UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES - SCHLA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – DECISO
FRANCIELE APARECIDA LOPES
A (RE)DESCORBERTA DA ITALIANIDADE: O PAPEL DAS ASSOCIAÇÕES
ÉTNICAS CULTURAIS NA CIDADE DE COLOMBO/PR
CURITIBA
2012
FRANCIELE APARECIDA LOPES
A (RE)DESCORBERTA DA ITALIANIDADE: O PAPEL DAS ASSOCIAÇÕES
ÉTNICAS CULTURAIS NA CIDADE DE COLOMBO/PR
Trabalho apresentado à disciplina de Orientação
Monográfica II, da área de sociologia, como
requisito parcial à conclusão do Curso de
Ciências Sociais, Setor de Ciências Humanas,
Letras e Artes da Universidade Federal do
Paraná.
Orientador: Profº Dr. Márcio de Oliveira
CURITIBA 2012
Agradecimentos
Foram muitas as pessoas que participaram da construção dessa
monografia e da conclusão desse curso. Sem dúvida, os pilares dessa obra estão
calcados na minha família. Portanto, agradeço à Maria, Manoel e Ana que
sempre me deram apoio e compreensão. Foram eles que apontaram, desde o
início, para o valor do conhecimento, incentivaram e tornaram possível a
decisão de cursar e concluir a graduação em Ciências Sociais.
No departamento de sociologia tive o prazer de conhecer o professor Dr.
Márcio de Oliveira, a quem devo os meus mais sinceros agradecimentos pela
orientação e apoio durante a realização desta pesquisa. Agradeço a ele pelos
inspiradores trabalhos de campo, pelo olhar crítico e motivador e pelos conselhos
indispensáveis nos momentos de dúvida.
No grupo de pesquisa do professor Márcio, que participei como IC-
Voluntária, as reuniões entre os pesquisadores foram constantes. Agradeço aos
membros que fizeram/fazem parte desta equipe pelas incansáveis trocas de
idéias no campo da sociologia da imigração: Daniel de Moraes, Leonardo Garin,
Carlos Augusto Abbate, Lucas Sorrentino, Wilson Barbieri e Rafaela Tosin, com
quem compartilho o objeto e divido esta pesquisa em duas partes.
Agradeço a todos os professores do curso de Ciências Sociais, em especial a
Paulo Guérios, Simone Meucci, Ana Luisa Fayet Sallas e Benilde Mottin que
contribuíram imensamente com o trabalho, seja com aulas inspiradoras,
indicação de referências ou sugestões.
Como moradora da cidade de Colombo, não poderia deixar de agradecer as
aulas de antropologia que me ensinaram a estranhar o campo de pesquisa. Foi
no dia-a-dia que os primeiros questionamentos se colocaram e a pesquisa com os
descendentes de italianos só foi possível pela disponibilidade que algumas pessoas
tiveram em ajudar: Diego Gabardo, Fabio Machioski, Marta Cavalli Cavassin,
Maristela Cavassin, Arnaldo Reginato, Maria Leonor D’Agostin Wolff, Elaine
Cátia Falcade Maschio, Edilson Maschio, Rosangela Kusma Gasparin e José
Renato Strapasson. Agradeço a eles pela contribuição com dados, documentos,
entrevistas e por sempre terem me recebido bem, acreditando na importância
desta pesquisa.
Agradeço ainda aos professores Alexandro Dantas Trindade, Rafael
Ginane Bezerra, Nelson Rosário de Souza e Cássio Britto e toda equipe do PIBID
de sociologia que atuam para melhorar a licenciatura dentro do curso de
Ciências Sociais e compreendem a importância do ensino da sociologia. Sem
dúvida foi neste espaço que a minha formação como professora recebeu as
maiores contribuições.
Além da bolsa do PIBID de sociologia, as bolsas SIBI das bibliotecas da
Universidade Federal do Paraná auxiliaram na permanência nos primeiros
anos dessa empreitada. À Maria de Lourdes Saldanha e toda a equipe da
biblioteca de humanas e à Daniele e toda equipe da biblioteca central, agradeço
pelo apoio e amizade.
E foi nas horas que passei na biblioteca, estudando e trabalhando, que
conheci Dú, meu companheiro e também melhor amigo a quem agradeço pelo
carinho, amor, compreensão e respeito. Agradeço a ele por acreditar que tudo é
possível, não importando a distância ou a dificuldade, inclusive no processo de
construção desse trabalho.
Aos professores do Colégio Estadual Presidente Abraham Lincoln, escola
onde fui aluna e posteriormente lecionei aulas de sociologia, meu muito obrigado!
Os professores que de forma encantadora abriram os horizontes da sociologia e
me ensinaram seus primeiros conceitos foram os mesmos que me auxiliaram no
primeiro ano de docência nesta área.
Aos amigos do curso de Ciências Sociais, amigos de infância, familiares e
colegas.
“Talvez seja a hora de lembrar como Simmel que o imigrante é a
“ponte e a porta” graça a qual podemos observar novas
realidades sociais tais como os fluxos, as novas formas de
sociabilidade ou ainda as relações transnacionais” (Márcio de
Oliveira).
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo discutir a aparente (re) descoberta da italianidade entre
alguns descendentes de italianos na cidade de Colombo/PR. A pesquisa se constitui de uma
exploração de dados sobre a forma como o sentimento de pertencimento étnico se intensificou
nos últimos anos. A análise foi feita através de um estudo de caso de duas associações étnicas
presentes na cidade, das quais alguns membros foram entrevistados. A orientação teórica
dessa análise se constitui de autores do campo das Ciências Sociais que possuem importantes
pesquisas relacionadas à temática da italianidade. Para a construção do objeto de pesquisa e
para a análise dos dados, uma contextualização histórica foi realizada.
Palavras-Chave: Italianidade. Colombo. Associações.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Escola Italiana da Società Italiana Cristoforo Colombo - 1910 27
Figura 2 – Mapeamento da zona de preservação cultural 32
Figura 3 – Museu Municipal Cristoforo Colombo 35
Figura 4 – Missa em língua veneta 40
Figura 5 – O resgate do jogo da mora 40
Quadro 1 – Colônias italianas em Colombo/PR 23
Quadro 2 – Atividades desenvolvidas pela Associação Italiana Padre Alberto Casavecchia 34
Quadro 3 – Participantes da Associação Italiana Padre Alberto Casavecchia 44
Quadro 4 – Participantes da Associazione Veneti nel Mondo de Colombo 44
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................................07
1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA IMIGRAÇÃO NO BRASIL E NO PARANÁ........12
1.1 A IMIGRAÇÃO NO BRASIL........................................................................................12
1.2 A IMIGRAÇÃO NO PARANÁ......................................................................................17
2 A CIDADE DE COLOMBO E A ITALIANIDADE.....................................................22
2.1 OS IMIGRANTES E A CONSTRUÇÃO DA CIDADE ...............................................22
2.2 OS COLONOS E A NACIONALIZAÇÃO....................................................................28
2.3 A ATUAL BUSCA PELAS ORIGENS ÉTNICAS........................................................31
3 O PAPEL DE DUAS ASSOCIAÇÕES ÉTNICAS NA (RE) DESCOBERTA DA
ITALIANIDADE EM COLOMBO.....................................................................................37
3.1 ASSOCIAÇÃO ITALIANA PADRE ALBERTO CASAVECCHIA..............................38
3.2 ASSOCIAZIONE VENETI NEL MONDO – COLOMBO.............................................41
3.3 OS MEMBROS.................................................................................................................44
3.4 PERTENCIMENTO E LÍNGUA COMO CATEGORIAS DE ANÁLISE......................46
3.4.1 Pertencimento.............................................................................................................46
3.4.2 Língua..................................................................................................................... .....51
CONCLUSÃO........................................................................................................................54
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................58
ANEXOS.................................................................................................................................61
INTRODUÇÃO
O cerne do problema de pesquisa desse trabalho nasceu da minha vivência de 23 anos
dentro da comunidade de Colombo/PR. Sempre me intrigou algumas histórias e posturas dos
descendentes de italianos desta comunidade que deixavam evidente um trauma coletivo
relacionado ao passado. Então, o início desta investigação se deu em campo, como
observadora participante, escutando muitas histórias de pessoas mais velhas.
Fui provocada a investigar minuciosamente estas questões quando ao entrar para o
curso de Ciências sociais percebi que havia neste fato uma relação com aspectos históricos e
políticos, não sendo ele um fato isolado. Além disso, uma questão instigante que se colocou
foi a manifestação de vários segmentos que se apropriaram de um discurso que passou a
evidenciar a italianidade como algo positivo. Qual seria o sentido destas manifestações?
O primeiro passo para a pesquisa formal foi reelaborar estas questões e mapear dados
históricos para compreender o objeto de pesquisa que se configurava. Um primeiro
levantamento de dados foi realizado na iniciação científica voluntária. Para a presente
monografia foi realizada uma pesquisa bibliográfica para contextualizar a imigração italiana
no Brasil e a formação das colônias de italianos em Colombo, uma pesquisa de trabalhos
relacionados à temática e um levantamento de documentos e entrevistas com atores deste
processo.
O município de Colombo, situado na região metropolitana de Curitiba, foi marcado
pelos processos migratórios ocorridos no Brasil entre os séculos XIX e XX. Esta região
apresenta características típicas do modelo imigratório do sul do país. Nos estados do sul, o
sistema de colonização tinha como objetivo trazer imigrantes com destino à pequena
propriedade e à produção agrícola.
Entre os anos de 1878 e 1888, quatro colônias foram fundadas na região onde
atualmente se encontra a cidade de Colombo (FERRARINI,1992). As colônias Alfredo
Chaves, Antônio Prado, Presidente Faria e Eufrásio Correa foram formadas
predominantemente por imigrantes italianos.
Nota-se que a assimilação1 e/ou a integração
2 dos estrangeiros foi uma preocupação
em pauta na política brasileira desde o início dos processos imigratórios. Aspectos como
1 Este termo teve origem na escola de Chigaco. Emílio Willens (1946) no livro A aculturação dos alemães do
Brasil trabalha com este termo ao se referir a ideia de que sociedades diferentes em contato se transformam de
modo a perder elementos culturais e ganhar novos. Assimilação é um termo já não “aceito” no campo de
conhecimento das ciências sociais, mas que teve grande circulação nas campanhas de nacionalização realizadas
até 1945.
agricultura de subsistência e a dificuldade de acesso a outras regiões poderiam levar as
colônias do sul a permanecerem isoladas. Alguns trabalhos sugerem que as colônias de
Colombo mantiveram ao longo de décadas uma homogeneidade cultural (MACHIOSKI,
2004).
Podemos perceber que em todo o país houveram campanhas preocupadas em
nacionalizar os imigrantes de modo a impor aos seus descendentes uma identidade nacional.
No período do Estado Novo, entre os anos de 1937 e 1945, as ações do governo foram ainda
mais impositivas (SEYFERTH, 1997).
A campanha de nacionalização fez com que a noção de pertencimento a outra cultura
que não à “cultura nacional”, fosse associada a algo pejorativo. Com a Segunda Guerra
Mundial a situação dos imigrantes italianos ficou ainda mais delicada. Com a declaração de
guerra do Brasil ao eixo Itália- Alemanha- Japão, os imigrantes italianos passaram a ser vistos
como uma ameaça à nação. No Brasil, ser italiano era sinônimo de “perigo” e, com isso, eles
passaram a ser tratados como inimigos em potencial. Houve a proibição de falar os dialetos
publicamente e as sociedades italianas foram fechadas. As crianças que iam para a escola
aprendiam o português e ensinavam a seus pais e irmãos mais velhos. Também na escola, as
crianças passaram a ter aulas de Historia e Geografia brasileiras e a desenvolver um
sentimento de pertencimento nacional (SEYFERTH, 1997).
Segundo Zanini (2005) essa confusão que se processou na mentalidade de muitos
descendentes de imigrantes em idade escolar neste período, fez com que, por meio da
ideologia nacionalista repassada pela instituição escolar, eles levassem para dentro de suas
casas um desprezo pelas origens. A autora afirma ainda que depois da tensão desse período e
preocupados com sua ascensão social, os descendentes mantiveram certo silêncio discursivo
acerca de sua italianidade3. Vergonha que foi assimilada de diferentes formas, conforme as
gerações e os constrangimentos sofridos (ZANINI, 2005, pag 7).
Italianidade é um termo bem trabalhado por Maria Catarina Chitolina Zanini4,
pesquisadora de negociações identitárias no Rio Grande do Sul. Ela conceitua italianidade
como uma reconstrução da etnicidade italiana gerada pelo contato entre diferentes grupos
culturais. O sentimento de pertencimento gerado pela italianidade é baseado em uma origem
2 Este termo está ligado ao conceito de socialização: processo pelo qual o indivíduo integra-se à sociedade.
Termo originário da tradição durkheimiana (DURKHEIM, Emílie. Suicídio e Educação e sociedade). Hoje o
conceito de integração é definido no contexto dos estudos sobre imigração: processo pelo qual o indivíduo se
sente parte/dentro da sociedade. 3 Esta idéia será utilizada conforme define a autora Dr. Maria Catarina Chitolina Zanini, pesquisadora da área,
com a finalidade de discutir as idas e vindas da italianidade. 4 Professora adjunta do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Maria. Ela possui
formação em Antropologia Social e pesquisa identidades étnicas em contextos migratórios.
que dialoga historicamente com vários períodos da história nacional e regional. A italianidade
é a forma como a italianidade é expressa, buscada e alimentada depende de como o indivíduo
percebe a si mesmo num contexto social e, igualmente, de como é percebido pelos demais
(ZANINI, 2006).5
Há a hipótese de que a italianidade na cidade de Colombo também tenha sido
silenciada por um longo período, devido principalmente ao caráter pejorativo ao qual foi
associada nas campanhas de nacionalização. Isto poderia ocorrer no sentido de que a
brasilidade havia sido positivada e que ao longo das gerações nem todos descendentes
preservaram as memórias culturais6 de sua origem (ZANINI, 2006).
Contudo, atualmente o município que já possui 212.967 habitantes, redescobre-se
“italiano”. Ou ainda, cria certa italianidade, tal como acontece em outros municípios
brasileiros.
Nesse sentido, cabe a este trabalho discutir as seguintes questões que se colocam: Há
atualmente uma descoberta ou uma redescoberta da italianidade? estaria esse sentimento de
pertencimento sempre presente, de forma silenciada, mas latente, ou seria inventado como
uma estratégia de utilização política do passado7? Como esse fenômeno se produz e quem são
seus atores principais? Por que o discurso sobre a italianidade retorna neste período?
Estaríamos diante de uma nova forma de italianidade?
Para responder a estas perguntas elegemos estudar o caso das associações étnicas
culturais. Sendo assim, o objetivo principal deste trabalho é investigar o papel que as
instituições “Associação Italiana Padre Alberto Casavecchia” (AIPAC) e “Associazione
Veneti nel Mondo – Colombo” (AVM-C) 8 tem nesta (re) descoberta, assim como investigar a
percepção dos seus membros acerca da italianidade.
Os passos teóricos e práticos da pesquisa tiveram como ponto de partida um
levantamento exploratório de dados. Este levantamento se constituiu de um mapeamento da
produção material e imaterial dos imigrantes e seus descendentes na cidade de Colombo9
5 Usaremos o conceito de italianidade, seguindo a definição de Maria Catarina Zanini, para analisar o processo
de resgate das origens italianas que aparentemente acontece na cidade de Colombo. 6 Myrian Sepúlveda dos Santos. Memória coletiva e teoria social. SP: Annablume, 2003. 7 Conforme Hobsbawn as tradições pode ser inventadas no sentido de validar um comportamento atual com um
argumento tradicionalista, diferentemente da memória viva que é aquela que esta sendo transmitida de geração
para geração. 8 AIPAC e AVM-C são siglas criadas para este trabalho com o objetivo de identificar cada uma das associações
para a melhor articulação no trabalho. 9 Trabalho apresentado no EVINCI de 2011 da UFPR como resultado da Iniciação Científica – Voluntária do
projeto de pesquisa: Imigração no Paraná: dimensões e impactos sociais, políticos e culturais, subprojeto:
Levantamento documental da produção material e simbólica dos imigrantes italianos e seus descendentes em
Curitiba e região.
realizado ainda na Iniciação Científica. Em um primeiro momento, alguns eventos realizados
pelas associações foram observados de forma assistemática, ou seja, sem recolhimento e
registro dos fatos da realidade com meios técnicos, planejamento ou controle. Partindo desse
levantamento de dados, alguns objetivos específicos foram traçados para o presente trabalho:
Mapear o contexto em que os imigrantes foram inseridos de modo a identificar
relações entre o modelo imigratório e a forma como a italianidade foi construída na
região;
Pesquisar a forma como esses imigrantes construíram seus primeiros laços de
identificação;
Identificar como as campanhas de nacionalização chegaram nesta região de modo a
explorar os motivos pelos quais a italianidade aparentemente foi deixada de lado;
Discutir e identificar se há uma redescoberta da italianidade nos dias atuais ou se as
manifestações étnicas que se apresentam na atualidade não tem necessariamente
relação com o passado.
