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A PRIMAVERA ÁRABE NO NORTE DA ÁFRICA: OS CASOS DE EGITO E LÍBIA*
Karoline Silva de Souza**
Lilian Abo Arrage***
Patrícia Santos**
Resumo
A África do Norte é um subsistema cujo papel era secundarizado até meados de 2010,
suas nações eram caracterizadas principalmente como subdesenvolvidas e com pouca
possibilidade de manobras heterodoxas. No entanto, houve a eclosão de um movimento que
tomou grande repercussão: A Primavera Árabe, contagiando os Estados do entorno, sendo
este o momento auge destes países no que se refere a centralidade das atenções globais. Desde
então, a região passa por diversas transformações, os governos possuem auspícios de
retomada do poder e estabilização econômica, ainda que a projeção, tendo em vista a
conjuntura, não seja promissora em curto prazo.
Palavras-chave: África do Norte; Primavera Árabe; Subsistema; Conflitos; Crise Política.
Abstract
North Africa is a subsystem whose role was seconded until mid-2010, its nations were
characterized primarily as underdeveloped and with little possibility of heterodox maneuvers.
However, there was a movement that had a great repercussion: The Arab Spring, infecting the
surrounding States, which is the peak of these countries with regard to the centrality of global
attention. Since then, the region has undergone several transformations; governments have
auspices for resumption of power and economic stabilization, although the projection, given
the conjuncture, is not promising in the short term.
Key Words: North Africa; Arab Spring; Subsystem; Conflicts; Political Crisis.
*Trabalho de conclusão da disciplina de Teoria Política II, do curso de Relações Internacionais da Universidade
Federal de São Paulo, elaborado durante o segundo semestre de 2017 e sob orientação do Prof. Dr. Antônio
Roberto Espinosa.
**Alunas do quarto termo do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo
***Aluna do oitavo termo do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo
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INTRODUÇÃO
Este trabalho busca compreender o subsistema norte africano e sua inserção no
Sistema Internacional, fazendo a análise dos eventos que permearam as insurreições da
Primavera Árabe e os elementos que dela decorreram e que para ela contribuíram. Neste
sentido, são elaboradas argumentações no que dizem respeito aos obstáculos que os países
dessa região encontram para recuperarem estabilidade política e controle dos meios de
exercício de suas soberanias, além da retomada de desenvolvimento econômico.
Devido a seu caráter atual, ainda estão sendo organizados esforços no âmbito de
estudos acadêmicos que delineiem quais fatores corroboram a consecução dos conflitos nesta
área, de forma que ajudem a compreender maneiras pelas quais seria possível e viável,
suplantar este período de crise tão pernicioso. É possível encontrar pesquisas relacionadas à
temática em meios de comunicação de mídia internacional, tais como o Journal of North
African Studies, Foreign Affairs, etc, com trabalhos de autores como George Goffé em “The
Arab Spring in North Africa: origins and prospects”, da Cambridge University, Fouad Ajami
em “The Arab Spring at one: a year of living dangerously”, da University of Washington,
dentre outros, de maneira que é possível contrapor suas ideias, para análise menos enviesada,
já que estes autores têm origens e referenciais teóricos distintos.
O texto deste artigo está disposto em tópicos concernentes à África do Norte, tais
como panoramas políticos e econômicos da história recente e contemporaneidade;
posteriormente aprofunda-se em específico na Primavera Árabe, em suas dimensões pretérita
e presente.
ASPECTOS POLÍTICOS DO SUBSISTEMA
O norte da África é constituído por cinco Estados, sendo eles Egito, a potência
principal, Argélia, a secundária, a Líbia, a Tunísia e o Marrocos. A forma como este
subsistema está inserido no mundo, numa região caracterizada como instável e conflituosa, é
crucial para entender-se a condução das políticas internas e externas de cada um dos Estados
pertencentes a ele e suas relações com o mundo.
