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860 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA PRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO CURSO DE CIÊNCIAS HUMANAS LICENCIATURA ANAIS DO II CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR DE CIÊNCIAS HUMANAS - COINTER

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860

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA

PRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO

CURSO DE CIÊNCIAS HUMANAS – LICENCIATURA

ANAIS DO II CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR

DE CIÊNCIAS HUMANAS - COINTER

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ORGANIZAÇÃO

APOIADORES

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C

COORDENADORA GERAL DO EVENTO

Prof.ª Dra. Andrea Becker Narvaes

COMISSÃO ORGANIZADORA

PROFESSORES

Dr. Ronaldo Bernadino Colvero

Me. Anderson Romário Perreira Côrrea

Me. Camila Almeida

ACADÊMICOS

Ewerton da Silva Ferreira

Danilo Pedro Jovino

Hermogenes Cerqueira Filho

Letícia Olveira Chaves de Oliveira

Tiara Cristiana Pimentel dos Santos

Valeska Avila

Vitória Silveira

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COMITÊ CIENTÍFICO

Me. Alisson Machado

Dra. Adriana Hartemink Cantani

Dra. Andrea Bekcer Narvaes

Me. Anderson Romário Pereira Côrrea

Dra. Carmen Regina Dorneles

Nogueira

Dr. Edson Romário Monteiro Paniágua

Dr. Gerson Oliveira

Me. Gilvane Belém Correia

Danilo Pedro Jovino

Dra. Jaqueline Carvalho Quadrado

Dra. Monique Soares Vieira

Dra. Lauren de Lacerda Nunes

Lucas Giovan Gomes Acosta

Dra. Lisianne Sabreda Ceolin

Me. Rodrigo Maurer

Sandro da Silva

Dr. Sergio Ricardo Gacki

Dra. Susana Cesco

Dra. Nola Patrícia Gamalho

Dr. Muriel Pinto

Dr. Victor Oliveira

DIAGRAMAÇÃO

Ewerton da Silva Ferreira

Secretário Geral do II COINTER

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A CORREÇÃO E ADEQUAÇÃO AS NORMAS DA

ABNT DOS RESUMOS AQUI APRESENTADOS SÃO

DE RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DOS

AUTORES E AUTORAS.

TRABALHOS APRESENTADOS NO GRUPO DE

TRABALHO HISTÓRIA, MEMÓRIA, PATRIMÔNIO E

IDENTIDADE, SOB COORDENAÇÃO DO PROFESSOR

MESTRE ANDERSON ROMÁRIO PEREIRA CÔRREA

E PROFESSOR MESTRE ROFRIGO MAURER

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SUMÁRIO TRABALHOS APRESENTADOS NO GRUPO DE TRABALHO DE

HISTÓRIA, MEMÓRIA, PATRIMÔNIO E IDENTIDADE

50 ANOS DA CAMPANHA DA LEGALIDADE: UMA ANÁLISE DOS PERIÓDICOS CORREIO DO POVO E

FOLHA DE SÃO BORJA .......................................................................................................................... 866

CEMITÉRIO JARDIM DA PAZ COMO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, CULTURAL, MATERIAL E IMATERIAL . 882

OS MISSIONEIROS: ARTE, PATRIMÔNIO E (RE)CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE REGIONAL ........ 893

A ESTÂNCIA DE SÃO FRANCISCO XAVIER OU SAN JAVIER .................................................................... 913

GUASQUERÍA: A IMATERIALIDADE DE SEUS TENTOS ........................................................................... 928

ENTRELÍNEAS DE LA IDENTIDAD DEL ABYA YALA EN LA CARTA DE JAMAICA, DE SIMÓN BOLÍVAR .... 941

PARTIDOS POLÍTICOS: COMO VEM SE DANDO SUA TERRITORIALIDADE ............................................. 958

ALFORRIAS E ABOLICIONISMO EM SÃO BORJA (1839 -1887): NOTAS DE PESQUISA .......................... 972

UMA REFLEXÃO SOBRE AS REDUÇÕES JESUÍTICAS ORIENTAIS: DO APOGEU A DERROCADA FINAL ... 987

A IMPLEMENTAÇÃO DAS DIRETRIZES NACIONAIS DE ENSINO DA HISTÓRIA DA ÁFRICA NAS ESCOLAS E

O PET HISTÓRIA DA ÁFRICA ................................................................................................................ 1009

ASPIRAÇÃO REVOLUCIONÁRIA INTERNACIONAL E A FRONTEIRA VIGIADA DE SÃO BORJA E SANTO

THOMÉ: COMUNISMO, NACIONALISMO CONSERVADOR E CONTROLE DIPLOMÁTICO (ANOS 1930-

1945) .................................................................................................................................................. 1015

ENTRE TRANSFORMAÇÕES TERRITORIAIS, LITIGIOS PUEBLERINOS E DIREITOS DE PROPRIEDADE NA

PROVÍNCIA DO PARAGUAI (SÉC. XVII & XVIII) .................................................................................... 1030

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50 ANOS DA CAMPANHA DA LEGALIDADE: UMA ANÁLISE DOS PERIÓDICOS

CORREIO DO POVO E FOLHA DE SÃO BORJA

Rafael Avila Sides1

Hermogenes de Sousa Cerqueira Filho2

Dr. Edson Romário Monteiro Paniagua³

RESUMO: Este trabalho é resultado da pesquisa conjunta entre discentes do curso de Ciências

Humanas – Licenciatura. Realizado no momento em que as teorias da história eram objeto de

estudo e reflexão, assim como a pesquisa história em si. O objetivo inicial da pesquisa foi

encontrar jornais contemporâneos à campanha da legalidade, no município de São Borja, terra

natal de João Goulart, com intenção de perceber qual tipo de abordagem local. As fontes locais

selecionáveis foram referentes ao aniversário de 50 anos do tema proposto. Este sim,

encontrado em mais de um título de jornal. A partir daí, foi feita uma análise dessa

documentação e também, para não deixar de lado materiais da época da “legalidade”, foram

selecionados documentos digitalizados via internet, contendo importantes passagens para uma

compreensão mais ampla do tema. Sendo assim, a tônica da pesquisa se deu na mescla de fontes

datadas de épocas próximas ao tema proposto com fontes mais contemporâneas. Uma

observação final que pôde ser percebida foi o baixo índice de materiais encontrados e

preservados, assim como sua pouco eficiente catalogação e organização nos acervos da cidade,

deixando assim, uma importante reflexão acerca da conservação da memória local.

Palavras-Chaves: História, Jango, legalidade, memória.

INTRODUÇÃO

Em meio a um contexto político conturbado em que se encontra o Brasil na atualidade,

resgatar as memórias de acontecimentos que trazem questões similares é devidamente válido.

Nesse sentido, este trabalho buscou em um primeiro momento fazer uma análise local dos

jornais contemporâneos aos cinquenta anos da Campanha da Legalidade, momento em que o

1 Discente do curso de Ciências Humanas – Licenciatura. Email: [email protected] 2 Discente do curso de Ciências Humanas - Licenciatura

³ Profº Drº Edson Romario Monteiro Paniagua. Profº Adjunto da Universidade Federal do Pampa –

UNIPAMPA – campus São Broja/RS – Brasil.

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então vice-presidente João Goulart, constitucionalmente, após a renúncia do presidente Jânio

Quadros, deveria automaticamente assumir o poder. Como se sabe, a legalidade constitucional

sofreu tentativas de ruptura, quando certas esferas da sociedade tentaram impedir que o sucessor

de direito à presidência assumisse o cargo, sendo o então governador do estado do Rio Grande

do Sul, Leonel Brizola o grande responsável por articular a defesa ao direito de João Goulart

assumir o governo brasileiro. Em virtude das pesquisas terem esbarrado na escassez de

materiais da época do levante da legalidade, uma segunda abordagem iniciou-se: verificar

materiais referentes ao aniversário de cinquenta anos da Campanha da Legalidade e como

complemento, buscar materiais da época via internet. Essa análise de passados longínquo e

recente resultou neste trabalho, que tem por objetivo trazer uma reflexão sobre o passado em

busca de exemplos para o contexto do presente, assim como refletir sobre as condições das

fontes históricas utilizadas para esta pesquisa, no caso, os jornais.

METODOLOGIA

Esta trabalho foi realizado como avaliação para uma das disciplinas regulares do curso de

Licenciatura em Ciências Humanas, onde foram desenvolvidas competências de análise de

fontes históricas, assim como a produção textual resultante das conclusões obtidas e estudos

acerca das teorias da história. A ideia inicial era de prover uma análise dos periódicos

localizados na terra natal de João Goulart, a cidade de São Borja, localizada na fronteira oeste

do Rio Grande do Sul, e contemporâneos à Campanha da Legalidade. Em virtude do principal

jornal da cidade “a Folha de São Borja” ter iniciado suas atividades alguns anos após o problema

de pesquisa, não foi possível consultar seu acervo. Partiu-se para a busca dessas fontes nas

bibliotecas locais, assim como nos museus, porém nada da época foi encontrado. Sendo assim,

surgiu a ideia de analisar o material que foi encontrado, tendo a pesquisa se adaptado às fontes

encontradas. O tema então escolhido foi verificar que análise se deu nos periódicos

comemorativos aos cinquenta anos do levante, sendo encontrados em jornais como a própria

Folha de São Borja e o Correio do Povo. Como complemento, foram verificados periódicos da

época encontrados via internet, e algumas charges, que deram uma melhor coesão a pesquisa.

UMA ANÁLISE DA TRAJETÓRIA POLÍTICA DE JOÃO GOULART

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Anos após vencer as eleições de 1950 e promover um retorno democrático à Presidência

da República, Getúlio Vargas nomeou três anos depois, em 1953, João Goulart como novo

Ministro do Trabalho. O jovem político era estancieiro gaúcho e o início de sua trajetória

política foi favorecido pelas relações familiares de sua família com as do então presidente

Vargas no município de São Borja. Conhecido como Jango, ligou-se ao PTB por vias sindicais.

Em 1955 – quando era possível votar separadamente para presidente e vice-presidente

– Jango elegeu-se com um percentual inclusive superior ao presidente eleito Juscelino

Kubitscheck. Após este período como vice-presidente da República, João Goulart concorreu

novamente ao mesmo cargo em 1960 [...] na última eleição direta para presidente da República

que o país conheceu até 1989. Jânio venceu as eleições de 1960, com 48% dos votos [...]

enquanto Lott obteve 28% [...] João Goulart elegeu-se vice-presidente da República apesar da

nítida derrota de Lott. (FAUSTO, 2012, p. 241)

Em 25 de agosto de 1961 após uma série de medidas consideradas duvidosas,

principalmente se tratando da política externa, o então presidente Jânio Quadros anunciou sua

renúncia à Presidência da República, justificando “forças terríveis” que o levaram ao ocorrido,

sem detalhados esclarecimentos.

Jânio esperava obter, com um lance teatral, maior soma de poderes para governar,

livrando-se até certo ponto do Congresso e dos partidos [...] partiu apressadamente de

Brasília e desceu em São Paulo [...] recebeu um apelo de alguns governadores dos

Estados para que reconsiderasse seu gesto. Mas, afora isso, não houve nenhuma outra

ação significativa pelo retorno do presidente. [...] Como renúncias não são votadas e

sim simplesmente comunicadas, o Congresso tomou apenas conhecimento do ato de

Jânio. A partir daí, a disputa pelo poder começou. (FAUSTO, 2012, p. 243)

A Constituição previa assumir o então vice-presidente João Goulart. Porém, a posse foi

suspendida diante a suspeita dos militares de que Jango implantaria no Brasil uma “República

sindicalista”, abrindo brechas para a implementação do comunismo – ironicamente João

Goulart encontrava-se na então China comunista realizando uma visita ao país. O então

presidente da Câmara dos Deputados assumira temporariamente o cargo de presidente enquanto

os militares impediam a volta de Jango ao Brasil alegando questões de segurança nacional. Tais

militares não contavam com a coragem e a bravura do então Governador do Rio Grande do Sul

e cunhado de Jango: Leonel Brizola. Através de um movimento que ficou conhecido como A

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campanha da Legalidade, os gaúchos declararam apoio à posse de João Goulart com o apoio do

III Exército que em um primeiro momento, eram a favor do golpe que se articulava. Através de

grandes manifestações, mobilizações militares que quase desencadearam um grande

derramamento de sangue – inclusive do próprio Brizola e sua família - e de discursos fervorosos

do Governador do Rio Grande do Sul, João Goulart assumiu a presidência no dia 7 de setembro

de 1961, mas com poderes limitados, devido a uma articulação do Congresso Nacional que

articulou um regime parlamentarista (dois anos depois, através de um plebiscito nacional, o

presidencialismo foi reinstituído).

O governo Jango proporcionou certa conscientização acerca das camadas populares

mais desassistidas. Leis que beneficiaram o trabalhador rural, que regulamentaram o trabalho

no campo foram criadas durante seu governo, assim como cresceu a participação política dos

estudantes e também a ideia de que o comunismo poderia ser algo resultado por uma revolta

aos males do capitalismo, principalmente dentro da Igreja Católica. Medidas governamentais

surgiram dando moldes populistas ao governo de Jango: reformas de base, propostas para

reforma agrária e reformas urbanas. Aumentar também os direitos políticos, principalmente o

direito ao voto, ampliando para setores mais populares da nação. Nacionalização de empresas

e mais ampla intervenção do Estado na economia.

As reformas de base não se destinavam a implantar uma sociedade socialista. Eram uma

tentativa de modernizar o capitalismo e reduzir as profundas desigualdades sociais do

país a partir da ação do Estado. Isso, porém implicava uma grande mudança, à qual as

classes dominantes opuseram forte resistência. (FAUSTO, 2012, p. 246)

A direita conservadora foi retomando a força e impôs severas críticas ao governo de

Jango, além disso, ele também ia perdendo apoio das camadas mais populares e trabalhadoras

com uma constante crise econômica, que acarretara uma crescente inflação. Ia crescendo em

seus opositores um sentimento de “revolução purificadora da democracia”, para pôr fim à luta

de classes, ao poder dos sindicatos e aos perigos do comunismo. Várias greves aconteceram

principalmente em São Paulo como a dos 700 mil em outubro de 1963 e a Marcha da Família

em 1964, contando com 500 mil pessoas ligadas à Igreja conservadora. Seu novo modelo de

governo, através de decretos tentando propor as reformas agrárias e urbanas assustaram a

camada mais conservadora da população brasileira.

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Ao discursar em seu último comício no Rio de Janeiro o golpe já estava em marcha.

Preparado pelo general Olímpio Mourão Filho, o mesmo do Plano Cohen de 1937. As Tropas

do I e II Exército marcharam para o Rio de Janeiro. Jango foi para Brasília, depois para Porto

Alegre. Em 1º de abril de 1964 o presidente do Senado declarou vago o cargo de presidente da

República. O poder estava na mão dos comandantes militares. Brizola tentou mobilizar tropas

no RS repetindo 1961, mas em abril exilou-se no Uruguai onde já estava João Goulart. Findava-

se assim a “Era Jango” e iniciava-se o período que posteriormente ficou conhecido como

Ditadura Militar.

A CAMPANHA DA LEGALIDADE

Após a renúncia de Jânio Quadros a situação de eleger candidatos de chapas diferentes

para os cargos de presidente e vice-presidente acabou gerando problemas maiores ao País. Os

conservadores encabeçados pela UDN não aceitavam de forma alguma que João Goulart

assumisse o poder e mais uma vez entrega-os ao getulismo. Os militares neste momento

estavam divididos em grupos das mais variadas posições, que iam desde a postura pela

legalidade e o temor pelo envolvimento nas questões política aos que queriam extrapolar os

limites constitucionais, mas ainda não desejavam arriscar suas fichas agora em um golpe. Ao

ser impedido de voltar ao Brasil, após sua visita a China comunista, iniciou-se o processo pela

legalidade encabeçado por Leonel Brizola. O Palácio do Piratini, sede do governo do Rio

Grande do Sul, foi transformado em um quartel general para os defensores da posse de Jango.

Assumindo também o controle da principal rádio local, Brizola então governador dos

gaúchos proferiu falas memoráveis e conseguiu mobilizar boa parte da população que,

inclusive, começava a se alistar como voluntário para um muito provável conflito armado. O

III Exército, sediado no Rio Grande do Sul estava dividindo-se em opiniões e recebera ordens

de atacar os defensores da legalidade. Em um momento crucial, onde era quase que imparável

o ataque sobre o Palácio do Piratini, Leonel Brizola dá voz a um discurso inflamado que

colocava a própria vida em defesa do direito constitucional, em prol da legalidade.

Aqui resistiremos até o fim. A morte é melhor do que a vida sem honra, sem dignidade

e sem glória. Aqui ficaremos até o fim. Podem atirar. Que decolem os jatos! Que

atirem os armamentos que tiverem comprado à custa da fome e do sacrifício do povo!

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Joguem estas armas contra esse povo. Já fomos dominados pelos trustes e monopólios

norte-americanos. Estaremos aqui para morrer, se necessários. Um dia, nossos filhos

e irmãos farão a independência do nosso povo. Um abraço, meu povo querido! Se não

puder falar mais, será porque não me foi possível! Todos sabem o que estou fazendo!

Adeus, meu Rio Grande querido! Pode ser este, realmente, o nosso adeus! Mas aqui

estaremos para cumprir o nosso dever. (FELIZARDO, 2003, p. 46)

Junto a este discurso e a uma sagaz sabotagem nos aviões que decolariam para atacar a

sede do governo gaúcho – foram furados os pneus das aeronaves – o comandante do III Exército

recuou e anunciou apoio imediato aos legalistas, o que, ocasionou um recuo das forças

golpistas, fazendo com que João Goulart posteriormente assumisse a Presidência da República

- embora com poderes limitados pelo parlamentarismo em um primeiro momento - para

posteriormente sofrer um novo golpe, desta vez, definitivo.

ANÁLISE DAS FONTES LOCAIS NO MUNICÍPIO DE SÃO BORJA – RIO GRANDE

DO SUL

As pesquisas realizadas no município de São Borja, terra natal de João Goulart partiram

do princípio de encontrar jornais contemporâneos à campanha da legalidade, com intenção de

perceber qual tipo de abordagem local se deu a questão. Foram realizadas pesquisas na

biblioteca municipal, na Câmara de Vereadores, na Casa Memorial João Goulart e também no

arquivo do Centro Cultural da cidade, localizado na antiga estação férrea. A ideia inicial de

realizar uma abordagem junto às fontes datadas de 1961 – ano em que se realizou a luta pela

posse de Jango – não foi possível devido não existir na cidade jornais da época (pelo menos

não em setores de consulta pública). Aliás, o principal jornal da cidade “Folha de São Borja”,

só possui acervo a partir de 1970, quando iniciou suas atividades na cidade. Jornais anteriores

e da data requerida inexistem ou não foram localizados.

Um alerta pode ser feito nesse ponto: em diálogo com responsáveis pelos acervos da

Câmara Municipal de Vereadores e do Centro Cultural, foi informado que grande parcela de

documentos antigos, incluindo jornais, foram descartados e queimados por gestões municipais

anteriores, fato de bastante descaso com a história local, com os registros do passado. Visto que

não seria possível trabalhar com jornais da época, partiu-se para uma tentativa de análise de

períodos posteriores: buscar de 10 em 10 anos reportagens que remetesse à aniversários da

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Campanha da Legalidade, porém, as pesquisas realizadas também nos mesmos acervos, não

encontraram materiais referentes.

Diante de tal impasse, o único material encontrado foi referente ao aniversário de 50

anos do tema proposto. Este sim, encontrado em mais de um título de jornal. A partir daí, foi

feita uma análise deste material encontrado e também, para não deixar de lado materiais da

época da posse de Jango, foram selecionados documentos digitalizados via internet, remetendo

a jornais de Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro da época e de referências à morte de João

Goulart, por exemplo, dando uma perspectiva um pouco mais ampla dos fatos.

ANÁLISE DE MATERIAIS CONTEMPORÂNEOS OU DE ÉPOCAS PRÓXIMAS À

CAMPANHA DA LEGALIDADE

Essa abordagem inicia-se com uma publicação do jornal “Correio do Povo” de agosto

de 1961: a capa do jornal traz o seguinte título: “Abalado o país com a surpreendente renúncia

de Jânio Quadros à Presidência da República” e faz um alerta para as consequências que a

renúncia do presidente poderia trazer para a imagem de nação e de República democrática,

principalmente no exterior, citando o já aumento do Dólar no dia seguinte e renúncia. Também

é exposto o texto proferido por Jânio Quadros referente a sua renúncia, citando forças terríveis

que teriam se levantado contra ele e alertando sobre o apetite e as intenções de grupos dirigidos

no exterior. O jornal também cita como reportagem em sua capa: “Jango esperado hoje em

Brasília”, referindo-se a constituição e as leis que amparam ao eleito Vice-Presidente assumir

o cargo em decorrência aos fatos citados acima.

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Figura 1 – Jornal Correio do Povo de 26 de Agosto de 1961.

Fonte: Jornalismo Ibmec. 3

Outro exemplar do “Correio do Povo” também de 1961 agora faz alusão à briga pela

posse da Presidência da República por João Goulart através do então governador do Estado do

Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. O exemplar encontrado via internet não dispõem de uma

qualidade suficiente para uma leitura do texto completo, porém os títulos servem para fazer

uma análise interessante: “João Goulart chegará aqui hoje e aqui instalará seu governo” fazendo

alusão a chegada de Jango e a utilização da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como

sede administrativa.

Outros títulos exibem o conflito da Campanha da Legalidade com o restante do país

opondo naquele momento o III Exército, localizado no estado, contra o mesmo: “III Exército

confirma o início de ações militares contra o Rio Grande do Sul”. Outros títulos solidificam o

sentimento do povo gaúcho durante o período: “Respeito à constituição está enraizado no

espírito do povo” e também representado nas palavras de Leonel Brizola: “Nenhum Chefe

Militar obedecerá à ordem de massacrar seus irmãos”. Existem menções citando a luta do jornal

de Guanabara contra a censura e também uma mensagem de apoio de Érico Veríssimo: “Ficarei

ao lado da Legalidade nesta hora dramática”.

3 Disponível em: <https://jornalismoibmec.wordpress.com/2014/04/23/janio-quadros-renuncia/> Acesso em:

02/07/2017

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Figura 2 – Jornal Correio do Povo de setembro de 1961.

Fonte: 50 anos do golpe militar.4

As charges também foram utilizadas para transferir mensagens durante o conturbado

período. Paulo Brasil Gomes de Sampaio, conhecido como “SamPaulo” ofereceu vários

trabalhos remetendo ao momento político do País e também homenagens póstumas. SamPaulo

trabalhou em diversos jornais como o Clarim porto-alegrense e também a Zero Hora. Em seus

desenhos percebe-se a crítica a alguns denominados golpistas como Carlos Lacerda, e também

seu apoio à Campanha da Legalidade, representando a luta de estudantes, do governo legítimo,

do povo gaúcho, do Exército (o III Exército especificamente, após apoiar o movimento),

intelectuais e demais simpatizantes da época.

4 Disponível em: <http://50anosdegolpemilitar.blogspot.com.br/> Acesso em: 02/07/2017

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Figura 3 – Charge de SamPaulo

Fonte: Blog SamPaulo cartunista.5

A charge acima mostra a luta do povo gaúcho junto com o exército local contra o

fantasma da ilegalidade. Ratificando o movimento em prol da constituição e da posse de João

Goulart como sucessor de Jânio Quadros e Presidente da República do Brasil. Abaixo mais

representações dos defensores e opositores da Legalidade também transcritas pelo talento de

Sam Paulo.

5 Disponível em: <http://sampaulocartunista.blogspot.com.br/2012/05/legalidade.html> Acesso em: 02/07/2017

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Figura 4 – Charge de SamPaulo

Fonte: Blog SamPaulo cartunista.6

Figura 5 – Charge de SamPaulo

Fonte: Blog SamPaulo cartunista.7

O jornal “O Estado de São Paulo” publicou uma reportagem sobre a morte de João

Goulart, em 1976. O texto permeia brevemente o início da vida política de Jango, citando sua

6 Disponível em: <http://sampaulocartunista.blogspot.com.br/2012/05/legalidade.html> Acesso em: 02/07/2017 7 Disponível em: http://sampaulocartunista.blogspot.com.br/2012/05/legalidade.html> Acesso em: 02/07/2017

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participação no governo Vargas no cargo de Ministro do Trabalho. Traz um subtítulo “meia-

esquerda” em que destaque o Jango tentou ser jogador de futebol, fazendo um simbolismo com

suas inclinações políticas. É interessante ressaltar que o jornal cita o termo “golpe militar” ao

falar da queda do ex-presidente enquanto exercia o poder, isso claro, de maneira extremamente

breve e resumida. A matéria também cita a constante vontade de João Goulart ao voltar ao

Brasil durante sua atual morada na Argentina, para onde foi após seu exílio inicial no Uruguai.

Ao ser procurado na argentina citou a necessidade da oposição se articular para a união

do trabalhismo mas com um plano de governo, embora salientando que sua visão era apenas

superficial em virtude de seu distanciamento para com a política brasileira. Sobre a Campanha

da Legalidade há uma breve menção à Leonel Brizola como "artífice do movimento que

garantiu a sua posse na presidência da república" mas ressaltando mais o fato de os dois terem

cortaram relações devido a ambições políticas distintas, logo em 1965 em exílio no Uruguai.

Jango dizia que não queria voltar ao Brasil pela porta dos fundos, por São Borja. Acabou

voltando (seu corpo) e sendo enterrado na cidade.

Figura 6 – Jornal O Estado de São Paulo, 1976.8

8 Fonte: Estadão. No exílio, morre João Goulart. Disponível em: http://brasil.estadao.com.br/blogs/arquivo/no-

exilio-morre-joao-goulart/ Acesso em; 10 de jul de 2017

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ANÁLISE DOS 50 ANOS DA CAMPANHA PELOS JORNAIS CORREIOS DO POVO

E FOLHA DE SÃO BORJA

No dia 25 de agosto de 2011, completaram-se os 50 anos da Campanha da Legalidade,

e por meio dos periódicos Correio do Povo e Folha de São Borja, faz-se a análise deste episódio

que proporcionou grande movimento no povo gaúcho, um levante popular considerável,

analisa-se assim, um jornal que abrange todo o estado e um jornal que é da terra natal do

protagonista deste episódio e relaciona-se os discursos para se ter um parâmetro da visão da

campanha após meio século.

Inicialmente o Correio do povo traz a renúncia de Jânio Quadros, contextualizando

historicamente o período que antecede o desenrolar da campanha. Descrevendo os últimos

momentos da presidência, também retrata suas últimas palavras em leito de morte, o qual

acreditava que o povo reagiria a sua renúncia e proclamaria seu retorno ao poder, mas o que

não surgiu efeito como imaginado.

Após 7 meses de mandato este renunciara principalmente levado por discursos que

alegavam que seu governo se aliava ao comunismo e coincidentemente seu vice, João Goulart,

estava em viagem à China para acordos comerciais. Em sua carta, Jânio retrata renunciar por

forças maiores, que grupos e indivíduos, até mesmo do exterior levantavam-se contra ele,

resultando em sua manifestação para manter a confiança e a tranquilidade de seu curto governo.

No mesmo dia em Assembleia Legislativa no Rio Grande do Sul, Sereno Chaise líder

do PTB na época, conta que acreditavam que a renúncia de Jânio Quadros seria um golpe,

causado pelas forças reacionárias. Diante a notícia de que Jango foi impedido de assumir a

presidência, criou-se uma unidade entre os partidos, principalmente entre PTB e PRP, que

meses antes haviam rompido, mas que estavam em posição de defender a Constituição. Retrata

também as delegações parlamentares de outros estados, que a campanha foi ouvida, como no

Ceará, Pará, Amazonas e Goiás.

Segundo Chaise, haviam duas crises, uma econômica pois a inflação estava alta, e outra

política com a implementação do parlamentarismo, mas segundo ele Jango aceitou pois devia

pacificar o povo brasileiro.

Brizola na manhã de 25 de agosto, soube da renúncia e do movimento militar que

formava-se para que não ocorresse a posse de João Goulart à presidência, Sendo assim, Brizola,

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governador do Rio Grande do Sul e cunhado do vice-presidente, criou a Campanha da

Legalidade, com os aparatos da Rádio Guaíba. O Correio do Povo aborda o depoimento de

Celso Costa, que na época, e atualmente, trabalhava na rádio, e que ajudou a equipar os porões

do Palácio do Piratini, para divulgar o discurso do governador pelo estado, e até para outros

países pela frequência FM. Trazendo também os grandes nomes que deram voz para a

Campanha da Legalidade como o Lauro Hagemann, Ênio Lantieri, Naldo Freitas Gonçalvez

Junior e Petrôneo Cabral, radialistas e jornalistas da época.

O Correio do Povo faz uma análise do discurso do governador, que fez na rádio dos

porões do Piratini, o qual fazia com muito apelo emocional e pedia para que o povo mobiliza-

se a favor da constituição e posse de João Goulart, e também para que não calassem a

Campanha, pelas forças militares que queriam intervir nesta. Há o depoimento de Antônio de

Pádua Ferreira da Silva, que acompanhou o movimento de adesão do exército estadual para a

campanha. A ordem do general Odílio Denis era de calar o governador do estado, mas o general

do III Exército, José Machado Lopes, uniu-se a Brizola evitando uma guerra civil.

Partindo para um jornal local a “Folha de São Borja”, encontramos uma matéria que

data do dia 27 de agosto de 2011, o título da matéria é “São Borja lembra os 50 anos da

campanha da legalidade”. A matéria é dividida em quatro momentos, o primeiro momento

narrar as atividades que ocorreram na cidade de são borja durante a “Semana da Legalidade”,

um evento realizado pela Câmara de vereadores; o segundo momento é uma breve retomada

histórica sobre a campanha da legalidade; já no terceiro momento é sobre a chegada do

presidente João Goulart a capital do país; e o quarto e último momento, uma transcrição do

discurso do governador Leonel Brizola. Em nenhum momento o Jornal expõe sua opinião

explícita acerca do tema.

A câmara de vereadores promove uma semana da legalidade realizada nos dias 19 á 25

de agosto 2011, com o intuito de relembrar esse importante fato histórico ao qual a cidade tem

estreita ligação com os personagens principais (João Goulart e Leonel Brizola). Durante esses

dias foram realizados atividades de reflexão, debate e comemoração da campanha da legalidade,

a folha de São Borja lista tais atividades, foram elas: lançamento do livro “Vozes da legalidade”

de autoria de Juremir Machado; Inauguração do hall de entrado do plenário denominado

“Espaço legalidade 50 anos – Um levante pela democracia”; Realização do encontro memória

da legalidade em são Borja; Debate rádio da legalidade com vários comunicadores; Sessão

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solene do aniversário de morte de Getúlio Vargas; Palestras com Olides Canton e Vargas Souto;

Inauguração de Leonel Brizola na Praça XV de novembro; Encerramento de concurso de

redação; e a palestra com jornalista Carlos Bastos. Sem entrar nos detalhes das atividades.

Os dois momentos seguintes da matérias, respectivamente, “Movimento da Legalidade”

e “Posse de Jango” narram os principais acontecimentos e datas da campanha da legalidade,

sem muitos detalhes ou opinião do redator. O terceiro momento “Discurso de Brizola” é uma

citação direta do discurso do governador realizado no dia 27 de agosto de 1961.

A matéria é finalizada com o hino da legalidade escrito por Lara de Lemos, Demóstenes

Gonsalez e Paulo César Pereio:

“Avante Brasileiros de pé

Unidos pela liberdade

Marchemos todos juntos com a bandeira

Que prega a lealdade

Protesta contra o Tirano

Se recusa a traição

Que um povo só é bem grande

Se for livre sua nação”

Ambos os jornais nos demonstram a preocupação em relembrar esse fato histórico que

antecedeu o que depois ficaria conhecido como ditadura militar. Um dos períodos mais

sangrentos e obscuro da história do Brasil. Tais jornais ressalta a importância que teve o estado

do Rio Grande do Sul na luta para manter os direitos democráticos e fazer valer a constituição

e o voto popular.

CONCLUSÕES

Objetivo deste trabalho foi o de buscar documentos que nos desse um panorama de

como foi trabalhado e articulado a Campanha da Legalidade no município de São Borja, devido

a estreita relação da cidade com um dos principais atores de tal acontecimento, o então

presidente João Goulart, nascido neste município. Não foi possível encontrar documentos do

período da campanha da legalidade, logo tivemos que mudar o objetivo inicial.

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Nota-se a indisponibilidade de fontes quanto a época do movimento da legalidade,

principalmente no município, o qual é o campo de pesquisa. Pode-se ter outras conclusões e

visões da campanha, mas estas necessitam de outros objetos de pesquisa, como fontes orais e

documentos oficiais.

Mas diante os objetos analisados, conclui-se a visão histórica e a significância desse

movimento democrático para o povo gaúcho, que levou milhares de sul-rio-grandenses a

lutarem pelo direito da posse de João Goulart à presidência da República.

REFERÊNCIAS

CORREIO DO POVO. Edição de 25 de agosto de 2011. Acervo Museu João Goulart.

FOLHA DE SÃO BORJA. Edição de 27 de agosto de 2011. Acervo Museu João Goulart.

FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. - 2ª ed. - Butantã: Edusp, 2012.

FELIZARDO, Joaquim. A Legalidade: Último levante gaúcho. - 4ª ed. - Porto Alegre: UFRGS

Editora, 2003.

FERREIRA, Marieta de Moraes. João Goulart: Entre a memória e a história. - 1ª ed. - Rio de

Janeiro: FGV Editora, 2006.

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CEMITÉRIO JARDIM DA PAZ COMO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, CULTURAL,

MATERIAL E IMATERIAL

Andressa Martini9

Daniel Lemos10

Silvana Muniz11

Rozane Mazzuco12

Edson Romário Monteiro Paniágua13

RESUMO: O presente relato de experiência, parte da disciplina de “Pratica Docente IV”

ministrada no 4º Semestre do Curso de Ciências Humanas – Licenciatura – “Educação e

Patrimônio”, pelo professor Edson Romário Monteiro Paniagua, tendo como objeto patrimonial

de análise, o Cemitério Jardim da Paz da cidade de São Borja. As dimensões do trabalho

envolveu a pesquisa documental e de campo, que além do seu caráter acadêmico, o material

produzido possibilitou elementos que se refletiram em material didático e a transposição

didática com a realização de um plano de aula.

Palavras-Chave: Cemitério, patrimônio, arquitetura, cultura.

INTRODUÇÃO

O lugar de repouso dos mortos modificou-se significativamente no decorrer dos tempos

e, como resultado, os cemitérios assumiram um papel importante nas paisagens citadinas.

1Graduada em Serviço Social pela Universidade Anhanguera- Uniderp, especialista em saúde mental e

atendimento Psicossocial pela Faculdade de São Fidelis-RJ, Graduanda em Ciências humanas pela Universidade

Federal do pampa- Unipampa,Campus São Borja-RS. E-mail: [email protected] 10Graduando em Ciências Humanas-Licenciatura pela Universidade Federal do Pampa- Unipampa, Campus São

Borja-RS. E-mail: [email protected] 11Graduanda em Ciências Humanas-Licenciatura pela Universidade Federal do Pampa- Unipampa, Campus São

Borja-RS. E-mail: [email protected] 12 Graduanda em Ciências Humanas-Licenciatura pela Universidade Federal do Pampa- Unipampa, Campus São

Borja-RS. E-mail: [email protected] 13 Doutor em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos -UNISINOS, Mestrado em História pela

Universidade do Vale do Rio dos Sinos -UNISINOS, graduado em História pela Universidade da Região da

Campanha- URCAMP . Orientador na elaboração do presente Relato de Experiencia. E-mail: [email protected]

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Segundo (Nogueira, 2013), no início do século XIX, as inumações (Este conceito será

abordado posteriormente) aconteciam, em sua maioria, nos interiores das igrejas, migrando,

tempos depois, para cemitérios contíguos a esses espaços, considerados sagrados. Tais

costumes persistiram até meados deste século XIX, quando aqueles que cuidavam da

salubridade das cidades passaram a anunciar que aqueles corpos em decomposição liberavam

gases “os miasmas”, nocivos à saúde do homem, e por isso, o afastamento dos mortos seria

necessário, buscando, entre outras ações, minimizar o estado deplorável das cidades desta

época.

A convivência entre mortos e vivos dava os primeiros passos para sua separação,

consumando-se, anos mais tarde, com os longínquos espaços murados, com portões e horários

definidos para abrir e fechar, onde passariam a ser depositados os mortos da cidade, inclusive

trasladando aqueles que já haviam sido inumados nos templos, salvo casos especiais.

Em esclarecimento (Nogueira, 2013) relata que o Cristianismo definiu no século I, (D.C)

o sepultamento como recomendação preferencial para as ocasiões de morte, visto que este ato

confiaria o cadáver à terra, ratificando a morte como um período de repouso daquele que

aguarda o despertar na ressurreição. O próprio nome adotado para estes locais de inumação,

cemitério tem origem do grego koimetérion e do latim coemiteriu tendo como significado

dormitório, lugar de repouso. Conforme MOTTA:

Nos cemitérios, distantes de suas casas e igrejas, de suas paróquias, a céu aberto, os

mortos encontrariam abrigos nos túmulos. Por isso, muitos deles reproduziram

cenários de igrejas e de capelas, em escalas reduzidas, enquanto outros, com

morfologias laicizadas, assemelhavam-se às residências de seus proprietários. Mas

àquela altura não se tratava apenas de assegurar ao morto um lugar no céu, mas

garantir também um lugar na terra, sob a proteção de uma coberta, aos cuidados da

família, para lhe proteger das intempéries, e também resguardar a imagem da

conservação do corpo. (MOTTA, 2010, p. 56).

Para (Castro,2008), existem várias formas de se ver uma cidade e uma destas é por meio

do que nelas se preserva. Atualmente são encontrados cemitérios que aparecem como

referências para uma dada coletividade por diferentes valores que podem ser, por exemplo,

históricos, artísticos ou religiosos a este são incorporados valores que não se ligam somente ao

fato deste lugar guardar os corpos sem vida. Creditam-se valores religiosos, sociais,

arquitetônicos, históricos ou artísticos, ambientais ligados, geralmente, a uma determinada

forma de representar as cidades e a memória coletiva.

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A necessidade de “esconder” os corpos embaixo da terra, ou mesmo de pedras, tinha um

sentido diferente do atual. Os corpos em putrefação atraíam animais. Sendo assim, essa era uma

maneira de se proteger dos predadores.

O costume de velar os corpos tem outra origem. É provável que esse ritual tenha surgido

na Idade Média, O nome “velório” surgiu das velas. O fato é que, sem luz elétrica na época, as

pessoas passavam as noites segurando velas enquanto vigiavam o falecido. Daí a expressão

“velar” o corpo.

O sepultamento não é necessariamente uma questão de saúde pública. Ao contrário do

que imagina o senso comum, a Organização Mundial da Saúde (OMS), prescreve a inumação

obrigatória apenas de cadáveres portadores de alguma doença infecciosa. Os sepultamentos

dentro de igrejas eram muito comuns na Europa até que, no século XIV, mas a peste negra

dizimou milhões de pessoas, fazendo com que não fosse possível comportar tantos corpos.

Assim, os enterros14 foram instituídos.

No Brasil, os sepultamentos em igrejas existiram até a década de 20, no séc. XIX,

quando foram construídos os primeiros cemitérios. Antes disso, apenas escravos e indigentes

eram enterrados, enquanto os homens livres eram sepultados nas igrejas. Devido a esse

costume, era possível “medir” o tamanho de uma cidade pela quantidade de igrejas que ela

possuía.

Por fim destaca-se que há a necessidade de conhecimento histórico sobre os cemitérios,

uma vez que estes ofertam uma gama de características fundamentais capazes de descrever a

realidade cultura, e fatos de uma população, sendo a sua abordagem em sala de aula um quesito

de suma importância.

METODOLOGIA

Na realização do presente trabalho buscou-se inicialmente uma bibliografia básica sobre

o tema para compreensão teórica e após foram realizadas visitas objetivas nos cemitérios de

São Borja-RS, com a finalidade de captação de informações que reforçassem as bases teóricas

já recebidas anteriormente.

14 Ocorre a diferenciação entre enterro e sepultamento, no primeiro caso, o cadáver é enterrado em uma cova ou

colocado em uma espécie de gaveta, já no segundo caso, ele é sepultado e colocado em uma sepultura. Existe uma

diferença entre enterro e sepultamento, no primeiro caso, o cadáver é enterrado em uma cova ou colocado em

uma espécie de gaveta, já no segundo caso, ele é sepultado e colocado em uma sepultura.

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O presente relato utilizou recurso de visitas a campo para aprimorar e reforçar sua

pesquisa pautando-se no parâmetro Curricular Nacional de 1999, onde destaca que o

aprendizado que tem seu ponto de partida no universo vivencial comum entre os alunos e os

professores, que investiga ativamente o meio natural ou social real, ou que faz uso do

conhecimento prático de especialistas e outros profissionais, desenvolve com vantagem o

aprendizado significativo, criando condições para um diálogo efetivo, de caráter

interdisciplinar, em oposição ao discurso abstrato do saber, prerrogativa do professor. Além

disso, aproxima a escola do mundo real, entrando em contato com a realidade natural, social,

cultural e produtiva, em visitas de campo, entrevistas, visitas industriais, excursões ambientais.

Tal sistema de aprendizado também atribui sentido imediato ao conhecimento, fundamentando

sua subsequente ampliação de caráter abstrato.

RESULTADO E DISCUSSÃO

Os cemitérios como patrimônio vão além da visão material é necessário um olhar

diferente para compreender que através desses “emaranhados” de concreto e mármores, que

existe histórias e memórias pois:

Túmulos podem ser entendidos como a materialização da casa, passando a ser um

espaço, uma construção mergulhada em identidade na visão das gerações que

sucedem àquele que ali está. Todos esses simbolismos farão da necrópole uma cidade

dos vivos (RODRIGUES, 1997).

As artes concretas ali impostas demonstram mais que apreço pelo ente falecido, elas

são capazes de destacar traços primordiais de uma história, de um culto, de uma religião, uma

crença, tornando-o assim um patrimônio público a céu aberto, capaz de abranger as mais

variadas formas patrimoniais, seja elas, material, imaterial, histórica e cultural de uma

população.

Como resultado o presente trabalho trouxe a comprovação das fontes históricas de que os

cemitérios são capazes de oferecer o conhecimento e traçar histórias pela sua característica,

bem como a discussão sobre a visão cultural e negativa sobre estes locais pelas comunidades.

Em pauta a problematizarão do não uso deste recuso como fato histórico e a não

explanação em sala de aula dos educandários da rede fundamental de ensino do município de

São Borja-RS, e a precariedade na manutenção e limpeza destes espaços pelo governo

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municipal, atuando como fatores de distanciamento entre a cultura, socialização, educação e

preservação de bens e patrimônios históricos.

Já em 1834, o vereador Marcelino Lopes Falcão, colocou na pauta de sessão ordinária

do dia 08 de outubro a necessidade de construção dos cemitérios fora dos recintos dos

templos, justificando sua proposta em virtude da convivência tão próxima, portanto

insalubre, entre os habitantes da vila e os mortos ali sepultados. Na mesma sessão

Falcão propôs a demarcação e identificação com uma cruz de madeira em um terreno

pretendido para a edificação do cemitério (CASSAFUZ, 2005).

O cemitério Jardim Da Paz, (Cassafuz 2005), iniciou suas obras em 1867, sendo utilizados

tronqueiras e varões, num período breve de quatro meses, pois era urgente a necessidade de sua

construção. Em 1871 sua estrutura foi melhorada com a criação de uma capela e de muros de

proteção, mas somente regulamentado no ano de 1879.

O cemitério Jardim Da Paz está localizado na rua Engenheiro Manoel Luis Fagundes e

destaca-se pelo sepultamento de líderes políticos do Brasil, o Ex-presidente João Goulart, e o

Ex-governador do Rio Grande do Sul Leonel de Moura Brizola.

Neste Cemitério, seis túmulos estão tombados como patrimônio histórico do município,

sendo: o jazigo da família Vargas, onde se encontram os restos mortais de Serafim Dorneles

Vargas; jazigo da família Goulart, com os restos mortais de João Goulart e Leonel de Moura

Brizola; Jazigo de Aparício Silva Rillo, Jazigo do Barão de São Lucas e jazigo da Família Lima.

Além desses jazigos, deproceres da história política do Brasil, temos o Tumulo do Anjinho,

sem identificação dos proprietários.

Esses túmulos foram tombados na administração municipal de 2005 a 2008, quando

também foi construída a alameda dos presidentes, ressaltando que os restos mortais de Getulio

Vargas foram transferidos no ano de 2004 em decorrência dos efemérides dos 50 anos de sua

morte, localizando-se atualmente no mausoléu na praça XV de novembro. Estes são os jazigos

com destaque político e social, entretanto vamos encontrar outros como o tumulo do anjinho de

caráter popular.

TUMULO DO ANJINHO.

Na quadra 1(um), à direita de quem entra no cemitério Jardim da Paz, se encontra o Túmulo

do Anjinho um importante ponto de turismo religioso de São Borja. Sua criação é misteriosa

abriga os restos mortais de um recém-nascido, sepultado ás escondidas e sem identificação do

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ano: 1922. A sepultura não tem cruz nem dono, apenas a imagem de um anjinho esculpido em

gesso e com traços da arte barroca.

