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1239 v.14, n.4, p.1239-1264, out.-dez. 2007 A persistência da teoria da degeneração indígena e do colonialismo nos fundamentos da arqueologia brasileira The persistence of the theory of indigenous degeneration and colonialism within the theoretical foundations of Brazilian archeology Francisco Silva Noelli Laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-História – Universidade Estadual de Maringá Rua Culto à Ciência, 423/41 13020-060 Campinas – SP – Brasil [email protected] Lúcio Menezes Ferreira Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp Rua Culto à Ciência, 423/41 13020-060 Campinas – SP – Brasil [email protected] NOELLI, Francisco Silva; FERREIRA, Lúcio Menezes. A persistência da teoria da degeneração indígena e do colonialismo nos fundamentos da arqueologia brasileira. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.14, n.4, p.1239-1264, set.-dez. 2007. Examina a persistência de certos fundamentos teóricos da arqueologia brasileira e do pensamento americanista. Por meio da comparação entre alguns temas da obra de personagens seminais como Karl Friedrich Philipp von Martius, Francisco Adolfo de Varnhagen e Betty Jane Meggers, analisam-se traços temáticos e políticos comuns que marcam uma secular continuidade da teoria da degeneração indígena e do argumento colonialista. PALAVRAS-CHAVE: história das ciências; arqueologia brasileira; pensamento americanista; degeneração; colonialismo. NOELLI, Francisco Silva; FERREIRA, Lúcio Menezes. The persistence of the theory of indigenous degeneration and colonialism within the theoretical foundations of Brazilian archeology. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.14, n.4, p.1239-1264, Sept.-Dec. 2007. The article examines the persistence of certain theoretical foundations of Brazilian archeology and Americanist thought. The theory of indigenous degeneration and the colonialist argument display a secular continuity characterized by common political and thematic lines. This is analyzed through a comparison of some of the topics addressed in the works of seminal figures like Karl Friedrich Philipp von Martius, Francisco Adolfo de Varnhagen, and Betty Jane Meggers. KEYWORDS: history of the sciences; Brazilian archeology; Americanist thought; degeneration; colonialism.

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    A persistncia dateoria da

    degeneraoindgena e do

    colonialismo nosfundamentos da

    arqueologiabrasileira

    The persistence of thetheory of indigenous

    degeneration andcolonialism within thetheoretical foundationsof Brazilian archeology

    Francisco Silva NoelliLaboratrio de Arqueologia, Etnologia e

    Etno-Histria Universidade Estadual de MaringRua Culto Cincia, 423/41

    13020-060 Campinas SP [email protected]

    Lcio Menezes FerreiraNcleo de Estudos Estratgicos da Unicamp

    Rua Culto Cincia, 423/4113020-060 Campinas SP Brasil

    [email protected]

    NOELLI, Francisco Silva; FERREIRA, LcioMenezes. A persistncia da teoria dadegenerao indgena e do colonialismo nosfundamentos da arqueologia brasileira.Histria, Cincias, Sade Manguinhos, Rio deJaneiro, v.14, n.4, p.1239-1264, set.-dez. 2007.Examina a persistncia de certos fundamentostericos da arqueologia brasileira e dopensamento americanista. Por meio dacomparao entre alguns temas da obra depersonagens seminais como Karl FriedrichPhilipp von Martius, Francisco Adolfo deVarnhagen e Betty Jane Meggers, analisam-setraos temticos e polticos comuns quemarcam uma secular continuidade da teoria dadegenerao indgena e do argumentocolonialista.PALAVRAS-CHAVE: histria das cincias;arqueologia brasileira; pensamentoamericanista; degenerao; colonialismo.

    NOELLI, Francisco Silva; FERREIRA, LcioMenezes. The persistence of the theory ofindigenous degeneration and colonialismwithin the theoretical foundations of Brazilianarcheology. Histria, Cincias, Sade Manguinhos, Rio de Janeiro, v.14, n.4,p.1239-1264, Sept.-Dec. 2007.The article examines the persistence of certaintheoretical foundations of Brazilian archeologyand Americanist thought. The theory ofindigenous degeneration and the colonialistargument display a secular continuitycharacterized by common political and thematiclines. This is analyzed through a comparison ofsome of the topics addressed in the works ofseminal figures like Karl Friedrich Philipp vonMartius, Francisco Adolfo de Varnhagen, andBetty Jane Meggers.KEYWORDS: history of the sciences; Brazilianarcheology; Americanist thought; degeneration;colonialism.

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    Georges Canguilhem (1979, 1989) argumenta que a histria deconceitos cientficos no apresenta uma racionalidade progres-siva e que a histria das cincias no exibe, necessariamente, umacadeia dedutiva de aperfeioamentos. Paradoxalmente, conceitoscientficos podem repetir-se, ainda que modificados, em diferentescontextos histricos. Adquirindo outras roupagens metodolgicas,so reutilizados, amolgando-se a lugares diversos de constituioe de validade, a regras distintas de aplicao e a meios tericos ml-tiplos, incluindo o poder atrelado s cincias.

    Essas proposies esclarecem a persistncia de alguns funda-mentos da arqueologia brasileira e do pensamento americanista: ocotejo da bibliografia revela que teorias e conceitos do sculo XIX,j criticados, ainda circulam na produo acadmica contempo-rnea. Isso evidente se considerarmos uma parte da influente obrade Betty Meggers. Se analisados em suas representaes arqueo-lgicas, seus textos revelam uma surpreendente coincidncia: repe-tem, em boa medida, aspectos centrais da arqueologia do BrasilImprio, sobretudo as de Karl Friedrich Philipp von Martius (1794-1868) e Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878). Como j assi-nalou Bruce G. Trigger (1990, p.294), a equao arqueolgica deMeggers, segundo a qual a cultura determinada pelas relaesentre ambiente e tecnologia, assemelha-se s abordagens de muitosantroplogos do sculo XIX.

    Obviamente, entre as arqueologias do Brasil Imprio e a da atua-lidade h um largo interregno, com suas especificidades e seussuportes tericos e institucionais. Mais de cem anos de pesquisasarqueolgicas separam Martius e Varnhagen de Meggers, perodoque precisa ser mais estudado. Contudo, hoje, principalmente asidias de Meggers so discutidas no intuito de avaliar suas contri-buies, particularmente para a arqueologia amaznica. Passa-seem revista a obra de Meggers e a histria pr-colonial da Amazniae debatem-se os modelos etnogrficos para a arqueologia amaz-nica e as implicaes das pesquisas arqueolgicas para a autode-terminao das atuais sociedades indgenas.

    Esse relevante debate no se abriga, para usarmos a metfora deGeorge Orwell (2005), dentro da baleia. Ao propor vises alternati-vas para a pesquisa arqueolgica, os participantes da discussoposicionam-se publicamente num contexto mundial em que as socie-dades indgenas firmam sua ligao histrica com o passado paralegitimar sua soberania poltica no presente. Parece-nos, porm,que no se detm especificamente sobre a existncia de um legadoduradouro da histria da arqueologia brasileira: a teoria da dege-nerao indgena e a permanncia de representaes arqueolgicascolonialistas.

