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860
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAMPA
PRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO
CURSO DE CIÊNCIAS HUMANAS – LICENCIATURA
ANAIS DO II CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR
DE CIÊNCIAS HUMANAS - COINTER
861
ORGANIZAÇÃO
APOIADORES
862
C
COORDENADORA GERAL DO EVENTO
Prof.ª Dra. Andrea Becker Narvaes
COMISSÃO ORGANIZADORA
PROFESSORES
Dr. Ronaldo Bernadino Colvero
Me. Anderson Romário Perreira Côrrea
Me. Camila Almeida
ACADÊMICOS
Ewerton da Silva Ferreira
Danilo Pedro Jovino
Hermogenes Cerqueira Filho
Letícia Olveira Chaves de Oliveira
Tiara Cristiana Pimentel dos Santos
Valeska Avila
Vitória Silveira
863
COMITÊ CIENTÍFICO
Me. Alisson Machado
Dra. Adriana Hartemink Cantani
Dra. Andrea Bekcer Narvaes
Me. Anderson Romário Pereira Côrrea
Dra. Carmen Regina Dorneles
Nogueira
Dr. Edson Romário Monteiro Paniágua
Dr. Gerson Oliveira
Me. Gilvane Belém Correia
Danilo Pedro Jovino
Dra. Jaqueline Carvalho Quadrado
Dra. Monique Soares Vieira
Dra. Lauren de Lacerda Nunes
Lucas Giovan Gomes Acosta
Dra. Lisianne Sabreda Ceolin
Me. Rodrigo Maurer
Sandro da Silva
Dr. Sergio Ricardo Gacki
Dra. Susana Cesco
Dra. Nola Patrícia Gamalho
Dr. Muriel Pinto
Dr. Victor Oliveira
DIAGRAMAÇÃO
Ewerton da Silva Ferreira
Secretário Geral do II COINTER
864
A CORREÇÃO E ADEQUAÇÃO AS NORMAS DA
ABNT DOS RESUMOS AQUI APRESENTADOS SÃO
DE RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DOS
AUTORES E AUTORAS.
TRABALHOS APRESENTADOS NO GRUPO DE
TRABALHO HISTÓRIA, MEMÓRIA, PATRIMÔNIO E
IDENTIDADE, SOB COORDENAÇÃO DO PROFESSOR
MESTRE ANDERSON ROMÁRIO PEREIRA CÔRREA
E PROFESSOR MESTRE ROFRIGO MAURER
865
SUMÁRIO TRABALHOS APRESENTADOS NO GRUPO DE TRABALHO DE
HISTÓRIA, MEMÓRIA, PATRIMÔNIO E IDENTIDADE
50 ANOS DA CAMPANHA DA LEGALIDADE: UMA ANÁLISE DOS PERIÓDICOS CORREIO DO POVO E
FOLHA DE SÃO BORJA .......................................................................................................................... 866
CEMITÉRIO JARDIM DA PAZ COMO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, CULTURAL, MATERIAL E IMATERIAL . 882
OS MISSIONEIROS: ARTE, PATRIMÔNIO E (RE)CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE REGIONAL ........ 893
A ESTÂNCIA DE SÃO FRANCISCO XAVIER OU SAN JAVIER .................................................................... 913
GUASQUERÍA: A IMATERIALIDADE DE SEUS TENTOS ........................................................................... 928
ENTRELÍNEAS DE LA IDENTIDAD DEL ABYA YALA EN LA CARTA DE JAMAICA, DE SIMÓN BOLÍVAR .... 941
PARTIDOS POLÍTICOS: COMO VEM SE DANDO SUA TERRITORIALIDADE ............................................. 958
ALFORRIAS E ABOLICIONISMO EM SÃO BORJA (1839 -1887): NOTAS DE PESQUISA .......................... 972
UMA REFLEXÃO SOBRE AS REDUÇÕES JESUÍTICAS ORIENTAIS: DO APOGEU A DERROCADA FINAL ... 987
A IMPLEMENTAÇÃO DAS DIRETRIZES NACIONAIS DE ENSINO DA HISTÓRIA DA ÁFRICA NAS ESCOLAS E
O PET HISTÓRIA DA ÁFRICA ................................................................................................................ 1009
ASPIRAÇÃO REVOLUCIONÁRIA INTERNACIONAL E A FRONTEIRA VIGIADA DE SÃO BORJA E SANTO
THOMÉ: COMUNISMO, NACIONALISMO CONSERVADOR E CONTROLE DIPLOMÁTICO (ANOS 1930-
1945) .................................................................................................................................................. 1015
ENTRE TRANSFORMAÇÕES TERRITORIAIS, LITIGIOS PUEBLERINOS E DIREITOS DE PROPRIEDADE NA
PROVÍNCIA DO PARAGUAI (SÉC. XVII & XVIII) .................................................................................... 1030
866
50 ANOS DA CAMPANHA DA LEGALIDADE: UMA ANÁLISE DOS PERIÓDICOS
CORREIO DO POVO E FOLHA DE SÃO BORJA
Rafael Avila Sides1
Hermogenes de Sousa Cerqueira Filho2
Dr. Edson Romário Monteiro Paniagua³
RESUMO: Este trabalho é resultado da pesquisa conjunta entre discentes do curso de Ciências
Humanas – Licenciatura. Realizado no momento em que as teorias da história eram objeto de
estudo e reflexão, assim como a pesquisa história em si. O objetivo inicial da pesquisa foi
encontrar jornais contemporâneos à campanha da legalidade, no município de São Borja, terra
natal de João Goulart, com intenção de perceber qual tipo de abordagem local. As fontes locais
selecionáveis foram referentes ao aniversário de 50 anos do tema proposto. Este sim,
encontrado em mais de um título de jornal. A partir daí, foi feita uma análise dessa
documentação e também, para não deixar de lado materiais da época da “legalidade”, foram
selecionados documentos digitalizados via internet, contendo importantes passagens para uma
compreensão mais ampla do tema. Sendo assim, a tônica da pesquisa se deu na mescla de fontes
datadas de épocas próximas ao tema proposto com fontes mais contemporâneas. Uma
observação final que pôde ser percebida foi o baixo índice de materiais encontrados e
preservados, assim como sua pouco eficiente catalogação e organização nos acervos da cidade,
deixando assim, uma importante reflexão acerca da conservação da memória local.
Palavras-Chaves: História, Jango, legalidade, memória.
INTRODUÇÃO
Em meio a um contexto político conturbado em que se encontra o Brasil na atualidade,
resgatar as memórias de acontecimentos que trazem questões similares é devidamente válido.
