acidentes transito

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    CURSO DE DIREITO

    DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE EM HOMICDIOS DECORRENTES DE

    ACIDENTES DE TRNSITO

    ANA REGINA CAMPOS DE SICA

    R.A: 456077/5

    TURMA: 3109-A

    FONE: (11) 3666-0447

    E-MAIL: [email protected]

    SO PAULO

    2006

    8

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    ANA REGINA CAMPOS DE SICA

    DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE EM HOMICDIOS DECORRENTES DE

    ACIDENTES DE TRNSITO

    Monografia apresentada BancaExaminadora do Centro Universitrio das

    Faculdades Metropolitanas Unidas, comoexigncia parcial para obteno do ttulo deBacharel em Direito, sob a orientao doProfessor Dr. Ivan Carlos de Arajo.

    SO PAULO

    2006

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    BANCA EXAMINADORA:

    ........................................................................................

    Professor-Orientador: Dr. Ivan Carlos de Arajo

    .........................................................................................

    Professor-Argidor: ___________________________

    .........................................................................................

    Professor-Argidor: ___________________________

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    Dedico este trabalho para:

    Virgem Santa e Imaculada, a quem tudo devo e,

    minha me Lcia, a quem por tudo agradeo.

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    Agradeo a todos que, direta ou indiretamente,

    influenciaram no meu desenvolvimento intelectual.

    Agradeo principalmente ao Professor Ivan Carlos

    de Arajo, de quem adquir no s a paixo

    incessante pelo Direito Penal, mas tambm umaespecial percepo: a de que ele e sempre ser

    meu Mestre e eu, consequentemente, sua eterna

    aprendiz.

    Agradeo ainda, a todos os meus amigos,

    especialmente Ana Carolina Minutti, Andreza

    Sangregrio, Alexandra Pacanaro, Christiany Contee Ftima Belluzzo; as quais, com a gratuidade

    peculiar a toda e qualquer amizade, tiveram

    participao decisiva no aperfeioamento deste

    trabalho.

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    SINOPSE

    Dentre as diversas espcies de dolo e culpa, nenhuma causa tanta

    curiosidade quanto a distino doutrinria de dolo eventual e culpa consciente, tendo

    em vista a sensvel disparidade conceitual que existe entre tais institutos.

    No plano terico esta distino, embora vaga, de fcil compreenso. O

    problema surge quando ela, na prtica, aplicada. Isso porque, os meios utilizados

    para constatar a presena ou no do elemento subjetivo do crime sofrem grandes

    mutaes, variando sempre de acordo com o posicionamento adotado pelos sujeitosprocessuais envolvidos.

    Assim, para o mesmo fato, surgem vrias interpretaes. No que se refere,

    especificamente, aos crimes de trnsito isto se torna claramente visvel.

    Logo, se o indivduo participa de competio no autorizada em via pblica e,

    em funo disso, provoca um acidente com vtima fatal; tem-se a possibilidade deconfigurao de dois entendimentos (que, antes da Lei 11.275/2006, tambm

    surgiam no caso de homicdio resultante de embriaguez ao volante):

    1. O agente agiu com dolo eventual em relao ao evento morte, pois a

    gravidade de sua conduta inicial evidencia sua total indiferena ao resultado mais

    grave.

    2. O agente agiu sob o domnio de culpa consciente, pois em regra, o crime

    de homicdio nessas circunstncias culposo, caracterizando-se pela grande

    imprudncia do agente, mas no necessariamente pela sua indiferena.

    Portanto, este trabalho aborda diversos conceitos e, cada uma dessas

    correntes terminando por incidir em um posicionamento que reflete mais o contedo

    probatrio dos fatos do que a mera aplicao de abstraes.

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    SUMRIO

    I. INTRODUO .........................................................................................................8

    II. DOLO....................................................................................................................10

    2.1. ASPECTOS GERAIS......................................................................................19

    2.2. ELEMENTOS..................................................................................................21

    2.3. ESPCIES......................................................................................................22

    2.3.1. Dolo Natural ou Dolus Bonuse Dolo Normativo ou Dolus Malus.............22

    2.3.2. Dolo Direto ou Determinado ou Imediato .................................................24

    2.3.3. Dolo Indireto ou Indeterminado ou Mediato .............................................25

    2.3.4. Dolo Genrico ..........................................................................................28

    2.3.5. Dolo especfico.........................................................................................28

    2.3.6. Dolo Geral ou Erro Sucessivo..................................................................29

    2.3.7. Dolo de Propsito ou Refletido e Dolo ntimo ou Repentino ....................29

    2.3.8. Dolo de Dano ou Leso e Dolo de Perigo................................................30

    III. CULPA .................................................................................................................32

    3.1 ESTRUTURA...................................................................................................32

    3.2. ELEMENTOS..................................................................................................34

    3.2.1. Conduta inicial voluntria .........................................................................34

    3.2.2. Inobservncia do dever objetivo de cuidado ............................................34

    3.2.3. Resultado involuntrio..............................................................................36

    3.2.4. Nexo causal entre a conduta e o resultado..............................................37

    3.2.5. Nexo normativo........................................................................................37

    3.2.6. Previsibilidade do resultado .....................................................................38

    3.2.7. Tipicidade.................................................................................................393.3. ESPCIES......................................................................................................40

    3.3.1. Culpa Inconsciente ou Comum ................................................................40

    3.3.2. Culpa Consciente.....................................................................................41

    3.3.3. Culpa Prpria ...........................................................................................41

    3.3.4. Culpa Imprpria ou Culpa por Extenso, Assimilao ou Equiparao ...41

    3.3.5. Culpa Mediata ou Indireta ........................................................................43

    3.3.6. Culpa Concorrente ...................................................................................44

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    3.3.7. Culpa recproca........................................................................................44

    IV. CDIGO DE TRNSITO BRASILEIRO (CTB) ....................................................46

    4.1. ASPCTOS GERAIS......................................................................................47

    4.1.1. Veculo Automotor....................................................................................47

    4.1.2. Via Pblica ...............................................................................................48

    4.2. HOMICDIO CULPOSO NA DIREO DE VECULO AUTOMOTOR............49

    4.2.1. Aspectos Gerais.......................................................................................49

    4.2.2. Causas de aumento de pena ...................................................................52

    4.4. PARTICIPAO EM COMPETIO NO AUTORIZADA.............................57

    4.4.1. Aspectos Gerais.......................................................................................57

    V. DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE.......................................................625.1. DISTINO ....................................................................................................62

    5.2. AFINAL, DOLO EVENTUAL OU CULPA CONSCIENTE?..............................66

    VI. CONSIDERAES FINAIS.................................................................................75

    VII. ANEXO ...............................................................................................................70

    VIII. BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................79

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    I. INTRODUO

    Por meio do presente estudo, foi feita uma anlise objetiva dos elementos

    subjetivo e normativo inerentes a todo e qualquer crime, sem ignorar as divergncias

    doutrinrias incidentes.

    Considerando que o objeto central dessa pesquisa a anlise da culpa e do

    dolo em crimes de trnsito, foi tambm feita a abordagem de dois delitos tipificados

    na Lei n. 9503/1997; atual Cdigo de Trnsito Brasileiro. So eles: homicdio

    culposo (art.302) e participao em disputa no autorizada (art.308).

    A escolha desses dispositivos para a realizao de uma abordagem

    especfica no foi feita por acaso. Ao contrrio, baseou-se na maior controvrsia que

    existe acerca do reconhecimento da culpa consciente, em contraposio ao dolo

    eventual, em caso de homicdio decorrente da conduta do agente que participa de

    competio no autorizada em via pblica.

    Assim, por meio de levantamentos na doutrina e na jurisprudncia, pretendeu-

    se avaliar a configurao desses elementos (dolo eventual e culpa consciente) em

    homicdios decorrentes de acidentes de veculos, tendo em vista que os

    administradores da Justia vm dispondo de tratamentos diferenciados para delitos

    cometidos nas mesmas circunstncias.

    A importncia desse trabalho evidenciada por duas tendncias antagnicas.

    Uma delas consiste na configurao presumida do dolo eventual sempre que o

    acidente de trnsito resultante em vtima fatal ocorrer em virtude de competio no

    autorizada. Assim, o acusado encaminhado a julgamento pelo Tribunal do Jri por

    entender-se que ele assumiu o risco de produzir um resultado mais grave ao

    executar sua conduta.

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    Logo, a abstrao do elemento subjetivo do delito (de homicdio) feita de

    acordo com a conduta anterior ao resultado morte, como se o dolo presente no crime

    de participao em disputa no autorizada persistisse no momento de ocorrncia do

    homicdio.

    O outro entendimento, ao contrrio, pretende que o agente seja punido a ttulo

    de culpa (consciente), pois se considera que, em regra, ningum ao incidir no crime

    em questo, o faz consentindo na ocorrncia do possvel evento morte.

    Portanto, para essa corrente, a supervenincia de uma fatalidade configura a

    grande imprudncia do agente que peca por confiar demais nas prprias habilidades,

    ultrapassando os limites do risco tolerado.

    Apesar da identidade circunstancial de crimes, tais inclinaes do ensejo a

    diferenciados julgamentos. Logo o principal fundamento da presente pesquisa a

    injustia que esses posicionamentos podem causar quando objetivamente aplicados.

    Por fim, em razo desse embate entre os que defendem o dolo presumido e

    os que consideram mais adequada a punio a ttulo de culpa, buscou-se esclarecer

    os argumentos sustentados por cada um deles, tentando atingir a concluso mais

    condizente possvel com o ideal de justia.

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    II. DOLO

    O jurista Antonio Rosa analisa bem a evoluo histrica do conceito de dolo:

    (...) a palavra dolo, significa, em suas origens gregas, engano,

    artifcio, fraude. O Direito Germnico, a partir da Idade Mdia,

    passou a tom-lo na acepo de ato voluntrio. Nos tempos

    modernos, o dolo , geralmente, definido como a vontade de um

    responsvel, dirigida a uma ilicitude.1

    De acordo com o que dispe o doutrinador Damsio Evangelista de Jesus, o

    dolo constitui elemento subjetivo do tipo (implcito) 2, pois ele que direciona a

    conduta para um tipo penal ou outro.

    Sob uma terceira tica, tem-se ainda que quanto ao elemento volitivo, o dolo

    a vontade de realizao da conduta tpica.3

    Tal vontade deve atingir todos oselementos constitutivos do tipo; sejam eles objetivos ou normativos.

    2.1. ASPECTOS GERAIS

    Na tentativa de definir o dolo, surgiram trs teorias principais:

    - Teoria da Representao entendimento segundo o qual basta que o

    indivduo tenha representado o evento para que o dolo se configure. Neste sentido,

    o doutrinador Flvio Augusto Monteiro de Barros esclarece:

    1 ROSA, Antonio Jos Miguel Feu. Direito Penal Parte Geral, p.314.2JESUS, Damsio Evangelista de. Direito Penal Anotado, p.69.