    Nosso objetivo, neste artigo, analisar esse legado. Para tanto, preciso clarificar a noo de representao arqueolgica colonia-

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    lista. Quando se pensa em representao arqueolgica, no h, defato, como se abrigar dentro da baleia. No h um ponto arqui-mediano em que as representaes sobre o passado sejam purgadasdas presses polticas e posies institucionais contemporneas. Asrepresentaes arqueolgicas nunca esto fora da poltica (Veigt,1989). Quando falamos, portanto, de representaes arqueolgicascolonialistas, no conferimos ao ltimo termo nenhuma volatilidadeou fluidez. Por colonialismo entendemos no somente o governoe a explorao direta dos territrios nativos e de seus habitantes(Bohemer, 1995), no apenas a conquista militar, poltica e econ-mica, mas tambm a dimenso propriamente cultural ou cientficado colonialismo, aquela que justificou as misses civilizadoras, isto, as narrativas ou representaes, arqueolgicas ou no, que colo-caram as sociedades indgenas em posio de inferioridade cul-tural, classificando-as como brbaras, primitivas e, como no casoaqui analisado, degeneradas.

    Como veremos a seguir, ao classificarem os povos indgenas dedegenerados, Martius e Varnhagen legitimaram um colonialismointerno. Betty Meggers, por sua vez, nuanou o conceito de dege-nerao, deu-lhe outros significados, inserindo-o no quadro dodeterminismo ecolgico. Ao faz-lo, partiu de uma viso geral dapr-histria americana. Longe de ser somente uma narrativa in-cua sobre o passado, a pr-histria da Amrica, em Meggers, ser-viu-lhe para explicar as presentes desigualdades regionais do con-tinente.

    Colonialismo interno

    Stuart Hall (1996) argumenta que o colonialismo, em meio aosprocessos de transculturao entre o global e o local promovidospelas polticas imperialistas, tornou-se uma realidade difusa, vi-gente mesmo nos Estados ps-coloniais. Tal vigncia tem sido con-ceituada como colonialismo interno (ver, por exemplo, Brydon,2000, e Quayson, 2000). Ele ocorre quando, dentro de uma fron-teira nacional, elites locais entronizadas no Estado e em seus apare-lhos imaginam e desencadeiam projetos de colonizao e conquistados nativos e da geografia; ocorre quando essas elites, valendo-se dosaparatos da cincia, asseguram uma hierarquia interna baseada nogoverno racial (Goldberg, 1999).

    Para instaur-lo, foram peas-chave desse mecanismo os dis-cursos das humanidades. Escreveram-se histrias da nao or-ganizadas como prosas do poder (Bhabha, 1990, p.5) que conju-raram, para alm de suas margens e linhas oficiais, todos osacontecimentos e etnias indesejados (Chatterje, 1993). Elaboraram-se narrativas que justificaram a manuteno dos binarismos raciaisplasmados pelas sociedades coloniais, reanimando-os no domnio

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    dos subalternos pelas elites locais (Prakash, 1995). Nesse vis degoverno racial, os Estados ps-coloniais latino-americanos insti-turam, tambm eles, um colonialismo interno (Young, 2001;Loomba, 2000). No Brasil monrquico (1822-1889), por exemplo,v-se claramente as cincias confluindo com projetos coloniais.

    Em particular a arqueologia cuja relao com o imperialismo eo colonialismo j foi, alhures, amplamente analisada (para um textomais recente, ver Daz-Andreu, 2003) institucionalizada no Insti-tuto Histrico e Geogrfico Brasileiro (IHGB) e no Museu Nacionalteve uma trplice funo cientfica e poltica. Em primeiro lugar, ob-servar os vestgios arqueolgicos como hipotticos depositrios designos de civilizao, observ-los como ndices para compor-se umaidentidade nacional coroada por culturas indgenas elaboradas. Emsegundo lugar, coube-lhe observar os artefatos como instrumentospassveis de desenhar retrospectivamente, com sua materialidadetangvel, as fronteiras nacionais. Por fim, coube arqueologia, emcompasso com a antropologia, examinar no s o ndio morto mastambm o ndio vivo, escrut-lo em seus graus de civilizao paraestipular uma poltica colonial, para selecion-lo e arregiment-locomo mo-de-obra sucednea aos braos escravos. Quanto mais civi-lizado, melhor operrio seria um indgena (Ferreira, 2003, 2005).

    A arqueologia esteou-se numa geoestratgia. Reservou-se-lhe noapenas o papel de dar contedo manifesto idia abstrata de Bra-sil, margear suas fronteiras e computar a ancianidade de sua ocu-pao, como tambm o de interiorizar a civilizao e civilizar aspopulaes indgenas. Haver-se com os indgenas, tom-los comoobjeto de discurso implicava formular projetos de colonizao doterritrio nacional. no mbito dessa trplice funo que devemser compreendidas as representaes arqueolgicas de Martius eVarnhagen.

    O legado de Martius e Varnhagen

    Karl Ph. von Martius, em seus ensaios (1907, 1905, 1844) e emseu romance (1992), concluiu que as populaes indgenas eramdegeneradas. O ndio, para ele, era o testemunho da imobilidade eestagnao de uma raa, estampava os sinais iniludveis de umainvoluo. Seu corpo seria um fssil vivo, uma superfcie calcinada,macerada pela degenerao. O naturalista amparava-se na idia derecapitulao: os adultos das raas inferiores, do ponto de vistaintelectual, seriam como as crianas das raas superiores. O ind-gena reuniria os dois plos opostos da vida intelectual: moralmenteainda na infncia, na minoridade, a civilizao no o altera, no oemula, sua inaptido para o progresso assemelhando-o a um ve-lho estacionrio. Tal condio do indgena, contudo, no era na-tural (1907, p.20). Ele no galgou a evoluo da humanidade, no

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    se acha, como queria Rousseau, no estado primitivo (1907, p.21,1844, p.393); na realidade, pertenceu a uma civilizao que habitoutodo o continente americano, mas que, no entanto, foi fustigadapela degenerao.

    Para Martius, haveria trs evidncias dessa antiga civilizaoamericana. Em primeiro lugar, as edificaes colossais que se es-praiam pela Amrica Central e pelo Mxico; herdada, contudo, porpovos cujas teocracias, muito antes da conquista espanhola, nopodia deter o processo de franca degenerao que as fragosidadesdas florestas tropicais lhe impunham (Martius, 1907, p.18). Em se-gundo lugar, a Amrica apresentaria um conjunto de animais eplantas teis, domesticados por um povo antes civilizado, guardiode uma fora intelectual que degenerou. A terceira evidncia seriamos tupis. Originrios dos Andes, eles descendiam dos incas. DosAndes, chegaram ao Sul do continente americano e alcanaram,depois, o Norte. Das regies do rio da Prata Amaznia, os tupiseram civilizados, povos que se imburam da percia cultural incaicae realizaram uma das maiores disporas do mundo, porquanto seusvestgios lingsticos se acham desde o Caribe at o Paraguai; con-tudo, em virtude da miscigenao com raas brbaras e da expo-sio tropical, degeneraram (p.17-18, 80-82; para uma histria dasidias dessa hiptese de migrao, cf. Noelli, 1996, 1998).

    O determinismo ambiental e a miscigenao explicam, pois, adegenerao indgena. Mas para Martius a dissoluo fsica e inte-lectual do indgena repousa, ainda, em outros fatores: primo, nasregras de direito que promulgavam uma hobbesiana guerra de to-dos contra todos as relaes mantidas entre os grupos que seimaginavam aparentados por uma origem comum prefiguravamtticas de aliana e defensivas, ditavam as normas para a divisodos despojos e a obteno de escravos, presidiam o carter ardilosoe antropfago dos indgenas (Martius, 1907, p.20-82). O segundofator seria o homossexualismo, o peccatum nefandum a presena deuma casta de andrginos entre os grupos indgenas condensou umaraa marcada pela maldio da esterelidade (p.30-31).

