O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE
VOLU
ME I
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ - SEED
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL - PDE
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA - UEPG
SUELI APARECIDA MICHELI
ARTICULANDO CONTEÚDOS E METODOLOGIAS NA RECUPERAÇÃO DE ALUNOS COM
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM EM MATEMÁTICA NO ENSINO MÉDIO
PONTA GROSSA
2011
SUELI APARECIDA MICHELI
Articulando conteúdos e metodologias na recuperação de
alunos com dificuldades de aprendizagem em matemática no Ensino Médio.
Artigo Científico apresentado à SEED, como requisito parcial para a conclusão do Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE, na disciplina de matemática.
Orientador: Prof. Dr. José Tadeu Teles Lunardi
PONTA GROSSA 2011
1 Professora da Rede Pública de Ensino.
2 Professor Associado do Departamento de Matemática e Estatística da Universidade Estadual de Ponta Grossa.
ARTICULANDO CONTEÚDOS E METODOLOGIAS NA RECUPERAÇÃO DE ALUNOS COM
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM EM MATEMÁTICA NO ENSINO MÉDIO
Autora: Sueli Aparecida Micheli¹
Orientador: José Tadeu Teles Lunardi²
Resumo
Neste artigo apresentamos uma proposta de ensino de matemática voltada a alunos da primeira série do Ensino Médio com dificuldades crônicas de aprendizagem nessa disciplina. Iniciamos com uma breve revisão da literatura recente acerca das origens desse problema e de alguns dos principais encaminhamentos metodológicos para sua solução na área de educação matemática. Após, desenvolvemos nossa proposta, que tem como foco uma abordagem interdisciplinar integrando não somente tópicos diversos da disciplina de matemática, mas também relacionando estes com assuntos de outras disciplinas de sua série, tais como física, biologia, astronomia e artes, bem como com assuntos do quotidiano, especialmente relacionados à tecnologia e lazer. Em particular, partindo da motivação acerca do entendimento e realização de filmes que criam a ilusão de tridimensaionalidade no cinema (“cinema 3D”), nossa proposta aborda tópicos de trigonometria, medidas de distâncias terrestres e astronômicas usando diferenças de paralaxe, fisiologia da visão tridimensional e em cores em animais, espectro eletromagnético e luz visível, sistemas de composição de cores, tecnologia de registro de imagens digitais, conceitos de marrizes, de soma de matrizes e produto de matrizes por números, funções lineares, etc. A partir desses conhecimentos inter e multidisciplinares propomos uma atividade prática de produção de fotografias digitais 3D usando a técnica que faz uso de óculos “anaglifos” (a mais comum em salas de projeção 3D). Nossa proposta, ao mesmo tempo em que aborda a interdisciplinaridade de conteúdos curriculares das disciplinas de matemática e de ciências buscando motivação em problemas do quotidiano e do ambiente social do aluno, guiando o mesmo no caminho da formulação e solução desses problemas, promove naturalmente uma articulação entre várias metodologias e tendências propostas na literatura recente para o ensino de matemática.
Palavras - chave: Matemática do Ensino Médio; Dificuldades no ensino e
aprendizagem; Resolução de Problemas; Interdisciplinaridade; Imagens 3D.
Abstract In this article we present a proposal to teach mathematics for high school students which have serious difficulties in learning this discipline. We begin with a brief revision of the literature concerning the origins of this problem as well as some of the main approaches for its solution in the area of mathematics education. After, we develop our proposal, which focuses mainly on an interdisciplinary approach concerning not only different subjects in mathematics, but also linking these subjects to other scientific disciplines such as physics, biology and astronomy, as well as to arts and to other topics from the everyday life of the students, especially those related with technology and leisure. Namely, from the motivation of getting the understanding of the principles and the know how to make films which create an illusion of the tridimensional vision in cinema (“3D cinema”), our proposal deals with topics as diverse as trigonometry, measure of terrestrial and astronomical distances by using different parallaxes, physiology of tridimensional and color vision in animals, electromagnetic spectrum and visible light, systems of color composition, technology for storing digital images, concept of matrix, sum of matrices and product of a matrix by a number, linear functions, etc. From the knowledge of such interdisciplinary subjects we propose an activity of making 3D digital pictures by using the anaglyph glasses technology (the most common in our 3D movie theaters). At the same time in which it makes an interdisciplinary approach involving diverse topics in mathematics and natural sciences, by searching its motivation in problems of the everyday life and social environment of the students, and by guiding them to formulate and solve these problems by themselves, our proposal promotes a natural integration among several tendencies and methodologies for teaching mathematics introduced in the recent years in the literature.