    3 BARROS, Flvio Augusto Monteiro de. Direito Penal-Parte Geral, p.221.

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    De acordo com a teoria da representao, para a configurao

    do dolo basta a previso do resultado. Privilegia-se o momento

    intelectual, de ter agido com previso do evento, deixando de lado o

    aspecto volitivo, de querer ou assumir ou risco de produz-lo. 4

    - Teoria da Vontade o citado autor explica ainda que, para essa teoria, o

    dolo apenas subsistir quando o agente, alm de antever o resultado, almejar que

    este ocorra reconhecendo assim, o nexo causal entre sua conduta e o evento que

    ela ensejar 5. E o Professor Damsio E. de Jesus acrescenta que preciso que o

    agente tenha a representao do fato (conscincia do fato) e a vontade de causar o

    resultado. 6

    - Teoria do Consentimento, Assentimento ou Anuncia ainda que o agente

    no deseje diretamente a ocorrncia do evento tpico, haver o dolo quando ele

    aceitar que ele ocorra. o que explica o jurista Jlio Fabrini Mirabete:

    Para a teoria do assentimento faz parte do dolo a previso do

    resultado a que o agente adere, no sendo necessrio que ele o

    queira. Para a teoria em apreo, portanto, existe dolo simplesmente

    quando o agente consente em causar o resultado ao praticar a

    conduta. 7

    Ao se analisar o texto do Cdigo Penal Ptrio, fcil perceber que, no art.18,

    inciso I primeira parte tem-se a codificao da Teoria da Vontade enquanto que na

    segunda parte do mesmo dispositivo, prevalece a Teoria do Consentimento. Logo, a

    Teoria da Representao no possui respaldo legal. 8

    4Ibid., p.218.5Ibidem.6 JESUS, Damsio Evangelista de. Direito Penal Anotado, p.288.7 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal Parte Geral, p.139.8 Art. 18 do Cdigo Penal Brasileiro:

    Diz-se o crime:Crime dolosoI doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.

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    De acordo com o Promotor Fernando Capez a conduta dolosa do agente se

    configura em duas fases distintas:

    a) fase interna: opera-se no pensamento do autor. Caso no

    passe disso, penalmente indiferente. Isso ocorre nas hipteses em

    que o agente apenas se prope a um fim (...); em que to somente

    seleciona os meios para realizar a finalidade (...); em que se

    considera os efeitos concomitantes que se unem ao fim pretendido

    (...).

    b) fase externa: consiste em exteriorizar a conduta, numa

    atividade em que se utilizam os meios selecionados conforme a

    normal e usual capacidade humana de previso. Caso o sujeito

    pratique a conduta nessas condies, age com dolo (...). 9

    O juiz Flvio A. M. de Barros alerta que apesar de o art.18 do Cdigo Penal

    referir-se ao dolo como sendo a inteno de dar causa ao resultado, tal elemento

    subjetivo est presente no s em crimes formais e materiais, mas tambm em

    crimes de mera conduta. 10

    2.2. ELEMENTOS

    Por todo o exposto, de acordo com o jurista Mirabete, so elementos do dolo

    (natural):

    So elementos do dolo, portanto, a conscincia (conhecimento

    do fato que constitui a ao tpica) e a vontade (elemento volitivo

    de realizar esse fato). A conscincia do autor deve referir-se a todos

    os elementos do tipo, prevendo ele os dados essenciais dos

    9 FERNANDO, Capez. Curso de Direito Penal Parte Geral, p.153.10 BARROS, Flvio Augusto Monteiro de. Op. Cit., p.217.

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    elementos tpicos futuros em especial o resultado e o processo

    causal. A vontade consiste em resolver executar a ao tpica (...). 11

    O Professor Heleno Cludio Fragoso acrescenta ainda como elemento o nexo

    causal entre conduta e resultado: nos crimes materiais (...) indispensvel

    estabelecer a relao da causalidade entre a ao e o resultado. Tal evento, em tais

    casos, integra a descrio da conduta proibida e dele depende a tipicidade. 12

    Para os que consideram que o dolo normativo (adeptos da Teoria

    Normativa), alm dos elementos j expostos, preciso ainda, para que o dolo seconfigure, que o agente tenha a potencial conscincia da ilicitude do fato. Ou seja, o

    indivduo precisa ter a possibilidade de conhecer o carter imoral do fato tpico.

    No basta que o autor represente e deseje o evento, diz o Professor Paulo

    Jos da Costa Jr., ser ademais necessria a conscincia do injusto. Vale dizer, o

    agente dever saber que est a praticar algo de errado, pelo qual poder ser

    censurado (...) 13.

    2.3. ESPCIES

    2.3.1. Dolo Natural ou Dolus Bonuse Dolo Normativo ou Dolus Malus

    De acordo com a projeo histrica relatada por Heleno Cludio Fragoso 14 e

    Francisco de Assis Toledo15, a diferena entre essas espcies est intimamente

    ligada a dois entendimentos doutrinrios que tentam abordar o conceito de crime.

    11 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op.Cit., p.140.12 FRAGOSO, Heleno Cludio. Lies de Direito Penal Parte Geral, p.200.13 COSTA JNIOR, Paulo Jos da. Comentrios ao Cdigo Penal, p.69.14 FRAGOSO, Heleno Cludio. Op.Cit., p.179.15Ibid., p.93.

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    A Concepo Psicolgica, tambm chamada Teoria Naturalstica ou Causal,

    sob influncia da Concepo Normativa, consagrou o dolo normativo.

    J a Concepo Normativa Pura ou Teoria Finalista, ainda de acordo com os

    referidos autores, adotou o dolo natural tendo por respaldo o texto do Cdigo Penal

    aps a grande reforma feita pela Lei n. 7.209/84 Parte Geral; o qual dispe nos

    seguintes termos: diz-se o crime doloso quando o agente quis o resultado ou

    assumiu o risco de produz-lo.(art. 18, I do C.P.).

    Ao interpretar este dispositivo, Magalhes Noronha esclarece:

    Tem-se objetado que nossa lei no inclui o elemento

    normativo no conceito de dolo. Aponta-se para isso, o art.18, I, e

    alega-se que, quando o Cdigo exige o conhecimento da

    antijuridicidade, di-lo expressamente com as expresses:

    indevidamente, ilicitamente, sem justa causa etc. 16.

    Assim, de acordo com esse entendimento, a normatividade (como sendo a

    potencial conscincia da ilicitude), continua integrando a culpabilidade, mas de modo

    desvinculado do dolo. Isso significa que, de acordo com o que dispe o prprio

    Cdigo Penal (art.21, caput), o desconhecimento da ilicitude do fato nunca exclui o

    dolo posto que, tal conscincia elementar da culpabilidade e no do elemento

    subjetivo do tipo.

    Em contraposio a esta corrente, tem-se a Teoria Naturalista (ou Causal),

    segundo a qual, crime todo fato tpico, antijurdico e culpvel. O Promotor

    Fernando Capez, embora seja finalista, conceitua o dolo normativo de modo singular:

    16 NORONHA, Magalhes. Direito Penal Introduo e Parte Geral, p.137.

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    Dolo normativo (...) considerado requisito da culpabilidade

    e possui trs elementos: a conscincia, a vontade e a conscincia

    da ilicitude. Por essa razo, para que haja dolo, no basta que o

    agente queira realizar a conduta, sendo tambm necessrio quetenha a conscincia de que ela ilcita, injusta, errada. Como se

    nota, acresceu-se um elemento normativo ao dolo, que depende de

    um juzo de valor, ou seja, a conscincia da ilicitude. S h dolo

    quando, alm da conscincia e da vontade de praticar a conduta, o

    agente tenha a conscincia de que est cometendo algo censurvel.17

    2.3.2. Dolo Direto ou Determinado ou Imediato

    Nele o agente deseja produzir determinado evento. A esse respeito, o jurista

    Luiz Rgis Prado anota que a vontade se dirige realizao do fato tpico, querido

    pelo autor (teoria da vontade art.18, I, CP). 18

    o caso, por exemplo, do indivduo que conduz seu veculo com a inteno

    de participar de competio no autorizada.

    O Professor Heleno Cludio Fragoso explica que, ainda que o resultado no

    seja primariamente desejado pelo agente, sendo certa a ocorrncia do evento,

    haver dolo direto (de segundo grau):

    H dolo direto tambm em relao ao meio e ao resultado que

    necessariamente esto ligados realizao da conduta tpica,

    mesmo que no sejam desejados pelo agente. Se este sabe que a

    ao necessariamente acarreta resultado concomitante, e no

    17 FERNANDO, Capez. Curso de Direito Penal Parte Geral, p.155.18 BITENCOURT, Csar Roberto. PRADO, Luiz Rgis. Cdigo Penal Anotado, p.198.

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    obstante a pratica, quer, por certo, tambm esse resultado, embora

    o lamente. 19

    2.3.3. Dolo Indireto ou Indeterminado ou Mediato

    De acordo com Magalhes Noronha, o dolo indireto quando, apesar de

    querer o resultado, a vontade no se manifesta de modo nico e seguro em direo

    a ele, ao contrrio do que sucede na espcie anterior. 20

    Portanto, trata-se de um dolo de contedo impreciso, pois no h desgnio de

    evento especfico. Em virtude dessa impreciso, tem-se a subclassificao dessa

    espcie de dolo nas seguintes modalidades:

    ) Dolo Alternativo

    Caso em que o agente tem por intuito produzir um ou outro resultado,

    satisfazendo-se com a ocorrncia de qualquer deles. Neste sentido, Paulo Jos da

    Costa Jr. conceitua: no dolo alternativo o agente quer indiferentemente, um evento

    ou outro (matar ou ferir). Representa com probabilidade o resultado (na

    representao do dolo direto, tem a certeza da realizao do evento). 21

    Assim, o dolo alternativo estar configurado sempre que o agente quiserproduzir um resultado e no o resultado. 22

    b) Dolo Eventual

    19 FRAGOSO, Heleno Cludio. Op. Cit., p.211.20 NORONHA, Magalhes. Op. Cit., p.138.21 COSTA JNIOR, Paulo Jos da. Op. Cit., p.74.22 FERNANDO, Capez. Op. Cit., p.156.

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    Torna-se presente quando, inicialmente, o agente no quer o evento delitivo,

    mas assume o risco de produz-lo no momento em que, prevendo a possibilidade de

    ocorrncia daquele, se mantm indiferente. Logo, esclarece Anbal Bruno no

    seguinte sentido:

    (...) no dolo eventual a vontade do agente no se dirige

    propriamente ao resultado, mas apenas ao ato inicial, que nem

    sempre ilcito, e o resultado no representado como certo, mas

    como possvel. Mas o agente prefere que ele ocorra, a desistir da

    conduta. 23

    Observe que, de acordo com o referido autor, no dolo eventual a anuncia do

    agente refere-se sempre a um resultado incerto. o que esclarece o advogado

    Cornlio Jos Holanda:

    (...) se o agente tem como certo o resultado, e mesmo assim

    age, atuar (...) no com dolo eventual, que requer para suaconfigurao, a anuncia para um resultado provvel, e no a um

    resultado induvidoso. Neste, estar presente sempre um

    componente de azar, pois a consumao danosa, apesar de

    possvel ou provvel, poder no ocorrer. 24

    Seguindo o mesmo raciocnio, o jurista Luiz Rgis Prado complementa que no

    dolo eventual o agente no quer diretamente a realizao do tipo objetivo, mas aaceita como provvel ou possvel assume o risco de produo do resultado (teoria

    do consentimento art.18, I, in fine, CP). 25

    23 BRUNO, Anbal. Direito Penal-Parte Geral, p.73.24 HOLANDA, Cornlio Jos. O dolo eventual nos crimes de trnsito. (Obtido em 30 de maro de2005). Disponvel em http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5263.25 BITENCOURT, Csar Roberto. PRADO, Luiz Rgis. Cdigo Penal Anotado, p.198.