Entender o papel das associações étnicas no atual contexto de busca das origens
étnicas;
Explorar os motivos pelos quais as associações étnicas surgiram e iniciaram suas
atividades a partir dos anos 2000;
Entrevistar os membros das associações para perceber se realmente há a noção de
pertencimento a uma cultura ítalo-brasileira e entender em quais esferas da vida esta
noção se expressa;
Verificar se há relação entre esse movimento de identificação étnica com uma esfera
transnacional de construção de identidades;
Para isso utilizamos como recursos metodológicos levantamento bibliográfico e
entrevistas semi-estruturadas. Elegemos duas categorias de análise para transcrever as
entrevistas e interpretar os dados: Pertencimento e língua. Para sistematizar estas discussões,
organizamos o trabalho em três partes:
Na primeira parte, apresentamos uma remontagem histórica do processo imigratório
ocorrido no Brasil e no Paraná, com destaque na imigração italiana. O capítulo é composto de
uma revisão bibliográfica das principais obras que tratam da temática da imigração, assim
como de uma diferenciação entre os modelos imigratórios do sudeste e do sul do Brasil. Para
tratar mais especificamente da história da imigração no estado do Paraná, desmembramos o
capítulo em dois subitens, quais sejam: A imigração no Brasil e A imigração no Paraná. Esta
remontagem histórica é realizada a fim de situar o cenário da imigração italiana ocorrida na
cidade de Colombo a partir do ano de 1877.
Na segunda parte, denominada de A cidade de Colombo e a italianidade, trataremos
da presença imigrante na cidade desde a colonização até os dias atuais. Discutiremos a forma
como o sentimento de pertencimento e identificação à uma “cultura italiana” variou ao longo
da história do município e como a italianidade vem sendo (re)construída na atualidade. Nesse
capítulo, construiremos teoricamente o problema de pesquisa e as perguntas propostas. O
primeiro subitem, chamado Os imigrantes e a construção da cidade, é elaborado a partir de
um levantamento bibliográfico sobre a história do município. No segundo subitem, chamado
Os colonos e a nacionalização, discutiremos como as campanhas de nacionalização e de
assimilação chegaram até o município. No terceiro e último subitem, A atual busca pelas
origens étnicas, discutiremos como a italianidade vem sendo revisitada na atualidade.
Na terceira e última parte, analisaremos o papel das associações na (re) descoberta da
italianidade na cidade de Colombo. Nos subitens intitulados de Associação Italiana Padre
Alberto Casavecchia e Associazione Veneti nel Mondo - Colombo,descreveremos os dados
encontrados sobre as associações sobre as sua origem, atividades, estatuto de forma a discutir
o sentido de suas atuações. No subitem Os membros, buscaremos analisar o perfil dos atores
deste resgate histórico. No último subitem confrontaremos as entrevistas com a hipótese de
pesquisa, com os conceitos utilizados e com os dados encontrados. Discutiremos a forma
como a italianidade é revisitada atualmente e o papel que as associações possuem na
construção da percepção sobre “ser italiano”, assim como nos limites do conceito de
italianidade para discutir estas percepções.
1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA IMIGRAÇÃO NO BRASIL E NO PARANÁ
Para compreendemos o cenário no qual as colônias de imigrantes italianos foram
instaladas na cidade de Colombo precisamos, sem dúvida, remontar a história da imigração no
Brasil e no Paraná. Além disso, o levantamento histórico nos permite identificar
particularidades nas políticas imigratórias de diferentes regiões. Neste sentido, podemos
compreender a forma como os imigrantes foram recebidos, instalados, e incorporados na
sociedade brasileira de formas distintas, principalmente no sudeste e no sul do país. Sendo
assim, a contextualização do objeto de estudo nos permitirá refletir sobre as ressonâncias
atuais da presença imigrante no município.
1.1 A IMIGRAÇÃO NO BRASIL
Na história dos processos imigratórios do Brasil é possível perceber que existiram
diferenças nas políticas imigratórias de atração organizadas pelo Império e pela República e
pelas províncias e estados em cada região do país (OLIVEIRA, 2009, pag 219). Desde o
período imperial, os imigrantes que vinham para o Brasil já eram destinados à pequenas
propriedades para, entre outros fatores, proteger regiões desabitadas (PETRONE, 1982, pag
28). No caso região sudeste:
a pequena propriedade devia desenvolver-se ao lado da grande propriedade, ser
subsidiária desta e não concorrer com ela no mercado de trabalho [segundo a visão
dos grandes latifundiários]. A pequena propriedade devia ocupar espaços vazios,
promovendo a valorização fundiária, e criar condições para o aparecimento de uma
camada social intermediária entre latifúndio e escravo, camada essa que pudesse ao
mesmo tempo ser mercado consumidor, oferecer braços no mercado de trabalho e diversificar a economia com a produção de gêneros para os quais a grande
propriedade não se prestava (PETRONE, 1982, pag 17).
Paralelamente a esta política, ainda no reinado de Dom Pedro I, a imigração passou a ter
a função de substituir a mão de obra escrava, visto que a escravidão estava sendo cada vez
mais questionada por países interessados na industrialização, especialmente a Inglaterra. As
plantações de café, que estavam se tornando o novo triunfo econômico do Brasil,
necessitavam cada vez mais de trabalhadores (BEIGUELMAN, 1981, PETRONE, 1982). Já
na década de 1840 os cafeicultores paulistas passaram a disputar os imigrantes com as
pequenas propriedades.
Neste sentido, os projetos de colonização com imigrantes passaram a ter a fazenda de
café, principalmente a de São Paulo, como concorrente quanto o destino do imigrante
(PETRONE, 1982, pag 8). Desta forma, a política imigratória brasileira passou a oscilar entre
esses dois modelos até a instauração da República: colonos em núcleos de pequena
propriedade ou imigrantes como trabalhadores agrícolas nas lavouras de café. Sendo assim,
cada província buscou atrair um perfil específico de imigrante.
Durante o Império, imigração e colonização eram de alçada do governo central, sendo
esse pressionado pelos interesses das províncias, oscilando, portanto, a política
imigratória entre o aproveitamento do estrangeiro como mão de obra na fazenda de
café ou como pequeno proprietário no núcleo colonial (PETRONE, 1982, pag 13).
O que podemos perceber neste período, é que a concorrência entre o modelo da grande e
pequena propriedade, para receber a atenção das políticas governamentais em relação à vinda
de imigrantes, aumentou nos primeiros anos após a abolição da escravidão (PETRONE, 1982,
pag 8). Esses modelos disputavam os financiamentos advindos do governo central. Com a
República, obedecendo aos ideais federalistas, colonização e imigração passaram a ser
atribuição dos estados.
Inicialmente as imigrações para as plantações de café foram iniciativas particulares
financiadas pelos fazendeiros. Entre 1850 e 1870 os latifundiários do café promoveram a
imigração. Prevendo o inevitável desaparecimento do trabalho forçado, alguns fazendeiros
começaram a estimular, à própria custa, a vinda de imigrantes da Europa. Inicialmente usaram
um sistema de parceria com as colônias, ou seja, o imigrante ao chegar, instalava-se nessas
pequenas propriedades que eram próximas aos latifúndios, onde eles eram usados como mão
de obra. Posteriormente utilizaram mecanismos de endividamento (TRENTO, 2000, pag. 20)
que consistiam em dívidas contraídas pelos imigrantes pelas passagens e sustento que
deveriam ser pagas com no mínimo metade da renda líquida anual obtida pelo trabalho
(BEIGUELMAN, 1981, pag. 30).
Levando em conta esse panorama, a partir da década de 1850 o fluxo imigratório
tornou-se realmente significativo (PETRONE, 1982, pag 11). Vale ressaltar que até esse
momento, qualquer pessoa podia se instalar em uma área e posteriormente requerer um título
de propriedade sobre ela. Com o temor de que os imigrantes ocupassem as áreas devolutas
que pertenciam ao Estado, a Lei de Terras foi estabelecida no ano de 1850 pelo governo e
pela Assembleia Geral, com a finalidade de restringir o acesso da população à terra
(BEIGUELMAN, 1981). A partir de então, quem quisesse se tornar proprietário de um lote
deveria comprá-lo do governo. A medida previa que os imigrantes só poderiam adquirir terras
após dois anos de moradia no país e que os lotes não poderiam ser comprados a prazo
(BEIGUELMAN, 1981; CENNI, 1975).
Porém, a lei de terras, pode ter outro sentido mais relacionado ao interesse dos grandes
latifundiários em impedir que os imigrantes continuassem tendo livre acesso a terra, e
pudessem se tornar, de forma mais significativa, mão de obra para suas fazendas:
A Lei de Terras, embora assegurasse certos recursos para os programas de
colonização, pode ser interpretada como resultado da pressão dos grandes
proprietários monocultores de café, que pretendiam drenar a corrente de imigrantes
para as suas fazendas, daí o interesse de que não mais se doassem terras para a
criação de núcleos coloniais (PETRONE, 1982).
Outra medida resultante da crescente necessidade de mão de obra pelos latifundiários
aliada à falta de recursos disponibilizados pelo governo central foi a criação de iniciativas
privadas responsáveis pelo translado e fixação dos imigrantes em colônias particulares. Em
função disso, de 1840 a 1850, “foram organizadas vinte colônias, sendo que dessas, 33% eram
imperiais e 67% particulares” (GIRON; BERGAMASCHI, 1996, p.20 apud IOTTI, 2003).
Entretanto, pouco tempo depois, o governo passou a estimular a vinda destes
estrangeiros, pois os fazendeiros tinham uma grande representação política e o interesse na
produção do café tornou-se também um interesse para a Nação. O maior número de
imigrantes a partir desse período foi de italianos, que a partir da década de 1870 entraram com
uma continuidade ainda maior devido ao crescente incentivo do governo (PETRONE, 1982,
pag 12). No início de 1881, os fazendeiros politicamente bem situados na província,
conseguiram que o governo arcasse com o pagamento de metade da passagem dos imigrantes.
Em 1884, os cafeicultores conseguiram que o governo assumisse o translado integralmente,
com isso, a travessia atlântica passou a ser gratuita.
A partir do momento em que o governo passa a financiar a vinda dos imigrantes,
passaram a não existir dívidas entre latifundiários e imigrantes que forçavam o trabalho destes
nas fazendas. A ausência de obrigações pessoais em relação aos proprietários de terra atraiu
ainda mais imigrantes, sendo o número suficiente para suprir as necessidades de mão-de-obra
nos cafezais (ALVIM, 2000; TRENTO, 2000, pag 20).
Entre 1884 e 1903 entraram no país 1,7 milhão de pessoas (TRENTO, 2000, pag 34).
O êxodo de massa, principalmente entre os italianos, que representaram 44% do total da
entrada de estrangeiros no Brasil entre os anos de 1887 e 1902, foi favorecido pelos
financiamentos governamentais já que esses permitiam a emigração de todo o núcleo familiar
e daqueles que não tinham a possibilidade de pagar a sua passagem (TRENTO, 2000, pag 26).
Segundo Balhana (1978) a emigração italiana atingiu 1.356.398 pessoas até 1914. A região da
Itália de onde saiu o maior número de emigrantes foi da Itália setentrional, sobretudo da
região do Vêneto:
Para o Brasil vieram predominantemente imigrantes do Vêneto, cuja proporção
atingiu 47,68% do conjunto da imigração italiana, representado por efetivos menores
da Lombardia, Toscana, Abruzze, Campania, Sicília e Calábria. Esta proporção tende
a elevar-se quando se trata dos contingentes italianos estabelecidos em núcleos
coloniais do Sul do Brasil, nos quais a proporção de imigrantes oriundos do Vêneto
chega a ultrapassar 90%, como ocorre nas colônias do Paraná (BALHANA, 1978).
Para receber esse contingente de pessoas, foram criadas as hospedarias dos imigrantes
entre os anos de 1886 e 1888 (TRENTO, 2000, pag 34). Também em 1886 foi criada pelo
governo e pelos cafeicultores a Sociedade Protetora da Imigração. Ela buscava atrair
imigrantes para o Brasil fazendo propagandas na Europa (TRENTO, 1989). Com grandes
promessas e uma falsa imagem de um lugar melhor, famílias inteiras se deslocaram de seu
lugar de origem a procura de melhores condições para viver.
Em consonância com Oliveira (2009, pag 219), podemos concluir que independente do
período histórico ou do modelo em pauta, o Brasil se baseou em uma política de atração de
imigrantes: “No caso do Brasil, o modelo de atração aparentemente se impôs para todo o
período que vai dos anos 1820 à década de 1930, mesmo que, a partir dos anos 1920, a
política de imigração tenha se tornado mais restritiva”.
Assim, ao mesmo tempo em que o país buscava atrair estrangeiros, grupos europeus
procuravam por oportunidades de trabalho, já que o processo de industrialização e o avanço
do capitalismo em algumas regiões da Europa, inclusive na Itália, faziam com que muitos
camponeses não tivessem lugar na nova configuração social que se projetava. Os fatores de
atração no Brasil conjugaram-se aos efeitos de uma primeira modernização do campo na
Itália, pelo menos no Norte do país (TRENTO, 2000, pag 22).
Podemos notar que a vinda de famílias inteiras foi um dos fatores que proporcionou a
permanência destes imigrantes em colônias brasileiras e fez com que a taxa de retorno fosse
baixa. Outro fator que implicou na permanência destes imigrantes foi às dívidas adquiridas na
compra de lotes de terra etc. Desta forma, mesmo que existissem italianos que desejassem
retornar a sua terra natal o custo da volta se tornava inviável, pois envolvia a compra de
passagens para toda a família.
Muitos italianos nas fazendas de café foram submetidos a jornadas de trabalho
maçantes como as enfrentadas pelos afro-brasileiros e muitos eram tratados de maneira
semelhante a dos escravos. Essa situação gerou muitos conflitos entre os imigrantes italianos
e os fazendeiros brasileiros, causando rebeliões e revoltas. As dificuldades encontradas,
muitas vezes somadas a falta de casa, de assistência religiosa, de isolamento das fazendas, de
aumento de dividas, traziam como unico ponto positivo a abundância na alimentação
(TRENTO, 2000).
Os imigrantes italianos que se instalaram nas colônias do sul seguiram caminhos
totalmente diferentes dos que se dirigiram para as fazendas de café (TRENTO, 2000). Como
já foi evidenciado, as campanhas imigratórias para colonizar as regiões desabitadas, foram
promovidas pelo governo central até o final da Primeira Republica. Porém após este período,
quando cada estado tornou-se responsável pela promoção da imigração os estados do Sul, pela
inexistência de latifúndios de café tomaram um caminho diferente. Segundo Petrone (1982)
com a atribuição dada a cada estado de promover a sua imigração e colonização, Rio Grande
do Sul, Santa Catarina e Paraná foram muito prejudicados, de modo que o Governo Federal
teve que intervir com medidas relacionadas com o povoamento e subsidiando passagens de
imigrantes.
Com o tempo as colônias do sul passaram a ter o objetivo de trazer imigrantes para
cultivar e produzir para o desenvolvimento e suprimento destas localidades. As colônias
passaram a estabelecer pequenos proprietários policultores, que ajudariam no abastecimento
das cidades (ALVIM, 2000; TRENTO, 2000).
Uma parte dos emigrantes que desembarcavam no Rio de Janeiro era transportada pelo
governo até Curitiba, Florianópolis ou Porto Alegre. Assim que desembarcavam, os
imigrantes ficavam abrigados em hospedarias até serem levados para os núcleos coloniais
(TRENTO, 2000, pag 38). Os núcleos eram instalados em propriedades do Estado e
administrados pelo governo central. Também nessa região, pode-se notar a presença de
empresas privadas de colonização (TRENTO, 2000). Entre os anos de 1846 e 1860, foram
criadas cerca de 100 colônias privadas no Sul do país (ALVIM, 2000). A Província do Paraná
criou dezenas de colônias, recebendo imigrantes e fixando-os em pequenas propriedades,
sendo que algumas dessas foram instaladas na região da cidade de Colombo.
O sul do Brasil, incluindo a Província do Paraná, oferecia vantagens significativas
para aqueles que desejavam se instalar na região. Uma destas vantagens era a possibilidade de
serem proprietários de terra num curto período de tempo. Para Trento (2000), tanto os
imigrantes que se dirigiram aos núcleos coloniais, quanto aqueles que foram para as fazendas
tinham como objetivo a propriedade da terra. O autor considera que este fato explica o motivo
da imigração italiana, até 1915, ter acontecido basicamente com núcleos familiares inteiros e
não com individuos do sexo masculino, como aconteceu em quase todas as migrações
transoceânica (TRENTO, 2000, pag 24).
No sul, o clima se constituía em outro fator de atração, visto que permitia a plantação de
produtos já conhecidos, o que facilitava a adaptação das famílias (PETRONE, 1982).