Para citar dados mais gerais, a África do Norte como subsistema possui território de
6.017.730 km², população de 169 milhões de habitantes, PIB de 521.688 milhões de dólares, e
renda per capita de 3.083 dólares, além de apresentar densidade demográfica de 28,12
3
hab/km², um gasto militar de 14,09 bilhões de dólares, o que equivale a 2,70% de participação
no PIB da região e contar com 826,2 mil homens no seu efetivo militar (ESPINOSA, 2011).
Dessa forma, é a segunda região mais militarizada do mundo, atrás apenas do Oriente Médio.
Assim, para entender o cenário que desembocará na onda de protestos conhecida como
Primavera Árabe, é preciso entender a situação pela qual passava os Estados norte africanos,
principalmente Egito e Líbia, Estados centrais neste estudo. As ditaduras árabes que
vigoravam neste período têm origem nos nacionalismos árabes das décadas de 50 e 70, e
foram se tornando cada vez mais repressivos e fechando todas as portas para oposição. No
Egito, Hosni Mubarak assume o poder em 1981 e governa com mão de ferro até 2011, quando
renuncia. Seu governo é marcado por repressões, denúncias de corrupção e abuso de
autoridade. Já na Líbia, Muammar Gaddafi chega ao poder em 1969 e permanece até sua
morte, em 2011. Apesar de a Líbia ter experimentado momentos de crescimento econômico,
principalmente pela receita vinda do petróleo, ainda a pobreza era uma questão latente. As
pressões internacionais contra seu governo e as sanções impostas à Líbia abalaram as políticas
de Estado. A questão do embargo econômico imposto pelos Estados Unidos na década de 90 e
a queda do preço do petróleo deterioraram a economia e causaram descontentamento na
população. Quando da deflagração dos protestos no norte da África, Gaddafi reprimiu
duramente os contrários ao seu governo, o que acabou desembocando numa sangrenta guerra
civil. Esta guerra contou com a intervenção estrangeira, principalmente da OTAN, e ao final
traz Gaddafi morto e o comando da Líbia sob o Conselho Nacional de Transição.
ASPECTOS ECONÔMICOS DO SUBSISTEMA
A questão econômica na porção norte do continente africano baseia-se principalmente
na exportação de bens primários em larga medida, com a especialização de alguns países em
determinadas commodities, além de importação de produtos industrializados. Notadamente,
destaca-se nesta região a questão energética que leva importância não só econômica, mas
também estratégica a esses países.
Além disso, formada em 1989, a União do Magreb Árabe (UMA), constituída por
Argélia, Líbia, Marrocos, Mauritânia e Tunísia, tem papel considerável concernente às
negociações intra-subsistema, assim como nota-se no trecho a seguir: “A UMA tem uma
população de 77,8 milhões de habitantes, um PIB de US$ 141,3 bilhões, exportações girando
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em torno dos US$ 54,0 bilhões e importações alcançando os US$ 37,4 bilhões” (COMISSÃO
PARLAMENTAR CONJUNTA DO MERCOSUL).
A seguir, panoramas gerais dos principais países pertencentes ao subsistema:
ARGÉLIA
Após o passado político conturbado, devido às questões de neocolonização francesa, e
mais recente a Primavera Árabe, o Estado argelino encontra percalços quanto à estabilização
definitiva de sua economia. Apesar disso, ainda é o principal ator, ditando os rumos das
políticas econômicas a serem desenvolvidas.
O principal produto exportado pelo país são os hidrocarbonetos, especialmente gás
mineral, já que possui a décima maior reserva do mundo e figura como sexto maior
exportador deste bem, que em 2009 representou 97% das exportações da Argélia. Ademais, as
indústrias de petróleo, energia elétrica, petroquímica e processamento de comida também tem
certa representação na economia argelina. De maneira menos significativa está a agropecuária
através do cultivo de trigo, cevada, aveia, uvas, azeitonas, cítricos, frutas; ovelhas, gado.