    26

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    A doutrina analisa ainda, o real significado do termo assumir o risco de

    produzir o resultado, que est expresso no art.18, I parte final do CP. A esse

    respeito Celso Delmanto explica que no dolo eventual no suficiente que o agente

    se tenha conduzido de maneira a assumir o resultado; exige-se mais, que ele haja

    consentindo no resultado. 26

    Por fim, Magalhes Noronha faz uma interessante distino: (...)

    sinteticamente, costuma estremar-se o dolo direto do eventual, dizendo-se que o

    primeiro a vontade por causa do resultado; o outro, a vontade apesar do

    resultado. 27

    c) Dolo Cumulativo

    Para Paulo Jos da Costa Jr. o dolo indireto pode ainda manifestar-se por

    meio do que ele denomina dolo cumulativo. E ele explica: no dolo cumulativo o

    agente pretende a realizao de dois resultados (matar e ferir), tendo igualmente a

    certeza de obter o que tenciona. 28

    Em outras palavras, o indivduo tem por intuito obter dois ou mais eventos

    tpicos distintos cumulativamente, ou seja, ele direciona sua conduta de modo a

    produzir mais de um resultado lesivo; desejando cada um deles.

    Prevalece, no entanto, o entendimento de que tal situao caracteriza o dolo

    direto em relao a cada resultado pretendido. Neste sentido, o advogado Cornlio

    de Holanda posicionou-se: (...) entendemos que, mesmo sendo mltiplos os

    26 DELMANTO, Celso. Cdigo Penal Comentado, p.30.27 NORONHA, Magalhes. Op. Cit., p.139.28 COSTA JNIOR, Paulo Jos da. Op. Cit., p.74.

    27

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    objetivos, se o agente procede realizao da conduta necessria aos resultados

    visados, existe dolo direto. 29

    2.3.4. Dolo Genrico

    Caso em que o agente realiza uma conduta tpica sendo que, sua motivao

    ou finalidade irrelevante para configurao do crime. Assim, de acordo com as

    lies de Fernando Capez, tem-se:

    Dolo genrico: vontade de realizar a conduta sem um fim

    especial, ou seja, a mera vontade de praticar o ncleo da ao tpica

    (o verbo do tipo). Nos tipos que no tm elemento subjetivo, isto ,

    nos quais no consta nenhuma exigncia de finalidade especial (os

    que no tm expresses como com o fim de, para etc.),

    suficiente o dolo genrico. 30

    2.3.5. Dolo especfico

    O Professor Heleno Cludio Fragoso ensina que, em contraposio ao

    anterior, configura-se o dolo especfico quando a finalidade do agente ou sua

    motivao se tornar elementar do crime:

    Em certos casos, no entanto, verifica-se que a ilicitude

    depende de um especial fim ou motivo de agir, que amplia o aspecto

    subjetivo do tipo. (...). O especial fim ou motivo de agir que aparece

    em certas definies do delito condiciona ou fundamenta a ilicitude

    do fato. Trata-se, portanto, de elemento subjetivo do tipo (...). 31

    29 HOLANDA, Cornlio Jos. O dolo eventual nos crimes de trnsito. (Obtido em 30 de maro de2005). Disponvel em http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5263.30 CAPEZ, Fernando. Op. Cit., p.157.31 FRAGOSO, Heleno Cludio. Op. Cit., p.213.

    28

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    2.3.6. Dolo Geral ou Erro Sucessivo

    Trata-se do erro sobre o nexo causal entre conduta e resultado. Logo, de

    acordo com Flvio Augusto Monteiro de Barros, verifica-se o dolo geral quando o

    agente, supondo ter produzido o resultado visado, realiza nova conduta com

    finalidade diversasendo que esta que acaba efetivamente produzindo o evento de

    incio desejado. 32

    O Professor Heleno Cludio Fragoso explica que, tecnicamente, deveria

    haver o concurso entre o crime doloso tentado e o crime culposo, mas logo emseguida ele esclarece: (...), todavia, tal soluo no satisfaz o sentimento jurdico (...),

    motivo pelo qual, na prtica se considera o acontecimento um processo unitrio,

    resolvendo-se a hiptese como crime nico (homicdio doloso consumado). 33

    Assim sendo, nesse caso, o dolo do agente no se descaracteriza afinal, seja

    por meio da conduta inicial; seja por meio da conduta posterior, foi ele quem desejou

    e deu causa ao resultado (art.13, caputdo C.P.).

    2.3.7. Dolo de Propsito ou Refletido e Dolo ntimo ou Repentino

    Intimamente ligado premeditao, o dolo de propsito se manifesta quando

    h um lapso de tempo relevante entre a representao psicolgica do crime pelo

    agente e sua efetiva execuo. Assim, basta que tenha decorrido um lapso temporal

    considervel entre o propsito criminoso e a atuao, e que esta tenha sido

    precedida de uma preparao minuciosa. 34

    32 BARROS, Flvio Augusto Monteiro de. Op. Cit., p.221.33 FRAGOSO, Heleno Cludio. Op. Cit., p.220.34 COSTA JNIOR, Paulo Jos da. Op. Cit., p.77.

    29

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    J no dolo de mpeto, a conduta do agente imediatamente posterior a

    mentalizao do crime por ele idealizado, sendo aquela, portanto,

    automaticamente realizada. o que afirma Paulo Jos da Costa Jr.:

    O dolo de mpeto no admite, entre a formulao do propsito

    delituoso e a conduta, um hiato temporal. Quando menos, haver de

    existir uma soluo de continuidade cronolgica exgua ou razovel.

    Tal no implica que a vontade delituosa tenha sido formada debaixo

    do influxo de qualquer paixo, j que a conduta poder desenvolver-

    se com calma e frieza. 35

    2.3.8. Dolo de Dano ou Leso e Dolo de Perigo

    Importante destacar que dano (prejuzo) tudo aquilo que impede, total ou

    parcialmente, a satisfao das necessidades humanas (...), ou seja, (...) tudo que

    implique a destruio ou diminuio de um bem. 36

    J o perigo deve ser entendido como juzo probabilstico de supervenincia do

    dano, com base naquilo que costuma acontecer. 37 Ou seja, a mentalizao de

    uma possibilidade concreta (probabilidade). Logo, ainda em consonncia com os

    comentrios dos juristas Paulo Jos da costa Jr. e Maria Elizabeth Queijo, o perigo

    deve estar efetivamente presente, ou seja, deve ser atual ou eminente (nunca futuro).

    Assim, de acordo com o Professor Damsio, o dolo de dano aquele em que

    o agente visa lesar um bem juridicamente tutelado (ou assume o risco de faz-lo). 38

    35Ibidem.36COSTA JUNIOR, Paulo Jos da, QUEIJO, Maria Elizabeth. Comentrios aos Crimes do Cdigo deTrnsito, p.07.

    37 Ibidem.38 JESUS, Damsio Evangelista de. Direito Penal - Parte Geral, p.293.

    30

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    Quem age com dolo de perigo, conforme o mesmo autor, dirige sua conduta

    com o objetivo de expor o bem tutelado a uma situao que provavelmente o

    danificaria; sem desejar, no entanto, que esse dano realmente ocorra. Isto , o

    agente tem por intuito expor o bem ao perigo de leso e no leso efetiva.

    Deste modo, o Professor Paulo Jos da Costa Jr. sinteticamente conclui: faz-

    se a distino com base na ofensa produzida ao bem tutelado pela norma penal. O

    dolo ser de dano se o sujeito quis lesar o bem tutelado. 39

    Cumpre, contudo, observar que a supervenincia do resultado lesivo pode

    transmudar o crime doloso de perigo em crime culposo de dano 40, pois segundo

    esse entendimento, quem age com dolo de perigo no assume o risco de produzir o

    resultado lesivo.

    Mirabete, no entanto, entende que dolo de dano e dolo de perigo so

    espciessubstancialmente idnticas. Dolo existe quando o agente quer ou consente

    na realizao da figura tpica ou, nos termos da lei, quando quer ou consente no

    resultado, no importando queesse tipo seja de dano ou de perigo. 41

    39 COSTA JNIOR, Paulo Jos da. Comentrios ao Cdigo Penal, p. 76.40 BARROS, Flvio Augusto Monteiro de. Direito Penal-Parte Geral, p.225.41 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal Parte Geral, p.144.

    31

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    III. CULPA

    A melhor definio delineada por Anbal Bruno: (...) consiste a culpa em

    praticar voluntariamente, sem a ateno ou o cuidado devido, um ato do qual

    decorre um resultado definido na lei como crime, que no foi querido pelo agente,

    mas que era previsvel. 42

    Sob outra tica, a culpa na doutrina finalista da ao, constitui elemento do

    tipo (...). , tambm, puro juzo de reprovao, uma vez que normativa e no

    psicolgica (...). 43

    3.1 ESTRUTURA

    O jurista Luiz Regis Prado, oportunamente, faz a seguinte distino:

    No tipo injusto doloso punida a ao ou omisso dirigida a

    um fim ilcito, ao passo que no culposo pune-se um comportamento

    mal conduzido a um fim irrelevante ou lcito. H uma contradio

    essencial entre o querido e o realizado pelo autor; vale dizer, a

    direo finalista da ao no corresponde diligncia devida (...).

