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Jardins Alienígenas: A hipótese paleo-SETI como modelo global para explicar os paradoxos da chamada Revolução Agrícola. Antonio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva ¹* ¹* Bacharelando em Arqueologia e Preservação Patrimonial da Universidade Federal do Vale do São Francisco. ANDRADA, A.C. de. Jardins Alienígenas: A hipótese paleo-SETI como modelo global para ex- plicar os paradoxos da chamada Revolução Agrícola. In: I Encontro de História do Sudeste do Piauí - U.E.S.P.I., 23 de Setembro de 2011. Forma de citar RESUMO ABSTRACT Este artigo sugere um esboço teórico de um novo modelo global explicativo para a emergência da domesticação das espécies durante a transição Pleistoceno- Holoceno. Trata-se de uma análise sumária dos problemas relacionados à origem da chamada Revolução Agrícola, tendo em vista uma postura crítica sobre a insuficiência teórica das explicações arqueológicas tradicionais – difusionistas; geológico/climáticas; ecológico/ambientais e simbólico/rituais. Propõe como alternativa uma reflexão teórica sob o contexto das possibilidades de explicação oferecidas pela hipótese Paleo-SETI para o surgimento da agricultura. This article suggests an theoretical outline of a new global model for explaining the emergence of the domestication of the species during the Pleistocene / Holocene transition. This is a summary analysis of issues relating to origins of the so called Agricultural Revolution in view of a critical stance on the lack of traditional archaeological theoretical explanations - diffusion, geological / climatic, ecological / environmental and symbolic / ritual. Proposes an alternative theoretical possibility in the context of the explanation offered by the Paleo-SETI hypothesis for the emergence of agriculture. Palavras chave paleo-SETI, agricultura, modelo global, domesticação, cereais, extraterrestres. Key Words paleo-SETI, agriculture, global model, do- mestication, crops, extraterrestrials. Teorias Arqueológicas / Archaeological Theory´s Alien Gardens: The Paleo-SETI hypothesis as a Global model to explain the paradoxes of the so called Agricultural Revolution. 1 Introdução O “verdadeiramente novo”: O notável historiador F.J Teggart, já em 1925, pensava ser a história de sua época mais como um exercício literário, cheio de especulações sobre as motivações de pesonalidaes históricas e vazia em uma investigação dos porquês e comos por taz do desenvolvimento de “como as coisas chegaram a ser como são”. Dividiu este contexto enfadonho em dois tipos, no primeiro, havia uma escola preocupada com descrições factuais da história “uma ladainha de sequências de acontecimentos onde pouca atenção é dada ao que Teggard chamava de estudo ‘científico’ das causas subjacentes aos estudos históricos” (ELDREDGE & TATTERSALL, 1982). Esta, que via apenas os acontecimentos e produzia vagas explicações sobre as causas, era segundo ele, “a-científica”. Na outra ponta, como decreve em seu ensaio intitulado “Theory of History”, estavam os estudos ou correntes e pensadores históricos muito preocupados com as noções de progressistas, derivadas do cartesianismo e do evolucionismo darwiniano, que envisavam uma mudança social lenta e gradual, e mais do que isto, inevitável. Nesta, a realidade fugia aos fatos, e a teoria, numa abordagem evolucionista tinha quase sempre uma pobre utilidade para os acontecimentos, para os dados reais da história. Sabemos hoje, o que Teggart vislumbrava: Que os acontecimentos históricos, os eventos da história, como ela

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Ensaio científico que explica a origem da agricultura pela visão PaleoSETI

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Jardins Alienígenas: A hipótese paleo-SETI como modelo global para explicar os paradoxos da chamada Revolução Agrícola.

Antonio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva ¹*

¹* Bacharelando em Arqueologia e Preservação Patrimonial da Universidade Federal do Vale do São Francisco.

ANDRADA, A.C. de. Jardins Alienígenas: A hipótese paleo-SETI como modelo global para ex-plicar os paradoxos da chamada Revolução Agrícola. In: I Encontro de História do Sudeste do Piauí - U.E.S.P.I., 23 de Setembro de 2011.

Forma de citar

RESUMO

ABSTRACT

Este artigo sugere um esboço teórico de um novo modelo global explicativo para a emergência da domesticação das espécies durante a transição Pleistoceno-Holoceno. Trata-se de uma análise sumária dos problemas relacionados à origem da chamada Revolução Agrícola, tendo em vista uma postura crítica sobre a insuficiência teórica das explicações arqueológicas tradicionais – difusionistas; geológico/climáticas; ecológico/ambientais e simbólico/rituais. Propõe como alternativa uma reflexão teórica sob o contexto das possibilidades de explicação oferecidas pela hipótese Paleo-SETI para o surgimento da agricultura.

This article suggests an theoretical outline of a new global model for explaining the emergence of the domestication of the species during the Pleistocene / Holocene transition. This is a summary analysis of issues relating to origins of the so called Agricultural Revolution in view of a critical stance on the lack of traditional archaeological theoretical explanations - diffusion, geological / climatic, ecological / environmental and symbolic / ritual. Proposes an alternative theoretical possibility in the context of the explanation offered by the Paleo-SETI hypothesis for the emergence of agriculture.

Palavras chave

paleo-SETI, agricultura, modelo global, domesticação, cereais, extraterrestres.

Key Words

paleo-SETI, agriculture, global model, do-mestication, crops, extraterrestrials.

Teorias Arqueológicas / Archaeological Theory´s

Alien Gardens: The Paleo-SETI hypothesis as a Global model to explain the paradoxes of the so called Agricultural Revolution.

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Introdução

O “verdadeiramente novo”:

O notável historiador F.J Teggart, já em 1925, pensava ser a história de sua época mais como um exercício literário, cheio de especulações sobre as motivações de pesonalidaes históricas e vazia em uma investigação dos porquês e comos por taz do desenvolvimento de “como as coisas chegaram a ser como são”. Dividiu este

contexto enfadonho em dois tipos, no primeiro, havia uma escola preocupada com descrições factuais da história “uma ladainha de sequências de acontecimentos onde pouca atenção é dada ao que Teggard chamava de estudo ‘científico’ das causas subjacentes aos estudos históricos” (ELDREDGE & TATTERSALL, 1982). Esta, que via apenas os acontecimentos e produzia vagas explicações sobre as causas, era segundo ele, “a-científica”.

Na outra ponta, como decreve em seu ensaio intitulado “Theory of History”,

estavam os estudos ou correntes e pensadores históricos muito preocupados com as noções de progressistas, derivadas do cartesianismo e do evolucionismo darwiniano, que envisavam uma mudança social lenta e gradual, e mais do que isto, inevitável. Nesta, a realidade fugia aos fatos, e a teoria, numa abordagem evolucionista tinha quase sempre uma pobre utilidade para os acontecimentos, para os dados reais da história.

Sabemos hoje, o que Teggart já vislumbrava: Que os acontecimentos históricos, os eventos da história, como ela

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nos apresenta, frustram a espectativa de um desenvolvimento lento e gradual; a noção progressivista evolutiva é mera ilusão:

“Num nível mais geral, o quadro da experiência humana apresentado pelos evolucionistas sociais e pelos sociobiólogos é a própria antítese do que mostram os registros históricos. Em lugar de um progresso contínuo de mudança sociocultural, os registros indicam claramente longos períodos de relativa inatividade entre os povos, pontuados por interrupções ocasionais de ação.” (BOCK, 1980).

“[...] achamos que a história humana nesses últimos 6.000 anos, aproximadamente, revela uma continuação do mesmo padrão básico de inovações rápidas, seguidas por períodos mais longos de pouca ou nenhuma mudança.” (ELDREDGE & TATTERSALL, 1982, p. 141).

A história em verdade, é a “não mudança”, e a preocupação “exagerada com os ‘fatos’ obscurece o pradrão global (ELDREDGE & TATTERSALL, 1982, p. 142). A fixidez como uma espectativa da história, assim, segundo Teggart, se reflete numa “estabilidade” que significa a expressão das pressões sociais que conspiram para manter a persistência; a imitação, o hábito, a solidariedade. Assim:

“certas atividades - ou seja, maneiras de se fazer coisas e formas de pensamento - foram mantidas com uniformidade reconhecível de época para época.” (TEGGART, 1925)

Teggart se perguntou como faremos para estudar os processos subjacentes da história? Sugeriu uma terceira epistemologia que pudesse ajustar-se melhor as realidades dessa história da mudança cultural ao utilizar-se da filosofia de David Hume - Para Teggart, em sua concepção, haviam três componentes na mudança cultural: 1- estabilidade; 2- modificação lenta e 3 - o aparecimento do “verdadeiramente novo”. A abordagem adequada da história deveria se focar num estudo comparativo nas/e entre as sociedades para verificar como operam estes componentes na produção cultural e o alcance e influência que tem estes três fatores na mudança histórica.

A estabilidade, como vimos, é fruto da repetição, da initação, da tradição; as mudanças graduais seriam inerentes a todas as culturas como uma tendência que não leva a nada “radicalmente novo”. Um exemplo que Teggart se utiliza são as alterações linguísticas de geração à geração, que são sutis, e que mesmo cumulativas não formam uma base de mudança revolucionária que pudesse ser lida como progresso nos grandes movimentos erráticos da história. O que levaria então ao terceiro componente, a inovação verdadeira,

ao “realmente novo”?

Para este último, Teggart previa acontecimentos que ele denominava “intromissões” e “rupturas”. A estase social histórica de mudanças rápidas pontilhadas e “episodicamente deflagradas” por “intromissões fundamentais” e “raras, “geralmente vindas do exterior” (TEGGART, [1925] apud ELDREDGE & TATTERSALL, 1982, p. 144).

Assim como Teggart, neste trabalho, traremos da identificação das causas de uma destas rápidas mudanças históricas criativas: A mudança envolvida na chamada “revolução agrícola”. Esta, como um movimento histórico de “grande ruptura” e que assim, requer explicações não só raras, mas que revelem um padrão global que se coadune com os dados arqueológicos e históricos para a emergência deste novo fenômeno. Propomos aqui uma temática teórica e assim, trataremos de discutir a possibilidade da origem da mudança histórica ter sido influenciada por uma difusão de saberes oriúndos de um fenômeno paleo-SETI, ou seja, do contato pretérito das culturas humanas com sociedades extraplanetárias.

Idéias triviais e problemas que persistem:

Não foram só o descritivismo e as premissas de padrões históricos evolucionistas que obscureceram as visões teóricas sobre as mudanças históricas. Durante todo o percurso da construção da história humana, levantamos modelos teóricos como se a história ontológica do planeta Terra estivesse isolada do restante do Cosmos. Como se existíssemos durante estes quatro bilhões de anos, fechados dentro de uma redoma.

“Através de todo o seu passado, a humanidade acreditou na intervenção, na História, de causas exteriores [...] Foi no séc.XIX que o conceito de uma história sem qualquer intervenção exterior e cujas causas se linitem unicamente ao nosso planeta, conseguiu se impor. Mas, como muitas idéias do século XIX, ela é discutivel.” (BERGIER [1970], 1981).

Vivemos até hoje os efeitos ilusórios dessa construção cosmológica de uma história fechada. Somando-se isto à lógica positivista, que narrativas modernas poderíamos esperar emergir dessas premissas epistemês a partir do séc. XIX? Ora, que todas as causas são atribuídas ou ao homem ou a natureza próxima e trivial. À essa última, vestida com a roupa do evolucionismo, damos o nome de naturalismo metodológico. Na arqueologia, filha desta razão, essa realidade soube se manifestar hegemônica. Quando pensamos em considerar a história humana pontilhada pela intervenção de “civilizações”

extraterrestres, de eventos de uma esfera exossociológica1, exopolítica. Estamos certos de imaginar o impacto que tais proposições Paleo-SETI, em uma história aberta, podem causar nas teorias arqueológicas e que revolução podem realizar na interpretação da história humana; reflexos de uma mudança mais importante impulsionada por uma transformação profunda na visão cosmológica que os homens tem de si mesmos.

Não é facil, nem econômico, tratar de assuntos não consensuais, a exposição de uma argumentação nunca é suficientemente clara ou suscinta para satisfazer as pré-concepções e esquivar-se dos preconceitos, se assim não fosse, não teriamos o inpacto desejado.

Porque devemos considerar seriamente a possibilidade de uma história aberta de contatos com outras civilizações do cosmo? Primeiramente porque não podemos mais nos esquivar, como arqueólogos de reconhecer os estudos Exobiológicos formais, as evidências da Panspermia moderna, os estudos Ovniológicos - e contemplar uma enormidade de problemas que podem ser solucionados por essa abertura epistemica, torna-se uma postura inevitavel. Além disso, percebemos que a arqueologia só enriquecerá as possibilidades do homem, seja em sua cultura material ou imaterial, seja no passado ou para o futuro.

Como epistene arqueológica, estes saberes, estudados à luz de uma interação com as possibilidades advindas do contato com civilizações extraterrestres; sociedades extraterrestres; culturas do cosmo, podem estar na vanguarda de uma mudança histórico-cosmológica em curso, necessária, que nos remeta e nos reuna em profundidade às sociedades do passado. Se já estivemos durante muitos milênios, como acreditamos, em contato aberto com estes visitantes, talvez um reconhecimento maior desse passado para uma mudança cosmológica seja o que tais sociedades aguardam pacientemente para intensificar novamente suas trocas culturais numa história aberta. Precisamos no momento, portanto, definir um conceito exossocial para uma História Aberta, pois, mais do que qualquer “fato” ou pormenor, esse é o centro teórico deste trabalho, o padrão que procuramos: Pensar assim, nos possibilita uma quebra necessária na interpretação dos

1 “O nascimento da exossociologia reflete uma conjuntura de fatores: O amadurecimento do clima cultural contempo-râneo; o avanço observado em certas técnicas e ramos do conhecimento; a crise filosófica atual. A exossociologia es-tuda precipuamente o problema da origem e evolução das civilizações cósmicas, tratando a terrestre como um caso não isolado, provavelmente pertencente a um conjunto de dimensões ainda indefinidas mais de grande abrangência. O interesse humano pelas civilizações extraterrestres é muito antigo é, apesar de grandes dificuldades inerentes a essa análise, as literaturas filosóficas e cientificas – para não mencionar as metapsíquicas e metafísicas – são abun-dantes em sugestões, hipóteses e idéias, todas partindo do pressuposto lógico da pluralidade cósmica de sociedades civilizadas.” (PEREIRA, 1978)

ANDRADA, A.C. de. Jardins Alienígenas: A hipótese paleo-SETI como modelo global para explicar os paradoxos da chamada Revolução Agrícola. In: I Encontro de História do Sudeste do Piauí - U.E.S.P.I., 23 de Setembro de 2011.

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Teorias Arqueológicas / Archaeological Theory´s ANDRADA, A.C. de. Jardins Alienígenas: A hipótese paleo-SETI como modelo global para explicar os paradoxos da chamada Revolução Agrícola. In: I Encontro de História do Sudeste do Piauí - U.E.S.P.I., 23 de Setembro de 2011.

eventos empíricos e do pensamento científico como indissociáveis da fenomenologia Cósmica - assim como houve ruptura com um tempo em que os arqueólogos trabalhavam os sítios como isolados de seu entorno e as civilizações isoladas em seus territórios.

Em pouco menos de seis mil anos de nossa história de duzentos mil(?) fomos da roda ao espaço, dos registros cuneiformes aos computadores quânticos. Historicamente, apenas uma ínfima parte de nossas tradições narrativas humanas vêem nesse percurso uma realização de obstinadas e improváveis criaturas solitárias. Sem dúvida, ainda hoje, estudamos os grandes saltos realizados pelo homem dos últimos dez mil anos como assunto sem relação alguma com o resto do universo.

Numa destas narrativas espetaculares, nos é explicado que logo após ao término do período Pleistoceno, há cerca de 12,000 B.P, os registros arqueológicos revelam uma das principais mudanças na história humana. Após centenas de milhares de anos forrageando para obter alimentos, o “realmente novo” apareceu: Sociedades começaram a estimular o cultivo de algumas plantas escolhidas. Não é um evento simples, gradualmente inicia-se um processo de limpeza de áreas para o plantio, a seleção de matrizes e sementes, num processo novo de manipulação e seleção através de cruzamentos, produz-se híbridos que se tornarão a nova geração de plantas, que propiciarão por sua vez, o fenômeno em larga escala da chamada revolução agrícola - uma mudança brusca não só na alimentação como em todos os aspectos da existência humana dando início à civilização, através do processo da revolução neolítica. Nos 8,000 anos subseqüentes, este processo se inicia independentemente no sudoeste da Ásia, na Mesoamérica, na África, na América do Norte e na América do Sul.

Temos certamente que tal fenômeno, a história da domesticação das plantas, nunca esteve tão longe de uma explicação simples, é um assunto que oferece uma pauta de controvérsias para a arqueologia e a antropologia, tão cheio de “elos perdidos” e inconsistências lógicas e de problemas técnicos, que desafiam o conhecimento, como de mistérios que rondam o próprio nascimento das civilizações; acontecimento este revolucionário, ocorrido num “piscar de olhos” para uma visão evolucionista da história de nossa espécie. Infelizmente, tais controvérsias são uma temática que raramente é bem compreendida e divulgada, e o que se apresenta nos livros texto é a impressão de que a história da agricultura não guarda nenhum problema de grande impacto paradigmático a ser resolvido.

O que possuímos hoje, para muitos, são meras conjecturas que pretendem-se

explicativas, como na crítica de Teggart, que unicamente descrevem eventos cronológicos em uma seqüência pouco parcimoniosa, ou esvaziam-se em modelos evolucionistas sem corroboração. Assim, dentre as perguntas que inquietam a arqueologia há um conjunto de problemas relacionados ao surgimento da agricultura que parecem totalmente insolúveis pelas explicações ortodoxas: Porque a agricultura se tornou o meio preferencial para a subsistência humana no final do Pleistoceno? Porque o processo da revolução agrícola ocorre cronologicamente como um fenômeno global? Que fator teria levado sociedades tão distantes e diferentes ao mesmo padrão simultaneamente? Como foi possível ao homem do paleolítico domesticar espécies selvagens “transformando-as” em novas espécies domésticas? Como este processo pode ter sido realizado tão rapidamente? Entre tantas outras perguntas que geram outros grandes problemas: Se houve uma simultaneidade global no surgimento da agricultura, por que as civilizações do Novo Mundo demoraram tanto para emergir?

Podem parecer perguntas ingênuas e redutivas, generalizantes perante a especificidade dos contextos, porém, como veremos, são perguntas que persistem. Temos neste emaranhado, diferentes problemas que envolvem áreas muito distintas: A questão da mudança comportamental; da manipulação genética; da origem do conhecimento; da transformação cultural - e todas elas têm, entretanto, que responder a algum tipo de sistema ou padrão global que proporcionou senão toda, parte da mudança, que introduziu o “verdadeiramente novo”. Enfim, a questão principal gira em torno do que teria acontecido, globalmente, para mudar a vida milenar de nossos ancestrais tão bem adaptados em um sistema de subsistência altamente eficiente de caça/coleta em uma direção totalmente nova que viria a mudar de forma tão profunda a própria natureza da existência material e do pensamento sociedade?

Este fator global nunca foi encontrado. Se pensarmos que o conhecimento somado de áreas como a arqueologia moderna, a antropologia, a genética e da botânica (da paleobotânica) possuem respostas totalmente satisfatórias à essas perguntas fundamentais sobre como nossos ancestrais na pré-história domesticaram as plantas selvagens tornado-as variantes de cultivo e mudaram os rumos do homem, seremos vítima de uma das grandes ilusões do reducionismo moderno sobre as origens. A superfície deste assunto nem sequer foi arranhada; a resposta está longe de ser clara o suficiente; não somente pela falta de dados, mas pela presunção de que existe uma resposta simples ligada à lógica do evolucionismo, das relações naturais entre o homem e seu ambiente. Esta premissa epistemológica é parte da mesma ilusão teórica simplista que assume como

corroboradas as afirmações pela arqueologia tradicional, de que o fenômeno humano pode ser reduzido a estas relações.

Uma das perguntas mais importantes que não pode ser convenientemente ignorada sobre o surgimento da agricultura é: Como afinal, os homens de dez milênios atrás foram capazes de realizar processos de cruzamento específicos e de modificação genética para produzir novas espécies, híbridos férteis que atendiam as demandas do que viria ser a revolução agrícola? Esta não é uma questão fácil de ser explicada pelos cenários que foram construídos pelo evolucionismo sobre os contextos do passado. De onde veio o conhecimento e a técnica? Essa é a pergunta que fundamenta o modelo que irei propor e que identifica o fator global que melhor explica essa revolução agrícola.

