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Eliza Mendes Martins de Moura
As representações metafóricas no Discurso Político do presidente Lula:
um estudo da metáfora cognitiva
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO2005
Eliza Mendes Martins de Moura
As representações metafóricas no Discurso Político do presidente Lula:
um estudo da metáfora cognitiva
Dissertação apresentada à Banca Examinadorada Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,como exigência parcial para obtenção do título deMestre em Língua Portuguesa, sob a orientaçãoda Profa. Dra. Ana Rosa Ferreira Dias.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO2005
BANCA EXAMINADORA:
Aos meus pais – Eliza e Antonio NiltonAos meus irmãos Beth e Nei,com todo carinho e apreço.
_____AGRADECIMENTOS______________________________________________
À Banca Examinadora:
Profª Drª Ana Rosa Ferreira Dias, minha prezada orientadora, pela dedicação constante,pelas leituras pertinentes da minha dissertação e pelo carinho no percurso dessetrabalho...
Profª Drª Dieli Vesaro Palma, pelo aprendizado, pelas sugestões de leitura e pelocarinho no percurso e no sorriso amigo...
Profª Drª Vera Lúcia Meira Magalhães pelo encontro no exame de qualificação, pelacolaboração no engrandecimento desse trabalho...
À coordenação e aos professores do Programa de pós-graduação em Língua Portuguesada Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em especial ao professor doutor DinoPreti, pelo aprendizado que ultrapassa os limites puramente acadêmicos e pela seriedadecom que conduz o seu ofício.
Aos amigos Celeste, Clodoaldo, Denise, Evelin, Gláucia, Letícia, Lílian, Lúcia,Luciana, Regina Helena, Silas, Silvana, Siomara, pelo convívio alegre e pela amizadesincera e despretensiosa.
Em especial, ao Adilson, pelo carinho constante, pelas leituras e pelo abraço amigo...
E, sobretudo, a Deus.
_____RESUMO_________________________________________________________
A presente pesquisa investigou a construção do sentido dos termos ‘governar’,
‘fome’, ‘Brasil’ no discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem sido visto
como uma forma de persuadir o público e facilitar a compreensão por meio de
analogias. Com o objetivo de compreender os fatores que levam a utilizar esse meio
para a argumentação, observamos o mapeamento da construção desse sentido no
discurso político.
Nossa assunção é que essa forma de argumentar parte das metáforas
GOVERNAR É PERCORRER UM CAMINHO, GOVERNAR É CONSTRUIR UM
EDIFÍCIO, GOVERNAR É JOGO E GOVERNAR É PLANTAR, ELIMINAR A
FOME É GUERRA, CABEÇA ERGUIDA É PARA CIMA e BRASIL É PESSOA.
Os dados foram analisados a partir de teorias da indeterminação do sentido
(Moura,1999, 2000, 2001) e da metáfora (Lakoff & Johnson, 2002, Lakoff, 1993, Gibbs
1994,1999). Com o resultado, a análise da construção do sentido de governar
procuramos responder a duas perguntas de pesquisa.
Contudo, a análise também permitiu observar, entre outros aspectos, que a
construção do sentido é limitada por fatores condicionantes do contexto e de possíveis
contextualizações.
_____ABSTRACT______________________________________________________
The purpose of this research is to analyze the speeches delivered by Brazilian President
Luiz Inácio Lula da Silva in order to observe the recurrent use of metaphors as well as
the enunciator’s intention of involving the audience. For such purpose, we have mapped
out the meaning construction at specific statements, investigating the role played by
metaphors. Our purpose is to show how the construction takes place – through the use
of metaphors – in the preparation of the President’s political speeches. We assume that
President Lula’ speeches are based on a set of metaphors such as KEEP YOUR CHIN
UP IS UP INDEED, FAMINE READICATION IS A WAR, TO GOVERN IS TO
FOLLOW A PATH, TO GOVERN IS TO SOW, TO GOVERN IS TO CONSTRUCT
A BUILDING, TO GOVERN IS TO PLAY, and BRAZIL AN INDIVIDUAL. Our
investigation into the use of metaphors has been based on de scope of cognitive
linguistics, in particular on the positions adopted by Lakoff and Johnson. In this sense,
the analysis has allowed us to realize that the meaning construction is limited by the
context restrictions and possible contextualization.
Keywords: political speech, political marketing, orientation metaphor, ontological
metaphor, and structural metaphor.
.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
(Carlos Drummond de Andrade)
_____SUMÁRIO________________________________________________________
INTRODUÇÃO.............................................................................................................01
CAPÍTULO 1
Lula: breve histórico de uma trajetória política...............................................05
1.1 Contexto histórico: trajetória política.....................................................06
1.2 Construção da imagem do presidente Lula: uma estratégia de marketing
político...............................................................................................................11
1.3 Carisma e autenticidade: símbolos da imagem do presidente..................15
CAPÍTULO 2
Metáfora e abusos metafóricos no discurso do presidente Lula......................21
2.1 Discurso político: uma visão da análise do discurso...................................22
2.2. Metáfora Cognitiva.....................................................................................25
CAPÍTULO 3
Usos e abusos metafóricos no discurso do presidente Lula..............................40
3.1 Análise.........................................................................................................40
3.2.1 Metáfora orientacional...................................................................43
3.2.2 Metáfora estrutural.........................................................................43
3.2.2.1 ELIMINAÇÃO DA FOME É GUERRA ............................49
3.2.2.1.1 Provérbio – uso da sabedoria popular..........................52
3.2.2.2 GOVERNAR É CONSTRUIR............................................55
3.2.2.3 GOVERNAR É PLANTAR................................................61
3.2.2.4 GOVERNAR É JOGAR FUTEBOL...................................65
3.2.3 Metáfora Ontológica......................................................................68
3.2.3.1 BRASIL É UMA PESSOA.................................................68
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................71
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................77
ANEXO 1 – QUADRO DE REFERÊNCIA (DATA)
ANEXO 2 – TEXTO NA ÍNTEGRA
_____INTRODUÇÃO___________________________________________________
Esta dissertação situa-se na área da Análise do Discurso e tem por tema o uso da
metáfora no discurso político do presidente da República: Luiz Inácio Lula da Silva1. O
nosso interesse pelo discurso político e pelas teorias acerca da metáfora levaram-nos a
pesquisar a utilização da metáfora nos textos proferidos por Lula.
Antes de verificarmos o objetivo específico dessa pesquisa, é necessário
esclarecer que a escolha do estudo do discurso político baseia-se não apenas no fato de
que ele esteja presente em nosso cotidiano, mas também porque se apresenta,
explicitamente, como um discurso argumentativo, em que a polêmica e a persuasão
estão fortemente marcadas. Desse modo, é possível, por meio da análise do discurso
político, constatar e compreender melhor como os discursos argumentativos se
articulam e, conseqüentemente, produzem determinados sentidos.
A compreensão do processo de articulação entre os discursos e a produção de
sentidos levam, por sua vez, a uma visão menos ingênua e superficial da linguagem, o
que possibilita a formação de um leitor mais crítico, capaz de interagir, produzir
sentidos e aceitar ou não os argumentos que lhe são expostos. De posse de um senso
mais crítico, esse leitor parte mais conscientemente para a ação, que, no caso do
discurso político, traduz-se principalmente no voto. Na atual circunstância política,
econômica e social em que se encontra nossa sociedade, é fundamental a formação de
leitores críticos que possam atuar de modo mais eficaz na construção de um país melhor
e mais justo.
Com a motivação de ao menos provocar uma reflexão no processo de leitura,
com o intuito de que essa se estenda ao campo da ação, torna-se necessária o estudo da
linguagem metafórica. Em nossa pesquisa, a metáfora é compreendida como
conceptualização, em uma perspectiva cognitiva. O nosso enfoque recai, em especial,
sobre esta abordagem, posto que o corpus de pesquisa possibilita observar a forma
como a linguagem metafórica está inserida na fala de um presidente. Esta perspectiva
1 De agora em diante citaremos somente Lula.
inscreve a metáfora como parte integrante da conceptualização humana e está inserida
em todo tipo de discurso, como o político, por exemplo.
Para Lakoff (1993), a metáfora faz parte do nosso sistema conceptual. Essa
forma de analisar a metáfora é considerada sob uma nova perspectiva paradigmática,
posto que antigamente a linguagem metafórica era estudada como um ornamento,
portanto, inerente ao texto literário. O autor entende que essa figura de linguagem, na
visão tradicional, era admitida ser uma matéria da fala, não do pensamento. Descobriu
com os estudos que a nossa forma de falar é também a forma como pensamos o mundo
e, portanto, o modo como agimos sobre o que está ao nosso redor.
Na visão tradicional, o estudo da metáfora circunscreve-se somente ao texto
literário, distinguindo o significado das palavras em sentido denotativo e conotativo,
bem como ressalta a construção das figuras de linguagem pertinentes à linguagem
literária, sem levar em consideração a realidade do falante.
Com os estudos recentes, contudo, a metáfora é analisada como um fenômeno
que envolve a construção de sentido na fala cotidiana, sendo classificada em três tipos:
estrutural, ontológica e orientacional. De forma geral, a metáfora passou a ser analisada
como um elemento cognitivo e social.
Muitos estudiosos da área da semântica e pragmática têm analisado esse
fenômeno, em especial, Lakoff & Johnson (2002), Zanotto (1995), Palma (1998), Black
(1992), Davidson (1992), Ricouer (2000), Cohen (1992), entre outros. Tais
pesquisadores desenvolvem estudos sob o novo paradigma, para mostrar que em nosso
cotidiano, formamos, sem perceber, metáforas. Subjacente ao conceito de
conceptualização metafórica, os estudiosos pregam a idéia de que pensamos
metaforicamente e, portanto, também agimos da mesma maneira.
Nesse contexto atual dos estudos sobre a metáfora, lançamos, então, os seguintes
problemas: em discursos presidenciais, especificamente do presidente Lula,
1. Qual é o papel da metáfora no discurso presidencial no que concerne à
construção de sentido?