    Como infrao a uma norma de cuidado, a culpa emerge como

    elemento normativo do tipo, no fazendo parte do tipo subjetivo,

    nem compondo como elemento normativo o tipo de injusto doloso(...). 44

    Analisando-se o texto da lei (art. 18, II do C.P.) 45 percebe-se que a falta de

    inteno do indivduo em obter determinado evento, faz dos crimes culposos tipos

    42 BRUNO, Anbal. Direito Penal-Parte Geral, p.80.43 JESUS, Damsio Evangelista de. Direito Penal - Parte Geral, p.297.44

    BITENCOURT, Csar Roberto. PRADO, Luiz Rgis. Cdigo Penal Anotado, p.199.45 Art.18 do Cdigo Penal Brasileiro:Diz-se o crime:

    32

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    penais abertos que constam, na lei, apenas do resultado. o que explica o

    Professor Heleno Cludio Fragoso:

    So tipos abertos os dos crimes culposos, que apenas

    descrevem resultados e devem ser completados com a ao ou

    omisso contrria ao dever objetivo de cuidado. A ao em tal

    categoria de delitos, no se dirige no sentido do resultado, mas a

    outros fins, geralmente lcitos, fora do tipo. Sabe-se apenas da ao

    tpica dos crimes culposos que deve causar certo resultado e que

    deve ser praticada com negligncia, imprudncia ou impercia

    (art.18, II, CP), ou seja, com transgresso do dever objetivo decuidado, que competia o agente observar, determinando assim, a

    tipicidade. 46

    Assim, de acordo com Francisco de Assis Toledo os crimes culposos apenas

    se configuraro se, aps a anlise comparativa entre a conduta efetiva e a conduta

    devida (de acordo com o juzo do homem mdio), chegar-se concluso de que o

    resultado no teria ocorrido se a conduta do acusado tivesse sido calcada no deverobjetivo de cuidado:

    Tipo aberto (...) consiste na descrio incompleta do modelo

    de conduta proibida, transferindo-se para o intrprete o encargo de

    completar o tipo, dentro dos limites e das indicaes nele prprio

    contidas. So os denominados tipos abertos, como se d em geral

    com os delitos culposos que precisam ser completados pela normageral que impe a observncia do dever de cuidado. 47

    Fernando Capez, por sua vez, complementa:

    Crime CulposoII culposo, quando o agente causa o resultado por imprudncia, negligncia ou impercia.

    46 FRAGOSO, Heleno Cludio. Op. Cit., p.224.47 TOLEDO, Francisco de Assis. Princpios Bsicos de Direito Penal, p.136.

    33

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    Culpa elemento normativo da conduta. A culpa assim

    chamada porque sua verificao necessita de um prvio juzo de

    valor, sem o qual no se sabe se ela est ou no presente. (...). A

    culpa, portanto, no est descrita, nem especificada, mas apenasprevista genericamente no tipo. Isso se deve ao fato da absoluta

    impossibilidade de o legislador antever todas as formas de

    realizao culposa (...). 48

    3.2. ELEMENTOS

    So elementos da culpa:

    3.2.1. Conduta inicial voluntria

    Cabe destacar que tal voluntariedade recai sempre sobre a realizao da

    conduta; nunca sobre a obteno do resultado definido como crime. Tal elemento muito bem ilustrado por Magalhes Noronha:

    O agente quer praticar a ao com a mesma vontade do fato

    doloso: o chofer, que dirige seu automvel a 120 km por hora e

    desastradamente atropela algum, quer a ao de dirigi-lo assim, do

    mesmo modo que a quer aquele que imprime essa velocidade a seu

    veculo para atir-lo propositadamente sobre o pedestre, seu inimigo.

    Em ambos os casos a ao causal voluntria. 49

    3.2.2. Inobservncia do dever objetivo de cuidado

    48 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal Parte Geral, p.160.49 NORONHA, Magalhes. Op. Cit., p.142.

    34

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    A ttulo de culpa, a punio do agente apenas se justifica se ficar provado que

    ele no agiu com a devida cautela ao executar sua conduta. o que esclarece

    Heleno Cludio Fragoso:

    (...) a ao delituosa que a norma probe a que se realiza com

    negligncia, imprudncia ou impercia, ou seja, violando o dever

    objetivo de cuidado, ateno ou diligncia, geralmente imposto na

    vida de relao, para evitar dano a interesses e bens alheios e que

    conduz, assim, ao resultado que configura o delito. 50

    Assim sendo, a inobservncia do dever de cuidado pode ser manifestada de

    trs modos:

    imprudncia = comportamento positivo que Celso Delmanto chama de

    prtica de ato perigoso. 51

    negligncia = de acordo com Magalhes Noronha, tal modalidade de

    culpa :

    (...) no sentido do Cdigo (...) a inao, inrcia, passividade. Decorre

    de inatividade material (corprea) ou subjetiva (psquica). Reduz-se

    a um comportamento negativo. Negligente quem, podendo e

    devendo agir de determinado modo, por indolncia ou preguiamental, no age ou se comporta de modo diverso. 52

    50 FRAGOSO, Heleno Cludio. Op. Cit., p.272.51 DELMANTO, Celso. Cdigo Penal Comentado, p.31.52 NORONHA, Magalhes. Op. Cit., p.144.

    35

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    impercia = trata-se da culpa profissional j que, deve sempre ocorrer

    no exerccio de uma atividade (...) que o agente est autorizado a exercer. 53Assim,

    de acordo com Luiz Regis Prado, tem-se:

    Impercia a incapacidade, a falta de conhecimentos tcnicos

    precisos para o exerccio de profisso ou arte, a inaptido ou a

    incompetncia tcnicocientfica para o exerccio profissional (...).

    Em havendo impercia fora do mbito profissional, a culpa

    atribuda a ttulo de imprudncia ou negligncia. 54

    Cabe observar que, a exemplo do que fez vrios autores, Csar Bitencourt

    destacou uma importante distino:

    Impercia no se confunde com erro profissional. O erro

    profissional um acidente escusvel, justificvel e, de regra,

    imprevisvel, que no depende do uso correto e oportuno dos

    conhecimentos e regras da cincia. Deve-se imperfeio eprecariedade dos conhecimentos humanos, operando, portanto, no

    campo do imprevisto e transpondo os limites da prudncia e da

    ateno humana. 55

    3.2.3. Resultado involuntrio

    Conforme esclarece Flvio Monteiro de Barros, o resultado no desejado

    elementar do tipo em crimes culposos, pois a inocorrncia do evento delitivo mantm

    atpica a conduta:

    53 BARROS, Flvio Augusto Monteiro de. Op. Cit., p.225.54 BITENCOURT, Csar Roberto. PRADO, Luiz Rgis. Cdigo Penal Anotado, p.200.55 BITENCOURT, Csar Roberto. Manual de Direito Penal, p.250.

    36

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    No crime culposo, o resultado aloja-se dentro do tipo,

    conferindo-lhe a essncia criminosa. Tanto assim que a simples

    conduta no caracteriza crime. A integralizao do tipo penal

    culposo depende da supervenincia do resultado indesejado: seeste no ocorre, a simples conduta, conforme o caso constitui fato

    atpico (...). 56

    3.2.4. Nexo causal entre a conduta e o resultado

    A relao de causalidade, diz Cezar Roberto Bitencourt, nada mais do que a

    imputao fsica do crime ao autor da ao produtora do resultado. Em seguida ele

    explica:

    (...) indispensvel que o resultado seja conseqncia da

    inobservncia do cuidado objetivo, ou, em outros termos, que este

    seja a causa daquele (...). Atribuir-se, nessa hiptese, aresponsabilidade ao agente cauteloso constituir autntica

    responsabilidade objetiva, pela ausncia do nexo causal. A

    inevitabilidade do resultado exclui a prpria tipicidade. 57

    3.2.5. Nexo normativo

    Relevante para se auferir a culpa mediata (ou indireta), trata-se de um

    elemento destacado por Fernando Capez, o qual fundamenta:

    Alm do nexo causal preciso que o agente tenha culpa em

    relao ao segundo resultado, que no pode derivar nem de caso

    56 BARROS, Flvio Augusto Monteiro de. Op. Cit., p.234.57 BITENCOURT, Csar Roberto. Op. Cit.,, p.247.

    37

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    fortuito nem de fora maior. Desse modo, a culpa indireta pressupe:

    nexo causal (que o agente tenha dado causa ao segundo evento) e

    nexo normativo (que tenha contribudo culposamente para ele). 58

    3.2.6. Previsibilidade do resultado

    Ningum pode ser punido por fato imprevisvel. Nesse sentido, adverte o

    Professor Julio F. Mirabete:

    (...) no haver crime culposo mesmo que a conduta

    contrarie os cuidados objetivos e se verifica que o resultado se

    produziria da mesma forma, independentemente da ao

    descuidada do agente. Assim, se algum se atira sob as rodas do

    veculo que dirigido pelo motorista na contra-mo de direo, no

    se pode imputar a este o resultado (morte do suicida). Trata-se, no

    caso, de mero caso fortuito. 59

    Ao se analisar a previsibilidade em crimes culposos, deve-se proceder

    anlise tanto da previsibilidade objetiva (baseada no cuidado inerente ao homem

    mdio ou comum), quanto da previsibilidade subjetiva (baseada em aspectos

    pessoais do acusado). Assim, ainda de acordo com o referido autor, verificado que o

    fato tpico, diante da previsibilidade objetiva (do homem razovel), s haver

    reprovabilidade ou censurabilidade da conduta (culpabilidade) se o agente puder

    prev-la (previsibilidade subjetiva). 60

    Logo, a previsibilidade objetiva elementar do tipo, pois consiste na

    possibilidade, diante das circunstancias, de se antever o resultado; enquanto que, a

    previsibilidade subjetiva pressuposto de culpabilidade, j que se baseia na

    capacidade do indivduo de faz-lo. A esse respeito, Fernando Capez adverte:

    58 CAPEZ, Fernando. Op. Cit., p.167.59 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit., p.147.60 Ibidem.

    38

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    Ateno:a ausncia de previsibilidade subjetiva no exclui a

    culpa, uma vez que no seu elemento. A conseqncia ser a

    excluso da culpabilidade, mas nunca da culpa (o que equivale dizer,

    da conduta e do fato tpico). Dessa forma, o fato ser tpico porquehouve conduta culposa, mas o agente no ser punido pelo crime

    cometido ante a falta de culpabilidade. 61

    Isso, no entanto, no o que entende o Professor Julio F. Mirabete, para

    quem, a previsibilidade objetiva no possui razo de existir; sendo relevante apenas

    proceder-se anlise da previsibilidade subjetiva. Esta, por sua vez, (para ele)

    elementar do tipo culposo e no da culpabilidade:

    Essa colocao doutrinria, para ns, no perfeita. Em

    primeiro lugar, por se fundar a previsibilidade objetiva uma

    abstrao (homem razovel, homem mdio, homem padro, homem

    modelo etc.) que no se consegue caracterizar suficientemente. Em

    segundo lugar porque fica excluda a tipicidade do fato praticado por

    algum que, por suas qualificaes tem maiores possibilidades deprever o resultado que o homem comum (...). Por essa razo, (...) a

    previsibilidade deve ser estabelecida conforme a capacidade de

    previso de cada indivduo, sem que para isso se tenha de recorrer

    a nenhum critrio de normalidade. Assim, pode haver ou no

    tipicidade conforme a capacidade de prever do sujeito ativo. A

    previsibilidade subjetiva pra ns elemento psicolgico (subjetivo)

    do tipo culposo. 62

    3.2.7. Tipicidade

    61 FERNANDO, Capez. Op. Cit., p.162.62 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit., p.148.

    39

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    H na culpa, diz Damsio, um primeiro momento em que se verifica a

    tipicidade da conduta: tpica toda conduta que infringe o cuidado necessrio

    objetivo. Completando esse raciocnio, Flvio A. M. de Barros argumenta:

    Os crimes culposos so tipos abertos, pois a

    complementao da definio tpica depende de um juzo valorativo

    do magistrado. A tipicidade depende da concretizao de todos os

    elementos do crime culposo, dos quais merecem destaque a

    violao do dever de cuidado e a previsibilidade objetiva do

    resultado. 63

    Cabe observar, por fim, que na legislao penal brasileira a punio do

    agente a ttulo de culpa uma ressalva; tendo em vista o disposto no prprio Cdigo

    Penal (art.18, nico): salvo os casos expressos em lei, ningum pode ser punido

    por fato previsto como crime, seno quando o pratica dolosamente.