    Para Martius as populaes indgenas, afetadas por terosinfecundos, seriam reduzidas e irregularmente distribudas. Nolhes atribuiu um nmero, mas afirmou que elas no passariam derunas de povos (Martius, 1844, p.393). Haveria um defeito ge-ral na organizao desta raa vermelha ela guardaria o germe deseu desaparecimento prematuro (1907, p.81-82,1905). Assim, seriavo qualquer esforo para torn-la sujeito de direito, para amold-la vida orgnica da monarquia constitucional. O ndio, comosdito potencial do imprio, seria, para Martius, sujeito de evicode direito, irrecupervel para os propsitos civilizatrios do gover-no monrquico. Ele interessaria, contudo, como documento paraa escrita da histria primitiva do Brasil.

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    Para deslindar a origem dos indgenas, Martius (1844) indicoualgumas diretrizes metodolgicas. O naturalista articulava, numamesma grade disciplinar, a filologia, a etnografia e a arqueologia.Em procedimento corrente depois do Sturm und Drang, tanto naEuropa como nos Estados Unidos, a abordagem filolgica emetnografia e arqueologia permitia chegar etnognese de uma po-pulao (Horsman, 1981, p.32-33; Champion, 1990, p.89; Bandinelli,1984, p.157; Bravo, 1997). Para Martius o estudo das lnguas ind-genas equivalia etnografia: a compilao do conjunto de mitosindgenas levaria deduo dos cursos imigratrios das popula-es nativas. Os mitos, como objetos de estudo, autorizariam ainterpretao arqueolgica, isto , nessa acepo, as anlises sobrea origem dos indgenas. Alm disso, a arqueologia se faria em meios viagens cientficas. Ao lado do estudo filolgico-etnogrfico dosmitos, as viagens cientficas descortinariam as rotas de imigraoindgena, os vestgios de civilizao, os monumentos delidos eesparsos entre as adjacncias dos rios Tocantins, Xingu e Araguaia(Martius, 1844, p.392-395).

    Alm de traar as linhas do trabalho a ser realizado pelo histo-riador brasileiro, que escreveria um epos a debandar os perigos dorepublicanismo e do lema divide et impera (Martius, 1844, p.409), onaturalista esmiuou a especificidade da formao racial do Brasil.Da mescla das trs raas que compunham o Brasil (brancos, ne-gros e ndios), coube a cada uma, com sua ndole inata, um movi-mento histrico particular, um motor que, uma vez acionado,propeliu a nao. O historiador formularia, num mesmo gesto deescrita, uma identidade nacional e projetos de colonizao tipica-mente eugnicos; apontaria como se consignariam as condies paraa evoluo das trs raas do Brasil, para vivific-las numa naonova e robusta. Os indgenas, como grupos isolados, no pode-riam ser politicamente aproveitados pelo Imprio, mas concorre-riam para uma miscigenao saudvel, que, nutrida inicialmentepor entre as classes baixas, vigoraria, nos sculos vindouros, nasclasses altas (p.389-391). A degenerao indgena anular-se-ia, di-luindo-se no futuro corpo vigoroso da nao.

    Idias colonialistas tambm se firmam na obra do historiadorFrancisco Adolfo Varnhagen, que no se eximia de utilizar tatica-mente o seu saber historiogrfico. Num momento em que ainterligao fsica e administrativa do territrio nacional era umimperativo para o projeto centralizador da monarquia, Varnhagenfoi convocado por Paulino Jos Soares de Souza (1807-1866), mi-nistro e secretrio de Estado dos Negcios Estrangeiros, para in-tervir em questes geopolticas. Escreveu uma Memria(Varnhagen, 15 jul. 1851), analisando documentos oficiais paraencaminhar as negociaes das raias do Imprio com as Guianas, oEquador, o Peru, a Bolvia e o Paraguai.

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    No tocante s populaes indgenas, Varnhagen tambm laborouestratagemas. Como membro do IHGB, tratava-se para ele de pen-sar as possibilidades de integrao concreta dos grupos indgenas como parte de uma poltica mais ampla de construo nacional a um territrio definido geopoliticamente como territrio da na-o. Assim, em 1841, prope a efetivao da Seo de Etnografia eArqueologia no IHGB, a ser acrescida quelas j existentes de His-tria e Geografia, cujos . A Seo teria como propsitos investigarlnguas, usos e costumes das populaes indgenas; fazer-lhes ademografia e a cartografia para esboar uma carta etnogrfica ecoloniz-las (Varnhagen, 1841, p.63). Seus objetivos eram mapearo territrio brasileiro em seus ngulos etnogrficos e recolher ma-teriais para organizar um saber sobre a histria primitiva do Bra-sil. Para escrev-la, Varnhagen sempre recorreu, nos anos seguin-tes, arqueologia. Num texto de 1849, ele noticiou a existncia desepulturas indgenas, das casas de pedras do sul do Brasil edos sambaquis do Maranho e de Santos. E, afinando-se pelodiapaso de Martius e de tantos outros intelectuais dessa quadrahistrica, classificou os indgenas como raa decadente. Em vir-tude da ao deletria dos trpicos e da miscigenao desenfreada,os indgenas estariam em irreversvel degenerao (Varnhagen,1849, p.370).

    Em termos metodolgicos, os textos de 1841 e 1849 so reite-rados na sua obra magna, a Histria Geral do Brasil, de 1854(Varnhagen, 1975). O estudo das raas que esto na infncia inte-lectual, dos povos rudes que no possuem escrita e histria, s aetnografia pode faz-lo: De tais povos na infncia no h histria:h s etnografia. A infncia da humanidade na ordem moral, comoa do indivduo na ordem fsica, sempre acompanhada de peque-nez e misria (p.30). Varnhagen entende por etnografia no s otrabalho de campo e em viagens pelo Brasil ele coligiu os costu-mes e vocabulrios indgenas , mas tambm a leitura de crnicascoloniais e relatos dos naturalistas, por meio dos quais apreender-se-iam os usos e os mitos indgenas. A abordagem filolgica, porsua vez, maneira da filogentica do indo-europeu, permitiria aclassificao racial e lingstica dos nativos, revelaria dedutivamenteantigas e nebulosas imigraes.

    Valendo-se destes procedimentos, concluiu Varnhagen (1975,p.24): Essas gentes vagabundas que, guerreando sempre, povoa-ram o terreno que hoje do Brasil, eram pela maior parte verda-deiras emanaes de uma s raa, ou grande nao; isto , proce-diam de uma origem comum, e falavam dialetos da mesma lngua.As diferentes naes, portanto, falavam variaes de uma mesmalngua, o tupi. Os grupos indgenas reduziam-se a uma nica clu-la homognea. O exame acurado dos mitos e da lngua tupis mos-tra, ademais, que eles eram uma raa invasora, vindios alien-

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    genas (p.52). Tiveram sua origem no Caribe e, a partir do Norte,notadamente das adjacncias do Amazonas, vieram, em levas su-cessivas, imigrando at o sul do continente americano, ocupandoos sertes e a costa litornea do Brasil. Varnhagen, portanto, apro-xima-se e afasta-se da hiptese de povoamento do Brasil estabelecidapor Martius: os tupis vieram, sim, do Norte, mas do Caribe e doAmazonas e no propriamente dos Andes, e chegaram ao sul do Bra-sil sem bordejar, contudo, as cercanias do rio da Prata e o Paraguai.