Nesse sentido, este trabalho buscou em um primeiro momento fazer uma análise local dos
jornais contemporâneos aos cinquenta anos da Campanha da Legalidade, momento em que o
1 Discente do curso de Ciências Humanas – Licenciatura. Email: [email protected] 2 Discente do curso de Ciências Humanas - Licenciatura
³ Profº Drº Edson Romario Monteiro Paniagua. Profº Adjunto da Universidade Federal do Pampa –
UNIPAMPA – campus São Broja/RS – Brasil.
867
então vice-presidente João Goulart, constitucionalmente, após a renúncia do presidente Jânio
Quadros, deveria automaticamente assumir o poder. Como se sabe, a legalidade constitucional
sofreu tentativas de ruptura, quando certas esferas da sociedade tentaram impedir que o sucessor
de direito à presidência assumisse o cargo, sendo o então governador do estado do Rio Grande
do Sul, Leonel Brizola o grande responsável por articular a defesa ao direito de João Goulart
assumir o governo brasileiro. Em virtude das pesquisas terem esbarrado na escassez de
materiais da época do levante da legalidade, uma segunda abordagem iniciou-se: verificar
materiais referentes ao aniversário de cinquenta anos da Campanha da Legalidade e como
complemento, buscar materiais da época via internet. Essa análise de passados longínquo e
recente resultou neste trabalho, que tem por objetivo trazer uma reflexão sobre o passado em
busca de exemplos para o contexto do presente, assim como refletir sobre as condições das
fontes históricas utilizadas para esta pesquisa, no caso, os jornais.
METODOLOGIA
Esta trabalho foi realizado como avaliação para uma das disciplinas regulares do curso de
Licenciatura em Ciências Humanas, onde foram desenvolvidas competências de análise de
fontes históricas, assim como a produção textual resultante das conclusões obtidas e estudos
acerca das teorias da história. A ideia inicial era de prover uma análise dos periódicos
localizados na terra natal de João Goulart, a cidade de São Borja, localizada na fronteira oeste
do Rio Grande do Sul, e contemporâneos à Campanha da Legalidade. Em virtude do principal
jornal da cidade “a Folha de São Borja” ter iniciado suas atividades alguns anos após o problema
de pesquisa, não foi possível consultar seu acervo. Partiu-se para a busca dessas fontes nas
bibliotecas locais, assim como nos museus, porém nada da época foi encontrado. Sendo assim,
surgiu a ideia de analisar o material que foi encontrado, tendo a pesquisa se adaptado às fontes
encontradas. O tema então escolhido foi verificar que análise se deu nos periódicos
comemorativos aos cinquenta anos do levante, sendo encontrados em jornais como a própria
Folha de São Borja e o Correio do Povo. Como complemento, foram verificados periódicos da
época encontrados via internet, e algumas charges, que deram uma melhor coesão a pesquisa.
UMA ANÁLISE DA TRAJETÓRIA POLÍTICA DE JOÃO GOULART
868
Anos após vencer as eleições de 1950 e promover um retorno democrático à Presidência
da República, Getúlio Vargas nomeou três anos depois, em 1953, João Goulart como novo
Ministro do Trabalho. O jovem político era estancieiro gaúcho e o início de sua trajetória
política foi favorecido pelas relações familiares de sua família com as do então presidente
Vargas no município de São Borja. Conhecido como Jango, ligou-se ao PTB por vias sindicais.
Em 1955 – quando era possível votar separadamente para presidente e vice-presidente
– Jango elegeu-se com um percentual inclusive superior ao presidente eleito Juscelino
Kubitscheck. Após este período como vice-presidente da República, João Goulart concorreu
novamente ao mesmo cargo em 1960 [...] na última eleição direta para presidente da República
que o país conheceu até 1989. Jânio venceu as eleições de 1960, com 48% dos votos [...]
enquanto Lott obteve 28% [...] João Goulart elegeu-se vice-presidente da República apesar da
nítida derrota de Lott. (FAUSTO, 2012, p. 241)
Em 25 de agosto de 1961 após uma série de medidas consideradas duvidosas,
principalmente se tratando da política externa, o então presidente Jânio Quadros anunciou sua
renúncia à Presidência da República, justificando “forças terríveis” que o levaram ao ocorrido,
sem detalhados esclarecimentos.
Jânio esperava obter, com um lance teatral, maior soma de poderes para governar,
livrando-se até certo ponto do Congresso e dos partidos [...] partiu apressadamente de
Brasília e desceu em São Paulo [...] recebeu um apelo de alguns governadores dos
Estados para que reconsiderasse seu gesto. Mas, afora isso, não houve nenhuma outra
ação significativa pelo retorno do presidente. [...] Como renúncias não são votadas e
sim simplesmente comunicadas, o Congresso tomou apenas conhecimento do ato de
Jânio. A partir daí, a disputa pelo poder começou. (FAUSTO, 2012, p. 243)
A Constituição previa assumir o então vice-presidente João Goulart. Porém, a posse foi
suspendida diante a suspeita dos militares de que Jango implantaria no Brasil uma “República
sindicalista”, abrindo brechas para a implementação do comunismo – ironicamente João
Goulart encontrava-se na então China comunista realizando uma visita ao país. O então
presidente da Câmara dos Deputados assumira temporariamente o cargo de presidente enquanto
os militares impediam a volta de Jango ao Brasil alegando questões de segurança nacional. Tais
militares não contavam com a coragem e a bravura do então Governador do Rio Grande do Sul
e cunhado de Jango: Leonel Brizola. Através de um movimento que ficou conhecido como A
869
campanha da Legalidade, os gaúchos declararam apoio à posse de João Goulart com o apoio do
III Exército que em um primeiro momento, eram a favor do golpe que se articulava. Através de
grandes manifestações, mobilizações militares que quase desencadearam um grande
derramamento de sangue – inclusive do próprio Brizola e sua família - e de discursos fervorosos
do Governador do Rio Grande do Sul, João Goulart assumiu a presidência no dia 7 de setembro
de 1961, mas com poderes limitados, devido a uma articulação do Congresso Nacional que
articulou um regime parlamentarista (dois anos depois, através de um plebiscito nacional, o
presidencialismo foi reinstituído).
O governo Jango proporcionou certa conscientização acerca das camadas populares
mais desassistidas. Leis que beneficiaram o trabalhador rural, que regulamentaram o trabalho
no campo foram criadas durante seu governo, assim como cresceu a participação política dos
estudantes e também a ideia de que o comunismo poderia ser algo resultado por uma revolta
aos males do capitalismo, principalmente dentro da Igreja Católica. Medidas governamentais
surgiram dando moldes populistas ao governo de Jango: reformas de base, propostas para
reforma agrária e reformas urbanas. Aumentar também os direitos políticos, principalmente o
direito ao voto, ampliando para setores mais populares da nação. Nacionalização de empresas
e mais ampla intervenção do Estado na economia.