Os principais parceiros de exportação são Itália (17,4%), Espanha (12,9%), EUA
(12,9%), França (11,4%), Brasil (5,4%) enquanto os de importação de bens de capital,
gêneros alimentícios, bens de consumo são China (17,8%), França (10,1%), Itália (9,8%),
Espanha (7,6%), Alemanha (6,4%) (UNCTAD, 2016).
Atualmente, a questão pujante no país é a necessidade de diversificação e reforma da
economia, setor que vem sofrendo prejuízos devido às baixas do petróleo, ainda que em
menor escala se comparado a países como Venezuela, pois de acordo com especialistas, os
efeitos desse fenômeno seriam sentidos de maneira mais acentuada nos produtos importados.
Por mais que a conjuntura, no que tange às flutuações dos preços de produtos energéticos, não
esteja tão agravada no país, a preocupação é que as consequências venham a abater a
economia argelina em um futuro próximo, ainda não plenamente recuperada de épocas
atribuladas anteriores (ALJAZEERA, 2016).
Característica Quantidade
População 40.376 milhões
Produto Interno Bruto (PIB) $165.979 milhões
5
Índice de Crescimento 2.90%
Renda Per Capita $4111
Tabela 1 – Índices socioeconômicos da Argélia em 2016. Fonte: UNCTAD
EGITO
Sendo a maior dentre os representantes da África do Norte, a milenar economia
egípcia se mantinha numa crescente, em diversos setores e índices (WATERBURY, 1983).
Desta forma, até meados de 2004, foram instituídas mudanças significativas nesse campo, a
fim de atrair capital estrangeiro e viabilizar crescimento mais acelerado. Contudo, os efeitos
dessas ações foram negativos principalmente para os estamentos mais baixos e médios da
sociedade, gerando crises de desemprego e condições de vida reduzidas, e então, após
protestos massivos da população egípcia, reivindicando não só melhorias na economia, mas
também questões concernentes à democracia, o país desembocou num processo de deposição
do então chefe de estado, Mohamed Hosni Mubarak, em 2011. Diante das incertezas políticas
deixadas pela vacância de poder no principal posto representativo, diversos setores da
economia tiveram reflexos dos últimos acontecimentos: turismo, manufatura, além de a
permanência dos altos índices de desemprego. Paulatinamente nos anos seguintes, pós
Primavera Árabe inclusive, a economia egípcia vem conseguindo impor ritmo econômico
considerável e retomar o crescimento.
Atualmente, os principais parceiros comerciais do Egito são provenientes da própria
região, sendo eles: Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, além de Itália, Turquia e
Estados Unidos. As exportações egípcias em 2016 foram relativamente diversificadas:
produtos manufaturados representaram (46%), gêneros alimentícios (19%), combustíveis
(18%), metais (4%) (UNCTAD, 2016). No que se refere às importações é possível notar
considerável diminuição no biênio mais recente – de U$17.467 milhões em 2015, para
U$16.978 milhões em 2016 – por conta da desvalorização da libra egípcia frente ao dólar,
além de outras medidas, para fins reformatórios, com vistas à captação de investimentos
estrangeiros, no intuito de fortalecer a economia (DAILY NEWS EGYPT, 2017).
Característica Quantidade
População 93.384 milhões
Produto Interno Bruto (PIB) $ 283.962 milhões
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Índice de Crescimento 3,40%
Renda Per Capita $3041
Tabela 2 – Índices socioeconômicos do Egito em 2016. Fonte: UNCTAD
LÍBIA
A economia líbia concentra-se, essencialmente, em torno das negociações dos
produtos energéticos, e assim como em outros países deste subsistema, os fatores econômicos
estão intimamente ligados aos políticos. A partir de 2014, com a guerra civil, o país tem
passado por períodos conturbados economicamente, além também da questão agravante: a
queda do valor do petróleo no mercado internacional. Os conflitos armados travados por
grupos rebeldes, de viés ideológico religioso, pelo controle de pontos de extração de petróleo
são frequentemente veiculados pelos meios de comunicação, principalmente de mídia
internacional, enfraquecendo a autonomia e até mesmo a confiança dos outros países para
com a Líbia.
