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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
TATIANA YUKIE OUTI
APOSENTADORIA E VELHICE: CONFLITOS E INTERFACES
CURITIBA
2017
TATIANA YUKIE OUTI
APOSENTADORIA E VELHICE: CONFLITOS E INTERFACES
Monografia apresentada como requisito à obtenção do grau de bacharel do Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Profa. Dra. Marlene Tamanini
CURITIBA
2017
AGRADECIMENTOS
Eu não poderia de deixar de agradecer a algumas pessoas que possibilitaram a realização desta
monografia.
Agradeço ao meu marido Daniel, companheiro que me incentivou a todo momento ao estudo.
Agradeço à minha mãe Tereza que me ajudou a cuidar do meu filho pequeno Ian para que eu
pudesse fazer as leituras, as entrevistas e a escrita deste trabalho.
Agradeço à minha orientadora que dispôs de seu tempo e de seu conhecimento para me auxiliar
na confecção desta monografia.
Agradeço à minha colega de trabalho Roseli que me auxiliou no contato com as pessoas
entrevistadas para esta pesquisa.
Agradeço a cada um dos entrevistados e entrevistadas deste trabalho, que dispuseram do seu tempo
para compartilhar de sua experiência de envelhecer e de se aposentar.
RESUMO
O envelhecimento tradicionalmente foi associado com a saída da vida produtiva via a aposentadoria. O tema deste trabalho se refere a essa questão. Através do estudo do processo de aposentadoria vividos por 5 homens e por 4 mulheres em Curitiba, buscou-se novos conhecimentos a partir da narrativa desses homens e dessas mulheres do envelhecer como um fenômeno complexo e repleto de ambiguidades, já que aparece como sinônimo de doença e declínio e também como um tempo de liberdade e conquistas. O método de pesquisa foi qualitativo e as informações foram coletadas através da aplicação de entrevistas semi-estruturadas, já que se buscava apreender a experiência, sentidos e os significados acerca do envelhecimento e da aposentadoria. As entrevistas foram gravadas e depois transcritas para a análise. Os resultados de nossa pesquisa demonstraram que a aposentadoria está mais ligada a busca pela ocupação de novo lugar social do que ligada à questão do envelhecimento por si só. Os “novos” e “velhos” aposentados e aposentadas não se reconhecem como pessoas velhas, pelo contrário, querem ser “jovens”, buscam valores da juventude, tais como os valores da 3a idade. A velhice significa um lugar de decadência, inatividade, isolamento social e é um lugar longe, assustador, não desejável e reconhecida nos outros. Para a maioria deles, a velhice é uma questão mental, de atitudes, de crenças, tais como “entregar-se”, desistir de tentar, isolar-se socialmente. Entretanto, reconhecem que estão envelhecendo pela percepção das limitações físicas, das dores que surgem, nas medicações que precisam tomar. Por outro lado, ao reconhecer outras formas de se colocar no mundo, além do trabalho remunerado, permite a esses idosos construírem a sua identidade sob outras formas que não o trabalho obrigatório, mas também de utilidade e de sentido.
Palavras- chave: Velhice. Envelhecimento. Aposentadoria.
ABSTRACT
Aging has traditionally been associated with the exit of working life via retirement. The subject of this work refers to this issue. Through the study of the retirement process experienced by 5 men and 4 women in Curitiba, we sought to understand new knowledge about the aging process, a complex and ambiguous phenomenon, since it appears as a synonym of disease and decline and as a time of freedom and achievement. The research method was qualitative, through the application of semi-structured interviews, since it sought to learn the experience, and meanings about aging and retirement. The interviews were recorded and then transcribed for analysis. The results of our research demonstrated that retirement is more linked to the search for the occupation of a new social place than to the question of aging itself. The "new" and "old" retired and retired people do not recognize themselves as old people; instead, they want to be "young", they seek values of youth, such as the values of the third age. Old age means a place of decadence, inactivity, social isolation and is a far, scary, undesirable place and recognized in others. For most of them, old age is a mental issue, of attitudes, of beliefs, such as "giving in," giving up trying, and social isolation. However, they recognize that they are aging by the perception of physical limitations, the pains that arise, the medications they need to take. On the other hand, in recognizing other ways of placing themselves in the world, beyond the paid jobs, it allows these elders to construct their identity in other ways than compulsory labor, but also with utility and meaning.
Key words: Elderly. Aging., Retirement.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 7
1 CONTEXTUALIZANDO O ENVELHECIMENTO .................................................... 14
1.1 ALGUNS DADOS ............................................................................................................14
1.2 DESAFIOS E DEMANDAS RELATIVOS AOS ASPECTOS ECONÔMICOS E SOCIAIS
ASSOCIADOS À REALIDADE DA VELHICE
.................................................................................................................................................... 15
1.3 A ABORDAGEM DO TEMA DO ENVELHECIMENTO E DA APOSENTADORIA EM
ALGUNS ESTUDOS ............................................................................................................... 19
2 METODOLOGIA ............................................................................................................ 26
3 CONHECENDO ALGUNS NOVOS E VELHOS APOSENTADOS ........................ 32
3.1 ABELARDO ...................................................................................................................... 34
3.2 BERENICE .........................................................................................................................39
3.3 CARLITOS ........................................................................................................................ 46
3.4 DIVA ................................................................................................................................. 50
3.5 EUSTÁQUIO ..................................................................................................................... 52
3.6 FIRMINO ........................................................................................................................... 56
3.7 GERALDA ........................................................................................................................ 60
3.8 HORÁCIO ......................................................................................................................... 64
3.9 ILDA .................................................................................................................................. 68
4 A APOSENTADORIA, TERCEIRA IDADE E VELHICE ......................................... 78
4.1 OS SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS À APOSENTADORIA ........................................... 78
4.2 OS SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS AO ENVELHECIMENTO .....................................81
4.3 APOSENTADORIA E ENVELHECIMENTO ................................................................. 85
4.4 A ADAPTAÇÃO DE MULHERES E HOMENS FRENTE À NOVA REALIDADE..... 88
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 96
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 98
APÊNDICES ........................................................................................................................ 101
7
INTRODUÇÃO
O tema deste trabalho trata da questão do envelhecimento e da aposentadoria de homens
e mulheres. Sabe-se por meio do censo do IBGE, que homens e mulheres têm processos de
envelhecimento muito diferentes. As mulheres, ao viverem 7 anos a mais do que os homens no
Brasil, podem estar construindo outras dinâmicas para vida em relação ao seu processo de
envelhecimento. Elas com frequência também são as cuidadoras de filhos, netos, maridos, já
que a divisão sexual do trabalho segue gendrificada, e, ainda na velhice, muitas seguem sendo
arrimo de família, trabalham como faxineiras ou diaristas, por exemplo, a depender de que
extrato social elas pertençam.
Do ponto de vista previdenciário também existem diferenças legais em relação a idade
da aposentadoria de homens e de mulheres, aspecto este que nos últimos debates tem trazido
discussões importantes acerca de que direitos devam ser reconhecidos em se tratando de
homens e de mulheres.
No mais, envelhecer é uma experiência com grandes significados sociais, culturais,
econômicos, dentre outros. Esta experiência está ligada ao desafio que este processo engendra
às políticas públicas, e, vem associada a mudanças demográficas, econômicas, sociais, que
trazem novas demandas, bem como a necessidade de formulação e implementação de políticas
públicas para a proteção social ao idoso.
Igualmente, o processo de envelhecer e o tempo da aposentadoria carregam-se de
sentidos e de necessidades referidas ao desafio de novas elaborações na vida das pessoas que
vivem este processo. É frequente que em nossa sociedade contemporânea o envelhecimento
seja associado com a saída da vida produtiva via a aposentadoria. O tema deste trabalho se
refere a essa questão. A intenção é trazer novos conhecimentos sobre o processo de envelhecer,
estudando aspectos da aposentadoria vividos por homens e por mulheres em Curitiba.
A velhice já foi construída com muitos significados ao longo do tempo. O envelhecer
corporal frequentemente foi associado a perdas, aos limites físicos, psíquicos, emocionais ou
com impossibilidades; carrega com frequência uma série de conotações negativas, tais como
isolamento e inatividade. A aposentadoria pode estar ligada a ideia de que “estou ficando velho”
e essa perspectiva traz outras inúmeras preocupações, sendo um momento de reestruturação da
identidade do indivíduo e de estabelecimento de novos pontos de referência. Isto se coaduna
com as questões de identidade, subjetividade, sobrevivência e de sentimentos negativos acerca
do envelhecimento. Aspectos ainda arraigados no imaginário das pessoas como pôde ser
8
constatado nas falas dos entrevistados e das entrevistadas para este estudo. Estes pontos
permanecem apesar do surgimento de outros conceitos culturais, tais como terceira idade,
melhor idade, envelhecimento ativo, que aparecem no contexto do século XXI. Os aspectos da
positivização do processo de envelhecer, tais como as noções de 3a idade e envelhecimento
ativo, tem ganho importantes discussões nos últimos anos, mas mesmo assim, ainda há
forte concepção negativa do envelhecer.
A ideia de 3a idade, envelhecimento ativo ou melhor idade são uma construção
conceitual moderna que está ligada à ideia de eternização da juventude. Novos conceitos
culturais colocam a pessoa idosa como responsável direta pelo seu próprio processo de
envelhecer e este processo deve ser ativo, saudável, feliz, ou seja, “a melhor idade”. Essa nova
representação pode estar ligada a ideia de um adiamento da aposentadoria, já que o idoso precisa
continuar ativo, além de continuar sendo um consumidor de produtos, como os de manutenção
da juventude.
Apesar desses novos discursos, muitas vezes, o "ficar velho" não é desejável, além de
ser uma questão que traz desconforto para as pessoas. Entretanto, o que é envelhecer? E o que
isso significa? Essas perguntas foram feitas nesta pesquisa e podemos dizer que existem
diversas concepções para responder a essas questões. O intuito da autora neste trabalho de
conclusão de curso está longe de tentar responder a qualquer uma dessas perguntas, mas
envolve muita curiosidade em compreender como isso ocorre para as pessoas.
Questionar sobre o envelhecimento é refletir sobre o ser humano, em suas diversas
dimensões, dentro de relações sociais, em uma determinada sociedade e em um determinado
tempo. O processo de envelhecer revela valores, costumes, mitos e crenças em relação aos
significados dados a sua própria existência.
Ademais, os idosos aposentados encontram-se em um campo social de disputa, de
lugares no mercado de trabalho, de posição social e prestígio. No interior de tal campo, forças
simbólicas operam invisivelmente, dialogam, debatem, chocam-se, dentro das próprias relações
sociais e entre as instituições, governamentais e privadas.
Dessa forma, a velhice possui múltiplas faces e interfaces. Há muitas formas de olhar
para essas relações, que são construídos social e historicamente. Não se consegue encontrar
uma forma única que abarque o todo chamado processo de envelhecimento. Existem as questões
sociais, psicológicas, biológicas, econômicas e cada uma dessas categorias possui uma série de
particularidades e historicidades que se influenciam mutuamente e marcam essas vivências. O
nosso recorte para este trabalho é para os sentidos e significados que o envelhecimento traz para
homens e mulheres que já se aposentaram, pois uma das nossas hipóteses é que o processo de
9
aposentadoria como interrupção da atividade do trabalho pode levar a uma reflexão e
questionamentos acerca do processo de envelhecer. A velhice analisada neste trabalho ocorre
sob o olhar das ciências sociais, que a compreende como uma construção social, ou seja, cada
tempo histórico, cada lugar, cada cultura cria um sistema simbólico para representar a pessoa
idosa e evidentemente, ao fazê-lo exclui outros possíveis. Ademais, o processo de
envelhecimento envolve subjetividades particulares às trajetórias individuais de cada um que
são seguramente diferentes entre as classes sociais, sexo e dizem respeito aos conteúdos
implicados com as relações de gênero.
A atividade do trabalho ocupa um inegável espaço na vida de cada um, construindo
histórias, subjetivações, possíveis identificações e sentidos de inclusão social. Além disso, a
vida pessoal se movimenta pela rotina de trabalho estabelecida. O rompimento da atividade
laboral pela aposentadoria poderia desestabilizar o sujeito de diversas formas, mas o que nos
interessa estudar é como esse processo se dá nas relações sociais que homens e mulheres
vivenciam, dentro dessa nova realidade.
Pensou-se que a aposentadoria poderia representar um momento de reflexão para o
envelhecimento, pois no senso comum é uma fase de “descanso”, de se retirar do mercado de
trabalho, em nossa sociedade capitalista que valoriza o corpo e a mente úteis. Estes aspectos
poderiam ser vividos como dúvidas, sentimentos de inabilidades ou produzirem uma
reflexividade pessoal capaz de reconectar os contextos de vida, as biografias e as
experiências passadas, dando ao presente um novo ordenamento de sentidos e de novas
inserções no mundo.
Nossa sociedade capitalista tende a superestimar a valorização do trabalho na vida das
pessoas, por isso, quando ocorre a aposentadoria, pode haver comprometimento da qualidade
de vida do indivíduo referente a aspectos psicológicos, sociais, socioeconômicos.
As charges abaixo ilustram uma relação entre a aposentadoria e velhice como
debilidades e diminuição da qualidade de vida.
Fonte: carzem.blogspot.com.br Fonte: bemblogado.com.br
10
Homens e mulheres quando se aposentam podem perder seu poder social, pela perda
do seu valor produtivo, dentro de um contexto capitalista. Isso pode acarretar afastamento ou
isolamento social, familiar, cultural. Além disso, outros fatores podem se extinguir como o
reconhecimento da sociedade, a referência na profissão, os compromissos, os horários, o se
sentir “útil”.
É óbvio que não se teve a ingenuidade de acreditar que esse processo ocorra de forma
tranquila, mas sempre desconfiamos dessas concepções tradicionais da aposentadoria como um
tempo de descansar ou de “aproveitar a vida”. Nossa hipótese é a de que o processo de
aposentadoria pelo menos, para muitas pessoas está imbricado em uma série de conflitos e
contradições, que podem influenciar a auto - percepção de estar “ficando velho”. Ademais,
existe a intenção de compreender que espaços sociais esses aposentados estavam ocupando,
além de seus aposentos ou asilos.
Compreender se esta reflexividade de si e esta experiência com a aposentadoria se
faz conectando-se a conteúdos diferentes para homens e para mulheres, particularmente,
considerando que as mudanças como a maior participação feminina no mercado de trabalho
e a alteração na estrutura das famílias limitaram o emprego do tradicional papel da mulher como
cuidadora; além disso, a queda da taxa de natalidade com diminuição do número de filhos por
família repercutiu sobre a solidariedade intrafamiliar, com diminuição do número de potenciais
cuidadores. As mulheres aposentadas estariam portanto, buscando novas formas de inserção
e talvez, rompendo mais do que os homens com a associação entre aposentadoria e
envelhecimento e com os preconceitos de envelhecimento estereotipado, de inatividade e
inutilidade, pela perda de seu valor produtivo. Além destes aspectos, faz-se necessário
considerar, que antes que as representações e as práticas estigmatizadoras ou positivas a
respeito do envelhecer sejam percebidas no público, elas se instalam e regulam as
instituições, são produzidas por discursos diversos: das autoridades, das famílias, das
religiões, dos sistemas educacionais e se tornam naturalizadas em muitas relações, sejam as
biomédicas, jurídicas, educacionais, familiares, de trabalho e renda, as da previdência, das
políticas.
Particularmente, o meu interesse pela tema da velhice ocorre devido a minha trajetória
de vida familiar, já que por muitos anos convivi com minha avó que foi uma pessoa muito
importante na minha vida, apesar de eu nunca ter me comunicado verbalmente com ela. Explico
melhor: ela tinha sofrido um acidente vascular cerebral, ela era acamada e totalmente
dependente para as suas atividades diárias, necessitando de auxílio. Entretanto, eu a admirava
pela sua história de vida de luta e superação das dificuldades como imigrante e hoje tenho
11
enorme gratidão a ela. Ou seja, apesar das suas severas limitações físicas na velhice, eu não a
via como uma pessoa apenas “velha”, mas cheia de experiência de vida e sabedoria. A
aposentadoria como fonte de estudo foi pensada já que ela ocorre na maioria das vezes na
velhice e também percebe-se um grande aumento do número de pessoas aposentadas ocupando
os vários espaços sociais, pessoas que não se encaixavam no antigo estereótipo de velhice como
isolamento e inatividade. Ao mesmo tempo, o conceito de terceira idade ou melhor idade me
parecia contraditório, já que instigava valores de manutenção da juventude em pessoas que
estavam envelhecendo. Eu tinha curiosidade em compreender mais sobre o fenômeno do
processo de envelhecimento, que as pessoas estavam vivendo, que para mim não correspondia
a uma idade determinada e nem a um momento na vida do indivíduo. Em um primeiro
momento, tomei minha hipótese de que a aposentadoria levava a uma reflexão sobre o
envelhecimento como certa, porém, nas primeiras entrevistas no trabalho de campo percebi que
essas pessoas aposentadas não se consideravam velhas, apesar da aposentadoria e apesar da
idade. A velhice aparecia como algo distante, basicamente como uma postura de inatividade e
entrega. A questão da necessidade de continuar ativo, trabalhando ou não, ocupando novos
espaços, estabelecendo novos vínculos sociais apareceu como fundamental na construção das
identidades desses sujeitos e na sua manutenção como importantes atores sociais ocupantes de
um lugar na sociedade.
Em tempos de reforma da previdência, em que o governo federal defende uma
aposentadoria tardia com muitos anos de contribuição é importante pensar esses processos – de
envelhecimento e da aposentadoria – além dos aspectos puramente econômicos. A questão da
previdência social, que envolve diretamente muitos idosos, é tomada como legítimo problema
social, oficializado pelo Estado e é repleta de números e projeções. Entretanto, apenas a questão
econômica da aposentadoria é vislumbrada quando se pensam essas reformas. A aposentadoria
vai além da noção puramente econômica, defendida pelos estudiosos economistas do Estado,
envolve subjetividades, ocupação de novos espaços sociais, novas relações sociais, questões de
saúde física e psíquica, além de outros, negligenciados pelo poder público.
Diante do que foi apresentado, nossa principal hipótese e que pauta uma trilha para
este trabalho é a de que o processo de aposentadoria dos sujeitos estaria ligado a um momento
de ressignificação da sua própria velhice. Aposentar-se vai além de um mero problema
econômico de previdência social. Estaria ligado às questões mais complexas, com novos
significados em contraposição a naturalização do processo de envelhecimento como algo
negativo. Pode-se dizer que aposentar-se sempre esteve ligado a pré- noção de que se
envelheceu, porém, isso não pode mais ser considerado uma realidade imbatível. Há um
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descompasso entre esta percepção e a vida das pessoas. Pessoas aposentadas não se sentem
‘velhas’ como estariam sendo retratadas no imaginário social. São pessoas que se aposentam
ainda intelectualmente produtivas, dotadas de experiências de vida, mas também tem novos
projetos e vontades. Há uma nova geração de pessoas aposentadas que não se encaixam dentro
dos modelos tradicionais de velhice, de pessoas isoladas e pouco ativas. Por outro lado, o
modelo cultural de terceira idade construído socialmente nas últimas décadas não se encaixaria
como forma de vida para todos que se aposentam, apesar de pregar um modo de vida positivo.
Este trabalho, através do estudo do processo de aposentadoria, vem tentar captar
nuances sobre o envelhecer atualmente em um grupo de pessoas determinado. Em nossa
segunda hipótese de trabalho, imaginamos que esta realidade esteja repleta de contradições,
tornando esse processo, de aposentadoria e de envelhecimento, não tranquilo e desafiador.
Considera-se que estas nuances do envelhecer no mundo contemporâneo encontram-se
amparados por leis e estatutos na sua complexidade, são carregadas de intensa discussão a
respeito da idade, mas nem sempre envelhecer pode ser vivido de maneira segura, com
dignidade pessoal, como escolha e possibilidade. Dadas as condições do viver de homens e
mulheres, que se vinculam aos modos de ser, a experiência, com o significado da masculinidade
e da feminilidade, com o econômico e o parentesco, com as lógicas de organização futura e as
necessidades familiares ou a preconceitos, o envelhecimento e as decisões por aposentadoria
podem ser tensos. O modo como cada pessoa envelhece, sente e vive sua experiência de
envelhecer está relacionado a diversos fatores tais como: preocupações do seu entorno familiar,
amigos, saúde, vizinhos, renda, gastos, trabalho, patrimônio, capacidade de sentir-se útil e
expectativas de futuro, com o lugar que este homem e esta mulher ocupa e como eles se
sentem nestas relações. Pensa-se que sua autonomia, liberdade, capacidade de se sustentar,
sentir-se capaz ou não, poder ser cuidado, ou ter responsabilidades com outras pessoas serão
elementos presentes nesta tomada de decisões. Pergunta-se se as expectativas de futuro em
relação ao envelhecer e aposentar-se divergem das percepções que tomam a aposentadoria
como negativa, mas também não se encaixam na concepção cultural vigente de
envelhecimento ligada as ideias de que se pode envelhecer permanecendo jovem. Ter saúde,
ter dinheiro, ter lazer, ter disposição podem configurar experiências diferentes para homens e
mulheres que também dependerão das expectativas que eles e elas constroem para o seu
dia a dia, para sua sociabilidade e lazer, inserção na família, na comunidade, nas amizades.
O objeto deste trabalho vem tratar, portanto, das inter-relações entre o processo de
aposentadoria com o processo de envelhecer, visibilizando conflitos, contradições, descobertas
vividas pela pessoa que se aposenta.
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Neste contexto, tentar compreender as mudanças trazidas pela velhice e as suas
interações com o processo de aposentadoria, através da apreensão da experiência vivida pelas
mulheres e homens que se aposentaram, faz-se salutar para o entendimento mais amplo das
dinâmicas que ocorrem em nossa sociedade, trazendo conhecimento e diminuindo preconceitos.
O objetivo geral tem duas dimensões. Em sua primeira construção, busca compreender
como homens e mulheres que envelhecem vivem esse processo, a fim de visibilizar aspectos
vinculados ao envelhecer e aos conteúdos que se interpõem a sua experiência de decisão pela
aposentadoria. Na segunda parte, compreender como se vinculam às questões de
masculinidades e feminilidades, de identidade, familiares, sociais associadas ao próprio
processo de envelhecimento e às condições de trabalho e econômicas, de autonomia e de
possibilidades de escolhas. Os objetivos específicos buscam: 1) Analisar como aspectos da
experiência do envelhecer e das decisões pela aposentadoria se implicam com os contextos do
vivido por homens e mulheres, considerando que a experiência pode ser diversa. 2) Analisar se
as relações entre as concepções que existem acerca da velhice e os processos vividos por
homens e mulheres se influenciam de modo diferente na tomada de decisão pela aposentadoria;
na experiência relativa à sua subjetividade, crenças, valores e vivências do trabalho. 3) Perceber
relações entre o sentir e o viver a experiência de envelhecer e as ressignificações e/ou as
preocupações com seu entorno familiar, amigos, doenças, vizinhos, renda, se esses conteúdos
influenciam nas decisões por aposentadoria e no modo como vivem a experiência do
envelhecer e da própria aposentadoria. 4) Analisar se o sentir-se útil, ter expectativas de futuro
é diferente para homens e mulheres e se os influencia nas decisões de aposentadoria; ou se elas
estão sendo tomadas olhando apenas para o passado, por isso a aposentadoria é protelada.
O trabalho está dividido em 5 capítulos. Inicialmente, no capítulo 1 – Contextualizando
o envelhecimento - situaremos o leitor acerca do envelhecimento no Brasil, trazendo alguns
levantamentos estatísticos. Colocaremos algumas demandas sociais e econômicas trazidas com
o envelhecimento, apresentaremos alguns trabalhos na área das ciências sociais sobre a questão
da velhice, do trabalho e da aposentadoria. No capítulo 2- Metodologia - discutiremos aspectos
metodológicos relevantes para pesquisas na área do envelhecimento e apontaremos os caminhos
percorridos. No capítulo 3 - Conhecendo alguns novos e velhos aposentados- apresentaremos
os nossos entrevistados apontando trechos essenciais em suas falas. No capítulo 4 -
Aposentadoria, terceira idade e velhice- traremos as categorias de análise para o atendimento
dos objetivos desse trabalho. Por fim, no capítulo 5 - A adaptação de mulheres e homens frente
à nova realidade – discutiremos sobre formas de adaptação à nova realidade da aposentadoria e
possíveis diferenças de comportamento frente às diferenças de gênero.
14
1 CONTEXTUALIZANDO O ENVELHECIMENTO
O objetivo deste capítulo é oferecer algumas noções iniciais para a compreensão do
assunto a ser tratado neste trabalho. Inicialmente iremos apontar alguns dados estatísticos
importantes para o entendimento da magnitude do fenômeno do envelhecimento da população,
bem como trazer algumas informações sobre os desafios que o processo de envelhecimento
populacional demanda de nossas políticas públicas e, por fim, trazer algumas noções teóricas
sobre o assunto que será abordado em nossa pesquisa.
1.1 ALGUNS DADOS
O envelhecimento populacional é uma realidade em muitos países, ocorrendo
primeiramente nos Estados de Bem - Estar Social do pós - guerra e está associado a uma
diminuição das taxas de natalidade e a um progressivo aumento da expectativa de vida,
associada às melhorias das condições de trabalho e de vida. (BATISTA; JACCOUD; AQUINO;
EL-MOOR, 2008).
Existem diferenças entre as regiões do mundo quanto à parcela de idosos no total da
população. Em 2000, houve um aumento considerável de idosos na população européia,
passando para 20,3%; na América do Norte, atingiu 16,2%. Projeções indicam que, em 2050, a
Europa terá cerca de 36,6% de sua população considerada idosa, enquanto que são estimados
27,2% para a América do Norte. (BATISTA; JACCOUD; AQUINO; EL-MOOR, 2008). Essa
realidade é perceptível recentemente no Brasil, onde se evidencia um expressivo
envelhecimento da população brasileira. Segundo o IBGE (2013), a população com idade
superior a 60 anos no Brasil corresponde a aproximadamente 23 milhões de habitantes, 11% de
toda a população. (OGATA; OLIVEIRA; SILVA, 2015).
Projeções para o ano de 2025 apontam que o Brasil terá cerca de 32 milhões de pessoas
com mais de 60 anos e será o sexto país do mundo, em números absolutos de população idosa.
(PEDRO; MENA-CHALCO, 2015). A projeção para 2034 é que este número suba para 46
milhões (21% da população), chegando a 73 milhões em 2060 (34% da população). (OGATA;
OLIVEIRA; SILVA, 2015). Também o censo brasileiro de 2010 apurou que existem 23.760
brasileiros com mais de 100 anos. (PEDRO; MENA-CHALCO, 2015). A pirâmide brasileira
que possuía base larga em 1970 passa a assumir um desenho diferente com o aumento da
expectativa de vida da população brasileira e da queda da taxa de fecundidade, já a partir da
década de 80. (NASCIMENTO; RABELO, 2007).
15
Uma particularidade brasileira é a de que no Brasil esse processo de envelhecimento
ocorreu em um curto período de tempo. Em 40 anos, a estrutura etária da população se
transformou de forma rápida, já na Europa, comparativamente, esse fenômeno ocorreu num
período de mais de 120 anos. (NASCIMENTO; RABELO, 2007).
Os dados do IBGE (2011) da atual transição demográfica brasileira demonstram um
processo de feminização da velhice, ou seja, quanto mais a população envelhece, mais feminina
ela se torna - mulheres representam 55,5% da população idosa brasileira e 61% do contingente
de idosos acima de 80 anos. (KÜCHEMANN, 2012).
A maior longevidade das mulheres explica esse diferencial na composição por sexo. Por
isso, quanto “mais velha” for a população estudada maior a proporção de mulheres. Essa
predominância entre os idosos tem repercussões nas demandas por políticas públicas. Elas estão
mais sujeitas a deficiências físicas e mentais do que os homens; além disso, há elevada
proporção de mulheres morando sozinhas; cerca de 45% das mulheres idosas eram viúvas.
(CAMARANO, 2002).
1.2 DESAFIOS E DEMANDAS RELATIVOS AOS ASPECTOS ECONÔMICOS E SOCIAIS
ASSOCIADOS À REALIDADE DA VELHICE
O Envelhecimento populacional vem associado às mudanças demográficas,
econômicas, sociais, que trazem inúmeros desafios e novas demandas, bem como à necessidade
de formulação e implementação de políticas públicas para a proteção social ao idoso. (SOUZA,
2015).
No Brasil, o fenômeno do envelhecimento vem sendo tratado historicamente como
questão privada, de responsabilidade da família ou como assunto de caridade pública.
Entretanto, com o aumento do número de idosos passou a preocupar também outras instituições
sociais. (COIMBRA; MINAYO, 2002).
Com o aumento da idade, diminui a proporção de idosos no mercado de trabalho, com
aumento do número de pessoas aposentadas. Isso implica grandemente na questão da
seguridade social, tais como nas questões da saúde e previdência social.
