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AMATURIDADEDOCONCRETOARMADONOCAMPODAENGENHARIABRASILEIRANASDÉCADASDE1930E19401

THEMATURITYOFTHEREINFORCEDCONCRETEINTHEFIELDOFBRAZILIANENGINEERINGINTHE1930AND1940

JulianoCaldasdeVasconcellosUniversidadeFeevalejcvasc@feevale.br

Resumo

OobjetivodestetrabalhoédestacaraimportânciadosavançosarespeitodatécnicadoconcretoarmadonoBrasilparaodesenvolvimentoeaexpressãodaArquiteturaModernaBrasileiranocampodaengenharia,principalmenteentreasdécadasde 1930 e 1940. Para isso, devemos observar primeiramente as referências técnicas da prática brasileira neste campo,reconhecidamente influenciadaspelapresençade construtoras alemãsnonossopaís.Apartir disso, este artigodestacaprimeiramenteduasvisitasdeengenheirosestrangeirosquedivulgaramosavançosdasrealizaçõeslocaiseamaturidadequeatécnicaassumiunesteperíodo.Arespeitodenormas,tambémdevemosdaradevidaimportânciaparaosurgimentodaABNTeasprimeiraspadronizaçõesenvolvendooconcretoarmadonoBrasil.

Palavras-chave:ConcretoArmado.Engenharia.Estrutura.

AbstractTheaimofthispaperistohighlighttheimportanceoftheadvancesregardingthetechniqueofreinforcedconcreteinBrazilforthedevelopmentandexpressionofModernBrazilianArchitectureinthefieldofengineering,mainlybetweenthedecadesof1930and1940.Forthis,weshouldnotefirstthebrazilianpracticetechnicalreferencesinthisfield,admittedlyinfluencedbythepresenceofGermanconstructioncompaniesinourcountry.Fromthis,thisarticlehighlightsfirsttwovisitsofforeignengineersreleasedtheadvancesoftheachievementsinourcountryandthematuritythatthetechniqueassumedinthisperiod. The respect of standards, we must also give due importance to the emergence of the ABNT and the firststandardizationinvolvingreinforcedconcreteinBrazil.

Keywords:ReinforcedConcrete.Engineering.Structure.

1 INTRODUÇÃO

Esteartigodestacaprimeiramenteduasvisitasdeengenheirosestrangeirosquedivulgaramosavançosdasrealizaçõesemnossopaíseamaturidadequeatécnicaassumiunesteperíodo.ComeçandoporAdolfKleinlogel,umdosprofissionaismaisconsagradosemrelaçãoaosestudosdoaperfeiçoamentodo concreto armado na Alemanha e que esteve no Brasil em 1937. Kleinlogel, na época, eraresponsávelpelamaiorpublicaçãosobreconcretonaEuropa.Asuavisitaassumeimportânciapeladeclaraçãodoengenheirodequeosbrasileirosjáestãodesvinculadosdaescolaalemã,criandoumatécnicainteiramentebaseadanascondiçõesparticularesdopaís.Kleinlogelaproveitatambémparareconhecer aesbeltezdas colunasexecutadasnoBrasil e indicaalgunsmotivosparaque isso sejapossível, dentre eles as normas locais que eram muito diferentes das alemãs. O segundoacontecimento de repercussão internacional foi a presença do engenheiro Arthur J. Boase quepublicou entre outubro de 1944 e junho de 1945 uma série de quatro artigos na revista norte-americanaEngineeringNews-Record.BaseadonasvisitasquefeznaAméricadoSul,comdestaqueespecialparaasestruturasbrasileiras,Boaseabordaestruturasdeconcretoarmadodeedifíciosemaltura, em que levanta dados construtivos e de custos, além demencionar os avanços técnicos e

1VASCONCELLOS,JulianoCaldasde.Amaturidadedoconcretoarmadonocampodaengenhariabrasileiranasdécadasde1930e1940.In:11°SEMINÁRIONACIONALDODOCOMOMOBRASIL.Anais.Recife:DOCOMOMO_BR,2016.p.1-12.