Ninguém nunca afirmou ter testemunhado a construção do túmulo nem o enterro da criança.

A crença popular diz que apareceu da noite para o dia e sem registro algum. Em torno disso foi

registrada pelo menos duas versões sobre o túmulo.

A primeira, e mais tradicional, é de que a criança ali enterrada pertencia a uma família

influente e socialmente conhecida em São Borja. A gravidez era indesejada, e ao nascer o avô

materno da criança teria matado o neto, pois ele não era fruto de um casamento convencional.

O avô já teria o túmulo pronto e esperava a criança nascer para sacrificá-la e enterrá-la no meio

da noite, sem que ninguém percebesse, por isso a falta de nome e data completa. A outra versão

é de que desconhecidos teriam encontrado um recém-nascido no lixo e, compadecidos, fizeram

um túmulo para enterrar a criança, para não serem acusados, ninguém viu o sepultamento e

assim não há identificação.

Pertencente a cultura popular samborjense, desde os anos 20, o túmulo passou a ser local

de devoção. Nunca falta chupetas, mamadeiras, roupas infantis e brinquedos trazidos por mães

que pedem e agradecem ao “Anjinho” pela saúde e proteção dos filhos.

CEMITÉRIO PARAGUAIO.

Outro fator importante que ainda pertence a história cemitérios como patrimônio

histórico, cultural, material e imaterial de São Borja e Detalhado pelo Portal das Missões é o

Cemitério paraguaio15. Onde no local, há uma cruz e um pórtico lembrando a batalha e os

mortos no combate, toda a região serviu de palco para batalhas contra os paraguaios

comandados por Solano López, que invadiu o Brasil por São Borja, em 10 de junho de 1865,

buscando estender a fronteira do Paraguai até o oceano Atlântico. Expulsos posteriormente

pelo exército brasileiro, hoje representado no Município pelo 2º Regimento de Cavalaria

Mecanizada João Manoel, local onde há um espaço cultural, com toda a história e matérias

dessa batalha.

15 Diante das percas históricas, não é possível um maior aprofundamento sobre o Cemitério Paraguaio, uma vez

que recursos documentais não se encontram presentes ou de fácil acesso a comunidade sendo necessário buscar

por recursos externos aos oficiais o que delimita a veracidade das informações, sendo apenas explanado

superficialmente devido à ausência de recursos teóricos.

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PATRIMÔNIO E AS PERCAS HISTÓRICAS.

Além do patrimônio histórico que representa o cemitério Jardim da Paz, em São Borja

há outro cemitério que abriga em sua maioria combatentes, militares e demais membros da

comunidade, cemitério este que está localizado na rua Monsenhor Patrício Petit Jean, no bairro

do Passo, com o nome de Nossa Senhora Da Conceição, que conta suas histórias sobre a guerra

paraguaia, e a arquitetura através de jazigos e capelas antecessoras as encontradas no cemitério

jardim da paz da mesma cidade.

Como não é pertencente da rota turística local, sua preservação ser tornou algo pouco

trabalhada, a segurança e limpeza local acabam por barrar uma aproximação que seria de suma

importância assim dificultando sua consolidação como matéria concreta de aprendizado e

aproximação popular.

Relata (Cassafuz 2005), que a perda histórica inicia-se pelo extravio documental da criação

do local e se estende pela falta de manutenção da estrutura, para se trabalhar com datações é

necessário buscar aproximações relativas, uma vez que a data de fundação do Cemitério Nossa

Senhora Da Conceição, também não é conhecida, dada por historiadores locais, sua provável

fundação em 1860 a 1865.

Atualmente o cemitério não possui mais muros de segurança, os túmulos que guardam

restos mortais de soldados e das mais altas patentes do exército Brasileiro da época de 1900,

não possuem um resguardo, onde a limpeza arbórea local também passa por problemas. Um

fator que talvez justifique tal descaso é o fato de este local, não estar presente na rota turística

local, porém não minimiza a responsabilidade pública em preservá-lo.

Transformar o cemitério em um elemento de serviço da sociedade além daquele já

intrínseco à sua existência, da cultura e da promoção turística, implicará na recuperação de sua

importância social como espaço de encontro e convívio, prestando-se tanto à educação pública

quanto a investigações etnológicas, econômicas, sociais, artísticas, entre outras.

Indiscutivelmente podemos citar como fonte de grande aprendizado a pesquisa relativa a

história cultura, e aos aspectos matérias e imateriais, que se encontram envolvidos em

cemitérios, sua riqueza tanto estrutural como lendária é capaz de trazer momentos importantes

da sociedade ali identificada.

CEMITERIOS COMO EDUCAÇÃO PATRIMONIAL

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Apesar de este termo estar mais visível na última década, a questão patrimonial ainda

perpassa por questões difíceis, onde a clareza de sua suma importância, não é explanada de

forma abrangente por consequência o desconhecimento carrega consigo a negatividade. Negar

as mudanças é algo relativo do ser humano as transformações em suas mais diversificadas vezes

não são aceitas de forma harmônica e para tanto é necessário trabalhar este assunto em

sociedade.

Parra (Carrasco, 2009), o patrimônio cultural é uma fonte inesgotável para as ações que

visem o desenvolvimento da pesquisa, da educação e da economia de uma cidade ou região. A

economia, neste caso, está relacionada à identificação e ao aproveitamento das potencialidades

turísticas de determinada localidade com vistas ao turismo cultural. Assim, é necessário ter uma

noção de cultura e a de patrimônio para o entendimento da abrangência do conceito de

patrimônio cultural.

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e

imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à

identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade

brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar,

fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras,

objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações

artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,

artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.(BRASIL, 2005, p. 230)

Além de toda simbologia carregada através de crenças, (Carrasco,2009) destaca que os

cemitérios, como patrimônio cultural, carregam valores que estão diretamente ligados aos bens

materiais e aos bens imateriais. Três importantes valores patrimoniais podem estar relacionados

aos bens materiais. São aqueles de caráter ambiental/urbano, de caráter artístico e de caráter

histórico. O valor de caráter ambiental/urbano está relacionado aos espaços destinados aos

cemitérios que, muitas vezes, estão inseridos nos núcleos históricos das cidades e representam

espaços abertos que preservam suas áreas verdes. O valor artístico desses espaços está

relacionado aos artefatos integrados à arquitetura tumular com função ornamental, pela sua

riqueza de elaboração, especialmente, em ferro fundido e forjado, bem como ao mobiliário

urbano e às obras de arte de artistas renomados ou não. Quanto ao valor histórico, considera-se

que é nesses espaços que repousam os restos mortais de pessoas, ilustres ou não, que

contribuíram de alguma forma para a história da humanidade. São espaços de memória, onde

as lápides registram dados importantes para a história – datas, nomes e epitáfios.

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O cemitério é um ponto turístico consolidado nos mais diferentes países do mundo”.

Os cemitérios atraem visitantes de toda parte interessados em conhecer túmulos de

personalidades das diferentes áreas do conhecimento, apreciar obras de arte que

ornamentam os túmulos ou simplesmente desfrutar de momentos de paz e

tranqüilidade nos jardins arborizados característicos desses locais. (OSMAN E

RIBEIRO, 2007, p. 3).

CONCLUSÕES

Diante de uma sociedade em movimento continuo e de formação capitalista a

preservação histórica e cultural não se transforma em debate central uma vez que sociedade não

percebe o espaço cemiterial como espaço para qualquer tipo de lazer ou uso que não seja aquele

intrínseco à sua existência, assim apenas o associando à morte e sentimentos lúgubres e

desgostosos. Nestes casos, os cemitérios não são reconhecidos como espaços produtores de uma

cultura, pois configuram lembranças de perdas e destruições. Esse imaginário é, em grande

parte, responsável pela insipiência de um povo que tem arraigado em sua existência uma

considerável carga religiosa e entende culturalmente o cemitério como local sagrado devido à

sua estrutura e função. Entretanto, muito se tem produzido especialmente no meio acadêmico,

sobre as potencialidades dos espaços cemiteriais brasileiros. Em grande parte, se destaca os

cemitérios como símbolos patrimoniais com seus acervos e as influências de suas composições.

Propõem-se reflexões críticas sobre a importância dos cemitérios para as historiografias

locais, sobre as políticas públicas e ações de preservação das coleções funerárias e

especialmente a questão da valorização do espaço em solo nacional, entre outras questões.

Por fim concluímos que através deste relato seja possível descrever e interpretar uma

parte da história samborjense, através dos cemitérios, uma vez que tal assunto ainda não

repercute na sociedade, devido ao enraizamento conservador sobre uma visão distorcida da

realidade de patrimônio histórico, cultural, material e imaterial. É necessário demonstrar a

importância, assim como propor a conservação. Torna-se primordial uma educação patrimonial

que vise à explanação do assunto e proporcione maior compreensão sobre o termo “tombar

como público”, reproduzindo a visão correta e minimizando o senso comum de que aquilo que

é tombado não gera lucro e não produz nada.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio, In: Conhecimento de

Química. Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias – Parte III. Brasília, 1999.

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OS MISSIONEIROS: ARTE, PATRIMÔNIO E (RE)CONSTRUÇÃO DE UMA

IDENTIDADE REGIONAL

Rodrigo Miguel de Souza16

RESUMO: O presente trabalho apresenta o tema das construções identitárias, enfocando a

identidade missioneira, constituída na região noroeste do Rio Grande do Sul. O trabalho tem

como objetivo retomar o percurso social e histórico de formação desta identidade regional,

compreendendo suas relações com temas como patrimônio, arte e discurso, dialogando

constantemente com as teorias das ciências sociais sobre o tema. Para tanto, recorremos a

revisão bibliográfica sobre o tema, pesquisa sobre parte da produção artística que remete a esta

identidade, bem como a visitações etnográficas a alguns locais de memória que demarcam as

negociações entre identidade e patrimônio. As dinâmicas sociais sob as quais a identidade

missioneira é formada na década de 70, denotam a urgência da ressignificação seletiva do

passado frente a um presente de crise econômica, e a um futuro incerto. O passado torna-se

então não somente um ente estático, mas uma fonte de renovação das possibilidades de encarar

o porvir.

Palavras-Chaves: Identidade; Missioneirismo; Missões Jesuíticas; Patrimônio.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende apresentar a forma como a história das missões, foi

regatada e revivida pelos sujeitos sociais locais, transformando-se em um discurso identitário.

Procuraremos ressaltar a forma de constituição desse discurso, que parte da marginalidade à

patrimonialização oficial, as nuances de costumes, tradições e valores contidos no mesmo.

Em sua obra “O Poder Simbólico”, o sociólogo Pierre Bourdieu reflete sobre a forma

como a história é assumida pelos sujeitos sociais, que a incorporam, apropriando-se de

16 Bacharel e licenciado em Sociologia (Unijuí/2010); Mestre em Educação nas Ciências (Unijuí/2013). Professor

de Sociologia na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões; São Luiz Gonzaga, Rio Grande

do Sul; [email protected]

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determinados aspectos da história coletiva buscam constituir uma narrativa social coerente de

acordo com seus valores e trajetória.

A história no sentido do res gatae constitui a história feita coisa a qual é levada,

“actuada”, reactivada pela história feita corpo e que não só actua como traz de volta

aquilo que a leva. [...] Do mesmo modo que o escrito só escapa ao estado de letra

morta pelo acto da leitura o qual supõe uma atitude e uma aptidão para ler e para

decifrar o sentido nele inscrito, também a história objectivada, instituída, só se

transforma em acção histórica, isto é, em história “actuada” e atuante, se for assumida

por agentes cuja história e isso os predispõe e que, pelos seus investimentos anteriores,

são dados a interessar-se pelo seu funcionamento e dotados das aptidões necessárias

para a pôr a funcionar. (BOURDIEU, 2011, p. 83)

Os atores sociais estariam de certa forma predispostos a apropriar-se de aspectos da

historicidade como uma espécie de legado assumido, reelaborando-a constantemente de acordo

com suas aspirações. A ideia ressaltada por Bourdieu é a da predisposição, que supõe haverem

condicionantes sociais capazes de preparar os indivíduos a assumirem a historicidade,

transformando-a em parte dos fatores a serem considerados na orientação das identidades.

Porém, a tematização do passado está sempre ligada às expectativas futuras, ao porvir.

O passado é tematizado no presente e reinterpretado. O presente não é um mero

receptáculo do passado. Cada presente estabelece uma relação particular entre passado

e futuro, isto é, atribui um sentido ao desdobramento da história, faz uma

representação de si em relação às suas alteridades – o passado e o futuro. (POMMER,

2009, p. 27)

Bourdieu (2011), recorrendo a Marx refere-se à historicidade como uma herança, sendo

que na relação herança/herdeiro um apropria-se do outro. Em uma perspectiva coerciva,

podemos entender que o herdeiro ao assumir a herança passa a agir de acordo com as

expectativas sociais relacionadas à posição que ocupa. Mas é preciso ressaltar que, se a

constituição das identidades reelabora a história, esta reelaboração também se dá dentro de um

determinado conjunto de condições sócio-históricas, de um campo social.

Desta forma, para melhor compreender a identidade missioneira é preciso contextualizá-

la frente ao momento social em que seu surgimento está inserido, partindo do fato para o

entorno, da identidade e suas significações para suas relações estabelecidas, compreendendo-a

de forma dialética e não como um fenômeno fechado em si, autosignificante. O objetivo deste

trabalho, portanto, é demonstrar o percurso histórico de formação desta identidade regional,

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compreendendo suas relações com temas como patrimônio, arte e discurso, dialogando

constantemente com as teorias das ciências sociais sobre o tema.

MISSIONEIRISMO E TRADICIONALISMO: DEMARCANDO AS FRONTEIRAS DA

IDENTIDADE

Hobsbawm e Ranger (1997) afirma que uma das situações típicas de invenção de

tradições é quando uma transformação rápida da sociedade debilita ou destrói padrões para os

quais as velhas tradições foram feitas. Esta é a situação da invenção do tradicionalismo gaúcho,

e ainda que este tenha se instalado antes do missioneirismo, ambos aparecem em momentos de

transformações sociais e buscam afirmar um elo de continuidade com o passado. O

tradicionalismo gaúcho, organizado por Paixão Côrtes a partir de 1947, aparece em um

momento de intensa urbanização do Brasil, que desde a década de 1930 já vinha perdendo sua

vocação agrária. Também são determinantes para a criação de um clima de mudança de padrões

o aprofundamento das relações com os EUA, que traz através da rádio novos referenciais

culturais, e as ações desenvolvidas pelo governo de Getúlio Vargas em 1937 como forma de

eliminar os regionalismos.

Após a queda de Getúlio, o governo adota uma postura menos centralizadora em relação

ao regionalismo, porém o descaso com os símbolos regionais como a bandeira do Rio Grande

do Sul e a desvalorização do modo de vida do campo fazem com que Paixão Côrtes e seus

companheiros busquem recriar o passado através do tradicionalismo. Podemos apontar como

ponto de convergência entre tradicionalismo e missioneirismo a ligação com um passado rural

agro-pastoril que funde em sua concepção o papel do peão e do patrão em torno das estâncias,

idealizando e valorizando a lida do campo, frente a uma sociedade em franco processo de

urbanização.

Esta identidade gaúcha, ideologicamente direcionada, assenta-se principalmente no

passado, tendo como referência principal a revolução farroupilha (ou guerra dos farrapos), que

opôs de 1835 a 1845, as tropas republicanas locais ao governo imperial brasileiro. A

reconstrução identitária dada no Rio Grande do Sul no início da segunda metade do século XX

revaloriza o gaúcho. O gaúcho, antes símbolo dos peões errantes, saqueadores sem terra, sem

rumo e sem ética, passa a ser identificado como o herói farroupilha, referência positiva e

antepassado comum do povo do estado, que passa a identificar-se como gaúcho. Neste processo,

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tem papel central o Movimento Tradicionalista Gaúcho, que age ativamente na reconstrução do

passado regional, cristalizando o mesmo na forma de tradições e regras rígidas que definem o

que significa “ser gaúcho”.

Hobsbawm reflete sobre a ação dos movimentos tradicionalistas, afirmando que:

Tais movimentos, comuns entre os intelectuais desde a época romântica, nunca

poderão desenvolver, nem preservar um passado vivo (a não ser, talvez, criando

refúgios naturais humanos para aspectos isolados da vida arcaica); estão destinados a

se transformarem em “tradições inventadas”. Por outro lado, a força e a adaptabilidade

das tradições genuínas não deve ser confundida com a “invenção das tradições”. Não

é necessário recuperar nem inventar tradições quando os velhos usos ainda se

conservam. (HOBSBAWM, 1997, p. 16)

No tradicionalismo gaúcho, os Centros de Tradições Gaúchas aparecem como os

“refúgios naturais humanos” criados para preservar os aspectos do passado escolhidos como

dignos de serem preservados. Neste sentido o heroísmo de “nossas façanhas” e as diferenças

do gaúcho em relação ao restante do Brasil (herança da revolução Farroupilha), demarcam a

identidade, representada na forma de vestir, na fala e nos costumes.

Parte da comunidade da região das missões, porém não se sentia representada pelo

tradicionalismo gaúcho, optando por criar então uma representação própria, digna da ideia que

fazia acerca de seu passado e identidade.

O músico Pedro Ortaça relata em seu site:

Em meados de 1966 eu juntamente com Noel Guarani e Cenair Maicá nos reunimos

para tocar e cantar, e decidimos que iríamos criar um novo modo de cantar e tocar, a

maneira que as coisas do Rio Grande eram colocadas não nos satisfaziam não era a

maneira que queríamos como norte para nosso trabalho. Digo, nosso, por que

surgimos nesse contesto na mesma época e com os mesmos ideais.E juntamente com

o grande payador17 Jaime Caetano Braun que nos serviu de fonte e vertente para o

nosso trabalho. Fomos denominados pelo grande payador como “Os quatros troncos

da cultura missioneira”, pois conseguimos cada qual com seu estilo criar uma nova

identidade na cultura musical gaúcha. (ORTAÇA, 2013)

O período ditatorial foi marcado por uma forte institucionalização dos movimentos

culturais, cabe lembrar que em 1964, ano do golpe de Estado, a Semana Farroupilha foi

oficializada, passando a ser a principal data do calendário oficial do Rio Grande do Sul. Não

por coincidência, Ortaça marca o ano de 1966 como o início do missioneirismo, o mesmo ano

17Payador ou pajador é o artista que desenvolve a payada, ou pajada, arte oriunda da Espanha que mistura música

e poesia, onde o payador desenvolve seus versos de improviso acompanhado por um violão.

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de fundação do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), o que demonstra um caráter de

fronteira identitária e diferenciação entre o tradicionalismo e o missioneirismo. Esta

diferenciação aparece como fruto da marginalidade à que foi relegada a região das missões na

representação da formação do Rio Grande do Sul. Esta marginalidade, aliada à constante

depressão econômica, causa o distanciamento simbólico que justifica a ressignificação do

missioneirismo, constituindo a identidade como representação de uma luta simbólica.

De acordo com Bourdieu:

[...] se a região não existisse como espaço estigmatizado, como “província” definida

pela distância econômica e social (e não geográfica) em relação ao “centro”, quer

dizer, pela privação do capital (material e simbólico) que a capital concentra, não teria

que reivindicar a existência: é porque existe como unidade negativamente definida

pela dominação simbólica e econômica que alguns dos que nela participam podem ser

levados a lutar (e com probabilidades objectivas de sucesso e de ganho) para alterarem

a sua definição, para inverterem o sentido e o valor das características estigmatizadas,

e que a revolta contra a dominação em todos os seus aspectos – até mesmo econômicos

– assume a forma de reivindicação regionalista. (BOURDIEU, 2011, p. 126)

A reivindicação simbólica em causa demarca a região, e através dos contornos da

demarcação identitária define o que pertence ou não pertence à representação do grupo,

compondo assim a igualdade e a diferença. Woodward (2011, p. 13) expõe que identidade e

diferença são aspectos indissociáveis, pois “a identidade é, na verdade, relacional, e a diferença

é estabelecida por uma marcação simbólica relativamente a outras identidades”. Assim, quem

“é”, o é em relação a algo, ou seja, o que não somos define o que somos, pois as identidades

formam-se tanto em um movimento de afirmação interna quanto de negação externa, de modo

a definir seus contornos e limites.

Internamente o tradicionalismo gaúcho adota como tema central a Revolução

Farroupilha, externamente diferencia-se do restante do Brasil pela adoção e culto a tradições

em uma espécie de auto-apologia, tanto quanto pela própria valorização destas tradições como

o traçado de uma fronteira cultural. O relato de Ortaça, porém demonstra a opção consciente

pela criação de uma nova fronteira identitária, que apesar de reconhecer-se gaúcha, opta por

definir-se essencialmente missioneira. Na emblemática payada “Missioneiro”, Jayme Caetano

Braun (2002, p. 28) declara “Sou cria dos Sete Povos/ Nascido em São Luiz Gonzaga!/ Meu

orgulho de gaúcho/ É ser guasca e missioneiro”.

Para Ruben Oliven o gaúcho vê a questão do pertencimento de um modo diverso do

restante do país, onde o fato de ser brasileiro passa a ser:

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[...] uma opção, secundária ao pertencimento ao Rio Grande do Sul, de modo que a

nacionalidade passa pelo regionalismo: “O Rio Grande do Sul sempre foi uma região

muito especial, de fronteira, com uma relação muito particular com o Brasil.

Simultaneamente, o rio-grandense afirma pertencer ao Brasil, mas que o é por opção.

O Estado poderia ter sido parte do império espanhol, acabou fazendo parte do império

português, depois do Brasil, o que torna o gaúcho brasileiro por opção. Isso faz parte

do imaginário gaúcho. (OLIVEN, 2003, p. 2)

A identidade missioneira define-se então internamente tendo como tema central a

referência às reduções jesuíticas dos Sete Povos como momento fundamental, diferenciando-se

externamente das demais identidades através da afirmação de uma cultura própria, que tem

como base uma relação particular com a arte, o patrimônio e o território das missões.

A diferenciação entre o missioneiro e o gaúcho remete a uma ideia de representação da

fundação do Rio Grande do Sul que por muito tempo foi refletida nos estudos históricos, nestes

eram apresentadas diferentes visões que negavam ou afirmavam o lugar das missões na

formação do Rio Grande do Sul, sendo predominante a negação. Tau Golin (2011) retrata os

ataques dos intelectuais do início do século XX ao escritor e jornalista José Velloso Hermetério

da Silveira, justificados por este ter afirmado em artigo de 1909 que os indígenas e jesuítas

haviam sido os fundadores das missões, destoando, de acordo com o próprio Silveira (apud

GOLIN, 2011, p. 286) “da maior parte dos escritores, que, em 144 anos decorridos tinham

preconizado todas as medidas empregadas para a sua supressão e banimento”.

A discussão tomou maiores proporções quando, devido ao bicentenário da morte de

Sepé Tiarajú que ocorreria em 1956, o governo estadual consultou o Instituto Histórico e

Geográfico do Rio Grande do Sul (IHGRS) sobre a pertinência de erguer-se uma estátua em

homenagem ao mesmo. O parecer foi contrário, referindo-se ao fato de que pensar Sepé como

um brasileiro é inaceitável. No parecer, publicado no jornal Correio do Povo, de 26 de

novembro de 1955 constava que os missioneiros não poderiam ser encarados “como uma

expressão do sentimento, das tendências, dos interesses, da alma coletiva, enfim, do povo

gaúcho, que se estava formando ao signo da civilização portuguesa” (GOLIN, 2011, p. 288).

A identidade missioneira permaneceu então, por décadas, submetida a exclusão ou a

enquadrar-se como parte menor da identidade gaúcha, de forma marginal, oficialmente negada,

pois remetia a um castelhanismo que ia contra a noção de coesão identitária professada pelo

gauchismo. Tal castelhanismo, assim como a própria identidade missioneira, porém,

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permanecem incipientes até meados da década de 1970/80, quando passam a ser assumidos

abertamente após uma revalorização do passado.

Aos poucos, a aceitação da remanescência se deve aos historiadores e arqueólogos

que deflagaram a educação patrimonial, associados a outros profissionais, provocando

a grande virada na memória das Missões. A música contribuiu imensamente, em

especial quando artistas populares como Jayme Caetano Braun, Noel Guarany, Cenair

Maicá, Pedro Ortaça e o Grupo de Arte Nativa Os Angueras, entre outros, começaram

a se autodenominar publicamente como “missioneiros”. (GOLIN, 2011, p. 288)

A REVALORIZAÇÃO DO MISSIONEIRISMO

A revalorização do missioneirismo por parte dos artistas locais, iniciada na década de

1960 só toma maiores proporções em torno das décadas de 1970/80, quando a região e o Brasil

passam por uma crise econômica. A crise gerou os fatores definidores capazes de estimular uma

renegociação com o passado.

A década de 1970 representa um crescimento econômico da região através da opção

pelo binômio trigo/soja, que ano a ano tomavam áreas maiores de cultivo. Em São Luiz

Gonzaga, por exemplo, em 1971 foram colhidos 37.000 toneladas de soja, enquanto em 1968 a

colheita havia sido de 5.184 toneladas, a agricultura suplantava rapidamente a pecuária como

modo de uso da terra, com a produção fortalecida pelas tecnologias de maquinários e insumos

que aportaram com relativo atraso na região, em uma espécie de “revolução verde tardia”. O

bom momento econômico do início da década promoveu “modificações de comportamento não

apenas do setor primário, mas também na produção industrial e no setor terciário, com

alterações nas atividades comerciais e de prestação de serviços” (Pommer, 2009, p. 102). Estas

modificações alteraram a paisagem urbana, mobilizada em função de atender as necessidades

geradas pela expansão da atividade agrícola. Na região são difundidas concessionárias de

veículos, prédios são construídos, avenidas pavimentadas e etc..

Pommer (2009) afirma que era em torno dos nomes das grandes famílias que girava o

imaginário local, na década de 1970.

Os elementos, que, a partir da década de 1980 tornaram-se comuns nas representações

identitárias de São Luiz, como o passado reducional da cidade, não apareciam na

década de 1970. Isso porque as referências dominantes eram aquelas que diziam

respeito à produção agrícola que havia imprimido uma nova realidade vivida na

cidade. (POMMER, 2009, p. 105).

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A crise do capitalismo na década de 1980 causada pelo esgotamento de um ciclo de

acumulação de capital baseado no modelo econômico-industrial também atingiu fortemente a

economia brasileira, esgotando os recursos acumulados durante o “milagre econômico” do

início da década anterior. A alta dívida externa brasileira, aliada aos juros astronômicos e

à crise internacional do petróleo configurou um quadro de crise em todas as instâncias, inclusive

regionais. O Rio Grande do Sul teve seu crescimento expressivamente diminuído, tanto pela

crise quanto pela expansão da fronteira agrícola, que levou para outras regiões parte da força

agrícola e pecuária do estado.

A busca pela ressignificação da região teve diferentes histórias em cada município, mas

estas convergem no sentido de resgate da história local ligando a mesma às reduções jesuíticas.

Em São Luiz Gonzaga, por exemplo, o início do resgate se deu em 1979, ano da véspera do

centenário de emancipação do município, quando iniciaram os preparativos para a

comemoração da data, perfazendo um resgate idílico do passado.

A população, aos poucos, é levada a elaborar um conhecimento específico a respeito

da São Luiz Gonzaga Missioneira, cujas [...] raízes estão plantadas no espírito

generoso dos padres e dos índios que, no século XVII fundaram uma civilização da

qual São Luiz fez parte, os Sete Povos das Missões. (POMMER, 2009, p. 136)

Neste contexto, a ressignificação busca também revalorizar os monumentos locais que

remetem a esse tempo remoto. Pommer (2009, p. 137) explica que “já em 1979, existiam vários

monumentos, os quais, como “lugares de memória”, assumiam a função de reportar a

comunidade a elementos do passado que considerava importante destacar”. Porém, a

reafirmação da identidade promovida a partir de então, leva à criação de alguns novos

monumentos, como a estátua do Padre Miguel Fernandez, colocada na praça Matriz de São

Luiz Gonzaga. Ao pé da estátua há uma placa onde se lê: “Nesta figura simbólica de um jesuíta,

a comunidade reverencia à memória do fundador de São Luiz Gonzaga: Pe. Miguel Fernandez

(1687)”. A própria referência ao padre se deve a um processo de pesquisa histórica realizado

no final da década de 1970 pela historiadora Ana Olívia do Nascimento, presidente emérita do

Instituto Histórico e Geográfico de São Luiz Gonzaga.

O turismo também dialoga com esta identidade, apresentando-se como uma alternativa

de viabilidade econômica para a região, apresentando uma relação de reforço e justificação

mútua com a identidade. Durante a preparação das comemorações já citadas, foi solicitado à

Secretaria de Turismo do Estado o envio de técnicos a São Luiz Gonzaga, visando a criação de

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um roteiro turístico nas Missões, incluindo como sugestão: visita às Ruínas de São Miguel, ao

Santuário do Caaró, às Ruínas de São Lourenço, à Igreja Matriz de São Luiz Gonzaga, às Ruínas

de São Nicolau e outros pontos da própria São Luiz. Apesar de não ter tido sucesso, a iniciativa

foi o primeiro passo na direção do que futuramente seria a “Fundação Rota Missões18”, entidade

fundada em 2001, que reúne 27 municípios da região e que visa "unir e divulgar a região das

Missões em torno de objetivos comuns, através de ações pactuadas visando o desenvolvimento

sócio-econômico sustentável". A maior parte das atividades desenvolvidas pela Rota Missões

é ligada ao turismo regional.

Ao passo em que o produto turístico Missões define o que deve ou não ser

preservado e apresentado como representação comunitária, a própria comunidade apossa-se

deste produto, incorporando-o como referencial do que significa ser missioneiro, em uma

dialética mútua de transformação e legitimação. Em uma época de crise econômica e societal,

esse resgate não é simplesmente uma revisão do passado, mas uma ressignificação, uma forma

de buscar (ou mesmo de reconstruir) no passado exemplos capazes de fazer com que a ideia de

um futuro melhor possa ser construído.

Nessa busca pela revalorização da cultura local é que os artistas populares, como os

“Quatro Troncos Missioneiros”, passam a figurar no mapa cultural oficial da região, deixando

de ser apenas artistas de apelo popular, passando a representantes artísticos do missioneirismo,

e, integrando-se a partir de então do mapa cultural do produto turístico Missões. Ouvir estes

artistas que fazem da região missioneira o “chão” de seus versos, é de certa forma viajar pela

região, ou mais precisamente pela representação da região, pois remete a um passado idealizado

e reconstruído, que revivido no presente traz a sensação de intimidade, e mesmo curiosidade

com o cotidiano e a história das missões. Porém, ao passarem do papel de arte popular para o

de representações integradas ao imaginário do “produto missões”, servem também para

legitimar ou mascarar as desigualdades e diferenças internas à sociedade regional.

PATRIMÔNIO E IDENTIDADE NAS MISSÕES

18 Curiosamente a delimitação da região das missões definida pela entidade não apresenta o município de São

Borja como pertencente à região, o que demonstra tanto as características políticas da identificação quanto aponta

a interpretação para o fato de que São Borja representa tanto uma fronteira física com a Argentina, quanto uma

fronteira identitária com a campanha gaúcha, que representaria outro paradigma identitário, identificada por Muriel

Pinto (2012) como identidade missioneira-pampeana. Outra interpretação é dada em Pommer (2009), onde a autora

opta por não relacionar São Borja em seu estudo sobre a identidade missioneira, entendendo que a identidade são-

borjense, criada em face da globalização seria mais ligada à auto-identificação como “Terra dos Presidentes”.

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A identidade pessoal é sob um ponto de vista psicanalítico, fruto da incompletude do

ser, que busca constantemente uma certificação do seu “eu”, ancorando em referenciais

externos suas incertezas internas (GIDDENS, 2002; WOODWARD, 2011). Seguindo o mesmo

caminho, as identidades sociais são como uma forma de amplificação desta dualidade

incompletude/identificação. Ao identificar-se com o outro através da criação e recriação de

referenciais em comum, criam-se as coletividades e processos de identificação social. Mas

também as identidades sociais buscam conferir aos sujeitos a sensação de conforto e segurança,

dando aos mesmos a ideia de unidade, através da identificação psicossocial caracterizada por

Giddens (2002) como segurança ontológica, que seria a ordenação capaz de garantir a ideia de

uma trajetória pessoal coerente com a ideia que faz de si mesmo e da coletividade, ordenando

passado, presente e futuro. Neste processo de identificação e certificação, é conferido a objetos

concretos o papel de atestados da veracidade da coerência histórica, fundindo materialidade e

significado.

Para lidar com a fragmentação do presente, algumas comunidades buscam retornar a

um passado perdido, ordenado por lendas e paisagens, por histórias de eras de ouro,

antigas tradições, por fatos heróicos e destinos dramáticos localizados em terras

prometidas, cheias de paisagens e locais sagrados. (WOODWARD, 2011, p. 24)

A ideia de patrimônio surge então como forma de concretizar o passado no presente,

trazendo a identidade do plano das ideias para o plano físico, palpável, socializando significados

através das construções, de modo que ambos fundem-se, tornando os monumentos mais do que

meras obras de arquitetura ou de arte.

A imagem das ruínas da redução de São Miguel (fig. 1) é o grande símbolo

representativo das missões no imaginário social, compondo um cenário que por si remete à

historicidade. Esta historicidade não está contida apenas nas paredes e pedras que restaram da

igreja jesuítica, que representam, nas marcas que ostentam, a própria passagem do tempo, mas

também no imaginário que cerca tal conjunto arquitetônico.

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Figura 1 – Ruínas de São Miguel. Fonte: Acervo pessoal do autor.

É o estado semi-destruído da ruína que abre margem a imaginação dos momentos que

ali se passaram, da morte da redução e do seu renascimento como obra preservada, como

patrimônio. A ruína opera “como um monumento, a lembrar os termos de um contrato entre os

homens e seu passado, entre o transitório e o eterno, entre a luta da memória contra o

esquecimento” (PESAVENTO, 2007, p. 51).

As ruínas não dizem respeito apenas ao passado, elas dialogam com o atual, pois é no

tempo presente que se decide sobre sua preservação ou esquecimento. É este conjunto de

significados, que fazem a ligação entre o passado e o presente, reconfigurando o tempo,

conforme Sandra Pesavento:

[...] é possível dizer que a ruína é responsável por uma operação de reconfiguração

temporal, fazendo o passado emergir no presente por uma operação imaginária de

sentido. Ao presentificar uma ausência no tempo, dando-lhe um significado, a ruína

opera como representação do passado. A ruína não é só materialidade, é também

imagem, é presença de uma ausência, dando visibilidade a uma ideia e a uma

construção imaginária, por vezes muito distante do referente que se exibe. A

ruína exerce um fascínio, pela incompletude da forma e pela exibição da decadência,

criando a possibilidade de ver no resto corroído, o esplendor e apogeu da civilização

que teve, ali, lugar. (PESAVENTO, 2007, p. 55).

A própria deterioração das ruínas é um processo em andamento, por isso devem ser

preservadas, para que as mesmas possam continuar a existir em seu estado atual. Tal estado

acaba revestindo-se em um estado ideal, pois ao mesmo tempo em que preserva as marcas da

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passagem do tempo, mantém as características originais capazes de fazer com que seja

identificado como tal. Neste sentido, preservar o patrimônio é estancar a ação do tempo, o que

não implica, porém em garantir que a interpretação do passado seja também estática.

A ruína pode ser restaurada ou sofrer intervenções, mas, como ruína ela é sempre

atestado de uma ação humana ocorrida em outro tempo. As intervenções, portanto,

são desejadas no sentido de preservar o “estado de ruína”, que mostre a passagem do

tempo, pois é desta condição que elas nutrem o seu papel evocativo de despertar a

memória de um outro tempo, fora da experiência do vivido. (PESAVENTO, 2007, p.

60)

A decadência física de São Miguel já havia sido percebida por Saint-Hilaire em sua

passagem pela região no século XIX, o mesmo registra que:

A igreja, construída pelos jesuítas, é toda de pedra, e possui uma torre que servia de

campanário, mas, há vários anos um raio caindo sobre ela destruiu-o completamente.

João de Deus, um dos primeiros governadores desta província, pretendia fazer

reparação nesse edifício, tendo para isso reunido os materiais, dispendendo muito

dinheiro, mas tendo sido substituído, o sucessor não levou avante seus projetos. (apud

MEIRA, 2007, p. 82)

Porém, mais importante do que o registro de Saint-Hilaire sobre a decadência das

missões é seu registro sobre a iniciativa de recuperação do conjunto arquitetônico. Dando

seguimento ao relato, Saint-Hilaire afirma que “S. Miguel é a primeira aldeia onde vejo realizar

algumas reparações. Se desde o início tivessem cuidado disso, sempre que fosse necessário, em

todas elas, as aldeias não estariam em quase total destruição (...)” (MEIRA, 2007, p. 82). O

governador a quem o naturalista faz referência foi o Marechal João de Deus Menna Barreto,

que empreendeu tentativa de recuperação das missões, porém, sem sucesso.

Em 1922 São Miguel foi reconhecido como “lugar histórico”, tornando-se patrimônio

de domínio público a ser conservado pelo Estado devido a sua ligação com a história estadual.

Em 1937 o arquiteto Lucio Costa, empreendeu uma pesquisa nas missões a serviço do

recém criado SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico), resultando em um relatório

no qual recomendava que o órgão procedesse ao tombamento do antigo povo de São Miguel

como Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o que foi realizado em 1938. No mesmo

relatório também constam recomendações para a construção de um museu, onde seriam

guardadas as artes sacras remanescentes das reduções, tal recomendação foi seguida, resultando

no museu que tornou-se referência para o padrão a ser seguido nos museus regionais a partir de

então.

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Ainda antes da queda das reduções as obras eram expostas,tanto como uma

demonstração de fé, quanto de sucesso do empreendimento jesuíta, pois denotavam, assim

como a música e a própria economia desenvolvida nas reduções, a possibilidade de “civilizar”

os Guarani, em uma visão nitidamente eurocêntrica sobre a cultura indígena. Conforme Golin

(1997, p. 30): “no período da ocupação missioneira, lusos-espanhóis encantariam-se com os

músicos guaranis, formalmente convidados para apresentações nos banquetes dos

representantes monárquicos”.

O´Donnel e Rillo (2004) relatam que apesar de todos os saques realizados nas invasões

às missões, das depredações e mesmo do uso das obras sacras como lenha pelas tropas durante

as Guerras Guaraníticas, no início do século XX ainda havia um grande acervo de obras na

região. Muitas destas obras passaram a ser contrabandeadas para o Uruguai e Argentina, onde

eram valorizadas no mercado ilegal de arte.

Em 1983 as ruínas de São Miguel arcanjo são declaradas pela UNESCO Patrimônio da

Humanidade, lançando um novo olhar externo ao local e sobre a própria região das missões,

suscitando um aumento do potencial turístico, mas também revigorando o pertencimento dos

sujeitos locais à historicidade das missões. Tratando-se da época de revalorização das missões,

de construção da centralidade da identidade missioneira na região, a elevação do status das

ruínas de São Miguel faz com que as demais cidades da região também busquem seus

patrimônios jesuíticos.

Em São Nicolau, por exemplo, a redução, localizada na praça central da cidade,

encontra-se em ruínas, das quais restaram poucas paredes, hoje apoiadas por armações

metálicas. Assim como em São Miguel, a história do local é reconstruída com o auxílio de

placas, pedestais e sinalizadores, onde constam textos e gravuras que remetem à configuração

original do povoado. Há também um túnel, cuja entrada é vedada por motivos de segurança,

apontado como uma possível adega ou dispensa utilizada pelos jesuítas, porém, relatos

populares declaram tratar-se da entrada de um dos túneis que fariam a interligação entre os

povoados, parte dos mitos que cercam as reduções. Ao tratar deste mito, O´Donnel e Rillo

(2004) relatam que nestes túneis haveria tesouros e relíquias escondidas pelos missionários,

uma forma de resguardar os tesouros de possíveis invasores19.

19A antropologia cultural é rica em registros de relatos como esse, acerca de tesouros enterrados em locais onde as

comunidades têm forte ligação com o território, ou sofrem a ameaça de terem que abandonar tais locais. As

interpretações convergem no entendimento de que tais tesouros representariam a própria noção de identidade e

ancestralidade dos moradores, uma manifestação do inconsciente coletivo que teria como função relembrar

constantemente o valor do local e a importância de manter-se ligado ao “tesouro”: a ancestralidade do lugar.

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Em São Luiz Gonzaga, havia o colégio jesuíta remanescente da redução, conforme

relatos colhidos no Museu Municipal, o mesmo encontrava-se em perfeitas condições até a

década de 1930, quando foi demolido por ordem do governo de Getúlio Vargas, provavelmente

como parte da política de eliminação dos monumentos que remetessem ao regionalismo. Hoje

restam poucos pilares do colégio reducional em São Luiz Gonzaga. Os mesmos encontram-se

em uma pequena parte do pátio da atual biblioteca municipal.

Assim como em outras antigas reduções ao redor das quais cresceram cidades, a atual

praça central de São Luiz Gonzaga coincide com o local do antigo pátio da redução. Nesta

região central, é possível encontrar nos muros e paredes mais antigos, as pedras que restaram

da demolição dos prédios jesuíticos, resquícios de um período anterior à valorização do

patrimônio histórico.

A tendência à patrimonialização adotada pelos órgãos oficiais e comunidade em geral,

a busca pelos monumentos restantes, e a sua freqüente ausência, talvez possa explicar a recente

criação de novos monumentos em São Luiz Gonzaga, como a estátua em homenagem a Sepé

Tiarajú (Figura 02), inaugurada em 2007, inicialmente localizada no trevo da entrada principal

da cidade, atualmente postada em frente à Prefeitura Municipal.

Figura 02 – Estátua de Sepé Tiarajú. Fonte: Acervo pessoal do autor.

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A estátua de dois metros de altura, confeccionada em concreto pelo artista Vinícius

Ribeiro, emula as obras do período reducional, e demonstra Sepé Tiarajú segurando uma lança,

representando seu espírito guerreiro, e uma cruz, simbolizando sua fé cristã. A estátua está sobre

um pedestal no qual consta uma placa com os dizeres principais: “SEPÉ TIARAJÚ – SÃO-

LUIZENSE E MISSIONEIRO”, seguido de uma citação da lei Estadual 12.366, já citada

anteriormente, que declara Sepé “Herói Guarani-missioneiro Rio Grandense”.

Outro monumento inaugurado mais recentemente na cidade (2009) lembra um dos

responsáveis pela reconstrução da identidade missioneira, homenageando o payador Jayme

Caetano Braun (Figura. 03).

Figura 03 – Estátua de Jayme Caetano Braun. Fonte: Acervo pessoal do autor.

Ao contrário da estátua de Sepé, esta não contou com financiamento público, sendo

fruto de um grande movimento para levantamento de fundos, contando com a iniciativa e

colaboração de artistas e da própria comunidade. Com seis metros de altura e nove toneladas

de peso, a obra também foi elaborada por Vinicius Ribeiro, porém são notáveis as diferenças

de estilo, sendo que a estátua de Braun não remete ao período guaranítico como a de Sepé, mas

sim a um estilo contemporâneo, assemelhando-se inclusive à estátua do Laçador, localizada em

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Porto Alegre, devido ao porte altivo e imponente dado à figura de Braun. O Laçador, localizado

em uma das entradas principais de Porto Alegre, foi esculpido tendo como base a imagem de

Paixão Côrtes - idealizador do Movimento Tradicionalista - em sua juventude, a imagem de

Jayme Caetano Braun – personalidade central na configuração da identidade missioneira -

igualmente posicionada em um trevo de acesso de sua cidade natal, traz a tona novamente a

questão da definição das fronteiras identitárias, afirmadas nas letras, poesias e payadas.

O SIGNIFICADO DO MISSIONEIRISMO EM VERSO E PROSA

Referente às representações musicais do missioneirismo, podemos afirmar que o termo

música missioneira pode fazer referência tanto às músicas desenvolvidas pelos jesuítas e

Guaranis nas reduções, quanto às representações mais recentes, “composições de caráter

regionalista, cuja poesia enaltece o passado missioneiro e seus descendentes” (Brum, 2005, p.

124). As interpretações a seguir fazem referência ao segundo entendimento da música

missioneira.

Recorremos ao site do artista Pedro Ortaça para compreender alguns aspectos da

identidade musical missioneira que a torna uma expressão diferente “diante da música gaúcha.

E reconhecida no Rio Grande do Sul e no Brasil pela maneira diferente de cantarmos”. Para

Ortaça, os principais traços de diferenciação seriam:

- A denúncia social dada nas letras;

- O tom de protesto das músicas frente às desigualdades e situações de injustiça que

caracterizam a sociedade atual;

- O registro do passado de um povo esquecido, explorado, mas cheio de encantos e

essências.

Tais traços descritos aparecem de forma recorrente nos registros musicais consultados

durante a pesquisa, além de repetidas citações da indissociabilidade do missioneiro com a

região, com a terra missioneira. A composição musical “Da Terra nascem gritos”, de Cenair

Maicá e Jayme Caetano Braun faz referência poética à questão agrária, referindo-se à criação

dos primeiros sem-terra da região, os tropeiros e ervateiros, desapropriados quando da ocupação

da região pelas colônias, mas também pela Lei das Terras (promulgada em 1850).