Saúde e previdência social são duas questões de interesse social do Estado que impactam
grandemente os cofres públicos e por isso estão sempre em discussão nas pequenas e grandes
mídias, nos sindicatos e associações, nas instâncias estatais, etc.
A saúde é um dos setores que sofre grande impacto com a transição demográfica. A
implementação de políticas e práticas voltadas para o envelhecimento com qualidade é
16
imprescindível. (OGATA; OLIVEIRA; SILVA, 2015). Do ponto de vista da política de saúde,
os estudos têm indicado a importância dos serviços voltados para a prevenção e tratamento das
doenças crônicas. Isso exigirá a transformação do paradigma na medicina de hoje para a adoção
de um modelo que considere as doenças a partir de uma perspectiva mais abrangente,
analisando também os aspectos emocionais, psicológicos e sociais associadas ao perfil de saúde
das pessoas idosas. (BATISTA; JACCOUD; AQUINO; EL-MOOR, 2008).
Em relação ao cuidado às pessoas idosas, mudanças como a maior participação feminina
no mercado de trabalho e alteração na estrutura das famílias limitaram o emprego do tradicional
papel da mulher como cuidadora. (KÜCHEMANN, 2012). Além disso, a queda da taxa de
natalidade com diminuição do número de filhos por família repercutiu sobre a solidariedade
intrafamiliar, com diminuição do número de potenciais cuidadores. Com isso, o aumento de
pessoas idosas e as mudanças na oferta de cuidados disponíveis no âmbito familiar trouxeram
o desafio de incorporar o tema do envelhecimento populacional às políticas públicas e de
implementar ações de cuidado para essa população. (BATISTA; JACCOUD; AQUINO; EL-
MOOR, 2008).
As políticas públicas de amparo aos idosos consideram a família, o estado e a sociedade
igualmente responsáveis pelo cuidado. Entretanto, na prática, o cuidado acaba sendo uma
questão privada, cabendo a família, na figura da mulher a tarefa de cuidado. (KÜCHEMANN,
2012).
Pensa-se inicialmente na necessidade do cuidado da pessoa idosa, já que espera-se que
essa pessoa tenha mais problemas de saúde e maiores limitações. Entretanto, observa-se
também o idoso exercendo o cuidado de outras pessoas, tais como de outros idosos, de filhos
que ainda o necessitem, dos netos. Tradicionalmente esse é um papel atribuído à mulher, apesar
de que os idosos homens estarem cada vez mais presentes nas questões de contexto familiar.
São novas configurações que ocorrem dentro das famílias. (KÜCHEMANN, 2012).
Em relação a questão previdenciária, há um desafio ainda maior. Surge a concepção do
envelhecimento como problema, que se expressa na constatação dos déficits nos cálculos da
previdência social, uma vez que o direito a aposentadoria se universalizou. (MINAYO;
COIMBRA, 2002).
No fim da década de 1970 o envelhecimento populacional aumenta a pressão sobre os
sistemas de proteção social. Parece preocupante a relação entre o número de contribuintes, que
tende a diminuir, e o de aposentados, que se incrementa cada vez mais. (BATISTA; JACCOUD;
AQUINO; EL-MOOR, 2008).
O nosso sistema previdenciário funciona com a geração ativa financiando a geração que
17
se retirou do mercado de trabalho, por isso esse sistema está sujeito às mudanças demográficas,
sofrendo desequilíbrios com o envelhecimento populacional. Gastos previdenciários brasileiros
como proporção do PIB têm crescido consistentemente desde o final dos anos 1980,
constituindo-se, atualmente, no principal item de despesa do orçamento da União. (TAFNER,
2012).
Além disso, a previdência social em nosso país ao longo dos anos estendeu a proteção
social a trabalhadores e trabalhadoras que tem vínculos trabalhistas que não se caracterizam
pelo assalariamento formal de longo prazo e cujas atividades envolvem graus de penosidade,
tais como a inclusão dos trabalhadores/as rurais, de autônomos/as e trabalhadoras domésticas.
A partir da adoção de regras diferenciadas de acesso ao sistema buscou-se mais equidade social.
(MOSTAFA; VALADARES; SOUZA; REZENDE; FONTOURA, 2017).
Para efeitos previdenciários, indivíduos de 60 anos ou mais são um grupo especialmente
relevante, já que sete em cada dez beneficiários da previdência têm 60 anos ou mais.
(PNAD/2008). Ademais, a população com 80 anos ou mais será numerosa, influenciando na
determinação do tempo de duração dos benefícios previdenciários. (TAFNER, 2012, p. 142).
A Previdência Social cobre uma parcela importante dos trabalhadores/as idosos/as.
Entre os/as idosos/as acima de 60 anos, a abrangência foi de aproximadamente 79%, incluídos
os benefícios assistenciais. (MOSTAFA; VALADARES; SOUZA; REZENDE; FONTOURA,
2017).
Em relação às diferenças de sexo, a previdência social, em seu Art. 201, da Constituição
Federal, §7o, dá as regras de acesso à aposentadoria conforme as modalidades que compõem.
Cada um desses tipos, corresponde a critérios específicos de acesso, mas que compartilham o
princípio do diferencial de idade de aposentadoria para homens e mulheres. (MOSTAFA;
VALADARES; SOUZA; REZENDE; FONTOURA, 2017).
Conforme nos aponta Valadares et. al (2017), pela lei vigente, a idade mínima de
aposentadoria por idade (para trabalhadores urbanos) foi fixada em 65 anos para homens e 60
anos para mulheres, e condicionada, para ambos os sexos, a 180 meses de contribuições à
Previdência. Para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição, há o diferencial
de cinco anos segundo o sexo: 30 anos de contribuições para as mulheres e 35 para os homens.
Essas diferenças de idade e de tempo de contribuição manifestam um princípio de justiça com
fundamento na existência das desigualdades de gênero: aos diferentes modos de inserção no
mercado de trabalho, ligados às atividades econômicas e os trabalhos relativos à reprodução
social, como os afazeres domésticos e os cuidados dos membros da família. Ou seja,
18
As convenções de gênero em nossa sociedade reservam às mulheres uma carga relativa maior de trabalhos não remunerados ligados à reprodução social, e de menor remuneração dos trabalhos relativos à esfera da produção social. Os trabalhos remunerados carregam, inclusive, características dos trabalhos de cuidados e doméstico, como é o caso das ocupações nos campos da pedagogia, enfermagem, psicologia, assistência social, limpeza, beleza, preparação de alimentos e atendimento ao público, majoritariamente ocupados por mulheres e, via de regra, mais desvalorizados. (MOSTAFA; VALADARES; SOUZA; REZENDE; FONTOURA, 2017, p. 5).
Uma forma de ilustrar possíveis efeitos dos gastos relacionados à previdência social na
atividade econômica é verificando a evolução da razão de dependência da população
considerada não ativa. A razão de dependência é a relação entre o número de pessoas
consideradas não ativas (0 a 14 anos e 65 anos em diante) e o número de pessoas em idade
economicamente produtiva (15-64 anos de idade). Em 1980, para cada 100 pessoas em idade
economicamente ativa, existiam 73,2 pessoas inativas. Destas, 66,2 eram jovens/crianças com
idades abaixo de 15 anos e, 6,9 eram pessoas com 65 anos ou mais. Em 2000, para cada 100
pessoas em idade economicamente ativa existiam pouco mais da metade (54,4) de pessoas
inativas. No entanto, das 54,4 pessoas inativas naquele ano, 8,4 pessoas eram idosas e as demais
46 jovens/crianças com menos de 15 anos, ou seja, verificou-se que o número de pessoas
dependentes compostos por idosos aumentou. (BATISTA; JACCOUD; AQUINO; EL-MOOR,
2008).
Considerando-se a renda das pessoas idosas, os dados mostram que pouco mais de 1/3
dos 18,2 milhões de idosos brasileiros estimados pela PNAD (2005), viviam em domicílios
com renda per capita entre ½ até 1 Salário Mínimo (SM), enquanto uma parte menor vivia em
domicílios com renda per capita entre 1 e 2 SM. Assim sendo, algo em torno de 7 de cada 10
idosos viviam em domicílios com até 2 SM de renda per capita, demonstrando que boa parcela
dos idosos vivem em domicílios de baixa renda. Porém, constata-se que é baixa a incidência de
idosos em situação de pobreza, ou seja, em domicílios com renda per capita inferior a ½ SM.
(BATISTA; JACCOUD; AQUINO; EL-MOOR, 2008).
Os rendimentos advindos dos benefícios previdenciários e assistenciais da seguridade
social perfazem cerca de 66,5% do total da renda dos idosos, quando analisamos as suas fontes
de renda. O peso desses rendimentos no total da renda dos idosos cresce na medida em que
aumenta a faixa etária, sendo que o aumento da idade se reflete em uma redução da renda vinda
do trabalho. (BATISTA; JACCOUD; AQUINO; EL-MOOR, 2008).
Metade da população idosa atingiria a linha de situação da pobreza se não fosse os
benefícios sociais, tais como os previdenciários e os de transferência de renda. (BATISTA;
JACCOUD; AQUINO; EL-MOOR, 2008).
19
Esses dados demonstram que um número significativo de pessoas idosas com 60 ou
mais anos construíram suas trajetórias de vida dentro de um emprego assalariado, o que lhes
garantiu como um direito o acesso a aposentadorias e pensões. Além disso, a ampliação dos
direitos sociais, principalmente, da Constituição Federal de 1988, permitiu a cobertura de um
contingente importante de idosos não filiados até então à Previdência Social. (BATISTA;
JACCOUD; AQUINO; EL-MOOR, 2008).
1.3 A ABORDAGEM DO TEMA DO ENVELHECIMENTO E DA APOSENTADORIA EM
ALGUNS ESTUDOS
Nesta seção iremos apontar alguns trabalhos essenciais quando pensamos em pesquisas
na área de envelhecimento em ciências sociais, oferecendo as bases para compreensão deste
estudo.
Debert (1998) aponta alguns pressupostos básicos a serem considerados nas pesquisas
ligadas ao envelhecimento, considerações importantes para iniciarmos o nosso debate.
Primeiramente, devemos considerar que a velhice não é uma categoria natural, ou seja, ela é
socialmente produzida, ganha significados particulares de acordo com os contextos históricos,
sociais e culturais. A idade não é um dado da natureza, nem um princípio naturalmente
constitutivo de grupos sociais, nem um fator explicativo de comportamentos sociais. Além
disso, podemos apreender diferenças entre os conceitos de idade cronológica, estágio de
maturidade, idade geracional. A idade cronológica é estabelecida por um sistema de datação
independente e neutro em relação à estrutura biológica e aos estágios de maturidade. A idade
cronológica segundo a autora, opera atomisticamente, com o sujeito isolado. Os estágios de
maturidade são incorporados na estrutura social, onde se considera a capacidade de realizar
certas tarefas. As idades cronológicas nas sociedades ocidentais são mecanismo básico de
atribuição de direitos e deveres políticos, de definição de papéis ocupacionais, de formulação
de demandas sociais. A idade geracional é relevante para estruturar a família e o parentesco, ou
seja, um pai é um pai, um irmão é um irmão, independente do estágio de maturidade e da idade
cronológica.
Outra questão trazida por Debert (1998) se refere à cronologização da vida e da
modernidade. As transformações históricas que aconteceram no processo de modernização do
ocidente levaram a uma institucionalização do curso da vida; a idade é uma dimensão
fundamental de organização social. Os estágios da vida são claramente definidos. O processo
de individuação próprio da modernidade teve na institucionalização do curso da vida uma de
20
suas dimensões fundamentais. Esta institucionalização envolve quase todas as dimensões do
mundo familiar e do trabalho e se apresenta nas escolas, no mercado de consumo, na
organização do sistema produtivo, nas políticas públicas que tem como alvo grupos de idade
específicos. A padronização das idades, e com ela da velhice, pode ser compreendida em um
contexto de transformações na economia, que é então baseada no mercado de trabalho e não
mais na unidade doméstica. Ademais, o processo de transformação de questões de ordem
particular se tornam questões públicas, onde o Estado moderno tem papel de regulamentar o
curso da vida, desde o nascimento até a morte, englobando as fases de escolarização, mercado
de trabalho e aposentadoria. Além dessa regulamentação dos estágios da vida pelo Estado, a
constituição das perspectivas e projetos de vida pelos indivíduos são planejados de acordo com
os estágios da vida, tais como os projetos na “fase da aposentadoria”.
Bourdieu (1983) refere que a categoria das idades envolve uma verdadeira luta política,
onde há poderes ligados às categorias sociais distintas em momentos históricos diferentes, tal
como podemos perceber no jogo da aposentadoria.
Para sabermos como se recortam aí as gerações, precisamos conhecer as leis específicas do campo, as paradas em jogo de luta e as divisões que essa luta opera [...] mas que faz ver que a idade é um dado biológico socialmente manipulado e manipulável. (BOURDIEU, 1983, p. 153).
Outra consideração essencial à esse trabalho é em relação aos termos: velhos, idosos ou
3ª idade?
Diante da velhice, duas condições principais aparecem em cena: da velhice como
doença, inatividade, isolamento social, concepção mais antiga e negativa do envelhecimento; e
uma mais atual, da velhice como liberdade, conquistas, atividade, autonomia e independência,
ou seja, a melhor idade. Essas representações no Brasil sofreram influência da realidade
europeia, especialmente da realidade francesa.
Peixoto (1998) traz que no século XIX, na França, a questão da velhice se refletia sobre
as pessoas que não podiam mais se sustentar, os que não detinham mais estatuto social após
não conseguirem mais utilizar a sua força de trabalho no mercado produtivo. Desde a sua
origem, o problema da aposentadoria foi o de definir quem deveria tomar para si a
responsabilidade pelos grupos menos favorecidos, a família ou o patrão? A velhice dos
trabalhadores está ligada a menor capacidade de produzir. A partir dessa lógica, os patrões
instituem as caixas de aposentadorias que procuravam diminuir os custos de produção, pois os
trabalhadores mais velhos e incapazes para o trabalho eram dispensados. Grande parte dessa
velhice trabalhadora vivia em condições miseráveis. Ao que parece, nas camadas superiores a
21
velhice não é aparente. A partir de meados do século XX, surge uma nova política social para
a velhice e a elevação das pensões aumenta o prestígio dos aposentados, o que transforma a
percepção sobre as pessoas envelhecidas. Com a criação da categoria aposentado, os velhos
passam a ser mais valorizados, pois através de instrumentos legais eles passam a ter um estatuto
social reconhecido. Entretanto, a aposentadoria traça um contorno homogêneo para a categoria
da velhice, já que classifica as pessoas não produtivas conforme a idade cronológica. A
aposentadoria baseada na idade libera do trabalho pessoas ainda capazes de trabalhar e lhes
atribui o estatuto de inativos. A aposentadoria simboliza a perda do papel social fundamental,
de uma pessoa produtiva, podendo a ser sintoma social de envelhecimento. É sobre essa questão
que trata este trabalho.
Peixoto (1998) traz ainda que a partir de 1962 uma politica francesa de integração da
velhice levou a modificações político-administrativas bem como uma transformação da
imagem das pessoas velhas. Os novos aposentados reproduziam práticas sociais das camadas
médias. Um novo vocábulo era necessário para caracterizar esses novos aposentados – aparece
a ideia de terceira idade, que simboliza um novo dinamismo, novas práticas em uma nova etapa
de vida. A invenção da terceira idade como uma nova fase entre a aposentadoria e a velhice é
produto da universalização dos sistemas de aposentadoria e do surgimento de instituições e
agentes especializados no cuidado da velhice, que prescrevem a esse grupo maior cuidado
alimentar e exercícios físicos e também necessidades culturais, sociais e psicológicas.
(PEIXOTO, 1998).
Esses dois modelos - da velhice como decadência e inatividade e a noção de terceira
idade com o envelhecimento positivo e ativo - ainda coexistem, apesar de contrapostos.
O envelhecimento não é um processo homogêneo, mesmo em um mesmo indivíduo;
pode haver funções do corpo mais ‘jovens’ que outros. Quando olhamos para o terreno dos
sentimentos e representações, a velhice nunca é um fato total, ou seja, ninguém se sente velho
em todas as situações, nem em todos os projetos. A velhice é uma identidade permanente e
constante. (DEBERT, 1988 apud MOTTA, 2006).
É difícil reconhecer-se como velho, pois a velhice é associada a decadência, mais do
que a sabedoria e experiência. Diante da imagem negativa da velhice os que tem saúde e que se
sentem participando do cotidiano não se consideram velhos. Não querem ser enquadrados em
um modelo cruel. Não negam que a velhice existe, mas não é aquilo que está neles. Velho é o
outro. (DEBERT, 1988 apud MOTTA, 2006).
A experiência do processo de envelhecimento é heterogênea, dependente de diversos
fatores. A perspectiva sociológica traz a noção da velhice como construção social, fugindo da
22
velhice apenas definida pela idade, como nas normas e leis. Além do tempo histórico e o lugar
que a pessoa ocupa, as subjetividades e trajetórias individuais compõem todo o processo de
envelhecimento em uma determinada sociedade. (GONTARSKI, 2012).
Conforme nos expõe Motta (1999), a vida social é composta por um conjunto de
relações, os quais as classes sociais, gênero, idades/gerações e etnias são determinantes. Levam
a categorias de experiências, com formação de subjetividades ou identidades. Para análise das
relações sociais, considerar gênero e geração são fundamentais como dimensões da vida social.
O gênero e classe social influenciam a situação vivida em grupo de idade ou geração, além de
que o gênero e classe estruturam expectativas e conformam a ação social.
O conhecimento de cada uma dessas categorias leva-nos a uma análise de relações de
poder, presente na vida social. Além disso, essas categorias expressam diferentes dinamismos
segundo o tempo e o lugar. (MOTTA, 1999).
Outra dimensão da análise útil no estudo de grupos, particularmente no grupo de idosos,
refere-se às vivências e experiências ou práticas socializadoras expressas pelo conceito de
habitus, que são “o conjunto de condicionantes comuns em relação à atuação no cotidiano que
produz experiências comuns e que, por sua vez, gera um conjunto de disposições internalizadas
em relação a agir de determinada forma”. (LARANJEIRA, 1993 apud MOTTA, 1999, p. 196).
A noção de tempo é também inerente ao conceito de habitus – um tempo social, como
uma construção de práticas. Esse conceito de habitus de classe, também segundo o gênero,
poderá contribuir para o entendimento da categoria velhice. O tempo expresso pela idade é
socialmente construído, institucionalizado, adquire significado social como grupos de idade
legítimos para determinada ação social. Já o tempo das gerações tem um sentido social e
histórico. Por isso, o conceito de geração seria mais interessante, já que ter-se-ia uma elaboração
cultural sobre o correspondente biológico da idade. (MOTTA, 1999). Toda geração seria
determinada pela sucessão de conjunturas históricas em que vive, sendo que com a geração, os
indivíduos se reconhecem coletivamente, como construtores de cultura ou de mudanças
políticas em cada tempo histórico. Ou seja, as gerações são categoria mais abrangente que as
idades. (MOTTA, 1999). Entretanto, a geração não é unívoca nem única em cada conjuntura,
é diferente em cada classe social, em cada categoria de sexo, em cada categoria de idade.
(MOTTA, 1999).
De qualquer forma, conforme nos alerta Debert (1998) as idades constituem importante
fator de organização social e o tempo dos indivíduos é medido pela idade, apesar de ser
socialmente construído e institucionalizado. As ações estatais, através do aparato jurídico e
políticas sociais, incluem ou excluem os indivíduos segundo sua condição etária. Ademais, para
23
a análise da vida social, classe social, gênero e idade/geração são dimensões essenciais, já que
expressam relações básicas, por onde se constroem e se fazem presente subjetividades,
identidades e se traçam trajetórias. Para uma análise da condição social atual de idoso, é
necessário incluir os diferenciais de classe social e gênero, que lhe dariam sentidos específicos.
Conforme nos aponta Motta (1999), a condição de idade, principalmente nos idosos,
afeta de forma diferenciada, como se sugere, mulheres e homens, bem como de várias classes
sociais. Mesmo que as experiências pareçam ser comuns, a condição da idade enseja diferente
relações e representações.
A velhice entre as classes populares como uma nova e boa fase da vida é mais
comumente referida entre as mulheres, e quando apontada por homens, possivelmente falam de
uma positividade ou liberdade que são geracionais e guardam forte sentido de classe, a de ex-
trabalhadores que podem descansar após os muitos anos de trabalho. (SOUZA, PONTES,
ROCHA, 1994 apud MOTTA, 2006). Já para os homens de classe média refere-se a
tranquilidade econômica. (DEBERT, 1983 apud MOTTA, 2006)
Gontarski (2012) encontrou um sentido bem mais positivo para as mulheres para a
aposentadoria. A velhice e a aposentadoria para as mulheres no ambiente rural estudado pela
autora pôde significar a chance de sair do âmbito doméstico e participar de um espaço social.
O direito de receber a aposentadoria rural deu mais autonomia a essas mulheres.
Outra consideração a este trabalho é a que nos apresenta Agra do Ó (2008), refletindo
sobre a obra de Elias (2001): a velhice e a morte na modernidade foram retiradas do espaço
público e se dirigiram ao espaço privado e ao mundo dos especialistas. O ser humano sabe cada
vez menos de si e depende do auxílio especializado para viver e morrer. A civilização sequestra
a autonomia do individuo em nome da racionalidade, que são no fundo mecanismos de
manutenção de hierarquias e assimetrias sociais. Para ele, a consolidação dos saberes
biomédicos sobre a velhice não tem sido suficientes para a compreensão social da experiência
do envelhecimento e da morte; na ausência da experiência vivenciada no próprio corpo, os
jovens não entendem o que é ser velho. A intenção dessa pesquisa é exatamente compreender
a experiência social do envelhecimento, vividas por pessoas que se aposentaram.
Diversos autores procuraram desvendar e compreender imaginários relacionados à
aposentadoria. Citaremos alguns estudos realizados em grupos específicos sobre esse assunto.
Moreira (2011) entrevistou 3 homens e 3 mulheres professores universitários com mais
de 60 anos que continuavam trabalhando, a fim de desvelar os seus imaginários em relação a
velhice, trabalho e aposentadoria. Tinha como indagações as motivações desses professores em
continuarem trabalhando, se a questão era puramente econômica ou se o envelhecimento e a
24
aposentadoria são encarados como perdas, comprometendo a identidade ou mesmo se a
atividade profissional se ligaria ao sentimento de vitalidade e satisfação com o trabalho. Para
os professores entrevistados, aposentadoria, velhice e trabalho não estão associados
diretamente. A aposentadoria estaria ligada a noção de quando não se consegue realizar aquilo
que se quer. Os professores sentem a velhice como perda, sendo forte o imaginário negativo e
vinculam o trabalho como importante elemento definidor da identidade. Todos revelam
satisfação pessoal e crescimento proporcionados pelo trabalho, com o sentimento de inserção
social, ou seja, trabalhar possibilitaria uma vivencia de saúde.
Vaughan (2008) se interessou por um grupo social de maior poder econômico:
investigou executivos brasileiros e neozelandeses que ainda não se aposentaram e investigou
sobre as suas opiniões frente a aposentadoria. Estudou um estrato de alto nível econômico, o
que levaria a crer que fosse um grupo de indivíduos com grande nível de satisfação com o
trabalho e que poderiam perder muito com a aposentadoria. Entretanto, também é um grupo
que tem maiores chances de economizar e planejar a sua aposentadoria, além de ter mais acesso
aos serviços de saúde, ou seja, seria um grupo que poderia ter maiores condições de desfrutar
positivamente da aposentadoria. Foram entrevistados 517 executivos, que responderam
questionários que avaliavam os ganhos e perdas esperadas na aposentadoria. Neste estudo, a
maioria se mostrou favorável a aposentadoria e como maior ganho apreendido nesta pesquisa
destacou-se o tempo a ser dedicado à família. O enfoque da vida desses sujeitos está fortemente
alicerçada na vida profissional e muitos pensam em continuar a trabalhar após a aposentadoria
com consultorias, retorno aos estudos ou outro trabalho. Isso foi mais presente entre os
executivos brasileiros. Esse achado demonstra a importância central que o trabalho exerce na
vida dessas pessoas, dando sentido de vida e não se mostrando como um fardo, já que muitos
executivos querem mesmo após a aposentadoria formal voltar a trabalhar.
Catão e Felix (2013) investigaram um grupo determinado de policiais rodoviários acerca
dos significados do envelhecimento e da aposentadoria. Através da aplicação de entrevistas
semi-estruturadas encontrou dois significados predominantes: o de exclusão e adoecimento
para 30,5% dos entrevistados e como liberdade e projeto de vida para 69,43%, conferindo novas
configurações de pensamentos para esta fase da vida. Ou seja, percebe-se que a aposentadoria
para a maior parcela desses entrevistados se refere a possibilidade de novas realizações além
do trabalho.
Estudando funcionários públicos de uma universidade pública, Novo e Folha (2011)
buscaram conhecer os significados atribuídos à aposentadoria dado por um grupo de servidores
entre 50 e 60 anos da Universidade Federal de Pelotas que ainda estão na ativa. Sobre o sentido
25
da aposentadoria encontraram nos discursos um sentido de ‘dever cumprido’, momento de
‘aproveitar a vida’ e ‘hora de descansar’. Entretanto, no desenrolar dos discursos, sentidos
negativos foram apontados como a perda da identidade e ociosidade, além do sentido da perda
do trabalho como regulador das atividades cotidianas, dos compromissos, dos horários. Aparece
também o sentimento relacionado aos preconceitos, tais como o imaginário do aposentado que
não serve para mais nada, marginalizado nos contextos sociais pela perda de seu valor
produtivo. Há também o receio de enfermidades, principalmente os de ordem psicológica, como
a depressão. Diante da aproximação da aposentadoria, ela aparece como um objetivo mas
também como um momento de perdas, de estresse e de expectativa, de sentimentos
ambivalentes de liberdade e exclusão. Esses achados corroboram com as nossas hipóteses
iniciais de que a aposentadoria seria um momento de incertezas e conflitos.
Diante de tudo o que foi apresentado, percebe-se a complexidade do assunto a ser
estudado, já que envolvem múltiplas interfaces, além de ter sentidos e significados diversos,
devendo ser levado em consideração o contexto histórico e social em que os sujeitos estão
inseridos, suas relações interpessoais, o tipo de trabalho exercido. Trabalho, aposentadoria e
envelhecimento podem ou não estarem inter- relacionados e é sobre isso que este trabalho busca
compreender.
26
2 METODOLOGIA
Para atender aos objetivos do estudo, que envolve os sentidos relacionados à experiência do
envelhecimento e da aposentadoria, ressaltaremos aspectos da pesquisa qualitativa no campo.
A aproximação metodológica ocorreu considerando-se autores tais como Minayo (1992),
León (2003), Lenoir (1998), Poupart (2012) e Bauer (2003).
Assim, expõe-se algumas considerações importantes ao pensarmos a metodologia da nossa
pesquisa. A primeira se refere às questões inerentes à própria pesquisa na área da sociologia e
a segunda aponta para a especificidade de ser uma pesquisa que envolve aspectos do
envelhecimento.
A pesquisa em ciências sociais possui especificidade metodológica, já que tem
particularidades que devem ser levadas em consideração. Minayo (1992) assinala alguns pontos
essenciais, dentre eles a de que o seu objeto é histórico – as sociedades existem em um
determinado tempo e lugar, onde os grupos sociais são mutáveis e as instituições sociais e suas
leis são provisórias, dinâmicas e se transformam; ademais, o seu objeto possui consciência
histórica, ou seja, tanto os grupos quanto os pesquisadores são frutos de seu tempo histórico.
Além disso, outra característica é que há identidade entre o sujeito que investiga e o objeto da
investigação, já que as ciências sociais investigam seres humanos. Finalmente, o objeto é
essencialmente qualitativo, já que há um sujeito de estudo, em determinada condição social,
pertencente a um grupo social, com suas crenças, valores e significados. Além de tudo isso, o
objeto das ciências sociais é complexo, contraditório, inacabado e em permanente
transformação.
León (2003) diz que toda pesquisa é em certa medida qualitativa, pois envolve
estabelecer uma qualidade a um objeto de estudo ao tentar explicá-lo ou compreendê-lo.
Ademais, defende a compreensão como forma de aproximação ao objeto de estudo nas ciências
sociais, já que os fenômenos sociais não são dados objetivos, mas contém significados e valores
inseridos em um contexto social, cultural e historicamente determinado.
A questão que deve ser colocada é a de qual técnica de pesquisa é a mais indicada para
a compreensão do processo social que se pretende estudar. Tanto as investigações qualitativas
quanto quantitativas trazem informações relevantes ao objeto de estudo.