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normativos, semprecomparandocomapráticadoconcretoarmadonaAméricadoNorte.MesmotendopassadoporBuenosAireseMontevidéu,osartigos fechamo foconoRiode Janeiro, sendoimportantesnãosócomoreferênciameramentetécnica,mastambémpelo interesseemrelaçãoanossaarquitetura,fatocomprovadopelaprópriaexposiçãoBrazilBuilds(umanoantesdoprimeiroartigodeBoaseserpublicado).Arespeitodenormas,tambémdevemosdaradevidaimportânciaparaosurgimentodaABNTeasprimeiraspadronizaçõesenvolvendooconcretoarmadonoBrasil.CombasenosnúmerospublicadosporBoaseemseusartigos,ficamclarasasdiferençasdaspráticassul-americanaseestadunidenses,comadiretaindicaçãodequeasnormasbrasileirasacabaramsendomuitomaisfavoráveisaumaarquiteturaleveeesbeltaemtermosdasdimensõesdaspeçasdoquenosíndicespresentesnasnormasamericanasnesteperíodo.

2 AVISITADEKLEINLOGEL

OengenheiroalemãoAdolfKleinlogel(1877-1958),formadoem1900pelaescolatécnicasuperiordeStuttgart,foiumdosprofissionaismaisconsagradosemrelaçãoaosestudosdoaperfeiçoamentodoconcretoarmadonaAlemanha. JuntamentecomEmilMörsch2edeF.vonEmperger,avançounosestudos técnicosenaspossibilidadesdoconcreto, tantonocampo teóricocomonoexperimental.Trabalhou na construtora Wayss & Freytag, onde entra em contato direto com Mörsch, queproporcionouaKleinlogelsustentarsuatesededoutoradosobre“OVerdadeiroValordaAderênciaEntreoAçoeoConcreto”.Em1922comasaídadeEmpergerdadiretoriadarevistaBetonündEisen,assumeadireçãodestequeeraomaiorórgãodedivulgaçãodoconcretonaEuropa.

VisitandooRiodeJaneiroemjunhode1937,KleinlogelconcedepararevistaConcreto3umaentrevistaondedestacaotrabalhodostécnicoslocaisnapráticadoconcretoarmado.Asuavisita– mesmonãotendo como finalidade principal analisar as obras brasileiras – resultou em alguns depoimentosimportantes sobre o concreto armado local, principalmente sob o aspecto técnico de projeto,execuçãoedosmateriaisempregadosnasestruturas.

Figura1-SaudaçãodeAldofKleinlogelaosengenheirosbrasileiros

Fonte:CONCRETO,1938.

2EmilMörsch(1872-1950),engenheiroalemão(professordaUniversidadedeStuttgart)publicou,em1902,porincumbênciadafirmaWayss&Freytag,umadescriçãocombasescientíficasefundamentadassobreocomportamentodo“concretodeferro”e,partindoderesultadosdeensaios,desenvolveuaprimeirateoriarealistasobreodimensionamentodepeçasdeconcretoarmado.[Disponívelem<http://www.lem.ep.usp.br/pef605/PEF605AULA1.htm>Acessoem05set.2003] 3 AvisitadoprofessorDr.KleinlogelaoBrasil.CONCRETOrevistatécnica,nº09junhode1938.p.264-5.