2. Quais são os tipos de metáforas utilizadas em seus discursos?
Assim, propomo-nos a analisar os discursos do presidente Lula a fim de observar
a recorrência da utilização da metáfora na explicitação de seu programa político e do
intuito do enunciador de alcançar o envolvimento da platéia. Para tal, mapeamos a
construção de sentido em discursos selecionados, investigando o papel da metáfora. O
nosso objetivo é mostrar como se dá construção do sentido, via jogo metafórico, na
elaboração do dizer político do referido presidente. Para tanto, buscamos como
ancoragem teórica os estudos de Lakoff & Johnson (2002), por se configurarem
adequados para o presente estudo.
A fim de atendermos aos objetivos deste trabalho, selecionamos alguns discursos
proferidos pelo Presidente Lula entre o período de 01/01/2003 a 30/06/2003, portanto,
os seis primeiros meses de governo. Reunimos num total de 83 discursos proferidos
nesse período e retiramos trechos somente de 42 discursos. Tais discursos proferidos
pelo presidente da República foram retirados do site2 oficial do governo federal. Estes
textos estão anexados na íntegra ao final deste trabalho.
Desses discursos, retiramos trechos representativos que comprovam a construção
metafórica. Percebemos, portanto, que apesar dos trechos serem de discursos diferentes
e conseqüentemente, tratarem de assuntos diferentes, o contexto permitiu-nos a escolha
e análise, de acordo com as categorias analíticas propostas.
A escolha baseia-se na observação dos textos e na recorrência com que a mídia
impressa (Jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo) dá relevância à linguagem
metafórica nos discursos do presidente. A mídia amplamente a presença desse tipo de
linguagem na construção de situações contextuais, espetacularizando o dizer de Luiz
Inácio Lula da Silva. No período de seis meses, nota-se a ênfase dada pelos jornais
sobre esse assunto.
A pesquisa está organizada da seguinte forma.
• No primeiro capítulo, apresentamos a trajetória política do presidente Lula e
tratamos da importância atual do marketing político na construção de um
candidato vitorioso, diferente dos seus antecessores, mais sorridente,
conciliador, um governante de esquerda. Enfocaremos o contexto histórico,
mostrando como um sindicalista chegou ao cargo público mais alto depois de
perder quatro eleições e como o marketing político o ajudou nessa conquista.
2 www.radiobras.com.br: acesso em 05 / 03 / 2005.
• No segundo capítulo, fundamentamos o discurso espontâneo e sua relação com o
ato de persuadir. Também, como já dissemos, analisamos a metáfora como
participante do sistema conceptual, que envolve a forma de se manifestar, pensar
por meio de metáforas. É por meio dessa última visão que fazemos a
identificação e classificação das metáforas encontradas no discurso do
presidente. Essa visão também nos mostra o papel da figura conceptual no nosso
cotidiano.
• No terceiro capítulo, analisamos o corpus no intuito de responder as duas
questões de nossa pesquisa, utilizando para tal fim a teoria de Lakoff & Johnson,
a qual configurou-se pertinente para essa investigação. Os exemplos retirados do
corpus corroboram para o entendimento da metáfora no paradigma cognitivista.
• Finalmente, apresentamos nossas considerações finais sobre os resultados da
pesquisa e apontamos para os caminhos abertos a serem ainda trilhados na
investigação da rede de significações do discurso político.
_____CAPÍTULO 1_____________________________________________________
Lula: breve histórico de uma trajetória política
O discurso competente é aquele no qual não é qualquer um que pode dizer a qualquer outro qualquer coisa em qualquer lugar
e em qualquer circunstância (...) é um discurso no qual os interlocutores já foram previamente reconhecidos
como tendo o direito de falar e ouvir, no qual os lugares e as circunstâncias já foram predeterminados
para que seja permitido falar e ouvir segundo os cânones da esfera de sua própria competência (...)
Marilena Chauí
Nesse capítulo, serão apresentadas breves considerações acerca da vida do
presidente da República: Luiz Inácio Lula da Silva, desde sua infância, até a sua
chegada ao cargo mais elevado na esfera política nacional. O objetivo desse histórico é
o de traçar um perfil da vida desse político com o propósito de caracterizá-lo social e
politicamente.
O capítulo está dividido em três tópicos. O primeiro tópico discorre sobre a
trajetória de vida do homem público, fundador do Partido dos Trabalhadores (PT), até
sua vitória como presidente brasileiro. Esse histórico fundamenta-se no posicionamento,
em especial, de Paraná (2003). O segundo tópico trata de marketing e a construção da
imagem presidencial de Lula. Os estudos de Cavalcanti (2003) e Amorim (1998), entre
outros, respaldam essa pesquisa. Por fim, o terceiro tópico comenta sobre as marcas que
tornaram Lula, um presidente identificado com as causas sociais do povo brasileiro, o
que, por sinal, tornou-o a escolha óbvia para a sucessão presidencial nas eleições de
2002. As marcas foram ressaltadas no marketing político: carisma e autenticidade. O
posicionamento de Mendes (2004) configura-se adequado para essa investigação.
1.1 Contexto Histórico – A trajetória Política de um presidente
Luiz Inácio Lula da Silva nasce em 27 de outubro de 1945, em Garanhuns,
Pernambuco. Ele é o sétimo filho de Aristides Inácio da Silva e Eurídice Ferreira Mello.
Poucos dias antes de nascer, seu pai migra para São Paulo em busca de emprego para
garantir o sustento de sua mulher e seus filhos. Lula só conhece seu pai aos cinco anos,
quando Aristides volta para Pernambuco para visitar a família.
Aristides deixa a esposa e filhos no interior de Pernambuco para trabalhar na
estiva do porto de Santos, carregando sacas de café. Somente anos depois, sua esposa
decide sair com os filhos e fazer o mesmo caminho para São Paulo.
A viagem feita por Lula, sua mãe e seus irmãos demora treze dias em um “pau-
de-arara” (caminhão que leva pessoas de uma cidade para outra) até chegar em Santos
onde Lula, com 10 anos, começou os estudos escolares primários.
Com a separação de seus pais, muda-se para São Paulo, onde, com 15 anos,
consegue uma vaga no curso de torneiro mecânico, oferecida pelo Serviço Nacional da
Indústria (SENAI). Enquanto realiza o curso com duração de três anos, trabalha também
na Fábrica de Parafusos Marte.
Quando conclui o curso, já profissionalizado, integra o quadro de operários de
uma grande empresa metalúrgica chamada Villares, em São Bernardo do Campo,
município da Grande São Paulo.
Em 1969, Lula é convidado a participar da diretoria do Sindicato dos
Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas e de Material Elétrico de São Bernardo e
Diadema.
Para Paraná (2002: 27), Lula,
que antes era um jovem inexperiente já havia se constituído numa liderançasindical promissora, respondendo, como primeiro-secretário, pelo setor deprevidência social da entidade.
Em 1975, a nova eleição da diretoria do sindicato coloca Lula na presidência da
instituição. Nessa época, por meio da atuação deste e de outros sindicalistas, surge o
chamado “novo sindicalismo”, uma forma diferente de se fazer assistencialismo
sindical, que marcou por anos a vida da classe trabalhadora brasileira, mergulhada num
regime antidemocrático.
Paraná (op. cit.) diz que Lula retoma antigas lutas em defesa dos interesses dos
trabalhadores: remuneração salarial digna, garantia de emprego e melhores condições de
trabalho. Isso demonstra a nova atitude que o sindicato queria tomar.
O sindicato leva as assembléias para o local de trabalho dos operários, abre as
suas portas e amplia o quadro de sindicalizados.
Em 1978, houve a primeira greve de relevância no cenário político nacional. O
Sindicato dos Metalúrgicos juntamente com os trabalhadores desafiam o regime
autoritário e iniciam as paralisações por melhoria de seus salários e de suas condições
de vida.
Para Paraná (op. cit: 50), a greve “era um terremoto cujo epicentro residia em
São Bernardo do Campo, mas com efeitos que se faziam sentir em todo o Estado de São
Paulo”.
Em 1979, repete-se a experiência grevista do ano interior, mas, desta vez, a
greve é de toda a categoria metalúrgica; trata-se de uma greve unificada. O sindicato
amplia sua atuação e sua representatividade nas discussões por melhorias salariais e
condições de trabalho. Os trabalhadores, cada vez mais organizados, reunidos em
assembléia de até 150 mil pessoas, cruzam os braços em protesto durante quinze dias.
O governo militar e o empresariado respondem duramente com repressão
policial e outros artifícios para pôr fim às paralisações. Tais artifícios correspondem a
prisões de sindicalistas, interrogatórios, chantagens, entre outros. Em março desse
mesmo ano, o Ministério do Trabalho considera a greve ilegal, intervém no sindicato,
afastando Lula e sua diretoria por dois meses.
Em abril, Lula lidera mais uma paralisação que contou com 270 mil
trabalhadores, estendendo-se por todo o Estado de São Paulo, e tendo uma duração de
quarenta e um dias. Dessa vez, a intervenção do governo é ainda mais forte. A diretoria
do sindicato é cassada e Lula passa exatos trinta e um dias em reclusão no
Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Em novembro de 1981, é condenado
pela Justiça Militar a três anos e seis meses de prisão; mas em abril do ano seguinte, o
processo é anulado pelo Superior Tribunal Militar.
Para Teixeira (2002)3, nesse período, Lula já tinha a idéia da criação de um
partido operário, pois estava decepcionado com os políticos tradicionais e convencido
de que a repressão às greves e a força do regime não poderiam ser combatidas apenas
com a força dos sindicatos.
Esse autor (op. cit.) mostra que
ele (Lula) abriu a discussão com políticos do MDB, entre eles o entãosociólogo Fernando Henrique Cardoso e o deputado Ulysses Guimarães. Eque Lula não aceitava a tese segundo a qual o regime só cairia por uma açãode uma frente ampla de organizações democráticas de todo tipo.