A objetividade não é realizável devido a especificidade do objeto das ciências sociais,
mas é possível a objetivação com o rigor no uso do instrumental teórico e técnico, em um
processo de tentativa de atingir a realidade. A objetivação como processo de construção do
objeto das ciências sociais em toda a sua complexidade e especificidade é o critério mais
27
importante de cientificidade. É desejável reconhecer que o sujeito das ciências sociais não é
neutro e que interage permanente com o investigador. (MINAYO, 1992).
O objetivo desta pesquisa tem interfaces com subjetividades e está relacionado às
crenças, valores e vivências desses sujeitos, além de ser influenciado pelos contextos espaciais
e temporais em que vivem. Para compreender o processo de aposentadoria e os significados
sentidos em relação ao envelhecimento dessas pessoas, optei pela técnica de pesquisa
qualitativa, baseada na entrevista semiestruturada, que se baseia em perguntas abertas e
dialógicas entre entrevistador e entrevistado. Neste modelo são realizadas algumas perguntas
chave, permitindo que a pessoa utilize uma narrativa sobre a experiência vivida.
As entrevistas são uma porta de acesso às realidades sociais, mas que nem sempre se
deixam facilmente apreender, em um jogo de múltiplas interpretações produzidas pelos
discursos. (POUPART, 2012).
A entrevista do tipo qualitativo é necessária para uma exploração em profundidade da
perspectiva dos atores sociais para a compreensão das realidades sociais, com os seus dilemas
e questões enfrentados, sendo um instrumento privilegiado de acesso à experiência dos sujeitos.
As condutas sociais não poderiam ser compreendidas fora da perspectiva da experiência dos
atores sociais. (POUPART, 2012).
Considerando que não há experiência humana que não possa ser realizada na forma de
uma narrativa, onde grupos sociais contam histórias com palavras e sentidos que são pertinentes
as suas experiências e modos de vida, ou seja, as narrativas preservam perspectivas particulares,
independem da escolaridade ou competência linguística. Trazem experiências pessoais e
tendem a ser detalhadas com foco nos acontecimentos e ações. (BAUER, 2003).
Outro ponto fundamental que deve ser considerado em nossa pesquisa é sobre o pensar
o envelhecimento como problema social. Os problemas sociais não se definem por uma
natureza específica peculiar, mas variam conforme a época e regiões. Além disso, pode ter
diversas dimensões, tal é o caso da velhice como objeto de pesquisa.
Apesar de parecer um objeto natural e evidente, sendo a velhice entendida como uma
categoria aparentemente “natural”, a idade não é um dado natural, não é um dado imediato de
consciência universal. Ela é uma noção social estabelecida em comparação com os membros
de um grupo. A noção de idade designada em número de anos é o produto de certa prática social
e muitas vezes explicada por necessidades de práticas administrativas e estatais, tal qual é o
caso da idade para a aposentadoria. (LENOIR, 1998).
Para Lenoir (1998) o sociólogo não deve tomar partido nas lutas simbólicas, mas
analisar os atores, as estratégias, as armas utilizadas por esses atores, as representações
28
consideradas legítimas associadas a certa faixa etária. Por isso, ele coloca uma questão
importante e essencial - a sociologia da velhice, ao tomar como objeto uma população já
definida, não aniquilaria o seu próprio objeto, já que já considera resolvido o que deve ser
explicado, ou seja, a própria definição de velhice, baseada na cronologia sem considerar outros
fatores envolvidos. Ele considera que a manipulação das faixas etárias estaria relacionada a
lutas e definição dos poderes em cada grupo social, nas diferentes gerações. Por isso, ele
defende que não é possível tratar a idade dos indivíduos independente do contexto em que
vivem, já que a fixação de uma idade é produto de lutas que envolvem gerações. Este
ensinamento é o que nos interessa considerar, que a idade não é um dado natural, nem de
constituição de grupos sociais ou fator explicativo de comportamentos. Essa reflexão inicial é
essencial para que possamos pensar sobre essa pesquisa.
Lenoir (1998), diz que:
O objeto da sociologia da velhice não consiste em definir quem é e não é velho, ou em fixar a idade a partir da qual os agentes das diferentes classes sociais se tornam velhos, mas em descrever o processo através do qual os indivíduos são socialmente designados como tais. (LENOIR, 1998, p. 71).
Entretanto, não se pode desconsiderar que a idade cronológica tem realidade social, já
que é evocada pelos indivíduos, está associada a determinados direitos e permite fazer
comparações. A delimitação da velhice resulta das relações de força e distribuição de privilégios
entre classes e gerações, tal qual é o caso da idade da aposentadoria. (LENOIR, 1998).
Além disso, a velhice como problema social tem inúmeras interfaces, dentre elas as
econômicas que afetam estruturas familiares e sociais. Ainda, é preciso levar em consideração
as transformações das relações de força entre gerações dentro das famílias que também estão
relacionadas à fatores externos à vida familiar.
Uma questão na constituição de um problema social é o seu reconhecimento pelas
instâncias estatais. Os problemas da velhice são um desafio de várias dimensões, tais como
econômicas, profissionais e morais, e revelam pelo menos duas dimensões de legitimação, o
reconhecimento pelos experts e pelos membros da alta função pública. (LENOIR, 1998).
O aparecimento de um problema social resulta de transformações da vida associados a
alguma formulação pública, restando uma terceira fase, um processo de institucionalização que
fixa as categorias conforme os problemas foram colocados tornando-os evidentes para todos.
(LENOIR, 1998).
O sociólogo se encontra a frente de representações já constituídas, e o estudo das formas
de como se deu esse processo, ou seja, das diferentes formas de como se deu essa
29
institucionalização, pode ser seu objeto de pesquisa. (LENOIR, 1998).
Além disso, há diferentes discursos de instituições científicas que se constituem como
especialidade, tais quais discursos médicos (gerontologia), econômicos dos demógrafos, que se
impõem no campo político administrativo, além dos das ciências sociais, relativas à inserção
social das pessoas idosas. Esses discursos podem ser um obstáculo ao estudo dessa população,
já que se trata de delimitações específicas no campo de pesquisa. (LENOIR, 1998).
Para a nossa pesquisa, inicialmente realizou-se uma revisão bibliográfica sobre o tema
para orientar a construção do objeto de estudo, o levantamento das hipóteses e com isso a
construção das perguntas da pesquisa. Esse levantamento foi realizado em sites de pesquisa
online. Primeiramente, consultou-se o Google acadêmico, com as combinações: Aposentadoria
AND idoso; envelhecimento AND aposentadoria; envelhecimento AND trabalho.
Posteriormente, buscou-se em sites relacionados às ciências sociais, tais como o site da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), da
Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), trabalhos ou artigos relacionados ao tema
envelhecimento. Além disso, acessamos o portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES) e sites de bibliotecas digitais de algumas universidades
brasileiras, como a da Universidade Estadual De Campinas (UNICAMP), Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS), Universidade Federal do Paraná
(UFPR).
Encontrou-se muitos artigos nas áreas de psicologia social, saúde pública, enfermagem,
assistência social, demonstrando as interfaces do assunto com outras áreas do conhecimento.
As informações para a nossa pesquisa foram coletadas especialmente pelas entrevistas.
Utilizamos a técnica de entrevista semi- estruturada, sendo que o roteiro de perguntas
(APÊNDICE 1) foi elaborado a partir das possíveis hipóteses e dos objetivos pensados às
questões levantadas no planejamento do trabalho. Após a conversa, solicitamos que cada pessoa
preenchesse um questionário com perguntas fechadas (APÊNDICE 2) para conhecer o perfil e
obter dados tais como idade, estrutura familiar, renda, condições de saúde e atividades de lazer
que nos ajudaram a contextualizar cada participante.
A pesquisa de campo foi feita entre os meses de março e abril de 2017. As narrativas
foram gravadas e depois transcritas, com o consentimento do entrevistado. Nenhum se negou à
gravação, entretanto, informações contundentes apareciam também após a gravação em uma
conversa informal. Tais informações eram anotadas em um caderno de campo. O grupo de
análise compõe-se de 9 pessoas que já vivenciaram o processo de aposentadoria, formados por
funcionários públicos ou não, de ambos os sexos, sendo de 5 homens e de 4 mulheres. Nosso
30
grupo de entrevistados foi por conveniência, a parir de uma rede de confiabilidade, onde
conhecidos nos indicavam pessoas que já se aposentaram e que poderiam participar do grupo
entrevistado.
Os encontros foram realizados individualmente, em lugares mais convenientes aos
entrevistados, na sua maioria no Ibama/PR – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA),
onde exerço minhas funções laborativas. A maior parte das pessoas entrevistadas era
aposentada do Ibama, o que facilitou a definição do local. Entretanto, neste contexto é preciso
considerar o espaço do discurso. A pessoa aposentada deste local poderia ter mais “cuidado”
ao se referir a sua experiência de aposentadoria, já que conhece pessoalmente pessoas da ativa
que ainda trabalham neste local. Será que existiria um discurso autorizado sobre o processo de
aposentadoria destes sujeitos ao retornarem ao local de onde saíram?
O trabalho de campo foi a parte mais prazerosa do processo de fazer este trabalho. Escutar
pessoas falarem de uma parte da história de si próprios foi enriquecedor, pois me fez refletir
sobre minha própria vida e meu próprio envelhecimento. Não tive grandes dificuldades na
abordagem do campo. Todos foram muito solícitos em participar da pesquisa. A maioria dos
participantes eram aposentados do Ibama – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, onde
trabalho há 3 anos. Uma colega dos Recursos Humanos intermediou a maioria das entrevistas.
Alguns eram meus ex-colegas de trabalho. A maioria se deslocou de sua casa para participar
exclusivamente da pesquisa em uma data marcada. Ilda (nome fictício) foi a única participante
que não era funcionária pública. Fato que foi importante, pois seu relato trouxe informações
particulares à realidade de quem trabalha na iniciativa privada. Eustáquio (nome fictício)
trabalhou em empresa pública, a Petrobrás. Berenice (nome fictício) foi professora de educação
especial e fez a sua carreira como funcionária pública no Estado do Paraná.
Seis entrevistas foram combinadas através das novas mídias sociais, principalmente
whatssapp, o que deu agilidade para conversar com os participantes e as demais entrevistas
foram agendadas por telefone.
Na minha vivência como entrevistadora neste trabalho, percebi que as pessoas queriam
contribuir com minha pesquisa, pois pelo menos 4 me perguntaram ao final: “Foi bom? Vai te
ajudar?” Outro participante até comentou com outro colega à minha frente: “Gostei de dar essa
entrevista”.
Outro fato que chamou a minha atenção foi o de os entrevistados se sentirem bem em falar
de suas trajetórias no trabalho, nas suas realizações e contribuições sociais, até “fugindo” muitas
vezes da pergunta realizada.
Uma das dimensões que tento abarcar na minha pesquisa se refere à aspectos do processo
31
de envelhecimento. Todos os participantes têm mais de 50 anos, entretanto nenhum se referiu
se sentir velho. Eu precisava ter muito cuidado para fazer as perguntas sobre a velhice, pois a
conotação negativa da palavra poderia constranger os entrevistados. Eu me indagava em como
perguntar sobre as suas experiências de envelhecer, se eles não se consideravam velhos? Essa
foi uma das dificuldades no campo. É preciso pontuar que esse foi um sentimento pessoal, que
poderia estar ligada aos próprios medos da pesquisadora que escreve, ou também às minhas
próprias representações sobre a velhice como algo negativo.
Conhecer uma parte da história desses novos e velhos aposentados me fez refletir sobre
diversas questões atuais e futuras, que também me envolvem, tais como, previdência social,
rede social de amizades e família, ocupação de espaços públicos e privados, construção de
identidades e representações sobre si mesmo.
Na sequencia, apresentarei a fala dos entrevistados e entrevistadas ressaltando aspectos que
julguei ser mais essenciais para responder aos objetivos dessa pesquisa. Já posso adiantar, que
apesar de aspectos em comum aparecerem nas entrevistas, particularidades de cada história
enriqueceram mais o nosso trabalho, demonstrando a singularidade de cada pessoa.
32
3 CONHECENDO ALGUNS NOVOS E VELHOS APOSENTADOS
Considerando que a experiência do envelhecimento e da aposentadoria são construções
culturais e são vivências pessoais, é preciso contextualizar o grupo do qual estamos falando.
Diante disso, apresentaremos um quadro (QUADRO 1) com alguns dados pessoais, tais como
idade, escolaridade, estado civil, profissão, religião, renda, problemas de saúde, atividades no
dia a dia, que auxiliam nesta tarefa de contextualizar essas pessoas e ajudam também a
compreender a trajetória desses sujeitos. Posteriormente, vamos conhecer algumas
particularidades e singularidades dessas narrativas.
Com o intuito de resgatar as hipóteses e os objetivos inicialmente trazidos para este trabalho,
iremos apresentar as entrevistas em seus trechos mais essenciais, apontando aspectos relevantes
acerca dos sentidos elaborados por homens e mulheres para os processos de aposentadoria e
envelhecimento, sobre a vinculação desses processos com a questão das vivências familiares,
sociais, do trabalho, da autonomia, as possibilidades de escolhas; contextos de decisão pela
aposentadoria; relações entre o sentir e o viver a experiência do envelhecer e do se aposentar
em nossa sociedade, com suas preocupações e ressignificações inerentes a esse processo.
As entrevistas serão apresentadas na sequencia em que foram realizadas, inicialmente com
uma breve apresentação do entrevistado, seguidas pelas falas do entrevistado nas suas partes
mais essenciais para os objetivos desse trabalho, concluídas com uma pequena síntese da sua
entrevista.
33
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1 Para resguardar a identidade dos entrevistados, os nomes são fictícios.
2 Valor do salário m
ínimo em
01.01.2017 em reais: 937,00. D
ecreto 8.948/2016.
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aminhada
34
3.1 ABELARDO. (72 ANOS)
Abelardo foi o nosso primeiro entrevistado. Através da intermediação de uma colega
que trabalha no Recursos Humanos do Ibama- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, obtive o
contato de Abelardo e agendamos uma entrevista, que ocorreu em um espaço tranquilo dentro
da própria instituição. Abelardo foi engenheiro florestal no Ibama, aposentado há 6 anos, após
39 anos de trabalho. A sua fala é bastante otimista em relação à aposentadoria, sempre diz que
"se eu soubesse tinha me aposentado antes". Diz que se adaptou bem a sua vida após a
aposentadoria e que ela lhe trouxe paz de espírito e tranquilidade. Não se queixa de dificuldades
após se aposentar.
A aposentadoria, na opinião de Abelardo, muda a vida das pessoas em vários sentidos:
ela lhe trouxe uma nova rotina diária e uma maior liberdade em relação aos compromissos,
obrigações e responsabilidades. Entretanto, houve diminuição do convívio social,
principalmente com os colegas de trabalho, propiciando um maior tempo junto à família.
Eu acho que muda, no meu caso para melhor. Eu fiquei mais tranquilo. Eu fiquei com paz de espírito. (Abelardo, 72 anos).
No seu discurso sobre a decisão por se aposentar, diz que já tinha dado a sua
contribuição para o órgão, para a sociedade e para o meio ambiente, como quem dissesse que
já havia cumprido o seu papel. O trabalho nesta narrativa aparece como virtude, ressaltando o
papel do homem nesta sociedade através do trabalho, sendo fonte de realização pessoal e social.
Eu já tinha dado a minha contribuição para o órgão, como engenheiro florestal já tinha dado a minha contribuição ao meio ambiente. Eu resolvi me aposentar, então me aposentei com consciência sabendo daquilo que me esperava [...] porque você tem uma rotina [...] você levanta as 7 horas e se prepara para trabalhar [...] então vira tudo uma rotina [...] isso por anos, aquilo fica automático, todos os dias e de repente [...] meu Deus o que vou fazer da minha vida agora! Na verdade isso não aconteceu comigo[...] eu me preparei para isso." (Abelardo, 72 anos).
Apesar dessa narrativa, Abelardo logo após a entrevista, quando o gravador já estava
desligado, relatou um fato que apressou o seu pedido pela aposentadoria. Uma pessoa mais
jovem e mulher se tornou chefe do setor em que se encontrava e ele sentia o seu trabalho
desprestigiado. Teve alguns desentendimentos, o que criou um mal-estar e decidiu se aposentar.
Este aspecto denota que a decisão pela aposentadoria nem sempre esta vinculada com a idade,
ou com um tempo referido ao já chegou a hora. Aqui interferiram também desmotivações,
35
cansaços causados pelas relações no ambiente de trabalho. Questões de gênero, hierarquia e
sentimentos sobre si.
O processo de aposentadoria para Abelardo foi gradual, mediante uma preparação que
diz ter sido psicológica, pois diz que queria se aposentar. Conforme o seu discurso, ele tinha
consciência da quebra da antiga rotina de horários e de compromissos e na possível nova rotina
que o esperava após a aposentadoria.
Em relação ao período logo após a aposentadoria, houve um processo de adaptação no
seu espaço dentro da família, especialmente no espaço doméstico.
A minha mulher ficou preocupada, pois eu sou perfeccionista e eu também fiquei preocupado. Porque daí eu comecei a ter as coisas em casa, que eu não percebia pois havia passado o dia inteiro aqui e só ia para casa para dormir. Eu achei que ia ter atrito, no início foi o que aconteceu, os primeiros meses foi mais difícil e hoje é tranquilo. (Abelardo, 72 anos).
Esta passagem do masculino para a casa pode ser um problema para os homens quando
se aposentam. Eles passam a ver a casa como um lugar em que eles se relacionam e estas
relações podem levar a tensões no ambiente. É um novo lugar do masculino frente a
aposentadoria. No caso de Abelardo houve conflitos, brigas, confusões. Isso ocorre pela disputa
de espaço e pela divisão das funções domésticas. Hoje diz estar bem adaptado a essa nova fase
de vida.
Eu ajudo com as coisas em casa, participo da nossa vida intensamente, tanto na tentativa de ajudar minha esposa e meus filhos, meu netos. Ontem eu não podia conversar com você pois tinha que ir buscar os meus netos. Eu me envolvi muito mais com a família do que quando eu trabalhava. Hoje a minha família tá todo em volta de mim [...] hoje por exemplo almoçou eu minha mulher minha filha meus netos. (Abelardo, 72 anos).
Abelardo que durante toda a sua vida se dedicou à rotina do trabalho, ficando quase o
dia todo fora de casa, teve que se construir após a sua aposentadoria, adaptando-se a sua nova
realidade, dentro de um contexto de vida doméstica, encontrando-se inserido dentro das
relações de convívio familiar, principalmente em relação a seus filhos e netos. Podemos pensar
que um novo lugar após a aposentadoria foi ocupado, com novas relações e novas
possibilidades. Em grande parte, a sua rotina é dedicada às atividades familiares.
Atualmente, Abelardo diz estar bem adaptado à nova rotina e que a aposentadoria foi
positiva. Ele se mostrou sempre otimista com o fato de estar aposentado.
Eu estou levando 6 anos aposentado e sempre digo: se eu soubesse que era tão bom teria me aposentado antes. (Abelardo, 72 anos).
36
Apesar de dizer que poderia ter se aposentado antes, Abelardo diz que ainda se sentia
capaz de continuar trabalhando, que teria saúde, adiando ainda mais a aposentadoria. Essa fala
demonstra que ele permanece com o sentimento de continuar útil, de continuar trabalhando,
com vigor físico e intelectual para o trabalho.
Eu acho que eu poderia ficar se quisesse. Eu teria saúde e paciência e capacidade para ficar até os 70 anos. (Abelardo, 72 anos).
Não acha certo que a pessoa pare de trabalhar muito cedo, e mesmo que se aposente,
acha que é preciso continuar uma atividade para que a pessoa não seja simplesmente um “peso
para a sociedade”.
Eu acho interessante continuar uma atividade, a pessoa praticamente não vai se aposentar. Agora a aposentadoria precoce sem uma previsão daquilo que se pretende fazer [...] um inerte sem importância nenhuma, um peso para sociedade. O governo ficar te sustentando em outras palavras é aquela palavra grosseira o vagabundo [...] as pessoas que se aposentam antes e eu acho que antes dos 50 anos uma pessoa não deveria se aposentar. (Abelardo, 72 anos).
Nesta fala, percebe-se que apenas é legítimo aposentar-se após determinada idade e
tempo de contribuição social através do trabalho, para se ter a recompensa que é a
aposentadoria. Caso contrário, a pessoa não mereceria se aposentar e receber os benefícios
previdenciários. O aposentado representaria um peso para a sociedade. Ou seja, a aposentadoria
só é um direito após uma vida longa de trabalho. Nesta fala percebe-se que o significado para
a aposentadoria pode depreender significados opostos a depender dos contextos de
aposentadoria de cada um.
Para Abelardo há muitas pessoas que tem medo da aposentadoria, quer pela mudança
de rotina que ocorre, pelo medo do isolamento social, pela sensação de inutilidade.
O maior medo é deixar tudo aquilo que você tem, que você acha que está calcada somente meu trabalho. Como se família fosse um acessório e você vai parar de trabalhar e viver só [...] então se assim se imaginar, que vai deixar de trabalhar para ficar o dia inteiro vendo televisão então não se aposenta [...] não paro em momento nenhum. Eu não me lembro nesses 6 anos de ter parado nenhum dia para ficar vendo televisão. (Abelardo, 72 anos). Eu enfrentei esse medo quando estava trabalhando aqui, porque eu poderia ter me aposentado aos 62 anos e fiquei protelando mais 4 anos porque eu tinha medo de ir para casa, e pensasse assim: e agora, o que que vou fazer da minha vida. Afinal, minha vida acabou porque eu deixei de ser funcionário do Ibama. (Abelardo, 72 anos).
Diz não ter limitações em suas atividades cotidianas, e que a sua maior dedicação é para
37
a família. Eventualmente viaja para um imóvel em Santa Catarina.
Abelardo não se sente velho. Para ele, somente o corpo físico envelhece e encara a
velhice como uma fase natural da vida de cada um. Ou seja, o significado de envelhecer é para
ele uma fase final de acúmulo de experiências, particulares a cada um, inatingíveis, mas diz que
apenas o corpo envelhece.
Velhice para ele não é questão de idade, mas ele diz que sabe que está envelhecendo.
Na fala a seguir podemos perceber certa contradição no seu sentimento sobre o envelhecimento,
pois ele compreende a velhice como fase da vida, diz saber que está velho, mas não se sente
envelhecido.
Existem velhos novos e novos velhos. Tem pessoas com 30 anos que se consideram, que já estão velhos e que estão acabados, outros estão com 70, como é o meu caso. Tenho 72 anos. Eu sei eu sei que eu estou velho mas não me sinto um velho. (Abelardo, 72 anos).
Abelardo diz que a forma de envelhecer ocorre de maneira diferenciada entre as pessoas.
Diversos fatores influenciam esse processo, como a presença e participação da família, o tipo
de atividade profissional, a condição econômica, a condição social. Mas para ele, a condição
financeira é a principal. A preocupação com a questão financeira pode acelerar o
envelhecimento, propiciar doenças. Além disso, o seu discurso aponta que o próprio
envelhecimento está associado a um período mais propício para as doenças. Indiretamente, a
doença traz incapacidade, limitação, imagem muito ligada à pessoa idosa.
[...] você vê estamos passando por um momento difícil. Em nosso país 13 milhões de desempregados [...] se você perguntar para jovens e para velhos se está feliz, claro que ele te diz que tá infeliz. Porque que você tá infeliz? Poxa não tenho dinheiro para pagar minhas contas [...] como é que vou fazer [...] se você consegue resolver os problemas básicos, o restante você toca. Pela falta de dinheiro você acaba envelhecendo, acaba ficando doente. Eu vejo assim. A aposentadoria principalmente [...] se você tem um salário que te mantenha com dignidade para se viver a tua vida, você é um velho mas um velho feliz. (Abelardo, 72 anos).
[...] quando você envelhece você adquire doenças, precisa de remédios, de uma porção de coisas.” (Abelardo, 72 anos).
Percebe que os velhos não são respeitados socialmente, pois os jovens não os valorizam,
e pensam que nunca vão envelhecer.
[...] às vezes eu entro no ônibus, eu vinha trabalhar de ônibus e daí tem o banco para gestante, idosos e as pessoas se fazem que estão dormindo ou não dão bola para você. Então são pessoas que acham que serão sempre jovens. [...] o reconhecimento e respeito aos mais velhos deveria ser em todas as fases da vida, seja você a idade que
38
você tiver, um dia você vai chegar lá.” (Abelardo, 72 anos).
Sobre o envelhecimento em nossa sociedade, a sua visão é negativa. Abelardo acha que
é muito difícil envelhecer no Brasil, pois não há reconhecimento e nem valorização,
principalmente das pessoas consideradas jovens.
Envelhecer na nossa sociedade eu acho muito difícil pela falta de reconhecimento dos jovens, principalmente dos jovens que consideram os velhos umas pessoas descartáveis. (Abelardo, 72 anos).
A nossa sociedade como um todo está calcada muito nos jovens...que são imediatistas... então eles querem fazer alguma coisa hoje para ter um resultado hoje ou amanhã ou mais tardar depois da manhã. Não dão ouvidos aos mais antigos. A minha experiência está guardada só para mim. (Abelardo, 72 anos).
[...] então na época que eu me aposentei que eu estava para aposentar eu avisei eu falei para as pessoas que me chefiavam muitas vezes, que alguém deveria aprender o que eu estava fazendo e não me escutaram [...] como problemas de legislação, pois a legislação antiga só eu tenho [...] então eu acho que se tivessem me valorizado na época e me perguntado como poderia ser feito [...] já que um jovem vai assumir. Ninguém é insubstituível. Nós só estamos aqui de passagem, mas você não pode deixar de pegar a experiência de uma pessoa que tem um pouco mais de conhecimento. (Abelardo, 72 anos).
Diz que a velhice nunca o preocupou e nem a encara como um obstáculo. Pelo contrário,
sente-se melhor com o momento atual. Apesar de não se sentir velho, reconhece a sua velhice.
Entretanto neste momento não a relaciona a uma limitação física ou incapacidade, a um
sentimento de desvalorização, mas uma fase da sua vida, uma fase que ele tem paz de espírito.
Eu tô melhor agora, a velhice me trouxe paz de espírito [...] porque eu me
preocupava demais. (Abelardo, 72 anos).
A aposentadoria para Abelardo não veio acompanhada de uma reflexão sobre o
envelhecer, não aparecem vinculados. O seu medo diante da aposentadoria era em relação ao
sentimento de abandonar o trabalho como algo central em sua vida e ter que se adaptar a uma
nova rotina, ocupando seu tempo com novos compromissos e espaços sociais. A princípio não
apareceram preocupações familiares, com os amigos ou financeiras. Ele ainda se sente capaz
de continuar trabalhando, mas diz que não quer. Aposentar-se não lhe trouxe o sentimento de
inutilidade, pois encontrou no núcleo familiar novas ocupações e formas de se sentir útil. Essa
autonomia e capacidade de decidir sobre o seu futuro não se relacionam ao seu envelhecer.
Apesar de ele se referir ao envelhecimento como fase da vida, diz não se sentir velho.
Reconhece a velhice, mas não se vê nela. Isso porque em outros trechos de seu discurso pensa
39
a velhice de forma negativa, de limitações, de maior propensão para as doenças. Como ele não
se sente doente, nem tem limitações físicas, tem autonomia financeira, não reconhece a sua
velhice. A sua identidade de pessoa trabalhadora não se apagou com a aposentadoria, pois ele
se reconhece como alguém que através do trabalho contribuiu socialmente, ou seja, a sua
história é marcada pelo trabalho como virtude e com a aposentadoria a sua história não foi
apagada. A aposentadoria seria tal qual uma recompensa pelos anos de trabalho, inclusive,
aposentar-se com o salário integral, dando-lhe autonomia financeira propiciou-lhe liberdade e
paz de espírito. No ambiente doméstico inicialmente houve uma fase de adaptação, com relação
às tarefas da casa, pois começou a ocupar um novo espaço em casa, ocupado anteriormente pela
sua esposa, mas atualmente se diz adaptado a uma nova divisão de tarefas.
3.2 BERENICE (57 ANOS)
Berenice foi a nossa segunda entrevistada. Ela é esposa de um colega de trabalho do
Ibama, que eu já conhecia pessoalmente decorrente de alguns encontros sociais. Marcamos a
entrevista através do aplicativo whattsapp, o que facilitou a nossa conversa. Esta conversa
ocorreu em uma sala tranquila do Ibama. Berenice trabalhou como educadora de pessoas com
necessidades especiais. Aposentou-se há 5 anos após 33 anos de trabalho. Inicialmente
trabalhava com bebês, mas aos 40 anos começou a trabalhar com idosos que possuíam
deficiência visual e foi a partir dessa fase da sua vida que teve contato com pessoas mais velhas
e, como ela mesma disse, percebeu que eram pessoas que tinham histórias para contar,
continuavam a exercer atividades sociais, familiares, ou seja, tinham importância fundamental
na sociedade. A partir desse contato, deu-se conta que também iria envelhecer, pois, para ela,
essa fase da vida estaria muito longe ainda.