    Os tupis eram beligerantes. Com suas contnuas guerras paraocuparem o territrio que hoje do Brasil, diz-nos Varnhagen,eles fragmentaram-se. Os decadentes tupis, pois, quando da che-gada dos primeiros conquistadores portugueses, foram estimadosem um milho de almas nmades com agricultura incipiente ouinexistente. Varnhagen no apontou as fontes que lhe lastraramesse clculo demogrfico, porm equacionou, com esse nmero, umaproposio de economia poltica apoiando-se num axioma esta-tstico de Malthus (1967): em qualquer pas, a populao s se desen-volve e avoluma quando os seus habitantes abandonam a vidaerrante e se entregam agricultura, fixando-se em habitaes perma-nentes. Antes da conquista portuguesa, assim, o pas vinha a es-tar muito pouco povoado (Varnhagen, 1975, p.23).

    Varnhagen tinha explicaes para o despovoamento do terri-trio. Em primeiro lugar, porque os tupis guerreavam permanen-temente; moviam-se pelo instinto de vingana, viviam hostilizando-se uns aos outros, cobiosos pelos melhores lugares para pescar e ca-ar, pelos despojos dos conflitos escravos para os trabalhos e car-ne para os festins antropofgicos. Em segundo lugar, os tupis, noseu estado de decadncia, desconheciam qualquer viso metafsicade mundo. Nenhuma religio os governava, e dentre a mirade devcios de que eram possuidores, encontravam-se corrompidos pelohomossexualismo, da a intensificao do despovoamento. Enfim,sempre segundo Varnhagen, tbios eram os seus laos sociais, poisa etimologia revela que a palavra tupi no se liga a nenhumaforma de Estado. Viviam errantes, em plena anarquia selvagem.No possuam, como os incas, um Estado centralizador, capaz delivr-los dos interesses ditados pela conservao vital, com umaaristocracia forte para conduzi-los civilizao e ao crescimentopopulacional (Varnhagen, 1975, p.26ss).

    Entretanto Varnhagen no via razes para desolar-se com essequadro melanclico. Afinal, conforme se verificava em fidedignosdocumentos histricos e filolgicos, era provvel que os tupis, vin-dos do Norte, especificamente das ilhas do Caribe, proviessem decivilizados povos navegadores do Velho Mundo: fencios, gregosou egpcios. Alm disso, o visconde de Porto Seguro fazia corocom Martius e outros intelectuais do IHGB tambm ele pressu-punha que os tupis tiveram um passado glorioso, timbrado por

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    signos de civilizao. Para Varnhagen, os tupis eram remanescentesde antigas imigraes transatlnticas, descendentes, em suma, deraas mediterrnicas, nautas e civilizadas. Poderiam, pois, integrara identidade da nao, desde que o seu passado encerrado nas matasatlnticas, nos mitos balbuciados por sua linguagem, nas anota-es barrocas dos cronistas coloniais e nas mincias cientficas dosnaturalistas apontasse para um percurso histrico-civilizacional.Varnhagen olhava o avesso dos indgenas, o lado reverso, outroracivilizado, daqueles povos que considerava, ento, degenerados.

    Assim, pautando-se no exemplo dos primeiros colonizadoresportugueses, Varnhagen no via outra soluo para colonizar osindgenas seno usando a fora (Varnhagen, 1975, p.212). Para ele,foi por mal entendida filantropia, primeiro dos jesutas, depoisdecretada pelos reis, que se chamaram os indgenas civilizaounicamente pelos morosos meios da catequese (p.220). Varnhagenno entendia que ainda houvesse cultores de Rousseau ante essasraas degeneradas, pois sem leis e civilizao o homem inclina-se barbrie e antropofagia (p.52).

    O legado da degenerao

    Ao falarem de degenerao indgena e ao adotarem explicaesdifusionistas, Martius e Varnhagen participaram, com efeito, de umamplo debate. Ora, o conceito de degenerao est, desde Buffon,acolchetado viso da Amrica como um continente jovem, paraonde humanos e animais, ao imigrarem da sia e da Europa, su-cumbiram s asperezas do clima tropical. Ele foi influente a pontode comparecer obrigatoriamente no s nos debates em histrianatural e antropologia dos sculos XVIII e XIX (Blanckaert, 1993),mas tambm na psicologia e na biologia modernas. Foi adotado atmeados do sculo XX por vrios autores, e coube a Freud o mrito desolap-lo (Gould, 1981). Concomitantemente credita-se o apareci-mento do difusionismo, na teoria antropolgica e arqueolgica, aoprimeiro tero do sculo XX. Tanto Friedrich Ratzel quanto FranzBoas teriam fundado seus preceitos cientficos fundamentais.

    Porm, seu conceito bsico, segundo o qual no existem inven-es culturais independentes, pois elas se fazem pelos contatostranscontinentais e intercontinentais, pela dispora dos povos civi-lizados, pelos mestres peritos a ensinar populaes imperitas, jvigia na Amrica do Sul desde o sculo XVIII. Esse modelo atrelou-se firmemente ao conceito de degenerao. Foi ativado como armapoltica nas cincias locais. As elites crioulas, na Amrica do Sul,viam na cincia uma forma de ascenso social, de interveno eengajamento polticos (Pastrana, 1987). Nas palavras de Luis CarlosArboleda (2000), o erudito conspirador tornou-se, paulatinamente,um sbio republicano. Se as cincias se desenvolveram em

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    FRANCISCO SILVA NOELLI E LCIO MENEZES FERREIRA

    concomitncia com a expanso imperial europia (Petitjean, 1992),elas geraram nas colnias uma intensa criatividade intelectual; umadialtica entre propagao metropolitana e re-elaborao colonial(MacLeod, 1996; Saldaa, 1986). Foi o que ocorreu, nas cinciasnaturais, com o conceito de degenerao. Maria Raquel da Fonseca(1996) mostra-nos que, tanto no Brasil como no Mxico, o con-ceito, que implicava subordinao poltica e tutela colonial, rever-teu-se em caminho de viabilidade para as naes americanas. Con-testando os cientistas europeus que forjaram a idia de degeneraodo Novo Mundo, os cientistas locais apontavam, por meio de es-tudos prticos sobre a natureza, as potencialidades e a fertilidadedas terras americanas (p.11).

    Isto quanto s cincias naturais. J com a arqueologia, que li-dava com as populaes humanas nativas, o problema revestiu-sede outros contornos. O difusionismo atribuiu, quase sempre, umaorigem extra-americana para as populaes indgenas. DesdeHumboldt, postulou-se uma origem asitica para os indgenasamericanos. Na Amrica do Sul, essa hiptese era mais ou menosconsensual. Ao longo dos sculos XVIII e XIX, cientistas da Am-rica Latina, ocupados com o passado pr-hispnico, corroboraram-na (Snchez, 2004; Rueda, 2003). Isso explicaria as primeiras teo-rias sobre o surgimento de civilizaes nos Andes e nos planaltosamericanos. Na regio amaznica, em meio s fragosidades da flo-resta, os ndios teriam degenerado. A regio no seria propcia paraa formao de Estados centralizados e civilizaes. Os poucos gru-pos que se civilizaram, lograram-no graas aos contatos com aspopulaes andinas ou com aquelas que se desenvolveram no M-xico e na Mesoamrica. Buscava-se assim, na cultura material, cor-respondncias e contigidades simblicas e estruturais que pro-vassem a existncia de contatos intercontinentais e inter-regionais.