Lula, outros sindicalistas, intelectuais, representantes da Igreja Progressiva,
militantes de grupos de esquerda e militantes de movimentos populares fundam o
Partido dos Trabalhadores, no dia 10 de fevereiro de 1980.
O PT nasce com o ideal de representar os trabalhadores na esfera política, pois,
de acordo com Teixeira (op. cit.), a base que forma esse partido constitui-se de
sindicalistas, grupos pequenos de esquerda, especialmente os oriundos do movimento
estudantil, dos partidos trotskistas e católicos membros das Comunidades Eclesiais de
Base (CEBs)
Da mesma forma, para Frei Betto (1989:44),
(...) o novo partido (PT) logo atraiu a adesão de membros das comunidadeseclesiais da base, de militantes do movimento popular, como também deartistas, de intelectuais e de cientistas de renome.
A primeira eleição da qual o Partido dos Trabalhadores participa ocorre em
1982. O PT elege 08 deputados federais, 12 estaduais e 78 vereadores. Em 1985, o
3 TEXEIRA, A. Perfil de um presidente. htt/www.estadao.com br/eleicoes2002/perfil/lula.06/08/2002.
partido conquista a prefeitura de uma capital, o município de Fortaleza. Na eleição
seguinte, em 1986, sua bancada federal dobra, somando 16 parlamentares.
Ainda na década de 80, mais precisamente em agosto de 1983, Lula e outros
sindicalistas fundam a Central Única dos Trabalhadores (CUT), com uma nova forma
de trabalhar, buscando os interesses dos trabalhadores sem a tutela do Estado.
Lula candidata-se ao cargo de governador, mas, em 1982, perde a eleição. Na
eleição seguinte, candidata-se a uma vaga na Câmara Federal, vence e torna-se o líder
da bancada do Partido dos Trabalhadores.
Em 1989, após 29 anos sem eleições diretas para a Presidência da República do
Brasil, Lula chega ao segundo turno das eleições presidenciais, encabeçando a Frente
Brasil Popular, uma coligação entre o Partido dos Trabalhadores, o Partido Socialista
Brasileiro e o Partido Comunista do Brasil, sendo apoiado no segundo turno por um
amplo leque de forças progressistas.
Lula perde por uma diferença de 6% dos votos válidos para seu opositor,
Fernando Collor de Mello, que depois de eleito sofre o processo de Impeachment, e
renuncia para não perder os poderes políticos.
Na eleição seguinte, em 1994, Lula candidata-se novamente ao cargo de
presidente, mas perde ainda no primeiro turno para Fernando Henrique Cardoso.
O presidente eleito era um ex-ministro que acabava de deixar o poder após
realizar um vitorioso projeto de controle da inflação, definido como Plano Real.
Coligado aos partidos mais conservadores do país, Fernando Henrique Cardoso
conquista grande parcela do eleitorado.
De acordo com Teixeira (op. cit.), o PT perdeu a eleição porque se posicionou
contra o Plano Real, pois considerava que a estabilidade monetária obtida por esse
Plano era apenas eleitoral e provisória.
Na eleição presidencial que se seguiu, em 1998, Fernando Henrique Cardoso
repete o resultado das urnas, reelegendo-se presidente já no primeiro turno.
Em 2002, Lula concorre pela quarta vez à Presidência da República. No primeiro
turno, o PT constrói uma ampla aliança capital-trabalho com outras forças partidárias,
entre elas o PL, o PC do B, o PMN e o PCB. O candidato petista vai para o segundo
turno com o candidato do PSDB, José Serra. Lula conquista a vitória com 61% dos
votos válidos contra 38,7% de seu adversário, que era apoiado, por sinal, pelo então
presidente Fernando Henrique Cardoso.
A vida política de Lula apresenta um diferencial em relação à de outros
presidentes brasileiros, pois ele é o primeiro presidente sem formação militar ou
universitária4 do Brasil. Outra característica é o seu partido político, fundado por
sindicalistas e intelectuais de esquerda, que consegue participar pela primeira vez do
cargo público de maior prestígio do país.
Para Cândido (2002), a vitória de Lula representa uma singularidade, pois se
caracteriza pela identificação aos interesses das classes mais popularidades: a vitória de
Lula, de acordo com o autor, pode ser o começo de uma fase redentora na vida política
e social brasileira.
Com um mesmo posicionamento, Cavalcanti (2003:40) ressalta que Lula inicia
seu governo com características inéditas no país, pois tem base popular e tenta
concretizar o ideário da social-democracia européia, com o apoio de parcelas da
população na tentativa de organizar um governo sólido, sem deixar os seus antigos
ideais. Para esse autor (op. cit.), o Estado é o mediador social, que visa retificar
distorções e desigualdades que afetam a população. Com essa visão, Lula inicia seu
governo e tenta, por meio dos discursos, refletir segurança e consistência para resolver
problemas sociais que tanto criticava nos governos anteriores.
A liderança política de Lula, de acordo com Frei Betto (2003: 89), teve uma
marcação definitiva na história do Brasil:
Com a eleição de Lula a presidente do Brasil, em 2002, a classe trabalhadorabrasileira tornou-se de fato sujeito político, dispondo de instrumentos de açãoe de um programa criados a partir de suas lutas.
No item seguinte, trabalharemos um aspecto importante para a conquista da
presidência da República por Lula: a função do Marketing Político no sistema eleitoral
atual. Mostraremos especificamente como as eleições são conquistadas com a ajuda dos
4 Esta informação foi retirada do site: www.grups.msn.com, sendo que foram 156 presidentes militares e24 presidentes universitários (20 advogados, um jornalista, um médico, um engenheiro e um sociólogo).
meios de comunicação e como as idéias são passadas pelos vários tipos de mídia,
principalmente a televisão que tem ao seu alcance uma grande parcela da população.
1.2 Construção da imagem do presidente Lula: uma estratégia de marketing
político
Nas eleições presidenciais de 2002, o candidato Lula, que até então vinha de três
derrotas consecutivas ao cargo político máximo nacional, teve apoio estratégico do
“marqueteiro” Duda Mendonça, o qual organizou as propagandas políticas, modificando
a estrutura dos programas que passavam no Horário Gratuito de Programa Eleitoral e
em todas as aparições do candidato no cenário político. A intenção dessa assessoria
“marqueteira” era a de reconstruir a imagem do presidente, desgastada nas eleições
anteriores. A imagem de homem grosseiro e pouco instruído, foi substituída pela
imagem do homem lutador, persistente e, sobretudo, identificado como “povo”. Duda
Mendonça teve um papel primordial na reconstrução da imagem do presidenciável Lula.
A estratégia utilizada pelo marketing político foi buscar uma imagem do
candidato” mais carismático e simpático para os leitores, transformando-o em um
“garoto-propaganda” capaz de convencer e, portanto, vencer a eleição.
De acordo com Garconi (2002: 72), “o discurso (de Lula) foi mais leve,
palatável. A imagem seguiu o mesmo estilo. Nas idéias a evolução é obra do próprio
Lula, ouvidos atentos e mente aberta a novos conceitos. Nas mudanças do visual, boa
parte do crédito vai para Duda Mendonça (...)”.
A autora, a despeito desse assunto, afirma ainda que
Lula veio em nova embalagem, desenhada por Duda e detalhadamentepreparada por uma equipe de especialistas, de personal stylist e professoresde dicção. Duda gastou horas de conversa com a consultora de moda TataNicoletti. Juntos montaram um guarda-roupa feito sob medida,suficientemente versátil para brilhar nos salões da elite, mas não destoar em emeio a multidões populares. Caíram bem no figurino os bem cortados ternosda grife Bruno Minelli e do estilista Ricardo Almeida. As cores não eramaleatórias: de preferência, azul-marinho, com camisas brancas e gravatasvermelhas.
Isso mostra o cuidado que o marqueteiro teve para formular a nova imagem de
Lula, mostrando a necessidade de se criar uma figura de um homem sorridente, bem
vestido para conquistar o eleitorado e diminuir a rejeição, pois antes era considerado um
homem furioso, um metalúrgico, um trabalhador que não poderia nunca representar o
Brasil na área internacional ou mesmo ser um bom presidente porque não tinha grau
universitário, não sabia inglês ou não sabia discutir com as diferentes correntes
ideológicas do país. As características de “trabalhador” e “metalúrgico”, que antes
carregavam uma conotação pejorativa na figura de um candidato à presidência do país,
foram utilizadas nas eleições de 2002 com um valor positivo, visto que, conforme foi
mencionado, identificavam-no como “povo” e, portanto, digno representante das
aspirações da coletividade nacional.
Da mesma maneira, Amorim (1998: 32) afirma, a propósito desse assunto, que
“a imagem dos candidatos passa a ser o elemento decisivo do voto, por isso, cresce a
importância do marketing político e a necessidade de os candidatos estabelecerem elos
simbólicos de identificação com o eleitorado”.
Dessa forma, a empresa de propaganda de Duda Mendonça cria um candidato e
um futuro presidente mais conciliador, capaz de organizar um governo de esquerda sem
deixar de pagar as suas dívidas e sem mudar a moeda nacional, posto que nas eleições
anteriores o seu discurso visava a combater o “Plano Real”, principal símbolo da
campanha do seu então adversário político: Fernando Henrique Cardoso. Lula, em 2002,
opta por uma campanha que preconiza o fortalecimento da moeda, diminuindo
consideravelmente a sua rejeição. Mais que isso, cria-se, segundo Barros (2004), “uma
auréola de quase santo” para Lula, reforçada pelo marketing político e pelos meios de
comunicação.
O marketing político tem o objetivo, segundo Amorim (op. cit.), de ajudar a
fixar uma imagem do candidato no público, capaz de convencê-lo, portanto, vencer a
eleição. E a melhor forma de se fazer isso é a utilização da mídia, em especial, da
televisão e do rádio, pois eles alcançam o maior número de pessoas em pouco tempo.