[...] lá para os meus 40 anos comecei a ter contato com a pessoa idosa e comecei a perceber que a gente iria envelhecer, porque até então você pensa na velhice como uma coisa fora da tua vida. (Berenice, 57 anos). [...] uma coisa muito longe [...] aqui isso nunca vai acontecer com você e aí quando comecei a conviver com eles. Apesar de ser atendimento individual, de ser uma coisa mais rápida, mas eu comecei a perceber que eles tinham uma história para contar, que era uma vida muito interessante. A maioria das pessoas tinha uma vida [...] eu tive alunos com 80 anos que moravam sozinho e que ajudava filha ainda no processo de doença, no câncer que a filha teve. (Berenice, 57 anos). [...] então comecei a ter uma visão diferenciada do idoso e da pessoa quando começa envelhecer. (Berenice, 57 anos).
40
Para ela, envelhecer em nossa sociedade é difícil pela falta de políticas públicas para o
idoso, pelo não reconhecimento de suas necessidades, pela inexistência de uma cultura de
respeito ao idoso.
[...] só que aqui no nosso país [...] eu acho que o país não está preparado para receber o idoso porque a acessibilidade não é legal, você vai nos lugares, você não consegue ver como que uma pessoa idosa poderia atravessar a rua. [...] Como uma pessoa idosa poder andar sozinha por questão de segurança. Eu sei que a questão de segurança é muito importante e a questão da saúde também.
[...] e aí eu acho que as dificuldades são muito grandes no nosso país. Ano passado que a gente viajou, que fomos para a Espanha, uma coisa que me chamou muita atenção, foi ver que em todos os lugares tinham muito idosos, os teatros, na ruas, no cinema. Aqui você não vê. Onde estão os nossos idosos, ou morreram ou estão em casa. (Berenice, 57 anos).
Através do discurso relacionado às dificuldades de se envelhecer no país, percebe-se
que Berenice liga o envelhecimento às limitações, às dificuldades físicas, ao risco de quedas
que os idosos estariam mais propensos por conta da idade. Entretanto, já aparece em sua fala o
reconhecimento que esse mesmo idoso poderia estar ocupando os espaços sociais de lazer,
como teatros, cinemas, praças, apesar das limitações em nosso país.
Berenice liga o envelhecimento novamente em outros trechos da entrevista às questões
de saúde, de um período de maior propensão para doenças, de limitações físicas.
[...] aí quando a pessoa envelhece que ela tem mais problemas de saúde e aí parece que o sus, os planos de saúde não estão preparados para atender. Sobre as suas atividades por exemplo, atividades de trabalho, atividade física, aí você tem que ter dinheiro para você poder frequentar uma academia, para você poder fazer um pilates, para você poder fazer acupuntura. (Berenice, 57 anos).
Em relação a velhice, considera que uma pessoa pode ser considerada velha quando
“deixa de lutar”, quando ela “se fecha interiormente” e deixa de ter atividades sociais.
[...] uma pessoa de 30 anos pode ser considerada velha [...] eu acho que quando ela deixa de lutar, deixa de participar das atividades socialmente, quando ela fica em casa, quando ela já tá meio depressiva, não quer fazer tratamento, deixa de se relacionar com as pessoas de fora, quando deixa de ter amigos. Eu não me sinto uma pessoa velha. Porque apesar de ter parado de trabalhar há 4 anos, eu acho que eu tenho muita atividade, eu faço muita coisa. (Berenice, 57 anos).
Apesar de estar aposentada e afastada do mercado de trabalho há 5 anos, Berenice não
se sente uma pessoa velha. A aposentadoria não influenciou a sua auto- percepção sobre o seu
próprio envelhecimento, já que velhice para ela está ligada a uma entrega, a um "deixar de lutar"
e deixar de frequentar espaços de sociabilidade, de ter atividades sociais, ao isolamento social.
41
Percebe-se nesse discurso a conotação negativa associada ao envelhecimento, quando além de
limitações físicas e de saúde, estaria ligada também a uma atitude de entrega.
Diz que não refletiu sobre o que significa envelhecer, mas reitera a sua visão sobre
quando uma pessoa pode ser considerada velha.
[...] mas pensando assim, superficialmente, eu acho que envelhecer é quando você deixa mesmo de participar daquilo que você sempre fez a vida inteira, daquilo que você gostou. [...] é deixar de ir ao cinema, de ficar só em casa curtindo as coisas. Mesmo ficando em casa, se você tiver disponibilidade, se você tiver muita disposição física ainda não é envelhecer. Eu acho que envelhecer é você vai perdendo a sua suas, a sua agilidade, as suas funções físicas que você antes tinha com mais com mais aceleração. Eu acho que envelhecemos à medida que você envelhece você vai diminuindo isso. (Berenice, 57 anos).
E esse processo de envelhecimento é particular a história de vida de cada um na visão
de Berenice.
A aposentadoria das pessoas próximas a Berenice de forma geral é positiva e estão
“aproveitando a vida” e o tempo livre. A aposentadoria aparece com período de curtir a vida,
de ter atividades associadas a diversão, que ficariam mais difíceis antes da aposentadoria com
a obrigação dos horários e responsabilidades decorrentes do trabalho diário. O discurso da
aposentadoria vem desvinculado do discurso do envelhecimento. Se as pessoas tiverem a
capacidade de frequentar espaços sociais, ter as suas atividades, ter capacidade de decisão não
podem ser consideradas velhas, mesmo que aposentadas.
[...] das pessoas mais próximas que eu vejo ela sempre quiseram se aposentar e se aposentaram [...] então algumas tão curtindo a vida, tão viajando, tão indo em bares, porque tenho muitas amigas solteiras que estão na faixa dos 70 anos sessenta e poucos e que tão sozinha e moram sozinhas, mas elas vão dançar, vão em bar, elas frequentam academia. (Berenice, 57 anos).
Berenice vê uma mudança de paradigma atual em relação à questão de envelhecimento.
[...] então eu vejo aqui que tá diferente isso [...] quando era criança eu lembro muito bem disso quando eu lembro quando minha mãe completou 40 anos. Pra mim, ela era uma pessoa idosa, completamente velha e eu vejo que esse parâmetro mudou completamente, por que eu já vi gente [...] eu tenho essa amiga que tem 72 anos e para mim ela não é uma pessoa velha, não é uma pessoa idosa. (Berenice, 57 anos). Ela é uma pessoa super jovem. Você acredita que ela aprendeu a esquiar, ela não sabia esquiar. Ela chegou aqui em Curitiba e como a filha sempre esquiava, ela chegou em Curitiba e teve aula de patins, de roller, andava no parque Barigui para aprender a esquiar e agora ela esquia, com 72 anos. Ela desce montanha e tudo. (Berenice, 57 anos).
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A velhice neste contexto não está ligada a questão da idade, ou seja, sua amiga de 72
anos não está velha. Ou melhor, é uma pessoa jovem, pois está fazendo uma atividade de uma
pessoa jovem, está encarando um novo desafio, não se entregando às limitações físicas
decorrentes do envelhecimento.
A decisão de se aposentar para Berenice esteve ligada a ter o tempo de serviço para se
aposentar e ao fato de o ambiente de trabalho à época estar ruim, por um desentendimento, tal
qual é o caso de Abelardo. Diz que levou um tempo para se adaptar a nova rotina de vida, aos
horários, às suas novas atividades, à mudança de convívio social. Berenice sentia-se ainda capaz
de estar trabalhando e se indagava de o porque não utilizar todo o seu conhecimento e
experiência em prol de outra pessoa. Ainda diz sentir falta do convívio social que o seu trabalho
lhe propiciava e da troca de conhecimento com outros colegas.
No meu caso eu já tava com 33 anos de trabalho mas aí já tinha cumprido tudo que eu tudo que eu podia ganhar uma questão salarial [...] eu já tava eu já tinha acumulado, mas aí eu tive um desentendimento no trabalho que me desanimaram e me estimularam a pedir a aposentadoria. No inicio foi ótimo, mas depois eu me arrependi. (Berenice, 57 anos). Eu tava no auge do conhecimento. Sei lá acho que eu tava no auge da minha maturidade profissional, eu tava fazendo tudo muito bem feito. (Berenice, 57 anos). [...] e quando eu me aposentei eu me lembro que eu me questionava assim: o que é que eu vou fazer com tudo aquilo que eu sei. (Berenice, 57 anos). [...] jogar na lata do lixo, porque agora não vou poder mais usar em beneficio de outra pessoa. (Berenice, 57 anos).
Inicialmente, nos primeiros anos após a aposentadoria, continuou a exercer o seu
trabalho em casa, orientando outros profissionais da sua área.
[...] aí eu comecei a orientar outras pessoas também, então alguns professores iam a minha casa, teve uma ou duas pessoas que foram e até hoje eu me relaciono com elas. (Berenice, 57 anos).
Uma questão essencial que aparece nessas falas é sobre a questão da não valorização do
conhecimento adquirido por aquela pessoa que se aposenta. Conhecimento que com o tempo
vai se perdendo. Apesar disso, Berenice não se sente menos valorizada socialmente por ser
aposentada.
A aposentadoria mudou a sua vida em vários sentidos, na sua rotina diária, nas diferentes
atividades do dia, nos novos espaços ocupados, como pode ser constatado na sua fala:
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[...] muda. Eu tinha uma amiga que uma vez eu encontrei com ela e ela tinha se aposentado e ela falou assim, eu não entendo por que que as pessoas tem tanto medo de se aposentar, eu to achando ótimo, ela fazia mil coisas. Eu acho que para mim eu consegui fazer [...] eu faço um monte de coisa, vou para o inglês, eu vou para academia, eu fiz pilates, fiz yoga, eu tenho um tempo maior para cuidar do meu corpo, cuidar da minha parte espiritual, da parte interna. Sei lá eu acho que isso é legal também. (Berenice, 57 anos).
Em relação aos aspectos positivos da aposentadoria fala sobre a liberdade em poder ditar
seus horários e suas atividades diárias.
[...] sim eu posso ter mais liberdade de escolha porque se quiser fazer um trabalho voluntario eu faço, se eu quiser fazer um curso temporário eu faço [...] então isso é legal. (Berenice, 57 anos).
Um aspecto negativo da aposentadoria a que se refere é a restrição do seu círculo social.
[...] só que assim eu acho que aposentadoria ela acaba restringindo o teu convívio social. [...] porque assim, uma coisa é você ir para o teu trabalho todo dia e você encontrar com as pessoas todo dia, você tem aquele evento, você sai dali, você tem um jantar, você encontra com as pessoas. Quando você sai, quando você deixa, as pessoas não te ligam sempre, você acaba encontrando com ela esporadicamente e olha lá. (Berenice, 57 anos).
Berenice procura se adaptar em relação a nova rotina após a aposentadoria, procurando
exercer outras atividades, outras fontes de convívio social.
[...] mas aí eu acho que você tem que procurar outras fontes de convívio social... por exemplo... na academia eu criei um laço com algumas pessoas que a gente sai... vamos ao cinema, vamos tomar um chá, tomar um café, fazer compras, qualquer coisa. (Berenice, 57 anos). [....] exatamente, encontrar o seus pares, porque eu vejo que agora eu tenho que procurar outro tipo de pessoa para me relacionar. (Berenice, 57 anos). [...] eu faço academia, inglês, agora no momento massagem, eu vou ao cinema, de vez em quando eu ligo para algumas amigas e vamos tomar um café a tarde, viajo. (Berenice, 57 anos).
Novos espaços de sociabilidade são encontrados por Berenice, como a academia, aulas
de idiomas, sair com amigos em cafés, cinema, restaurantes.
Em relação ao medo de se aposentar, diz que conhece muita gente que não quer se
aposentar e especula que pode ser por causa do isolamento, do medo de se sentir sozinha e
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porque muitas vezes o trabalho é central na vida e a pessoa ao se aposentar vai sentir falta dessa
rotina.
Em relação a uma fase em que a aposentadoria deveria ocorrer na vida das pessoas diz
que depende da atividade exercida – se é um trabalho físico pesado - e vê a aposentadoria
nessas ocasiões como descanso, fase de curtir a família.
Eu acho que depende do tipo de trabalho, o cortador de cana, se a pessoa que trabalha na na região agrícola. Eu acho que tem que ser mais cedo né, ela precisa descanso, poder curtir a família, elas precisam de horas de lazer. (Berenice, 57 anos).
Na sua opinião de Berenice, o processo de envelhecimento das pessoas é visto em nossa
sociedade com discriminação, principalmente em relação à questão do trabalho, já que ele é
visto como alguém incapaz.
Eu acho que o idoso é muito discriminado [...] em relação ao trabalho, em relação de emprego, eu acho que em relação a tudo. Quando você vê um idoso, você olha para ele, você pensa que ele é incapaz de fazer qualquer coisa. (Berenice, 57 anos).
Sobre o envelhecimento, ele é percebido apenas fisicamente, pois no seu íntimo sente-
se jovem.
Uma vez escutei aquele ator Paulo Autran falar assim: que ele só sabia que estava velho quando ele se olhava no espelho. Por que por dentro ele continuava a ser aquele menino jovem de 18 anos. Eu acho que é bem isso, porque o teu espírito por dentro gente acaba não se dando conta da tua limitação. Quando você vai fazer uma atividade física que é que você vê, poxa, meu equilíbrio já não tá mais igual, eu não consigo ficar trabalhando o dia inteiro que eu canso, vai fazer uma trilha, uma caminhada e cansa, antes a gente subia montanha, hoje acho que não consigo subir montanha mais. (Berenice, 57 anos)
O idoso só começa a ver o seu limite quando ele cai, quando ele se machuca, daí ele percebe que ele não tem mais habilidade física, não tem mais habilidade mental para fazer as coisas que ele fazia antes, daí que eu acho que dá aquele impacto na pessoa e ela entra em depressão. E se ela não for tratada pode virar aquele idoso que não quer fazer mais nada. (Berenice, 57 anos)
Apesar de não sentir a velhice, percebe o envelhecimento nas questões física e mental,
relacionada à sua memória. Isso não interfere nas suas relações sociais, mas acredita que no
futuro possa interferir, levando ao isolamento.
[...] a questão física mas a questão mental também, a memória, você percebe que a tua memoria já não é mais a mesma. Eu ia contar alguma coisa alguma noticia para o Joaquim e não lembra, deixa alguma coisa em casa e não lembra, não lembra mais onde que tá, demora um pouco mais. (Berenice, 57 anos)
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A reflexão que a aposentadoria lhe trouxe foi relacionada a ocupação de seu tempo, à
continuação de sua história de vida.
[...] o que será da minha vida daqui para frente [...] eu não presto para mais nada agora? Eu tenho que descobrir [...] até hoje eu fico me perguntando [...] as vezes eu tenho vontade de trabalhar. (Berenice, 57 anos)
[...] a aposentadoria vem nesse momento para você começar a se questionar ne [...] o que eu posso fazer daqui para frente [...] que tipo de cuidado eu preciso ter com a minha saúde para que eu não envelheça tão rapidamente. (Berenice, 57 anos)
O discurso sobre a aposentadoria para Berenice não aparece associado à questão do
envelhecimento. O motivo de sua aposentadoria foi referente a um ambiente de trabalho ruim,
a um cansaço que ela não pôde precisar se da rotina de trabalho ou de uma fase da vida após a
reforma de sua casa. Não se vinculou às questões da idade. A aposentadoria inicialmente lhe
trouxe reflexões acerca de como continuar útil utilizando o seu conhecimento adquirido, quais
os rumos de um novo cotidiano, quais seriam as novas ocupações e atividades, os novos espaços
a se transitar. Não teve preocupações financeiras, já que se aposentaria com os seus proventos
integrais. Não mencionou preocupações familiares. O envelhecimento não foi sentido. Ela
refere perceber o envelhecimento inicialmente nos outros, ao ter contato com um grupo de
idosos em seu trabalho. Ela sentiu o envelhecimento no corpo, ao perceber que já não tinha a
mesma elasticidade de anos atrás ou quando ocorre algumas falhas na memória. A participação
em atividades sociais e o sentimento de se sentir capaz na tomada de decisões, de ter autonomia
no seu dia a dia afastam a auto- percepção da velhice. Apesar de referir que a velhice está em
uma atitude de entrega, o seu discurso se refere a todo momento às questões das limitações
físicas como caracterizadoras da velhice. Mas essa velhice aconteceria em uma fase final.
Aparece neste momento final o medo do isolamento, decorrente das limitações físicas.
Entretanto, essa fase está longe. É possível distinguir neste momento em sua fala a noção de 3a
idade, onde a fase da aposentadoria surge como fase de curtir a vida, de aprender novas
atividades, onde se é ainda “jovem”.
Berenice encontrou novas atividades e outras fontes de sociabilidade, tais como na
academia, nas aulas de inglês, na aproximação com novas amizades.
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3.3 CARLITOS (74 ANOS)
Carlitos é o nosso terceiro entrevistado. Ele tem a formação em engenharia florestal e
era analista ambiental no Ibama. A entrevista com ele não foi agendada. Ele veio ao Núcleo de
Recursos Humanos do Ibama buscar documentos de seu interesse e na mesma hora ele
concordou em nos dar uma entrevista para a pesquisa. Ele é um senhor mais reservado de poucas
palavras espontâneas, mas a entrevista o estimulou a falar principalmente das suas antigas
realizações no trabalho.
Carlitos aposentou-se aos 69 anos após 41 anos de trabalho. Está há 5 anos aposentado.
Diz que nunca pensou objetivamente em se aposentar, mas diz que é uma hora que chega.
Encara a aposentadoria como uma fase de vida, que acontece para qualquer pessoa. A partir
daí, passa –se para a reserva e a pessoa precisa se ajustar.
[...] mas vai chega numa hora em que a gente tem que aposentar né? As coisas caminham pra que você chega lá e aí: você passa pra reserva, então dentro dessa ótica eu […] como passei pra reserva tive que me ajustar, é uma situação de ajuste. (Carlitos, 74 anos).
O motivo pelo qual se aposentou foi a de compulsoriedade. Ele iria completar 70 anos
que é a idade máxima para se aposentar no serviço público à época, apesar de ele se sentir
plenamente capaz de continuar.
Para ele, a aposentadoria não equivale a uma ausência total de atividades, mas é uma
fase da vida em que a pessoa precisa se adaptar, com novas ocupações e interesses. Ele sente a
necessidade de continuar útil e trabalhando após a sua aposentadoria, entretanto teve muita
dificuldade em achar outras ocupações em que poderia usar o seu conhecimento. Ele não
conseguiu retornar ao mercado de trabalho e diz que não há mais espaço para ele.
Carlitos se aposentou quase aos 70 anos, na chamada aposentadoria compulsória.
Percebe-se que no seu caso a decisão pela aposentadoria tem relação com o grau de autonomia,
com expectativas a respeito do sentir-se útil, e, na ausência destas perspectivas a pessoa
se volta para a continuidade de sua experiência com o trabalho e se engaja com o
protelamento da aposentadoria; decisão que reconstrói diariamente o seu sentido de vida.
Ao se aposentar, procurou novamente um trabalho, porém ao não conseguir se encaixar
novamente em uma nova rotina de trabalho, sentiu-se perdido, já que o trabalho era fonte de
virtude, valor social, significado de vida.
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[...] é por aí, então eu dentro dessa lógica de depois de aposentado eu necessito sempre de ter uma atividade, a minha natureza é assim, eu preciso sempre de tá fazendo alguma coisa. (Carlitos, 74 anos). Ficar parado para mim é um sofrimento. (Carlitos, 74 anos). [...] aí, de repente eu me aposentei e agora? O quê que eu vou fazer? Não encontrei nenhuma atividade [...] é: mesmo na área profissional. [porque eu sou engenheiro florestal, eu gostaria de ter exercido outras atividades assim, mas o mercado tá meio saturado hoje em dia. (Carlitos, 74 anos). [...] aí fora não tem: muita coisa ligada a atividade profissional e aí eu fiquei assim meio/meio perdido, mas agora eu já tô me ajustando melhor. (Carlitos, 74 anos).
Acessa a internet para saber informações sobre o mercado de trabalho na sua área, até
troca informações com outros colegas, mas diz que no seu campo está difícil.
Sente falta da troca de conhecimentos que possuía com outros colegas de trabalho, diz
que acabou essa fase após a sua aposentadoria e essa falta de vínculos sociais relacionadas ao
trabalho dificulta ainda mais o seu acesso a outras opções de emprego.
Então sempre dava jeito de fazer contato com outros, e: você se completava com os conhecimentos que disfrutava disso aí, mas acabou essa fase de conhecimento técnico e como não há vínculo com trabalho nenhum você não tem também outro vínculo que vá criar outras opções de trabalho. (Carlitos, 74 anos).
Em relação às outras atividades não profissionais, diz eventualmente encontrar amigos,
sair para pescar, faz academia regularmente e tem as atividades dentro da família e dessa forma
encontra outros espaços de convivência social.
Carlitos não teve uma reflexão sobre a velhice ao se aposentar, não se sentiu velho por
estar aposentado. Diz que se sentiu disponível e pensou em outras possibilidades de trabalho.
Percebe-se que Carlitos sentia-se capaz de continuar exercendo atividades relacionadas ao seu
campo de atuação e gostaria de permanecer trabalhando. O trabalho para ele é sinônimo de
realização pessoal, dando sentido a sua vida, quando cumpre a sua função social.
De repente você sai e aqui enquanto aqui dentro a gente trabalhava muito, depois de aposentado […] se você não procurar uma atividade que te dê chance de trabalhar, mesmo que fosse por exemplo uma atividade de motorista então, é: tem um casal que quer contratar um motorista e: ele tem que ter o carro e tem que ter jogo de cintura pra conviver com essa pessoa que ele vai ser motorista. (Carlitos, 74 anos).
A reflexão sobre a velhice não apareceu para Carlitos logo após a sua aposentadoria,
pois ele buscava um outro lugar no mercado de trabalho, gostaria de continuar. Entretanto, em
suas falas subsequentes, percebe-se que a questão de estar aposentado e afastado dos
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relacionamentos sociais decorrentes do trabalho, o fato de sentir um certo isolamento social ao
ficar em casa, deixa-o frustrado e o faz perceber o seu envelhecimento, ou seja, o
envelhecimento é uma situação muito mais social do que biológica simplesmente.
[“quando é que a pessoa é considerada velha?]
[...] é: eu diria pra você que quando eu estou aposentado, no meu caso com quarenta e um anos de trabalho, se eu não tô velho eu tô caminhando muito pra lá né". (Carlitos, 74 anos). O teu campo vai ficando cada vez mais limitado, a condição de contato com outras pessoas. O RELACIONAMENTO, o profissional, por amizade ou por outras possibilidades. (Carlitos, 74 anos).
Então eu acho que é isso aí, é mais ou menos por aí, a gente tem que procurar o campo que de uma forma ou de outra te dê aquela satisfação que você tava procurando. (Carlitos, 74 anos).
[...] porque você tá aí em casa avulso né [...] é: ficar só em casa não é bom, não ter atividade intelectual seja qual for ela te deixa meio frustrado. (Carlitos, 74 anos).
Carlitos continua desenvolvendo o seu raciocínio e diz que sente um pressentimento que
não é que a própria pessoa se sinta velha, mas, ao ser "deixado de lado" pela sociedade, a própria
sociedade te impõe o envelhecimento. Carlitos sentiu isso ao procurar um espaço no mercado
de trabalho atual, que segundo ele só valoriza as pessoas jovens. Ao não encontrar mais espaço
no mundo do trabalho, que lhe dava sentido de vida, sente como que estivesse encaminhando
para a velhice. Como se a sociedade não disponibilizasse um espaço para a pessoa idosa e
aposentada e ela perdesse o seu lugar no mundo.
[...] mas é, aí você vai querer fazer alguma coisa mas o mercado não tá disponível pra te procurar. Eu tenho um pressentimento que não é que a gente se sinta velho, o mercado de trabalho acha que a gente tá velho, a sociedade de um modo geral te impõe isso né. [...] DESVALORIZA, você fica meio assim é: deixado pro lado. O mais jovem é sempre mais procurado e sempre mais valorizado. (Carlitos, 74 anos).
Ao ser indagado sobre como é envelhecer em nossa sociedade atualmente, Carlitos é
categórico: “infelizmente a imagem não é boa”.
Diz que a aposentadoria muda a vida das pessoas, pois há limitações, principalmente a
econômica:
[...] muda porque você se impõe limitações, a maior limitação que existe sempre em qualquer área é limitação econômica. (Carlitos, 74 anos)
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Após a aposentadoria há também as mudanças sociais, no sentido de contribuição à sociedade:
[...] ah a mudança social porque […] é quando eu tava aqui dentro do IBAMA […] em função da atividade que eu exercia, olha aqui, indiretamente a gente foi importante aqui dentro, porque: mais de quarenta anos de serviço, no estado do Paraná teve um incentivo muito grande dos chamados incentivos fiscais pra reflorestamento. (Carlitos, 74 anos).
O envelhecimento não afetou sua relação conjugal ou familiar, onde se sente realizado.
Fala com satisfação sobre a sua família.
Na saúde, diz que é preciso se preocupar após os 70 anos. Refere que tem uma doença
chamada diabetes, mas que está bem controlada. Diz que é preciso cuidar, pois senão pode
afetar outros órgãos e ficar bem ruim.
Graças a Deus eu tenho uma saúde muito boa e eu acho até que: eu sou muito feliz em relação a isso. (Carlitos, 74 anos).
Na narrativa de Carlitos é possível perceber a vinculação do sentimento de
envelhecimento e da aposentadoria, apesar de essa associação não aparecer de forma
espontânea e consciente, mas ela pode ser sentida na sua experiência ao buscar um espaço no
mercado de trabalho. Carlitos vê no trabalho uma atividade que lhe dá sentido de vida,
proporciona-lhe vínculos sociais e é sinônimo de virtude. Ao se afastar de suas atividades e não
encontrar um novo espaço no mercado de trabalho, sente ser deixado de lado, sente o isolamento
social, sente-se desvalorizado. Tudo isso o faz sentir o envelhecimento, como se não fosse mais
útil para o mercado de trabalho, apesar de se sentir plenamente capaz. A sua identidade era
fortemente ligada à sua ocupação, sendo afetada pela aposentadoria. Apesar de se referir à
aposentadoria como uma fase da vida e um período de ajuste, ele tem dificuldade em se adaptar.
Encontra no núcleo familiar o principal espaço de convívio social.
O envelhecimento aparece na sua narrativa como inatividade, isolamento e decadência.
Ele nunca se sentiu velho antes da aposentadoria, mas ao se aposentar e não encontrar mais
espaço no mundo de trabalho sentiu e viveu a experiência construída socialmente de velhice,
no sentido mais negativo do termo.
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3.4 DIVA (73 ANOS)
Diva é a quarta entrevistada. Inicialmente ficou um tanto receosa em dar uma entrevista,
pois ficou com medo de “falar alguma coisa errada”. Expliquei-lhe que esse receio não fazia
sentido e então se sentiu mais à vontade para conversar. Diva trabalhou em toda a sua vida por
39 anos e se aposentou há dois anos. Ela adora estar aposentada. Diz que "parece que nunca
trabalhei". A aposentadoria lhe trouxe liberdade. Gosta de dormir até tarde e de não ter horários
regrados. Gosta de se dedicar aos seus cães. Todo mês vai fazer uma visita aos seus antigos
amigos do trabalho no Ibama e leva uma cuca comprada na mercearia da esquina.
Diva tem o primeiro grau completo de escolaridade e trabalhava na área administrativa.
Diva não se preocupa com o envelhecimento, como quem vive um dia de cada vez. Ela
não se considera uma pessoa velha e diz que velhice não é questão de idade, é questão do
espírito.
[ na sua opinião, quando uma pessoa pode ser considerada velha?]
[...] tô com 72 anos e me sinto jovem, meu espírito é jovem, idade não interessa, é como o ano, vai passando, vai passando, mas o espirito da gente que, a gente fica velho mas o espírito não. (Diva, 73 anos). [mas o que é ser velho?] É aquele ali que fica lá pacato, não conversa, fica só esperando a morte chegar. (Diva, 73 anos).
Para ela, desde que se tenha saúde, envelhecer é a melhor coisa que tem. E a
aposentadoria lhe trouxe liberdade e tranquilidade. Apesar de Diva não vincular a doença
diretamente com a velhice, diz que envelhecer é bom, desde com saúde. Ela se diz de `bem com
a vida’ e que está saudável, ativa, tem autonomia. Para ela, há a possibilidade de um
envelhecimento positivo sem a presença de enfermidades.
Envelhece mal quem se isola socialmente, não mantém vínculos sociais.
[quem envelhece mal?] A pessoa que não conversa, fica só naquele mundinho ali. (Diva, 73 anos).
Diva optou pela aposentadoria pois diz já ter trabalhado bastante, como se a
aposentadoria fosse um prêmio após os muitos anos de trabalho. Além disso, diz ‘agora deixa
para os novos’ o que nos remete a ideia de que o velho tem que sair de cena, ou seja, o trabalho
produtivo deve ficar nas mãos dos jovens.
