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SOCIEDADE DE RISCO E O EXPANSIONISMO PENALSOCIETY OF RISK AND CRIMINAL EXPANSIONISM
Maria Laura Santos Lopes Silva– [email protected] em Direito – UNISALESIANO LINS
Prof. Osvaldo Moura Junior – UNISALESIANO LINS –[email protected]
RESUMO
O presente artigo cientifico busca fazer uma abordagem sobre a sociedade de risco diante direito penal contemporâneo. Causada pela globalização e desenvolvimento tecnológico mundial a sociedade de risco se instaura diante de uma insegurança que se corresponde com a presença de condutas delitivas mais evoluídas e agressivas e o aparecimento de crimes transindividuais, que tem como sujeito passivo toda a coletividade. Diante desta realidade se faz necessário a presença de um direito penal que se mostre capaz de manter a paz e a ordem social, apresentando medidas que realmente sejam efetivas na contemporaneidade, chegando-se então no movimento expansionista penal como possível solução para a aplicação do jus puniendi Estatal nos novos delitos. Referido movimento de política criminal se coaduna com a presença de três velocidades, na qual age de diferentes formas em determinados tipos penais. O expansionismo penal enfatiza a presença dessas velocidades, no sentido de quando ocorrer crimes transindividuais, seja necessário a aplicação de normas mais austeras no combate à criminalidade organizada.
Palavras-chave: EXPANSIONISMO PENAL; SOCIEDADE DE RISCO; CRIMES TRANSINDIVIDUAIS; DIREITO PENAL CONTEMPORÂNEO.
ABSTRACT
The present scientific article seeks to make an approach on society of risk with contemporary criminal law. Caused by globalization and technological development worldwide, the society of risk establishes itself in the face of an insecurity that corresponds to the presence of more evolved and aggressive delinquent behaviors and the appearance of crimes transindividual, that has passively tax the whole collective. Faced with this reality, it is necessary to have a criminal law that is capable of maintaining peace and social order, presenting measures that are effective in the contemporary world, reaching the expansionist criminal movement as a possible solution for the application of jus puniendi State the new offenses. Such a criminal policy movement is consistent with the presence of three speeds, in which it acts in different ways in certain criminal types. Criminal expansionism emphasizes the presence of these speeds, in the sense that when transindividual crimes occur, it is necessary to apply more austere norms in the fight against organized crime.
Keywords: CRIMINAL EXPANSIONISM; SOCIETY OF RISK; TRANSINDIVIDUAL CRIMES; CONTEMPORARY PENALTY LAW.
1
INTRODUÇÃO
O mundo globalizado traz consigo crimes com maior impacto, que afrontam
bens jurídicos transindividuais, sendo os avanços tecnológicos grandes precursores
de tal fato. Com a presença desta realidade, é necessário analisar uma nova forma
de atuação do Estado para com a atividade criminosa.
A pesquisa tem como objetivo uma análise do presente campo social e da
atuação do direito penal em detrimento dos novos rumos tomados pelas atividades
delituosas. Tendo em vista tal situação, será feita uma análise do novo movimento
denominado Expansionismo Penal e da eventual possibilidade de sua aplicação
para a melhor efetivação do direito penal na sociedade contemporânea.
Serão expostas as novas facetas da sociedade de risco advindas da
globalização e dos avanços tecnológicos, como também a presença do medo, que
reflete nas novas técnicas de incriminação e na aplicação do jus puniendi estatal.
Sendo exposto por fim a aplicação de novas formas de incriminação,
consubstanciada no Expansionismo Penal, movimento contemporâneo que se
coaduna com a sociedade atual na busca de uma readequação entre as concepções
clássica e contemporânea, bem como a uma efetiva atuação legislativa que abarque
os novos delitos, com vistas a dar uma resposta mais incisiva à sociedade.
O trabalho conclui, por fim, que o Expansionismo Penal é um movimento que
traz consigo a possível solução para a aplicação da legislação penal na sociedade
de risco, demonstrando um equilíbrio entre a necessidade e a proteção da
sociedade, bem como a penalização de crimes de alto poder destrutivo.