Contudo, a natureza era diferente e a adaptação à nova paisagem agrária contou com técnicas
agrícolas ensinadas por agricultores nativos (TRENTO, 2000). Os colonos dedicaram-se
inicialmente à produção de queijos, vinhos e hortigranjeiros. Eles participaram ainda da
realização de vias férreas, de linhas telegráficas, no desenvolvimento dos setores industriais e
comerciais.
A distância das colônias em relação aos centros urbanos, somada a dificuldade de
acesso a vias de comunicação, dificultou a comercialização de produtos e a assistência médica
para os adoentados. Este isolamento permitiu que por décadas os núcleos se organizassem de
forma auto-suficiente, com uma agricultura de subsistência. O isolamento permitiu a
manutenção de usos e costumes das regiões de proveniência: o tipo de moradia, a
alimentação, à família patriarcal, à devoção religiosa, a introdução de jogos de bocha e morra
e a manutenção da língua no espaço doméstico (TRENTO, 2000).
O que se verifica é que a concentração de peninsulares no Sul, assim como o tipo de
colonização desenvolvida em torno da pequena propriedade, fez destas regiões
“pequenas Itálias”, diferentemente do que ocorreu em São Paulo (ALVIM, 2000).
1.2 A IMIGRAÇÃO NO PARANÁ
Foi dentro desse contexto geral que a imigração para a Província do Paraná se
desenrolou. Antes de a Província se separar de São Paulo foram criadas somente três colônias:
a colônia Rio Negro em 1829, a colônia Theresa em 1847 e a colônia Superaguy em 1852.
Elas foram formadas, nesse período inicial, com o objetivo de povoar os vazios demográficos
(BALHANA, 2002; MOLETTA e FILHO, 2009; NADALIN, 2001), como já discutido
anteriormente. Nesse mesmo período houve um movimento de reimigração espontânea de
imigrantes alemães de Santa Catarina que se estabeleceram ao redor de Curitiba (BALHANA,
2002).
Diferentemente das outras regiões no Império como São Paulo, Paraná não tinha
grandes fazendas e também estava sofrendo com a falta de produtos de gênero alimentício
produzidos na Província, sendo que receber da marinha e por preços muito altos a maior parte
dos produtos agrícolas.
Desde a sua emancipação político-administrativa em 1853 que os governantes do
Paraná tentavam desenvolver uma política imigratória para criar uma agricultura de
abastecimento: “Ao contrário de outras regiões do Império, onde a imigração se destinava a
suprir a carência de mão-de-obra na grande lavoura de exportação, no Paraná o problema
imigratório foi desde logo colocado no sentido de criar-se uma agricultura de abastecimento.”
(BALHANA, 2002, pag 367).
Nos seus Relatórios anuais, os Presidentes da Província em 1857 e 1858 alegam que a
Província não tinha uma indústria agrícola para colocar em prática o sistema de parceria que
estava sendo usado em São Paulo e reclamam das condições de abastecimento, alegando que a
vinda de colonos dedicados à agricultura de subsistência seria a solução desses problemas
(BALHANA, 2002).
Assim que houve a emancipação, o primeiro Presidente da Província, Zacarias de
Góes Vasconcelos (1853 - 1855), percebeu que seria necessário aumentar a população através
da criação de núcleos coloniais. Segundo ele, a Província deveria explorar melhor suas terras
e ocupar o seu território. Faltavam trabalhadores para a construção de estradas, assim como
faltava uma agricultura de subsistência que desse conta do mercado consumidor. Além disso,
Zacarias de Góes Vasconcelos recebeu instruções do Ministério dos Negócios do Império
para investir mais na criação de núcleos de colonização estrangeira (BALHANA, 2002).
O processo de colonização no Paraná teve um desenvolvimento maior a partir de 1870.
Nessa década, com Adolpho Lamenha Lins como Presidente da Província, houve uma
dinamização do processo de imigração, com o estabelecimento de 26 novos núcleos, sendo a
maioria deles na região de Curitiba (BALHANA, 2002). Uma nova estratégia foi adotada por
ele logo depois de assumir, em maio de 1875: a de fixar os colonos próximos da capital com a
intenção de suprir o mercado local de produtos agrícolas (MOLETTA e FILHO, 2009).
Balhana (2002, pag 401) defende que:
observando o êxito alcançado pela colonização espontânea, no rocio de Curitiba, que
propiciou melhoras sensíveis nas técnicas agrícolas e aumento da produção, o governo
Provincial elabora e põe em execução um plano colonizador, destinado a criar uma
agricultura de abastecimento, atendendo às condições peculiares da Província.
As primeiras colônias no litoral paranaense eram de particulares, subvencionados pelo
governo Imperial, responsáveis por introduzir e estabelecer os colonos. A idéia de colocar os
colonos no litoral veio da esperança de que a proximidade com o porto de Paranaguá
propiciaria produtos mais baratos para o mercado europeu crescente (MOLETTA e FILHO,
2009). Duas dessas colônias foram marcantes na história da imigração italiana para o Paraná:
a colônia Alexandra e a colônia Nova Itália.
A colônia Alexandra foi a mais desastrada de todas. O proprietário da colônia foi o
italiano Sabino Tripotti, que ganhou um contrato do governo imperial logo depois que chegou
ao Brasil em 1871 e mostrou ao Ministério da Agricultura o trabalho que tinha realizado na
Argentina (MOLETTA e FILHO, 2009). Em fevereiro de 1872 foi fundada a colônia
Alexandra. O terreno de má qualidade, os aspectos climáticos, muito diferentes do que os
imigrantes estavam acostumados, os insetos típicos do clima tropical, que afetavam não
somente os colonos, mas também suas plantações, já eram fatores que dificultavam o
progresso da colônia (BALHANA, 2002). Somado a isso, a principal cláusula do contrato não
havia sido cumprida: a construção da estrada que ligava a colônia ao porto não havia sido
realizada.
Não bastassem todos esses complicadores, Tripotti alegou que havia algumas falhas no
contrato. Entre elas, não estava claro quem pagaria as despesas iniciais até o assentamento dos
colonos. Mesmo depois que o contrato foi reescrito, houve um erro de cálculo que diminuía
pela metade o reembolso dessas despesas iniciais. Por conta disso, Tripotti racionou, dentre
outras coisas, a comida dos colonos que muitas vezes passaram fome. Essa situação precária
da colônia, somada às revoltas dos imigrantes ainda na Itália contra os agentes de Tripotti, que
estavam cobrando metade das passagens dos imigrantes, fez com que em 1877 o contrato
fosse cancelado (MOLETTA e FILHO, 2009), além de todos os seus bens confiscados pelo
governador (BALHANA, 2002).
Para resolver a questão do assentamento das famílias descontentes que estavam
abandonadas na colônia Alexandra, a colônia Nova Itália foi fundada, em Antonina, em 1877.
Mesmo assim, os colonos sofriam muito com o clima quente do verão, com a febre amarela,
com as moscas, os mosquitos e os bichos-de-pé, com a falta de comida e agasalho, com o mau
uso do dinheiro pelos funcionários responsáveis pela colônia, etc. Segundo Alvin (2000), os
abrigos provisórios só começaram a ser construídos quando já havia mais de mil imigrantes
na colônia.
Depois de instalados, finalmente, nos lotes prometidos, os imigrantes deveriam plantar
e desmatar mil braças quadradas, construir uma morada permanente de pelo menos 400
palmos quadrados, abrir caminho que delimitasse seus lotes e manter um desmatamento
periódico até o final dos primeiros seis meses. Caso não cumprissem essas obrigações
estabelecidas por contrato, oficialmente, eles perderiam os melhoramentos e as parcelas já
pagas. Como o governo demorava até mais de seis meses para se quer demarcar os lotes, essas
exigências não eram cobradas rigorosamente. Além disso, os imigrantes que conseguiram
colher alguma coisa o faziam com a ajuda dos negros e caboclos, que ensinavam aos recém-
chegados a técnica da queimada, davam-lhes alimentos e os ajudavam na escolha da madeira
e na construção de casas (ALVIN, 2000).
Por contrato, os imigrantes tinham o direito de trabalhar seis meses na construção de
estradas de ferro, que além de servir de renda para os imigrantes, era mão-de-obra barata e
local para os Presidentes da Província. Em alguns casos os seis meses acabavam e os
imigrantes ainda não estavam instalados em seus lotes, e quando tomavam posse definitiva
destes, já não tinham mais o direito de trabalhar nas ferrovias. Sem nenhum tipo de renda, eles
dedicavam-se exclusivamente para a agricultura de subsistência, primeiro porque precisavam
alimentar suas famílias, e segundo porque, devido ao isolamento, não conseguiam
comercializar seus produtos (ALVIN, 2000).
Um episódio em especial, ocorrido na colônia Nova Itália, deve ser ressaltado, não só
porque se trata de uma demonstração do descontentamento dos colonos, como também os
atores foram justamente aqueles que se instalaram, mais tarde, na região que hoje chamamos
de Colombo. Exaltados com as medidas tomadas pela Província para punir os responsáveis
pelo desvio de verbas destinadas à colônia, um grupo de imigrantes italianos nomeados de “a
turma do padre Cavalli”, em 1877, rebelaram-se para pedir a volta do conterrâneo agrimensor
Ernesto Guaita que fora demitido, acusado pelo mau uso do dinheiro. Este chegou a desafiar o
agrimensor brasileiro para um duelo alegando que só assim lavaria a sua honra (GROSSELI,
p.187 apud MOLETTA e FILHO, 2009, pag.141).
O padre Angelo Cavalli, que liderava esse grupo, foi proibido pelos seus superiores
em sua terra natal de exercer as atividades pastorais. Isso ocorreu pelo seu envolvimento no
recrutamento de aproximadamente 200 famílias de sua região para sair da Itália em um
período que a imigração ainda era vista como sinal de miséria. A partir de 1870, grupos de
intelectuais católicos europeus passaram a debater amplamente sobre a questão da imigração,
o que levou à alta hierarquia eclesiástica as discussões sobre a imigração, que antes eram de
âmbito do baixo clero. Como conseqüência desses debates as elites leigas e religiosas
passaram, com o tempo, a aceitar o fenômeno imigratório sem constrangimento ou vexame. A
imigração deixa de ser vista, então, como indicador de miséria que envergonharia a nação, e
aqueles que partiam para o exterior não deveriam mais ser ignorados pela comunidade
eclesiástica ou rejeitados por aqueles que permaneciam na pátria (BALHANA, 2002).
No final de 1877 mais de 800 famílias estavam na miséria na colônia Nova Itália, sem
roupas e sem sementes para plantas. Os colonos estavam muito descontentes, alguns queriam
voltar para a Itália, outros exigiam serem assentados em outros locais. A Província do Paraná,
provavelmente alertada pelo Consulado Italiano do Rio de Janeiro de que muitas famílias
desejavam voltar a sua terra natal, disponibilizou carroças para que os imigrantes pudessem
subir a serra pela Estrada da Graciosa. Algumas poucas famílias ainda ficaram no litoral,
enquanto outras voltaram, de fato, para a Itália (MOLETTA e FILHO, 2009).
A idéia de recolocar os imigrantes ao redor de Curitiba, como já mencionado antes, era
a de suprir uma demanda do mercado consumidor da capital por produtos de primeira
necessidade. Soma-se a isso o fato de que as colônias estabelecidas ao anteriormente ao redor
de Curitiba pela imigração espontânea estavam prosperando.
No entanto, chegando ao planalto de Curitiba, as dificuldades não haviam acabado. As
hospedarias dos imigrantes em Curitiba eram precárias em sem conforto. Varias pessoas
passaram meses na hospedaria, sem serem transferidas para os lotes prometidos, o que
acabou, novamente, causando tensões, fazendo os imigrantes pegarem em armas para exigir
aquilo que lhes havia sido prometido (MOLETTA e FILHO, 2009).
Segundo Trento (1989), Os imigrantes tinham de enfrentar, logo que chegavam, a
desorganização dos núcleos coloniais, tanto dos que eram públicos quanto dos privados. Em
primeiro lugar, o tempo de seis meses durante o qual os colonos recebiam o subsídio
começava a contar a partir do momento que os imigrantes chegavam, e não depois que eles
ocupavam o lote. Muitas vezes esse benefício espirava antes que os colonos estivessem em
seus lotes, como já mencionado anteriormente. Em segundo lugar, além de demorarem muito
para fazer a demarcação do dos lotes, o pessoal técnico responsável não seguia nenhuma
racionalidade na subdivisão dos terrenos, que tinham todos a mesma área independentemente
da localização, fertilização do solo, facilidade de acesso, presença de rios, etc. Por fim, mas
não esgotando as dificuldades encontradas pelos colonos, as sementes para o plantio e
ferramentas demoravam para chegar, assim como atrasava o pagamento pelo trabalho nas
obras públicas (TRENTO, 1989).
Ciente das dificuldades encontradas pelos colonos, o governo era elástico na cobrança
das dívidas, deixando passar anos antes de cobrá-las. Por vezes, trechos de estradas eram
completados a altos custos para manter esses colonos empregados nas obras públicas.
Mais tarde, em 20 de fevereiro de 1890, é fundada a Colônia Cecília, no município de
Palmeiras, a primeira tentativa efetiva de implantação dos ideais anarquistas no Brasil. O seu
idealizador Giovanni Rossi vem, acompanhado de alguns amigos, depois de ter tentado uma
experiência de sociedade comunitária na Itália, tentar fundar uma colônia anarquista. No ano
seguinte a sua fundação, a colônia já abrigava 150 habitantes. Faltava, no entanto, ferramentas
de trabalho, matérias-primas e dinheiro, e a idéia de uma organização anarquista, que estivera
na base da sua formação, não parecia ir adiante. Todos esses fatores levaram a colônia a
deixar de existir logo em 1894 (TRENTO, 1989).
2 A CIDADE DE COLOMBO E A ITALIANIDADE
Como já vimos no capítulo anterior, o problema imigratório na província do Paraná
esteve desde o início associado à necessidade de criar uma agricultura de abastecimento.
Diferente da imigração ocorrida na província paulista, onde o problema imigratório esteve
ligado à necessidade de suprir a carência de mão-de-obra nas grandes plantações de café, a
imigração no Paraná era direcionada a colonização de pequenas propriedades. Dentre as
colônias criadas no território paranaense, algumas delas foram fundadas na região onde
atualmente encontra-se a cidade de Colombo. Com a contribuição laboriosa dos imigrantes, a
maioria italianos, essas colônias evoluíram à categoria de vila e posteriormente à categoria de
município.
Desde a chegada ao território colombense até os dias atuais, podemos perceber que
houveram mudanças na forma como a italianidade foi percebida e expressa por esses
imigrantes e seus descendentes. Uma das hipóteses que orienta este trabalho de pesquisa é a
de que, atualmente existe na cidade de Colombo uma (re) descoberta da italianidade e da
noção de pertencimento. Sendo assim, este capítulo constrói o problema de pesquisa, bem
como apresenta as variáveis que o circundam, ao falar sobre a mudança da percepção de
pertencimento étnico em momentos históricos distintos.
2.1 OS IMIGRANTES E A CONSTRUÇÃO DA CIDADE
Na região onde atualmente encontra-se a cidade de Colombo existia um povoado
chamado Butiatumirim. A partir do século XIX, este povoado começou a receber imigrantes
italianos que já haviam sido instalados nas colônias Alexandra e Nova Itália, situadas no
litoral da Província do Paraná. Em Morretes as colônias se encontravam em péssimas
condições e com precárias instalações. Desta forma, alguns imigrantes destas colônias foram
transferidos para outros núcleos que estavam em formação no planalto curitibano
(FERRARINI, 1974).
Alfredo Chaves, como foi chamada a primeira colônia estabelecida nas terras do
Butiatumirim, foi fundada em 1878 e emancipada em 1879. Esta colônia recebeu imigrantes
liderados pelo padre Angelo Cavalli, que reivindicavam boas terras para a o cultivo da
agricultura e para morada, conforme havia sido prometido pelas campanhas de atração da
política imigratória da Província do Paraná (FERRARINI, 1974).
Situada a 23 km da capital, Alfredo Chaves contava com 80 lotes, sendo 40 urbanos e
40 rurais. A população desta colônia era de 162 pessoas, sendo 48 homens, 42 mulheres, 42
meninos e 30 meninas. (FERRARINI, 1974). Entre os anos de 1878 e 1888, mais três
colônias foram criadas nesta região, como nos mostra o quadro abaixo:
Quadro 1: Colônias italianas em Colombo/PR Nome Ano de fundação
Colônia Alfredo Chaves 1878
Colônia Antônio Prado (Colônia Mista) 1886
Colônia Presidente Faria 1886
Colônia Eufrásio Correa 1888
Fonte: Prefeitura Municipal de Colombo
A colônia Antônio Prado foi a única colônia mista da região, sendo formada por
imigrantes italianos e poloneses. As demais colônias abrigavam apenas colonos italianos até
duas décadas após a imigração (MASCHIO, sd). Estes imigrantes eram em sua maioria
venezianos e camponeses (MACHIOSKI, 2004).