Mataram meus infinitos

e me expulsaram dos campos;

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Da terra nasceram gritos,

Dos gritos brotaram cantos!

E me fiz canto

De tropeiros e ervateiros

Rasgando sulcos,

Com arado e saraquá;

Nas alpargatas dos "quileiros"

e "chibeiros",

Andei as léguas

De Corrientes e Aceguá!

Meu canto é rio,

Meu canto é sol,

Meu canto é vento,

Eu tenho berço, Eu tenho pátria,

Eu tenho glória,

Eu só não tenho terra própria

Porque a história

Que eu escrevi,

Me deserdou no testamento!

Entretanto - bem ou mal,

Não me emociono,

Com os que combatem

As verdades do meu canto;

Sem ter direito de comer nem o que planto,

Só não entendo é tanta terra

E pouco dono!

Os versos acima demonstram bem tanto a denúncia quanto o protesto frente às

desigualdades trazidas à região pela constante busca pela modernização da produção. Neste

cenário onde o avanço rumo ao futuro é significado de exclusão crescente, o passado aparece

como um refúgio, constantemente revivido, como “um rio que volta para o velho leito” 20. Este

retorno constante ao passado é fruto da ideia mítica de que o espaço missioneiro viveu, outrora,

tempos de mais justiça e liberdade, o faz com que Pedro Ortaça afirme, na música “Timbre de

Galo” que “quem não viveu esse tempo, vive esse tempo a cantá-lo”. Esta composição é uma

ode ao passado, demonstrando uma valorização do mesmo em detrimento do presente:

É verdade que alguns dizem

que os tempos de hoje são outros,

que o campo é quase a cidade

e os chiripás estão rotos,

que as esporas silenciaram

na carne morta dos potros...

20 Trecho da música “Gana Missioneira”, de Cenair Maicá.

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Cada um diz o que pensa -

isso aprendi de infância,

mas nunca esqueça o herege

que as cidades de importância

se ergueram nos alicerces

dos fortins e das estâncias.

Não esqueça, de outra parte,

para honrar a descendência,

que tudo aquilo que muda,

muda só nas aparências

e até num bronze de praça

vive a raiz da querência.

Ortaça demonstra a necessidade da constante rememoração de tempos idos, pois ao

cantar que “as cidades de importância se ergueram nos alicerces dos fortins e das estâncias”,

lembra que o presente deve contas ao passado, e que as atuais referências positivas (cidades de

importância) são fruto da trajetória iniciada pelos referenciais passados (fortins e estâncias).

O músico chega mesmo a declarar seu deslocamento em relação ao presente, em versos

que demonstram uma situação de desencaixe entre o tempo atual e seus valores e vivências.

Eu nasci no tempo errado

ou andei muito depressa,

dei “ó de casa” em tapera,

fiquei devendo promessa

mas se pudesse eu voltava

pra onde o Rio Grande começa.

E se me chamam de grosso,

nem me bate a passarinha.

A argila do mundo novo não

tem a mescla da minha,

sovada a cascos de touro,

com águas de carquejinha...

Esta idealização do passado missioneiro através de seus aspectos positivos, e a constante

lembrança de que o presente contém o passado acaba por mascarar a ideia de que tratar do

próprio passado é uma (re)construção, de modo que podemos afirmar que o passado, no caso

das representações missioneiras está contido pelo presente. Desta forma, o presente e as

idealizações de futuro é que moldam as representações do passado, fazendo com que este seja

uma projeção dos ideais atuais que opera de modo a apagar ou ressaltar aspectos e fatos de

maneira seletiva.

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CONCLUSÃO

A análise do contexto de formação da identidade missioneira demonstra as diversas

nuances das negociações identitárias, desde o resgate do passado como forma de traçar

estratégias para o futuro em tempos de crise econômica, até a sobreposição/negação ao

paradigma identitário gaúcho como representação da identidade regional.

As diferentes formas de tratamento dadas ao tema de uma identidade regional

missioneira tanto por parte das ciências sociais, quanto da comunidade regional, demonstram

que o tema da identidade está em constante diálogo com a realidade social à qual está ligado.

Desta forma, compreender a identidade missioneira é seus significados, é também compreender

a realidade social na qual estão inseridos os atores que a vivenciam e dialogam com a construção

e reconstrução constante.

Lançar um olhar mais aprofundado a estas situações, guiado por referenciais das

ciências sociais, contribui para a efetivação de uma ruptura epistemológica, capaz de tirar a

identidade, a tradição e o próprio patrimônio do campo do senso comum e da experiência, para

um campo mais amplo, que tece e desvela as relações entre estes temas e o entorno social mais

amplo.

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A ESTÂNCIA DE SÃO FRANCISCO XAVIER OU SAN JAVIER21

Tiara Cristiana Pimentel dos Santos22,

Edson Romário Paniagua23,

Ronaldo Bernardino Colvero24

RESUMO:A redução jesuítica de San Javier foi fundada em 1629 na margem direita do rio

Uruguai, pelos jesuítas e pela coroa espanhola na empreitada de ampliar suas fronteiras de

dominação e manter esta redução criaram as estancias missioneiras com a finalidade de criar o

gado e cultivar outras culturas necessárias para manter o povo da redução, com estes objetivos

foi criado a estância de San Javier ou estância de San Francisco de Xavier na margem esquerda

do rio Uruguai. Esta estância estava localizada na região noroeste do atual estado do Rio Grande

do Sul, fronteira com a Argentina hoje ocupada por várias cidades. Nossa problemática é

entender como que este espaço foi ocupado e os conflitos existentes entre os guaranis reduzidos

e os nativos que ocupavam espaços próximo a estância. Este trabalho justifica-se pela

importância de trabalhar a história regional com foco neste objeto muito pouco estudado,

apropriando-se das bibliografias e com as fontes primarias do Archivo General de La Nación,

aplicando uma metodologia qualitativa. Este processo de conquista e implementação do projeto

chamado de colonizador pelos espanhóis, a partir da criação das reduções e estâncias os súditos

da coroa espanhola preocupavam-se com as fronteiras, fossem elas com os portugueses ou com

outros grupos que não se submetiam ao projeto reducional. A estância de São Javier ficava na

margem direita do rio Uruguai e sua redução na margem esquerda, com isto afirmamos que o

rio Uruguai neste momento não é uma fronteira mas sim uma ligação entre a redução e a

estância, bem como importante meio para realizar o deslocamento da produção da estância e a

comunicação entre outros povoados como Yapeyu até mesmo de acesso ao rio da prata e

posteriormente ao oceano atlântico rumo a Europa.

21 Trabalho executado com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul –

FAPERGS. 22 Acadêmica do curso de Licenciatura em Ciências Humanas. Bolsista de Iniciação Cientifica FAPERGS 2017-

2018. Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA - Campus de São Borja – RS. [email protected] 23 Doutor em história pela UNISINOS. Professor adjunto da Universidade Federal do Pampa- UNIPAMPA –

campus São Borja. 24 Doutor em História pela PUCRS. Prof. Adjunto III da Universidade Federal do Pampa - UNIPAMPA - Campus

São Borja, no curso de Ciências Sociais - Ciência Política e Ciências Humanas. Professor do programa de pós-

graduação em Memória Social e Patrimônio da Universidade Federal de Pelotas, professor do mestrado em

Políticas Públicas. Líder do grupo de pesquisa “Relações de fronteira: história, política e cultura na tríplice

fronteira Brasil, Argentina e Uruguai”. [email protected]

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Palavras-Chaves: Estância, Espaço, Ocupação

INTRODUÇÃO

A conquista do espaço25 no atual estado do Rio Grande do Sul pelos Espanhois e Portugueses

na América aconteceu com apoio intensivo da igreja católica através de suas ordens religiosas.

O espaço que nos propomos a estudar foi ocupado pelos espanhois respaldados pelos tratados

firmados entre as coroas ibéricas e a igreja, chamado de Provincia Jesuitica Paraguai..

Já em 1494, na cidade de Tordesilhas, foi assinado um segundo acordo delimitando e

efetivando o que havia sido acordado na Bula Inter coetera, com uma diferença

importante, que a linha de limites seria outra, o referido tratado ditava que se traçasse

uma linha de norte a sul a 370 léguas a oeste da Ilha de Cabo Verde; ou seja, delimitava

as possessões entre as duas Coroas, e foi chamado Tratado de Tordesilhas. Baseando-

nos neste mesmo tratado, podemos interpretar que o território platino realmente

pertenceria à Coroa Espanhola (COLVERO; OLIVEIRA, 2012, p. 11)

Portanto a Bula Inter Coetera26, os tratados de Tordesilhas, Madri e Santo Ildefonso

foram balizadores para que os espanhóis e portugueses pudessem gradativamente irem

ocupando os espaços, sem que tivesse uma preocupação com o modo de vida dos povos que ali

habitavam entre eles os Guaranis, Kaigangs, Charruas e Minuanos.

Antes da chegada dos povos conquistadores a América era ocupada por povos

originários de caçadores e coletores preocupados com a subsistência, tudo isto mudaria com a

chegada dos europeus, porque criaram instituições como as reduções e suas estancias dentro

deste espaço já ocupado por estes povos, isto tudo pactuado com as ordens religiosas da igreja

católica.

Nosso objeto de pesquisa é a Estância de San Javier, espaço que fazia parte até 1750 das

estâncias das reduções dos 30 povos da Província Jesuítica do Paraguai27, criada em 1604 pelos

25 O que vale para a história da conquista e ocupação do espaço na América espanhola, pode-se dizer que vale

também para a América portuguesa. E é nesse quadro comum que se costumam incluir as “memoráveis arrancadas

dos bandeirantes para oeste que, com evidentes objetivos econômicos [...] asseguraram, a extraordinária expansão

geográfica do Brasil. (MOREIRA, 2002, p. 24) 26 Ver mais in: CAMARGO, 2001, p. 24-25. 27 “La Provincia jesuítica del Paraguay, conocida también por el nombre de “Paracuaria”, fue creada en el año

1604 y comprendía lo que actualmente es Chile, Argentina, Uruguay, Paraguay y partes de Bolivia y Brasil.”

PALACIOS; ZOFFOLI, 1991, p. 57-58.

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espanhóis, também chamado das vacarias dos pinhais e hoje o noroeste do estado ocupado pelos

processos de imigração no final do século XIX.

Da própria condição do homem como primata deriva, primeiramente, a sua

disposição de lutar para estabelecer o domínio numa hierarquia social e, à medida que

se torna um caçador cooperativo, quando o grupo se sobrepõe ao individual, ele passa

disputar a posse de um território comum, o que implica, forçosamente, a demarcação

de fronteiras e ocupação de determinados espaços. (MOREIRA, 2002, p. 21)

Quando do processo de conquista e implementação do seu projeto chamado de

colonizador pelos espanhóis, a partir da criação das reduções e estâncias os súditos da coroa

espanhola preocupavam-se com as fronteiras, fossem elas com os portugueses ou com outros

grupos que não se submetiam ao projeto reducional, portanto a ocupação de mais espaço através

da criação das estancias proporcionou também uma melhoria na defesa de suas reduções, na

ampliação da criação de seu gado vacum, equinos, bovídeos, mais terras para cultivar outras

culturas necessárias para a alimentação do povo reduzido. É dentro desta perspectiva que os

jesuítas criaram a estância de San Javier ou em documentos encontrados no Archivo General

de La Nación28, também chamado de povo ou estancia de San Francisco de Javier.

DESENVOLVIMENTO

Assim muitas conquistas e permanência dos territórios de posse dos espanhóis pode

ser atribuído ao povo Guarani, que lutaram para defender o interesse de seu povo, dos Jesuítas

e da coroa espanhola. Para isto os jesuítas utilizara-se muito do cristianismo, da persistência e

da apropriação da cultura dos povos originários em especial dos guaranis. Os caciques

aprenderam a falar a língua espanhola e os jesuítas a língua guarani, este foi um dos grandes

passos para que os caciques passassem a ser os interlocutores dos jesuítas e dos funcionários da

coroa espanhola junto ao seu povo. As cartas anuas são fontes importantes para que possamos

nos apropriar desta comunicação constante entre os jesuítas da companhia de jesus com seus

superiores na Espanha, onde relataram frequentemente estas interlocuções, e também os

documentos que estão no Archivo General de La Nación de Buenos Aires.

28 Documentos cedidos pelo Professor Dr. Ronaldo Bernardino Colvero quando de sua pesquisa no Archivo

General de La Nación em 2007.

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É vasta a documentação que foi gerada dentro das próprias reduções através das cartas

anuas ou até mesmo de outros documentos escrito pelos caciques referente aos povos

originários, da igreja e dos funcionários da coroa espanhola escritos com teores ideológicos ou

não guardados hoje em arquivos que durante muito tempo e até mesmo hoje servem para

entendermos de como foi estruturado as reduções e suas estâncias missioneiras. Esta

documentação em alguns momentos podem nos trazer algumas imprecisões de datas,

localizações e quantitativos.

San Ignacio Mini, 1632. 2-Corpus, 1633. 3- Loreto, 1632. 4- Santa Ana, 1637. 5-

Candelaria, 1627. 6- San José, 1633. 7-Apóstoles, 1633. 8-San Javier, 1629. 9- Santa

María la Mayor, 1626. 10- Mártires, 1639. 11- Concepción, 1618. 12- San Carlos,

1639. 13- Santo Tomé, 1632. 14- La Cruz, 1657. 15- Reyes o Yapeyú, 1625. Brasil

San Miguel, 1632. 2- San Juan, 1697. 3- San Angel, 1707. 4- San Nicolás, 1626, 5-

San Luis, 1632. 6- San Lorenzo, 1691. 7- San Borja, 1690. Paraguay 1-Trinidad, 1706.

2- Jesús, 1665. 3- Santiago, 1615. 4-San Nicolás, 1626. 5- San Ignacio Guazú, 1609.

6- Santa Rosa, 1698. 7- San Cosme, 1718. 8- Encarnación o Itapía, 1615.29 (grifo meu)

As reduções criadas pelos jesuítas foram “submetido a direitos e deveres, possuindo

seus regulamentos próprios, e seus superiores das Missões, sendo tratados pelos governadores

e mesmo pelos órgãos da administração metropolitana como uma entidade particular”30.

Podemos pensar que estas questões proporcionavam autonomia a província, porém sabemos

muito bem que os funcionários da coroa espanhola desempenhavam papel de fiscais, portanto

a autonomia era limitada, porque tudo dependia da diplomacia que as ordens religiosas tinham

com a coroa espanhola.

A redução jesuítica de San Javier foi fundada em 1627, na margem esquerda do rio

Uruguai. O “povo de S. Francisco Xavier está situado n’uma elevação que desta um quarto de

légua do Uruguay, e seu porto do mesmo rio está mais de meia légua”. (GAY, 1863, p.344).

“Dalí continuou a subir o rio Uruguai até o trato de terra existentes entre a desembocadura do

Piratiní e a cidade de S. Borja, onde foi fundar a segunda redução rio-grandense, denominada

“S. Fransico-xavier”, em homenagem a seu fautor Francisco de Céspedes”. (PORTO, 1937,

p.36)

29 PALACIOS; ZOFFOLI, 1991, p. 58. 30 KERN, 1979, p. 389.

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A redução de São Francisco Javier pertencia a região do tape, que mais tarde devido as

incursões dos portugueses e aos conflitos com outros povos não reduzidos obrigou passar para

o território do lado direito do rio Uruguai hoje Argentina.

Assim a redução passa para a margem direita do rio já com um grande quantitativo de

famílias, e rebanho de gado, e a estancia ficou situada a margem esquerda, tendo um

quantitativo superior de gado do que outras reduções dos trinta povos. Abaixo apresentamos

dois documentos do Archivo General de La Nacion, um de 1728 e outro de 1733, que trata do

quantitativo de povos originários das doutrinas do rio Uruguai.

Catálogo de numeração anual das doutrinas do rio Uruguai no ano de 1728.

Fonte: División Colonia Seccion Gobierno Compañia de Jesus 1723-1734. Leg. Nº 4; 411; S.

IX 6-9-6. Doc. 451. Buenos Aires: Archivo General de la Nación.

O documento que retrata as doutrinas do rio Uruguai do ano de 1728, 99 anos após sua

fundação pelos jesuítas e guaranis nos mostra que a Redução de San Javier tinha 830 famílias,

10 viúvos, 156 viúvas, 994 meninos, 956 meninas, 203 batizados, 45 casados, 49 diferidos

adultos, 91 diferidos parvulos, 4592 comungantes e 3776 almas. Os dados nos permitem

interpretar que era uma redução que ocupa o 10º lugar das 15 reduções trazidas pelo documento

podendo ser considerada como uma redução de tamanho pequeno.

O grande quantitativo de viúvas o que nos leva a pensar a existência constante de

conflitos entre os reduzidos e outros povos originários ou conflitos com Espanhóis e

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Portugueses. Embora os números apontam para uma redução de tamanho pequeno em relação

a outras reduções apresentadas neste documento o quantitativo de 8368 entre o comungantes e

almas é muito representativo até para os dias atuais, pois o Rio Grande do Sul em 2016 possui

314 municípios com um número menor de população que a Redução de São Javier em 1728.

Catálogo de numeração anual das doutrinas do rio Uruguai no ano de 1733

Fonte: División Colonia Seccion Gobierno Compañia de Jesus 1723-1734. Leg. Nº 4; 411; S.

IX 6-9-6. Doc. 177. Buenos Aires: Archivo General de la Nación.

Já este outro documento de 1733, 104 anos depois de sua fundação a redução de San

Francisco Javier possuía 831 famílias, 28 viúvos, 174 viúvas, 884 meninos, 915 meninas, 132

batizados, 16 casados, 172 diferidos adultos, 289 diferidos parvulos, 4834 comungantes e 3663

almas, ocupando 12º lugar das 15 reduções, em um total 8497 pessoas, comparando com a

anterior houve um aumento da população.

Através desta tabela consegue-se interpretar, o quantitativo de pessoas que viviam na

redução de San Francisco Javier, no ano de 1728 a 1733, dessa forma pode-se destacar que o

quantitativo populacional é razoavelmente pequeno, comparado com outras reduções. O gráfico

abaixo permite ver com clareza estes dados.

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Através deste quantitativo trazido por esta documentação e apresentado em forma de

gráfico nos permite perceber que as reduções tinham a necessidade de se preocupar com a

produção de bens de consumo para que seu povo pudessem se alimentar e ter as condições

necessárias para sobreviver ter condições permanecer nas reduções. Assim como as reduções

eram basicamente formada por famílias guaranis, povo esse que era semi nômade, e que por

consequência já tinham habilidades de agricultura. “O povo de S. Xavier tinha naquele lado

uma pequena estancia o campo do serro pellado nas margens do Juhi Grande” (GAY, 1863, p.

58) era necessário manter este espaço da estância para criação do gado e também para que fosse

extraída a erva mate das matas.

Os ataques sempre foram constantes tanto nas reduções como nas Estâncias de outros

povos originários que ocupavam, ou faziam fronteira. Até a colheita da erva mate, se tornava

algo perigoso para os guaranis tanto de S, Javier quanto os de Santo Ângelo, outros povos e até

mesmos guaranis não reduzidos Tupys ficavam escondidos na mata e quando podiam atacavam,

os que não conseguiam escapar os mesmos matavam e comiam a sua carne. “Os índios

selvagens aparecem frequentemente nesses arredores, e continuam matando guaranis e brancos

quando vão colher mate nas florestas vizinhas.” (Saint-Hilaire, 1987, p. 314), Devemos levar

em consideração que Saint-Hilaire passou por esta região vários anos após o Tratado de Madri,

o que nos leva a crer que isto acontecia no passado com maior intensidade ainda.

0

1000

2000

3000

4000

5000

6000

Comparação do povo de San Francisco Javier nos anos de 1728 e e 1733 a partir dos documento acima

1728 1733

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Povos que faziam parte da província jesuítica do Paraguai e Estância de San Javier

Fonte: MAEDER, Ernesto; GUTIERREZ, Ramón. Atlas territorial y urbano de las misiones

jesuíticas de guaraníes. Argentina, Paraguay y Brasil.Sevilla: Instituto Andaluz del

Património Histórico, 2009, p. 26

O mapa acima nos mostra a distribuição do espaço ocupado pelos jesuitas e espanhois

quando da criação das suas reduções e também das suas estâncias, porém mesmo tendo esta

estruturação das reduções e de seus espaços enquanto estâncias não impediram que “as frentes

de expansão espanhola e portuguesa. Paulistas de um lado e paraguaios de outro caçavam o

indígena para transforma-lo em mão de obra, mesmo sabendo que com isto se desarticulava

todas a sua cultura e se decretava o genocídio das tribos” (KERN, 1982, p. 63)

É importante lembrar aqui que a estância de San Javier ficava na margem esquerda do

rio Uruguai e sua redução na margem direita, com isto podemos afirmar que o rio Uruguai neste

momento não é uma fronteira, mas sim uma ligação entre a redução e a estância, bem como

importante meio para realizar o transporte da produção da estância e a comunicação entre outros

povoados como Yapeyu até mesmo de acesso ao rio da prata e posteriormente ao oceano

atlântico.

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A criação da estancia contribui para que a redução se consolidasse. É importante

destacar que dentro das estâncias ou até mesmo nas imediações das reduções os guaranis

praticavam a agricultura e pesca focando sempre uma produção para a subsistência.

A estância de S. Javier assim como as outras, estâncias, foram formadas principalmente

por guaranis semi-nômades, desse modo os mesmos já cultivavam algumas variedades de

cereais e leguminosos, e continuaram a ser incentivados a plantar lavouras nas chácaras perto

das reduções e também em espaços destinados a plantações nas estâncias. “Os indígenas

Guaranis estavam acostumados a uma produção agrícola apenas suficiente para o seu consumo

imediato. Assim não podiam compreender o tipo de economia acumulativa e de intensa

atividade da mão-de-obra dos encomendeiros.” (KERN, 1982 p, 75), os povos reduzidos

continuaram e ampliaram suas plantações agora com um olhar do jesuíta e dos funcionários da

coroa espanhola, e o que era produzido a mais do que o necessário era comercializado entre as

reduções e também enviado este excedente para a Espanha.

Todos os guaranis, desde os sete anos de idade, eram agricultores. Sabendo plantar,

todos se sustentavam em qualquer eventualidade, já que na terra missioneira sobrava

fertilidade e bom clima. Em 150 anos de Redução não foi possível introduzir, segundo

insistentes recomendações dos superiores provinciais, o sistema europeu de cada

família viver de sua roça particular (“abambaé”), onde se ocupavam, toda a semana,

os adolescentes e crianças, auxiliados, aos sábados e segundas-feiras, pelos pais, mas

separados deles. Quatro dias por semana, na devida época do ano, trabalhavam os

casados, obrigatoriamente, em sua roça particular. Mas eles, pelo inveterado costume

de tudo ter e fazer em comum, recorriam ao sistema de muxirão (ou mutirão), unindo-

se várias famílias, para fazer sucessivamente todas as roças particulares do grupo. No

fim do ano principiavam as colheitas de milho, abóbora, batata doce, aipim, etc. com

a diminuição do trabalho agrícola, reabriram todas as oficinas. (BRUXEL, 1978, p.

92-93)

Nestas plantações existiam, duas divisões, a familiar e a comunitária, estas divisões já

existiam antes da chegada dos jesuítas, que continuaram a implementar desta maneira, porém,

pensavam sempre na maior produção possível, com dois interesses claros, um de subsistência

da redução e outro de acumulação, para poder ter estes produtos excedentes como moeda de

troca ou até mesmo de venda. Quando o autor afirma todos os guaranis eram agricultores

devemos ponderar que “os filhos dos caciques, iam à escola de primeiras letras, outros às aulas

de canto, música e dança, ou às oficinas, enquanto a grande maioria trabalhava nas roças

comuns” com isto podemos afirmar o tratamento dado pelos jesuítas aos filhos dos caciques era

diferenciado, portanto mostra claro a formação de uma elite guarani, isto pode ser atestado

através de documentos que estão no Archivo General de La Nación de Buenos Aires escritos

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em espanhol onde os caciques fazem suas ponderações sobre vários acontecimentos dentro das

reduções.

Os índios, embora pudessem, de direito, estender sua propriedade particular a outros

bens, como bois e cavalos, não tinham interesse em mantê-los. Por isso a

administração de tais bens estavam em mãos do cabildo, que distribuía os serviços

comunitários, de acordo com as aptidões de cada um. (BRUXEL, 1978, p. 125)

Os povos reduzidos seguiram com suas plantações caça e pesca deixando de ser

nômades, mas seguindo com sua agricultura, de subsistência que geralmente, ficava nos fundos

das casas dentro das estancias. Ou seja, sendo lavouras comunitárias, onde trabalhava-se e,

grupos, dificultando a implementação da propriedade particular, de modelo Europeu. Assim o

modo econômico que foi implementado nas missões, não é de total mercantilista, mas sim,

tendo uma base europeia, pois do mesmo modo como os povos que ali viviam tinham sua

propriedade de certo modo particular que visava os lucros, os mesmos tinham também a

propriedade que por assim dizer era de todos, onde todas as famílias tinha acesso a essas terras

e a produção que se fazia dentro delas, assim também facilitava o controle dos nativos que

trabalhavam nas missões. O indígena plantava, e todos ajudavam e cada um poderia levar para

si o produto que estava sendo colhido, sendo lavouras de economia solidaria e familiares.

As reduções não podiam sustentar-se apenas com caça e pesca, mel e frutas silvestres.

Para alimentar tanta gente em área tão limitada, era necessário empenhar todas as

energias no trabalho agrícola bem organizado. O trabalho sério e disciplinado era

absolutamente indispensável, já como meio de subsistência, já como método de

educação. (BRUXEL, 1978, p. 92)

A necessidade de ampliação do trabalho dos reduzidos de forma mais intensa era uma

proposta dos jesuítas, pois sua forma de educar estava presente em todas as atividades dentro

das reduções e das estâncias, e uma delas fica muito clara é a implementação da disciplina e

competição como método de educação em todos os todos os espaços do cotidiano das reduções,

com um único sentido de atrai-los ainda mais para o trabalho com isto aumentar a produção.

“Cada redução possui uma ou várias estâncias, espécie de fazendas ou pastagens em que o gado

vive mais ou menos em liberdade”. (HAUBERT, 1990, p. 209)

Mesmo tendo boas colheitas em suas lavouras, a principal forma de economia e

alimentação era o gado bovino, a criação de equinos e mulas muito usados no transporte

individual e de carga, as mulas foram muito utilizadas em locais de difícil acesso.

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Em 1555 chegavam a Assunção, por via terrestre, as primeiras vacas, procedentes de

São Vicente (São Paulo, Brasil). O cavalo já entra em 1537, quando os moradores da

primeira Buenos Aires fundaram Assunção. O gado vacum, prodigiosamente

multiplicado, foi levado para o sul pelos fundadores de Corrientes, Santa Fé e da

segunda Buenos Aires (1580).As reduções fundadas em 1610 em diante, iniciaram

logo a criação de gado vacum, já para abastecimento de carne, já para o cultivo da

roça, onde o trabalho de boi era indispensável. Para as Reduções do norte o gado terá

vindo de assunção, enquanto Corrientes o fornecia as reduções do sul. Em 1634, por

ordem do padre provincial Pedro Homero, o P. Cristóvão de Mendoza trouxe para a

margem oriental do rio Uruguai 1500 vacas ( 100 para cada redução). Assim, o gado

vacum, já numeroso em ambas as margens do rio Paraná, também se expandia

rapidamente em terras do atual Rio Grande do Sul. (BRUXEL, 1978, p. 115)

As “vacarias foram os núcleos por excelência da concentração e do desenvolvimento

inicial do gado, que se procriou espontaneamente, favorecido pelas condições de pastagens,

mananciais e proteção dos rios”. (PANIÁGUA, 2013, p. 38), É importante aqui entender que

as estâncias foram criadas devido à dificuldade que os povos reducionais tinham em reunir o

gado e conduzir até as reduções para o abate.

Foi dentro desse contexto inicial de dificuldade para o recolhimento e o transporte do

gado das vacarias para essa redução, que emergiram as primeiras estâncias yapeuanas

na campanha era preciso encurtar as distâncias com locais permanentes que

facilitassem essa atividade com o gado e garantissem o abastecimento desse povo.

(PANIÁGUA, 2013, p. 40)

Podemos afirmar que embora a citação acima indique que o modo de criação da estância

de Yapeyu se deu desta maneira, a criação das outras estâncias dos povos missioneiros se deram

devido aos mesmos problemas enfrentados por Yapeyu com referência a necessidade de ter o

gado em um lugar mais concentrado.

Entretanto, as atividades econômicas relacionadas ao gado a á erva-mate podiam

estender-se ainda mais longe, desde os vales dos rios Negro, Jaguarão e Jacuí, e os

campos de vacaria, ao sul e a o leste, chegando mesmo até o salto das sete quedas, ao

norte, após a retirada em direção a Assunção das missões do Itatim.(KERN, 1982, p.

13)

A localização da estancia de San Francisco Javier estava dentro da vacaria dos Pinhais,

Após alguns anos, atingida a cifra de um milhão de reses, ela poderia fornecer,

anualmente, 300 000 cabeças para o abate. Por suas patrulhas sabiam os índios que no

planalto, entre a Encosta da Serra e os matos do alto Uruguai, havia um imenso campo,

coberto de pinheiros, impenetrável ao norte, sil e leste. Bastaria, pois abrir uma picada

nos matos do oeste e introduzir o gado. Assim pouco antes de extinguir-se a Vacaria

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do Mar, no início do século 18, inaugurava-se a Vacaria dos Pinhais(...) (BRUXEL,

1978, p. 116)

Essa vacaria tinha a função de dar subsistência, as estancias, quando as outras vacarias

se dessem por terminada, pois devido ser um lugar de difícil acesso, por ser de mata fechada, e

região montanhosa dificultaria a entrada dos portugueses. Mas como a vacaria ficou próxima

ao planalto central que era próximo a rota portuguesa de captura de povos nativos para o

trabalho escravo, e o gado vacum não era uma criação presa foi logo, achada pelos portugueses.

Quando estamos tratando das fronteiras coloniais na América, é preciso entender que

antes mesmo da chegada dos Europeus já existiam fronteiras delimitadas pelos povos que ali

estavam, mesmo assim a criação de novos espaços baseados em outras perspectivas de

povoamento como a redução e a estância seria sim uma preparação para um controle dos nativos

e uma estratégia de futura transformação em cidades que poderiam render boas arrecadações

de impostos para a coroa espanhola no futuro, claro que se os nativos de modo geral pudessem

aceitar a catequização.

Cada doutrina, ou povo, recebida doação de uma extensão de uma faixa de terra que

dividia em estâncias de criação de gado. Cada estância subdivide-se em postos, ou

pequenas invernadas, sob ordens de um posteiro. Quer nas estâncias, quer nos postos

erigiam-se pequenas capelas, que se tornavam núcleos de futuras povoação e cidades.

Assim também os acidentes geográficos que rebaptizam (PORTO, apud PANIÁGUA,

2013, p. 42).

O autor acima acrescenta algumas características dessas estâncias e postos que

estiveram vigentes durante os séculos XVII e XVII: A terra pertencia à coroa espanhola e os

missioneiros eram súditos, recebendo concessões para ocupa-las; Inicialmente, foram pontos

para descanso das tropas, vaqueiros e distribuição de víveres em decorrência das jornadas; As

vacarias serviam como ligação com as reduções Proporcionavam que o rebanho fosse tratado e

amansado.

As estruturas desses locais eram aparentemente simples e funcionais, possuindo capelas,

galpões e currais; o trabalho envolvia uma mão-de-obra especializada e constante nesses

estabelecimentos, onde um capataz coordenava o conjunto das atividades realizadas com o

gado, que eram permanentes e variadas durante todo ano; na ocupação, estavam presentes as

famílias dos vaqueiros que pelo tamanho desses locais, não deveria ser um grupo numeroso; a

produtividade expressava-se pela variedade de animais, viabilizando um comércio expressivo

entre as reduções, os ofícios do Paraguai, Santa Fé e Buenos Aires e os demais povos

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missioneiros; nestes locais, existiu o cultivo de pequenas hortas, semelhantes às existentes na

redução. A estância colonial missioneira, portanto, foi um estágio intermediário para a estância

capitalista que se consolidou no séc. XIX. (PANIAGUA, 2013, p. 42-43)

Os passos eram muito utilizados para travessia tanto por pessoas como também para

passar o gado de um lado para outro do rio, pois com a estância de um lado e a redução de outro

era necessário a utilização destes passos para fazer a ligação mais segura possível pelo rio

Uruguai. O deslocamento do gado a pé seguia alguns princípios de segurança, pois o mesmo

era abatido nas imediações da redução, facilitando assim para o consumo e para a extração de

couro, produção da graxa, sendo o couro e a graxa produtos que chamaram muito a atenção da

coroa espanhola.

Outro produto que era muito consumido era a erva mate, e contribuía para movimentar

a economia da redução. “Como artigo de consumo mais universal, a erva servia de moeda, no

comercio. Os paraguaios, efetuando suas compras em Corrientes, Santa Fé ou Buenos Aires,

pagavam com erva; de volta ao Paraguai, revendiam seus artigos a preço de erva”.

(BRUXEL.1978, p 122)

Chegando a ser por algum tempo moeda de troca entre os povos missioneiros, chegando

até Potosí na província do Peru.

Tal es el caso de la yerba producida em las reducciones y cuyo destino fundamental

era el Alto perú y el mercado del Pacífico; es el tipo conocido como CAAMINI, de

elaboración mucho más refinada y cuidadosa frente a la producida por los assuncenos

y villenos, conocida como YERBA DE PALOS. Existe uma sensible diferencia de

precios entre los dos tipos de yerba, que favorece evidentemente a la

caamini.(BLUMERS, 1992, p. 120)

São Francisco Xavier por ser um lugar de fácil escoamento de produtos devido as

proximidades do rio Uruguai as reduções mais próximas como a de Santo Ângelo, trazia a erava

mate de carroça até a redução de São F. Javier, e escoava a produção até a capital Yapeyú. Entre

são Francisco Javier e Santo Ângelo, estava concentrado os maiores ervais naturais, Havia

muita diferença entre a erva produzida fora das reduções, pois o que se produzia na redução era

feito com maior cuidado tirando os talos da erva e triturando com maior intensidade deixando

assim mais fina a” caa-mini”, desta maneira conseguiam vender a um preço mais elevado do

que a que era produzida pelos espanhóis.

CONCLUSÃO

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A redução de San Francisco Javier e sua estância não se desenvolveram de maneira

isolada das outras mas integraram um amplo sistema econômico, executando as ações

determinadas pela coroa espanhola. Os povos reduzidos destinados a estância eram

encarregado das lidas de campo para manter as ovelhas, o gado vacum, os equinos, as mulas

além claro de toda a preocupação com as plantações que ali existiam.

Existiam também uma preocupação com a evangelização dos guaranis que estavam nas

estâncias, tanto é que existiam também um espaço de religiosidade, e outros espaços necessários

para manter a estância como fonte de sustentação da redução.

A estancia de San Francisco Javier pode-se dizer que como muitas outras não serviu

apenas para a doutrinação da igreja católica, da mercantilização, e produção de bens e produtos,

mas sim como um espaço de fronteira que teve um papel importante para a proteção do território

espanhol, mesmo não havendo um exército em si formado dentro das reduções, além desta

proteção de fronteira as estancias contribuíam para movimentar a economia, dos tinta povos,

não só com o gado mas com outros animais e também com algumas plantações.

San Francisco Javier tinha uma grande facilidade para escoamento de suas produções,

pois o rio Uruguai se transformava em um grande facilitador para o escoamento de seus

produtos.

Desde sua criação a estância foi estruturada pelos jesuítas que se utilizavam de vários

métodos para poderem manter sua produção de alimentos e suas criações no máximo possível

de segurança e também a proteção de suas fronteiras com os portugueses. Duas questões podem

ser levadas em contas: a) a estância contribui fortemente como elemento importante no

desenvolvimento econômico da redução, da província guarani e também com a coroa

espanhola, b) a redução e estância como elemento político no povoamento do espaço espanhol

e do resguardo de suas fronteiras.

REFERÊNCIAS

BLUMERS, T. La contabilidad em las reduciones guaranies, Biblioteca Paraguaya de

Antropologia, vol 15 universidade Católica Asunción, 1992.

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927

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GUASQUERÍA: A IMATERIALIDADE DE SEUS TENTOS

Juliana Porto Machado31

Amanda Basílio Santos32

RESUMO: Este trabalho discorrerá sobre a pesquisa inicial desenvolvida no curso de mestrado

do Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade

Federal de Pelotas, em torno do objetivo central que visa a Compreensão da produção e

reprodução da prática artesanal em couro cru (guasquería) em Jaguarão-RS. Logo, uma prática

artesanal tem como característica fundamental para ser definida como tal, a utilização das mãos

como ferramenta motor para a criação de peças diferenciadas. Assim, a guasquería é um ramo

artesanal que trabalha com couro cru animal, etimologicamente vem da palavra huasca derivada

da palavra quéchua que significa couro (ALVARES,2014), assim surge a guasca e o indivíduo

que pratica esta forma de artesanato é o guasqueiro, conhecido também como trançador ou

sogueiro. Com foco no objeto dessa pesquisa a metodologia utilizada para realizar o proposto

neste trabalho foi pesquisa qualitativa, com entrevistas semiestruturada com guasqueiros da

cidade. A partir desse pode se perceber que os guasqueiros/artesãos residem no espaço urbano,

mas criam um artesanato fortemente ligado ao meio rural. Já que esses em um período de suas

vidas já exerceram alguma atividade campestre ou residiram nesse meio. Essa conexão com o

campo ainda permanece em suas memórias e em suas obras. Então, é necessário descobrir todas

as etapas de criação dos objetos de guasquería, já que essa não é apenas uma forma de se manter

financeiramente, mas uma forma de vida, um estar no mundo. Por fim, a guasquería é uma

prática secular que possui uma história, com poucos registros e documentos, mas mantém um

legado de transmissão e reinterpretação (GARCIA,2009).

Palavras-Chaves: Guasquería, artesanato, transmissão, imaterialidade.

INTRODUÇÃO

31 Mestranda em Memória Social e Patrimônio Cultural (PPGMP – UFPel). Universidade Federal de Pelotas;

Jaguarão, RS; [email protected]. 32 Mestre em História (PPGH-UFPEL); Especialista em Artes (PPGA – UFPel); Mestranda em Memória Social e

Patrimônio Cultural (PPGMP – UFPel). Universidade Federal de Pelotas; Pelotas, RS;

[email protected].

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A guasquería pode ser compreendida como um ofício artesanal realizado especialmente

por sujeitos sociais que estão relacionados ao saber-fazer de práticas campeiras. Principalmente

as ligadas a figura do cavalo, uma vez que, os aparatos de montaria como selas, cordas, freios,

rebenques e outros são feitos com couro-cru a matéria prima da guasquería. Os sujeitos

praticantes deste ofício são chamados de guasqueiros no Rio Grande do Sul (Brasil) e de

guasqueros, sogueros e tranzadores na Argentina e no Uruguai.

Seus produtores criam peças em couro cru, utilizando principalmente a técnica de

tentos33. De acordo com Flores (1960) o guasqueiro deve aprender a tirar um tento para seguir

no oficio, para ele essa fase é muito importante pois é a partir do tento que se inicia o processo

de elaboração da obra.

Segue uma estrutura dorsal que se apresenta como: a obtenção da matéria-prima (o

couro-cru animal, principalmente de bovinos) inicialmente através da chamada carneada, o

estaquear o couro para secar ao sol, o lonquear de retirar os pêlos da pele, o cortar as guascas

(tiras de couro), o sovar as guascas para amaciar e por fim tirar os tentos (as tiras de couro de

diferentes espessuras) para assim produzir as tranças. Esse processo é o elemento destacado por

muitos sujeitos ao considerarem o porquê de se identificarem guasqueiros, assunto tratado mais

adiante

Etimologicamente a origem do termo guasquería é derivado da palavra espanhola

huasca originaria do dialeto quéchua34 de origem inca, significando tira de couro (DLE, 2017).

Essa manifestação cultural, está fortemente relacionada com o trabalho no campo e com a figura

do peão. A introdução do gado vacum na América latina através dos colonizadores europeus,

principalmente os espanhóis e portugueses no século XV, marcam o surgimento da guasquería.

No início do século XVI os jesuítas fixavam suas reduções nesse território e reuniam

indígenas para serem catequizados. E começam a utilizar a carne do gado bovino para

alimentação dos moradores das reduções. No entanto, ao serem expulsos, os jesuítas deixam

seus grandes rebanhos soltos.

Em 1641, depois de combatidos e expulsos, os jesuítas levaram consigo a maioria dos

índios catequizados, deixando, no entanto, parte do gado que criavam. Sem dono, esse

gado tornou-se selvagem e bravio, e formou-se uma grande reserva no espaço

conhecido como Vacarias Del Mar (LUVIZZOTO, 2010, p. 17)

33 A técnica de tentos de acordo com Flores (1960) pode ser definida como a utilização de tiras finas de couro

utilizadas para fazer trançados. 34 Língua ameríndia utilizada pelos antigos quéchua, tribo indígena localizada no território do atual país do Perú

(DLE, 2017).

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Consequentemente, com abundância desses animais esse gado acaba tornando-se

importante economicamente aproveitando-se a carne e principalmente o couro. Com o retorno

dos jesuítas em 1682 e a fundação das missões jesuítas, que buscavam catequizar ao

cristianismo o maior número de índios, os padres utilizavam desse gado novamente para

alimentação. Pois, “A base econômica era assentada na criação de gado com a extração do

couro” (Luvizzoto, 2010, p. 22).

Com o fim das missões jesuítas, através do acordo entre Portugal e Espanha em 1750,

os padres deixaram grandes rebanhos de gados e cavalos. Logo, a existência destes animais foi

fator importante para a ocupação.

A presença do gado foi o principal motivo para a ocupação e fixação de portugueses

em solo gaúcho. A Coroa garantia aos imigrantes a propriedade de um pequeno

terreno mas não seu sustento. Assim, somente em 1770 uma leva de imigrantes

açorianos chegou à província para povoar a região das missões. Por causa das

dificuldades de transporte, esse grupo se fixou na área onde hoje está a cidade de Porto

Alegre. Praticavam a agricultura de pequena propriedade e tinham uma economia

voltada para a pecuária (LUVIZZOTO, 2010, p. 23).

Já no século XVIII as fazendas ganham espaço e o gado passa a ser domesticado.

Surgindo assim a necessidade de instrumentos equestres para auxiliar no manejo desses

animais, principalmente para o peão que cuidava da atividade campeira. Por conseguinte, de

acordo com Garcia (2009), com o abate dos animais para a comercialização de carne, o couro

começa a ser utilizado para atender essa necessidade de objetos equestres, momento em que os

peões começam a criar cordas, freios, boleadeiras, rebenques e outros aparatos em couro-cru.

Para Flores (1960) o peão dedicava-se ao processo de produção de guascas

principalmente em dias de chuvas quando não era possível trabalhar no campo, assim

permanecia no galpão consertando suas cordas. Assim surge o guasqueiro.

Na campanha sempre existiram os guasqueiros, os homens que do couro cru fazem

verdadeiras obras-primas nas tranças, nos passadores, nos botões de tento fino e em

muitos trabalhos que exigem muita paciência, muito boa memória para saber resolver

de cor os intrincados da trama dos tentos, que é um verdadeiro quebra-cabeça.

(NUNES 1982 apud ALVARES, 2014, p. 17).

Então o guasqueiro seria esse sujeito que cria manualmente novos objetos e/ou conserta

objetos de uso cotidiano do trabalho do campo. Dominando o saber fazer de um oficio, para

desenvolver suas próprias técnicas. A guasquería está ligada ao serviço do peão, as peças então

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são instrumentos de montaria, em uma sociedade em que a pecuária é ainda uma produção

econômica forte (NUNES, 1982).

A partir de então, no século XIX o guasqueiro torna-se um profissional necessário nas

grandes fazendas, agora já e reconhecido e contratado especificamente para realizar essa pratica

artesanal (ALVARES, 2014). Já no final do século o guasqueiro passa a ser menos requisitado,

porque com as reviravoltas da sociedade econômica, no período da Revolução Industrial, na

América Latina a pecuária e a agricultura não são mais as únicas formas de produção já que as

atividades fabris surgem.

Nesta trajetória da origem da guasquería Garcia (2009) declara que o pouco interesse

do registro deste oficio por parte da História ocasionou um grande prejuízo de conhecimento

sobre essa manifestação cultural. Principalmente por ser apenas considerada um trabalho

primitivo, grosseiro de peões sem técnicas ou formação. Embora, o autor destaca que a relação

da guasquería com o trabalho no campo em criar objetos de montaria permitiu que essa pratica

artesanal seguisse ativa.