A propaganda, veiculada no rádio e na TV, é apresentada na forma de
videoclipes, de telejornais e palanques eletrônicos. Os profissionais do marketing
político conseguem transformar habilmente os discursos e os atos dos candidatos em
notícia e espetáculo.
Amorim (1998: 3) afirma que “a política passou a ser uma atividade pública
ligada ao poder da mídia e de que, as representações da política, fornecidas pelos
mídias, passaram a construir a própria realidade”.5
Na propaganda eleitoral, Duda tinha o segundo maior tempo na TV à disposição
no primeiro turno (5min: 19s por Bloco, ou 21,2% do tempo total). Ele podia utilizar
esse tempo da melhor forma possível com o propósito de diminuir a rejeição ao
candidato Lula, imprimindo-lhe status de tranqüilidade e confiança, com propostas
moderadas e sem radicalismos.
Para Carvalho6,
o Lula eleito não é o mesmo que fundou e há doze anos lidera o ‘Foro de SãoPaulo’, entidade criada para coordenar as ações legais e ilegais do movimentocomunista no continente.
O autor afirma ainda:
Em seu lugar entrou um ente de ficção, criado pela arte de Duda Mendonça,lançado no mercado sob o rótulo de “Lulinha Paz e Amor” e imposto aosconsumidores pelo vozerio incessante de milhares de garotos-propagandasrecrutados em toda as elites intelectuais, artísticas, políticas, e empresariaisdo país – e algumas do exterior.
A imagem que Duda Mendonça quis transmitir para o eleitor era a de um Lula
mais conservador, com uma visão de centro, não mais tão radical, e principalmente,
com um discurso de um “presidente das negociações”, capaz de conversar com todos os
grupos e organizar a situação em períodos de crise.
5 Este argumento de que se cria uma nova realidade por meio de imagens atraentes pode ser observadonas telenovelas ou mesmo na compra de produtos veiculados pela televisão e revistas. Os produtos quantomais vistos ou quando conseguem um bom “garoto-propaganda” vendem mais e o resultado é o consumoconstante e a identificação do consumidor com o produto. O dever da propaganda é construir um pacto deconfiança. Isso significa que o consumidor compra sempre o mesmo produto porque confia nele e aempresa, por sua vez, pode confiar em seu consumidor. A identificação da imagem com o produtofornece o combustível para o mercado pagar bons publicitários e ícones para anunciar seus produtos.
6 Olavo de Carvalho, o Globo, 2 de novembro de 2002. Texto retirado da Internet, no site:www.olavodecarvalho.org/02112002globo.htm
De acordo com Amorim (op. cit: 25), “o marketing político é uma técnica e um
instrumento utilizado pela política para criar um ‘garoto-propaganda’ que agrade ao
público e que este compre sua promessa, ou seja, vote e o eleja”.
Lula representa o papel de garoto-propaganda do PT. Seu governo é a vitrine do
projeto político idealizado pelos petistas e as propagandas refletem essas imagens de
estabilidade e trabalho nas áreas sociais. Atualmente, entretanto, essa imagem está
sendo modificada, pois, de acordo com Barros (2004), “o imaginário popular, de um
presidente do tipo ‘gente como a gente’ está sendo rapidamente substituída por uma
volta ao pragmatismo cívico”, ou seja, a imagem do presidente diferente está se
tornando obsoleta, e, portanto, deve-se criar outra personagem para que o presidente
consiga continuar como “garoto-propaganda” do governo.
Bourdieu (1997:24) nos mostra que “a televisão pode, paradoxalmente, ocultar
mostrando, mostrando uma coisa diferente do que seria preciso mostrar caso fizesse o
que supostamente se faz, isto é, informar”. A imagem é muito importante para
comprovar a informação e a forma como é feita ou transmitida pelos meios de
comunicação pode ajudar ou prejudicar, por exemplo, um candidato político.
O marketing baseia-se nessa afirmação na medida em que se cria um ambiente
imaginário, mas com elementos da realidade e organiza propostas governamentais que
possam ser cumpridas no período de quatro anos, tentando, por meio da mídia, mostrar
os resultados obtidos.
Para Amorim (1998: 71):
O marketing político visa manter os índices de popularidade do político a umnível elevado, exigindo uma equipe com profissionais das áreas de pesquisasde opinião e comunicação.
A Duda Mendonça Propaganda, no período eleitoral e na assessoria
governamental, é vista como uma agência vitoriosa, que consegue, com um bom garoto-
propaganda e principalmente dinheiro, eleger e manter um político com elevado
prestígio ou criar qualquer tipo de imagem, com o intuito de vencer e de derrotar seus
adversários políticos.
Nesse sentido, a política necessita constantemente do auxílio das agências de
propaganda para fazer o elo entre si e os meios de comunicação. Portanto, para se ter os
resultados esperados, os políticos não se importam com os gastos feitos para que se
tenha a melhor divulgação do candidato e de sua imagem, mesmo sabendo que as
promessas feitas na eleição poderão não ser cumpridas durante o mandato ou que essas
imagens não condizem com a realidade. Exemplos que ilustrem essa afirmação são
comuns nos meios de comunicação.
As mudanças feitas por Duda Mendonça estão também relacionadas com
discursos de Lula, pois durante a campanha de 2002, teve de mostrar segurança e
transmitir confiabilidade para setores mais conservadores da economia e para
empresários que conheciam a visão antiga do político: valorização de seu papel de
sindicalista.
1.3 Carisma e autenticidade: símbolos da imagem do presidente
O presidente, nesse percurso à presidência da República, revela, por meio da
assessoria de marketing, características importantes para a construção de uma imagem
de um governante: carisma e autenticidade. Essas marcam corroboram para o
apagamento das negativas nas campanhas anteriores, posto que o ajudam nos momentos
de crises, problemas na economia interna ou mesmo numa reforma ministerial. O
governo tenta convencer, por meio dessas características, boa parte da população que
não acompanha os movimentos administrativos.
Para Mendes (op. cit.: 80), a forma como o presidente se comunica mostra essa
sua capacidade de comoção e convencimento do público que o assista, quando
“recarrega nas metáforas e provérbios com que colhe a comunicação popular da
hora”. Um exemplo dessa identificação de “homem do povo” é ressaltado pelo
marketing do presidente que, em seus improvisados discursos, busca sempre uma ação
que o aproxime do povo brasileiro: jogar futebol, Pôr chapéus representativos de
movimentos populares, segurar crianças no colo, representando um governo muito
próximo do povo que o elegeu.
A esse respeito, Cavalcanti (op. cit.:51) afirma:
Está ficando cada vez mais evidente que o presidente desempenha seu cargocomo personagem de marketing. E que o exercício de marketing, comorecurso da presidência, é praticado com cálculo. Presidente e personagem serevezam, refletindo um ao outro, com igual profissionalismo. O carisma dopresidente tende a se tornar símbolo político, podendo ajudar a viabilidade dogoverno.
Lula em uma entrevista à Veja, quando ainda era candidato, afirma que:
O grande mérito do Duda Mendonça foi mostrar o Lula como realmente oLula é. O Lula carrancudo e bravo era uma invenção nossa, minha e dacúpula do PT. A gente achava que tinha de ser assim. Depois de 22 anos,Duda foi o primeiro sujeito a nos dizer: é preciso colocar a família do Lula natelevisão, mostrar que ele é casado, tem mulher e filhos, conta piada, brinca.
Essa imagem de homem carismático e autêntico, preocupado com as causasnacionais, foi construída pela mídia e apresentada ao povo brasileiro, nos debates e na
forma de entrevista com os jornalistas durante a campanha e até durante sua posse como
presidente. Outra característica ressaltada pelos meios de comunicação é a de homem
ligado à família. Sua esposa, Marisa Letícia, está sempre presente às cerimônias ou em
viagens, tentando mostrar a família e a segurança de um governo. São símbolos que
Lula transmite por meio da mídia e que, inconscientemente, são aceitos pelos
brasileiros.
Além das mudanças físicas e comportamentais, mudou-se, principalmente, o
discurso, como já mencionamos. Toda a estrutura que foi construída e alimentada pela
oposição transformou-se em um discurso moderado, que deseja modificar a estrutura
presente, mas sem radicalismos.
Rubim (2003: 55) explica que a construção da imagem de Lula mudou para
ganhar a eleição e consolidar seu governo:
A construção da imagem “Lulinha paz e amor”, em verdade, traduz oenfrentamento e a superação de duas dimensões da imagem – aproximadas,mas distintas – de um Lula radical. De um lado, a radicalidade de Luladerivava de uma postura agressiva, crítica, negativa, destrutiva, intransigente,oposicionista etc. (...) Depois de eleito, Lula cativou e tranqüilizou o país.Mostrou carisma, maturidade, moderação, paciência, tolerância e humildade.
A marca “Lulinha paz e amor” passou a ser um elemento importante tanto na
eleição de 2002 quanto como presidente. O carisma e a autenticidade são reforçados
pelo marketing no momento em que o presidente se mostra como mais um do povo,
identificando-se com ele.
Cavalcanti (op. cit.: 52) enumera três características para alimentar o carisma do
presidente, o primeiro deles está relacionada com a manutenção dos compromissos de
campanha, principalmente na área social (ex.: “Programa Fome Zero); o segundo é a
relação entre o presidente o povo, quer dizer, a troca de afeto, colocar bonés e camisetas
dos movimentos, dar autógrafos etc.; o terceiro está na forma informal de se comportar,
indo contra as recomendações de segurança e, portanto, desmoralizando o poder
presidencial.
Para Cavalcanti (op. cit.), essas características com um bom trabalho de
marketing fazem do presidente uma pessoa carismática, autêntica, sorridente, bem
humorada. Esse trabalho agrega ao perfil de Lula características que reforcem a imagem
de administrador competente.