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Eu me aposentei com 71 anos, eu entrei em 75. Então trabalhei bastante. Agora chega, agora deixa para os novos. (Diva, 73 anos). Eu achei que estava na hora mesmo de curtir um pouco. (Diva, 73 anos).
A aposentadoria lhe trouxe sensação de liberdade, principalmente em relação aos
horários e compromissos.
[...] aquela coisa de acordar de manhã e já tá na hora de sair trabalhar. (Diva, 73 anos). [...] livre dessa coisa de bater ponto. (Diva, 73 anos). Eu já vivi muito [...] hoje em dia é tudo mais moderno. No tempo que eles eram pequenos (os filhos) eu ralei, levava na creche, cheio de coisa, agora quero sossego. (Diva, 73 anos).
Em relação às mudanças trazidas pela aposentadoria, refere-se a questão financeira. No
seu relato diz que não percebe outras mudanças.
[ ...] tem alguns que isso aqui ó (o dinheiro) diminui ne. Se não saber se controlar, se não saber administrar, vai que nem um quiabo. (Diva, 73 anos). [ a aposentadoria mudou a sua vida?] Como eu digo, para mim parece que nunca trabalhei. (Diva, 73 anos). [....] o dia é assim, levantar, arrumar a casa, uma comida, mercado, quando é dia de receber vai pagar conta. (Diva, 73 anos).
Não percebeu mudanças em relação à sua família, às pessoas ao seu redor após a
aposentadoria e nem houveram preocupações relacionadas aos seus vínculos sociais após se
aposentar.
Para ela, a sociedade não respeita os idosos e pessoas jovens acreditam que nunca
ficarão velhas. Inclusive, em sua fala, diz que alguns colocam o asilo para a pessoa idosa,
retirando –a do espaço social.
[...] tem pessoas que não respeitam, não vão ficar velhas, vai ficar no asilo. Tem gente que vê desse jeito. (Diva, 73 anos). [o que significa envelhecer para a senhora?] ah, eu não sei, é um mistério. (Diva, 73 anos).
Diva não vinculou a sua aposentadoria ao seu processo de envelhecimento, até porque,
como diz, não se sente uma pessoa velha, pelo contrário sente-se jovem. O sentido para a
aposentadoria de Diva é o de liberdade para curtir a vida, não ter horários ou compromissos que
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não lhe interessem. Os sentidos são condizentes à construção da noção de terceira idade, da
aposentadoria como tempo de liberdade e de usufruto e não se vinculam ao imaginário da
velhice como decadência e isolamento social. Estar saudável, ter autonomia para ir e vir, tomar
decisões, ter tranquilidade financeira fizeram com que Diva não sinta que está velha. Além
disso, ao manter vínculos sociais, relacionar-se com pessoas, ter atividades faz com que seu
espírito não envelheça, apesar de reconhecer que o corpo envelhece. O contexto de decisão pela
aposentadoria esteve ligado ao sentimento de já ter trabalhado bastante e vontade de curtir uma
nova fase da vida. A sua identidade não foi afetada por não estar mais produtiva em um mercado
formal. Aparentemente não percebeu mudanças em relação a seus familiares ou a outros
vínculos sociais. Ela várias vezes afirma: “parece que nunca trabalhei” ou seja, não parece sentir
falta da rotina do trabalho e se sente adaptada às mudanças trazidas pela aposentadoria.
3.5 EUSTÁQUIO (62 ANOS)
Eustáquio é um amigo que se aposentou há cerca de 3 anos, após 38 anos de trabalho
como engenheiro na área de petróleo. Ele trabalhava na Petrobrás, empresa pública onde
construiu toda a sua carreira. A conversa se deu em minha casa.
Ele se aposentou graças a um incentivo financeiro que a empresa ofereceu para que
vários trabalhadores se aposentassem, já que era preciso corte dos custos da empresa; por conta
disso, aposentou-se antes da hora que ele sempre imaginou se aposentar e diz que poderia ter
trabalhado por mais vários anos.
Diz que a aposentadoria não trouxe benefícios, tampouco dificuldades e de forma geral,
não considera que houve muitas mudanças significativas na sua vida após a aposentadoria.
[...] ah pra mim não mudou nada [...] quer dizer, eu, pra mim eu curto cada dia né” […] é a vida, tem que curtir a vida né. (Eustáquio, 62 anos). Eu me sinto bem depois de aposentar, também me sentia bem trabalhando. (Eustáquio, 62 anos).
Entretanto, ao ser indagado sobre como ele percebe as mudanças trazidas pela
aposentadoria nas pessoas em geral acredita que pode ou não acontecer.
Eu acho que na média, na média não, mas alguns/alguns muda. (Eustáquio, 62 anos). [...] tem o pessoal que o problema é mental mesmo, é depressão alguma coisa. Tem muita gente que não. Sei lá, ficaram sem rumo, perderam o rumo, logo em seguida faleceram teve um ataque. Na Petrobras teve muita coisa, um cara morreu do coração. (Eustáquio, 62 anos).
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[…] tipo assim eu acho o seguinte, ele, o cara tinha uma vida mais movimentada né [...] trabalhando e tal, chega lá fica, fica meio parado […]começa a pensar coisas, também começa a alimentar mal não faz exercício físico né. (Eustáquio, 62 anos).
Eustáquio reconhece que após a aposentadoria é preciso ter novas atividades e novas
ocupações. Ele faz caminhadas todos os dias de cerca de 2 horas pelas ruas da cidade. Gosta de
ir ao centro e entrar em cafés, bebida que aprecia muito. Não frequenta de forma regular algum
grupo de convivência, mas tem amigos com os quais eventualmente se encontra e faz algumas
viagens no ano.
A sua fala levanta a importância de encontrar um trabalho que exija alguma atividade
intelectual e que não seja necessariamente remunerado, mas pensa em trabalhar em uma coisa
que realmente quisesse fazer. Percebe-se que após a aposentadoria formal poderia haver a
possibilidade de se trabalhar em alguma ocupação que trouxesse satisfação pessoal, mesmo que
não remunerado. Isso demonstra a importância do trabalho como valor de vida, de se ocupar
um lugar na sociedade, do sentir-se útil.
Você continua trabalha a cabeça tem que achar alguma coisa pra fazer tá? (Eustáquio, 62 anos). [...] aposentou tem que inventar, não precisa trabalhar pra ganhar/ pra sustento né, mas outra coisa trabalhar pra uma ONG sei lá […]é/né, ter uma atividade que mexa com a cabeça né? (Eustáquio, 62 anos).
Como eu entendo só da/de coisa do petróleo e a Petrobras não tá contratando então, hum eu não sei. Eu podia trabalhar com a Odebrecht fazer alguma coisa, mas não/não né, eles tão todos parados. (Eustáquio, 62 anos). [...] tanto é que eu continuo pesquisando/cuidando de energias alternativas né, porque petróleo é energia não-renovável e tem alternativas. (Eustáquio, 62 anos).
Vê a aposentadoria das pessoas do seu convívio de forma positiva. Relembra de alguns
colegas que se aposentaram nas mesmas condições que ele (através de um incentivo financeiro)
e que estão 'aproveitando'. Nesse discurso percebemos a imagem da aposentadoria como uma
fase da vida em que se desfruta, curte, aproveita, apesar de Eustáquio dizer que não sentiu
mudanças significativas após a aposentadoria. Outros colegas continuaram trabalhando em
alguma outra atividade,
Olha o pessoal do meu da Petrobrás lá eles tão curtindo né? ((risos)) tão curtindo tão fazendo o que gostam, o que eu convivo gostava de trabalhar e gosta da nova vida, não tem ah […] são pessoas que digamos aposentaram porque a empresa de alguma forma facilitou, deu incentivo. (Eustáquio, 62 anos).
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Alguns aposentaram né e que já tinham alguma coisa que tavam fazendo e continuaram fazendo. (Eustáquio, 62 anos).
Eustáquio acredita que esta realidade é restrita a algumas pessoas que tem o privilégio
de se aposentar sem preocupações financeiras, o que não acontece com a maioria das pessoas.
Não acredito/não acredito que seja a visão da maioria do pessoal mais simples assim não né. (Eustáquio, 62 anos).
A questão financeira é importante a considerar quando da aposentadoria.
[...] porque não é só o dinheiro né, muitas muitas vezes o cara aposenta e cai o rendimento dele. (Eustáquio, 62 anos).
Em relação à fase da vida que seria melhor se aposentar, é enquanto ainda se tem
capacidade de trabalho.
Sobre o medo da aposentadoria, muitos o tem por considerar o trabalho central em suas
vidas e com o afastamento do trabalho haveria mudanças que poderiam desestabilizar o sujeito.
[…] tem gente que a vida é só/é só aquilo (o trabalho) né. (Eustáquio, 62 anos).
Sobre a questão de envelhecer na nossa sociedade, Eustáquio fala inicialmente sobre a
questão da idade cronológica, mas posteriormente, em outros trechos da entrevista, refere-se
também às limitações como caracterizadoras da velhice.
Pra mim envelhecer é questão de idade. Eu assim, falo em sessenta anos tá velho. [...] então, pra mim assim diria velho depois de oitenta digamos. (Eustáquio, 62 anos). Eu acho que:: quando você tem limitações de fazer algumas coisas né. (Eustáquio, 62 anos). [...] idosos mas não pela idade. Idade não/não/não define o envelhecimento né… é que são as limitações do seu corpo né. (Eustáquio, 62 anos).
Sobre o significado do envelhecer, reitera a sua opinião sobre as limitações.
[...] as limitações aí com as coisas, tipo assim que, até eu começar a perder os dentes né. Aquela carne aquela coisa você já não consegue mais comer, é uma limitação né. [...]uma subida numa montanha qualquer lugar, visitar lá o Macchu Picchu por exemplo você tem dificuldade. (Eustáquio, 62 anos).
Apesar de se referir às limitações físicas e para a cronologia para apontar o
envelhecimento, Eustáquio diz que as pessoas envelhecem diferentemente por questões “da
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cabeça”, que seria relacionada a posturas mentais, crenças de incapacidade, atitude frente à
vida.
Eu acho que é só a cabeça, cabeça. (Eustáquio, 62 anos).
Quando perguntado se teve uma reflexão sobre a velhice após se aposentar, diz que não
ocorreu, não teve novas preocupações em relação a outras pessoas, à família, à saúde, pois seus
rendimentos não diminuíram. A questão de deixar de ter uma rotina de trabalho não impactou
nos seus sentimentos em relação ao próprio envelhecimento.
Eu acho que eu envelheci desde os trinta. O seu corpo tá envelhecendo né, mas a cabeça eu acho que tá melhor, talvez (menor pra umas coisas) […] não é porque, é que a memória assim né minha memória. (Eustáquio, 62 anos).
Eustáquio se refere neste momento ao envelhecimento como um processo que começou
aos 30 anos e não como uma condição de idade, física ou psicológica.
Não acha que os aposentados são respeitados, mas depende da ocupação que exercia no
sentido de um conhecimento notório, pois após a aposentadoria é possível exercer um trabalho
de consultoria. A questão dos ganhos financeiros e do status que a ocupação traz persistiriam
também após a aposentadoria.
[...] pra quem aposenta pelo INSS eu acho que não. (Eustáquio, 62 anos). Depende de cada um, se o cara é notório em alguma coisa né depois de aposentado ele pode né prestar serviço de consultoria pra alguma coisa. (Eustáquio, 62 anos).
Dá um exemplo para demonstrar que os idosos são desvalorizados pelos jovens,
inclusive dentro do próprio núcleo familiar.
A gente vê o jovem aí né você vê no ônibus né você vê que não/que não valoriza né, até tem alguns […] mas não é questão de velho é questão de: o pessoal que tem menos locomoção né, ele sai atropelando né. (Eustáquio, 62 anos). Essa valorização realmente não tem, não tem, não tem. […] os próprios filhos da gente. (Eustáquio, 62 anos).
Os sentidos da aposentadoria e do envelhecimento para Eustáquio não estão
necessariamente vinculados. Ele aponta a velhice como questão de idade, de limitações físicas
e também mentais, mas não se reconhece como uma pessoa velha, apesar de dizer que está
envelhecendo. Percebe a aposentadoria nos outros como fase de curtir a vida, de desfrute, tal
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como a concepção trazida para a 3a idade. Fala da importância de se manter ativo, tanto física
quanto intelectualmente e adaptar-se a essa nova realidade da aposentadoria. Diz que é preciso
ter alguma atividade, de ser útil, o que nos leva a reconhecer o trabalho como um valor social.
Seu discurso é às vezes contraditório ao dizer que não houve mudanças trazidas pela
aposentadoria, mas ao mesmo tempo diz que é preciso se adaptar e encontrar alguma atividade.
A diferença é que ao estar aposentado é possível ter autonomia na escolha de suas novas
ocupações, ou seja, escolher algo que realmente queira fazer. Não refere que preocupações
familiares influenciaram a sua decisão pela aposentadoria, tampouco aspectos de saúde, renda,
amigos. A aposentadoria ocorre em um contexto de incentivo financeiro interessante, pois se
aposentou antes da hora que pretendia se aposentar. Mais do que um momento de
ressignificações, a aposentadoria aparece como uma nova fase de vida, onde há mudança de
rotina e novas formas de adaptação e ocupação de novos espaços.
3.6 FIRMINO (60 ANOS)
Firmino começou a trabalhar cedo e, segundo ele, trabalhou muito nessa vida. Após 42
anos de trabalho, se aposentou aos 57 anos. A sua fala é otimista em relação a fase de vida após
a aposentadoria, que ele vê como período de usufruto, de recompensa pelos seus esforços e anos
de trabalho. Sente –se animado, com energia e vigor e diz estar muito bem adaptado a essa nova
vida, que para ele tem sinônimo de liberdade. Liberdade dos horários, dos compromissos, das
obrigações referentes ao seu antigo trabalho. Firmino é casado e tem uma neta que ocupa grande
parte do seu tempo e que lhe traz muita satisfação.
Diz não se sentir velho, pois para ele, velhice não é sinônimo de idade avançada e
tampouco está relacionada a aposentadoria. Firmino encara a velhice como entrega, como
desânimo, falta de disposição para as atividades e ele não se sente assim.
Entretanto, as ambiguidades em relação aos sentimentos relacionados à aposentadoria e
envelhecimento aparecem em vários trechos da fala de Firmino.
Firmino acha a questão da aposentadoria complicada, pois uns a encaram como castigo
enquanto outros como um prêmio.
Para ele, a aposentadoria é um prêmio pelo seu tempo dedicado ao trabalho. A
aposentadoria significa colher os frutos desse trabalho. Ele se refere a essa fase da vida na qual
se deu a sua aposentadoria como uma “nova vida” e não uma continuidade de uma vida vivida
anteriormente. Não procurou novamente o mercado de trabalho e diz que o fato de ser servidor
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público lhe propiciou que aposentasse com os proventos integrais, o que lhe trouxe
despreocupação em relação a questão financeira.
Os prêmios seriam poder cuidar mais de si, contempladas nas atividades de ir ao médico
regularmente, frequentar uma academia, curtir mais a sua casa, atividades que não faziam parte
de sua rotina antes da aposentadoria. Além disso, vê a aposentadoria como a liberdade de poder
ditar os seus próprios horários e atividades do dia. Isso tudo, para ele, é equivalente a um prêmio
pelos anos dedicados ao seu trabalho. Os horários e compromissos relacionados ao trabalho e
às outras atividades que ele tinha, limitavam a sua liberdade e o seu poder de decisão.
A sua rotina mudou completamente, com uma única exceção: horário de levantar.
Eu não aprendi a levantar tarde, levanto cedo todos os dias. Acho que porque eu já fazia isso antes de começar a trabalhar, eu estudava, eu não sei ficar depois das 7 horas depois na cama [...] isso é que ficou da minha rotina, não muda. Fora isso mudou completamente. Eu faço os meus horários, marco e desmarco os meus compromissos. Tudo sou eu que decido. (Firmino, 60 anos)
Firmino possuía diversos grupos de sociabilidade antes da aposentadoria, nos quais
exercia algum tipo de função tais como presidente de clube, membro de partido político, além
do cargo público que ocupava. Ao se aposentar, abandonou a todos, pois não queria ter mais
obrigações.
Eu saí de todos eles, sai de todos os compromissos que determinem obrigação. Eu cortei todos eles, não tenho nenhuma atividade que eu tenha alguma obrigatoriedade. Eu me afastei mesmo, sai de tudo. Só não me desfiliei do partido. [...] tudo que era obrigação eu larguei, aposentei mesmo. (Firmino, 60 anos).
Ele se aposentou devido ao cansaço de uma mesma rotina de anos. Refere-se a esse
cansaço como um esgotamento. Apesar disso, o processo de aposentadoria para ele foi gradual,
pois já tinha se decidido aposentar há algum tempo e foi se desvencilhando aos poucos.
Então eu me preparava todo dia e sabia que iria sair, eu sabia até o dia que ia sair a portaria. (Firmino, 60 anos). Eu acho que a pessoa deve se preparar para aposentar enquanto ainda está bem. Mas deve parar enquanto você está bem, deve parar bem, para poder aproveitar essa aposentadoria, essa NOVA VIDA. (Firmino, 60 anos).
Quando Firmino se refere a uma fase da vida que seja melhor se aposentar, diz que é
preciso aposentar enquanto ainda se está bem, ou seja, sem problemas de saúde, sem limitações
físicas ou psicológicas que te impeçam de aproveitar a aposentadoria, já que encara a
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aposentadoria como uma boa fase da vida, sem as obrigações que de alguma forma prendem,
limitam o seu poder de decidir.
Já o envelhecimento para ele é um castigo, uma injustiça, apesar de ocorrer em uma fase
considerada como um prêmio, que é a aposentadoria.
Olha, eu não sei, é aquele negócio, acho que o envelhecimento por incrível que pareça é um castigo. Tem uma coisa que diz o seguinte; a juventude é a melhor coisa que existe, pena que está nas mãos dos jovens. (Firmino, 60 anos). Poxa, na hora que você tem mais experiência, na hora que você parou o trabalho, na hora que você construiu o que queria construir, você não tem mais juventude, envelhecimento é ruim nesse ponto. Agora, todo mundo envelhece, tem que assumir e reconhecer, eu reconheço. No dia que completei 60 anos eu fui tirar meu cartão de idoso. Tirei no dia e já peguei a fila de idoso. (Firmino, 60 anos).
A velhice para Firmino não é questão de idade cronológica, mas se refere a entrega, que
nas suas palavras equivale a não poder fazer as coisas por não mais ter capacidade para tal, ou
nas entrelinhas, quando a pessoa deixa de tentar fazer, como uma desistência, ou seja uma
entrega. As justificativas para deixar de fazer as coisas podem ser variadas, desde psicológicas
ou dificuldades físicas, mas sempre foca na limitação, o que demonstra uma conotação negativa
para o envelhecimento. O envelhecer neste contexto não é uma fase da vida como a
aposentadoria, mas uma atitude, uma postura diante da vida. Além disso, a questão pública do
direito dos idosos, como a de estacionar em locais privilegiados, a de ter uma fila preferencial
também demarcam um momento subjetivo de envelhecimento.
Ou ainda, envelhecer é quando se deixa de ser jovem. Aqui, ser jovem é sinal de ânimo,
disposição para as dificuldades e desafios da vida, é conseguir realizar. O idoso ou velho não é
mais capaz e não realiza.
[...] quando ela deixa de ser jovem, quando ela se entrega. (Firmino, 60 anos). [...] então, quando ela fala assim:que ela não pode fazer uma coisa porque não consegue, quando ela se entrega, aí ela se sente velha. EU NÃO ME SINTO VELHO. Eu sei que tenho idade, mas eu não me sinto velho, eu não me entreguei. (Firmino, 60 anos).
Firmino diz que não se incomoda com o envelhecimento, mas acha injusto. Diz não ficar
preocupado de estar envelhecendo. E diz que encara com muita naturalidade.
Apesar de entender o envelhecimento como uma atitude de entrega, Firmino reconhece
que também está envelhecendo, apesar de não se sentir velho.
Os espaços sociais que ocupa se referem principalmente ao âmbito familiar e de amigos,
com os quais gosta de viajar, como ele diz, sem pressa, curtindo o trajeto. Um novo espaço faz
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parte da sua rotina diária. Um espaço para o seu cuidado, para a sua saúde que é a academia de
musculação.
Quando indagado sobre as suas relações sociais, em relação aos amigos, refere-se às
perdas:
[...] amigos é uma coisa, você vai tendo muito mais gente para se despedir do que para receber. Nos últimos anos um monte de pessoas foram embora e recebi uma neta, então você recebe muito menos do que se despede e isso é um problema, mas você tem que se preparar para isso, você tem que saber que vai acontecer isso entendeu. [...] então é só isso um problema. (Firmino, 60 anos).
Em relação a sua família, quando se refere a seu casamento, não percebe mudanças: O casamento é uma coisa que só perdura se tiver altos e baixos [...] porque todo dia é uma luta entre duas pessoas que se conhecem, se gostam, mas que não pensam igual [...] esse conflito de pensar vai acontecer sempre. (Firmino, 60 anos).
Já em relação aos filhos, percebe que eles estão em uma fase de vida de muitos
compromissos, tais quais ele anteriormente vivenciava :
Antigamente eu não via meus filhos [...] eu não tinha tempo, agora eu tenho tempo e não os vejo porque eles não têm tempo para mim, mas daí você tem que entender mesmo. A vida é assim mesmo. O envelhecimento é assim mesmo, não pode fugir dela, não pode ficar brigando com ela. (Firmino, 60 anos).
Apesar do relato desse fato, diz que a presença da família, tais como filhos e netos, é
constante após a aposentadoria.
[...] porque você está se desligando de uma família para assumir uma outra, porque na verdade o emprego é uma família, tem todas as brigas, discussões, conflitos, um monte de gente. Você passa oito horas com eles, um terço do seu dia, pelo menos. Aquilo ali é uma família. Dai você volta para uma família que você construiu mas não viveu nela, você vai trocar de família. [...] você vai começar a entender essa família e ai você descobre que brigou muito e que não precisava ter brigado. (Firmino, 60 anos).
Os sentidos da aposentadoria vivenciados por Firmino são o de um tempo de
recompensa, de possibilidades de cuidar de si, de ter autonomia para decidir sobre seus horários
e atividades. São significados positivos relacionados a uma nova fase da vida. Para ele, não
aparecem vinculados aos sentidos do envelhecimento. A primeira é relacionada a uma época de
desfrute, tais quais aos sentidos incorporados à noção de 3a idade. Já a velhice tem conotação
negativa, como época de decadência. Firmino não se reconhece nessa categoria de velho, para
ele uma fase de castigo. A aposentadoria não afetou a sua identidade, pois a sua história no
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trabalho não foi apagada completamente, mas faz parte da sua biografia e o fato de estar
aposentado reflete os anos de trabalho. A decisão pela aposentadoria esteve relacionada a um
cansaço de uma mesma rotina, que pode ser entendida posteriormente como uma falta de
liberdade de horários, de escolha de novas rotinas, novas atividades e trabalhos. Não
percebemos em seu discurso preocupações familiares, de renda ou com amigos que tenham
influenciado a sua decisão pela aposentadoria. Uma preocupação com a sua saúde pode ser
sentida após a aposentadoria, pois refere que agora tem maiores chances de se cuidar, ir a
academia de ginástica, frequentar consultórios médicos. Ressignificações sobre o envelhecer
não surgiram após a aposentadoria e a velhice não é percebida em si mesmo, é vista nos outros,
como um futuro longínquo.
3.7 GERALDA (70 ANOS)
Conheço Geralda há 3 anos. Ela era minha colega de trabalho no Ibama. A marcação da
entrevista foi feita por telefone e a conversa aconteceu em uma sala tranquila no Ibama. Geralda
trabalhou por 48 anos e se aposentou recentemente há 3 meses aos 70 anos. Ela era muito
dedicada ao seu trabalho como responsável pelo núcleo de recursos humanos do Ibama no
Paraná, sempre chegando antes do horário de entrada e muitas vezes saindo depois para dar
conta de todas as demandas que possuía. O seu setor sempre foi muito agitado, com um vaivém
de pessoas a todo tempo, já que, segundo ela, cuida dos interesses dos servidores, aposentados
ou não e também dos pensionistas.
Geralda gostava do seu trabalho, mas este também era fonte de muita preocupação e de
noites mal dormidas.
Geralda mora com a filha, com quem sempre se preocupa. Inclusive, diz que adiou a
aposentadoria por conta da preocupação com os rendimentos familiares, já que com a
aposentadoria, há diminuição do ganho mensal e a sua filha estava desempregada.
Geralda diz que vê a aposentadoria como uma fase do ciclo de vida do trabalho das
pessoas, todos irão se aposentar um dia. Entretanto, diz que para a aposentadoria é preciso um
preparo psicológico, pois há muitas mudanças e são necessárias adaptações. Inicialmente, ela
não se desligou imediatamente do seu trabalho, pensava várias vezes ao dia no seu antigo
trabalho. Porém, depois se acalmava e pensava que uma pessoa mais jovem a iria substituir.
Eu ficava assim/pensava realmente mas ao mesmo tempo eu sabia que este era um momento que eu deveria viver e que a pessoa era mais jovem mais competente muito mais aberta/que até poderia ter condição mais holística do que eu teria mesmo porque
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eu já estava ali há algum tempo e já poderia/obviamente já teria criado alguns vícios, que eu já não percebia. (Geralda, 70 anos).
A questão da saúde influenciou fortemente a sua decisão pela aposentadoria, já que as
preocupações decorrentes do trabalho lhe pioravam as dores da doença reumática que tratava.
Além disso, as medicações que tomava lhe tiravam a memória e a concentração.
Minha decisão por aposentar foi porque eu percebi/já há dois três anos que eu estou tendo problemas de saúde com reumatismo tudo. Eu tomei uma medicação durante um período grande e eu percebi que aquilo me fez mal. [...] que me deixou assim muito mais lenta. Então eu sentia que dentro em pouco eu seria um peso para os colegas eu não seria mais uma solução e também eu ia fazer setenta anos…!(Geralda, 70 anos). Eu já estava ali há algum tempo e já com bastante idade eu trabalhei quarenta e oito anos, durante toda minha vida. (Geralda, 70 anos).
Na opinião de Geralda a pessoa pode pedir aposentadoria por vários motivos. Como
Geralda foi responsável pelo Recursos Humanos por vários anos teve contato com muitos
funcionários que se aposentaram, o que lhe trouxe uma riqueza relativa às experiências vividas
pelos seus colegas.
Ah pode ser vários/já vi/quando eu estava aqui no RH algumas pessoas pediram aposentadoria por estarem insatisfeitas com o ambiente de trabalho, outras queriam cuidar mais dos familiares, queriam ter mais tempo para cuidar de um netinho uma netinha ou mesmo de uma pessoa doente na família, quer dizer e tem alguns que realmente querem curtir a vida, ser feliz. (Geralda, 70 anos).
Nesse discurso vem a ideia da aposentadoria como fase da vida para curtir, para
aproveitar e alcançar a felicidade. O trabalho neste caso atrapalharia a felicidade.
Em relação a alguma fase da vida que é melhor se aposentar, Geralda falou de si, que o
seu sentimento era o de dever cumprido, que está bem de saúde e tem autonomia. Neste caso,
a aposentadoria reitera o seu lugar de prêmio pelo dever cumprido e que é preciso saúde e
autonomia para poder aproveitar.
Geralda há um tempo elaborava planos de atividades aos quais ela poderia se dedicar
após a aposentadoria. Essas atividades se referiam principalmente aos cuidados à sua saúde e
ao trabalho voluntário que exerceria na instituição religiosa, que frequentava. Logo que se
aposentou, uma prima de uma cidade da região do nordeste veio para Curitiba e ela ficou um
período na casa de Geralda para tratar de um câncer. Geralda a acompanhou e cuidou durante
todo o tratamento.
O processo de aposentadoria foi percebido como a aquisição de uma liberdade,
principalmente em relação aos horários e compromissos.
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Eu comecei a ver que eu tinha algo que eu sempre adorei que era independência e liberdade. (Geralda, 70 anos). Eu estou gostando porque eu posso sair: eu vou no supermercado eu escolho aquilo que eu quero. (Geralda, 70 anos).
Geralda descobriu uma atividade que lhe dá prazer, que é cozinhar. [...] algo que eu nunca tinha tido oportunidade estou cozinhando e estou descobrindo em mim coisas que já tava desde que eu aposentei. Descobri em mim algo que eu nunca tinha pensando e tinha sentido, que eu gosto de cozinhar, que eu gosto daquele papel, NÃO o tempo todo, mas naquele período eu sentia prazer em inventar criar eu pegava um livro de receita e não teve uma receita que eu fiz igualzinho estava ali, em todas elas eu acrescentei algo. (Geralda, 70 anos).