Assim, com pouco registro histórico, Tasso (2001) menciona que além desta ligação

com campo, o trabalho de criação do guasqueiro é constituído pela dominação de uma técnica

e do aperfeiçoamento desta com a adoção de design diferenciado para cada objeto. Além de

possuir também o domínio de produzir suas próprias ferramentas auxiliares. Existem máquinas

industriais para cortar tentos (tiras de couro), para amaciar couro e outras, mas o que ainda

predomina, em casos observados são as ferramentas criadas pelo próprio guasqueiro.

A construção do guasqueiro contemporâneo que atua nos centros urbanos, se modela

por meio da influência da cultura rural na confecção de suas obras. Em pensar neste sujeito que

se mantém em meio a um contexto (urbano) que diverge com o saber-fazer aprendido (rural) e

influencia em sua identidade. Contudo, os objetivos propostos neste artigo é compreender a

produção e reprodução dessa prática artesanal em couro cru, verificando como os guasqueiros

aprenderam suas técnicas e criam suas obras, buscando também, os motivos que levaram esses

sujeitos sociais a produzirem guasquería.

Uma vez que, como afirma Chizzotti (1991) a metodologia qualitativa parte da reflexão

do comportamento humano em diferentes contextos, levando em consideração os sentido, as

ações e os símbolos. Usou-se a técnica de observação sistemática direta que se apresenta como

a coleta de informações que utiliza os sentidos ver e ouvir, de forma direta. Os fenômenos foram

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percebidos no local de investigação pelo próprio investigador em um determinado período de

tempo.

A partir disso, a pesquisa foi realizada através de entrevistas semiestruturadas aberta com

04 artesãos/guasqueiros tradicionais da cidade, conhecendo as histórias de vida a partir do

“olhar” desses sujeitos objeto da pesquisa, o saber fazer da guasquería por meio de relatos

pessoais. Os dados foram coletados individualmente com cada sujeito pesquisado, demandando

cerca de três meses intercalados no turno manhã/tarde. Para a obter essas informações seguiu-

se um roteiro semiestruturado que possuía algumas categorias de análises principais da pesquisa

como os relatos de vida, as técnicas tradicionais/contemporâneas, o saber/fazer, o meio

urbano/rural e a visão do guasqueiro em relação ao seu trabalho.

Logo, a entrevista semiestruturada permite certa liberdade nos questionamentos,

apoiando-se em uma abrangente área de interrogações que possibilita ao entrevistado seguir

uma linha de pensamento ao relatar suas experiências, já que a entrevista proporciona ao sujeito

espaço para manifestar-se. Então, tendo como instrumento de trabalho o diário de campo e

secundariamente o uso de elementos visuais como a fotografia, que retratará as técnicas de

criação do objeto artístico.

Para Macdougall (2006), o caráter figurativo da imagem fotográfica permite ao operador

do instrumento fotográfico (pesquisador) refletir sobre as igualdades e as diferenças entre seu

espaço cultural e a cultura retratada na imagem, conduz a uma reflexão sobre os desencaixes

do tempo. Em uma descrição minuciosas dos fatos, em observar, registrar, analisar, conhecer e

relatar. Assim, relacionando sempre com o referencial teórico utilizado. Pois, o fazer etnografia

se caracteriza pela observação e interpretação das culturas, do sujeito e do objeto, do tempo e

do espaço, das crenças e dos hábitos, percebendo a cultura em todos os seus sentidos.

RESULTADO E DISCUSSÃO

Os guasqueiros e suas guascas artesanais

Com isso, uma peça artesanal passa por todo o processo de criação, manutenção e

circulação, nesse sentido torna-se um produto econômico, pode ser consumido, e atende

algumas exigências do mercado contemporâneo, mas, deve-se perceber que um objeto artesanal

não é meramente um produto comercial “vazio” de valor, ao contrário permeia pela esfera do

sistema mercantil como uma forma de inclusão do sujeito social, e deve manter sua produção,

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através da venda de suas obras, porém essas não perdem suas características simbólicas, elas

apenas passam por uma adaptação necessária para manterem-se ativas. Logo, o artesanato é

uma atividade de produção e criação expressamente humana, e atua nas dimensões arte/técnica,

material/imaterial, tradição/modernidade e cultura/economia (BOURDIEU, 1996).

O artesanato preserva uma importante qualidade, de ser um elemento tanto econômico e

estético, mas sem ser considerado capitalista, pelo fato, de utilizar em sua confecção

ferramentas de trabalho manual, mas, está incluído no capitalismo como bem de consumo.

Pertence a cultura popular, que assim como a tradição, não é pura, ao contrário, é cenário de

atuação das transformações, se reconfigura através de trocas simbólicas com a sociedade

vigente, mas consegue de certa forma conquistar e preservar o seu espaço, como a cultura do

povão e da gente. A partir disso, não existe uma cultura popular íntegra, autêntica e autônoma

situada às margens das trocas de poder e de dominação cultural (HALL, 2003). Para tanto, a

cultura popular pode ser interpretada como um sistema simbólico racional que exerce

independência, que trabalha completamente “liberta”, sem sujeitar-se as regras da cultura

elitista, ou ainda, em outro contexto, cultura popular construiria fortes ligações de dependência

e troca com a cultura dominante (CHARTIER, 1995). O artesanato conserva características

tradicionais e populares, que passam por ressignificações e transformações, que guardam

intrinsecamente alguns resquícios de seus valores simbólicos originais que possibilitam ao

artesão uma diversidade de saberes e técnicas de criação.

No entanto, o trabalho de criação do artesão/guasqueiro é constituído pela dominação da

técnica e de uma forma de fazer própria. Considerando que a atividade de guasquería não está

isolada de um contexto temporal e histórico, este artesão com seu objeto criado se relaciona

com o mundo social e o mundo simbólico, o mundo material e imaterial, o mundo real e o

mundo imaginário. Com um profundo aprimoramento de sua capacidade de reconhecimento

estético e sensorial. Contemporaneamente o artesanato em couro é uma profissão, não apenas

a complementação de renda, sua valorização cultural e também mercantil permite ao guasqueiro

se dedicar exclusivamente a esse ofício.

Os relatos dos indivíduos que trabalham nesse oficio, os guasqueiros, são importantes

para compreender quem são esses sujeitos e como vivem em seu espaço social e cultural. Como

o informante J.S que tem 38 anos é casado e tem dois filhos, natural de Jaguarão, vive na Bela

Vista bairro na zona urbana da cidade desde que nasceu, cursou até a sexta série do ensino

fundamental, para ele tem muita coisa que se aprende na escola que não fazem falta em sua

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vida, mesmo se tivesse cursado o 2ª grau ainda iria fazer guasquería, foi a forma que ele

escolheu para viver.

Na casa em que vive atualmente, morava um senhor que trabalhava com cordas então ele

aproveitou a estrutura do local para ser seu ateliê. Não tinha a guasquería como um serviço era

apenas uma forma de se manter enquanto não conseguisse outro emprego. Já M.T tem 48 anos

é casado e tem apenas um filho, natural de Jaguarão reside na zona urbana da cidade, em sua

casa tem um comercio de produtos alimentícios é possui um extenso pátio no qual cria alguns

ovinos. Seu ateliê fica situado em um galpão no fundo de seu estabelecimento.

Quando mais novo sempre morou na campanha e sempre trabalho no campo. Saiu da

zona rural onde morava com sua família para a zona urbana para trazer seu filho para estudar e

para não se separar de sua família abandonou o campo e montou um negócio próprio é começou

a trabalhar com guasquería profissionalmente. Do mesmo modo, o informante J.S.S tem 72

anos é natural do Uruguai, seu pai era brasileiro de Herval, mas foi muito novo para o Cerro

Largo no Uruguai, onde conheceu sua mãe, teve 7 irmãos, estudou até o 3ª ano do primário. A

profissão de seu pai era ser contrabandista de produtos como cachaça, pelegos e outros.

Contrabandeava por terra entorno de 200 perus, ainda menino Justus acompanhava seu pai a pé

enquanto esse montava em seu cavalo carregado de malas. Tinha um comprador que morava

em Jaguarão. Cresceu em suas palavras “a empurrar peru por terra e a vender ovo de quero-

quero nas porteiras para os clientes que o conheciam”. Logo, o guasqueiro P.G.D tem 81 anos

é casado tem 3 filhos, natural de Jaguarão criou-se na campanha seu pai tinha uma chácara que

criava ovelhas, plantava milho e fazia queijo. Criou-se fazendo “arte” geneteando em terneiros

14 bravios e vaquilhonas com apenas o laço e o pelego, sai escondido de seus pais junto com

sua irmã para brincar no campo cheio de chilca (tipo de forrageira).

Conta que sabe costurar manualmente e na máquina, bordar pintura com agulha e faz

tricô, ensinou suas filhas a usarem a máquina de costura quando sua esposa não estava em casa,

já que ela não gostava de as meninas utilizarem essa ferramenta. Nesses relatos de vida fica em

evidência os fatos em comum que todos possuem como residirem na zona urbana, mas terem

uma ligação com a zona rural por terem morado e trabalhado nesse contexto espacial. Dessa

forma, a zona rural, um espaço considerado tradicional, influenciou esses sujeitos na formação

de suas identidades, eles começarem a lidar com a guasquería por estarem inseridos nesse

espaço social. Por pertencerem a esses dois contextos, esses atores sociais conquistaram muitos

saberes que permeiam suas vidas e o modo como se comportam diante da sociedade. Assim,

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por mais que a guasquería seja uma pratica tradicional, como afirma Hobsbawm (1984) o

tradicional também se transforma e se adapta para sobreviver as mudanças, como os

guasqueiros que através desse oficio eles mantêm hábitos rurais em um espaço urbano.

É a partir do saber/fazer que esses sujeitos sociais transformam seus meios de vida, não é

apenas uma necessidade, uma tarefa ou uma profissão, vai além disso é toda uma técnica de

conhecimento que foi aprendida por esses, como relata o informante J.S que começou a fazer

guasquería com 22 anos de idade, observou uma pessoa fazendo e em suas palavras “ me

apaixonei, foi amor à primeira vista”, aventurou-se a aprender apenas olhando esse indivíduo

fazer, conseguiu apenas superficialmente, mas como era muito insistente e procurava saber,

arrumou um emprego de campeiro na cidade de Herval, e em seu tempo livre começou a estudar

em livros de edição em português, chileno e argentino. Foi se aperfeiçoando com quem sabia,

“pois, olhar no livro e fazer é muito diferente, e a gente aprende sempre, todos os dias estamos

aprendendo”. Com isso, procurava aprender com outros guasqueiros mais experientes. Possuía

o conhecimento de como fazer um botão, mas não sabia como finalizar, como colocar e nem

posicionar as mãos.

Conta que tinha um senhor “lá fora” que lhe ensinou a tirar o couro, a pelar (lonquear) e

a estaquear, mas não ensinou a como “pegar” em couro seco, o que para J.S é o jeito mais fácil

de conseguir a matéria prima, comprando o couro já seco. Seja do “matadouro” (frigorifico) ou

da cooperativa da cidade. Acredita que a produção de cordas é um comércio rentável. E para

ser guasqueiro tem que se ter paciência e um certo gostar de fazer, não existe divisão de tarefa,

é uma produção manual, tem que ter a mão do guasqueiro em tudo. Em dias em que não está

disposto a criar ele fecha seu ateliê e não produz nada. Em sua fala revela que “ isso é artesanato,

não é como uma fábrica que sempre vai sair certo, é artesanato comum nem sempre vai sair

perfeito”. Demonstrando em sua fala a diferença que o artesanato tem em relação ao produto

industrializado.

E é nessa imperfeição que o artesanato constrói seu espaço, através de desenhos criativos,

diferentes, que os tornam singulares. (CANCLINI ,2008). Já para criar suas obras ele se

espelhou muito em outros guasqueiros, se apoio em que já era experiente na área. Seu trabalho

como considerava inicialmente era “xucro”, rústico, mas o senhor J.S.S, um dos informantes

nessa pesquisa, foi que lhe ensinou a torna sua técnica de criação melhor e mais apropriada.

Conta que em conjunto com um amigo trouxe através do SENAR (Serviço Nacional de

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Aprendizagem Rural) um professor de São Lourenço para ensinar em curso os aprimoramentos

das técnicas de saber/fazer.

Observa-se claramente a procura de aprimoramento que o informante J.S busca

constantemente seja através de suportes físicos de conhecimentos como livros ou por meio de

outros guasqueiros experientes. Com o senhor M.T foi diferente ele aprendeu guasquería com

8 anos de idade desde “guri, quando pode agarrar uma vaca”, seu pai lhe ensinou, fazia cordas

em couro para auxiliar no serviço do campo, eles moravam na campanha.

Quando mais velho M.T tornou-se campeiro e fazia suas próprias cordas para usar na

lida, afirma que “depois mais adiante que tu viras guasqueiro e só trabalha nisso é diferente de

trabalhar como peão”. Segundo ele seu pai não tinha técnica para ensinar, eram coisas mais

simples feitas com couro, em suas palavras “assim para fazer um botão uma rédea não precisa

tapar era uma coisa mais simples trançar, sovar o couro essa coisa assim” fazia tranças para

rédeas, cabeçalhos e outras peças, seu pai lhe instruiu porque fazia para si próprio, enquanto

observava seu pai a produz começou a criar também.

Para ele guasqueiro geralmente é aquele que “começa com couro, estaqueia e lonqueia

para fazer as cordas” faz tudo isso para deixar ele pronto para trabalhar, esse couro vem fresco

ou verde para ser coreado, estaqueia para secar retira da estaca lonqueia-se, e corta-se na medida

em que se deseja. Trabalha com dois tipos de couro o branco que vem de fábricas (curtume) é

com couro cru, que para ele é serviço do guasqueiro mesmo. Faz laço de couro torcido e

trançado. Sua técnica, afirma “a gente vai melhorando né, mas isso não muda muito”.

Existem algumas produções mais finas do que outras em que se usa tentos finos, como

em rastras (tipo de cinto utilizado na indumentária gaúcha), possui um manual onde aprendeu

a fazer tapume (serve para vedar/tampar o botão) ele vê em um livro algumas obras e modifica-

as para adequá-las ao seu gosto, principalmente com tapumes e corredores. Explica que lonca

é couro de cavalo e apenas couro é de vaca. Tem preferência em lidar com lonca (figura 04) por

sempre ter tido cavalo quando morava na campanha e quando algum morria ele retirava o couro,

outro fato é que a lonca e forte e mais fina para tirar o “tentinho”.

A relação rural e urbano de maneira não conflituosa possibilita que a guasquería

permaneça como demonstra o informante J.S, reside no espaço urbano, mas sempre trabalhou

na zona rural ou como ele diz para fora, em estâncias. Há 13 anos atrás ele montou seu negócio

independente de guasquería na garagem de sua casa que já possui uma estrutura para a produção

de guascas, mas “quebrou”, porque como ele ressalta “nesse ramo sempre tem alguém mais

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forte, que já tem seus clientes no meio”. Do mesmo modo foi novamente embora, com um único

objetivo em mente só iria voltar a tentar a guasquería unicamente quando o seu serviço estivesse

valendo, tivesse comércio.

Trabalhou 8 anos fora, logo, seguia ainda fazendo seu material e comercializando, com o

tempo como afirma dominou o comércio porque, “tu tinhas um preço alto e eu chegava para

vender, eu oferecia um preço melhor que o teu, eu conseguia com isso melhora a minha

qualidade e subir depois meu produto”. Conquistando o mercado para seus produtos. Se

mantém a 04 anos exclusivamente como guasqueiro, não teve mais ameaças de quebrar

novamente. Recebe algumas encomendas de fora da cidade como de Caxias do Sul e peças para

criar com matérias finas do Chile, mas afirma, que não trabalha com material fino, no caso, não

compra e faz peças com esses, já que sairia muito caro esperar que alguém comprasse essas

peças. Apenas sob encomenda.

Relata que na cidade a concorrência é diferente, a maioria dos guasqueiros são

aposentados, e para ele se defender com o que cria, ele tem que ser mais rápido em

produtividade, se o outro demora 03 dias para criar uma peça, J.S terá que produz em 01 dia,

uma vez que, ganhará 02 dias a mais para outros afazeres e se atrasar terá prejuízo. Sua renda

chega a um salário e meio, não pretende mandar seus produtos para outras regiões, acredita que

não terá como atender a essa demanda. Como diz “trabalho com a cabeça voltada para fazer o

meu produto e também voltada para onde eu vou vender”. Comercializa seus produtos para

cinco veterinárias da cidade. Quando percebe que seu ateliê está muito cheio de peças já prontas,

ele para a produção, para economizar a matéria prima que ele compra. Já M.T vive atualmente

no espaço urbano tem um comercio que é sua principal renda, trabalha com guasquería como

um serviço complementar há 06 anos. Começou a guasquear já que era o que sabia fazer, e

como veio para a cidade não desejava seguir de empregado de ninguém, buscava sua autonomia

profissional, dessa maneira era uma necessidade era seu serviço ou senão teria que buscar

emprego no campo. Com o passar do tempo se fez movimento na venda onde coloca suas peças

para a comercialização, conseguiu clientes e contato com o as pessoas. Sendo que, ele acredita

que a cidade não oferece oportunidades para arrumar um meio de viver, por isso, que procurou

trabalhar por conta, diz que dá para contar nos dedos as estâncias que contratam, porque, “tudo

agora é soja”.

Afirma que a guasquería não vai acabar, devido aos desfiles a cavalo e tem muito mais

“gauchito” (jovens gaúchos/adolescentes) na cidade do que na campanha. Assim, “quem foi

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campeiro, quem não foi não vai ser mais porque se acabou”. Seu filho não seguiu seus passos,

nunca se interessou por aprender a trançar apenas gosta de cavalos, “talvez se morasse no campo

buscasse aprender como eu”. Suas obras são vendidas também para Rio Grande. Tem alguns

tipos de cordas mais caras, com mais detalhes e aprimoramentos que o valor comercial é mais

alto.

Onde o que mais vende são as rédeas e cabeçalhos, por encomenda. Criar guasquería

ajuda em sua renda pois ele tem outro meio para se manter. Uma vez que, “as pessoas que

vivem disso tem o preço mais baixo e o comprador está sempre espera disso, não é culpa de

ninguém é culpa do Comércio”. Contudo, afirma que não conseguiria sustentar sua casa e

família apenas com a produção de guasquería. Segundo ele não existem muitas pessoas que

querem aprender, mas na cidade deve ter uns 11 guasqueiros. Com isso, HALL (2003), afirma

que o capitalismo faz com que o artesanato seja um objeto de consumo. Mesmo sendo um

elemento popular e tradicional ele acaba seguindo algumas regras de mercado.

Dessa forma, J.S.S mora na zona urbana, possui fortes laços com o meio rural residiu por

muito tempo nesse espaço como no Cerrito e na Costa da Lagoa. Suas obras têm compradores

de Montevideo, não está enviando muito para o Uruguai porque está vendendo bem, já vendeu

muito para São Paulo e Curitiba, seu filho ainda vende para essas cidades. Afirma que a

produção de guascas vai longe por causa do mercado de cavalos crioulos. Tem pessoas que

moram perto de sua casa que desconhecem que ele e seu filho trabalham com guasquería.

Poucas pessoas procuram ele para que ensine. Acredita que a guasquería não vai terminar por

causa do cavalo crioulo. O mercado para seus produtos são as encomendas e algumas

veterinárias no Uruguai. As peças com mais aprimoramento são mais caras e as correarias de

Jaguarão não compram, consequentemente, segundo CANCLINI (1983) os objetos artesanais

populares contribuem na “alimentação” do mercado consumidor, na oferta de novos produtos.

O informante P.G mora em uma região urbana, seu ateliê é sua garagem. Sempre

trabalhou no campo como campeiro e alambrador, ressalta que trabalhava bem era caprichoso

não era como qualquer chimbão (relaxado, que faz as coisas de forma ruim). Quando morava

para fora vinha a cidade de carroça, em sua antiga casa não tinha energia elétrica usavam

lampião e quando lhe perguntavam se usava em sua plantação algum tipo de fertilizante em

suas palavras dizia “com que se come isso”. Relata que já ensinou algumas pessoas que

apresentaram dificuldades para aprender as técnicas de guasquería, por motivo de acreditarem

que era um saber/fazer fácil, frequentavam sua casa uns três dias consecutivos e depois se

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cansavam e desistiam, não possuíam, em sua opinião persistência, mas se lhe pedirem ele

ensina. Sua principal fonte de comercialização de suas peças é por meio de encomendas já que

não vende para as correarias da cidade.

CONCLUSÕES

O sujeito que pratica a guasquería está interligado com um passado de trabalho no

campo como peão ou campeiro, de uma infância nesse meio e que por diversos motivos o

fizeram fixar-se no espaço urbano, causando um relativo distanciamento de contextos. Esses

sujeitos seguem praticando um ofício que tinha como função principal suprir suas necessidades

de materiais de trabalho enquanto eles eram peões, logo, não praticam mais a guasquería para

consertar suas cordas, mas para a comercialização de materiais dessa linha (como rédeas, laços,

freios, cabeçadas, boleadeiras, maneias e outros).

A guasquería tornou-se uma profissão, o modo de vida, um saber-fazer transmitido e

aprendido que se tornou bagagem cultural. Nesta questão de definições, em resultados já

apurados temos a problemática desses sujeitos serem guasqueiros. O problema da questão é que

a guasquería pode ser apresentada como um artesanato, pois segue as diretrizes do mesmo,

nesse sentido alguns guasqueiros não se sentem representados ao serem chamados de artesãos,

fato que pode interferir no reconhecimento deles frente as políticas públicas. Para tanto, em

observações prévias temos a guasquería como um saber-fazer muitas vezes desconhecido,

mesmo sua produção massiva sendo realizada em contexto urbano onde se tem fluxo contínuo

de pessoas. A situação real da guasquería hipoteticamente é de invisibilidade, existe, porém,

não é reconhecida por aqueles que estão fora do círculo de atividades relacionadas ao campo e

ao cavalo.

Assim, essa não identificação do guasqueiro em se reconhecer como artesão pode

influenciar na produção e procura de outros sujeitos em aprenderem o ofício. A classificação

da guasquería de ser artesanato, e todos aqueles que a praticam serem artesãos como delimita a

carteira do artesão distribuída por órgãos públicos como prefeitura, induz os sujeitos que

praticam esse ofício a se identificarem como artesãos, essa ação pode causar o guasqueiro um

conflito identitário de afirmação, ocasionando novamente um distanciamento das políticas

públicas que poderiam auxilia-lo em sua produção.

REFERÊNCIAS

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Confeccionados por Guasqueiros do Pampa Gaúcho Aplicados a Joalheria. Santa Maria:

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ENTRELÍNEAS DE LA IDENTIDAD DEL ABYA YALA EN LA CARTA DE

JAMAICA, DE SIMÓN BOLÍVAR

Jenny González Muñoz35

RESUMEN: La Carta de Jamaica, escrita por Simón Bolívar el 6 de septiembre de 1815 y

dirigida al comerciante Henry Cullen, con el objetivo de dar respuestas a sus interrogantes sobre

la historia y la situación de América de esa época, muestra una serie de pensamientos del

Libertador sobre tópicos regionales que abordamos en el presente artículo, desde un análisis

focalizado en los pueblos originarios y la identidad cultural en el siglo XIX, pudiendo

considerarse desde la perspectiva de propuesta integradora regional, aplicable hoy en pleno

siglo XXI. Para dilucidar sobre este tema, se analiza el entrelineado de la Carta frente a otros

textos que abordan el tema de la situación de los indígenas en tiempos coloniales, frente a un

futuro necesario de reflexionar contemporáneamente en una nueva construcción identitaria del

Abya Yala.

Palabras-Clave: Integración regional, pueblos originarios, identidad cultural.

Seguramente la unión es la que nos falta para completar la obra de nuestra regeneración

Simón Bolívar

Carta de Jamaica – 1815

INTRODUCCIÓN

La Carta de Jamaica es un texto de suma importancia tanto por el cúmulo de elementos

que la sustentan, como por las circunstancias en las que se desarrolla, con un Simón Bolívar

desterrado por sus amigos y compañeros de armas, derrotado y, tal como él mismo expresara

en posterior misiva dirigida a Maxwell Hyslop, el 30 de octubre de 1815, “sin duro” con que

35 PNPD-CAPES- Universidade de Passo Fundo. Doutora em Cultura e Arte para América Latina e do Caribe, pela

Universidade Pedagógica Libertador-Instituto Pedagógico de Caracas, Venezuela. Mestre em Memória Social e

Patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Pelotas (Bolsa em Demanda Social CAPES) Endereço

eletrônico: [email protected]

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contar para sobrevivir, es decir, sin dinero36. La Carta de Jamaica nos muestra una serie de

pensamientos sobre la historia y situación de la América desde el análisis profundo, entre los

que sobresale el objetivo fundamental de resaltar el exterminio de los invasores colonialistas a

las poblaciones y territorialidades del llamado Nuevo Mundo, declarando una “guerra”, a partir

de un lenguaje expresivo frente al pensamiento latinoamericano configurado desde la premisa

de la realidad vivida por los pueblos originarios; constituyendo un texto con una de las formas

amplias integradoras más eficaces, aplicables incluso hoy en pleno siglo XXI. Por tanto, hay

que tomar firme atención al contexto histórico en el que fuera escrita, evitando así

interpretaciones erróneas acerca de expresiones o posiciones de Simón Bolívar frente a la

realidad tangible a la que enfrenta y la realidad futura que augura. Para dilucidar sobre este

tema, es conveniente leer el entrelineado de la Carta y detenernos en otros textos que nos pueden

ser de utilidad para entender la generalidad del tema.

Las circunstancias históricas nos obligan a situarnos en la llamada América Meridional

que se encuentra en pleno proceso de subyugación por parte de la corona española. El continente

en sí ha sufrido los desmanes del imperialismo en una manifestación aparentemente diferente a

la contemporánea, y eso ha influido consistentemente en su formación socio-cultural. En el

párrafo introductorio, Bolívar expresa al Sr. Henry Cullen.

Sensible, como debo, al interés que Vd. ha querido tomar por la suerte de mi patria,

afligiéndome con ella por los tormentos que padece, desde su descubrimiento hasta

los últimos periodos por parte de sus destructores los españoles…

Hemos de destacar la significación de la palabra “patria”, pues ésta no es vista como

Venezuela, sino como América toda. En Pamplona (1814), según refiere Arturo Uslar Pietri en

el texto introductorio del volumen 1 de la Colección Claves de América (Biblioteca Ayacucho)

había exclamado a sus soldados “Para nosotros la patria es América”, lo cual pone de manifiesto

definitivamente en la Carta de Jamaica.

36 Carta dirigida en solicitud de ayuda económica. A la frase referida, Bolívar agrega: “ya he vendido la poca plata

que traje. No me lisonjea otra esperanza que la que me inspira el favor de V. sin él la desesperación me forzará a

terminar mis días de un modo violento…” Disponible en: www.archivodellibertador.gob.ve. Acceso en: 22 oct.

2017.

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En 1814, en Pamplona, le había dicho a los soldados de Urdaneta como una

anunciación: “Para nosotros la Patria es América”. En la Carta de Jamaica, en 1815,

señala la necesaria unión de la Nueva Granada y Venezuela, para luego, en un tono de

emoción poética, sin olvidar los obstáculos y las dificultades, afirmar que “es una idea

grandiosa pretender formar de todo el Nuevo Mundo una sola Nación con un solo

vínculo que ligue sus partes entre sí y con el todo”. (USLAR PIETRI, 2010, p. 15)

Esto se debe a que Bolívar tiene clara la importancia de la integración y la unión para

poder saldar las dificultades de la opresión devastadora de la colonia. Más adelante agrega que

esa gran patria está sufriendo desde su “descubrimiento” hasta el siglo XIX, cuando es fechada

la misiva, es decir, aun a trescientos años. Es este punto es conveniente destacar el momento

histórico, pues se utilizaba (como hasta buena parte del siglo XX) la palabra “descubrimiento”

para referirse al periodo colonizador, cuando los invasores europeos llegan a territorios del Abya

Yala. Acontecimiento que, a lo largo del tiempo, producto de reflexiones hacia la

resignificación del término, se dio en llamar “encuentro de culturas”, sobre todo en cuanto a la

efeméride del 12 de octubre, en un intento filosófico por visibilizar características identitarias

específicas de aquel conocimiento común, sin dejar de lado que todo encuentro implica también

conflicto y diferencias.

Dicha situación de opresión y aflicción que atormenta, podemos decir, con toda

responsabilidad, a los pueblos originarios, se entiende de igual modo, a los indígenas de

Norteamérica, quienes viven en reservas, sufriendo una suerte de esclavización enmascarada

por la “libertad”, sostenida en ausencia de identidad, vergüenza étnica y vasallaje económico

por medio de casinos, endeudamientos, prostitución, entre otros. Lo que infiere el carácter

opresor explayado en todo el continente y su parte insular, no solo soportada en aquel Abya

Yala de la voz karibe-kuna (pueblos originarios asentados en las actuales Colombia y Panamá),

traducible como “continente en expansión”, referido a la extensión de tierras que van desde

México hasta la Patagonia, siendo aceptado contemporáneamente por los pueblos ancestrales.

De esta situación Bolívar está plenamente consciente y en su texto al hacer conjeturas

sobre los siglos de dominación española, se vuelca a los criterios de un naturalista y un

sacerdote, el de autoridad de Alejandro de Humboldt “‘con su universalidad de conocimientos

teóricos y prácticos’ y ‘al apóstol de América’ fray Bartolomé de Las Casas” (TORRES, 2016,

p. 352), para iniciar su reflexión, desde una base edificada a partir de dos posturas sólidas que

le permitirán tener, en el propio Bolívar, una mayor claridad sobre la situación que desea

explicar y, a su vez, poder hacer entender al Sr. Cullen, lo que está analizando y casi

denunciando. Volviendo a la Carta de Jamaica, más adelante se lee:

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“Tres siglos ha -dice Vd- que empezaron las barbaridades que los españoles

cometieron en el grande hemisferio de Colón”. Barbaridades que la presente edad

ha rechazado como fabulosas, porque parecen superiores a la perversidad

humana; y jamás serían creídas por los críticos modernos, si constantes y repetidos

documentos no testificasen estas infaustas verdades. El filantrópico obispo de

Chiapas, el apóstol de la América, Las Casas, ha dejado a la posteridad una breve

relación de ellas, extractada de las sumarias que siguieron en Sevilla a los

conquistadores, con el testimonio de cuantas personas respetables había entonces en

el Nuevo Mundo, y con los procesos mismos que los tiranos se hicieron entre sí: como

consta por los más sublimes historiadores de aquel tiempo. Todos los imparciales han

hecho justicia el celo, verdad y virtudes de aquel amigo de la humanidad, que con

tanto fervor y firmeza denunció ante su gobierno y contemporáneos los actos más

horrorosos de un frenesí sanguinario.

Un frenesí sanguinario expandido por los conquistadores de las maneras más viles. Pero

no hay que olvidar que para ese viaje aventurero que desemboca, infelizmente, en las tierras del

Abya Yala es enviada gran parte de la escoria de España: asesinos, violadores, hombres sin

asidero familiar; quienes al verse, en un corto tiempo, rodeados de riquezas materiales con

“libertad” de poder hacer y deshacer a voluntad, no hacen más que cometer sus crímenes de

costumbre, aunque de manera exacerbada, lo que cual trae consigo, la debacle de civilizaciones

originarias y una historia de dolor escrita con sangre. Lo que Bolívar expresa es bien cierto,

pues tales barbaridades son tan atroces que parecen producidas por la mitología popular.

Tristemente son verdad. En libros de Fray Bartolomé de Las Casas como Historia de las Indias,

son descritos episodios realmente lamentables de la historia, lo propio se observa en su

Almirante de la Mar Océana.

En textos como La ciudad de la Canela, escrito por el soldado, conquistador, luego

cronista Pedro Cieza de León (1520-1554), en la sección Los indios son torturados escribe:

Llegado que fue Gonzalo Pizarro donde había aquellos árboles que de sí echaban la

canela que decimos, tomó a ciertos indios por guías y preguntóles dónde había valles

y llanadas que tuviesen muchos de aquellos árboles que tenían canela; respondieron

que ellos no sabían más, ni en otra tierra los habían visto (…) Gonzalo Pizarro

mandó que, puestas unas cañas atravesadas con unos palos a manera de

horquetas, tan anchas como tres pies y tan largas como siete, algo ralas, que

fuesen puestos en ellas aquellos indios, y con fuego los atormentasen hasta que

confesasen la verdad, y no se la tuviesen oculta; prestamente los inocentes fueron

puestos por los crueles españoles en aquellos asientos o barbacoas y quemaron a

algunos indios, los cuales, como no sabían lo que decían, ni tampoco hallaban causa

justa por donde con tanta crueldad les diesen aquellas muertes, dando grandes

aullidos, decían con voces bárbaras y muy entonadas “¿Cómo nos matáis con tanta

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poca razón, pues nosotros jamás os vimos ni nuestros padres enojaron a los vuestros?

(CIEZA DE LEÓN, 2003, pp. 25-26)

Más adelante, el cronista español, en franco asombro y tristeza sobre los terribles

acontecimientos protagonizados por sus ex compañeros, narra:

El carnicero Gonzalo Pizarro, no solamente no se contentó de quemar a los indios

sin tener culpa ninguna, mas mandó que fuesen lanzados otros de aquellos indios, sin

culpa, a los perros, los cuales los despedazaban con sus dientes y los comían; y entre

éstos que aquí quemó y aperreó oí decir hubo algunas mujeres, que es de tener mayor

maldad. (CIEZA DE LEÓN, 2003, p. 26)

Tales crueldades calificadas por Bolívar como “superiores a la perversidad humana” se

extenderán por varios siglos, a pesar de las iniciativas de las gestas emancipatorias, dentro de

las que se puede nombrar, en el marco legal, por ejemplo, el Decreto sobre los Derechos del

Indio, promulgado por el Libertador el 4 de julio de 1825. Tal como lo refiere el héroe patrio,

son las crónicas de Indias los documentos que han quedado para que se sepa parte de lo que

ocurrió en esa lista de acciones de la conquista y la invasión; sin ellas, tal vez la historia hubiese

quedado desdibujada en los trazos erróneos de la manipulación y la mala interpretación.

Lástima que dichas crónicas solo esbocen lo que los españoles cuentan y no tengan las

narraciones de los propios indígenas. El propio Fray Bartolomé de las Casas en el libro Vida de

Cristóbal Colón cuenta, desde su propia experiencia que, a partir de un hecho ocurrido en 1495

cuando el rey Guatiguaná mandó matar diez cristianos y luego huyó, los españoles determinaron

una ley inviolable que “por cada cristiano que matasen los indios hubiesen los cristianos de

matar cien indios” (LAS CASAS, 1992, p. 95), y el cronista agrega “yo vi muchas veces”.

El frenesí sanguinario se instala, entonces, como una suerte de costumbre que traerá

consigo la merma de gran parte de la población originaria de la posteriormente llamada América

Meridional y la subsiguiente configuración de historias entrecruzadas, que darán paso al

nacimiento de una consciencia eurocéntrica en las tierras colonizadas, lo cual influirá de manera

decisiva, en la historia contemporánea de las naciones.

Sobre la situación en la primera década del siglo XIX, expresa Bolívar que “el destino

de América se ha fijado irrevocablemente; el lazo que la unía a España está cortado”; es

decir, no hay vuelta atrás para encontrar alianzas donde no existe más que una historia de

opresión y minimización de un pueblo. Luego agrega “todo lo que formaba nuestra

esperanza nos venía de España. De aquí nacía un principio de adhesión que parecía eterno;

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no obstante que la conducta de nuestros dominadores relajaba esta simpatía”, esto porque, tal

como es lógico de todo proceso de dominación, se fue instaurando en el subconsciente de la

gente de la llamada América la certeza de que sin España sucumbirían a la nada.

No es casual que se comenzara a hacer un trabajo de discriminación por el color de la

piel o procedencia (obviamente aunado a lo económico) buscando el nacimiento del

endorracismo, de la vergüenza étnica; con el propósito de denigrar de lo propio, perdiendo así,

poco a poco, la identidad cultural propia, lo que incide en los modos de vida y capacidades de

transformación. Es de resaltar en este punto la calidad profética de la Carta de Jamaica y,

obviamente, el carácter visionario en general de Simón Bolívar, pues dicha minimización de la

identidad propia aun en pleno siglo XXI se sigue observando en los pueblos de la América

Meridional, creando conciencias eurocéntricas y de amplia admiración a las culturas

hegemónicas, lo cual es una forma de penetración imperialista que se encarna en aspectos

diversos como la educación, el desarrollo (en varias vertientes) y la dinámica social, entre otros,

imposibilitando así el desenvolvimiento pleno de los pueblos.

El jugar a la invisibilización, por medio de la negación de la identidad como sentido de

pertenencia, es otra forma de subyugación; ya no son las armas, el látigo y los perros cazadores

entrenados para atacar indígenas y afrodescendientes, son el sentimiento atacado desde el modo

de vida, pertenencia y dos elementos fundamentales a la hora de hablar de identidad: el idioma

y la religión (o sistema de creencias), es decir, el ámbito cultural. No por azar en la Carta se

expresa “ya hemos sido libres y nuestros enemigos pretenden de nuevo esclavizarnos”, pues las

luces y virtudes, como dijera el Maestro Simón Rodríguez, al ser opacadas, conllevan al

oscurantismo, “Todo es ignorancia … absoluta ó modificada – y la ignorancia es causa de todos

los males” (2010, p. 44); la esclavitud intelectual es mucho peor que la meramente física, esto

lo prueban a lo largo de la historia los procesos de resistencia de los pueblos.

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Fig. 1. Fragmento Carta de Jamaica. Disponible em:

http://www.eltelegrafo.com.ec/especiales/2015/Carta-de-Jamaica/img/carta/2.jpg Acceso en:

20 jul 2017.

METODOLOGÍA

El trabajo que presentamos es producto de una serie de aproximaciones sobre historia

regional y local desarrollado por un grupo de historiadores e investigadores, entre los que se

encuentra la autora, con la finalidad de realzar la identidad “latinoamericana” desde el

conocimiento de la propia historia. En este sentido, a raíz de la conmemoración de los 200 años

de la Carta de Jamaica, se llevaron a cabo varios escritos y eventos en relación a las lecturas del

texto de Bolívar, plan dentro del cual la autora se vio inmersa desde una metodología

hermenéutica, de tipo documental, con el objetivo primordial de analizar e interpretar en el

entrelineado de dicho escrito del siglo XIX en relación específicamente a los pueblos indígenas,

para intentar una aproximación a la realidad contemporánea de los hasta ahora existentes.

DISCUSIÓN

Libertad de libertades

Simón Bolívar hace referencia a la situación de varias provincias y virreinatos; respecto

al virreinato del Perú hace énfasis en la cantidad de población que tenía y las riquezas existentes.

Lo cual nos hace recordar la situación terrible acaecida en aquella “entrevista” entre los

españoles invasores y el rey inca Atahuallpa, aquel fatídico día en Cajamarca, y el pago de

rescate de toneladas de oro y plata, con el infructuoso y bochornoso resultado ya sabido. En lo

referente a Venezuela devela:

En cuanto a la heroica y desdichada Venezuela sus acontecimientos han sido tan

rápidos y sus devastaciones tales, que casi la han reducido a una absoluta indigencia

a una soledad espantosa; no obstante que era uno de los más bellos países de cuantos

hacían el orgullo de América. Sus tiranos gobiernan un desierto, y sólo oprimen a

tristes restos que, escapados de la muerte, alimentan una precaria existencia; algunas

mujeres, niños y ancianos son los que quedan. Los más de los hombres han perecido

por no ser esclavos, y los que viven, combaten con furor, en los campos y en los

pueblos internos hasta expirar o arrojar al mar a los que insaciables de sangre y de

crímenes, rivalizan con los primeros monstruos que hicieron desaparecer de la

América a su raza primitiva. Cerca de un millón de habitantes se contaba en Venezuela

y sin exageración se puede conjeturar que una cuarta parte ha sido sacrificada por la

tierra, la espada, el hambre, la peste, las peregrinaciones; excepto el terremoto, todos

resultados de la guerra.

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Las poblaciones originarias de Venezuela no han sido exterminadas de un todo, como

ocurrió en las islas del Caribe, pero si mermadas sustancialmente, no obstante, ese nuevo

territorio surgido con la incorporación de nuevas etnias, ha dado nacimiento a un mestizaje no

solo biológico sino también cultural, donde los propios héroes de la independencia son parte

tangible. Bolívar dice: “ (…) no somos indios ni europeos, sino una especie media entre los

legítimos propietarios del país y los usurpadores españoles …” En este sentido, se genera una

“raza” americana, mixtura de etnias originarias, europeos y africanos traídos involuntariamente

para trabajar en calidad de esclavizados, tristemente en sustitución de los indígenas que estaban

muriendo, o ya lo habían hecho, por múltiples razones.

Es conveniente señalar que hemos entrecomillado la palabra “raza” porque debemos

recordar bien las palabras del héroe cubano José Martí, quien en su libro Nuestra América

(2005) explica:

No hay odio de razas, porque no hay razas. Los pensadores canijos, los pensadores

de lámparas, enhebran y recalientan las razas de librería, que el viajero justo y el

observador cordial buscan en vano en la justicia de la Naturaleza, donde resalta en el

amor victorioso y el apetito turbulento, la identidad universal del hombre. El alma

emana, igual y eterna, de los cuerpos diversos en forma y en color. Peca contra la

Humanidad el que fomente y propague la oposición y el odio de las razas. Pero en el

amasijo de los pueblos se condensan, en la cercanía de otros pueblos diversos,

caracteres peculiares y activos, de ideas y de hábitos, de ensanche y adquisición, de

vanidad y de avaricia, que del estado latente de preocupaciones nacionales pudieran,

en un período de desorden interno o de precipitación del carácter acumulado del país,

trocarse en amenaza grave para las tierras vecinas, aisladas y débiles, que el país fuerte

declara perecederas e inferiores. Pensar es servir. (p. 49)

De manera que es más conveniente hablar de etnias, pueblos, en algunos casos

comunidades, y el término “racismo” llevarlo a la denominación “discriminación por el color

de la piel”, o simplemente discriminación, porque ya dicha palabra encierra todo lo nefasto que

trae consigo tal miseria humana.

Por causa de tales discriminaciones la población conformada por 7.800.000 personas

que para 1808 tenía la llamada Nueva España, según datos referidos de Humboldt por Bolívar

en la Carta de Jamaica, “más de un millón” ha perecido, y peor aún, para 1815 “la lucha se

mantiene a fuerza de sacrificios humanos y de todas especies”, ya que no solo están los

indígenas sino los africanos y sus descendientes, y mestizos americanos, porque este continente

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“parece destinado a empaparse con la sangre de sus hijos”. A esto hay que agregar la historia

de genocidio en las islas del Caribe y la invisibilización que la ha acompañado a lo largo de los

tiempos. En este caso es perentorio detenerse, pues en la contemporaneidad, es una situación

interesante respecto a la óptica de la llamada América Latina frente a ese Caribe que parece ser

parte de ella, pero a la vez no, sobre lo cual Bolívar también reflexiona al hablar de la

devastación de la población originaria en Puerto Rico y Cuba ya que “son las que más

tranquilamente poseen los españoles”, y allí hace una gran pregunta: “¿no son americanos estos

insulares?” Interrogante que aun queda en el aire, ante el desconcierto de la no respuesta plena,

pues todavía se suele decir América Latina y El Caribe, como si las islas que compartieron una

misma historia con el continente abya yalense no fuesen también parte de este. De hecho Puerto

Rico jamás se quitó el yugo imperialista, aún hoy 200 años después de las reflexiones de

Bolívar, sigue siendo un territorio colonizado.

En la carta visionaria, la reflexión constante cobra vida en la multiplicidad de

interrogantes: “¿Está la Europa sorda al clamor de su propio interés? ¿No tiene ya ojos para ver

la injusticia? ¿Tanto se ha endurecido, para ser de este modo insensible?” Estas preguntas bien

nos las podemos hacer hoy día, en pleno siglo XXI, si reflexionamos sobre situaciones como la

que ha venido sufriendo Palestina desde 1947, con el robo sistemático de sus legítimas tierras

y el genocidio constante por parte de Israel y la mirada ciega de los organismos internacionales;

el desplazamiento de sirios, libaneses o de diversos países del África subsahariana, por causa

de invasiones, guerras, hambruna, entre otros factores, ante la posición discriminatoria de

Europa y su actitud complaciente ante las organizaciones. Parecen estos países, haber borrado

de su memoria colectiva y social los desmanes por los que pasaron en las guerras mundiales y

otras situaciones transversales.