As reformas de base não se destinavam a implantar uma sociedade socialista. Eram uma
tentativa de modernizar o capitalismo e reduzir as profundas desigualdades sociais do
país a partir da ação do Estado. Isso, porém implicava uma grande mudança, à qual as
classes dominantes opuseram forte resistência. (FAUSTO, 2012, p. 246)
A direita conservadora foi retomando a força e impôs severas críticas ao governo de
Jango, além disso, ele também ia perdendo apoio das camadas mais populares e trabalhadoras
com uma constante crise econômica, que acarretara uma crescente inflação. Ia crescendo em
seus opositores um sentimento de “revolução purificadora da democracia”, para pôr fim à luta
de classes, ao poder dos sindicatos e aos perigos do comunismo. Várias greves aconteceram
principalmente em São Paulo como a dos 700 mil em outubro de 1963 e a Marcha da Família
em 1964, contando com 500 mil pessoas ligadas à Igreja conservadora. Seu novo modelo de
governo, através de decretos tentando propor as reformas agrárias e urbanas assustaram a
camada mais conservadora da população brasileira.
870
Ao discursar em seu último comício no Rio de Janeiro o golpe já estava em marcha.
Preparado pelo general Olímpio Mourão Filho, o mesmo do Plano Cohen de 1937. As Tropas
do I e II Exército marcharam para o Rio de Janeiro. Jango foi para Brasília, depois para Porto
Alegre. Em 1º de abril de 1964 o presidente do Senado declarou vago o cargo de presidente da
República. O poder estava na mão dos comandantes militares. Brizola tentou mobilizar tropas
no RS repetindo 1961, mas em abril exilou-se no Uruguai onde já estava João Goulart. Findava-
se assim a “Era Jango” e iniciava-se o período que posteriormente ficou conhecido como
Ditadura Militar.
A CAMPANHA DA LEGALIDADE
Após a renúncia de Jânio Quadros a situação de eleger candidatos de chapas diferentes
para os cargos de presidente e vice-presidente acabou gerando problemas maiores ao País. Os
conservadores encabeçados pela UDN não aceitavam de forma alguma que João Goulart
assumisse o poder e mais uma vez entrega-os ao getulismo. Os militares neste momento
estavam divididos em grupos das mais variadas posições, que iam desde a postura pela
legalidade e o temor pelo envolvimento nas questões política aos que queriam extrapolar os
limites constitucionais, mas ainda não desejavam arriscar suas fichas agora em um golpe. Ao
ser impedido de voltar ao Brasil, após sua visita a China comunista, iniciou-se o processo pela
legalidade encabeçado por Leonel Brizola. O Palácio do Piratini, sede do governo do Rio
Grande do Sul, foi transformado em um quartel general para os defensores da posse de Jango.
Assumindo também o controle da principal rádio local, Brizola então governador dos
gaúchos proferiu falas memoráveis e conseguiu mobilizar boa parte da população que,
inclusive, começava a se alistar como voluntário para um muito provável conflito armado. O
III Exército, sediado no Rio Grande do Sul estava dividindo-se em opiniões e recebera ordens
de atacar os defensores da legalidade. Em um momento crucial, onde era quase que imparável
o ataque sobre o Palácio do Piratini, Leonel Brizola dá voz a um discurso inflamado que
colocava a própria vida em defesa do direito constitucional, em prol da legalidade.
Aqui resistiremos até o fim. A morte é melhor do que a vida sem honra, sem dignidade
e sem glória. Aqui ficaremos até o fim. Podem atirar. Que decolem os jatos! Que
atirem os armamentos que tiverem comprado à custa da fome e do sacrifício do povo!
871
Joguem estas armas contra esse povo. Já fomos dominados pelos trustes e monopólios
norte-americanos. Estaremos aqui para morrer, se necessários. Um dia, nossos filhos
e irmãos farão a independência do nosso povo. Um abraço, meu povo querido! Se não
puder falar mais, será porque não me foi possível! Todos sabem o que estou fazendo!
Adeus, meu Rio Grande querido! Pode ser este, realmente, o nosso adeus! Mas aqui
estaremos para cumprir o nosso dever. (FELIZARDO, 2003, p. 46)
Junto a este discurso e a uma sagaz sabotagem nos aviões que decolariam para atacar a
sede do governo gaúcho – foram furados os pneus das aeronaves – o comandante do III Exército
recuou e anunciou apoio imediato aos legalistas, o que, ocasionou um recuo das forças
golpistas, fazendo com que João Goulart posteriormente assumisse a Presidência da República
- embora com poderes limitados pelo parlamentarismo em um primeiro momento - para
posteriormente sofrer um novo golpe, desta vez, definitivo.
ANÁLISE DAS FONTES LOCAIS NO MUNICÍPIO DE SÃO BORJA – RIO GRANDE
DO SUL
As pesquisas realizadas no município de São Borja, terra natal de João Goulart partiram
do princípio de encontrar jornais contemporâneos à campanha da legalidade, com intenção de
perceber qual tipo de abordagem local se deu a questão. Foram realizadas pesquisas na
biblioteca municipal, na Câmara de Vereadores, na Casa Memorial João Goulart e também no
arquivo do Centro Cultural da cidade, localizado na antiga estação férrea. A ideia inicial de
realizar uma abordagem junto às fontes datadas de 1961 – ano em que se realizou a luta pela
posse de Jango – não foi possível devido não existir na cidade jornais da época (pelo menos
não em setores de consulta pública). Aliás, o principal jornal da cidade “Folha de São Borja”,
só possui acervo a partir de 1970, quando iniciou suas atividades na cidade. Jornais anteriores
e da data requerida inexistem ou não foram localizados.
Um alerta pode ser feito nesse ponto: em diálogo com responsáveis pelos acervos da
Câmara Municipal de Vereadores e do Centro Cultural, foi informado que grande parcela de
documentos antigos, incluindo jornais, foram descartados e queimados por gestões municipais
anteriores, fato de bastante descaso com a história local, com os registros do passado. Visto que
não seria possível trabalhar com jornais da época, partiu-se para uma tentativa de análise de
períodos posteriores: buscar de 10 em 10 anos reportagens que remetesse à aniversários da
872
Campanha da Legalidade, porém, as pesquisas realizadas também nos mesmos acervos, não
encontraram materiais referentes.
