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Page 1: Compreendendo a história da saúde publica de 1870 a 1990

Compreendendo a história da saúdepúbhca de 1870-1990Este trabalho apresenta a história paradigmática e a instalação da saúde pública no Brasil desde o período colonial atéo ano de 1990.Descritores: Medicina social, Saúde pública, História da saúde.

This work presents of the paradigmatic history and the deployment of public health in Brazil from the colonial perioduntil the year 1990.Descriptors: Social medicine, Public health, History of health.

Este trabajo presenta Ia historia paradigmática y Ia instalación de Ia salud publica en Brasil desde el período colonialhasta el ano de 1990.Descriptores: Medicina social, Salud pública, Historia de Ia salud.

D Recebido: 12/10/2009Aprovado: 30/04/2010

INTRODUÇÃOos problemas que afetaram a saúde estiveram relacionadoscom a necessidade das pessoas viverem em comunidades. A

aglomeração desordenada, o ambiente de moradia, educação,trabalho e lazer afloraram como consequências ambientais deconvivência, facilmente percebidas, na forma de poluição am-biental, atmosférica, hídrica, desmatamentos e estratificação dasociedade. O controle de doenças infecciosas transmissíveis, osaneamento, a assistência médica e o alívio da incapacidade e dodesamparo, são problemas cuja intensidade só variou ao longo

do tempo. De suas inter-relações, originou-se a Saúde Pública'.Com as doenças introduzidas no país pelo colonizador no

século XVII, a imagem do Brasil na Europa se tornou diferentedos tempos de Pedro Álvares Cabral, e os europeus passarama temer os ares e o clima da Colônia">.

A guerra, o isolamento e a doença colocavam em perigoo projeto de colonização e exploração econômica das terrasbrasileiras. Eram raros os médicos que aceitavam transferir-se para o Brasil, desestimulados pelos baixos salários e ame-drontados com os perigos que enfrentariam".

Moraes? relata a ausência da questão saúde na bibliografiahistórica brasileira no que diz respeito às condições de vida etrabalho e aspectos institucionais, o que se pode pensar numanegl igência em considerar e anal isar este tema. Carval ho &Lima" salientam que uma forma de se aproximar dos dilemaspresentes na produção do conhecimento em ciências sociais,e da história quando a referência é à saúde coletiva, é verifi-car qual o significado que os trabalhos produzidos atribuemà reconstrução histórica.

A proposta deste trabalho é contribuir para a reflexão sobrea história da saúde pública no Brasil, resgatando os fatos re-levantes para o desenvolvimento da saúde.

RETROSPECTIVA HISTÓRICAA fase do ImpérioEm 1808, a vinda da corte portuguesa para o Brasil determinoumudanças na administração pública colonial, inclusive na áreada saúde. Como sede provisória do império lusitano e princi-pal porto do país, a cidade do Rio de Janeiro se tornou o centrodas ações sanitárias. Com elas, Dom João VI procurou oferecernova imagem de uma região que os europeus definiram comoterritório da barbárie e escravidão". Para um atendimento maisconstante e organizado das questões sanitárias era necessáriocriar rapidamente centros de formação de médicos. Assim, porordem real, foram fundadas as academias médico-cirúrgicasdo Rio de Janeiro (1813) e da Bahia (1815), logo transformadasnas primeiras escolas de medicina do país.

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Na era do lIuminismo e das Revoluções(1750 a 1830), as cidades do século XVIIIeram sujas, fétidas e insalubres'. O sanea-mento urbano era precário, as ruas estavamsujas, as águas de esgoto e refúgios domésti-cos eram arremessadas pelas portas e janelas.Animais eram abatidos em locais públicos, li-xos e entulhos acumulavam-se sobre as ruas",

Na segunda metade do século XVIII, omodelo de saúde predominante foi o depolítica médica aos problemas de saúde.A aplicação deste modelo aos problemasde saúde foram amplamente utilizados pe-los estados germânicos. A sujeira foi vistacomo principal fonte de infecção, destaforma, acreditava-se que ambientes limposseria a maior fonte de prevenção".

A fragilidade das medidas sanitárias le-vava a população a lutar por conta própriacontra as doenças. Em casos mais graves,os doentes ricos buscavam assistência mé-dica na Europa ou nas clínicas particula-res. As famílias evitavam internar seus parentes em hospitaispúblicos, em virtude da falta de higiene e da divisão de leitos

por vários pacientes!", Desta forma, a faseimperial da história brasileira se encerrousem que o Estado solucionasse os proble-mas de saúde da coletividade.

