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DESAFIOS DA BIOÉTICA NO SÉCULO XXI
¹Prof. Carlos Frederico Rodrigues
²Isadora Cavenago Fillus
Serviço de Neurologia e Neurocirurgia
Dr. Frederico Rodrigues
¹Neurologia – HU Pedro Ernesto – UERJ
Neurocirurgia – HM Souza Aguiar – RJ
Neurocirurgia pediátrica – Inst. Fernandes Figueira – FioCruz – RJ
Interne serivce de neurochirurgie pédiatric- Hôpital Latimone – Marseille- France.
Mestre em Filosofia Política e Ética – PUCRS.
Professor – Unochapecó – SC
Professor Bioética – Unioeste – Francisco Beltrão.
Coordenador do Núcleo de Bioética do Sudoeste – NuBioS
²Acadêmica da faculdade de medicina da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE – Campus Francisco Beltrão.
• Surtos de novas epidemias;
• Campos de concentração para esses pacientes;
• Aquecimento global;
• Desafio do gelo x morte por falta de água;
• Violência;
• Imigração;
• Racismo.
UMA BIOÉTICA?
COMO PROCEDER?
• “as vezes nos parece que tudo que fazemos não é mais do que uma gota de água no oceano, mas o oceano seria menor se lhe faltasse essa gota.”
Madre Teresa de Calcutá.
• A arte perdida de cuidar.
Bernard Lown – Cardiologista – inventor do desfibralador.
“ os médicos desaprenderam a arte
de cuidar.”
Nunca a medicina avançou tanto no diagnóstico e tratamento das mais
variadas doenças como no passado século, e nunca o ser humano enfermo
foi tão mal cuidado.
I - INTRODUÇÃO
Livro: a perdida arte de cuidar.
“os médicos transformaram-se em
oficiais-maiores da ciência e gerentes de biotecnologias
complexas“
Isso é a medicina?
"sabedoria médica" é compreender um problema clínico não em um órgão, mas
em um ser humano.
I - INTRODUÇÃO
Todo mal que aflige o paciente pode ser identificado pela
tecnologia?
Os jovens estudantes são educados a operar equipamentos e
proceder a leituras de variáveis biológicas, mas não são orientados a reconhecer o ser humano como
unidade biopsicossocial e espiritual.
I - INTRODUÇÃO
“ Não se trata de acelerar o trem do progresso, mas de
encontrar o freio de emergência.”
I - INTRODUÇÃO
MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS
• a uma medicina baseada em evidência, uma prática antiga, mas que foi estabelecida como um movimento mesmo no século XX, e já no nosso século XXI começa a ser questionada se é uma prática inteiramente aceitável.
• Uma característica da ciência, incluindo a médica, é de que tudo o que você replica, tem qualidade. Já na arte, a replicação é sinônimo de desvalorização e perda da essência, sendo o primordial a preservação da singularidade: medicina como arte.
• E pensando nessa oposição de prioridade entre a ciência e a arte, quando falamos em cuidado de seres humanos que são únicos entre si, mas em sua totalidade de ser, que outra forma temos de o receber e abriga-los sob nossas mãos e olhares que não na arte de cuidar?
"Eu tive uma namorada que via errado. O que ela via não era uma garça na beira do rio. O que ela via era um rio na beira de uma garça. Ela despraticava as normas. Dizia que seu avesso era mais visível do que um poste [...] .Chegou de ir no oculista. Não era um defeito físico falou o diagnóstico. Induziu que poderia ser uma disfunção da alma. Mas ela falou que a ciência não tem lógica. Porque viver não tem lógica – como diria nossa Lispector[...].”
O olhar, MANUEL DE BARROS
• O setor da saúde é um dos que mais tem crescido na economia mundial. Números apontam “evoluções”, “desenvolvimento” e inovações. Mas o que está por trás de números frios que nos são apresentados? A arte de cuidar de outra pessoa realmente cabe em dados e estatísticas sem desumanizar-se?