    Essas concepes atrelavam-se aos projetos polticos de inte-grao dos indgenas nos Estados sul-americanos. No Brasil monr-quico, tais projetos esbarravam no consenso axiomtico da dege-nerao nativa. No foi revelia que tanto Martius como Varnhagenfizeram meno a Rousseau; para ambos, assim como para outrosintelectuais orgnicos do Imprio, tratava-se de pensar as condi-es propcias para compactuar com os indgenas. Como fundarum contrato social com runas de povos, como colonizar e inte-grar sociedade povos degenerados? A discusso prosseguiu, soboutra moldura epistemolgica, aps 1870, quando, sobretudo noMuseu Nacional, os enunciados evolucionistas nortearam as esca-vaes estratigrficas. A degenerao indgena foi materializada eminterpretaes antropolgicas da cultura material e contextualizadageologicamente.

    Assim, a ilha de Maraj e a Amaznia, nas pesquisas de JooBarbosa Rodrigues (1842-1909) (1876a, 1876b) e de Domingos Soa-

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    res Ferreira Pena (1818-1888) (1876,1877), atestaram cermicas es-meradas em suas tcnicas de confeco e adornos, nos estratos maisantigos dos stios arqueolgicos; em contrapartida, nos solos maisrecentes, ocorreram peas rudes. A lgica das escavaes revelou,pois, uma primitividade ascendente. O Brasil possuiria, em suapr-histria, ilhas de civilizao, culturas dignas de figurar na re-presentao histrico-coletiva da nao, com uma percia indus-trial que lembrava a Ferreira Pena e a Barbosa Rodrigues, pela sofis-ticao de suas inscries e formas geomtricas, a olaria grega. Masem algum momento de sua histria, assim como o inseto de Kafka,os ndios metamorfosearam-se naquilo que so no presente: dege-nerados, incapazes de perpetuar uma tradio civilizada.

    Nem todos concluram pela degenerao indgena. Jos VieiraCouto de Magalhes (1837-1898), contrapondo-se a Ferreira Pena ea Barbosa Rodrigues, evidenciou, em suas escavaes na Amaz-nia, uma primitividade decrescente. Os indgenas no teriam de-generado nas camadas arqueolgicas dos aterros amaznicos,plsticos artefatos cermicos se superpunham tosca olaria (Ma-galhes, 1935, p.71-73). Se o ndio no degenerado, pode repudiar-se, como o fez Couto de Magalhes, a soluo de Varnhagen, oextermnio indgena, e optar-se pela proposta eugnica promul-gada por Martius. Para o general Couto de Magalhes, os indgenasdeveriam ser concentrados em colnias militares, no norte do pas,onde seriam civilizados e, num segundo momento, miscigenadoscom imigrantes europeus (Magalhes, 1875). O norte do Brasil seriacolonizado por uma raa mais branca e europeizada, e o territrionacional, por sua vez, interligar-se-ia por vias frreas, cuja estaocentral, o ponto meridiano, seria o Rio de Janeiro, a sede do podermonrquico (Magalhes, 1935, p.208). Um Brasil branco, geopoli-ticamente vincado por ferrovias.

    Assim, no surpreende que o conceito, ainda que nuanado,tenha ultrapassado a monarquia e alastrado pelo perodo republi-cano, particularmente na obra de pesquisadores norte-americanos.Pode-se not-lo em Julian Steward, organizador dos seis amplosvolumes do monumental Handbook of South American Indians, publi-cados entre 1946 e 1949 pelo Bureau of American Ethnology daSmithsonian Institution (publicou-se o volume sete uma dcadadepois, em 1959). Fiando-se na carga emprica reunida pelos auto-res do Handbook e obviamente em suas prprias pesquisas, Stewardteceu interpretaes arqueolgicas sobre as populaes nativas dosterritrios do leste da Amrica do Sul, repartindo-as num enclavedeterminista ambiental e definindo-as como reas culturais. Espe-cialmente no caso do Brasil, Steward fundou uma dicotomiageneralizante. Reduziu a imensa gama de ectonos regionais brasi-leiros, dividindo-os em duas pores: a vrzea e a terra firme(Steward, 1948a, 1948b, 1949a).

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    Na vrzea, as populaes seriam mais numerosas. Ofertas na-turais abundantes e solos agricultveis permitiram melhor adap-tao evolutiva. Tais grupos, relativamente evoludos, decaramculturalmente ao pisarem nas reas de terra firme. Afastados doscursos dgua e de seus recursos, os agrupamentos rarearamdemogra-ficamente, debilitaram-se culturalmente nas reas mar-ginais e nas reas de floresta tropical. Submetidos ao fluxo sa-zonal dos alimentos em seu entorno, parte das populaes tornou-se nmade, vagando pelas terras firmes cata dos melhores repastos.Os solos das florestas tropicais seriam adversos ocupao hu-mana. O solo pobre cria homens pobres, com roas efmeras, compouco saber agrcola; minora-os demograficamente e em suas rea-lizaes culturais. Steward (1949c; Steward, Faron, 1959) classi-ficou os indgenas brasileiros nos ltimos patamares de seu mo-delo evolu-cionista e ecolgico de vis determinista. Em conso-nncia com Varnhagen e Martius, para Steward (1949b, p.666) apopulao indgena tinha baixa densidade, perfazendo, no Brasilde 1500, 1,1 milho de habitantes. Em suma, Steward filtra o con-ceito de degenerao, puri-fica-o das mculas da miscigenao.Contudo, concordando com a influncia negativa dos trpicos nocrescimento demogrfico e na complexidade cultural, esse autorreproduziu as mesmas moedas correntes poca da monarquia, osmesmos esteretipos cunhados para as sociedades indgenas.

    verdade que Steward (1949a, p.670) assumiu que muitas dasanlises do Handbook tinham carter provisrio e sublinhou quevrios grupos indgenas foram indevidamente classificados. Aindahoje, porm, as bases tericas do Handbook aliceram o edifcio demuitas pesquisas arqueolgicas brasileiras, desconsiderando o alertade Steward sobre as eventuais fissuras nos fundamentos do ma-nual. Isso se deve, em parte, vulgarizao, na dcada de 1970, domodelo determinista ecolgico e da correlao conceitual entre reacultural e rea ambiental. Dois livros, nesse aspecto, se destacamna divulgao desses aportes: ndios do Brasil, de Jlio Cezar Melatti(1970) e Os ndios e a civilizao (1970), de Darcy Ribeiro. A melhortradutora das idias de Steward, porm, Betty Meggers, cujoslivros Amrica pr-histrica (1979a) e Amaznia: a iluso de um pa-raso (1977a)1 foram muito lidos pelo pblico acadmico brasileiro,notadamente pelos arquelogos.

    O legado de Betty Meggers

    O hmus que nutriu a seiva das idias de Steward formou-senum contexto histrico preciso da antropologia e da arqueologianorte-americanas. Como assinala Thomas Patterson (2001), desdea Grande Depresso a antropologia aliou-se aos propsitos de esta-bilidade social. Aps a Segunda Guerra Mundial, acentuou-se essa

    1 A primeira ediodeste livro surgiu em1971. Ele foi reeditadoem 1996 com vriasatualizaes,correes eacrscimos, mas comsua estrutura eessncia originalmantidas.Paralelamente,Meggers (1997a,1998a) publicouartigos divulgando ereiterando o contedodo livro.

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    preocupao cientfica com as estruturas da ordem social. A antro-pologia, ento considerada uma prtica divorciada do presente, tevecomo seu Leitmotiv, sobretudo no evolucionismo cultural, a buscade regularidades culturais. A Guerra Fria, entre 1954 e 1964, porsua vez, inaugurou os estudos de modernizao, que contrapu-nham superioridade cultural e poltica dos Estados Unidos a infe-rioridade cultural e racial dos pases subdesenvolvidos.