Keywords: High School mathematics; Difficulties in Teaching and Learning;
Problems Solving; Interdisciplinarity; 3D images.
1.Introdução
As dificuldades no ensino e na aprendizagem nas primeiras séries do
ensino fundamental, e que por muitas vezes se arrastam até o ensino superior, que
potencialmente causam várias frustrações no aluno, no professor e também na
família do aluno, são eminentemente reconhecidas na literatura. Segundo Morais
(2006, p.8), muitos desses problemas poderiam ser evitados se fossem detectados
precocemente; porém, só depois de dois ou mais anos em que o aluno reprova e
torna-se ansioso por não poder acompanhar seus colegas em sala de aula, ou
quando seus pais já estão angustiados, é que o mesmo é encaminhado para um
acompanhamento de reeducação. Morais defende que:
Neste momento, é necessário que, tanto os professores como os demais
profissionais responsáveis pelo processo de aprendizagem, se questionem
acerca dos fatores que podem estar contribuindo para que o aluno não
consiga aprender. (op. cit., p.24).
Segundo Condemarin (1980, citado por MORAIS, p.23), estatísticas
fornecidas pelo IBGE e pelo MEC, referentes ao ano de 1972, comprovaram altos
índices de reprovações e evasão escolar. Apesar do tempo que se passou, nos dias
atuais ainda vivenciamos os mesmos problemas, como pode ser observado no
desempenho dos alunos brasileiros na última avaliação do PISA (Programa
Internacional de Avaliação de Alunos, aplicado pela Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), que avalia o conhecimento de estudantes de
15 anos de idade em matemática, leitura e ciências). Em 2009, participaram 65
países e a média brasileira em matemática ficou em 57° lugar, conforme reportagem
do UOL Educação em sua edição de 07/12/2010
(http://educacao.uol.com.br/ultnot/2010/12/07/pisa-2009-em-matematica-pais-
alcancou-57-colocacao.jhtm).
No âmbito de nossa participação no Programa de Desenvolvimento
Educacional, da Secretaria de Estado da Educação do Paraná - (PDE/SEED-PR,
edição 2009) objetivamos desenvolver um projeto em contraturno para atender as
dificuldades de aprendizagem na disciplina de matemática de alunos das primeiras
séries do ensino médio, articulando conteúdos de diversas disciplinas e diversas
metodologias de ensino na área de educação matemática. Propusemos então um
projeto que, ao mesmo tempo em que recuperasse conteúdos de matemática básica,
desenvolvesse conteúdos da série, interrelacionando esses conteúdos com o de
outras disciplinas científicas da mesma série e com tópicos de tecnologia e da vida
quotidiana dos alunos.
2. O problema e alguns encaminhamentos metodológicos Segundo Toledo & Toledo (1980, p.7), ensinar matemática nos dias de hoje é
um desafio num mundo eminentemente tecnológico. É preciso que tomemos cuidado,
pois nosso aluno tem fácil acesso à internet e muitas vezes não tem maturidade
suficiente para entender que, na busca por informações, ele precisa fazer uma
pesquisa crítica e não apenas “copiar e colar” conteúdos. Por outro lado, isto se
aplica também aos professores, especialmente no que se refere aos conteúdos de
livros didáticos, pois muitos deles, usados como referência nas aulas, não possuem a
qualidade que deles se esperaria, como pode ser observado em LIMA (2001).
Percebemos que parcela significativa dos alunos não têm o hábito da leitura, nem de
retomar os conteúdos trabalhados em sala de aula como atividade doméstica para
melhor assimilação e compreensão dos mesmos. Segundo Piazzi ( 2009, p.3. Jornal
de Londrina).
As aulas precisam ser melhoradas? Sim. Mas esse não é o ponto significativo. Na medida em que o sujeito tem as horas de estudo, ele começa a perceber que seu rendimento aumenta e assim, começa a se tornar um aluno mais participativo, mais consciente de suas possibilidades. Como consequência, sua autoestima aumenta, e portanto a possibilidade de evasão escolar diminui.
Quando o aluno consegue fazer suas pesquisas de maneira crítica fortalece
sua auto-estima e motiva-se a encontrar novos horizontes, tornando-se capaz de
aprofundar-se. Segundo Ubiratan D’ Ambrósio (1996, p.29 citado por Marques, 2008,
p.7)
Uma percepção da história matemática é essencial em qualquer discussão sobre a matemática e seu ensino. Ter uma idéia, embora imprecisa e incompleta, sobre porque e quando se resolveu levar o ensino da matemática à importância que se tem hoje são elementos fundamentais para se fazer qualquer proposta de inovação em educação matemática e educação em geral.