O entendimento sobre o direito penal e o expansionismo na busca da
segurança social terá a vertente metodológica dedutiva, que consiste na hipótese de
base racionalista de que, de acordo com a situação atual da convivência humana em
sociedade, com a reflexão dos dados encontrados, conduzir-se-á a conhecimentos,
estabelecendo relações entre uma posição particular para, a partir de um raciocínio
lógico, chegar à conclusão.
A técnica de pesquisa escolhida será a bibliográfica, buscando-se teorias e
obras sob o mesmo prisma. A pesquisa terá a vertente jurídico sociológica, expondo-
se problemas, abordagens e pressupostos de eficiência e eficácia, analisando-se
2
princípios, regras e o resultado surtido no convívio social, que auxiliarão na busca da
solução para o problema.
Através do método jurídico-compreensivo ou jurídico-interpretativo,
decompõe-se um problema jurídico e seus diversos aspectos, relações e níveis,
configurando-se um procedimento analítico. Deste modo será feita coleta de
doutrinas, jurisprudências, legislação e entendimentos sócio-históricos sobre o
assunto.
1 SOCIEDADE DE RISCOEm decorrência do desenvolvimento tecnológico desenfreado, surgem
novas formas de condutas que agridem bens jurídicos, assim como novas
consequências, a exemplo a internet, que conecta a todos como e da forma que
quisermos, abrindo vários caminhos para o roubo de informações pessoais,
aplicação de golpes, disseminação de calúnias e difamações, dentre outros atos
delitos.
Portanto, em relação a esse desenvolvimento social e a globalização, nos
vemos em meio à sociedade de risco.
A sociedade risco segundo Ulrich Beck, nasce do surgimento e
desenvolvimento da sociedade moderna tardia. Para o citado autor, a produção de
riscos está totalmente ligada à modernização e ao desenvolvimento da sociedade
industrial. (BECK, 2010, p. 23)
O desencadeamento dos riscos se perpetua justamente pela ligação moderna
de todos os países, resultado do desenvolvimento frenético da ciência e da busca
pela aquisição econômica, gerando o esquecimento do resultado dessa evolução e
até mesmo a não percepção desses riscos que somente serão percebidos a longo
prazo.
Ulrich Beck assim conclui que:
[...] os riscos da modernização emergem ao mesmo tempo vinculados espacialmente e desvinculadamente com um alcance universal, e segundo, quão incalculáveis e imprevisíveis são os intrincados caminhos de seus efeitos nocivos. (BECK, 2010, p. 33)
3
Os riscos representam uma antecipação de danos previsíveis que estão na
eminência de ocorrer, resultados de reações humanas. Desta forma há a
possibilidade de se evitar danos futuros já previsíveis. (BECK, 2010, p. 40)
Os riscos citados não se referem somente aos riscos e perigos relacionados
ao meio ambiente, ou à vida social, mas também à presença e desenvolvimento de
crimes que aparecem muito mais articulados, meticulosos e com maiores danos, em
decorrência das tecnologias e informações e até mesmo adaptando-se às leis
vigentes. (BOARO, 2018)
Desta forma, não há o que se falar em ameaças como situação de classes,
mas a existência de riscos que possam atingir mais determinadas classes sociais,
pois estes não atingem somente os indivíduos menos abastados ou países
emergentes, mais sim a todos sem nenhuma distinção social.
1.1 Direito Penal e a sociedade de risco
O direito penal como instituto jurídico, regulador das atividades humanas,
sempre foi formado por dissensos e consensos sobre sua aplicabilidade e forma de
atuação frente aos casos reais.
Com a evolução social ocorrida ao longo dos anos, é necessária sua
readaptação, para que não ocorra ausência de controle penal sobre novas condutas.
O Direito tem como presente o perigo no seu âmbito de atuação, escolhendo
quais situações devem ser consideradas mais relevantes para a intervenção
criminal. (SOUZA, 2007, p. 117)
Desta forma, nasce a necessidade de arbitramento de tais condutas pelo
direito penal, que se vê em frente a crimes como terrorismo, crimes econômicos,
formação de cartéis, dentre muitos outros crimes, que atingem a sociedade como
um todo, denominando-se crimes transindividuais.