    Meggers partilhou, como se ver a seguir, dessa formao aca-dmica. Porm sua vinda ao Brasil, no final dos anos 40, situa-seno perodo em que os Estados Unidos intensificaram os financia-mentos das pesquisas de campo no estrangeiro, tidas como estrat-gicas para as agncias militares e o Departamento de Defesa (Said,1989). Anna Roosevelt (1991) foi a primeira a afirmar que seus pa-res norte-americanos que trabalharam na Amrica Latina, parti-cularmente os que esposavam a teoria do determinismo ecolgico,mantinham ligaes com a poltica externa dos Estados Unidos. Man-tendo-as ou no, o fato que Meggers e Clifford Evans montaram, em1965, o Programa Nacional de Pesquisas Arqueolgicas (Pronapa),cujo financiamento partiu de Washington, por intermdio daSmithsonian Institution, e de Braslia, atravs do Conselho Nacionalde Pesquisas Cientficas (CNPq). Entre 1965 e 1971, o Pronapa con-duziu trabalhos no pas e treinou toda uma gerao de arque-logos brasileiros. Pedro Paulo Funari (por exemplo, 1991, 1995)analisou a atuao do Pronapa durante a ditadura militar brasi-leira (1964-1985). Recentemente retomou o tema (2003), ensejandoum aceso debate com Meggers, que, ao lado de outros arquelogosbrasileiros, negaram a parceria entre o Pronapa e a ditadura mi-litar (cf. Delle, Sept., 2003). Antes dessa polmica, contudo, j sesugerira a necessidade de aprofundar a questo (Oliveira, 2002).

    No necessria uma documentao oficial insofismvel dosarquivos de Washington ou Braslia para demonstrar os funda-mentos colonialistas das representaes arqueolgicas de Meggers.Eles residem nos axiomas do determinismo ambiental de Steward,cristalizados e maturados por Meggers ao longo de pesquisas inicia-das na dcada de 1950. Para provar os limites impostos pelo am-biente no desenvolvimento da cultura, Meggers (1954, p.802) pro-ps que as diferenas na fertilidade do solo, clima e outros ele-mentos determinam a produtividade da agricultura, a qual, porsua vez, regula a concentrao e o nmero da populao, influen-cia o desenvolvimento sociopoltico e mesmo o nvel tecnolgicoda cultura. O potencial do solo explicaria as regularidades trans-culturais, as diferenas e semelhanas culturais ao longo do mun-do (p.802). Alm disso, Meggers asseverou que, para ser significa-tiva culturalmente, a classificao do ambiente deveria consideraros tipos de solo do continente americano, que se dividiriam emquatro reas: 1) sem potencial agrcola; 2) com potencial agrcola

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    limitado; 3) com potencial agrcola incremental; 4) com potencialagrcola ilimitado (p.806-812).

    Em publicao posterior, de 1957, classificao dos solos justa-pe-se a tipologia de reas culturais de Steward, com suas respec-tivas dinmicas de desenvolvimento cultural. Assim, os solos tipo1 e 2 correspondem s reas marginais e floresta tropical, em quehabitaram e habitam nmades caadores e coletores, bem comoagricultores incipientes; nos solos 3 e 4 assentam-se as regies maisevoludas e civilizadas, populaes volumosas e sedentrias, agri-cultura em larga escala, grandes cidades e templos, que povoaramos Andes, o Caribe e a Mesoamrica (Meggers, Evans, 1957, p.18).Em 1958, o estudo do potencial dos solos ampliou-se com a anlisedas divises climticas em escala continental. Para Meggers (1958),a relao entre temperatura e chuva seria a determinante do fo-mento agrcola. Essa abordagem ecolgica culminou, em 1971, napublicao de Amazonia: man and culture in a counterfeit paradise.Posteriormente, houve importantes acrscimos: a teoria dos ref-gios (Meggers, 1975a, 1977b, 1979a, 1979b; Meggers, Evans, 1973;Meggers, Danon, 1988) e a anlise dos impactos do El Nio(Meggers, 1994a, 1994b, 1996a, 1996b).

    Meggers ainda aplica esses postulados conceituais desenvol-vidos a partir da dcada de 1950, num grande esforo para detalh-los ao longo de sua extensa obra, ampliando e renovando diversosaspectos do determinismo ecolgico de Steward. Um exemplo des-sa permanncia o seu artigo Prehistoric population density in theAmazon basin (Meggers, 1992). Para explicar a equao que rela-ciona limitao ambiental com baixa densidade populacional e cul-tural, a autora orienta-se por stios arqueolgicos de uma rea dorio Tocantins. A rea serve de premissa para uma induo ambi-ciosa: surge como amostra analgica para o padro de assenta-mento e capacidade de suporte de toda a Floresta Amaznica. Basean-do-se na seriao cermica dos stios arqueolgicos da rea, tidoscomo pequenas unidades, Meggers conclui que os grupos que oshabitaram deslocavam-se periodicamente, em curtos intervalos, emrazo do esgotamento dos recursos e das oscilaes na oferta dealimentos ocasionadas pelas mudanas climticas. Viviam, por-tanto, em pequenas aldeias. Ademais, esse padro de assenta-mento pr-colombiano, com sua diminuta populao, congelou-se no presente, fossilizou-se em herana para os grupos indgenasainda vivos, os habitantes da Floresta Amaznica (p.203).

    Meggers v, pois, as populaes pr-contato e atuais como seme-lhantes, relegando processos passados e a perspectiva histrica dabrutal colonizao luso-espanhola, que, com o trip epidemias/pl-vora/escravizao destruiu modelos de sobrevivncia e exterminoupopulaes inteiras. No obstante, a autora calculou a densidadedemogrfica da Amaznia poca da conquista. Estimou-a, tanto

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    para a vrzea quanto para a terra firme, entre 1,5 e dois milhes dehabitantes (Meggers, 1992, p.203). O nmero de habitantes pormilha quadrada, em ambas as reas, seria o mesmo (0,3 habitantepor milha quadrada). E o jogo das semelhanas unificadoras pros-segue: as aldeias beira-rio seriam do mesmo tamanho que as dointerior, pois ali as enchentes eliminavam a fertilidade dos solos,deixando-os com uma produtividade to baixa quanto os da terrafirme (Meggers et al., 1988, p.291).