Atualmente, os países com que a Líbia mais estabelece relações comerciais são: Itália,
França, Alemanha, Holanda e China. As exportações são essencialmente de combustíveis, em
especial o petróleo, representando 92% do total, em 2016, enquanto produtos manufaturados e
todos os outros foram 4% cada (UNCTAD, 2016).
Outra questão a ser destacada é a renda per capita da população líbia que sofreu
considerável diminuição, de U$ 12918 em 2010, para U$ 5293 em 2016, consequência dos
conflitos e crise existentes no país (BANCO MUNDIAL, 2016).
Característica Quantidade
População 6.330 milhões
Produto Interno Bruto (PIB) $ 33.508 milhões
Índice de Crescimento -4,80%
Renda Per Capita $5293
Tabela 3 – Índices socioeconômicos da Líbia em 2016. Fonte: UNCTAD
MARROCOS
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A posição geoestratégica do Marrocos, próximo e direcionado à Europa, permite com
que o país consiga barganhar em determinadas negociações, principalmente comerciais,
devido a seu mercado de caráter aberto e diverso. Reflexo disso são os países com que
Marrocos mais se relaciona: Espanha, França e Itália, além de Brasil e Índia. As exportações
marroquinas são variadas, por exemplo, em 2016 produtos manufaturados representaram 67%
do total, gêneros alimentícios 20%, metais 8% e combustíveis 4%. Hodiernamente, um dos
desafios enfrentados pelo país é a dinamização no que tange a força de trabalho, já que as
mulheres representam apenas 29% do total (UNCTAD, 2016). Outro ponto que a nação
encontra dificuldades é a grande oferta de mão-de-obra sem qualificação, emperrando os
planos de expansão para novos setores da indústria, por exemplo, (MOROCCO WORLD
NEWS, 2017).
Característica Quantidade
População 34.817 milhões
Produto Interno Bruto (PIB) $ 103 278 milhões
Índice de Crescimento 1.70 %
Renda Per Capita $ 2966
Tabela 4 – Índices socioeconômicos do Marrocos em 2016. Fonte: UNCTAD
TUNÍSIA
A economia deste país mantinha ritmo de crescimento considerável até ser abatida
pelas convulsões sociais trazidas pela Primavera Árabe. O ápice do PIB tunisiano se deu em
2014, quando alcançou 47.603 milhões, desde então houve decrescimento (BANCO
MUNDIAL, 2017). Além das questões acarretadas pelo processo revoltoso no mundo árabe,
há também o agravante do terrorismo que constantemente aflige o território tunisiano. A
democracia abalada pelos acontecimentos de 2011, também é um fator latente para o país
conseguir estabilizar a economia, estes princípios estão presentes na agenda da atual
administração do país (WASHINGTON TIMES, 2017).
Característica Quantidade
População 11.375 milhões
Produto Interno Bruto (PIB) $ 39 800 milhões
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Índice de Crescimento 2.00%
Renda Per Capita $ 3499
Tabela 6 – Índices socioeconômicos da Tunísia em 2016. Fonte: UNCTAD
A PRIMAVERA ÁRABE
A Primavera Árabe foi uma revolução política e social que teve início em dezembro de
2010 e afetou países do Oriente Médio e da África do Norte. Seu estopim se deu na Tunísia,
devido ao suicídio de um jovem tunisiano em resposta à corrupção na política e a brutalidade
policial, sem contar a falta de liberdade política e social; a crise econômica mundial de 2008
agravou o descontentamento com o regime. Como é argumentado por Patty Zakaria, o
resultado da Primavera Árabe ficou na contramão do seu objetivo inicial: levou a instauração
de regimes mais repressores e radicais ao redor do Oriente Médio e do Norte da África
(ZAKARIA, 2013).
