliminar os abusos e a arbitrariedade, inerentes ao exerccio do poder
de investigar, castigar e executar.19
Gomes e Bianchini tambm afirmam que o direito penal, quando cumpre suas
funes legtimas, serve de instrumento para reduo das violncias:
O delito, de um lado, bem como o poder punitivo estatal, de outro, representamambos duas formas de violncia. O Direito penal deve servir de instrumento dereduo dessas duas violncias, tanto contendo os abusos (dos particulares: unscontra os outros) como evitando as arbitrariedades (do poder estatal). 20
Destarte, extrai-se que o direito penal tem legtima funo quando protege o ser
humano tanto dos ataques de outra pessoa como da violncia estatal, tornando-se, assim,
instrumento capaz de intervir na realidade social, evitando qualquer ameaa de perigo ou
leso aos bens jurdicos mais fundamentais, como a vida, a honra, a integridade fsica, a
liberdade individual, dentre outros.
Em resumo, acerca das funes legtimas do Direito Penal, Roxin assinala que o
direito penal serve simultaneamente para limitar o poder de interveno do Estado e para
combater o crime. Protege, portanto, o indivduo de uma represso desmesurada do Estado,
mas protege igualmente a sociedade e seus membros dos abusos do indivduo. 21
Gomes e Bianchini preconizam, ainda, que o efeito que se espera do Direitopenal, por conseguinte, o de preservar a segurana indispensvel para a convivncia em
sociedade, criminalizando-se ou punindo-se exclusivamente os ataques mais intolerveis
pessoa. 22
Portanto, as funes legtimas que o direito penal cumpre, envolvem a tutela dos
bens jurdicos mais importantes para o ser humano e a proteo contra a violncia, tanto entre
18 GOMES; BIANCHINI, 2002, p. 93.19 Ibid., p. 94.20 Ibid., p. 95.21 ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. Traduo Ana Paula dos Santos Lus
Natscheradetz. 3. ed. Lisboa: Vega, 1998, p. 76.22 GOMES; BIANCHINI, op. cit., p. 97.
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Destarte, fala-se em funo promocional quando o direito penal utilizado para
promover excessivamente determinado bem jurdico e, assim, aquietar os nimos da
sociedade.
A funo promocional (querer infundir na sociedade o respeito a valores por
intermdio do Direito penal) apresenta-se como o caminho mais imediato para se chegar a
outra funo patolgica do direito penal, qual seja a funo simblica ou retrica 27, como a
seguir demonstrar-se-.
A chamada funo simblica ou retrica da pena se ope s funes instrumentais
do direito penal, e o meio pelo qual no se objetiva a soluo de um dado conflito de
interesses, mas sim produzir uma impresso tranqilizadora na opinio pblica, de um
legislador atento e decidido. E mais, por meio da edio e aplicao das normas penais, cria-se uma segurana jurdica, de modo a se restabelecer o status quo ante.28
Zaffaroni e Pierangeli destacam que o direito penal acaba sempre cumprindo uma
funo simblica, entretanto esta no pode ser a nica funo por ele cumprida:
lgico que a pena, ainda que cumpra em relao aos fatos uma funo preventivaespecial, sempre cumprir tambm uma funo simblica. No entanto, quando scumpre esta ltima, ser irracional e antijurdica, porque se vale de um homemcomo instrumento para a sua simbolizao, o usa como meio e no como um fim emsi, coisifica um homem, ou, por outras palavras, desconhece-lhe abertamente ocarter de pessoa, com o que viola o princpio fundamental em que se assentam osDireitos Humanos.29 (grifo do autor)
muito comum o legislador recorrer norma penal para apontar aos seus
destinatrios uma impresso tranqilizadora. No Brasil encontram-se alguns exemplos, tais
como a lei dos crimes hediondos (Lei n 8.072/90), que aumentou consideravelmente as penas
dos crimes nela previstos. Posteriormente veio a Lei n 9.426/96 30, agravando as penas de
determinados delitos, dentre tantas outras leis que surgiram imediatamente divulgao de
crimes que tiveram repercusso social na imprensa, levando o legislador a editar normas
penais que acalmassem o impacto das notcias veiculadas. Tambm comum a decretao deprises provisrias, em razo da comoo social gerada pelo delito cometido. Entretanto,
certo que estas normas penais, sejam ela simblicas ou no, costumam causar, pelo menos
imediatamente sua publicao, certa impresso de conforto e tranqilidade. 31
27 GOMES; BIANCHINI, 2002, p. 102-103.28 QUEIROZ, 2001, p. 54.29 ZAFFARONI; PIERANGELI, 1999, p. 108.30 A lei 9.426/96 aumentou a pena de alguns crimes, tais como furto de veculos, receptao e receptao
qualificada, dentre outros crimes, Cf. BRASIL. Lei n 9.426, de 24 de dezembro de 1996. Altera dispositivosdo Decreto-lei n 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Cdigo Penal - Parte Especial. Disponvel em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9426.htm. Acesso em: 25 out. 2008.
31 QUEIROZ, op. cit., p. 55.
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Ademais, conceber o direito penal com funo simblica significa inegavelmente
atribuir-lhe um papel pervertido, uma vez que o direito penal simblico desatende-se da eficaz
proteo de bens jurdicos em funo de outros fins que lhe so alheios, porque no visa ao
infrator potencial, para dissuadir-lhe, seno ao cidado que cumpre as leis para tranqilizar-
lhe, para acalmar a opinio pblica.32
Um direito penal com funo simblica, no legtimo, porque no cumpre com
suas funes primordiais. Deste modo Garca-Pablos apudQueiroz assevera que:
[...] um direito penal simblico carece de toda legitimidade porque manipula o medoao delito e insegurana, reage com rigor desnecessrio e desproporcionado e sepreocupa exclusivamente com certos delitos e infratores, introduz um sem fim dedisposies excepcionais, a despeito de sua ineficcia ou impossvel cumprimento e,em mdio prazo, desacredita o prprio ordenamento, minando o poder intimidatrio
de suas prescries.
33
Entretanto, afirmar que o direito penal possui funo simblica, necessariamente
no significa dizer que no produza efeitos, conforme se extrai da lio de Pereira de
Andrade:
Afirmar assim que o Direito Penal simblico no significa afirmar que ele noproduza efeitos e que no cumpra funes reais, mas que as funes latentespredominam sobre as declaradas no obstante a confirmao simblica (e noemprica) destas. A funo simblica assim inseparvel da instrumental qualserve de complemento e sua eficcia reside na aptido para produzir certo nmero derepresentaes individuais ou coletivas, valorizantes ou desvalorizantes, com funo
de engano.
34
(grifo do autor)Portanto, um direito penal com funo simblica no protege necessariamente os
bens jurdicos. Visa alcanar apenas efeitos polticos que satisfaam a coletividade,
descumprindo a sua funo legtima e criando uma funo enganadora que faz cessar a
confiana da populao.
2.3 CONCEITO DE PENA
Desde o surgimento da raa humana, sempre existiram meios de punir aqueles
que desviassem sua conduta em relao aos demais indivduos que fazem parte de
determinada sociedade.