No final do século XVIII, como conse-quência do impacto do industrialismo naInglaterra, começaram a emergir as epi-demias entre os trabalhadores das novasfábricas. As consequências da revoluçãoindustrial afetaram diretamente a saúdee o bem-estar dos trabalhadores, que seencontravam cada vez mais em situaçãocaótica. Havia uma relação inversa entreexpansão industrial e melhoria das condi-ções de vida e saúde, ou seja, enquantoocorria o crescimento industrial, decres-cia a qualidade de vida e as condições desaúde da população'.

No início do século XIX, o movimentode reforma sanitária começou a se de-senvolver principalmente na Inglaterra,devido à ocorrência da Revolução Indus-

trial. O Estado começa a intervir na saúde, mas o intuito erao de preservar a força de trabalho responsável pelo desen-volvimento e crescimento do país'.

liA AGLOMERAÇÃOOESORDENADA, O

AMBIENTE DE MORADIA,A EDUCAÇÃO, O TRABALHO

E O LAZER AFLORARAMCOMO CONSEQUÊNCIAS

AMBIENTAIS DE CONVIVÊNCIAFACILMENTE PERCEBIDASNA FORMA DE POLUIÇÃO

AMBIENTAL, ATMOSFÉRICA,HíDRICA, DESMATAMENTOS

E ESTRATlFICAÇÃO DASOCIEDADE"

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"NO FINAL DO SÉCULO XVIII,COMO CONSEQUÊNCIA DO

IMPACTO DO INDUSTRIALlSMONA INGLATERRA, COMEÇARAM

A EMERGIR AS EPIDEMIASENTRE OS TRABALHADORES

DAS NOVAS FÁBRICAS.AS CONSEQUÊNCIAS DAREVOLUÇÃO INDUSTRIAL

AFETARAM DIRETAMENTE ASAÚDE E O BEM ESTAR DOSTRABALHADORES, QUE SEENCONTRAVAM CADA VEZ

MAIS EM SITUAÇÃO CAÓTICA"

o Industrialismo e o Movimento Sanitário (1830 a 1875): con-cepções e conceitos durante a revolução pasteuriana, higienee saúde públicaNo final do século XVIII e início do século XIX, a medicinasocial é considerada herdeira do iluminismo instrumental,como a ciência que pode ser colocada em favor do estabeleci-mento da ordem social. A concepção de higiene que surge naFrança no final do século XVIII norteia a medicina socioam-biental e focaliza a doença enquanto patologia social.

Com o advento da urbanização e industrialização, surge umcenário social baseado na ideia Maquiana, na qual o meio am-biente influenciava os seres vivos. A con-cepção vigente era influenciada pelo meioambiente da Europa e o surgimento de umanova classe social: o proletariado. Tanto oambiente social "moradia - saneamento",como o cultural e o natural "clima, solo, at-mosfera" interessavam ao higienista que eracapaz de recolher e cruzar as variáveis arn-bientais tentando esclarecer as causas dasdoenças coletivas.

A atuação médica, porém, enfrentariao choque entre as ideias tradicionais, queatribuíam as epidemias aos ares corrom-pidos e as teorias da medicina moderna- baseadas no conceito da bacteriologiae da fisiologia desenvolvidas na Europae que tinham em Louis Pasteur e Clau-de Bernard seus principais divulgadores.No final da década de 1860 e início dadécada de 1870, Pasteur cria a concep-ção de que as doenças são contagiosas ecausadas por germes!'. Além da revolu-ção pasteuriana, iniciava-se o campo damedicina tropical, que estudava o meca-nismo das doenças tropicais e introduziao conceito de vetores.