Este cenário de levante da massa popular era inexistente nos países do mundo árabe
até 2010, em que os governos de cada país conseguiam conter a expressão da opinião pública
e controle interno através dos regimes repressivos. O termo passou a ser um sinônimo da
busca por liberdade e mais direitos, além de ser um reflexo da falta de legitimidade dos
governos do Oriente Médio e da África do Norte. Mas, em alguns locais, passou também a
significar a presença de um alto nível de violência (ARAÚJO, 2013). Logo, a Primavera
Árabe adensou a instabilidade social e política na região em questão, onde historicamente
sempre foi palco de diversos conflitos.
A PRIMAVERA ÁRABE NO EGITO
Alguns fatores podem ser considerados no que tange a derrubada de Hosni Mubarak
pela população jovem egípcia, como a desigualdade social e de gênero, a corrupção e a
ineficiência das políticas públicas aplicadas no âmbito social, o desemprego entre a população
mais jovem, diminuição do poder de compra e a separação de classe (BIJOS e SILVA, 2013).
Outro fator que também deve ser considerado foi a mobilização e a organização da população,
em especial no meio estudantil, se atentando a situação interna levada pelo controle do regime
autoritário, sem haver uma coordenação central do movimento, havendo a união da população
como um todo, sem distinção de religião ou de ideologia política (ZAYED, SIKA e ELNUR,
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2016). A internet teve um papel fundamental neste processo, dando a possibilidade de
contagiar toda a população, em que as mídias sociais orientadas por civis tiveram um papel de
articulação de mudança social e política. Esta articulação se deu, no caso do Egito (e da
Tunísia), de acordo com Tufte (2013), devido ao descontentamento da população em não ser
incluída no processo de desenvolvimento, atingindo grandes proporções em busca de
mudança, analisando as violações do seu cotidiano.
Como Ministro da Defesa, Mohamed Hussein Tantawi, assumiu o poder com forte
apoio das Forças Armadas, que seriam responsáveis por fazer uma transição política,
atendendo as demandas da população. As suas ações em um curto espaço de tempo
correspondem a uma continuidade de políticas autoritárias praticadas por Mubarak, como a
Manutenção da Sharia como principal fonte de jurisprudência (ZAKARIA, 2013), além de
fechar o parlamento. Manifestantes envolvidos nos primeiros dias da revolução foram
elevados para tribunais militares, além da constante violação de direitos humanos pelos
militares que levaria os manifestantes às ruas novamente, em setembro do mesmo ano,
demandando um governo civil (BIJOS e SILVA, 2013).
Devido à pressão popular, eleições parlamentares foram convocadas; porém, a
legitimidade do processo foi constantemente questionada, com o receio da população na volta
do modelo anterior de governo. No início de 2012, eleições presidenciais foram convocadas,
acreditando-se que esta seria a última etapa do período de transição proposto pelos militares,
sendo a primeira vez que o povo egípcio escolheria seus governantes através de votos
populares (AL JAZEERA, 2012). Segundo Bijos e Silva (2013), o candidato da Irmandade
Muçulmana (organização religiosa radical), Mohamed Mursi, saiu vitorioso.
Porém, apesar das eleições democráticas, após alguns atos arbitrários e assinatura de
decretos presidenciais para o aumento de poderes presenciais, o povo foi novamente às ruas,
havendo uma clara separação dos manifestantes em dois grupos: um em apoio ao presidente e
a nova Constituição que tramitava no parlamento e outro grupo contrário. O Exército tomou o
poder novamente, assumindo interinamente o chefe da Suprema Corte de Justiça do Egito,
Adli Mansour (BBC, 2012; 2013).
Em 2014, foi convocada novas eleições, em meio a forte repressão da oposição, em
especial a Irmandade Muçulmana, além do cenário de grave crise econômica, com um alto
nível de desemprego e desigualdade, o ex-general das Forças Armadas Abdul Fattah al-Sisi,
que foi ator central na deposição de Mursi, se apresentou como um forte candidato, tendo um
forte apoio do empresariado e de outros partidos.