Diante de tal impasse, o único material encontrado foi referente ao aniversário de 50
anos do tema proposto. Este sim, encontrado em mais de um título de jornal. A partir daí, foi
feita uma análise deste material encontrado e também, para não deixar de lado materiais da
época da posse de Jango, foram selecionados documentos digitalizados via internet, remetendo
a jornais de Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro da época e de referências à morte de João
Goulart, por exemplo, dando uma perspectiva um pouco mais ampla dos fatos.
ANÁLISE DE MATERIAIS CONTEMPORÂNEOS OU DE ÉPOCAS PRÓXIMAS À
CAMPANHA DA LEGALIDADE
Essa abordagem inicia-se com uma publicação do jornal “Correio do Povo” de agosto
de 1961: a capa do jornal traz o seguinte título: “Abalado o país com a surpreendente renúncia
de Jânio Quadros à Presidência da República” e faz um alerta para as consequências que a
renúncia do presidente poderia trazer para a imagem de nação e de República democrática,
principalmente no exterior, citando o já aumento do Dólar no dia seguinte e renúncia. Também
é exposto o texto proferido por Jânio Quadros referente a sua renúncia, citando forças terríveis
que teriam se levantado contra ele e alertando sobre o apetite e as intenções de grupos dirigidos
no exterior. O jornal também cita como reportagem em sua capa: “Jango esperado hoje em
Brasília”, referindo-se a constituição e as leis que amparam ao eleito Vice-Presidente assumir
o cargo em decorrência aos fatos citados acima.
873
Figura 1 – Jornal Correio do Povo de 26 de Agosto de 1961.
Fonte: Jornalismo Ibmec. 3
Outro exemplar do “Correio do Povo” também de 1961 agora faz alusão à briga pela
posse da Presidência da República por João Goulart através do então governador do Estado do
Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. O exemplar encontrado via internet não dispõem de uma
qualidade suficiente para uma leitura do texto completo, porém os títulos servem para fazer
uma análise interessante: “João Goulart chegará aqui hoje e aqui instalará seu governo” fazendo
alusão a chegada de Jango e a utilização da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como
sede administrativa.
Outros títulos exibem o conflito da Campanha da Legalidade com o restante do país
opondo naquele momento o III Exército, localizado no estado, contra o mesmo: “III Exército
confirma o início de ações militares contra o Rio Grande do Sul”. Outros títulos solidificam o
sentimento do povo gaúcho durante o período: “Respeito à constituição está enraizado no
espírito do povo” e também representado nas palavras de Leonel Brizola: “Nenhum Chefe
Militar obedecerá à ordem de massacrar seus irmãos”. Existem menções citando a luta do jornal
de Guanabara contra a censura e também uma mensagem de apoio de Érico Veríssimo: “Ficarei
ao lado da Legalidade nesta hora dramática”.
3 Disponível em: <https://jornalismoibmec.wordpress.com/2014/04/23/janio-quadros-renuncia/> Acesso em:
02/07/2017
874
Figura 2 – Jornal Correio do Povo de setembro de 1961.
Fonte: 50 anos do golpe militar.4
As charges também foram utilizadas para transferir mensagens durante o conturbado
período. Paulo Brasil Gomes de Sampaio, conhecido como “SamPaulo” ofereceu vários
trabalhos remetendo ao momento político do País e também homenagens póstumas. SamPaulo
trabalhou em diversos jornais como o Clarim porto-alegrense e também a Zero Hora. Em seus
desenhos percebe-se a crítica a alguns denominados golpistas como Carlos Lacerda, e também
seu apoio à Campanha da Legalidade, representando a luta de estudantes, do governo legítimo,
do povo gaúcho, do Exército (o III Exército especificamente, após apoiar o movimento),
intelectuais e demais simpatizantes da época.
4 Disponível em: <http://50anosdegolpemilitar.blogspot.com.br/> Acesso em: 02/07/2017
875
Figura 3 – Charge de SamPaulo
Fonte: Blog SamPaulo cartunista.5
A charge acima mostra a luta do povo gaúcho junto com o exército local contra o
fantasma da ilegalidade. Ratificando o movimento em prol da constituição e da posse de João
Goulart como sucessor de Jânio Quadros e Presidente da República do Brasil. Abaixo mais
representações dos defensores e opositores da Legalidade também transcritas pelo talento de
Sam Paulo.
5 Disponível em: <http://sampaulocartunista.blogspot.com.br/2012/05/legalidade.html> Acesso em: 02/07/2017
876
Figura 4 – Charge de SamPaulo
Fonte: Blog SamPaulo cartunista.6
Figura 5 – Charge de SamPaulo
Fonte: Blog SamPaulo cartunista.7
O jornal “O Estado de São Paulo” publicou uma reportagem sobre a morte de João
Goulart, em 1976. O texto permeia brevemente o início da vida política de Jango, citando sua
6 Disponível em: <http://sampaulocartunista.blogspot.com.br/2012/05/legalidade.html> Acesso em: 02/07/2017 7 Disponível em: http://sampaulocartunista.blogspot.com.br/2012/05/legalidade.html> Acesso em: 02/07/2017
877
participação no governo Vargas no cargo de Ministro do Trabalho. Traz um subtítulo “meia-
esquerda” em que destaque o Jango tentou ser jogador de futebol, fazendo um simbolismo com
suas inclinações políticas. É interessante ressaltar que o jornal cita o termo “golpe militar” ao
falar da queda do ex-presidente enquanto exercia o poder, isso claro, de maneira extremamente
breve e resumida. A matéria também cita a constante vontade de João Goulart ao voltar ao
Brasil durante sua atual morada na Argentina, para onde foi após seu exílio inicial no Uruguai.
Ao ser procurado na argentina citou a necessidade da oposição se articular para a união
do trabalhismo mas com um plano de governo, embora salientando que sua visão era apenas
superficial em virtude de seu distanciamento para com a política brasileira. Sobre a Campanha
da Legalidade há uma breve menção à Leonel Brizola como "artífice do movimento que
garantiu a sua posse na presidência da república" mas ressaltando mais o fato de os dois terem
cortaram relações devido a ambições políticas distintas, logo em 1965 em exílio no Uruguai.
Jango dizia que não queria voltar ao Brasil pela porta dos fundos, por São Borja. Acabou
voltando (seu corpo) e sendo enterrado na cidade.