Proporei aqui, dentro de um cenário de “intromissões” e “rupturas”, portanto, que tais conquistas não foram “descobertas” pelo homem do paleolítico, mas ensinadas a ele através do contato direto com sociedades extraterrestres. Nossos ancestrais, em várias partes do globo, não foram precursores, inovadores, mas desenvolvedores. Que foram estes mesmos “visitantes” que realizaram a manipulação genética necessária ao processo. É claro que uma teoria como esta, que afirma a existência de sociedades extraterrestres que visitam nosso planeta e interferem na cultura e na biologia, é anômala e certamente devastadora para os modelos evolutivos tradicionais. Mas o que é uma anomalia senão isso: sua inadequação a um modelo.

Uma inadequação ao modelo, entretanto não significa uma inadequação aos dados e o seu valor como explicação cientifica do processo histórico. A arqueologia nasce em meados do século XIX, pode-se dizer que é uma disciplina evolucionista. Assim, evidências “anômalas” ao evolucionismo na arqueologia são anoma-las à própria arqueologia e ideologicamente escrutinadas ao limite senão negadas sumariamente pelo pensamento positivista do consenso arqueológico construído no darwinismo. Noções históricas se desenvolvem ao redor de idéias mais do que de dados, lembremos que disciplinas de difícil constatação experimental, como a arqueologia, a paleo-antropologia ou astronomia, “manufaturam o conhecimento”, construindo sistemas de representação locais, instrumentos práticos e sistemas políticos para tornar suas descobertas fenomenalmente visíveis, representativas, e sobre tudo consensuais com a maioria das vertentes teóricas aceitas por tradição através de ferramentas consensuais como a propaganda. Proposições “anômalas” revolucionárias são integrantes de seu próprio tempo - o intuito deste trabalho é fomentar a reflexão e a crítica que põe em movimento a história. Bergier (em 1970) afirmava

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do estudo da cultura material (WATSON, 2006). Segundo este paradigma o centro era o cotidiano e a sobrevivência, a luta ente o homem e o meio; a idéia da domesticação das plantas e animais, a agricultura2 assume-se assim como a invenção mais importante da história, pois ela produziu as mudanças mais profundas nos modos de vida humanos. Como legado deste tempo, pode parecer ao olhar contemporâneo que a emergência da agricultura é a transição entre a “selvageria” e a “civilização; porém como veremos este é um processo longo e controverso. E que melhor método para se entender tal processo complexo que contrastando as diferentes explicações sobre sua origem.

Curiosamente, a domesticação agrícola foi o foco das primeiras investigações arqueológicas cientificamente orientadas; tal fato se deu através das escavações de Raphael Pumpelly´s no sítio de Anau no Turkemenistão durante a virada do séculos XIX e XX. O objetivo de Pumpelly´s era testar hipóteses acerca da influencia do clima no surgimento da agricultura (PUMPERLLY´S [1905] apud ZEDER; BRADLEY; SMITH; EMESHWILLER, 2006). O trabalho de Pumpelly´s teria um impacto muito grande no trabalho de outro pesquisador que afirmou como Rosseau, ser a origem da agricultura uma das grandes revoluções da história.

Assim, não poderíamos passar por esta etapa sem pelo menos citar proeminentemente Very Gordon Childe3, que em 1941 cunha a expressão conceitual “revolução neolítica” para se referir aos processos derivado da revolução agrícola, dois deles já citados aqui por Rosseau. Childe afirma que a agricultura provocou o desenvolvimento das primeiras aldeias, como conseqüência, o sedentarismo, o aparecimento da cerâmica, e em alguns poucos milhares de anos depois, a civilização (CHILDE, 1941 apud WATSON). É interessante que de imediato, nos desfaçamos dessa noção agregada e interdependente entre agricultura/sedentarismo /civilização, pois esta idéia já há muito foi superada pela evidência de que esta ligação não existe. O sedentarismo, como o abandono da vida

2 A agricultura neste trabalho será conceituada não como o início da atividade simples de cultivo de espécies vegetais. Esta atividade de simples cultivo pré-existiu ao sedentarismo. Temos na etnografia que as populações silví-colas possuem esta atividade de maneira bem estabelecida e ancestral, com o plantio de algumas culturas no meio da floresta, mas mantendo sua condição econômica centrada na caça e coleta. Aqui, a chamada “revolução agrícola” é o processo de domesticação de espécies (com seleção e cruza-mento) (Harris, 1996; Hather, 1996; Ingold, 1996; Spriggs, 1996), para que estas produzam uma base de alimentação para as populações e uma nova lógica de organização (por exemplo: das relações espaciais, como o sedentarismo e das sociais como o trabalho), o que leva a emergência civili-zacional.

3 Outros que contribuíram grandemente para a forma-ção deste campo importante da arqueologia foram Robert Braidwood, trabalhando no Crescente Fértil, e Richard Macneish, no México central.

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que: “Entretanto, é necessário que alguém comece...”, hoje precisanos continuar.

Por fim desta introdução, é importante que ressaltemos que as explicações arqueológicas que versam sobre a interferência extraterrestre são assim revolucionárias, mas não são novas de modo algum, consideradas explicações inadequadas, têm sido em verdade “desconsideradas” pela arqueologia da modernidade, muito mais pelo seu valor anti-evolucionista, do que por uma inconsistência epistemológica. Porém, fora deste valor ideológico-político da ciência arqueológica como uma disciplina da manifestação evolucionista, as proposições sobre “antigos astronautas” têm oferecido explicações e respostas importantes para muitos dos problemas da arqueologia moderna. Quanto à revolução agrícola, como veremos, as explicações Paleo-SETI resolvem boa parte dos problemas que se apresentam hoje.

Pensando numa “revolução agrícola”

Segundo Jean-Jacques Rosseau, em seu Discours sur l´origine et lês fondements de l´inégalité parmi lês homis, ou Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, são a Metalurgia e a Agricultura, as duas “artes” cuja “invenção” produziu a grande revolução nas relações de dependência entre os homens.

“[...] Mas desde o instante em que o homem teve necessidade do socorro do outro; desde que perceberam que era útil a um só ter provisões para dois, a igualdade desapareceu, a propriedade se introduziu, o trabalho tornou-se necessário e as vastas florestas se transformaram em campos risonhos que foi preciso regar com o suor dos homens, e nos quais, em breve, se viram germinar a escravidão e a miséria, a crescer com as colheitas.” (ROSSEAU, [1755])

Na visão iluminista de Rosseau, para opoeta, o ouro e a prata foram os responsáveis pela queda do homem; mas, para o filosofo, foram o ferro e o trigo que civilizaram os homens e perderam o gênero humano. Em sua argumentação, ele clama por uma época em que os homens se contentavam com suas cabanas simples, fabricavam roupas rústicas com a pele de animais, se pintavam de diversas cores e enfeitavam seus corpos com conchas e plumas; confeccionavam para si suas ferramentas de líticas, entalhavam suas próprias armas e instrumentos musicais. Para ele, estas eram tarefas que um só homem poderia realizar, um “homem livre”, “artes que não necessitavam do concurso de muitas mãos”. Os nativos “selvagens” viveram assim, livres, sãos, bons e felizes. Na América, ele argumenta, os que não conheceram nem o ferro nem o trigo permaneceram assim. Os que conheceram e desenvolveram um dos dois, tornaram-se bárbaros, na Europa a

abundancia dos dois fundou uma profunda desigualdade entre os homens.

Para Rosseau, é quase impossível uma conjectura sobre os contextos em que o homem conhece o uso do ferro. “porque não é crível que tenham imaginado por si mesmos tirar a matéria da mina e lhes dar por si mesmos as preparações necessárias para por em fusão antes de saber o que disso resultaria” (ROSSEAU, [1755], grifo meu). As minas eram em geral, lugares protegidos de incêndios naturais e como única alternativa, sobram os exemplos de fenômenos raros como os vulcões a inspirar nos homens tal idéia; ainda que esta fosse uma empreitada árdua, demorada e penosa de trabalho que seria estranho pensar que alguém se submeteria a tal sem antes conhecer as vantagens que dele podiam tirar (ROSSEAU, [1755]).

Para a agricultura, Rosseau considera esta uma atividade conhecida muito antes de sua pratica: “não é possível que os homens, sem cessar ocupados em tirar sua subsistência das árvores e das plantas, não tivessem bastante prontamente a idéia dos caminhos que a natureza emprega para a geração dos vegetais.” (ROSSEAU, [1755]). Porém, considera que o homem caçador coletor, não possuía necessidade nenhuma, nem recursos, para efetuar tal mudança; se pergunta, quando e por que, surgiram às condições sociais e tecnológicas que propiciaram a necessidade da agricultura:

O “homem selvagem [...] tinha muita dificuldade de pensar de manha as necessidades da noite [...]” “A invenção de outras artes foi, pois, necessária para forçar o gênero humano a se aplicar a agricultura. Desde que eram precisos homens para fundir e forjar o ferro, eram necessários outros para nutrir os primeiros.” (ROSSEAU, [1755]).

Temos assim, no pensamento de Rosseau, uma teoria social do surgimento da agricultura. Uma mudança brutal na lógica das relações de sobrevivência e de organização social desencadeia a necessidade que culmina na “revolução agrícola”. Os eventos que se seguiram: o sedentarismo; a propriedade privada, o trabalho involuntário; a divisão em castas ou classes a valoração das coisas mundo como mercadoria, toda esta lógica fez aumentar a desigualdade entre os homens.

Para aqueles que se aproveitaram das idéias de Rosseau e impingiram a ela a lógica do progresso e da evolução, essa mudança foi inevitável devido a uma seqüência de eventos alheios a vontade humana. Segundo a história das idéias contemporânea, e assim, para a maioria dos arqueólogos, a “revolução agrícola” foi a idéia humana mais grandiosa numa perspectiva antes de tudo Pragmática

ANDRADA, A.C. de. Jardins Alienígenas: A hipótese paleo-SETI como modelo global para explicar os paradoxos da chamada Revolução Agrícola. In: I Encontro de História do Sudeste do Piauí - U.E.S.P.I., 23 de Setembro de 2011.

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nômade e seminômade dos caçadores coletores já havia se iniciado antes do aparecimento da revolução agrícola4. Também não podemos ter uma leitura pobre de Childe, que entende bem os limites de aplicação de suas proposições, os cultivos de espécies diferentes segundo ele demandavam métodos apropriados, o clima e a qualidade do solo também eram fatores a serem apreciados e logo fiou muito claro que o sedentarismo dependia de vários fatores. No Irã, por exemplo, temos climas mais quentes e pouca oferta de água, na Europa a situação se inverte e quanto à umidade, mas o solo natural geralmente não permite manter a média de colheitas por mais de três anos, a solução era encontrar terras novas perto da aldeia ou migrar para terras virgens, segundo ele essa ultima estratégia foi adotada pelos danubianos da Europa. Esta situação incentivou sistemas de troca e a economia da auto-suficiência também desaparece junto com o sedentarismo absoluto. “O auto abastecimento da comunidade neolítica era antes potencial do que real, sendo também raro que ele fosse estritamente sedentário” (CHILDE, 1942).

Geralmente ainda admite-se por tradição na arqueologia e antropologia que foram as primeiras civilizações humanas através de processos difusionistas, as responsáveis pela chamada “revolução agrícola”, vimos que estas idéias prendem-se provavelmente a leitura de Gordon Childe e sua visão romântica de periodista da chamada “revolução neolítica”. Hoje sabemos através dos consensos que esta teria se originado muito antes de qualquer civilização conhecida existir, em um contexto cronológico entre 14,000 e 6,500 anos B.P. (WATSON, 2006). Ora, neste período ainda não existiam civilizações em nenhum lugar do globo. Tal fato levou ao questionamento das ligações não tão “óbvias” que foram construídas pela história entre o inicio da agricultura e o processo civilizacional, mas podemos também questionar se de fato sabemos quando se originaram as primeiras civilizações, se nossas cronologias estão corretas. Tais fatos associados às evidencias

4 Entre aproximadamente 12.500 e 10.000 a.C. surge à cultura Natufiense em Israel (teriam sido as primeiras comunidades sedentárias que se difundiram por todo o Levante, desde o Eufrates até o Sinai. Como dados arqueo-lógicos temos o sítio Eynan-Mallah no vale do Jordão onde há a presença de fossos de armazenamento e as estruturas de moradias indicando que a cultura natufiense já possuía casas organizadas geralmente em grupos de seis, forman-do pequenas aldeias. Eram moradias semi-subterrâneas e circulares com muros de contenção feitos de pedra. Foram também achados enterramentos individuais ou coletivos, podendo estes ser cerimônias já que há a presença de de-corados com conchas e pedras polidas. Nestas aldeias já se encontram peças artísticas, feitas em ossos, geralmente com motivos zoomórficos. Temos, assim também, o nasci-mento de outras culturas agrícolas importantes como entre 10.000 e 9.500 a.C. - cultura Khiamiense, localizada a oeste do extremo norte do Mar Morto e entre 9.500 e 9.000 a.C. - cultura Mureybetiense, a cerca do Eufrates, na atual Síria. Um marco cultural importante destas, seriam os supostos primeiros ritos envolvendo a fertilidade das colheitas e seu valor simbólico. (CHAUVIN apud WATSON, 2006).

sobre a multiplicidade dos centros de origem5 da agricultura, a primeira vista inviabilizariam a teoria difusionista (FLEM-ATH, 1981).

Hoje, através do consenso, se admite que houve uma seqüência de domesticação das espécies naturais, começa com a criação de animais de porte médio, que teriam tido sucesso durante a transição do Pleistoceno/Holoceno, época marcada pela extinção em massa dos ainda não compreendida dos mega-mamíferos. O sedentarismo e a construção de aldeias por volta de 12,00 - 10,000 anos B.P se mescla com o cultivo de espécies selvagens de plantas, principalmente grãos no que ficou conhecido como “jardins selvagens”. O próximo passo foi através da seleção artificial “acidental” que teria produzido as plantas domesticadas (HARRIS, 2002). Em verdade, poucas evidências, algumas isolada temos dessa seqüência, ademais, irei me concentrar aqui no evento da domesticação das plantas e a explicação para esse fenômeno fundamental que muda a base alimentar e assim é o marco de transformação social mais importante para este trabalho.

Entre Porquês e Comos:

Segundo Cohen, não é mais adequado para a história explicar apenas o “Onde” e “Quando” se originou a agricultura. Muito mais importante segundo este autor é o “Porque” da questão. Como vimos, uma das perguntas fundamentais centra-se nas causas que levaram a humanidade, simultaneamente, tanto no Velho quanto no Novo Mundo à mudar o padrão de sucesso de sobrevivência de caçadores coletores para agricultores (COHEN, 1977). Diante desta situação, a arqueologia como pensamento evolutivo tradicional propôs teorias que tentaram estabelecer modelos globais para explicar tal questão, estes, caem em três categorias propositivas como veremos: 1) modelos de pressão Ecologico-populacionais; 2) modelos difusionistas. 3) modelos de cambio climáticos tradicionais. Podemos adientar que todos têm falhado como explicação frente à maioria das evidências arqueológicas (FLEM-ATH, 1981).

Como podemos entender, estas proposições tradicionais de modelos explicativos para a revolução agrícola são derivações da lógica evolutiva. Esta é uma questão histórica transformada em uma barreira epistemológica. No início, inseri aqui as reflexões do pensamento de Rosseau, para que fique claro que a busca pelo entendimento da revolução agrícola sempre foi uma matéria presa grandemente às interpretações sociais das necessidades naturais do homem, assim cunhou-se o termo “revolução agricola” como uma cisão espetacular. Rosseau propõe uma das primeiras reflexões sobre este

5 Levantadas por Vavilov (1950) e Harlan, (1971).

grande tema da origem e do valor social da agricultura, ela versa sobre os motivos e os porquês de tal acontecimento, porém, não importando sob qual foco, o cultural ou o ambiental, essa discussão nos últimos três séculos têm-se mantido em um único enfoque do determinismo, dos porquês até os dias de hoje, o naturalismo adaptativo, como vemos em autores modernos como Cohen (1977).

Neste trabalho, enfatizo a construção de uma hipótese alternativa à arqueologia tradicional, que também busca responder sobre as causas, porém sob uma lógica diferente que pretende explicar não só as necessidades, mas os processos, assim, percebo que para justificar a relevância de qualquer proposição no entendimento de um fenômeno como a revolução agrícola, precisamos entender primeiramente o “Como” poderia ter se dado tais processos. Que condições tornaram tal fenômeno possível. Sem esse entendimento não poderemos testar hipóteses num contexto histórico ainda tão vazio de corroborações. Tentarei demonstrar com isso, sem precisar me estender demasiadamente, que as explicações tradicionais tornam-se essencialmente insuficientes para o entendimento destes fenômenos. A reflexão sobre natureza e a profundidade das questões que enunciei no inicio deste texto, assim como dos processos envolvidos nestas questões fundamentais são essenciais para irmos além do que já foi dito por muitos, para além de conjecturas derivadas de hipóteses adaptativas sobre as necessidades e as causas.

Breves Contextos:

Apesar das datações sobre quando exatamente ocorreram as domesticações serem muito controversas - como vimos entre 14,000 e 6,500 B.P., num período de intervalo de 7,500 anos entre o máximo e o mínimo aceito, ainda assim a arqueologia tem-se fixado muito na certeza empírica sobre a localização dos centros onde esse processo teria ocorrido pela primeira vez. Temos assim, nestes modelos dois centros principais e vários secundários, considerarei aqui cinco destes. As duas primeiras regiões são ditas separadas, paralelas ou independentes em relação à questão origem. A primeira é composta pelos sítios do sudoeste asiático, no Oriente Próximo, em particular no “crescente fértil” que se estendem desde as montanhas Zagros no Iraque e no Irã onde foi a região da Mesopotâmia. O crescente fértil certamente foi a área mais estudada quanto à transição entre forrageamento e plantio. Muitas variedades de trigo foram recuperadas em sitios como o de Aswad, Syria, Ali Kosh, Iran, e Çayönü, Turquia, tendo sido datados de mais de 10,000 B.P. A importância que se tem dado aos sitios destas regiões é sua inserção nas áreas em que ainda se encontram variedades selvagens supostamente ancestrais. Cultivos mais recentes como de

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variedades de lentilhas também “associadas” à repositórios selvagens foram descritas principalmente em Çayönü, Jericho, e Aswad (COWAN, 1992).

Acredita-se que nesta região do Levante, as comunidades sedentárias precedentes as agricultoras já colhiam variedades específicas de plantas selvagens valendo-se de uma gama considerável de ferramentas líticas polidas, assim como foram descobertas sementes como no caso dos sítios Natifienses. (YOSEF, 1998). Predecessoras das chamadas “Neolitic Farmming Comunities” (Comunidades Agrícolas Neolíticas), estas iniciaram a exploração de uma grande variedade de recursos selvagens, desde plantas, cereais e frutas, à inúmeras espécies de animais locais e migratórios. Sitios natufienses como o Ain Mallaha e Wadi Hammeh 27, revelaram estruturas fixas de moradia, possíveis estruturas funerárias de tradições rituais, pequena estratificação social e raras estruturas de armazenagem. As comunidades neolíticas agrícolas que supostamente as substituíram na região como Çayönü e Jericho , mantiveram muitas das estratégias e características forrageiras, estruturais e de moradia, porém sendo assentamentos bem maiores que apresentam pontos de distinção como a presença de grande quantidade de materia vegetal carbonizada, grandes estruturas de armazenagem e melhorias nas superestruturas das fundações já construídas em tijolos de barro. Segundo Ofer Bar- Yosef (1998), as estratégias de sobrevivência durante a origem da agricultura não são um rompimento, permanecem muito similares as dos Natufienses só que com a adição do cultivo das plantas.

A segunda área principal de origem, simultânea, foi certamente a Mesoamérica, entre o que hoje é o Panamá e o norte do México. Temos ainda outras cinco áreas que ainda não se provaram como desenvolvimento espontâneo, independente dos centro do Oriente Médio, são elas: A China, onde a domesticação do arroz parece ter uma história própria; nas terras altas da Nova Guiné; África subsaariana; Os Andes amazônicos e na América do Norte, no oriente dos Estados Unidos (HARRIS, 1996). Para estes outros centros, admite-se tradicionalmente que tenham sido influenciados pelos dois primeiros, embora não haja evidências suficientes sobre tal influência difusionista (WATSON, 2006).

Um consenso da controvérsia:

Tem-se gerado muita controvérsia sobre como a agricultura teria se difundido.Pelo estudo das migrações de populações do Oriente Próximo para o mediterrâneo aventou-se que foram os homens e não as idéias da agricultura que se difundiram. Tal hipótese foi proposta para explicar as

diferenças culturais e a diversidade entre as sociedades neolíticas, pois, se pensarmos nos termos do difusionismo direto da revolução agricola e na migração populacional sob a perspectiva evolucionista adaptativa à partir de poucos centros, teremos que enfrentar um paradoxo temporal, pelo simples fato de que tal difusão teria de ter ocorrido muito antes do que podemos aceitar hoje pela evidência cronológica consensual para que possamos acomodar tamanha diversidade (CHILDE, 1942). Assim, pela falta de evidências de migração direta e por outras criticas que veremos ao modelo difusionista, considerarei todos os primeiros centros da revolução agrícola considerados aqui, a priori como focos independentes e que são aproximadamente simultâneos. Fora de um cenário de negação puramente cojectural desta globalidade, esta é ainda hoje, a única proposta corroborada pelas evidências empíricas.