Os crimes resultantes da sociedade de risco possuem caráter transindividual,
característica decorrente de crimes que atingem a coletividade e não só um
indivíduo, sem existir delimitações ou regiões.
Novas formas de condutas e consequências amoldadas aos novos caminhos
desenvolvidos refletem o medo e a insegurança do desconhecido. (BOARO, 2018)
4
Com a insegurança social presente em decorrência do não conhecimento do
que pode estar por vir, surge o inconformismo social.
É irrefutável a influência que as mídias têm sobre a opinião pública, veiculam
notícias muitas vezes em prol de interesses, criando formadores de opiniões de
senso comum, pois não veiculam mais somente informações e entretenimento, mas
também a criação de valores e opiniões.
Segundo Zafaroni:
A capacidade reprodutora da violência dos meios de comunicação de massa é enorme: na necessidade de uma criminalidade mais cruel para melhor excitar a indignação moral, basta que a televisão dê exagerada publicidade a vários casos de violência ou crueldade gratuita para que, imediatamente, as demandas de papéis vinculados ao estereótipo assumam conteúdo de maior crueldade e, por conseguinte, os que assumem o papel correspondente ao estereótipo ajustem a sua conduta a estes papéis. (Zafaroni, 2010, p.131)
A atuação das mídias em favor da manipulação social, além de perpetuar o
medo e campanhas de lei e ordem, cria estereótipos que identificam os criminosos,
se esquecendo dos delinquentes de colarinho branco, dentre outros.
Desta crescente opinião pública formada pelas mídias que muitas vezes são
manipuladas, a população se vê esquecida pelo poder estatal, refutando a falta de
leis mais severas e de controle de condutas diversas.
Ocorre que na presença desta pressão social o direito penal se vê obrigado a
tomar alguma atitude para sanar o clamor público, surgindo assim o simbolismo
penal, que nasce dessa necessidade de se trazer uma falsa sensação de segurança
e de justiça para a população, sendo incutido no senso comum que a solução da
criminalidade está na criação de novos tipos penais e de penas mais severas.
O simbolismo penal permanece como solução mais viável para o Estado, uma
vez que a população quer resultados rápidos para a atuação criminal, fazendo com
que realmente se tenha o falso entendimento de que a criminalidade deve ser
somente sanada com mais tipos penais e penas mais drásticas.
Segundo Wermuth a legislação penal simbólica:
[...]a legislação penal simbólica tem na sua própria existência a sua principal virtude, visto que representa ações expressivas, catárticas, no sentido de censura o crime e confortar o público, uma vez que são aprovadas no calor
5
da indignação popular em face de crimes violentos marcantes[..] (WERMUTH, 2011, p. 59)
Essa falsa sensação de tranquilidade social faz com que o Estado deixe de
realmente realizar ações que repercutam efeitos sobre a criminalidade, criando
resultados negativos na percepção da população acerca do direito penal, uma vez
que é notado que o mesmo é incapaz de resolver a criminalidade.
O simbolismo penal se identifica como o surgimento de normas jurídicas
penais exigidas pela sociedade, pois muitas vezes o Estado acaba por agir de forma
inconsequente criando leis sem proporcionalidade. (GALDI, p. 47)
Porém, mesmo com a presença dos pontos negativos do simbolismo penal
para o Estado, é bem mais fácil sanar a sensação da população de insegurança do
que realmente produzir condutas que surtam efeito sobre a criminalidade.
1.2 Causas que promoveram a expansão do Direito Penal
O expansionismo penal nasceu em decorrência do desenvolvimento industrial
e da globalização, que acarretaram o surgimento da sociedade de risco. Nesta
sociedade contemporânea é constante o aparecimento de crimes transindividuais
que atingem a população mundial de forma homogênea e com grande magnitude,
uma vez que com a globalização o mundo se vê conectado e mais suscetível a
lesões.
Do medo gerado pela sociedade de risco, nasce a necessidade social de uma
imputação legislativa e de controle de tais âmbitos pelo direito penal.