• A medicina é algo que não possui preço, pois não pode ser substituída por um equivalente, logo, possui dignidade
• O atendimento médico se diferencia de qualquer serviço prestado em indústrias, pois não se baseia em padronizações.
MEDICINA BASEADA EM EVIDÊNCIAS
O médico “não é o médico dos seres vivos em geral, nem mesmo o médico do gênero humano, mas o médico do indivíduo humano”. Claude Bernard.
Aplicação de regras cartesianas como norteadoras da formação
médica. – Séc XX.
Privilegia-se o conhecimento fragmentado de acordo com percepções específicas de
diferentes áreas do saber médico, desconsiderando a óbvia
inseparabilidade entre as partes e a totalidade do ser humano. ABRAHAM FLEXNER
II - AS REGRAS DO CHICOTE
• No dizer de Morin, passaram a ser "como lobos que urinam para marcar seu território e mordem os que nele penetram".
Assim nasceram as disciplinas do curso de medicina que passaram a
gozar de total autonomia para construir suas árvores temáticas.
Quaisquer pequenas propostas de mudanças na grade curricular
encontram enormes resistências por parte dos donos dos lotes.
II - AS REGRAS DO CHICOTE
Grade, Disciplina...falamos de educação ou de prisão?
A escola como ´disciplinadora´ e formadora de corpos humanos dóceis e incapazes de reflexão.
II - AS REGRAS DO CHICOTE
II - AS REGRAS DO CHICOTE
• “um meio de flagelar aquele que se aventura no domínio das idéias que o especialista considera de sua propriedade“ Morin.
Em conseqüência desse modelo pedagógico obsoleto, impõem-se
aos estudantes cada vez mais conhecimentos técnicos oriundos das disciplinas acadêmicas, onde as informações são expostas sem qualquer preocupação de oferecer-lhes a necessária síntese que lhes permita melhor compreender o ser
humano biográfico.
II – AS REGRAS DO CHICOTE
Cartesiano• Objeto;• Corpo;• Quantidade;• Causalidade;• Razão;
Alteridade • Sujeito;• Espírito;• Qualidade;• Finalidade;• Sentimento;
ESTADO DE EXCEÇÃO COMO REGRA: trotes universitários
• E as regras do chicote estão presentes desde a admissão dos estudantes nas faculdades de medicina. Infelizmente ainda é uma realidade na maioria das faculdades a promoção dos trotes aos calouros recém chegados na universidade.
• Despersonalização do indivíduo.
• Judeus em campos de concentração nazista.
• “ é só uma brincadeira”, “ não faz mal nenhum”, “ também passamos por isso”.
Hannah Arendt
• estado de exceção como regra
• porque isso está sendo feito? Qual a finalidade? Tirar o máximo de proveito do outro, mesmo que para isso precise ofender, machucar ou humilhar? Quem disse que temos esse direito?
• ciclo que se repete todos os anos nas universidade
• consequências irreversíveis
• a resistência só pode existir enquanto propriedade imanente ao poder (Foucault).
“A qualidade humana da sociedade deveria ser medida pela qualidade de vida de seus membros mais fracos”. Zigmunt Bauman
ESTADO DE EXCEÇÃO COMO REGRA: trotes universitários
• “ Domine todas as técnicas, conheça todas as teorias, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.” Jung.
• “Nós, não é plural de eu”. E. Levinas.
III - Ética
DEONTOLOGIA X ÉTICA
“Aquele que só sabe medicina (técnica), nem medicina
sabe.”
Abel de Lima Salazar
• Como apreender o global, o multidimensional, o complexo e organizar o conhecimento para melhor cuidar do ser humano, protagonista central de qualquer iniciativa da ciência?
• “Ética, é o local onde cabem todos.” H.Jonas.