No Brasil, teve início um campo de co-nhecimento voltado para o estudo e prevenção das doençase para o desenvolvimento de formas de atuação nos surtosepidêmicos.

o Brasil a partir de 1884: imigrantes para a lavouraQuando, em 1884, a Assembleia da Província de São Pauloaprovou a concessão de passagens gratuitas aos imigrantesque se destinassem à agricultura, o Estado deparou-se comuma nova dimensão que fugia da tradicional política econô-mica. Em 1886, foi criada a Sociedade Promotora de Imigra-ção (SPI), cujo objetivo era introduzir uma proporção elevadade imigrantes para a lavoura e em menor proporção para ou-tras profissões. Em janeiro de 1889, a febre amarela eclodiuem Santos. Em 1898, Vital Brasil debela uma epidemia dedifteria. Os imigrantes eram amontoados em hospedarias. En-tretanto, para atrair imigrantes, era preciso sanear as cidadesespecialmente a de Santos, o principal foco de epidemias":

Com a proclamação da República, a federalização e a au-tonomia, as questões de saúde pública, passaram a fazer par-te das atribuições dos Estados. O Serviço Sanitário, criadopela Lei número 43 de 18 de junho de 1892, ficou subordi-

nado à Secretaria do Estado do Interior, e era composto deum conselho de Saúde Pública, responsável pela emissão depareceres acerca da higiene e salubridade e de uma diretoria'de higiene, responsável pelo cumprimento das normas sani-tárias. Era de competência da diretoria o estudo das questõesde saúde públ ica, o saneamento das local idades e das habita-ções e a adoção de meios para prevenir, combater e atenuaras moléstias transmissíveis, endêmicas e epidêmicas.

Em 1890, os laboratórios denominados de Farmácia do Es-tado iniciaram seu funcionamento com o objetivo de fornecermedicamentos e aviar receitas para as enfermarias das insti-

tuições públicas e ambulâncias que aten-diam o interior nos surtos epidêmicos".

No ano de 1894, o primeiro Código Sani-tário do Estado de São Paulo foi promulgado,com 520 artigos, reunindo as normas de hi-giene e saúde pública. Em épocas de epide-mias, a presença do fiscal, do desinfetadore do inspetor sanitário tornava-se visível, eo exercício de política sanitária era rigoroso.

Entre 1890 e 1900, o Rio de Janeiro e asprincipais cidades brasileiras continuarama sofrer por varíola, febre amarela, pestebubônica, febre tifóide e cólera, que ma-taram milhares de pessoas. Diante dessasituação, os médicos higienistas recebe-ram incentivos do governo federal e pas-saram a ocupar cargos importantes na ad-ministração pública. Em troca, assumiramo compromisso de estabelecer estratégiaspara o saneamento das áreas indicadaspelos políticos.

A República Velha (1889 -1930)Na primeira década do século XX, apesarda alta mortalidade, não existiam hospi-tais públicos, e sim entidades filantrópicasmantidas por contribuições e auxílios go-

vernamentais. Tais entidades eram mantidas com o trabalho vo-luntário, e correspondiam a um depósito de doentes que eramisolados da sociedade com o objetivo de não contagiá-la".

Até 1930, a indústria de medicamentos se limitava à mani-pulação de substâncias naturais de origem animal ou vegetal.As instituições de saúde pública eram classificadas em fun-ção das concepções de origem das doenças, de modo que sepodia afirmar que o Serviço Geral de Desinfecção ligava-seà concepção miasmática e o Instituto Bacteriológico à con-cepção microbiana".

O Instituto Bacteriológico, em 1903, constituía a linha defrente do Serviço Sanitário e pesquisava como destruir osmosquitos em águas paradas, realizando experiências comvapores de enxofre, fumaça em pó de pireto e emulsão decreolina e querosene. A partir de 1904, o instituto começoua sofrer com a falta de verbas. Embora houvesse um cresci-mento concomitante da economia brasileira, este período foimarcado pelas crises socioeconômica e sanitária, porque afebre amarela, entre outras epidemias, ameaçava a economiaagroexportadora brasileira e prejudicavam principalmente a

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exportação de café. Os navios estrangeiros se recusavam aatracar nos portos brasileiros, o que reduzia a imigração demão-de-obra. Para reverter à situação, o governo criou medi-das que garantissem a saúde da população trabalhadora atra-vés de campanhas sanitárias de caráter autoritário!'.

Em 1908, a Estrada de Ferro - a Noroeste, pediu auxílio aoInstituto de Manguinhos para debelar a epidemia de malá-ria que dizimava os operários. Em 1916 e 1917, houve umaocorrência de malária a ponto de desequilibrar o estado sani-tário em São Paulo. O governo distribuiu quinino e assumiu aresponsabilidade de sanear fazendas, vilas e cidades atacadaspela malária.

