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Eliza Mendes Martins de Moura As representações metafóricas no Discurso Político do presidente Lula: um estudo da metáfora cognitiva PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 2005

As representações metafóricas no Discurso Político do … · 2017. 2. 22. · Qual é o papel da metáfora no discurso presidencial no que concerne ... proferidos pelo Presidente

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  • Eliza Mendes Martins de Moura

    As representações metafóricas no Discurso Político do presidente Lula:

    um estudo da metáfora cognitiva

    PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO2005

  • Eliza Mendes Martins de Moura

    As representações metafóricas no Discurso Político do presidente Lula:

    um estudo da metáfora cognitiva

    Dissertação apresentada à Banca Examinadorada Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,como exigência parcial para obtenção do título deMestre em Língua Portuguesa, sob a orientaçãoda Profa. Dra. Ana Rosa Ferreira Dias.

    PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO2005

  • BANCA EXAMINADORA:

  • Aos meus pais – Eliza e Antonio NiltonAos meus irmãos Beth e Nei,com todo carinho e apreço.

  • _____AGRADECIMENTOS______________________________________________

    À Banca Examinadora:

    Profª Drª Ana Rosa Ferreira Dias, minha prezada orientadora, pela dedicação constante,pelas leituras pertinentes da minha dissertação e pelo carinho no percurso dessetrabalho...

    Profª Drª Dieli Vesaro Palma, pelo aprendizado, pelas sugestões de leitura e pelocarinho no percurso e no sorriso amigo...

    Profª Drª Vera Lúcia Meira Magalhães pelo encontro no exame de qualificação, pelacolaboração no engrandecimento desse trabalho...

    À coordenação e aos professores do Programa de pós-graduação em Língua Portuguesada Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em especial ao professor doutor DinoPreti, pelo aprendizado que ultrapassa os limites puramente acadêmicos e pela seriedadecom que conduz o seu ofício.

    Aos amigos Celeste, Clodoaldo, Denise, Evelin, Gláucia, Letícia, Lílian, Lúcia,Luciana, Regina Helena, Silas, Silvana, Siomara, pelo convívio alegre e pela amizadesincera e despretensiosa.

    Em especial, ao Adilson, pelo carinho constante, pelas leituras e pelo abraço amigo...

    E, sobretudo, a Deus.

  • _____RESUMO_________________________________________________________

    A presente pesquisa investigou a construção do sentido dos termos ‘governar’,

    ‘fome’, ‘Brasil’ no discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem sido visto

    como uma forma de persuadir o público e facilitar a compreensão por meio de

    analogias. Com o objetivo de compreender os fatores que levam a utilizar esse meio

    para a argumentação, observamos o mapeamento da construção desse sentido no

    discurso político.

    Nossa assunção é que essa forma de argumentar parte das metáforas

    GOVERNAR É PERCORRER UM CAMINHO, GOVERNAR É CONSTRUIR UM

    EDIFÍCIO, GOVERNAR É JOGO E GOVERNAR É PLANTAR, ELIMINAR A

    FOME É GUERRA, CABEÇA ERGUIDA É PARA CIMA e BRASIL É PESSOA.

    Os dados foram analisados a partir de teorias da indeterminação do sentido

    (Moura,1999, 2000, 2001) e da metáfora (Lakoff & Johnson, 2002, Lakoff, 1993, Gibbs

    1994,1999). Com o resultado, a análise da construção do sentido de governar

    procuramos responder a duas perguntas de pesquisa.

    Contudo, a análise também permitiu observar, entre outros aspectos, que a

    construção do sentido é limitada por fatores condicionantes do contexto e de possíveis

    contextualizações.

  • _____ABSTRACT______________________________________________________

    The purpose of this research is to analyze the speeches delivered by Brazilian President

    Luiz Inácio Lula da Silva in order to observe the recurrent use of metaphors as well as

    the enunciator’s intention of involving the audience. For such purpose, we have mapped

    out the meaning construction at specific statements, investigating the role played by

    metaphors. Our purpose is to show how the construction takes place – through the use

    of metaphors – in the preparation of the President’s political speeches. We assume that

    President Lula’ speeches are based on a set of metaphors such as KEEP YOUR CHIN

    UP IS UP INDEED, FAMINE READICATION IS A WAR, TO GOVERN IS TO

    FOLLOW A PATH, TO GOVERN IS TO SOW, TO GOVERN IS TO CONSTRUCT

    A BUILDING, TO GOVERN IS TO PLAY, and BRAZIL AN INDIVIDUAL. Our

    investigation into the use of metaphors has been based on de scope of cognitive

    linguistics, in particular on the positions adopted by Lakoff and Johnson. In this sense,

    the analysis has allowed us to realize that the meaning construction is limited by the

    context restrictions and possible contextualization.

    Keywords: political speech, political marketing, orientation metaphor, ontological

    metaphor, and structural metaphor.

  • .

    Chega mais perto e contempla as palavras.

    Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra

    e te pergunta, sem interesse pela resposta,

    pobre ou terrível, que lhe deres:

    Trouxeste a chave?

    (Carlos Drummond de Andrade)

  • _____SUMÁRIO________________________________________________________

    INTRODUÇÃO.............................................................................................................01

    CAPÍTULO 1

    Lula: breve histórico de uma trajetória política...............................................05

    1.1 Contexto histórico: trajetória política.....................................................06

    1.2 Construção da imagem do presidente Lula: uma estratégia de marketing

    político...............................................................................................................11

    1.3 Carisma e autenticidade: símbolos da imagem do presidente..................15

    CAPÍTULO 2

    Metáfora e abusos metafóricos no discurso do presidente Lula......................21

    2.1 Discurso político: uma visão da análise do discurso...................................22

    2.2. Metáfora Cognitiva.....................................................................................25

    CAPÍTULO 3

    Usos e abusos metafóricos no discurso do presidente Lula..............................40

    3.1 Análise.........................................................................................................40

    3.2.1 Metáfora orientacional...................................................................43

    3.2.2 Metáfora estrutural.........................................................................43

    3.2.2.1 ELIMINAÇÃO DA FOME É GUERRA ............................49

    3.2.2.1.1 Provérbio – uso da sabedoria popular..........................52

    3.2.2.2 GOVERNAR É CONSTRUIR............................................55

    3.2.2.3 GOVERNAR É PLANTAR................................................61

    3.2.2.4 GOVERNAR É JOGAR FUTEBOL...................................65

    3.2.3 Metáfora Ontológica......................................................................68

    3.2.3.1 BRASIL É UMA PESSOA.................................................68

    CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................71

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................77

  • ANEXO 1 – QUADRO DE REFERÊNCIA (DATA)

    ANEXO 2 – TEXTO NA ÍNTEGRA

  • _____INTRODUÇÃO___________________________________________________

    Esta dissertação situa-se na área da Análise do Discurso e tem por tema o uso da

    metáfora no discurso político do presidente da República: Luiz Inácio Lula da Silva1. O

    nosso interesse pelo discurso político e pelas teorias acerca da metáfora levaram-nos a

    pesquisar a utilização da metáfora nos textos proferidos por Lula.

    Antes de verificarmos o objetivo específico dessa pesquisa, é necessário

    esclarecer que a escolha do estudo do discurso político baseia-se não apenas no fato de

    que ele esteja presente em nosso cotidiano, mas também porque se apresenta,

    explicitamente, como um discurso argumentativo, em que a polêmica e a persuasão

    estão fortemente marcadas. Desse modo, é possível, por meio da análise do discurso

    político, constatar e compreender melhor como os discursos argumentativos se

    articulam e, conseqüentemente, produzem determinados sentidos.

    A compreensão do processo de articulação entre os discursos e a produção de

    sentidos levam, por sua vez, a uma visão menos ingênua e superficial da linguagem, o

    que possibilita a formação de um leitor mais crítico, capaz de interagir, produzir

    sentidos e aceitar ou não os argumentos que lhe são expostos. De posse de um senso

    mais crítico, esse leitor parte mais conscientemente para a ação, que, no caso do

    discurso político, traduz-se principalmente no voto. Na atual circunstância política,

    econômica e social em que se encontra nossa sociedade, é fundamental a formação de

    leitores críticos que possam atuar de modo mais eficaz na construção de um país melhor

    e mais justo.

    Com a motivação de ao menos provocar uma reflexão no processo de leitura,

    com o intuito de que essa se estenda ao campo da ação, torna-se necessária o estudo da

    linguagem metafórica. Em nossa pesquisa, a metáfora é compreendida como

    conceptualização, em uma perspectiva cognitiva. O nosso enfoque recai, em especial,

    sobre esta abordagem, posto que o corpus de pesquisa possibilita observar a forma

    como a linguagem metafórica está inserida na fala de um presidente. Esta perspectiva

    1 De agora em diante citaremos somente Lula.

  • inscreve a metáfora como parte integrante da conceptualização humana e está inserida

    em todo tipo de discurso, como o político, por exemplo.

    Para Lakoff (1993), a metáfora faz parte do nosso sistema conceptual. Essa

    forma de analisar a metáfora é considerada sob uma nova perspectiva paradigmática,

    posto que antigamente a linguagem metafórica era estudada como um ornamento,

    portanto, inerente ao texto literário. O autor entende que essa figura de linguagem, na

    visão tradicional, era admitida ser uma matéria da fala, não do pensamento. Descobriu

    com os estudos que a nossa forma de falar é também a forma como pensamos o mundo

    e, portanto, o modo como agimos sobre o que está ao nosso redor.

    Na visão tradicional, o estudo da metáfora circunscreve-se somente ao texto

    literário, distinguindo o significado das palavras em sentido denotativo e conotativo,

    bem como ressalta a construção das figuras de linguagem pertinentes à linguagem

    literária, sem levar em consideração a realidade do falante.

    Com os estudos recentes, contudo, a metáfora é analisada como um fenômeno

    que envolve a construção de sentido na fala cotidiana, sendo classificada em três tipos:

    estrutural, ontológica e orientacional. De forma geral, a metáfora passou a ser analisada

    como um elemento cognitivo e social.