    Em Meggers, portanto, temos um efeito cascata na arqueologiabrasileira, uma srie de enunciados que se reiteram em fluxo sobrefluxo, uma corredeira de proposies que se repetem desde Martiuse Varnhagen. No s os nmeros demogrficos de Varnhagen,Steward e Meggers so relativamente aproximados; mais do queisso, Meggers reafirma, dilatando-a, a proposio fundamental deSteward, que , por sua vez, uma iterao de Varnhagen e Martiuse, de um modo mais geral, dos americanistas do final do sculoXVIII e incio do XIX a Floresta Amaznica, com seu ambienteimpiedoso, degenerou as populaes indgenas. A Floresta Amaz-nica estorva a evoluo. O esqueleto da idia de degenerao, emSteward e sobretudo em Meggers, ganha msculos, materializa-semais ainda do que em Ferreira Pena e Barbosa Rodrigues. Se a dege-nerao, em Martius e Varnhagen, a degradao de povos civili-zados que, vindos dos Andes, do Caribe ou dos povos nautas daAntiguidade, no suportaram o clima dos trpicos, se artefatoscermicos da Amaznia comprovam uma involuo, em Meggersacham-se as mesmas concluses (cf. Meggers, 1954, 1977a, 1979a,1985, 1994b, 1995, 1997a, 1997b, 1998a, 1999, 2001; Meggers, Miller,2003; Meggers, Evans, 1957, 1973, 1978), envoltas agora pelo man-to da objetividade cientfica, autenticada com o selo do determinismoambiental respaldado em anlises pedolgicas, pela ecologia cul-tural corroborada pela seriao da cultura material, pelas circuns-cries de tradies enfeixadas em reas culturais, pela definio deregularidades transculturais.

    no conceito de regularidade transcultural que a degeneraose apresenta mais manifestamente em seu processo de iterao daarqueologia imperial. Em Amrica pr-histrica, Meggers (1979a) con-cebe uma representao arqueolgica e geogrfica do Novo Mun-do, mapeando o continente na correlao entre reas ambientais eculturais. Para ela, habitats similares ocorrem na Amrica do Nortee na Amrica do Sul os campos, os desertos, as florestas e as reasmarginais. Isolando constantes culturais isomorfas, Meggers mostra-nos que os laos entre ambiente e desenvolvimento cultural ates-tam-se por semelhanas nas seqncias evolutivas e pelo cartergeral das configuraes de clima em cada par de reas. Haveria,pois, uma regularidade, normas culturais que se distribuem pelocontinente, amoldando-se pelas interdies ambientais.

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    Ora, o enunciado de economia poltica de Varnhagen vlidotambm para Meggers: o aspecto mais significativo para a evoluocultural a potencialidade agrcola. Da as altas civilizaes ameri-canas, os maias, astecas e incas, se erguerem justamente nos solosde tipo 4, nas reas que ela chamou de nucleares. Tais lugares decivilizao so nucleares porque a partir deles e por meio da difu-so estende-se sua influncia, expande-se seu ncleo evolutivopela rea intermediria (o Caribe), pelos desertos e determinadossetores das florestas norte-americanas, reas ocupadas por agricul-tores de aldeias e integradas em grandes configuraes religiosas epolticas. Os campos, por sua vez, bambearam no limite entre vidanmade e sedentria, o mesmo valendo para as florestas amazni-cas, ou, para usar a terminologia de Meggers, os ambientes permis-sivos. As reas marginais, que cobrem o Centro e o Nordeste doBrasil, o Canad e os Estados Unidos, sustentaram economiasespecializadas na caa e na coleta. Em suma, quanto mais perto dasreas nucleares, maior a evoluo de um grupo; a proximidade comos imprios, os contatos com os ncleos de irradiao da difusocivilizam; longe dos ncleos, degeneram-se os ndios em ambientesdegradantes. Porm, a difuso se esbate numa barreira intrans-ponvel: ainda que ela se faa sentir, com sua fora de dominaocivilizadora, o ambiente pode suprimi-la, impor-lhe restriesclimatolgicas, amalgam-la novamente no caldeiro centrfugo dasregularidades transculturais.

    Assim, os tupis provieram do Norte, de grupos que hauriramdas culturas nucleares; mais especificamente, imigraram da baseandina da Bolvia. Povoaram as vrzeas amaznicas, chegandodepois costa atlntica do Brasil. A aproximao com as hiptesesde povoamento de Martius e Varnhagen, contudo, vai mais alm.Se os tupis tinham marcas andinas, elas se apagaram nas florestas,traduzindo-se em cermicas pouco apuradas e na relativa ausnciade estratificao social, conforme se v na falta de tratamento fu-neral, na pobreza ritual dos enterramentos. Ademais, tinham baixadensidade demogrfica, viviam em pequenos grupos de casascomunais, as aldeias eram politicamente independentes e suas rela-es assinalavam-se pela guerra, com freqentes incurses feitas paraobter prisioneiros, eventualmente sacrificados e comidos, por-quanto trazer um cativo assegurava prestgio ao captor, mas impu-nha aos parentes da vtima a obrigao de sangue (Meggers, 1979a,p.159). A floresta tropical o Heart of darkness latino-americano.

    A repetio de Martius e Varnhagen, contudo, no reside so-mente na caracterizao da degenerao tupi. Meggers, por meiodo conceito de difuso, reativando as proposies colonialistas dosdifusionistas, faz uma genealogia das reas nucleares. As altas civi-lizaes americanas tiveram seu nascimento mediante contatostranspacficos. No Equador, a cultura Valdvia, com seus com-

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    plexos cermicos requintados, no possui uma tradio ancestralplantada em seu solo; na realidade, para Meggers, a cermica Valdviadescende dos sambaquis japoneses do Pacfico, cuja seqncia cul-tural remontaria a 7.000 a.C., redundando, por volta do ano 3.000a.C., na complexa cultura Jomon. Do Pacfico ela foi trazida aoEquador e seus sinais de difuso se espargiram ao longo da costado Pacfico, numa corrente cujos elos se prendem s praias daAmrica Central e do Mxico. Numa palavra, as reas nuclearesso de origem extracontinental (Meggers, 1975b, 1979a, p.54-58;1998b). Porm muitas inovaes entre elas a escrita , vislum-bradas j entre os olmecas, possuiriam correspondncia com a cul-tura Shang da China (1979a, p.71).

    Para Meggers, caractersticas da cultura Jomon se notam tam-bm no norte da Colmbia, de onde se difundiram, em 500 a.C.,para a ilha de Maraj. A arte cermica marajoara, assim como ados tupis, , portanto, tributria do Norte; sua origem , em ltimainstncia, tambm transpacfica. Tal contato inicial com culturascomplexas, contudo, no foi duradouro; esmoreceu-se e feneceu medida que adentrou a faixa costeira da Floresta Amaznica, ondese isolou num planalto semi-rido. Os grupos humanos escassea-ram, fabricaram cermicas mais rudimentares e no se dedicaram agricultura. O padro de vida desses grupos, assim, assemelha-se,segundo Meggers, aos das populaes atuais da Amaznia(Meggers, 1979a, p.58, 153-154). Porm aqui a idia de degeneraose insinua em seu vis oitocentista mais clssico: a umidade som-bria da Floresta Amaznica degenera; a civilizao no viceja emflorestas tropicais, no obstante sementes transpacficas terem sidocultivadas em ilhas de civilizao. H aqui, ainda, um deslocamen-to na representao espacial da degenerao indgena, pois se paraBarbosa Rodrigues e Ferreira Pena haveria uma primitividade as-cendente na ilha de Maraj e nos aterros amaznicos, uma propa-gao vertical de barbarismo rumo superfcie dos estratos arqueo-lgicos, para Meggers a involuo cultural palmilha o sentido ho-rizontal, percorre as linhas sinuosas da vrzea e da terra firmeamaznicas, distribui-se numa dispora de estagnao que se per-petua no presente.

    No h, contudo, somente repeties em Meggers. Conquantoa antropofagia, entre os tupis, persista como signo de involuo, aautora no atribui a degenerao indgena a motivos homosse-xuais ou aos frenticos desejos da miscigenao; e adverte que ashipteses de povoamentos transcontinentais tm um limiar intran-sitvel, ao contrrio do que pensavam os cientistas do Brasilmonrquico. Seria controvertido afirmar a existncia de contatostransatlnticos e mediterrnicos entre os indgenas do continenteamericano, a no ser no caso da difuso de cermicas europias noleste dos Estados Unidos (Meggers, 1979a, p.61). Porm jamais os

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    gregos, fencios ou egpcios comungariam seus elementos cultu-rais com os nativos americanos, porquanto a disparidade marcanteem nvel de desenvolvimento cultural entre as reas doadoras ereceptoras cria sempre severos obstculos difuso (p.214). Afi-nal, os grupos de origem mediterrnica ou europia possuam cul-turas muito mais avanadas do que as que existiam em qualquerlugar ao longo da costa atlntica das Amricas ou nas ilhas doCaribe e, prossegue Meggers, se um navio de uma de tais ori-gens alcanasse o Novo Mundo teria tido pouco ou praticamentenenhum impacto permanente nos habitantes aborgenes (p.214).