Cavalcanti (op. cit.:55) afirma ainda que
reforçar sua imagem de gestor significa acentuar atuação que o certifiquecomo administrador apto a tomar decisões de governo. O objetivo final podeser transformá-lo em símbolo de pacificação social.
O carisma e a autenticidade de Lula são mostrados pela mídia com insistência.
Rubim (op. cit.: 55), analisando uma entrevista de Duda Mendonça, diz:
A construção da imagem da imagem não foi um mero produto de marketing(...) a conversão da política do partido dos Trabalhadores e da imagem deLula foi, em verdade, um processo longamente vivenciado, formulado econstruído, em termos políticos e de mídia, nos últimos anos pelasexperiências políticas e administrativas do partido e pela liderança do grupohegemônico no PT. Não foi algo meramente eleitoral ou mesmo algumainvenção genial de marketing de Duda Mendonça.
Lula tem um carisma, uma forma especial de tratar as pessoas, que é moldado e
aproveitado pela mídia.
Os discursos podem comover alguns grupos, mas a base aliada não acredita mais
nessas estratégias discursivas. Muitos partidos que o ajudaram a vencer as eleições
voltaram a ser oposição ao governo, como por exemplo, PC do B, PDT e os radicais
petistas. Da mesma forma, Verón (2003:40) acrescenta:
Os atores sociais (nesse caso, os atores políticos) devem aprender a operarsob as novas condições. Nos últimos vinte anos, os atores políticos têmaprendido muito sobre os meios de comunicação. Tudo pareceria indicar queLuiz Inácio Lula da Silva constitui um caso exemplar. Mas além do acesso àfunção presidencial (condição indispensável), a viabilidade de seu projetoeconômico e político para o Brasil não depende dessa aprendizagem. QueLula cumprirá (ou não) um papel fundamental na história política do Brasil, éuma questão aberta.
A responsabilidade de Lula como ator político, em que a mídia ora apresenta
como sua maior aliada, ora, como sua maior inimiga, reflete as condições necessárias
para apresentar ao público um modelo de homem carismático e autêntico que envolve
multidões.
Mendes (2004:161) acredita que o governo Lula cria um ambiente de interação
com a população, ao afirmar que
são essas as expectativas do enorme estrato de população que, pela primeiravez, se vê no poder e em condições interativas com o governante. Suavigência especialíssima faz-se, ao mesmo tempo, da rememoraçãogratificante a cada momento, da investidura de Lula e dos lances em que otônus da adesão se faz pela contínua reiteração da identidade (...).
A utilização da identidade como elemento de construção de uma imagem faz
com que Lula consiga participar de vários ambientes, tanto no Fórum Social quanto no
Fórum Econômico, além de ser aceito como um presidente diferente dos demais.
Mendes (op. cit.:188), a esse respeito, acrescenta:
É o Lula, pois, de festa em festa que atrapalha o protocolo, rompe as fitas ouo giz de marcações do protocolo das inaugurações governamentais, nossismógrafos da desordem positiva, que cresce em momento de mau augúriopara a performance política eleitoreira que lhe votam as eternas cassandras deplantão.
Apesar de todo o marketing político em torno da imagem de Lula, opõe-se à
figura de homem carismático e autêntico, a figura de um homem que não sabe se
comportar em situações de crise, escondendo-se nas situações mais críticas de sua
administração.
O problema está na história desse governo que, para Villa (2005)7, tem um papel
importante na história da política brasileira. O autor afirma ainda:
A história do PT incomoda o PT. Enquanto os velhos militantes abandonam opartido, os oportunistas preenchem com avidez as fichas de filiação. Nãoprecisam mais de história ou de qualquer justificativa ideológica. A adesão épragmática: quer cargos, poder e, se possível, algumas sinecuras.
A construção da imagem de um presidente, identificado com o povo está se
ruindo com os problemas governamentais, nas difíceis alianças e principalmente nos
projetos sociais que não se desenvolvem. O governo fica sem opções. Mostrar
realizações que estão no papel ou que não se desenvolveram traz um desconforto para
um partido que pregava mudanças. Para Mendes (op. cit.: 79)
A conduta de Lula mergulha na festa do encontro no mesmo plano, semprede presidente e povo, de troca de efusões, de nivelação absoluta, em que aforça do “nós”, do coletivo, impacta no instante em que congrega e faz decada circunstante um conviva do poder e, a fortiori, um entendedor do que sepassa, na festa da cumplicidade e da passagem do anel da confiança.
Esse autor ressalta a confiança que o povo depositou em Lula quando este faz
um discurso, ou na esperança de melhoria das condições sociais. Mendes (op. cit.: 80)
ainda afirma:
O primeiro ano mostrou esse capital trazido ao próprio inconsciente coletivodo país, que aflui ao apoio presidencial sem precisar recorrer a umajustificação consciente do porquê se espera. É ganho implicitamentecreditado ao protagonismo de Lula, nascido do piquete, da porta da fábrica,da algaravia das reuniões operárias, passadas às caravanas e à repetição dastentativas de chegada ao Planalto.
O carisma e a autenticidade conseguidos nesse momento transformaram o
presidente em um homem “intocável”, acima de qualquer crítica. Para Mendes (op. cit.),
Lula construiu muito mais do que um personagem, construiu um símbolo que se
identifica constantemente com seu público.
7 Marcos Antonio Villa, O PT e uma outra história. Folha de S. Paulo, Tendência / Debates, 22 mar. 05,A3.
No próximo capítulo enfocaremos as dimensões da metáfora, partindo de um
estudo do ato de persuadir no discurso político e analisaremos a linguagem metafórica,
presente no cotidiano. Antes, no entanto, será discutido de forma sucinta sobre
conceitos discursivos, como persuasão e convencimento, pertinentes e esse trabalho.
Apresentaremos um estudo da metáfora em sua concepção cognitiva. A ênfase da
pesquisa recai sobre esse paradigma lingüístico.
_____CAPÍTULO 2_____________________________________________________
Metáfora: breves considerações teóricas
A metáfora é o poder de redescrever a realidade,
segundo uma pluralidade de modos do discurso.
Paul Ricoeur
O objetivo deste capítulo é mostrar a construção do discurso político, a ação de
persuadir o público, para tanto, utiliza-se o estudo de Perleman & Olbrechts-Tyteca
(1996) para respaldar nosso estudo.
Esse capítulo também apresenta um estudo acerca da metáfora teorizada em uma
abordagem cognitiva, de acordo com posicionamentos de, entre outros autores, Kneipp
(1990), Lakoff (1993) e Lakoff & Johnson (2002). Nesse paradigma lingüístico, a
linguagem metafórica deixa a periferia ornamental do discurso literário, para adquirir
um papel importante na conceptualização humana. A metáfora, então, é estudada em
todos os tipos de discurso, posto que faz parte da linguagem cotidiana.
Lakoff 8 (1993:216) afirma que “a Metáfora, na visão tradicional, era admitida
ser uma questão da fala, não do pensamento”.
Uma nova visão é desenvolvida em estudo feito por Lakoff & Johnson (2002)
em que estes analisam as construções metafóricas feitas pelas pessoas em seu dia-a-dia.
Este trabalho nos leva a analisar que nosso sistema conceptual cria constantemente
metáforas para explicar ou representar a realidade.
Devemos, portanto, olhar a figura em textos diferentes, como, por exemplo, o
publicitário ou o jornalístico e até em discurso político para mostrar as freqüentes
utilizações desse recurso para persuadir ou simplesmente para chocar o público.
8 Metaphor, in the traditional view, was supposed to be a matter of speech, not thought.
2.1 Discurso político: uma visão da analise do discurso
O presidente da República, Lula, no tocante à construção de seus discursos
institucionais se mantém constantemente assessorado, no entanto, algumas vezes ele lê
os textos feitos por assessores e outras, improvisa ou, ainda, utiliza simultaneamente os
dois tipos de discurso, falando primeiro algumas palavras improvisadas para depois ler
o texto pronto.
Retiramos trechos de improviso do discurso feito no Fórum Social realizado no
dia 24/01/2004, em Porto Alegre –RS, que comprovam essa afirmação acerca do
discurso espontâneo:
■ Será que seria pedir demais, para que os nossos companheiros enrolassemas suas bandeiras só uns dez minutos, para que a gente possa ver as pessoasde trás e as de trás possam ver a gente? (discurso, 24/01/2003).
■ (...) aqueles que não entenderem as minhas palavras, e são pessoas queacreditam no Fórum Social Mundial, olhem nos meus olhos, que vãoentender cada palavra que eu falar. (discurso, 24/01/2003).
Os discursos políticos têm o objetivo de persuasão do auditório. E uma das
estratégias utilizadas para se alcançar esse objetivo é a construção de uma imagem
capaz de criar uma identidade com um ou mais grupos que, conseqüentemente, irão
aderir a esse discurso e agir de acordo com ele. Por esse motivo, o discurso espontâneo
feito por Lula possibilita que ele note as reações dos ouvintes e, assim, formule frases
de efeito que o ajude a seduzir o seu público.
Entende-se, aqui, que a linguagem está marcada pela interação entre o
componente histórico e social, ou seja, a concretização do enunciado é determinada
pela situação de enunciação.
Os discursos dos políticos, de forma geral, desenvolvem temas específicos,
abordando assuntos atuais e reflexões do governo acerca de assuntos relevantes no
âmbito nacional. É, portanto, na relação entre língua e ideologia que o discurso político
se insere. Ideologia, de acordo com Brandão (1995:27), pode ser entendida como a
fusão de uma visão, uma concepção de mundo de uma determinada comunidade social
numa determinada circunstância histórica e como uma ferramenta utilizada para ditar
um padrão de valores e idéias. Ou seja, enquanto a primeira noção, mais ampla,
permanece como uma “fonte” de onde se extraem os elementos para representar a
realidade, ainda que se faça essa busca inconscientemente, a segunda, mais restrita, é
utilizada para modelar a realidade, em outras palavras, de maneira consciente são
selecionados e ocultados dados que delimitam o alcance de visão do mundo.