Os riscos levam a uma “inflação punitiva”, sendo uma intolerável
consequência das peculiaridades do direito penal. Os estudiosos expansionistas
versam sobre a possibilidade de que essa inflação demonstra a incapacidade do
direito penal clássico em solucionar os problemas sociais. (NETO, 2010, p. 210)
O expansionismo penal transfere ao direito penal traços de modernização,
como:
a) administrativização do Direito Penal – mudança de delitos de lesão de bens
individuais para delitos de perigo de bens supra-individuais, criminalização de
6
condutas antecipatórias das atividades criminosas e novos bens jurídicos protegidos.
(NETO, 2010, p. 211)
b) regionalização do Direito Penal – leva-se em conta a nova criminalidade.
Ocorre a preocupação com bens jurídicos que tenham cunho transindividuais,
extrapolando demarcações e fronteiras.
c) progressiva desconstrução do paradigma liberal do direito penal – refere-se
à quebra epistemológica do antigo direito penal, conferindo novos bens jurídicos
tutelados, bem como a flexibilização de princípios políticos-criminais de garantia.
(CRESPO 2004 apud NETO, 2010, p. 211)
O expansionismo penal apresenta três velocidades que se diferem no modo
de atuação do direito penal frente aos diferentes crimes.
1.2.1 Velocidades do Direito penal
A teoria das velocidades do direito penal foi idealizada pelo professor Jesús
Maria Silva Sánchez em seu livro “Expansão do Direito Penal Aspectos da política
criminal nas sociedades pós-industriais”, que se respaldou em uma política criminal
aplicada à sociedade contemporânea, havendo para isso quatro velocidades que
levam em conta a forma e a velocidade com que o Estado realizará a punição das
atividades delitivas.
É necessária uma ampliação do direito penal com tendências expansionistas,
para que ocorra a efetiva proteção social frente a uma sociedade de risco,
potencializada pelos meios de comunicação de massa.
As velocidades do direito penal advertidas por Sánchez, dizem respeito à
presença de crimes que serão punidos através da pena privativa de liberdade
(núcleo) - denominados ilícitos mais criminológicos da primeira velocidade, e os
sancionados através de penas alternativas, que englobam ilícitos mais próximos da
administração (periféricos) dos de segunda velocidade. (SÁNCHEZ, 2013, p. 188)
A terceira velocidade é caracterizada pelo direito penal do inimigo, com
aplicação de normas mais incisivas e a ausência de garantias; já quarta velocidade é
marcada pela presença do Direito Internacional, aplicada em relação aos indivíduos
que ocupam a posição de Chefe de Estado e que violaram de forma grave tratados
7
internacionais e direitos humanos a partir da falta de garantias individuais e
processuais.
Nesse prisma, serão somente apresentadas na pesquisa as três primeiras
velocidades, que são relevantes para o estudo em tela.
a) Primeira VelocidadeA primeira velocidade do direito penal trata da pena privativa de liberdade,
que, prescrita pelo autor, seria proposta somente em caso de perigo real de bem
individual ou supraindividual, resguardando os princípios processuais, direitos e
garantias fundamentais. (SÁNCHEZ, 2013, p. 192)
Marcada por um direito mais vagaroso, aplicando-se a intervenção mínima,
bem como pelos princípios da proporcionalidade e da subsidiariedade, busca-se a
conservação dos indivíduos frente à cominação exacerbada do direito penal, com
referência crucial a um direito penal como ultima ratio.
Na primeira velocidade há a influência de um direito penal clássico, em que
há a cominação da pena privativa de liberdade, com a observação de todos os
direitos e garantias fundamentais, o devido processo legal e ampla possibilidade de
defesa.