    Muitos estudiosos da área da semântica e pragmática têm analisado esse

    fenômeno, em especial, Lakoff & Johnson (2002), Zanotto (1995), Palma (1998), Black

    (1992), Davidson (1992), Ricouer (2000), Cohen (1992), entre outros. Tais

    pesquisadores desenvolvem estudos sob o novo paradigma, para mostrar que em nosso

    cotidiano, formamos, sem perceber, metáforas. Subjacente ao conceito de

    conceptualização metafórica, os estudiosos pregam a idéia de que pensamos

    metaforicamente e, portanto, também agimos da mesma maneira.

    Nesse contexto atual dos estudos sobre a metáfora, lançamos, então, os seguintes

    problemas: em discursos presidenciais, especificamente do presidente Lula,

    1. Qual é o papel da metáfora no discurso presidencial no que concerne à

    construção de sentido?

    2. Quais são os tipos de metáforas utilizadas em seus discursos?

  • Assim, propomo-nos a analisar os discursos do presidente Lula a fim de observar

    a recorrência da utilização da metáfora na explicitação de seu programa político e do

    intuito do enunciador de alcançar o envolvimento da platéia. Para tal, mapeamos a

    construção de sentido em discursos selecionados, investigando o papel da metáfora. O

    nosso objetivo é mostrar como se dá construção do sentido, via jogo metafórico, na

    elaboração do dizer político do referido presidente. Para tanto, buscamos como

    ancoragem teórica os estudos de Lakoff & Johnson (2002), por se configurarem

    adequados para o presente estudo.

    A fim de atendermos aos objetivos deste trabalho, selecionamos alguns discursos

    proferidos pelo Presidente Lula entre o período de 01/01/2003 a 30/06/2003, portanto,

    os seis primeiros meses de governo. Reunimos num total de 83 discursos proferidos

    nesse período e retiramos trechos somente de 42 discursos. Tais discursos proferidos

    pelo presidente da República foram retirados do site2 oficial do governo federal. Estes

    textos estão anexados na íntegra ao final deste trabalho.

    Desses discursos, retiramos trechos representativos que comprovam a construção

    metafórica. Percebemos, portanto, que apesar dos trechos serem de discursos diferentes

    e conseqüentemente, tratarem de assuntos diferentes, o contexto permitiu-nos a escolha

    e análise, de acordo com as categorias analíticas propostas.

    A escolha baseia-se na observação dos textos e na recorrência com que a mídia

    impressa (Jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo) dá relevância à linguagem

    metafórica nos discursos do presidente. A mídia amplamente a presença desse tipo de

    linguagem na construção de situações contextuais, espetacularizando o dizer de Luiz

    Inácio Lula da Silva. No período de seis meses, nota-se a ênfase dada pelos jornais

    sobre esse assunto.

    A pesquisa está organizada da seguinte forma.

    • No primeiro capítulo, apresentamos a trajetória política do presidente Lula e

    tratamos da importância atual do marketing político na construção de um

    candidato vitorioso, diferente dos seus antecessores, mais sorridente,

    conciliador, um governante de esquerda. Enfocaremos o contexto histórico,

    mostrando como um sindicalista chegou ao cargo público mais alto depois de

    perder quatro eleições e como o marketing político o ajudou nessa conquista.

    2 www.radiobras.com.br: acesso em 05 / 03 / 2005.

  • • No segundo capítulo, fundamentamos o discurso espontâneo e sua relação com o

    ato de persuadir. Também, como já dissemos, analisamos a metáfora como

    participante do sistema conceptual, que envolve a forma de se manifestar, pensar

    por meio de metáforas. É por meio dessa última visão que fazemos a

    identificação e classificação das metáforas encontradas no discurso do

    presidente. Essa visão também nos mostra o papel da figura conceptual no nosso

    cotidiano.

    • No terceiro capítulo, analisamos o corpus no intuito de responder as duas

    questões de nossa pesquisa, utilizando para tal fim a teoria de Lakoff & Johnson,

    a qual configurou-se pertinente para essa investigação. Os exemplos retirados do

    corpus corroboram para o entendimento da metáfora no paradigma cognitivista.

    • Finalmente, apresentamos nossas considerações finais sobre os resultados da

    pesquisa e apontamos para os caminhos abertos a serem ainda trilhados na

    investigação da rede de significações do discurso político.

  • _____CAPÍTULO 1_____________________________________________________

    Lula: breve histórico de uma trajetória política

    O discurso competente é aquele no qual não é qualquer um que pode dizer a qualquer outro qualquer coisa em qualquer lugar

    e em qualquer circunstância (...) é um discurso no qual os interlocutores já foram previamente reconhecidos

    como tendo o direito de falar e ouvir, no qual os lugares e as circunstâncias já foram predeterminados

    para que seja permitido falar e ouvir segundo os cânones da esfera de sua própria competência (...)

    Marilena Chauí

    Nesse capítulo, serão apresentadas breves considerações acerca da vida do

    presidente da República: Luiz Inácio Lula da Silva, desde sua infância, até a sua

    chegada ao cargo mais elevado na esfera política nacional. O objetivo desse histórico é

    o de traçar um perfil da vida desse político com o propósito de caracterizá-lo social e

    politicamente.

    O capítulo está dividido em três tópicos. O primeiro tópico discorre sobre a

    trajetória de vida do homem público, fundador do Partido dos Trabalhadores (PT), até

    sua vitória como presidente brasileiro. Esse histórico fundamenta-se no posicionamento,

    em especial, de Paraná (2003). O segundo tópico trata de marketing e a construção da

    imagem presidencial de Lula. Os estudos de Cavalcanti (2003) e Amorim (1998), entre

    outros, respaldam essa pesquisa. Por fim, o terceiro tópico comenta sobre as marcas que

    tornaram Lula, um presidente identificado com as causas sociais do povo brasileiro, o

    que, por sinal, tornou-o a escolha óbvia para a sucessão presidencial nas eleições de

    2002. As marcas foram ressaltadas no marketing político: carisma e autenticidade. O

    posicionamento de Mendes (2004) configura-se adequado para essa investigação.

  • 1.1 Contexto Histórico – A trajetória Política de um presidente

    Luiz Inácio Lula da Silva nasce em 27 de outubro de 1945, em Garanhuns,

    Pernambuco. Ele é o sétimo filho de Aristides Inácio da Silva e Eurídice Ferreira Mello.

    Poucos dias antes de nascer, seu pai migra para São Paulo em busca de emprego para

    garantir o sustento de sua mulher e seus filhos. Lula só conhece seu pai aos cinco anos,

    quando Aristides volta para Pernambuco para visitar a família.

    Aristides deixa a esposa e filhos no interior de Pernambuco para trabalhar na

    estiva do porto de Santos, carregando sacas de café. Somente anos depois, sua esposa

    decide sair com os filhos e fazer o mesmo caminho para São Paulo.

    A viagem feita por Lula, sua mãe e seus irmãos demora treze dias em um “pau-

    de-arara” (caminhão que leva pessoas de uma cidade para outra) até chegar em Santos

    onde Lula, com 10 anos, começou os estudos escolares primários.

    Com a separação de seus pais, muda-se para São Paulo, onde, com 15 anos,

    consegue uma vaga no curso de torneiro mecânico, oferecida pelo Serviço Nacional da

    Indústria (SENAI). Enquanto realiza o curso com duração de três anos, trabalha também

    na Fábrica de Parafusos Marte.

    Quando conclui o curso, já profissionalizado, integra o quadro de operários de

    uma grande empresa metalúrgica chamada Villares, em São Bernardo do Campo,

    município da Grande São Paulo.

    Em 1969, Lula é convidado a participar da diretoria do Sindicato dos

    Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas e de Material Elétrico de São Bernardo e

    Diadema.

    Para Paraná (2002: 27), Lula,

    que antes era um jovem inexperiente já havia se constituído numa liderançasindical promissora, respondendo, como primeiro-secretário, pelo setor deprevidência social da entidade.

  • Em 1975, a nova eleição da diretoria do sindicato coloca Lula na presidência da

    instituição. Nessa época, por meio da atuação deste e de outros sindicalistas, surge o

    chamado “novo sindicalismo”, uma forma diferente de se fazer assistencialismo

    sindical, que marcou por anos a vida da classe trabalhadora brasileira, mergulhada num

    regime antidemocrático.

    Paraná (op. cit.) diz que Lula retoma antigas lutas em defesa dos interesses dos

    trabalhadores: remuneração salarial digna, garantia de emprego e melhores condições de

    trabalho. Isso demonstra a nova atitude que o sindicato queria tomar.

    O sindicato leva as assembléias para o local de trabalho dos operários, abre as

    suas portas e amplia o quadro de sindicalizados.

    Em 1978, houve a primeira greve de relevância no cenário político nacional. O

    Sindicato dos Metalúrgicos juntamente com os trabalhadores desafiam o regime

    autoritário e iniciam as paralisações por melhoria de seus salários e de suas condições

    de vida.

    Para Paraná (op. cit: 50), a greve “era um terremoto cujo epicentro residia em

    São Bernardo do Campo, mas com efeitos que se faziam sentir em todo o Estado de São

    Paulo”.

    Em 1979, repete-se a experiência grevista do ano interior, mas, desta vez, a

    greve é de toda a categoria metalúrgica; trata-se de uma greve unificada. O sindicato

    amplia sua atuação e sua representatividade nas discussões por melhorias salariais e

    condições de trabalho. Os trabalhadores, cada vez mais organizados, reunidos em

    assembléia de até 150 mil pessoas, cruzam os braços em protesto durante quinze dias.

    O governo militar e o empresariado respondem duramente com repressão

    policial e outros artifícios para pôr fim às paralisações. Tais artifícios correspondem a

    prisões de sindicalistas, interrogatórios, chantagens, entre outros. Em março desse

    mesmo ano, o Ministério do Trabalho considera a greve ilegal, intervém no sindicato,

    afastando Lula e sua diretoria por dois meses.

    Em abril, Lula lidera mais uma paralisação que contou com 270 mil

    trabalhadores, estendendo-se por todo o Estado de São Paulo, e tendo uma duração de

    quarenta e um dias. Dessa vez, a intervenção do governo é ainda mais forte. A diretoria

    do sindicato é cassada e Lula passa exatos trinta e um dias em reclusão no

    Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Em novembro de 1981, é condenado

  • pela Justiça Militar a três anos e seis meses de prisão; mas em abril do ano seguinte, o

    processo é anulado pelo Superior Tribunal Militar.