Na linha da proposta da área de Educação Matemática das Diretrizes
Curriculares do Estado do Paraná (SEED, 2008, p.68), para que possamos realizar
com eficácia o complexo processo de ensinar e aprender Matemática devemos
procurar sempre que possível promover a articulação entre conteúdos, disciplinas e
metodologias. Alguns educadores sugerem, para os casos em que o aluno não
aprendeu ou tem dúvidas sobre o conteúdo, retomar essses conteúdos com novas
estratégias e atividades. Neste contexto, afirmam Hoffmann & Luckesi (2010, apud
REVISTA ESCOLA, p.55), “Se, ao verificar quem aprendeu o quê, você percebe que
um ou mais estão com dificuldade, é preciso repensar as estratégias e materiais para
eles”. A recuperação proposta de maneira que o aluno tenha oportunidade de
construir seus conceitos e repensar, analisar os “porquês” da matemática, aquilo que
não aprendeu, e a importância desta disciplina para seu cotidiano, possibilitam
socializar conhecimentos, estimular, desenvolver raciocínios lógicos para que ele
mesmo encontre seu saber. Reforça a professora Melchior,” É preciso trabalhar as
dúvidas em atividades, dentro da própria sala de aula, assim que elas aparecem, em
vez de deixar que se acumulem” (Op.cit.,p.55). Para o coordenador do Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná (Souza, Ângelo,
UFPR, p.4), “o problema maior no ensino de matemática é a formação pedagógica do
docente”. Souza acredita ainda que, “além do país lidar melhor historicamente com a
área de linguagem, o Brasil precisa investir na formação de professores para ensinar
as novas gerações de forma mais dinâmica”; afirma ainda que “No ensino básico
temos professores de matemática tradicionais ou muito novos e inexperientes.
Precisamos discutir esse conjunto de problemas”. Cabe ao professor possibilitar
novas práticas pedagógicas e trabalhar a matemática de forma contextualizada e
dando um novo sentido ao fazer Matemática, correlacionando a prática e o
conhecimento científico. De acordo com Ramos (p.02, 2004, apud DCE, 2008, p.28):
O processo de ensino-aprendizagem contextualizado é um importante meio de estimular a curiosidade e fortalecer a confiança do aluno. Por outro lado, sua importância está condicionada à possibilidade de [...] ter consciência sobre seus modelos de explicação e compreensão da realidade, reconhecê-los como equivocados ou limitados a determinados contextos, enfrentar o questionamento, colocá-los em cheque num processo de desconstrução de conceitos e reconstrução/apropriação de outros.
No Projeto de Implementação Pedagógica na Escola propusemos uma
abordagem interdisciplinar de conteúdos que naturalmente articulasse algumas
tendências metodológicas atuais no Ensino de matemática, reconhecidas nas
Diretrizes Curriculares da rede Pública de Educação Básica do Estado do Paraná, em
particular aquelas associadas à resolução de problemas, à etnomatemática, ao uso
de mídias tecnológicas e à história da matemática.
Através da resolução de problemas acreditamos que o processo de ensino e
aprendizagem da matemática pode tornar-se mais dinâmico e significativo, não
restringindo o ensino apenas à resolução mecânica de exercícios já dados prontos,
mas, ao contrário, focando na construção, pelos próprios alunos, dos enunciados,
formulação matemática, estratégias de solução e obtenção e interpretação das
mesmas. Acreditamos que o desenvolvimento dessa capacidade nos alunos
potencialmente os auxiliará a formular, desenvolver estratégias e resolver problemas
em outras disciplinas.
Reconhecer a o ambiente social em que se insere o aluno também pode ser
muito útil para trabalhar conteúdos de maneira que estes se demonstrem mais
significativos para o mesmo. Segundo D’Ambrosio (citado DCE, 2006, p.43) ”O papel
da Etnomatemática é reconhecer e registrar questões de relevância social que
produzem o conhecimento matemático”.
O uso de tecnologias, especialmente de mídias, favorece a dinamização dos
conteúdos curriculares. Segundo as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná
(SEED, 2006, p.44), tais recursos “...potencializam o processo pedagógico,
auxiliando estudantes e professores, facilitando a visualização, e enfatizando o
aspecto fundamental da disciplina, permitindo experimentações e resultados rápidos”.