Como estivemos sempre presos à própria lógica do surgimento da agricultura apenas dentro de premissas paradigmáticas evolutivas das quais se derivaram naturalmente leituras ambientais/adaptativas, análises climático/geológicas, muitos fatos se tornaram mais visíveis do que outros, portanto, podemos sempre nos questionar qual é o valor da evidência que hoje temos em mãos - principalmente quando discursamos sobre o espaço e o tempo/cronologias e lugares. Além do que, a própria coleta de evidências, na ciência normal, foi sempre presa aos problemas oferecidos pelas hipóteses de trabalho. A pesquisa de Andrew Sherrat, por exemplo, oferece um cenário que ilustra bem esta situação teórica amarrada ao paradigma: Pretendendo explicar a simultaneidade dos locais onde se supõe ter surgido à agricultura, no Oriente próximo, na Meso-américa e nos arquipélagos do Sudoeste Asiático, Sherrat assume a existência de condições ambientais determinantes, lugares que chama de hotspots- pontos quentes, estes caracterizados como geográfica e geológicamente6 condicionantes ao surgimento da agricultura, são, portanto, “áreas nucleares” preferenciais para o estabelecimento da domesticação das plantas (SHERRAT apud WATSON, 2006). Tal determinação explicativa esta profundamente ligada ao modelo do stress de Harris (1977), como veremos.

Pesquisas tradicionais nos revelam outras situações interessantes sobre a valorização do determinismo ambiental, como no caso do Botânico e Geneticista russo Nicholai Ivanivich Vavilov, este que localiza e demonstra a partir da coleta e estudo de mais de cinqüenta mil plantas ao redor do globo, cerca de oito Centros

6 Andrew Sherrat é do Oxford Ashmolean Museum. Se-gundo ele, relevos como “justaposição de colinas”, “de-sertos” e “terrenos de aluvião”; estreitas franjas de terra que com o aumento populacional não puderam suportar as populações apenas na caça e a coleta.

Independentes de Origem e desenvolvimento da agricultura. Tais primeiros pólos agrícolas estavam relacionados às regiões de grande altitude, ligados geograficamente sempre às maiores cadeias de montanhas do globo. Para Vavilov, um padrão emergia, estes centros se distribuíam em uma latitude de 20° à 45° graus norte, nas regiões altas, principalmente dos Himalaias, do Kush indiano, no Oriente próximo, nos Balkans e nos Pirineus. No velho mundo, seguindo um padrão de distribuição horizontal enquanto no novo mundo, vertical, nos dois casos, entretanto, seguindo os padrões de formação das cadeias montanhosas (FLEM-ATH, Rose e FLEM-ATH, Rand, 1995).7

Este exemplo importa-nos aqui devido a sua repercussão paradigmática, pois a necessidade histórica de ligar a revolução agrícola ao inicio da civilização, fez com que as descobertas como as de Vavilov fossem adormecidas por muitas décadas, e a pesquisa concentrada nos vales fluviais do Oriente Próximo. Porém, assim como para Vavilov, muitas pesquisas recentes demonstraram - apesar de muitos sítios terem apresentado de inicio uma datação holocenica de baixas altitudes devido ao direcionamento da coleta de dados - quando bem investigados de maneira ampla tais Centros de Origem das plantas domesticadas revelaram novas localizações, mais antigas, estas em altas altitudes, do período da transição Pleistoceno-Holoceno, corroborando os trabalhos de Vavilov; como nos trabalhos realizados na Nova Guiné (GOLSON, 1990); (DENHAN, 2004).

Surge assim, mais uma questão problemática: Por que a revolução agrícola nasceria globalmente, simultaneamente e em regiões de altas altitudes, das cadeias de montanhosas?

Quanto aos homens, o discurso evolutivo também direcionou a pesquisa, apresentou nossos longínquos ancestrais que habitaram um “longo e tedioso” período Paleolítico como caçadores coletores que não faziam uso dos grãos/sementes de gramíneas, para sua dieta básica; subsistiam de outra forma, há muito, bem adaptados em sua dieta de carne, frutos, folhas e nozes. Questionamentos sobre tais conjecturas, sobre como sabemos que as muitas e diversas gerações de nossos predecessores não se alimentavam de grãos selvagens como sua fonte primária de alimento, antes do surgimento da agricultura, são sempre bem vindas. Para o consenso, que abusa de termos somente biológicos, haveriam poucos indícios de um contexto contrário: Afirma-se, por exemplo, que para

7 Como vimos, a criação de animais teria sido a primeira do mesticação de espécies. As datas mais antigas para este evento são, porém, de apenas 9.000 anos B.P. colhidas no Iraque, Irã e Turquia.

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que possamos hoje digerir grãos, temos que colhe-los de maneira muito especial pois em sua grande maioria, as variedades selvagens oferecem sementes muitos pequenas e de difícil remoção que lhe valesse o esforço; além disso, precizariam ser cozidas ou brotadas para que pudessem ser digeridas, construir armazens e processá-las se quiséssemos aproveitar seu potencial para a alimentação. Assim, para que toda essa lógica pudesse propiciar um bom aproveitamento dessa fonte alimentar de grãos, seria necessário, portanto, mais do que uma “nova” gama de invenções, de utensílios e ferramentas. Para tal transformação, seria necessária também uma mudança na organização social que só teria, assim surgido, se houvesse uma radical mudança nas ideias, uma revolução cosmológica, como vemos pelas evidências do que identificamos como revolução neolítica. Quando se deu esta mudança, porque e principalmente como, são perguntas que precisam se relacionar num modelo global. Ainda não temos uma resposta ao quando, apesar das datas expressas hoje nos sítios mais antigos portadores destas tecnologias estarem sempre sendo revisadas para uma maior antiguidade, para a arqueologia, parte-se do indicativo temporal de cerca de aproximadamente 12,000 anos B.P para o aparecimento destas plantas domésticas8 e cerca de 6,500 B.P para tais condições culturais. Os porquês, são hoje, e serão no futuro, apenas conjecturas se não considerarmos os comos.

Assim, a fenomenologia da revolução agrícola, guarda uma questão poucoquíssimo explorada que pode ser essencial ao entendimento, questionamento ou aceitabilidade de tais conjecturas: O processo que descrevemos não foi apenas a troca da dieta alimentar associada ao cultivo das plantas e a criação de animais derivada da transformação cosmológica. Para que se obtivessem as quantidades necessárias para que esses novos alimentos pudessem compor uma troca na base alimentar, nossos ancestrais tiveram de “modificar os espécimes” e de “introduzir novas tecnologias” em quase todos os aspectos da vida prática. Assim temos que perceber que o problema é muito complexo e consiste em como afinal isso foi possível. De onde vieram, rápida e pontuadamente tais conhecimentos, e que modelo global podemos propor para explicar esse acontecimento?

Assim, temos um jogo entre dois tipos de perguntas que podemos fazer: Por que tal mudança tão drástica pôde ocorrer em nosso comportamento alimentar? Essa, que pode ter uma resposta adaptativa. E outras que possuem um sentido maior e mais

8 Em trabalhos de Palinologia no Sudoeste da Ásia, estes com datações por rádio-carbono do que pode ser o primei-ro local onde houve domesticação de plantas aproximada-mente 10.000 a.C. (WATSON, 2006).

profundo, mais complexo do que os cambios adaptativos, temos que explicar afinal: Como teria ocorrido; e qual a origem da mudança cognitiva e técnológica; como afinal se originou o conhecimento da domesticação das plantas e animais para que estas por fim se tornassem a fonte primaria da alimentação, tão necessária a adaptação à cerca de 9.000. B.P9. Embora o paradigma evolutivo tenha convenientemente se concentrado em elaborar conjecturas para responder ao primeiro tipo de pergunta, nenhuma destas duas grandes questões foi até hoje respondida satisfatoriamente por modelos tradicionais.

Assim, a arqueologia têm grandemente seguido este paradigma evolucionista dentro de uma história fechada e oferecido apenas uma contrapartida unilateral10, limitando-se à explicações adaptativas behavioristas que nutrem e mantém o enfoque darwinista11 sobre as relações entre as condições do meio, a demografia e a oferta de alimentos. Tem-se levantado explicações reduzidas a inferências principalmente sobre os câmbios climáticos da transição entre a Era do gelo e o inter-glacial (WATSON, 2006) 12. Estas respostas “evolutivas”, entretanto, não explicam a natureza vital de tais “revoluções” como a agrícola, que são essencialmente como vimos revoluções radicais das idéias.

As explicações sobre como se deram os processos aparentemente não preocupam o “consenso da controvérsia” - na imaginação dos os autores que concordam com um adaptacionismo que culmina em invenções paralelas determinadas pelo ambiente; ou nos que se utilizam-se da lógica preservacionista da evolução com relação à origem da agricultura mas que pretendem muitas vezes, como único argumento, negar a globalidade dos cenários que envolveram a revolução agrícola, como o da simultaneidade e a domesticação abraçando um retorno teórico ao difusionismo direto - Em qualquer um dos casos, o discurso parece estar fechado num positivismo que aposta no valor dos dados empiricos cronológico-espaciais como corroboração suficiente à uma explicação final:

“Por tanto, en el caso del Viejo Mundo, conocemos el lugar y el momento

9 Uma data que teria se iniciado também a criação e do-mesticação de animais.

10 Por um lado temos teorias ambientais econômicas, que são várias, por outro temos apenas uma de cunho reli-gioso (WATSON, 2006).

11 Numa apoteose Malthusiana literal, convenientemente “adaptada” a própria lógica em que nasce e se desenvolve a arqueologia como ciência de meados do sec.XIX.

12 A emergência da agricultura fica localizada assim entre 14.00 e 6.500 a.C. Essa origem estaria intimamente ligada ás mudanças climáticas (final da última Era do Gelo o planeta estava esquentando e se estabilizando (WATSON, 2006), novos ambientes estavam se formando enquanto os antigos se extinguiam.

en que surgió la agricultura, así como las plantas y animales en los que ésta se basó originalmente. Además, hay un acuerdo general entre los paleobiólogos de que la domesticación se inventó solo una vez y luego se difundió por Europa occidental e India.” (WATSON, 2006).

Apesar deste “acordo geral”, velado, é hoje, factual, que a agricultura como uma revolução, não é um evento pontuado em um único lugar e que se difunde. Este fenômeno começa, portanto, mais de uma vez, em lugares diferentes e simultaneamente. Temos, pelo menos, consensos de que tal evento aconteceu simultaneamente nos dois grandes centros principais; no chamado Crescente Fértil e na Mesoamérica.

Por quanto tempo os comos podem ser ignorados? Estes processos são considerados e explicados ainda hoje, curiosamente, como “invenções paralelas” grandes coincidências. Porém, coincidências podem explicar qualquer coisa e assim, acabam por não explicar nada. Ainda que houvessem evidências ou mesmo que admitamos teoricamente que foi inicialmente um processo de difusão a partir de um centro único, a questão de como surgiu a domesticação permanece.

Assim, podemos entender o porque de uma valoração de muitas proposições conjectutrais climático-comportamentais. Estas são elencadas para que possam servir a uma segunda função teórica: Preencher a lacuna explicativa não só da “revolução agrícola” como fenômeno histórico, mas como um processo evolutivo. Para justificar a própria improbabilidade de sua repetição como história simultânea de “invenção paralela” em civilizações consideradas tão distantes em tempo e espaço, anula-se a explicação sobre os “comos” ao imaginar cenários evolutivos que nunca são corroborados ou que são essencialmente impossiveis de se testar pelo próprio paradigma evolutivo. Assim, as explicações ambientais colocam o centro da discussões em detalhes imaginários dos diferentes contextos para e assim surjam diferentes explicações, uma para cada caso, uma para cada necessidade consensual. O padrão global se torna a própria evolução como lei natural. Com o desenvolvimento desta discussão veremos o quão profundamente insatisfatórias são estas explicações.

Neste contexto, a idéia da agricultura como padrão global, teria surgido em última análise, simultaneamente, por diferentes motivos e em diferentes contextos. A unificação global destes eventos é assim amarrada ao papel do clima na transição pleistoceno-holoceno. Assim, os paleoecologistas têm-se dedicado a interpretação hegemônica da evolução que sustenta várias explicações sobre a adaptação e a mudança climática como sendo o motivo

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principal para o inicio deste processo. Justifica-se na conclusão desses estudos que revelam que em alguns casos existe uma correspondência entre os eventos de maior mudança climática ocorridos no passado e as mudanças no próprio “desenvolvimento” das sociedades. Em outras palavras, discutiu-se durante as últimas décadas o papel determinista da mudança climática nos estudos da história da cultura humana. Hoje, tais estudos parecem ser a fonte de toda a explicação tradicional sobre o surgimento da revolução agrícola e de outros cenários importantes da “evolução humana” que de outra forma não teriam sentido. Podemos citar quatro casos bem conhecidos em que se propôs esse mesmo tipo lógica envolvendo a explicação ambiental de mudança climática para assim “resolver” problemas sobre a história humana: A evolução humana na África, o desenvolvimento da agricultura na Nova Guiné, o colapso das civilizações Meso e Sul-americanas pré-colombianas e a ocupação das ilhas do pacífico. (HABERLE e CHEPSTOW, 2000)

Porém, o que significa atribuir apenas às mudanças climáticas a resolução destas quatro grandes “anomalias” da arqueologia e da história humana? Evidentemente que as mudanças no clima afetam a adaptabilidade de qualquer sociedade, porém, responde a apenas isso, um rompimento com a estabilidade, uma mudança nas práticas culturais anteriores relacionadas às estratégias de sobrevivência, quanto ao aspecto biológico, menos flexível, isto pode significar a morte, a menos que se introduza a mágica da evolução, que positivamente prevê sempre a sobrevivência através da “modificação”. Mas de onde vem a novidade criativa, seja cultural, seja biológica? Como isto ocorre? - Uma “mutação aqui”, “um acidente químico ali”, uma “idéia genial aqui”, uma “coincidência ali”. Explicar por que algo surge, quando surge pela necessidade de “surgir”, não explica nada.

Neste contexto específico, estes modelos tradicionais, ou teorias climáticas, falham ao explicarem o surgimento da agricultura, pois não conseguem resolver dois problemas: Primeiro, apontam a mudança climática acontecida no final da última era glacial como o gatilho para explicar a mudança global simultânea que vemos na “revolução agrícola” - o problema surge quando percebemos que as datas não se coadunam e que a invocação do inter-glacial é assim uma grande generalização explicativa, uma ilusão. Os sítios mais antigos datados hoje pela palinologia (e não há razão para acreditar que datas mais recuadas não aparecerão no futuro) apontam para uma data de cronologia de 14,00013 anos para o início da agricultura.

13 Muito embora a maioria das datações mais antigas estão entre 12,000 e 10,000 B.P.

Sabemos, entretanto que até cerca 12,000 anos B.P, a temperatura do planeta ainda estava muito mais baixa do que a atual, e não é só isso, a variação da temperatura influenciada pelos processos de re-estabilização geo-climática poderia atingir cerca de 7 graus em uma década. Para se ter uma idéia do contraste e da instabilidade do clima e a implicação deste, os problemas ecológico climáticos que estamos enfrentando hoje foram ocasionados por uma mudança de 3 graus em cem anos. Um cenário pouco provável para o lento desenvolvimento de uma prática estável de re-adaptação como requer qualquer “ narrativa evolucionista” da domesticação das plantas. Apenas a partir de 12,000 anos é que teríamos presenciado um aumento considerável da temperatura do planeta e uma estabilização em milênios posteriores. Essa situação claramente trás uma crítica forte para o estabelecimento da da prática da agricultura em períodos superiores a 9,000 anos, e uma crítica devastadora para o desenvolvimento desta prática. Uma multiplicidade de cenários simultâneos em diferentes ambientes só multiplica esta complexidade. É claro que toda esta situação depende de várias especificidades e da localização geográfica, porém não esqueçamos que a agricultura como conhecemos, em termos biológicos, como atividade, depende muito de estações do ano bem definidas e da estabilidade destas (MITHEN, 2003).

Assim, atribuir mudanças ao estresse climático da transição Pleistoceno/Holoceno revela-se também uma generalização, pois sabemos que os climas não eram iguais em todos os centros de origem agrícola, já identificados. Como vimos, isso é interessante para a explicação evolucionista até certo ponto, pois a diversidade de explicações conjecturais retira o foco de um único modelo global que expõe o problema da corroboração dos detalhes, onde a falta de explicação sobre a origem da modificação evolutiva seria evidente. Assim, a primeira conclusão é que tais teorias climáticas podem lidar apenas com abrangências regionais, o que dificulta imensamente, senão inviabiliza, a explicação da simultaneidade da agricultura. O segundo problema é que o clima é sempre uma mudança constante e muitas vezes cíclica, o que nos deixa imaginando que se foram apenas a mudança e a adaptação as causas do processo, se é essa a explicação, porque eventos similares no passado também não levaram a outras “revoluções agrícolas” anteriores. (FLEM-ATH, 1981)

Por estas razões, percebemos que o terceiro tipo de pergunta fundamental que elenquei - o “Como” pode ter ocorrido o processo da revolução agrícola - é na verdade a primeira pergunta que precisamos responder adequadamente, e essa questão principal nunca foi respondida pelas conjecturas tradicionais: De onde vem a força inventiva, o

conhecimento que em momentos como estes de “colapso” ambiental, elevam os homens rapidamente a patamares de desenvolvimento cultural altamente improváveis? Afinal esta é a questão primeira que realmente nos maravilha sobre estes “saltos” históricos que realizamos, o que os torna tão incomuns é a nossa própria estranheza as explicações convencionais que podemos formular. Assim como Teggart, pensamos que estes demandam explicações extraordinárias. Não se trata de uma única questão extraordinária, mas de várias; aqui, podemos ainda indagar sobre outro mistério: Por que caçadores coletores mudaram de atividade e viraram agricultores? Parece um caminho simples, por que colocada desta maneira a pergunta, parece haver uma simplicidade óbvia, e assim a questão pode ser respondida por questões adaptativas somente. Agora tentemos responder a uma formulação diferente: Como caçadores coletores em vários lugares do mundo, e na mesma época, conseguiram não só ter as mesmas idéias revolucionárias - como afinal, adquiriram estes conhecimentos, principalmente para modificar geneticamente espécies silvestres através de tecnologias que não possuíam, totalmente alheias a sua lógica técnica. Aqui, a necessidade, os “porquês” adaptativos não respondem aos “Comos”.

Vemos que as explicações tradicionais são dirigidas nesse sentido apenas aos “porquês” - o surgimento “espontâneo” da tecnologia e do conhecimento é visto como algo natural e pode ser negligenciado. Isto nos leva a outro conjunto de explicações, às conjecturas sobre o aumento das pressões demográficas. Por exemplo, foi E. Boserup em 1965, quem primeiro teria avançado a idéia de que o aumento na densidade populacional seria a causa da mudança tecnológica (BOSERUP, 1965), revertendo assim o modelo tradicional Malthusiano que previa a extinção e não a adaptação. Depois de Boserup, segue-se Mark Nathan Cohen, com “The Food Crisis in Prehistory” (1977) que argumenta que o crescimento das populações alcançam uma saturação mundial que teria criado uma situação de estresse, forçando a adoção da agricultura como nova estratégia de obtenção de suprimentos alimentares (COHEN, 1977). Para Cohen, a vantagem da agricultura é propiciar a manutenção de muitas pessoas em uma quantidade pequena de terra, logo, a pressão demografica seria a única explicação para a “escolha” pelo plantio. Estudando dados principalmente da costa do Perú, Cohen gera um modelo local que busca refletir esta hipótese, uma abordagem sem dúvida local. Quanto ao fenômeno ter uma dimensão global, Cohen inclusive destaca a hipótese de que há uma “coincidência” (em suas próprias palavras) cronológica entre o aparecimento da agricultura e a extinção da mega-fauna, sendo esta mesma, também um processo global. Uma das conclusões do autor não é

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Teorias Arqueológicas / Archaeological Theory´s

menos imaginativa: A crise populacional se devia ao fato da alta ingestão de proteínas da carne dos mega-mamíferos ter gerado um crescimento popolacional e ao mesmo tempo sua extinção.

Bem, temos por certo que ainda é um mistério a parte, a extinção global da mega-fauna neste período, ocorrida inclusive em partes isoladas como no continente australiano - a extinção dos Mega-marsupiais. Temos, entretanto, que não existem quaisquer evidências globais nem sequer de uma grande estratégia de caça destes animais pelo homem que parece sempre preferir caças de menor porte. Além disso, temos um problema geografico, pois na maioria das regiões pretéritas abundantes em mega-fauna em todo globo, não houveram ou se desenvolveram grandemente a agricultura.