32 GOMES; BIANCHINI, 2002, p. 103-104.33 QUEIROZ, 2001, p. 56.34 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A iluso de segurana jurdica: do controle da violncia violncia do
controle penal. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 1997, p. 293.
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infrao penal. Nesse sentido Bitencourt acrescenta que quase unnime, no mundo da
cincia do Direito Penal, a afirmao de que a pena justifica-se por sua necessidade. 40
Para Zaffaroni e Pierangeli a pena no pode perseguir outro objetivo que no seja
o que persegue a lei penal e o direito penal em geral: a segurana jurdica. A pena deve aspirar
a prover segurana jurdica, pois seu objetivo deve ser a preveno de futuras condutas
delitivas. 41
Assim, percebe-se que a pena a conseqncia imposta ao indivduo, aps um
devido processo penal, quando este praticar uma infrao penal e violar as normas jurdicas.
2.4 FUNES DA PENA
Trs so as teorias mais importantes que explicam quais so as funes da pena.
So elas: teorias absolutas, que vem na pena a retribuio por um mal cometido; teorias
relativas, que atribuem pena um carter preventivo, seja em carter geral ou especial e as
teorias mistas, que unem a idia de retribuio e preveno.
2.4.1 Teorias absolutas
As teorias absolutas so aquelas que entendem que a pena tem carter retributivo.
Os defensores das teorias absolutas so Imannuel, Kant e Hegel e, segundo esses pensadores,
o mais importante esclarecer qual a essncia de punir ou qual a natureza. Para eles, s
legtima a pena que seja justa, ainda que esta pena no seja til. Tanto em Kant como em
Hegel, a justificao da pena uma justificao idealista, quer dizer, que o direito que a se
trata no corresponde com o direito como ele , histrica e praticamente, mas como deve ou
deveria ser, idealmente falando. 42.
A pena vista, sob o enfoque das teorias absolutistas, como uma forma de
retribuir um mal cometido. Pune-se o cometimento de um mal com a imposio de outro.
Neste sentido Queiroz dispe que:
40 BITENCOURT, 2007, p. 80.41 ZAFFARONI; PIERANGELI, 1999, p. 103-104.42 QUEIROZ, 2001, p. 18-19.
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As teorias absolutas, assim chamadas em contraposio s teorias relativas, oufinalistas da pena, recebem tal denominao por verem, embora sob perspectivasdistintas e sob uma tambm distinta argumentao, a pena como um fim em simesmo, pena que, quer como realizao da justia, quer como expiao de um mal,quer por razes de outra ndole, se justifica pura e simplesmente pela verificao de
uma [sic] fato criminoso, cuja punio se impe categoricamente; independendo,pois, de consideraes finais. A pena se justifica quia peccatum est, nisto esgotandoseu contedo. 43 (grifos do autor)
No mesmo sentido, Jescheck apud Bitencourt preconiza que:
O fundamento ideolgico das teorias absolutas baseia-se no reconhecimento doEstado como guardio da justia terrena e como conjunto de idias morais, na f, nacapacidade do homem para se autodeterminar e na idia de que a misso do Estadoperante os cidados deve limitar-se proteo da liberdade individual. Nas teoriasabsolutas co-existem, portanto, idias liberais, individualistas e idealistas. 44
Para Kant apud Queiroz a pena uma maneira de realizao da justia, e assim
preleciona que:A pena atende a uma necessidade absoluta de justia, que deriva de um imperativocategrico, isto , de um imperativo moral incondicional, independente deconsideraes finais ou utilitrias. A pena basta a si mesma, como realizao dajustia, pois as penas so, em um mundo regido por princpios morais (por Deus),categoricamente necessrias.45 (grifos do autor)
Confirmando a idia defendida por Kant, Roxin preleciona que as teorias
absolutas tambm chamadas de teorias da retribuio, tm a pena como um fim em si mesma:
Pela chamada teoria da retribuio [...] o sentido da pena assenta em que aculpabilidade do autor seja compensada mediante a imposio de um mal penal. A
justificao de tal procedimento no se depreende, para esta teoria, de quaisquer finsa alcanar com a pena, mas apenas para a realizao de um fim: a justia. A penano serve, pois, para nada, contendo um fim em si mesma. Tem de existir para que ajustia impere. 46
Logo, as teorias absolutas recebem tambm a denominao de teorias retributivas,
porque entendem que a pena tem o fim de retribuir ao agente que cometeu um mal, ou seja,
descumpriu uma norma penal, impondo-lhe outro mal e isto feito atravs da restrio de um
bem jurdico.
2.4.2 Teorias relativas
De outro norte, tambm informando quais so as funes da pena, existem as
teorias relativas, que vem a pena como a preveno para que novos delitos no venham a ser
cometidos. Com base nestas teorias, Queiroz assevera que:
43 QUEIROZ, 2001, p. 18.44 BITENCOURT, 2007, p. 83.45 QUEIROZ, op. cit., p. 20.46 ROXIN, 1998, p. 16.
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Em oposio s absolutas, as teorias relativas so marcadamente teorias finalistas, jque vem a pena no como um fim em si mesma, mas como um meio a servio dedeterminados fins; considerando-a, pois, utilitariamente. Fim da pena, em suasvrias verses, a preveno de novos delitos, seja em carter geral, atuando sobre ageneralidade dos seus destinatrios, seja em carter especial, dirigida a atuar sobre o
nimo daqueles que j tenham incorrido na prtica de crime.47
Zaffaroni e Pierangeli destacam que as teorias relativas desenvolveram-se em
oposio s teorias absolutas, concebendo a pena como um meio para obteno de ulteriores
objetivos. 48
Ferreira ao tratar sobre as teorias relativas alega que muito ao contrrio das
teorias absolutas, [...] as teorias relativas se voltam para o futuro atingindo o delinqente no
para lhe impingir um mal, mas para evitar que volte a delinqir ou que incentive outros a
faz-lo, pelo seu mau exemplo.
49
Prossegue o autor afirmando que a punio visa preveno, como meio de
segurana social e defesa da sociedade. A pena, pois, no retribuio, e sim um instrumento
til capaz de evitar crime, pelo temor que impe. Pune-se ne peccetur. 50
As teorias relativas se opem s teorias absolutas, por entender que a funo da
pena no retribuir um mal cometido com a imposio de outro, mas sim prevenir que novos
delitos venham a ser cometidos.
Estas teorias se opem as teorias absolutas e prevem uma efetiva finalidade para
a pena. Na concepo destas teorias, a pena se explica por seus efeitos de preveno geral,
atuando sobre a generalidade dos destinatrios e preveno especial, dirigindo-se ao agente
que j delinqiu.51
Destarte, observa-se que as teorias relativas, vem a pena como meio de
preveno, e no de retribuio. Esta preveno pode ser exercida de duas formas: em carter
geral e em carter especial.