    Para Teixeira (2002)3, nesse período, Lula já tinha a idéia da criação de um

    partido operário, pois estava decepcionado com os políticos tradicionais e convencido

    de que a repressão às greves e a força do regime não poderiam ser combatidas apenas

    com a força dos sindicatos.

    Esse autor (op. cit.) mostra que

    ele (Lula) abriu a discussão com políticos do MDB, entre eles o entãosociólogo Fernando Henrique Cardoso e o deputado Ulysses Guimarães. Eque Lula não aceitava a tese segundo a qual o regime só cairia por uma açãode uma frente ampla de organizações democráticas de todo tipo.

    Lula, outros sindicalistas, intelectuais, representantes da Igreja Progressiva,

    militantes de grupos de esquerda e militantes de movimentos populares fundam o

    Partido dos Trabalhadores, no dia 10 de fevereiro de 1980.

    O PT nasce com o ideal de representar os trabalhadores na esfera política, pois,

    de acordo com Teixeira (op. cit.), a base que forma esse partido constitui-se de

    sindicalistas, grupos pequenos de esquerda, especialmente os oriundos do movimento

    estudantil, dos partidos trotskistas e católicos membros das Comunidades Eclesiais de

    Base (CEBs)

    Da mesma forma, para Frei Betto (1989:44),

    (...) o novo partido (PT) logo atraiu a adesão de membros das comunidadeseclesiais da base, de militantes do movimento popular, como também deartistas, de intelectuais e de cientistas de renome.

    A primeira eleição da qual o Partido dos Trabalhadores participa ocorre em

    1982. O PT elege 08 deputados federais, 12 estaduais e 78 vereadores. Em 1985, o

    3 TEXEIRA, A. Perfil de um presidente. htt/www.estadao.com br/eleicoes2002/perfil/lula.06/08/2002.

  • partido conquista a prefeitura de uma capital, o município de Fortaleza. Na eleição

    seguinte, em 1986, sua bancada federal dobra, somando 16 parlamentares.

    Ainda na década de 80, mais precisamente em agosto de 1983, Lula e outros

    sindicalistas fundam a Central Única dos Trabalhadores (CUT), com uma nova forma

    de trabalhar, buscando os interesses dos trabalhadores sem a tutela do Estado.

    Lula candidata-se ao cargo de governador, mas, em 1982, perde a eleição. Na

    eleição seguinte, candidata-se a uma vaga na Câmara Federal, vence e torna-se o líder

    da bancada do Partido dos Trabalhadores.

    Em 1989, após 29 anos sem eleições diretas para a Presidência da República do

    Brasil, Lula chega ao segundo turno das eleições presidenciais, encabeçando a Frente

    Brasil Popular, uma coligação entre o Partido dos Trabalhadores, o Partido Socialista

    Brasileiro e o Partido Comunista do Brasil, sendo apoiado no segundo turno por um

    amplo leque de forças progressistas.

    Lula perde por uma diferença de 6% dos votos válidos para seu opositor,

    Fernando Collor de Mello, que depois de eleito sofre o processo de Impeachment, e

    renuncia para não perder os poderes políticos.

    Na eleição seguinte, em 1994, Lula candidata-se novamente ao cargo de

    presidente, mas perde ainda no primeiro turno para Fernando Henrique Cardoso.

    O presidente eleito era um ex-ministro que acabava de deixar o poder após

    realizar um vitorioso projeto de controle da inflação, definido como Plano Real.

    Coligado aos partidos mais conservadores do país, Fernando Henrique Cardoso

    conquista grande parcela do eleitorado.

    De acordo com Teixeira (op. cit.), o PT perdeu a eleição porque se posicionou

    contra o Plano Real, pois considerava que a estabilidade monetária obtida por esse

    Plano era apenas eleitoral e provisória.

    Na eleição presidencial que se seguiu, em 1998, Fernando Henrique Cardoso

    repete o resultado das urnas, reelegendo-se presidente já no primeiro turno.

    Em 2002, Lula concorre pela quarta vez à Presidência da República. No primeiro

    turno, o PT constrói uma ampla aliança capital-trabalho com outras forças partidárias,

  • entre elas o PL, o PC do B, o PMN e o PCB. O candidato petista vai para o segundo

    turno com o candidato do PSDB, José Serra. Lula conquista a vitória com 61% dos

    votos válidos contra 38,7% de seu adversário, que era apoiado, por sinal, pelo então

    presidente Fernando Henrique Cardoso.

    A vida política de Lula apresenta um diferencial em relação à de outros

    presidentes brasileiros, pois ele é o primeiro presidente sem formação militar ou

    universitária4 do Brasil. Outra característica é o seu partido político, fundado por

    sindicalistas e intelectuais de esquerda, que consegue participar pela primeira vez do

    cargo público de maior prestígio do país.

    Para Cândido (2002), a vitória de Lula representa uma singularidade, pois se

    caracteriza pela identificação aos interesses das classes mais popularidades: a vitória de

    Lula, de acordo com o autor, pode ser o começo de uma fase redentora na vida política

    e social brasileira.

    Com um mesmo posicionamento, Cavalcanti (2003:40) ressalta que Lula inicia

    seu governo com características inéditas no país, pois tem base popular e tenta

    concretizar o ideário da social-democracia européia, com o apoio de parcelas da

    população na tentativa de organizar um governo sólido, sem deixar os seus antigos

    ideais. Para esse autor (op. cit.), o Estado é o mediador social, que visa retificar

    distorções e desigualdades que afetam a população. Com essa visão, Lula inicia seu

    governo e tenta, por meio dos discursos, refletir segurança e consistência para resolver

    problemas sociais que tanto criticava nos governos anteriores.

    A liderança política de Lula, de acordo com Frei Betto (2003: 89), teve uma

    marcação definitiva na história do Brasil:

    Com a eleição de Lula a presidente do Brasil, em 2002, a classe trabalhadorabrasileira tornou-se de fato sujeito político, dispondo de instrumentos de açãoe de um programa criados a partir de suas lutas.

    No item seguinte, trabalharemos um aspecto importante para a conquista da

    presidência da República por Lula: a função do Marketing Político no sistema eleitoral

    atual. Mostraremos especificamente como as eleições são conquistadas com a ajuda dos

    4 Esta informação foi retirada do site: www.grups.msn.com, sendo que foram 156 presidentes militares e24 presidentes universitários (20 advogados, um jornalista, um médico, um engenheiro e um sociólogo).

  • meios de comunicação e como as idéias são passadas pelos vários tipos de mídia,

    principalmente a televisão que tem ao seu alcance uma grande parcela da população.

    1.2 Construção da imagem do presidente Lula: uma estratégia de marketing

    político

    Nas eleições presidenciais de 2002, o candidato Lula, que até então vinha de três

    derrotas consecutivas ao cargo político máximo nacional, teve apoio estratégico do

    “marqueteiro” Duda Mendonça, o qual organizou as propagandas políticas, modificando

    a estrutura dos programas que passavam no Horário Gratuito de Programa Eleitoral e

    em todas as aparições do candidato no cenário político. A intenção dessa assessoria

    “marqueteira” era a de reconstruir a imagem do presidente, desgastada nas eleições

    anteriores. A imagem de homem grosseiro e pouco instruído, foi substituída pela

    imagem do homem lutador, persistente e, sobretudo, identificado como “povo”. Duda

    Mendonça teve um papel primordial na reconstrução da imagem do presidenciável Lula.

    A estratégia utilizada pelo marketing político foi buscar uma imagem do

    candidato” mais carismático e simpático para os leitores, transformando-o em um

    “garoto-propaganda” capaz de convencer e, portanto, vencer a eleição.

    De acordo com Garconi (2002: 72), “o discurso (de Lula) foi mais leve,

    palatável. A imagem seguiu o mesmo estilo. Nas idéias a evolução é obra do próprio

    Lula, ouvidos atentos e mente aberta a novos conceitos. Nas mudanças do visual, boa

    parte do crédito vai para Duda Mendonça (...)”.

    A autora, a despeito desse assunto, afirma ainda que

    Lula veio em nova embalagem, desenhada por Duda e detalhadamentepreparada por uma equipe de especialistas, de personal stylist e professoresde dicção. Duda gastou horas de conversa com a consultora de moda TataNicoletti. Juntos montaram um guarda-roupa feito sob medida,suficientemente versátil para brilhar nos salões da elite, mas não destoar em emeio a multidões populares. Caíram bem no figurino os bem cortados ternosda grife Bruno Minelli e do estilista Ricardo Almeida. As cores não eramaleatórias: de preferência, azul-marinho, com camisas brancas e gravatasvermelhas.

  • Isso mostra o cuidado que o marqueteiro teve para formular a nova imagem de

    Lula, mostrando a necessidade de se criar uma figura de um homem sorridente, bem

    vestido para conquistar o eleitorado e diminuir a rejeição, pois antes era considerado um

    homem furioso, um metalúrgico, um trabalhador que não poderia nunca representar o

    Brasil na área internacional ou mesmo ser um bom presidente porque não tinha grau

    universitário, não sabia inglês ou não sabia discutir com as diferentes correntes

    ideológicas do país. As características de “trabalhador” e “metalúrgico”, que antes

    carregavam uma conotação pejorativa na figura de um candidato à presidência do país,

    foram utilizadas nas eleições de 2002 com um valor positivo, visto que, conforme foi

    mencionado, identificavam-no como “povo” e, portanto, digno representante das

    aspirações da coletividade nacional.

    Da mesma maneira, Amorim (1998: 32) afirma, a propósito desse assunto, que

    “a imagem dos candidatos passa a ser o elemento decisivo do voto, por isso, cresce a

    importância do marketing político e a necessidade de os candidatos estabelecerem elos

    simbólicos de identificação com o eleitorado”.

    Dessa forma, a empresa de propaganda de Duda Mendonça cria um candidato e

    um futuro presidente mais conciliador, capaz de organizar um governo de esquerda sem

    deixar de pagar as suas dívidas e sem mudar a moeda nacional, posto que nas eleições

    anteriores o seu discurso visava a combater o “Plano Real”, principal símbolo da

    campanha do seu então adversário político: Fernando Henrique Cardoso. Lula, em 2002,

    opta por uma campanha que preconiza o fortalecimento da moeda, diminuindo

    consideravelmente a sua rejeição. Mais que isso, cria-se, segundo Barros (2004), “uma

    auréola de quase santo” para Lula, reforçada pelo marketing político e pelos meios de

    comunicação.