Segundo Sánchez:
A função racionalizadora do Estado sobre a demanda social de punição pode dar lugar a um produto que seja, por um lado, funcional e, por outro lado, suficientemente garantista. Assim, trata-se de salvaguardar o modelo clássico de imputação e de princípios para o núcleo intangível dos delitos, aos quais se assinala uma pena de prisão. (SÁNCHEZ, 2013, p. 190)
Desta forma, podemos identificar a presença (mesmo que parcial) do
garantismo penal, no qual os bens jurídicos são protegidos, preservando-se assim o
direito à vida, patrimônio e liberdade. É a genuína base do direito penal, em que se
busca a aplicação de penas privativas de liberdade somente em último caso e se
prioriza as garantias constitucionais, limitando-se o poder do Estado. (MOREIRA,
2015, p. 22)
b) Segunda Velocidade
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A segunda velocidade corresponde a um direito penal distante do núcleo da
criminalidade, com penas restritivas de direito, ou pecuniárias, havendo uma sanção
com menor intensidade e maior flexibilização das garantias político-criminais.
(SÁNCHEZ, 2013, p.189)
É um direito penal que visa medidas alternativas para que o indivíduo não
tenha sua liberdade cerceada pelo poder do Estado.
Na legislação brasileira, mostra-se presente na Lei n.º 9.099 de setembro de
1995, a qual normatiza as condutas de menor potencial ofensivo e dispõe sobre os
Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Nesta lei, pode-se até mesmo ocorrer à
hipótese de não se chegar às vias de iniciar um processo, contanto que o acusado
aceite determinadas condições. A exemplo pode-se citar a transação penal e a
composição civil, figuradas no art. 60 e seguintes do referido codex.
Miranda e Silva conceituam transação penal:
A transação penal é um ato jurídico por meio do qual o Ministério Público e o autor do fato quando presentes os requisitos legais autorizadores, farão concessões mútuas com vistas à não aplicação de pena privativa de liberdade, por meio da extinção do conflito instaurado por conta da prática de fato considerado típico pelo ordenamento jurídico.(MIRANDA;SILVA, 2012 p.)
Outra medida despenalizadora presente no ordenamento jurídico brasileiro é
a composição civil, conceituada por Miranda e Silva:
A composição Civil dos danos tem natureza jurídica de medida despenalizadora, levando-se em conta que a sua realização, nos crimes à ação penal privada e à ação penal pública condicionada, conduzirá a extinção da punibilidade. (MIRANDA; SILVA, 2012)
Tal medida alternativa visa a celeridade, uma vez que evita a propositura de
ações penais, que muitas vezes demorariam para serem resolvidas e somente
abarrotariam ainda mais o Poder Judiciário.
O direito penal de segunda velocidade condiz com um direito plástico e
proporcional das garantias processuais e penais, pois se utiliza de medidas
alternativas a prisão. (MOREIRA, 2015, p.23)
9
c) Terceira Velocidade: Direito Penal do Inimigo
Criado por Günther Jakobs em 1985, o direito penal do inimigo detém a
postura de impor a necessidade de eliminação do inimigo social, buscando-se a paz.
Tendo como perspectiva as duas velocidades anteriormente citadas, o direito penal
do inimigo tem as penas privativas de liberdade da primeira velocidade como
também a celeridade e flexibilização de garantias processuais da segunda
velocidade.
Para Jakobs o direito penal do inimigo se caracteriza por três elementos:
Em primeiro lugar constata-se um amplo adiantamento da punibilidade, isto é que neste âmbito, a perspectiva do ordenamento jurídico-penal é prospectiva (ponto de referência; o fato futuro), no lugar de - como é o habitual- retrospectiva (ponto de referência: o fato cometido). Em segundo penas previstas são desproporcionalmente altas [...] Em terceiro lugar, determinadas garantias processuais são relativizadas ou inclusive suprimidas. (JAKOBS, 2007, p. 137)
O Direito Penal do inimigo consequentemente prioriza o estudo do sujeito do
crime e não a sua conduta propriamente dita. Porém é de conhecimento que esta
característica não está nítida na lei, entretanto se encontra presente. (JAKOBS;
2007, p. 76)
Em suma, pode-se dizer que o direito penal do inimigo se coaduna com a
presença de um indivíduo que é considerado inimigo do Estado, já que não cumpre
as normas sociais, quebrando assim o contrato social, devendo, portanto, ser tratado
de forma mais incisiva pelo poder punitivo estatal, como uma forma de prevenção e
controle da ordem e da paz social.
Na teoria supracitada é constituída a ideia do direito do cidadão e do direito
do inimigo, diferenciando-se ambos de acordo com sua capacidade de obediência
às normas sociais e sua reintegração social.