Finalmente, como em qualquer outra disciplina, o aprofundamento em
aspectos históricos de seu desenvolvimento ajuda a consolidar no aluno conceitos
sobre a natureza da disciplina e sua importância no desenvolvimento científico,
tecnológico, artístico ou cultural da humanidade. Segundo as Diretrizes Curriculares
do Estado do Paraná (SEED, 2006, p.45) “Elaborar problemas, a partir da História da
Matemática, é oportunizar que o aluno a conheça como campo do conhecimento em
construção”.
3. Uma proposta interdisciplinar para o ensino de matemática no Ensino Médio
Neste capítulo descreveremos sucintamente os objetivos, a implementação e
os resultados obtidos no âmbito do Projeto de Implementação Pedagógica na Escola.
3.1 O Projeto e seus objetivos
O Projeto de Implementação na Escola, que sintetizou os principais aspectos
da proposta pedagógica aqui apresentada, constituiu-se em um conjunto de
atividades realizadas dentro e fora da sala de aula. Durante as atividades em sala de
aula
Também durante o tempo em que elaboramos este trabalho tivemos as
discussões sobre o Projeto de Implementação do Grupo de Trabalho em Rede – GTR:
O projeto é viável e importante porque sabemos que só haverá aprendizagem se o conteúdo for significativo e construído a partir de situações vivenciadas, considerando as necessidades do aluno. Desta
forma auxiliará tanto o aluno quanto os professores em sala de aula, pois, as atividades como são propostas envolvem problemas e situações reais com enfoque também nas outras áreas do conhecimento e assim, o novo será acrescido de coisas já vistas anteriormente, se interligando. Acho que a metodologia proposta será satisfatória, assim como, as atividades, porque permitem a exploração de conteúdos matemáticos e a valorização da matemática em si.
3.2. Implementação do projeto: ações realizadas
O projeto realizou-se com 10 alunos das primeiras séries do Ensino Médio,
no Colégio Estadual Antônio e Marcos Cavanis - Ensino Fundamental e Médio, na
cidade de Castro, Paraná. Os alunos foram selecionados com o auxílio da Equipe
Pedagógica e das Professoras das turmas, dentre aqueles que demonstravam sérias
dificuldades de aprendizagem na disciplina de matemática, muitos deles com
defasagem etária, resultante de reprovações, em relação aos colegas da mesma
série. Os alunos selecionados foram convidados pela Escola, e autorizados pelos
pais, a participarem do Projeto no Colégio em contraturno, durante dois dias da
semana, com 2 horas cada encontro, perfazendo no total 32 horas.
O projeto foi realizado através do conjunto de ações descritas abaixo, que
foram realizadas sucessivamente.
1ª AÇÃO: Seleção dos alunos participantes e levantamentos de suas realidades
sócio- econômico-culturais
No primeiro encontro com os alunos selecionados aplicamos um questionário
contendo 10 questões para conhecer melhor o ambiente socio-econômico e cultural
em que os mesmos estavam inseridos. De maneira geral, os alunos selecionados
provinham de famílias de baixa renda, com pais de baixa escolaridade (Ensino
Fundamental, na maioria). Poucos trabalhavam, e afirmaram que não tinham muitas
atividades de lazer, especialmente relacionados à curiosidade intelectual.
2ª AÇÃO: Aplicação de teste para avaliar o domínio de conteúdos matemáticos por
parte dos alunos
Nesta etapa aplicamos um teste contendo 13 questões para avaliar o
domínio de conteúdos matemáticos da 1ª série do Ensino Médio, com o objetivo de
diagnosticarmos a origem das dificuldades mais comuns desses alunos na disciplina.
A maioria dos alunos nada resolveu no teste. Constamos sérias dificuldades já na
interpretação dos enunciados das questões. Segundo considerações da equipe
pedagógica do Colégio,
[...] grande parte da dificuldade de aprendizagem apresentada na disciplina
de matemática, deve-se à falta de compreensão dos diversos tipos de textos
presentes nas atividades desta disciplina. Assim, fica evidente mais uma vez
a importância da leitura para todas as áreas do conhecimento.
Esse fato apenas corrobora o fato que o domínio básico da língua materna, seja oral
ou escrita, é fundamental para que se possa iniciar um estudo sistemático em
qualquer área do conhecimento. Sem cumprir essa premissa, será em vão todo
esforço em tentar ensinar, ou aprender, qualquer saber científico.