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Kelinlogelafirmaqueosbrasileirosestãodesvinculadosdaescolaalemãe“seguindoosseuspróprioscaminhos”, criando em relação ao concreto uma técnica inteiramente baseada nas condiçõesparticulares do país: “pelo que vi realizado, posso concluir que o Brasil apresenta um grau deadiantamentoemrelaçãoaoconcretoarmadomuitoalémdeminhaexpectativa”.Afirmouaomesmotempoqueenumeravaalgunsexemplospráticosdoquediferenciavaoconcretobrasileirodoalemão:

Aquisãoempregadosdepreferênciaferrosmaisfinos,oqueéumavantagem,aopassoquenaAlemanhaissonãoacontece,poisossalárioslásãomuitoelevados.NoBrasil,sendoamãodeobramaisbarataissonaturalmentepodeserfeito.Nasvigas,ousodosferrosmaisfinosobrigaadeixarumespaçamentodiminutoentreos ferros,oquedificultaa concretagemeencareceamãodeobra.(CONCRETO,1938,p.235)

NoBrasil,asvigaspossuíamumgrandenúmerodebarrasdeferronumamesmaseção(Figura2)esegundo informações da época, a concretagem era efetuada com grandes dificuldades. Destacoutambémqueosmateriaiscomponentesdoconcreto–areiapedra –sãodequalidademelhorqueosdaAlemanha.Chamou-oaatençãooexcelenteaspectodoconcretonaretiradadasformas,fatoestecomprovantedaqualidadesuperiordoconcretoaquiproduzido:“asuperfíciesurgetãoperfeitaquequase não necessita de revestimento. Na Alemanha, ao contrário, observa-se comumente ninhosdepoisdaretiradadasformas.”

Figura2-AntonioAlvesdeNoronha:MinistériodoTrabalho,RiodeJaneiro.Detalhedaarmaçãodeumadassapatas.

Fonte:CONCRETO,1938.

KleinlogeldestacaaesbeltezdascolunasexecutadasnoBrasil,fatoesteocasionadoprincipalmentepelapermissãodasnormaslocaisde6%deferronospilares,sendoquenaAlemanhaestataxanãopodesersuperiora3%.EstefatoéaindamaisimpressionantequandoseobservaquenoBrasilnãoseutilizampilarescomperfissiderúrgicosusinadoscomoarmaduras,sendoestescompostosapenasporbarrasdeferromanufaturadas.Sãocitadasalgumasobrasvisitadasnoperíodoqueestevedefériasno Brasil, porém semmaiores detalhes sobre cada uma.Menciona as deChristiani & Nielsen em

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Monlevade,algumasobrasdoescritóriodaWayss&FreytagalémdasobrasdoescritóriodeEmílioBaumgart,noRiodeJaneiro.

AsafirmaçõesdeAdolfKleinlogelsobreamaturidadeprojetualepráticadasestruturasexecutadaspelosengenheirosbrasileirosnãodeixadesermaisumaafirmaçãodoconcretoarmadocomosendoumconjuntodeconhecimentostotalmentelivredequalquerdependênciaoucompromissoexterno.Suas palavras refletem com propriedade, um desenvolvimento técnico particular da engenhariabrasileiranocampodoconcretoarmadoque,desdeasuachegadanopaísno iníciodoséculoXX,sofreuconstanteevolução.

3 BOASEEOINTERESSEDOSESTADOSUNIDOS

ArevistaestadunidenseEngineeringNews-Record,publicaentreoutubrode1944e junhode1945umasériede4artigos(Figura3)deautoriadoengenheiroArthurJ.Boase–conselheirodaAssociaçãode Cimento Portland dos EstadosUnidos – que visita no início da década de 40 a América do Sul(Argentina,BrasileUruguai)durantetrêsmeses.Comointuitodeverificarosavançosqueostécnicossul-americanosestãoaplicandoemsuasconstruções–principalmentenosedifíciosemaltura–sãolevantadosváriosdadoseavaliadasasrazõesdetaisavançostécnicosenormativosperanteapráticadeprojetoeexecuçãodoconcretoarmadonaAméricadoNorte.

Figura3-Reproduçãoparcialdacapadeumdosartigospublicados.

Fonte:EngineeringNewsRecord,1944.