O direito penal do cidadão reconhece o agente como um indivíduo,
resguardando garantias e princípios como a lesividade, a proporcionalidade e a
legalidade, pois se acredita que o cidadão realiza as práticas criminosas de forma
esporádica, novamente se oferecendo possibilidade de submissão às normas de
direito. (HAUSER, 2010, p. 40)
10
Silva Sánchez conceitua o inimigo como: “Em todo caso, é alguém que não
garante mínima segurança cognitiva, se seu comportamento pessoal manifesta esse
déficit por meio de sua conduta.” (2013, p. 194)
Em contrapartida, o direito penal do inimigo se preocupa mais com o perigo
do que com a culpabilidade, como o próprio nome já revela. O indivíduo não é
reconhecido, sendo identificado somente como um inimigo e como um perigo social,
não detendo garantias mínimas, nem garantindo a possibilidade de submissão as
normas do Direito. (HAUSER, 2010, p. 40)
1.2.2 Expansionismo aplicado à realidade brasileira
Dentre alguns exemplos do expansionismo penal na realidade Brasileira estão
nas seguintes leis: Lei de Crimes Hediondos, Lei de Combate ao Crime Organizado,
Lei de Combate a Crimes de Lavagem ou Ocultação de Valores, Lei do Regime
Disciplinar Diferenciado, Lei de Drogas, Lei do Abate e a Lei do Terrorismo.
A denominada Lei de Crimes Hediondos, de nº 8.072/90, foi criada pelo
legislador diante do aumento da criminalidade e a presença de impunidade. A
mesma vem para tutelar condutas consideradas com maior intensidade e repúdio
social. Em seu artigo 2º, incisos I e II extinguiu-se as garantias do processo penal de
condutas já previstas no Código Penal, a exemplo a proibição de concessão de
anistia, graça e indulto.
A Lei de Combate ao Crime Organizado (Lei nº 12.850/2013), por seu turno,
apresenta tal teoria em seu artigo 3º contendo técnicas de escuta e investigação
que ferem garantias individuais, como também a aplicação do flagrante retardo.
Conforme a Lei nº 9.613/98 combate os crimes de lavagem ou ocultação de
bens, valores e direitos, havendo a tipificação de crimes sem condutas descritas.
A Lei nº 10.792/2003, que instituiu o regime disciplinar diferenciado,
demonstrando eventual semelhança com o direito penal do inimigo uma vez que
promove o isolamento provisório por até um ano para os integrantes da organização
criminosa e indivíduos que representam alto risco à segurança e à ordem pública,
conforme previsão no artigo 52º da referi lei.
Já a Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006) combate e previne o uso indevido de
entorpecentes. Nesta lei há a punição de perigo abstrato, presente no artigo. 33º,
11
frente ao risco da saúde pública – um ato marcante na teoria do direito penal do
inimigo, além da ausência de institutos processuais de anistia, graça e indulto, uma
vez que o tráfico de entorpecentes é considerado crime hediondo.
Segundo a Lei do Abate nº 7.565/86, Lei do Código Brasileiro Aeronáutico, em
seu artigo 303º, § 2º prevê a destruição de aeronave classificada como hostil, sendo
uma característica clara do direito penal da terceira velocidade, que reconhecendo o
inimigo, buscando exclui-lo do convívio social.
Por seu turno, a Lei nº 13.260/2016 (lei do terrorismo), criada com o
intuito de coibir atividades terroristas, contém a presença exorbitante de crimes de
perigo abstrato, uma vez que a mera ameaça ao bem jurídico, cometida com a
finalidade de provocar terror social ou generalizado, expõe a perigo a pessoa,
patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública, tipifica-se o crime. Esta é uma
característica presente na terceira velocidade do Direito Penal, que busca a efetiva
proteção social diante de um inimigo social.