3ª AÇÃO: Discussão dos resultados do teste
Na discussão dos resultados do teste em conjunto com a Equipe
Pedagógica da escola ficou evidente que a maioria dos alunos teve dificuldades na
leitura e interpretação dos enunciados dos exercícios. Foram comuns respostas
alegando que “não entenderam” (o enunciado), “não sabiam” (o que se pedia) , “não
lembravam”, “deu um branco”, “já tinha visto aquele conteúdo, mas não lembrava
mais”, etc. Entre aqueles que tentaram resolver alguma questão percebemos
claramente erros que demonstravam a falta de compreensão de conceitos
matemáticos extremamente básicos. Entre os 10 alunos, houve apenas 4 acertos no
cômputo geral, e em questões diferentes. Esses resultados corroboraram os critérios
utilizados na seleção do grupo, ou seja, que o grupo era realmente formado por
alunos que apresentavam sérias dificuldades de aprendizagem em matemática.
Ao discutirmos os erros com os próprios alunos aproveitamos para revisar
alguns conteúdos básicos relacionados com o Projeto de Implementação, e também
auxiliamos os alunos nas tarefas domésticas que os mesmos não conseguiam
entender, nem resolver sozinhos. Trabalhamos conteúdos básicos como conjuntos
numéricos, identificação e construção de conjuntos, conceitos de números e
numerais, visualização de diferenças entre números e numerais, números em nosso
dia-a-dia, etc. Também discutimos com os alunos alguns aspectos históricos da
construção dos conjuntos numéricos. Propusemos algumas atividades, na forma de
problemas, para a consolidação destes conceitos básicos. Como tarefa para casa,
combinamos que os alunos deveriam conversar com seus pais sobre a importância
da matemática e dos números no seu cotidiano ou em seu trabalho.
4ª AÇÃO: Construção de um teodolito rudimentar
Nesta ação propusemos que os alunos, guiados pelo professor, construíssem
um teodolito rudimentar, a partir dos conceitos trabalhados na revisão de
trigonometria. Um teodolito é um instrumento projetado para medir a distância de um
objeto a partir de dois “ângulos de visada” do mesmo, sendo essas “visadas”
tomadas a uma distância conhecida uma da outra. Através dos problemas práticos
que surgiram nas etapas da construção do teodolito pudemos reforçar vários
conceitos de trigonometria, como ângulo, medidas de ângulos, ângulo reto, e os
conceitos físicos de direção “horizontal” e “vertical”. Usando instrumentos simples de
construção civil, como o “esquadro” e o “nível”, aplicamos esses conceitos para
estabelecer o correto posicionamento do teodolito antes de cada medida. Também
revisamos conceitos de medidas de comprimento, necessárias para o uso do
teodolito, com o uso de instrumentos simples como “régua”, “fita métrica”, “metro
articulado” e “trena”. Construímos um “metro” utilizando tiras de papel, e discutimos
as suas subdivisões em centímetros e milímetros, bem como seus múltiplos
(decâmetro, hectômetro e quilômetro). Com os instrumentos de medida flexíveis
(como a fita métrica ou o “metro” de tiras de papel) medimos o comprimento da
circunferência de objetos circulares. Introduzimos a definição do número “pi” (π)
como sendo a razão entre o comprimento de uma circunferência e seu diâmetro
(maior corda). Utilizando uma calculadora, obtivemos valores aproximados de π a
partir de nossas medidas com o uso de instrumentos. Aproveitamos o momento para
discutir sobre os conceitos de números racionais e irracionais, informando que o
número π faz parte do conjunto dos números irracionais, embora não fosse possível
demonstrar esse fato usando instrumentos de medidas ou calculadoras.
Após a construção do teodolito, mostrado na Fig. 1, fizemos medidas de
distâncias, envolvendo várias variações, como a medida de uma distância
perpendicular à linha que une os dois pontos de “visada” (como na medida da
largura do Rio Iapó, Fig. 2), ou medidas de alturas em relação à horizontal (como a
medida da altura da torre da Igreja Matriz de Castro, Fig. 3). Após essas atividades
de campo, voltamos à sala e trabalhamos com os alunos a obtenção das fórmulas
que nos permitiram calcular as distância desejadas a partir dos ângulos e distâncias
medidos, atividades estas que contribuíram para tornar significativos os conceitos de
relações trigonométricoas como o “seno”, o “cosseno” e a “tangente. Como outra
ilustração do método de medida da distância de um objeto a partir de duas visões do
mesmo a partir de dois pontos separados por uma distância conhecida (visões com
diferenças de paralaxe), apresentamos o problema de determinação da distância de
corpos celestes, como a Lua ou uma estrela próxima, e guiamos os alunos em
busca da solução, que é análoga à forma de se calcular distâncias com um teodolito.