Além disso, estes tipos de explicações evolutivo - adaptativas, grandemente alardeadas, da “pressão sobre os recursos alimentares”, faz um uso abusivo da economia, de uma linguagem técnico-comportamental relacionada com conceitos empobrecidos, tais como a capacidade de transporte de alimentos, o crescimento demográfico, as dietas seletivas que limitam a reprodução, a evolução das táticas de subsistência dos caçadores coletores e a evolução das táticas versus as estratégias (REDDING, 1985). Com base nestas questões uma explicação insuficiente para a origem da produção alimentar agrícola é apresentada:

“A explicação assume que populações locais de caçadores coletores cresceram e estressaram a base de recursos alimentar, causando uma adoção por estes grupos de novas táticas para aliviar o estresse. As táticas alternativas foram a migração, a diversificação da base de recursos e o estoque. Se a população continua a crescer, os comportamentos que limitam a reprodução se tornam vantajosos ou terá de ocorrer mudanças na própria estratégia de produção de comida. Comportamentos que limitam a reprodução devem ter sido favoráveis em áreas em que a flutuação nos recursos de base é, relativamente mais previsível, menos freqüente, mais freqüente e mais severa.” (REDDING, 1985)

Mas não é apenas a insuficiencia de explicação dos detalhes que escapa, (dos “comos”, como vimos). Segundo FLEM-ATH, essas teses, sofrem de grandes contradições factuais: 1) Não se coadunam com os dados antropológicos que mostram que caçadores coletores mantém um equilíbrio com seu ambiente; 2) Dado que a densidade populacional do Novo Mundo sempre foi menor que a do Velho Mundo, essas teorias falham em explicar o porque dos problemas ecológicos terem atingido seu clímax “ao mesmo tempo”; 3) Negligenciam

os dados de pesquisas como as de Vavilov, por exemplo, sobre a localização dos grandes centros agrícolas em altitudes de montanha, não conseguindo responder como explicação nem mesmo aos problemas de “Onde” e “Quando” (FLEM-ATH, 1981).

Além disso, as questões sobre a ótima adaptação do sistema caça-coleta e sobre o valor nutritivo da dieta de grãos é altamente questionável:

“Os estudos feitos em tribos de caçadores-coletores demonstram que, geralmente, estes não necessitam “trabalhar” três ou quatro horas diárias para obter seu sustento e de suas famílias. Os restos ósseos dos agricultores do paleolítico tem mais sinais de má-nutrição, enfermidades infecciosas e demência mental que os de seus ancestrais caçadores-coletores.”(WATSON, 2006).

Esta mudança radical no quadro que os evolucionistas imaginaram sobre a vida dos caçadores coletores não é nova, desde a década de 1960´s tem-se divulgado tais estudos, como podemos ver em particular no simpósio de 1966 “Man and Hunter” (Lee and DeVore, 1968), onde foi demonstrado que tais atividades de poucas horas diárias para a obtenção de sua subsistencia são verdadeiras até mesmo para ambientes extremos e marginais como o deserto do Kalahari. Marshall Sahlins por exemplo chama as sociedades de caçadores coletores de “original affluent society”.

A mudança climática não é uma condição que traz a fome e não há evidencias de desestabilidade demográfica. A questão que se impõe, portanto, é: Por que os caçadores coletores trocariam sua realidade melhor adaptada por outra nessas condições?

David Rindos também nos propõe este mesmo problema:

“People, like any other animal, will not choose an obviously inconvenient, difficult, or inefficient subsistence strategy” (RINDOS, 1984, p. 86).

Para tentar explicar estes problemas, temos uma insiatencia nas argumentações sobre as pressões demográficas que geram cenários indiretos bem particulares: Binford (1968) por exemplo, afirma que as técnicas de forrageio de grãos selvagens no Oriente próximo foram tão bem sucedidas que as populações cresceram demasiadamente em regiões marginais enquanto o estoque natural decrescia o que “forçou” o início do plantio. David Rindos (1984), argumenta que a seleção foi acidental e inconsciente, advinda da interação homem-planta: A própria atividade humana de limpeza das áreas para os futuros assentamentos, a concentração de despojos de matéria orgânica, bem como

a perturbação do solo, tudo contribuiu para que algumas espécies se espalhassem e crescessem mais abundantemente e ao redor dos assentamentos humanos - que tais plantas seriam selecionadas “acidentalmente” (leia-se incoscientemente) por sua facíl manipulação e seu retorno calórico (espigas mais frágeis e sementes maiores) - ou seja, o discurso de uma trajetória evolutiva indireta e gradual. Infelizmente, como em muitas narrativas evolutivas, a evidência se mostra contrária a essas interações utópicas imaginárias.

Os agricultores, em verdade é que tiveram que se adaptar a uma dieta muito mais pobre; porém, quando discutimos a substituição da alimentação temos que ter em mente que não foi algo abrupto e drástico como se imagina, não houve uma escolha entre dois tipos de alimentação. A domesticação das plantas não implica em uma imediata mudança na dieta, uma ruptura. Para o processo histórico, a revolução agrícola ocorreu “num piscar de olhos”, as fases que estruturam a mudança foram muito rápidas, cerca de 3,000 anos, porém, para construirmos discursos sobre a adaptação ou extinção como querem os modelos evolucionistas de estresse climáticos/demográficos, o tempo importante é o da vida de um homem, assim percebemos que nesta escala de tempo, os argumentos deste tipo não funcionam, pois, não existiu na verdade adaptação alimentar:

“E de qualquer maneira, depois que o homem conseguiu pela primeira vez domesticar as plantas, estas seguiram sendo uma pequena parte de sua dieta durante séculos ou talvez durante mais de um milênio. O que nos obriga voltar a questão do porque houve a mudança.” (WATSON, 2006).

O entendimento da mudança que tornou possível a “revolução agrícola” como uma “troca da base alimentar”, mesmo que de longo prazo, para as primeiras gerações, não foi simplesmente uma mudança comportamental, mas a emergência de novos conhecimentos que propiciaram a domesticação das plantas e animais, assim como muitos outros que mudaram a maneira de pensar da sociedade:

“De qualquer forma não podemos falar de ciência “neolítica”, mas de “ciências neolíticas” [...] Compreendia, na verdade novas ciências, como a química da cerâmica, a bioquímica do conhecimento do pão e o preparo da cerveja, a botânica agrícola e outras semelhantes, completamente desconhecidas no paleolítico.” (CHILDE, 1942)

De onde vieram estes saberes? Sobre as pressões climáticas, elas podem ter influenciar mudanças comportamentais para aceitação de uma nova reserva alimentar como alternativa, mas isso novamente não responde o “Como?”

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tal reserva surge e se disponibiliza em primeiro lugar, apenas sugere os “Por quês”. Quanto à estas novas “ciências” da revolução neolítica, é irresistível perguntar: Como surgiram, por qual processo?

A arqueologia tradicional propõe como modelo para o surgimento da agricultura, muitas hipóteses ambientais, porém existe uma hipótese cultural. Algumas pesquisas, provavelmente visando espaço deixado pela falência dos modelos tradicionais adaptacionistas, se refugiaram no funcionalismo simbólico; na hipótese religiosa/ritual: Esta especula que a agricultura fora impulsionada por razões sociais ou rituais ligados ao consumo de substâncias fermentadas das plantas que assim viriam a ser domesticadas; muitos dos cereais, principalmente a cerveja. Essa hipótese baseia-se na lógica de que esses novos alimentos de início teriam sido “um luxo para poucos” (WATSON, 2006), pois as plantas nesta fase incipiente, teriam sido insuficientes para alimentar até mesmo um único núcleo famíliar, assim, tal domesticação deve ter sido para a produção do álcool, este sim um “produto” a ser mais importante nas celebrações religiosas (WATSON, 2006). Porém, aqui, se trabalham os “Porquês”, mas ignora-se mais uma vez os “Comos?”.

Um aspecto muito interessante e importante para este trabalho sobre a hipótese paleo-SETI aplicada ao contexto da revolução agrícola, como veremos, está relacionado ao simbolismo; é a afirmação por parte de alguns autores (CHAUVIN apud WATSON) de que o início da domesticação da plantas aflorou no próprio cenário do inicio das religiões, em seguida. Sítios do Levante há 10,000 – 9,500 anos B.P. começam a apresentar um padrão de estatúária com diferentes iconografias que passam de zoomorfas, grandemente vistas no período Khiamiense, para figuras humana; também se acham restos de “ritos”, cabeças de “uro”, espécie de bisão extinto, assim como crânios destes animais incrustados nas paredes das habitações. Como é interpretado e dito, este simbolismo dos “chifres” seria a principal iconografia relacionada a divindades posteriores que aparecem nesta região que viria a ser a própria Mesopotâmia, terra dos deuses:

“Chauvin considera que esta é a verdadeira origem da religião, seu principal argumento é que esta foi a primeira vez que se representou os seres humanos como deuses e a primeira vez que se representou tanto o principio feminino quanto o masculino, e que isto, é indício de uma mudança de mentalidade anterior a domesticação das plantas e dos animais. É fácil entender porque foi eleita a mulher e não o homem. A forma feminina é um símbolo da fertilidade.” (CHAUVIN apud WATSON, 2006)

Podemos escrever muitos outros trabalhos com este tema, para nós aqui, é interessante este contexto, pois como vivos, dependendo do sítio do local, podemos afirmar que a religião descrita por Chauvin começa exatamente no meio da controvérsia de datas sobre o inicio da domesticação. Muito além, disso, para a hipótese paleo-SEI esta é outra “coincidência” fortuita que nos favorece, já que a interpretação da identidade dos “deuses” como sendo extraterrestres, acaba por corroborar todo o cenário que tentamos construir. Os visitantes promovem a revolução dos saberes neolíticos, são entendidos como figuras transcendentais pelos homens e assim surgem as primeiras religiões do Oriente Próximo. Surgem ainda as primeiras iconografias que consideram os deuses como tendo forma humana é um detalhe que melhora inda mais este cenário teórico14. Para um melhor entendimento deste fenômeno, recomendo que lembremos dos casos de Culto Cargo em meados do sec. XX15.

Assim, tentei demonstrar, no espaço limitado de que dispomos, que a questão histórica, dessa “história da explicação” inserida neste “consenso das controvérsias”, onde a origem da agricultura não só foi pobremente respondida, como em verdade, foi imensamente ignoradas em sua complexidade, não por motivos factuais, mas por defesas paradigmáticas de modelos ideológicos sobre a origem e desenvolvimento do homem. Por esse mesmo motivo, as explicações tradicionais propostas estão sempre apoiadas em um cenário “viciado” em um evolucionismo gradual hipotético, que reflete na construção de modelos que pretendem explicar a revolução agrícola como um evento de “experimentação e erro” (as vezes inconsciente) destas sociedades ancestrais enquanto iniciaram a domesticação de espécies de plantas e animais; esse cenário teria se dado a nível global e ao mesmo tempo como um fenômeno de “invenção paralela”, causada pela necessidade de adaptação.

O que sabemos sobre a revolução agricola que pode ser aproveitado diretamente do registro arqueológico e descrito por tais modelos são condições e fatores cruciais

14 Muitos alienígenas são descritos como humanóides e alguns de aspecto idêntico ao Homo sapiens, acredita-se por esta mesma razão que haja um forte laço destas sociedades com a história da ancestralidade do homem e por que não a sua própria criação como espécie.

15 O culto Cargo, que tratarei aqui brevemente é outra destas facetas conceituais importantes aqui pelo valor da analogia no surgimento de uma religião. Este tipo de ma-nifestação cultural é histórica ocorre a partir da metade do séc.XX, e “nasce”, é uma religião de “deuses”, fruto do contato de pequenas populações isoladas, ainda vivendo sob o sistema caça e coleta, com os homens e com a técnica moderna durante a expansão da segunda Grande Guerra Mundial. São muitos os casos de culto Cargo, alguns ainda mais antigos do que se esperava, o teólogo Fridrich Stein-baner, em 1971, identifica uma centena de casos nos últimos cento e cinqüenta anos.

ao entendimento da adoção da agricultura; segundo o simpósio da “School of American Research” (Price & Gebauer, 1995), estes podem ser enumerados em ordem de grandeza:

“1. available protodomesticates; 2. human sedentism; 3. higher population density; 4. resource abundance; 5. geographic and/or social constraints; 6. processing and harvesting technology; 7. food storage technology e 8. wealth accumulation.” (Price & Gebauer, 1995)

Mas o que está além do observável, do óbvio. Precisamos ir muito além de uma busca de pádrões, um lista de condicional determinista se queremos entender os mecanismos que levam a mudança tão extraordinária da história humana; uma mudança não cuja condição fundamental é a cognitiva.

“The adoption of a new plant is no simple matter. It requires the adoption of a hole complex of knowledge about the plant´s ecological requirements, and also about the human usages of the plant. The presence of even one transferred plant means that a quite effective contact has been made between two peoples.” (CARTER, 1963)

Para solucionarmos este abismo, não podemos nos ater a uma ou outra explicação que aposte no unicamente em conjecturas pragmáticas “corriqueiras” e extremamente improváveis ao mesmo tempo, pois essa não nos revelaria os mecanismos, os pormenores. Tragicamente essa sempre foi a lógica das explicações em teorias de evolução. O que especificamente respondem tais modelos de “explicação”? Absolutamente nada.

Se quisermos levar este processo a sério, entretanto, tal situação nos faz levantar muitos outros questionamentos sobre estes pormenores. Um tópico interessante que precisa ser respondido é: Como poderiam “especificamente” ter tais “experiências grosseiras” de “tentativa e erro” por fim resultarem na “transformação” genética de variedades selvagens, por exemplo, do trigo e do milho em novas espécies altamente domesticadas. Lembremos de Rosseau, que levantava um paradoxo similar sobre o uso do ferro... “Por que não é crível que tenham imaginado por si por si mesmos as preparações necessárias antes de saber o que disso resultaria.” Mais do que isto, como descobriram as “preparações necessárias”?

Cultivando o Improvável:

Segundo Daniel Zohary geneticista israelense, hoje temos uma imagem clara das espécies principais de cereais que deram origem a revolução agrícola neolítica, elas são três, em ordem de importância temos: o

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trigo racimal (Triticum turgidum – subespécie diccocum); a cevada (Hordeum vulgare) e o trigo Alonso (Triticum monococum); acompanhando estes, temos várias plantas chamadas “companheiras” de menor relevância (ZOHARI, apud WATSON, 2006) As centenas de datações de rádio-carbono de pólen e de outros restos vegetais feitas no centro agrícola do Oriente Próximo oferecem uma data segura para a revolução agrícola entre 12,500 e 9,000 B.P (HARRIS, 1996). São assim identificados vários sítios onde poderiam ter se originado a domesticação neste grande centro de cultivo: Tell Abu Hureyra e Tell Aswad na Síria cuja datação gira em torno de 10,000 B.P; Karakadag na Turquia, Netiv Hagdug, Gilgal e Jericó no Vale do Jordão e Aswan em damasco, também na Síria, os mais antigos destes, entre 12,000 e 10,500 B.P (HARRIS, 1996).

A disseminação da agricultura no chamado Velho Mundo deve-se ao fato da ocorrência ou ao “surgimento” de duas formas hibridas de trigo, o trigo Emmer e o trigo de Pão. Tal sucesso se deve a morfologia final adquirida pelas plantas que foram modificadas de alguma maneira a partir das variantes selvagens16; uma explicação detalhada dessa “modificação misteriosa” é constantemente esquecida nos modelos tradicionais sobre o sucesso da agricultura como fonte de alimento. O trigo, por exemplo, só pode ser cultivado eficientemente nos últimos dez mil anos pelo “aparecimento” de duas formas de trigo com espigas grandes e muitas sementes. Antes de 8,000 B.P o trigo era uma planta muito menos luxuriante, sendo apenas uma das muitas gramíneas que se espalham pelas colinas do Oriente Médio (BRONOWSKI, 1973). A modificação foi tanta que não existe hoje um ancestral facilmente identificável, especula-se tais ligações filogenéticas pelas comparações morfológicas das gramíneas que hoje estão presentes na paisagem. Afirma-se, portanto, consensualmente que as espécies de plantas cultivaveis foram geradas através de uma interação entre - ambiente, homem e evolução. Que essa explicação “naturalista” de uma história fechada, serve e é suficiente para resolver os problemas de tal empreitada. Pórem. de onde vêm tamanha convicção em tais afirmações? Onde repousam os dados sobre tal cenário? Vejamos um pouco da história biológica do trigo sob este ponto de vista de transformação genética pelo cultivo. Vou aqui, transcrever as explicações como elas são fornecidas, como veremos, a novidade “surge” e “aparece” através de grandes conjunções da sorte:

Tem-se como explicação, que por “algum acidente genético desconhecido”

16 Embora as diferenças sejam grandes, especula-se que a variante selvagem deste seja um trigo silvestre que mui-tas vezes identificado com o próprio trigo Alonso (Triticum monococum).

(BRONOWSKI, 1973), o trigo silvestre se cruzou com uma espécie de grama de bode qualquer, resultando desse improvável evento, um híbrido fértil. Justifica-se tanta improbabilidade pois considera-se que “acidentes” como estes, embora raríssimos hoje, devem ter acontecido com freqüência durante a explosão vegetal que se deu após a última glaciação17 (BRONOWSKI, 1973). Assim:

“Em termos de maquinaria genética, que determina o crescimento, houve a combinação de quatorze cromossomos do trigo silvestre com os quatorze cromossomos do capim de bode produzindo o Emmer com vinte e oito cromossomos. Isto é que torna o Emmer muito mais polpudo. O híbrido se espalhou naturalmente pelo fato de, estando as sementes envolvidas pela palha, poderem ser facilmente carregadas pelo vento.” (BRONOWSKI, 1973)

Sabemos que o aparecimento de híbridos férteis é um acontecimento muito raro e improvável, a controvérsia que se estabelece é sobre a natureza desse fenômeno como um acontecimento evolutivo ou como uma manipulação humana. De qualquer forma, por incrível que pareça, a improbabilidade sobe a segunda potencia ao se manifestar mais uma vez em um segundo “acidente genético” do mesmo tipo, desta vez o trigo Emmer se cruza com outro capim de bode para produzir um novo híbrido com quarenta e dois cromossomos, do que resulta exatamente o trigo de Pão (BRONOWSKI, 1973). Como não “se vê isto todo dia”, tais eventos são associados à atividade humana de cruzamento seleção artificial que teria ocorrido há aproximadamente 8,000 B.P.

Como se não bastasse, convenientemente o trigo de pão que não era fértil devido aos “cruzamentos acidentais” se torna um híbrido fértil devido a mais um acontecimento fortuito e desta vez extraordinário:

“[...] mas hoje sabemos que o trigo atual só se tornou fértil em razão de uma mutação genética específica em um cromossomo.” (BRONOWSKI, 1973).

Uma “sorte” incalculável para nossos ancestrais do Paleolítico que deviam ficar atentos, observando entre uma e outra caçada, quais plantas sofriam mutações! Contudo, lembra Bronowski, “há ainda um evento mais estranho” (BRONOWSKI, 1973). Apesar do trigo de Pão ser um bem aventurado híbrido fértil, suas sementes são incapazes de se espalhar naturalmente

17 O fenômeno evolutivo hipotético conhecido como ir-radiação adaptativa durante o final da última glaciação ba-seia-se unicamente na diferença da diversidade observável. Segundo a interpretação evolutiva, essa grande diversidade surge naturalmente por processos darwinianos somados a “abertura de novos ambientes. Tais explosões criativas, po-rém, são ainda um mistério completo.

devido ao volume e estrutura da espiga, que por ser muito compacta não se “debulha” pelo vento. Além disso, o peso da espiga é tão desproporcional que se não for colhida em certa época, as hastes frágeis da planta quebrarão e as sementes se perdem. Assim, o trigo de pão é convenientemente uma planta feita para ser colhida e isto se incorpora ao seu próprio ciclo vital; lembremos que tal condição não acontecia com nenhuma espécie selvagem ou com o trigo Emmer. Bronowski não se preocupa com a dimensão improvável deste cenário e ainda vê poesia nesta situação pouco crível:

“[...] De repente, homem e planta se encontram. O homem tem no trigo seu sustento, e o trigo, no homem um meio de se propagar. Sem ajuda o trigo de pão não se multiplica; assim, a vida de cada um, do homem e da planta, depende uma da outra. É um verdadeiro conto de fadas genético, como se o despertar da civilização tivesse visto a luz com as bênçãos do abade Gregor Mendel.” (BRONOWSKI, 1973)

Querem que acreditemos que tais “contos de fadas genéticos”, cheios de “milagres” improváveis, de mutações com hora e local marcado teriam sido o cenário contextual de como nossos predecessores de 10,000 anos atrás obtiveram as espécies de trigo cultiváveis? Isto claramente desafia mais do que nosso bom senso. E como afirmam tais modelos explicativos que nada explicam, as:

“Conjunções bem-sucedidas de eventos naturais e humanos inauguram a agricultura” (Bonowski, 1973)

Temos que o termo Cultigen é empregado para designar plantas cultivadas que apresentam características de dependência com o homem. Isto não quer dizer que tais plantas têm uma relação de mutualismo natural com o homem. Implica somente que tratam-se de plantas grandemente “modificadas” pela seleção artificial. Significa também que estas variedades foram, de tal forma alteradas “pelo homem?”, que são dependentes destes para sua própria reprodução e que não podem se reproduzir naturalmente, estando dependentes do continuo cultivo humano para sua sobrevivência como espécie. São assim, plantas engendradas artificialmente. A lógica deste processo para que a agricultura funcione, e que causa um grande paradoxo para a explicação evolutiva cheia de “acidentes”, é que: Estas espécies já são assim desde que começaram a ser cultivadas e que precisam ser cultivadas desde que são assim.