Os medos em relação a aposentadoria perpassam principalmente em relação a questão
financeira, mas diz que é preciso se adaptar e abrir mão de algumas comodidades, como a de
se alimentar fora de casa em restaurantes. A aposentadoria implica em uma adaptação financeira
também.
Conforme Geralda, a aposentadoria muda a vida das pessoas em vários sentidos e chama
a atenção novamente para a sensação de liberdade que a aposentadoria lhe trouxe. Uma
liberdade sentida também em relação às dores que carregava enquanto estava trabalhando. Com
isso, sente -se bem para desfrutar de alguns momentos da vida aos quais ela não aproveitava
por falta de tempo.
Ao mesmo tempo, diz que há a possibilidade de manter-se útil mesmo após a
aposentadoria, o que para ela traz satisfação e uma boa sensação. O sentir-se útil é o que dá
sentido a vida de Geralda e mantém o seu lugar social intacto, mesmo após a aposentadoria. A
aposentadoria é vista como tempo de liberdade, dos horários, compromissos e responsabilidade,
liberdade das dores que desapareceram, de autocuidado, de desfrute dos momentos da vida com
calma e sem pressa, mas também tempo de continuar trabalhando em prol dos outros.
[...] quantas coisas que eu fiz nesse rápido período que eu estou aposentada e que eu fui útil às pessoas [...] mas poxa você pode fazer muita coisa [...] ajudando não só na família como outras pessoas […] eu entrei no grupo lá do Abibe Isfer do: alfabetização, que eu já tô ajudando lá também. (Geralda, 70 anos). [...] porque é interessante talvez por causa do estresse do trabalho, eu não tenho sentido aquela, aquelas dores que eu sentia. (Geralda, 70 anos). Eu acho que assim: que agora é um momento assim que eu vou desfrutar, de mim mesma, sabe? [...] então se eu tenho vontade de tomar um sorvete eu vou e se tiver diet eu tomo se tiver light não senão vai o gorduroso mesmo entende? Eu estou andando mais, vendo o sol nascer, a lua à noite tudo isso que eu não tinha tempo antes. (Geralda, 70 anos).
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A questão da aposentadoria lhe trouxe uma reflexão em relação à estar envelhecendo e
também da finitude da vida, o que a leva a aproveitar mais os momentos da vida e crê ser uma
fase da vida que pode acontecer com todos.
Para Geralda, as pessoas percebem que elas estão envelhecendo quando alguma
limitação ou dor física aparece.
[...] ah no meu caso foi quando meu reumatismo voltou ((risos)) porque eu tive reumatismo novinha depois eu tive uma última crise forte que eu tive foi com dezoito anos e depois quando eu tava com sessenta e cinco sessenta e seis aí eu vi e eu percebi que realmente meu corpo não correspondia mais àquilo que eu precisava que eu QUERIA fazer. (Geralda, 70 anos).
Novamente cita um exemplo em que a questão física é determinante na percepção do
envelhecimento. Um dia desses eu tentei subir numa escada e todo mundo correu pra me segurar, aí eu fiquei muito furiosa sabe? Eu falei “gente” aí a minha sobrinha “mas tia SE VOCÊ CAIR SE QUEBRA PELAMOR DE DEUS TIA NÃO PODE” eu sempre subi aquela escada e nunca caí não ia ser aquele dia que eu ia cair. (Geralda, 70 anos).
Geralda refere-se a ambiguidade que existe entre a sensação da limitação física trazida
pela velhice e o cognitivo da pessoa que não se sente velha. Ela diz que a pessoa pode ser
considerada velha quando ela se sente velha e dá um exemplo:
Eu tinha um colega o seu (Jarvis) que ele dizia/ele já tinha sessenta e poucos anos na época que tinha que aposentar com setenta e ele falava “Maria eu quero fazer muita coisa, minha cabeça está assim, mas minha mão e meu braço não vai” não é não [...] você sabe que você não pode pular de cinco metros, mas que você pode pular, um metro dois metro. (Geralda, 70 anos).
Sobre o envelhecer em nossa sociedade atualmente, percebe que falta respeito dos mais
jovens.
Outra vez eu estava andando de ônibus e alguém disse bem assim eu escutei né alguém disse bem assim “aí eu até podia dar o lugar” mas não era para mim era para uma senhorinha que estava de muleta “mas eu não vou dar esses aposentados porque que não andam de ônibus outro horário? Eu sinto assim que há uma des-va-lo-ri-za-ção da pessoa idosa. (Geralda, 70 anos).
Para ela, cada pessoa envelhece de uma forma diferente:
Algumas pessoas que envelhecem: lutando contra o espelho não é? Mas: tem pessoas que não admitem que elas estão envelhecendo, que elas já têm algumas limitações. (Geralda, 70 anos).
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Têm outras que acham como eu que/apesar de eu não concordar muito que é o melhor período da vida ((risos)) que querem agora disfrutar do bom e do melhor. (Geralda, 70 anos).
Sobre o significado do envelhecer, para ela, diz ser “ uma tomada de consciência” em
relação à aspectos de sua vida relacionadas as suas atitudes e crenças:
Muitas coisas assim não ficaram assim arrependida porque eu não fiz porque eu deixei de fazer, não é nesse sentido mas ver assim o que eu sou capaz de fazer, o que eu quero e o que eu posso fazer e procurar fazer bem, bem pra você, emocional psicológica espiritualmente e fisicamente para os que estão ao seu lado. (Geralda, 70 anos).
Os significados da aposentadoria e do envelhecimento para Geralda não estão
necessariamente vinculados, apesar de a questão da aposentadoria lhe trazer reflexões e
preocupações acerca do envelhecimento. Ela encara a saída do mercado de trabalho como uma
fase da vida, inevitável para as pessoas. Entretanto a aposentadoria neste contexto não está
vinculada a noção de inatividade decorrente do envelhecer, mas é percebida como um tempo
de curtir, os momentos, o tempo, descobrir novos gostos, ter outras atividades mais prazerosas.
E é sentida como prêmio pelos anos de dedicação ao trabalho. Apesar de não vincular
diretamente ao seu envelhecimento, as suas motivações para a aposentadoria estavam ligadas
às questões de saúde, pois referiu que as preocupações decorrentes das demandas do trabalho
lhe pioravam as dores e as medicações lhe tiravam a concentração. Geralda mantém a sua
autonomia e pode decidir sobre os seus destinos; mantém algumas atividades e vínculos sociais,
preocupa-se em se manter útil. Isso tudo lhe dá novos sentidos de vida que reconstroem a sua
identidade.
As dores sentidas por Geralda decorrentes de sua doença reumática a fizeram perceber
e sentir o seu envelhecimento, o que lhe trouxe preocupações com a sua filha e o seu trabalho.
Entretanto, ela não elabora sentidos essencialmente negativos para o seu envelhecimento e vê
como um tempo de tomada de consciência em relação às suas atitudes de fazer o bem ao outro.
3.8 HORÁCIO (61 ANOS)
Horácio é o nosso oitavo entrevistado. Ele foi meu chefe no Ibama. Entrei em contato
com ele por telefone para agendar uma entrevista. Ele concordou prontamente e a conversa
ocorreu no próprio Ibama. Ele se aposentou há 2 anos aos 58 anos após 37 anos de trabalho.
Foi chefe da divisão administrativa do Ibama/PR por muitos anos e, segundo ele, estava
desmotivado com o seu trabalho atual. Além disso, teve alguns desentendimentos com um
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colega no Ibama que o fizeram acelerar o seu pedido de aposentadoria. Horácio não buscava se
desvencilhar totalmente das atividades de trabalho, mas a sua intenção era desenvolver alguma
atividade na área privada, pois diz que gostaria de viver novos desafios.
Entretanto, frustrou-se, pois não encontrou um novo lugar no mercado de trabalho. Diz
que a situação econômica atual não propicia novas vagas de trabalho, principalmente para os
aposentados.
A minha ideia era essa, buscar, como já tinha tempo e aqui dentro já não havia uma motivação, em termos do trabalho em si né, que você assim, além de um objetivo você tem que ter um desafio, sempre buscar alguma coisa. Se você chega a um determinado local e ver que além daquilo não há mais nada, você perde a motivação, por mais que você tenha comprometimento, mas aquele desafio você perde e você cria o comodismo e como aqui dentro eu já não tinha uma motivação, eu achava que o mercado fora eu podia sentir uma diferença, só que a economia hoje tá ruim. (Horácio, 61 anos). [...] e daí me decepcionei, pois como não consegui dar vazão para aquela ideia de continuidade do trabalho, buscar desafios. (Horácio, 61 anos).
Para ele, a aposentadoria é relacionada ao descanso e recompensa, entretanto Horácio
não buscava esse descanso, pois gostaria de procurar outras atividades.
Aposentadoria como algo que o tempo que você completou e que talvez buscasse um descanso, alguma coisa, uma recompensa daquilo que você trabalhou. Seria isso. (Horácio, 61 anos).
Como Horácio não tinha a intenção de deixar de trabalhar, para ele, a aposentadoria não
tem sido um momento de desfrute ou de descanso. Pelo contrário, Horácio diz muitas vezes que
não quer mais ficar em casa, que precisa voltar a trabalhar e tem procurado oportunidades de
emprego.
Em relação às mudanças trazidas pela aposentadoria ele se refere à mudança de rotina,
de horários, da sensação de ter muitas responsabilidades. Ao mesmo tempo que ele sente falta
de ter um trabalho, do desafio que o trabalho pode trazer, do convívio social que o trabalho
proporciona, sente também um alívio pela ausência de cobranças que a aposentadoria lhe
trouxe.
Muda a responsabilidade, comprometimento, a questão funcional também, de ter horários. Isso sempre me incomodou. Então quando você não tem isso, te dá um alívio. (Horácio, 61 anos).
Horácio vê a aposentadoria nas pessoas que o cercam de diferentes formas. Segundo
ele, a maior parte está satisfeita, inclusive ele diz que ao conversar com seus amigos que ainda
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não se aposentaram é de certa forma invejado por já estar aposentado. Ele se refere novamente
a questão de continuar trabalhando e de ter uma atividade após a aposentadoria e como não se
planejou para isso, sente desânimo e diz que não ‘absorveu’ bem a aposentadoria.
São os mais variados tipos, uns absorveram bem, pois já tinham talvez alguma atividade ou algum planejamento de atividade, porque outros como eu que não tinha, não absorvi. No inicio parece que você está de férias, mas depois traz uma saturação, fica uma coisa maçante. (Horácio, 61 anos).
Em outro trecho da entrevista Horácio fala um pouco sobre a importância de estar
satisfeito com o seu trabalho. Quando indagado de o por que as pessoas querem se aposentar,
refere-se novamente à questão motivacional e não a liga diretamente com a questão financeira.
Para ele, a satisfação parece vir antes e ele faz uma reflexão sobre o serviço público e o
comodismo que o fato de ser funcionário público pode trazer, diferentemente da iniciativa
privada.
São vários fatores né, acho que desde a questão motivacional, do desafio, de fazer o que gosta. Essa questão motivacional não está necessariamente ligada a essa questão financeira. Eu conheço muita gente que fazia o que gosta e o salário nem sempre recompensava. O serviço público traz um certo comodismo e o tempo passa muito rápido, talvez lá atrás no início eu ia pensar em relação ao serviço público, pois é muito restrito, essa questão da gestão pública. A iniciativa privada é outra realidade. (Horácio, 61 anos).
Horácio faz caminhadas diárias, mas não frequenta academia regularmente. Não possui
grupos de convivência. A sua esposa continua trabalhando e ele diz que ela não tem intenção
de se aposentar. Ele diz que a parte boa da aposentadoria é ter tempo quando precisa resolver
algum problema ou quando o filho necessita de alguma ajuda e orientação.
A aposentadoria não o fez refletir diretamente sobre a questão do seu próprio
envelhecimento, mas diz perceber essa questão nas pessoas ao seu redor.
[...] para as pessoas tem, já percebi isso, um fim de carreira. (Horácio, 61 anos).
Acredita que a pessoa idosa em nossa sociedade não é valorizada, diz que não se
reconhece o seu valor e a experiência de vida que elas trazem. Diz que o conhecimento das
pessoas aposentadas não é aproveitado, o que é um desperdício inclusive financeiro.
Acho que não tem reconhecimento como em outros países. Eu mesmo em termos de serviço publico falava esses dias. Há um investimento muito grande não em todos os servidores, eu fiz muitos cursos. Sempre fui atrás. Daí você sai, leva isso e não há a
67
oportunidade de passar isso, acho que o próprio governo federal poderia ter a iniciativa [...] pois há o investimento do órgão em você. (Horácio, 61 anos).
Sobre a velhice, para Horácio uma pessoa pode ser considerada velha quando em sua
cabeça há uma estagnação. Não é uma questão cronológica de idade.
Ah, acho que é a mente, não cronológica, tem muita gente nova que tá velha e tem muito velho aí que se acha novo (risos) é muito da cabeça. (Horácio, 61 anos).
Ao ser indagado sobre o que é uma mente de velho, diz que: “ eu acho que é não buscar
as atualizações, até a questão tecnológica”.
As limitações e incapacidades são relacionadas ao sentimento e autopercepção de
velhice para Horácio mas ele não se sente velho e nem se vê envelhecendo. Apesar de se referir
ao velho à pessoa que tem uma “mente de velho”, as incapacidades são percebidas no
envelhecimento e essas limitações podem influenciar na sua autopercepção de velhice.
Eu acho que a própria questão física já te demonstra que você não é capaz de fazer certas coisas e você pensa: já tô ficando velho, que você já não responde na questão física e isso vai mudando a sua cabeça, que você já não responde o que era antes. (Horácio, 61 anos). [...] porque é difícil ne, a gente não vê o envelhecimento, a gente vê os outros, na gente a gente não percebe. (Horácio, 61 anos).
Para Horácio a sociedade valoriza menos a pessoa aposentada, não há um
reconhecimento pela sua contribuição social através do trabalho. Ele percebe isso nas suas
vivências cotidianas.
[...] acho que pelas limitações naturalmente, não diria preconceito, mas esse enfoque, essa maneira de ver a pessoa. Não há um reconhecimento, de que ela trabalhou tantos anos e agora tá colhendo os frutos, não há isso. (Horácio, 61 anos).
Em relação as suas relações familiares, após a aposentadoria mudou para melhor a sua
relação com a família e com os amigos.
Sabe que mudou. Para melhor, você tá mais presente, antes não, você sai cedo, não volta para o almoço, voltava 7 horas, as vezes até mais. Agora você está sempre presente, absorve mais os problemas e pode ajudar. Disso não tenha dúvida. (Horácio, 61 anos).
Horácio encontrou mais espaço nas relações familiares após a aposentadoria,
principalmente em relação a seu filho adolescente. Porém, não ocupa outros espaços de
sociabilidade de forma regular.
68
Horácio não elaborou bem nem se adaptou a sua aposentadoria. Na verdade, não se sente
aposentado na acepção que ele mesmo tem do termo aposentadoria como tempo de descanso e
de recompensa, pois ele diz ter se aposentado para buscar novos desafios em outros contextos
de trabalho. Ao não encontrar um novo emprego, não encontrou novamente um lugar social que
lhe dava sentido de vida e por isso se sente frustrado. Para ele, o trabalho significa um valor de
vida e faz parte da construção de sua identidade. Ele não se enxerga como um aposentado. E
nem como uma pessoa velha, já que para ele, a velhice não é questão de idade, mas da mente,
de mente de velho, de estagnação. Diz que o envelhecimento é percebido nas limitações físicas
e isso influencia a sua percepção sobre a velhice, pois como diz “a gente não vê o
envelhecimento, a gente vê os outros, na gente a gente não percebe”. A sua aposentadoria não
lhe trouxe novos sentidos referente ao envelhecer, nem teve outras preocupações com sua
família, amigos, casamento. Ele vive a sua aposentadoria como momento de crise, pois sente-
se capaz de continuar trabalhando e não encontra novas oportunidades para isso.
3.9 ILDA (58 ANOS)
Ilda aposentou-se aos 51 anos, após trabalhar na área comercial de um banco privado
por 32 anos. Chama atenção na sua fala o seu descontentamento após a sua aposentadoria,
principalmente relacionados às dificuldades financeiras mas também ao seu sentimento de
permanecer capaz para o trabalho e de não poder dar vazão à sua vontade de continuar
trabalhando, por não encontrar oportunidades no mercado de trabalho atual, que valoriza apenas
os jovens. Ilda teve alguns trabalhos após se aposentar, mas temporários e no momento faz
trabalhos de costura (técnica do patchwork). Tem uma empresa de pequeno porte chamado
"costurando sonhos". Oferece uma gama grande de produtos, que são expostos em uma página
de uma rede social, o facebook.
Ela se aposentou por tempo de serviço a princípio para cuidar de sua saúde, mas também
porque o seu ambiente de trabalho já não era mais acolhedor, após o banco no qual trabalhava
ser comprado por outro maior. Essas mudanças fizeram com que pedisse a sua aposentadoria,
apesar da sua vontade de continuar no mercado de trabalho.
Tinha uma rotina bastante atarefada da qual sente falta. Ao se aposentar, sentiu um
“baque” com a sua nova realidade.
Eu trabalhei muitos anos na área comercial, então praticamente eu ia no banco para fazer relatórios. Eu fazia visitas o dia todo, tem dias que chegava a 5 visitas, quando
69
eram clientes mais próximos. Quando a gente aposenta, é um baque, difícil, você sai daquele ritmo louco e passa para o nada né. (Ilda, 58 anos). [...] tem que voltar a trabalhar porque quando a gente aposenta mais novo, pra cabeça é importante e financeiramente é muito difícil, pois você sai de um patamar e depois vai para o INSS que é muito complicado. Quando a gente tá trabalhando tem uma série de coisas que fica mais fácil. (Ilda, 58 anos).
Diz que a aposentadoria muda a vida das pessoas em vários sentidos, como o financeiro,
físico, de saúde. Diz que é após a aposentadoria, quando se alcança os 55-60 anos que as coisas
podem começar a ficar complicadas, pois relaciona a aposentadoria com o estar envelhecendo. [...] falando em previdência, em uma das coisas para a qual eu fui treinada era pra dizer exatamente isso, pense no seu futuro e eu basicamente assim, a gente não pensa quando tá recebendo em fazer uma previdência, guardar um dinheiro para quando tiver 55-60 anos, que é quando as coisas se complicam, a gente não tem mais disposição física. (Ilda, 58 anos). [...] se a gente não se prevenir financeiramente, fica complicado a velhice. (Ilda, 58 anos).
Acredita que há pessoas que tem medo de se aposentar e dá o exemplo de uma amiga
que trabalhava no banco.
Tenho uma amiga que trabalhava comigo lá no banco, ela tem dois anos a menos que eu e ela tá apavorada. O bradesco tá mandando todo mundo embora e ela tá assim com medo. Outro dia foi ao médico pois está com taquicardia, ela não quer se aposentar, quer continuar trabalhando. (Ilda, 58 anos).
No caso da sua amiga, acredita que a questão financeira é determinante, pois ela ganha
muito bem e para ela vai fazer uma diferença enorme. Há também uma outra questão que é a
falta do vigor físico em recomeçar uma outra atividade.
[...] porque eu sempre falo, não se preocupa, depois que você sair do banco, existe vida após a aposentadoria e ela fala que vai ser muito difícil, pois na verdade não tem quem dê emprego para uma pessoa com mais de 55 anos. (Ilda, 58 anos).
Diz que a reinserção no mercado de trabalho depois da aposentadoria é quase
impossível. Ilda quis permanecer no mercado de trabalho, mesmo após se aposentar, fez
algumas entrevistas de emprego, mas diz que a preferência é sempre pelo mais jovem.
Eu fiz uma entrevista de emprego em setembro do ano passado Eu tinha todas as qualificações, só que eles contrataram uma pessoa de 30, porque eles têm um vigor físico maior, porque era para ser gerente e não tinha tanta, vamos dizer, tanta necessidade de sair, fazer tantas visitas como eu fazia antes, mas a pessoa acha que uma pessoa de 30 pode planejar uma carreira. (Ilda, 58 anos).
70
Vê que o aposentado é menos valorizado socialmente e que a experiência que o
aposentado tem não é valorizada pela juventude atual.
Eles não veem que a gente tem uma experiência incrível, já passou por coisas incríveis [...] sabe assim, quando surge um problema, você pode fazer isso, fazer aquilo. As x uma pessoa mais jovem pensou na possibilidade de fazer aquilo, mas isso não é levado em conta. Eu vi nessa entrevista que fiz que minha idade é [...] tanto que quando procurei uma coaching para fazer um currículo e tal, ela falou a primeira coisa que você faz é tira a sua idade, senão eles nem te chamam. (Ilda, 58 anos).
A aposentadoria mudou a sua vida principalmente em sua rotina diária, a qual levou um
tempo para se adaptar.
É complicado, os primeiros meses é fácil, porque tem um monte de coisas que você queria fazer e não faz porque você tá trabalhando, então você quer ir ao shopping, salão a qualquer hora [...] quer ver um amigo e depois um outro amigo, então nos primeiros meses é tranquilo, só que daqui a pouco isso acaba. Se você não se planejou para fazer isso, dá aquele, o que é que vou fazer agora? (Ilda, 58 anos).
Ilda preencheu a sua rotina diária com outras atividades, como o voluntariado, trabalhos
manuais, tais como crochê, costura, bordado, mas após um período buscou ocupar novamente
o mercado de trabalho como representante comercial e até como co- proprietária de um
restaurante.
[...] porque você tem que buscar uma atividade, porque sobra muito tempo e sua cabeça começa a pensar besteira, acho que dessa parte tem que se preparar mais nesse sentido. (Ilda, 58 anos). [...] depois a gente voltou, a gente começou a fazer uma representação da caixa econômica e a gente ficou trabalhando por um período [...] foi muito bom, pois a gente tinha um monte de trabalho e atendia todo o paraná, era um negócio bem legal. Só que assim, a caixa econômica como era empresa do governo, ligaram dizendo que o contrato tinha se encerrado e que não precisavam mais do trabalho. A gente voltou a estaca zero. Aí a gente resolveu abrir um restaurante que eu acho que foi a experiência mais traumática, digamos. (Ilda, 58 anos).
Mas a sua experiência com o restaurante foi negativa, porque diz que diferentemente do
que imaginava, o trabalho era cansativo e muito pesado, braçal e que seria para uma pessoa
mais jovem.
É bom quando a pessoa é jovem, que tem pique, não quando tem mais idade, pois é braçal, não é mental, é lavar louça, fazer comida, atender, tirar prato, peso [...] ficou muito difícil. A gente fez isso para a gente voltar ao mercado de trabalho [...] então a gente resolveu parar, vendemos, mas na realidade a gente ainda poderia voltar ao mercado de trabalho. (Ilda, 58 anos).
71
Não vê que a questão da aposentadoria tenha mudado a relação com os seus amigos,
familiares ou mesmo no seu casamento, mas diz que o círculo de amizades muda, pois o ritmo
é diferente.
A gente continua saindo... temos grupos de amigos que estão aposentados... algumas amizades ficaram mais restritas. (Ilda, 58 anos). Logo que a gente se aposentou, a gente até voltava, ah hoje eu vou almoçar com o pessoal do banco, mas foi diminuindo, pois o ritmo deles também é outro, a gente até combina, mas chega na hora não dá [...] as coisas começam a mudar nesse sentido também, porque você tem mais tempo, mas eles não tem, eles continuam com o tempo corrido, mas acaba que com esses que estão aposentados, a gente acaba conhecendo outros aposentados, você faz outros grupos. (Ilda, 58 anos).
A questão da aposentadoria e dessa nova rotina a levou refletir sobre estar envelhecendo,
mas a sua fala é refletida na fala de sua mãe, quando fala da limitação do corpo.
Outro dia lembrei quando a minha mãe falava assim, eu até quero fazer as coisas, mas meu corpo não me obedece. Eu tô naquela da minha mãe, quero fazer as coisa, mas meu corpo não me obedece. A gente sente essa diferença, do corpo, já a partir dos 55 anos, começa a sentir que o corpo envelhece e as coisas começam a mudar. Você quer fazer alguma coisa mas nem sempre seu corpo quer também. (Ilda, 58 anos).
O envelhecer em nossa sociedade é difícil para Ilda, pois não estamos preparados com
as politicas públicas adequadas.
É difícil né, eles não estão preparados nem com calçada para a pessoa idosa, que precisa usar bengala. Eu percebi quando a minha mãe tem dificuldade, meu sogro tá nessa de usar a bengala [...] nós não estamos preparados, a sociedade não tá preparada, é complicado por isso. (Ilda, 58 anos).
Na entrevista, para Ilda, a velhice não é uma questão cronológica, mas diz que de se
entregar.
[...] de deixar de fazer as coisas, de ver os amigos, pode mudar o círculo, mas você vai continuar indo, vai continuar fazendo a sua caminhada, você vai continuar vendo as pessoas que te fazem bem. (Ilda, 58 anos). [...] não é de idade, porque quando você quer, você passeia. Tem uma amiga que está com setenta e poucos, ela todo ano viaja, esse ano ela vai para Espanha. Ela tava toda feliz pois não conhece a Espanha. Ela fica o ano todo planejando. A mãe de um grande amigo nosso fez 90 anos há duas semanas atrás. Nossa, toda linda, maquiada. Eu fiquei com inveja, me senti um lixo. Então, se a pessoa se cuida e não se entrega, pode ter 90 anos, ela tava ali com um saltinho. (Ilda, 58 anos).
Ao ser indagada sobre o que significa envelhecer diz primeiramente que não pensou nisso, mas se refere à questão do corpo, do vigor físico.
72
Por um lado é ter mais tempo, é [...] mas é complicado, pois como te falei, o corpo sente. (Ilda, 58 anos).
As pessoas envelhecem de uma forma diferente, pois cada um vive uma vida diferente.
Ou seja, a velhice em certa medida reflete a sua vida vivida.
Cada um vive uma vida diferente, cada um tem pontos que você vai fazendo no decorrer da tua vida. Quando você envelhece aquilo pode te ajudar ou te atrapalhar. Uma coisa é essa de você ter amigos, se você não levar esse círculo para depois. Eu acho que envelhecer é lá para depois de 75, que daí o seu corpo vai dar um baque, mas daí você vai lá e você tem que continuar frequentando os amigos, ter um círculo de amizade, seus parentes, pois tudo isso vai refletir, pois se você ficar sozinha, vai ficar muito ruim para você. (Ilda, 58 anos).
A sociedade não está preparada para o processo de envelhecimento das pessoas.
A sociedade não tá preparada, eu fiz outras entrevistas de emprego e uma das pessoas me falou assim: mas você não acha que deveria parar de trabalhar já que você já tá aposentada. Fisicamente eu to bem e financeiramente eu preciso, mas ele falou assim: é que o mercado de trabalho hoje é muito, ele quis dizer que era muito vigoroso, muito violento, que era para uma pessoa mais jovem; ai eu falei, olha eu vi um tempo atrás em uma reportagem que o roberto marinho recomeçou a carreira aos 60 anos e foi até os noventa e poucos, então se ele não tivesse recomeçado aos 60, toda a rede globo que ele planejou tudo aquilo, para ele 60 anos era o top, como se ele tivesse 18. Então eu não me sinto velha, tenho uma experiência ótima e gostaria de colocar isso em prática, mas a sociedade não tá preparada. (Ilda, 58 anos).
Sobre a reforma da previdência faz a seguinte reflexão.
[...]trabalhar até os 65 anos e ter 49 anos de contribuição, eu penso tudo bem, a gente pode ir até os 65, mas a sociedade tá preparada para me aceitar até os 65? (Ilda, 58 anos).
Ilda traz reflexões interessantes relacionadas ao envelhecimento e a
aposentadoria. Ela percebe o envelhecimento após a aposentadoria relacionados às
questões físicas e de saúde, mas percebe o envelhecimento também ao tentar encontrar
espaço no mercado de trabalho atual e sentir o preconceito e desvalorização pela idade
que possui. Esse mercado de trabalho não aceita o aposentado. Ela diz ser quase
impossível encontrar novos espaços nesse mercado, apesar de sua vasta experiência na
área. Sentiu o preconceito pela idade nas falas da sua "coach" ao ser orientada a não
colocar a idade e nem muitas datas no seu currículo e também nos entrevistadores
quando foi procurar um novo emprego, que lhe perguntaram o por que ela queria voltar
a trabalhar se já estava aposentada. Ilda perdeu a vaga de emprego para uma pessoa mais
73
jovem, mesmo ela sendo mais capacitada para tal. Sentiu o envelhecimento ao abrir o
restaurante e sentir o peso do trabalho braçal que essa nova ocupação exigia. Além de
tudo isso, refere-se que o envelhecimento está relacionado a uma atitude de entrega, de
isolamento social, de falta de disposição para as atividades. De qualquer forma, a sua
visão sobre o envelhecer é pessimista e negativa, pois se quer escapar de ficar velho,
busca não se entregar à idade e às limitações decorrentes desta.