2.4.2.1 Preveno geral
A preveno geral busca prevenir que novos delitos sejam cometidos. Neste
sentido Feuerbach apud Bitencourt defende que:
47 QUEIROZ, 2001, p. 35-36.48 ZAFFARONI; PIERANGELI, 1999, p. 120.49 FERREIRA, 1995, p. 2650 Ibid., 26-2751 SHECAIRA, Srgio Salomo; CORRA JNIOR, Alceu. Teoria da pena: finalidades, direito positivo,
jurisprudncia e outros estudos de cincia criminal. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 131.
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atravs do Direito Penal que se pode dar uma soluo ao problema dacriminalidade. Isto se consegue, de um lado, com a cominao penal, isto , com aameaa da pena, avisando aos membros da sociedade quais as aes injustas contraas quais se reagir; e, por outro lado, com a aplicao da pena cominada, deixa-sepatente a disposio de cumprir a ameaa realizada.52
Prossegue o autor afirmando que para a teoria da preveno geral, a ameaa da
pena produz no indivduo uma espcie de motivao para no cometer delitos. 53
No mesmo sentido Queiroz justifica que a funo, pois, da pena, preveno
geral de delitos, por meio de uma coao psicolgica exercitada sobre a comunidade
jurdica, a intimidar ou contramotivar a generalidade das pessoas s quais a norma se
dirige.54
Essa preveno geral que atua como uma forma de intimidao para que outros
delitos no sejam praticados, encarada de duas formas: a preveno geral negativa e a
preveno geral positiva.
De acordo com Shecaira e Corra Jnior pela teoria da preveno geral, em seu
sentido negativo, a pena deve produzir efeitos de intimidao sobre a generalidade das
pessoas, atemorizando os possveis infratores a fim de que estes no cometam quaisquer
delitos. 55
Corroborando com a idia, Greco justifica que a preveno geral negativa produz
um efeito de intimidao:Pela preveno geral negativa, conhecida tambm pela expresso preveno porintimidao, a pena aplicada ao autor da infrao penal tende a refletir junto sociedade, evitando-se, assim, que as demais pessoas, que se encontram com osolhos voltados a condenao de um de seus pares, reflitam antes de praticarqualquer infrao penal. 56 (grifos do autor)
De outro norte, a teoria da preveno geral encarada em sentido positivo.
Shecaira e Corra Jnior prelecionam a respeito do assunto:
Por outro lado, a preveno geral pode ser encarada no sentido positivo ou deintegrao; no pela gravidade da pena com fim de intimidao o que implicaria
um dever moral de gradu-la ao mximo -, mas como resultado de eficaz atuao dajustia e da conscincia que a sociedade passar a ter sobre esta realidade. 57
Seguindo o mesmo raciocnio, Queiroz demonstra que a preveno geral positiva
busca incutir na conscincia dos indivduos que compem a sociedade, o respeito a alguns
valores:
Para os defensores da preveno integradora ou positiva, a pena presta-se no preveno negativa de delitos, demovendo potenciais infratores, tampoucodissuadindo aqueles que j tenham incorrido na prtica de delito; seu propsito vai,
52 BITENCOURT, 2007, p. 89-90.53 Ibid., p. 90.54 QUEIROZ, 2001, p. 36.55 SHECAIRA; CORRA JNIOR, 2002, p. 132.56 GRECO, 2005, p. 548.57 SHECAIRA; CORRA JNIOR, loc. cit.
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alm disso: infundir, na conscincia geral, a necessidade de respeito a determinadosvalores, exercitando a fidelidade ao direito; promovendo, em ltima anlise, aintegrao social. 58
A preveno geral positiva pode ser definida, ainda, nas palavras de Hassemer
apud Shecaira e Corra Jnior como a reao estatal ante fatos punveis para a proteo da
conscincia social da norma; ajuda ao agente do delito para reinsero social; e a limitao
dessa ajuda imposta por critrios de proporcionalidade. 59
Assim, denota-se que a preveno geral positiva busca ponderar a racionalidade
do homem, para que continue esperando que seus bens jurdicos sejam protegidos e tambm
fazendo com que os indivduos que cumprem as leis, continuem cumprindo e no venham a
delinqir.
2.4.2.2 Preveno especial
As teorias relativas entendem que a pena tem funo de preveno. Esta
preveno pode ser geral, como j demonstrado no tpico anterior ou especial, conforme se
extrai da lio de Queiroz:Para os tericos desta corrente, a interveno penal serve neutralizao dosimpulsos criminosos de quem j incidiu na prtica de crime, o delinqente,impedindo-o de praticar novos delitos. Dito mais claramente: fim da pena evitar areincidncia. A preveno de novos delitos j no se dirige, portanto, generalidadedas pessoas, mas ao infrator da norma em particular. 60
A preveno especial visa o indivduo que j delinqiu e busca impedir que o
mesmo venha a praticar novos delitos. Deste modo Roxin assinala que:
[...] a teoria da preveno especial no pretende retribuir o facto [sic] passado,assentando a justificao da pena na preveno de novos delitos do autor. Tal pode
ocorrer de trs maneiras: corrigindo o corrigvel, isto , o que hoje chamamos deressocializao; intimidando o que pelo menos intimidvel; e finalmente, tornandoinofensivo mediante a pena de privao de liberdade os que no so nem corrigveisnem intimidveis. 61
A funo da pena diante da preveno especial, nas palavras de Shecaira e Corra
Jnior tem um carter humanista, pois pe um acento no indivduo, considerando suas
peculiaridades, permitindo uma melhor individualizao do remdio penal. Alm disso, sua
atuao especfica permite o aperfeioamento do trabalho de reinsero social. 62
58 QUEIROZ, 2001, p. 40.59 SHECAIRA; CORRA JNIOR, 2002, p. 132.60 QUEIROZ, op. cit., p. 56.61 ROXIN, 1998, p. 20.62 SHECAIRA; CORRA JNIOR, op. cit., p. 133-134.
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Nas palavras de Ferreira as teorias mistas atuam como meio termo entre as
teorias absolutas e relativas, que, conciliando, atribuem duplo fundamento pena. Para elas,
portanto, a pena tem duas razes: a retribuio, manifestada atravs do castigo; e a preveno,
como instrumento de defesa da sociedade. 67
Estas teorias no visam especificamente retribuir ou prevenir, mas sim retribuir e
prevenir ao mesmo tempo. Corroborando com esta teoria Jescheck apud Queiroz justifica que:
As teorias unitrias intentam, assim, [...] mediar entre as teorias absolutas erelativas, no, naturalmente, somando sem mais suas contraditrias idias bsicas,mas mediante a reflexo prtica de que a pena, na realidade de sua aplicao, podedesenvolver a totalidade de suas funes frente pessoa afetada e seu mundocircundante, de maneira que o que importa conseguir uma relao equilibradaentre todos os fins da pena (mtodo dialtico), servindo assim de ponte entre umas eoutras.68
As teorias mistas ou unificadoras tentam agrupar em um conceito nico os fins da
pena. Tais teorias partem da crtica s solues monistas, ou seja, s teses sustentadas pelas
teorias absolutas ou relativas da pena. Aceitam a retribuio e o princpio da culpabilidade
como critrios limitadores da interveno da pena como sano jurdico-penal. Assim, a pena
no pode, pois, ir alm da responsabilidade decorrente do fato praticado.69
Porm, quer seja para fins de retribuio ou de preveno em realidade, a pena,
hoje, s se justifica, se tiver por objetivo evitar o cometimento de novos crimes.
ressocializando o criminoso. O punir por punir em obedincia cega a um dogmatismo ticono tem mais sentido. 70
Portanto, observa-se que as teorias mistas, como o prprio nome pressupe, unem
a idia de retribuio, defendida pelas teorias absolutas e a idia de preveno, fundamento
das teorias relativas, idia esta adotada pelo Cdigo Penal brasileiro.