    3.3. ESPCIES

    3.3.1. Culpa Inconsciente ou Comum

    Nesta, diz Magalhes Noronha, o resultado previsvel no previsto pelo

    agente. (...). a chamada culpa ex ignorantia. 64

    Nos ensinamentos de Csar Roberto Bitencourt, tem- se:

    Na culpa inconsciente, apesar da presena da previsibilidade,

    no h previso por descuido, desateno ou simples desinteresse.

    63 BARROS, Flvio Augusto Monteiro de. Op. Cit., p.237.64 NORONHA, Magalhes. Op. Cit., p.143.

    40

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    A culpa inconsciente caracteriza-se pela ausncia absoluta nexo

    psicolgico entre o autor e o resultado de sua ao. 65

    3.3.2. Culpa Consciente

    Tambm chamada culpa ex lascvia, trata-se de uma excepcionalidade em

    que a culpa dotada de previso. O assunto melhor abordado por Luiz Regis

    Prado:

    Na culpa consciente o agente afasta ou repele, emborainconsideradamente, a hiptese de supervenincia do evento e

    empreende a ao na esperana de que esse evento no venha a

    ocorrer prev o resultado como possvel, mas no o aceita nem o

    consente. 66

    3.3.3. Culpa Prpria

    Trata-se da culpa em que o agente no quer nem assume o risco de produzir

    o resultado. 67(grifo nosso).

    Logo, a classificao entre culpa comum e consciente est ligada previso

    ou no do evento. J a caracterizao da culpa prpria tem conexo com o

    elemento volitivo.

    3.3.4. Culpa Imprpria ou Culpa por Extenso, Assimilao ou Equiparao

    65 BITENCOURT, Csar Roberto. Op. Cit., p.251.66 BITENCOURT, Csar Roberto. PRADO, Luiz Rgis. Cdigo Penal Anotado, p.200.67 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal Parte Geral, p.151.

    41

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    De acordo com as lies do Professor Damsio, so casos de culpa imprpria

    os previstos nos arts. 20, 1, 2 parte e 23, nico, parte final 68do Cdigo Penal.

    Assim sendo, nos termos deste diploma legal, tem-se:

    * Art.20, 1 = descriminantes putativas:

    isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas

    circunstncias, supe situao de fato que, se existisse, tornaria a

    ao legtima. No h iseno de pena quando o erro deriva de

    culpa e o fato punvel como crime culposo. (Grifo nosso).

    De ntima conexo com os tipos permissivos, (excludentes da antijuridicidade),

    trata-se da culpa presente nas chamadas discriminantes putativas inescusveis.

    Nessas, o agente incide em erro vencvel quanto situao de fato, pois comete um

    crime supondo estar agindo licitamente ao imaginar que se encontram presentes os

    requisitos de uma dascausas justificativas previstas em lei (...) 69 (legtima defesa,

    estrito cumprimento do dever legal, estado de necessidade ou exerccio regular de

    um direito).

    Assim sendo, o Desembargador Antonio Rosa sinteticamente expe:

    H ocasies em que o agente pratica o ato criminoso,

    pensando que limita em seu favor uma causa de justificao

    qualquer. Por erro de avaliao, ele se julga em legtima defesa, ou

    em estado de necessidade, etc. 70

    * Art. 23, nico = excesso punvel:

    68 JESUS, Damsio Evangelista de. Direito Penal - Parte Geral, p.304.69Ibid., p.204.70 ROSA, Antonio Jos Miguel Feu. Direito Penal Parte geral, p.340.

    42

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    O agente em qualquer das hipteses deste artigo, responder

    pelo excesso doloso ou culposo. (Grifo nosso).

    Essa forma de manifestao da culpa imprpria muito bem explicada pelo

    Promotor Victor Gonalves:

    a intensificao desnecessria de uma conduta inicialmente

    justificada. O excesso sempre pressupe um incio de situao

    justificante. A princpio o agente estava agindo coberto por uma

    excludente, mas em seguida, extrapola. (...). O excesso (...) culposo(ou excesso inconsciente ou intencional) o que deriva de culpa em

    relao moderao, e, para alguns doutrinadores, tambm quanto

    escolha dos meios necessrios. Nesse caso o agente responde

    por homicdio culposo. Trata-se de caos de culpa imprpria. 71

    3.3.5. Culpa Mediata ou Indireta

    De acordo com os ensinamentos de Fernando Capez, deve ser entendida

    como sendo a culpa presente quando o agente produz indiretamente o resultado.

    o caso (...) de um assaltante que, aps assustar a vtima, faz com que ela fuja e

    acabe sendo atropelada. 72

    Ainda de acordo com o ilustre jurista, preciso, no caso dessa espcie deculpa, que estejam presentes tanto o nexo causal quanto o normativo, conforme

    oportunamente visto. 73

    71 GONALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal Parte Geral, p.84.72 FERNANDO, Capez. Curso de Direito Penal Parte Geral, p.166.73Ibidem.

    43

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    3.3.6. Culpa Concorrente

    Havendo concorrncia de culpa, diz Csar Roberto

    Bitencourt, os agentes respondem, isoladamente, pelo resultado

    produzido. (...) Nessa hiptese, no se pode falar em concurso de

    pessoas, ante a ausncia do vnculo subjetivo. 74

    o caso, por exemplo, de um acidente de carros com vtima fatal, em que

    todos os motoristas foram imprudentes. Todos os condutores que concorreram

    culposamente para a ocorrncia do evento morte, por esse devero responder. O

    exemplo de Julio Fabbrini Mirabete. 75

    3.3.7. Culpa recproca

    Caracteriza-se sempre que, nas circunstncias de fato estiverem presentes

    tanto a culpa do agente quanto da vtima. Neste sentido, Magalhes Noronhaesclarece:

    Ao inverso do que sucede no direito privado, no admite o

    penal compensao de culpas. O proceder culposo do ofendido no

    elide o do agente. (...). S se isentar de pena algum quando o

    resultado for atribudo exclusivamente culpa da vtima. 76 (Grifo

    nosso).

    De acordo com Fernando Capez 77, apesar de a culpa da vtima no excluir a

    culpa do agente, nos termos do art.59 do C.P. ela tem utilidade no momento de

    74 BITENCOURT, Csar Roberto. Op. Cit., p.253.75 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. Cit., p.152.76 NORONHA, Magalhes. Op. Cit., p.145.77 FERNANDO, Capez. Op. Cit., p.171.

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    fixao da pena base posto que, o comportamento da vtima, nesse caso, pode ser

    aproveitado em benefcio do agente.

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    IV. CDIGO DE TRNSITO BRASILEIRO (CTB)

    Promulgada em 23 de setembro de 1997, a Lei n. 9503 (que entrou em vigor

    em 22 de janeiro de 1998), surgiu da tentativa de atender aos anseios sociais. o

    que explica Jos Geraldo da Silva:

    A situao do trnsito brasileiro catica, e com uma frota que

    se agiganta a cada ano (...), aliada ao nmero assustador de

    pessoas mortas e feridas em acidentes de trnsito, tornou-se mister

    a codificao de tipos penais que criminalizem condutasrelacionadas ao mau uso do automvel.78

    De acordo com o Sistema de Informaes de Mortalidade (SIM) da Secretaria

    Estadual de Sade, o trnsito, no Brasil, uma das principais causas de mortes

    estando atrs apenas, da violncia urbana. Na regio sul do pas, no entanto, esse

    quadro se inverte e a imprudncia dos motoristas se torna a maior vil. 79

    O CTB, responsvel pela revogao da Lei n. 5108/66, trouxe inovadores

    mecanismos de represso criminalidade no trnsito, dando origem a tipificaes

    penais at ento inexistentes e a preceitos secundrios consideravelmente rgidos

    se comparados aos previstos no Cdigo Penal. Sujeito a regulamentaes, prev a

    possibilidade de se instituir medidas de conscientizao que eduquem motoristas e

    pedestres de modo a reduzir a ocorrncia de acidentes.

    De acordo com Assessoria e Consultoria de Documentos Marinho

    Despachantes tem-se:

    78 GENOFRE, Fabiano, LAVORENTI, Wilson, SILVA, Jos Geraldo. Leis penais Especiais Anotadas,p.09.79Trnsito lidera ranking de mortes. Disponvel em: http://an.uol.br/2002/set/20/0ger.htm. Acesso em15 de novembro de 2005.

    46

    http://an.uol.br/2002/set/20/0ger.htmhttp://an.uol.br/2002/set/20/0ger.htm
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    O Brasil registra anualmente cerca de 1,5 milho de acidentes,

    que resultam na morte de 34 mil pessoas e outras 400 mil ficam

    feridas nos centros urbanos do pas. Isso representa uma mdia de

    80 mortes e mil pessoas feridas por dia. 80

    nesse quadro crtico que vigora o CTB. Esse, por sua vez, consubstancia

    um antagonismo: prev, por um lado, diversos tipos penais que configuram crimes-

    obstculo, visando a impedir a verificao de eventos mais graves 81, consagrando,

    por outro lado, diversos retrocessos em matria penal e processual penal, por ter

    ferido garantias fundamentais, construdas ao longo dos sculos. 82

    4.1. ASPCTOS GERAIS

    4.1.1. Veculo Automotor

    A aplicao do CTB pressupe sempre, que o agente esteja na direo deveculo automotor. O conceito desse vem expresso no prprio CTB (anexo I):

    (...) todo veculo a motor de propulso que circule por seus prprios

    meios, e que serve normalmente para o transporte de pessoas e

    coisas, ou para a trao viria de veculos utilizados para o

    transporte de pessoais e coisas. O termo compreende os veculos

    conectados a uma linha eltrica e que no circulam sobre trilhos(nibus eltricos).

    80. PANORAMA Marinho Despachantes. Curso de Direo Defensiva passa a ser obrigatrio, p.07.81 COSTA JUNIOR, Paulo Jos da, QUEIJO, Maria Elizabeth. Comentrios aos Crimes do Cdigo deTrnsito, p.XI.82Ibid., p.XII.

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    Diante de tal definio, os Promotores Victor Gonalves e Fernando Capez

    concluem que os veculos de trao animal (como a carroa) e os de propulso

    humana (como a bicicleta) estam excludos do mbito de incidncia do CTB. 83

    Cabe anotar ainda, que tambm:

    (...) no esto includos no conceito de veculo automotor, para fins

    de aplicao do Cdigo de Trnsito, todos aqueles que, embora

    movidos a motor de propulso e que circulem por seus prprios

    meios, no transitem sobre vias urbanas terrestres e rurais (...)como lanchas e barcos. 84

    4.1.2. Via Pblica

    Alguns dos crimes previstos no CTB (como o de participao em competio

    no autorizada) apenas so punveis quando ocorridos em via pblica.