74
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públicas
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paradigma:
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espaços sociais
para os
idosos
desperdício do conhecimento adquirido ao
se aposentar
Não percebe com
o coisas vinculadas
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isolamento social
Idosos não
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sentimento
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aos aposentados ao não dar espaço aos
velhos
quer retornar ao mercado de trabalho
Sim,
pois gostaria
de continuar
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e não conseguiu achar espaço e daí
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o fez perceber o envelhecimento
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social
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parece que nunca trabalhou
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o coisas vinculadas
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anteriormente
exercia;
continua estudando
e considera
importante novas atividades
Não percebe com
o coisas vinculadas
FIRM
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Não
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de ser
jovem"
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Idosos não
são
valorizados
Diz que a aposentadoria deu liberdade dos
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poder de
decidir sobre a sua vida
Não percebe com
o coisas vinculadas
GER
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Não
Percepção de
dores e
limitações
Idosos não
são
valorizados
Importante
manter-se
útil
velhice com
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tomada
de
consciência
Não percebe com
o coisas vinculadas
diretamente, m
as lhe trouxe reflexões
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Não
Estagnação, não
buscar
atualizar-se
questão da
mente
questão limitação física
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Queria se aposentar pela desm
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buscar novos
desafios
em outros trabalhos
Não percebe com
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58
AN
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Não
Limitações
físicas
questão de "se entregar" -
isolamento
social e
desmotivação
Idosos não
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não há
políticas
públicas
Buscou
novos em
pregos, abriu
um
restaurante e trabalha com costura
Não percebe com
o coisas vinculadas
FON
TE: Pesquisa de campo, O
UTI (2017).
78
4 A APOSENTADORIA, TERCEIRA IDADE E VELHICE
Neste capítulo discutiremos as noções, sentidos e significados de aposentadoria e
velhice, seus conflitos e suas interfaces, vivenciados pelas pessoas entrevistadas neste trabalho.
4.1 OS SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS À APOSENTADORIA
Em nossas entrevistas, os principais significados ligados a aposentadoria foram os
seguintes: como prêmio e recompensa; como descanso; como fase de curtir a vida, mas também
como perda de um lugar social pelo afastamento do trabalho.
A aposentadoria, ao contrário da imagem tradicional de inatividade, na maioria de
nossas entrevistas foi relatada como prêmio, como recompensa pelos inúmeros anos
trabalhados. É interpretada como fase da vida para aproveitar, para curtir e desfrutar. Então não
pode estar ligada a inatividade e ao isolamento social. Pelo contrário, é relatada como uma
época de cuidar de si, de ter atividades que não sejam impostas, ou seja, faz-se por gosto, sem
preocupação com horários e obrigações.
Apesar de o processo de envelhecimento ser mais marcado em pessoas que se
aposentam, em nossa amostra, eles não estiveram necessariamente relacionados. Pelo contrário,
são contraditórios, pois a aposentadoria remete a desfrutar a vida, o que não é compatível com
uma pessoa velha, que se isola, que “se entrega”, que desiste.
Essa postura de aproveitar a vida após a aposentadoria é compatível com a noção de
terceira idade ou de melhor idade, conceito construído nas décadas de 70 e 80.
Caradec (2016) fala sobre a criação deste novo modelo cultural para a velhice vivida
no início da aposentadoria. Segundo ela, essas transformações ocorreram e continuam a se
desenrolar em duas grandes etapas: nas décadas de 1970 e 1980 e a outra acontecendo
atualmente. A primeira caracteriza-se pelo surgimento da ideia de terceira idade, referente aos
primeiros anos após a aposentadoria. O segundo diz respeito na conquista da idade avançada.
Surge na França na década de 1970 a expressão terceira idade, que estaria localizada em um
espaço de tempo entre a idade adulta e a real velhice. Condições demográficas e econômicas
possibilitaram a invenção da terceira idade. Houve uma melhora das condições econômicas dos
aposentados desde as décadas 1950-1960, que aliada à aquisição de direitos sociais, deu aos
aposentados dupla independência, a do mercado de trabalho e da família. Além disso, houve
uma expansão do tempo de aposentadoria, com o aumento da expectativa de vida após os 60
79
anos, com aumento da expectativa de vida na aposentadoria. Essas mudanças aos poucos foram
transformando o modelo cultural vigente, que associava a velhice como um período de finitude,
para um novo tempo a ser vivido. A criação desse novo modelo cultural levou a uma visão mais
positiva da aposentadoria. Esse novo modelo cultural foi constituído a partir de dois dispositivos
principais, segundo a autora: a oferta por diferentes entidades de atividades para a terceira idade
e os meios de comunicação, principalmente através de revistas voltadas essa nova categoria da
população, difundindo um novo ideal de vida, destacando valores como desenvolvimento
pessoal, valorizando o lazer e novas formas de participação social. A terceira idade foi definida
como um novo tempo, como uma ‘nova juventude’, dotada de liberdade, desvinculada das
obrigações profissionais. É, portanto, um modelo positivo, com uma visão mais positiva dessa
fase da vida.
Com tudo isso, as práticas dos aposentados sofreram transformações, com maior
participação dos aposentados fora do domicílio, como participantes de viagens e com novas
práticas de vida conjugal.
Segundo Alda Britto da Motta (1997),
Instaura-se uma ideologia da terceira idade, que se difunde rapidamente no cotidiano e instiga novos padrões de consumo e necessidades, ao mesmo tempo que incorpora a seus sentidos esta resposta de mão dupla da população com mais idade: atende-se às novas demandas criadas pelo mercado, mas também constrói-se uma nova imagem que simboliza a liberdade e o lazer, ou mesmo o ser jovem em toda idade. (MOTTA, 1997, p. 4).
Motta (1997) coloca que essa nova ideologia de negação da velhice pode fazer com
que ela não seja percebida em sua realidade, tanto nas necessidades e carências, quanto na
contribuição social possível das pessoas velhas, com sua experiência de vida, amadurecimento
e conhecimento das relações humanas.
Muitos se referiram à aposentadoria como liberdade. Essa é percebida na não cobrança
de horários marcados para o trabalho. Liberdade também das responsabilidades inerentes ao
trabalho e dos compromissos. Com isso, podem ditar os seus próprios horários, as atividades
que mais lhes convém, a ocupação que lhes traga mais prazer.
A imagem de “descanso” trazida pela aposentadoria apareceu na narrativa de Berenice
ao se referir que pessoas que trabalhem em atividades braçais e “pesadas” deveriam se aposentar
antes para poder descansar. Em outras narrativas a ideia de descanso não esteve ligada à
inatividade, mas a um descanso das atividades maçantes do trabalho, descanso dos horários
marcados, descanso dos compromissos obrigatórios.
Nos trabalhos de Gontarski (2012), a aposentadoria foi encontrada nas falas como um
80
tempo de descanso, uma recompensa pelo trabalho acabado ou a possibilidade de mudança para
um novo projeto de vida. Sua pesquisa se deu com idosos e idosas de uma zona rural de Santa
Catarina. Neste trabalho, evidenciou-se que os significados atribuídos às questões do trabalho,
aposentadoria e envelhecimento são heterogêneos, dependendo da história de vida de cada um
e que estão longe dos discursos elaborados sobre o envelhecimento no senso comum, tanto
negativos como a inatividade e isolamento quanto aos discursos de terceira idade.
O significado de aposentadoria como perda de um lugar social pelo afastamento do
trabalho pode ser percebido na narrativa de 3 dos nossos entrevistados: Carlitos, Horácio, Ilda.
Eles têm o desejo de permanecer no mercado de trabalho mesmo após a aposentadoria, porém,
nenhum deles encontrou um novo espaço neste mercado. Homens e mulheres compartilham da
mesma perspectiva e relatam a dificuldade em se inserir novamente em outras vagas de
trabalho, dizendo que o mercado privilegia sempre o mais jovem, apesar da pouca experiência
destes. Dizem que a conjuntura econômica atual não propicia a oferta de empregos e muitos
justificam as suas dificuldades por esse motivo.
O fato de não conseguirem se adaptar a sua nova realidade de aposentadoria (para eles
ela não é encarada como prêmio ou recompensa) faz com que se sintam desajustados na
sociedade atual, percebendo e sentindo mais fortemente o envelhecimento. Com a inatividade
sendo imposta pela sociedade, sentem-se mais “descartáveis” e inúteis para o mercado, apesar
da vasta experiência laboral.
Em um dos relatos o entrevistado Carlitos diz que a sociedade é que impõe a velhice
ao aposentado, ao não dar mais espaço para ele no mercado de trabalho. A atividade do trabalho
é percebida por Carlitos como uma forma de ocupar um lugar na sociedade, mantendo-se
produtivo, sentindo-se útil. Como ele não pode mais trabalhar, perde o seu lugar, ficando a
margem do mundo.
Segundo Bosi (1994), o trabalhador aposentado se desespera com a falta de sentido da
vida presente, já que o sentido de sua vida lhe foi roubado, que estava presente no trabalho. O
aposentado ficaria destituído de sua própria humanidade – o trabalhador passa a ser velho, como
podemos perceber na fala de Carlitos.
Ilda sentiu o preconceito da idade ao ser orientada a montar o seu currículo tirando a
sua idade atual e não mencionando datas muito antigas; além disso, na entrevista de emprego
foi indagada de o porque de querer trabalhar se já estava aposentada; por fim a vaga foi dada a
uma pessoa bem mais jovem que ela.
Nossos entrevistados e entrevistadas não possuíam limitações físicas para o trabalho e
exerciam basicamente atividades intelectuais. Portanto, sentiam-se plenamente capazes de
81
continuar trabalhando.
Em outros relatos, tais como o de Abelardo e Firmino, apesar de o trabalho significar
virtude e uma forma de ocupar um lugar social, a dedicação dos muitos anos trabalhados antes
da aposentadoria permite um afastamento do trabalho pela aposentadoria e outros lugares
sociais são buscados e vivenciados. A identidade do indivíduo nesses casos não se constrói
sobre a sua profissão, diferentemente de quando não era uma pessoa aposentada. Esse
movimento propicia a criação de novas formas de sociabilidade e reconstituição do papel social
do velho após a aposentadoria além do trabalho.
Outros motivos que apareceram nas entrevistas para a aposentadoria foram cuidar da
saúde, desentendimentos no trabalho, aposentadoria compulsória pela idade, desmotivação,
incentivo financeiro da empresa.
Em nossas entrevistas, perguntamos sobre os medos após a aposentadoria. Os medos
referidos são principalmente os que se vinculam à quebra de rotina. Aqui não são decorrentes
da quebra de rotinas de horários e compromissos do trabalho, mas em relação à uma nova
ocupação dos horários do dia, de outros espaços, criação de outros compromissos, ou seja, sobre
as formas de adaptação à vida após a aposentadoria.
Não houve referência às preocupações familiares, apesar das preocupações
financeiras, já que com a aposentadoria há diminuição dos ganhos. A preocupação financeira é
presente tanto nos discursos de homens e de mulheres. Abelardo refere inclusive que
preocupações financeiras poderiam acelerar o envelhecimento. Ilda diz que após a
aposentadoria as pessoas ficam mais doentes e é preciso um equilíbrio financeiro para os gastos
em saúde. Geralda diz ter saído menos para comer fora de casa devido à diminuição dos ganhos.
Diva diz que é preciso cuidar e administrar os gastos para não gastar muito, pois senão “vai que
nem um quiabo”.
Preocupações referentes ao isolamento social são demonstradas quando os
entrevistados e entrevistadas se preocupam em encontrar novas formas de sociabilidades,
quando levantam a necessidade de se ter novas atividades e de não se entregar, atitude
relacionada à velhice.
4.2 OS SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS AO ENVELHECIMENTO
Em nossas entrevistas, a velhice apareceu de forma contraditória. Ao mesmo tempo
que o envelhecimento foi referido como uma postura mental, uma atitude de “entrega”, ela é
sentida na corporeidade, nas limitações físicas e psíquicas, nas incapacidades. O
82
envelhecimento não é vivenciado conscientemente pelos aposentados entrevistados, a não ser
que percebam alguma limitação.
Haveria um descompasso, as pessoas não se sentem velhas, não se auto- reconhecem
como pessoas idosas, apesar da idade. Mas sentem a velhice quando aparece alguma limitação
física ou alguma dor, apesar de afirmarem que a velhice é uma questão de crença e atitude. A
velhice só é percebida quando surgem as primeiras marcas no corpo.
Ao indagarmos os nossos entrevistados sobre questões da velhice e do envelhecimento,
alguns prontamente respondiam que não se sentiam velhos. Todos reconheciam que a velhice
existe, mas não se reconheciam nela. Não querem estar nela, pelo menos no que compreendem
ser a velhice, como algo ligado à decadência e limitação.
Segundo Debert (2010), a juventude acabou sendo encarada como valor na sociedade
contemporânea. Isso pode ser pensado quando as pessoas entrevistadas demonstraram
dificuldades em se perceberem velhos.
A velhice então não se vincula somente a idade, mas é um valor em si. Isso implica
em 3 processos: “alargamento da faixa etária considerado jovem na população”,
“desdobramento das fases mais avançadas da vida em novas categorias, tais como a 3a idade,
4a idade e 5a idade)” e a “transformação da juventude em um valor que pode ser conquistado
em qualquer etapa da vida através da adoção de formas de consumo e estilos de vida
adequados”. (DEBERT, 2010, p. 49 apud GONTARSKI, 2012).
O velho acaba sendo considerado negligente já que envelheceu porque não adotou
estilos de vida e consumo que conservassem a sua juventude. A velhice é colocada no plano
individual, culpando a pessoa por ter envelhecido, o que Debert (2003) chama de
“reprivatização de envelhecimento”. (DEBERT, 2003, p. 154 apud GONTARSKI, 2012).
Para Abelardo, a velhice foi levantada como uma fase natural da vida pela qual iremos
passar, mas diz que não se sente velho, apesar dos seus 72 anos, pois diz que somente o corpo
envelhece, não sendo questão de idade. A sua entrevista chama atenção quando ele se refere ao
peso da questão financeira influenciando o envelhecimento. Para ele, pela falta de dinheiro você
acaba envelhecendo. Além disso, o envelhecimento está associado à presença de doenças,
necessitando de remédios.
Berenice primeiramente percebeu a velhice nos outros, ao trabalhar com pessoas
idosas. Refere já sentir sinais do envelhecimento, ao perceber que já não possui a mesma
elasticidade física e nem mais a mesma memória. Ela tem 57 anos e não se reconhece como
uma pessoa velha, pois tem muitas atividades, vínculos sociais. Isso porque ela reconhece a
velhice como uma atitude de entrega, de “deixar de lutar”, de se “fechar interiormente”. Ao
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levantar a questão da falta de políticas públicas para os idosos, percebe-se que a sua imagem de
pessoa velha está ligada às limitações físicas e decadência, é uma imagem negativa. Ao mesmo
tempo, percebe-se em seu discurso o reconhecimento de uma mudança de paradigma, com a
possibilidade de os idosos cada vez mais ocuparem novos espaços sociais, criarem novas formas
de sociabilidade, ou seja, adiarem cada vez mais a velhice.
Carlitos sentiu a velhice ao não encontrar mais espaço no mercado de trabalho, lugar
que ele procura ocupar. Sentiu-se “velho” por não ter mais “utilidade”, trazendo o imaginário
de o velho como descartável, desatualizado, sem capacidade produtiva.
Diva diz que é só o corpo que envelhece, que o espírito não envelhece. Espírito neste
contexto pode ser entendido como atitude mental, crença, posicionamentos. Ela não se
reconhece como velha, pois para ela a velhice é “ficar só naquele mundinho ali”, ou seja, isolar-
se socialmente, não manter vínculos sociais, o contrário da sua realidade.
Para Firmino envelhecer é um castigo. Mas ele reconhece que “todo mundo
envelhece”. Para ele, a velhice não se refere à questão cronológica, mas a uma atitude de
“entrega”, quando deixa de ter a capacidade de fazer as coisas. Diz que não se sente velho, mas
no dia em que completou 60 anos foi tirar o seu cartão de idoso para ter vaga de estacionamento
preferencial e já pegou algumas vezes a fila de idoso.
Horácio traz uma perspectiva interessante sobre o envelhecimento: também não está
ligado à idade, mas à mente, ou seja, ela pode ser considerada velha quando há uma estagnação,
não se buscam atualizações. Entretanto, as limitações físicas e as incapacidades também são
sentidas na velhice. Diz que não se sente velho, não percebe o seu envelhecimento, mas vê nos
outros.
A percepção do próprio envelhecimento vinculado à imagem do outro, tal como é
relatado por Berenice e Horácio é destacado por Beauvoir, citado por Brêtas et. al (2007):
A velhice aparece mais claramente para os outros do que para o próprio sujeito; ela é um novo estado de equilíbrio biológico: se a adaptação opera sem choque, o indivíduo que envelhece não a percebe. (BEAUVOIR, 1990 apud BRÊTAS, 2007, p. 2838).
Essa falta de sintonia entre mente e corpo que aparece nos relatos tem função
significativa na construção das imagens sobre a velhice, principalmente no fato de a pessoa
aceitar ou negar o seu próprio envelhecimento. A compreensão da velhice só se consegue após
a experiência do processo no próprio corpo. (GONTARSKI, 2012, p. 64).
Le Breton (2010) se refere ao corpo como estrutura simbólica e assim compreende a
variedade da corporeidade nos diferentes contextos socioculturais. Ou seja, o corpo é
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construção social e é elemento para compreensão do contexto em que está inserido. Levanta-se
a questão do papel do corpo na experiência do envelhecimento. Não é possível destituir o corpo
da pessoa, pois o corpo é forma de inserção da pessoa no mundo. (RABELO, ALVES; SOUZA,
1999 apud GONTARSKI, 2012). Além disso, no corpo se inscrevem marcas que demarcam um
tempo e expressam a idade, tais como na cor dos cabelos, nas rugas do rosto, na postura
assumida. O sentimento em relação ao corpo é elemento na construção social da velhice, já que
é através do corpo que o ser humano se coloca e interage no mundo.
O corpo que envelhece passa por transformações e esse corpo anuncia a condição de
velhice para os outros, bem como para eles mesmos. Por isso, as transformações do corpo
surgem de forma constante no discurso dos que envelhecem. Os primeiros sinais da velhice são
sentidos no corpo. (GONTARSKI, 2012).
Nos estudos de Gontarski (2012), a imagem do idoso aposentado inativo e decadente
não esteve presente na fala da maioria desses personagens, como também em nossa pesquisa.
Entretanto, em algumas falas a questão da saúde e das limitações do corpo foram relacionadas
ao estar ficando velho.
Motta (2002) traz que da mesma forma que mulheres foram ligadas a “natureza” como
forma de dominação e controle, isso ainda é realizado com os velhos- como se eles estivessem
em uma dimensão não produtiva e terminal da natureza – não se reproduzem e nem produzem
mais, nem trabalho nem bens materiais.
A cultura também está inscrita no corpo, ocorre em determinado período histórico no
interior de uma determinada sociedade. Outras dimensões das relações sociais ligadas ao
gênero, poder e prestígio social, classes sociais também se refletem nos corpos, em suas
múltiplas manifestações e expressões: linguagens, apresentação física, roupas. (MOTTA, 2002,
p. 38).
Porém, no imaginário social, o envelhecimento ainda é marcado pelo desgaste,
limitações e perdas; mas são mais expressas mais pelos outros do que pelos próprios velhos.
Esse descompasso entre a naturalização da velhice sentida nas limitações físicas e o sentimento
de ainda se sentir jovem são percebidos também em outros trabalhos tais como os reunidos por
Featherstone (1991) citados por Motta (2002). Ela propõe a expressão máscara do
envelhecimento para ilustrar uma situação e um sentimento de ter uma máscara ao corpo que
esconderia a identidade mais profunda da pessoa, que continuaria essencialmente a mesma de
quando jovem.
Segundo Motta (2002), esse sentimento mostra a dificuldade de construção da
identidade da pessoa velha, porque é indesejada e ambígua, quando referida no corpo, não
85
sincronizada com a mente jovem.
Se a formação das identidades de idade e de geração já é difícil, porque são condições mutáveis rapidamente no tempo [...] pior a fixação da identidade do velho, porque indesejada e dúplice, ou ambígua, principalmente quando referida no corpo: a aparência ‘desgastada’, seu funcionamento não totalmente sincronizado com a mente – ou a essência dos sentimentos – ‘jovem’. (MOTTA, 2002, p. 42).
Essa questão se fez presente nas entrevistas realizadas neste trabalho, com o
descompasso entre o sentir velho e o envelhecimento corporal propriamente dito.
Motta (2002) traz outra enunciação interessante ao citar Ferreira (1995):
É no campo relacional que se estabelece os limites entre juventude e velhice [...] Pensar-se a si próprio é, na velhice, um duplo exercício, pois à medida que o sujeito se define, o faz por contraste com o outro. (Ferreira, 1995, p.429 apud MOTTA, 2002, p. 42).
Então Motta (2002, p. 42) completa: “também com aquele outro, que é o seu eu
jovem”.
A noção de finitude vinculada ao processo de envelhecimento pode ser percebida nas
falas de Abelardo, Firmino e Geralda, que entendem o envelhecimento é uma fase da vida, que
ela é inerente ao estar vivo, apesar de relacionarem a velhice ainda com perdas.
4.3 APOSENTADORIA E ENVELHECIMENTO
Inicialmente, a nossa hipótese principal era a de que homens e mulheres ao se
aposentarem refletiriam sobre o seu processo de envelhecimento, já que a aposentadoria levaria
a uma saída do trabalho remunerado, que estaria ligada a ideia de atividade, do se sentir útil e
produtivo, valores que se contrapõem à imagem tradicional da pessoa velha. Entretanto, em
nossas entrevistas, percebemos que não é isso que ocorre. Na sequência explicitaremos sobre
essa experiência vivenciada pelos entrevistados e entrevistadas.
A vinculação da aposentadoria à sensação de envelhecimento não apareceu de forma
explícita nas narrativas dos entrevistados. O processo de envelhecer após a aposentadoria não
é vislumbrado conscientemente. Os estereótipos negativos relacionados à velhice estão muito
presentes nas falas dos entrevistados e entrevistadas e todos não se reconhecem como velhos.
A ressignificação da velhice ocorre dentro do conceito cultural da 3a idade, de uma época de
curtir a vida e liberdade. A princípio, como uma nova forma de juventude, é repleta de
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contradições, já que o corpo envelhece, mas a mente não se percebe como “velha”. A
aposentadoria está longe de ser sinônimo de envelhecimento para os participantes dessa
pesquisa, pois a pessoa aposentada continua ativa, cria novos compromissos, frequenta novos
espaços e esses idosos continuam consumindo, através das aposentadorias e pensões que
ganham.
Essa capacidade de continuar consumindo cria espaços a se transitar para essa nova
geração de aposentados, pois eles podem ir a restaurantes, cafés, fazer viagens, frequentar
academias de ginástica.
Grande parte encontra no núcleo familiar um espaço mais acolhedor e encontra o seu
sentido de utilidade ao conviver com os filhos e filhas, netos e netas.
A grande maioria dos nossos entrevistados e entrevistadas não se percebe como uma
pessoa velha, independente da idade que têm. Para eles, a velhice ainda é algo distante, vista
nos outros. A atitude de “se entregar”, ou seja, ficar inativo, isolar-se socialmente, não ter
atividades é que caracterizam uma pessoa velha. Quase sempre, a velhice é algo negativo, não
desejável, até um castigo.
Gontarski (2012) encontrou em sua pesquisa entrevistando 12 idosos aposentados
rurais na cidade de Mafra, no interior de Santa Catarina, dois eventos principais relativos aos
sentidos elaborados para a velhice: trabalho e aposentadoria. Entender o sentido do trabalho e
da aposentadoria para essas pessoas significaria compreender o próprio sentido que elas
atribuíam a velhice.
Em nossa pesquisa, o trabalho e a aposentadoria não se vincularam necessariamente
aos sentidos incorporados à velhice. Essas diferenças podem ter ocorrido devido aos contextos
de cada grupo serem diferentes, já que Gontarski (2012) entrevistou idosos da zona rural e que
ganhavam até dois salários mínimos, sendo que a maioria deles não tinha se desvencilhado
totalmente da atividade do trabalho. Nossos entrevistados são tipicamente da classe média
urbana, tem uma boa renda, tinham atividades principalmente intelectuais e se aposentaram
com os proventos integrais. Eles incorporaram valores ditos da 3a idade, da aposentadoria como
recompensa e fase de realização de projetos, novos sentidos positivos para a velhice, sendo que
as suas identidades não são mais construídas sobre o trabalho. Apenas Ilda trabalha em suas
horas vagas em atividades de costura.
A questão do trabalho, na pesquisa de Gontarski (2012), foi entendida como sentido
de vida, como cumprimento do dever no mundo. O trabalho é entendido na maioria das
narrativas como fundamental para a inserção no mundo social e de transformá-los em sujeitos.
Por isso, a continuidade do trabalho na velhice representaria a continuidade de um lugar na
87
sociedade. A sua ruptura instalaria o sentimento de que perderam a importância e a legitimidade
de existir na sociedade, ficando destituído de sua própria humanidade. Moreira (2011)
encontrou resultado semelhante ao estudar professores universitários.
Esse sentimento de o trabalho ser essencial para a percepção de sua própria
continuidade no mundo social foi encontrado também em nosso trabalho, principalmente nas
palavras de Carlitos, mas não foi unanimidade nos relatos.
Uma preocupação que surgiu nas entrevistas era referente ao desperdício do
conhecimento que eles adquiriram no trabalho após a aposentadoria. Os entrevistados e
entrevistadas desta pesquisa referem que o conhecimento adquirido e os anos de experiência
não são valorizados. A reflexão que surge a Berenice é o que fazer com o conhecimento
adquirido, já que ela se considerava no auge de sua carreira. Outro entrevistado, Horácio, que
trabalhou no serviço público, diz que foi realizado um grande investimento em cursos e
capacitação por parte do Governo Federal e que este conhecimento se perde com ele ao se
aposentar, já que não há uma política de transmissão desse conhecimento. Abelardo se queixa
que não houve interesse em nenhum colega mais novo no repasse de informações e
conhecimentos que ele tinha referentes ao seu trabalho.
E todos eles são unânimes em dizer que os idosos não são reconhecidos tampouco são
valorizados socialmente. Essa constatação é exemplificada pelas pessoas entrevistadas, mas
também pode ser constatada na própria vivência delas ao se referirem que os seus
conhecimentos se perdem quando se aposentam.
Edgar Morin (2013) faz uma reflexão sobre velhice e envelhecimento. Segundo ele, as
condições técnicas, sociais, econômicas da contemporaneidade da civilização ocidental
desvalorizam experiências do passado e os conhecimentos dos mais velhos aparecem como uma
ignorância do novo.
O ancião que era antigamente respeitado aparece como uma pessoa retrógrada. Para
ele, a desintegração da ‘família extensa’ (no passado, os anciãos vivam sob o mesmo teto
familiar com seus filhos e netos) separou as gerações. Os idosos vivem separados dos filhos. E
ele chama a atenção para a solidão na velhice, trazida pela morte de amigos próximos, viuvez,
enfermidades. Nas suas palavras a aposentadoria é ambivalente, segundo as profissões
exercidas e pelo estado de saúde da pessoa aposentada. É liberdade para os que exerciam
alguma atividade penosa, sem satisfação, porém é crise para os que estavam satisfeitos com as
suas atividades.
Com a aposentadoria, a rotina dos idosos muda e eles buscam conviver e interagir em
novos espaços. Novas formas de sociabilidades são vivenciadas e influenciam as suas formas
88
de interação e inserção dessas pessoas no mundo. É o que vamos abordar no próximo capítulo.
4.4 A ADAPTAÇÃO DE MULHERES E HOMENS FRENTE À NOVA REALIDADE
As formas de adaptação após a aposentadoria envolvem a busca por novas atividades
e novos espaços. A quebra da rotina dos horários do trabalho é substituída por outras rotinas,
os quais não são tão estritas quanto antes.
Frequentar uma academia de ginástica, fazer caminhadas foi uma constante nos
relatos. Estão relacionados ao cuidar de si, da própria saúde, além de ser o oposto de inatividade.
Essas atividades criaram uma nova rotina a nossos entrevistados.
Atividades referentes ao núcleo familiar e doméstico ficaram mais presentes após a
aposentadoria. Apoio aos filhos e filhas, netos e netas, ao cônjuge tomam maior centralidade
na vida das pessoas entrevistadas, tais como de Abelardo, Berenice, Carlitos, Firmino, Geralda
e Horácio.
Em uma das entrevistas, Firmino se refere a uma troca de famílias, a família do
trabalho pela sua própria família, referindo-se às brigas, desentendimentos, encontros e
desencontros. Outra entrevistada, Geralda, disse se dedicar ao cuidado da filha, no cuidado da
sua dieta, cozinhando alimentos saudáveis todos os dias. Abelardo tem dias determinados de
buscar os netos na escola e ficar com eles.