A década de 1920 se encarregou de consolidar as mudan-ças na economia, sociedade e cultura, com a criação do sis-tema de saúde pública. A diretoria geral de Saúde Pública,organ izada pelo médico san itarista Osvaldo Cruz, resolve oproblema sanitário, implementando, progressivamente, insti-tuições públicas de higiene e saúde".

As campanhas de saúde pública eram organizadas de talforma que se assemelhavam a campanhas militares, dividindoas cidades em distritos, encarcerando os doentes portadoresde doenças contagiosas e obrigando, pela força, o empregode práticas sanitaristas. Esta situação levou à Revolta da Vaci-na, no Rio de laneiro".

Nos anos 1920, a cidade explodia em termos econômi-cos e consolidava o desenvolvimento in-dustrial. No período de 1925 a 1929, atuberculose foi responsável por mais demil óbitos por ano, o que significa que onúmero de óbitos por tuberculose dobrouem relação ao período de 1910-1924. Amaior incidência dessa moléstia ligava-seàs precárias condições de habitação dapopulação na cidade de São Paulo.

Mehrv'? se detém a analisar o períodode 1920 a 1948 e procura fazer uma lei-tura das políticas governamentais comomodelos técnicos assistenciais que seconstituem em projetos de forças sociais;procuram-se também os vínculos que es-ses modelos estabelecem não só com ascorrentes tecnológicas de pensamento docampo das ações sanitárias, mas tambémcom as questões políticas mais amplas,colocadas em seu campo específico - are-na decisória particular - às quais definemo significado social das referidas ações.

Surge a necessidade da formação deprofissionais cujos currículos, segundoGerrnano" priorizassem as disciplinas vin-culadas à saúde pública. Entretanto, a in-tenção inicial de formar profissionais queassumissem o papel de educadores emsaúde não se concretizou por uma sériede fatores. Entre eles, destaca-se a formacomo o profissional foi inserido na socie-dade brasileira, "de cima para baixo", causando estranheza àpopulação e consequente rejeição do trabalho educativo, pois

este era visto como uma forma de interferência na privacidadee individualidade, além de não propor mudanças estruturaisna sociedade",

Ao mesmo tempo, surgia o paradigma da medicina clínica,cujo discurso era individualista e privatista, exigindo outroespaço para se desenvolver: o hospital. Enquanto os currícu-los privi legiavam a área preventiva, o mercado de trabal hovalorizava a área hospitalar para onde os profissionais de saú-de foram, pau lati namente, di recionados.

A Saúde Pública na Era Vargas (1930 -1945)A partir da década de 1930, o Estado recebe fortes pressõespor parte de intelectuais e militares para a criação de serviçosem saúde pública, e, em 1931, é criado o Ministério de Edu-cação e Saúde Pública", Considerado o marco da medicinaprevidenciária no Brasil, é criado em 1930 os Institutos deAposentadoria e Pensões (lAPs), os quais, diferentemente dasantigas Caixas, são organ izadas por categorias profissionais,não mais por empresas.

Durante a era Vargas houve diminuição de mortes por en-fermidades epidêmicas, porém cresceram as doenças de mas-sa, estabelecendo-se assim um quadro marcado por doençasendêmicas, entre elas, a esquistossomose, doença de Chagas,tuberculose e a hanseníase.

Na década de 1940, o papel do profissional como educa-dor é retomado com a criação dos cen-tros de saúde, nos quais a atenção eraorganizada em programas, sendo que aeducação sanitária, a base da ação e opoder coercitivo foram substituídos pelapersuasão. Assim, origina-se a tendênciacontemporânea da organização no cam-po da saúde sob a forma de programas deatenção individual, por exemplo os Pro-gramas de Atenção Integral à Saúde daCriança e da Mulher.

A ação do Estado no setor saúde se di-vide claramente em dois ramos: de umlado a saúde pública, de caráter preven-tivo e conduzido através de campanhas;de outro, a assistência médica, de carátercurativo, conduzi da através da ação daprevidência social.