    Via superfcie por onde transitam pessoas, veculos e animais,

    compreendendo a pista, a calada, o acostamento, ilha e canteiro central(anexo I do

    CTB).

    Via pblica, de acordo com Fernando Capez e Victor Gonalves, um local

    aberto a qualquer pessoa, cujo acesso seja sempre permitido e por onde seja

    possvel a passagem de veculos automotor (ruas, avenidas, alamedas, praas

    etc.).85

    83 CAPEZ,Fernando, GONALVES, Victor Eduardo Rios. Aspectos Criminais do Cdigo de TrnsitoBrasileiro, p.05.84 COSTA JUNIOR, Paulo Jos da, QUEIJO, Maria Elizabeth. Op. Cit., p.56.85 CAPEZ, Fernando, GONALVES, Victor Eduardo Rios. Op. Cit., p.45.

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    Segundo tais doutrinadores, consideram-se ainda vias pblicas, as ruas dos

    condomnios particulares. 86

    Damsio Evangelista de Jesus ainda acrescenta que pode ocorrer, entretanto,

    que o local no seja especificamente destinado ao trfego de veculos, como

    grandes jardins, praas, caladas, passeios, terrenos, gramados, etc. 87Ainda assim,

    para efeitos de aplicabilidade do CTB, devero ser considerados como vias pblicas.

    4.2. HOMICDIO CULPOSO NA DIREO DE VECULO AUTOMOTOR

    Art. 302. Praticar homicdio culposo na direo de veculo

    automotor:

    Penas - deteno, de dois a quatro anos, e suspenso ou

    proibio de se obter a permisso ou a habilitao para dirigir

    veculo automotor.

    4.2.1. Aspectos Gerais

    a)Objetividade jurdica:

    a tutela da vida humana, cuja proteo por sua extrema importncia, um

    imperativo de ordem constitucional (art.5, caput da CF/88). 88

    b)Sujeitos:

    86Ibid, p.46.87 JESUS, Damsio Evangelista. Crimes de Trnsito, p.157.88 COSTA JUNIOR, Paulo Jos da, QUEIJO, Maria Elizabeth. Op. Cit., p.53.

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    O crime praticado pelo condutor do veculo (habilitado ou no) contra

    qualquer pessoa. Neste sentido Jos Geraldo da Silva. 89 Logo, trata-se de um crime

    comum quanto aos sujeitos.

    c) Elemento objetivo:

    Como o tipo penal no faz restries, o crime se configura em qualquer que

    seja o local do delito, desde que o agente esteja na direo de veculo automotor.

    Logo, pode ocorrer em via pblica ou no. 90

    Note que, o delito em questo pressupe sempre a existncia de algum na

    conduo do veculo. Assim, se por negligncia, o agente deixar o freio de mo solto

    ao estacionar em uma rua inclinada e, sem que ningum esteja na direo do carro,

    esse vier a deslizar atingindo um terceiro e, provocando-lhe a morte, caracterizado

    estar o homicdio culposo previsto no Cdigo Penal (art.121, 3) e no o crime do

    CTB. O exemplo da Professora Ana Paula da Fonseca Rodrigues. 91

    d) Elemento subjetivo:

    Considerando-se que se trata de um crime culposo e, portanto, desprovido de

    inteno, no h elemento subjetivo do tipo, mas sim elemento normativo.

    89 GENOFRE, Fabiano, LAVORENTI, Wilson, SILVA, Jos Geraldo. Leis penais Especiais Anotadas,p.13.

    90 JESUS, Damsio Evangelista. Crimes de Trnsito, p.78.91 Exemplo dado em aula ministrada no dia 19. 09. 2005, ao oitavo semestre (perodo diurno) doCurso de Direito da UniFMU.

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    A esse respeito, o Professor Damsio, calcado na Teoria Finalista, explica

    que a culpa configura elemento expresso do tipo (...). Trata-se de elemento

    normativo: exige do magistrado uma apreciao valorativa do fato. 92

    De acordo com os doutrinadores Paulo Jos da Costa Jr. e Maria Elizabeth

    Queijo, a culpa, que poder apresentar-se na modalidade de imprudncia (fazer

    aquilo que no deve), negligncia (deixar de fazer aquilo que deve ser feito) ou

    impercia (culpa tcnica). 93

    e) Tentativa e Consumao:

    Em conformidade com os ensinamentos do autor supracitado, a consumao

    do crime depende da morte da vtima tratando-se assim, de um crime material

    insuscetvel, no entanto, de tentativa dado o seu carter culposo; desprovido,

    portanto, de inteno.94

    f) Ao penal

    De acordo com Alexandre de Morais e Gianpaolo Smanio, trata-se de um

    crime que se processa mediante ao penal pblica incondicionada. 95

    A punio abrange a privao de liberdade do agente e a aplicao de uma

    interdio de direitos (proibio para exercer o direito de dirigir veculos

    automotores).

    92 JESUS, Damsio Evangelista. Crimes de Trnsito, p.79.93Ibidem.94Ibid., p.78.95 MORAIS, Alexandre, SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legislao Penal Especial, p.229.

    51

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    Jos Geraldo da Silva esclarece que pelas regras do Cdigo Penal, no se

    pode aplicar, em razo do mesmo delito, uma pena privativa de liberdade e outra

    restritiva de direitos dado o carter substitutivo da ltima. No caso do CTB, no

    entanto, isso ser possvel sempre que o agente for reincidente especfico nos

    crimes previstos no CTB (art.296) ou quando o preceito secundrio de seus

    dispositivos expressamente o determinarem. o que ocorre na tipificao do

    homicdio culposo. 96

    Conforme destaca Alexandre de Morais e Gianpaolo Smanio, o art.293 do

    CTB determina que o perodo de proibio para exercer o direito de dirigir veculos

    automotores varia de dois meses a cinco anos. Evidentemente, nos termos do

    prprio art.293, 2 do CTB, deve o agente cumprir primeiro a pena privativa de

    liberdade para depois cumprir a restritiva de direito sob pena de a ltima configurar-

    se incua. 97

    4.2.2. Causas de aumento de pena

    Pargrafo nico. No homicdio culposo cometido na direo de

    veculo automotor, a pena aumentada de um tero metade, se o

    agente:

    a)I - no possuir Permisso para Dirigir ou Carteira de Habilitao;

    A diferena entre permisso e habilitao bem delineada por Jos Geraldo

    da Silva:

    A Permisso um documento conferido ao candidato aprovado

    em todos os exames de habilitao, e possui a validade de um ano,

    96 GENOFRE, Fabiano, LAVORENTI, Wilson, SILVA, Jos Geraldo. Op. Cit., p.11.97 MORAIS, Alexandre, SMANIO, Gianpaolo Poggio. Op. Cit., p.224.

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    conhecido como perodo de prova. A habilitao o documento

    definitivo conferido a pessoa que cumpriu o perodo de prova, sem

    cometer nenhuma infrao grave ou gravssima, ou no ser

    reincidente em infrao mdia, nos termos do art.148, 2 e 3,Cdigo de Trnsito Brasileiro. 98

    Segundo Arnaldo Rizzardo, haver a incidncia dessa causa de aumento de

    pena sempre que o indivduo no for autorizado a dirigir ou, encontrar-se, no

    momento do fato, sem o documento. 99

    H, no entanto, entendimentos diversos, como o de Jos Geraldo da Silva, no

    sentido de que o fato de o agente cometer homicdio culposo na direo de veculo

    automotor, sem ser devidamente habilitado, autoriza a incidncia da causa de

    aumento de pena. 100 (Grifo nosso).

    Isso, portanto, exclui o caso de ter a permisso, mas no estar com ela no

    momento do acidente.

    b)II - pratic-lo em faixa de pedestres ou na calada;

    A majorao de pena, nesse caso, bem justificada pelos Promotores

    Fernando Capez e Victor Gonalves:

    Entendeu o legislador que a conduta culposa mais grave

    nesses casos, uma vez que a vtima atingida em local destinado a

    lhe dar segurana na travessia das vias pblicas, demonstrando um

    total desrespeito do motorista em relao rea. 101

    98Ibidem.99 RIZZARDO, Arnaldo. Comentrios ao Cdigo de Trnsito Brasileiro, p.760.100 GENOFRE, Fabiano, LAVORENTI, Wilson, SILVA, Jos Geraldo. Op. Cit., p.14.101 CAPEZ, Fernando, GONALVES, Victor Eduardo Rios. Op. Cit., p.33.

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    Conforme esclarece Alexandre de Morais e Gianpaolo Smanio, necessrio

    que a conduta tenha sido praticada na faixa de pedestres ou na calada. A vtima

    pode ter morrido em outro lugar. 102

    c)III - deixar de prestar socorro, quando possvel faz-lo sem risco pessoal, vtima

    do acidente;

    De acordo com Fernando Capez, esse aumento de pena aplicvel apenas

    ao motorista que deu causa ao acidente:

    Essa hiptese somente aplicvel ao condutor do veculo que

    tenha agido de forma culposa. Caso no tenha agido com

    imprudncia, negligncia ou impercia e deixe de prestar socorro

    vtima, estar incurso no crime de omisso de socorro de trnsito.103

    Logo, o sujeito ativo do crime autnomo de omisso de socorro previsto noart.304 do CTB a pessoa que, conduzindo um veculo automotor, envolve-se em

    um acidente sem que o tenha ocasionado. 104

    No que diz respeito omisso de socorro prevista no Cdigo Penal (art.135),

    o sujeito ativo qualquer pessoa que no tiver qualquer ligao com o acidente

    (nem o deu causa nem com ele se envolveu). 105

    Alexandre de Morais e Gianpaolo Smanio destacam que a circunstncia

    somente incidir se for possvel o socorro. Se a vtima falece no momento da

    102 MORAIS, Alexandre, SMANIO, Gianpaolo Poggio. Op. Cit., p.228.103 CAPEZ, Fernando, GONALVES, Victor Eduardo Rios. Op. Cit., p.34.104Ibid., p.36.105Ibidem.

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    conduta culposa, no h que se falar em omisso de socorro. (...). Se houver perigo

    de linchamento no haver agravao da pena. 106

    Fernando Capez, por sua vez, complementa:

    Se o agente no possui condies de efetuar o socorro ou

    quando tambm ficou lesionado no acidente de forma a no poder

    ajudar a vtima, no ter aplicao o dispositivo. O instituto

    igualmente no ser aplicado se a vtima for de imediato, socorrida

    por terceira pessoa. 107

    Alexandre de Morais e Gianpaolo Smanio, no entanto, citam o entendimento

    em sentido contrrio da doutrina majoritria:

    Caso a vtima seja socorrida por terceiros, haver agravao

    de pena, uma vez que a omisso de socorro ocorreu e foi

    descumprido o dever de solidariedade humana. 108

    d) IV - no exerccio de sua profisso ou atividade, estiver conduzindo veculo de

    transporte de passageiros.