No caso dos discursos políticos, tende-se mostrar uma hegemonia de uma única
representação do mundo, portanto, Lula, nos dizeres de Cavalcanti (op. cit: 72),
apresenta um “metadiscurso”, pois “o que ele parece buscar é discurso único com
códigos sociais que sejam decifrados em todos os ambientes políticos”. Esse caráter
único pode justificar-se pela necessidade de se impor um determinado ponto de vista,
isto que dizer, que essa visão implica em influenciar o outro por meio do discurso.
Todo discurso, quer se apresente explicitamente ou não, é persuasivo, portanto, a
argumentação visa influenciar o outro a aderir a certas teses. A adesão que provém da
aceitação do ponto de vista do outro.
Perelman e Olbrechts-Tyteca (1996:50), a esse respeito, diz que
uma argumentação eficaz é a que consegue aumentar essa intensidade deadesão, de forma que se desencadeie nos ouvintes a ação pretendida (açãopositiva ou abstenção) ou, pelo menos, crie neles uma disposição para ação,que se manifestará no momento oportuno.
Quando a ação que se pretende ver no auditório impõe-se à lógica da adesão,
diz-se que o locutor pretende persuadir o auditório e não apenas convencê-lo, pois o
convencimento não leva, necessariamente, à ação. É possível aceitar, convencer-se de
uma tese sem adotá-la. Assim, mesmo que a linha que separe os conceitos de persuadir
e convencer seja muito tênue, estabeleceu-se que o ato de persuadir desencadeia uma
reação mais forte no auditório do que o de convencer. Outra diferença, também inserida
em um campo muito frágil, é que a argumentação persuasiva estaria voltada para um
auditório restrito, particular, enquanto que o convencer tem em seu horizonte todos os
seres racionais.
Novamente, auditório surge como elemento essencial e, de acordo com a Nova
Retórica, a argumentação pode ocorrer com um auditório universal, perante um único
ouvinte ou como uma deliberação consigo mesmo.
O auditório universal é entendido como a reunião de grupos heterogêneos que
compartilham de algumas opiniões e estão incluídos no público que se visa atingir. Ao
se dirigir a um auditório universal, o locutor precisa selecionar argumentos e apoiar-se
em teses que não violentem as crenças dos grupos. A argumentação deve levar o
auditório a crer em suas provas como se elas estivessem isentas do toque do tempo e da
história. A constituição, no entanto, desse auditório varia e se forma para cada indivíduo
no alcance do conhecimento que esse tem de seus semelhantes.
A argumentação perante um único ouvinte pretende, através do diálogo, o
entendimento dos interlocutores sobre um determinado problema, após o consenso e a
adesão de ambos às provas apresentadas. O acordo e a busca conjunta da melhor
solução seriam a base dessa argumentação. Verifica-se, entretanto, que esse interlocutor
único, freqüentemente, é a representação de um auditório particular (quando não de um
auditório universal). O locutor disponibiliza os recursos argumentativos à medida que
vê no interlocutor escolhido a encarnação de um determinado grupo. Como a maioria
dos diálogos presente no cotidiano são marcados pela persuasão e pelo objetivo de Ter
uma tese aceita pelo outro, o diálogo como a busca de uma “verdade comum” é
considerado raro. (cf. Perelman & Olbrechts-Tyteca, p.45)
Embora a persuasão balize grande parte dos diálogos, há espaço para as
concessões e intervenções do interlocutor e quando não há, passa-se para o campo do
debate. Nesse caso, cada interlocutor está convencido de sua tese e não cogita a
possibilidade de outorgar as provas alheias. No debate, a preocupação dos interlocutores
restringe-se a aventar apenas os argumentos que possam garantir o triunfo da tese
defendida, trazendo à tona os argumentos contrários apenas para refutá-los ou restringir
os seus efeitos.
O último caso de auditório a ser abordado é a deliberação consigo mesmo. A
princípio, a deliberação íntima consiste no desfile, perante os olhos do sujeito, de todos
os argumentos suscitados por uma tese, favoráveis ou não, permitindo-lhe, então decidir
a melhor posição a adotar. Sem abandonar essa idéia, considera-se, também, a
deliberação interior como um tipo particular de argumentação, pois o convencimento
íntimo elabora-se a partir do exame da argumentação que é dirigida ao outro.
Ao examinar o outro como elemento fundamental da argumentação e entendê-la
como um espaço privilegiado de (des)acordo entre duas ou mais vozes (nesse sentido é
possível compreender todo discurso como argumentativo), constata-se o caráter
dialógico assumido pela argumentação.
Dialogicidade que se verifica na influência do contra-discurso na construção do
sentido e no entendimento do processo argumentativo como a relação, de modo
polêmico ou cooperativo, dos argumentos e contra-argumentos.
A dialogicidade aparece independentemente da direção par a qual se olhe. Ela
pode ser observada através da interdiscursividade, das relações polêmicas ou não,
estabelecidas entre as formações discursivas, do auditório e, também, por meio dos
leitores desse discurso, já que eles exercem, segundo Brandão (1997:287), “uma
atividade cooperativa de recriação do que é omitido, de preenchimento de lacunas, de
desvendamento do que se oculta no tecido textual”. Assim, o outro surge, influenciando
o discurso e o processo de construção de sentido.
As estratégias persuasiva são utilizadas para se alcançar uma imagem capaz de
criar uma identidade com um ou mais grupos que, consequentemente, irão aderir a esses
discursos e agir de acordo com ele.
2.2 Metáfora cognitiva
A partir da década de 70 e década de 80, estudos na Psicologia Cognitiva, na
Lingüística e na Filosofia contestaram o objetivismo e sua valorização da razão, abrindo
espaço para a metáfora na ciência, o que, até então, era evitado.
A metáfora é revista, deixa, portanto, de ser analisada somente como um recurso
de fazer poético ou retórico, e passa a ser analisada como enunciados metafóricos, mais
do que fenômenos de linguagem, fazem parte do pensamento e de ação de cada
indivíduo. Logo, o sistema conceptual humano, em termos do que se pensa e age, é
fundamentalmente metafórico.
Reddy (1979) analisa os enunciados lingüísticos sobre o conceito de linguagem,
para observar como os indivíduos falam sobre esse tema e como a boa dicção ajudaria
na transmissão e recebimento da informação. Com a pesquisa, esse autor observou
como a função da linguagem poderia ser representada como um canal, transferindo
pensamentos e sentimentos humanos da mesma maneira que foi recebido.
A transmissão da mensagem, de acordo com sua teoria – conhecida como
“metáfora do canal” - dá-se em quatro etapas:
(...) (1) a língua funciona como um canal, transferindo pensamentoscompletos de uma pessoa para outra; (2) escrevendo ou falando, as pessoasinserem seus pensamentos ou sentimentos em palavras; (3) as palavras estãoaptas a fazer a transferência, contendo pensamentos ou sentimentos ecarregando-os para os outros e (4) ouvindo ou lendo as pessoas extraem ospensamentos ou sentimentos mais uma vez das palavras.9 (Reddy, 1979:170)
Para esse autor, a linguagem é estruturada pela seguinte metáfora complexa:
idéias são objetos, expressões lingüísticas são recipientes e a comunicação é o envio. O
falante, portanto, coloca idéias (objetos) em palavras (recipientes) e as envia (por um
canal) ao ouvinte ou leitor.
Lakoff & Johnson (2002: 55), observando o estudo de Reddy ( 1979), dizem:
Em primeiro lugar, uma das partes da metáfora do canal, isto é,EXPRESSÕES LINGÜÍSTICAS SÃO RECIPIENTES DE SIGNIFICADOS,implica que palavras e sentenças tenham significado em si mesmas,independentemente de qualquer contexto ou falante. Um outro aspecto dessametáfora, ou seja, SIGNIFICADOS SÃO OBJETOS, implica quesignificados tenham uma existência independente de pessoas e contextos. Aparte da metáfora EXPRESSÕES LINGÜÍSTICAS SÃO RECIPIENTES DESIGNIFICADOS implica que palavras (e sentenças tenham significadostambém independentes de contextos e falantes.
O início dos estudos de Lakoff & Johnson (2002:52) partiram da teoria de Reddy
(1979) “Metáfora do Canal”, cujo destaque se dá a linguagem, como veículo do
pensamento, pois, para esse último, os enunciados lingüísticos têm significados
9 (1) language functions like a conduit, transferring thoughts bodily from one person to another; (2) inwriting and speaking, people insert heir thoughts or felings in the words; (3) words accomplish thetransfer by containing the thoughts or feelings and converying them to others, and (4) in listening orreading, people extract the thoughts once again from the words.
independentes do contexto e dos falantes, mas, fazem parte do modo como expressamos
o conceito de linguagem.
Lakoff & Johnson (2002), com base nesses estudos, descobriram as metáforas
conceptuais, pois, a essência da metáfora é entender e experienciar um tipo de coisa em
termos de outro. Mais do que isso, para esses autores (op. cit.:15)) nós “compreendemos
o mundo por meio de metáforas, pois muitos conceitos básicos, como tempo,
quantidade, estado, ação etc., além de conceitos emocionais, como amor e raiva, são
compreendidos metaforicamente”. Portanto, a metáfora está diretamente relacionada
com a nossa compreensão de mundo, da cultura e de nós mesmos.
Os autores perceberam que a linguagem refletia o pensamento do indivíduo,
mostrando a forma de ele pensar e agir, portanto, sobre o mundo. Nesse sentido, as
pesquisas de Reddy (1979) são relevantes, posto que são precursoras, abrindo caminho
para a pesquisa das metáforas conceptuais. Ainda, segundo Lakoff (1993), a metáfora,
por participar do sistema conceptual, possibilita a compreensão de determinados
conceitos mais abstratos por meio de conceitos mais concretos no nosso dia-a-dia.