    O marketing político tem o objetivo, segundo Amorim (op. cit.), de ajudar a

    fixar uma imagem do candidato no público, capaz de convencê-lo, portanto, vencer a

    eleição. E a melhor forma de se fazer isso é a utilização da mídia, em especial, da

    televisão e do rádio, pois eles alcançam o maior número de pessoas em pouco tempo.

    A propaganda, veiculada no rádio e na TV, é apresentada na forma de

    videoclipes, de telejornais e palanques eletrônicos. Os profissionais do marketing

  • político conseguem transformar habilmente os discursos e os atos dos candidatos em

    notícia e espetáculo.

    Amorim (1998: 3) afirma que “a política passou a ser uma atividade pública

    ligada ao poder da mídia e de que, as representações da política, fornecidas pelos

    mídias, passaram a construir a própria realidade”.5

    Na propaganda eleitoral, Duda tinha o segundo maior tempo na TV à disposição

    no primeiro turno (5min: 19s por Bloco, ou 21,2% do tempo total). Ele podia utilizar

    esse tempo da melhor forma possível com o propósito de diminuir a rejeição ao

    candidato Lula, imprimindo-lhe status de tranqüilidade e confiança, com propostas

    moderadas e sem radicalismos.

    Para Carvalho6,

    o Lula eleito não é o mesmo que fundou e há doze anos lidera o ‘Foro de SãoPaulo’, entidade criada para coordenar as ações legais e ilegais do movimentocomunista no continente.

    O autor afirma ainda:

    Em seu lugar entrou um ente de ficção, criado pela arte de Duda Mendonça,lançado no mercado sob o rótulo de “Lulinha Paz e Amor” e imposto aosconsumidores pelo vozerio incessante de milhares de garotos-propagandasrecrutados em toda as elites intelectuais, artísticas, políticas, e empresariaisdo país – e algumas do exterior.

    A imagem que Duda Mendonça quis transmitir para o eleitor era a de um Lula

    mais conservador, com uma visão de centro, não mais tão radical, e principalmente,

    com um discurso de um “presidente das negociações”, capaz de conversar com todos os

    grupos e organizar a situação em períodos de crise.

    5 Este argumento de que se cria uma nova realidade por meio de imagens atraentes pode ser observadonas telenovelas ou mesmo na compra de produtos veiculados pela televisão e revistas. Os produtos quantomais vistos ou quando conseguem um bom “garoto-propaganda” vendem mais e o resultado é o consumoconstante e a identificação do consumidor com o produto. O dever da propaganda é construir um pacto deconfiança. Isso significa que o consumidor compra sempre o mesmo produto porque confia nele e aempresa, por sua vez, pode confiar em seu consumidor. A identificação da imagem com o produtofornece o combustível para o mercado pagar bons publicitários e ícones para anunciar seus produtos.

    6 Olavo de Carvalho, o Globo, 2 de novembro de 2002. Texto retirado da Internet, no site:www.olavodecarvalho.org/02112002globo.htm

  • De acordo com Amorim (op. cit: 25), “o marketing político é uma técnica e um

    instrumento utilizado pela política para criar um ‘garoto-propaganda’ que agrade ao

    público e que este compre sua promessa, ou seja, vote e o eleja”.

    Lula representa o papel de garoto-propaganda do PT. Seu governo é a vitrine do

    projeto político idealizado pelos petistas e as propagandas refletem essas imagens de

    estabilidade e trabalho nas áreas sociais. Atualmente, entretanto, essa imagem está

    sendo modificada, pois, de acordo com Barros (2004), “o imaginário popular, de um

    presidente do tipo ‘gente como a gente’ está sendo rapidamente substituída por uma

    volta ao pragmatismo cívico”, ou seja, a imagem do presidente diferente está se

    tornando obsoleta, e, portanto, deve-se criar outra personagem para que o presidente

    consiga continuar como “garoto-propaganda” do governo.

    Bourdieu (1997:24) nos mostra que “a televisão pode, paradoxalmente, ocultar

    mostrando, mostrando uma coisa diferente do que seria preciso mostrar caso fizesse o

    que supostamente se faz, isto é, informar”. A imagem é muito importante para

    comprovar a informação e a forma como é feita ou transmitida pelos meios de

    comunicação pode ajudar ou prejudicar, por exemplo, um candidato político.

    O marketing baseia-se nessa afirmação na medida em que se cria um ambiente

    imaginário, mas com elementos da realidade e organiza propostas governamentais que

    possam ser cumpridas no período de quatro anos, tentando, por meio da mídia, mostrar

    os resultados obtidos.

    Para Amorim (1998: 71):

    O marketing político visa manter os índices de popularidade do político a umnível elevado, exigindo uma equipe com profissionais das áreas de pesquisasde opinião e comunicação.

    A Duda Mendonça Propaganda, no período eleitoral e na assessoria

    governamental, é vista como uma agência vitoriosa, que consegue, com um bom garoto-

    propaganda e principalmente dinheiro, eleger e manter um político com elevado

    prestígio ou criar qualquer tipo de imagem, com o intuito de vencer e de derrotar seus

    adversários políticos.

  • Nesse sentido, a política necessita constantemente do auxílio das agências de

    propaganda para fazer o elo entre si e os meios de comunicação. Portanto, para se ter os

    resultados esperados, os políticos não se importam com os gastos feitos para que se

    tenha a melhor divulgação do candidato e de sua imagem, mesmo sabendo que as

    promessas feitas na eleição poderão não ser cumpridas durante o mandato ou que essas

    imagens não condizem com a realidade. Exemplos que ilustrem essa afirmação são

    comuns nos meios de comunicação.

    As mudanças feitas por Duda Mendonça estão também relacionadas com

    discursos de Lula, pois durante a campanha de 2002, teve de mostrar segurança e

    transmitir confiabilidade para setores mais conservadores da economia e para

    empresários que conheciam a visão antiga do político: valorização de seu papel de

    sindicalista.

    1.3 Carisma e autenticidade: símbolos da imagem do presidente

    O presidente, nesse percurso à presidência da República, revela, por meio da

    assessoria de marketing, características importantes para a construção de uma imagem

    de um governante: carisma e autenticidade. Essas marcam corroboram para o

    apagamento das negativas nas campanhas anteriores, posto que o ajudam nos momentos

    de crises, problemas na economia interna ou mesmo numa reforma ministerial. O

    governo tenta convencer, por meio dessas características, boa parte da população que

    não acompanha os movimentos administrativos.

    Para Mendes (op. cit.: 80), a forma como o presidente se comunica mostra essa

    sua capacidade de comoção e convencimento do público que o assista, quando

    “recarrega nas metáforas e provérbios com que colhe a comunicação popular da

    hora”. Um exemplo dessa identificação de “homem do povo” é ressaltado pelo

    marketing do presidente que, em seus improvisados discursos, busca sempre uma ação

    que o aproxime do povo brasileiro: jogar futebol, Pôr chapéus representativos de

    movimentos populares, segurar crianças no colo, representando um governo muito

    próximo do povo que o elegeu.

  • A esse respeito, Cavalcanti (op. cit.:51) afirma:

    Está ficando cada vez mais evidente que o presidente desempenha seu cargocomo personagem de marketing. E que o exercício de marketing, comorecurso da presidência, é praticado com cálculo. Presidente e personagem serevezam, refletindo um ao outro, com igual profissionalismo. O carisma dopresidente tende a se tornar símbolo político, podendo ajudar a viabilidade dogoverno.

    Lula em uma entrevista à Veja, quando ainda era candidato, afirma que:

    O grande mérito do Duda Mendonça foi mostrar o Lula como realmente oLula é. O Lula carrancudo e bravo era uma invenção nossa, minha e dacúpula do PT. A gente achava que tinha de ser assim. Depois de 22 anos,Duda foi o primeiro sujeito a nos dizer: é preciso colocar a família do Lula natelevisão, mostrar que ele é casado, tem mulher e filhos, conta piada, brinca.

    Essa imagem de homem carismático e autêntico, preocupado com as causasnacionais, foi construída pela mídia e apresentada ao povo brasileiro, nos debates e na

    forma de entrevista com os jornalistas durante a campanha e até durante sua posse como

    presidente. Outra característica ressaltada pelos meios de comunicação é a de homem

    ligado à família. Sua esposa, Marisa Letícia, está sempre presente às cerimônias ou em

    viagens, tentando mostrar a família e a segurança de um governo. São símbolos que

    Lula transmite por meio da mídia e que, inconscientemente, são aceitos pelos

    brasileiros.

    Além das mudanças físicas e comportamentais, mudou-se, principalmente, o

    discurso, como já mencionamos. Toda a estrutura que foi construída e alimentada pela

    oposição transformou-se em um discurso moderado, que deseja modificar a estrutura

    presente, mas sem radicalismos.

    Rubim (2003: 55) explica que a construção da imagem de Lula mudou para

    ganhar a eleição e consolidar seu governo:

    A construção da imagem “Lulinha paz e amor”, em verdade, traduz oenfrentamento e a superação de duas dimensões da imagem – aproximadas,mas distintas – de um Lula radical. De um lado, a radicalidade de Luladerivava de uma postura agressiva, crítica, negativa, destrutiva, intransigente,oposicionista etc. (...) Depois de eleito, Lula cativou e tranqüilizou o país.Mostrou carisma, maturidade, moderação, paciência, tolerância e humildade.

  • A marca “Lulinha paz e amor” passou a ser um elemento importante tanto na

    eleição de 2002 quanto como presidente. O carisma e a autenticidade são reforçados

    pelo marketing no momento em que o presidente se mostra como mais um do povo,

    identificando-se com ele.

    Cavalcanti (op. cit.: 52) enumera três características para alimentar o carisma do

    presidente, o primeiro deles está relacionada com a manutenção dos compromissos de

    campanha, principalmente na área social (ex.: “Programa Fome Zero); o segundo é a

    relação entre o presidente o povo, quer dizer, a troca de afeto, colocar bonés e camisetas

    dos movimentos, dar autógrafos etc.; o terceiro está na forma informal de se comportar,

    indo contra as recomendações de segurança e, portanto, desmoralizando o poder

    presidencial.