Respecto a estos acontecimientos tomamos las palabras de Bolívar: “Estas cuestiones,

cuanto más las medito, más me confunden…” “¿hasta dónde se puede calcular la trascendencia

de la libertad en el hemisferio de Colón?” dice Bolívar en la Carta de Jamaica, y nosotros nos

preguntamos: “¿hasta dónde se puede calcular esa tal libertad en el mundo globalizado? ¿De

qué se habla cuando se aboga por la libertad y los derechos humanos? ¿Hasta dónde llega mi

libertad como pueblo y dónde comienza la libertad del otro? Es el tener consciencia de la

existencia del “otro”, como dice Tzvetan Todorov, y desde allí comenzar un proceso de

reconstitución de valores éticos y morales, donde la solidaridad y el respeto sean fundamentales

para la construcción de nuevas teorías en relación a la libertad en todas sus manifestaciones, sin

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vulnerar la autonomía de lo que no nos satisface o sobre lo que desconocemos o no estamos de

acuerdo. Ya lo dijo muy certeramente el héroe mexicano Benito Juárez: “El respeto al derecho

ajeno es la paz”. El propio José Martí solía definir la libertad como: “(…) el derecho que tienen

las personas de actuar libremente, pensar y hablar sin hipocresía” (2005, p. 211), pero esa

sinceridad implícita no radica en decir o hacer lo que sea, sino tener la suficiente

responsabilidad como para asumir las consecuencias. De igual manera, esas libertades también

pudiesen estar concatenadas con la posibilidad de asumir posiciones desde el estudio de la

Historia, tanto antigua como contemporánea, incluso en lo que respecta a la injusticia

epistemológica.

Parece que usted quiere aludir al monarca de Méjico Moctezuma, preso por Cortés y

muerto, según Herrera, por el mismo, aunque Solís dice que por el pueblo, y a

Atahualpa, inca del Perú, destruido por Francisco Pizarro y Diego Almagro. Existe tal

diferencia entre la suerte de los reyes españoles y los reyes americanos, que no

admiten comparación; los primeros son tratados con dignidad, conservados, y al fin

recobran su libertad y trono; mientras que los últimos sufren tormentos inauditos y los

vilipendios más vergonzosos.

Vilipendios que parecen trascender los tiempos, pues, por ejemplo, hay quienes aún se

detienen largas jornadas en discutir si los mandatarios de las grandes civilizaciones originarias

del Abya Yala pueden ser llamados reyes o no, o si dichos pueblos organizados eran imperios

o no, en fin, es un poco volver a los viejos dogmas de los mismos conquistadores europeos,

cuando decían que los indígenas eran primitivos sin cultura. Triste destino sin penalización

alguna: Moctezuma, Atahuallpa, Túpac Amaru, Guarionex, Guaicaipuro, son solo algunos de

los tantos reyes destronados y asesinados desde la base incierta de la minimización y el abuso

imperialista.

La América está llamada a ser original

Mucho tiempo después de la Carta de Jamaica, en 1840, el Maestro de América don

Simón Rodríguez escribirá Tratado sobre las LUCES y sobre las VIRTUDES Sociales en el que

hace disquisiciones y propuestas fundamentales, entre las cuales, las reformas en el área de la

educación y la originalidad de la América serán de gran relevancia para la posteridad. Ya en la

Carta de Jamaica, tal como se vio en apartes anteriores, Simón Bolívar había hablado sobre los

problemas de América por falta de una verdadera identidad, es decir, lo que el viejo Robinson

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llamaría originalidad, en este sentido, la verdadera identidad cultural desde su sentido de

pertenencia, se manifiesta en la posibilidad de un destino esclarecedor, donde América deje de

“imitar” para comenzar a crear desde su propia realidad. Bolívar pregunta a Cullen:

¿quiere Vd. saber cuál es nuestro destino?, los campos para cultivar el añil, la grana,

el café, la caña, el cacao y el algodón, las llanuras solitarias para criar ganados, los

desiertos para cazar las bestias feroces, las entrañas de la tierra para excavar el oro

que no puede saciar a esa nación avarienta.

Los pueblos indígenas, perseguidos por los enemigos internos y, luego, por los invasores

españoles, fueron replegándose a los espacios más intrincados (actuales fronteras de los países)

intentando huir de la tortura y el genocidio, así el destino de los americanos sería el trabajo rudo

y la esclavitud, teniendo conciencia que ésta no solo está en el grillo y el azote.

Tan negativo era nuestro estado que no encuentro semejante en ninguna otra

asociación civilizada, por más que recorro la serie de edades y la política de todas las

naciones. Pretender que un país tan felizmente constituido, extenso, rico y populoso,

sea meramente pasivo ¿no es un ultraje y una violación de los derechos de la

humanidad?

Aquí habla Bolívar de la necesidad imperiosa de la emancipación, de la lucha por la

libertad, derecho que tienen todos los ciudadanos del mundo. En este punto queremos hacer

énfasis en algo interesante como es ese estado de negatividad que encuentra Bolívar en las

tierras del Abya Yala, lo cual es incomparable a otros procesos, pues el genocidio y la cantidad

de violaciones a los derechos humanos que se perpetraron en las tierras de la llamada América

no han sido rebasados aún en pleno siglo XXI.

Esta historia, además, es la que nos hace ser totalmente diferentes al resto de los continentes,

desde una realidad que nos configura en lo diverso a lo identitario. Fuimos subsumidos por el

imperio, nos minimizaron como humanos, pretendieron borrarnos como ciudadanos. “Jamás

éramos virreyes ni gobernadores (…) diplomáticos nunca; militares, solo en calidad de

subalternos; nobles, sin privilegios reales; no éramos, en fin, ni magistrados, ni financistas y

casi ni aún comerciantes …” Colocándonos en la contemporaneidad cabría preguntarse: ¿dónde

estuvieron nuestros pueblos indígenas hasta hace poco menos de veinte años? ¿En qué calidad

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están todavía en ciertos países? En Venezuela fue solo hasta la Constitución de 1999 que fueron

visibilizados, a partir de ella es que comienzan a tener un lugar, incluyendo en la historiografía

hegemónica del país. ¡Cuánto tiempo ha tenido que pasar!

Los pueblos del Abya Yala han luchado a lo largo de los tiempos por su libertad, por el

rescate de los derechos que tuvieron, incluso, por la tenencia de tierras y territorialidades que

legal y ancestralmente les pertenecen, por el respeto de sus objetos rituales, su identidad y sus

sistemas de creencias y organizativos. En este sentido, la constante resistencia de nuestros

pueblos originarios es fundamental para la construcción de una América original, capaz de dejar

de lado los dogmas que la han subyugado, para tomarlos de bastión en la batalla por una plena

libertad, digna de las enseñanzas de nuestros libertadores.

Volviendo a la Carta de Jamaica, citamos: “ ‘Es más difícil – dice Montesquieu- sacar

un pueblo de la servidumbre, que subyugar uno libre’, Esta verdad está comprobada por los

anales de todos los tiempos, que nos muestran las más de las naciones libres sometidas al yugo

y muy pocas de las esclavas recobrar su libertad”. Más adelante, en el mismo párrafo, se

pregunta:

¿seremos nosotros capaces de mantener en su verdadero equilibrio la difícil carga de

la república? ¿Se puede concebir que un pueblo recientemente desencadenado se lance

a la esfera de la libertad sin que, como a Icaro, se le deshagan las alas y recaiga en el

abismo?

Habla de la esperanza, pero antes ha colocado como ejemplo las luchas por conservar la

libertad de los héroes indígenas, y la posición de sus descendientes, como en México, donde el

pueblo, al afianzarse en la identidad cultural propia puede avanzar hacia el auto-reconocimiento

y la libertad. Si nos ubicamos en el tema de esta disertación, llegamos a pensar en la resistencia

indígena por recobrar sus derechos, lo cual se ha extendido a lo largo de los tiempos históricos,

en este sentido, es conveniente recordar que la misma vida llena de vicisitudes de estos pueblos

es lo que llevará a Simón Bolívar a considerar en el ya referido Decreto sobre los Derechos del

Indio, de 1825, cuando, entre otras cosas, acota que “la igualdad es incompatible con el servicio

personal”, fija posición frente al servilismo y la esclavización –directa o no-, exalta las terribles

vejaciones por las que han pasado los pueblos originarios, y recalca las injusticias en pagos,

exclusiones y demás, lo cual da paso al establecimiento de dicho decreto que prohíbe emplear

indígenas contra su voluntad, ajustes de pagos de los indígenas, mejor paga en sus labores, en

fin, aspectos administrativos fundamentalmente, de interés, pero que continua dejando a los

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pueblos originarios a la merced de toda la pléyade de invisibilizaciones que traerán consigo los

siglos venideros.

Integración y emancipación. Dos brazos de un mismo cuerpo

A lo largo de la Carta de Jamaica el texto nos muestra la idea abierta de Simón Bolívar

en cuanto a la integración de la llamada América Latina: “Yo deseo más que otro alguno ver

formar en América la más grande nación del mundo, menos por su extensión y riquezas que

por su libertad y gloria”. Mucho se ha hablado del sueño o propuesta integracionista de Bolívar,

pero es interesante acá intentar hacer una aproximación a la situación político-social del Abya

Yala en relación con los indígenas de frontera, sobre todo si se toma en cuenta que los pueblos

originarios no se consideran con nacionalidades establecidas por el Estado-nación a la usanza

occidental, sino desde su propia perspectiva organizativa. De manera que, para Bolívar en 1815

es lícito pensar que una adhesión de los indígenas a la propuesta integracionista sería un punto

fundamental para la suma de sus territorios, de igual manera a la causa emancipatoria, él dice:

“Los salvajes 37 que la habitan38 serían civilizados y nuestras posesiones se aumentarían con la

adquisición de la Goajira”. Ya conocemos esa parte de la historia y no es este el espacio para

dilucidar sobre ella, no obstante, es interesante tener en cuenta, sobre todo en hechos de la

contemporaneidad, que son los pueblos indígenas quienes habitan en mayor parte las fronteras

de nuestros países. Por ejemplo en Venezuela se encuentran en zonas fronterizas los wayúu,

yukpa, añú, barí, yanomami, pemón, warao, piaroa, akawaio, entre otros, muchos de los cuales

son “comunidades binacionales” (caso yanomami, pemón, yukpa y wayúu) o garantes

potenciales de zonas en conflicto (akawaio en el Esequibo) lo que incide directamente en el

resguardo de fronteras, planteamiento extensivo desde la Seguridad y Defensa Integral de la

Nación.

En la Carta de Jamaica el Libertador, tras un bosquejo analítico sobre la situación de la

América Meridional, asegura que, producto de todo un malestar general, “las provincias

americanas se hallan lidiando por emanciparse”, y allí cabría preguntar ¿y qué pasa con los

pueblos indígenas? ¿para ellos también es importante deslastrase solo de España? Continuando

con su ideal integrador, escribe:

37 Respecto a éste término se recomienda que ubicarse en el contexto histórico para su mejor comprensión. 38 Refiriéndose a la Nueva Granada al unirse con Venezuela, tomando el nombre de Colombia.

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Es una idea grandiosa pretender formar de todo el Mundo Nuevo una sola nación con

un solo vínculo que ligue sus partes entre sí y con el todo. Ya que tiene un origen,

una lengua, unas costumbres y una religión, debería, por consiguiente, tener un

solo gobierno que confederase los diferentes estados que hayan de formarse; mas no

es no posible, porque climas remotos, situaciones diversas, intereses opuestos,

caracteres desemejantes, dividen a la América. ¡Qué bello sería que el Istmo de

Panamá fuese para nosotros lo que el de Corinto para los griegos!

En el texto hemos señalado puntos de interés. Por un lado el Libertador está consciente

de la existencia de una serie de situaciones que se contraponen, de beneficios no comunes y de

modos de ser no semejantes, lo que bien se conocería como una diversidad, la cual ya ha acotado

al referirse al mestizaje étnico que diera pie a la nueva configuración de las tierras del Abya

Yala. Por otra parte, expresa que el hecho de tener un origen común (obviamente los traumas

de la conquista, lo cual no tiene igual en el mundo, incluso hasta los momentos actuales), y

costumbres semejantes, sería más fácil la confederación de un solo gobierno.

Esto no es del todo incierto, mas si es rebatible cuando dice que tiene “una lengua y una

religión”, ya que se está negando la existencia de la diversidad lingüística y de sistemas de

creencias. En la América del siglo XV, cuando llegan los invasores colonizadores la cantidad

poblacional es muy amplia y pueblos hablan diferentes idiomas y existe un sistema de creencias

establecido. Si bien es cierto que hay consideraciones imperialistas y expansionistas como en

el caso de los incas, que habían establecido el runa simi como idioma oficial de sus

territorialidades, y la adoración al sol (Inti) como una suerte de “religión” instituida, la

diversidad cultural es significativa, lo que se acrecentaría más tarde con presencia de los propios

europeos y la traída de los africanos en calidad de esclavizados, dando paso a la configuración

de tierras y territorialidades ricas en diversidad, aunque teniendo como punto la represión como

arma de subyugación por medio de la lengua y la religión que, como sabemos, son elementos

fundamentales para minimizar la identidad de los pueblos, y la prohibición de manifestaciones

culturales y/o religiosas ajenas a la católica.39

No obstante, la unión también se puede establecer desde la creencia, desde el mito que

nos cuenta, desde la música que nos une, porque allí está el sentido de pertenencia. “¿No es la

unión todo lo que se necesita para ponerlos en estado de expulsar a los españoles, sus tropas y

los partidarios de la corrompida España para hacerlos capaces de establecer un imperio

39 En este aspecto, solo como punto referencial, se puede recordar el Code Noir. A pesar de ser un edicto de 1685.

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poderoso, con un gobierno libre y leyes benévolas?” Ideales surgidos, de igual modo, de la

propuesta de Francisco de Miranda en relación a la importancia estratégica que tiene el

nacimiento de una sola nación, vista así desde una visión integradora de la región, lo cual

fortalecería diversos ámbitos desde lo político, económico, social e incluso la cultural; utopía

en nuestras tierras americanas, pero contemporáneamente tomadas y aplicadas en Europa a

partir de la institucionalización de la Unión Europea de Naciones, con los consecuentes aspectos

positivos, sobre todo en un inicio, y los actores actuales que han llevado a su debilitamiento.

En cuanto a los pueblos indígenas y aquellos subyugados del mundo, siguen en pie de lucha

por su emancipación, pues la hegemonía de los grandes imperios cada día intentan con mayor

extensión y logro, una nueva configuración de vasallaje, por ejemplo, desde procesos globales

de comunicación, la posibilidad de un idioma universal y la creciente estandarización de

criterios culturales.

A MODO DE EPÍLOGO

¿En qué ha cambiado la situación de los pueblos indígenas del Abya Yala a más de 500

años de colonización? ¿Ha mermado la discriminación hacia los modos de vida y culturales

ancestrales? ¿Hasta qué punto el desastre ambiental producido por la tala indiscriminada del

Amazonas, la explotación del carbón en el entorno territorial indígena, la incursión desmedida

de prácticas en contra del respeto a la propiedad legítima de tierras ancestrales y la colonización

capitalista de estas, entre otros aspectos, han tenido un alto o han desaparecido como prácticas

constantes? ¿Realmente existen políticas de Estado que accionen de manera efectiva en función

de las reivindicaciones de los pueblos ancestrales? ¿Las teorías de la no discriminación, el

realce del respeto, la solidaridad y otros valores éticos y morales hacia las culturas minoritarias,

han conllevado de manera amplia a la consolidación de organizaciones en beneficio de las

mismas, anulando su invisibilización?

A más de 500 años de la llegada de los colonizadores europeos a las tierras del Abya

Yala, y 200 de la Carta de Jamaica, ¿hasta qué punto se puede hablar de una verdadera

emancipación de los pueblos ancestrales y de una reivindicación de sus derechos, en la amplitud

del término?

Más que entregar un epílogo, dar recomendaciones o intentar llegar a alguna conclusión,

pensamos más significativo propiciar un espacio para la reflexión sobre la realidad que viven

los pueblos indígenas, como se ha visto, herencia histórica ya abordada por libertadores como

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Simón Bolívar, y observada por diferentes entes vinculados a asuntos de derechos humanos y

aspectos culturales, en la cual han preponderado la invisibilización, el menosprecio e irrespeto

a la cultura del otro, a lo supuestamente diferente. En pleno siglo XXI, aquellas interrogantes

que intentó, con tanto acierto, responder el Libertador, muchas siguen en vigencia y tratando

de encontrar alguna respuesta en el ámbito contemporáneo. Así nuestras preguntas pretenden

abrir el camino hacia nuevas perspectivas y tratamientos hacia los pueblos indígenas, dejando

de lado el exotismo, el alejamiento histórico, la brecha cultural, entendiendo que solo es posible

una verdadera integración de la América Meridional, si comenzamos a mirar y sentir a nuestros

pueblos originarios parte constitutiva de nuestra propia narrativa contemporánea.

REFERENCIAS

BOLÍVAR, Simón. Carta de Jamaica y otros textos. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 2010.

(Colección Claves Políticas de América, Nº 11)

CIEZA DE LEÓN, Pedro. La ciudad de la canela. En: Crónicas de El Dorado. Caracas:

Biblioteca Ayacucho. Colección Claves de América, Nº 24, 2003, pp. 23-26.

FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Las indias de oro. En: Crónicas de El Dorado.

Caracas: Biblioteca Ayacucho. Colección Claves de América, Nº 24, 2003, pp. 1-6.

LAS CASAS, Fray Bartolomé de. Vida de Cristóbal Colón. Caracas: Biblioteca Ayacucho,

1982. (Colección Claves de América, Nº 7)

MARTÍ, José. Nuestra América. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 2005.

MARTÍ, José. Nuestra América. Disponível em: <

http://bdigital.bnjm.cu/docs/libros/PROCE11914/Nuestra%20America.pdf>. Acesso em 15

sep. 2017.

RODRÍGUEZ, Simón. Luces y virtudes sociales. Caracas: Universidad Simón Rodríguez,

2010.

TODOROV, Tzvetan. La conquista de América. El problema del otro. Buenos Aires: Siglo

XXI.

TORRES, Alexander. El otro posible (Sobre la función utópica en la Carta de Jamaica) In: La

Carta de Jamaica en el siglo XXI. Aproximaciones críticas a un documento bicentenario.

Caracas: Centro Nacional de Historia, 2016, pp. 343-376.

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USLAR PIETRI, Arturo. Introducción al texto de Bolívar. In: BOLÍVAR, Simón. Para

nosotros la Patria es América. 2º edic. Caracas: Biblioteca Ayacucho. 2010. (Colección

Claves de América, Nº 1)

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PARTIDOS POLÍTICOS: COMO VEM SE DANDO SUA TERRITORIALIDADE

Matheus Pinto Furtado40

Ronaldo Bernardino Colvero41

Danilo Pedro Jovino42

RESUMO: O presente trabalho se caracteriza como um estudo sobre o panorama da

territorialidade dos partidos políticos no Brasil na atualidade, construindo-se a partir de

questões conceituais. Objetiva-se compreender como vem se dando a territorialidade dos

partidos políticos na busca de obtenção de votos entre os eleitores, se apresentando como uma

ferramenta reflexiva sobre as ações das organizações partidárias no território. Além disto, visa-

se analisar a relação de pouco vínculo entre os partidos e como esta liga-se com a territorialidade

das organizações partidárias. Foi possível observar que partidos políticos vêm exercendo sua

territorialidade na busca da conquista de votos fazendo uso de estratégias como o enfoque, por

exemplo, na personalização, priorizando os atores e não as legendas. Tal ação vem levando,

cada vez mais, a um enfraquecimento da relação de identificação do eleitorado com as siglas

partidárias. A metodologia utilizada foi a qualitativa, utilizando o método da revisão

bibliográfica tanto sobre território e a territorialidade quanto no que tange aos partidos políticos.

Palavras-Chaves: Território, Territorialidade, Partidos Políticos.

INTRODUÇÃO

Quando fala-se em território, logo pensa-se apenas em extensões de terra delimitadas,

como municípios, estados ou países, e isto representa grande parte da perspectiva do senso

comum. Contudo, antes de partir ao conceito deste, se faz necessária uma contextualização,

40 Graduando no curso de Ciências Humanas – Licenciatura na Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA,

Campus São Borja, Rio Grande do Sul. [email protected]. 41 Professor Doutor no curso de Ciências Sociais – Ciência Política na Universidade Federal do Pampa –

UNIPAMPA, Campus São Borja, Rio Grande do Sul. Professor efetivo no Programa de Pós-graduação em

Memória Social e Patrimônio na Universidade Federal de Pelotas – UFPel. [email protected]. 42 Cientista político pela Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA, Campus São Borja, Rio Grande do Sul.

Mestrando do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas pela mesma instituição. Graduando em Ciências

Humanas – Licenciatura pela mesma instituição. [email protected].

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mesmo que breve, sobre o espaço, partindo do pressuposto de que este é anterior ao território

(RAFFESTIN, 1993).

O espaço, segundo Leffebvre, se dá como “a materialização da existência humana”

(1991, p. 102 apud FERNANDES, 2013, p. 193), e é preciso que se pense sobre este não de

maneira a caracterizá-lo como fragmento, mas como totalidade. Nesta perspectiva, Milton

Santos define o espaço como “conjunto de sistemas de objetos e sistemas de ação, que formam

o espaço de modo, indissociável, solidário e contraditório” (SANTOS, 1996, p. 51 apud

FERNANDES, 2013, p. 193). Nesta definição estão inseridas a natureza e a sociedade. Por

sistemas de objetos são entendidos os objetos naturais – elementos da natureza – e os objetos

sociais ou objetos produzidos por meio das relações sociais, que modificam e transformam a

natureza (FERNANDES, 2013).

Segundo Raffestin, o território caracteriza-se como “o espaço político por excelência,

como a cena do poder e o lugar de todas as relações” (1993, p. 60). De tal ponto de vista, o

território “é essencialmente um instrumento de exercício de poder, ou seja, é uma espécie de

trunfo a ser dominado e controlado pelos atores sintagmáticos (atores que realizam ações sobre

o território em qualquer nível)” (QUADROS; CRUZ, 2014, p. 1092). Na mesma perspectiva

em relação ao território como um cenário de poder, Moraes compreende-o como:

[...] um espaço de exercício de um poder, o qual no mundo moderno se apresenta

como um poder basicamente centralizado no Estado. Trata-se, portanto, da área de

manifestação de uma soberania estatal, delimitada pela jurisdição de uma dada

legislação e de uma autoridade. O território é, assim, qualificado pelo domínio político

de uma porção da superfície terrestre (MORAES, 2003, p. 1 apud RUCKERT, 2005,

p. 83).

Seguindo um pensamento semelhante ao de Raffestin, Ratzel define o território como

“um espaço qualificado pelo domínio de um grupo humano, sendo definido pelo controle

político de um âmbito espacial” (apud MORAES, 2000, p. 19). A partir deste pensamento, é

possível observar que poder e território possuem estreita ligação. Isto se dá pois, além da

questão do controle através do espaço, neste contexto há, também, a “capacidade de controlar,

de influenciar a ação de outras pessoas” (CLAVAL, 1979, p. 11 apud QUADROS; CRUZ,

2014, p. 1093).

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Tendo em mente este raciocínio sobre a influência não somente sobre o espaço, mas

também sobre os indivíduos, uma ligação entre território e partidos políticos surge. Contudo,

as organizações partidárias objetivam o poder não somente sobre o território, mas

principalmente sobre a população que neste está inserida (QUADROS; CRUZ, 2014). Sobre

isto, é possível refletir sobre a colocação de Raffestin (1993, p. 58), onde o autor coloca que “o

poder visa o controle e a dominação sobre os homens e as coisas. [...] a população em primeiro

lugar [...] porque ela está na origem de todo poder”.

Atualmente, é possível observar nas diferentes mídias a presença do tema partidos

políticos. Se fala e também discute-se sobre estes. Há a escolha por um ou outro partido de

acordo com a ideologia de cada indivíduo, e, muitas vezes, há conflitos surgidos a partir de

posições partidárias divergentes.

Contudo, é importante que, em meio ao emaranhado de informações existentes, se

levante uma questão: afinal, o que são partidos políticos? Tem-se a ideia de partido político

como sendo um grupo de indivíduos que, teoricamente, representa os interesses de

determinadas parcelas da sociedade, dando-as voz. Contudo, é importante que, em meio ao

senso comum, se vá ao encontro da cientificidade. Segundo os autores Praça e Diniz, partidos

políticos são:

[...] organizações criadas por líderes para disputar eleições [...] são frutos dos anseios

de partes específicas da sociedade, unidas em torno de interesses comuns. Partidos

políticos têm um objetivo principal: vencer eleições [...] são canais de participação

política usados pela sociedade civil para tornar possível a realização de demandas

populares (PRAÇA; DINIZ, 2007, p. 5).

Portanto, a partir da perspectiva de Praça e Diniz, os partidos políticos nascem a partir

da iniciativa de figuras de liderança dentro da sociedade, visando atender anseios e demandas

de certos grupos sociais que, através destas organizações, se fazem representados. E é possível

notar, quando se trata do objetivo principal, a questão da vitória nos processos eleitorais, o que

leva a organização à conquista do poder e do controle em determinado espaço territorial.

D’Araújo ressalta, ainda, que a organização partidária, em um apanhado geral, é “elemento

essencial ao progresso social. A representação regular dos interesses sociais leva aos regimes

estáveis, graças ao confronto normal e ordenado” (1996, p. 9).

A definição dos autores se dá de forma delimitada e em um contexto contemporâneo,

mas também há, sobre o mesmo tema, outras definições que merecem abordagem. Em se

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tratando de definições clássicas, é possível citar a definição de partidos políticos de Max Weber,

de caráter abrangente, e de Maurice Duverger, pouco mais delimitada. Segundo Weber, o

partido é toda associação voltada para a disputa e o exercício do poder, e, deste modo:

[...] sua característica fundamental seria influenciar ações sociais de qualquer

conteúdo. De acordo com uma definição tão abrangente, partidos podem-se formar

para disputar o poder num Estado, mas também num clube, numa associação ou num

sindicato. Em todos esses grupos, a disputa coletiva pelo poder obedeceria à mesma

lógica (WEBER, 1991 apud ARAÚJO, 2004, p. 3-4).

Para Duverger, a linguagem cotidiana restringe o uso da palavra partido aos grupos

organizados para a disputa e exercício do poder no âmbito de uma organização estatal. Contudo,

para o autor, esta restrição ainda é insuficiente. Com tal definição, a palavra “continua a

englobar facções de todo tipo [...]” (DUVERGER, 1970 apud ARAÚJO, 2004, p. 4). Neste

contexto, é possível partir das visões de Weber e Duverger e delimitar o olhar sobre a definição

de partido político segundo o conceito de Praça e Diniz.

O poder e o controle adquiridos pelos partidos através da vitória nos pleitos

relacionam-se com a ação de tais organizações em determinado território, e esta relação vai de

encontro com a questão da territorialidade defendida por Soja. Segundo o autor, no âmbito da

conotação política da organização do espaço pelo homem, a territorialidade pode ser vista como

um fenômeno de cunho comportamental associado à organização do espaço em esferas de

influência, ou de territórios demarcados de forma clara, considerados distintos, exclusivos, ao

menos parcialmente, por seus ocupantes ou por outros agentes que assim os definam (SOJA,

1971 apud SANTOS, 2009).

Sobre a territorialidade, é possível uma breve exemplificação: em uma escola –

determinado território –, é possível encontrar grupos de jovens reunidos antes da aula.

Estes estão sempre no mesmo espaço e no mesmo horário. Contudo, se for observado o

mesmo espaço em uma hora diferente do dia, haverá outro grupo com outras

características naquele espaço onde, antes, estavam os outros indivíduos. Cada um dos

grupos caracteriza-se de maneira a diferenciar-se dos demais, tornando claro que um

objetivo comum os une. Em conclusão, um tipo de “poder/controle” é exercido sobre

certo espaço em determinadas horas do dia ou da noite através da ação dos grupos no

território.

Raffestin aponta que, além de uma relação homem-território, existe a relação social

entre os indivíduos. E, sendo assim, a territorialidade seria, também, “um conjunto de relações

que se originam num sistema tridimensional sociedade-espaço-tempo em via de atingir a maior

autonomia possível, compatível com os recursos do sistema” (RAFFESTIN, 1993, p. 160).

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Ainda na perspectiva de relação entre os indivíduos dentro de um território, de acordo com

Sack, é possível adotar, ainda que provisoriamente, o conceito de territorialidade como “a

tentativa por indivíduos ou grupos para afetar, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e

relações, pela delimitação e estabelecimento de controle sobre uma área geográfica” (1986, p.

19-20 apud RUCKERT, 2005, p. 88).

Os partidos políticos, como já visto, caracterizam-se como organizações de

representação que objetivam o poder e agem em determinado território; e a territorialidade se

dá através da ação/controle de determinado grupo em um certo contexto social, espaço e tempo.

Neste contexto, é possível perceber uma relação.

O presente trabalho objetiva compreender como vem se dando a territorialidade dos

partidos políticos na busca de obtenção de votos entre os eleitores, se apresentando como uma

ferramenta reflexiva sobre as ações das organizações partidárias no território. Além disto, visa

analisar a cultura política brasileira de pouco vínculo entre os partidos e o eleitorado, e como

esta liga-se com a territorialidade das organizações partidárias. O trabalho se torna relevante

em função de analisar como os partidos políticos vem exercendo sua territorialidade na busca

da conquista de votos, fazendo uso de estratégias como o enfoque, por exemplo, na

personalização, priorizando os atores e não as legendas. Tal ação leva, cada vez mais, a um

enfraquecimento da relação de identificação do eleitorado com as siglas partidárias.

METODOLOGIA

A metodologia empregada no presente trabalho é caráter qualitativo. Segundo

Gerhardt e Silveira, (2009) a pesquisa qualitativa não se preocupa com representatividade

numérica, mas sim com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma

organização. Os pesquisadores que adotam tal abordagem opõem-se ao pressuposto que

defende “um modelo único de pesquisa para todas as ciências, já que as ciências sociais têm

sua especificidade, o que pressupõe uma metodologia própria” (GERHARDT; SILVEIRA,

2009, p. 31-32).

Foi utilizado, para a construção do presente trabalho, o método bibliográfico. Este é

feito a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios

escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos, páginas de web sites. “Qualquer trabalho

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científico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisador conhecer o que

já se estudou sobre o assunto” (FONSECA, 2002, p. 32).

Como área do conhecimento, o presente trabalho se encontra dentro das Ciências

Humanas, mais especificamente na Ciência Política. Usando de uma metodologia qualitativa,

houve a revisão da literatura tanto sobre território e a territorialidade, quanto no que tange aos

partidos políticos. Assim, construiu-se o estudo visando a análise dos conceitos, além de

evidenciar as estratégias dos partidos diante do território para a conquista do poder, bem como

para a continuação do exercício deste.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Contextualizando historicamente, com o fim do regime militar, em 1985, uma das

primeiras medidas do governo da Aliança Democrática foi aprovar no Congresso a Emenda

Constitucional de nº25, de 15 de maio de 1985. Esta, dentre outras disposições, restabeleceu as

eleições presidenciais diretas e retirou da Constituição o dispositivo referente à fidelidade

partidária, além de autorizar a livre criação de novos partidos políticos e a reorganização de

todas as siglas que tivessem tido os seus registros indeferidos, cancelados ou cassados durante

a ditadura civil-militar (SCHMITT, 2005).

A Emenda Constitucional de nº26, de 27 de novembro de 1985 determinou que o

Congresso Nacional, que seria eleito em 1986, estaria dotado de atribuições constituintes,

ficando encarregado de elaborar a nova Constituição brasileira. Ainda no mesmo ano, em 30

de dezembro de 1985, foi aprovada a Lei nº7.454, que alterou vários dispositivos do Código

Eleitoral que vigorava desde 1965. A nova configuração permitiu, por exemplo, que todos os

partidos, tanto os com registro provisório como os em formação, pudessem participar das

eleições para a Assembleia Nacional Constituinte – ANC (SCHMITT, 2005).

A nova Constituição brasileira, promulgada em 1988, e caracterizada como sendo “a

mais liberal e democrática que o país já teve, merecendo por isso o nome de Constituição

Cidadã” trouxe o estabelecimento de direitos políticos dotados de “amplitude nunca antes

atingida” (CARVALHO, 2012, p. 199). Segundo Carvalho (2012), tornou-se comum

desmembrar a cidadania em três direitos, dentre eles os políticos, além dos direitos civis e

sociais. O cidadão pleno seria aquele titular dos três. Os que não beneficiam-se de apenas alguns

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dos três seriam cidadãos incompletos, e os que não se beneficiam de nenhuma maneira são

caracterizados como não cidadãos.

A partir disto, o autor esclarece os conceitos. Direitos civis são os direitos

fundamentais à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei, e os direitos sociais

“garantem a participação na riqueza coletiva. Eles incluem o direito à educação, ao trabalho, ao

salário justo, à saúde, à aposentadoria” (CARVALHO, 2012, p. 10). Sobre os direitos políticos,

Carvalho coloca que estes referem-se:

[...] à participação do cidadão no governo da sociedade. Seu exercício é limitado a

parcela da população e consiste na capacidade de fazer demonstrações políticas, de

organizar partidos, de votar, de ser votado. Em geral, quando se fala de direitos

políticos, é do direito de voto que se está falando (CARVALHO, 2012, p. 9).

A Constituição de 1988, segundo Carvalho (2012) eliminou o que era o grande

problema relacionado à universalidade do voto, tornando-o facultativo aos analfabetos e dando

fim a uma discriminação injustificável. Além disto, o critério de idade para aquisição do direito

ao voto foi reduzido de 18 para 16 anos, idade mínima para a aquisição de capacidade civil

relativa. Lembrando que o voto a partir de 16 anos é facultativo, passando a ser obrigatório

apenas aos 18 anos.

Conforme lembra Carvalho (2012), a única restrição que permaneceu, advinda da

Constituição anterior, foi a proibição de voto aos conscritos, ou seja, aqueles que foram

convocados a prestar serviço militar obrigatório. O autor ressalta que, “embora também

injustificada, a proibição atinge parcela pequena da população e apenas durante período curto

de vida” (2012, p. 200-201). A proibição do voto também se estendeu aos estrangeiros. É

possível observar, a partir das disposições relacionadas aos direitos políticos na Carta Magna

de 1988, uma inserção de maior número de indivíduos participando, de maneira efetiva, do

cenário político e exercendo sua cidadania através do voto.

No que tange aos partidos políticos, a Constituição também trouxe mudanças. Uma

vez que, durante o regime militar, havia obstáculos relacionados à organização e funcionamento

dos partidos, a legislação vigente possui caráter pouco restritivo. O Tribunal Superior Eleitoral

passou a aceitar registro provisório de partidos apenas 30 assinaturas, e este permite que o

partido concorra nas eleições e dá acesso à televisão para a campanha (CARVALHO, 2012).

Sobre a Carta Magna de 1988, Carvalho coloca a questão da liberdade dada pela legislação:

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Foi também extinta a exigência de fidelidade partidária, isto é, o deputado ou senador

não é mais obrigado a permanecer no partido sob pena de perder o mandato.

Senadores, deputados, vereadores, bem como governadores e prefeitos, trocam

impunemente de partido [...] De um excesso de restrição passou-se a grande liberdade

(CARVALHO, 2012, p. 201).

Com este contexto em mente, pode-se partir a uma abordagem sobre a questão do

desinteresse político por parte dos cidadãos nos últimos anos, fator relacionado ao exercício da

cidadania e à cultura política. Esta última é definida como “[...] a distribuição particular de

padrões de orientação política com respeito a objetos políticos entre os membros da nação”

(ALMOND; VERBA, 1989, p. 13 apud BORBA, 2005, p. 149). É importante, ainda, lembrar

que a população, como coloca Raffestin (1993), está na origem de todo poder, e é através desta

que os partidos políticos obtém os votos que levam às vitórias nos processos eleitorais, ou seja,

ao poder.

Na sociedade brasileira, nos últimos anos, é possível enxergar certo desinteresse em

relação à política por boa parte da população. Esta opta por dar prioridade a seus interesses de

caráter particular, deixando a tarefa de fazer e pensar política aos técnicos e políticos

profissionais. O senso comum, habitualmente, enxerga a política como um conjunto de decisões

governamentais que são feitas de cima para baixo, devendo esta ser cumprida acima de qualquer

outro tipo de interesse. Deste modo, os cidadãos começam a se decepcionar cada vez mais com

os políticos e com a política em si. E sobre tal contexto, Ridenti expõe da seguinte maneira:

Ao invés de perceber-se como sujeito político, que pode atuar para a transformação

social, o cidadão em potencial prefere fechar-se em seu mundo privado, desencantado

com a política. Esse aparente desinteresse político no fundo indica distanciamento

crítico da política governamental, mas acaba paradoxalmente por reforça-la: quem

cala consente. Todos sofrem as consequências dos atos políticos do governo, que

tendem a perpetuar-se caso não surja uma oposição organizada e combativa contra

eles (RIDENTI, 1992, p. 51).

Tal espécie de conformismo, ou omissão de tomada de posição política, acaba

transformando-se em uma forma de posicionamento, que tem a ordem política como algo dado,

irreversível. Segundo Ridenti (1992), tal desprezo pela política que é praticada serve de

ferramenta para a continuidade desta, pois acaba não negando-a. E todo este contexto se mostra

ligado à falta de representação e articulação por parte dos partidos em relação aos interesses da

população no sistema político – o que, teoricamente, deveria ocorrer. Sobre o vínculo

representativo entre partidos políticos e população, Meneguello (1998) aponta que as novas

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condições do relacionamento entre o eleitor e o político, marcado pela ação dominante dos

meios de comunicação de massa, priorizam a personalização e a imagem ao invés da mediação

partidária. Nesse contexto, o processo de formação das preferências políticas passa a buscar

parâmetros em um amplo campo de informações, através do qual dá-se a percepção das

questões e temas públicos, e não mais a partir de linhas de opinião estruturadas sobre clivagens

ou interesses específicos organizados, estabelecidos tradicionalmente pelos partidos políticos

(MENEGUELLO, 1998).

De acordo com Silveira (1998 apud AUGUSTO; SENE, 2013) há, no Brasil, uma

alienação eleitoral, e esta liga-se com um fator relevante para a discussão sobre a identificação

partidária: a alienação em função da desinformação. Segundo o autor, o eleitor politicamente

desinformado, sem o conhecimento em relação aos problemas de cunho político e aos “projetos,

propostas, partidos e candidatos concorrentes nos processos eleitorais, se auto-exclui do jogo

político porque não se vê reunindo mínimas condições para participar”. (SILVEIRA, 1998, p.

121 apud AUGUSTO; SENE, 2013, p. 86). Segundo Augusto e Sene (2013), através de uma

perspectiva da Geografia Eleitoral é possível observar diferentes (re) configurações do espaço

geográfico, percebendo os elementos que possuem influência no comportamento eleitoral,

como as características sociais do eleitorado, tais como renda e escolaridade, que por sua vez

podem influenciar no voto deste eleitor.

Em tal contexto, Kinzo coloca que “o pouco vinculo partidário-eleitoral também

ocorre em função do pouco conhecimento, entre os eleitores do sistema partidário brasileiro

[...]” (2005 apud REBELLO, 2012, p. 51-52). Com este distanciamento entre os partidos e a

população em função da falta de organização e representação partidária, e também da falta de

conhecimento em relação ao sistema partidário por parte do eleitorado, as organizações

enxergam a necessidade de traçar novas estratégias de conquista de votos.

Os partidos, segundo Quadros e Cruz (2014), contraditoriamente contribuem para

reforçar a ausência de preferência partidária por parte dos eleitores, pois vem usando da

personalização da política, destacando nomes e não os partidos e a formação de coligações, o

que contribui para a perca de percepção ou identificação dos eleitores em relação aos partidos.

É possível, a este ponto, constatar que as organizações partidárias não mais possuem vínculos

fortes com os eleitores, que garantiam às mesmas a convicção de votos de determinadas

camadas da sociedade. O que se percebe são estes novos tipos de estratégia adotados pelos

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partidos políticos durante as disputas eleitorais, estas novas ações que visam o controle do

território. Isto vai de encontro com a questão dos partidos e sua territorialidade, ou seja, sua

ação dentro de determinado espaço, visando a conquista ou a continuidade do exercício do

poder.

Com os partidos tendo que utilizar de novas alternativas para a conquista do controle

– através do voto –, ou a manutenção deste, a ação destes dentro do território também acaba

por se modificar. A população não possui a mesma identificação com os partidos, e sim com os

atores, havendo um movimento de personalização, e também a ligação entre figuras passadas

da política e os candidatos atuais, o que se torna fator influenciador na decisão dos eleitores.

Sobre isto, Rebello aponta que “de um modo geral a avaliação retrospectiva de um governo é

muito importante para que um candidato governista venha obter fracasso ou sucesso” (2012, p.

49).

Com uma nova dinâmica dos partidos para manter ou conquistar o controle dentro do

território, observar-se a relação entre o território e a ação dos partidos políticos de forma

próxima. Em função da não proximidade com os eleitores, os partidos mudam sua ação dentro

do contexto territorial para a obtenção de resultados satisfatórios nos pleitos. E uma destas ações

está relacionada, segundo Maiwaring, à formação de “coligações esdrúxulas, inconsistentes e

diferenciadas nos diversos estados do Brasil para obtenção de bons resultados” (2003 apud

SOUZA; CAVALCANTE, 2012, p. 3). Isto, na percepção do autor, dificulta a criação de laços

de lealdade entre os eleitores e as siglas partidárias.

Como pode-se perceber, os partidos vêm exercendo sua territorialidade – agindo sobre

o território no intuito de conquista/perpetuação do poder – usando de diversas ferramentas, estas

adequadas ao contexto político do território onde cada organização está inserida. De alianças

inconsistentes e personalização da política até ligação com governantes anteriores “bem

sucedidos”, a ação dos partidos sobre o espaço se molda com o intuito de vencer os processos

eleitorais. E neste ponto do estudo, a relação entre partidos políticos e territorialidade se torna

evidente, sendo que esta segunda é a ação do primeiro – grupo de indivíduos – dentro de

determinado espaço, sempre voltado ao que toda organização partidária almeja ou tenta manter:

o poder. Portanto, as iniciativas, a ação dos partidos políticos no território, ou seja, a sua

territorialidade vem a influenciar na conquista/perpetuação ou não do poder destes em relação

ao contexto territorial onde estão inseridos.

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CONCLUSÕES

A partir do presente estudo foi possível perceber como vem se dando a territorialidade

dos partidos políticos nos últimos anos, evidenciando algumas das estratégias das organizações

partidárias no território. Isto relaciona-se com a questão do território como espaço político por

excelência, sendo cena do poder e o lugar de todas as relações, como defende Raffestin (1993).

Em tal perspectiva, percebe-se o território não apenas como uma demarcação feita no espaço,

mas sim um palco de ação dos indivíduos e de relação entre estes. Isto vai de encontro, também,

ao pensamento de Quadros e Cruz (2014) sobre o território, onde este é um instrumento de

exercício de poder, uma espécie de trunfo a ser dominado e controlado.

Além de caracterizar-se como um “trunfo”, inserida no território há a população, o

povo, e segundo Raffestin (1993), neste está a origem de todo poder. Nesta perspectiva, é

possível pensar que, exercendo domínio sobre o território e controle sobre a população, obtém-

se poder, e tendo este como objetivo, é possível abordar o conceito de partidos políticos segundo

Praça e Diniz (2007). Segundo os autores, o objetivo das organizações partidárias é a vitória

nos pleitos. Esta leva ao controle em relação ao território em que está inserido o partido, pois

este exerce influência sobre o contexto territorial e, principalmente, sobre a população. Tal

controle exercido por determinado grupo em relação ao território, remete ao conceito de

territorialidade, que, de acordo com Sack, é “a tentativa por indivíduos ou grupos para afetar,

influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e relações, pela delimitação e estabelecimento de

controle sobre uma área geográfica” (1986, p. 19-20 apud RUCKERT, 2005, p. 88).

Contudo, para que se atinja os resultados almejados nos processos eleitorais, os

partidos necessitam da identificação por parte da população voltada para a arrecadação de votos,

e, segundo Kinzo (2005 apud REBELLO, 2012), os eleitores brasileiros vem seguindo uma

tendência de não identificação com as legendas em função do pouco vínculo entre partidos e os

eleitores, relacionado com o a falta de conhecimento por parte da população em relação ao

sistema partidário brasileiro, caracterizando uma cultura política de desinteresse de boa parcela

da população pela política. Isto torna necessário, por parte dos partidos, a formulação de novas

estratégias, tais como a personalização, dando enfoque às figuras e não às legendas, e à

formação de coligações inconsistentes e diferenciadas nos diferentes estados do Brasil, visando

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obtenção de bons resultados, mas não reforçando vínculos entre eleitores e legendas

(MAIWARING, 2003 apud SOUZA; CAVALCANTE, 2012).

Percebe-se, em conclusão, novos tipos de estratégia adotados pelos partidos políticos

durante as disputas eleitorais como ferramentas para obtenção de votos, visando exercer o

controle sobre o território. Com novas iniciativas visando adquirir votos – por vezes

contraditórias –, ligadas tanto à não identificação da população com as legendas quanto com o

desconhecimento desta em relação ao sistema partidário, observou-se que a ação das

organizações no território não contribui na identificação dos eleitores com os partidos. Ao invés

do fortalecimento da representatividade partidária, o que se percebe é o enfraquecimento da

relação entre as legendas e o eleitorado, causando um distanciamento cada vez maior entre as

parcelas sociais que deveriam se ver representadas e os partidos que, teoricamente, as

representariam.