III - Ética
"Sendo todas as coisas causadas e causadoras, ajudadas ou ajudantes, mediatas e imediatas e sustentando-se todas por um elo natural que une as mais distantes e as mais diferentes, considero ser impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, tampouco conhecer o todo sem conhecer as partes“ Blaise Pascal.
III - Ética
A comunidade acadêmica da atualidade é formada por um conjunto de especialistas. As
linguagens dos diferentes núcleos de saber são tão herméticas que
sequer o exercício interdisciplinar é factível, pois perderam-se os elementos essenciais para o
diálogo.
III - Ética
• Muller, citado por Troncon, avalia que "as escolas médicas estão submergindo os estudantes em pormenores opressores sobre conhecimentos especializados e aplicação sofisticada de tecnologias, restringindo a aprendizagem de habilidades médicas fundamentais, podendo isto levar a uma fascinação pela tecnologia, tornando o artefato mais importante que o paciente."
RODRIGUES CFA. O fetiche da tecnologia. Revista Bioética – CFM
– vol 3. 2012.
III - Ética
QUEM SERÃO OS MÉDICOS EGRESSORES DESSE MODELO?
Cartesiano
Flexineriano
Modelo de aprendizado baseado em problemas (PBL)
METODOLOGIA ATUAL O QUE PRECISAMOS
Eu isolado Eu integrado
Realização pessoal Alteridade
Técnico (coorporação) Cidadão (comunidade)
Fragmentado, para oferecer serviços e ter o homem como objeto de estudo
Interdisciplinar para acolher o outro
Conhecimento técnico Conhecimento humanista
Reconhecer o perverso legado do séc. XX, caracterizado pela
extrema racionalização da ciência que apenas considera o
quantitativo e ignora o qualitativo, menosprezando o ser humano em
seus sentimentos, sofrimentos, alma.
Sociedade do Inmetro.
IV - Como livrar-se ao jugo do chicote?
Há que libertar-se, sobretudo, da escravidão da máquina, fazendo-a complementar ao raciocínio clínico e não instrumento soberano para determinar tomadas de decisões.
“ Ciência e caridade” P. Picasso.
IV - Como livrar-se ao jugo do chicote?
O modelo vigente das subespecialidades, no qual
profissionais sabem quase tudo do quase nada.
Se o conhecimento é armazenado nas máquinas, não bastarão simplesmente técnicos bem treinados para operá-las?
Os médicos são dispensáveis?
IV - Como livrar-se ao jugo do chicote?
A busca da "Grande Saúde" apontada por Sfez na utopia
globalizada do séc. XXI parece apontar para uma sociedade imune
às "questões do passado" e pautada em regras da mais
extrema objetividade científica.
Quais as consequências para uma sociedade que não aceita sua
finitude? A culpabilidade da equipe médica?
IV - Como livrar-se ao jugo do chicote?
• “ Meu pai não paga ...mil reais por mês para eu atender pacientes do SUS.”
• “ Vou fazer radiologia para não ter que colocar minha mão no lixo.”
• “Esse aí é só um PIMBA, não se preocupe.”
Como indignar-se com o “interno” que ao apresentar um caso não mencione o nome ou sequer a
história clínica do paciente, detendo-se em relatar exames
subsidiários e a conduta proposta pelo oncohematologista?
IV - Como livrar-se ao jugo do chicote?
IV - Como livrar-se ao jugo do chicote?
• A 2ª Conferência Mundial de Educação Médica realizada em Edimburgo, em 1993, acolheu a proposta "Changing medical education and practice: an agenda for action", da Organização Mundial da Saúde, que aponta para novas práticas educativas que substituam as tradicionais centradas no modelo disciplinar através da incorporação de estratégias que alcancem fornecer conhecimentos mais adequados do processo saúde-doença, sempre privilegiando o enfoque interdisciplinar.
QUEM TEM O CHICOTE EM MÃOS?
• Universidade de Toronto: 47% dos 108 estudantes de medicina no último ano da faculdade declararam ter presenciado ao menos um comportamento antiético por parte de seus professores.