No livro de registro de entrada de imigrantes do Arquivo Público do Paraná10
, na
categoria profissão, podemos perceber que a maioria dos imigrantes que foram para estas
colônias eram agricultores, contudo em muitos casos o livro de registro não específica a
profissão.11
Outra característica evidenciada nos livros de registro foi a de que os imigrantes
chegavam a estas colônias em núcleos familiares. Característica típica da imigração com
destino a pequena propriedade, o patriarca chegava ao Brasil trazendo todo o núcleo familiar,
o que facilitava a permanência no país receptor e implicava a baixa taxa de retorno à terra de
origem.
Podemos supor que assim como em todo o Brasil, os imigrantes que aportaram em
Colombo, no final do século XIX, ainda não possuíam acerca de si mesmos uma noção de
pertencimento italiano. Esta noção de pertença a uma nacionalidade ainda não havia sido
formada, visto que a Itália unificou-se como Estado Nacional apenas em 1870. Entre os
imigrantes não havia uma unidade linguística e nem hábitos culturais semelhantes (ZANINI,
2005, pag 4).
No Brasil, de forma geral, os costumes culturais entre os imigrantes italianos eram
diversos, dependendo da origem regional de cada um. Havia vicentinos, mantovanos,
feltrinos, trentinos, entre outros (ZANINI, 2005).
10
Pesquisa sobre imigração italiana em Colombo, coordenada pelo Prof. Márcio de Oliveira (UFPR). 11 Os livros de registro de entrada de imigrantes disponíveis para consulta no Arquivo Público do Paraná
possuem muitos dados não preenchidos ou incompletos.
Segundo Zanini (2005), o sentimento de ser italiano e a noção de pertencimento
iniciaram-se no contraste cultural com os nativos da região. Havia uma diferença nas práticas
culturais dos imigrantes e dos brasileiros. A categoria genérica de “italianos” serviu como
uma distintividade em relação aos outros (ZANINI, 2005, pag 5).
Na relação com a sociedade brasileira os imigrantes se autodenominavam italianos,
mas dentro da colônia falavam dialetos distintos, veneravam santos distintos (ZANINI, 2005,
pag 5). Um aspecto cultural comum entre os imigrantes provenientes das diferentes regiões da
Itália era o catolicismo (BALHANA, 1978; MACHIOSKI, 2004; ZANINI, 2005).
Os italianos da região do Vêneto, região de onde veio a maior parte dos imigrantes
instalados nas colônias de Colombo, eram católicos fervorosos a ponto de terem seu cotidiano
dividido apenas entre o trabalho e a igreja. Esse fato nos faz supor que, ao chegarem em uma
terra desconhecida, seriam esses valores que pautariam a ‘reconstrução’ da identidade étnica
desses estrangeiros (MACHIOSCKI, 2004).
Os imigrantes encontravam na fé religiosa e na assistência de seus pastores um elo de
proximidade e de identificação cultural que possibilitava ultrapassar o trauma da mudança e
da adaptação às novas contingências estruturais. Na região de Colombo este processo de
identificação cultural através da religião, não foi diferente, sendo o espaço religioso o
principal espaço na construção identitária entre os imigrantes italianos. A religião foi
importante ainda, na interação entre os colonos e na integração dos imigrantes na sociedade
receptora (BALHANA, 1978; MACHIOSCKI, 2004).
Mesmo que os imigrantes italianos não tivessem uma unidade identificação entre si
além do catolicismo, eles se encontravam em outro Estado Nacional, com pessoas que
possuíam a língua e práticas culturais totalmente distintas das suas. O contraste cultural foi
inevitável, assim como as tentativas de criar espaços comuns para a prática e manutenção dos
costumes de origem.
Assim que possível, quando já estavam instalados nas colônias, os imigrantes criaram
espaços de sociabilidade, onde poderiam falar a sua língua e encontrar os seus pares. Nesse
sentido, o primeiro passo depois de obterem uma pequena porção de terra para construírem
suas casas e desenvolverem sua atividade agrícola, era unir forças para a construção de uma
igreja (MACHIOSKI, 2004). Sendo assim, a socialização dos imigrantes e descendentes
aconteceu principalmente no espaço da igreja, onde foram fortalecidos outros laços
identitários:
Este local serviria para o encontro dos moradores da colônia, onde além de
cumprirem com seus preceitos religiosos poderiam conversar a respeito do seu dia-a-
dia, trocar experiências, escapando do isolamento social. Esse processo unia os
moradores da colônia e fortalecia os seus laços de vizinhança, como também afirmava
a identidade do grupo, na medida que um imigrante encontrava no outro as mesmas
características e anseios, e isso criava em si um sentimento de pertencimento. Em
1899, iniciou-se a construção da atual Igreja Matriz (MACHIOSKI, 2004).
Outro espaço importante de socialização dos imigrantes e de interação com a
sociedade receptora foi o espaço escolar. A princípio, no período de instalação da colônia, não
havia escolas. A presença do governo na promoção da instrução elementar para os filhos de
imigrantes foi muito restrita. Desse modo, os italianos ali instalados providenciaram um
espaço para que um dos colonos ministrasse aulas, as quais eram lecionadas em língua italiana
(FERRARINI, 1992, p.466).
Segundo Maschio (2005), os colonos contribuíram para a construção das escolas nas
regiões coloniais na medida em que pressionavam o governo para construir uma escola
pública. Em Colombo, a escola pública foi fortemente reivindicada entre os colonos e devido
a essas reivindicações, foi aberta:
Os italianos da Colônia Alfredo Chaves enviaram ao Presidente da Província, Dr.
Carlos Augusto de Carvalho, um abaixo assinado, datado de 11 de julho de 1882,
contendo 67 assinaturas, dentre as quais as de alguns brasileiros. No documento,
reclamavam a falta de aulas públicas na colônia, alegando seu esquecimento pelo
governo. Solicitavam a criação de uma escola pública promíscua, informando haver
na colônia um número muito alto de crianças - cerca de 140, de ambos os sexos,
menores de 14 anos de idade - e, ainda, muitos filhos de brasileiros que necessitavam
receber educação (REQUERIMENTO, 1882, p.58-59, apud MASCHIO, 2005. Pag 29).
Atendendo aos pedidos dos colonos, o Presidente da Província criou uma escola
pública em 1882, com aulas lecionadas pelo professor brasileiro Antonio José de Souza
Guimarães (MASCHIO, 2005). Depois de construídas, tais escolas foram prevalentes e
possibilitaram a integração dos imigrantes e descendentes à sociedade brasileira. Seja a
integração através do ensino do idioma português, da facilitação para o desenvolvimento das
atividades econômicas, na inserção de imigrantes como docentes e inspetores e também
abrindo espaço para a atuação política e social.
Embora existisse a escola pública, que era o principal estabelecimento de
escolarização na colônia, algumas escolas comunitárias étnicas foram criadas nesta região. Os
alunos que frequentavam as escolas étnicas eram crianças já nascidas no Brasil, compondo as
primeiras gerações de descendentes (MASCHIO, 2005).
A escola era considerada pelos imigrantes como uma instituição importante para a
manutenção da identidade cultural dos grupos, pois por meio dela o idioma, os valores, os
costumes e as crenças pertencentes ao país de origem seriam perpetuados para as novas
gerações, além de promover as primeiras aprendizagens (MASCHIO, 2005).
Devido a essas preocupações com as tradições culturais, foram criadas duas escolas
étnicas que ministravam as aulas em italiano para descendentes de imigrantes: A escola da
Società Italiana de Mútuo Soccorso Christoforo Colombo e o Colégio Santo Antonio.
No ano de 1905, a Società Italiana de Mútuo Soccorso Christoforo Colombo
mantinha uma escola étnica italiana onde à freqüência era permitida exclusivamente
para meninos e filhos dos membros daquela entidade. As aulas eram dadas em
idioma italiano e no ano de 1910 contava com a freqüência de 40 meninos. Em
1917, outra escola étnica entra em funcionamento: o Colégio Santo Antonio.
Dirigido pelas Irmãs Italianas Apostolas do Sagrado Coração de Jesus, o colégio
abrigava 200 crianças. As aulas eram ministradas em idioma italiano e os alunos tinham aula de catequese. Alguns registros apontam a presença de filhos de
brasileiros nesta escola (MASCHIO, 2005).
A Società Italiana Cristoforo Colombo um espaço importante de sociabilidade entre
os colonos de Colombo. Esta associação realizava atividades de assistência médica, dava
subsídios financeiros para tratamento de doenças e também instrução escolar. O objetivo da
instituição era a promoção do bem estar, da moralidade e da instrução. Esta associação
limitava-se a participação masculina.
Segundo Maschio (2005) a Società Italiana Cristoforo Colombo encaixavam-se nos
moldes das associações criadas nas colônias de origem italiana de todo o Brasil. Tais
associações, criadas a partir da década de 1890, acabaram sendo o elo de ligação com a terra
natal12
.
12 Maschio (2005) utiliza e referencia o trabalho de Mimesse (2001) para desenvolver esta ideia.
Figura 1: Escola Italiana da Società Italiana Cristoforo Colombo – 1910
Fonte: (MASCHIO, 2005. Pag 98).
Aos poucos os colonos foram integrando-se a vida política da época. No decorrer do
ano de 1890 os primeiros representantes administrativos da Intendência Municipal eram todos
brasileiros. A partir de março de 1891, três italianos ocuparam cargos junto à Intendência
Municipal.
Foi neste mesmo ano, no dia oito de janeiro, que o título de vila foi concedido então à
Colônia Alfredo Chaves, que passou a ser denominada “Villa Colombo”. Embora a economia
fosse baseada nas atividades agrícolas, principalmente pelos imigrantes em seus lotes de
terras, a partir de então houve a abertura de estabelecimentos comercias e de algumas
fábricas. As atividades econômicas foram se desenvolvendo, e junto a elas a cidade foi se
organizando e crescendo.
Além dessas configurações políticas, que floresceram com a Proclamação da República em 1889, o Município de Colombo também foi marcado por um grande
desenvolvimento econômico e modernizador, pois muitas iniciativas industriais
começaram a surgir. Neste sentido, as primeiras duas décadas do século XX, foram
marcadas por um processo de transformação da Vila. Colombo tomava ares de cidade.
Contava com inúmeras casas, com comércios, escola e igreja. Desenvolvia a economia
através da agricultura e da indústria. No âmbito cultural,manifestavam também suas
crenças e seus costumes através das festas. Muitas delas são celebradas até os dias de
hoje, como por exemplo, a Festa de Nossa Senhora do Rosário. Assim, podemos
afirmar que os imigrantes e os brasileiros se integraram por meio do trabalho, da
religião, da educação e da política (MASCHIO, sd ).
2.2 OS COLONOS E A NACIONALIZAÇÃO
As colônias italianas, localizadas na região hoje conhecida como Colombo,
apresentaram nas primeiras décadas de colonização fatores como baixo crescimento
populacional, homogeneidade étnica, baixa taxa de retorno e relativo isolamento em relação
ao mercado consumidor interno e externo. Estes elementos parecem apontar para um
considerável isolamento dos colonos frente à sociedade brasileira.
Esta condição em que se encontravam os primeiros imigrantes, somada as difíceis
condições da estrutura da colônia, que ainda estava em construção, contribuiu para que
existissem poucos espaços de interação entre eles e os nacionais por um longo período.
Como vimos anteriormente, nas primeiras décadas, os espaços de sociabilidade eram
restritos, até mesmo entre os colonos. Após a construção da igreja, a conquista da escola
pública, a abertura das escolas étnicas e a ampla atuação da Società Italiana Cristoforo
Colombo, este quadro começou a mudar.
Como já citado, estes espaços foram importantes na integração com os nacionais e na
convivência entre os próprios imigrantes. Essas instituições sociais possivelmente
preservaram traços culturais dos imigrantes nas gerações seguintes, já nascidas no Brasil.
Mesmo com o rompimento radical com a terra de origem e sem uma origem cultural comum
entre os membros das colônias, devido às diferenças regionais dos lugares de onde vieram, os
imigrantes criaram nos núcleos coloniais uma dinâmica cultural distinta da até então
considerada “cultura nacional brasileira”.
“Escola, lar, Igreja e associações recreativas/culturais aparecem como instituições
fundamentais para a manutenção das identidades étnicas, já que sua ação permite a
continuidade do aprendizado da língua e dos costumes “de origem”, isto é, na
construção das identidades étnicas, a língua, a cultura e a origem (que supõe laços de
sangue com uma nação especifica) aparecem como símbolos de pertencimento que Max Weber assinalou como básicos dos sentimentos étnicos e nacionais”
(SEYFERTH, 1997).
Por outro lado, a inserção dos estrangeiros na “cultura brasileira” foi uma preocupação
presente na política desde o início dos processos migratórios no Brasil. Supomos que esta
preocupação foi ainda mais intensa em relação à região sul, onde as condições dificultavam
tal inserção.
Como vimos no primeiro capítulo deste trabalho, as colônias da região sulina eram
compostas por núcleos familiares, portanto eram mais homogêneas, possuíam estradas
precárias ou a inexistência das mesmas, resultando em difícil acesso e eram parcialmente
independentes na economia, no sentido de que os colonos produziam para a sua própria
subsistência.
Com a proclamação da República brasileira, em 1889, a preocupação com a
integridade territorial e cultural do Estado-Nação se tornou mais forte. Neste sentido as
colônias que não portavam culturas compatíveis com os princípios da brasilidade da época
passaram a ser consideradas como enquistamentos étnicos13
, sobre os quais o governo passou
a intervir (SEYFERTH, 1997).
Registros apontam para intervenções dessas políticas nas colônias de Colombo. Um
fato que possivelmente expresse o contexto político da época foi a proibição de um tradicional
jogo falado em língua veneta, que costumava reunir os colonos nas casas e na praça. Em
1900, o prefeito da Vila de Colombo, Tenente Gualberto Bitencourt, brasileiro assim como a
maior parte dos representantes políticos da época, proibiu o jogo da mora14
em espaços
públicos e privados, no artigo 4 do decreto de 16 de dezembro deste mesmo ano
(FERRARINI, 1979, pag 162). O motivo para a proibição não está explícito na lei, contudo
sabe-se que este jogo era frequentemente praticado pelos imigrantes e que sem ele um
importante espaço de sociabilidade foi restringido aos colonos.
Com a intervenção nacionalizadora do Estado Novo, iniciada em 1937, as ações do
governo foram mais radicais em relação a qualquer traço cultural que não tivesse uma
procedência que fosse considerada brasileira. As campanhas nacionalistas tinham como
intuito a criação de uma unidade nacional e exigiam o “abrasileiramento” entre os colonos e
estrangeiros (SEYFERTH, 1997, pag 101).
“Os grupos étnicos e suas culturas são definidos (pelas políticas desta época) como
quistos (ora raciais, ora exóticos, ora alienígenas) e as etnicidades, expressadas por
termos como germanismo, polonidade, italianidade etc, são vírus que atingiram o corpo da nação, ameaçando sua integridade” (SEYFERTH, 1997, pag 103).
13 Nome dado nesta época aos núcleos de imigrantes que não se integravam a cultura brasileira. 14 O jogo da mora é uma tradição italiana comum na região do Vêneto. Ele é tradicionalmente realizado em
dialeto talian e se resume em acertar o número do conjunto de dedos da mão que os contendores sucessivamente
apresentam sobre uma mesa, batendo os dedos sobre ela. A dificuldade é a rapidez com que isso se desenvolve, o
que gera sempre um grande entusiasmo em todos que se traduz em exclamações e impropérios em alta voz. Os
jogadores vão apresentando os dedos e gritando os números supostos até um deles acertar a soma. Se um jogador
acerta o número deve acusá-lo dizendo “mio!” ou “sa la mora!”, ou “alla mora”, o que significa “morra!”.
A fim de despertar o sentimento de nacionalidade nos “alienígenas”, forma como os
imigrantes não integrados à “cultura nacional” foram chamados, as campanhas atuaram
principalmente nos espaços de socialização dos imigrantes e descendentes, como na escola,
no lar e na Igreja (SEYFERTH, 1997, pag 103).
Os nacionalizadores pretendiam atingir as ideologias étnicas e o sentimento de
etnicidade substituindo os símbolos étnicos por outros representativos da brasilidade
(SEYFERTH, 1997). O primeiro ato de nacionalização atingiu o sistema de ensino em língua
estrangeira: a nova legislação obrigou as chamadas escolas estrangeiras a modificar seus
currículos e dispensar os professores “desnacionalizados” (SEYFERTH, 1997, pag 97).
Através de histórias orais, podemos notar que a língua foi um dos aspectos culturais
mais restringidos entre os imigrantes. No âmbito privado, os imigrantes e seus descendentes
falavam em língua veneta, mas no espaço público houve um silenciamento destes aspectos
culturais mesmo entre os colonos.
Eu lembro que passava aqueles aviões assim e pai dizia: Olhe, isso ai é o governo que vai soltar bomba encima de nós [...] não pode fazer nada errado. Então aquele medo
assim. Eles transmitiam medo pra gente naquela época (Entrevistado 2).