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ALFORRIAS E ABOLICIONISMO EM SÃO BORJA (1839 -1887): NOTAS DE

PESQUISA

Anderson R. Pereira Corrêa43

Márcio Jesus Ferreira Sônego44

Érika Dal Carobo Viana45

Igor Darci Campos Araújo 46

RESUMO: O presente artigo pretende comunicar a pesquisa em andamento que estuda as

alforrias “concedidas’ no município de São Borja. Primeiramente, pretende-se comparar os

resultados de São Borja com as alforrias realizadas em Alegrete e em segundo lugar, comparar

as alforrias da década de 1880, de São Borja, com as alforrias de Porto Alegre. Estudos sobre o

abolicionismo na Província de Rio Grande de São Pedro, afirmam que, em 1884, várias cidades,

incluindo Porto Alegre e São Borja, já estavam livres da escravidão. Os resultados preliminares

desta pesquisa apontam para a necessidade de se discutir os tipos de alforrias que foram

concedidas. Pretende-se enfatizar a participação do escravos no processo de conquista da

alforria. As principais fontes desta pesquisa são as “cartas de liberdade” do município de São

Borja do período de 1839 à 1887. Utilizou-se de método quantitativo com a utilização de

gráficos para expor os resultados.

Palavras – chave: Alforrias, São Borja, abolicionismo.

INTRODUÇÃO

Apresentamos um breve estudo das alforrias registradas nos cartórios de São Borja

durante o século XIX. De acordo com Kátia Mattoso, nos decênios próximos à abolição jurídica

do trabalho escravo no Brasil ampliaram-se os esforços por alforriar os escravos. Esses esforços

podem ser identificados pela Lei do Ventre Livre (28 de setembro de 1871, nº2440), pela Lei

43 Mestre em História pela PUCRS, Professor da Universidade Federal do Pampa/São Borja – RS, Colaborador do

Programa de Educação Tutorial História da África (PET- História da África) [email protected]; 44Mestre em História pela PUCRS, Técnico Administrativo em Educação do IFFar Campus Alegrete, Coordenador

de Ações Inclusivas e Presidente do NEABI - Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas. Email:

[email protected] 45Discente de Jornalismo/ Unipampa/São Borja e Bolsista do PET – História da África.

[email protected] 46Graduado em Ciência Política, Especialista em Políticas Públicas, Discente do curso de Ciências

Humanas/Unipampa/São Borja e Bolsista do PET – História da África. [email protected]

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dos Sexagenários (28 de setembro de1885, nº 3.270 – conhecida como Lei Saraiva-Cotegipe) e

pelo movimento abolicionista que se intensificou a partir dos anos 1880. (MATTOSO, 2003,

p.176). Conforme Maria Angélica Zubaran, as pesquisas têm enfatizado o impacto da lei de

1871 sobre a experiência individual dos escravos e sua importância na abertura de novas

possibilidades de luta pela liberdade (2006, p. 223). O termo “alforria”, tradicionalmente e nos

dicionários aparece como sinônimo de liberdade concedida. Mattoso explica que a liberdade

pela alforria, sendo um dispositivo legal, podia ser concedida solenemente ou não. Em qualquer

dos casos era necessário que houvesse testemunhas. As alforrias Concedidas de forma escrita e

registradas em cartório chamavam-se “cartas de alforria”. (2003, p.177) As alforrias podem ser

gratuitas ou onerosas e até 1865 podiam ser revogadas. Muitas alforrias possuíam cláusulas

restritivas (condicionais de tempo ou restritivas). Na prática o forro, alforriado, deixa de ser um

bem e passa a ser tratado como um “menor”. (Ibdem, p.180) Para Bruna Krob (2016, p.13) a

década de 1880 foi marcada pelo aumento significativo do movimento abolicionista e da

pressão dos próprios cativos. Muitas cartas de alforria foram concedidas na década de 1880 e

em especial no ano de 1884 (auge do movimento abolicionista no Brasil e no Rio Grande do

Sul). Verônica Monti (1985) ao estudar o abolicionismo na Província de Rio Grande de São

Pedro, afirma que, em 1884, várias cidades, incluindo Porto Alegre e São Borja, já estavam

livres da escravidão. A historiografia de São Borja destaca a ação do movimento abolicionista

na cidade e enfatiza o nome de alguns líderes do movimento abolicionista e republicano.

Segundo essa bibliografia a cidade de São Borja ficou livre da escravidão em 1884.

O município de São Borja, no Rio Grande do Sul, foi criado em 1690 e fez parte do

conjunto de povos missioneiros (reduções). (MAURER, 2015, p.12) São Borja é um dos Sete

Povos Missioneiros localizados no lado ocidental do rio Uruguai. A partir de 1801 o povo de

São Borja é “conquistado” para o império luso-brasileiro. Em 21 de maio de 1834 é instalada a

Vila de São Francisco de Borja. Com a criação da Vila de São Borja deixa de existir a “Província

das Missões”. Os povoados de São Luis, Itaqui, Santiago, São Francisco de Assis, entre outros,

ficam sob a administração da Vila de São Borja, ou seja, grande parte do território das Missões

(Sete Povos). (FLORÊS, 2012, p.85) Em 10 de junho de 1834 a Vila de São Borja foi dividida

em cinco Distritos: Sede, da Cruz, Camaquã, São Francisco de Assis e São Xavier. (Ibdem,

p.111) Em 1850 foi oficializada a Comarca de São Borja, que pôs fim à Comarca das Missões,

a nova Comarca abrangia São Borja, Cruz Alta e Vacaria. Em 1860 houve a diminuição do

território da Comarca, abrangendo São Borja e Itaqui. Em 1872, após a Guerra do contra o

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Paraguai, período em que a cidade de São Borja foi invadida, a cabeça de Comarca passou a

ser Itaqui. (Idem) Na década de 1880 ocorreram três emancipações que foram

“desmembramentos” do território de São Francisco de Borja. Em 03 de junho de 1880

aconteceu à emancipação do município de São Luis, em 04 de outubro de 1884 emanciparam-

se Santiago e Itaqui. No período que vai de 1884 a 1888 não ocorreram mais desmembramentos

do município de São Borja e o mapa que apresentamos abaixo, de 1900, é a representação do

território do munícipio de São Borja pra década de 1880.

Imagem 01: Mapa do Rio Grande do Sul, em 1900, com a localização de São Borja em

destaque

Fonte: IBGE

Durante a Guerra contra o Paraguai a cidade de São Borja foi invadida pelos paraguaios

entre os dias 10 de junho de 1865 e 19 de junho de 1865. (RODRIGUES, 1982.p.87) Na cidade

de São Borja, na década de 1880, acontecia existia significativa propaganda republicana, sendo

a Câmara da cidade a responsável por um dos documentos mais importantes para a propaganda

republicana no pais, e conhecida “Moção Plebiscitária” de 13 de janeiro de 1888. Existia na

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975

cidade um profícuo Partido Republicano, clube Abolicionista e jornais de propaganda. (Ibidem,

p.126)

Em São Borja aconteceu, no final do Século XIX, os fenômenos “imigrantismo” e

“abolicionismo”, detectado por Sandra Pesavento para o a Província. (PESAVENTO,

1989,p.11) Estes fenômenos tinham por objetivo o aperfeiçoamento do capitalismo através da

constituição de um “mercado de trabalho”, ou seja, a hegemonia do trabalho assalariado nas

relações de produção e circulação de bens e mercadorias. Na cidade de Alegrete, no final do

Século XIX, também percebeu-se a chegada de imigrantes e a presença de um movimento

abolicionista. (CORRÊA, 2017.p.11) De acordo com Claúdio Oraindi, em São Borja, em março

de 1885, foi criada a Sociedade de Imigração de Colonização, com o objetivo de atrair a

imigração espontânea ade agricultores (RODRIGUES,1982.p.115) Nessa época, por volta de

1887, a população urbana da cidade girava em torno de 3.360 pessoas. Sob a direção de Álvaro

Batista da Costa, pelos idos de 1885, existiu o jornal “Movimento” que dedicava-se ao

movimento de abolição da escravatura. (Ibdem.p.118) Claudio Oraindi escreve que em São

Borja quase a totalidade dos intelectuais eram abolicionistas. Com destaque para Aparício

Mariense, Álvaro Batista da Costa. (Ibdem.p 119) Existem registros dos nomes de Wenceslau

Escobar, Francisco Gonçalves Miranda e Homero Batista da Costa como membros do

movimento abolicionista. (O’Donnel, 1983)

Aparício Mariense se destacou, pois escreveu o drama “O filho de uma escrava”, que

foi levado à cena, em diversas cidades como Alegrete e outras localidades. Foi editado em 1982,

em Cruz Alta com o fim de servir de propaganda e levantar recursos a todas as sociedades

abolicionistas. (RODRIGUES, 1982, p.119) No dia 07 de setembro de 1884 aconteceu uma

grande festividade para comemorar o término da escravatura na cidade. Era presidente da

sociedade abolicionista, nesse momento, o Sr. Álvaro Batista da Costa. (Idem) Segundo

O’Donnel, os fundadores do clube Abolicionista de São Borja, Wenceslau Escobar, Aparício

Mariense e Francisco Gonçalves Miranda, libertaram seus escravos sem qualquer indenização.

(1983)

Gláucia Kulzer (2009, p.39) apresenta a porcentagem de escravos em relação a

população de alguns municípios da Província para o ano de 1859: Cruz Alta 13%, São Borja

14%, Rio Grande 18%, Santa Maria 19%, Uruguaiana 22%, Alegrete 23%, Bagé 25%, Pelotas

27%, Jaguarão 28%.

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976

Não existiu no Brasil um padrão, uma uniformidade nos tipos de alforrias, pois a

escravidão podia apresentar particularidades bem singulares em cada região, ou seja, as relações

escravistas eram muito variadas, tanto na esfera social como geograficamente. As alforrias

estavam circunscritas às transformações históricas de cada período e região. Sônego (2013)

encontrou 704 cartas de alforrias para Alegrete no período que vai de 1832 a 1886. A maioria

das alforrias registradas foram para escravas (feminino) que girou em torno de 56,53% da

amostra, em idade produtiva (85% da amostra) e de serviços ligados a casa e ou domésticos.

Bruna Krob identificou que, no ano de 1884 em Porto Alegre, a maioria das alforrias foram

condicionais (83% da amostra), ou seja, com a condição de continuar a servir seus antigos

senhores por prazos que variaram de três a cinco anos, em sua maioria. Estas alforrias foram

concedidas, em 53% dos casos, para mulheres e a totalidade delas pra escravos em idade

produtiva (2016, p.14). Conforme o autor Raul Róis Schefer Cardoso, ainda nos dias atuais é

recorrente a ideia de que o Rio Grande do Sul, seguindo o exemplo do Ceará e Amazonas,

aboliu a escravidão quatro anos antes da Lei Áurea (2007, p. 10). Entretanto, nas palavras do

referido historiador, o engano historiográfico desconsidera que “a emancipação de centenas de

escravos, nos anos anteriores a 1888, foi feita através de contratos de prestação de serviços, que

instituíram não a liberdade, mas uma forma de escravidão disfarçada” (2007, p.10).

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977

Imagem 02: Carta de Alforria

Fonte: http://www.historiabrasileira.com/files/2009/12/carta-alforria.jpg

Cabe indagar se a escravidão, em São Borja, terminou antes da Lei Áurea (Lei 3.353 de

13 de maio de 1888)? Pretendemos apresentar um perfil dos libertandos em São Borja no

período que vai de 1839 a 1887. Primeiramente, pretendemos comparar os resultados de São

Borja com as alforrias realizadas em Alegrete e em segundo lugar, comparar as alforrias de

1884 em São Borja, com as alforrias do mesmo período realizadas em Porto Alegre, nesse

mesmo período de auge do movimento abolicionista. Pretende-se saber se os escravos se

tornaram livres, em São Borja, em 1884, antes da Abolição.

METODOLOGIA

As principais fontes desta pesquisa são as cartas de alforrias ou “Cartas de liberdade” do

município de São Borja do período de 1839 a 1887. Estas “Cartas de liberdade” foram

publicadas pelo Arquivo Público do Rio Grande do Sul e são os “Documentos da Escravidão/

catálogo seletivo de cartas da liberdade/ acervo dos tabelionatos do interior do Rio Grande do

Sul”. As fontes foram classificadas de Diretas de acordo com o critério posicional, no critério

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978

intencional elas são Voluntárias, no critério qualitativo são

Culturais/Verbais/Escritas/Narrativas, e no critério forma-quantitativo as fontes são seriáveis.

(ARÓSTEGUI, 2006. p.493) Sobre o critério intencionalidade, as fontes são classificadas como

Intencionais, Culturais e da Administração Estatal. (ARÓSTEGUI, 2006. p.497) Para trabalhar

as fontes utilizou-se do método quantitativo para quantificar séries e padrões de comportamento

com a utilização do programa de registro/tabulação e exposição de dados “excel”. Usou-se

também a análise de discurso para observar as particularidades e a subjetividades dos sujeitos

envolvidos nos fatos estudados. O Presente estudo inicia com a construção do contexto das

alforrias e do abolicionismo. Em seguida estabeleceu-se os tópicos de classificação par fim de

comparação entre os dados encontrados sobre as alforrias de Alegrete e as alforrias de Porto

Alegre. Passou-se então, depois, para a descrição e discussão dos dados encontrados sobre as

alforrias de São Borja. Buscou-se identificar e quantificar as informações sobre o tipo de

alforrias concedidas (condicionadas e não condicionadas), sobre a idade dos alforriados (menor

de 21 anos, entre 21 e 60 anos e maiores de 60 anos) e o sexo dos alforriados. Esses dados

foram identificados numa perspectiva geral, ou seja, por todo período e com foco no ano de

1884. As alforrias condicionadas foram divididas em: pagas pelo escravo, pagas por terceiros,

com a condição de permanecer com seu antigo dono por um prazo de 1 ano, 2 anos, 4 anos, 5

anos, 5,5 anos, 6 anos, 7 anos, até que o escravo complete 21 anos e aquelas cartas que previam

que o alforriado deveria ficar servindo o senhor ou sua família até a morte do seu antigo senhor

e atual proprietário.

RESULTADO E DISCUSSÃO

A apresentação dos resultados será feita através de gráficos com sua devida discussão

pertinente. Foi analisado um total de 544 cartas de alforrias (quinhentos e quarenta e quatro)

registradas no período de 1839 a 1887. Essas cartas resultaram na concessão de muitas alforrias,

com número superior ao número de cartas, pois aconteceram cartas com alforrias coletivas.

Optou-se por identificar o ano de concessão e não o ano de registro com a intenção de localizar

a libertação de fato e não a de direito. A apresentação dos resultados segue a seguinte ordem:

primeiramente apresenta-se a quantidade geral das alforrias encontradas nos registros dos

cartórios, depois o sexo dos alforriados, em seguida a idade e por último o tipo de alforria.

Apresentamos outro bloco com a descrição e discussão das alforrias do ano de 1884 em

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979

separado seguindo os mesmos critérios de observação: quantidade geral, sexo, idade e o tipo de

alforria.

Gráfico 01: Quantidade de alforrias por ano em São Borja

Fonte: Elaboração própria

O gráfico acima demonstra o quantitativo das alforrias concedidas por ano no município

de São Borja. Podemos observar que existem alforrias concedidas desde o final do século XVIII

e que foram registradas a partir de 1839. Os anos que saíram média das alforrias concedidas

forma 1856, o período de 1865 a 1868 (com destaque para 1867), o ano de 1876 e 1884. No

final do gráfico percebemos que o ano de 1884 foi o ano que mais ocorreram alforrias em São

Borja, o interessante é que o registro dessas alforrias foi dividido entre os anos de 1884 e 1885.

No total foram 544 alforrias registradas num período de aproximadamente 50 anos e 318 destas

concessões foram no ano de 1884, o que corresponde a aproximadamente 58% delas. Em um

único ano concentrou-se mais da metade das concessões de alforrias.

1)

An

o d

e al

forr

ia

18

35

18

43

18

46

18

49

18

53

18

56

18

59

18

62

18

65

18

68

18

71

18

74

18

77

18

80

18

83

18

86

0

50

100

150

200

250

300

350

Série1

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980

Gráfico 02: Idade dos Alforriados em São Borja no período estudado.

Fonte: Elaboração própria

O número de alforrias concedidas para mulheres supera ligeiramente ao número de

alforrias para homens. A historiografia assinala que as mulheres escravas eram mais

contempladas com a alforria em detrimento aos homens. Notamos essa mesma perspectiva em

nossa pesquisa inicial. Os estudos realizados até o momento foram unânimes na caracterização

do sexo do manumitido; os escravos do sexo feminino compuseram entre 60 e 70 % dos

alforriados nas Américas espanhola e portuguesa. “Fossem africanas ou crioulas, elas sempre

levavam vantagem em relação aos homens” (ALADRÉN, p. 3). Existe praticamente um empate

nestas tipologias em São Borja.

286; 53%

258; 47%3) sexo

Feminino

Masculino

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981

Gráfico 03: Idade dos alforriados

Fonte: Elaboração própria

A grande maioria dos registro não informa a idade dos alforriados, cerca de 78% dos

mesmos. Optou-se em fazer a classificação em menor de 21 anos, para identificar os “menores

de idade”, os que possuíam entre 21 e 60 anos de idade para identificar aqueles que estavam

em idade produtiva e acima de 60 anos para os idosos. Daqueles registros que foi possível

identificar a idade, 122 do total de 544, os alforriados que estavam em idade produtiva

correspondem a 61% dos libertandos.

Gráfico 04: Tipo de alforrias (Condicionadas e não condicionadas)

Fonte: Elaboração própria

35; 6%

75; 14%12; 2%

420; 78%

4) idade que foialforriado

menos de 21

entre 21 e 60

mais de 60

S/R

3; 1%

152; 28%

48; 9%

48; 9%

40; 7%

1; 0%2; 0%2; 0%1; 0%11; 2%

8; 1%24; 4%

1; 0%

16; 3%

65; 12%

86; 16%

36; 7%

5) qual a condição paraa alforriaservir 5 e meio

sem condição

morte do proprietário

alforriada pagou

servir 4 anos

servir 10 anos

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982

Como podemos ver no gráfico acima 72% das alforrias concedidas em São Borja, para

todo o período, foram com algum tipo de condição ou ônus. Já saiam livres no ato da concessão

as alforrias sem condição ou ônus e aquelas que eram pagas pelo escravo ou por terceiros (28%

+ 16%). Assim, 44% dos alforriados já saíram livres no ato da concessão. Do total, 56% das

alforrias foram com ônus. Das alforrias com ônus, a maioria previa que o escravo deveria

prestar serviço ao antigo senhor ou para sua família por um período de tempo e ou até a morte

do proprietário/patrão.

Aproximadamente 58% das alforrias de São Borja, o que corresponde a 318 concessões,

foram concedidas no ano de 1884. Optamos por isolar esse ano e analisar se houve algum tipo

de diferenciação nas idades, sexo, tipos de alforrias, em relação aos outros anos da série. Sabe-

se que para a realidade de Porto Alegre, no período de 1884 a 1888, Bruna Krob (2015)

identificou 17% das alforrias como sendo sem ônus e 83% com algum tipo de ônus ou

condicionante; a maioria, 53%, de alforrias de mulheres e com idade produtiva.47

Gráfico 05: Idade dos Alforriados em 1884

Fonte: Elaboração própria

Em 1884 o número de concessões sem identificação da idade do alforriado superou o

número em relação a todo o período estudado. Somente 8% destas cartas apresentaram a idade.

47 Bruna Krob classifica como idade produtiva dos 15 aos 45 anos. Nessa pesquisa nós utilizamos idade produtiva

como sendo dos 21 aos 60 nos. Na verdade o critério do grupo foi infância, vida adulta e idosos.

8; 3%13; 4%

3; 1%

291; 92%

menos de 21

entre 21 e 60

mais de 60

S/R

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983

Entre as cartas que apresentaram a idade o maior número foi para alforriados com idade entre

21 e 60 anos (54%), 33% menores e 12% de maiores de 60 anos.

Gráfico 06: Sexo do (a) Alforriado (a) em 1884

Fonte: Elaboração própria

O número de alforriados feminino aumentou um pouco em relação a estatística geral,

mas esse aumento não foi muito significativo. Ainda assim continuam as mulheres sendo mais

alforriadas do que os homens.

138; 44%

177; 56%

Masculino

Feminino

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984

Gráfico 07: Tipo de alforrias em 1884 (Condicionadas e não condicionadas)

Fonte: Elaboração própria

Separamos as alforrias por Condicionadas e Não Condicionadas. As alforrias

condicionadas poderia ser mediante pagamento do próprio escravo, de terceiros, por condição

de permanecer um período de tempo com seu antigo senhor e ou até a morte do mesmo e seus

familiares. No ano de 1884 a porcentagem de alforrias sem ônus ou condições diminuiu 10%,

ou seja, enquanto que pra análise de toda a série do período as alforrias sem condicionais ou

ônus eram 28%, em 1884 esse número baixou pra 18%. Menos de 1% pagou por sua alforria

diferente da série que aparecem 16% de alforrias pagas. É interessante observar que enquanto

na série toda 44% dos alforriados já conquistavam sua liberdade no ato, no ano de 1884 somente

18% conseguiu.

CONCLUSÕES

Podemos dizer que conseguimos atingir nossos objetivos nessa pesquisa inicial sobre as

alforrias em São Borja. De modo geral os padrões das alforrias foram semelhantes ao que

aconteceu em Alegrete para todo o século XIX e o que aconteceu em Porto Alegre para os ano

de 1884. Em Porto Alegre 17% das alforrias foram sem ônus e em São Borja 18%. A maioria

das alforrias eram condicionadas. Em 1884, para São Borja, o número de alforrias

2; 1%

57; 18%3; 1%

1; 0%

37; 12%

1; 0%

2; 1%

21; 7%

14; 4%

61; 19%

81; 26%

35; 11%

servir 5 e meio

sem condição

morte do proprietário

alforriada pagou

servir 4 anos

servir 1 ano

pagamento por terceiro

até completar 21 anos

servir 2 anos

servir 5 anos

servir 7 anos

servir 6 anos

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985

condicionadas representam 82% do total da amostra. Destas, nenhuma foi com pagamento e

sim com a condição do ex-escravo permanecer com o antigo senhor por prazos que variam, em

sua maioria de 3 a 7 anos, existindo casos onde a permanência deveria ser até a morte do seu

senhor ou de seus familiares. As alforrias condicionadas à “prisão” ao antigo dono constituíram

numa transformação e continuidade do sistema escravocrata. Poderia representar mais do que

a conquista da liberdade uma resistência por parte dos proprietários e senhores em preservar a

instituição da escravidão. A análise que estamos fazendo harmoniza-se ou vem ao encontro das

histórias que ouvimos quando criança sobre escravos que “ganharam” sua alforria de senhores

caridosos e generosos. O que descobrimos, entretanto, é sobre o papel dos escravos que, mesmo

vivendo nos limites entre a sujeição e a rebeldia, conseguiram manipular as brechas do sistema

e os medos dos senhores, angariando pequenas vitórias, espaços de liberdade e, por vezes,

conseguindo alterar sua condição. Nas palavras de Reis e Silva (1989, p. 8): “Se os barões

cedem e concedem, é para melhor controlar. Onde os escravos pedem e aceitam, é para melhor

viver, algo mais que o mero sobreviver”. Com essa pesquisa podemos refletir e problematizar

as declarações na imprensa da época e a historiografia local que diz que em São Borja, a partir

de 1884, não havia mais escravidão.

REFERÊNCIAS

ALADRÉN, Gabriel. Crioulos e Africanos Libertos em Porto Alegre: Padrões de Alforria e

Atividades Econômicas (1800-1835). Florianópolis, 2007.

ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica; teoria e método.Bauru, SP: Edusc, 2006.

CARDOSO, Raul Róis Schefer. Escravidão Rural: formação de um território negro no Vale

do Caí, RS, 1870-1888. Porto Alegre: EST Edições, 2007.

CORRÊA, Anderson R. Pereira. Uma história operário sindical de Alegrete: a formação da

classe operária alegretense. Bagé, RS: Faith, 2017.

KROB, Bruna Emerin. Com a condição de servir gratuita mente a mim ou a meus herdeiros:

alforrias, contratos e experiências de trabalho dos libertos em Porto Alegre entre 1884 e 1888.

In: Texto apresentado no 7º Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional,

Curitiba (UFPR), de 13 a 16 de maio de 2015. Anais completos do evento disponíveis em

http://www.escravidaoeliberdade.com.br/

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986

KROB, Bruna Emerin. “Com a condição de servir gratuitamente a mim ou a meus

herdeiros”: alforrias, contratos e experiências de trabalho de libertos (Porto Alegre, 1884-

1888) Dissertação/UFRGS/2016.

KULZER, Gláucia Giovana Lixinski de Lima. De Sacramento à Boca do Monte: a formação

patrimonial de famílias de elite na Província de São Pedro (Santa Maria, RS, século XIX).

Dissertação de mestrado do Programa de Pós-graduação em História da Universidade do Vale

do Rio dos Sinos, 2009.

MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2003.

MAURER, Rodrigo Ferreira. Da fronteira indígena à classificação missioneira: a

transformação de uma região histórica através da experiência de São Francisco de Borja. In:

RETAMOSO, Alex Sander. História, memória e as paisagens culturais da cidade histórica

de São Borja. 2 ed. Herval d’Oeste, SC: Polimpressos, 2015.p.09-20.

O’DONNEL, Fernando O. M. Aparício Mariense: contextualização histórica e dados

biográficos. Santa Maria: Palhos, 1983

PESAVENTO, Sandra Jatahy. A emergência dos subalternos: trabalho livre e ordem

burguesa. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS:FAPERGS, 1989.

REIS, J. J. e SILVA, E. Negociação e conflito. A resistência negra no Brasil escravista. São

Paulo: Companhia das Letras, 1989.

RIO GRANDE DO SUL, Secretaria da Administração e dos Recursos Humanos.

Departamento de Arquivo público. Documentos da Escravidão/ catalogo seletivo de cartas da

liberdade/ acervo dos tabelionatos do interior do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: CORAG,

2006.

RODRIGUES, Cláudio Orandi. São Borja e sua história; coleção Tricentenário – nº1, 1982.

SONEGO, Márcio J. Ferreira. O perfil do escravo alforriado em Alegrete (1832 – 1886). In:

Historiæ, Rio Grande, v. 4, n. 2: 207-217, 2013.

ZUBARAN. Maria Angélica. Os escravos e as ações de liberdade no Rio Grande do Sul:

apropriações da Lei de 1871. In: Produzindo história a partir de fontes primárias. Porto

Alegre: APERS-CORAG, 2006.

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987

UMA REFLEXÃO SOBRE AS REDUÇÕES JESUÍTICAS ORIENTAIS: DO APOGEU

A DERROCADA FINAL

José Luciano Gattiboni Vasques

RESUMO: As Reduções Jesuíticas Orientais: Do Apogeu a Derrocada Final, nos instiga a

pensar e entender toda esta estrutura que foi sendo construída dentro de uma região inóspita e

ao mesmo tempo relevante para a economia Ibérica. O estudo que se pretende mostrará como

este processo histórico foi montado e de que maneira o guarani participou e como isso influiu

no seu modo de vida. Este estudo mostra a razão das fundações da Colônia do Santíssimo

Sacramento e dos Sete Povos das Missões Orientais, quais seus objetivos e os recursos

utilizados para alcançá-los, também esclarecem os principais argumentos para a efetivação do

Tratado de Madrid (1750) e a posterior reação dos povoados missioneiros em relação a dito

Tratado, suas tentativas de se manterem no território, em primeiro lugar através de acordos para

a permanência e após a negativa por parte das Coroas ibéricas partindo para o confronto armado,

não levando em conta suas escassas estruturas bélicas, razão pela qual teve grande parte de seus

guerreiros dizimados e os povoados destruídos. Chegando à conclusão de que em nome de uma

tentativa de se resolver os problemas entre Portugal e Espanha, o Tratado de Madrid provocou

ainda mais desavenças entre eles.

Palavras-chave: Redução; Guarani; Jesuíta; Portugal; Espanha.

INTRODUÇÃO

A história das disputas pelas fronteiras48 do Sul do Continente Americano foram

marcadas pelos constantes enfrentamentos entre as coroas portuguesa e espanhola. É neste jogo

48 Na história da fronteira rio-grandense, a fixação da linha divisória, sua afirmação ou suas oscilações, em épocas

diferentes, apesar das operações concretamente regionais, dependeram de decisões acordadas politicamente nos

centros de decisão de poder, a exemplo do Rio de Janeiro, Lisboa, Madrid, Londres, Buenos Aires e Montevidéu.

Combinados com a conquista militar, a expansão demográfica e o recorrente do uti possidetis, ao cabo, a sua

definição significou uma opção imaginária, arbitrária, pesada na balança limitativamente possível da geopolítica.

GOLIN, Tau. A Fronteira. Porto Alegre: L&PM, 2002, p.13.

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988

de interesses ibéricos que vamos focalizar as ações geopolíticas do final do século XVII,

abrangendo também o século XVIII.

A partir da fundação da Colônia do Santíssimo Sacramento (1680), em que os

portugueses, avançam em terras “tidas” como espanholas, abre-se a necessidade de haver por

parte de Espanha, um cuidado maior em relação as suas fronteiras platinas.

O processo expansionista português possibilitou momentos distintos em relação à

implantação do sistema missional, pois existiram duas fases deste processo histórico na atual

área do Estado do Rio Grande do Sul:

A Primeira Fase Reducional Missioneira deu-se com a fundação de São Nicolau

(1626) pelo Padre Roque Gonzáles, que depois de investidas dos bandeirantes paulistas que

vinham à região com o intuito de capturar os guarani para posterior venda no mercado

escravagista, viram-se obrigados a fugir para o lado oeste do rio Uruguai, abandonando o

gado vacum que ficou solto no território, e se multiplicou, formando vastos rebanhos.

A Segunda Fase Reducional Missioneira, a mais significativa em razão do longo

período em que esteve presente e em plena organização social, política, econômica e

religiosa na região Sul do Continente Americano, iniciou-se com a fundação de São

Francisco de Borja (1682?) o Primeiro dos Sete Povos das Missões Orientais e perdurou até

o epílogo missioneiro na Guerra Guaranítica.

Neste estudo, objetiva-se compreender todo o jogo político entre as nações ibéricas,

pois Portugal após o fim da União Ibérica49, havia perdido o direito da livre navegação na

região do Prata, e o príncipe-regente D. Pedro, tinha interesse na expansão do território

português, em razão deste local ser de importância ímpar, para continuar captando

principalmente a prata contrabandeada de Potosi (Peru), é neste contexto que surgem novos

cenários e conflitos entre os lusitanos e espanhóis.

49 Em 1580, instalou-se uma crise sucessória em Portugal. 1578, o rei Dom Sebastião I morrera na batalha de

Alcácer Quibir, no Marrocos contra os mouros, no norte da África, não deixando herdeiros. Assumira o trono

português, como regente, o cardeal Dom Henrique, seu tio-avô, que morreu em 1580. Extinguia-se com ele a

dinastia de Avis. Vários candidatos, por ligações de parentesco, apresentaram-se para a sucessão. Felipe II, rei da

Espanha, por ser neto de Dom Manuel, o Venturoso, e tio de D. Sebastião, julgava-se o candidato com mais direito

do trono português. Assim, as forças espanholas invadiram Portugal, em 1580, e Felipe II tomou a Coroa

portuguesa, unindo Portugal a Espanha. Este fato ficou conhecido como União Ibérica, que se estendeu até 1640.

www.multirio.rj.gov.historia/modulo01/união_iberica.html. Acesso em 07/08/2017.

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989

A COLÔNIA DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO

Portugal e Espanha além de limítrofes, e de papel de destaque nas Grandes

Navegações, razão de possuírem diversas colônias espalhadas pelo planeta, e que acabaram por

propiciar e gerar muitos conflitos entre ambos, relacionados as questões de seus limites, porém,

nada comparável como os ocorridos em virtude da fundação da pequena Colônia do Santíssimo

Sacramento50, estabelecida às margens do rio da Prata51, bem defronte a Buenos Aires, e que

segundo os limites vigentes do Tratado de Tordesilhas, ficava dentro de território “dito”

espanhol, e que Portugal tentava impor, em cortes internacionais, a cartografia portuguesa52,

onde a possessão portuguesa na América seria delimitada, ao norte, pela foz do rio Amazonas

e, ao sul, pela foz do rio da Prata.

Os constantes conflitos entre as Coroas Ibéricas, em virtude de disputas territoriais e

econômicas na região platina, localizada ao sul do continente americano e a contínua tentativa

expansionista portuguesa de suas fronteiras, pois era imperativo marcar presença naquela

área, em razão da sua importância comercial e estratégica na margem setentrional do estuário

do rio da Prata. É neste contexto que surge a Colônia do Santíssimo Sacramento.

50 Colônia do Santíssimo Sacramento. Atual cidade de Colônia, Uruguai. Fundada pelo português d. Manuel Lobo

(?-1683), em janeiro de 1680, sob a orientação da Coroa lusitana. Localizada no estuário do Prata, em frente a

Buenos Aires, este enclave fincado no território castelhano foi palco de inúmeros conflitos entre portugueses e

espanhóis. Centro de comércio e contrabando. A Colônia foi tomada quatro vezes pelos espanhóis: a) 7 de agosto

de 1680; devolvida em 14 de fevereiro de 1683, por determinação do Tratado de Lisboa, de 7 de maio de 1681; b)

16 de março de 1705, reentregue em 4 de março de 1716, conforme prescrição do Tratado de Utrecht, de 6 de

fevereiro de 1715; c) 25 de setembro de 1761, restituída em 29 de dezembro de 1763, por previsão do Tratado de

Paris, de 10 de fevereiro do mesmo ano. Ocupada definitivamente, em sua quarta vez, em 3 de junho de 1777.

Permaneceu como possessão espanhola pelo Tratado de Santo Ildefonso, de primeiro de outubro (Golin, Zero

Hora, 13 de janeiro de 1993; Sá, 1993;

Monteiro, 1937; Assunção, 1985). GOLIN, Tau. A guerra guaranítica: como os exércitos de Portugal e Espanha

destruíram os Sete Povos dos jesuítas e índios guaranis no Rio Grande do Sul / Tau Golin. – 2.ed. – Passo Fundo:

EDIUPF; Porto Alegre: Ufrgs, 1999, p.150. 51 O rio da Prata foi descoberto em 1514, pelo português Nuno Manuel, mas somente em 22 de março de 1516 foi

conquistado por Juan Díaz de Solis, rio este tido como porta principal de entrada para as riquezas oriundas do

Peru, e em razão disto sendo o mais importante ponto da costa meridional da América do Sul. 52 A cartografia portuguesa, desde o século XVI, colocava a foz do rio Amazonas e o rio da Prata no mesmo

meridiano, incluindo a bacia platina em território lusitano, diminuindo em graus a distância que separava a

América da África, conforme os mapas de Bartolomeu Velho, feitos em Lisboa em 1561, o de Luís Teixeira, em

1574, e o de João Teixeira Albernás, em 1666. Em 1676, cedendo às pressões portuguesas, o Papa Inocêncio IX

estendeu o bispado do Rio de Janeiro até o rio da Prata, assegurando a posse das terras doadas aos Correia de Sá.

FLORES, Moacyr. Colonialismo e missões jesuíticas. Porto Alegre: EST/Instituto de Cultura Hispânica do Rio

Grande do Sul, 1983, p. 56.

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O príncipe-regente Dom Pedro, tinha interesse na expansão do território da

Colônia portuguesa até o estuário do rio da Prata, em função de que a partir dessa, nova

alternativa voltaria a ter restabelecido os vínculos com a região do Prata rompidos ao final

da União Ibérica (1640), que favoreceram por um bom tempo os portugueses,

possibilitando a penetração num território que, por “direito”, pertencia aos espanhóis. Pois

através dela possibilitaria continuar captar a prata oriunda de Potosi (Peru) com destino ao

porto de Buenos Aires.

D. Pedro II, rei de Portugal (1668-1706), ordenou ao Tenente-General Jorge

Soares de Macedo que estudasse a costa do rio da Prata, escolhendo local para

a fortificação e povoação. Em 1678 Jorge Soares escreveu ao rei que não partiu

do Rio de Janeiro devido ao mau tempo e à chegada de D. Manuel Lobo, o

novo governador.53

Portanto,

No final do século, em 1680, o povoamento da região seria estabelecido

oficialmente com a fundação, pelo governador Manoel Lobo, do Rio de

Janeiro, da polêmica Colônia do Sacramento, no Sul do atual Uruguai.54

Já Monteiro (1937, p.50-51), descreve que

D. Manuel Lobo trouxe instruções específicas para formar o novo

estabelecimento português na margem esquerda do Prata, que gerou conflitos

entre portugueses e espanhóis, de 1680 a 1777.55

De acordo com Flores (1983), “o Papa Inocêncio IX em 1676, acabou cedendo às

pressões da Coroa portuguesa e estendeu o bispado do Rio de Janeiro até o rio da Prata, o

que assegurou a posse das terras doadas aos Correia de Sá. Faltava então para garantir estes

direitos a construção de uma cidadela e povoação do local”. Segue ainda Flores, “no ano

seguinte a decisão do Papa, Salvador Correia de Sá solicitou licença para a construção de

53 MONTEIRO, Jonathas da Costa Rego. A Colônia do Sacramento. Porto Alegre: Globo, 1937. I vol. p. 98 a

108. 54 KERN, Arno Alvarez. Missões: uma utopia política. Série Documenta 14. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982.

p. 157. 55 FLORES, FLORES, Moacyr. Colonialismo e Missões Jesuíticas. Porto Alegre: EST / Instituto de Cultura

Hispânica do Rio Grande do Sul, 1983, p. 57.

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uma cidadela fortificada na ilha São Gabriel, chegando inclusive indicar três lugares para a

construção da mesma”. Todo este contexto, ocorrido a partir da ruptura entre as coroas

ibéricas abriu-se a necessidade de uma solução por parte de Portugal.

O Tenente-General Jorge Soares de Macedo recebeu ordens do rei de Portugal, D.

Pedro II, para que este através de estudos na região do rio da Prata encontrasse um lugar

adequado para que fosse providenciada a construção de um forte e ao mesmo tempo

possibilitasse a criação de um povoado português na dita região.

A fundação da Colônia do Santíssimo Sacramento, o entreposto comercial de

Portugal no estuário do rio da Prata, acabou dificultando ainda mais as relações da

Metrópole portuguesa com a Espanha. A tumultuada Colônia do Santíssimo Sacramento,

que Portugal manteve durante um período de quase cem anos (1680 a 1777), várias vezes

foi capitulada, destruída e devolvida pelas forças espanholas aos portugueses através de

diversos tratados realizados entre as Coroas ibéricas.

Portugal em razão de que Companhia de Jesus e os guarani, por diversas vezes haviam

lutado ao lado da Espanha nos conflitos platinos, aliando ao contexto a não permissão da entrada

de colonos, e conseguido que fosse proibido a escravização indígena, adquiriram vários

inimigos, entre eles o mais incisivo: o marquês de Pombal56.

AS MISSÕES JESUÍTICAS

56 Marquês de Pombal é o nome com que ficou conhecido Sebastião José de Carvalho e Melo, político e verdadeiro

dirigente de Portugal durante o reinado de José I, o Reformador. Pombal nasceu em Lisboa no dia 13 de maio de

1699. Estudou na Universidade de Coimbra. Em 1738, foi nomeado embaixador em Londres e, cinco anos depois,

embaixador em Viena, cargo que exerceu até 1748. Em 1750, o rei José nomeou-o Secretário de Governo

(ministro) para Assuntos Exteriores. Quando um terremoto devastador destruiu Lisboa em 1755, Pombal organizou

as forças de auxílio e planejou a reconstrução da cidade. Foi nomeado primeiro-ministro neste mesmo ano. A partir

de 1756, seu poder foi quase absoluto e realizou um programa político de acordo com os princípios do Século das

Luzes ou Iluminismo. Aboliu a escravidão, reorganizou o sistema educacional, elaborou um novo código penal,

introduziu novos colonos nos domínios coloniais portugueses e fundou a Companhia das Índias Orientais. Além

de organizar o Exército e fortalecer a Marinha portuguesa, desenvolveu a agricultura, o comércio e as finanças,

com base nos princípios do mercantilismo. No entanto, suas reformas suscitaram grande oposição, em particular

dos jesuítas e da aristocracia. Quando ocorreu o atentado contra o rei em 1758, conseguiu implicar os jesuítas,

expulsos em 1759, e os nobres. Alguns destes foram torturados até morrer. Em 1770, o rei lhe concedeu o título

de marquês. Depois da morte do rei José I, foi condenado por abuso de poder. Expulso da Corte, retirou-se para

sua propriedade rural em Pombal, onde faleceu no dia 8 de maio de 1782.

www.netsaber.com.br/biografias/ver_biografia_c_891.html.

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A Companhia de Jesus, fundada por Ignácio de Loyola57, foi a alternativa espanhola

encontrada para colonizar o território e impedir o avanço português rumo a Potosi. Cada

redução era estruturada economicamente em duas partes: o abambaé, que era a propriedade

do homem, onde cada família trabalhava para o seu sustento, e o tupambaé, que era a

propriedade de Deus, onde os filhos solteiros trabalhavam junto com seus pais, destinado ao

sustento da comunidade. Nesta propriedade estavam incluídos além dos campos cultivados,

os ervais58, as estâncias, local onde eram criados os rebanhos, e que, serviam para realização

do pagamento dos impostos com a Fazenda Real; para suprir as necessidades decorrentes da

manutenção e obras da Redução. FLORES (1983) descreve os povoados da seguinte forma:

O núcleo urbano da cada um dos Sete Povos (Pueblos) distribuía-se em torno

de uma grande praça central, a qual servia para as comemorações, exercícios

militares e procissões. Em cada canto havia uma cruz que marcava local de

oração ou de procissão. No lado sul da praça, de onde soprava o vento frio,

alinhavam-se as oficinas, o colégio, o templo, o cemitério e o cotiguaçu. Atrás

destes edifícios localizavam-se o pomar e a horta, onde os meninos aprendiam

técnicas agrícolas e produziam alimentos para os alunos, os doentes do

hospital e as mulheres do cotiguaçu59.60

As primeiras reduções na América do Sul – San Ignácio e Loreto – foram fundadas em

1609 e marcaram o início da primeira fase das missões guaraníticas que se estendeu até 1641,

quando os índios, segundo Camargo, foram autorizados pelo decreto real de 21 de maio de

57 Soldado por herança e vocação, o espanhol Ignácio de Loyola, nascido em 1491, abandonou a carreira das armas

quando, convalescendo de um ferimento recebido na guerra entre Espanha e França, leu uma Vida de Cristo.

Apesar de manco, tornou-se um peregrino incansável. Em 1539, depois de ter ido à Terra Santa e de ser duas vezes

preso pela Inquisição, decidiu fundar a Companhia de Jesus. Estabeleceu um modelo militarizado para a ordem,

imaginado como um grupo de combate à Reforma. O Brasil foi a primeira província além-mar da companhia.

Morto em 1557, Loyola foi canonizado em 1622. História do Brasil/Zero Hora/ RBS/1998. p.33. 58 A produção de erva-mate era de suma importância, já que o produto era utilizado no pagamento dos tributos

devidos pelos Guarani missioneiros à Coroa de Espanha, estabelecidos pela Cédula Real de 1661. Mesmo que as

Reduções, por orientação administrativa, devessem ser auto-suficientes, intentando-se sempre a autonomia

econômica, existiam alguns produtos que deveriam ser buscados nos mercados de Santa Fé e Buenos Aires. Nessa

atividade, a erva-mate assumia um papel importante, representando a moeda das reduções na aquisição daquilo

que, em seu espaço, não era produzido. GOMES, Roselene Moreira; QUEVEDO, Júlio. São Nicolau. Porto Alegre:

Martins Livreiro, 2003, p.54. 59 Cotiguaçu era a casa das mulheres viúvas e desamparadas. Ali as moças aprendiam a bordar, costurar e a fazer

rendas semelhantes às europeias. 60 FLORES, 1983. op. cit., p. 26.

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1640, para enfrentar os bandeirantes paulistas a utilizar armas de fogo, que sob o comando de

Raposo Tavares61, rumavam para as Missões Orientais e vencendo-os na batalha de M'bororé62.

Todas as Missões seguiam as normas estabelecidas pelas monarquias ibéricas e pelo

papado, e que segundo Kern63, “não se pode desconhecer a centralização das decisões tanto a

nível da monarquia espanhola, que controlava a clero católico através da instituição do real

patronato”.

Quando da vinda da Companhia de Jesus64, para a região do Prata no início do século

XVII, que se objetivara num primeiro momento em converter e apaziguar os guaranis que

constantemente entravam em conflitos com os encomendeiros65 espanhóis, para posteriormente

serem designados “os guardiões das fronteiras”, em virtude da falta de contingentes militares

para guardá-la, e em relação ao trabalho missional os inacianos já possuíam experiência em

povoados indígenas tanto nas Américas, como em outros continentes.

Esse acúmulo de experiência colonialista, aliado a condições sociais geográficas e

históricas, possibilitou que, em menos de vinte e cinco anos, os jesuítas

desenvolvessem mais de trinta Missões na região. Essas Missões apesar de não

conseguirem estabelecerem-se em territórios contínuos, devido à rebeldia incessante

das nações indígenas Güenoas, Jaros, Minuanos e Charruas, do Alto Uruguai,

61 Antônio Raposo Tavares nasceu em Portugal por volta de 1598, vindo para o Brasil no ano de 1618, pois seu

pai era governador da capitania de São Vicente. Iniciou suas expedições, conhecidas como despovoadoras, em

1627, atacando primeiramente Guairá e, em 1636, o Tape. Teve alguns cargos públicos e chefiou a expedição que

chegou até o atual estado do Pará, levando três anos para tanto. Faleceu na cidade de São Paulo no ano de 1658.