67 FERREIRA, 1995, p. 29.68 QUEIROZ, 2001, p. 66.69 BITENCOURT, 2007, p. 95-96.70 FERREIRA, op. cit., p. 30.
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3 HOMICDIO
Neste captulo, busca-se elencar os principais aspectos do delito de homicdio,
crime este que est inserido no Cdigo Penal como o primeiro do rol dos crimes praticados
contra a vida.
Este captulo apresenta o conceito, a objetividade jurdica, os sujeitos do crime e,
precipuamente, os elementos subjetivos do tipo penal, quais sejam, a culpa, que se subdivide
em consciente e inconsciente e o dolo, que pode ser direto e indireto, podendo ser este
eventual e alternativo.
Estas consideraes so de fundamental importncia para a anlise e compreensodo tema proposto.
3.1 CONCEITO
O delito de homicdio um crime que ocorre com bastante freqncia nassociedades, sempre causando muita repercusso por atentar contra a vida de um ser humano.
Este delito est inserido no artigo 121 caputdo Cdigo Penal brasileiro, que assim
dispe, in verbis: Art. 121. Matar algum: Pena - recluso, de seis a vinte anos. 1
O conceito deste crime de fcil compreenso, uma vez que consiste na morte de
uma pessoa, provocada por outra. Corroborando com este entendimento, Jesus define o
homicdio como a destruio da vida de um homem praticada por outro. 2
Prado preconiza que o homicdio consiste na destruio da vida humana alheiapor outrem. 3 Portanto, apenas quando um ser humano tira a vida de outro, h o delito de
homicdio.
Compartilhando deste conceito, Hungria e Fragoso tambm dispem que:
O homicdio o tipo central dos crimes contra a vida e o ponto culminante naorografia dos crimes. o crime por excelncia. o padro da delinqncia violentaou sanguinria, que representa como que uma reverso atvica s eras primevas
1 BRASIL.Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Cdigo penal. Disponvel em:
. Acesso em 14 out. 2008.2 JESUS, Damsio E. de. Parte especial: dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o patrimnio. In: ______Direito penal. 28. ed. rev. e atual. So Paulo: Saraiva, 2007.v. 2, p. 17.
3 PRADO, Luiz Regis. Parte especial, arts. 121 a 183. In: ______Curso de direito penal brasileiro. 2. ed. rev.,atual. e ampl. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, v. 2, p. 43.
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[...]. a mais chocante violao do senso moral mdio da humanidade civilizada.4(grifos do autor)
Portanto, o delito de homicdio previsto no artigo 121 caput do Cdigo Penal,
descreve apenas a conduta matar algum, ou seja, o crime praticado contra a vida de um ser
humano. Sempre que um homem tirar a vida de outro homem, sem levar em considerao as
circunstncias que levaram a prtica desta conduta, tem-se a prtica do delito de homicdio.
3.2 OBJETIVIDADE JURDICA
Apresentado o conceito do delito de homicdio, este tpico busca demonstrar qual
o objeto jurdico, ou seja, qual o bem jurdico atingido pela conduta criminosa.
O objeto jurdico de um crime o bem jurdico, quer dizer, o interesse que a
norma penal protege. A disposio dos ttulos e captulos da Parte Especial do Cdigo Penal
obedece a um critrio que leva em considerao o objeto jurdico do crime e coloca em
primeiro lugar os bens jurdicos mais importantes, como a vida, a integridade corporal, a
honra, etc. O homicdio o crime que inaugura a Parte Especial do Cdigo Penal e tem como
objeto jurdico a vida humana extra-uterina.5
Quando dispe acerca da objetividade jurdica do delito de homicdio, Noronha
preconiza que como deixa claro o nome do captulo Dos crimes contra a vida esta o
objeto jurdico tutelado, no s pelo art. 121 [do Cdigo Penal] como tambm por todos que
integram aquele, com a nuana de vida intra-uterina ou biolgica no crime de aborto. 6 (grifo
do autor)
O objeto jurdico do delito de homicdio, qual seja, a vida de um ser humano, de
tamanha importncia que j se encontra disposto no prprio nome do captulo no qual o artigo121 do Cdigo Penal est inserido.
De acordo com Fukassawa no caso de homicdio, o bem jurdico tutelado pela
norma a vida humana, o supremo bem individual no dizer magistral de Nelson Hungria.7
4 HUNGRIA, Nlson; FRAGOSO, Heleno Cludio. Comentrios ao cdigo penal: Decreto-Lei n. 2.848, de 7de dezembro de 1940. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981, v. 5, p. 25.
5 CAPEZ, Fernando. Parte especial. In: ______ Curso de direito penal. 5. ed., rev. e atual. So Paulo: Saraiva,
2003, v.2, p. 36 NORONHA, E. Magalhes. Dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o patrimnio. In: ______ Direitopenal. 34. ed. atual. So Paulo: Saraiva, 1999, v. 2, p. 16.
7 FUKASSAWA, Fernando Y. Crimes de trnsito: de acordo com a Lei n 9.503, de 23-9-1997, Cdigo deTrnsito Brasileiro. So Paulo: Oliveira Mendes, 1998, p. 116.
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participao) pode ser sujeito ativo de um crime.10
Tratando-se do sujeito ativo no caso do delito de homicdio, Capez preconiza:
Sujeito ativo da conduta tpica o ser humano que pratica a figura tpica descrita na
lei, isolada ou conjuntamente com outros autores. O conceito abrange no s aqueleque pratica o ncleo da figura tpica (quem mata), como tambm o partcipe, que aquele que, sem praticar o verbo (ncleo) do tipo, concorre de algum modo para aproduo do resultado.11
Noronha observa que o sujeito ativo quem pratica a figura tpica descrita na lei.
o homem, a criatura humana, isolada ou associada, isto , por autoria singular ou co-
autoria. S ele pode ser agente ou autordo crime. 12 (grifos do autor)
Segundo Prado qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do delito de homicdio. O
tipo penal no exige nenhuma qualificao especial (delito comum). 13
Observa-se que o homicdio no exige nenhum requisito especfico para legitimar
o sujeito ativo. Qualquer pessoa que tira a vida de outra pessoa ser considerada sujeito ativo,
tendo em vista ser um delito comum, que qualquer ser humano pode praticar.
O homicdio um tipo comum que no contm nenhuma exigncia especial da
pessoa do sujeito ativo ou passivo. Por no ser crime prprio, no exige legitimidade ativa ou
passiva. Este tipo de delito pode ser cometido por qualquer pessoa.14
Destarte, por se tratar de crime comum que pode ser cometido por qualquer ser
humano, a figura do sujeito ativo no exige qualquer requisito especfico. Basta que oindivduo pratique determinada conduta que tire a vida de outro indivduo.