ComfococlaramentefixadonoBrasil(leia-seRiodeJaneiro),osquatroartigospublicadospossuemumaimportâncianãosónoquetocaasquestõesmeramentetécnicas,comosepropõem,mastambémpelo interesse em relação a nossa arquitetura como aconteceu – um ano antes da publicação doprimeiroartigo–aexposiçãodoMuseudeArteModernadeNovaYork,aBrazilBuilds(Figura4).

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Figura4-CapadolivroBrazilBuilds(1943)

Estaspublicações– quemarcamoiníciodoreconhecimentodoBrasilcomoumanaçãopromissora,colaborando na divulgação internacional da nossa arquitetura – aliadas ao grande interesse dostécnicosperanteosresultadosplásticosdapráticadoconcretoarmadoemnossopaís,configuramuma situaçãoque refleteoprestígioqueosbrasileiros adquiriramperanteos críticos estrangeiroscomopoloinovadordentrodopanoramadaarquiteturamundial.

A visita de Boase teve grande repercussão dentro e fora do Brasil, tanto pela diversidade deinformaçõescoletadas– queseriamquaseimpossíveisdeseobternosdiasdehoje–quantoporsuasopiniõessobreoconcretoarmadobrasileiro.Sendoassessoradopelosmaioresengenheirosdaépoca– Antônio AlvesNoronha e Francisco de Assis Basílio – Boase recebeu tambémdos brasileiros umcálculocompletodeumedifíciodeapartamentosjáconstruídonoRiodeJaneiro,com16pavimentos,assimcomoumexemplardaNB-1.Estematerialserviuparaumacomparaçãocomcálculoidênticoqueelemesmodesenvolveucomsuaequipeamericanaemobediênciaasnormasemvigornaquelepaís.

OresultadodasobservaçõeseestudosdeBoasenaAméricadoSulgeraramosartigoscitadosque,diferentemente do padrão editorial da revista (acostumada a notícias e artigos curtos), forampublicadoscom9páginasemmédia.SãofeitasreferênciasasnormasbrasileirasdaNB1aNB7(excetoNB3).Julgaqueumadascoisasmaisinteressantesdasnormaslocaiséoqueelasdeixamemaberto,nãocerceandoexcessivamenteacapacidadecriativadoengenheiro.

ProbablytheBrazilianengineerswouldbethefirsttoadmitthattheircodeisnotperfect,butnonecansaythat it isnot far-seeing.Certainly theBraziliancode is less restrictivethanthoseunderwhichNortAmericanengineerspratice.(BOASE,1945,p.80)

Sobreasnormas,mencionaaindaqueasNB1,4,5tratamdeedifícioseNB2e6depontesrodoviáriaseNB7depontesferroviárias.DestaformaoconjuntodetensõesadmissíveiseamaioriadedetalhescontidosnaNB1valetantoparaedifícioscomoparapontesouparaqualqueroutrotipodeestrutura.Afirmaqueénotávelqueessasnormassejamusadasportodos,sendoassimeliminadaadisparidadeentreastensõesadmissíveisadotadaspordiferentesórgãos,comoacontecianosEstadosUnidos.

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Figura5-OengenheiroamericanoArthurJ.BoasevisitandoaredaçãodarevistaConcretoaoladodeFranciscoAssisBasílioem1944.

Fonte:VASCONCELOS,1985

EmsuapassagempelaeditoriadarevistaConcreto(Figura5),ArthurBoaseseimpressionacomas5revistas técnicas editadas pelo grupo e afirma: “Sinto-me impressionado com a esbeltez dasconstruçõesbrasileiras;osedifíciosnosEstadosUnidossãomuitomaispesados”.

4 ASCONSTRUTORASBRASILEIRAS

Segundo VARGAS (1994, p.227) a primeira empresa a se estabelecer no Brasil foi a CompanhiaConstrutoraemCimentoArmado,fundadanoRiodeJaneiro,em1913,porLambertRiedlinger,aqualfoiem1924incorporadaaconstrutoraalemãWayss&Freytag–queseestabeleceunaAméricadoSulem1909paraaconstruçãodearmazénsedoedifíciodaalf6andegaemBuenosAires– sendoregistradanoBrasilcomonomede“CompanhiaConstrutoraNacionalS.A.”equefuncionouaté1974possuindofiliaisemSãoPaulo,Recife,SalvadoreJuizdeFora.