Outra informação interessante é que as diferenças entre o trigo selvagem moderno e o domesticado mantêm-se exatamente restritas ao tamanho das espigas e das sementes, da fragilidade da palha que envolve

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a espiga. As espigas selvagens são bem mais frágeis e menores enquanto as domésticas são maiores e só liberam as sementes se forem trituradas. Assim, tem-se concluído através de testes comparativos de Dna, que as diferenças genéticas entre as variedades selvagens e as domésticas é pouca, sendo que as espécies domésticas possuem uma maior variedade genética (HARRIS, 1996). O que isto significa? Primeiramente temos que lembrar que a diferença gênica entre espécies “aparentadas” é obviamente sempre muito pequena18. O que muda é o tipo de diferença e onde ela se localiza, ou seja, a qualidade da variação. Vemos aqui, portanto, que as mutações e os cruzamentos genéticos ocorridos foram poucos, mas muito bem localizados, modificaram qualitativamente a planta e não quantitativamente. Em outras palavras, as mudanças não ocorreram diversas vezes até que a combinação certa aparecesse, pelo contrario, ocorreram uma única vez e no lugar exato:“Isto sugere que em cada caso a domesticação ocorreu apenas uma vez.” (WATSON, 2006).

Assim, tais combinações raras, como supõe-se foram difundidas:

“As plantas com as quais se iniciou a produção de alimentos na “área nuclear” do sudoeste asiático se transportaram “já como cultivos domesticados” para iniciar a agricultura sobre este imenso território” (HARRIS, 1996).

Se refletirmos sobre esse cenário mítico para a domesticação do trigo: O que levaria os homens, mesmo que tivessem o conhecimento do que deviam fazer e esperar, à cultivar uma gramínea, realizar cruzamentos artificiais e plantar milhares de sementes de híbridos não férteis, fazendo isso durante dezenas de gerações sem obter resultado nenhum, até que um dia através da sorte natural, esta planta pudesse alimentá-los? E isso, é claro se os saberes sobre o processamento desses grãos e a tecnologia para executá-lo também já estivessem disponíveis. Num cenário real, entretanto, não se saberia o que esperar, e essa narrativa, além de incrivelmente absurda, não me parece uma opção boa para cenários evolutivos que centram a justificativa de seu discurso sobre a mudança nas necessidades de adaptação ao estresse da falta de alimentos e ao colapso ambiental iminente da transição Pleistoceno/Holoceno. Deve haver algum outro fator, ou não estaríamos aqui pensando sobre este assunto.

A domesticação das variedades de milho é outro problema que parece sem solução se nos mantivermos fieis ao paradigma tradicional da “revolução agrícola”. Sabemos que existem centenas de espécies de milho cultivado e é fato reconhecido que a grande

18 É só lembrarmos da diferença de menos de 0,5% que temos com os chimpanzés.

maioria destas variedades são plantas tradicionalmente “cultigen”, o milho, por este motivo é um grande exemplo de uma planta “domesticada”; tendo esta transformação sido realizada através de uma seleção artificial ocorrida nos últimos 14,000 - 9,000 anos, podemos nos perguntar sobre o milho as mesmas perguntas sobre o trigo.

Especificamente para o milho, podemos indagar um problema adicional: Seus ancestrais selvagens foram encontrados? Podemos afirmar que sim e que não ao mesmo tempo. Sim, porque muitas pesquisas afirmam que existem evidencias de ligações ancestrais entre algumas espécies selvagens e domésticas; e não porque tais ligações são insuficientes para explicar os processos de domesticação. Faltam elos de ligação, “elos perdidos”, fósseis vivos destas plantas, e se quisermos manter os modelos tradicionais temos que nos perguntar por que não existe um número maior de espécies selvagens? Para a escalada cultural da espécie humana 10,000 anos parece ser uma eternidade, porém, em termos de tempo evolutivo, para uma planta bem adaptável, trata-se de um período relativamente insignificante em sua história de vida como espécie. Existem plantas ancestrais que persistem quase inalteradas há centenas de milhões de anos. O milho é uma espécie de gramínea, como o trigo e a maioria das plantas de cultivo de cereais, estas plantas quando em estado selvagem são bem resistentes e estão de fato colonizando ambientes bem variados, assim não existe uma razão ambiental convincente conhecida ocorrida nos últimos milênios para que as variedades selvagens do milho tenham simplesmente desaparecido, varridas da existência e se tornado extintas. Lembremos que as variedades não domesticadas exibem uma riqueza genética maior que as domesticadas, a seleção artificial reduz a variabilidade ao eleger poucas características de interesse. Assim, afirmamos que não se identificaram espécies ancestrais isso significa não que não existam variantes selvagens, mas que estas muitas vezes não permitem através de seu Dna retraçar como ocorreram exatamente os passos que levaram as espécies domesticadas, sem recorrer a improbabilidades gigantescas. E quanto aos ancestrais que supostamente se estinguiram, não é claro o motivo de sua suposta extinção. É por isso que uma das áreas da bioarqueologia sobre este tema, onde se concentram muitos esforços é exatamente a caçada por micro e nacro-fósseis destas variantes de grãos ancestrais que estão faltando.

Assim, é claro que como a pesquisa está em andamento, podemos nos perguntar se não existem dados objetivos que corroboram os modelos tradicionais sobre a domesticação. Como vimos, a origem da agricultura é um dos campos arqueológicos de maior projeção na história dessa ciência. Inúmeros

departamentos e organizações se dedicam a este trabalho minucioso que tenta retraçar as marcas da domesticação das plantas e animais. Hoje, este trabalho está fundamentado em características que são chamadas de marcadores de domesticação, que podem ser desde genéticos à dados culturais dos sítios arqueológicos (ZEDER; BRADLEY; SMITH; EMESHWILLER, 2006). Tentam responder grandemente aos “Quando?” e aos “Porquês?”, mas novamente, falham em responder o “Como?”. Tais estudos são realizados por equipes multidisciplinares, principalmente de Arqueobiólogos, Arqueozoólogos e biólogos moleculares, que se utilizam de técnicas avançadas de analises gênicas, de escaneamento de sementes com microscopia eletrônica de alta resolução (SEM), recuperam e identificam macro e micro-fósseis de plantas domesticadas, promovem análises genéticas e publicam listas e gráficos.

A narrativa histórica dos biofatos:

Nota-se nos anais da arqueologia a quantidade de trabalhos taxonômicos “morfométricos” sobre a domesticação das plantas e animais. O motivo é simples, até pouco mais da metade do sec. XX (decadas de 1960 - 1970) e evolução filogenética das espécies e das raças dos seres vivos era estudada quase que exclusivamente com base na morfologia das amostras, nesta época ainda engatinhavam as técnicas biomoleculares. Na paleontologia e na arqueologia, se fazia comum a comparação dos dados morfométricos das espécies para se construir suas “histórias” gerais: Espécie, local de origem, temporalidade, evolução (FREITAS, 2003).

Com o desenvolvimento das técnicas de análise, começou a ficar claro que muitas duvidas repousavam sobre os métodos morfológicos que apresentavam vários problemas como a questão das alterações in vida e pós-mortem dos espécimes e sua relação com a confiabilidade das inferências. Os fenótipos são enfim o resultado não só de uma origem filogenética, mas também de uma influencia ambiental no nivel de indivíduos. Os processos de fossilização claramente modificam a morfologia das amostras, aumentando seu volume pela incrustração de minerais ou diminuindo-o pela compressão das camadas estratigraficas dependendo da composição, da profundidade e da ontogenese pedológica dos sitios (SCHULTZ, 2003).

Para o estudo da filogenia da domesticação da plantas isto se torna um obstáculo imenso:

“Este fato é ainda mais complicado quando se trata de materiais vegetais, pois as plantas são altamente plásticas. a morfologia e o tamanho das espécies vegetais podem

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naturalmente variar de acordo com as condiçoes do ambiente.” (FREITAS, 2003)

Além destas questões, existem problemas bem epistemológicos específicos, como a precariedade do registro fóssil, a pouca conservação dos tecidos vegetais em processos diagenéticos e a baixa abundancia destes biofatos nos sítios, aliada a falta de especialização e interesse por parte dos arqueólogos para a coleta ótima e seletiva deste tipo de dado. As amostras assim, são muito pequenas e pouco confiáveis para que se espere serem representativas de algum processo ou corroborarem um modelo geral. Vale aqui ressaltar que este é um problema de toda a ciencia arqueologica e que não se restringe aos biofatos.

Com o advento das tecnicas de analise gênica na metade do sec. XX, como a eletroforese de lisoensimas, RAPD, RFLP, e o sequenciamento de bases nitrogenadas, que possibilitavam uma descrissão do material genético (sequenciamento), analise e contraste, pode-se comparar as divergências genéticas ou derivas genéticas para que se propusessem modelos de ancestralidade e descendência de diferentes indivíduos, de populações ou espécies. Tais modelos obedecem a uma lógica de proximidade genético-evolutiva. Estudos desta natureza foram realizados para as populações de plantas de cultivo (SKOVTED, 1937 ; MCCLINTOCK , 1959; MCCLINTOCK et al., 1981). Porém, tais tecnicas estavam limitadas ao genoma de espécies viventes, eo que acarreta dois problemas principais: A comparação entre os produtos do metabolismo genico não era possivel (como no caso da técnica de lisoenzimas), e a grande degradação do material genético após a morte do organismo inviabilizava as amostras arqueológicas de materiais organicos (HERRMANN & HUMMEL, 1994). Assim, os dados genéticos obtidos pelas pesquisas em espécies viventes (bioquímico moleculares, citológicas e imunológicas) aumentaram o “abismo” entre amostras atuais e arqueológicas (FREITAS, 2003).

Somente foram aplicadas tecnicas de sequenciamento genético a amostras fósseis entre 1980 e 1990 com os trabalhos pioneiros de Higuchi e Wilson (1984) em paleontologia , utilizando DNAmt da derme de “quagga”(equidae) para se construir uma filogenia da espécie. Obviamente, pode-se transpor tais epistemologias para o estudo das plantas cultivadas pelas populações antigas. Não demoraram a surgir afirmações sobre “quando uma planta fora domesticada”; a que “raça” pertencia tal amostra identificada; seu caminho migratório de disseminaçãoe é claro, as mudanças por ela sofridas durante sua suposta “evolução”. Todas estas informações, principalmente provindas de amostras arqueologicas de sementes foram

transferidas aos modelos sociais, gerando afirmações deterministas sobre a cultura, suas relações e é claro, sua evolução (FREITAS, 2003).

É importante ressaltar que a descrença sobre positividade implícita nestes estudos nos permite questionar se estes resultados, considerando todos os problemas epistemologicos, realmente podem gerar interpretações tão amplas. Quando propomos a afirmação de que “ancestrais selvagens não foram identificados ainda”, uma análise crítica que procura por um resultado maior livre de grandes controvérsias, e estes resultados ainda não existem. O que existe é uma epistemologia de investigação que supervaloriza diversos estudos extensos laboratorias da chamada documentação de domesticação de plantas e animais na arqueologia, estudos que partem do pressuposto de que “houve” uma domesticação através da seleção artificial intencional por cruzamentos, trabalhando em cima, como vimos das mutações naturais. Assim, o que se tenta conseguir com tais trabalhos é identificar semelhanças e segregar diferenças genéticas e morfológicas entre espécies, e propor cenários de ancestralidade/descendência numa interpretação cronológica e espacial, para que estes dados sirvam na arqueologia de corroboração em parcimônia com os modelos tradicionais de domesticação já propostos previamente pela própria teoria evolutiva.

Essa não é apenas uma questão de “identificar ancerstrais”, podemos nos perguntar, se todo este esforço tecnológico e o desenvolvimento destes aportes especializados sobre a domesticação; se toda esta pesquisa objetiva fornece dados que respondem às perguntas relevantes que propus aqui? Para tornar clara a questão, vejamos um exemplo de uma destas publicações de vanguarda sobre as hipóteses de identificação da origem específica do milho na América Central; são três hipóteses centrais de trabalho para a ancestralidade de uma variedade de milho chamada Zea do centro de origem Mesoamericano:

Hipóteses:

1. É uma domesticação direta de um teosinte anual mexicano, Zea mays ssp. parviglumis, nativa do vale do rio Balsas no sul do México, com até 12% de seu material genético obtido a partir de Zea mays ssp. mexicana através introgressão;

2. Ela deriva da hibridação entre um pequeno milho Caseiro (uma forma ligeiramente modificada de milho selvagem) e um teosinte Luxuriantes de seção, ou seja luxurians Z. diploperennis Z.;

3. Ele foi submetido a duas ou mais domesticações quer de milho selvagem ou de

um teosinte;

4. Ela evoluiu a partir de uma hibridização de diploperennis Z. por dactyloides Tripsacum. (O “teosinte” descreve todas as espécies e subespécies do gênero Zea, com exclusão de Zea mays ssp. Mays.) No final de 1930, Paul Mangelsdorf sugerem que o milho foi domesticado o resultado de um evento de hibridização entre um desconhecido milho selvagem e de uma espécie de Tripsacum, um gênero relacionado. No entanto, o papel proposto para o Tripsacum (espécie de gramíneas) para as origens de milho tem sido refutada pela análise genética moderna, negando modelo Mangelsdorf acima.

conclusão do estudo:

Assim concluímos que o terceiro modelo (que na verdade é um conjunto de hipóteses) não é corroborado. A segunda hipótese parcimoniosamente explica muitos enigmas, mas é assustadoramente complexa. O primeiro modelo foi proposto pelo vencedor do Prémio Nobel George Beadle, em 1939. Embora tenha suporte experimental, não explica uma série de problemas, entre eles:

1. Como afinal a imensa diversidade da espécie de sect. Zea se originou?

2. Como poderiam os espécimes arqueológicos minúsculos (muito pequenos/para) de 3500-2700 a.C (não corrigida) poderiam ter sido selecionados a partir de um teosinte?

3. Como a domesticação poderia ter prosseguido sem deixar restos de teosinte ou de milho com características teosintoides até ca. 1100 aC.?

Como vemos aqui, admite-se que o problema central desta pesquisa é a ausência de explicação para as diferenças entre o que se espera para a espécie ancestral (teosinte) e o que se encontra na domestica (Zea). O importante sobre estes estudos, é que eles estão baseados na lógica da evolução, cuja aceitação prevê modelos excessivamente especulativos, que tanto discutimos. Assim, permite-se que se explique qualquer mudança através de conjecturas que não poden ser testadas: Como podemos ver no estudo acima, quando uma mudança importante ocorre, ela ainda é descrita como um “acidente”, assim, quando lemos: que a espécie “sofreu hibridização”; ou que “evoluiu”; se “deriva de” e então “foi domesticado”, não estamos lendo em verdade uma explicação do fenômeno, apenas sua manifestação. Por que deve haver mais do que isso para corroborar os modelos evolutivos tradicionais? Bem, porque estes mesmos eventos também podem ser interpretados e explicados por uma manipulação gênica intencional, não através de cruzamentos artificiais, mas através de engenharia genética. Sendo assim,

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os estudos especializados na identificação de marcadores biológicos de domesticação não descartam a hipótese PaleoSETI; podem até mesmo servirem para corroborá-la, como para o exemplo que utilizei, sobre a variante de milho domesticado Zea, onde o resultado esperado seria exatamente uma disparidade genética maior inexplicável entre o ancestral e o domesticado (problema1); uma falta de explicação causada pela impossibilidade de seleção artificial através da morfologia das sementes (problema 2); e uma falta de linhagens transicionais relacionadas à cronologia.

Dispersões e transplantes:

Quando se iniciaram as pesquisas mundiais sobre a identificação de ancestrais selvagens das variantes domesticadas, se imaginava a partir dos modelos explicativos propostos que numa perspectiva histórica os cruzamentos obedeceriam a um padrão local e Micro-regional, como a própria dinâmica da emergência da agricultura, obedecendo aos modelos climáticos e os de pressão demográfica (HARLAN, 1971; HARRIS, 1996), como vimos, e que se identificariam algumas pequenas dispersões condicionadas à migração populacional. Estas migrações com o tempo poderiam se expandir e, em verdade (FREITAS, 2003), a pesquisa espera corroborar os próprios deslocametos geográficos populacionais humanos utilizando-se da análise em especificidade destas espécies cultivadas. Muitas das plantas de cultivo, entretanto, apresentaram padrões genéticos e morfológicos de cruzamento e dispersão tão distantes das previsões teóricas que toda uma nova problemática se consolidou fomentando uma diversidade de explicações insatisfatórias.

O algodão configura-se como um exemplo mundial destas controvérsias. Muitas variedades de algodão se distribuem pela Costa Atlântica da África, nas ilhas do Pacífico, no Caribe e na Asia. A partir de uma dispersão tão grande, pesquisadores como Stephens, Gaudillot, Kerr, Martorell, Guilham, Fosberg (STEPHENS, 1966), preocupavam-se em testar a hipótese de que as sementes teriam se espalhado geograficamente através da flutuação oceânica; tal preocupação pode ser apreciada principalmente nas séries de experimentos práticos realizados por Stephens sobre a sobrevida destas variedades em diversas condições de mar aberto (STEPHENS, 1966).

Tais pesquisas buscavam compreender os padrões de dispersão de variedades da América Central e América do Sul, das ilhas da costa da Venezuela, nas Antilhas, península do Yucatan e costa sul pacífica da América do Norte; principalmente da espécie no Novo Mundo Gossypium hirsutum. Como resultado, os experimentos de flutuabilidade

e imersão, assim como os padrões de correntes regionais, demonstraram que à curtas distâncias e onde a distribuição fosse rápida através de correntes diretas entre ilhas, as sementes possuíam boas chances de migrarem viáveis, como por exemplo, a variedade darwinii da espécie do novo Mundo Gossypium barbadense, que teria atingido as Galápagos vinda da costa da América do Sul através da corrente do Peru. Outros modelos entretanto pareciam menos promissores: Variedades de G. hirsutum, presentes na América do sul, que teriam seguido as correntes do Golfo, se diferenciavam muito das presentes no Caribe para se pensar em uma distribuição direta, e não poderiam numa rota pelas Ilhas Marquesas e Havaii atravessar distintas correntes, o que levaria em alguns casos quase um ano; os estudos de Stephens demonstravam que a viabilidade biológica se estendia por cerca de dois meses aproximadamente (STEPHENS, 1966).

Entretanto, o problema maior encontra-se na distribuição da variedade conhecida como Gossypium herbaceum, supostamente a variedade ancestral de todas as plantas de algodão cultivado das américas como o hirsutum e o barbadense. A variedade em questão encontra-se distribuída na porção sul da África, é uma das quatro que aceitas como as ancestrais de toda a diversidade conhecida hoje; destas quatro espécies, duas são tetraploides e se desenvolveram no Novo Mundo enquanto duas são diplóides originárias das regiões tropicais e sub-tropicais do Velho Mundo (HARLAND, apud HUTCHINSON, 1962).

Estes diplóides do Velho Mundo são o G. herbaceum e o G. arboreum; O herbaceum é uma espécie africana enquanto o arboreum é admitido como uma variedade originada do herbaceum comum da área do pacífico asiático. Assim, o herbaceum é considerado a espécie mais provável à ter-se cruzado com as espécies selvagens americanas, muito embora as rotas do pacífico tenham sido consideradas levando-se em consideração a cronologia ,ainda a mais antiga que na África, da domesticação na região India e Pakistão (datações de 3,000 B.P em Mohenjo Daro em Sind, Pakistão por A. M. Gulati e A. J. Turner, 1928). Porém, para os modelos oceânicos de Stephens, a dispersão pelo pacífico seria problemática devido ao regime de ventos e correntes. Uma rota atlântica teria de ter existido. A estrutura genética dos dois tetraplóides do novo mundo (G. hirsutum e G. barbadense) indicam que eles são provavelmente originários de um antigo cruzamento entre os diplóides do Velho Mundo e uma variedade selvagem do Novo Mundo; metade dos 26 cromossomos são: “homólogos com o complemento dos diplóides do Velho Mundo e a outra metade com o complemento dos gêneros selvagens que crescem no Novo Mundo.”