3.3.2 Sujeito passivo
Assim como necessria a figura do sujeito ativo no delito de homicdio, a figurado sujeito passivo tambm imprescindvel para a caracterizao deste.
O sujeito passivo, nas palavras de Bitencourt o titular do bem jurdico atingido
pela conduta criminosa. Sujeito passivo do crime pode ser: o ser humano (ex. crimes contra a
10 MIRABETE, Jlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Parte Geral, arts. 1 a 120 do CP, conforme Lei n. 7.209,de 11-07-84. In: ______ Manual de direito penal. 24. ed. rev. e atual. So Paulo: Atlas, 2007, v. 1, p. 110.
11 CAPEZ, 2003, p. 10.12 NORONHA, E. Magalhes. Introduo e parte geral. In: ______ Direito penal. 34. ed. atual. So Paulo:Saraiva, 1999, v. 1, p. 113.
13 PRADO, 2002, p. 45.14 JESUS, 2007, p. 20.
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pessoa), o Estado (ex: crimes contra a Administrao Pblica); [...] e, inclusive, pode ser a
pessoa jurdica (ex: crimes contra o patrimnio). 15 (grifos do autor)
Mirabete e Fabbrini complementam justificando que o sujeito passivo do crime
o titular do bem jurdico lesado ou ameaado pela conduta criminosa. Nada impede que, dois
ou mais sujeitos passivos existam: desde que tenham sido lesados ou ameaados em seus bens
jurdicos referidos no tipo, so vtimas do crime. 16
No caso do delito de homicdio Hungria e Fragoso preconizam que o sujeito
passivo do homicdio o ser vivo, nascido da mulher. A destruio do embrio ou feto
humano no tero materno no homicdio, contemplando-a a lei penal sob o nomem juris de
abrto [sic], menos severamente punido. 17 (grifos do autor)
O sujeito passivo, assim como o sujeito ativo, pode ser qualquer pessoa que tenhanascido com vida. No h exigncia de nenhum requisito especial para legitimao do sujeito
passivo, conforme se extrai da lio de Prado:
Basta, para a caracterizao do delito em tela que o sujeito passivo esteja vivo. Noimporta seu grau de vitalidade ou a existncia ou no de capacidade desobrevivncia. A presena de condies orgnicas precrias que impeam acontinuidade da vida no afasta a configurao do delito.18
Complementando o entendimento de que no importa o grau de vitalidade do
indivduo, e que qualquer ser humano pode ser sujeito passivo no homicdio, Capez
preleciona:
[...] no importante perquirir o grau de vitalidade da vtima, ou seja, se ela tempoucos minutos de vida, ou ento, se apresenta um quadro clnico vegetativo porno mais haver soluo mdica para o seu caso. Enquanto houver vida, ainda quesem qualidade, o homem ser sujeito passivo do delito de homicdio. 19
Logo, o sujeito passivo no delito de homicdio pode ser qualquer pessoa que esteja
vivo, no interessando quais as condies fsicas ou o grau de vitalidade no momento em que
o crime se consuma.
3.4 ELEMENTO SUBJETIVO
Todos os crimes dispostos no Cdigo Penal apresentam um elemento subjetivo,
15 BITENCOURT, Cezar Roberto. Parte geral. In: ______ Tratado de direito penal. 11 ed. atual. So Paulo:
Saraiva, 2007, v. 1, p. 231.16 MIRABETE; FABBRINI, 2007, p. 114.17 HUNGRIA; FRAGOSO, 1981, p. 36.18 PRADO, 2002, p. 46.19 CAPEZ, 2003, p. 11.
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que nas palavras de Wessels apud Bitencourt so dados ou circunstncias que pertencem ao
campo psquico-espiritual e ao mundo de representao do autor. 20 No caso do delito de
homicdio no diferente, pois sempre haver um elemento subjetivo quando este ocorrer.
No caso de homicdio, os elementos subjetivos necessrios para a caracterizao
do delito so a culpa ou o dolo. Sem a existncia de um deles no h crime.
Este tpico abordar os elementos subjetivos culpa, na forma consciente e
inconsciente e o dolo, direto ou indireto, este subdividido em eventual e alternativo, conforme
a seguir se demonstrar.
3.4.1 Culpa
O direito penal se interessa apenas pela conduta humana quando esta agir culposa
ou dolosamente. A ausncia de culpa ou dolo pressupe ausncia de fato tpico e,
conseqentemente, inexistncia de infrao penal.
No caso do delito de homicdio a regra que este seja doloso, entretanto, o artigo
18, pargrafo nico do Cdigo Penal dispe que salvo os casos expressos em lei, ningumpode ser punido por fato previsto como crime, seno quando o pratica dolosamente. 21
Destarte, a possibilidade do delito de homicdio ser culposo, est expressa nos
artigos 121, 3 do Cdigo Penal que dispe: Art. 121 Matar algum: Pena - recluso, de
seis a vinte anos. [...] 3: Se o homicdio culposo: Pena - deteno, de um a trs anos 22 e
no artigo 302 do Cdigo de Trnsito Brasileiro, in verbis: Art. 302. Praticar homicdio
culposo na direo de veculo automotor: Penas - deteno, de dois a quatro anos, e suspenso
ou proibio de se obter a permisso ou a habilitao para dirigir veculo automotor.
23
, ouseja, estes so casos que a lei autoriza a punio do sujeito ativo na modalidade culposa.
No momento, interessa apenas discorrer sobre a culpa e suas espcies, culpa
consciente e inconsciente, sendo que o elemento subjetivo dolo ser apresentado no tpico
subseqente.
Primeiramente, vale ressaltar os ensinamentos de Noronha quando dispe acerca
da diferenciao da culpa em latosensu e stricto sensu. Segundo o autor o vocbulo culpa,
20
BITENCOURT, 2007, p. 263.21 BRASIL, 1940, loc. cit.22 Ibid.23 Id. Lei n 9.503 de 23 de setembro de 1997. Cdigo de Trnsito Brasileiro. Disponvel em:
Acesso em: 26 out. 2008
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em sentido amplo (lato sensu) equivale culpabilidade, compreendendo o dolo e a culpa em
sentido estrito (stricto sensu). Conseqentemente esta uma das formas da culpabilidade
[...]. 24 (grifos do autor)
Discorrendo sobre a culpa em sentido estrito Bataglini apud Bitencourt dispe que
culpa a inobservncia do dever de cuidado manifestada numa conduta produtora de um
resultado no querido, objetivamente previsvel. 25
Hungria e Fragoso, por sua vez, informam que a culpa a omisso da ateno ou
diligncia normalmente empregadas para prever ou evitar a leso de bens ou interesses
jurdicos alheios. 26
Confirmando a idia de que a culpa consiste na omisso do dever de cuidado
Capez dispe que, se tratando da modalidade culposa h uma ao voluntria dirigida a umafinalidade lcita, mas, pela quebra do dever de cuidado a todos exigido, sobrevm um
resultado ilcito no querido, cujo risco nem sequer foi assumido. 27
Para configurao do elemento subjetivo culpa necessrio que o agente tenha
deixado de agir com zelo e diligncia necessrios, e assim, cometido o delito.