De fato, nos últimos 30 anos, o papel da metáfora vem sendo reconhecido como
central na área da cognição, tendo se tornado objeto de intensa pesquisa. No Brasil, por
exemplo, desde o início dos anos 90, o grupo GEIM (Grupo de Estudos de
Indeterminação e da Metáfora em Lingüística Aplicada), vinculado à PUC-SP, tem se
concentrado na pesquisa do valor cognitivo da metáfora e da sua compreensão na
linguagem escrita e/ou no discurso oral, além das pesquisas sobre o seu aspecto
indeterminado.
Em 1980, Lakoff & Johnson observaram que as metáforas convencionais, isto é,
aquelas que se constroem cotidianamente, possibilitam ao indivíduos organizar certos
conceitos por meio de analogias e transferências de características de um domínio mais
estabilizado pela experiência para um domínio menos estável. Haveria, para esses
autores, metáforas operando no nível conceptual e funcionando como base para a
compreensão de conceitos complexos e abstratos.
Os autores oferecem diversos exemplos de conceitos metafóricos que funcionam
de modo a estruturar nosso pensamento a respeito de entidades abstratas, com as quais
teríamos dificuldade de lidar, principalmente, dificuldade de manipular por meio da
linguagem.
Sintetizando essa teoria, no novo paradigma, temos que a metáfora não se
resume a algumas palavras ou expressões lingüísticas, mas a um conceito que forma
nosso sistema conceptual pelo qual compreendemos o mundo à nossa volta. Lakoff10
(1993: 208-209) explica:
A metáfora não é apenas uma questão de linguagem, mas de pensamento erazão. A linguagem é secundária. O mapeamento é primário, pelo fato de quesanciona o uso da linguagem do domínio fonte e os padrões de inferênciapara os conceitos do domínio alvo. O mapeamento é convencional, isto é, éuma parte fixa de nosso sistema conceptual (...)
Essa visão de metáfora está totalmente em oposição com a visão de que asmetáforas são apenas expressões lingüísticas. (...)
Deve-se observar que os teóricos contemporâneos da metáfora comumenteusam o termo “metáfora” para se referir ao mapeamento conceptual, e otermo “expressão metafórica” para se referir a uma expressão lingüísticaindividual. (...)
Adotamos essa terminologia pelo seguinte motivo: a Metáfora, como umfenômeno, envolve tanto os mapeamentos conceptuais como as expressõeslingüísticas individuais. É importante mantê-las distintas.
Conforme Lakoff (op. cit.: 245), “nosso sistema conceptual é central para a
compreensão de nossa experiência e para a maneira com que agimos em relação a
nossa compreensão”11. Esclarece, também, que ele se concentra em estudar os
mapeamentos metafóricos que são primários, por isso usa o termo metáfora para se
referir ao conceito metafórico e não à expressão lingüística.
Lakoff trata a metáfora em um sentido mais amplo, ou seja, a metáfora deve ser
entendida como um mapeamento de um domínio fonte para um domínio alvo em que há
correspondências ontológicas e epistemológicas. O papel das palavras está apenas em
evocar esquemas, funcionando como pistas (prompts) no mapeamento para outro no
nível conceptual. (cf. 206-207)
10The metaphor is not just a matter of language, but of thought and reason. The language is secondary.The mapping is primary, in that it sanctions the use of source domain language and inference patterns fortarget domain concepts. The mapping is conventional, that is, it is a fixed part of our conceptual system...This view of metaphor is thoroughly at odds with the view that metaphors are just linguisticexpressions.(...)it should be noted that contemporary metaphor teorists commonlyuse the term“metaphor” to refer to the conceptual mapping, and the term “metaphorical expression” to refer to naindividual linguistic expression.(...)We have adopted this terminology for the following reason: Metaphor, as a phenomenon, involves bothconceptual mappings and individual linguistic expressions. It is important to keep them distinct.11Our metaphor sistem is central to our understanding of experience and to the way we act on thatunderstaing.
Para facilitar a compreensão desse tipo de mapeamento, Lakoff & Johnson (op.
cit.) adotaram a nomenclatura A É B, na qual A é o domínio fonte e B é domínio alvo,
explicando as correspondências presentes no sistema conceptual da metáfora. Um de
seus exemplos clássicos é DISCUSSÃO É GUERRA, sendo essa metáfora conceptual
expressa por meio de metáforas lingüísticas, tais como “Ele atacou cada ponto fraco de
minha argumentação” ou “Suas críticas foram direto no alvo”.
Assim, usando essa nomenclatura, a metáfora se refere ao conjunto de
correspondências existente entre os domínios, ou seja, a um mapeamento. Na verdade,
podemos dizer que a metáfora é o caminho pelo qual podemos explicar ou compreender
uma área menos conhecida de nossa experiência em termos de outra mais conhecida.
Os termos menos conhecidos, normalmente, são elementos abstratos que temos
dificuldade de definir. Portanto, no momento em que os concretizamos ou os
associamos a elementos concretos, isso nos ajuda a compreender essas formas e
exemplificá-las, se necessário.
Lakoff e Johnson (op. cit:53) também afirmam que a própria sistematicidade
que nos permite compreender um aspecto de um conceito em termos de outro
necessariamente encobrirá outros aspectos desse conceito. Portanto, a focalização de
uma característica determinada impede que possamos visualizar outros aspectos, ou
porque não tem consistência ou porque não nos interessam, em uma determinada
situação contextual.
Lakoff & Johnson (op. cit.) apontam três tipos de conceitos metafóricos: as
metáforas orientacionais, metáforas ontológicas e as metáforas estruturais.
As metáforas orientacionais estão fundamentadas na noção de orientação
espacial, que têm como base a relação dos nossos corpos com o meio físico que
experienciamos. Essas metáforas organizam sistemas de conceitos, relacionando-se uns
aos outros.
Para exemplificar esse conceito, utilizamos o sistema organizado com base
orientacional que pode ser encontrado na seguinte posição: FELIZ É PARA CIMA,
TRISTE É PARA BAIXO, que, por sua vez, se manifesta em expressões da fala
cotidiana tais como “estou me sentindo para cima”, “meu astral subiu” ou “Você está
de alto astral”. (Cf. Lakoff & Johnson, 2002: 60).
O conceito metafórico orientacional tem como base nossa experiência com o
corpo ereto, demonstrando bom estado físico e boa disposição, enquanto a postura
inclinada do corpo demonstra tristeza, ausência de disposição.
A partir desse tipo de organização sistemática fundamentada na orientação
espacial, é possível perceber uma série de outras posições manifestadas na linguagem
cotidiana através de metáforas ilustradas pelos seguintes exemplos retirados de Lakoff e
Johnson (2002: 60/64):
VIRTUDE É PARA CIMA, DEPRAVAÇÃO É PARA BAIXO.
Ele é um homem de espírito elevado
Ela é uma cidadã de alto nível
Ele caiu num abismo de depravação
Foi um golpe baixo.
Podemos notar nesses exemplos uma rede de conexões que liga todo um sistema,
associando atitudes e sentimentos positivos à posição elevada, ao mesmo tempo em que
atitudes e sentimentos negativos são associados à posição inclinada ou baixa.
Para Lakoff & Johnson (2002:72), os “ nossos valores não são independentes,
mas devem formar um sistema coerente com os conceitos metafóricos que orientam
nossa vida cotidiana”. Portanto, a nossa situação emocional ou econômica estão
relacionadas com a maneira como falamos sobre esses assuntos.
É preciso considerar que, embora essa organização tenha uma base física, ela é
também determinada por aspectos sócio-culturais, o que pode levar, num dado
momento, a inverter algumas dessas posições que foram exemplificadas acima. Além
disso, devemos reconhecer que essa organização varia de cultura para cultura e pode
alterar-se dentro de uma mesma cultura em grupos diferentes ou em épocas diferentes.
Desse modo, na sociedade ocidental, desenvolveu-se em geral a noção de que
mais sempre é melhor e menos sempre é pior e, assim, ganhar mais é melhor, viver mais
é melhor etc. Entretanto, há situações em que, para manter a coerência local interna, é
necessária a inversão dessa relação quando, por exemplo, em caso de doença ou
acidente, mais dor é pior, enquanto menos dor é melhor.
Muitas vez, não percebemos as construções metafóricas no nosso cotidiano, mas
agimos de maneira que alguns conceitos como saúde, riqueza, felicidade estejam
sempre sinalizando para cima enquanto conceitos como doença, pobreza, tristeza
apontam para baixo. Pontes (1990), sobre esse assunto, afirma ainda que as metáforas,
por estarem incorporadas ao nosso dia-a-dia, esquecemos que os enunciados são
construções metafóricas. Por esse motivo, criamos metáforas sem perceber que o
estamos fazendo. Os enunciados estão relacionados nas posições “para cima”, “para
dentro”, “para fora”, “para baixo”, isso depende de como queremos descrever
determinado elemento e a posição que ele está em relação a nós.
Desse modo, Lakoff & Johnson (2002) reconhecem o papel da experiência com
o corpo humano e com o meio na estruturação do sistema conceptual. Entendendo que a
metáfora tende a se estabelecer em um movimento que parte do concreto para o
abstrato, os autores afirmam ainda:
(...) a estrutura dos nossos conceitos espaciais emerge da nossa constanteexperiência espacial, isto é, da nossa interação com o ambiente físico.Conceitos que emergem dessa maneira são conceitos que vivemos da maneiramais fundamental. (p. 128)
As experiências relacionadas ao corpo e as estruturas de imaginação seriam,
portanto, expandidas e elaboradas em outras estruturas abstratas e em padrões de
pensamento, portanto as construções metafóricas não são arbitrárias, elas pertencem a
nossa experiência física e cultural.