Esta ação nos permitiu desenvolver os objetivos propostos na Unidade
Didática, que se contituiu em parte do Projeto de Intervenção Pedagógica,
interrelacionando conteúdos trabalhados em sala de aula, acompanhando o
currículo da série. Nesse contexto, assim se manifestou a Equipe Pedagógica da
escola:
A construção de objetos que possibilitem a compreensão da origem de
cálculos que normalmente são efetuados de maneira mecânica é uma
alternativa importante para tornar a matemática mais significativa para os
alunos. Com certeza, este conhecimento ficará registrado nas experiências
de aprendizagem destes alunos. Esse é o caminho!
E ainda:
A utilização do objeto construído pelo grupo permitiu práticas que tornaram
significativo o conhecimento antes visto apenas na lousa, no livro ou no
caderno. Sabemos que muitos alunos que apresentam dificuldades de
aprender a matemática se queixam de não encontrar sentido nos cálculos
que lhes são apresentados nas aulas. Esta experiência enriquece a
aprendizagem trazendo reflexos tanto para os conteúdos trabalhados em
sala de aula quanto para o cotidiano dos alunos.
Outro objetivo dessa atividade com o teodolito foi o de familiarizar a turma
com o princípio básico de medidas de distâncias por diferenças de paralaxe, que se
constitui na “tecnologia” básica sobre a qual se baseia a visão tridimensional (3D)
em seres humanos e outros animais.
Fig. 1. Teodolito rudimentar construído pelos alunos.
Metodologia de realização das medidas de distâncias com o uso do teodolito:
Para medir a altura de um objeto (altura da torre da Igreja Matriz, ou a altura do
prédio do colégio, por exemplo), colocamos o teodolito nivelado (com o auxílio do
“nível” de pedreiro) em relação ao chão plano. Medimos a distância, ao longo da
linha de referência “horizontal” do teodolito, partindo do ponto de referência do
teodolito até a parede do objeto cuja altura desejávamos medir. Após, os alunos
visaram o topo do objeto, através de uma mira na ripa (móvel), pregada ao lado do
cavalete. Essa ripa definia então um ângulo com respeito à horizontal, o qual era
medido com um transferidor. De volta à sala de aula, representanos a distância e o
ângulo medidos, bem como a altura que desejávamos determinar, através de um
triângulo retângulo. Guiamos então os alunos na obtenção da fórmula que
relacionava essas três grandezas, a qual envolve o conceito de tangente de um
ângulo.
Procedemos de maneira análoga para se determinar a distância de um objeto
em relação à linha que unia os dois pontos de visada (usamos esse procedimento
para medir a a largura do Rio Iapó em um certo trecho). Nesse caso, a ripa móvel do
teodolito movia-se em um plano horizontal. De um ponto arbitrário medimos o ângulo
de visada de um objeto distante. Após, de um ponto a uma distância dada,
determinada ao longo da linha de referência do teodolito, efetuamos uma nova
visada do mesmo objeto, e medimos o ângulo dessa nova visada em relação à linha
de referência do teodolito. Voltamos à sala de aula e representamos em um triângulo
as quantidades medidas e aquelas que desejávamos determinar. Guiamos os alunos
na obtenção da fórmula que relacionava os dois ângulos medidos, a distância
conhecida entre as visadas e a distância que se desejava determinar.
Fig. 2. Medida da largura do Rio Iapó.
Fig. 3. Medida da altura da torre da Igreja Matriz de Castro - PR
5ª AÇÃO: Apresentação do conceito de matrizes
Nesta ação apresentamos aos alunos conceitos básicos sobre matrizes e
algumas operações elementares. Embora esse conteúdo seja visto normalmente no
segundo ano do Ensino Médio, introduzimos esse assunto através de motivações do
quotidiano, de maneira a desenvolvermos os conhecimentos básicos necessários
para a compreensão da última atividade, de caráter integrador, de nossa proposta,
que era o entendimento dos princípios matemáticos envolvidos na construção
fotografias 3D “anaglifas”. Nossa motivação principal para a introdução do conceito
de matriz foi exatamente a forma como uma imagem é reproduzida na tela de um
televisor ou monitor de computador, e como ela é armazenada em dispositivos
digitais. Visualizando essas imagens com amplificação, guiamos os alunos a
concluírem que imagens são reproduzidas por matrizes cujos elementos são pontos
coloridos, ou “pixels”. Trabalhamos, na sequência, com matrizes cujos elementos
eram números, e introduzimos as operações de soma de matrizes e de produto de
uma matriz por um número, e fizemos exercícios envolvendo várias aplicações do
quotidiano. Principalmente, comentamos que em nossa aplicação integradora
(construção de imagens “anaglifas” 3D), essas operações entre matrizes tornar-se-
iam ainda mais significativas.