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A promoção de eleições democráticas no Egito não garante a promoção da democracia
de fato. A Primavera Árabe foi contrária a seu objetivo inicial, pois levou a instauração de
regimes autoritários, similares aos que os protestos iniciais da revolução buscaram derrubar
(ZAKARIA, 2013).
A PRIMAVERA ÁRABE NA LÍBIA
Concomitante aos acontecimentos na Tunísia e no Egito, as movimentações populares
que desencadearam uma intervenção externa, guerra civil e na queda do ditador Muammar
Gaddafi, que permaneceu mais de 40 anos no poder, tiveram início em fevereiro de 2011, com
um levante armado no leste do país. Em meio a forte repressão dos levantes, as cidades
Aydabiya e de Bengazi foram tomadas por rebeldes armados, que eram compostos por parte
da população líbia, por soldados oriundos das Forças Armadas, e por diplomatas líbios que se
retiraram do serviço público (VISENTINI et al, p.60, 2011). Ainda no mesmo mês, foi
formado um governo de oposição, liderado pelo general das forças armadas líbias, Abdul
Nafa Moussa.
Ainda em fevereiro, houve o anúncio da formação do Conselho Nacional de Transição
(CNT) da Líbia, se intitulando como representante dos interesses revolucionários. Tal
conselho deveria existir até a realização de eleições populares legítimas, levando a construção
de um Estado democrático.
No caso líbio, houve um grande envolvimento de forças externas, com a participação
da OTAN (março de 2011), ataques do Reino Unido, França, Estados Unidos, Canadá e Itália,
havendo o bombardeio não só de bases militares, mas também da população civil, onde os
dois primeiros apoiaram rebeldes que lutavam contra o regime Gaddafi (VISENTINI et al,
p.61, 2011). No decorrer deste período, houve uma intensa violência, havendo a disputa do
domínio de cidades tanto por parte do governo como pelos rebeldes.
Em outubro de 2011, Muammar Gaddafi é morto, dando fim ao seu regime. Assume
Mustafa Abdel Jalil, líder do CNT, defendendo que “a Sharia (lei islâmica) seria a única fonte
de legislação do novo governo” (VISENTINI et al, p.64, 2011). O regime é reconhecido
internacionalmente, dando fim à guerra civil.
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As primeiras eleições populares para a escolha de um novo parlamento e novo
primeiro ministro na Líbia ocorreram em julho de 2012, alguns focos de manifestações
populares (ALJAZEERA, 2012). O novo parlamento estaria encarregado em escolher
representantes que elaboraram uma nova constituição. Em meio a uma nova onda de
violência, em especial de bombardeios liderado pelo general das Forças Armadas Khalifa
Haftar contra extremistas islâmicos, novas eleições foram convocadas em 2014
(ALJAZEERA, 2014).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao analisar a África do Norte, levando em consideração os aspectos políticos e
econômicos, destacamos o papel da Primavera Árabe na atual conjuntura do subsistema,
iniciada na Tunísia, se espalhando pelo Egito e Líbia. O Egito se destaca com a principal
potência da região (possuindo anfibiedade com o Oriente Médio), teve a economia afetada
pelos eventos revolucionários posteriores a 2011. As alterações políticas no país levaram a
queda de Hosni Mubarak, devido ao descontentamento da população em geral com a
ineficiência do governo em coordenar um processo de desenvolvimento nacional. Apesar da
convocação de eleições populares em 2012 e depois em 2014, com o intuito de se aumentar a
participação popular, não conseguiu caminhar para um modelo mais democrático.
Já a Líbia, as movimentações populares que levaram a queda e morte do ditador
Muammar Gaddafi e a instauração de uma Guerra Civil, contou com a intervenção das
grandes potências do sistema internacional. Apesar da instauração de um governo de transição
e do reconhecimento externo do regime que colocou um fim oficial a guerra civil, as ondas de
violência permaneceram mesmo com promoção de eleições parlamentares. Logo, a
instabilidade se manteve no país, tanto pela questão política quanto econômica, gerada pelas
oscilações do preço do petróleo (base da economia líbia) no mercado internacional.
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