Neste período a Società Italiana Cristoforo Colombo, criada em 1905, que ministrava
aulas em italiano, foi fechada. As escolas passaram a receber aulas em português. Através de
relatos orais é possível saber que muitos descendentes aprenderam a língua portuguesa apenas
nas escolas:
“Dona Bernadete sempre nos conta que quando ela e sua irmã passavam pelos
milicos, elas passavam dizendo: lápis, caneta, borracha. Eram as únicas palavras que
falavam em português. Queriam mostrar que sabiam” (Entrevistado 1).
O projeto político da construção da nação brasileira pressupunha que “sentimento
nacional” só poderia ser atingido através da educação. As escolas passaram a ter a função de
inculcar este sentimento nos filhos e netos de imigrantes, que eram desprovidos da brasilidade
(SEYFERTH, 1997, pag 101). As imposições do civismo chegariam até o espaço do lar
através dos jovens (SEYFERTH, 1997), que ensinariam os pais.
O recrutamento dos jovens para o serviço militar apresentou-se como outra estratégia
de nacionalização (SEYFERTH, 1997, pag 101). Entre os brasileiros que combateram na
Segunda Guerra Mundial, vinte e cinco expedicionários eram descendentes da colônia
Presidente Faria (FERRARINI, 1974, pag 313 e 314). Com a guerra os imigrantes italianos
passaram a ser vistos como uma ameaça à nação. No Brasil, ser italiano era sinônimo de
“perigo” e, com isso, eles passaram a ser tratados como inimigos em potencial (SEYFERTH,
1997). A campanha de nacionalização fez com que a noção de pertencimento a outra cultura
que não fosse à cultura nacional fosse associada a algo pejorativo.
Podemos concluir que estes descendentes sofreram com tais imposições até 1945.
Contudo, o caráter pejorativo associado a esta cultura, neste período traumático, ressoou por
um longo período de tempo. Não podemos esquecer que os descendentes “aprenderam que ser
bom é ser nacional” e que os espaços de atualização da etnicidade foram fechados ou
transformados.
Conforme Zanini (2005, pag 7) depois daquele período os italianos mantiveram um
certo silenciamento discursivo acerca da sua italianidade. Santos e Zanini (2009, pag 33)
compreendem este silenciamento como a italianidade vivida de forma discreta e ressentida.
2.3 A ATUAL BUSCA PELAS ORIGENS ÉTNICAS
Atualmente a cidade de Colombo faz parte da região metropolitana de Curitiba. A
população da cidade cresce exponencialmente. Segundo dados do IBGE15
, a cidade tinha
117.767 habitantes no ano de 1991, 183.329 habitantes nos anos 2000 e hoje apresenta
212.967 habitantes. No entanto, é possível notar que a grande concentração populacional
situa-se nas áreas limítrofes da cidade de Curitiba.
O centro da cidade, região onde antigamente se situava a colônia Alfredo Chaves,
continua com um baixo crescimento populacional, sendo ele cercado por uma extensa área
rural.
15 Acesso: 30/04/2012
Figura 2: Mapeamento da zona de preservação cultural
Fonte: Prefeitura de Colombo – Acesso: 20/04/2012
Neste mapa podemos observar as zonas do atual plano diretor do Município. O centro
da cidade está localizado na parte destacada com a cor roxa. Ele é considerado pelo plano
diretor como área de preservação do ambiente cultural da cidade.
Nota-se que há atualmente um reconhecimento político e social da questão étnica no
município. Há certa evidência no caráter valorativo atribuído a ela nos setores econômicos e
culturais.
Alguns autores indicam que o início da valorização do passado imigrantista foi
decorrente das comemorações do Centenário da Imigração Italiana no Brasil (ZANINI,
2006. ZINANI e SANTOS, 2007). Zanini (2005, pag 10) mostra que a partir da década de
1970 do século passado, os festejos em comemoração ao Centenário da Imigração Italiana a
nível nacional foram fundamentais para que muitos descendentes, já bem posicionados
econômica e socialmente, passassem a adotar tais iniciativas que vieram positivar novamente
o fato de ser italiano. Zinani e Santos (2007), afirmam que as até então silenciadas temáticas
da imigração foram retomadas pelo centenário: “as produções relativas ao Centenário da
Imigração Italiana no Rio Grande do Sul, ocorrido em 1975, ensejaram a produção de estudos
que procuravam resgatar as raízes dessa conquista, bem como valorizar a trajetória do
imigrante italiano” (ZINANI e SANTOS, 2007, pag 175).
O centenário da colonização italiana no Paraná começou a ser estudado para a
realização da sua festa celebratória, que aconteceu no ano de 1975 (FERRARINI, 1974, pag
17). O Consulado Geral da Itália nos Estados do Paraná e Santa Catarina, representado pelo
Cônsul General Dr. Eng. Gottardo Bottarelli, solicitou serviços de pesquisa para esclarecer a
entrada dos primeiros imigrantes italianos, tendo como intenção promover os festejos do
Primeiro Centenário da Imigração Italiana nestes estados (FERRARINI, 1974, pag 11).
Com intuito de contribuir com a celebração do centenário, as obras de Sebastião
Ferrarini16
foram solicitadas pela prefeitura e pela secretaria da Educação e Cultura da cidade
de Colombo (FERRARINI, 1974, pag 11). Sebastião Ferrarini escreveu o primeiro e os únicos
livros sobre a história da cidade de Colombo destacando a história da colonização italiana.
Entretanto, podemos notar que as iniciativas relacionadas ao resgate da particularidade
étnica da cidade se intensificaram somente 30 anos após a comemoração do centenário. A
partir de um levantamento das atividades relacionadas à questão étnica, percebemos que a
maioria delas surgiu em meados dos anos 2000. Entre as iniciativas estão: A criação do
Circuito Italiano de Turismo Rural, a fundação da Associação Italiana Padre Alberto
Casavecchia, a construção do Museu Municipal Cristoforo Colombo e o surgimento da
Associazione Veneti nel Mondo de Colombo.
O Circuito Italiano de Turismo Rural foi criado em cinco de fevereiro de 1999, pela
Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente a partir de iniciativas das Prefeituras
Municipais da Região Metropolitana de Curitiba, da COMEC17
e EMATER/PR18
, e das
empresas públicas “Eco Paraná”19
e “Paraná Turismo”20
. O Circuito Italiano teve como
objetivo principal a criação de empregos, renda e preservação do meio ambiente (NITSCHE,
2000).
O projeto fez parte de um plano de desenvolvimento que previa criar um anel de
turismo na região metropolitana de Curitiba. Evitar o êxodo rural era a pauta principal. Desta
16 Autor de três livros sobre a história de Colombo. 17 Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba. 18 Empresa Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural. 19 O Serviço Social Autônomo EcoParaná foi criado por lei estadual em em 1998. Atua em conjunto com a
Secretaria Estadual de Turismo do Paraná. Para maiores informações, ver o sítio www.ecoparana.pr.gov.br. 20
Criada por lei estadual em 1995, a Paraná Turismo é uma empresa pública cuja função é executar a política
estadual de turismo, estando subordinada à secretaria de estado de mesmo nome, SETU. Para maiores
informações, ver o sítio www.setur.pr.gov.br.
forma, ações de comercialização de produtos e serviços na pequena propriedade foram criadas
a fim de desenvolver a região.
Na medida em que o circuito fomentou a economia local através da atração de novos
consumidores e turistas, Colombo passou a ser caracterizada pelos traços da “cultura italiana”.
Segundo Nitsche (2000), a temática atribuída ao Circuito de Turismo buscou destacar o que
diferenciava a cidade: os traços imigrantes deixados pelos colonizadores italianos na cultura
local, principalmente na agricultura e na produção de hortifrutis.
O que podemos perceber é que vários roteiros da região metropolitana de Curitiba
foram elaborados com base nas características étnicas e rurais dos municípios que a compõe.
Explorar conteúdos temáticos na elaboração do roteiro turístico apresentou-se com uma
estratégia para atrair o turismo para estas regiões. Para que um roteiro turístico seja atrativo é
necessário que ele seja vantajoso para o turista e vantajoso para a comunidade receptora, em
termos econômicos, sociais e culturais. Tematizar o roteiro significava preencher estes
quesitos (NITSCHE, 2000).
Neste sentido, a busca pela questão étnica na formação do Circuito Italiano de
Turismo Rural foi uma estratégia econômica. Podemos supor que a ampla adesão ao circuito
fez com que muitos produtores e comerciantes passassem a se caracterizar a temática
proposta, tornando o elemento étnico um discurso recorrente na cidade. A imigração como
algo distintivo e peculiar apontaria para uma mudança de percepção sobre as origens na
medida em que passou a atribuir a ela um valor.
Pouco tempo depois surgiram as associações étnicas culturais: A Associação Italiana
Padre Alberto Casavecchia e a Associazione Veneti nel Mondo de Colombo. A AIPAC21
teve
sua origem em 25 de setembro de 2000. Ela realiza atividades ligadas ao resgate e a
preservação da história e cultura do município. Por intermédio dessa associação acontece a
maior parte das atividades ligadas à preservação e ao resgate cultural. Em consulta ao seu
sitio22
, podemos listar as seguintes atividades:
Quadro 2: Atividades desenvolvidas pela Associação Italiana Padre Alberto Casavecchia Nome Início e/ou período das atividade
Settimana Italiana di Colombo 2006 à 2012
Cena Tra Amici (Jantar entre amigos) 2001 à 2012
Gruppo Luce dell’ Anima 2005 à 2012
Gruppo Venutti dall’ Italia 2001 à 2012
21
Sigla criada para fazer referência a Associação Italiana Padre Alberto Casavecchia. 22 Devido à falta de fontes escritas sobre as associações, consultamos principalmente os sítios das mesmas:
http://www.associacaoitaliana.org.br/ e http://veneticolombo.blogspot.com.br/
Aulas de conversação em italiano 2011 à 2012
Curso regular de italiano 2011 à 2012
Projeto de resgate à língua falada pelos imigrantes vênetos -
Acervo icnográfico (catalogação e conservação de fotos) -
Projeto Colombo Memória (filmagens de história oral dos descendentes de imigrantes) -
Projeto Genealogia -
Fonte: http://www.associacaoitaliana.org.br/. Acesso em 14/03/2012
A Associazione Veneti nel Mondo de Colombo foi criada em 2009. Ela tem como
objetivo resgatar e difundir a cultura vêneta na cidade. A associação faz parte da Associazione
Veneti nel Mondo Onlus que atua também em outras regiões, tendo sua sede na Itália.
Outra iniciativa ligada ao resgate cultural é a da construção do Museu Cristóforo
Colombo, que além de pesquisar, catalogar e fazer a manutenção de objetos da história da
colonização do município teve a sua instalação projetada e construída como uma réplica da
antiga Società Italiana Cristoforo Colombo. Criado em 2007, o museu possui um acervo que
foi construído com doações de objetos doados por famílias descendentes dos imigrantes
italianos que colonizaram a região.
Figura 3: Museu Municipal Cristoforo Colombo
Fonte: http://www.associacaoitaliana.org.br/. Acesso em 16/04/2012
Partindo destes elementos podemos notar que existe hoje um forte movimento de
resgate da questão étnica na cidade, assim como uma descoberta ou redescoberta da
italianidade entre os descendentes.
Em decorrência ao processo histórico que marcou a região podemos imaginar que ao
longo dos anos nem todos os descendentes preservaram as memórias culturais de sua origem.
Alguns as mantiveram como parte do cotidiano. Outros não as perceberam, mas elas estavam
ali, latentes. Outros ainda, se mobilizaram politicamente a fim de resgata-las. É nesses últimos
que focamos a atenção nessa investigação.
O que pretendemos discutir aqui não é se os traços culturais foram ou não integrados à
cultura nacional, ou se existe veracidade na questão étnica na atualidade, mas as oscilações da
noção de pertencimento étnico desde a chegada dos primeiros imigrantes, até o seu
significado na atualidade. Qual o sentido desta descoberta ou redescoberta? Como esse
fenômeno se produz e quem são seus atores?
Ao entendermos mais sobre o nosso objeto de pesquisa e discutirmos brevemente
nossa hipótese de que existe uma (re)descoberta da italianidade na atualidade torna-se
fundamental compreende-la perante seus atores. Para isto, elegemos um estudo de caso sobre
as associações étnicas.
CAPÍTULO 3: O PAPEL DE DUAS ASSOCIAÇÕES ÉTNICAS NA (RE)
DESCOBERTA DA ITALIANIDADE
Para responder algumas das perguntas colocadas no capítulo anterior faremos um
estudo de caso das duas associações italianas presentes no município: Associação Italiana
Padre Alberto Casavecchia e Associazione Veneti nel Mondo – Colombo. Nota-se que essas
organizações vêm promovendo diversas atividades vinculadas ao resgate cultural levando-nos
a supor que as suas iniciativas estão ligadas de forma significativa ao retorno da noção de
pertencimento étnico. Buscamos então entender as suas origens dentro do contexto de (re)
descoberta da italianidade, o papel que desempenham entre os seus membros e o sentido das
suas atuações na comunidade.
A origem das associações italianas da cidade de Colombo acontece no mesmo período
em que vários setores passam a dar mais atenção para a questão étnica como elemento de
distinção do município. A partir da criação do Circuito Italiano de Turismo Rural, em 1999,
os discursos acerca da italianidade passaram a se apresentar de maneira mais expressiva na
medida em que setores ligados à economia, ao turismo e ao lazer adotaram traços étnicos para
se adaptar a temática proposta no roteiro do circuito.
Ainda hoje há ressonâncias do processo imigratório que marcou a história da região. A
agricultura, a religiosidade e o sotaque demonstram a forte presença imigrante no município.
Contudo, observa-se que mesmo que a italianidade estivesse sempre presente, o caráter
valorativo associado a ela inicia-se neste momento, principalmente com a criação do
CITUR23
.
Sendo assim, é possível que a origem do CITUR seja responsável pela guinada das
iniciativas relacionadas ao resgate cultural que tiveram início no começo dos anos 2000 (Ver
subitem 2.3). Mesmo que as comemorações do centenário da imigração italiana já apontassem
para o valor das trajetórias imigrantes, o CITUR promoveu um reconhecimento da
italianidade do município tornando seus discursos da italianidade mais rotineiros.
Não podemos afirmar que as formações associativas surgidas a partir deste período
tenham relação direta com a criação do CITUR. Mas o desencadeamento da valorização
étnica é certamente causa também desta construção. A relação entre as iniciativas torna-se
interessante quando atentamos para as origens da primeira associação étnica da cidade.
23 Sigla que se refere ao Circuito Italiano de Turismo Rural.
3.1 A ASSOCIAÇÃO ITALIANA PADRE ALBERTO CASAVECCHIA
A origem da Associação Italiana Padre Alberto Casavecchia (AIPAC) está ligada às
iniciativas de um grupo de pessoas da comunidade colombense que em 25 de setembro de
2000 reuniu-se para atender a proposta de resgate histórico feita pelo Padre Marcos Leite
Azevedo24
. A proposta consistia em resgatar a arquitetura da escadaria Igreja Matriz Nossa
Senhora do Rosário e, além disto, resgatar fotografias e as pinturas internas da igreja feitas
pelas primeiras gerações de imigrantes.
A Igreja fora construída por imigrantes vênetos entre o final do século XIX e início do
século XX e a sua escadaria foi feita na década de 1920, tendo posteriormente perdido o
formato original. Inicialmente, o grupo que se mobilizou por esta causa fundou a Associação
Cultural de Preservação do Patrimônio Histórico de Colombo, instituição que gerenciou as
obras da escadaria e promoveu eventos a fim de arrecadar fundos para esta empreitada. Esta
associação promovia jantares com o intuito de auxiliar o resgate histórico idealizado pelo
padre.
Talvez o fato de a igreja começar a fazer parte do CITUR tenha motivado o resgate
das características étnicas da igreja, visto que as datas de tais iniciativas coincidem. Contudo,
podemos somente afirmar que um dos fatos motivadores desta iniciativa foi à comemoração
do centenário do início da construção da Igreja, em 1999. Em uma carta escrita pela senhora
Bernadete Júlia Lovato D'Agostin podemos observar como se deu a iniciativa do projeto
Acervo Icnográfico, que hoje faz parte das atividades da associação:
Fui convidada pelo Pe. Marcos L.A nosso pároco para identificar e organizar o
acervo fotográfico da Paróquia N. Sª.do Rosário[...]. P. Marcos sugeriu a
organização de 1ª exposição fotográfica no dia da comemoração do centenário do
lançamento da Pedra Fundamental da Igreja Matriz [...]. Fiz verdadeira
peregrinação junto às famílias mais antigas do município. Era um trabalho árduo,
pois poucas famílias tinham mais de 1 foto e muitas outras haviam se desfeito do
pouco que tinham (D’AGOSTIN, sd).