    Para Cavalcanti (op. cit.), essas características com um bom trabalho de

    marketing fazem do presidente uma pessoa carismática, autêntica, sorridente, bem

    humorada. Esse trabalho agrega ao perfil de Lula características que reforcem a imagem

    de administrador competente.

    Cavalcanti (op. cit.:55) afirma ainda que

    reforçar sua imagem de gestor significa acentuar atuação que o certifiquecomo administrador apto a tomar decisões de governo. O objetivo final podeser transformá-lo em símbolo de pacificação social.

    O carisma e a autenticidade de Lula são mostrados pela mídia com insistência.

    Rubim (op. cit.: 55), analisando uma entrevista de Duda Mendonça, diz:

    A construção da imagem da imagem não foi um mero produto de marketing(...) a conversão da política do partido dos Trabalhadores e da imagem deLula foi, em verdade, um processo longamente vivenciado, formulado econstruído, em termos políticos e de mídia, nos últimos anos pelasexperiências políticas e administrativas do partido e pela liderança do grupohegemônico no PT. Não foi algo meramente eleitoral ou mesmo algumainvenção genial de marketing de Duda Mendonça.

    Lula tem um carisma, uma forma especial de tratar as pessoas, que é moldado e

    aproveitado pela mídia.

  • Os discursos podem comover alguns grupos, mas a base aliada não acredita mais

    nessas estratégias discursivas. Muitos partidos que o ajudaram a vencer as eleições

    voltaram a ser oposição ao governo, como por exemplo, PC do B, PDT e os radicais

    petistas. Da mesma forma, Verón (2003:40) acrescenta:

    Os atores sociais (nesse caso, os atores políticos) devem aprender a operarsob as novas condições. Nos últimos vinte anos, os atores políticos têmaprendido muito sobre os meios de comunicação. Tudo pareceria indicar queLuiz Inácio Lula da Silva constitui um caso exemplar. Mas além do acesso àfunção presidencial (condição indispensável), a viabilidade de seu projetoeconômico e político para o Brasil não depende dessa aprendizagem. QueLula cumprirá (ou não) um papel fundamental na história política do Brasil, éuma questão aberta.

    A responsabilidade de Lula como ator político, em que a mídia ora apresenta

    como sua maior aliada, ora, como sua maior inimiga, reflete as condições necessárias

    para apresentar ao público um modelo de homem carismático e autêntico que envolve

    multidões.

    Mendes (2004:161) acredita que o governo Lula cria um ambiente de interação

    com a população, ao afirmar que

    são essas as expectativas do enorme estrato de população que, pela primeiravez, se vê no poder e em condições interativas com o governante. Suavigência especialíssima faz-se, ao mesmo tempo, da rememoraçãogratificante a cada momento, da investidura de Lula e dos lances em que otônus da adesão se faz pela contínua reiteração da identidade (...).

    A utilização da identidade como elemento de construção de uma imagem faz

    com que Lula consiga participar de vários ambientes, tanto no Fórum Social quanto no

    Fórum Econômico, além de ser aceito como um presidente diferente dos demais.

    Mendes (op. cit.:188), a esse respeito, acrescenta:

    É o Lula, pois, de festa em festa que atrapalha o protocolo, rompe as fitas ouo giz de marcações do protocolo das inaugurações governamentais, nossismógrafos da desordem positiva, que cresce em momento de mau augúriopara a performance política eleitoreira que lhe votam as eternas cassandras deplantão.

  • Apesar de todo o marketing político em torno da imagem de Lula, opõe-se à

    figura de homem carismático e autêntico, a figura de um homem que não sabe se

    comportar em situações de crise, escondendo-se nas situações mais críticas de sua

    administração.

    O problema está na história desse governo que, para Villa (2005)7, tem um papel

    importante na história da política brasileira. O autor afirma ainda:

    A história do PT incomoda o PT. Enquanto os velhos militantes abandonam opartido, os oportunistas preenchem com avidez as fichas de filiação. Nãoprecisam mais de história ou de qualquer justificativa ideológica. A adesão épragmática: quer cargos, poder e, se possível, algumas sinecuras.

    A construção da imagem de um presidente, identificado com o povo está se

    ruindo com os problemas governamentais, nas difíceis alianças e principalmente nos

    projetos sociais que não se desenvolvem. O governo fica sem opções. Mostrar

    realizações que estão no papel ou que não se desenvolveram traz um desconforto para

    um partido que pregava mudanças. Para Mendes (op. cit.: 79)

    A conduta de Lula mergulha na festa do encontro no mesmo plano, semprede presidente e povo, de troca de efusões, de nivelação absoluta, em que aforça do “nós”, do coletivo, impacta no instante em que congrega e faz decada circunstante um conviva do poder e, a fortiori, um entendedor do que sepassa, na festa da cumplicidade e da passagem do anel da confiança.

    Esse autor ressalta a confiança que o povo depositou em Lula quando este faz

    um discurso, ou na esperança de melhoria das condições sociais. Mendes (op. cit.: 80)

    ainda afirma:

    O primeiro ano mostrou esse capital trazido ao próprio inconsciente coletivodo país, que aflui ao apoio presidencial sem precisar recorrer a umajustificação consciente do porquê se espera. É ganho implicitamentecreditado ao protagonismo de Lula, nascido do piquete, da porta da fábrica,da algaravia das reuniões operárias, passadas às caravanas e à repetição dastentativas de chegada ao Planalto.

    O carisma e a autenticidade conseguidos nesse momento transformaram o

    presidente em um homem “intocável”, acima de qualquer crítica. Para Mendes (op. cit.),

    Lula construiu muito mais do que um personagem, construiu um símbolo que se

    identifica constantemente com seu público.

    7 Marcos Antonio Villa, O PT e uma outra história. Folha de S. Paulo, Tendência / Debates, 22 mar. 05,A3.

  • No próximo capítulo enfocaremos as dimensões da metáfora, partindo de um

    estudo do ato de persuadir no discurso político e analisaremos a linguagem metafórica,

    presente no cotidiano. Antes, no entanto, será discutido de forma sucinta sobre

    conceitos discursivos, como persuasão e convencimento, pertinentes e esse trabalho.

    Apresentaremos um estudo da metáfora em sua concepção cognitiva. A ênfase da

    pesquisa recai sobre esse paradigma lingüístico.

  • _____CAPÍTULO 2_____________________________________________________

    Metáfora: breves considerações teóricas

    A metáfora é o poder de redescrever a realidade,

    segundo uma pluralidade de modos do discurso.

    Paul Ricoeur

    O objetivo deste capítulo é mostrar a construção do discurso político, a ação de

    persuadir o público, para tanto, utiliza-se o estudo de Perleman & Olbrechts-Tyteca

    (1996) para respaldar nosso estudo.

    Esse capítulo também apresenta um estudo acerca da metáfora teorizada em uma

    abordagem cognitiva, de acordo com posicionamentos de, entre outros autores, Kneipp

    (1990), Lakoff (1993) e Lakoff & Johnson (2002). Nesse paradigma lingüístico, a

    linguagem metafórica deixa a periferia ornamental do discurso literário, para adquirir

    um papel importante na conceptualização humana. A metáfora, então, é estudada em

    todos os tipos de discurso, posto que faz parte da linguagem cotidiana.

    Lakoff 8 (1993:216) afirma que “a Metáfora, na visão tradicional, era admitida

    ser uma questão da fala, não do pensamento”.

    Uma nova visão é desenvolvida em estudo feito por Lakoff & Johnson (2002)

    em que estes analisam as construções metafóricas feitas pelas pessoas em seu dia-a-dia.

    Este trabalho nos leva a analisar que nosso sistema conceptual cria constantemente

    metáforas para explicar ou representar a realidade.

    Devemos, portanto, olhar a figura em textos diferentes, como, por exemplo, o

    publicitário ou o jornalístico e até em discurso político para mostrar as freqüentes

    utilizações desse recurso para persuadir ou simplesmente para chocar o público.

    8 Metaphor, in the traditional view, was supposed to be a matter of speech, not thought.

  • 2.1 Discurso político: uma visão da analise do discurso

    O presidente da República, Lula, no tocante à construção de seus discursos

    institucionais se mantém constantemente assessorado, no entanto, algumas vezes ele lê

    os textos feitos por assessores e outras, improvisa ou, ainda, utiliza simultaneamente os

    dois tipos de discurso, falando primeiro algumas palavras improvisadas para depois ler

    o texto pronto.

    Retiramos trechos de improviso do discurso feito no Fórum Social realizado no

    dia 24/01/2004, em Porto Alegre –RS, que comprovam essa afirmação acerca do

    discurso espontâneo:

    ■ Será que seria pedir demais, para que os nossos companheiros enrolassemas suas bandeiras só uns dez minutos, para que a gente possa ver as pessoasde trás e as de trás possam ver a gente? (discurso, 24/01/2003).

    ■ (...) aqueles que não entenderem as minhas palavras, e são pessoas queacreditam no Fórum Social Mundial, olhem nos meus olhos, que vãoentender cada palavra que eu falar. (discurso, 24/01/2003).

    Os discursos políticos têm o objetivo de persuasão do auditório. E uma das

    estratégias utilizadas para se alcançar esse objetivo é a construção de uma imagem

    capaz de criar uma identidade com um ou mais grupos que, conseqüentemente, irão

    aderir a esse discurso e agir de acordo com ele. Por esse motivo, o discurso espontâneo

    feito por Lula possibilita que ele note as reações dos ouvintes e, assim, formule frases

    de efeito que o ajude a seduzir o seu público.

    Entende-se, aqui, que a linguagem está marcada pela interação entre o

    componente histórico e social, ou seja, a concretização do enunciado é determinada

    pela situação de enunciação.

    Os discursos dos políticos, de forma geral, desenvolvem temas específicos,

    abordando assuntos atuais e reflexões do governo acerca de assuntos relevantes no

    âmbito nacional. É, portanto, na relação entre língua e ideologia que o discurso político

    se insere. Ideologia, de acordo com Brandão (1995:27), pode ser entendida como a

    fusão de uma visão, uma concepção de mundo de uma determinada comunidade social

    numa determinada circunstância histórica e como uma ferramenta utilizada para ditar

  • um padrão de valores e idéias. Ou seja, enquanto a primeira noção, mais ampla,

    permanece como uma “fonte” de onde se extraem os elementos para representar a

    realidade, ainda que se faça essa busca inconscientemente, a segunda, mais restrita, é

    utilizada para modelar a realidade, em outras palavras, de maneira consciente são

    selecionados e ocultados dados que delimitam o alcance de visão do mundo.