6ª AÇÃO: Interdisciplinaride com Geografia, Biologia, Física e Artes
Nesta ação, levando em conta os conceitos de outras disciplinas que seriam
necessários para o entendimento do mecanismo fisiológico da visão tridimensional
(3D) e da construção de slides “anaglifos” 3D, convidamos os professores das
disciplinas de biologia, física, geografia e artes para explorar com os alunos os
conceitos de ondas eletromagnéticas e luz visível (física), conceito fisiológico de
“cor” e fisiologia da visão tridimensional e colorida, sistemas aditivo e subtrativo de
cores (artes) e determinação de distâncias astronòmicas pelo método da paralaxe
(geografia/astronomia. Além de preparar os assuntos necessários para a resolução
do problema de construir imagens anaglifas 3D, o aluno pôde, nesta ação, visualizar
várias interrelações entre conteúdos matemáticos, físicos, biológicos, etc.,
percebendo assim que o conhecimento não deve ser visto como algo
compartimentado em disciplinas isoladas, mas que todos esses conhecimentos são
importantes na resolução de problemas reais. Vale a pena destacar o entusiasmo
dos professores participantes, representado no depoimento da professora Edna
Costa, de Biologia:
Em relação ao projeto da Professora Sueli Micheli, com o tema "Construção do Projetor de Slide 3D", contribuí com minha experiência na área de Ciências /Biologia com o tema Funcionamento da Visão e Percepção das Cores, com o intuito de informar aos alunos participantes a importância desse "órgão do sentido". Fiquei feliz com o convite da professora para participar desse projeto multidisciplinar levando um pouco da minha experiência e contribuindo para a realização do mesmo. Obrigado e sucesso na implementação desse projeto.
ou do professor Luiz Antônio, de Artes:
Nas aulas de arte não é fácil convencer os alunos sobre a importância das cores em nossa vida, apesar de vivermos cercados e influenciados por elas. Por isso achei muito interessante a proposta interdisciplinar da professora Sueli Micheli – que demonstra que a cor é objeto de estudo também em outras áreas de conhecimento. Cada professor tem seu jeito de ensinar, que pode ser atraente ou não para cada aluno. Quando dois ou mais professores tratam do mesmo tema a possibilidade de interesse e entendimento aumenta. Agradeço à professora Sueli por ter incluído a disciplina de Artes em sua proposta, pois o ensino de Artes na escola pública é relativamente novo, e muitas vezes não é visto com o respeito que merece, não sendo reconhecido como área de conhecimento. Além disso, foi uma boa oportunidade – os alunos, na sua maioria, participaram realizando exercícios com cores e entenderam as características da teoria da cor na arte.
8ª AÇÃO: Construção do Projetor em 3D
Como última atividade do Projeto de Implementação na Escola, o professor
Orientador realizou um encontro com a turma, objetivando a construção de slides
analglifos 3D, a partir da integração dos diversos conteúdos e experiências
adquiridos nas ações anteriores. Foram utilizados para a realização desta ação
vários recursos tecnológicos, como projetor de multimídia, computador, máquina
fotográfica digital, fotografias, filmes em 3D e óculos anaglifos. O professor guiou os
alunos para que estes concluíssem que a visão tridimensional no cinema é apenas
uma ilusão. Para isso o professor iniciou sua apresentação com a projeção de
trechos de um filme 3D em DVD, procurando motivar os alunos a tentar descrever
em que sentido as imagens eram diferentes daquelas de um filme usual em 2D.