    Nesse caso, de acordo com Alexandre de Morais e Gianpaolo Smanio,

    justifica-se o aumento de pena porque, por parte do motorista profissional, o dever

    de cuidado maior do que o das outras pessoas, residindo a, a maior gravidade daconduta. 109

    106 MORAIS, Alexandre, SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legislao Penal Especial, p.228.107 CAPEZ, Fernando, GONALVES, Victor Eduardo Rios. Op. Cit., p.34.108 MORAIS, Alexandre, SMANIO, Gianpaolo Poggio. Op. Cit., p.228.109Ibidem.

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    Fernando Capez e Victor Gonalves destacam que esse dispositivo

    aplicvel aos motoristas de nibus, txi, lotao, bonde, etc. e, em seguida,

    complementam:

    O instituto no deixar de ser aplicado mesmo que o veculo de

    transporte de passageiros esteja vazio ou quando est sendo

    conduzido at a empresa aps o trmino da jornada e, ainda que o

    resultado tenha alcanado pessoa que no estava no interior da do

    veculo. 110

    e) V - estiver sob a influncia de lcool ou substncia txica ou entorpecente de

    efeitos anlogos.

    Trata-se de um dispositivo inserido ao art.302 do CTB pela Lei 11.275 de 07

    de fevereiro de 2006. Logo, tambm causa de aumento de pena o homicdio

    culposo decorrente de embriaguez ao volante. (Vide anexo, p.71).

    Diante de tal alterao, o Professor Ivan Carlos de Arajo convenientemente

    alerta que o concurso de crimes entre o art.302 (homicdio culposo no trnsito) e o

    art.306 (que prev o crime autnomo de embriaguez ao volante), no caso de

    embriaguez ao volante com evento morte, deixa de existir. Surge, no entanto, o

    conflito aparente de normas que dever ser solucionado pelo princpio da

    subsidiariedade tcita. Tal princpio, por sua vez, muito bem explicado por

    Francisco de Assis Toledo:

    (...) h subsidiariedade quando diferentes normas protegem

    o mesmo bem jurdico em diferentes fases, etapas ou graus de

    agresso. Nesta hiptese o legislador ao punir a conduta da fase

    110 CAPEZ, Fernando, GONALVES, Victor Eduardo Rios. Aspectos Criminais do Cdigo de TrnsitoBrasileiro, p.35.

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    anterior, f-lo com a condio de que o agente no incorra na

    punio da fase posterior, mais grave, hiptese em que s esta

    ltima prevalece.(...) A norma secundria s aplicada na ausncia

    de outra norma a norma primria -, j que esta ltima envolve porinteiro a primeira. (...) H subsidiariedade tcita nos delitos punitivos

    que descrevem fase prvia, de passagem necessria para a

    realizao do delito mais grave cuja punio abrange todas as

    etapas anteriores de execuo.111

    Portanto, se o agente, sob a influncia de entorpecentes, na direo de

    veculo automotor, imprudentemente der causa a morte de algum estar sujeito aplicao de pena prevista no art.302, V do CTB (no mais no art.306 em concurso

    com o art.302, caputdo CTB).

    4.4. PARTICIPAO EM COMPETIO NO AUTORIZADA

    Art. 308. Participar, na direo de veculo automotor, em viapblica, de corrida, disputa ou competio automobilstica no

    autorizada pela autoridade competente, desde que resulte dano

    potencial incolumidade pblica ou privada:

    Penas - deteno, de seis meses a dois anos, multa e

    suspenso ou proibio de se obter a permisso ou a habilitao

    para dirigir veculo automotor.

    4.4.1. Aspectos Gerais

    a) Objetividade jurdica:

    111 TOLEDO, Francisco de Assis. Princpios Bsicos de Direito Penal, p. 52.

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    tutela da incolumidade pblica, especificamente no que se refere

    segurana viria, posta em risco pela imprudncia. (...) a referncia incolumidade

    privada (...) est abrangida na incolumidade pblica. 112.

    b) Sujeitos:

    De acordo com Jos Geraldo da Silva, o sujeito passivo a coletividade. 113E

    Fernando Capez e Victor Gonalves ainda complementam: (...) de forma secundria

    e eventual, a pessoa exposta a risco em virtude da disputa. 114

    Quanto ao sujeito ativo, Alexandre de Morais e Gianpaolo Smanio

    especificam:

    Os condutores participantes. Pode ser qualquer pessoa,

    habilitada ou no. Crime de concurso necessrio: no pode ser

    praticado por uma s pessoa. O tipo exige a participao de dois ou

    mais motoristas. Concurso de agentes: respondem tambm pelo

    crime, como partcipes, co-pilotos, promotores de evento, fiscais da

    competio etc. 115

    Fernando Capez e Victor Gonalves mais uma vez acrescentam que

    espectadores e passageiros que estimulem a corrida sero tambm

    responsabilizados na condio de partcipes (art.29 do CP). 116

    c) Elemento objetivo:

    112 COSTA JUNIOR, Paulo Jos da, QUEIJO, Maria Elizabeth. Comentrios aos Crimes do Cdigo deTrnsito, p.76.113 GENOFRE, Fabiano, LAVORENTI, Wilson, SILVA, Jos Geraldo. Leis Penais Especiais Anotadas,p.21.

    114 CAPEZ, Fernando, GONALVES, Victor Eduardo Rios. Op. Cit., p.47.

    115 MORAIS, Alexandre, SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legislao Penal Especial, p.243.116 CAPEZ, Fernando, GONALVES, Victor Eduardo Rios. Op. Cit., p.51.

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    Quanto aos elementos objetivos, tem-se que o ncleo do tipo participar no

    sentido de tomar parte de:

    - corrida unilateral, isolada. Trata-se do motorista que, em plena via

    pblica, dirige em desabalada carreira, para provar a potncia do veculo ou para

    exibir-se. 117

    - disputa o racha, o desafio (...) entre dois motoristas. Ambos, (...) se

    confrontam em via pblica. 118

    - competio a disputa coletiva, reunindo trs ou mais motoristas. 119

    De acordo com Jos Geraldo da Silva, so exigidos quatro requisitos para a

    configurao do delito:

    1) participar na direo de veculo automotor (...). Se no se tratar

    de veculo automotor, como: charrete, carroa, mobilete, bicicleta,

    poder haver a responsabilizao pela contraveno do art.34, LCP;

    2) participar (...) em via pblica. (...);

    3) (...). um elemento normativo do tipo corrida, disputa ou

    competio no seja autorizada pela autoridade competente. (...)

    4) (...). A norma penal exige que ocorra dano potencial incolumidade pblica, que pode acontecer com a velocidade

    excessiva, manobras arriscadas, cavalo-de-pau (...) etc. 120

    117 COSTA JNIOR, Paulo Jos e QUEIJO, Maria Elizabeth. Comentrios aos Crimes de Trnsito,p.76.118Ibidem.119Ibidem.120 GENOFRE, Fabiano, LAVORENTI, Wilson, SILVA, Jos Geraldo. Leis Penais Especiais Anotadas,p.22.

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    d) Elemento subjetivo:

    o dolo, que consiste na vontade livre e consciente de participar de disputa,competio ou corrida automobilstica. 121

    e) Tentativa e Consumao

    Prevalece o entendimento de que possvel haver tentativa. a hiptese em

    que, estando os carros alinhados e com os motores aquecidos, so impedidos departirem. 122

    Para Fernando Capez e Victor Gonalves, no entanto, a tentativa

    inadmissvel. 123

    A consumao, por sua vez, ocorre quando a corrida, disputa ou competiose inicia.124

    Cabe observar que, no entendimento de Paulo Jos da Costa Jr. e Maria

    Elizabeth Queijo a mera participao (...) no configura o crime. Faz-se mister que a

    conduta resulte dano potencial incolumidade pblica. Assim, se a via pblica

    estiver deserta, o dano potencial no se apresenta. 125

    121Ibidem.122 Neste sentido: Paulo Jos da Costa Jr.; Maria E. Queijo; Alexandre de Morais; Gianpaolo Smanio;

    Jos Geraldo da Silva e Damsio E. de Jesus.123 CAPEZ, Fernando, GONALVES, Victor Eduardo Rios. Op. Cit., p.53.124 GENOFRE, Fabiano, LAVORENTI, Wilson, SILVA, Jos Geraldo. Op. Cit., p.22.

    125 COSTA JNIOR, Paulo Jos e QUEIJO, Maria Elizabeth. Op. Cit., p.76.

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    Neste mesmo sentido, Jos Geraldo da Silva explica: se a disputa ocorrer em

    local deserto ou em propriedade particular, no estar configurado o delito deste

    artigo. 126

    Para Fernando Capez e Victor Gonalves, no entanto, a consumao

    ocorrer sempre que tal participao desrespeitar as normas de segurana de

    trnsito (excesso de velocidade, manobras perigosas); independentemente de a via

    pblica estar ou no deserta. 127

    f) Ao penal:

    O delito em pauta processado mediante ao penal pblica incondicionada,

    dada a inviabilidade de que se proceda mediante representao.128

    126 GENOFRE, Fabiano, LAVORENTI, Wilson, SILVA, Jos Geraldo. Op. Cit., p.22.

    127 CAPEZ, Fernando, GONALVES, Victor Eduardo Rios. Op. Cit., p.53.128 MORAIS, Alexandre, SMANIO, Gianpaolo Poggio. Legislao Penal Especial, p.245.

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    V. DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE

    Muito se discute se, quem causa a morte de algum por ocasio de uma

    conduta inicial de embriaguez ao volante ou racha, age sob o domnio de dolo

    eventual ou culpa consciente; havendo julgados em ambos os sentidos.

    5.1. DISTINO

    A diferena entre tais elementos subjetivos foi delineada por duas teoriasprincipais:

    - Teoria da Probabilidade, Representao ou Verossimilhana segundo a

    qual deve-se avaliar o elemento intelectivo do dolo. A esse respeito, Cornlio

    Holanda sintetiza a disparidade entre os institutos:

    Se o resultado previsto apenas como possvel, h culpa

    consciente; ao contrrio, se representado mentalmente como

    provvel, estaremos no campo do dolo eventual. 129

    Essa corrente foi alvo de muitas crticas posto que, ignora o principal

    elemento do dolo que, como visto, o volitivo (vontade de atingir o evento tpico ou

    pelo menos, o consentimento na ocorrncia do mesmo). o que explica o advogadoAlexandre Wundelich:

    Nos filiamos aqueles que acreditam que a teoria da

    probabilidade parte apenas do elemento intelectivo do dolo,

    esquecendo-se de valorar o elemento volitivo (elemento essencial

    do dolo sublinhe-se!). (...). Contra a teoria da probabilidade (...) se

    129 Holanda, Cornlio Jos. O dolo eventual nos crimes de trnsito. Disponvel emhttp://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5263. Acesso em 30 de maro de 2005.