(HARLAND, apud HUTCHINSON, 1962). Entretanto, os testes nas amostras de G. herbaceum coletadas por Gilhan na Rodésia não sobreviveram aos dois meses de imersão, enquanto que os modelos previam cerca de aproximadamente cinco meses para que estas atingissem a costa da América do Sul ou o Caribe, vindas teoricamente da África através da corrente equatorial do atlântico sul.

“Testes of seed buoyancy and seed viability in experimental tanks of saltwater indicate that the uppertime limit for seed buoyancy is a little over two mounths. This is sufficient to effect the transport of seeds over relatively short distancies (e.g. throughout the Caribbean islandsand from mainland South América to the Galápagos islands) but totally inadequate for trans-Atlantic or trans- Pacific dispersal.” (STEPHENS, 1966)

Diante desta controvérsia paradoxal sobre a origem das variantes amphidiplóides americanas tendo supostos ancestrais africanos, diversas outras soluções foram aventadas por eminentes botânicos, porém posteriormente refutadas, como dispersão das sementes por aves migratórias examinada por V. W. Proctor (PROCTOR, 1968); uma variedade de proposições trans-oceânicas através do pacífico: viajens oceânicas diretamente do Oceano Indico à costa Sul americana, uma ponte de terra através do oceano pacífico (HARLAND, 1939); uma rota natural de dispersão antártica através da China e do Alasca proposta por G. L. Stebbins, questionada por J. Hutchinson (HUTCHINSON, 1947).

Até meados do séc.XX, a cronologia mais recuada conhecida para uma variante de algodão cultivado do Novo mundo datava de aproximadamente 4,500 B.C. (J. Bird, 1948 em Huaca Prieta, Peru (BIRD, 1951), e embora não houvesse um consenso, discutia-se a possibilidade das variantes africanas terem sido introduzidas deliberadamente através de migrações humanas. Em 1964, entretanto essa possibilidade se distanciou dos paradigmas arqueológicos com as descobertas de C. E. Smith e R. S. MacNeish no vale do Tehuacán a sudoeste de Puebla (SMITH & MACNEISH, 1964). E embora autores como K. Shewerin e S. G. Stephens discordarem alegarem serem as amostras intrusões, agora haviam evidencias de variantes americanas mais antigas que as asiáticas:

“[...] cotton and other plants were cultivated as long as 7,000 years ago.” [...] “The most remarkable cotton find in two segments of a cotton boll excavated in Coaxland cave in Zone XVI, and El Riego floor level, date between 7200 B.C e 5000 B.C. Three carbon-14 datesfor Zone XVI are all around 5800 B.C.” (SMITH & MACNEISH, 1964).

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Devido a antiguidade do cultivo nas Américas, iniciou-se uma busca por uma ancestral nativo americano das variantes híbridas que fosse geneticamente similar as variantes africanas para explicar que não havia ocorrido dispersão, esta não foi encontrada “the parental stocks contributing to the original hybridizacion may never been found” (SMITH & MACNEISH, 1964). Ainda assim, as hipóteses de transplantes através de navegações pré-colombianas ainda são defendidas por muitas pesquisas e uma possibilidade intrigante. Quanto às corroborações climáticas, oceânicas, arqueológicas das variantes americanas de algodão, uma hipótese de navegação transatlântica diretamente da África é mais provável, principalmente quanto a genética, pois as variedades asiáticas do subcontinente indiano de (G. arboreum) são citogenéticamente incoerentes para serem elencadas como ancestrais das variedades do Novo Mundo (SCHWERIM, 1970).

Uma das notações mais importantes sobre a questão destas dispersões é o caráter dependente destas variedades de plantas do cultivo humano. Mesmo que fosse possível experimentalmente (o que não se corroborou) uma dispersão natural das sementes por qualquer via, ainda assim teríamos grandes obstáculos a problemas a responder, pois muitos duvidam que tais variedades sequer teriam se desenvolvido, quanto mais a ponto de se adaptarem em um processo de uma segunda hibridização com uma planta nativa. Herbert Barker em “Man Across the Sea” comenta sobre o artigo de Stephens “Transoceanic Dispersal of New World Cottons” :

“Stephens is able to point to features of these cultivated cottons that leavethem virtualy dependent on human dispersal.” (BARKER apud KELLEY, 1971).

Embora tenhamos nos centrado no exemplo do algodão domesticado, outras espécies de plantas cultiváveis apresentam paradoxos similares quanto a sua filogenia de distribuição geográfica em oposição a grandes barreiras naturais intransponíveis pelas explicações naturais e arqueológicas tradicionais até agora aventadas. Podemos citar as variedades cultivadas de banana (Musa paradisiaca e Musa plantain), uma espécie do Velho Mundo encontrada nas culturas (tradições funerárias) pré-colombianas e em relatos e crônicas de colonizadores europeus (WIERNER, 1922; REINOLDS, 1955); A batata-doce (GRAY & TRUMBULL, 1883, 1884); algumas variedades de feijão (Canavalia sp.) que similar ao algodão são nativos da África e foram encontrados em estratos pré-colombianos e da mandioca africana (Dioscorea cayennensis), na mesma situação (SCHWERIN, 1970).

É claro que não podemos ignorar que as evidências de navegação, deslocamento humano através dos oceanos na antiguidade e mesmo em períodos pré-historicos que têm-se acumulado nas últimas décadas e forçado algumas revisões paradigmáticas.Entretanto, para tema da revolução agrícola, temos uma conjunção de fatores sincrônicos que se observados em conjunto; a cronologia muito antiga, simultânea no Novo Mundo e no Velho Mundo somadas as ligações genéticas, teremos um cenário de dispersão, hibridização e domesticação demasiadamente rápido para que faça sentido uma hipótese difusionista global tradicional, através de migrações populacionais, fixação, adaptação e evolução; provavelmente, salvo que tenham havido grandes deslocamentos de populações inteiras, este seria um processo lento e gradual. Ainda assim, não temos evidências arqueológicas culturais maciças de migrações de sociedades inteiras do Velho Mundo para o Novo Mundo. “The human transport theory is untanable” (SMITH & MACNEISH, 1964).

O que sabemos objetivamente é: 1- Em termos genéticos variedades de plantas domesticadas do Velho Mundo foram Cruzadas com variedades selvagens do Americanas para que surgissem as espécies domesticadas do Novo Mundo: como no exemplo do algodão africano (G. herbaceum), que cruzou com uma variedade selvagem nativa do Novo Mundo para originar as formas tetraplóides domesticadas das variedades de algodão do Novo Mundo (G. hirsutum e G. barbadense); 2- Tal fato teria ocorrido aproximadamente na mesma época da domesticação das variedades no Velho Mundo, como fenômeno global da “revolução agrícola”; 3- Que muitas variedades de plantas específicas, domesticadas, supostamente originárias do Velho Mundo, estão também presentes simultaneamente no Novo Mundo. 4- Nenhum processo natural foi identificado que pudesse sequer dispersar estas sementes através de tais distâncias, nem tão pouco cruzá-las com espécies nativas para a produção de híbridos cultigen; 5- Que nenhum processo humano de migração, embora possível, poderia, dentro do contexto arqueológico e histórico conhecido, ter sido capaz de explicar tal transplante.

Assim, precisamos pensar em cenários globais e rápidos de dispersão e domesticação e implantação, onde apenas as plantas foram transplantadas numa escala intercontinental; cenários muito antigos, de há pelo menos 7,000 B.P. Como poderia ter ocorrido tal fato? Quem, poderia ter cruzado e transplantado tais espécies neste cenário? Como sugerimos neste trabalho, se considerarmos a hipótese PaleoSETI, teremos um contexto global de ação, onde solucionamos os problemas das barreiras geográficas, temporais e tecnológicas. É claro que a evidencia desses

antigos transplantes intercontinentais de espécies cultivadas não é suficiente para corroborar nossa hipótese, porém é necessária e coaduna-se ao conjunto do nosso modelo como proposto aqui.

Ancestralidades remotas:

Nem tudo é tão simples quanto parece, e não poderíamos deixar de lado considerações teóricas muito importantes. Até agora, tivemos uma leitura onde julgou-se ideal a sistematização entre os ancestrais e os descendentes e idealizado o valor positivista do registro fóssil. Para a hipótese PaleoSETI é interessante como corroboração a falta de ligação, ou a distância entre os dados filogenéticos das plantas cultivadas, utilizamo-nos deste argumento em abundância. Não podemos entretanto deixar de proceder uma análise crítica relativista sobre estes contextos que envolvem utilizar-se dos mesmos reducionismos que as idéias evolutivas.

Descobrir quem é o ancestral de quem, não é um tarefa fácil e laboratorial como muitos imaginam. A história da identificação filogenética em biologia evolutiva é um assunto controverso, permeado de teoria, que envolve muitos métodos concorrentes. Temos na taxonomia uma enormidade de escolas de pensamento rivais: Os Cladistas tradicionais, os saltacionistas, os evolucionistas tradicionais, os fileticistas, o fenoticista (ou cladista numérico), os cladistas transformados entre outras sub-escolas (DAWKINS [1986], 2001). Todas, entretanto, tem algo em comum: são evolucionistas, esperam entender a organização dos seres vivos em termos de formas (modelos ramificados de diversidade) numa cronologia linear. O que as une, é essa busca de separar espécies, por segregar “identidades” fósseis é reconhecidamente subjetiva e trabalha indubitavelmente com pré-concepções sobre a certeza ligação evolutiva entre os organismos. “[...] a história fóssil da vida é algo que não pode ser diretamente descoberto” (ELDREDGE & TATTERSALL, 1982, p.112), pois a diversificação da vida e a rara fossilização produziu lacunas que são inúmeras e que só podem ser preenchidas com modelos indiretos. Fica claro que a história da paleontologia não envolve não a busca por padrões e sim a tentativa de definir espécies e vinculá-las de algum modo que satisfizesse os modelos de distribuição no tempo (ELDREDGE & TATTERSALL, 1982, p.112) pré-concebidos pela naturalismo metodológico ao qual mergulhamos a história, como vimos tornando-a uma história fechada.

Assim, não ficaríamos surpresos em descobrir que mesmo hoje, a origem das espécies domesticadas permanece ainda, tão misteriosa quanto poderia ser, sendo um assunto de grande controvérsia; as linhagens

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ancestrais destas plantas só podem ser rastreadas e localizadas, dentro de um universo especulativo que adota a evolução como certa dentro de uma progressão entre ancestrais e descendentes. Apesar de alardeados estudos que afirmam o contrário, tal ligação ancestral é altamente especulativa.

“O problema das afirmações sobre ancestralidade é que elas não são passíveis de negação e, desta forma, são essencialmente não científicas. (isto é, comprováveis) sobre as espécies fósseis consiste em nos restringirmos a discutir as relações sem especificar se a relação em questão é entre um ancestral e seu descendente, ou entre duas espécies descendentes de um ancestral comum.” (ELDREDGE & TATTERSALL, 1982, p. 113)

Quando é proposta uma identificação de uma espécie ancestral no processo da revolução agrícola, precisamos entender o grande abismo teórico envolvido. Relativizar estas descrições podem por um lado destruir a credibilidade dos estudos taxonômicos e genéticos em sua relevância em corroborar afirmações históricas sobre a origem da agricultura, porém, auxiliam na exposição da falácia do discurso evolutivo que se pretende objetivo e explicativo quando é em realidade uma construção social ideológica. As lacunas epistemológicas são profundas quando lidamos com fósseis, ignorá-las como fazem os modelos evolucionistas para propor uma Documentação científica da domesticação como vimos, implica numa pré-concepção de confiança nos “acidentes” como fonte da mudança genética e que este fato por si só, como algo improvável, demonstra a profundidade e a qualidade das explicações que precisam ser fornecidas sobre o início da agricultura.

A visão crítica sobre o valor das “histórias filogenéticas”, a impossibilidade aceita de um registro fóssil precário e incompleto, não obscurece a questão da falta de uma explicação evolutiva sobre a mudança. Se a domesticação foi uma conjunção de fenômenos naturais, e da ação humana somente, sua lógica continua dependente da aceitação científica de eventos geneticamente raros e mais do que isto de grandes sincronicidades improváveis. Assim, quando julgamos a aceitabilidade de qualquer modelo de explicação sobre a origem da agricultura, nossa critica não pode estar presa a uma confiança na biologia, dos padrões de sequenciamento de genes, das morfometrias, que superestimam a teoria da evolução como uma força que pode explicar qualquer mudança, ou na falta de fósseis como “fuga epistemologica”, mas deve se fundamentar antes de tudo na relação destas evidências e seus problemas com o contexto humano proposto pelos modelos de revolução agrícola.

Quando analisado num contexto tradicional, esta critica revela que a teoria de uma explicação diversificada e prosáica para a revolução agrícola é biologicamente confusa e que, mais do que isso, é historicamente improvável e socialmente extraordinário. Aumentamos consideravelmente nosso ceticisno quando são considerados estes cenários evolutivos como os únicos possíveis para a arqueologia. Por tais motivos, agora justificados, não precisamos nos prender demasiadamente a descritivismos e artefactologias cuja lógica esta pronta e que não acrescentam e não esclarecem nada sobre a origem da revolução agrícola como um processo biológico aliado ao contexto humano. Como afirmou Teggart, um apego demasiado aos “fatos” obscurece os padrões históricos.

Assim, no mundo das idéias biológicas, continuamos com dois problemas que podem ser respondidos pela fragmentação do registro fóssil, mas que também podem ser elucidados teoria paleoSETI: Um derivado do “desaparecimento” de muitas espécies ancestrais transicionais que ainda não foram identificadas, como parece por fim ser o destino da variante Zea (do exemplo citado), e o outro sobre o súbito e rápido “aparecimento” destas espécies já domésticadas.

A hipótese paleoSETI pode responder a inúmeros outros problemas nas quais as proposições evolutivas não tiveram sucesso; por fim, se realmente acreditarmos que nossos ancestrais paleolíticos iniciaram uma prática de seleção e cruzamento que deu origem as plantas domesticadas como o milho e o trigo, teremos que aceitar algo notável: Que nossos ancestrais de várias partes do mundo foram brilhantes e agraciados pela sorte em suas “tentativas e erros” ao escolherem dentre milhares de combinações, cultivar e misturar os exemplares corretos e na ordem correta, no tempo correto para coincidir com mutações naturais específicas, para que com isso surgissem às espécies domesticas modernas, variedades que sem dúvida diferem grandemente das ancestrais devido a suas características únicas de “cultgen”. Depois da domesticação das espécies, nos últimos 5,000 anos de contínuo desenvolvimento das técnicas de cultivo agrícola, de intensificação da seleção por cruzamento, o que se produziu como novas espécies de plantas domesticadas a partir de uma espécie selvagem? Híbridos férteis são ditos como uma raridade improvável, cuja “mágica” das mutações fora dos laboratórios é ainda é um “mistério” da natureza.

Baseando-nos no discurso da história da “revolução agrícola” como ela se apresenta hoje nos livros texto, podemos evocar assim certo ceticismo sobre a simplicidade do que se enuncia como problema. É conveniente que as explicações centrem seu foco em “por

que?” e “quando?” nossos predecessores caçadores coletores “mudaram de dieta e de comportamento alimentar” para ingressarem em uma tentativa de engendro e cultivo de novas espécies de plantas que serviriam como sua nova base primária alimentar, essencial a sua sobrevivência. Tal direcionamento é antes de tudo epistemologicamente intencional: O “como?” revelaria os verdadeiros problemas. Seremos tão ingênuos, que atribuiremos a estrutura de um modelo explicativo inteiro à sorte e a acidentes naturais? A evidencias tendenciosas mas “objetivas” de supostos ancestrais e descendentes num gráfico, corroborações desses “acidentes” fortuitos?

Os modernos ancestrais:

Podemos perguntar: Nossos ancestrais, sozinhos, realizaram um processo complexo sobre o qual lhes faltava todo e qualquer conhecimento dos mecanismos de reprodução, de desenvolvimento e de genética? Podemos, com legitimidade começar a questionar os cenários da pré-história montados pelos evolucionistas, se os seguirmos, teremos que em um determinada época, nossos ancestrais caçadores coletores, de vários continentes, que subsistiam de frutas nozes e carne, que não conheciam as tecnologias para o cultivo e a colheita, que não conheciam técnicas agrícolas e nem como processar e armazenar grãos, de repente, foram capazes dessa rápida transição biológica, comportamental e cultural; que a partir de nenhum conhecimento sobre as plantas ancestrais a serem domesticadas, e o resultado à ser obtido, souberam quais dentre elas deveriam ser cruzadas e cultivadas para que se obtivesse uma variedade que pudesse depois de processada lhes servir rapidamente como fonte primária de alimento. O trigo, o milho, o feijão e o arroz são exemplos de conquistas dessa dimensão global que até hoje são a base alimentar de nossas civilizações milênios depois. E que após 5,000 anos de contínua agricultura, nós não parecemos capazes de igualar e explicar este feito.

Pelo contrário, muitas espécies de grãos domesticados têm desaparecido, e muitas tentativas de resgate destas plantas foram feitas para que se preservasse o patrimônio genético “criado” por nossos ancestrais; esta é uma preocupação recente das maiores corporações de comércio de sementes que inclusive estão exercendo a prática conquistada em alguns países de patenteamento e armazenamento destas espécies para uso futuro nos mercados. Tais ações revelam uma realidade interessante: nossa incapacidade tecnológica moderna de repetir feitos agrícolas de nossos ancestrais; apesar de todo o potencial transgênico que desenvolvemos nas últimas décadas financiados pela indústria agrícola, não podemos “engendrar” a mesma riqueza natural das espécies domesticadas do passado, precisam obtê-las, “resgatá-las” em pequenas

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comunidades do terceiro-mundo que ainda as preservam. Tal bio-pirataria predatória internacional inclusive ocasionou reações extremas no âmbito legal de certas nações, como no caso das variedades de milho “exóticas” que são consideradas patrimônio Peruano. Não há como não perceber a contradição ao pensarmos que hoje as grandes corporações agroindustriais, possuidoras dos mais avançados meios de tecnologia de manipulação genética, ao mesmo tempo exercitam toda uma competição pela posse de plantas ancestrais pelo seu valor genético; plantas estas que supostamente teriam sido engendradas pela própria humanidade há mais de 10,000 B.P. Isto não parece nada lógico.

E é claro, há outro detalhe, nem todas as espécies de cultivo foram tão alteradas para se tornarem cultgen; existem hoje cerca de aproximadamente 195,000 espécies que poderiam ter sido “transformadas em fontes massivas de alimento cultivado; não sabemos quantas haviam há 10,000 B.P, pelo fato da degradação ambiental promovida nos últimos séculos. Provavelmente haviam muitas mais do que este número, ainda assim, se consideramos essa estimativa conservadora, nossos predecessores utilizaram uma porcentagem de cerca de 0.01 deste total para construir a base da agricultura que chegou até nossos tempos. Porque uma quantidade tão pequena foi escolhida? Numa época em que supostamente se conhecia uma variedade enorme de fontes de alimento pela coleta, é outra pergunta que deve ser respondida.

O fato da suposta seleção artificial ter levado a domesticação já é algo extraordinário e improvável; é tão desconfortável que muitas explicações tem surgido para explicá-la através é claro de processos naturais que não confrontem o paradigma da evolução. Uma alternativa por exemplo especula que teria sido um maior controle do fogo, que permitiu aos homens queimar grandes quantidades dos bosques, essa devastação, teria promovido a seleção artificial que por fim originou as plantas domesticadas, pois elas teriam sobrevivido e rebrotado pois eram variáveis mais resistentes, os homens as teriam notado ao perseguirem os pequenos mamíferos durante a caça. (GOLDSBLOM, 1992) O que posso dizer é que existem inúmeros problema aqui: primeiro, isso mais uma vez não explica as felizes conjunções de mutações nem de cruzamentos que seriam na realidade a fonte da natureza doméstica das plantas de cultivo, não diminui nem explica a improbabilidade ou a natureza da mudança; não explica o porque nem o como, os caçadores teriam se interessado em cultivar estas plantas em especial; segundo a arqueologia, não haviam ferramentas ainda para se cortar os bosques antes das queimadas; as plantas domésticas não são mais adaptadas a uma resistência ao fogo, ao contrario, como tem mais palha

na espiga, queimam mais e mais rápido as sementes. Como muitas outras, podemos nos perguntar: O que poderia explicar afinal tal hipótese?

Estamos vivendo hoje uma “nova revolução agrícola”, acontecida 5,000 anos depois da ascensão da agricultura nas sociedades dos vales do Summer. Entretanto, o que os exemplos das tecnologias do presente pode nos ensinar sobre as conquistas do passado? O que exatamente aconteceu desde 1950´s que pode mudar nossos olhares sobre as explicações e modelos propostos até então sobre a origem da agricultura? Lembremos que os modelos tradicionais evolucionistas que tentaram até hoje lidar com este tema da revolução agrícola, nasceram num contexto de saberes que não permitiam uma perspectiva ampla deste “evento” ancestral que foi domesticação dessas espécies. Só pudemos questionar a profundidade dessas conquistas depois da metade do séc.XX e em termos de condições tecnológicas, perceber a dimensão que possuem certas hipóteses com o desenvolvimento da engenharia genética.