Outro grupo de conceito metafórico focalizado por Lakoff & Johnson (op. cit.) é
o das metáforas ontológicas, construídas com base na nossa experiência com objetos e
substâncias físicas. Para Lakoff & Johnson (op. cit.), esse tipo de metáfora nos mostra
como descrevemos as nossas experiências por meio de objetos e substâncias,
permitindo, assim, selecionar partes de nossa experiências de uma espécie uniforme e
caracterizá-las como um objeto, uma entidade ou substância, para facilitar a
categorização ou a quantificação e dessa maneira pensar sobre elas.
Com base nesses conceitos, nossas emoções podem ser tratadas como objetos,
substâncias e mesmo entidades concretas e, assim, podemos expressá-las por meio de
palavras. Como resultado desse raciocínio, os autores tratam a personificação como um
tipo de metáfora ontológica.
Também estruturados na base física estão os conceitos que os autores chamam
de metáforas recipientes. Essas metáforas são construídas com apoio em nossa
experiência básica, que determina um comportamento instintivo facilmente detectado
em todos os animais, não apenas no homem: a delimitação do território. No exemplo: os
pesquisadores estão dentro da mata, o enunciado nos mostra que delimitamos um
território, no caso a mata e que os pesquisadores estão “dentro” de um determinado
ambiente.
Desse modo, um conceito abstrato pode ser entendido como uma substância
física, que tem fronteiras, e essa substância pode ser vista como um recipiente, dentro
do qual podem ser organizados os elementos relativos à experiência com esse conceito.
Outro tipo de metáfora ontológica é a personificação que permite dar
características humanas a objetos abstratos ou inanimados. No caso desse tipo de
metáfora, as experiências, motivações, objetivos, ações e características podem ser
atribuídas a objetos para explicar e facilitar o entendimento do interlocutor.
Pontes (1990: 37) cita um exemplo sobre o TEMPO, que nos ajuda a entender
como é feita a personificação.
Eu colhi um exemplo interessante, por acaso, que ilustra esta concepção detempo como objeto que se desloca no espaço. Um colega meu, aflito numareunião do Departamento, desenhou uma ampulheta com asas, e mecomunicou: “O tempo voa”.
Este exemplo mostra como descrevemos o “Tempo”, como sendo um elemento
que “voa”, “anda”, “passa”, “corre”; depende do momento e do que queremos dizer com
isso. O “tempo”, que é algo abstrato, passa a ser uma entidade que se assemelha a um
pássaro ou mesmo a um ser humano, dependendo da relação que temos com ele.
Lakoff & Johnson (op. cit.) também trabalham o tempo em reação ao dinheiro e
mostram que nossa concepção de trabalho está muito ligada ao tempo, porque
recebemos por horas trabalhadas, temos mesada, hora extra trabalhada. Todos esses
exemplos reiteram uma relação direta entre dinheiro e tempo.
Os autores também afirmam que apesar de termos elementos que se ligam ao
nosso cotidiano de forma tão singular, como “tempo é dinheiro”, não podemos devolver
o tempo, dar troco. Portanto, há uma coerência no modo de se construir uma metáfora,
só podemos entender a venda, a doação do tempo, mas nunca podemos ter a devolução
do tempo como fazemos com o dinheiro.
Pontes (1990: 36), por sua vez, explica que “orações parecem tão comuns no
nosso cotidiano que achamos que não são metáforas. Nós entendemos realmente esses
termos dessa forma”. Dessa forma, as construções metafóricas, como por exemplo
“Tempo”, é um processo cognitivo que se inscreve na linguagem, deixando marcas que
vão aos poucos cristalizando. No entanto, vale repetir que a linguagem, ao consolidar e
reificar essas metáforas, determina uma maneira própria não só de falar mas também de
agir sobre o mundo.
Lakoff & Johnson (2002: 76) exemplificam a metáfora ontológica referindo-se à
“Inflação”.
INFLAÇÃO É UMA ENTIDADE:
A inflação está abaixando o nosso padrão de vida.Se houver muito mais inflação, nós nunca sobreviveremos.Precisamos combater a inflação.A inflação está nos colocando em um beco sem saída.A inflação me deixa doente.Comprar terra é a melhor maneira de se lidar com a inflação.
Lakoff & Johnson (op. cit.: 131) ainda afirmam
que nós habitualmente concepetualizamos experiências não físicas em termosde experiências físicas – ou seja, conceptualizamos algo que não é claramentedelineado em termos de algo que é mais claramente delineado.
Dessa maneira, podemos referir sobre algo abstrato, dando sentido, quantificá-lo,
qualificá-lo e identificá-lo por meio das construções metafóricas, pois esse objeto
abstrato passa a possuir características concretas que facilita a percepção ou explicação
sobre ele.
O terceiro tipo de conceito metafórico de que tratam Lakoff & Johnson (op. cit.)
são as metáforas estruturais, ou seja, uma entidade qualquer, abstrata ou não, é
compreendida em termos de outra, mais comum e mais facilmente manipulada graças às
experiências concretas.
Essa relação é feita por meio de correspondências epistêmicas e ontológicas e,
embora em Lakoff & Johnson (op. cit.) não faça referência à analogia, podemos dizer
que essas correspondências são estabelecidas por meio de um processamento analógico
entre os domínios conceptuais que foram aproximados; e são estruturados por meio de
elementos discretos.
Seguem abaixo alguns outros exemplos de metáforas estruturais utilizadas para o
amor, representadas por Lakoff & Johnson (op. cit.), seguidas de exemplos de suas
manifestações na linguagem.
AMOR É GUERRA
Ele é conhecido por suas inúmeras, rápidas conquistas.
Ela lutou por ele, mas sua amante finalmente venceu.
Esses exemplos nos mostram as correspondências epistêmicas como sendo o
resultado de nosso conhecimento sobre os domínios conceptuais postos em relação.
Portanto, se sabemos que uma guerra tem um objetivo, transferimos esse conhecimento
para o domínio do amor e passamos a perceber um objetivo para o amor. Observa-se,
portanto, que a metáfora apresenta um valor cognitivo também associado à experiência
sócio-cultural do falante , pois permite a operacionalização de conceitos complexos, a
respeito dos quais é difícil falar.
Ainda com respeito à teoria de metáforas de Lakoff & Johnson (2002), é
importante levar em conta o que esses autores afirmam a respeito da relação de
implicação de metáforas.
Os autores (op. cit.: 137) citam alguns exemplos da expressão DISCUSSÃO
RACIONAL É GUERRA:
DISCUSSÃO RACIONAL É GUERRA
É plausível assumir que (intimidação)
Seria não científico deixar de... (ameaça)
Como Descartes mostrou (apelo à autoridade)
Falta ao trabalho o necessário rigor para... (insulto)
Esses exemplos são formas de mostrar que o tom de voz e a maneira de
argumentar estão relacionados com a guerra. Os interlocutores podem não perceber
quando estão discutindo, mas ao mesmo tempo podem estar criando metáforas ou
agindo como se a discussão fosse uma guerra e que cada argumento utilizado serve para
ganhar espaço no território e vencer a batalha.
Tanto metáforas convencionais quanto metáforas inovadoras têm implicações
que pode ser expressas por meio de enunciados metafóricos ou não. Cada um desses
enunciados podem também produzir novas implicações, desenvolvendo uma rede de
conexões que pode ser expandida continuamente.
Essa rede de implicações pode ser vista como um conjunto de reverberações
produzidas pela metáfora, na medida em que ela ilumina certos traços de experiências
ao mesmo tempo em que obscurece outros. Assim, diferentes metáforas revelam
diferentes modos de ver a experiência. Por exemplo, a metáfora AMOR É LOCUCURA
implica a falta de controle sobre a situação; já a metáfora AMOR É UMA OBRA DE
ARTE COLABORATIVA, implica a necessidade de exercer uma atividade para
controlar a situação e chegar a um resultado esteticamente agradável.
Esses exemplos dão uma amostra da variedade de implicações que uma metáfora
pode desencadear, principalmente uma metáfora que cria sentido novo ao estabelecer
correspondências entre domínios que não são normalmente associados.
Kneipp (1990:57) diz:
Sustentam também esses autores (Lakoff e Johnson) que as metáforas nãotêm como base similaridades preexistentes, inerentes aos conceitos, mas quesão as próprias metáforas que criam essas semelhanças que, de outra maneira,não existiriam.
Portanto, há uma assimetria de conceitos menos delineados e conceitos mais
delineados, no caso, as construções metafóricas conseguem explicar os conceitos
abstratos por meio de aspectos mais concretos, consequentemente, termos ligado a
experiência humana são usados para explicar termos abstratos, que por sua vez, é difícil
ser definido.
Kneipp, fundamentada em Lakoff & Johnson (2002), nos mostra a inflação
como um inimigo, observando nos meios de comunicação a recorrência dessa metáfora.
Argumenta ainda:
(...) ocorrem metáforas recolhidas de jornais e revistas e que são comumenteusadas quando falamos da nossa experiência de aumentos constantes depreços, que, aliás, já sofre uma primeira metaforização ao conferirmos ostatus de uma entidade, no próprio momento em que a ela nos referimoscomo “a inflação”, (Kneipp 1990:59).
Podemos analisar a Inflação como sendo uma metáfora orientacional quando
observamos que quando a Inflação sobe é ruim e quando desce é boa. Ocorre, como
Lakoff & Johnson (2002) salientam, uma coerência local interna.
Esse exemplo pode ser comparado ao acidente ou doença, que, quanto menos
grave o acidente ou doença, é melhor. A coerência se forma no nosso sistema
conceptual para que no momento em que estamos falando sobre a Inflação, possamos
compreender a gravidade do aumento.
Podemos analisar também a Inflação como sendo uma metáfora ontológica e,
como Kneipp observou, a Inflação passa a ser um inimigo que deve ser derrotado.
Retiramos alguns exemplos:
INFLAÇÃO É UM INIMIGO
O controle à inflação.
A vitória da inflação.
A luta contra a inflação.
O