Como já foi pontuado anteriormente, a igreja sempre exerceu uma enorme influência
entre os imigrantes e seus descendentes (BALHANA 1978, MACHIOSKI, 2004). Por
intermédio e a pedido dela a comunidade começou a se mobilizar prol do resgate cultural.
Passado um ano a instituição traçou novos objetivos e passou a ser chamada Fundação
Padre Alberto Casavecchia. Novas propostas de resgate cultural foram propostas por seus
24
Paroco da Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário neste período.
membros e as atividades continuaram. Notamos em entrevista que inicialmente a ajuda à
igreja agregou muitas pessoas e que posteriormente o grupo foi diminuindo:
Então, sempre os movimentos que ocorrem na comunidade são movimentos muitos
deles ligados a igreja. Então uma boa parte das pessoas, tem este vinculo com a
igreja. Então quando a gente montou este grupo para a construção da escadaria, né,
você agregou pessoas da comunidade [...]. Então a gente já faz parte [...] e foi se
mantendo. Desde o início existiam muito mais pessoas. Hoje é um grupo menor, que continuou fazendo parte da associação (Entrevistado 6).
Sendo assim, para arrecadar fundos para as atividades realizadas pela Fundação,
jantares italianos, denominados Cena tra Amici (Jantar entre Amigos), passaram a ser
promovidos. Nos jantares, que até hoje ocorrem, cerca de 600 convites são vendidos. Neles, é
comum a apresentação do grupo de dança Venuti dall’Italia e é costumeiro haver ainda
exposições de fotografias antigas. O projeto Acervo Icnográfico havia crescido e foi agregado
às atividades da Fundação.
Segundo Inoue (2010), imagens fotográficas e narrativas de trajetórias de vida
permitem a atualização de memórias, além da atualização da imagem que o grupo quer
perenizar. A memória, ao definir o que é comum a certo grupo e que o diferencia dos outros,
fundamenta e reforça os sentimentos de pertencimento e as fronteiras socioculturais (INOUE,
2011, pag 71). Neste sentindo o acervo icnográfico promovido teve grande importância no
fortalecimento da italianidade.
Além dessas atividades, outras iniciativas que visam resgatar memórias do passado
colonizador passaram a ser desenvolvidos a partir de 2001. Sendo um deles o projeto
Colombo Memória, que tem como objetivo captar imagens e depoimentos de descendentes de
imigrantes vênetos mais antigos da região.
Ainda em 2001, iniciaram-se os estudos sobre a genealogia que consiste em incentivar
que os membros busquem e reconstruam suas origens familiares. Esse resgate da
descendência aponta ser um elemento importante no processo de identificação com a
italianidade. Percebemos que:
a italianidade refaz, por meio da narrativa sobre si, um elo de pertencimento que, para
além de um sentimento coletivo, elevava sentimentos de menor alcance como orgulho
de ser membro de determinada família, de possuir tal sobrenome (ZANINI, 2005, pag
18).
Outras iniciativas foram criadas em 2005, como o grupo de canto Luce dell’Anima. O
evento Prima Settimana Italiana di Colombo (Primeira Semana Italiana de Colombo) teve
início em 2006 e passou a ser realizada anualmente. Atualmente este evento movimenta cerca
de 2.500 mil pessoas25
.
O jogo de mora26
que como já vimos, havia sido proibido em 1900 foi resgatado pela
AIPAC. Hoje, encontros são promovidos para que a mora seja jogada. A associação promove
ainda missas que são celebradas em língua veneta. Para isto, alguns membros são
responsáveis por traduzir os folhetos das celebrações.
Figura 4: Missa em língua vêneta com as bandeiras da região do Vêneto
Fonte: http://www.associacaoitaliana.org.br/. Acesso em 16/04/2012.
Figura 5: O resgate do jogo da mora
Fonte: http://www.associacaoitaliana.org.br/. Acesso em 16/04/2012.
25 Dado cedido pela presidente da associação. 26 Verificar pag 28.
Em 2007, houve a criação do grupo de estudos de língua vêneta e o estabelecimento
das parcerias da Fundação com o Centro de Cultura Italiana Paraná Santa Catarina e a
Universidade Tuiuti do Paraná. O CCI27
promove cursos de língua italiana que muitas vezes
entram em confronto com os dialetos históricos herdados por alguns dos membros. Segundo o
relato de um dos membros os alunos dizem para o professor que o vêneto é uma língua e o
professor insiste a dizer que não é.
Neste mesmo ano, a Fundação assumiu seu nome atual de Associação Italiana Padre
Alberto Casavecchia:
percebeu-se que esse termo fundação tava errado pro tipo de instituição que era aqui.
[...] Não existia um capital em torno disto e uma fundação exigia um capital. Então
na época, a fundação sofreu uma intervenção do Ministério Público no sentido de
uma orientação de que deveria ser montado uma associação e não uma fundação. A
partir disso começamos a pesquisar: Mas por que então não montamos uma
associação veneta pra tentar mostrar esta particularidade dos italianos de Colombo?
Mas na época isso ainda não estava muito amadurecido (Entrevista 4).
Hoje a associação é responsável por dar continuidade às atividades culturais descritas
acima, tendo também, criado outras28
. Segundo seu estatuto, a AIPAC tem a finalidade
também de organizar congressos, simpósios, seminários, mesas redondas, conferências e
cursos, como forma de estimular a discussão e o debate, assim como o estudo sobre imigração
e cultura italiana.
Além disto, o estatuto define que a AIPAC não tem fins lucrativos. Ela pode buscar
captar recursos e patrocínios para manter as suas atividades. Os recursos podem ser obtidos
por financiamento do Poder Público, contratos e empresas nacionais ou internacionais,
doações, legados, heranças, rendimento das suas aplicações financeiras e por direitos autorais.
A promoção do voluntariado aparece como uma das finalidades dessa associação. Segundo
entrevista feita com um dos membros ela conta com um auxilio mensal da prefeitura e os
lucros dos jantares organizados para manter as atividades.
3.2 ASSOCIAZIONE VENETI NEL MONDO DE COLOMBO
Em 2008, alguns membros da AIPAC estiveram presentes em reuniões da Federação
das Associações Vênetas do Estado do Paraná (FAVEP). Em 2009, foi fundada a
Associazione Veneti nel Mondo – Colombo (AVM-C). Como afirma o estatuto dessa
associação ela é uma instituição afiliada a Associazione Veneti nel Mondo Onlus, sediada na
27 Centro de Cultura Italiana. 28 Conforme quadro da página 33.
Província de Vicenza, Região do Vêneto com a qual divide princípios e finalidades, tendo
como santos padroeiros São Marcos e Nossa Senhora do Rosário. Podemos notar que através
do vínculo estabelecido por essas instituições inicia-se um processo de identificação que
ultrapassa as fronteiras da nação. Não vamos aprofundar estas questões no presente trabalho,
mas conforme apontado nas entrevistas esta troca internacional intensifica o sentimento de
italianidade e o interesse pela associação:
Aimportância desse movimento deles virem pra cá e nós pra lá acredito que reforça a
questão da cultura [...] que era algo que eles (os colombenses) não valorizavam.
Criar a ponte entre as pessoas daqui e de lá é o principal desafio nosso. De repente
criar grupos em que você possa redescobrir a região do veneto ou a Italia (Entrevista
4).
O estatuto define que as finalidades da AVM-C consistem em reunir os vênetos e seus
descendentes que vivem e trabalham na cidade de Colombo para que esses possam se
conhecer e estreitar seus laços de amizade; promover eventos e iniciativas com a finalidade de
difundir o patrimônio histórico, cultural, turístico e linguístico do Vêneto e de Colombo e
manter vivo o contato com essa Região; defender e conservar o patrimônio histórico e
artístico herdado dos imigrantes vênetos estabelecidos em Colombo; facilitar as relações entre
cidadãos, entidades e instituições vênetas e os vêneto-brasileiros da cidade de Colombo;
estabelecer um contato constante com as autoridades regionais por meio da FAVEP e a
Consulta Regionale dei Veneti nel Mondo; promover a ligação entre os descendentes de
imigrantes vênetos e suas famílias e a Região de origem; promover intercâmbio com
associações análogas existentes em outras nações.
Podemos notar que a AVM-C vem promovendo intercâmbios entre colombenses e
italianos da região do vêneto, missas em língua vêneta e encontros entre os falantes,
chamados filòs. Esses encontros permitem relembrar estórias, canções e expressões utilizadas
pelos mais idosos. Em um dos encontros feitos com a presença de 15 jovens italianos
podemos perceber que:
A primeira palavra foi, nossa como isso é o que o meu avô falava, meu nono falava. O
grupo que esteve aqui com 15 jovens participou de um filó [...]Ele disse: eu gostaria
muito que minha nonna estivesse aqui para ouvir falando, porque estas palavras são
do dialeto de 1870. Foi a época que os imigrantes vieram pra cá. Então tem palavras
tão arcaicas em Colombo que lá se perdeu. Então eles dizem que lá se o resgate da
língua veneta quiser ser um pouquinho mais efetivo eles tem que vir pra cá. Eles tem que reimigrar. Não podemos dizer que a língua ficou estagnada, porque toda língua é
mutável né, mas as palavras como conseguiram se manter ao longo desses anos
(Entrevista 4).
Além disso, a AVM-C vem buscando sensibilizar os moradores de Colombo para a
importância de se manter vivas as tradições vênetas, em particular a língua. Com esse intuito,
dois membros da nova associação, Diego Gabardo e Fábio Luiz Machioski, iniciaram
pesquisas e estudos sobre a língua veneta. A partir de entrevistas realizadas com vários
falantes residentes em Colombo, constataram a grande importância da língua dentro da
comunidade, decidindo então organizar um projeto de ensino e divulgação. Pari passu, um
curso de talian29
foi ministrado na sede da Associação Casavecchia e atualmente existe um
projeto de ensino da língua no museu da cidade.
A AVM-C não tem fins lucrativos, podendo receber contribuição dos associados, fazer
termos de parceria, convênios e contratos com o Poder Público para financiamento de projetos
na sua área de atuação, aceitar contribuições oferecidas pela Associazione Veneti nel Mondo
Onlus, pela Região do Vêneto e pela FAVEP, estabelecer contratos e acordos firmados com
empresas e agências nacionais e internacionais, receber doações, legados e heranças, utilizar
dos rendimentos de aplicações de seus ativos financeiros e outros, pertinentes ao patrimônio
sob a sua administração e do recebimento de direitos autorais.
Por fim, a particularidade vêneta da italianidade reivindicada pela AVM-C demonstra
um contraste com a identificação genérica de italianos. Segundo Zanini (2005) a criação de
circolos (lombardos, vicentino, vêneto, da Emiglia-romana e etc) tem desempenhado um
papel importante na fomentação de uma nova reconstrução identitária particularizada. A
autora fala que embora os indivíduos não abandonem a adscrição generalista de italianos, eles
começam a se denominar mais particularmente: “sou feltrino, sou mantovano, sou vicentino”
(ZANINI, 2005, pag 12).
Neste sentido, cabe destacar que o sentido da italianidade que move atualmente o
CITUR é diferente do sentido atribuído pela AVM-C. As associações buscaram de forma
geral reconhecer o que de fato compunha as suas origens, levantando por vezes um
questionando a categoria genérica de “italianos” colocadas nas iniciativas estratégicas. Para
Zanini (2005), entre os próprios descendentes as categorias de ítalo-brasileiros estão em
constante negociação, seja de forma consciente ou não.
Não há só uma italianidade, mas sim italianidades distintas, que se processam
diferentemente de acordo com o contexto no qual os imigrantes se inseriram
(ZANINI, 2005, pag 13).
Em entrevista com um dos membros das associações podemos perceber essa
diferenciação e a preocupação com o resgate da particularidade vêneta. Segundo ele o papel
das associações é sensibilizar para promover uma (re) descoberta das origens que de fato
compõem a história do município.
29 Talian ou “vêneto brasileiro” é o nome dado a uma variante da língua veneta, falada principalmente por
imigrantes italianos radicados no sul do Brasil, inclusive em Colombo.
Acredito que o circuito italiano criou um abrir de olhos na comunidade, mas
reconhecer-se como italiano começou a partir das associações, que com as atividades
de resgate [...]isto fez com que a pessoas começassem a relembrar a história que os
pais contavam, que os nonos contavam. Então acredito que a palavra que traduz o
trabalho das duas é sensibilização, pra depois vir uma redescoberta do que as
pessoas realmente são (Entrevista 4).
3.3 OS MEMBROS
Ao questionarmos os membros sobre a atuação da AIPAC e da AVM-C verificamos
que uma é o “braço” da outra. Elas atuam em conjunto. Quase todos os sócios acompanham
as atividades das duas associações. Existem atualmente trinta e um membros na primeira e
trinta e seis membros na segunda. Quinze deles participam de ambas.
Na AIPAC são considerados associados todos aqueles que, sem impedimentos legais,
forem admitidos como tais. Na AVM-C podem se associar todas as pessoas de origem vêneta,
além dos brasileiros que tenham interesse pela Região do Vêneto e ligação com esta
localidade, que, sem impedimentos legais, forem admitidos como tais e que sejam aprovados
pela Assembleia Geral. Nota-se que as atividades das associações envolvem muitas pessoas,
variando de acordo com a atividade. Contudo, entre os sócios estão:
Quadro 3: Lista dos participantes da Associação Italiana Padre Alberto Casavecchia
Agostinho Mottin Nilson Mocellin
Amarildo Toniolo Patrice Andrea Pavin
Bernadete Julia Lovato D’Agostin Paulo Plínio Gasparin
Diego Gabardo Raul da Silva
Edilson Maschio Rosangela Kusma Gasparin
Elaine Cátia Falcade Maschio Vera Lúcia Bontorin da Silva
Elizabet Alzira Bontorin Antonelli Strapasson
Fabio Luiz Machioski Arlete Brotto Strapasson
Gilmar Fiorese Daniel Ari Collere
Hélio José Alberti Daniele Gasparin
José Carlos da Silva Edilene Regina Alberini Mottin
José Renato Strapasson José Carlos Alberini
Jussara Catia da Silva Alberini Luzinete Toniolo Mocellin
Maria Leonor D’agostin Wolff Maria Alice de Oliveira Collere
Maristela Cavassin Reginato Tânia Dalasuana
Marta Cavalli Cavassin
Fonte: Dados cedidos por um representante da associação.
Quadro 4: Lista dos participantes da Associazone Veneti nel Mundo – Colombo
Agostinho Mottin Luciana Elisa Fanckin
Angela Maria Mocelin Gheno Luis Molossi
Arnaldo Reginato Maria Irailde Benato Chemin
Bernadete de Lourdes Bertolin Gasparin Maria Ivone Ceccon Camargo
Daniele Costacurta Gasparin Maria Leoni D’Agostim da Cruz
Diego Gabardo Maria Leonor D’Agostin Wolff
Edilene Maria Milani Marinei Vidolin
Edilson Maschio Maristela Cavassin Reginato
Elaine Cátia Falcade Maschio Marta Cavalli Cavassin
Elisabet Alzira Bontorin Milton Gasparin
Fábio Luiz Machioski Nicole Bontorin Silva
George Willian Strapasson Paulo Plinio Gasparin
Helena Edite Lovato Raul da Silva
Irmã Aparecida Isolete Benato Rosangela Kusma Gasparin
Ivo Gheno Tiago Fiorese
João Batista Quinzani Vanessa Alberini
João Israel Taverna Vera Lucia Bontorin da Silva
Jussara Catia da Silva Alberini Walfrido Bonato
Fonte: Dados cedidos por um representante da associação.
Entrevistamos oito membros. Buscamos abordar pessoas que participassem de ambas
as associações. Entre as pessoas entrevistadas, todas são descendentes de imigrantes italianos,
tendo todos eles parentesco com os imigrantes pioneiros da colonização imigrante ocorrida no
município. Todos nasceram e foram socializados na cidade de Colombo.
Entre os membros verificamos que a participação de homens e mulheres ocorre na
mesma medida. Entrevistamos quatro mulheres e quatro homens. Entre os entrevistados
quatro são descendentes de terceira geração, dois de quarta geração e dois de quinta geração.
A faixa etária dos entrevistados foi diversa, tendo o mais novo 26 anos e o mais velho 59.
Cinco dos entrevistados possuem idade entre 40 e 50 anos. A profissão dos entrevistados:
dois empresários, um consultor empresarial, um comerciante, duas professoras sendo uma
delas assessora pedagógica, um engenheiro civil e um historiador.
Segundo Zanini (2006) são pessoas já bem colocadas economicamente que passam a
retomar as origens de forma a positiva-la. De forma geral, notamos que o perfil dos membros
é composto por pessoas de classe média. Notamos ainda, que o perfil camponês ou agricultor
não o apareceu entre os entrevistados os associados.
Para Brandalise (2010), ao promover tal panorama positivo de sua imagem, as novas
elites se demarcam e se distanciam de um passado no qual a figura do imigrante associava-se
à miséria, cuja única opção fora partir para muito longe de sua terra natal.