Nos dias de hoje, os agro-geneticistas estão realizando feitos que jamais se sonharia na concepção de mundo do sec. XIX, fatos inconcebíveis a imaginação mesmo meio século atrás, hoje, são engendrados híbridos de plantas que nunca antes haviam existido na natureza. Só assim, nasceram muitas “novas” variedades de milho que muitos de nos comemos todos os dias, como por exemplo, o “Bt corn”, que atualmente é uma combinação dos genes do milho com os genes de uma bactéria19, o Bacillus thuringiensis. Esse processo não é um “acidente da natureza”, mas é conhecido como transgenia, e não é um desenvolvimento originado do acumulo de saberes da pratica agrícola tradicional do campo, da seleção e do cruzamento artificial que remonta a pelo menos 9,000 anos; muito pelo contrário, surgiu muito recentemente, há poucas décadas, através do desenvolvimento tecnológico e do conhecimento do funcionamento do genoma (WU, 2006).

Uma variante como o Bt corn foi existe através de um processo altamente dependente de uma conjunção histórica de fatores cumulativos, um cenário lento de experimentação que culminou na tecnologia de ponta em manipulação nano-biológica20.

19 Os genes da bacterianos auxiliam a planta em sua imunidade contra pragas naturais da lavoura.

20 Em termos simplistas podemos entender a transgenia da seguinte forma: Extrai-se cuidadosamente o material genético da bactéria, isolam as partes específicas de seu Dna e inserem este no Dna da planta de milho. Depois, a transformação final desejada é atingida através de culturas de tecidos. Estas “novas” plantas, chamadas transgênicas, vegetais engendrados através da transferência de material genético de um organismo para outro, são consideradas uma melhora da planta, pelo menos na perspectiva hu-mana de produção de alimentos, e esse é o intuito deste processo de hibridização. Uma das maiores monoculturas agrárias da história, a soja, também tem sido modificada não só para criar resistência natural as pragas, mas para

O milho Bt corn hoje é modificado para produzir seu próprio “pesticida”, a planta secreta o próprio veneno contra as pragas específicas da lavoura como os “earworms” (DYVELY e PATTON, 2003). Esta realidade não é só das plantas. Da mesma maneira, muitos hormônios do crescimento estão sendo isolados no Dna, em espécies animais como os bovinos e introduzidos no genoma de outros animais domésticos de produção para acelerar o crescimento muscular e diminuir a produção de gorduras. A própria clonagem abriu as portas para uma diversidade de experimentos em animais criados para a alimentação. Nós, inclusive, nesta mesma perspectiva, estamos criando a partir desta mesma tecnologia o que se convencionou chamar de “plantanimals” ou plantas-animais; uma mistura genética nunca antes vista na natureza de novas espécies híbridas entre animais e plantas, a união de dois reinos distintos.

E este contexto moderno da agricultura, esta combinação de “Admirável mundo novo” e “A Ilha do Dr. Moreau” não é ainda a última palavra nas aplicações da transgenia nas fazendas de alta-tecnologia hoje. É comum vermos grandes plantações de belos “tapetes verdes” compostos de plantas idênticas, clones bem protegidos por cercas elétricas. São, os mais novos “testes” de cereais engendrados pelas indústrias farmacêuticas chamados assim de “Pharmacrop” ou cereais-farmacológicos (WUERTHELE, 2005). São em sua maioria, milho transgênico, modificado para produzir enzimas humanas à partir de Dna humano. Se espera por exemplo, que este novo híbrido produza “Lipase”, uma enzima utilizada para o tratamento de fibrose cística. Espera-se destas práticas de produção de fármacos em culturas alternadas como o milho e o tabaco, uma produção maciça de drogas para serem utilizadas em animais e no homem, para a saúde e para a alteração de comportamento, estas são as chamadas “Genitcally Modified Foods” ou “GMOs” e tem recebido por esta razão, grande atenção das indústrias de biotecnologia. As GMOs, desde o aparecimento da transgenia têm recebido duras críticas (FRESCO, 2001), a maioria delas incidindo sobre a questão da imprevisibilidade das interações entre estes novos “seres” criados e os organismos humanos, a incompatibilidade ecológica entre estas novas espécies e o ambiente, o alto índice alérgico, as táticas ilegais de mercado das grandes corporações industriais de sementes modificadas para o controle da produção de alimentos, a destruição do patrimônio genético natural e a ética no sistema de patentes e de experiências com seres vivos, dentre muitas outras.

Claramente, o que levou a este novo e rápido “desenvolvimento” moderno foi a resistir aos herbicidas (WU, 2006).

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ANDRADA, A.C. de. Jardins Alienígenas: A hipótese paleo-SETI como modelo global para explicar os paradoxos da chamada Revolução Agrícola. In: I Encontro de História do Sudeste do Piauí - U.E.S.P.I., 23 de Setembro de 2011.

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introdução de “novos” conhecimentos sobre a genética dos seres vivos21 aliada a tecnologia de ponta do séc. XX e XXI. Não se poderia atingir tal feito através dos cruzamentos e da seleção artificial que esteve disponível aos agricultores desde 5,000 anos B.P. Tentemos evidenciar o entendimento de que este “salto” da manipulação gênica que vivemos na modernidade não é qualitativamente diferente das mudanças ocorridas a mais de 10,000 B.P quando da “revolução agrícola” no sentido da domesticação e modificação de espécies selvagens. Assim, a pergunta de “como?” isto foi possível aos nossos ancestrais é uma pergunta que só pudemos nos fazer hoje, e a resposta deve se refletir em nossos modelos explicativos para o entendimento da revolução agrícola como um fenômeno global.

A transgenia é um processo de alteração do Dna em que são combinados duas informações genéticas diferentes pra se produzir um efeito fenotípico desejado ou “engendrado”. O que permite tal técnica, é que a composição do Dna é universal nos seres vivos, o que promove as diferenças é sua combinação. Se hipoteticamente, o trigo de pão tivesse sido engendrado por processos de engenharia genética, nós hoje, olhando para o seu Dna, não poderíamos dizer, só pela composição quantitativa do Dna. Da mesma maneira que se o Bt corn fosse achado na natureza, e examinado, teria sua existência explicada através de processos de “mutação” e “cruzamentos acidentais”; isto por que, a única maneira de explicarmos sua existência sem o contexto da manipulação, do conhecimento e da tecnologia moderna, seria através de “coincidências” improváveis ocorridas durante milhões de anos. A improbabilidade, assim, representa a qualidade das modificações sofridas pela espécie associada a um contexto. Lembremos que essa improbabilidade aumenta ainda mais quando os autores admitem que essas plantas, como vimos no exemplo do trigo, tiveram uma modificação qualitativa e não existem evidencias de grandes mudanças (HARRIS, 1996), estas que invariavelmente teriam ocorrido se acaso os sucessivos “experimentos de tentativa e erro” sugeridos para explicar a domesticação tivessem sido tentados. As variedades domésticas sofreram mutações apenas nos genes que permitiram a mudança fenotípica necessária ao homem, enfim, que melhor evidencia qualitativa de uma manipulação intencional poderíamos esperar.

Se entendermos que um cenário lógico baseado em grandes coincidências e acidentes naturais não é uma explicação em si, a única afirmação segura que podemos fazer aqui, é que: Hoje, através de novos

21 Sobre a síntese evolutiva e o aparecimento de disci-plinas como a bioquímica, a biologia molecular aplicada a citologia e a engenharia genética.

saberes, temos condições de oferecer uma explicação às mudanças rápidas e altamente qualitativas ocorridas no genoma das plantas que se tornaram domésticas há 10,000. Essa explicação é a mesma para qualquer espécie domestica que exiba tais características: Manipulação genética direta através de processos similares ao que conhecemos hoje como transgenia.

Entretanto, os modelos tradicionais da arqueologia negam o valor desses questionamentos, sua narrativa histórica é clara: Nossos ancestrais, por necessidades ambientais, criaram, aliados a “acidentes” naturais, novas variedades de plantas domesticadas. Para isso, nenhum aporte de um conhecimento profundo de genética e de alta tecnologia foi necessário, apenas o “cruzamento experimental” de “tentativa e erro”, e de seleção de campo bastariam como explicação. Esta discussão levanta paralelos profundos sobre outras explicações histórias da origem da própria civilização. Quando olhamos para estes problemas sobre como nossos ancestrais, sem o conhecimento técnico sobre a biologia, o próprio cultivo, e sem as ferramentas apropriadas ao processo, puderam domesticar rapidamente as plantas selvagens de maneira tão espetacular, nos lembramos do paralelo sobre a construção dos monumentos neolíticos e sobre tantos outros conhecimentos que “emergiram” da pré-história neste mesmo período. Pensamos em como seria possível a construção de uma grande pirâmide, de um Zigurate ou de um complexo de menires, de como foram concebidos, projetados, engendrados e construídos, com ferramentas de pedra e bronze, implementos rudimentares e com métodos tão desconhecidos ainda hoje. Há algo fora de faltando nestes cenários históricos sobre a emergência das civilizações neste planeta; “Quando?” e “Por quê?” surgiram a agricultura, a engenharia de precisão e a arquitetura, dentre todos os conhecimentos antigos não são mais perguntas suficientes: “Como?” e “Por quem?”, parecem ser questões sensatas.

Assim, como na questão da manipulação gênica da revolução agrícola, o problema para a os cenários ortodoxos é a completa ausência de um modelo de desenvolvimento de longa incubação para as idéias complexas que vemos aparecer com a civilização. Na agricultura, não temos evidencias de uma fase em que houve um lento e seletivo cultivo em um cenário de “tentativa e erro” que se sustente quando entendemos a dimensão da mudança que se pretende explicar. Podemos especular que a domesticação das espécies de plantas e animais é um milênio mais antiga que o marco contemporâneo hipotético de aproximadamente 10,000 anos; as datas da arqueologia como já afirmei estão velozmente sendo revisadas e as cronologias ampliadas, porem, quanto mais ao passado nos movemos

para construir um cenário para o início da agricultura, maior é o impacto dos problemas sobre a falta de contexto: Saber e tecnologia para a realização de tais seleções e engendros de espécies cultivadas.

De qualquer maneira, sugerir que tudo aconteceu por um desenvolvimento gradual é sabidamente falacioso, a arqueologia o demonstra de duas formas espetaculares: na primeira está a falta do contexto transitório expresso na tecnologia conhecida do Paleolítico e na ausência de cultivo de plantas ancestrais; essa diferença é que alimenta a própria fronteira Paleolítico/neolítico estabelecida pela cultura material. Gordon Childe, um dos pais da tipologia arqueológica nos esclarece essa diferença já em meados do séc. XX, fazendo questão de pontuar estas diferenças citando uma lista longa das inovações do período neolítico seus usos, depois declara até que tal barreira é marcada pela separação coma invenção da ciência:

“A relação precedente, embora incompleta (poderá ser suplementada com a consulta de a Evolução cultural do homem), mostra como o equipamento neolítico era imensamente mais rico do que qualquer selvageria paleolítica ou mesolítica. A barbárie surge com a aplicação de um complexo regular de descobertas e de invenções científicas” (CHILDE, 1942).

Em segundo lugar, a arqueologia experimental até este momento, quando não falha, não demonstra com clareza como foram alcançados tais feitos tecnológicos de nossos predecessores; seus modelos experimentais são sempre trabalhados em escala reduzida e sustentados por projeções especulativas não fundamentadas por corroboração suficiente.

Pensar na “revolução agrícola” como um aporte de novos conhecimentos e como feito humano tecnológico pela explicação histórica tradicional em relação ao tempo arqueológico da história humana é comparável a imaginar um acampamento em que caçadores coletores a volta da fogueira, contam estórias e projetam a sobra de seus dedos na parede de um abrigo rochoso num minuto, e no minuto seguinte estão sentados assistindo uma superprodução de cinema em uma tela de televisão. Esta é a dimensão alegórica para esta lacuna na explicação sobre a origem das idéias e da tecnologia que tornaram possíveis tais realizações de nossos ancestrais em todos os campos do conhecimento que levaram do Paleolítico ao nascimento da agricultura e da civilização.

Quando e como foram realizados estes “saltos quânticos” que levaram o homem a civilização? E onde esta a evidência de foram às populações humanas que engendraram tal desenvolvimento gradualmente e em seu contexto natural?

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“[...] as alterações significativas na experiencia dos povos surgiram de repente, deslocaram-se rapidamente e pararam de maneira abrupta.” (BOCK, 1980)

Já discutimos que um cenário lento e gradual não se expressa nos dados históricos. Se quisermos ir por este caminho ilusório evolutivo “gradualista” através da arqueologia tradicional, teremos que responder a estas perguntas eternamente presos a explicações que se fundamentam em determinismos ingênuos que no final descambam para explicações de processos que dependem de “acidentes genéticos”, “improbabilidades” e “grandes coincidências”. Cansamos dessas conjecturas que por fim nada explicam.

Nesta busca por explicações, nos confrontamos com a fragilidade dos modelos adaptacionistas e dos simbólicos, para explicar os meios pelos quais emergiram os conhecimentos da revolução neolítica. Pelo contrário, através da arqueologia, muitos autores afirmam que o contexto anterior, do paleolítico, não oferece elementos que pudessem proporcionar tal fenômeno (CHILDE; HARRIS; COHEN; WATSON; BOSERUP; FLEM-ATH). Assim, podemos enunciar duas considerações importantes relacionadas a proposição deste trabalho sobre revolução agrícola que obtivemos até agora:

1) Não existem, para além das conjecturas, evidências arqueológicas concretas que corroborem que os homens do passado teriam meios para realização da domesticação genética das plantas.

2) Não sabemos como se originou tal salto cognitivo, esse conhecimento tecnológico e técnico necessário para esta realização.

Um Difusionismo extraplanetário?

Talvez uma mudança de perspectiva paradigmática radical, ajude a resolver estas questões tão extremas. Afinal, um evento tão diferenciado como a “revolução agrícola” deve possuir uma explicação em mesma medida. Neste momento, penso que é essencial se considerar os “Porquês”, porém, como vimos o mais importante para o entendimento da natureza desta questão é construirmos uma explicação a partir do “Como” se deu tal processo; do como foi possível a “revolução agrícola”. Temos uma resposta. Se reconhecemos hoje que houveram processos de manipulação direta do genoma de varias espécies naturais à mais de 10,000 anos B.P, o passo seguinte é identificar o agente.

Carl Sagan nós apresenta um cenário explicativo sobre um hipotético difusionismo interestelar:

“Uma civilização técnica emergente, após explorar seu sistema planetário natal e desenvolver o vôo espacial interestelar, deve começar lentamente, e por tentativas, a explorar as estrelas próximas. Algumas estrelas não possuem planetas adequados, talvez sejam todos mundos de gás ou diminutos asteróides. Outros fariam o levantamento de mundos adequados, mas alguns já estariam habitados, ou a atmosfera venenosa ou o clima desconfortável. Em muitos casos os colonizadores teriam de mudar - ou, como diríamos paroquialmente, reformar o mundo para fazê-lo adequadamente clemente. [...] E deste modo, uma civilização dirige seu caminho como uma videira entre os mundos.” (SAGAN, 1989)

A hipótese Paleo-SETI, de “deuses astronautas” disseminando conhecimentos tecnicos e modificando biotas através do s munos, parece-nos interessante, por diversos motivos. Primeiro de tudo por que ela é, apesar de indiretamente, cientificamente testável. Se a “revolução agrícola” foi um dos processos desencadeados pelo contato de populações pretéritas com uma ou mais civilizações extraterrestres; assim como todos os outros processos que elevaram nossos predecessores de homens do paleolítico à engenheiros de pirâmides, filósofos, matemáticos, médicos e astrólogos, ou seja à civilização, não seria um salto tão difícil à corroboração científica, pois esta estaria permeada em todos os saberes, desde à astronomia, a lingüística, a tecnologia, até na própria narrativa histórica dos povos, esperaríamos encontrar nesta hipótese uma melhor explicação. É claro que aqueles que esperam encontrar uma “nave interestelar” em nosso sitio arqueológico, ficariam decepcionados, porém , a evidência ganharia força neste conjunto de fatos e saberes que implicariam o tipo de difusionismo que propomos aqui.

Para elencar o lugar de direito destas hipóteses paleo-SETI na revolução agrícola, precisei até agora, demonstrar que o mais importante sobre esta “revolução”, não foram às necessidades adaptativas, mas acima de tudo, os saberes que a fundamentam, como disse, é o “Como” da questão que acaba por eleger esta hipótese do difusionismo extraplanetário como o modelo que melhor se cosduna com os fatos e que melhor responde aos problemas. A negação dessa esfera, como vimos, é um motivada por valores histórico teórico/ideológicos por trás da negação de quaisquer modelos que possam ferir o valor da idéia evolutiva, como é o caso da hipótese paleo-SETI entre outras.

Propomos assim, que civilizações do cosmo tenham visitado a terra no passado como o fazem no presente, que tenham tido contato com nossos ancestrais, havendo assim, uma troca de saberes. Civilizações estas, avançadas tecnologicamente e

assim, sendo os únicos agentes possíveis, de posse do conhecimento e da técnica há mais de 9,000 anos atrás, que pudessem naturalmente realizar as hibridizações e processos transgênicos necessários para que nossos predecessores obtivessem as novas variedades de plantas domesticadas. Que pudessem causar a mudança das idéias, principalmente as culturais cosmológicas, transformadora em tal medida desse fenômeno da história da humanidade. Afinal, por que é tão “fantasioso” acreditar que tais cenários não foram possíveis no passado para outras civilizações extraterrestres, se nós mesmos os estamos realizando no presente, com a transgenia e a distribuição intencional destas “novas plantas” a nível mundial, numa mesma lógica. Ou como parte de nosso próprio projeto para a colonização do espaço, onde temos planos para realizar uma Terraforma22 no planeta Marte, uma “reforma planetária”. Uma das técnicas que estão sendo testadas hoje, trata da aplicação da própria transgenia para a produção de plantas híbridas capazes de sobreviver em solo marciano.

Esta possibilidade Paleo-SETI não é uma novidade de modo algum no mundo científico. De fato, este é um cenário tão possível, que ironicamente o próprio descobridor da forma da molécula de Dna, Sir Francis Crick, convencido que a informação genética que compõe os seres vivos não poderia ter aparecido simplesmente por um “acidente químico da natureza”, usa a mesma lógica. Aventa a possibilidade que o próprio planeta Terra tenha sido semeado com vida por sociedades extraterrestres em seu artigo de 1972, “Directed Panspermia”, publicado inclusive em conjunto com Leslie E. Orgel, ninguém menos que “o pai” dos experimentos sobre a origem da vida. Crick propõe acima de tudo que a própria biologia dos seres vivos como conhecemos é de origem extraterrestre, proposta essa que em seu tampo já não era original. O artigo destina-se a discutir que essa colonização foi direta, ou seja, que a vida foi trazida por uma civilização avançada a este planeta (CRICK e ORGEL, 1976). Em outras obras Crick trabalha este conceito: Em seu livro “Life Itself” ou em The Genesis Race series. Infelizmente muitos arqueólogos nunca ouviram falar sobre estes assuntos, e este é o motivo principal do por que estas proposições não são consideradas nos cenários sobre a evolução cultural do homem. Este trabalho como um esboço inicial, tenta de alguma forma modificar esta situação.

De qualquer forma, Crick publica seus trabalhos no final do século XX, Hoje, porém, suas hipóteses estão se concretizando, e o que surpreende a muitos, por exemplo, é o fato de que a confirmação sobre vida extraterrestre já é hoje uma realidade apoiada

22 Conceito que prevê a reforma de outros mundos para que fiquem habitáveis naturalmente ao ser humano, para tomem a “forma da terra”.

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por muitas pesquisas exobiológicas que não só identificam tais seres, como o fazem aqui mesmo em nosso planeta. A panspermia de espécies extraterrestres, pelo menos unicelulares é confirmada por inúmeros trabalhos que não geram margem para muita controvérsia. Podemos citar alguns relacionados às recentes “chuvas” de núcleos meteoríticos dissolvidos em Kerala, África do sul, que continham enorme quantidade de organismos célulares extraterrestres, inúmeros trabalhos têm confirmado tal afirmação, como: The Red Rain Phenomenon of Kerala and its possible Extarterrestrial Origin, 2006; Cometary panspermia explains the red rain of Kerala, 2003; New biology of red rain extremophiles prove cometary panspermia, 2003; Growth and replication of red rain cells at 121oC and their red fluorescence; Unusual autofluorescence characteristic of cultured red-rain cells, 2008; Red rain cell research: A new perspective for interplanetary transfer of life, 2009.