Mirabete e Fabbrini conceituam a culpa como a conduta voluntria (ao ou
omisso) que produz resultado antijurdico no querido, mas previsvel, e excepcionalmente
previsto, que podia, com a devida ateno, ter evitado.28
A violao de um dever de cuidado para configurao da culpa tambm
defendida por Zaffaroni e Pierangeli:
O tipo culposo no individualiza a conduta pela finalidade e sim porque na formaem que se obtm essa finalidade viola-se um dever de cuidado, ou seja, como diz aprpria lei penal, a pessoa, por sua conduta, d causa ao resultado por imprudncia,negligncia ou impercia. [...] 29
A realizao de uma conduta sem o cuidado necessrio, resultando em leso ou
perigo a um bem jurdico, protegido pela norma penal, o que caracteriza o elemento
subjetivo culpa.
Na modalidade culposa, o resultado final no o pretendido pelo agente. Neste
sentido Costa Jnior apud Greco justifica que: A ao culposa caracteriza-se por uma
deficincia na execuo da direo final. E esta deficincia se deve ao fato de a orientao dos
24 NORONHA, 1999, p. 140.25 BITENCOURT, 2007, p. 278.26 HUNGRIA; FRAGOSO, 1981, p. 47.27 CAPEZ, 2003, p. 62-63.28 MIRABETE; FABBRINI, 2007, p. 136.29 ZAFFARONI, Eugenio Ral; PIERANGELI, Jos Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral.
2 ed. rev. e atual. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 506.
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meios no corresponder quela que deveria em realidade ser imprimida para evitar as leses
aos bens jurdicos. 30
Deste modo, entende-se que para a configurao do delito na modalidade culposa,
alguns elementos so necessrios. Greco assim destaca:
[...] para a caracterizao do delito culposo necessrio a conjugao de vrioselementos, a saber:a) conduta humana voluntria, comissiva ou omissiva;b) inobservncia de um dever objetivo de cuidado (negligncia, imprudncia ouimpercia);c) o resultado lesivo no querido, tampouco assumido pelo agente;d) nexo de causalidade entre a conduta do agente que deixa de observar o seu deverde cuidado e o resultado lesivo dele advindo;e) previsibilidade;f) tipicidade. 31
Com relao conduta humana voluntria comissiva ou omissiva, basta que oagente pratique uma ao (comisso) ou deixe de praticar (omisso), e dessa ao resulte
ofensa a um bem jurdico.
No tocante ao dever objetivo de cuidado, Bitencourt assevera que tal elemento
consiste em reconhecer o perigo para o bem jurdico tutelado e preocupar-se com as
possveis conseqncias que uma conduta descuidada pode produzir-lhe, deixando de pratic-
la, ou, ento, execut-la, somente depois de adotar as necessrias [...] precaues para evit-
lo.
32
O resultado final deve ser diverso daquele pretendido pelo agente e,
principalmente deve ser conseqncia da inobservncia do cuidado devido. Em outras
palavras, indispensvel que a inobservncia do cuidado devido seja a causa do resultado
tipificado como crime culposo.33
Tambm fazendo parte da definio da culpa, encontramos a previsibilidade, que
segundo Noronha consiste:
Na possibilidade de se prever um fato. Diz-se haver previsibilidade quando o
indivduo, nas circunstncias em que se encontrava, podia ter-se representado comopossvel a conseqncia de sua ao. Distingue-se da previso, porque esta acontm. O previsto sempre previsvel. A previso o desenvolvimento natural daprevisibilidade. 34
30 GRECO, Rogrio.Parte Geral. In: ______ Curso de direito penal. 5. ed. rev. amp. e atual.Rio de Janeiro:
Impetus, 2005, v. 1, p. 198.31 Ibid., p. 197.32 BITENCOURT, 2007, p. 281.33 Ibid., p. 282-283.34 NORONHA, 1999, 141.
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O elemento subjetivo culpa, est previsto no artigo 18, inciso II, do Cdigo Penal,
in verbis: Art. 18 - Diz-se o crime: [...] II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado
por imprudncia, negligncia ou impercia.35
Conforme se extrai da leitura do artigo 18 do Cdigo Penal brasileiro, existem trs
modalidades de culpa: imprudncia, negligncia e impercia.
A primeira delas, a imprudncia apresentada por Bruno apud Greco como a
modalidade de culpa que consiste na prtica de um ato perigoso sem os cuidados que o caso
requer. 36 Logo, o agente age de forma perigosa, abrindo mo do zelo que deveria ter em
determinada situao.
A imprudncia caracterizada pela prtica de uma conduta de maneira arriscada,
perigosa e tem carter comissivo. uma impreviso ativa, que se caracteriza pelaprecipitao, insensatez ou imoderao do agente.37
Outra modalidade de culpa, tambm insculpida no artigo 18 do Cdigo Penal, a
negligncia. A respeito desta modalidade, Noronha preconiza que:
[...] inao, inrcia e passividade. Decorre de inatividade material (corprea) ousubjetiva (psquica). Reduz-se a um comportamento negativo. Negligente quem,podendo e devendo agir de determinado modo, por indolncia ou preguia mental,no age ou se comporta de modo diverso.38
Corroborando com o entendimento de que a negligncia consiste em indiferena
quando da prtica de certa conduta, Bitencourt assevera que negligncia a displicncia no
agir, falta de precauo, a indiferena do agente, que, podendo adotar as cautelas necessrias,
no o faz. a impreviso passiva, o desleixo, a inao (culpa in ommitendo). no fazer o
que deveria ter feito. 39
Por ltimo, como terceira modalidade da culpa, denota-se a impercia,
caracterizada pela falta de capacidade, despreparo ou insuficincia de conhecimentos
tcnicos para o exerccio de arte, profisso ou ofcio. 40
Tambm contemplando a idia, Greco dispe que fala-se em impercia quando
ocorre uma inaptido, momentnea ou no, do agente para o exerccio de arte, profisso ou
ofcio. Diz-se que a impercia est ligada, basicamente, atividade profissional do agente. 41
(grifo do autor)
35 BRASIL. 1940, loc. cit.36 GRECO, 2007, p. 205.37 BITENCOURT, 2007, p. 285.38 NORONHA, 1999, p. 144.39 BITENCOURT, loc. cit.40 Ibid., p. 286.41 GRECO, loc. cit.
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38
Destarte, vislumbra-se que a culpa consiste na prtica de certa conduta sem o
dever de cuidado necessrio, quer seja por imprudncia, impercia ou negligncia, e o
resultado dessa conduta acaba lesando um bem jurdico, o que no era objetivado pelo agente,
mas previsvel para o homem mdio.
O elemento subjetivo culpa apresenta duas espcies: culpa consciente e culpa
inconsciente, sendo ambas objeto de estudo nos prximos tpicos.