Podemos notar ainda, que todos participam ativamente das atividades das associações,
sendo que sete deles estão envolvidos em mais de uma das atividades. É possível perceber
que quanto mais envolvida nas atividades das associações, mais dados as pessoas
apresentaram sobre a sua árvore genealógica. Isso pode ser explicado pelo fato de que a
associação possui o projeto árvore genealógica, no qual existe um incentivo para que as
pessoas reconstruam suas origens históricas. Assim, todos os entrevistados já haviam
reconstruído a sua história familiar.
3.4 PERTENCIMENTO E LÍNGUA COMO CATEGORIAS DE ANÁLISE
3.3.1 Pertencimento
Todos os membros das associações que foram entrevistados disseram se sentir
pertencentes à cultura italiana. A fim de identificar o sentido desse pertencimento os sócios
foram questionados sobre o lugar onde essa italianidade se expressa em suas vidas. Pode-se
perceber que a noção de pertencimento se expressa em diversos aspectos na vida desses
indivíduos. De forma geral, os lugares mais citados foram: família, igreja, fala e culinária,
sendo a religiosidade apontada em sete das oito entrevistas.
De fato, se existe preservação da identidade cultural entre os descendentes da cultura
imigrante ela está expressa principalmente no espaço da igreja (MACHIOSKI, 2004). Como
vimos, o catolicismo (ZANINI, 2005) foi o principal elemento de identificação entre as
primeiras gerações de imigrantes. Possivelmente isso explica a recorrência com que a igreja
foi apontada como o lugar onde a italianidade está presente nos dias de hoje.
Outros elementos foram citados como lugares onde a noção de pertencimento se
expressa: sotaque, sangue, trabalho, música e moral. Além disso, um comportamento citado
que traduz traços da italianidade foi a economia:
Na parte econômica: a questão de você pensar muito no amanhã. Quando eles
plantavam eles pensavam para o ano. Então o que eles plantavam tinha que ser para
o momento, para saciar a fome do momento, para ter dinheiro para comprar as
outras coisas que ele não tinha e para garantir o outro ano também. Quando eu vou comprar alguma coisa, quando eu estou pensando lá na frente, eu vejo que isto a
gente aprendeu na família (Entrevistado 1).
Nesta entrevista podemos perceber a características da agricultura praticada nas
pequenas propriedades do sul do Brasil. Podemos supor que a italianidade que se forma entre
os entrevistados está ligada as particularidades históricas (ZANINI, 2005) que compõem a
história da cidade em relação a diversos fatores, sendo que um deles é a questão da economia
relacionada à prática agrícola. Elementos como os núcleos familiares, as colônias homogêneas
e agricultura de subsistência, características das colônias do sul do país são elementos que
ressoam na forma como a italianidade é expressa na atualidade, pois são utilizados para
legitimar o pertencimento pelo descendente. Em relação às colônias homogêneas:
Desde a nossa infância a gente foi criado dentro do italiano, não tinha uma outra
mistura, um outro tipo, uma outra cultura perto. No Boixininga onde nasci eram todos
italianos. Então tudo o que você tinha ali era trazido da Itália e eram cultivados
coisas de lá, inclusive a língua né (Entrevistado 1).
Neste sentido, percebe-se que o sentimento de italianidade está ligado elementos e
práticas do cotidiano. O pertencimento está representado em elementos que independem vida
associativa.
Contudo, nota-se que a valorização ou reconhecimento destes elementos como
componentes de identificação nem sempre estiveram presentes. Todos os entrevistados
afirmaram que houve um período em que o sentimento de pertencimento não esteve presente,
ou que não havia sido reconhecido ou valorizado. Alguns sugeriram a vergonha associada às
origens e aos constrangimentos sofridos.
Um aspecto importante a ser considerado é que o fato de a noção pertencimento não
estar presente, não significa que a italianidade não existisse. Há a possibilidade de ela apenas
não haver sido reconhecida:
Sempre esteve presente. Mas a percepção da minha parte foi após a pesquisa da
monografia. Eu vivi isto na minha infância, digamos assim né, morei com a nona
depois teve um momento da adolescência que isto realmente ficou de lado e eu só fui recuperar lá com uns 20 anos. [...] Eu não percebia (Entrevistado 5).
Entre os entrevistados mais jovens foi recorrente o fato de não terem reconhecido por
um longo período, as origens italianas como uma coisa a ser valorizada, embora afirmem que
a italianidade existisse mesmo sem esta identificação. Quando questionados se existiu um
momento em que a italianidade não foi tão forte, esquecida ou desvalorizada em sua vida, a
reposta sugere que:
Acredito que todo o período anterior a isto (2005). Para mim era rotineiro, era normal. Eu via a nona ao lado de casa falando uma palavra ou outra e tentando nos
ensinar alguma coisa, mas nunca vimos de uma forma a ridicularizar o que ela falava
ou fazia [...]. Tinham palavras que eu fui descobrir na escola que não era português,
era vêneto [...]. Algumas coisas eu já trazia, mas eu não sabia identificar o que era.
Talvez por alguém não ter mostrado, não ter feito o contraste com outra cultura
(Entrevista 4).
Entre os entrevistados mais velhos foram recorrentes falas sobre a vergonha atribuída
aos traços herdados, principalmente na fala. Sendo assim, ficou evidente a existência de
traumas decorrentes, possivelmente trazido com as repreensões ocorridas durante as
campanhas de nacionalização. Nota-se que a forma violenta como as repressões se impuseram
aos imigrantes e descendentes ocorridas principalmente no espaço escolar gerou uma ideia de
que o colono, o agricultor, o dialeto eram sinais vergonhosos. Por outro lado, é possível notar
ainda o desejo do imigrante em integrar-se a sociedade receptora. Sobre a existência de um
período em que a origem não foi valorizada e a vergonha associada a ela:
Desde quando eu comecei ir para a escola [...]. Mas eu sempre tentava assim chegar em casa e falar como eles falavam, porque eu só sabia falar o vêneto né [...]. Mais
tarde daí quando a gente tinha alguma coisa, ou que a gente ia ler na igreja daí eu
tinha vergonha. Tinha vergonha, por isto eu me corrigi bastante pra poder perder o
sotaque. E porque bastante gente tirava sarro também (Entrevistado 8).
A gente tinha, mas desde pequeno a gente tinha muita vergonha de falar. E isto nos
foi passado pelos nossos pais bem na época de 1940, que era a época da segunda
guerra mundial. Era proibido você falar. E nossos pais só falavam a língua veneta.
Só. Ai quando vinha uma pessoa estranha, você falava português. E nesta época, não
era permitido nem se falar nas ruas, e era colocado pra nos que falava a língua
veneta, que era uma coisa como se fosse uma coisa que não tinha importância, que
era as pessoas pobres que falavam daquele jeito. Por que os que tinham dinheiro
falavam o português ou o italiano. Para nós isto era muito forte, principalmente na escola: “isto não se fala!”, “não é deste jeito que se fala” (Entrevistado 1).
Como já foi discutido anteriormente as campanhas nacionalistas, principalmente do
Estado Novo, tiveram um papel fundamental no silenciamento das manifestações da
italianidade no sentido em que a origem imigrante foi associada a vergonha das origens,
inculcada por estas políticas. Neste sentido, quatro dos oito entrevistados citaram o fator
linguístico associado à vergonha.
Eu acho que ficou silenciado no momento da adolescência, da juventude. O fato de você falar de repente: o R puxado, né [...]. Isto é até uma questão de vergonha
(Entrevistado 3).
Deste modo, questionamos aos membros se houve um momento em que a italianidade
se tornou mais forte em sua vida. Todos responderam que sim. Foi possível perceber na fala
de todos os entrevistados que existiu um momento em que a italianidade foi positivada e o
sentimento de pertencimento se intensificou.
Depois de uns anos pra frente, aí isto se fortaleceu novamente. Eu acho também que
pela maturidade de perceber que o ser diferente não é ser inferior, nem superior, é
simplesmente reconhecer da onde você veio e quais os pontos positivos e os pontos
negativos desta relação (Entrevistado 3).
Eu diria que mais pra frente [...]. Eu acho que quando a gente era mais jovem a gente
não tinha uma visão mais disto. Mas hoje, você percebe que a questão de ser italiano
é, de ter esta descendência, te deixa um pouco diferente dos demais, vamos chamar assim. Mas, eu acho que mais tarde. Dos 25 pra frente (Entrevistado 6).
Buscamos entender se as associações foram a causa da intensificação do sentimento de
pertencimento desses membros. Quatro entrevistados afirmaram que as associações tiveram
um papel importante nesta retomada da italianidade. Para alguns membros o sentimento de
pertencimento surgiu inclusive com a participação nas associações. Sendo assim, podemos
afirmar que há um papel importante das associações na (re) descoberta e na valorização.
Sempre tentei me esquecer. Ignorar quem eu era [...]. Com a associação na verdade
eu me resgatei de novo, né [...]. Eu vi assim que nada daquilo que eles falavam que era vergonhoso né. Nossa! Eu me senti o máximo! Me senti assim que tudo aquilo que
eu aprendi, que tudo aquilo que o nono ensinava, nada foi perdido. Nossa, eu me senti
assim, valorizada na verdade. Né? Porque tipo assim, uma coisa que eu sempre tentei
esconder e sempre tinha vergonha e depois alguém vir te procurar e você fazer parte
da associação por causa disto. Nossa, eu me senti muito feliz [...] Tanto é que depois
disto (participação nas associações) né, daí eu fiz o primeiro encontro da família
Fiorese. E a missa foi em vêneto [...]. Foi quando eu fiz o resgate de toda a família.
(Entrevistado 8)
Nota-se ainda que alguns foram convidados para participar.
começaram me atiçar: Ah, você sabe como fala isto? Você sabe como fala aquilo?
Porque eu tentei esquecer completamente né. Daí eu comecei a me lembrar. Daí
comecei: Ah, isto fala assim.tipo, né, isto fala assim, daí eles foram me atiçando sabe,
pra eu falar mais mais mais e daí foi me vindo tudo na cabeça de novo, tudo o que eu
sabia. Daí “Nossa ela sabe falar”. Daí eu falei: “Claro, eu nasci, cresci só no
italiano”. Daí depois que foi aberta a associação, daí me convidaram pra participar
(Entrevistado 8).
.
Embora seja possível perceber uma relação entre a valorização e a atuação das
associações, quatro dos entrevistados não dataram este fortalecimento no sentimento de
pertencimento com o início da participação nas associações. Conforme afirmam alguns
membros, na medida em que houve um interesse pela (re) descoberta eles procuraram
participar das associações para passar isto para os demais:
Este interesse, esta diferenciação, que a gente acaba percebendo da nossa educação,
da nossa cultura, precisou ser efetuado, se lançado uma associação para que isto se preservasse, né. Então, no meu caso não é a associação que reafirmou esta
identidade, esta mentalidade na minha vida, mas o contrario (Entrevistado 3).
Eu acho que não (sobre a associação ter papel no fato de a italianidade se tornar
mais forte). Eu acho que a ideia de se resgatar um pouco da cultura né, que eu faço
parte deste grupo, que busca isto né[...] Eu acho que daí isto faz com que teus
horizontes cresçam, né. Mas não que isto tenha me levado... estar na associação tenha me levado a resgatar (Entrevistado 6).
O nosso discurso acabou passando para os outros que perceberam que se
identificavam com ela (a cultura). (As associações) Tiveram uma importância para
esta redescoberta, mas vejo também a nossa contribuição [...].(Entrevista 4)
Enfim, podemos concluir que o papel das associações não foi de forma categórica
responsável pela (re) descoberta da italianidade entre os membros. Embora para alguns, a
participação nas associações tenha sido o marco da descoberta das origens e da italianidade,
outros procuram participar por já ter (re) descoberto este pertencimento de outras formas.
Mesmo que alguns não tenham redescoberto a italianidade através das associações, os
mesmos afirmaram que as associações ajudam a mante-la, se constituindo em uma “via de
mão dupla”, como afirma um dos membros.
Por fim, a (re) descoberta da italianidade não se apresenta como um dado geral na
comunidade. Devemos lembrar que os membros das associações são pessoas mobilizadas em
prol do resgate cultural. Então a associação demonstra ter o papel de fazer com que a
comunidade descubra a noção de pertencimento.
Despertar isto que esta presente, mas que ou por estar tão no cotidiano das pessoas,
as pessoas não percebem. Ou, em umas outras famílias, outros casos, já esta mesmo
sendo esquecido, essa ligação com a Italia, essa origem da fundação do município, a
origem das famílias, então é despertar isto, esta cultura mesmo. A pessoa se sentir. A
pessoa sabe que ela é descendente de italiano, mas ela não sabe que ela vive isto no
seu dia-a-dia. Então despertar isso nas pessoas (Entrevistado 5).
Contudo, como afirmam os entrevistados, a italianidade está na comunidade e não nas
associações. Segundo seus membros cabe a elas resgatá-la, positivar os traços históricos que a
cultura colombense carrega.
A italianidade está nas pessoas. Ela está aqui na comunidade e a gente tem que resgatar ela [...]. Pra muitas famílias aquilo não é nada demais. Ele já é aquilo. Ele
come polenta, como o queijo, come o salame, ele escuta musica italiana, ele fala o
dialeto, mas isto é o normal dele. Então as pessoas carregam esta italianidade
normalmente. (Entrevistado 6).
A maioria afirmou que o papel da associação é resgatar a cultura dos imigrantes e não
deixar que ela seja esquecida.
Pra não deixar que esta cultura seja esquecida. Porque houve um momento [...] onde
as pessoas tiveram vergonha de ser descendentes. Ou pelo fato da nacionalização, ou
este mesmo fato que eu passei na minha vida de em certo momento você ter vergonha
da suas origens. Ela ajuda no sentido de que pode perpetuar (Entrevistado 3).
Neste sentido, podemos notar que as associações tem o papel de fazer com que a
comunidade se redescubra italiana, atribuindo valor a isso.
O que a gente percebe é que as pessoas tem muito preconceito em relação ao filho do colono, ao filho do agricultor, então tem esta relação com piadinhas, com apelidos
pejorativos. Existe esta relação, que não é única de Colombo. No Rio Grande do Sul
isto é muito forte. Pra se desmistificar esta relação de vergonha, de inferioridade, que
se tem (Entrevistado 3).
A partir da categoria pertencimento concluímos que o papel da associação não é o de
levar os membros a se sentirem mais italianos. Contudo, percebemos que estes espaços
associativos servem como um espaço de troca que contribui para o fortalecimento deste
sentimento.
É importante ressaltar que as organizações sociais entre os imigrantes desde o início se
constituíram como um espaço de construção de identidades individuais e coletivas, como as
escolas étnicas, a igreja e as associações. Supomos que na medida em que os espaços de
socialização se restringiram, da mesma maneira o sentimento foi restringido.
Neste sentido, as associações parecem ser um importante espaço de socialização onde
a italianidade é revisitada, compartilhada e revalorizada, portanto redescoberta.
É um convívio, é um convívio social, pra mim onde eu posso também ser voluntário né, estar desenvolvendo alguns projetos que me trazem, que é o canto. Lazer mesmo
também. Atividades de lazer. E talvez estar contribuindo com a sociedade de alguma
forma contribuindo pra outros jovens reconhecerem isto e de certa forma usufruírem
disto, né. Nós tivemos exemplos de pessoas que foram viajar para a Itália, porque a
gente incentivou. É, jovens que conseguiram bolsa. De certa forma ajudando pra
manter este reconhecimento. Pra mim é uma doação mesmo. Pra finalidade que é o
resgate da cultura italiana, da cultura veneta, estar se dedicando como voluntário pra
que isto aconteça. Acho que Colombo só tem a melhorar com este reconhecimento...
da sociedade em si né (Entrevistado 5).
É mais de prazer do que na verdade a parte cultural. É muito prazeroso você se
encontrar. Quando o nosso grupo se encontra, que a gente costuma quase só falar em
vêneto (Entrevistado 1).
3.3.2 Língua
A questão linguística torna-se naturalmente relevante em nossa análise, já que todos os
entrevistados se referiram a ela.
Como vimos nos capítulos anteriores a “língua italiana” esteve presente por algumas
décadas após a formação das colônias. Nas escolas de Colombo o ensino foi por um longo
período ministrado em “italiano”. Através das entrevistas podemos notar que a presença da
língua italiana no domínio doméstico perdurou ainda mais.
Entre os entrevistados podemos notar que a família de todos os membros das
associações falava a língua vêneta no âmbito doméstico. Algumas dessas famílias falavam
também o português, outras somente os avós falavam a língua vêneta.
Eu falo um pouco o dialeto, meus pais falam. Em casa falavam italiano até uns 14
anos. Dialeto vêneto (Entrevistado7).
Algumas entrevistas demonstram que a língua vêneta fez parte da socialização até
mesmo da terceira e da quarta geração de descendentes. Muitos aprenderam o português na
escola, sendo que dois dos entrevistados afirmaram ter aprendido a língua portuguesa somente
no espaço escolar. Um dos entrevistados contou-nos lembranças traumáticas do período
escolarização, visto que os imigrantes que iam para a escola sabendo falar apenas a língua
vêneta sofriam punições e constrangimentos.