Resolvida esta questão entediante sobre o valor do caráter científico da hipótese paleo-SETI, vejamos, um esboço do porque ela resolve diversos problemas quanto à origem da agricultura:

1) Em primeiro lugar, resolve-se a questão principal de como as espécies foram domesticadas geneticamente. Agora, podemos inferir que havia tecnologia para a realização das hibridizações e das modificações genéticas ocorridas nas plantas domésticas, principalmente nas variantes do milho e do trigo. Não precisamos mais de eventos fortuitos de “cruzamentos” improváveis e de “mutações” acidentais para explicar como essas plantas foram geneticamente alteradas para o cultivo humano; situação que acabou ocasionando sua própria dependência reprodutiva ao processo, fato este agora explicável, assim como temos o mesmo padrão para as variantes modernas obtidas pela transgenia.

2) Resolve a questão temporal e contextual. A tecnologia e o conhecimento para tal “revolução” não foi originada nas mentes de nossos predecessores caçadores coletores do paleolítico, mas foi ensinada a eles por uma ou mais civilizações que extraterrestres. Isso resolve o problema da rapidez em que se deu a “revolução agrícola” e a falta de um cenário de evidências arqueológicas que corroborassem períodos formativos da agricultura como “uma idéia” tão diferenciada do modelo anterior de caça e coleta.

3) Resolve o problema do porque houve uma substituição mundial de antigos costumes tão eficientes para a sobrevivência. Ao ocorrer o contato de alguns povos pretéritos com civilizações extraterrestres,

muito provavelmente ocorreu um intercambio cultural muito grande, o que ocasionou não só a mudança tecnológica imediata, mas também uma mudança de médio e longo prazo das organizações das sociedades em todos os aspectos, das artes simbólicas as matemáticas, as filosofias. Tal fenômeno se deve provavelmente ao processo de colonização extraterrestre temporário que como conseqüência gerou uma “imitação” em primeiro momento dos valores culturais dessa ou dessas sociedades de visitantes extraterrestres. Esta hipótese se coaduna com toda a emergência destes saberes exposta nas evidencias arqueológicas.

4) A hipótese Paleo-SETI responde ao grande desafio que nenhuma outro modelo conseguiu responder sobre a simultaneidade Global do aparecimento da domesticação das espécies animais e vegetais. O padrão universal que não se encontra em nenhuma outra hipótese é exatamente o contato que diversas populações humanas ancestrais tiveram com uma ou mais civilizações extraterrestres durante o período que compreende o final da ultima glaciação. Poderíamos até mesmo conjecturar que foram as rápidas mudanças climáticas, geológicas e ecológicas que atraíram tais grupos extraterrestres ao planeta terra neste período em específico. Como postulou Crick, em sua teoria da panspermia direta, há evidencias de que vida como conhecemos na terra pode ter sido semeada por civilizações extraterrestres, assim, se justificaria o interesse destas pelas mudanças ambientais; poderia estes interesses serem mesmo o de um acompanhamento dos ecossistemas com intervenções pontuadas na história da vida dos seres vivos, esta hipótese pode assim responder também muitos problemas paleontológicos23 sobre a extinção e o aparecimento de novas espécies.

5) Podemos entender que esta hipótese também explica a escolha dos locais dos Centros de desenvolvimento da agricultura como temos nos trabalhos de Vavilov e Harlan, pois independente da localização geográfica no globo, foram escolhidos locais montanhosos para que as sociedades agrícolas humanas se desenvolvessem sem que houvesse uma variação climática brusca. Lembremos que nesta época do final de período glacial, tanto o litoral quanto as margens dos rios poderiam sofrer severas inundações ocasionadas pela transgressão marinha; também nas regiões baixas, a precipitação pluvial neste período seria extremamente severa; a proteção oferecida pelos maciços montanhosos poderia oferecer maior segurança e estabilidade

23 Como a inconsistência do registro fóssil e do gradu-alismo evolutivo, problemas que evocaram teorias como a do equilíbrio pontuado de S. J. Gold e N. Eldredge; nesse cenário que propomos, não se necessitaria nem sequer de uma explicação natural para a evolução das espécies, resol-vendo as questões que tanto afligem os neo-evolucionistas e os criacionistas científicos.

neste período conturbado. Como vimos foram vários motivos desfavoráveis nas áreas baixas: desertificação, fragmentação dos campos, variação de temperatura; nas montanhas o clima deveria ser mais estável, fator que é essencial ao desenvolvimento da atividade agrícola. Provavelmente, motivos semelhantes devem ter ocasionado a decisão tomada por estas sociedades extraterrestres que aqui deveriam ter como um dos objetivos de sua visita, garantir a sobrevivência da espécie humana. Nesta lógica, podemos pensar que um local seguro para as populações humanas de caçadores coletores foi o primeiro interesse, devido às mudanças geológico-climáticas, a agricultura foi assim uma escolha natural secundária, talvez necessária pela falta de recursos para que o antigo sistema de caça-coleta fosse viável nestas novas condições geográficas.

6) A hipótese Paleo-SETI resolve a questão dos valores simbólicos universais desenvolvidos pelos homens neste período. Principalmente sobre o conhecimento que convencionou-se chamar de “mitológico”. As similaridades expressas nas história sobre a origens do homem e sobre a existência de outros seres que vivem além desta esfera, entidades que entendemos por “deuses” agora podem ser compreendidas e explicadas.

7) Temos também o entendimento do porque parece ter se iniciado neste período o culto aos deuses e segundo alguns autores o inicio das religiões. A explicação dos cultos associados a agricultura só ata os laços entre as visitas extraterrestres e o advento da agricultura. Assim a teoria dos deuses astronautas explica o próprio surgimento do processo religioso.

8) Resolve os paradoxos entre dispersão/migração/transplante de longas distâncias, até mesmo intercontinentais de diversas plantas de cultivo em períodos em que não há evidências concretas de navegações ou contatos entre populações que poderiam ter transplantado tais variedades. As distâncias e as imensas barreiras geograficas não seriam um problema para um difusionismo compreendido dentro do modelo global PaleoSETI.

9) A hipótese também resolve muitos dos problemas técnicos sobre a origem e desenvolvimento dos conhecimentos antigos, principalmente sobre os grandes ciclos astronômicos cuja observação seria muito improvável senão impossível; sobre a origem das matemáticas; da engenharia; da arquitetura megalítica; da origem da medicina antiga, principalmente relacionado aos saberes sobre as plantas medicinais e a medicina oriental, e da própria agricultura como conhecimento e técnica.

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10) Ao mesmo tempo, a hipótese PaleoSETI permite a valoração da história própria dos povos, ao re-fazer a ligação entre o discurso “mitológico” destas mesmas sociedades antigas, que atribuem diretamente aos “deuses”, habitantes de outras esferas, às sociedades extraterrestres, tais conhecimentos.

Emergência de cenários culturais: Tradicionalmente, no contexto das

pesquisas pós-modernas em ciências, pesquisadores interessados em ciência e cultura têm-se focado nas respostas culturais das comunidades étnicas do instituído “terceiro mundo” sobre ciência e tecnologia para questionar os valores da modernidade científica tradicional. Tais questões estrangulam não só as epistemologias tradicionais e diversificam as visões filosóficas sobre a construção do que chamamos conhecimento, mas em seu cerne, oferecem uma critica ampla aos usos do conhecimento para a construção das cosmologias das sociedades.

A resposta da modernidade têm sido em sua maioria o questionamento dos trabalhos pós-modernos dentro episteme positivista e a negação do carater científico de tais saberes tomando por regra única os métodos que lhe agradam. As hipóteses Paleo-SETI, embora possam ser trabalhadas em ambas as frentes filosóficas, têm sofrido acusações de toda sorte quanto a sua legitimidade; “pseudociência”, “fantasia”, “ficção científica”. Numa perspectiva histórica, já ouvimos muitas destas criticas antes: Todas as idéias revolucionárias mais preciosas e valorizadas da nossa ciência contemporânea foram um dia acusadas em voz alta e na mesma medida; assim, se realizarmos um bom trabalho é certo esperarmos ouvir muitas acusações ainda.

Porém, aqui quero trabalhar uma destas criticas que é mais específica e se relaciona ao questionamento da política e ideologia das hipoteses de antigos astronautas, principalmente quando tratamos do tema “tecnologia” e “descoberta do conhecimento”, assim, relaciona-se diretamente com a revolução agrícola e merece ser respondida aqui. Ela versa sobre um suposto caráter “etnocêntrico” dos modelos Paleo-SETI. Segundo estas, nossas proposições esvaziariam as identidades e capacidades intelectuais e técnicas dos povos da antiguidade, pois tudo o que empreendemos é uma explicação que versa terem sido seus maiores feitos criativos, legados de outros povos, aqui de civilizações “extraterrestres”.

“As carruagens dos deuses baseia-se na concepção vaidosa de que nenhum povo mais antigo e mais “primitivo” do que nós

poderia ter construído os templos Maias, as demarcações dos solos dos Nazcas, as estátuas da ilha da Páscoa e coisas semelhantes. Por conseguinte, deve ter havido visitantes do espaço extraterrestre. Tais histórias, somadas às fantasias sobre o triangulo das bermudas e os OVNIs, têm, evidentemente, um atrativo intrínseco que vai muito além das explicações prosaicas, em geral bastante corriqueiras, preferidas pelas pessoas racionais.” (ELDREDGE & TATTERSALL, 1982, p. 27)

Bem, esta é uma idéia muito popular porem terrivelmente errada. Existe uma grande confusão aqui, não estamos tentando de maneira alguma afirmar que o gênio humano em qualquer parte do globo e em qualquer época é incapaz de realizações intelectuais ou técnicas. O que propomos em verdade é bem diferente: Existem perguntas sobre as origens que não foram respondidas pelas correntes de pensamento histórico tradicionais. Como vimos aqui, sobre as origens da agricultura, as pretensas explicações “prosaicas, corriqueiras e racionais” da “ciência tradicional” não respondem aos problemas sem recorrer a “mágica” soma de vários eventos “coincidentes e acidentais”, que ao final, não explicam coisa alguma. Que é frente a essa “falta total” de explicações sobre determinados temas que se considera e se propõe uma hipótese científica PaleoSETI, que pode ser considerada como qualquer outra, mas que não esta recebendo a atenção das academias.

Como primeira defesa, devo, portanto salientar que ainda não foram superados os problemas que alimentam as hipóteses sobre as origens extraterrestres da agricultura. E não podemos condenar uma idéia a priori, simplesmente por suas implicações sociais ou anti-paradigmáticas, ou pela dificuldade em testá-la. Aos que acreditam que esta possui problemas em sua lógica, se não tem corroboração suficiente ou se não responde aos problemas, que enunciem e discutam o conhecimento, esta é a essência do processo epistemológico científico.

Quanto à acusação de etnocentrismo, essa é uma tática recorrente do discurso que deve ser analisado. Se refletirmos um pouco, perceberemos que foi esse mesmo discurso “científico” social da arqueologia e da antropologia, disciplinas nascidas no séc. XIX, que nos acusa de “etnocentrismo” quem re-significou a narrativa dos povos de cosmologias não européias, sob a bandeira do mecanicismo e do materialismo e do positivismo epistêmico, e assim, transformou a história dos outros homens em “Mitos de Origem”, alegorias sem valor factual.

Neste sentido, o que as hipóteses paleo-SETI realmente fazem é resgatar o

valor original da narrativa dita “mítica” como discurso histórico factual e inseri-la no contexto científico, numa interpretação que respeita o discurso original. Não somos etnocêntricos e pelo contrário, entendo assim que “os etnocêntricos” são os discursos da modernidade que negam a história dos povos e a tratam segundo seus próprios paradigmas científicos hegemônicos.

O que dizem as histórias destes povos sobre a origem da agricultura? Nestas narrativas “mitológicas” a agricultura não é uma conquista humana como quer o paradigma atual, (este sim etnocêntrico) da arqueologia tradicional, mas um conhecimento que foi difundido do exterior como propomos. Assim, é proclamado que o conhecimento “racional” é negar uma hipótese pela negação da evidência factual e da própria história dos povos, apenas para salvaguardar paradigmas convenientes.

Temos que enfatizar melhor esse contexto, pois é este aspecto cultural importante, dos “Mitos” como corroboração arqueológica que torna a teoria paleo-SETI a explicação de maior relevância para o fenômeno da “revolução agrícola” neste trabalho; Os “mitos” de origem da agricultura. O que propomos não é novo, muitos já perguntaram e muitos foram silenciados: E se os mitos forem história? Os mitos são a história dos povos, não só numa compreensão imaterial, como querem alguns, mas como fato científico. Como podemos perceber em uma rápida pesquisa, muitos autores já observaram que os “mitos” dos povos ancestrais, narrativas longínquas e “supostamente” sem contato, apresentam certas similaridades, ou uniformidades com relação a alguns pontos determinantes dos discursos, principalmente quando estes mitos versam sobre as origens dos homens ou sobre as origens do conhecimento. Muitas propostas de leitura tentaram responder a este problema apostando em determinismos universais humanos: psicológicos, culturais, até sociobiológicos; porém quando confrontadas com os detalhes e minúcias destas semelhanças, estas teorias não se sustentam.

Assim, muitas sociedades têm histórias para explicar o surgimento da agricultura. Harlan (1995) apresenta vários mitos sobre essa origem em várias sociedades agrárias. Ele enfatiza a idéia recorrente e mundial de que várias “deidades” foram às responsáveis pela introdução desse novo conhecimento enquanto literalmente doavam as plantas que deveriam ser cultivadas aos homens (Isis no Egito; Demeter na Grécia; as crianças do Sol, o primeiro Inca nos Andes; Oannes na Mesopotâmia).

Em conjunto com a agricultura, estas “entidades”, categorizadas por “deuses

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civilizadores” também inserem sistemas de leis, práticas religiosas e todas as artes da vida “civilizada”. Harlan realiza um sumário os elementos em comum que estes mitos apresentam:

“1. prefarming peoples led a primitive, wild, uncivilized, lawless, graceless, and brutish existence;

2. they did not farm because of ignorance or lack of intelligence;

3. divine intervention was required to bring agriculture, as well as the other elements of civilization, to humans; and

4. the agricultural descendants of these people recognize their general superiority to foragers.” (HARLAN, 1995)

Como exemplo dessas narrativas, escolhi apresentar aqui um “mito” de um dos centros de origem da agricultura, o centro Sul Americano, como podemos ler em Comentarios Reales de Garcilaso de La Vega24.

“Sabrás que en los siglos antiguos toda esta región de tierra que ves eran unos grandes montes y breñales, y las gentes en aquellos tiempos vivían como fieras y animales brutos, sin religión, ni policía, sin pueblo ni casa, sin cultivar ni sembrar la tierra, sin vestir ni cubrir sus carnes, porque no sabían labrar algodón ni lana para hacer de vestir. Vivían de dos en dos, y de tres en tres, como acertaban a juntarse en las cuevas y resquicios de peñas y cavernas de la tierra; comían como bestias yerbas del campo y raíces de árboles, y la fruta inculta que ellos daban de suyo, y carne humana. Cubrían sus carnes con hojas y cortezas de árboles, y pieles de animales; otros andaban en cueros. En suma, vivían como venados y salvajinas, y aun en las mujeres se habían como los brutos, porque no supieron tenerlas propias y conocidas.”

[...] “Nuestro Padre el Sol, viendo los hombres tales, como te he dicho, se apiadó, y hubo lástima dellos, y envió del cielo a la tierra un hijo y una hija de los suyos para que los doctrinasen en el conocimiento de Nuestro

24 Nascido em 1539, Garcilaso é filho do capitão espa-nhol dom Sebastião Garcia de La Veja com a princesa Inca Chimu Occlo (Isabel), neta do Inca Tupac Yupanqui e so-brinha de Huayna Capac, um dos últimos soberanos Incas. Devido a sua origem mestiça, mantém contato com a famí-lia de sua mãe no Perú, o trecho citado foi contado a ele por um tio inca. Quando da morte de seu pai em 1552, decide partir para a Espanha, feito que só alcança em 1560, ao entrar para as armas. Após 30 anos longe de seu país natal, escreve a história dos Incas, em 1609 Commentarios rea-les quetratam de La origem de los Incas. Morre em 1616, sete anos mais tarde em Córdoba. Apesar de considerados possuidores de uma visão idílica e cheia de valores morais europeus sobre a história inca, os escritos de Garcilaso são em seu contexto um importante testemunho da coleta das tradições orais durante a conquista espanhola do Peru. (AZIZ, 1978, p. 136)

Padre el Sol, para que lo adorasen y tuviesen por su dios, y para que les diesen preceptos y leyes en que viviesen como hombres en razón y urbanidad; para que habitasen en casas y pueblos poblados, supiesen labrar las tierras, cultivar las plantas y mieses, criar los ganados y gozar dellos y de los frutos de la tierra, como hombres racionales, y no como bestias. Con esta orden y mandato puso Nuestro Padre el Sol estos dos hijos suyos en la laguna Titicaca, que está a ochenta leguas de aquí, y les dijo que fuesen por do quisiesen, doquiera que parasen a comer o a dormir, procurasen hincar en el suelo una barilla de oro, de media vara en largo y dos dedos en grueso, que les dio para señal y muestras que donde aquella barra se les hundiese, con sólo un golpe que con ella diesen en tierra, allí quedaría el Sol Nuestro Padre que parasen y hiciesen su asiento y corte.”

[...] “Cuando hayáis reducido esas gentes a nuestro servicio, los mantendréis en razón y justicia, con piedad, clemencia y mansedumbre, haciendo en todo oficio de padre piadoso para con sus hijos tiernos y amados, a imitación y semejanza mía, que a todo el mundo hago bien, que les doy mi luz y claridad para que vean y hagan sus haciendas, y les caliento cuando han frío, y crío sus pastos y sementeras; hago fructificar sus árboles, y multiplico sus ganados; lluevo y sereno a sus tiempos, y tengo cuidado de dar una vuelta cada día al mundo por ver las necesidades que en la tierra se ofrecen, para las proveer y socorrer, como sustentador y bienechor de las gentes; quiero que vosotros imitéis este ejemplo como hijos míos, enviados a la tierra sólo para la doctrina y beneficio de esos hombres, que viven como bestias. Y desde luego os constituyo y nombro por reyes y señores de todas las gentes que así doctrináredes con vuestras buenas razones, obras y gobierno.” (LA VEGA, 1609)

Como entendemos, portanto, a narrativa dos próprios povos coincide em valor teórico com a explicação PaleoSETI; e essa é a noção de que a civilização foi legada ao homem por outras “inteligências”. Assim, não são os teóricos PaleoSETI que possuem uma “concepção vaidosa”, ou que propõe qualquer discurso etnocêntrico de mundo além do valor cultural da própria narrativa história no contexto em que se apresenta. Quanto ao surgimento da agricultura, somente há pouco tempo é que a visão da arqueologia acadêmica veio a ser radicalmente diferente da idéia de que a origem da agricultura fora um evento que não precisava de uma explicação “especial”; dessa conotação de uma “adaptação superior” e drástica que fora a domesticação das plantas e a revolução agrícola. A domesticação das plantas e dos animais, assim como todos os adventos da mudança em direção à civilização eram grandes mistérios; parecia auto evidente

tal dimensão. A agricultura necessitava de alguma forma de “conhecimento elevado” “Though superior” pois é um conceito tão complexo que não poderia ter sido inventado diversas vezes, e nem sequer uma única. Uma vez descoberto, tal noção deveria ter sido ensinada através de uma difusão.

Há poucas décadas atrás, portanto, um dos poucos concensos arqueológicos sobre a quastão da agricultura aparece e como única solução aos problemas implicitos na revolução agricola, ocorre uma desmitificação do processo, descartam-se quaisquer modelos explicativos “extraordinários e gerais” e substituindo-os por modelos “diversos e prosáicos”: “no need to seek one single model to explain the origins of agriculture” (HARLAN, 1995, p. 173). Assim, surgiram as explicações climáticas (BRAIDWOOD, 1960), as geograficas (BINFORD, 1968), geológicas, sobre a crises na pré-história (COHENS, 1977), explosões demograficas (FLANNERY, 1969), seleções inconcientes (RINDOS, 1984), sedentarismo (CHILDE, 1942) e rituais xamânicos, entre tantas outras. Porém pergunto novamente: Tais modelos respondem aos problemas principais ou valorizam processos secundários que acabam apenas por mascar a questão das origens?

Apesar de todas essa diversidade teórica, sufocados por ela, esquecemos de ouvir a voz dos tantos povos que de tantos lugares nos sinalizavam uma resposta. Nestes “mitos”, ou como preferimos pensar, nestes saberes e histórias dos povos, não há mistérios sobre a origem da agricultura, ela é bem clara: Foi trazida pelos “deuses” e ensinada aos homens; as plantas foram dadas por estes seres que são literalmente habitantes de outras esferas, que vem a Terra, vindos do céu.

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