    No caso dos discursos políticos, tende-se mostrar uma hegemonia de uma única

    representação do mundo, portanto, Lula, nos dizeres de Cavalcanti (op. cit: 72),

    apresenta um “metadiscurso”, pois “o que ele parece buscar é discurso único com

    códigos sociais que sejam decifrados em todos os ambientes políticos”. Esse caráter

    único pode justificar-se pela necessidade de se impor um determinado ponto de vista,

    isto que dizer, que essa visão implica em influenciar o outro por meio do discurso.

    Todo discurso, quer se apresente explicitamente ou não, é persuasivo, portanto, a

    argumentação visa influenciar o outro a aderir a certas teses. A adesão que provém da

    aceitação do ponto de vista do outro.

    Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996:50), a esse respeito, diz que

    uma argumentação eficaz é a que consegue aumentar essa intensidade deadesão, de forma que se desencadeie nos ouvintes a ação pretendida (açãopositiva ou abstenção) ou, pelo menos, crie neles uma disposição para ação,que se manifestará no momento oportuno.

    Quando a ação que se pretende ver no auditório impõe-se à lógica da adesão,

    diz-se que o locutor pretende persuadir o auditório e não apenas convencê-lo, pois o

    convencimento não leva, necessariamente, à ação. É possível aceitar, convencer-se de

    uma tese sem adotá-la. Assim, mesmo que a linha que separe os conceitos de persuadir

    e convencer seja muito tênue, estabeleceu-se que o ato de persuadir desencadeia uma

    reação mais forte no auditório do que o de convencer. Outra diferença, também inserida

    em um campo muito frágil, é que a argumentação persuasiva estaria voltada para um

    auditório restrito, particular, enquanto que o convencer tem em seu horizonte todos os

    seres racionais.

    Novamente, auditório surge como elemento essencial e, de acordo com a Nova

    Retórica, a argumentação pode ocorrer com um auditório universal, perante um único

    ouvinte ou como uma deliberação consigo mesmo.

  • O auditório universal é entendido como a reunião de grupos heterogêneos que

    compartilham de algumas opiniões e estão incluídos no público que se visa atingir. Ao

    se dirigir a um auditório universal, o locutor precisa selecionar argumentos e apoiar-se

    em teses que não violentem as crenças dos grupos. A argumentação deve levar o

    auditório a crer em suas provas como se elas estivessem isentas do toque do tempo e da

    história. A constituição, no entanto, desse auditório varia e se forma para cada indivíduo

    no alcance do conhecimento que esse tem de seus semelhantes.

    A argumentação perante um único ouvinte pretende, através do diálogo, o

    entendimento dos interlocutores sobre um determinado problema, após o consenso e a

    adesão de ambos às provas apresentadas. O acordo e a busca conjunta da melhor

    solução seriam a base dessa argumentação. Verifica-se, entretanto, que esse interlocutor

    único, freqüentemente, é a representação de um auditório particular (quando não de um

    auditório universal). O locutor disponibiliza os recursos argumentativos à medida que

    vê no interlocutor escolhido a encarnação de um determinado grupo. Como a maioria

    dos diálogos presente no cotidiano são marcados pela persuasão e pelo objetivo de Ter

    uma tese aceita pelo outro, o diálogo como a busca de uma “verdade comum” é

    considerado raro. (cf. Perelman & Olbrechts-Tyteca, p.45)

    Embora a persuasão balize grande parte dos diálogos, há espaço para as

    concessões e intervenções do interlocutor e quando não há, passa-se para o campo do

    debate. Nesse caso, cada interlocutor está convencido de sua tese e não cogita a

    possibilidade de outorgar as provas alheias. No debate, a preocupação dos interlocutores

    restringe-se a aventar apenas os argumentos que possam garantir o triunfo da tese

    defendida, trazendo à tona os argumentos contrários apenas para refutá-los ou restringir

    os seus efeitos.

    O último caso de auditório a ser abordado é a deliberação consigo mesmo. A

    princípio, a deliberação íntima consiste no desfile, perante os olhos do sujeito, de todos

    os argumentos suscitados por uma tese, favoráveis ou não, permitindo-lhe, então decidir

    a melhor posição a adotar. Sem abandonar essa idéia, considera-se, também, a

    deliberação interior como um tipo particular de argumentação, pois o convencimento

    íntimo elabora-se a partir do exame da argumentação que é dirigida ao outro.

    Ao examinar o outro como elemento fundamental da argumentação e entendê-la

    como um espaço privilegiado de (des)acordo entre duas ou mais vozes (nesse sentido é

  • possível compreender todo discurso como argumentativo), constata-se o caráter

    dialógico assumido pela argumentação.

    Dialogicidade que se verifica na influência do contra-discurso na construção do

    sentido e no entendimento do processo argumentativo como a relação, de modo

    polêmico ou cooperativo, dos argumentos e contra-argumentos.

    A dialogicidade aparece independentemente da direção par a qual se olhe. Ela

    pode ser observada através da interdiscursividade, das relações polêmicas ou não,

    estabelecidas entre as formações discursivas, do auditório e, também, por meio dos

    leitores desse discurso, já que eles exercem, segundo Brandão (1997:287), “uma

    atividade cooperativa de recriação do que é omitido, de preenchimento de lacunas, de

    desvendamento do que se oculta no tecido textual”. Assim, o outro surge, influenciando

    o discurso e o processo de construção de sentido.

    As estratégias persuasiva são utilizadas para se alcançar uma imagem capaz de

    criar uma identidade com um ou mais grupos que, consequentemente, irão aderir a esses

    discursos e agir de acordo com ele.

    2.2 Metáfora cognitiva

    A partir da década de 70 e década de 80, estudos na Psicologia Cognitiva, na

    Lingüística e na Filosofia contestaram o objetivismo e sua valorização da razão, abrindo

    espaço para a metáfora na ciência, o que, até então, era evitado.

    A metáfora é revista, deixa, portanto, de ser analisada somente como um recurso

    de fazer poético ou retórico, e passa a ser analisada como enunciados metafóricos, mais

    do que fenômenos de linguagem, fazem parte do pensamento e de ação de cada

    indivíduo. Logo, o sistema conceptual humano, em termos do que se pensa e age, é

    fundamentalmente metafórico.

  • Reddy (1979) analisa os enunciados lingüísticos sobre o conceito de linguagem,

    para observar como os indivíduos falam sobre esse tema e como a boa dicção ajudaria

    na transmissão e recebimento da informação. Com a pesquisa, esse autor observou

    como a função da linguagem poderia ser representada como um canal, transferindo

    pensamentos e sentimentos humanos da mesma maneira que foi recebido.

    A transmissão da mensagem, de acordo com sua teoria – conhecida como

    “metáfora do canal” - dá-se em quatro etapas:

    (...) (1) a língua funciona como um canal, transferindo pensamentoscompletos de uma pessoa para outra; (2) escrevendo ou falando, as pessoasinserem seus pensamentos ou sentimentos em palavras; (3) as palavras estãoaptas a fazer a transferência, contendo pensamentos ou sentimentos ecarregando-os para os outros e (4) ouvindo ou lendo as pessoas extraem ospensamentos ou sentimentos mais uma vez das palavras.9 (Reddy, 1979:170)

    Para esse autor, a linguagem é estruturada pela seguinte metáfora complexa:

    idéias são objetos, expressões lingüísticas são recipientes e a comunicação é o envio. O

    falante, portanto, coloca idéias (objetos) em palavras (recipientes) e as envia (por um

    canal) ao ouvinte ou leitor.

    Lakoff & Johnson (2002: 55), observando o estudo de Reddy ( 1979), dizem:

    Em primeiro lugar, uma das partes da metáfora do canal, isto é,EXPRESSÕES LINGÜÍSTICAS SÃO RECIPIENTES DE SIGNIFICADOS,implica que palavras e sentenças tenham significado em si mesmas,independentemente de qualquer contexto ou falante. Um outro aspecto dessametáfora, ou seja, SIGNIFICADOS SÃO OBJETOS, implica quesignificados tenham uma existência independente de pessoas e contextos. Aparte da metáfora EXPRESSÕES LINGÜÍSTICAS SÃO RECIPIENTES DESIGNIFICADOS implica que palavras (e sentenças tenham significadostambém independentes de contextos e falantes.

    O início dos estudos de Lakoff & Johnson (2002:52) partiram da teoria de Reddy

    (1979) “Metáfora do Canal”, cujo destaque se dá a linguagem, como veículo do

    pensamento, pois, para esse último, os enunciados lingüísticos têm significados

    9 (1) language functions like a conduit, transferring thoughts bodily from one person to another; (2) inwriting and speaking, people insert heir thoughts or felings in the words; (3) words accomplish thetransfer by containing the thoughts or feelings and converying them to others, and (4) in listening orreading, people extract the thoughts once again from the words.

  • independentes do contexto e dos falantes, mas, fazem parte do modo como expressamos

    o conceito de linguagem.

    Lakoff & Johnson (2002), com base nesses estudos, descobriram as metáforas

    conceptuais, pois, a essência da metáfora é entender e experienciar um tipo de coisa em

    termos de outro. Mais do que isso, para esses autores (op. cit.:15)) nós “compreendemos

    o mundo por meio de metáforas, pois muitos conceitos básicos, como tempo,

    quantidade, estado, ação etc., além de conceitos emocionais, como amor e raiva, são

    compreendidos metaforicamente”. Portanto, a metáfora está diretamente relacionada

    com a nossa compreensão de mundo, da cultura e de nós mesmos.

    Os autores perceberam que a linguagem refletia o pensamento do indivíduo,

    mostrando a forma de ele pensar e agir, portanto, sobre o mundo. Nesse sentido, as

    pesquisas de Reddy (1979) são relevantes, posto que são precursoras, abrindo caminho

    para a pesquisa das metáforas conceptuais. Ainda, segundo Lakoff (1993), a metáfora,

    por participar do sistema conceptual, possibilita a compreensão de determinados

    conceitos mais abstratos por meio de conceitos mais concretos no nosso dia-a-dia.