Figura 6 – Jornal O Estado de São Paulo, 1976.8
8 Fonte: Estadão. No exílio, morre João Goulart. Disponível em: http://brasil.estadao.com.br/blogs/arquivo/no-
exilio-morre-joao-goulart/ Acesso em; 10 de jul de 2017
878
ANÁLISE DOS 50 ANOS DA CAMPANHA PELOS JORNAIS CORREIOS DO POVO
E FOLHA DE SÃO BORJA
No dia 25 de agosto de 2011, completaram-se os 50 anos da Campanha da Legalidade,
e por meio dos periódicos Correio do Povo e Folha de São Borja, faz-se a análise deste episódio
que proporcionou grande movimento no povo gaúcho, um levante popular considerável,
analisa-se assim, um jornal que abrange todo o estado e um jornal que é da terra natal do
protagonista deste episódio e relaciona-se os discursos para se ter um parâmetro da visão da
campanha após meio século.
Inicialmente o Correio do povo traz a renúncia de Jânio Quadros, contextualizando
historicamente o período que antecede o desenrolar da campanha. Descrevendo os últimos
momentos da presidência, também retrata suas últimas palavras em leito de morte, o qual
acreditava que o povo reagiria a sua renúncia e proclamaria seu retorno ao poder, mas o que
não surgiu efeito como imaginado.
Após 7 meses de mandato este renunciara principalmente levado por discursos que
alegavam que seu governo se aliava ao comunismo e coincidentemente seu vice, João Goulart,
estava em viagem à China para acordos comerciais. Em sua carta, Jânio retrata renunciar por
forças maiores, que grupos e indivíduos, até mesmo do exterior levantavam-se contra ele,
resultando em sua manifestação para manter a confiança e a tranquilidade de seu curto governo.
No mesmo dia em Assembleia Legislativa no Rio Grande do Sul, Sereno Chaise líder
do PTB na época, conta que acreditavam que a renúncia de Jânio Quadros seria um golpe,
causado pelas forças reacionárias. Diante a notícia de que Jango foi impedido de assumir a
presidência, criou-se uma unidade entre os partidos, principalmente entre PTB e PRP, que
meses antes haviam rompido, mas que estavam em posição de defender a Constituição. Retrata
também as delegações parlamentares de outros estados, que a campanha foi ouvida, como no
Ceará, Pará, Amazonas e Goiás.
Segundo Chaise, haviam duas crises, uma econômica pois a inflação estava alta, e outra
política com a implementação do parlamentarismo, mas segundo ele Jango aceitou pois devia
pacificar o povo brasileiro.
Brizola na manhã de 25 de agosto, soube da renúncia e do movimento militar que
formava-se para que não ocorresse a posse de João Goulart à presidência, Sendo assim, Brizola,
879
governador do Rio Grande do Sul e cunhado do vice-presidente, criou a Campanha da
Legalidade, com os aparatos da Rádio Guaíba. O Correio do Povo aborda o depoimento de
Celso Costa, que na época, e atualmente, trabalhava na rádio, e que ajudou a equipar os porões
do Palácio do Piratini, para divulgar o discurso do governador pelo estado, e até para outros
países pela frequência FM. Trazendo também os grandes nomes que deram voz para a
Campanha da Legalidade como o Lauro Hagemann, Ênio Lantieri, Naldo Freitas Gonçalvez
Junior e Petrôneo Cabral, radialistas e jornalistas da época.
O Correio do Povo faz uma análise do discurso do governador, que fez na rádio dos
porões do Piratini, o qual fazia com muito apelo emocional e pedia para que o povo mobiliza-
se a favor da constituição e posse de João Goulart, e também para que não calassem a
Campanha, pelas forças militares que queriam intervir nesta. Há o depoimento de Antônio de
Pádua Ferreira da Silva, que acompanhou o movimento de adesão do exército estadual para a
campanha. A ordem do general Odílio Denis era de calar o governador do estado, mas o general
do III Exército, José Machado Lopes, uniu-se a Brizola evitando uma guerra civil.
Partindo para um jornal local a “Folha de São Borja”, encontramos uma matéria que
data do dia 27 de agosto de 2011, o título da matéria é “São Borja lembra os 50 anos da
campanha da legalidade”. A matéria é dividida em quatro momentos, o primeiro momento
narrar as atividades que ocorreram na cidade de são borja durante a “Semana da Legalidade”,
um evento realizado pela Câmara de vereadores; o segundo momento é uma breve retomada
histórica sobre a campanha da legalidade; já no terceiro momento é sobre a chegada do
presidente João Goulart a capital do país; e o quarto e último momento, uma transcrição do
discurso do governador Leonel Brizola. Em nenhum momento o Jornal expõe sua opinião
explícita acerca do tema.
A câmara de vereadores promove uma semana da legalidade realizada nos dias 19 á 25
de agosto 2011, com o intuito de relembrar esse importante fato histórico ao qual a cidade tem
estreita ligação com os personagens principais (João Goulart e Leonel Brizola). Durante esses
dias foram realizados atividades de reflexão, debate e comemoração da campanha da legalidade,
a folha de São Borja lista tais atividades, foram elas: lançamento do livro “Vozes da legalidade”
de autoria de Juremir Machado; Inauguração do hall de entrado do plenário denominado
“Espaço legalidade 50 anos – Um levante pela democracia”; Realização do encontro memória
da legalidade em são Borja; Debate rádio da legalidade com vários comunicadores; Sessão
880
solene do aniversário de morte de Getúlio Vargas; Palestras com Olides Canton e Vargas Souto;
Inauguração de Leonel Brizola na Praça XV de novembro; Encerramento de concurso de
redação; e a palestra com jornalista Carlos Bastos. Sem entrar nos detalhes das atividades.
Os dois momentos seguintes da matérias, respectivamente, “Movimento da Legalidade”
e “Posse de Jango” narram os principais acontecimentos e datas da campanha da legalidade,
sem muitos detalhes ou opinião do redator. O terceiro momento “Discurso de Brizola” é uma
citação direta do discurso do governador realizado no dia 27 de agosto de 1961.
A matéria é finalizada com o hino da legalidade escrito por Lara de Lemos, Demóstenes
Gonsalez e Paulo César Pereio:
“Avante Brasileiros de pé
Unidos pela liberdade
Marchemos todos juntos com a bandeira
Que prega a lealdade
Protesta contra o Tirano
Se recusa a traição
Que um povo só é bem grande
Se for livre sua nação”
Ambos os jornais nos demonstram a preocupação em relembrar esse fato histórico que
antecedeu o que depois ficaria conhecido como ditadura militar. Um dos períodos mais
sangrentos e obscuro da história do Brasil. Tais jornais ressalta a importância que teve o estado
do Rio Grande do Sul na luta para manter os direitos democráticos e fazer valer a constituição
e o voto popular.