3.4.1.1 Culpa consciente
Neste tpico abordar-se-o os principais aspectos da culpa consciente, apresentada
como uma das espcies da culpa e to debatida atualmente, por ser um elemento que muitas
vezes est presente quando ocorre um homicdio.
A culpa consciente pode ser definida tambm como a culpa com previso, pois o
agente deixa de observar a diligncia a que estava obrigado, prev um resultado, previsvel,
mas confiante em sua habilidade, tem a certeza que ele no ocorrer. Embora prevendo o
resultado, acredita que este no acontecer.42
Ao tratar sobre o assunto, Noronha preconiza que na culpa consciente ou com
previso (culpa ex lascivia), o sujeito ativo prev o resultado, porm espera que no se
efetive. Avizinha-se bastante do dolo eventual, mas nem por isso constitui modalidade mais
grave do que aquela [culpa inconsciente]. 43 (grifos do autor)
Esta espcie de culpa sempre motivo de acirradas discusses, por se assemelhar
ao dolo eventual, uma vez que o sujeito age convicto de que no produzir o evento lesivo,
entretanto no se preocupa muito em tentar evit-lo, pois acredita que o mesmo no vaiocorrer.
Confirmando este posicionamento, Hungria e Fragoso vislumbram a figura da
culpa consciente quando, previsto o evento como possvel, no procurou o agente evit-lo
(pressuposta a sua evitabilidade), esperando, sincera, mas levianamente, que no ocorresse.44
Para Zaffaroni e Pierangeli a culpa consciente tambm chamada de culpa com
representao, e assim se manifesta:
42 BITENCOURT, 2007, p. 287.43 NORONHA, 1999, p. 143.44 HUNGRIA; FRAGOSO, 1981, p. 47.
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Chama-se culpa com representao ou culpa consciente aquela em que o sujeitoativo representou para si a possibilidade da produo do resultado, embora a tenharejeitado, na crena de que, chegado o momento, poder evit-lo ou simplesmenteele no ocorrer. Este o limite entre a culpa e o dolo (dolo eventual). Aqui h umconhecimento efetivo do perigo que correm os bens jurdicos, que no se deve
confundir com a aceitao da possibilidade de produo do resultado [...]. Na culpacom representao, a nica coisa que se conhece efetivamente o perigo. 45 (grifosdo autor)
No caso de homicdio, observa-se que o sujeito age com a chamada culpa
consciente quando tem conhecimento que o resultado morte poder ocorrer, entretanto,
confiante em sua habilidade, acredita que pode evit-lo, da tambm cham-la de culpa com
previso.
Em se tratando de culpa consciente, o valor negativo do resultado para o agente,
mais forte do que o valor que atribui prtica da ao. Portanto, se estivesse convencido deque o resultado lesivo pudesse ocorrer, certamente desistiria da ao. Mas, no estando
convencido dessa possibilidade, calcula mal e age.46
Jesus observa que a previso elemento do dolo, mas que, excepcionalmente
pode integrar a culpa em sentido estrito. A exceo est na culpa consciente. 47
O autor prossegue afirmando que o agente no quer o resultado, no assume o
risco de reproduzi-lo e nem lhe tolervel ou indiferente. O evento lhe representado
(previsto), mas confia em sua no produo. 48
Na culpa consciente, embora prevendo o possvel resultado, o agente acredita
sinceramente na sua no-ocorrncia. O resultado previsto no assumido ou querido pelo
mesmo, pois confia em suas habilidades pessoais.49
O entendimento de que na culpa consciente o sujeito ativo prev o resultado, mas
no o assume, corroborado com Costa Jnior apud Shecaira e Corra Jnior. Vejamos:
[...] na culpa consciente o agente no aceita a realizao do evento: repelementalmente o resultado previsto, agindo na esperana ou na persuaso de que oevento no ir verificar-se. Na culpa consciente h uma previso negativa. O evento
no se verificar. [...] Na culpa consciente o que ocorre um erro de clculo,decorrente de uma falsa representao.50
Portanto, na culpa consciente o agente no busca o resultado, tampouco assume o
risco de produzi-lo. Confia em sua habilidade e tem a certeza que o evento morte ser evitado,
ainda que tenha conscincia da possibilidade de ocorrncia.
45 ZAFFARONI; PIERANGELI, 1999, p. 517.46 BITENCOURT, 2007, p. 288.47 JESUS, 2007, p. 81.48 Ibid., p. 82.49 GRECO, 2007, p. 207.50 SHECAIRA, Srgio Salomo; CORRA JNIOR, Alceu. Teoria da pena: finalidades, direito positivo,
jurisprudncia e outros estudos de cincia criminal. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 397-398.
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40
3.4.1.2 Culpa inconsciente
A outra espcie de culpa definida pela doutrina a chamada culpa inconsciente,
que se ope culpa consciente, e como o prprio nome j pressupe, no prevista pelo
agente.
Nas palavras de Noronha a culpa inconsciente definida como a conduta na qual
o resultado previsvel no previsto pelo agente. So os casos comuns de crimes culposos
[...]. a chamada culpa ex ignorantia. 51(grifos do autor)
Mirabete e Fabbrini compartilham deste conceito afirmando que a culpa
inconsciente existe quando o agente no prev o resultado que previsvel. No h no agenteo conhecimento efetivo do perigo que sua conduta provoca para o bem jurdico alheio. 52
(grifo do autor)
A ausncia de previso, embora presente a previsibilidade, tambm afirmada
por Bitencourt:
A previsibilidade do resultado o elemento identificador das duas espcies de culpa.A imprevisibilidade desloca o resultado para o caso fortuito ou fora maior. Naculpa inconsciente, no entanto, apesar da previsibilidade, no h previso pordescuido, desateno ou simples desinteresse. A culpa inconsciente caracteriza-se
pela ausncia absoluta de nexo psicolgico entre o autor e o resultado de sua ao. 53(grifos do autor)
Esta idia de que na culpa inconsciente o sujeito ativo no tem conhecimento do
perigo, e com a sua conduta lesiva acaba ocasionando um delito, defendida por Zaffaroni e
Pierangeli:
Na culpa inconsciente ou culpa sem representao no h um conhecimento efetivodo perigo que, com a conduta, se acarreta aos bens jurdicos, porque se trata dahiptese em que o sujeito podia e devia representar-se a possibilidade de produodo resultado e, no entanto, no o fez. Nestes casos h apenas um conhecimentopotencial do perigo aos bens jurdicos alheios.54 (grifos do autor)
A culpa inconsciente difere da culpa consciente porque nesta o agente at prev o
resultado, mas espera sinceramente que este no ir ocorrer, enquanto que na culpa
inconsciente o agente conhece apenas o perigo, mas no prev o resultado lesivo, embora este
seja previsvel para o homem mdio.
Nesta linha de raciocnio, a culpa inconsciente pode ser tambm entendida como
culpa comum, manifestada pela imprudncia, negligncia ou impercia, onde a morte do
51 NORONHA, 1999, p. 143.52 MIRABETE; FABBRINI, 2007, p. 141.53 BITENCOURT, 2007, p. 287.54 ZAFFARONI; PIERANGELI, 1999, p. 517.