Como vimos, o vêneto entre outras línguas de imigração do Brasil foi fortemente
combatido pela Campanha de nacionalização durante o Estado Novo. Demonstramos
anteriormente que com o Decreto- Lei n. 1545, elaborado no Estado Novo, o uso de línguas
estrangeiras em qualquer espaço público, escolas, associações culturais e etc havia sido
proibido.
Segundo Cambrussi (2007) neste período as repressões deram lugar ao medo e a
vergonha do falar veneto, trentino, friulano, taliano. Esses falares passaram a ser sinônimos de
ignorância, já que o prestígio que se passou a atribuir à língua oficial era tão alto quanto o
desprestígio que avançava sobre as línguas de imigração (CAMBRUSSI, 2007, pag 55).
Todo o período de opressão lingüística transformou o orgulho de ser e falar em talian
em medo, vergonha, em estigma social (CAMBRUSSI, pag 56). Observamos que o sotaque
associado à vergonha foi um aspecto recorrente nas entrevistas. Três dos entrevistados citaram
a vergonha de falar o dialeto e de carregar o sotaque.
Daí la eles falavam português e eu chegava em casa e me fechava no quarto e fica
“TERRA” “TERRA” porque a gente só falava “TERA” (Entrevistado 8).
As entrevistas mostram que o vêneto era falado mais no âmbito doméstico e
geralmente entre os adultos, havendo certas restrições ao uso dessa língua quando chegavam
visitas, com os filhos ou em espaços públicos. Segundo um dos associados é possível notar
que o uso da língua vêneta também era comum entre os vizinhos:
Entre os vizinhos também é interessante. Quando visitavam a minha avó também
falavam (Entrevistado 3).
Se por um lado a língua foi considerada um elemento negativo por algum tempo por
esses indivíduos, por outro lado ela demonstrou ser um dos elementos que mais determina a
noção de pertencimento entre os descendentes na atualidade. Podemos notar que o elemento
mais restringido nas campanhas de nacionalização: o uso da língua, é também o elemento
mais destacado na discursividade que os entrevistados apresentaram sobre a italianidade.
Uma questão muito forte que nos mantém na cultura italiana é a questão da língua.
[...] Eu não falo exatamente o veneto, né, mas esta, no nosso cotidiano voce tem um
pouco do dialogo com os outros da comunidade que falam (Entrevistado 6).
Quatro membros afirmaram que falam o vêneto. Dois aprenderam em casa e dois
deles, membros mais jovens, aprenderam com o movimento de resgate cultural. Todos dizem
entender a língua, tendo alguns deles aprendido na infância, mas esquecido com o passar dos
anos.
A italianidade aparenta se intensificar com o resgate linguístico proposto nas
atividades das associações. Quando questionados sobre este sentimento afirmaram:
Eu acho que ficou mais claro quando eu passei a falar mais italiano e mais vêneto
com as pessoas da localidade. Eu me identificava com elas através da língua
(Entrevistado 5).
No caso das associações italianas é evidente que a maioria das suas atividades estão
relacionadas a questão linguística. Não podemos esquecer que na AVM-C o resgaste da
língua veneta é o objetivo principal. Um dos meios mais divulgados de manutenção e também
de promoção da italianidade são os cursos de língua italiana oferecidos na cidade. Hoje existe
um curso de língua italiana e um curso de língua veneta na cidade. O curso de língua veneta é
ministrado no museu da cidade, por um dos membros das associações.
(Sobre o que aflorou a italianidade) É o resgate. O resgate da cultura, porque muita
gente já quase não falava mais, achava que era vergonha, ne, se já antigamente
achavam que era vergonha depois muito mais e hoje em dia não. Hoje em dia já
temos aula de italiano, nos temos aula em veneto e as aulas em veneto são gratuitas
(Entrevistado 8).
Pela participação no espaço AVM-C, alguns membros das associações estabelecem
laços com a região do vêneto na Itália. Isto parece despertar mais ainda a vontade de aprender
ou reaprender a falar.
Quando vieram os italianos fazer a pesquisa sobre o veneto, Noossa! Aquilo foi a
maior divulgação que a gente teve dentro da associação. Ai eles queriam Nossa!
Conversa comigo, eu sei falar. Na língua veneta e antes a gente não via isto. A gente
via só entre nós, mas quando chegasse uma pessoa de fora eles não falavam, eles
ainda tem esta repressão. Mas (quando viram os jovens falando no intercambio) eles
começaram a sentir: por que o meu filho não fala? E os próprios filhos dizem: meu
deus, por que eu não aprendi isto, né (Entrevistado 1).
Podemos notar que a descoberta da particularidade vêneta da cidade se deu através da
diferenciação da língua italiana aprendida na atualidade e da língua vêneta que era falada
pelos antepassados.
Eu comecei a fazer aula de italiano então [...] eu chegava para falar conversar com
minha avó, com minha nona. Eu percebia diferenças muito grandes [...] depois fui
descobrir fui descobrir que era um dialeto ou uma língua, como hoje é reconhecida na própria região do Vêneto e comecei a registrar estas palavras [faladas pelas avó].
(Entrevistado 4).
O fato de o dialeto vêneto passar a ser reconhecido como língua vêneta também indica
ter positivado a italianidade.
Quando a gente começou com a associação e a gente começou com a língua veneta e
agente começou a dizer “não isto é uma língua isto não é um dialeto, não é uma coisa
que as pessoas tinham vergonha de falar”. Então quando eles encontram a gente na rua eles já vem falando o vêneto com você. Então isto a gente sentiu deles não terem
ensinado os filhos deles a falar a língua veneta (Entrevistado 1).
Por fim, a afirmação da particularidade vêneta indica a grande variedade dentro do que
se chama amiúde de italianidade.
Através de pesquisas descobrimos esta particularidade. O discurso sempre foi: somos
italianos. Mas o que se pretende é mostrar que existe uma especificidade em ser
veneto aqui em Colombo. O maior desafio esta em fazer este elo e acredito que as
pessoas já estão reconhecendo isto (Entrevista 4).
CONCLUSÃO
Ao relacionarmos trabalhos teóricos, documentos históricos do município e
depoimentos dos membros das associações percebemos que a italianidade variou de acordo
com cada momento histórico pelo qual passou a cidade de Colombo. Através de três
momentos históricos distintos foi possível perceber uma oscilação no discurso da italianidade
o que nos ajudou a interpretar o sentido da sua manifestação na atualidade.
Ora associada a algo negativo e ora a algo positivo, percebemos que as origens étnicas
foram acionadas de acordo com a necessidade que o grupo de imigrantes e descendentes
tiveram em evidenciar o pertencimento a um grupo.
Percebemos que no momento de chegada às terras colombenses os imigrantes criaram
uma identificação de grupo através do contraste com os brasileiros. Embora eles possuíssem
práticas culturais distintas, havia uma unidade do grupo imigrante que se expressava
principalmente no espaço religioso. Percebemos que a religião foi importante porque ela era o
traço comum entre esses colonos. A italianidade se expressava na medida em que um grupo
de semelhantes se encontrava em uma terra estranha, como um língua que nem sempre era
compreendida por todos.
Os imigrantes desde o início criaram espaços de socialização como a igreja, as escolas
étnicas e a Società Italiana Cristoforo Colombo. Estes espaços serviram entre outras coisas
para a preservação de traços culturais e para a identificação dos imigrantes entre si.
Percebemos que essa preservação não pode ser afirmada como uma prática deliberada dos
imigrantes italianos em manter os costumes vindos da Itália, visto que antes de emigrar eles
não detinham essa noção de pertencimento.
Entendemos que a preservação dos seus hábitos e língua se deu principalmente pelo
contexto no qual se inseriram, o qual facilitava esta manutenção. Os espaços de sociabilidade
auxiliaram nesta permanência no sentido de que proporcionaram a troca e a criação de uma
nova identificação entre eles.
Podemos concluir que o contexto em que essas colônias foram inseridas seguirem o
modelo de imigração para o cultivo agrícola do sul do país, marcado por núcleos familiares, o
que resultou numa integração mais lenta com a sociedade receptora. Além do que, estas
colônias ficaram isoladas por um longo período, visto que as estradas eram precárias ou
inexistentes. Os colonos mantinham ainda uma relativa independência econômica visto que
praticavam uma agricultura de subsistência. Isto explicaria a permanência da língua vêneta
falada até a terceira ou quarta geração, como vimos nas entrevistas. Percebemos ainda que as
práticas de cultivo agrícola e a língua carregaram por longas décadas as suas características
originárias.
Ao remontarmos a história da imigração no município de Colombo e relacionarmos
com a fala dos entrevistados percebemos que as ações do governo nas campanhas de
nacionalização, principalmente no período do Estado Novo, chegaram à comunidade de forma
repressora. Observamos que essas as campanhas foram bem impositivas em relação aos usos e
costumes dos imigrantes, principalmente ao que se refere à língua e aos espaços de
sociabilidade.
A associação foi fechada, o jogo de mora foi proibido, as escolas étnicas passaram a
lecionar aulas em português e o uso dos dialetos italianos havia sido proibido em espaços
públicos. Concluímos que tendo os espaços de troca restringidos o sentimento de
pertencimento ao grupo se restringiu na mesma medida. Percebemos ainda que esse período
associou ao colono imigrante um sentido pejorativo, o que tornou a italianidade e o discurso
sobre ela pouco operacionalizados.
Neste sentido, muitos entrevistados contaram a vergonha que associavam a sua origem
histórica. Lembranças e memórias foram relatadas apontando para estas repressões e
demonstraram como a desvalorização das origens resoou por um longo período.
Podemos notar que existe atualmente um movimento de valorização da italianidade.
Percebemos que o processo de busca pelas origens étnicas iniciou a partir dos anos 2000 com
várias iniciativas, das quais se destacam a criação do Circuito Italiano de Turismo Rural e a
formação das associações étnicas. A partir dessas iniciativas nota-se que a italianidade passa a
estar presente nas esferas econômica e cultural da cidade de forma rotineira.
Ao problematizar essa (re) descoberta percebemos que o sentido que é atribuído a ela
varia de acordo com cada iniciativa. Concluímos que há uma diferença na forma como a
italianidade é retomada no campo econômico e turístico, ligados ao Circuito Italiano de
Turismo rural e no campo cultural, nas atividades desenvolvidas pelas associações étnicas. O
questionamento sobre a busca das origens se constituir em uma redescoberta ou uma
descoberta se mostrou válida na medida em que essa busca se processa de maneiras diferentes
em cada um desses campos.
Entretanto, a nossa hipótese de haver uma (re) descoberta da italianidade na atualidade
se confirmou também no sentido de que todos os entrevistados afirmaram haver um momento
de suas vidas em que o reconhecimento das origens étnicas se tornou mais forte. Alguns
afirmaram ter tido um momento em que a origem étnica não havia sido percebida, outros
falaram sobre o desejo que já tiveram em esquecê-la e outros apontaram a vergonha associada
à mesma.
Através desta pesquisa verificamos que alguns setores econômicos e turísticos vêm se
utilizando dessa marca história da imigração como uma estratégia para inserir-se no roteiro do
Circuito Italiano de Turismo Rural. Muitas dessas iniciativas trazem uma identificação
generalizadora com a cultura italiana, buscando características que não necessariamente se
remetem ao passado histórico.
Todavia, percebemos que outros movimentos questionam essa cultura emblemática
atribuída à cidade, trazendo à tona a diversidade cultural que compôs as colônias italianas.
Concluímos que esses movimentos que questionam a diversidade da “cultura italiana” estão
ligados às associações étnicas que atualmente se mobilizam em prol do resgate cultural da
história do município e tentam destacar uma particularidade étnica desta história: a questão
vêneta.
Percebemos que os membros dessas associações reconhecem a importância de resgatar
as origens e buscam levar isto para o restante da comunidade. Através das entrevistas,
concluímos que todos os membros possuem atualmente orgulho de suas origens étnicas. Este
sentimento de italianidade não é dado pelas associações, mas é expresso na família, na
religião, na culinária, nos costumes, por fim, nos traços herdados dos antepassados.
Compreendemos deste modo que a italianidade (re) descoberta é calcada em aspectos
culturais herdados pelos antepassados. Muitos costumes das primeiras gerações de imigrantes
italianos ressoam nas vidas de seus descendentes. Conforme nos afirmou um dos membros, a
italianidade esta na comunidade, mas percebemos que a noção de pertencimento a ela não é
um dado geral entre os descendentes.
As associações surgem com o objetivo de valorizar a história dos imigrantes e os
traços culturais presentes no cotidiano da cidade. Elas têm ainda o objetivo de manter as
origens e sensibilizar a comunidade para esta preservação.
A partir da descoberta da particularidade da cultura imigrante ainda presente no
município, concluímos que houve uma tomada de consciência e valorização das origens que
ainda estavam presentes ora silenciadas, ora banalizadas.
As associações “afloraram” novamente o sentimento de pertencimento na medida em
que criaram um espaço de troca e memória entre os descendentes. Concluímos que o papel
das associações é, portanto, criar um espaço de sociabilidade entre descendentes, que vão até
ela para compartilhar memórias e estreitar laços entre seus pares. Não é a associação que cria
a italianidade, mas é através dela que o sentimento de pertencimento é reafirmado. Para os
entrevistados a italianidade não está nas associações, mas é nesse espaço que a italianidade é
atualizada, resgatada e relembrada.
A forma como a italianidade é relembrada pelos membros das associações possui
aspectos relacionados ao passado imigrantista o que é evidenciado principalmente pela
religião e pela língua, que pareceram ainda estar presentes no cotidiano. Mesmo que esses
aspectos ainda estejam presentes na atualidade a questão que nos inquietou foi o motivou pelo
qual ela é evidenciada a partir de um determinado momento.
Notamos que inicialmente a valorização das características étnicas se deu pela
necessidade de criar uma estratégia de desenvolvimento no campo econômico e no campo
turístico. Concluímos que o circuito turístico que destacou o caráter étnico da cidade pode ter
motivado o resgate de elementos que compõe a história dos imigrantes no município.
É possível que exista uma relação de causa e efeito com as mobilizações comunitárias
e associativas que se iniciaram posteriormente a criação do CITUR. Como vimos, a pedido do
padre Marcos, houve a proposta de resgatar a arquitetura da escadaria da igreja, que havia
sido construída pelos primeiros imigrantes. Foram resgatadas ainda as antigas pinturas do
interior da igreja. Essas reformas iniciaram no mesmo período em que a igreja passou a fazer
parte do circuito, embora existam outras motivações para as mesmas. Concluímos ainda que a
origem da primeira associação está diretamente ligada ao projeto de resgate cultural
promovido pela igreja nesse período.
Um ponto percebido no decorrer da pesquisa foi a forma como as políticas do estado
impactaram novamente nas esferas culturais da cidade. Percebemos que em um contexto que
valoriza a diversidade étnica, há também uma valorização da italianidade. Estas observações
ficam como nota para futuras pesquisas, pois não foram desenvolvidas.
Discussões teóricas também apontam inúmeras possibilidades de abordagem desses
dados. Compreendemos aqui a italianidade como uma categoria processual e que está se
refazendo constantemente, não sendo uma fonte de atribuição de características fechadas ou
naturais. No contexto de negociações identitárias, a cultura se constitui de um elemento a ser
considerado dinamicamente e não como fonte imutável de pertencimento grupal.
Em decorrência das questões levantadas nesta pesquisa, percebemos a necessidade de
aprofundar as abordagens e debates teóricos. No entanto, este trabalho foi uma primeira
aproximação com a pesquisa científica, no qual optamos por fazer uma análise mais empírica.
Os dados pesquisados até então nos abrem várias possibilidades para ampliar a pesquisa em
diferentes campos. O prosseguimento da pesquisa se tornou um horizonte.
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ANEXOS 1: ROTEIRO ORIENTADOR DAS ENTREVISTAS COM OS MEMBROS
DAS ASSOCIAÇÕES:
1. Nome:
2. Idade:
3. Sexo:
4. Profissão:
5. É descendente de imigrantes italianos?
6. É descendente de qual geração?
7. Descende de qual família?
8. Você se sente pertencente à cultura italiana (italianidade)?
9. Onde este sentimento está presente? Onde ele se expressa?
10. Houve algum momento em que este sentimento não esteve presente, ou que não havia
uma valorização da sua origem?
11. Teve algum momento em que este sentimento se tornou mais forte?
12. Acha que as associações tiveram um papel importante para que este sentimento se
tornasse mais forte ou para que você valorizasse mais as origens? Por quê?
13. Por que começou a participar das associações? O que motivou?
14. De quais atividades participa? Com qual frequência?
15. Qual papel que as associações desempenham na sua vida?
16. E na comunidade?
ANEXO 2: ENTREVISTADOS
Marta Cavalli
Maria Leonor D’Agostin Wolff
Elaine Cátia Falcade Maschio
Diego Gabardo
Fábio Machioski
Edilson Maschio
José Renato Strapasson
Maristela Cavassin