1.2.3 Novos contornos penais
O expansionismo penal preza por uma efetiva aplicação do direito penal,
buscando não só a utilização de penas de prisão e garantias processuais, como
também a flexibilização de garantias; e a aplicação de penas mais incisivas em
situações excepcionais, quais sejam, quando a segurança nacional e a paz devam
se sobrepor diante de certas garantias fundamentais do cidadão, uma vez que o
indivíduo que tem condutas demasiadamente ofensivas ao Estado de Direito, não
deve ter seus direitos referentes ao mesmo resguardados.
É correta a afirmação que o garantismo penal e o direito penal mínimo se
coadunam no presente ordenamento jurídico brasileiro, com a presença e proteção
de garantias fundamentais do cidadão, regulando o poder punitivo do Estado e a
aplicação do direito penal como ultima ratio.
Porém também se faz necessária a terceira velocidade do direito penal, como
demonstrado anteriormente, que se utiliza de institutos normativos togados pela
presença do direito penal do inimigo, para a efetivação da ordem social em
situações excepcionais
12
Como Jakobs preceitua: “o Direito Penal do inimigo deve ser limitado ao
necessário, e isso com completa independência do mandato racional preexistente de
limitar a violência física, por seus efeitos secundários corruptores”. (JAKOBS, 2007,
p. 64)
Como demonstrado alguns exemplos na legislação nacional como a Lei de
Crimes Hediondos, Lei de Combate ao Crime Organizado, Lei de Combate a Crimes
de Lavagem ou Ocultação de Valores, Lei do Regime Disciplinar Diferenciado, Lei
de Drogas, Lei do Abate e a Lei do Terrorismo, tendo, como exemplo visíveis nestas
legislações, a supressão de garantias processuais, crimes de perigo e até mesmo a
aniquilação do sujeito considerado inimigo. Demonstra a presença direito penal de
terceira velocidade, com há relativização de garantias político-criminais,
perseguindo-se o bem comum social aos cidadãos de bem.
Entrementes, não se pode ter uma aplicação do direito penal do inimigo em
todas as condutas delitivas, sendo somente necessário em crimes transindividuais
que atingem grande parcela da população. Assim, se faz necessária para a atual
complexidade sofrida na sociedade contemporânea, que se vê refém de uma
sociedade de risco, com crimes transindividuais e de altas complexidades, pois
agora os criminosos gozam de mais aparatos para realizarem as condutas delitivas.
CONCLUSÃO
Com o desenvolvimento social, é de extrema relevância a adaptação das
normas de conduta, para se garantir uma vida segura e digna.
Diante do incremento industrial e da globalização, surgiram inúmeros
benefícios, mas também houve o surgimento de novos delitos com maior aparato e
capacidade lesiva contra bens jurídicos tutelados. Emerge, assim, uma sociedade de
risco, na qual os indivíduos se veem em meio à insegurança, em que a criminalidade
ganha um poder cada vez mais evidente, pois o mundo se encontra mais
interdependente e mais frágil ante a condutas delitivas, uma vez que atos que antes
não atingiam o mundo de forma global agora têm maior força.
Através deste cenário surge a indispensabilidade de um direito penal que seja
capaz de realmente controlar os crimes transindividuais, pois estes últimos atingem
13
a sociedade como um todo, além de ser importante punir de forma correta e efetiva
os indivíduos delinquentes.
A terceira velocidade do direito penal criada por Günther Jakobs, mescla a
primeira e a segunda velocidade, contando com as penas privativas de liberdade,
bem como a celeridade e flexibilidade das garantias individuais da segunda
velocidade.
Fica clara a necessidade de um direito penal mais incisivo somente diante de
crimes com maior amplitude e em condições extremas, para que se possa ter o
controle sobre certos indivíduos que são inimigos sociais, devendo ser aplicado o
ideal minimalista e garantista nos demais crimes.
Assim, traz-se uma eventual solução para complexidade vivida pela
sociedade contemporânea, que se vê acuada pela magnitude e violência presente
nos crimes atuais, sendo de suma importância a aplicação do expansionismo penal
que realiza uma aplicação proporcional das penalidades aos delitos, sendo que a
presença de crimes com uma maior amplitude necessitam de uma atuação incisiva
para o bem comum da sociedade, sendo aplicado em situações de extrema violência
e ausência do respeito ao Estado de Direito.
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