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sujeito passivo no prevista, embora seja previsvel. 55
Logo, embora o agente pudesse ter previsto o resultado lesivo, no o fez, e deste
modo um bem jurdico foi lesado, uma vida foi interrompida. Assim a chamada culpa
inconsciente; o resultado no querido e nem previsto, entretanto era previsvel.
3.4.2 Dolo
Aps discorrer sobre a culpa e suas espcies, este tpico tratar do dolo, que
tambm um dos elementos subjetivos do crime de homicdio. Como j mencionado, aconduta que interessa para o direito penal a culposa ou dolosa. Sem a presena de um destes
elementos no h infrao penal.
O dolo est previsto no artigo 18, inciso I, do Cdigo Penal que reza: Art. 18 -
Diz-se o crime: I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.
[...] 56
O dolo pode ser conceituado como a vontade de concretizar os elementos
objetivos do tipo, ou seja, a conscincia e a vontade da realizao de uma conduta descritacomo tipo.57
A conscincia do que est sendo feito e a vontade na obteno do resultado,
tambm so preconizadas por Wezel apud Greco:
Toda ao consciente conduzida pela deciso da ao, quer dizer, pela conscinciado que se quer momento intelectual e pela deciso a respeito de querer realiz-lo momento volitivo. Ambos os momentos, conjuntamente, como fatoresconfiguradores de uma ao tpica real, formam o dolo (= dolo do tipo). 58
O dolo o elemento nuclear e primordial do tipo subjetivo, e muitas vezes o
nico componente do tipo. Pode ser definido como querer o resultado tpico, a vontade
realizadora do tipo objetivo. No caso do homicdio, querer matar um homem, que pressupe
que saiba que a conduta do objeto um homem. Logo, a vontade realizadora do tipo
objetivo, guiada pelo conhecimento dos elementos deste no caso concreto. 59
Essa vontade na realizao do tipo objetivo que caracteriza o dolo tambm
observada por Noronha:
55 JESUS, 2007, p. 81.56 BRASIL, 1940, loc. cit.57 BITENCOURT, 2007, p. 266.58 GRECO, 2007, p. 183.59 ZAFFARONI; PIERANGELI, 1999, p. 481.
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43
O dolo direto definido por Zaffaroni e Pieangeli como aquele em que o autor
quer diretamente a produo do resultado tpico, seja como o fim diretamente proposto ou
como um dos meios para obter este fim 65
Corroborando este conceito Hungria e Fragoso preconizam que o dolo direto
ocorre quando o agente prev como certo o resultado, para cujo evento precisamente
empreende o ato de vontade. 66
O dolo direto pode ser entendido como aquele que corresponde com a vontade do
sujeito ativo quando da ocorrncia do evento lesivo.
Extrai-se da lio de Greco que o dolo direto aquele querido pelo agente:
Diz-se direto o dolo quando o agente quer, efetivamente, cometer a conduta descritano tipo, conforme preceitua a primeira parte do art. 18, I, do Cdigo Penal. O
agente, nesta espcie de dolo, pratica sua conduta dirigindo-se finalisticamente produo do resultado por ele pretendido inicialmente. 67
Nesta espcie de dolo, o agente quer produzir diretamente o resultado lesivo. Sua
conduta dirigida realizao de um fato tpico, descrito como infrao penal.
Seguindo este raciocnio, Bitencourt informa que o dolo direto compe-se de trs
aspectos, a saber: 1) a representao do resultado, dos meios necessrios e das
conseqncias secundrias; 2) o querero resultado, bem como os meios escolhidos para a sua
consecuo; 3) o anuirna realizao das conseqncias previstas como certas, necessrias ou
possveis [...] 68 (grifos do autor)
No caso do delito de homicdio, o sujeito ativo age com dolo direto quando sua
conduta destinada a matar o sujeito passivo. Suas atitudes dirigem-se exclusivamente na
morte de um indivduo. Ele busca o resultado morte e, para tanto, anui com este resultado.
Neste sentido, o dolo direto visto como aquele decorrente da vontade do ser
humano em ocasionar um resultado lesivo a outro ser humano. Sua vontade dirigida para
este fim.
3.4.2.2 Dolo indireto
O dolo apresenta como espcies o dolo direto e o dolo indireto, sendo que o direto
foi abordado no tpico anterior, e o dolo indireto ser abordado neste tpico.
65 ZAFFARONI; PIERANGELI, 1999, p. 497.66 HUNGRIA; FRAGOSO, 1981, p. 45-46.67 GRECO, 2007, p. 188.68 BITENCOURT, 2007, p. 268.
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O dolo indireto bastante discutido, uma vez que, conforme se demonstrar no
momento oportuno, ele abrange o dolo alternativo e o dolo eventual, este que motivo de
acirradas discusses quando o assunto homicdio praticado no trnsito.
Para Noronha h dolo indireto quando, apesar de querer o resultado, a vontade
no se manifesta de modo nico e seguro em direo a ele, ao contrrio do que sucede na
espcie anterior [dolo direto]. 69
Confirmando a idia de que no dolo indireto a vontade do agente no se manifesta
exclusivamente para o fim de cometer o delito, Jesus leciona que h dolo indireto quando a
vontade do agente no se dirige exclusivamente ao resultado morte. 70
O dolo indireto ou indeterminado, portanto, aquele em que o agente, deseja o
resultado, entretanto, no h um querer especfico na sua conduta delituosa.Costuma-se subdividir o dolo indeterminado em dolo alternativo e dolo eventual.
O primeiro deles consiste na previso de resultados diversos, que reciprocamente se excluem,
propondo-se o agente realizar qualquer deles, indiferentemente, enquanto que o segundo
ocorre quando o agente, prevendo como provvel ou possvel o resultado, assume o risco de
produzi-lo. 71
3.4.2.2.1 Dolo alternativo
Vislumbra-se a figura do dolo indireto alternativo quando o agente deseja obter
qualquer dos resultados possveis para aquela conduta tpica.
Preleciona Noronha que o dolo alternativo d-se quando o agente quer um dos
eventos que sua ao pode causar: atingir para matar ou ferir
72
Hungria e Fragoso, por sua vez, admitem que no dolo alternativo, no h
indeterminao da vontade: quando se querem, indiferentemente, resultados diversos,
sabendo-se que um excluir os outros, a vontade to determinada como quando se quer um
resultado nico. 73
69 NORONHA, 1999, p. 138.70 JESUS, 2007, p. 36.71 HUNGRIA; FRAGOSO, 1981, p. 46-47.72 NORONHA, loc. cit.73 HUNGRIA; FRAGOSO, op. cit., p. 47.
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O que distingue o dolo alternativo dos demais o fato de que, como o prprio
nome j diz o agente alterna entre os resultados e tanto faz se, por exemplo, o disparo da arma
de fogo ir ferir ou matar a vtima.
O dolo indireto alternativo mostra-se quando o aspecto volitivo do agente
encontra-se direcionado de maneira alternativa, quer seja em relao ao resultado ou em
relao pessoa contra a qual o crime cometido. Se essa alternatividade disser respeito ao
resultado, fala-se em alternativ