Naturalmentehouvealgumasexceçõesquepossibilitaram,mesmoapósavindadaWayss&Freytag,aparticipaçãodetécnicosestrangeirosemprojetos,podendocitar-seoprojetodocálculoestrutural(1929)daestátuadoCristoRedentornoCorcovado,feitoemParispeloBureaud’ÉtudesL.Pelnard,Considère&Caquot.Muitomaistarde,nocampodoconcretoprotendido,oscálculosdaspontesdoGaleão(1947)edeJoazeiro(1953)foramfeitosnaFrança.

Aformaçãodeespecialistasnacionais,propiciadapelafirmaalemã,logoliquidariacomaparticipaçãodetécnicosestrangeirosnosetordeprojetos.EssaformaçãoconstituiuumadasgrandesrazõesdorápidoprogressodoBrasilnocampodoconcretoarmado,queapartirdadécadade20começaaterseus escritórios de engenharia genuinamente nacionais. Desde 1924, entretanto, quase todos oscálculosdeconcretosãofeitosnoBrasil,destacando-seonomedeEmílioHenriqueBaumgartcomooprimeiro brasileiro de destaque internacional nessa atividade, e que participou de maneirafundamentalnocálculoestruturaldasededoMinistériodaSaúdeeEducaçãoPúblicanoRiodeJaneiro–entreoutrasobrasdegrandeimportânciaparaahistóriadaarquiteturaedaengenhariabrasileira.

Alémda abertura da firmadeBaumgart e da contrataçãodos brasileirosAmaral& Simõespara aconstruçãodoprédioMartinelliemSãoPaulo,pode-secitarotrabalhoqueoarquitetoSamueldasNeveseseufilhoCristianoStocklerdasNevesrealizaramnaspioneirasobrasemconcretoarmadonos

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anos20–comoaEstaçãoFerroviáriaJúlioPrestesemSãoPaulo– semqualquerparticipaçãodefirmasouconstrutorasdeforadopaís.

5 ASPRIMEIRASNORMAS

Amovimentaçãonosentidodeseelaborarasprimeirasnormasbrasileirasparaoconcretoarmadoseiniciaapartirde1929emSãoPaulocomo“CódigodeObrasArthurSaboya”,queconstituiuoprimeiropassoemdireçãoànormalizaçãodoconcretoarmadonoBrasil.Estecódigotratavadetudooquesereferia a construções, arruamentos, licenças, demolições, vistorias, embargos e penalidades. Aoconcreto armado eram dedicados 25 artigos que tratavam do dimensionamento de armaduras,resistênciadoconcreto,espessuramínimadelajes(8cmparapisose6cmparacoberturas),alturadepilaresemfunçãodesuaseção(nãopoderiaultrapassar18vezes),recobrimentomínimode25mmedosagemdecimento.

Noanode1930surgearevista“CimentoArmado”primeirapublicaçãotécnicabrasileiraespecializada.NomesmoanosurgeaABC–AssociaçãoBrasileiradeConcreto,queeditaem1931umregulamentoaoqualsesubordinavamtodasasconstruçõesemconcretoarmado.Estaregulamentaçãoseguiudepertoasnormasalemãs,não fazendomençãoaosartigosanterioresdeArthurSaboya.Em1936éfundadanoRiodeJaneiroaABCP–AssociaçãoBrasileiradeCimentoPortlandque,verificandoexistirdivergênciasentreosdiversosestadosdopaís,lançaaideiadeunificaressesregulamentosecorrigiralgumasdistorções(Figura6).Surgepelaprimeiravezadefiniçãode“norma”quepassariaaterâmbitonacional.