CONCLUSÕES
Objetivo deste trabalho foi o de buscar documentos que nos desse um panorama de
como foi trabalhado e articulado a Campanha da Legalidade no município de São Borja, devido
a estreita relação da cidade com um dos principais atores de tal acontecimento, o então
presidente João Goulart, nascido neste município. Não foi possível encontrar documentos do
período da campanha da legalidade, logo tivemos que mudar o objetivo inicial.
881
Nota-se a indisponibilidade de fontes quanto a época do movimento da legalidade,
principalmente no município, o qual é o campo de pesquisa. Pode-se ter outras conclusões e
visões da campanha, mas estas necessitam de outros objetos de pesquisa, como fontes orais e
documentos oficiais.
Mas diante os objetos analisados, conclui-se a visão histórica e a significância desse
movimento democrático para o povo gaúcho, que levou milhares de sul-rio-grandenses a
lutarem pelo direito da posse de João Goulart à presidência da República.
REFERÊNCIAS
CORREIO DO POVO. Edição de 25 de agosto de 2011. Acervo Museu João Goulart.
FOLHA DE SÃO BORJA. Edição de 27 de agosto de 2011. Acervo Museu João Goulart.
FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. - 2ª ed. - Butantã: Edusp, 2012.
FELIZARDO, Joaquim. A Legalidade: Último levante gaúcho. - 4ª ed. - Porto Alegre: UFRGS
Editora, 2003.
FERREIRA, Marieta de Moraes. João Goulart: Entre a memória e a história. - 1ª ed. - Rio de
Janeiro: FGV Editora, 2006.
882
CEMITÉRIO JARDIM DA PAZ COMO PATRIMÔNIO HISTÓRICO, CULTURAL,
MATERIAL E IMATERIAL
Andressa Martini9
Daniel Lemos10
Silvana Muniz11
Rozane Mazzuco12
Edson Romário Monteiro Paniágua13
RESUMO: O presente relato de experiência, parte da disciplina de “Pratica Docente IV”
ministrada no 4º Semestre do Curso de Ciências Humanas – Licenciatura – “Educação e
Patrimônio”, pelo professor Edson Romário Monteiro Paniagua, tendo como objeto patrimonial
de análise, o Cemitério Jardim da Paz da cidade de São Borja. As dimensões do trabalho
envolveu a pesquisa documental e de campo, que além do seu caráter acadêmico, o material
produzido possibilitou elementos que se refletiram em material didático e a transposição
didática com a realização de um plano de aula.
Palavras-Chave: Cemitério, patrimônio, arquitetura, cultura.
INTRODUÇÃO
O lugar de repouso dos mortos modificou-se significativamente no decorrer dos tempos
e, como resultado, os cemitérios assumiram um papel importante nas paisagens citadinas.
1Graduada em Serviço Social pela Universidade Anhanguera- Uniderp, especialista em saúde mental e
atendimento Psicossocial pela Faculdade de São Fidelis-RJ, Graduanda em Ciências humanas pela Universidade
Federal do pampa- Unipampa,Campus São Borja-RS. E-mail: [email protected] 10Graduando em Ciências Humanas-Licenciatura pela Universidade Federal do Pampa- Unipampa, Campus São
Borja-RS. E-mail: [email protected] 11Graduanda em Ciências Humanas-Licenciatura pela Universidade Federal do Pampa- Unipampa, Campus São
Borja-RS. E-mail: [email protected] 12 Graduanda em Ciências Humanas-Licenciatura pela Universidade Federal do Pampa- Unipampa, Campus São
Borja-RS. E-mail: [email protected] 13 Doutor em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos -UNISINOS, Mestrado em História pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos -UNISINOS, graduado em História pela Universidade da Região da
Campanha- URCAMP . Orientador na elaboração do presente Relato de Experiencia. E-mail: [email protected]
883
Segundo (Nogueira, 2013), no início do século XIX, as inumações (Este conceito será
abordado posteriormente) aconteciam, em sua maioria, nos interiores das igrejas, migrando,
tempos depois, para cemitérios contíguos a esses espaços, considerados sagrados. Tais
costumes persistiram até meados deste século XIX, quando aqueles que cuidavam da
salubridade das cidades passaram a anunciar que aqueles corpos em decomposição liberavam
gases “os miasmas”, nocivos à saúde do homem, e por isso, o afastamento dos mortos seria
necessário, buscando, entre outras ações, minimizar o estado deplorável das cidades desta
época.
A convivência entre mortos e vivos dava os primeiros passos para sua separação,
consumando-se, anos mais tarde, com os longínquos espaços murados, com portões e horários
definidos para abrir e fechar, onde passariam a ser depositados os mortos da cidade, inclusive
trasladando aqueles que já haviam sido inumados nos templos, salvo casos especiais.
Em esclarecimento (Nogueira, 2013) relata que o Cristianismo definiu no século I, (D.C)
o sepultamento como recomendação preferencial para as ocasiões de morte, visto que este ato
confiaria o cadáver à terra, ratificando a morte como um período de repouso daquele que
aguarda o despertar na ressurreição. O próprio nome adotado para estes locais de inumação,
cemitério tem origem do grego koimetérion e do latim coemiteriu tendo como significado
dormitório, lugar de repouso. Conforme MOTTA:
Nos cemitérios, distantes de suas casas e igrejas, de suas paróquias, a céu aberto, os
mortos encontrariam abrigos nos túmulos. Por isso, muitos deles reproduziram
cenários de igrejas e de capelas, em escalas reduzidas, enquanto outros, com
morfologias laicizadas, assemelhavam-se às residências de seus proprietários. Mas
àquela altura não se tratava apenas de assegurar ao morto um lugar no céu, mas
garantir também um lugar na terra, sob a proteção de uma coberta, aos cuidados da
família, para lhe proteger das intempéries, e também resguardar a imagem da
conservação do corpo. (MOTTA, 2010, p. 56).
Para (Castro,2008), existem várias formas de se ver uma cidade e uma destas é por meio
do que nelas se preserva. Atualmente são encontrados cemitérios que aparecem como
referências para uma dada coletividade por diferentes valores que podem ser, por exemplo,
históricos, artísticos ou religiosos a este são incorporados valores que não se ligam somente ao
fato deste lugar guardar os corpos sem vida. Creditam-se valores religiosos, sociais,
arquitetônicos, históricos ou artísticos, ambientais ligados, geralmente, a uma determinada
forma de representar as cidades e a memória coletiva.
884
A necessidade de “esconder” os corpos embaixo da terra, ou mesmo de pedras, tinha um
sentido diferente do atual. Os corpos em putrefação atraíam animais. Sendo assim, essa era uma
maneira de se proteger dos predadores.