Uma vez identificadas essas diferenças, procuramos estimulá-los a diagnosticar o
que tornava possível aquela ilusão de visão 3D, fazendo-os visualizar a imagem com
e sem os óculos anaglifos. Após isso, recordamos com os alunos os conceitos de
trigonometria estudados previamente, e que nos permitiam calcular distâncias
indiretamente, combinando duas visões do mesmo objeto, com uma diferença de
paralaxe. Procuramos convencê-los de que é exatamente esse processo que é
realizado pelo nosso cérebro, quando “combina” a imagens de uma mesma cena,
obtidas pelos nossos dois olhos com uma diferença de paralaxe (causada pela
distância entre os dois olhos). Após convencê-los de que nosso cérebro “realiza
cálculos trigonométricos” automaticamente durante a visão de uma cena real,
inquirimos aos alunos como a ilusão 3D estava sendo construída por meio da
superposição das duas imagens, cada uma com uma cor distinta na tela, e qual era
a necessidade do uso dos óculos “anaglifos”. Uma vez que julgamos que todos os
conceitos matemáticos, biológicos e físicos foram entendidos pelos alunos,
procuramos, usando uma máquina fotográfica digital e um software para operações
com matrizes, produzir “artesanalmente” imagens 3D. Infelizmente o tempo não foi
suficiente para levarmos a cabo essa construção, o que não impediu que se
desvendassem, com a participação dos alunos, todos os “mistérios” envolvidos na
tecnologia “anaglifa” de simulação de visão 3D. Posteriormente trabalharemos
algumas imagens produzidas artesanalmente por mim e pelo Professor Orientador,
para que seja apresentado aos alunos, e possa reproduzir o “artesanato” junto aos
alunos desta e de futuras turmas. Esperamos com isso ter plantado uma semente de
curiosidade sobre os alunos, e a sensação de que muitos “mistérios” do mundo real,
não somente da tecnologia, podem ser desvendados com a ajuda de conhecimentos
científicos combinados entre si.
4. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Na Implementação do Projeto na Escola o objetivo principal era auxiliar os
alunos com dificuldades de aprendizagem, trabalhando com os conteúdos
simultaneamente rabalhados em sala de aula. Em nossa proposta pudemos revisar
estes conteúdos com um enfoque alternativo, interdisciplinar, usualmente não
adotado em sala de aula. Trabalhar com métodos e formas contextualizadas é
fundamental para despertar no aluno o interesse não só por matemática, mas por
outras disciplinas, que ele potencialmente passa a ver como interrrelacionadas com
amatemática, tornando mais significativo seu aprendizado nas diversas disciplinas
envolvidas. Esperamos que com esse projeto tenhamos semeado o sentimento de
que a matemática é importante, juntamente com as demais disciplinas, para que
possamos entender, interpretar e modelar a natureza, a sociedade e a tecnologia ao
nosso redor.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No início da Implementação selecionamos os alunos com maiores
dificuldades de aprendizagem, para o acompanhamento destes alunos na
aprendizagem da disciplina de matemática, além de termos por objetivos a
aprendizagem e a construção de conceitos pelos próprios alunos e
consequêntemente melhorar seu rendimento escolar, para uma suposta aprovação
para a série seguinte, pois já constatamos que é grande o número de alunos que
reprovam na primeira série do Ensino Médio. Alem das realizações pessoais e final
de frustrações, pudemos constatar no final da Implementação o sucesso alcançado
nas avaliações do término do ano letivo, através de conselho de classe e boletins do
aluno. Fala de uma Professora de matemática que ministra aulas na turma à que
pertencem alguns alunos participantes da Implementação, “depois que o João
começou participar deste Projeto, ele mudou, melhorou significamente em tudo, até
seu comportamento, ele não é mais a mesma pessoa”. Fala de uma aluna “agora
sim eu entendi”. Dos dez alunos participantes do projeto de Implementação apenas
duas alunas reprovaram, pois já haviam sido aprovadas por Conselho de Classe em
algumas disciplinas no bloco 1, e no bloco 2, o qual elas faziam paralelo a
Implementação reprovaram também, além da matemática também em outras
disciplinas.
Aluna A: Aprovada por Conselho de Classe em história e língua portuguesa no Bloco
1
Reprovada em matemática com 10 faltas no semestre no Bloco 2
Reprovada em física com 17 faltas no semestre no Bloco 2
Nas aulas de Implementação teve 60% de freqüência, muito desinteresse e falta de
maturidade.
Aluna B: Aprovada por Conselho de Classe em língua portuguesa no Bloco 1
Reprovada em matemática com 16 faltas no semestre do Bloco 2
Reprovada em física com 15 faltas no semestre do Bloco 2
E nas aulas de Implementação teve 65% de freqüência, muita imaturidade falta de
interesse, este ano as alunas estão demonstrando maior interesse em aprender, e já
procuram aulas de reforço.
Referências
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