Figura6-FolhaderostodanormadaABCPem1937.

Fonte:VASCONCELOS,1985

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Em1937,promovem-seapartirda iniciativadoEng.PauloSá,reuniõesanuaisdosLaboratóriosdeEnsaio deMateriais (LEM) de todo o país. Na quarta destas reuniões foi proposta a fundação daAssociaçãoBrasileiradeNormasTécnicas,queveioasubstituireampliarasfunçõesdasreuniõesdoslaboratóriosdeensaios.

6 AABNTEOCONTEXTOMUNDIAL

Emtermosdenormasparaoconcretoarmado,asprimeirasaçõesnoBrasilseiniciamem1943coma“NB1,CálculoeExecuçãodeObrasdeConcretoArmado”organizadapelosengenheirosbrasileirosatravésdarecémfundadaABNT(AssociaçãoBrasileiradeNormasTécnicas).Logoapós,nomesmoano,forameditadasmais5normasregulamentadorasdocálculoedaexecuçãodasestruturas.Estasnormaseramaplicadasapenasaosedifíciosemconcreto,diferentementedasnormasamericanasdoAmericanConcreteInstituteBuildingCodequedeveriamseraplicadasemtodootipodeobra.Estefatopermitiuquemuitasdastécnicasutilizadaspelosbrasileirosnãofossempraticadaspelostécnicosnorte-americanos.

OscódigosbrasileirostiveramgrandeinfluênciadasnormasadotadasnaAlemanha,principalmentepela influência de Emílio Baumgart, omais expressivo engenheiro brasileiro da época. Os códigosalemãesdatadosde1932etoda“DeutscheNormen”eramuitoevidenciadaeprofusamentecopiada.

Asprimeirasduasnormas,NB1– “CálculoeeConstruçãoemConcretoArmado”–eNB2–“CálculoeConstruçãodePontesemConcretoArmado”sãopublicadasrespectivamenteem1940e1941etêmaúltimarevisãopublicadaem1943.Nomesmoanoforampublicadaspelaprimeiravez:NB4,“CálculoeConstruçãodeLajesCombinadas”;NB5,“CarregamentosparaoCálculodeEstruturasdeEdifícios”;NB6,“CarregamentosDinâmicosemPontesdeAutoestradas”;eNB7,“CarregamentosDinâmicosemPontesdeEstradasdeFerro”4.Osvaloresmínimosparaaconstruçãodeedifícios foramfixadosnaNB5.Nela, indicava-se que as cargas – a não ser que aqueles que são aplicadas emumamaneiraespecial–devemserconsideradascomoverticaisedistribuídasuniformemente.

Todaaatençãointernacionalvoltadaparaasconstruçõesbrasileirasdestacavaagrandeesbeltezdaspeçasconstrutivaspraticadasnopaís,tantonospilarescomonaslajesevigas.Asfotografiasdeobrasquechegavamàsmãosdostécnicosestrangeirosmostravampilaresdeseçãomuitomenordoqueaspraticadas em outros países, o que pode ser explicado principalmente pela série de diferenciaispresentesnasnormaselaboradasnoBrasilemrelaçãoprincipalmenteas técnicasempregadasnosEstadosUnidos.5

Asespecificidadespresentesnotextobrasileiro,aliadaàdisposiçãodenormasdiferentesparacadatipo de construção em concreto armado é o indício de que o trabalho na confecção das regrasinfluenciaria diretamente na imagem da arquitetura neste período, produzindo edifícios com 32%menosconcretoe26%menosaçoquenomesmotipodeconstruçãoexecutadanosEstadosUnidos.Anormanorte-americanaégenérica,atacandotodosostiposdeconstruçãodamesmaformaenãolevavaemcontaasproporçõesdaspeçasaseremconstruídas.

Natabela1podemosobservarqueoscarregamentosprevistosnasnormasbrasileirasconsideramqueumpanodelajepodeassumirdiferentesesforçosdependendodesuadimensão,sendoquearegraequivalentenosEstadosUnidosnãolevaemcontaesteparâmetro.