"A PARTIR DE 1904, OINSTITUTO COMEÇOU ASOFRER COM A FALTADE VERBAS. EMBORA

HOUVESSE UM CRESCIMENTOCONCOMITANTE DA

ECONOMIA BRASILEIRA,ESTE PERíODO FOI MARCADO

PELAS CRISES SOCID-ECONÔMICA E SANITÁRIA,

PORQUE A FEBRE AMARELA,ENTRE OUTRAS EPIDEMIAS,

AMEAÇAVA A ECONOMIAAGROEXPORTADORA

BRASILEIRA E PREJUDICAVAM,PRINCIPALMENTE, A

EXPORTAÇÃO DE CAFÉ"

A crise do regime populista, a democrati-zação e a saúde (1945 -1964)Em outubro de 1945, acontece a deposi-ção de Vargas e, no ano seguinte, a ela-boração de uma Constituição democráticade inspiração liberal. Os movimentos so-ciais exigiam que os governantes cumpris-sem as promessas de melhorar as condi-ções de vida, saúde e de trabalho.

Desde que assumiu o governo, em1946, o presidente Eurico Gaspar Outraestabeleceu como prioridade a organi-

zação racional dos serviços públicos. Em maio de 1953,já no segundo período presidencial de Vargas, foi criado oMinistério da Saúde, que contava com verbas irrisórias no

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"O SUS, QUE APRESENTAPRINCíPIOS CONSTITUCIONAIS

DE UNIVERSALIDADE,INTEGRIOADE E ACESSO

IGUALITÁRIO A TODOS OSNíVEIS DE COMPLEXIOADE DOSISTEMA, DEVERIA GARANTIR

A QUALIDADE DA ATENÇÃOPOR EQUIPES PROFISSIONAIS

QUALIFICADOS E COMCONDiÇÕES DE TRABALHO

ADEQUADOS"

decorrer da década de 1950, confirmando o descaso das au-toridades com a saúde da população.

Nos anos 1960, com o Milagre Brasileiro, o entendimento dasaúde como assistência médica especializada, sofisticada, frag-mentada e que privilegia a internação hospitalar, favorece as in-dústrias farmacêuticas e de equipamento médico-hospitalares. Acentralização e a concentração do poder institucional aliou cam-panhismo e curativismo numa estratégia de medicalização social'.

Pressionada pelas leis, a Previdência assumiu a prestaçãode as istência médico-hospitalares aos trabalhadores à custado rebaixamento da qualidade dos serviços o que coloca opaís em posição de doente.

O efeito do golpe militar (1964) sobre o Ministério da Saú-de foi à redução das verbas, aumentadas no início da décadade1960, que continuaram decrescendo até o final da ditadura.Apesar da pregação oficial de que a saúde constituía um fatorde produtividade, desenvolvimento e investimento econômi-co, o Ministério da Saúde privilegiava asaúde como elemento individual e nãocomo fenômeno coletivo.

Em 1970, o resultado da falta de inves-timento no setor público foi o aumento deenfermidades como a dengue, meningitee a malária.

o Estado e a previdência social: décadade 1970Estabelece-se, na esfera pública, o Insti-tuto Nacional de Previdência Nacional(INPS) que deveria tratar dos doentes in-dividualmente, enquanto o Ministério daSaúde elaborava e executava programassanitários destinados à população duranteas epidemias. O INPS firmou convênioscom 2.300 dos 2.800 hospitais instaladosno Brasil, utilizando o setor privado paraatender os trabal hadores.

Os baixos preços pagos pelos serviçosmédicos-hospitalares e a demora na trans-ferência das verbas do INPS para as entidades determinarama fragilidade do sistema para atendimento à população. En-quanto o governo reduzia ou atrasava os recursos, hospitaise clínicas aumentavam as fraudes para receber o que tinhamdireito, e muito mais.

Na década de 1970, surgem os primeiros cursos de pós-gra-duação em enfermagem. Em meio à crise do modelo curativis-ta-privatista, as políticas de cuidado primário à saúde estimula-riam o autocuidado e a autonomia das comunidades.

Em 1974, foi criado o Ministério da Previdência e Assistên-cia Social, que incorporou o INPS e livrou-o das imposiçõesdo Ministério do Trabalho, renovando assim, a promessa degarantir saúde aos segurados.