    Degenerar o legado

    Certamente, as iteraes de Meggers em relao aos contatostranspacficos no tm o mesmo sentido que tiveram para a arqueo-logia imperial. A autora no outorga uma identidade nacional no-bre para o Brasil ou qualquer nao latino-americana. Os con-tatos transpacficos, alis, em nada depreciam as altas culturasamericanas, pois isso torna mais fcil integr-las dentro dos con-tornos de uma histria mundial que esto comeando a emergir(Meggers, 1979a, p.89). So exatamente tais contornos que devemser rasurados criticamente. Com efeito, os contornos de Meggers,reativando as proposies da arqueologia imperial, requentandoos aportes da antropologia colonial e do americanismo do final dosculo XVIII e incio do sculo XIX, com seu determinismo ambientale difusionismo, so representaes arqueolgicas que veiculam, sobo escudo protetor da prova emprica, idias colonialistas, prpriasdo contexto de legitimao, por meio das cincias sociais, do im-prio norte-americano. o que lhe autoriza a seguinte sentenageoecolgica:

    Na Amrica do Sul [em contraposio Amrica do Norte], asmodernas divises polticas correspondem mais de perto comas zonas ecolgicas. O Brasil principalmente floresta; a Argen-tina principalmente campo; o Chile principalmente costa doPacfico; Colmbia e Venezuela so zona intermediria. Essa dife-rena significativa. Se a Amrica do Norte tivesse sido desmem-brada em muitos pases, um ocupando a floresta, outro os cam-pos, outro o deserto e a costa do Pacfico, a situao seria compa-rvel da Amrica do Sul e os problemas de desenvolvimentoseriam provavelmente anlogos. Os acidentes da histria soresponsveis por estas fronteiras modernas, mas se compreen-dermos seu significado ecolgico, seremos capazes de lidar maisadequadamente com os problemas que eles suscitam. (Meggers,1979a, p.12-13)

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    As representaes arqueolgicas de Meggers no s repetem oconceito de degenerao, cujo teor, como assinala Homi K. Bhabha(1995, p.70), sempre serviu s tcnicas de governabilidade colonial.Os acidentes da histria de Meggers so eufemismos que silenciamas expanses territoriais dos Estados Unidos, eufemismos que apa-gam a tinta colonial com que se inscreveram as fronteiras do pas-sado, o avano tenebroso nas terras nativas (e no Mxico), coadju-vado pela arqueologia norte-americana nos termos de pesquisasempricas (MacGuire, 1992) e na articulao, por meio do Bureauof American Ethnology da Smithsonian Institution, de polticascolonialistas (Hinsley, 1981). Esses eufemismos, alm de elidir a his-tria imperial dos Estados Unidos, a prorrogam para o presente docontinente sul-americano, no melhor estilo francs de missioncivilisatrice.

    Compreendamos melhor essa verso norte-americana de missioncivilisatrice. No estamos afirmando que Meggers a personificaoreal de imaginrios personagens literrios. Ela certamente no seconfunde com o Creighton de Kipling (1901), o administrador colo-nial e etngrafo de Kim, a enfatizar a aliana lgica entre a cinciaocidental e o imperialismo ingls na ndia. Meggers no veio aoBrasil para assegurar a colonizao de ndios; no serviu a umprogramtico colonialismo interno, como os intelectuais org-nicos do Brasil monrquico; ela est longe da idealizao das col-nias militares de Couto de Magalhes. Porm no se pode apagar olugar de onde ela fala: para Meggers, maneira de Hegel, a histriacorre unilateralmente, do Sul para o Norte (Hegel dizia do Orientepara o Ocidente), tornando-se mais desenvolvida e menos atrasada medida que avana.

    Amrica pr-histrica uma grande alegoria para o presente, poisassim como para Martius e Varnhagen houve uma rea nuclear,foco de luz civilizadora, hoje o ncleo transfere-se para a Amricado Norte, de onde um arquelogo, cnscio das regularidadestransculturais e dos limites ambientais, pode corrigir os rumos dosubdesenvolvimento, ensinando-nos os significados ecolgicos dacultura, esclarecendo-nos sobre as nossas iluses onricas, minis-trando-nos lies sobre o nosso atraso. Afinal, a floresta amaz-nica um sorvedouro de civilizaes. Ela sempre embalou sonhosde eldorados, acalentou iluses que desconsideraram indevidamentesuas limitaes ecolgicas, tanto no que se refere ao desenvolvi-mento cultural na pr-histria do Novo Mundo, quanto no to-cante sua capacidade de sustentar uma populao urbana mo-derna (Meggers, 1979a, p.219-220).

    Amrica pr-histrica, como alegoria do presente, orna uma justi-ficativa para as desigualdades regionais do continente americano.No livro h representaes sobrepostas: representao arqueo-lgica de um passado distante acresce a representao geogrfica

  • 1258 Histria, Cincias, Sade Manguinhos, Rio de Janeiro

    FRANCISCO SILVA NOELLI E LCIO MENEZES FERREIRA

    das modernas diferenas culturais, polticas e econmicas da Am-rica. Seus contornos, portanto, so colonialistas. Como nos mos-tra Edward Said (1995), o colonialismo no apenas um ato diretode violncia geogrfica, mas tambm aciona uma srie de discursoscientficos que organizam a hegemonia cultural e geopoltica deuma regio sobre outras. O motivo geogrfico a prpria meto-dologia do colonialismo.

    Mais importante do que o prprio passado a influncia destesobre as atitudes culturais do presente. Como diz o arquelogosul-africano Martin Hall (2000, p.41-42), representaes coloniaisainda povoam as interpretaes sobre a cultura material dos pa-ses perifricos. Os arquelogos, de um modo geral, continuamaprisionados por esteretipos coloniais (Gosden, 2002, p.203). Opassado colonial, especialmente para os latino-americanos, no um resduo arcaico, mas sim um artefato herdado (inherited artefact)que circula ativamente no presente (Meskell, 1998, p.4). Pensar efazer a crtica dessas circulaes seculares, quebrar as grades dessasprises conceituais, rasurar os contornos dessas insistentes repre-sentaes romper com a continuidade duradoura do legadocolonialista nas pesquisas arqueolgicas no Brasil e na AmricaLatina.

    AGRADECIMENTOS

    Fapesp, ao Ncleode EstudosEstratgicos daUnicamp e aoLaboratrio deArqueologia,Etnologia e Etno-Histria daUniversidade Estadualde Maring, peloapoio a nossaspesquisas. Tambmaos colegas que lerama verso originaldeste artigo, ajudando-nos a melhor-lo:Pedro Paulo A.Funari, Jos HenriqueR. Gonalves, FabolaMoi, Walter Morales,Jorge E. de Oliveira,Jos A. dos Reis,Fabola A. Silva,Kimiye Tommasino,Jane A. Trindade eAndrs Zarankin. Aresponsabilidade pelasidias aqui expostascabe unicamente aosautores.

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