O costume de velar os corpos tem outra origem. É provável que esse ritual tenha surgido
na Idade Média, O nome “velório” surgiu das velas. O fato é que, sem luz elétrica na época, as
pessoas passavam as noites segurando velas enquanto vigiavam o falecido. Daí a expressão
“velar” o corpo.
O sepultamento não é necessariamente uma questão de saúde pública. Ao contrário do
que imagina o senso comum, a Organização Mundial da Saúde (OMS), prescreve a inumação
obrigatória apenas de cadáveres portadores de alguma doença infecciosa. Os sepultamentos
dentro de igrejas eram muito comuns na Europa até que, no século XIV, mas a peste negra
dizimou milhões de pessoas, fazendo com que não fosse possível comportar tantos corpos.
Assim, os enterros14 foram instituídos.
No Brasil, os sepultamentos em igrejas existiram até a década de 20, no séc. XIX,
quando foram construídos os primeiros cemitérios. Antes disso, apenas escravos e indigentes
eram enterrados, enquanto os homens livres eram sepultados nas igrejas. Devido a esse
costume, era possível “medir” o tamanho de uma cidade pela quantidade de igrejas que ela
possuía.
Por fim destaca-se que há a necessidade de conhecimento histórico sobre os cemitérios,
uma vez que estes ofertam uma gama de características fundamentais capazes de descrever a
realidade cultura, e fatos de uma população, sendo a sua abordagem em sala de aula um quesito
de suma importância.
METODOLOGIA
Na realização do presente trabalho buscou-se inicialmente uma bibliografia básica sobre
o tema para compreensão teórica e após foram realizadas visitas objetivas nos cemitérios de
São Borja-RS, com a finalidade de captação de informações que reforçassem as bases teóricas
já recebidas anteriormente.
14 Ocorre a diferenciação entre enterro e sepultamento, no primeiro caso, o cadáver é enterrado em uma cova ou
colocado em uma espécie de gaveta, já no segundo caso, ele é sepultado e colocado em uma sepultura. Existe uma
diferença entre enterro e sepultamento, no primeiro caso, o cadáver é enterrado em uma cova ou colocado em
uma espécie de gaveta, já no segundo caso, ele é sepultado e colocado em uma sepultura.
885
O presente relato utilizou recurso de visitas a campo para aprimorar e reforçar sua
pesquisa pautando-se no parâmetro Curricular Nacional de 1999, onde destaca que o
aprendizado que tem seu ponto de partida no universo vivencial comum entre os alunos e os
professores, que investiga ativamente o meio natural ou social real, ou que faz uso do
conhecimento prático de especialistas e outros profissionais, desenvolve com vantagem o
aprendizado significativo, criando condições para um diálogo efetivo, de caráter
interdisciplinar, em oposição ao discurso abstrato do saber, prerrogativa do professor. Além
disso, aproxima a escola do mundo real, entrando em contato com a realidade natural, social,
cultural e produtiva, em visitas de campo, entrevistas, visitas industriais, excursões ambientais.
Tal sistema de aprendizado também atribui sentido imediato ao conhecimento, fundamentando
sua subsequente ampliação de caráter abstrato.
RESULTADO E DISCUSSÃO
Os cemitérios como patrimônio vão além da visão material é necessário um olhar
diferente para compreender que através desses “emaranhados” de concreto e mármores, que
existe histórias e memórias pois:
Túmulos podem ser entendidos como a materialização da casa, passando a ser um
espaço, uma construção mergulhada em identidade na visão das gerações que
sucedem àquele que ali está. Todos esses simbolismos farão da necrópole uma cidade
dos vivos (RODRIGUES, 1997).
As artes concretas ali impostas demonstram mais que apreço pelo ente falecido, elas
são capazes de destacar traços primordiais de uma história, de um culto, de uma religião, uma
crença, tornando-o assim um patrimônio público a céu aberto, capaz de abranger as mais
variadas formas patrimoniais, seja elas, material, imaterial, histórica e cultural de uma
população.
Como resultado o presente trabalho trouxe a comprovação das fontes históricas de que os
cemitérios são capazes de oferecer o conhecimento e traçar histórias pela sua característica,
bem como a discussão sobre a visão cultural e negativa sobre estes locais pelas comunidades.
Em pauta a problematizarão do não uso deste recuso como fato histórico e a não
explanação em sala de aula dos educandários da rede fundamental de ensino do município de
São Borja-RS, e a precariedade na manutenção e limpeza destes espaços pelo governo
886
municipal, atuando como fatores de distanciamento entre a cultura, socialização, educação e
preservação de bens e patrimônios históricos.
Já em 1834, o vereador Marcelino Lopes Falcão, colocou na pauta de sessão ordinária
do dia 08 de outubro a necessidade de construção dos cemitérios fora dos recintos dos
templos, justificando sua proposta em virtude da convivência tão próxima, portanto
insalubre, entre os habitantes da vila e os mortos ali sepultados. Na mesma sessão
Falcão propôs a demarcação e identificação com uma cruz de madeira em um terreno
pretendido para a edificação do cemitério (CASSAFUZ, 2005).
O cemitério Jardim Da Paz, (Cassafuz 2005), iniciou suas obras em 1867, sendo utilizados
tronqueiras e varões, num período breve de quatro meses, pois era urgente a necessidade de sua
construção. Em 1871 sua estrutura foi melhorada com a criação de uma capela e de muros de
proteção, mas somente regulamentado no ano de 1879.
O cemitério Jardim Da Paz está localizado na rua Engenheiro Manoel Luis Fagundes e
destaca-se pelo sepultamento de líderes políticos do Brasil, o Ex-presidente João Goulart, e o
Ex-governador do Rio Grande do Sul Leonel de Moura Brizola.
Neste Cemitério, seis túmulos estão tombados como patrimônio histórico do município,
sendo: o jazigo da família Vargas, onde se encontram os restos mortais de Serafim Dorneles
Vargas; jazigo da família Goulart, com os restos mortais de João Goulart e Leonel de Moura
Brizola; Jazigo de Aparício Silva Rillo, Jazigo do Barão de São Lucas e jazigo da Família Lima.
Além desses jazigos, deproceres da história política do Brasil, temos o Tumulo do Anjinho,
sem identificação dos proprietários.
Esses túmulos foram tombados na administração municipal de 2005 a 2008, quando
também foi construída a alameda dos presidentes, ressaltando que os restos mortais de Getulio
Vargas foram transferidos no ano de 2004 em decorrência dos efemérides dos 50 anos de sua
morte, localizando-se atualmente no mausoléu na praça XV de novembro. Estes são os jazigos
com destaque político e social, entretanto vamos encontrar outros como o tumulo do anjinho de
caráter popular.