A Declaração de Alma-Ata" confirma: a promoção e proteçãoda saúde da população são indispensáveis para o desenvolvimentoeconômico e social sustentado e contribui para melhorar a quali-dade de vida; a população tem o direito e o dever de participar in-dividual e coletivamente na planificação e na ampliação das açõesde saúde; a atenção primária à saúde é reflexo e consequência dascondições econômicas e características socioculturais e políticas

do país e de suas comunidades; compreende as áreas: de educa-ção e saúde, alimentação e nutrição, água potável e saneamentobásico, assistência materno-infantil, com inclusão da planificaçãofamiliar; imunização, prevenção e luta contra enfermidades endê-micas, o tratamento das enfermidades e traumatismos, e a dispo-nibilidade de medicamentos essenciais; inclui a participação nodesenvolvimento nacional e comunitário, em particular o agro-pecuário, a alimentação, a indústria, a educação, a habitação, asobras públicas, as comunicações, organização, funcionamento econtrole da atenção primária à saúde.

Na verdade, o texto da Declaração de Alma-Ata", ao am-pliar a visão do cuidado da saúde em sua dimensão setorial ede envolvimento da população, supera o campo de ação dosresponsáveis pela atenção convencional dos serviços de saúde.

A saúde nas décadas de 1980 e 1990As décadas de 1980 e 1990 caracterizam-se pela organização

de trabalhadores e entidades dos setoresda saúde e educação. A VIII e IX Confe-rências Nacionais de Saúde propuserama adoção de modelos assistenciais condi-zentes com a realidade socioeconômico-cultural, com ações que visualizem a pes-soa de forma integral, ultrapassa o modelopreventivo-curativo pelo enfoque holísti-co e a participação da população na or-ganização e gestão do sistema de saúde!'.

A estratégia de Atenção Primária (Alma-Ata) com o enfoque multissetorial, o envol-vimento comunitário e os componentes detecnologia apropriada reforçaram a promo-ção na direção da saúde ambienta]. Comesta motivação, foi planejada a PrimeiraConferência Internacional sobre Promo-ção da Saúde, realizada em Ottawa, emnovembro de 1986, em colaboração coma Organização Mundial de Saúde e a As-sociação Canadense de Saúde Pública queevidencia a inter-relação existente entre

atenção primária, promoção da saúde e cidades saudáveis".

CONSIDERAÇÕES FINAISA descentralização da saúde na década de 1990, segue-se aodesmonte dos programas sociais federais iniciados em 1989, e éassumida uma face neoliberal, condizente com a política e a ide-ologia dominantes, contrária ao preconizado pela Constituiçãode 1988. Tem sido um processo atabalhoado, marcado por umcontexto de ajuste recessivo das contas públicas, repassando deforma acelerada encargos e responsabilidades aos municípios. Osestados têm sido praticamente ignorados nessa descentralização/municipalização enquanto agentes responsáveis pela implemen-tação de políticas regionais, limitam-se ao papel de repassadoresde recursos. Trata-se de uma municipalização a qualquer preço,distinta da proposta pelo Sistema Unificado e Descentralizado deSaúde (SUDS) nos anos de 1980 e consagrada na Constituição de1988, que previa a autonomia das unidades federadas, baseadaem esquema de financiamento e repasse de recursos. É precisoolhar para o processo de municipalização no Sistema Único de

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Saúde (SUS), face ao contexto restritivo do ajuste e diante daspropostas de reforma do Estado dirigidas à privatização e à foca-lização dos serviços públicos". O SUS, que apresenta princípiosconstitucionais de universalidade, integridade e acesso igualitá-rio a todos os níveis de complexidade do sistema, deveria garan-tir a qualidade da atenção por equipes profissionais qualificadase com condições de trabalho adequado.

DReferências

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Nunes-, fundamentando-se na interdisciplinaridade comopossibilitadora da construção de um conhecimento ampliadoda saúde coletiva, no plano concreto dos conteúdos a sere(l1transmitidos, determina a necessidade atual de pensar o gerale o específico. Ou seja, não se deve perder o núcleo que alegitima e distingue como social/coletivo, mas se deve-se estaratento à formação de determinadas áreas de concentração. •

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• ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• Normas para publicação saúdecoletivaA revista Saúde Coletiva tem por objetivo ser um veículo de divulgação de assuntos de Saúde Coletiva e áreas afins, buscando expansão do conhecimento. Assim, recebe artigos de pes-quisa, dialogados [debates), de atualização, de relatos de experiência, de revisão, de reflexão, de estudos de caso e ensaios em Saúde Coletiva. Abaixo as nonuas para publicação:

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