O espaço da família nesses casos é o mais acolhedor, onde auxiliam, interagem,
disponibilizam ajuda e sentem-se úteis, o que leva a uma sensação de pertencimento.
Outros espaços ocupados por nossos entrevistados são as vias públicas, uns gostam de
ir ao centro da cidade passear, conhecer cafés, fazer compras.
Academia de ginástica ou caminhadas diárias foram uma constante nos relatos. Percebe-
se um auto-cuidado de si após a aposentadoria, especialmente para manter a saúde ou ‘retardar’
o envelhecimento. Neste novo lugar, Berenice encontrou um grupo de sociabilidade; criou-se
um vínculo de amizade nas aulas de hidroginástica, o que lhe possibilitava novos compromissos
sociais, além do horário das aulas. Nas caminhadas de Eustáquio pelas ruas do centro da cidade,
ele encontrava outros aposentados em uma rua conhecida como ‘Boca Maldita’ em Curitiba.
Segundo Justo (2011), o idoso teve o seu espaço social ampliado. Impulsiona uma
série de tecnologias específicas, tais como leis, serviços, produtos, especialidades científicas.
Justo (2011) aponta que no final dos anos 60 foi iniciado em nosso país um importante local
para a 3a idade, o SESCs e, posteriormente na década de 90, as Universidades Abertas para a 3a
idade (UNATIs). (JUSTO 2011 apud HADDAD, 1986). Este modelo colaborou para a
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construção de imagens, espaços e práticas para a 3a idade no Brasil. Atualmente, as
possibilidades e espaços à 3a idade são muitos, como locais de competições esportivas, roteiros
turísticos, clube de dança e até programas de televisão. Ou seja, não há limites aos espaços
ocupados pelos idosos na atualidade, desde que sejam ativos e possuam condições econômicas
para tal. Caso contrário, podemos pensar nos “guetos da velhice” conforme apontado por Justo
(2011). Segundo ele, os velhos poderiam ser enquadrados no que Bauman (2005) apontou como
sendo de refugo humano, ou seja: “de seres humanos refugados (os excessivos e redundantes,
ou seja, os que não puderam, ou não quiseram ser reconhecidos ou obter permissão para ficar)”.
(BAUMAN, 2005, p. 12, apud JUSTO, 2011). O refugo humano é os que não se adaptam aos
padrões estéticos, éticos, políticos da sociedade.
Ainda em relação aos espaços ocupados, a velhice vista como senilidade é submetida
a práticas em espaços privados, como a família e asilos, já a 3a idade, está sendo reposicionada
em espaços abertos, nos espaços de trânsito em um tempo mais alargado e acelerado da
modernidade. (JUSTO, 2011).
Conforme Motta (1999), os velhos também se colocam como parte do rápido
movimento da modernidade, onde agentes sociais e institucionais veem a chance de lucro no
consumo de bens e serviços e formas de lazer para a 3a idade. Organizam-se em grupos que
visibilizam socialmente os velhos. Essa nova atividade fora do âmbito da família pode ser
libertador, propiciando uma redescoberta de suas individualidades e autonomia.
As pessoas entrevistadas neste trabalho não ocupavam espaços “específicos” para a 3a
idade, tais como o SESC, UNATIS, grupos de viagem de 3a idade; ocupavam espaços
diversificados como a academia de ginástica, igreja, vias públicas, casa de amigos e parentes,
que são locais de movimento, fora do âmbito estritamente privado.
Em relação à questão de gênero, as formas de adaptação frente à aposentadoria podem
ser diversas.
Os estudos e debates sobre a questão de gênero em geral vem se consolidando desde a
segunda metade do século passado, sob várias vertentes. Remontando aos primórdios,
verificava-se a realização de muitos estudos que levavam a uma persistente
abordagem dicotômica, em que a relação homem-mulher era permeada pela dominação da
segunda pelo primeiro, e este como construtor das desigualdades sociais que limitavam a
atividade feminina - basicamente o homem como face maldita da relação, tal como ilustrado
por Medrado e Lyra, citados por Eva Blay (2014).
No transcorrer dos estudos, segundo a lição de Joan Scott (1989), considerou-se que
gênero era utilizado como substituto de “mulheres”, com conotação mais objetiva e neutra do
90
que tal termo. Nas palavras da autora,
O seu uso rejeita explicitamente as justificativas biológicas, como aquelas que encontram um denominador comum para várias formas de subordinação no fato de que as mulheres têm filhos e que os homens têm uma força muscular superior. O gênero se torna, aliás, uma maneira de indicar as “construções sociais” – a criação inteiramente social das ideias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres. (SCOTT, 1989, p. 7).
Cabe ressaltar que, numa visão mais atualizada, a noção de gênero é ampliada, de
modo a também abranger as questões relacionadas aos homossexuais e transgêneros, por
exemplo.
Um outro aspecto quanto a tais estudos é que eram igualmente utilizados para sugerir
que a informação a respeito das mulheres é necessariamente informação sobre os homens, que
um implica no estudo do outro. Este uso insiste na ideia de que o mundo das mulheres faz parte
do mundo dos homens, que ele é criado dentro e por esse mundo. Esse uso rejeita a validade
interpretativa do pensamento das esferas separadas, e defende que estudar as mulheres de forma
segregada perpetua o mito de que uma esfera, a experiência de um sexo, tem muito pouco ou
nada a ver com o outro sexo.
Partindo desse ponto, Medrado e Lyra (2014) citam, igualmente, Scott, ao que se
relaciona a presença de um suposto destino biológico da mulher à maternidade, construído por
meio de símbolos, de prescrições religiosas, jurídicas, educacionais, das organizações sociais e
das identidades subjetivas. Em contrapartida, o masculino, ao ser associado ‘à produção e
administração da riqueza’, é afastado do ‘reino’ da reprodução a não ser pelo sêmen
fecundante. Aqui, já se afigura, de certo modo, a visão na sociedade de que a figura do
masculino é que deve se encarregar das relações econômicas ligadas à produção, sendo esta a
sua função primordial. Por outro lado, já podemos aqui indagar sobre o seu contraponto: e
quando ele deixa de realizar tal função, seja por incapacitação, ou pela aposentadoria: o que
fará? Seria uma negação de sua utilidade, como homem?
Quanto a este sujeito, poderíamos, também, imaginar que estamos diante de um
conceito uniforme, atemporal, em relação à sua função. Entretanto, a própria noção de
masculinidade não se vislumbra dessa forma. Kimmel (2006) ressalta que masculinidade não é
uma essência inata que se revela em virtude de uma determinada condição biológica, mas, uma
ideia socialmente construída, que se relaciona a aspectos espaço-temporais e culturais. Além
do mais, comporta diversas variantes – Connell e Messerschmidt (2013) citam autores
como Petersen, Collier e MacInnes, os quais afirmam que o conceito (singular) de
91
masculinidade é falho porque ele atua para essencializar o caráter dos homens, ou impõe uma
suposta unidade a uma realidade fluida e contraditória.
Desta forma, o significado de ser homem em cada contexto depende também da classe,
etnia, geração, sexualidade, etc. O reconhecimento destas diferenças demanda que se fale
em masculinidades em lugar do termo "homens‟, considerando que ambos não são simples
sinônimos. Dessas masculinidades, há que se levantar determinados aspectos relacionados à
“função” do homem na sociedade, e como isso pode ser desdobrado levando em conta os
aspectos laborais, abordagem desta obra.
Nesse sentido, ao menos na questão intrafamiliar, a construção da identidade
masculina é a de alguém que é forte, capaz de prover o sustento seu e de sua família, e que tem
o dever de adotar tal posição. Um estudo, realizado pelo Grupo de Pesquisa Políticas Públicas
de Atenção à Mulher e Gênero, ligado à Universidade Federal da Paraíba, por meio de
entrevistas, levantou a informação de que
Os homens que restringiram a paternidade à responsabilidade assumiram-se como provedores materiais e guardiões da família, sob o modelo de pai tradicional. A identidade de pai, nesse sentido, vem alicerçada na identidade masculina, sendo o papel de pai construído segundo padrões de gênero que vinculam a imagem de homem ao referencial de masculinidade hegemônica, o que implica equivalência entre ser homem e ser forte, capaz e provedor. (FREITAS, 2009, p. 88).
Constata-se, portanto, a existência de uma certa pressão social sobre o
homem, questionando sua masculinidade caso não siga tal modelo de comportamento. Aliás, é
no próprio trabalho que diversas situações referentes à masculinidade se impõem.
Alcântara e Silva (2016) relatam o pensamento ambíguo de trabalhadores motoristas
em processo de aposentadoria, seus medos de não se adaptarem a nova rotina e aos ganhos
serem insuficientes após a aposentadoria. Segundo relatos desses senhores, muitos aposentados
voltam a trabalhar até recebendo menos, pois não aguentam ficar longe do trabalho.
Por exemplo, Eccel e Grisci (2010) afirmam que a masculinidade pode, então, ser
compreendida como um projeto construído e sustentado coletivamente em contextos
específicos; entre eles, as organizações. Embora afete diretamente os homens, atinge também
as mulheres, sobretudo no mundo do trabalho, seja na sua inserção, costumeiramente marcada
pela diferença em relação ao homem, seja na maneira como elas representam os ideais
masculinos em seus discursos, na valoração que atribuem ou não às diferentes masculinidades.
92
Já a mulher era figura relativamente oculta quando o assunto era a sua presença no
mercado de trabalho. Conforme relatado por Eva Blay (2014), ignorava-se a mulher que
labutava 12, 13 horas por dias nas fábricas ou então relegava-se ao trabalho na agricultura ou
no domicílio. Graças ao trabalho feminista tornou-se mais visível a faceta da
mulher trabalhadora, sub-remunerada até hoje por questões relacionadas ao estigma da sua
função “natural” de cuidar da família, ao que necessitaria sair mais do trabalho para tal.
Houve mudanças socioeconômicas importantes nesse ínterim, que desqualificaram a
necessidade do uso da força física para a realização de boa parte dos trabalhos, o que abriu o
leque de oportunidades para homens e mulheres. Estas assumem cada vez mais a posição de
chefe de família, responsável pela renda principal da casa, ainda que continuem sendo
remuneradas de forma pior que os homens, pelas mesmas tarefas. Nossos entrevistados e
entrevistadas realizavam apenas atividades intelectuais e se encaixam neste novo contexto de
homens e mulheres no mercado de trabalho. Como a maior parte é composta de funcionários
públicos, os salários não eram diferenciados. Em nosso grupo, Diva e Geralda eram as
responsáveis pelas finanças da casa.
Ainda assim, é nítida a questão da divisão de tarefas entre homens e mulheres, e o
quanto isso geram impactos, inclusive, na aposentadoria. Sobre tal aspecto, alguns autores
apontam que homens e mulheres diferem no comportamento até mesmo no "retorno" ao lar pós-
aposentadoria.
Contribui este estudo, portanto, para a discussão de tais temas, a verificar,
partindo dessa discussão, se homens e mulheres percebem de modo diferenciado o momento
da sua aposentadoria, no tocante aos impactos pessoais e de sua própria função na família e na
sociedade. É o que procurará se evidenciar a partir das entrevistas a seguir minuciadas.
Abelardo referiu um momento de preocupação ante a sua decisão pela aposentadoria
em relação a sua adaptação em sua casa, no espaço anteriormente ocupado pela sua esposa.
[Logo após aposentadoria, como foi a adaptação em relação com a sua família, com
os amigos, com o casamento]. A minha mulher ficou preocupada, pois eu sou perfeccionista e eu também fiquei preocupado. (Abelardo, 72 anos).
Nota-se que outro espaço além do local de trabalho iria ser ocupado agora por
Abelardo, o ambiente doméstico, ambiente tradicionalmente ocupado pela mulher, de domínio
de sua esposa. Esse processo pode propiciar conflitos e desentendimentos. Entretanto, após uma
fase de adaptação, disse ter se adaptado frente a divisão de tarefas em casa, na família, com os
93
filhos e netos. O ambiente ainda é de domínio da esposa, a qual ele ‘ajuda’. O espaço do núcleo
familiar foi onde Abelardo encontrou uma nova rotina, novas ocupações e um novo espaço para
transitar e se sentir útil, propiciando satisfação e sentido de vida, antes ocupado pela rotina do
trabalho.
Os homens, segundo França (2002), podem experienciar um maior estresse caso não
tenham incorporado em sua rotina atividades do lar. Por outro lado, as mulheres passariam
melhor por esse período de transição, uma vez que já vivenciam essas múltiplas funções em
casa no trabalho. Segundo tal estudo, quando solicitados a avaliar a divisão do tempo no
presente e na aposentadoria, os homens brasileiros dificilmente assinalam as tarefas domésticas
em sua rotina presente e futura.
Berenice encontrou outros espaços e atividades que ocupou após a aposentadoria, tais
como academia de ginástica, aulas de inglês, cafés e cinema. E o espaço doméstico passou a
ocupar um tempo maior em sua rotina.
Eu acho que a aposentadoria muda a vida das pessoas, uma coisa que antes eu dava conta de tudo, agora quando eu fico em casa eu vejo que o serviço de casa toma muito tempo, você fica ali e se deixar você pode ficar uma semana só trabalhando em casa sem por o nariz para fora da porta. (Berenice, 57 anos).
A rotina de Diva se centra nas atividades domésticas e no cuidado com seus animais
de estimação, o que lhe dá muita satisfação, segundo ela. Cuidar dos animais lhe faz sentir útil.
Fora do espaço da sua casa, ela faz caminhadas, passeia pelas vias públicas do centro, visita
amigos; entretanto, não assume novos encargos de cuidados de netos ou netas.
[O que você anda fazendo atualmente? De atividades...] Faço o serviço de casa, fico curtindo os meus bichinhos, acho que é a melhor coisa. A gente não entra em depressão, depressão é quando fica só naquele mundinho [...] mas faço minhas caminhadinhas [...] as vezes vou para o centro, e assim vai. (Diva, 73 anos).
Tenho o meu espaço. Quando a gente se aposenta os filhos já querem empurrar os netos para ficar [...] não, tudo bem, quero bem os meus netos, quando precisa assim, quando não tiver onde deixar [...] para os filhos socar lá e coisa não. (Diva, 73 anos).
Para as mulheres é menos conflituoso encontrar nas atividades domésticas um
ambiente para transitar após a aposentadoria, isso porque em certa medida elas nunca se
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afastaram totalmente deste lugar. Geralda diz estar aprendendo novamente a ser dona de casa.
Entretanto, no seu caso, ela sente satisfação em cozinhar, encontrar novos ingredientes, fazer
novas receitas e colocar o seu “toque”. Ao dizer que vai cozinhar para a filha, encontra também
um sentido nessa atividade, além da possibilidade de poder fazer receitas mais saudáveis, o que
ela considera importante para a sua saúde.
Estou gostando porque eu posso sair: eu vou no supermercado eu escolho aquilo que eu quero na parte da manhã eu estou sendo/eu estou aprendendo a ser dona de casa. (Geralda, 70 anos).
Algo que eu nunca tinha tido oportunidade estou cozinhando e estou descobrindo em mim coisas, eu descobri em mim algo que eu nunca tinha pensando e tinha sentido, que eu gosto de cozinhar que eu gosto daquele papel. NÃO o tempo todo. Eu sentia prazer em inventar criar eu/eu pegava um livro de receita e não teve uma receita que eu fiz igualzinho estava ali, em todas elas eu acrescentei algo.� (Geralda, 70 anos).
Ilda foi a única entrevistada que continuou trabalhando após a aposentadoria. Apesar
de não encontrar um espaço no mercado formal de trabalho, aliou o seu interesse e gosto pela
costura a uma fonte de renda eventual.
Ela falou sobre o seu processo de adaptação frente a aposentadoria e a busca por novos
espaços e novas atividades.
[quando você se aposentou, mudou como a sua vida?] É complicado, os primeiros meses é fácil, porque tem um monte de coisas que você queria fazer e não faz porque você tá trabalhando. Então você quer ir ao shopping, salão a qualquer hora [...] quer ver um amigo e depois um outro amigo. Então nos primeiros meses é tranquilo, só que daqui a pouco isso acaba. Se você não se planejou para fazer isso, dá aquele, o que é que vou fazer agora? (Ilda, 58 anos).
Inicialmente, procurou no voluntariado uma fonte de satisfação e de preencher o
tempo. Começa a ficar monótono [...] fui fazer voluntariado. Fiquei um tempo fazendo voluntariado. É porque você tem que buscar uma atividade, porque sobra muito tempo e sua cabeça começa a pensar besteira. Acho que dessa parte tem que se preparar mais nesse sentido. (Ilda, 58 anos).
[E como foi que você foi preenchendo seu tempo?] Eu gosto de trabalhos manuais, eu faço crochê, eu bordo, costuro. (Ilda, 58 anos).
Os trabalhos manuais de costura e artesanato são tradicionalmente feitos pelas
mulheres. As mães aprendiam a costurar com suas avós e eram as responsáveis por confeccionar
as roupas da família. E o trabalho mais pesado era realizado pelo homem. Essa habilidade de
costura foi encontrada por Ilda como uma nova forma de atividade e de se localizar no mundo
do trabalho, criando compromissos e novas rotinas. Além disso, como seus produtos são
95
divulgados pela rede social do Facebook, ela se obriga a interagir virtualmente com clientes,
que fazem as encomendas, elogiam as suas produções, criando um novo local de interação
social, que lhe traz satisfação.
As ressignificações do trabalho doméstico nos discursos das aposentadas apareceram
através da ótica de autonomia, como escolha após a aposentadoria. Apesar de elas acumularem
os trabalhos doméstico e laboral quando estavam na ativa.
Argimon et. al. (2011) propuseram uma reflexão sobre a construção da identidade de
mulheres idosas. Através de 6 entrevistas encontraram sinais que a mulher idosa pode estar
ressignificando o seu papel com a construção de novos espaços sociais. As mulheres idosas
começam a circular mais nos espaços sociais, antes restritos aos homens, ampliando os grupos
dos quais participam e de suas atividades de lazer, atividades físicas, culturais e artísticas,
extrapolando o ambiente meramente doméstico anteriormente atribuído à mulher. Entretanto,
as percepções tradicionais negativas de velhice, encaradas como fase de degeneração física e
cognitiva ainda influenciam a imagem que as idosas têm de si. O desejável é manter a aparência
jovial. Neste trabalho, cada entrevista ressaltou a individualidade do processo de
envelhecimento, reforçando a necessidade de não categorização do idoso em papéis pré-
determinados.
96
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Encarada tradicionalmente como um problema social, a velhice e as questões que a
envolvem estão atualmente “na moda” já que se percebe um envelhecimento populacional
demográfico. Mas apenas os números não dão conta da realidade da velhice, pois não
conseguem abarcá-la por inteiro, já que estão envolvidos também sentidos e subjetividades que
colocariam a pessoa idosa em novos espaços e novas ocupações.
Em nossa pesquisa, a aposentadoria está mais ligada a busca pela ocupação de novo
lugar social do que ligada à questão do envelhecimento por si só. Percebe-se em nossos
entrevistados e entrevistadas a necessidade de adaptar-se a essa realidade pós aposentadoria.
Isso envolve a busca por novas atividades, novos vínculos sociais, ocupação de novos espaços.
Esse processo de adaptação os leva a refletir sobre seus gostos, aptidões, vontades.
Os “novos” e “velhos” aposentados e aposentadas não se reconhecem como pessoas
velhas, pelo contrário, querem ser “jovens”, buscam valores da juventude, frequentam
academias, frequentam restaurantes, gostam de viajar. A noção da 3a idade encontrada nas falas
dos entrevistados e entrevistadas demonstram uma maior positividade para a fase de
aposentadoria que estão vivendo. A velhice, tal qual um lugar de decadência, inatividade,
isolamento social é um lugar longe, assustador, não desejável e vista nos outros. Muitos se
justificam e dizem que a velhice é uma questão mental, de atitudes, de crenças, tais como
“entregar-se”, desistir de tentar, isolar-se socialmente. Outros reconhecem que estão
envelhecendo pela percepção das limitações físicas, das dores que surgem, nas medicações que
precisam tomar, mas mesmo assim, não se reconhecem dentro da categoria de velhos ou
velhotes, pois não tem a mentalidade de velho e ainda se sentem capazes, tem autonomia,
mantém vínculos sociais.
Ninguém quer ser velho. Isso demonstra que o imaginário negativo relacionado ao
envelhecimento é ainda muito arraigado nas mentalidades dos entrevistados e entrevistadas.
Além disso, nesta pesquisa podemos apontar que o envelhecimento é uma experiência
muito mais social do que meramente biológica, já que ela é sentida socialmente, nas
experiências sociais, é vista no outro, apesar de o discurso gerontológico e biomédico ser
arraigado nas mentes quando se trata da construção da imagem da velhice.
A modernidade ao institucionalizar o ciclo de vida e categorizar as idades coloca a
velhice como uma fase final da vida, mais próxima a morte e faz com que ninguém queira entrar
nela. Além disso, ela parece assustadora pois está associada a decadência e debilidades.
Cria-se um dilema: ninguém quer ser velho, mas todos sabem que ficarão velhos um
97
dia, não há como fugir. A velhice como uma categoria social com representações próprias a
serem sentidas e vividas restringe a pluralidade dessas vivências, tão próprias do envelhecer.
Cada história de vida é rica de sabedoria. Ao homogeneizarmos a velhice com o conceito de 3a
idade ou mesmo atribuindo os sentidos negativos da velhice avançada perdemos a riqueza dos
detalhes. Ao colocarmos a 3a idade como modelo cultural desejável, privilegiando valores da
juventude, não estaremos desperdiçando as ricas histórias de vida de muitos sujeitos e com eles
compreendermos melhor a nós mesmos?
Não podemos esquecer que com o aumento do número de pessoas idosas aposentadas,
desafios sociais e de políticas públicas emergem e são necessários providências por parte do
Estado e da sociedade, já que não se tem dinâmicas públicas para recompor o espaço da
aposentadoria. Grande parte dos nossos entrevistados encontra no núcleo familiar um local de
acolhida, em um movimento de reconstrução de sociabilidade.
Por outro lado, reconhecer outras formas de se colocar no mundo, além do trabalho
remunerado, permite aos idosos construírem a sua identidade sob outras formas que não o
trabalho obrigatório, mas de utilidade e sentido. Isso foi encontrado em nosso estudo, já que as
pessoas entrevistadas encontraram outros espaços sociais para ocupar e novas formas de se
relacionar após a aposentadoria.
Outra constatação que posso apontar neste trabalho é que perdemos também
compreensões advindas da experiência que essas pessoas adquiriram nos anos de trabalho,
desperdiçando sabedoria e conhecimento, tais foram os sentimentos apontados pela maioria dos
entrevistados.
Como em toda pesquisa, ocorre um processo de aprendizado que pode ser considerado
em estudos futuros. Além disso, autocrítica é essencial a fim de aprimorarmos o nosso
conhecimento. Em nosso grupo de pessoas entrevistadas a questão étnica e de classe social não
apareceram influenciando de forma decisiva os aspectos sobre a aposentadoria e o
envelhecimento, apesar de a pesquisadora considerar esse aspecto relevante em qualquer
problema ou questão social. As diferenças de gênero poderiam ter sido abordadas de forma
mais aprofundada, por exemplo agregando questões de acúmulo de trabalho doméstico e
remunerado. Outra consideração importante seria o de investigar mais profundamente os
valores da 3a idade presente nos imaginários.
Esses foram alguns dos apontamentos que surgiram a mim ao longo dessa pesquisa, ao
compreender a velhice como construção social, imbricada em um jogo de poderes e saberes.
Ao se tornar um lugar que não quer ser ocupado, a velhice fica esvaída em toda a sua riqueza,
que é plural, singular a cada um, cheia de história de vida e sabedoria.
98
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101
APÊNDICES
APÊNDICE 1 ROTEIRO DE PERGUNTAS PARA A SITUAÇÃO DA ENTREVISTA A PARTIR DOS OBJETIVOS
DO TRABALHO
O objetivo geral: compreender como homens e mulheres que envelhecem vivem esse
processo.
Visibilizar aspectos vinculados ao envelhecer e aos conteúdos que se interpõem a sua
experiência de decisão pela aposentadoria.
• Como o senhor (a) pensa que é o envelhecer em nossa sociedade?
• Em sua opinião quando uma pessoa pode ser considerada velha?
• O que significa envelhecer?
• Quando o senhor (a) observa pessoas? Acha que cada pessoa envelhece de um modo?
• Como o senhor (a) pensa que isto de envelhecer (diferente) acontece para as pessoas?
• Quando as pessoas percebem que estão envelhecendo?
Objetivo específico: Analisar se as relações entre as concepções que existem acerca da velhice
e os processos vividos por homens e mulheres se influenciam de modo diferente na tomada de
decisão pela aposentadoria; na experiência relativa à sua subjetividade, crenças, valores e
vivências do trabalho.
• Como o senhor (a) vê a aposentadoria das pessoas?
• O senhor (a) percebeu que estava envelhecendo? Ficou preocupado(a)? O que mais o
preocupou? Ficou preocupado com outras pessoas?
• Em sua opinião o que leva uma pessoa a pedir sua aposentadoria?
• Pensa que aposentadoria deveria acontecer em que fase da vida da pessoa?
• O senhor (a) tomou decisões relativas a sua aposentadoria quando?
• O senhor (a) pensa que a aposentadoria muda a vida das pessoas? Em que sentido?
• Em sua opinião existem pessoas que tem medo de se aposentar? Por que seria?
• Na sua opinião como a sociedade vê o processo de envelhecimento das pessoas?
Como foi para o senhor (a) viver o processo de envelhecer? Como foi para o senhor
(a) sua relação com a família, amigos, conhecidos, casamento, trabalho, saúde?
Objetivo específico: Analisar se o sentir-se útil, ter expectativas de futuro é diferente para
102
homens e mulheres e se os influência nas decisões de aposentadoria; ou se elas estão sendo
tomadas olhando apenas para o passado, por isso a aposentadoria é protelada.
• Como se sente depois da aposentadoria?
• Quais são as suas atividades atuais?
• Você planejou a sua aposentadoria? O que você fez?
• Como foi a decisão de aposentar-se?
• Os aposentados são respeitados?
• Você sente que depois de se aposentar é menos valorizado socialmente?
APÊNDICE 2
QUESTIONÁRIO
Dados pessoais
1. Data de nascimento: ____/____/____ Idade ________
2. Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino
3. Religião: ____________ Praticante? ( ) Sim ( ) Não
4. Estado Civil:
( ) casado
( ) viúvo
( ) separado
( ) solteiro
5. Composição familiar:
Sim Não
Tem filhos ( ) ( ) Quantos? _____
Tem netos ( ) ( ) Quantos? _____
Tem bisnetos ( ) ( ) Quantos? _____
6. Com quem mora?
( ) sozinho
( ) com cônjuge
( ) com cônjuge e filhos
( ) outro (s): _______________
103
7. Escolaridade
( ) analfabeto
( ) 1o grau incompleto
( ) 1o grau completo
( ) 2o grau incompleto
( ) 2o grau completo
( ) Curso superior
( ) Pós graduação: ( ) mestrado ( ) doutorado ( ) pós doutorado
Trabalho e aposentadoria
8. Qual era a sua ocupação antes de se aposentar? __________________________
9. Quanto tempo trabalhou? _____________anos.
10. Quantas horas trabalhava por dia? ________________
11. Você se aposentou há quanto tempo? ________________
12. Por que você se aposentou?
( ) Porque deu o tempo de serviço
( ) Doença
( ) Não reconhecimento
( ) Aproveitar o tempo livre
( ) outros: ___________________________________________________
13. Em relação a aposentadoria:
Ela trouxe benefícios?
( ) sim ( ) não
Se sim, quais? _________________________________________________
Ela trouxe dificuldades?
( ) sim ( ) não
Se sim, quais? ___________________________________________________
14. Ainda trabalha?
( ) sim. Em que função? _________________________. Por que?
__________________________________________________________________________
15. Qual o seu rendimento individual mensal?
104
( ) de 5 a 10 salários mínimos
( ) de 10 a 20 salários mínimos
( ) mais de 20 salários mínimos
16. Você é o principal responsável pelos gastos da família?
( ) sim ( ) não
17. As suas finanças estão equilibradas?
( ) sim ( ) não
18. A decisão de se aposentar leva em consideração a sua condição financeira atual?
( ) sim ( ) não
Condições de saúde
19. Você possui algum problema de saúde?
( ) sim. Qual? ___________________________________
( ) não
20. Toma quantos medicamentos por dia? (de uso regular)
( ) Nenhum
( ) 1 a 3 medicamentos
( ) mais de 3 medicamentos
21. Você classifica a sua saúde como:
( ) excelente
( ) boa
( ) regular
( ) ruim
Lazer
22. Você pratica alguma atividade no seu tempo livre?
( ) não ( ) sim. Quais? ( ) Atividades sociais: ___________________________
( ) Atividades manuais: __________________________
( ) Atividades físicas: ____________________________
( ) Outros: _____________________________________
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