4Todasasnormaselaboradastiveramaparticipaçãoeotrabalhodeváriostécnicoseengenheirosbrasileiros,alémdemaisdeumadúziadeescritóriosdecálculoedesenhoestrutural,queestudaramdiferentescarregamentosediferentestensõesparaclassificarcorretamentecadacaso,simplificandoaelaboraçãodanorma.5 Em1904foifundadooAmericanConcreteInstitute(A.C.I)queéoórgãoresponsávelpelaelaboraçãodasnormasnaquelepaís.(NEWBY,Frank.EarlyReinforcedConcrete.Burlington,VT:Ashgate,2001.354p.,illus.,bibliog.,index)

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Fonte:EngineeringNewsRecord,1944.

Natabela2,constamvaloresderecobrimentomínimoparaoaçoemambosospaíses,sendoosvaloresbrasileiros praticamente metade dos aplicados pelos engenheiros americanos. Neste ponto éimportantedestacarqueanormadoBrasildifereasimplesproteçãodoaçodaquestãodeproteçãocontrafogo,fatoinéditotantonosEUAquantonaEuropa.Quandoumaconstruçãonãoestavaexpostaaos perigos de um incêndio, a norma simplesmente não era aplicada no cálculo. A questão dorecobrimento não era a única a transparecer a razão das seções das peças serem consideradasesbeltas. A tabela 3 demonstra valores que relacionam a quantidade de aço pormetro cúbico deconcretooque,maisumavez,éfavorávelaodimensionamentomaisreduzidodeseçõesdepilaresevigasrealizadospelosbrasileiros.

Fonte:EngineeringNewsRecord,1944.

7 APREPONDERÂNCIADOCONCRETOARMADONOBRASIL

Dofinaldadécadade30atéaprimeirametadedadécadade40oRiode Janeiro–quenaépocapossuía aproximadamente 2 milhões de habitantes – vivia um grande momento em termos daconstruçãocivil.Sónocentrodacidadepodia-secontarmaisde10obrasdeporteemandamentoemumraiodedoisquarteirões(Figura7),todoscomalturaentre12e24pavimentos,construídosemconcretoarmado6.Algunsfatorespodemserlevantadosparaexplicarapredominânciadoconcreto

6 Nestaépoca,aproximadamente90%dasconstruçõesemalturanaAméricaLatinaeramconstruídascomestruturaindependenteemconcretoarmadoevedadascomtijolosoublocoscerâmicos(BOASE,1945).

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armadocomosoluçãoestrutural:

1)Pelainexistênciadeumaproduçãodeaçoestruturalqueatendesseagrandedemandageradapelaconstruçãocivil.Oprincipalmercadoeramasestradasde ferroqueestavamsendoconstruídasnoBrasilequeconsumiamtodaaproduçãolocal.7

2)OaçoestruturaleramuitoescassoemtodaaAméricadoSul(ondeaimportaçãotinhaaltoscustosprovocadospelotransportemarítimo)ecomodecorrência,amão-de-obraespecializadatambémnãoeramuitocomum.

3)Aculturadosengenheirosbrasileiroseratradicionalmentedocálculoemconcretoarmado8,tantopelopróprioconhecimentodosaltoscustosdoaçoestrutural,quantopelainfluênciaepioneirismodasescolasalemãefrancesa.9

Figura7-VistaaéreadocentrodoRiodeJaneiroem1940.

Fonte:VASCONCELLOS,2004

8 CUSTOSDEMATERIAISEMÃODEOBRA

Nasestruturasdeconcretoarmadoaexigênciademão-de-obraeramais“especializada”doquenaalvenariaportante(quedominavaaconstruçãoatéachegadadanovatécnica):pedreiro,carpinteiro,eletricista,encanador,armador,apontador,alémdeserventeseajudantesespeciais.Jánaalvenariaeste elenco era bem mais reduzido pela simultaneidade das etapas de execução, a qual induz apolivalênciadooperárioatravésdefáciltreinamentooupelaprópriaexperiênciadequemparticipavadaconstruçãocivil.