Disponível em: <httpd://www.submarino.net/jubileu/raposo_tavares.htm>. Acesso em: 26 dez. 2002. COLVERO,

Ronaldo. Negócios na madrugada: o comércio ilícito na fronteira do Rio Grande do Sul. Passo Fundo: UPF, p. 20. 62 A Batalha de M'bororé foi uma batalha ocorrida em 11 de março de 1641 na América do Sul vencida pelos

guaranis. Esta foi a batalha mais relevante da história da América colonial e constitui um episódio importante na

história dos Trinta Pueblos (Reduções) do Paraguai. Uma bandeira de escravistas paulistas com três mil homens

adentrou o território das reduções com a finalidade de destruir definitivamente as missões jesuíticas e cortar as

vias de comunicação espanholas entre os povoados paraguaios e o Alto Peru. Os guaranis, avisados por sentinelas

avançados, preparam-se para receber os atacantes. Na confluência entre o rio Uruguai e o rio M'bororé, na atual

província de Misiones na Argentina, os bandeirantes paulistas foram derrotados por um exército de guaranis –

organizado pelos jesuítas – de cerca de quatro mil homens. Morreram na batalha mais de dois mil homens. O

episódio foi decisivo para o futuro da província paraguaia que, graças aos guaranis, permaneceu assim sob o

controle da Espanha. Depois desta batalha as incursões de bandeirantes paulistas foram cada vez mais raras e

menos agressivas. De sua parte os jesuítas continuaram a manter uma força armada, com plena autorização da

coroa espanhola, que se dera conta da eficácia e da importância do exército guarani e da necessidade estratégica

das Reduções. 63 KERN, Arno Alvarez. Utopia e missões jesuíticas. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1994. p. 60. (Síntese

Universitária; 40). 64 Em 1540 a Companhia foi aprovada pelo Papa e sempre esteve impregnada pelo lema de seu fundador Ignácio

de Loyola “Ficar no mundo, servindo ao próximo, mesmo com a incerteza de se salvar”, já os primeiros jesuítas

chegaram ao Peru em 1567, onde fundaram a Redução de Juli. 65 Os encomendeiros recebiam da corte espanhola terras e certa quantidade de índios, para que explorassem as

terras e cristianizassem os nativos.

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chegaram a abranger 350.0000 Km². Todas, no entanto, sob a administração da

Província Jesuítica do Paraguai, pertencente ao Vice-Reinado do Peru, pois na

época, como sabemos, o trono de Portugal estava submetido ao da Espanha, não

havendo fronteiras entre ambos, mas apenas as linhas teóricas e imprecisas do

tratado de Tordesilhas, que indicavam a procedência lusa ou hispânica de cada

província. 66

Suas experiências anteriores propiciaram que num curto espaço de tempo, os jesuítas

implantassem e desenvolvessem trinta povoados missioneiros na região sul do Continente

Americano. As Missões, em razão da rebeldia de alguns povos indígenas, tais como: Guenoas

e Minuanos, não conseguiram estabelecer-se em áreas continuas, mas abrangeram grandes

territórios.

Todos os Trinta Povos tinham como administrador central, a Província do Paraguai,

pertencente ao Vice-Reinado do Peru, já que neste momento Portugal67 encontrava-se sob a

tutela administrativa e política de Espanha, e, portanto não havia limites entre ambos,

separando-os apenas a linha imaginária do Tratado de Tordesilhas68. Em relação a localização

dos povoados Bruxell (1987:25) explica: “Portanto, a localização das Reduções não obedeceu

a interesses políticos e nacionalistas, mas para a defesa das fronteiras”,

Por volta de 1680, contudo, os jesuítas mais uma vez se estabeleceram na

região, desta vez na área confinada pelos rios Ibicuí e Uruguai, catequizando

os indígenas, e fundando várias missões. Foram chamados Sete Povos das

Missões Orientais do Uruguai, localizados no oeste do Rio Grande do Sul

atual.69

A Geopolítica Platina no período colonial esteve fortemente marcada pelas disputas

territoriais entre as coroas ibéricas. Estas se caracterizaram não apenas por interesses mercantis,

66 GOULART, Cátia Rosana Dias. Uma Leitura de A Cidade dos Padres no Contexto do Novo Discurso Ficcional-

Histórico na América Latina. Fundação Universidade Federal do Rio Grande: 2004, p. 78. 67 Com a morte, em 1578, de D. Sebastião, rei de Portugal, quando dá expulsão no norte da África dos árabes

assume, seu herdeiro mais próximo, que falece em 1580, quando assume Felipe II, rei de Espanha, tio de D.

Sebastião, permanecendo no poder até 1640, quando termina a União Ibérica. 68 Em 1493, o papa Alexandre VI criou um documento chamado Bula. Nesse documento, ficava estabelecido que

as terras situadas até 100 léguas a partir das ilhas de Cabo Verde seriam de Portugal e as que ficassem além desta

linha seriam da Espanha. O medo que Portugal tinha de perder o domínio de suas conquistas foi tão grande que,

por meio de forte pressão, o governo português convenceu a Espanha a aceitar a revisão dos termos da bula e

assinar o Tratado de Tordesilhas (1494). De acordo com o Tratado de Tordesilhas, as terras, situadas até 370 léguas

a oeste de Cabo Verde pertenciam a Portugal, e as terras a oeste desta linha pertenciam a Espanha. www.ig.com.br.

Acesso 29/08/2017. 69 KERN, 1994. op. cit., p. 168.

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mas também por relações de poder que extrapolaram os limites fronteiriços definidos pelos

tratados.

É nesse jogo de interesses ibéricos que a segunda fase da ação missional jesuítica se

estabelece, a leste do rio Uruguai, no final do século XVII.

A partir da fundação da Colônia do Santíssimo Sacramento (1680) – entreposto

comercial português criado em terras tidas como espanholas – onde o trabalho jesuítico de

evangelização do nativo guarani, através da organização de um cordão de reduções capazes de

barrar o avanço português, novamente passa a ser a melhor opção a coroa da Espanha, que não

dispunha de efetivos próprios e suficientes para povoar e garantir a posse de tão vasta e

importante área.

São neste contexto geopolítico que foram fundadas os Sete Povos das Missões

Orientais: São Francisco de Borja, São Nicolau, São Luiz Gonzaga, São Miguel Arcanjo, São

Lourenço Mártir, São João Batista, Santo Ângelo Custódio.

A partir de então, verifica-se uma nova fase de construção e dinamização das

espacialidades ao longo dos rios Uruguai, Piratini e Ijuí. Caracterizado pela produção de

elementos paisagísticos mais duradouros que consolidaram as reduções como importantes

centros de produção econômica, cultural e social, além de representarem a tentativa de

afirmação política do colonialismo espanhol na região.

A primeira das reduções que surgem no lado esquerdo do Rio Uruguai é a de São

Francisco de Borja, a qual teve origem a partir do século XVII, entre 1682 e 1687. Esta redução

teve início a partir do desmembramento de parte da população do povoado de São Tomé,

povoado que ficava localizado no lado direito do rio Uruguai. O padre Francisco Garcia

juntamente com guaranis oriundos da redução vizinha (Argentina), fundou a dita redução,

dando início a nova fase reducional.

O Tratado de Madrid é o marco principal como fator de desconstrução do espaço

reducional missioneiro, pois a partir do acordo ocorrido entre as Coroas Ibéricas, mais

precisamente entre D. João V, rei de Portugal e Fernando VI, rei de Espanha, no qual trocavam

a Colônia do Santíssimo Sacramento pelos Sete Povos das Missões Orientais, onde o mais

traumático foi à ordem para que todos, índios reduzidos e jesuítas, juntamente com os pertences

que pudessem carregar, iniciassem a transferência para o outro lado do rio Uruguai.

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O TRATADO DE MADRID

O Tratado de Madrid surgiu num contexto, em que os reis de Portugal e de

Espanha, tentavam pôr fim a algumas questões que seguidamente entravam em

divergências no hemisfério sul do continente americano: as questões relativas às suas

fronteiras, que apesar de estar em vigência o Tratado de Tordesilhas (1494), que

estabelecia e determinava a posse das terras entre as Coroas Ibéricas, mas que segundo

Porto70, esta tentativa de estabelecer os limites acordados no Tratado de Madrid assinalou

“o início da fase de decadência da civilização jesuítica nas Missões Orientais do Uruguai”.

Das povoações ou aldeias, que cede Sua Majestade Católica, na margem

Oriental do rio Uruguai, sairão os Missionários com todos os móveis e efeitos,

levando consigo os índios para os aldear em outras terras da Espanha; e os

referidos índios poderão levar também todos os seus bens móveis e

semoventes, e as armas, pólvora e munições, que tiverem. Em cuja forma se

entregarão as povoações à Coroa de Portugal, com todas as suas casas, igrejas

e edifícios, e a propriedade e posse do terreno. As que se cedem por Suas

Majestades Fidelíssima e Católica nas margens dos rios Pequirí, Guaporé e das

Amazonas se entregarão com as mesmas circunstâncias que a Colônia do

Sacramento, conforme se disse no Artigo XIV. E os índios, de uma e outra

parte, terão a mesma liberdade, para se irem ou ficarem, do mesmo modo e

com as mesmas qualidades que o hão de poder fazer os moradores daquela

Praça; exceto que os que se forem, perderão a propriedade dos bens de raiz, se

os tiverem. 71

O Tratado de Madrid, segundo seus artigos, explicitava a maneira de como

deveria ocorrer as mudanças para que se fizessem cumprir todas as partes do acordado.

Mas a obrigatoriedade de abandonarem suas povoações e retornarem mais uma vez para o

outro lado do rio Uruguai, levando o gado e tudo àquilo que conseguissem carregar,

móveis e semoventes ao território localizado a oeste do rio Uruguai, atual Argentina.

(...) os luisistas iniciaram a segunda transmigração, (...). Passaram por Santo

Tomé, rumo ao sul. (...), quando os charruas impediram o avanço, (...). Estes

infiéis atacaram os postos da Estância de Japeju, afirmando que eram terras de

70 PORTO. op.cit. p. 422. 71 GOLIN, Tau. A Guerra Guaranítica: como os exércitos de Portugal e Espanha destruíram os Sete Povos dos

jesuítas e índios guaranis no Rio Grande do Sul (1750-1761). Passo Fundo/Porto alegre: EDIUPF/Editora da

Universidade - UFRGS, 1999, p. 552-553.

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seus avós. O corregedor de São Luís, temeroso de uma guerra com os charruas,

retornou novamente ao antigo povoado.72

Alguns dos povos missioneiros chegaram a deslocar-se para o novo território, sendo

de lá repelidos por índios charruas. A redução de São Nicolau não aceitou esta nova

determinação e rebelou-se, o que levaram outras reduções a segui-la e impor uma forte

resistência aos termos acordados no tratado, é quando os guaranis decidiram assumir a

responsabilidade dos ataques contra as tropas portuguesas e espanholas.

A assinatura do Tratado de Madrid tinha como objetivo central cessar às disputas

territoriais luso-espanholas na América, promovendo a troca da Colônia do Santíssimo

Sacramento pelas Missões Orientais, em que Portugal, ao fundar Sacramento, dentro de

território espanhol, objetivava obter e manter a livre navegação no rio da Prata.

O diplomata paulistano Alexandre de Gusmão73, teve importante e destacada atuação

no planejamento do Tratado de Madrid, já que era membro do Conselho Ultramarino e Escrivão

da Puridade (secretário) do rei Dom João V.

O Tratado de Madri, assinado em 13 de janeiro de 1750, consagrou o princípio

do uti possidetis, revogando o meridiano de Tordesilhas e reconhecendo a

expansão portuguesa. No Sul, o tratado determinou a entrega de Sacramento

à Espanha, uma vez que a campanha uruguaia era de colonização castelhana.

À guisa de compensação, Portugal receberia, além do reconhecimento à

ocupação portuguesa no Rio Grande, os Sete Povos das Missões. Os jesuítas

seriam evacuados para suas reduções de Missiones e Corrientes.74

72 FLORES, 1983. op.cit., p.73. 73 Ministro do Conselho de Ultramar e secretário particular de d. João V, o brasileiro Alexandre de Gusmão (1695-

1753). Seu nome de batismo era Alexandre Lourenço Rodrigues, natural da vila de Santos. Estudou em Cachoeira

e Salvador, na Bahia, cursando Humanidades, Artes, Filosofia e Retórica. Adotou o nome de seu parente e protetor

Alexandre de Gusmão, jesuíta fundador e diretor do Seminário de Belém (Cachoeira). Aos 15 anos, embarcou para

Lisboa, influenciado pelo seu irmão, o padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, inventor do balão esférico.

Formou-se em Direito e doutorou-se pela Universidade de Coimbra, e Jurisprudência, pela de Paris. Desempenhou

atividades diplomáticas na França e Roma. Como secretário de d. João V e ministro do Conselho Ultramarino,

teve uma função estratégica na assinatura do Tratado de Madri, sendo o autor de sua minuta, orientador do ministro

português na Espanha, e seu apologeta frente aos opositores lusitanos. Parte dessa polêmica foi mantida com o ex-

governador da Colônia do Sacramento, Antônio Pedro de Vasconcellos, que criticava o tratado. Fruto deste debate,

Gusmão revelou o movimento estratégico de retirada do Prata frente ao interesse inglês de instalar ali uma Feituria

(Campanha del Brasil, 1939, t. 2, p.16). GOLIN, op. cit. 1999, p.168. 74 KERN, op. cit., p.172.

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No ano de1750, outros fatos importantes ocorreram na Europa, e com reflexos diretos

no Brasil: a Coroa Portuguesa passa para Dom José I, que sucedeu de Dom João V; a nomeação

por Dom José de Sebastião José de Carvalho e Melo, o futuro marquês do Pombal, como

primeiro-ministro, conferindo-lhe plenos poderes; As medidas adotas por Pombal para

fortalecer o poder real;

Antes da sua confirmação definitiva, ocorrida em Badajoz75, ocorreram Tratados

intermediários: o Tratado de El Pardo, o Tratado de Paris e o Tratado de Santo Ildefonso. A

Colônia do Sacramento e as Missões passam à Espanha e Portugal fica com a Ilha de Santa

Catarina. O território de São Pedro do Rio Grande fica cortado ao meio, no sentido

longitudinal, passando o limite pelas imediações da atual cidade de Santa Maria; o Tratado de

Badajoz (1801) colocou fim à nova guerra entre Portugal e Espanha (Guerra das Laranjas)

reafirmando finalmente, o Tratado de Madrid. Antes, os luso-brasileiros haviam invadido os

Sete Povos das Missões Orientais, expulsando os espanhóis, aquilo o que foi conquistado

continuou com o domínio português. As fronteiras da Capitania com as possessões

espanholas, a oeste, ficaram sendo praticamente com o recorte atual, exceto os atuais limites

com o Uruguai.

O Tratado de Madrid, que foi acordado para terminar de certa forma com a série de

conflitos resultantes de disputas territoriais, mas ao invés de acabar com eles, acabou

acarretando em mais lutas e conflitos.

A GUERRA GUARANÍTICA

Após a ascensão de Fernando VI76 e D. Maria Bárbara de Bragança, filha do rei

português D. João V ao trono espanhol, é quando as monarquias ibéricas tentaram através de

75 O Tratado de Badajoz, assinado em 1801, entre Portugal e Espanha, consagrava o domínio português sobre as

Missões. Segundo Pesavento, a “França napoleônica e Inglaterra que disputavam mercados, envolvem nas

hostilidades Espanha e Portugal”. PESAVENTO, Sandra Jatahy. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre:

Mercado Aberto, 1984. p.32. 76 Fernando VI (1713-1759). Em 1746, sucedeu ao seu pai, Felipe V, da dinastia dos Bourbon, casado com Maria

Luisa de Saboya. Apelidado de El Justo, procurou fazer um reinado de estabilidade. Com a paz de Aquisgrán, que

terminou com a Guerra da Itália, Fernando VI assegurou o trono de Nápoles e da Sicília (as Duas Itálias) ao seu

irmão Carlos VII, filho de segundo casamento de Felipe V, com Isabel de Farnesio, de Parma, o qual viria a ser

seu sucessor na Espanha, com o título de Carlos III, e os ducados de Parma e Plasencia ao seu outro irmão Felipe.

Fernando VI casou com Maria Bárbara de Bragança (1711-1758), filha de João V, rei de Portugal, e de Maria Ana,

da Áustria. Com a morte da rainha, em 1758, retirou-se ao castelo de Villaviciosa de Odón, onde “morreu de

tristeza”, um ano depois. CODOLÁ, Manuel Rodríguez. Historia de Espana y los pueblos hispanoamericanos hasta

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um acordo diplomático pôr fim a uma série de conflitos relativos às possessões territoriais

entre ambos. As negociações diplomáticas com o intuito de ajustar um Tratado de Limites

foram iniciadas em 1746. Para tratar das negociações diplomáticas foram nomeados como

representantes da política exterior dos países ibéricos, D. José Carvajal y Lancaster77 pela

Espanha e o brasileiro Alexandre de Gusmão por Portugal.

A Espanha, em paz com Portugal, através dos casamentos reais, só tinha a

temer a poderosa França como país limítrofe. A riqueza e o poderio da Espanha

vinham de suas ricas colônias na América. Portugal não era poderoso, mas era

tão rico como a Espanha, com seus domínios na Brasil, verdadeiro armazém

que não se podia conquistar, embora fosse possível alcançar com o comércio

recíproco, garantido pelos casamentos das Casas Reais Ibéricas. 78

As Coroas ibéricas reconheciam que haviam ultrapassado seus limites territoriais

determinados pelo recorte do Tratado de Tordesilhas. Segundo entendimentos entre ambas, pois

Portugal havia expandido seus domínios na América do Sul, principalmente numa região de

grande importância, a do estuário rio da Prata, a partir da fundação estratégica da Colônia do

Santíssimo Sacramento, a Espanha havia irregularmente expandido seus domínios nas ilhas

Filipinas.

(...) O reconhecimento da posse efetiva dos espaços conquistados por Portugal

e a Espanha e a idéia de compensação por troca desses espaços ganhava força.

Assim, pelo princípio de uti possidetis Portugal reconhecia à Espanha a posse

das ilhas Filipinas, enquanto a Espanha legitimava a posse do vale do Rio

Amazonas, as regiões de Vila Bela e Cuiabá para Portugal. Entretanto, por ser

também requerida a idéia de continuidade, após levantamentos e propostas por

parte dos dois ministros as atenções para as definições territoriais recaíram

sobre a região do Prata. Portugal aceitava ceder a Colônia do Sacramento, e,

conseqüentemente, o domínio, sobre a bacia do Prata, em troca da margem

oriental do rio Uruguai. Afinal, as Missões jesuíticas dos guaranis, mais

especificamente a zona dos Sete Povos, segundo o historiador Décio Freitas,

era um bolsão espanhol a impedir a unificação de terras portuguesas. 79

su independencia. Barcelona: Segui, t. terceiro, p.181. Os casamentos cruzados entre as dinastias dos Bourbons e

Braganças ibéricos materializaram interesses geopolíticos sobre os quais se pode ter uma visão nos reinados de

Felipe V e João V. No dia 19 de janeiro de 1729, literalmente cruzaram seus casais de filhos em pomposas e

deslumbrantes festividades. Os príncipes Fernando e Mariana Vitória, da Espanha, uniram-se em matrimônio com

Maria Bárbara de Bragança e d. José, de Portugal. GOLIN. Op.cit. 1999. p.16. 77 D. José de Carvajal y Lancaster, ministro de estado de Fernando VI, enviou à corte de Lisboa seu memorial de

julho de 1747, estabelecendo os primeiros elementos para o tratado de limites entre as coroas ibéricas. Carvajal

orientava a política externa da Espanha em função das alianças, buscando manter um equilíbrio entre a Inglaterra

e a França. 78 FLORES. 1983. op. cit., p. 63. 79 GOULART, 2004. op. cit., p.83

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Gomes Freire foi o incumbido para a tarefa de conquistar e ocupar definitivamente a

área que abrangia os Sete Povos das Missões Orientais e assegurando assim para Portugal a

posse desta nova província, onde durante sete longos anos, os índios missioneiros se

defenderam e atacaram as comissões demarcadoras como à única maneira de se manterem em

seus territórios.

Os jesuítas apesar das determinações expressas dos reis de Portugal e Espanha e do

padre Altamirano, Representante Geral da Companhia de Jesus, mantiveram-se ao lado dos

índios missioneiros.

A relutância dos jesuítas em se retirar dos Sete Povos tem sido apontada como

a principal causa da ferrenha campanha de Pombal contra eles. É preciso,

porém, considerar as nuances da questão. Em primeiro lugar, a desafeição aos

jesuítas em Portugal e na Espanha vinha de antes. (...) A resistência partiu dos

padres missionários e dos indígenas, esperando que com sua recusa à mudança

fizessem o governo espanhol desfazer o tratado. Quanto mais se dilatar esta

execução tanto mais seguro estaremos de que não se fará mais, pois não quer

El Rei que, com violência, se mudem os índios e se lhes tirem os bens e muito

menos com força armada. (padre Pascino, 1752). 80

Portanto, os padres jesuítas mantiveram-se todo o tempo ao lado dos índios

missioneiros e ainda organizaram suas resistências, apesar das ordens reais tanto de Portugal

como de Espanha, e do padre Altamirano que acompanhou o Val de Lírios para que retirassem

do território os povos missioneiros e partissem para outro local sob jurisdição espanhola.

No entanto os jesuítas alegaram que este era um prazo muito pequeno para que toda

esta complexa situação requeria, pois também acreditavam numa reversão de expectativas, pelo

fato de terem importantes aliados na Europa e que trabalhavam com o intuito de cancelarem a

troca feita pelas coroas ibéricas, e que os padres tentaram de todas as formas se manterem nos

territórios missioneiros e que segundo Arthur Velhinho argumenta:

A organização jesuítica, além de empresa religiosa, social e econômica,

constituía a maior potência militares das dependências platinas, senão da

América do Sul. Tamanha força acabaria despertando inquietação na própria

Espanha. Afinal, o que se via, o que os padres constantemente alardeavam, é

que as possessões espanholas tributárias do Prata viviam militarmente a

expensas da Companhia. Não seria oportuno pôr cobro a esta situação, antas

que ela derivasse para rumos imprevistos? Até quando a Província do

80 KERN, op. cit., p. 173.

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Paraguai, com seus Trinta Povos aguerridos, consentiria em manter-se fiel à

vassalagem dos reis católicos?. 81

Os guaranis através da liderança do cacique Sepé Tiaraju, e também com o apoio de

alguns jesuítas que acreditavam na reversão do tratado, tentaram retardar o máximo possível o

translado. Mas ambas as coroas tinham pressa em efetivar o tratado, e rapidamente nomearam

comissões para colocá-lo em prática. Diante impossibilidade de haver uma revogação, que

somente ocorreu após o término do conflito e da destruição por completo das reduções, partiram

para o enfrentamento com as Coroas Ibéricas que já tinham estruturado um acordo de ajuda

mútua na ilha de Martin Garcia82, em caso de resistência por parte das comunidades missioneiras.

No dia 3 de outubro de 1754, o exército colonial espanhol teve o primeiro

confronto armado com os índios, que interceptaram sua marcha perto do rio

Daymal, para “defender suas terras de Misiones” conforme o Manifesto de

Andonaegui: “gritaram os índios com insolência”, formaram em meio círculo,

com bandeiras e estandartes, e demonstrações de atacar. O general mandou

unir três partidas [destacamentos] e preparar outras tropas de reforço, caso

fosse necessário. E ordenou o ataque, deixando 230 índios mortos, e fazendo

72 prisioneiros. Os missioneiros eram comandados pelo cacique Rafael

Paracatu, que, junto com outros prisioneiros, foram mandados, embarcados,

para Buenos Aires.83

No ano de 1754, ocorreu o primeiro dos vários confrontos armado entre os guaranis

reduzidos com as tropas conjuntas do português Gomes Freire e da coroa espanhola José

Andonaegui ocorrido em território do atual Uruguai, perto da atual cidade de Colônia.

Os confrontos entre as forças conjuntas das nações ibéricas com os guaranis culminam

mais tarde com a chamada Chacina de Caiboaté, onde foram mortos centenas de missioneiros

numa luta marcada pela desigualdade militar entre ambos, pois os guaranis contavam com

poucas armas de fogo, ao contrário dos luso-espanhóis que além de soldados bem treinados

contavam com um grande aparelhamento bélico.

81 VELHINHO, Arthur. Os jesuítas no Rio Grande do Sul. In:_____. Fundamentos da Cultura Rio-Grandense.

Porto Alegre: UFRGS, 1960, vol. 4, p. 115. 82 (...) foi ali que se encontraram, em 15 de julho de 1753, o comandante espanhol José Andonaegui e o português

Gomes Freire de Andrade, ocasião em que “resolveram levar a guerra às Missões caso a mudança dos Sete Povos

não fosse feita em um mês”. PORTO, História das Missões Orientais do Uruguai- Segunda Edição Revista e

Melhorada pelo p. Luís Gonzaga Jaeger S.J. – Livraria Selbach, Porto Alegra, s/data – Segunda Parte, p.215. 83 GOLIN, 1999. op. cit., p. 334.

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A desorganização dos índios missioneiros, no enfrentamento contra os exércitos

português e espanhol, sem um comando único, acabou favorecendo os ibéricos, pois não

conseguiram resistir por muito tempo às táticas militares dos aliados europeus. A partir deste

confronto, os comissários de Portugal e de Espanha, decidiram colocar em prática aquilo que

havia sido anteriormente decidido no caso de haver por parte dos guaranis reações contrárias

ao Tratado, isto é, unir seus exércitos para o enfrentamento com os missioneiros, deflagrando

a guerra em 1756.

A partir do momento em que os povoados missioneiros deflagraram guerra aos

ibéricos, que ficou conhecida como a “Guerra Guaranítica”84, foram travadas inúmeras

batalhas e enfrentamentos, que só terminaria com o aniquilamento dos guaranis e a morte de

Sepé Tiaraju, fato este ocorrido no entardecer do dia 7 de fevereiro de 1756, no atual

município de São Gabriel (RS) junto a Sanga da Bica.

A morte do principal líder missioneiro, Sepé Tiaraju que detinha o posto de corregedor

e alferes real de São Miguel, ocorreu numa das primeiras batalhas. Enquanto os guaranis

enfrentaram os soldados das coroas ibéricas, soldados estes, treinados e muito bem armados e

com um comando único e forte, utilizando somente lanças, arcos, flechas e, umas poucas armas

de fogo, sucumbiram na famosa batalha de Caiboaté diante o poderio dos exércitos ibéricos,

que detinham inúmeros canhões e soldados que portavam armas de fogo. Três dias depois da

morte de Sepé, os guaranis sofreram sua derradeira derrota: a chacina de Caiboaté. Era o fim

da resistência guaranítica

Após este massacre, o que se viu a seguir foi à ocupação das povoações missioneiras,

que ao abandonar as reduções jesuíticas passaram colocar fogo em tudo que ficava para trás,

destruindo aquilo que por muitos anos fora construído e mantido em conjunto pelos guarani e

pelos padres jesuítas da Companhia de Jesus.

Depois de certa resistência, um a um dos povoados missioneiros através de seus

cabildos85 e dos padres foram prestando obediência aos comandantes das forças portuguesas e

84 Nome que se dá aos violentos conflitos que envolvem os índios guaranis e as tropas espanholas e luso-brasileiras no sul do Brasil após a assinatura do Tratado de Madri, em 1750. Os guaranis dos Sete Povos das Missões recusaram-se a deixar suas terras no território do Rio Grande do Sul e a transferir-se para o outro lado do rio Uruguai, conforme ficara acertado no acordo de limites entre Portugal e Espanha. Fonte: www.terrabrasileira.net. Acesso em 01/08/2017. 85 Simbolizava o poder e a superioridade de um estrato social mais elevado entre os Guarani, usado como elemento de ligação entre o jesuíta e os demais estratos da população. QUEVEDO; GOMES, 2003. op. cit., p.44.

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espanholas. Se por um lado a ordem de desocupação das terras em questão foi cumprida, porém

foram os exércitos portugueses e os espanhóis que fizeram a transmigração dos povos

missioneiros para o lado ocidental do rio Uruguai, mas desta vez, diferentemente do que havia

sido acordado anteriormente no Tratado de Madrid, confiscaram quase todos os pertences dos

guaranis.

Desde o início da fundação da Colônia do Santíssimo Sacramento, as forças

espanholas utilizaram exércitos guarani proveniente da região das Missões para derrotar e

expulsar, por diversas vezes, os portugueses, e isso também acabou sendo levado em conta

quando as duas coroas responsabilizaram os jesuítas da Companhia de Jesus, que terminaram

sendo expulsos dos dois impérios ibéricos.

Em 1757, um ano depois da fatídica batalha, e com a chegada de Val de Lírios,

conforme a carta enviada por Gomes Freire criou-se um impasse, pois este não desejava

entregar a Colônia do Santíssimo Sacramento antes dos espanhóis evacuassem totalmente as

Missões Orientais, pois acreditava que os espanhóis deixariam os portugueses a sua própria

sorte em relação à retirada dos missioneiros conforme relata e previa parte da carta abaixo:

Se não obstante, S. M. me mandar (que) me entregue dos Povos no risco de

ficar com uma Guerra ou contínua incomodidade, o cumprirei como devo; mas

rogo aos pés de S. M. sejam a tão decisivas e claras as ordens que sem mais

questões se lhe dê inteira execução ao que nos for decretado86

O exército luso após ter permanecido por cerca de dez meses nas Missões, regressa a

Rio Pardo, e que segundo alguns analistas, “obedecia a uma visão estratégica evidente” 87, pois

se houvesse um rompimento com o exército espanhol, não comprometeria suas melhores tropas

coloniais.

Apesar do abandono das Missões Orientais, os guarani continuaram com a sua

resistência contra os exércitos ibéricos, isso aliado com a morte de Carvajal e a retirada do

comandante Gomes Freire para o Rio de Janeiro, que deixou apenas um pelotão em Rio Grande

86 Ver: Carta de Gomes Freire a Pombal, datada de 15 de maio de 1757. Anais da Biblioteca Nacional, 71, p. 103. 87 Ver: Anêmona Xavier Bastos, do SPHAN, n° 5 e gen. F. de Paula Cidade, Síntese de Três Séculos de Literatura

Militar Brasileira.

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para dar sustentação e retaguarda aos demarcadores fato este que acabou por enfraquecer a ação

destes.

Pombal, que estava no auge de seu prestigio perante o rei de Portugal, continuou firme

no seu propósito de anexar definitivamente às terras missioneiras e de iniciar uma perseguição

oficial a Companhia de Jesus e seus representantes. Em 1759, Pombal, através de um decreto,

expulsou os padres jesuítas88 das terras pertencentes ao reino português, o que abriu procedência

aos demais reinos a expulsarem também de seus domínios a ordem jesuítica. Em 1767, os

jesuítas seriam expulsos também da França e da Espanha e, em julho de 1773, o papa Clemente

XIV extinguiria a Companhia de Jesus. Pombal tinha conseguido atingir um dos seus objetivos

que era a tentativa de desestruturar a ordem jesuítica.

Pombal pode aproveitar seu triunfo por poucos anos, pois depois de quatro anos da

expulsão dos jesuítas, morreu D. José I, o seu protetor e ascendeu ao trono português, D. Maria

I89, a rainha louca. A partir deste momento Pombal começou a cair em desgraça e após sua

88 A Expulsão dos Jesuítas: Lei dada em 3 de setembro do mesmo ano [de 1759], para a proscrição, desnaturalização e expulsão dos sobreditos regulares, neste reino e seus domínios. D. José, por graças de Deus rei de Portugal e dos Algarves, d`aquém e d`além mar. D. José, por graça de Deus rei de Portugal e dos Algarves, d`aquém e d`além mar em África, senhor da Guiné e da conquista, navegação e comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia, e da Índia etc. Faço saber que, havendo sido infatigáveis a constantíssima benignidade e a religiosíssima clemência com que, desde o tempo em que as operações que se praticaram para a execução do tratado de limites de conquista, ... procurei aplicar todos os meios quanto a prudência e a moderação podiam sugerir para que o governo dos regulares da Companhia denominada de Jesus, das províncias destes reinos e seus domínios, se apartasse do temerário e façanhoso projeto com que havia intentado e clandestinamente prosseguido a usurpação de todo o Estado do Brasil, ... depois de ter ouvido os pareceres de muitos ministros doutos, religiosos, e cheios de zelo da honra de Deus, e do meu real serviço, decoro, e do bem comum dos meus reinos e vassalos, que houve por bem consultar, e com os quais fui servido conformar-me: declaro os sobreditos regulares na referida forma corrompidos, deploravelmente alienados do seu santo instituto e manifestamente indispostos com tantos e tão abomináveis, tão inveterados e tão incorrigíveis vícios, para voltarem à observância dele, por notórios rebeldes, traidores, adversários e agressores que têm sido e são atualmente contra a minha real pessoa e Estados, contra a paz pública dos meus reinos e domínios, e contra o bem comum dos meus fiéis vassalos: ordenando que como tais sejam tidos, havidos e reputados e os hei, desde logo, em efeito desta presente lei, por desnaturalizados proscritos e exterminados: mandando que efetivamente sejam expulsos de todos os meus reinos e domínios, para neles não mais poderem entrar ... E para que esta minha lei tenha toda a sua cumprida e inviolável observância, e se não possa nunca relaxar pelo lapso do tempo em comum prejuízo uma tão memorável e necessária disposição, estabeleço que as transgressões dela fiquem sendo casos de devassa ... Em A. J. de Melo Morais. História dos jesuítas e suas missões na América do Sul. Rio de Janeiro: Casa Imperial de E. Dupont, 1872, p. 587-590. 89 Foi a primeira rainha em Portugal a exercer o poder efetivo. Seu primeiro ato como rainha, iniciando um período que ficou conhecido como Viradeira, foi a demissão e exílio da corte do Marquês de Pombal, a quem nunca perdoara a forma brutal como tratou a família Távora durante o Processo dos Távoras. Rainha amante da paz, dedicada a obra sociais, concedeu asilo a numerosos aristocratas franceses fugidos ao terror da Revolução Francesa (1789). Mentalmente instável, desde 10 de fevereiro de 1792 foi obrigada a aceitar que o filho tomasse conta dos assuntos de Estado. Obcecada com as penas eternas que o pai estaria sofrendo no inferno, por ter permitido a Pombal perseguir os jesuítas, o via como “um monte de carvão calcinado”. Em 1799, sua instabilidade

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morte em 1782, seu corpo ficou mais de meio século abandonado na cripta da quinta em qual

havia permanecido durante o seu exílio, sendo que somente em 1836, finalmente foi sepultado

em Lisboa.

A ascensão de Carlos III, após a morte de Fernando VI, ao trono espanhol, ocorreu

uma retomada da Espanha em relação às áreas em questão, pois se considerava envolvida pelas

artimanhas e métodos ardilosos empregados pela diplomacia portuguesa. A execução do

Tratado de Madrid foi suspensa em 1760, apesar do marquês de Pombal tentar costurar um

novo acordo diplomático entre as coroas ibéricas. Após o cancelamento do Tratado, a Espanha

nomeou administradores leigos, já que os jesuítas haviam sido expulsos dos domínios

espanhóis, e retomou o controle efetivo das áreas missioneiras, tudo submetido ao controle

central do governo de Buenos Aires.

A Espanha neste período encontrava-se fortalecida politicamente, já Pombal sofreu um

duro revés com a Viradeira90 em 1777, o que o levou a rainha-mãe, D. Maria, condenar tudo

aquilo havia sido obra do marquês. Aproveitando a situação em que esta fortalecida

politicamente a Espanha negocia com Portugal um novo tratado, neste contexto surge o Tratado

de Santo Ildefonso91, que redefiniu as fronteiras entre Portugal e a Espanha, e que pelo novo

recorte geográfico, tanto a Colônia do Santíssimo Sacramento como os Sete Povos das Missões

Orientais passaram a pertencer ambas a Espanha.

mental se agravou com os lutos pelo seu marido D. Pedro III (1786) e seu filho, o príncipe herdeiro José, Duque de Bragança, Príncipe da Beira, Príncipe do Brasil, morto aos 26 anos (1788), a marcha da Revolução Francesa, e execução do Rei Luís XVI de França na guilhotina e o filho e herdeiro João assumiu a regência: D. João VI de Portugal. file:///G:/Maria_I_de_Portugal.htm. Acesso em 24/09/2017. 90 Viradeira é a designação que se dá ao período que se iniciou 13 de março de 1777 com a nomeação de D. Maria

I de novos Secretários de Estado, em substituição do marquês de Pombal. Neste período uma progressiva quebra

do controle estatal sobre muita das áreas econômicas, com a extinção de alguns dos monopólios mercantis

estabelecidos por Pombal, e permitiu-se uma retomada da influência da Igreja da alta nobreza sobre o Estado.

Muitos dos presos políticos foram libertados e muitos nobres reabilitados, incluindo alguns a título póstumo. No

que se refere a Universidade de Coimbra, muitos professores e alunos foram expulsos sob diversas acusações

ligadas à heresia, como enciclopedismo, naturalismo e deísmo. Francisco de Melo Franco, um dos expulsos,

escreveu O Reino da Estupidez em represaria. File:///G:/Viradeira.htm. Acesso em 24/08/2017. 91 Logo no início de seu reinado, assinou o Tratado de Santo Ildefonso, que restituiu à Espanha a Colônia do

Santíssimo Sacramento, enclave português no sul do Uruguai. Ainda no campo das relações exteriores, completou

os ajustes fronteiriços entre o Brasil e as colônias espanholas do Prata, de acordo com as cláusulas do Tratado do

Pardo. file:///G:/maria.htm. Acesso em 24/08/2017.

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A questão fronteiriça do sul do continente acabou só sendo resolvida definitivamente

por um novo acordo em 1801, o Tratado de Badajós, e seu epilogo é descrito por Darcy

Ribeiro92:

Elas foram "assaltadas pela burocracia colonial, pelos assuncenos e pelos

mamelucos paulistas, propositadamente desorganizadas para abolir

características tidas como comunizantes. Já em fins do século XVIII, os índios

missioneiros haviam sido dispersados, escravizados e conduzidos a regiões

longínquas, dissolvidos no mundo dos gaúchos, ou ainda, refugiados nas matas

onde se esforçavam por reconstituir a vida tribal, enquanto suas terras e seu

gado passavam às mãos de novos donos".

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É necessário inicialmente destacar que o processo das definições das fronteiras

permeou a geopolítica ibérica no Sul do Continente Americano durante o final do século XVII

e o século XVIII, em relação à construção da identidade histórica da população e na

consolidação dos Estados Nacionais do estremo sul das Américas, chegando a estremecer

profundamente a relações diplomáticas entre ambas as Coroas. Relações estas que inclusive

tiveram muitas nuances, das quais podem ser percebidas através dos casamentos reais e dos

acordos assinados e revogados entre portugueses e espanhóis.

Portanto, a geopolítica empreendida pelas coroas ibéricas potencializa uma análise

mais profunda e abrangente dos processos emancipatórios e determinantes na construção e

desconstrução de alguns paradigmas da América Colonial.

Partindo desta perspectiva considero que a fundação da Colônia do Sacramento

conseguiu transformar uma região até então inóspita (atual RS), em uma importante e

estratégica área do ponto de vista econômica e política, onde os conflitos entre as Coroas

Ibéricas, em virtude de que as disputas territoriais e econômicas na região platina eram

constantes, pois era imperativo naquele momento marcar presença naquela área, em razão da

sua importância comercial e estratégica em função do grande contrabando praticado no rio da

92 Fonte: www.terrabrasileira.net. Acesso em 22/08/2017.

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Prata. É neste contexto que analisei importância da fundação da Colônia do Santíssimo

Sacramento.

A ação espanhola na tentativa de construir dois grandes centros de organização de

populações indígenas e que se transformaram num primeiro momento como fator delineador

das fronteiras ibéricas, para posteriormente ser palco de profundas transformações

socioculturais e econômicas da América do sul. Concluí então que as Missões Jesuíticas foram

sem dúvida algo muito significativo e de valor inestimável na construção de um novo espaço e

de identidades nacionais.

O Tratado de Madrid, que de todos os Tratados estabelecidos entre Portugal e Espanha, na

América Colonial, foi sem dúvida o mais emblemático e o que mais acarretou conflitos entre

os dois países ibéricos. Concluí então que o já referido Tratado foi sem dúvida o fator

preponderante na desconstrução do espaço missioneiro, quando da troca da Colônia do

Santíssimo Sacramento pelos Sete Povos das Missões Orientais. Onde também comprovo

que muito mais do que os Limites entre os dois Domínios estavam em jogo, pois, enquanto

que a Espanha tinha como principal objetivo garantir a navegação exclusiva no rio da Prata,

também poderia através deste acordo conter o avanço português rumo às minas de Potosi, e

Portugal além de livrar-se de um enclave altamente dispendioso anexou uma grande e

importante área aos seus domínios.

Na tentativa das monarquias ibéricas de executarem o acordo diplomático que tinha como

intuito pôr fim a uma série de conflitos relativos às possessões territoriais entre ambos,

concluí que as reações contrárias dos povoados missioneiros contribuíram categoricamente

para o epílogo missioneiro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAMARGO, Fernando. Britânicos no Prata: caminhos da hegemonia. Série Ciência –

História. Passo Fundo: EDIUPF, 1996.

COLVERO, Ronaldo. Negócios na madrugada: o comércio ilícito na fronteira do Rio

Grande do Sul. Passo Fundo: UPF, 2004.

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Cultura Hispânica do Rio Grande do Sul, 1983.

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os Sete Povos dos jesuítas e índios guaranis no Rio Grande do Sul (1750-1761). Passo

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1009

A IMPLEMENTAÇÃO DAS DIRETRIZES NACIONAIS DE ENSINO DA HISTÓRIA

DA ÁFRICA NAS ESCOLAS E O PET HISTÓRIA DA ÁFRICA

Erika Dal Carobo Viana 93

Muriel Pinto94

Ewerton Ferreira95

RESUMO: O trabalho em voga é oriundo das atividades de pesquisa desenvolvida no

Programa de Educação Tutorial – PET História da África desenvolvido na Universidade Federal

do Pampa – UNIPAMPA campus São Borja. O PET tem em seus objetivos o desenvolvimento

de atividades de pesquisa, ensino e extensão e tem entre seus objetivos principais a aproximação

da universidade com a comunidade onde ela está inserida. A pesquisa apresentada consiste em

primeiro momento apresentar uma breve revisão de literatura sobre a Lei Federal 10.639/03 que

garante a inclusão nos currículos escolares da educação básica e de graduação os temas de

História da África, estudos indígenas e afro-brasileiros. Dessa maneira busca elucidar os

desafios e as potencialidades encontradas na implementação da lei. Em um segundo momento,

o artigo propõe-se a discutir sobre a importância do PET e da extensão universitária como

ferramenta para ampliação das discussões sobre os temas supracitados, bem como sua

contribuição através da formação continuada de professores/as da rede básica de ensino que

recebem a demanda dos governos para o ensino de história da África, buscando ser auxílio para

que estes possam exercer as atividades governamentais propostas.

Palavras-Chaves: Educação, África, História

INTRODUÇÃO

O trabalho a seguir é produto de pesquisas desenvolvidas no Programa de Educação

Tutorial – PET História da África da Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA campus

93 Acadêmica do segundo semestre do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Pampa (Unipampa)

Campus São Borja. Bolsista do PET – História da África. E-mail: [email protected] 94Tutor do PET História da África. Professor da Universidade Federal do Pampa. E-mail:

[email protected] 95 Acadêmico do Curso de Ciências Humanas – Licenciatura da Universidade Federal do Pampa. E-mail:

[email protected]

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1010

São Borja. O PET traz como um dos seus principais objetivos o desenvolvimento de atividades

de pesquisa, ensino e extensão, de forma simultânea, além de outras atividades focadas na

aproximação da universidade com a comunidade onde o programa está inserido.

O ensino de História da África nas escolas por muito tempo foi praticamente inexiste e

apenas em uma abordagem sob o aspecto da escravidão. Nesse sentido, ao falar sobre África, a

relação feita é com a escravidão e a marginalização do povo negro, visto que a escola e seu

currículo foi pensado a partir de um padrão eurocêntrico. Oliva pontua

Aqueles que se sentaram em bancos escolares até o fim da ditadura militar tinham que

se contentar, ou aturar, uma História de influência positivista recheada por

memorizações de datas, nomes de heróis, listas intermináveis de presidentes e

personagens. Sem contar a extrema valorização da abordagem política pouco atraente

do eurocentrismo na História Geral e da exaltação da nação e de seus governantes na

História do Brasil (OLIVA, 2003, p. 224 – 225).