    De fato, nos últimos 30 anos, o papel da metáfora vem sendo reconhecido como

    central na área da cognição, tendo se tornado objeto de intensa pesquisa. No Brasil, por

    exemplo, desde o início dos anos 90, o grupo GEIM (Grupo de Estudos de

    Indeterminação e da Metáfora em Lingüística Aplicada), vinculado à PUC-SP, tem se

    concentrado na pesquisa do valor cognitivo da metáfora e da sua compreensão na

    linguagem escrita e/ou no discurso oral, além das pesquisas sobre o seu aspecto

    indeterminado.

    Em 1980, Lakoff & Johnson observaram que as metáforas convencionais, isto é,

    aquelas que se constroem cotidianamente, possibilitam ao indivíduos organizar certos

    conceitos por meio de analogias e transferências de características de um domínio mais

    estabilizado pela experiência para um domínio menos estável. Haveria, para esses

    autores, metáforas operando no nível conceptual e funcionando como base para a

    compreensão de conceitos complexos e abstratos.

    Os autores oferecem diversos exemplos de conceitos metafóricos que funcionam

    de modo a estruturar nosso pensamento a respeito de entidades abstratas, com as quais

    teríamos dificuldade de lidar, principalmente, dificuldade de manipular por meio da

    linguagem.

  • Sintetizando essa teoria, no novo paradigma, temos que a metáfora não se

    resume a algumas palavras ou expressões lingüísticas, mas a um conceito que forma

    nosso sistema conceptual pelo qual compreendemos o mundo à nossa volta. Lakoff10

    (1993: 208-209) explica:

    A metáfora não é apenas uma questão de linguagem, mas de pensamento erazão. A linguagem é secundária. O mapeamento é primário, pelo fato de quesanciona o uso da linguagem do domínio fonte e os padrões de inferênciapara os conceitos do domínio alvo. O mapeamento é convencional, isto é, éuma parte fixa de nosso sistema conceptual (...)

    Essa visão de metáfora está totalmente em oposição com a visão de que asmetáforas são apenas expressões lingüísticas. (...)

    Deve-se observar que os teóricos contemporâneos da metáfora comumenteusam o termo “metáfora” para se referir ao mapeamento conceptual, e otermo “expressão metafórica” para se referir a uma expressão lingüísticaindividual. (...)

    Adotamos essa terminologia pelo seguinte motivo: a Metáfora, como umfenômeno, envolve tanto os mapeamentos conceptuais como as expressõeslingüísticas individuais. É importante mantê-las distintas.

    Conforme Lakoff (op. cit.: 245), “nosso sistema conceptual é central para a

    compreensão de nossa experiência e para a maneira com que agimos em relação a

    nossa compreensão”11. Esclarece, também, que ele se concentra em estudar os

    mapeamentos metafóricos que são primários, por isso usa o termo metáfora para se

    referir ao conceito metafórico e não à expressão lingüística.

    Lakoff trata a metáfora em um sentido mais amplo, ou seja, a metáfora deve ser

    entendida como um mapeamento de um domínio fonte para um domínio alvo em que há

    correspondências ontológicas e epistemológicas. O papel das palavras está apenas em

    evocar esquemas, funcionando como pistas (prompts) no mapeamento para outro no

    nível conceptual. (cf. 206-207)

    10The metaphor is not just a matter of language, but of thought and reason. The language is secondary.The mapping is primary, in that it sanctions the use of source domain language and inference patterns fortarget domain concepts. The mapping is conventional, that is, it is a fixed part of our conceptual system...This view of metaphor is thoroughly at odds with the view that metaphors are just linguisticexpressions.(...)it should be noted that contemporary metaphor teorists commonlyuse the term“metaphor” to refer to the conceptual mapping, and the term “metaphorical expression” to refer to naindividual linguistic expression.(...)We have adopted this terminology for the following reason: Metaphor, as a phenomenon, involves bothconceptual mappings and individual linguistic expressions. It is important to keep them distinct.11Our metaphor sistem is central to our understanding of experience and to the way we act on thatunderstaing.

  • Para facilitar a compreensão desse tipo de mapeamento, Lakoff & Johnson (op.

    cit.) adotaram a nomenclatura A É B, na qual A é o domínio fonte e B é domínio alvo,

    explicando as correspondências presentes no sistema conceptual da metáfora. Um de

    seus exemplos clássicos é DISCUSSÃO É GUERRA, sendo essa metáfora conceptual

    expressa por meio de metáforas lingüísticas, tais como “Ele atacou cada ponto fraco de

    minha argumentação” ou “Suas críticas foram direto no alvo”.

    Assim, usando essa nomenclatura, a metáfora se refere ao conjunto de

    correspondências existente entre os domínios, ou seja, a um mapeamento. Na verdade,

    podemos dizer que a metáfora é o caminho pelo qual podemos explicar ou compreender

    uma área menos conhecida de nossa experiência em termos de outra mais conhecida.

    Os termos menos conhecidos, normalmente, são elementos abstratos que temos

    dificuldade de definir. Portanto, no momento em que os concretizamos ou os

    associamos a elementos concretos, isso nos ajuda a compreender essas formas e

    exemplificá-las, se necessário.

    Lakoff e Johnson (op. cit:53) também afirmam que a própria sistematicidade

    que nos permite compreender um aspecto de um conceito em termos de outro

    necessariamente encobrirá outros aspectos desse conceito. Portanto, a focalização de

    uma característica determinada impede que possamos visualizar outros aspectos, ou

    porque não tem consistência ou porque não nos interessam, em uma determinada

    situação contextual.

    Lakoff & Johnson (op. cit.) apontam três tipos de conceitos metafóricos: as

    metáforas orientacionais, metáforas ontológicas e as metáforas estruturais.

    As metáforas orientacionais estão fundamentadas na noção de orientação

    espacial, que têm como base a relação dos nossos corpos com o meio físico que

    experienciamos. Essas metáforas organizam sistemas de conceitos, relacionando-se uns

    aos outros.

    Para exemplificar esse conceito, utilizamos o sistema organizado com base

    orientacional que pode ser encontrado na seguinte posição: FELIZ É PARA CIMA,

    TRISTE É PARA BAIXO, que, por sua vez, se manifesta em expressões da fala

    cotidiana tais como “estou me sentindo para cima”, “meu astral subiu” ou “Você está

    de alto astral”. (Cf. Lakoff & Johnson, 2002: 60).

  • O conceito metafórico orientacional tem como base nossa experiência com o

    corpo ereto, demonstrando bom estado físico e boa disposição, enquanto a postura

    inclinada do corpo demonstra tristeza, ausência de disposição.

    A partir desse tipo de organização sistemática fundamentada na orientação

    espacial, é possível perceber uma série de outras posições manifestadas na linguagem

    cotidiana através de metáforas ilustradas pelos seguintes exemplos retirados de Lakoff e

    Johnson (2002: 60/64):

    VIRTUDE É PARA CIMA, DEPRAVAÇÃO É PARA BAIXO.

    Ele é um homem de espírito elevado

    Ela é uma cidadã de alto nível

    Ele caiu num abismo de depravação

    Foi um golpe baixo.

    Podemos notar nesses exemplos uma rede de conexões que liga todo um sistema,

    associando atitudes e sentimentos positivos à posição elevada, ao mesmo tempo em que

    atitudes e sentimentos negativos são associados à posição inclinada ou baixa.

    Para Lakoff & Johnson (2002:72), os “ nossos valores não são independentes,

    mas devem formar um sistema coerente com os conceitos metafóricos que orientam

    nossa vida cotidiana”. Portanto, a nossa situação emocional ou econômica estão

    relacionadas com a maneira como falamos sobre esses assuntos.

    É preciso considerar que, embora essa organização tenha uma base física, ela é

    também determinada por aspectos sócio-culturais, o que pode levar, num dado

    momento, a inverter algumas dessas posições que foram exemplificadas acima. Além

    disso, devemos reconhecer que essa organização varia de cultura para cultura e pode

    alterar-se dentro de uma mesma cultura em grupos diferentes ou em épocas diferentes.

    Desse modo, na sociedade ocidental, desenvolveu-se em geral a noção de que

    mais sempre é melhor e menos sempre é pior e, assim, ganhar mais é melhor, viver mais

    é melhor etc. Entretanto, há situações em que, para manter a coerência local interna, é

    necessária a inversão dessa relação quando, por exemplo, em caso de doença ou

    acidente, mais dor é pior, enquanto menos dor é melhor.

  • Muitas vez, não percebemos as construções metafóricas no nosso cotidiano, mas

    agimos de maneira que alguns conceitos como saúde, riqueza, felicidade estejam

    sempre sinalizando para cima enquanto conceitos como doença, pobreza, tristeza

    apontam para baixo. Pontes (1990), sobre esse assunto, afirma ainda que as metáforas,

    por estarem incorporadas ao nosso dia-a-dia, esquecemos que os enunciados são

    construções metafóricas. Por esse motivo, criamos metáforas sem perceber que o

    estamos fazendo. Os enunciados estão relacionados nas posições “para cima”, “para

    dentro”, “para fora”, “para baixo”, isso depende de como queremos descrever

    determinado elemento e a posição que ele está em relação a nós.

    Desse modo, Lakoff & Johnson (2002) reconhecem o papel da experiência com

    o corpo humano e com o meio na estruturação do sistema conceptual. Entendendo que a

    metáfora tende a se estabelecer em um movimento que parte do concreto para o

    abstrato, os autores afirmam ainda:

    (...) a estrutura dos nossos conceitos espaciais emerge da nossa constanteexperiência espacial, isto é, da nossa interação com o ambiente físico.Conceitos que emergem dessa maneira são conceitos que vivemos da maneiramais fundamental. (p. 128)

    As experiências relacionadas ao corpo e as estruturas de imaginação seriam,

    portanto, expandidas e elaboradas em outras estruturas abstratas e em padrões de

    pensamento, portanto as construções metafóricas não são arbitrárias, elas pertencem a

    nossa experiência física e cultural.