• "Eu fazia plantão na maternidade do X e via as pacientes que chegavam após tentativa de aborto serem tratadas com grosseria, ironias e deboche. E quando tinham que permanecer internadas, ficavam em macas no corredor, mesmo tendo vagas nas enfermarias". (feminino, 6º ano, 24 anos).
• "Já foram várias situações difíceis. [Tive] muitos desapontamentos e vontade de largar o curso por isso."(feminino, 6º ano, 24 anos).
“Há um tempo em que é preciso abandonar as
roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os
nossos caminhos, que nos levam sempre aos
mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-
la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós
mesmos”.
FERNANDO PESSOA
V –FORMAÇÃO ÉTICA“...com quem nos sentimos à vontade quando descrevemos nossas queixas (...) o médico para quem o paciente nunca é uma estatística (...)". Lown.
Tudo isto parece tão simples e óbvio que, às vezes, nos espantamos por não conseguir atingir esse singelo objetivo.
V – FORMAÇÃO ÉTICA
• O profissional sabe que toda doença é orgânica e psíquica, social e familiar. Todos os sintomas formam um complexo conjunto de diferentes instâncias, quer seja orgânica, psicológica, social ou familiar.
• Invariavelmente está buscando por cuidados que não se limitam simplesmente a livrar-se de um mal-estar circunstancial.
V - FORMAÇÃO ÉTICA
• "Onde há amor ao enfermo (philanthrôpíê) há também amor à arte (philotekhniê).”
Nosso objetivo é o paciente.
Nosso inimigo é o sofrimento, não a morte.
Formação humana do acadêmico de medicina.
V - FORMAÇÃO ÉTICA
• Considero que os problemas emergentes na relação profissional-paciente devido ao uso acrítico das conquistas da ciência e tecnologia podem ser sobrepujados mediante uma formação consistente, que privilegie os aspectos humanísticos da profissão sem, de nenhuma maneira, descurar do melhor modo de cuidar.
RODRIGUES CFA. Considerações éticas sobre a medicina contemporânea. Vol. 18, No 2 (2010): Revista Bioética
Responsabilidade sem escapatória.
Alteridade.
A FORMAÇÃO MÉDICA ALÉM DOS LIVROS
• Depois de todos os anos de estudos, quando aprendemos a dar uma má notícia? Quando aprendemos a lidar com a morte? Quando aprendemos a lidar com o outro?
• Se soubermos ouvir, o paciente conta seu diagnóstico e como será seu tratamento.
• “No rosto, apresenta-se o ente por excelência” E. Levinas.
• “O rosto do Outro recorda as obrigações do ‘eu’” .Márcio Luiz Costa.
Robert Pope, Self Portrait with Dr. Langley
ÉTICA
ÉTICA
• “o ético é o humano”
• “a Ética deve ser construída no face-a-face, por todo tempo que nos resta.”
E. Levinas.
A ÉTICA NA RELAÇÃO COM TODAS AS FORMAS DE VIDA
• “São só animais” “os animais morrem para podermos salvar as pessoas, é algo que compensa”
• Se colocarmos em uma balança uma vida e outra, tem como dizer que algum dos lados pesa mais?
• uma ideia fascinante de progresso que se constrói na dor e exterminação de uma vida, fica até difícil acreditar que isso seja tão melhor do que a dita "não evolução" da ciência.
• Sempre tem como diminuir o sofrimento de uma vida. E não é nossa responsabilidade como médicos diminuir o sofrimento? Nossa responsabilidade é com pessoas ou com a vida como um todo?
• Existem alternativas para o uso de animais em universidades?
“O que me preocupa não é o grito dos violentos. É o silêncio dos bons”. Martin Luther King
DEVEMOS ABRIR MÃO DA TÉCNICA?
“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana seja apenas outra alma humana.”
Carl Jung
OBRIGADO
“ Nós somos responsáveis por tudo e por todos e eu mais do que os outros.” Dostoiévski