Oscustosaproximadosdaconstruçãoemconcretoarmadodaépocaestãocolocadosnastabelas4,5e6,indicandoosmenoresvaloresdaAméricadoSulprincipalmentenoquesitomão-de-obra.CadadiadetrabalhodeumpedreironaArgentinaequivaliaadoistrabalhadosporumoperáriobrasileiro10.

7Sóemabrilde1941,apósaobtençãodefinanciamentojuntoaoEximbank,nosEstadosUnidos,oGovernoVargasdecidiuacriaçãodaCompanhiaSiderúrgicaNacional(CSN),queseriaconstruídaemVoltaRedonda(RJ).8 BOASEcomentanoartigode1945queapráticadostécnicosbrasileiroseraexatamenteainversadosnorte-americanos,quetinhamcomoprincipaltécnicaconstrutivaoaçoestrutural. 9Amaioriadoslivros-textodasescolasdeengenharianoBrasileramdeorigemfrancesaougermânica(BOASE,1944).10 Nessaépoca,ofluxodemão-de-obraestrangeira,comexceçãodajaponesa,haviadiminuídomuito.AconstruçãocivileaatividadeindustrialdegrandescentroscomoSãoPauloeRiodeJaneiropassaramadependerprincipalmentedamão-de-obravindadepequenascidadesmineirasedoNordeste.OpresidenteGetúlioVargasesboçouumalegislaçãotrabalhistaefoiconcedendodireitos:oitohorasdetrabalhodiário,regulamentaçãodotrabalhonoturno,regulamentaçãodotrabalho

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Mesmocomomaiornúmerodefuncionáriosparaexecução,aparticipaçãodesteiteméde20%nocustototaldaobradeconcretoarmadonoBrasil,sendoquenosEstadoUnidosorateioéde50%paramão-de-obra e 50% de dispêndio em material. Estes índices representavam além de uma forçaoperáriabrasileiradebaixocusto,umaltopreçodomaterialemcomparaçãocomoutrospaísesemvaloresabsolutos.

Estesfatores,somadoaosoutrostrêsjácitados,configuraramumpanoramaparaqueatécnicadoconcretoarmadofossedifundidaeapassoslargosaprimoradanoBrasil.

Fonte:EngineeringNewsRecord,1944.

Fonte:EngineeringNewsRecord,1944.

9 CONCLUSÃO

NoBrasil,apartirdadécadade30,atrocadeexperiênciascomostécnicosdefirmasestrangeirasfavoreceuaformaçãodecompetentesescritóriosdecálculo,emummomentoqueopaísaceleravaoprocessodediversificaçãoeintegraçãoindustrial.Asrealizaçõesdevultosesucedem,oquedespertao interesse europeu e norte-americano pela construção em concreto armado no país. Visitas,publicaçõesdeartigosalémdascaracterísticasdenossasparticularesnormasrevelamahabilidadedosbrasileiroscomatécnicadesenvolvidaeamadurecida,característicasquenãodeixamdefazerparteda identidade formaldaprópria arquiteturamodernabrasileira – esbelta, levee executada coma“informalidadepitorescasensualeacerebralidadedorigorclássico”(COMAS,2002).

dasmulheres,dosmenores,direitodefériasetc.[Disponívelem<http://www.mec.gov.br/seed/tvescola/historia/entrevista_4a.asp>Acessoem20set.2003]

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REFERÊNCIASBOASE,ArthurJ."BrasilianConcreteBuildingDesignComparedwithUnitedStatesPractice."EngineeringNews-Record.28jun.1945:p.80-88.

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VASCONCELOS,AugustoCarlos.OConcretonoBrasil:recordes,realizações,história.SãoPaulo:Copiare,1985.

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