    Outro grupo de conceito metafórico focalizado por Lakoff & Johnson (op. cit.) é

    o das metáforas ontológicas, construídas com base na nossa experiência com objetos e

    substâncias físicas. Para Lakoff & Johnson (op. cit.), esse tipo de metáfora nos mostra

    como descrevemos as nossas experiências por meio de objetos e substâncias,

    permitindo, assim, selecionar partes de nossa experiências de uma espécie uniforme e

    caracterizá-las como um objeto, uma entidade ou substância, para facilitar a

    categorização ou a quantificação e dessa maneira pensar sobre elas.

    Com base nesses conceitos, nossas emoções podem ser tratadas como objetos,

    substâncias e mesmo entidades concretas e, assim, podemos expressá-las por meio de

  • palavras. Como resultado desse raciocínio, os autores tratam a personificação como um

    tipo de metáfora ontológica.

    Também estruturados na base física estão os conceitos que os autores chamam

    de metáforas recipientes. Essas metáforas são construídas com apoio em nossa

    experiência básica, que determina um comportamento instintivo facilmente detectado

    em todos os animais, não apenas no homem: a delimitação do território. No exemplo: os

    pesquisadores estão dentro da mata, o enunciado nos mostra que delimitamos um

    território, no caso a mata e que os pesquisadores estão “dentro” de um determinado

    ambiente.

    Desse modo, um conceito abstrato pode ser entendido como uma substância

    física, que tem fronteiras, e essa substância pode ser vista como um recipiente, dentro

    do qual podem ser organizados os elementos relativos à experiência com esse conceito.

    Outro tipo de metáfora ontológica é a personificação que permite dar

    características humanas a objetos abstratos ou inanimados. No caso desse tipo de

    metáfora, as experiências, motivações, objetivos, ações e características podem ser

    atribuídas a objetos para explicar e facilitar o entendimento do interlocutor.

    Pontes (1990: 37) cita um exemplo sobre o TEMPO, que nos ajuda a entender

    como é feita a personificação.

    Eu colhi um exemplo interessante, por acaso, que ilustra esta concepção detempo como objeto que se desloca no espaço. Um colega meu, aflito numareunião do Departamento, desenhou uma ampulheta com asas, e mecomunicou: “O tempo voa”.

    Este exemplo mostra como descrevemos o “Tempo”, como sendo um elemento

    que “voa”, “anda”, “passa”, “corre”; depende do momento e do que queremos dizer com

    isso. O “tempo”, que é algo abstrato, passa a ser uma entidade que se assemelha a um

    pássaro ou mesmo a um ser humano, dependendo da relação que temos com ele.

    Lakoff & Johnson (op. cit.) também trabalham o tempo em reação ao dinheiro e

    mostram que nossa concepção de trabalho está muito ligada ao tempo, porque

    recebemos por horas trabalhadas, temos mesada, hora extra trabalhada. Todos esses

    exemplos reiteram uma relação direta entre dinheiro e tempo.

  • Os autores também afirmam que apesar de termos elementos que se ligam ao

    nosso cotidiano de forma tão singular, como “tempo é dinheiro”, não podemos devolver

    o tempo, dar troco. Portanto, há uma coerência no modo de se construir uma metáfora,

    só podemos entender a venda, a doação do tempo, mas nunca podemos ter a devolução

    do tempo como fazemos com o dinheiro.

    Pontes (1990: 36), por sua vez, explica que “orações parecem tão comuns no

    nosso cotidiano que achamos que não são metáforas. Nós entendemos realmente esses

    termos dessa forma”. Dessa forma, as construções metafóricas, como por exemplo

    “Tempo”, é um processo cognitivo que se inscreve na linguagem, deixando marcas que

    vão aos poucos cristalizando. No entanto, vale repetir que a linguagem, ao consolidar e

    reificar essas metáforas, determina uma maneira própria não só de falar mas também de

    agir sobre o mundo.

    Lakoff & Johnson (2002: 76) exemplificam a metáfora ontológica referindo-se à

    “Inflação”.

    INFLAÇÃO É UMA ENTIDADE:

    A inflação está abaixando o nosso padrão de vida.Se houver muito mais inflação, nós nunca sobreviveremos.Precisamos combater a inflação.A inflação está nos colocando em um beco sem saída.A inflação me deixa doente.Comprar terra é a melhor maneira de se lidar com a inflação.

    Lakoff & Johnson (op. cit.: 131) ainda afirmam

    que nós habitualmente concepetualizamos experiências não físicas em termosde experiências físicas – ou seja, conceptualizamos algo que não é claramentedelineado em termos de algo que é mais claramente delineado.

    Dessa maneira, podemos referir sobre algo abstrato, dando sentido, quantificá-lo,

    qualificá-lo e identificá-lo por meio das construções metafóricas, pois esse objeto

    abstrato passa a possuir características concretas que facilita a percepção ou explicação

    sobre ele.

    O terceiro tipo de conceito metafórico de que tratam Lakoff & Johnson (op. cit.)

    são as metáforas estruturais, ou seja, uma entidade qualquer, abstrata ou não, é

    compreendida em termos de outra, mais comum e mais facilmente manipulada graças às

    experiências concretas.

  • Essa relação é feita por meio de correspondências epistêmicas e ontológicas e,

    embora em Lakoff & Johnson (op. cit.) não faça referência à analogia, podemos dizer

    que essas correspondências são estabelecidas por meio de um processamento analógico

    entre os domínios conceptuais que foram aproximados; e são estruturados por meio de

    elementos discretos.

    Seguem abaixo alguns outros exemplos de metáforas estruturais utilizadas para o

    amor, representadas por Lakoff & Johnson (op. cit.), seguidas de exemplos de suas

    manifestações na linguagem.

    AMOR É GUERRA

    Ele é conhecido por suas inúmeras, rápidas conquistas.

    Ela lutou por ele, mas sua amante finalmente venceu.

    Esses exemplos nos mostram as correspondências epistêmicas como sendo o

    resultado de nosso conhecimento sobre os domínios conceptuais postos em relação.

    Portanto, se sabemos que uma guerra tem um objetivo, transferimos esse conhecimento

    para o domínio do amor e passamos a perceber um objetivo para o amor. Observa-se,

    portanto, que a metáfora apresenta um valor cognitivo também associado à experiência

    sócio-cultural do falante , pois permite a operacionalização de conceitos complexos, a

    respeito dos quais é difícil falar.

    Ainda com respeito à teoria de metáforas de Lakoff & Johnson (2002), é

    importante levar em conta o que esses autores afirmam a respeito da relação de

    implicação de metáforas.

    Os autores (op. cit.: 137) citam alguns exemplos da expressão DISCUSSÃO

    RACIONAL É GUERRA:

    DISCUSSÃO RACIONAL É GUERRA

    É plausível assumir que (intimidação)

    Seria não científico deixar de... (ameaça)

    Como Descartes mostrou (apelo à autoridade)

    Falta ao trabalho o necessário rigor para... (insulto)

  • Esses exemplos são formas de mostrar que o tom de voz e a maneira de

    argumentar estão relacionados com a guerra. Os interlocutores podem não perceber

    quando estão discutindo, mas ao mesmo tempo podem estar criando metáforas ou

    agindo como se a discussão fosse uma guerra e que cada argumento utilizado serve para

    ganhar espaço no território e vencer a batalha.

    Tanto metáforas convencionais quanto metáforas inovadoras têm implicações

    que pode ser expressas por meio de enunciados metafóricos ou não. Cada um desses

    enunciados podem também produzir novas implicações, desenvolvendo uma rede de

    conexões que pode ser expandida continuamente.

    Essa rede de implicações pode ser vista como um conjunto de reverberações

    produzidas pela metáfora, na medida em que ela ilumina certos traços de experiências

    ao mesmo tempo em que obscurece outros. Assim, diferentes metáforas revelam

    diferentes modos de ver a experiência. Por exemplo, a metáfora AMOR É LOCUCURA

    implica a falta de controle sobre a situação; já a metáfora AMOR É UMA OBRA DE

    ARTE COLABORATIVA, implica a necessidade de exercer uma atividade para

    controlar a situação e chegar a um resultado esteticamente agradável.

    Esses exemplos dão uma amostra da variedade de implicações que uma metáfora

    pode desencadear, principalmente uma metáfora que cria sentido novo ao estabelecer

    correspondências entre domínios que não são normalmente associados.

    Kneipp (1990:57) diz:

    Sustentam também esses autores (Lakoff e Johnson) que as metáforas nãotêm como base similaridades preexistentes, inerentes aos conceitos, mas quesão as próprias metáforas que criam essas semelhanças que, de outra maneira,não existiriam.

    Portanto, há uma assimetria de conceitos menos delineados e conceitos mais

    delineados, no caso, as construções metafóricas conseguem explicar os conceitos

    abstratos por meio de aspectos mais concretos, consequentemente, termos ligado a

    experiência humana são usados para explicar termos abstratos, que por sua vez, é difícil

    ser definido.

  • Kneipp, fundamentada em Lakoff & Johnson (2002), nos mostra a inflação

    como um inimigo, observando nos meios de comunicação a recorrência dessa metáfora.

    Argumenta ainda:

    (...) ocorrem metáforas recolhidas de jornais e revistas e que são comumenteusadas quando falamos da nossa experiência de aumentos constantes depreços, que, aliás, já sofre uma primeira metaforização ao conferirmos ostatus de uma entidade, no próprio momento em que a ela nos referimoscomo “a inflação”, (Kneipp 1990:59).

    Podemos analisar a Inflação como sendo uma metáfora orientacional quando

    observamos que quando a Inflação sobe é ruim e quando desce é boa. Ocorre, como

    Lakoff & Johnson (2002) salientam, uma coerência local interna.

    Esse exemplo pode ser comparado ao acidente ou doença, que, quanto menos

    grave o acidente ou doença, é melhor. A coerência se forma no nosso sistema

    conceptual para que no momento em que estamos falando sobre a Inflação, possamos

    compreender a gravidade do aumento.

    Podemos analisar também a Inflação como sendo uma metáfora ontológica e,

    como Kneipp observou, a Inflação passa a ser um inimigo que deve ser derrotado.

    Retiramos alguns exemplos:

    INFLAÇÃO É UM INIMIGO

    O controle à inflação.

    A vitória da inflação.

    A luta contra a inflação.

    O