O processo de colonização brasileira transformou a imagem do homem europeu como

a raça/etnia superior aos negros e a partir dessa concepção houve a exploração de mão de obra

escrava e a tentativa de tirar as identidades culturais. A Lei Áurea aprovada em 13 de maio de

de 1988 garantiu a liberdade dos negros que eram escravizados, mas não foi criada nenhuma

forma de realizar a inserção dos negros no mercado de trabalho e na sociedade em geral. Dessa

forma, a liberdade veio acompanhada de pobreza e desigualdade social e, posteriormente, da

tentativa de um processo de embranquecimento da população negra com o oferecimento de

terras à diversos países europeus.

Os negros passaram a ocupar espaços que estavam ociosos e distantes das vilas e

cidades, pois havia represália dos brancos foi nesse período que as favelas e as comunidades

nos morros começaram a criar formar. A desigualdade social cresceu com a falta de empregos

e estudos que possibilitaram a ascensão dos negros. Cabe pontuar que no Brasil até 1960 os

negros e brancos não frequentavam a mesma escola. No entanto, a história contada sob o viés

branco coloca os europeus enquanto heróis e os negros apenas escravos e passivos diante do

períodos de escravidão não considerando as revoltas e as fugas de diversos negros/as nesse

período. Contrário a essa perspectiva de história adotamos nesse trabalho uma visão dos estudos

pós-colonialista que buscam dar o olhar sujeitos que foram esquecidos pela história e trazê-los

para uma perspectiva mais contemporânea.

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Após a Constituição Federal de 1988 garantir a educação como direito para todos

e o Estado responsável por ela que começou a pensar em políticas públicas para garantir o

acesso aos grupos excluídos historicamente. No ano de 2003 foi aprovada pela câmara dos

deputados e homologada pelo então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva a lei

10639, sendo a primeira lei que garantia a inserção de História da África como componente

obrigatório no currículo escolar das instituições de ensino básico e superior. Devido a lei 10.139

de 2003 que assegura o ensino de História da África no plano de ensino nacional da educação,

o PET História da África, por meio de seus bolsistas, auxilia para que haja uma estrutura devida

para as instituições executarem as atividades propostas. Dentro destas atividades incluem

suporte de material e da formação continuada, além de atividades ligadas diretamente aos

alunos.

A pesquisa em questão consiste em um primeiro momento apresentar uma breve revisão

de literatura sobre a Lei Federal 10.639/03 que obriga a inclusão nos currículos escolares da

educação básica e da graduação os temas de História da África, estudos indígenas e afro-

brasileiros, buscando elucidar os desafios e as potencialidades encontradas na implementação

da lei. Um dos pontos básicos da lei96 e que também é um dos mais frisados pelo projeto é a

inserção da História da África no cotidiano da sala de aula. Para isso pode-se fazer uso de

atividades didáticas, materiais e outras formas de inserção do tema na sala de aula.

Visto que a população negra possui grande expressividade no país e que é representada

por pessoas afrodescendentes ou que assim se identifiquem, como o dito por Rosa

Ao falar de afrodescendentes inclui-se todo aquele que descende

biologicamente das populações trazidas para o Brasil no tráfico negreiro,

como também os que possuem identidade afro-brasileira. Normalmente os

afrodescendentes encontram-se designados pelo IBGE – Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística, como as populações que se identificam como

negros ou pardos nas pesquisas realizadas pelo órgão (ROSA, 2006, p. 2).

96Diretrizes nacionais da educação. Lei 10639/2003. 5.1 B. “Estimular estudos da educação das Relações

etnicoraciais e História e cultura Africana e Afro-brasileira, proporcionando condições para que professores,

gestores e funcionários de apoio participem de atividades de formação continuada e/ou formem grupos de estudo

sobre a temática.”

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A importância dessa lei se dá a partir do fato de que esses alunos necessitam saber a

origem de sua história e suas raízes. Também é importante sentirem-se pertencentes a jornada

de seu povo. Desta forma, os mesmo podem ter maior contato com a cultura africana, trazendo

o assunto para o cotidiano da sala de aula e auxiliando na identificação cultural africana e afro-

brasileira, além de erradicar problemas como o racismo, que ainda tem forte expressividade no

país. Com tudo, a aplicação da lei ainda incentiva os alunos a buscarem seus direitos e lutarem

pelo direito de cultura e a perpetuação da mesma.

METODOLOGIA

O programa PET – História da África possui um projeto de inserção dos bolsistas e

voluntários do programa na sala de aula. De modo que o haja um auxílio a rede pública de

educação sobre o tema com base nas pesquisas desenvolvas pelos mesmos. Desta forma, o

intuito desta atividade do Programa é incentivar o tema África em sala de aula tornando mais

próximo dos alunos e professores envolvidos nos projetos desenvolvidos. De acordo com

Ferreira, bolsista do PET que aplica as atividades na escola Apparício Silva Rillo.

...as atividades do Programa encontram-se em conformidade com a proposta do

PNExt que é aproximar a comunidade da universidade. Além desse contato, é

fundamental o pensar em um currículo que considere as particularidades do regional,

conhecendo o processo de formação cultural, política e econômica do local onde estão

inseridos, buscando romper com a perspectiva tradicional do currículo onde é

transmitido diversas informações aos alunos/as sem a reflexão devida, necessária ao

que preconiza os Parâmetros Curriculares Nacionais (FERREIRA, 2017, p. 3).

Devido ao déficit de atividades que incluem História da África nos planos escolares

(apesar do assegurado por lei), se torna necessário que os bolsistas do programa incentivem e

criem atividades recreativas e que incluam o tema de forma criativa no meio acadêmico. Isso

pode ser realizado através de projetos audiovisuais com filmes e atividades baseadas no

multimídia. Estes, visando o ensino de história da África. O intuito é começar com filmes mais

brandos com a temática, como é o caso do filme “Doze anos de escravidão” (McQueen, 2013)

que retrata os negros norte-americanos no cenário pós abolição da escravatura dado a partir da

lei Aurea. Logo partindo para filmes mais densos e reflexivos como documentários com a

temática vigente.

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Por fim, o projeto propõe-se a discutir sobre a importância do PET e da extensão

universitária como ferramenta para ampliação das discussões sobre os temas supracitados, bem

como sua contribuição através da formação continuada de professores(as) da rede básica de

ensino, esta que recebe a demanda do governo, mas muitas vezes não possui o auxílio

financeiro, incentivo e apoio necessários para o desenvolvimento das atividades exigidas.

RESULTADO E DISCUSSÃO

Com a inclusão de atividades sobre a temática História da África nas escolhas, torna-se

maior o leque de oportunidades e criatividade para o desenvolvimento de atividades didáticas

por parte dos professores nas escolas participantes do programa. É extremamente importe que

o assunto seja colocado em pauta para que os alunos tenham maior contato com as atividades

de forma mais prática. Isso faz com que o tema se torne mais atrativo para o aluno e que haja

maior adesão e interesse por parte dos alunos e demais comunidade acadêmica envolvida.

Todos os envolvidos no projeto saem ganhando, todos levam uma bagagem de

conhecimento a mais e constroem conhecimento em conjunto, este que é o objetivo principal

do PET, ensinar e aprender de forma simultânea com os envolvidos.

Diante disso há a formação de cidadãos conscientes sobre a temática e com maior

identificação com a sua própria cultura. Dessa forma haverão cidadãos mais conscientes e

consequentemente a diminuição dos casos de racismo e racismo velado existentes no país.

Além, de forma mais efetiva, diminuir os casos de racismo na própria sala de aula.

CONCLUSÕES

As atividades desenvolvidas pelo programa são grandes oportunidades para a

comunidade interagir com temas importantes que busca otimizar o sentimento de pertencimento

com a cultura africana e erradicar os casos de racismo recorrentes, não só no meio acadêmico

como na comunidade em geral. A lei de ensino de história da África tem uma grande

importância social visto que a população afrodescendente necessita garantir o direito de manter

e ter acesso a sua cultura.

Em um país com a imensa miscigenação cultural que é o Brasil, é inaceitável que leis

para garantir a própria cultura brasileira não sejam executadas da forma correta. O PET busca,

através de suas atividades propostas, tornar o ensino de história da África algo cotidiano nas

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salas de aula do Brasil. O projeto a princípio está inserido na cidade de São Borja, mas o

objetivo dos participantes é que estas práticas disseminem-se pelas escolas de todo o Brasil.

Como próximo passo da pesquisa também há o objetivo de descobrir quais são os temas

de maior interesse para os alunos, sobre história africana e afro-brasileira, para que assim as

atividades possam se tornar mais atrativas para os mesmos. Afinal, esta prática do programa

não busca apenas oferecer o estudo, mas também há a preocupação com a receptividade do

aluno com o material que é oferecido.

Após as pesquisas e a inserção da formação continuada, o programa aplicará

questionários aos alunos para que avaliem a sua própria absorção do conteúdo, dependendo dos

resultados, o programa adaptará sua metodologia de ensino para uma apropriada.

Além disso, com esse padrão de qualidade, quantos mais indivíduos forem

contemplados pelas atividades maior será a ampliação de conhecimentos e identificação

cultural. A partir disso, o programa também almeja a diminuição da cultura do

“embranquecimento” e de práticas racistas que perduram por gerações a nossa sociedade.

REFERÊNCIAS

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imprecisões na literatura didática.

FERREIRA, Ewerton da Silva; FERREIRA, Dyego; PINTO, Muriel. Programa de Educação

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em Cultura – E-micult.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA. Indicadores de cor ou

raça, segundo a Pesquisa Mensal de Emprego março de 2009. Acessado em 22 de setembro

de 2017. Disponível em:

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ROSA, Maria Cristina. O professor de arte e a inclusão: O caso da lei 10639/2003. UDESC,

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ASPIRAÇÃO REVOLUCIONÁRIA INTERNACIONAL E A FRONTEIRA VIGIADA

DE SÃO BORJA E SANTO THOMÉ: COMUNISMO, NACIONALISMO

CONSERVADOR E CONTROLE DIPLOMÁTICO (ANOS 1930-1945)

Núbia Assumpção Dutra97

Rodrigo Maurer98

Resumo: A proposta faz uma análise em torno de correspondências oficiais que acabam

envolvendo personagens de confiança do ex-presidente Getúlio Vargas, agentes do exército

nacional e informantes que atestavam a mobilidade de comunistas na fronteira de São Borja e

Santo Thomé e outras fatos correlatos a uma panorama histórico regional.

Palavras chaves: Ambição internacionalista, controle de Estado, intolerância política.

Do perigo vermelho: a mobilidade dos comunistas e a política de controle do governo

Vargas

“[...] O comunismo não é para nós um estado

que deve ser criado, um ideal a partir do qual a

realidade deve se regular.

Chamamos o comunismos ao movimento real

que abole o estado atual.

Karl Marx. O manifesto Comunista.

97Acadêmica do II semestre do curso de Ciências Sociais – Ciência Política da Universidade Federal do Pampa

(UNIPAMPA), campus de São Borja. [email protected] 98Historiador. Professor Substituto do curso de Ciências Sociais – Ciência Política da Universidade Federal do

Pampa (UNIPAMPA), campus de São Borja. Orientador responsável da pesquisa. [email protected]

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Os discursos aqui sugeridos recaem sobre a mobilidade dos comunistas que preveriam

na luta internacionalista uma orientação a ser investida. E sob esse contexto assentamos a leitura

aqui apresentada. Destaque-se, inclusive, que em mais de uma conjuntura a própria afirmação

de comunismo, é entendido como vocação – e como tal deveria ser praticada sob uma orientação

com objetivos bem definidos. E no contexto por ora trabalhado significa dizer que os

comunistas já se encontravam infiltrados não só na fronteira que cumpria a São Borja e Santo

Thomé, como também em outras fronteiras e localidades portuárias como Encarnación e

Possadas ou ainda Corrientes. Sem falar nas questões possíveis que potencialmente lhes

conduziam à Buenos Aires e Uruguai – muito possivelmente Montevideo.

Essa descrição para um bom observador do contexto significa dizer que os comunistas

já se encontravam infiltrados na sociedade, embora distantes dos aparelhos de poder. E a contar

daí, o que se tem em análise é a formulação de um imaginário regional de que o comunismo

pregava uma aspiração revolucionária internacionalista. E as condições que faremos uso na

sequência não fogem a regra. Mas ficando apenas no caso brasileiro, esta assertiva nos revela

que os anos decorrentes da “Revolução de 1930” acabaram por promover um discurso apolítico

para ideologias um tanto quanto perduráveis. O que demonstra que um caminho antagônico de

interesses, dentre o ato de impor uma concepção de mundo (no caso dos comunistas) em

detrimentos de outros valores ou orientações contrárias que os combatia. E nesse caso

específico – o que existiu foi – uma contra resposta do governo varguista para com os primeiros.

Por ressalva um leitor que ignore o quadro político-ideológico internacional isolado do

movimento da “Revolução de 1930”, muito dificilmente conseguirá entender que o tempo de

intolerância política e orientações de cunho ortodoxas que se faziam consentir naquele contexto.

Em todo caso a década de 1930 e as articulações nela contidas tiveram de acompanhar

um conjunto de posturas que acabou por conduzir a um consenso de nacionalização. Essa

prerrogativa sob âmbito histórico cultural moldou o imaginário conservador brasileiro numa

contraposição a outros comportamentos políticos. Coube nessa condição ao Estado o papel de

realizar as transformações pelas qual Oliveira Viana 99 (1940: p. 52), classificou deveras

99Oliveira Viana foi consultor do governo Varguista e assume um papel de ideológo das ações do Estado Novo.

Cabe a sua autoria aquele que seria um artigo informativo das ações do Estado Novo, só que pelo viés academicista

da questão. Trata-se do artigo, A política social da revolução brasileira. Artigo este publicado na Revista Forense

– cujo editorial pertencia aos interesses midiáticos do governo de Vargas. Apenas para fins de conhecimento do

conteúdo que cerca o correlato preâmbulo, vejamos algumas manifestações de Oliveira Viana quando o mesmo se dirigiu ao público com vistas a prevê-los que o Estado Novo assumiria contornos nacionalistas. No entendimento

do mesmo a confirmação do Estado seria “uma outorga generosa dos dirigentes políticos – e não uma conquista

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importante porque a sociedade brasileira como um todo se encontrava dividida entre “semi –

patriarcal e semi – industrial”. E naquela altura a orientação da segunda internacional comunista

previa terminar com o latifúndio e a influência imperialista – circunstâncias estas que se

encontravam à cabo e a cargo de Getúlio Vargas.

Junta-se a esse colocação o fato de que as ações de controle por parte do governo Vargas,

jamais se mostraram desalinhadas da personalidade e dos compromissos mantidos por aquele

quando da homologação da Assembleia Nacional Constituinte em Maio de 1933; feito do qual

acabou por lhe aproximar de uma elite nacional que não entendia na pauta comunista uma

fundamentação política a ser acompanhada. Por aí, fica fácil entender que os compromissos

mantidos pelo ex-presidente e seus subordinados, em verdade, surgem de uma “necessidade de

classe”100 burguesa que se mostrava desamparada e desconfortável diante a ascensão e por

conseguinte o espraiamento do comunismo enquanto estratégia revolucionária.

Sobretudo porque do “golpe de 1930” até 1937, a ação foi conduzida de modo a fazer o

comunismo um combate do povo, fazendo valer a máxima de Hannah Arendt das passagens em

referência ao “autopoliciamento social”. E facilmente os comunistas deixaram de serem os

inimigos que viam de fora, para serem ser compreendidos como aqueles que já se encontravam

organizados entre os “brasileiros”.

Desta forma e aos poucos, o povo foi conduzido a entender que o Estado estava disposto

a não permitir espaço para o contraditório. A cargo que a pauta das ideologias passou a competir

com a austeridade de um modelo politico que vivia sob estado de tensão constante. No que pese

maiores avaliações alguns eventos envolvendo a pessoa do estadista brasileiro demonstram que

o aprimoramento das aparições do mesmo na arena da política internacional passou a ser mais

realizada pelas nossas massas trabalhadoras”. Numa outra passagem Vianna deixa entender que não restaria aos

trabalhadores outra sulução de organização que não acompanhar o dito nacionalismo. Fora esse entendimento

qualquer outro poderia ser compreendido como uma organização que desconheceria as “condições históricas do

país”, portanto passível de interpretação por parte dos já atestados “dirigentes políticos” do Estado Novo. As

informações de Viana não por acaso já conhecidas desde o tempo imediato que confabulou a proposta de fundo

situam com a menúncia devida a solução encontrada por Vargas e seus ministros. Pairava por sobre tal imaginário

coletivo que a ação retroalimentada aos disturbios da terceira década indicariam o caminho de que as ações do

Estado Novo pela conjuntura dadécada seria a “mais juta, mais consentânea, não só com a nossa estrutura

econômca e social, mas com a nossa índole nacional” (Viana, 1940: p., 49). 100A uma diferença de entendimento teórico entre o que seriam as “necessidades de classe”, para com a

“consciência de classe”. Em todo caso, a presente avaliação toma por referencial teórico a seguinte reflexão:

LUKACS, George. Histoire et conscience de Classe. Les Éditions du Minuit. Paris, 1960.

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valorizada quando aquele passou a orientar a nação de que a mesma deveria fazer chegar ao

conhecimento do governo os seus potenciais inimigos. Pretensões desse tipo, sob a ótica que

estamos tratando, concluíram que a causa nacional em verdade foi o combate ao comunismo

que – também entendia a pauta em questão como uma revolução – todavia sempre solicitando

como pauta o operário e suas categorias de representação (os sindicatos). De fato, quando

comparados os dois modelos tratar-se-iam de aspectos distintos.

Ante a constatação do conteúdo referido fica a sensação quase que ingênua de perguntar

quais seriam os interesses da URSS para com Brasil? A nossa hipótese consiste que a URSS

tomou/previu por posição política um Brasil que não se reconhecia e por isso talvez se

apresentasse demais confuso para compor uma estratégia de poder perdurável. Nestas

circunstâncias mais valia intensificar o discurso contra o integralismo – caminho do qual se

aprofundava a tática principal de combate internacionalista – do que combater as influências e

orientações de fundo conservador – pautas as quais se encontram alinhadas ao posicionamento

de Getúlio Vargas.

Noutras palavras o ato de se apresentar nacionalista ou expor-se anti-comunista em tese nada

mais seria do que o poder que se imaterializava por argumentos que concluíam no discurso

nacionalista e nas práticas repressivas de controle por parte dos que se colocavam contrários ao

aparelhamento jurídico-institucional ou que se sentiam ameaçados quando consentidos na

condição de estrangeiro.

Desta assertiva, é possível assegurar que o modelo de sociedade nos anos decorrentes

da “Revolução de 1930” seguiu promovendo um discurso apolítico para ideologias um tanto

quanto perduráveis. Logo, as circunstâncias indicam um caminho antagônico de interesses,

dentre o ato de impor uma concepção de mundo em detrimentos de outros valores ou

orientações contrárias. E nesse caso específico – o que existiu foi – uma contra resposta do

governo varguista.

Enfim, a proposta se coloca prevendo situar as ações e as táticas empregadas por um

viés paralelo, sobretudo no âmbito político de época, repousando, por conseguinte num campo

que compõe a uma história política101.

101Para expressar o conteúdo, fizemos uso das seguintes produções: FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987. RÉMOND, René. Por que a história política? In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. VII, n. 13, pp. 7-20, 1994.

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A intolerância ao comunismo e outras considerações acerca dos documentos

“[...] tarefas que competiam à nível global até à vitória da nossa revolução”.

Lênin. As tarefas do proletariado em nossa revolução.

Não só no Brasil, como na Europa, muitos foram às argumentações que emitiram uma

política de combate ao comunismo. Os argumentos como estão a provar as obras de fundo

histórico aconteciam de modo a enfraquecer o programa internacionalista, sobretudo no âmbito

político de época. Aliás, no entendimento de João Negrão, o presidente Getúlio Vargas jamais

se mostrou desatento à movimentação dos comunistas na Europa. E sempre que possível fez da

intolerância instaurada no antigo mundo uma pauta a ser acompanhada. Um documento que

deixa flagrante essa situação é o que segue a baixo:

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1020

A.P.S.B. 1932 Corresp. P.M. Registro digital aos cuidados do professor Rodrigo Maurer,

responsável pelas imagens.

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1021

Percebe-se com certa facilidade que tratar-se-ia de um ofício datado de 19 de Janeiro de

1932, enviada pelo então Major Comandante do 2º Regimento de Cavalaria Cesar M. da Silva

fazendo uma alusão muito enfática ao senhor Prefeito da localidade de São Borja (na

oportunidade o sr. Cleto Doria de Azambuja), para que o mesmo entrasse em contato com as

autoridades competentes da segurança no sentido de refrear o “aliciamento de brasileiros por

parte de revolucionários argentinos” que ao que consta estariam se organizando para um

movimento revolucionário na província de Corrientes.

Decorridos sete meses da primeira manifestação com relação a atuação dos comunistas

em território argentino, eis que um novo personagem ainda desconhecido, faz consideráveis

ressalvas em ofício ao então Dr. Protasio Vargas (irmão do então presidente). O conteúdo ao

que consta foi “retratado e datilografado” na localidade de Santo Tomé em 5 de Agosto de

1932. O teor argumentativo tal qual se traduz, denuncia que Protasio Vargas teria recebido junto

do oficio mais “dois recortes de jornaes de “La Nacion” de Buenos Aires, correspondentes aos

dias 1º e 2 do corrente [Agosto]” de onde poderia conferir como vinha acontecendo “a acção

dos comunistas” no país vizinho. Em todo caso, vejamos na íntegra o conteúdo salientado:

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1022

A.P.S.B. 1932 Corresp. P.M. Registro digital aos cuidados do professor Rodrigo Maurer,

responsável pelas imagens.

Estas situações no que pese o frágil aproveitamento que ainda é assente não concluí

outra avaliação que não o fato que o governo brasileiro mantinha em solo argentino um

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1023

informante. E este ao que consta se apresentava como alguém eficiente no que diz respeito às

movimentações comunistas não só o Brasil, mas também, no Uruguai e Argentina. No entanto,

esta situação parece ter sido superada – quando transcorridos 13 anos. O que prova a velha

máxima que a política é dinâmica. Fato que não só se aplica como se confirma ao registro em

destaque:

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1024

A.P.S.B. 2º SEM. 1945 COP. OFS. P.M. Registro digital aos cuidados do professor Rodrigo

Maurer, responsável pelas imagens.

Em poucas palavras, o mérito da intolerância do governo varguista junto aos comunistas

se explica porque o projeto nacional não previu o envolvimento orgânico por hipóteses

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1025

internacionalistas que pudessem valer o exercício democrático. E o comunismo naquela altura

era a única orientação política antagônica que de fato inquietava a elite nacional.

Nestas condições e em meio a tantas considerações, coube ao estadista brasileiro

conseguiu empregar paulatinamente o retrato de “salvador da pátria”. Todavia, este panorama

não confiou outra ação que não demonstrar o fato de que “as posições políticas passaram a se

definir em razão do nacionalismo” (WEEFORT, 2003, pp. 24-25).

A memória, a história política e a repulsa aos comunistas: considerações finais

Não era lícito nos perguntar se doravante o

advento do comunismo não estaria inscrito no

devir da história do mundo?

Norberto Bobbio (2000:656)

Não é preciso dizer quão inúmeras são às argumentações que emitiram uma política de

combate ao comunismo102. Para além do inimigo que esta sempre a espera, acusações ao

programa se deram de várias formas e sob inúmeros argumentos de intolerância. Alguns fatos

como estão a provar as obras de fundo histórico aconteciam visando enfraquecer a orientação

comunista no sentido de valorizar outras concepções de envolvimento como nação/pátria a

propriedade, a família e a religião (esta em especial sendo aquela que combatia o materialismo

ateu). A contar daí podemos começar a pensar a que interesses se sustentam ao uso da assertiva,

pois qualquer outra alternativa que não as estruturas basilares da sociedade burguesa ou da

burguesia nacional infringiam os interesses da “nação”.

102Este contexto pode ser avaliado quando em uso das seguintes avaliações: AGGIO, Alberto, BARBOSA,

Agnaldo, COELHO, Hercídia. Política e sociedade no Brasil (1930-1964). São Paulo: Annablume, 2002. DE

CASTRO, Ricardo. A formação das tradições (1889-1945). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. GOMES,

Angela de Castro. Cultura política e cultura histórica no Estado Novo. In: ABREU, Martha; SOIHET, Rache;

GONTIJO, Rebeca (Orgs.). Cultura política e leituras do passado: historiografia e ensino de história. Rio de

Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, pp. 43-63. MARCHETTI, Olavo Baldi. Desejáveis ou indesejáveis: a

formação da identidade nacional como parâmetro de divisão social no Brasil de 30. In: V Simpósio Internacional

Estados Americanos: O bicentenário das independências (1810-2010). PPGH Universidade de Passo Fundo 2010.

CODATO, Adriano. A transformação do universo das elites no Brasil pós-1930: uma crítica sociológica. In;

História social de elites. HEINZ, Flavio M. (Org.). São Leopoldo: Oikos, 2011, pp. 56-73.

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1026

Na verdade, os pontos por ora salientados se ajustam a uma fundamentação prática:

Getúlio Vargas entendeu na fronteira em destaque um prolongamento do seu poder oligárquico

e como tal, não poderia conciliar outra influência que não o nacionalismo por ele reverberado.

Todavia, o enquadramento da memória que se institui sob a peja do anti-comunismo é

antes de qualquer juízo estabelecido é uma formação político ideológico, mantido sob forte

resistência por parte das elites nacionais e dos extratos altos que procuram conservar sob seu

controle a participação na política fazendo com este ambiente em especial aconteça sem a

presença de organizações esquerdistas ou grupos políticos que reivindicassem suas ações ao

discurso comunista. Nestas condições, o objeto de avaliação que nos cabe ser conferido nesse

momento referenda a expressão “uso político do passado”103. Em tese, resulta de uma

apropriação de signos, ritos e outros adjetivos cognitivos que acabam reaproveitando de um

determinado evento do passado com vistas a emitir um reconhecimento de longa duração do

qual seja possível manter em sincronia aquilo que não existe mais, embora deva ser preservado

no sentido de uma memória coletiva. Se acompanharmos os ensinamentos de Michael Pollak

(1989), da memória coletiva estender-se-ia ao resultado fim, isto é, a memória nacional.

A despeito dos aspectos similares, o próprio argumento de Estado Novo traduz

consideráveis indefinições. E isso acontece porque o próprio modelo preferiu misturar

problemas internos com problemas de ordem domésticos ainda enraizados a um cenário político

oligárquico, que preferivelmente não media esforços para combater convívios e influências

consideráveis de fundo internacionalista.

Talvez por isso, a pesquisa vem sendo empregada no sentido chamar a atenção para três

níveis de consciência que circunstancialmente se fazem compreender: 1) o local fronteiriço – e

a fronteira como imaginamos comportava momentos concomitantes de a proximidade e de

tensão.; 2) a transformação de um estado intolerante ao estraeiro que passa a ver no comunismo

um inimigo a ser combatido; 3) a inclinação para com a concepção nacionalista que passa a

demonstrar que o antagonismo de classe atingiu um ponto máximo do qual a burguesia rural-

urbana se viu obrigada a abandonar os recursos democráticos visando não perder os aparatos

para com a orientação comunista outro ideologias que se apresentassem contrários aos

interesses do Estado nacional.

103Para saber mais, ver: HARTOG, François & REVEL, Jacques (sous la direction). Les usages politiques du passé.

Paris: EHESS, 2001.

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Por fim, a proposta se coloca prevendo situar as ações e as táticas por um viés paralelo

de interpretação (seja do lado do estadista, seja do lado daqueles que acreditaram ser possível

concluir uma revolução internacionalista), sobretudo no âmbito político de época.

Acervo de consulta

A.P.S.B. Arquivo Público de São Borja.

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1030

ENTRE TRANSFORMAÇÕES TERRITORIAIS, LITIGIOS PUEBLERINOS E

DIREITOS DE PROPRIEDADE NA PROVÍNCIA DO PARAGUAI (SÉC. XVII &

XVIII)

Rodrigo Ferreira Maurer104

Resumo: A análise discorre sobre o passado de algumas reduções índio-jesuíticas do Paraguai

colonial dentre os séculos XVII e XVIII; voltando-se especialmente para as situações de litígios.

Em regra, indisposições por via formal entre duas ou mais reduções por territórios mal definidos

ou sobre o produto de subsistência principal e também comercial da época: o gado. E para

expressar essa realidade colonial de forma clara, a pesquisa tem procurado confirmar que as

questões suscitadas, resultaram de uma motivação excessiva de época – dentre conquistar

grupos para assim confirmar territórios de hegemonia. Todavia, não há manifestação que

permita reconstituir aqueles eventos sob a ótica mais formal de disputa dentre inimigos, uma

vez que o que se mantinha naquelas ocasiões era a consagração de um interesse (s) em

detrimento de outro (s). E aqui se inscreve a originalidade deste propósito, ou melhor, se impõe

com maior nitidez a organização da Prónvincia Jesuítica do Paraguai.

Palavras-chave: comunidades rio-platinas, fontes jesuíticas, conflitos, reações coloniais.

EM FACE DA CONSAGRAÇÃO POSSÍVEL… DAS TERRAS A PERDER DE VISTA

A TERRITORIALIZAÇÃO DOS POVOS RIO-PLATINOS

O homem é prisioneiro, durante séculos, de climas,

vegetações, populações, animais, culturas, de um

equílibrio lentamente construído, do qual não pode se

desviar sem provocar o rompimento de tudo ao seu redor.

Fernand Braudel

Desde a pré-história o homem é orientado a conviver denominando objetos,

identificando locais e reconhecendo pares – por mais distante que aqueles possam apresentar-

se do seu tempo presente ou de uma trajetória que compense a sua existência de causa. Essa

prática, além, de remontar a um convívio eterno de pertencimento ao desconhecido converge à

104 Historiador. Mestre em História (UPF). Professor Substituto do curso de Ciências Sociais – Ciência Política

da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), campus de São Borja. [email protected]

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uma complexa relação de viver que serve tão somente a reformulação de imaginários e

territórios dantes aproveitados por gerações que nos antecederam. E o que visualizamos

didaticamente, representa o que alguns personagens dos séculos XVII e XVII atribuíram ser a

Província do Paraguai.

Retirado de: Anteprojeto de itinerários do Mercosul. Salvador, Brasil: Unesco, 2009.

Nunca se chegou a um acordo claro da origem que perfilou a presente orientação,

contudo quem visualiza a ilustração tendo em conta o resultado final (30 povos) não consegue

imaginar as dificuldades que tiveram de ser colocadas à prova até a sua realização. Noutras

palavras, a paisagem condiciona à uma funcionalidade por demais figurativa que teve de ser

formulada linearmente sem revelar a moldura a qual forjava-se o imediatismo da sua

transformação.

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1032

Aliás por razões que demonstrei em trabalhos anteriores (Maurer, 2010; 2014), já está

mais que debatido que a “realidade reducional” estabeleceu nas populações envolvidas a

“consciência” de distribuir-se aleatoriamente em meio ao horizonte que dispunham. E os

princípios alocados ao propósito de fundo (no que compete a confirmação territorial),

traduziram-se adversas às condutas que mantinham desde os idos pré-colonais – quando sequer

imaginava-se que o território algum dia viria a acumular o peso que passou a comportar – por

conta das estâncias ganaderas.

Sistematicamente do ponto de vista histórico, essa ilustração longe de uma

excepcionalidade de caso, não exclue; apenas supõe uma alusiva referência para dinâmicas que

não recomendam uma condição isolada ao território ou aos gêneros a eles implicados.

Em todo caso e a par das condições salientadas a tendência histórica aquí empregada

retrata/situa a experiência de transformação sob a ótica mais formal que compete por ora:

compreendê-la como um processo de longa duração mantido a um propósito de interpretação

ainda mais programático para não dizer sistematizado a situações que possam contrariar a

referida estrutura.

Por conseguinte e coincidentemente proporcional aos pontos salientados, a preocupação

geral da época, persistiu na maior parte das vezes em ofuscar especialidades com princípios ou

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concepções um tanto quanto distintas. E alegá-las do ponto de vista histórico é invariavelmente

complexo – uma vez que tratam de circunstâncias ficticias (embora aplicáveis à época colonial)

das quais remontariam facilmente aos idos da humanidade ou uma organização próxima a sua

originalidade.

Sem ter em conta este ponto de decisão, é praticamente impossível explorar a presente

temática pelo viés salientado/supracitado. Ao menos que na distinção disto estejam

condicionadas as razões que levaram aquelas comunidades a se regularizarem a um sentido

próprio de envolvimento/que ao que bem aparenta foi extensivamente manipulado.

Não é pois de admirar que algumas situações de litigios retratam as claras quão

intencional tiverá sido os esforços dos religiosos no sentido de enfraquecer a memória indígena

para para com isso condicionar o seu próprio aspecto terrificante ao cenário. Insistimos nesse

ponto capital de abordagem, não porque retrata o óbvio; mas por que conduz à solução do nosso

problema. Por isso julgamos conveniente deixar claro desde o início, que as diferenças por

menores que sejam são importantes para demonstrar as dificuldades encontradas ao propósito

final – ou tudo que promoveu a presente configuração. E não se trata simplismente de um

condicionamento factual, mas permite ao passo disso, compreender que a disposição em

questão, resultou de uma ação ambiciosa com vistas a alcançar resultados satisfatórios com o

tempo, e não no tempo das investidas.

Em verdade e na melhor das intenções tenta-se situar quão despendioso foi para a

Companhia de Jesus ter de adequar uma nova organização socioterritorial para as comunidades

envolvidas de modo a sustentar um âmbito político-administrativo amparado sobre marcas e

diferenças visíveis entre os povoados. Não por acaso, a exposição dos conflitos partem do

pressuposto de não concordar com visões idealizadas e com modelos explicativos que indiquem

a presente formulação harmônica dentre aqueles povos ou uma passividade expressivamente

morosa e potencialmente equivalente a um destino premeditado.

A propósito e para fins de abordagem, a desordem se acidental ou não, mostrava-se

atraente para algumas comunidades – haja vista que era a oportunidade de fazer-se presente em

meio ao conteúdo que se forjava ao uso das potencialidades que o território assitia ou lhes

permitia alcançar. E essa constatação é reportada sempre que possível ao nosso trabalho, uma

vez que torna perceptível a especialidade que competia a cada comunidade naquilo que

poderíamos considerar como efeitos ou condições de um envolvimento pouco paritário.

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1034

Em suma, não há como se enganar que ao fundo de todas as situações apresentadas –

alguns posicionamentos tomaram em conta propósitos individualistas e lógicas contraditórias.

E para expressar isso de modo mais claro e evidente nada mais aproveitável do que considerar

a trajetória daquelas comunidades por situações que bem retratam um desagrado ao meio.

BREVES CONSTATAÇÕES DOS LITIGIOS PUEBLERINOS

Ocurren algunas diferencias y pleitos. Los más ordinarios

son sobre límites de tierras, porque aunque hay títulos de

ellas, dados y firmados de los Gobernadores em nombre

del Rey, suelen con el tiempo mudarse los nombres de

ríos o cerros, etc., linderos de las tierras, de que se siguen

dudas y diferencias.[...] Hacen su papel los indios: hace

el Cura el suyo: preséntanlo a los jueces: cotejan las dos

partes, y deciden a pluralidad de votos: y con eso, sin más

gastos, se acaba todo.

Joseph Cardiel

É habitualmente comum associarmos/atribuírmos o conceito de território como algo

praticado. Aliás se recorrermos à língua morta do latim, a palavra Territorium, ficará constatada

como a “porção de terra localizada, apropriada”.

Ocorre que nos parece indiscutível que, o problema que está em frente, não se coloca

apenas como um obstáculo, mas também é a interrogação plena disso tudo. E a perspectiva por

conseguinte, não nos permite falsas impressões – uma vez que podemos por circunstâncias

daquelas comprometer um desfecho histórico que direcione o debate para as situações

derradeiras do projeto reducional – como por exemplo – compreender a disposição agrária e

por conseguinte a concepção que ainda mantêm paisagens compactas ao tempo contemporâneo

(leia-se latifúndio).

Destarte de tudo que possa aparentar, as reduções não foram uma exceção na história,

nem sequer se mantiveram isoladas no tempo como se estivessem à indicar a Ácadia perdida.

Tanto é verdadeira a condição salientada/supracitada que a paisagem reducional /continuou

sendo reaproveitada mesmo com a saída dos jesuítas – o que demonstra que o projeto não foi

de todo “equivocado”, como quer sugerir a abordagem do Marquês de Pombal.

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1035

Com efeito, o que importa efetivamente nesta oportunidade é desfazer aparentes

inadequações ao conteúdo tratado situando suas circunscritas imprecisões. Para um exame mais

apurado do conteúdo e numa outra perspectiva sobre a mesma questão, esse é o mote que

começa a desvendar-se sob à luz dos litigios pueblerinos.

Para quem interpreta o problema reaproveitando apenas os antigos manuais religiosos

há de supor que tratar-se-iam, evidentemente de intrigas/indisposições envolvendo

comunidades que procuravam resistir em meio à transformação envolvente que se colocava em

curso (sociedade missioneira). É isso também, mas em termos gerais e nas devidas proporções

(ao tempo colonial), os casos combinaríam mudanças estruturais do tempo pré-colonial para

com isso confundir a lógica indígena para outros imaginários que os religiosos (então

colonizadores em contato) julgaram apropriados ou suficientes para serem incluídos aos seus

antigos ritos de envolvimento, princípios ou comportamentos proporcionais e equivalentes aos

mesnos.

E tentar reconstituí-los sob a ótica mais formal de disputa dentre inimigos ou ainda como

um ato de infracional é, na verdade, um erro desmedido de abordagem/reflexão, pois o que se

mantinha naquelas ocasiões era a consagração de um interesse em detrimento de outro.

Não obstante, a concepção de muitos jesuítas destacar-se-iam por acompanhar a

presente terminologia. Não por acaso, o bávaro Anton Sepp descreveu que, “a razão e causa

principais eram a demasiada vizinhança de ambos os povos e, por conseguinte, fáceis demais

para furtos de ambos os lados”105. É fato também, como bem prova a investigação de Artur

Barcelos (2006), que os limites entre reduções se pautavam em acidentes geográficos, como

rios, açudes, morros, capões de mato. O que facilitava sobremaneira tais infrações.

Na esteira disso, todavia diminuindo a importância dos casos, o Alberto Armani ponderou que:

A veces surgían conflictos entre una misión y otra, pese a los vínculos de solidaridad

que lentamente habían ido ligando a las treinta Reducciones. En general se trataba de

disputas concernientes al derecho de disponer de pasturas, o bien, de controversias

comerciales. Para resolver estos problemas no era suficiente el juicio de un solo

sacerdote, de modo que se recurría a una comisión de misioneros preferiblemente

residentes em poblados muy distantes de los que estaban involucrados en el pleito. En

los casos más importantes – por ejemplo cuando se trataba de discusiones de límites

– la comisión estaba presidida por el superior de las Reducciones. Al igual que en el

105 Sepp, Anton. Viagens às missões jesuíticas e trabalhos apostólicos. São Paulo: Martins. Ed. Universidade de

São Paulo, 1972, p. 155.

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1036

campo administrativo, en el judicial los misioneros actuaban dentro del marco de las

leyes españolas106.

Em regra e ao contrário do que atestou Amadori, a Companhia de Jesus tratava de

resolver os conflitos de modo reservado sem necessitar fazer uso de referências que viessem

ilustrar a corte espanhola e seus usos jurídicos. Aliás, pelo conjunto da obra é possível situar

que aqueles estaríam inclusive desempedidos de fazer tal aproximação para com a vossa

magestade espanhola – haja vista que os casos não contavam com a anuência da figura em

questão.

Longe de uma orientação pontualizada, os fatos por ora lembrados sequer tiveram uma

legislação específica de modelo – nem mesmo a tão acalantada Leis de Indias serviu para tais

fins. Na contradição disso e salvo alguma resistência em relação ao conteúdo retratado; em

última instância as decisões acompanharam as determinações do colégio máximo de Córdoba.

Todavia, o fito que envolveu tais episódios resultou de distintos aperfeiçoamentos, embora

ainda permaneçam pouco esclarecedores se comparado a diversidade que ampara a temática.

Para todos os efeitos e no que tange a apreciação dos casos, Artur Barcelos considera

categoricamente que o rito acompanhava os seguintes procedimentos:

Inicialmente, cabia aos Provinciais a nomeação de três padres das reduções do Rio

Paraná e três padres das reduções do Rio Uruguai para atuarem como juízes. Como forma de

garantir a não interferência de interesses pessoais, os juízes nomeados para o Rio Paraná

atuariam nos pleitos do Rio Uruguai, e aqueles do Uruguai atuariam nos pleitos do Paraná. No

caso de haver um pleito entre reduções dos dois rios, o trio de juízes seria formado por um

representante do Uruguai e outro do Paraná, sendo o terceiro o Padre Superior. Se este, por

alguma razão, se considerasse impedido, realizar-se-ia uma eleição junto aos seus consultores

para a nomeação de um terceiro juiz. Após serem realizadas as diligências necessárias, com a

análise dos documentos apresentados pelas partes envolvidas e a visita aos locais em disputa,

caberia aos juízes proferir uma sentença. Concedia-se dois meses de prazo para que, em caso

de apelação, as partes se pronunciassem. Todos os documentos gerados pelo processo deveriam

então ser entregues ao Superior, que os presidiria uma reunião que, após o exame de toda a

106 Armani, Alberto. Ciudad de Dios y ciudad del Sol. El “Estado” jesuita de los guaraníes (1609-1768). México:

Fondo de Cultura Económica, 1996, pp. 109-10.

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1037

documentação, realizaria uma votação, cujo resultado deveria ser a sentença definitiva e

irrevogável107.

De tudo que constata Barcelos surge uma breve incompatibilidade da nossa parte: o

colegiado quando reunido, por certo ambicionava/previa alcançar definições irrevogáveis ao

ato das sentenças – no entanto – não existem provas documentais que atestem a tais

confirmações de modo taxativo. Em verdade, cada caso provem de uma individualidade própria

de detalhes e dependendo das situações, chega ser impossível evidenciar com clareza as

intenções que cercavam aqueles procedimentos.

Conquanto, a variedade de episódios por ora lembrados (12 casos) e por conseguinte as

diferenças contidas aos mesmos, não significa propriamente, que toda a contrariedade tornar-

se-ia um conflito. Mas é importante saber que dentre propostas ou ambições contrárias à época

essa era uma possibilidade a considerar – quiçá possível de ser imaginada como ferramenta de

reinvindicação por parte de uma comunidade que viesse a considerar-se prejudicada numa dada

situação. De todo modo que não é totalmente inusitado tratar o conteúdo como resultado de

uma transformação histórica. Com efeito, é avisado entender também que tratar-se-iam de casos

que não reforçaríam a uma característica fundamental – tão sequer poderiam servir para situar

de uma forma sistematizada e deliberada de interpretação a estrutura social de época, ou a tudo

aquilo que viesse a retratar a avaliação daquelas na sua plenitude por conta dos conflitos.

Em uma última instância a disputa que regia toda e qualquer redução que venha a ser

utilizada como exemplo, não representava apenas um interesse por sobre gado e terras, mas

demonstra a cargo daquelas disputas que a avaliação sobre as mesmas também perfazia

propósitos mal-intencionados. E aqueles, não se fizeram exclusivos de um ou de outro povo,

mas estiveram acima de qualquer avaliação cumprindo um parâmetro lógico pelo qual os

religiosos tiveram um cuidado todo especial em manipular, uma vez que perfazia e

acompanhava ao seu contorno uma disposição por confirmar supremacia em detrimento de

falsas conclusões. Em outras palavras, a questão que estamos querendo levantar é a dimensão

da atividade reducional enquanto representatividade regulatória daquelas comunidades.

107 Barcelos, Artur. O mergulho no seculum: exploração, conquista e organização espacial jesuítica na América

espanhola colonial. Tese de Doutoramento, Programa de Pós-Graduação em História, PUCRS: Porto Alegre,

2006, p. 450.

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E a lógica que embasa a presente contraridade é muito simples: cada redução

desenvolveu uma práxis de envolvimento (leia-se poder) que se adaptava aos interesses

próprios. E a narrativa mantida sobre o problema – voluntária ou não – constituí o terreno mais

frutívero da investigação que realizamos atualmente – uma vez que permite aliar sob uma única

pauta de intrepretação situações um tanto quanto comprometedoras para um condicionamento

a priori inquestionável. Desconfiamos que existe por sobre esse entendimento um certo

exagero, entretanto ao fundo concluí a um efeito dissuatório e razoavelmente disposto ao tempo

colonial.

E por aí, é fácil perceber os motivos que impediram as missões de tornarem-se uma

confederação. Na mais amiúde das avaliações os potenciais envolvidos já se mostravam desde

sempre satisfeitos em permanecer em estreitos horizontes – comungando a individualidade e

suas assimetrias perpendiculares – principalmente as que ditaríam a independência absoluta

daqueles. Sem dúvida, essas questões podem se desbobrar em muitas outras e há muitos

caminhos para procurar respostas.

Em todo caso nunca que é demais entender que “por parte de un pueblo de una tierra o

un derecho común por costumbre desde tempo inmeroriables a menudo no expresa un hecho

histórico, sino el equilibrio de fuerzas (Hobsbawn, 2002, p. 8).

Acervo consultado

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