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    tem dito e repetido que ela exige apenas que o autor tenha decidido

    realizar um ato que provavelmente implicar leso de um bem

    jurdico. Ocorre que assa representao da probabilidade de leso

    no suficiente para se acreditar que o autor realmente tenhaassumido o risco de produzir determinado resultado, uma vez que,

    embora a realizao seja provvel, poder o autor, confiando em

    sua boa fortuna, acreditar que o resultado no se produzir. 130

    - Teoria do Consentimento, da Aprovao ou Aceitao em que, alm da

    representao do provvel evento lesivo, deve o agente consentir na ocorrncia

    daquele para que o dolo eventual surja. Sem tal anuncia, delineada estar a culpaconsciente. Nesse sentido, o procurador Srgio R. F. Pepeu esclarece:

    Poderamos simplesmente determinar, que para a figura do

    dolo indireto do tipo eventual, no se esgota na possibilidade de

    previso do acontecimento, mas sim, e, precisamente, na

    indiferena a esse resultado por parte do agente. Se o agente

    pensa: "Se eu continuar a dirigir assim posso vir a matar algum,mas confio na minha habilidade, isto no ocorrer..." presente estar

    a culpa consciente, por sua leviandade. A "contrario senso" se ele

    refletir: "Se eu continuar a dirigir assim posso vir a matar algum,

    mas no me importa, que acontea, vou continuar.." presente estar

    o elemento volitivo e, consequentemente, o dolo eventual por seu

    egosmo.131

    Tendo por base as frmulas de Frank, a Teoria do Consentimento se divide

    em duas espcies:

    130 WUNDERLICH, Alexandre. O dolo eventual nos homicdios de transito: uma tentativa frustrada. InRevista dos Tribunais, v.754, p.463.131 PEPEU, Sergio Ricardo Freire. O dolo eventual e a culpa consciente em crimes de trnsito.(Obtido em 26 de fevereiro de 2005). Disponvel emhttp://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1731.

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    * Teoria hipottica do conhecimento = em que, de acordo com referido

    procurador a previso do resultado como possvel somente constitui dolo, se a

    previso do mesmo resultado como certo no teria detido o agente, isto , no teria

    tido o efeito de um decisivo motivo de contraste. 132

    Ou ainda, nas palavras do Professor Damsio, teoria hipottica do

    consentimento, hoje quase abandonada, funda-se na previso da possibilidade do

    evento, de acordo com a frmula 1 de Frank (...).133

    * Teoria positiva do conhecimento = em que, com base na frmula 2 de

    Reinhard Frank, entende que no dolo eventual o sujeito no leva em conta a

    possibilidade do evento previsto, agindo e assumindo o risco de sua produo (seja

    assim ou de outra maneira, suceda isto ou aquilo, em qualquer caso agirei). 134

    Diante do exposto, o advogado Cornlio Holanda sintetiza:

    A Teoria do Consentimento (...) subdivide-se em Teoria

    Hipottica do Consentimento, para a qual, mesmo a anteviso da

    certeza da ocorrncia do resultado lesivo no faz o agente recuar

    sua conduta; e na Teoria Positiva do Consentimento, onde o agente

    ignora a possibilidade da consumao ou no de qualquer evento

    danoso e realiza a conduta. 135

    O advogado Alexandre Wundelich alerta que a grande crtica que se faz a

    essa posio refere-se dificuldade de produo de provas desse processo

    132Ibidem.133 JESUS, Damsio Evangelista de. Direito Penal - Parte Geral, p.291.134Ibidem135 Holanda, Cornlio Jos. O dolo eventual nos crimes de trnsito. (Obtido em 30 de maro de 2005).Disponvel em http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5263.

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    psicolgico. Ainda assim, trata-se da posio dominante, adotada inclusive pelo

    Cdigo Penal ptrio. 136

    Observe que, de acordo com Cludio Heleno Fragoso, a expresso assumir

    o risco imprecisa para distinguir o dolo eventual da culpa consciente e deve ser

    interpretada em consonncia com a teoria do consentimento. 137

    Seguindo o mesmo raciocnio, Alexandre Wunderlich explica:

    Na realidade, num planeta extremamente motorizado, a expresso

    empregada na legislao brasileira tornou-se inadequada. Assumir o

    risco pouco. Em sentido lato, para assumir o risco basta sentar

    direo de um veculo. preciso mais do que isso, sob pena de

    darmos demasiada elasticidade ao conceito e, assim, punirmos no

    s o agente que age dolosamente, mas at o motorista que age

    culposamente, como se em todos os crimes de trnsito com

    resultado morte estivesse presente a figura do dolo eventual.138

    Assim sendo, o advogado Cornlio de Holanda diferencia:

    Na culpa consciente existe, aps a previso positiva do resultado

    lesivo, uma previso negativa de que este no ocorrer; no dolo

    eventual, aps a previso positiva do resultado, sucede outra, de

    feio ao menos parcialmente positiva, de que provvel a

    ocorrncia do evento lesivo, no tendo fora, entretanto, para

    impedir o infrator de realizar a atividade. 139

    136 WUNDERLICH, Alexandre. O dolo eventual nos homicdios de transito: uma tentativa frustrada. InRevista dos Tribunais, v.754, p.464.137 FRAGOSO, Cludio Heleno. Lies de Direito Penal Parte Geral, p.278.138 WUNDERLICH, Alexandre. O dolo eventual nos homicdios de transito: uma tentativa frustrada. InRevista dos Tribunais, v.754, p.470.139 Holanda, Cornlio Jos. O dolo eventual nos crimes de trnsito. (Obtido em 30 de maro de 2005).Disponvel em http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5263.

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    Diante de todo o exposto, evidente que a nica diferena entre os institutos

    subjetivos em questo a anuncia que o agente presta ou no ao resultadosendo

    que, na culpa consciente, o agente apesar de sab-lo possvel, acredita

    sinceramente poder evit-lo; o que s no ocorre por erro de clculo ou por erro na

    execuo. 140

    Vse pois, diz Luiz Rgis Prado, que o critrio decisivo se encontra na

    atitude emocional do sujeito.141

    5.2. AFINAL, DOLO EVENTUAL OU CULPA CONSCIENTE?

    Os argumentos sustentados por quem defendeu a previso legal do dolo nos

    delitos de trnsito refletem a angstia dos que acreditam que tal tipificao a mais

    condizente com a gravidade dos delitos em questo.

    Neste sentido, o senador Srgio Machado (citado pelo Dr. Ruy Carlos de

    Barros Monteiro) disps nos seguintes termos:

    Em face da ocorrncia de morte, quando o agente conduzia sob a

    influencia de lcool ou substancia de efeito anlogo (...) ou quando o

    agente participava de corridas em via pblica, por esprito de

    emulao os vulgarmente chamados rachas (...), haver

    presuno legal de que o condutor assumiu o risco de produzir o

    resultado morte, devendo, portanto, ser julgado pela prtica de

    homicdio doloso. 142

    140 TOLEDO, Francisco de Assis. Princpios Bsicos de Direito Penal,p.302.141 BITENCOURT, Csar Roberto. PRADO, Luiz Rgis. Cdigo Penal Anotado, p.200.142 MONTEIRO, Ruy Carlos de Barros. Crimes de Trnsito, p.142.

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    O Dr. Ruy Carlos de Barros Monteiro (autor do Captulo XIX Dos Crimes de

    Trnsito), relata que esse anseio foi alvo de intensas discusses desde que o

    Anteprojeto do Ministrio da Justia (de 1976) consagrou a modalidade dolosa dos

    crimes de trnsito (homicdio e leso corporal), embora tal projeto no tenha sido

    aprovado. 143

    Assim, a prpria conduta, dado o seu grau de reprovabilidade, j induz o

    agente a assumir o risco de obter um resultado mais grave. Logo, quem dirige

    embriagado ou participa de competio no autorizada j tem conscincia de que tal

    conduta potencializa a ocorrncia de um crime mais danoso e, a indiferena do

    agente em relao a essa possibilidade faz surgir o dolo eventual.

    Tal indiferena, no entanto, se materializa na prpria execuo da conduta.

    o que se pode concluir a partir da anlise de diversos acrdos que tipificaram o

    crime com base no dolo eventual.

    Nesse sentido, tem-se que o Tribunal de Justia de So Paulo, ao julgar o

    recurso em sentido estrito (n.243.231.3/8-000), cujo relator foi o Desembargador

    David Haddad, decidiu da seguinte forma:

    A pratica de racha, em via publica de intensa movimentao,

    caracteriza o dolo eventual, pois demonstra a total indiferena do

    agente para com o resultado, fatal ou no, porventura ocorrido.

    Com a finalidade de melhor fundamentar a deciso, o mencionado magistrado

    citou nesse acrdo uma jurisprudncia que dispe nos seguintes termos:

    143Idem, p.140.

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    No pode alegar ausncia de dolo o agente que, por esprito de

    emulao , tendo equipado seu veculo com sistema de turbinas

    para aumentar a potencia, participa de racha, em logradouro pblico,

    gozando de conscincia inequvoca de seu proceder assumindo orisco de produzir o evento lesivo. (TJSP, Rel. Des. Christiano Kuntz,

    RT 728/529).

    Ainda de acordo com o Dr. Ruy Carlos de Barros Monteiro as crticas

    presuno legal de dolo em crimes de trnsito foram tantas, que em 1980 o

    Anteprojeto do Ministrio da Justia foi modificado, passando a prever a modalidade

    culposa dos crimes de homicdio e leso corporal tpicos de trnsito; o que bem maistarde (em 1997) foi sancionado pelo ento Presidente da Repblica (Fernando

    Henrique Cardoso). 144

    Diante dessa ausncia de presuno legal de dolo eventual, os defensores

    desse passaram a estipular uma espcie de presuno circunstancial do mesmo em

    que, para que se considere que o agente agiu sob o domnio de culpa consciente, as

    provas a esse respeito devem ser incontestveis. o que explica o advogado

    Cornlio Holanda:

    (...) a existncia de apenas um elemento ou conduta normalmente

    no ser suficiente para a comprovao do dolo eventual (...).

    Outras vezes, porm, a existncia de apenas um elemento ser

    forte indicador do dolo eventual. o que acontece com o elemento

    de conduo perigosa na forma de pegas ou rachas. 145

    Essa concluso pode ser tambm extrada da ementa de julgamento de um

    recurso especial julgado pela Quinta Turma do STJ:

    144Idem, p.141.145 Holanda, Cornlio Jos. O dolo eventual nos crimes de trnsito. (Obtido em 30 de maro de 2005).Disponvel em http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5263.

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    (...) Na hiptese de racha, em se tratando de pronncia, a

    desclassificao da modalidade dolosa de homicdio para culposa

    deve ser calcada em prova por demais slida. (...) O dolo eventual,

    na prtica, no extrado da mente do autor, mas, isto sim, dascircunstancias. Nele se exige (...) que a aceitao se mostre no

    plano do possvel, provvel. (...) O trfego atividade prpria de

    risco permitido. O racha, no entanto, anomalia