TUMULO DO ANJINHO.
Na quadra 1(um), à direita de quem entra no cemitério Jardim da Paz, se encontra o Túmulo
do Anjinho um importante ponto de turismo religioso de São Borja. Sua criação é misteriosa
abriga os restos mortais de um recém-nascido, sepultado ás escondidas e sem identificação do
887
ano: 1922. A sepultura não tem cruz nem dono, apenas a imagem de um anjinho esculpido em
gesso e com traços da arte barroca.
Ninguém nunca afirmou ter testemunhado a construção do túmulo nem o enterro da criança.
A crença popular diz que apareceu da noite para o dia e sem registro algum. Em torno disso foi
registrada pelo menos duas versões sobre o túmulo.
A primeira, e mais tradicional, é de que a criança ali enterrada pertencia a uma família
influente e socialmente conhecida em São Borja. A gravidez era indesejada, e ao nascer o avô
materno da criança teria matado o neto, pois ele não era fruto de um casamento convencional.
O avô já teria o túmulo pronto e esperava a criança nascer para sacrificá-la e enterrá-la no meio
da noite, sem que ninguém percebesse, por isso a falta de nome e data completa. A outra versão
é de que desconhecidos teriam encontrado um recém-nascido no lixo e, compadecidos, fizeram
um túmulo para enterrar a criança, para não serem acusados, ninguém viu o sepultamento e
assim não há identificação.
Pertencente a cultura popular samborjense, desde os anos 20, o túmulo passou a ser local
de devoção. Nunca falta chupetas, mamadeiras, roupas infantis e brinquedos trazidos por mães
que pedem e agradecem ao “Anjinho” pela saúde e proteção dos filhos.
CEMITÉRIO PARAGUAIO.
Outro fator importante que ainda pertence a história cemitérios como patrimônio
histórico, cultural, material e imaterial de São Borja e Detalhado pelo Portal das Missões é o
Cemitério paraguaio15. Onde no local, há uma cruz e um pórtico lembrando a batalha e os
mortos no combate, toda a região serviu de palco para batalhas contra os paraguaios
comandados por Solano López, que invadiu o Brasil por São Borja, em 10 de junho de 1865,
buscando estender a fronteira do Paraguai até o oceano Atlântico. Expulsos posteriormente
pelo exército brasileiro, hoje representado no Município pelo 2º Regimento de Cavalaria
Mecanizada João Manoel, local onde há um espaço cultural, com toda a história e matérias
dessa batalha.
15 Diante das percas históricas, não é possível um maior aprofundamento sobre o Cemitério Paraguaio, uma vez
que recursos documentais não se encontram presentes ou de fácil acesso a comunidade sendo necessário buscar
por recursos externos aos oficiais o que delimita a veracidade das informações, sendo apenas explanado
superficialmente devido à ausência de recursos teóricos.
888
PATRIMÔNIO E AS PERCAS HISTÓRICAS.
Além do patrimônio histórico que representa o cemitério Jardim da Paz, em São Borja
há outro cemitério que abriga em sua maioria combatentes, militares e demais membros da
comunidade, cemitério este que está localizado na rua Monsenhor Patrício Petit Jean, no bairro
do Passo, com o nome de Nossa Senhora Da Conceição, que conta suas histórias sobre a guerra
paraguaia, e a arquitetura através de jazigos e capelas antecessoras as encontradas no cemitério
jardim da paz da mesma cidade.
Como não é pertencente da rota turística local, sua preservação ser tornou algo pouco
trabalhada, a segurança e limpeza local acabam por barrar uma aproximação que seria de suma
importância assim dificultando sua consolidação como matéria concreta de aprendizado e
aproximação popular.
Relata (Cassafuz 2005), que a perda histórica inicia-se pelo extravio documental da criação
do local e se estende pela falta de manutenção da estrutura, para se trabalhar com datações é
necessário buscar aproximações relativas, uma vez que a data de fundação do Cemitério Nossa
Senhora Da Conceição, também não é conhecida, dada por historiadores locais, sua provável
fundação em 1860 a 1865.
Atualmente o cemitério não possui mais muros de segurança, os túmulos que guardam
restos mortais de soldados e das mais altas patentes do exército Brasileiro da época de 1900,
não possuem um resguardo, onde a limpeza arbórea local também passa por problemas. Um
fator que talvez justifique tal descaso é o fato de este local, não estar presente na rota turística
local, porém não minimiza a responsabilidade pública em preservá-lo.
Transformar o cemitério em um elemento de serviço da sociedade além daquele já
intrínseco à sua existência, da cultura e da promoção turística, implicará na recuperação de sua
importância social como espaço de encontro e convívio, prestando-se tanto à educação pública
quanto a investigações etnológicas, econômicas, sociais, artísticas, entre outras.
Indiscutivelmente podemos citar como fonte de grande aprendizado a pesquisa relativa a
história cultura, e aos aspectos matérias e imateriais, que se encontram envolvidos em
cemitérios, sua riqueza tanto estrutural como lendária é capaz de trazer momentos importantes
da sociedade ali identificada.
CEMITERIOS COMO EDUCAÇÃO PATRIMONIAL
889
Apesar de este termo estar mais visível na última década, a questão patrimonial ainda
perpassa por questões difíceis, onde a clareza de sua suma importância, não é explanada de
forma abrangente por consequência o desconhecimento carrega consigo a negatividade. Negar
as mudanças é algo relativo do ser humano as transformações em suas mais diversificadas vezes
não são aceitas de forma harmônica e para tanto é necessário trabalhar este assunto em
sociedade.
Parra (Carrasco, 2009), o patrimônio cultural é uma fonte inesgotável para as ações que
visem o desenvolvimento da pesquisa, da educação e da economia de uma cidade ou região. A
economia, neste caso, está relacionada à identificação e ao aproveitamento das potencialidades
turísticas de determinada localidade com vistas ao turismo cultural. Assim, é necessário ter uma
noção de cultura e a de patrimônio para o entendimento da abrangência do conceito de
patrimônio cultural.
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar,
fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras,
objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações
artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,
artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.(BRASIL, 2005, p. 230)
Além de toda simbologia carregada através de crenças, (Carrasco,2009) destaca que os
cemitérios, como patrimônio cultural, carregam valores que estão diretamente ligados aos bens
materiais e aos bens imateriais. Três importantes valores patrimoniais podem estar relacionados
aos bens materiais. São aqueles de caráter ambiental/urbano, de caráter artístico e de caráter
histórico. O valor de caráter ambiental/urbano está relacionado aos espaços destinados aos
cemitérios que, muitas vezes, estão inseridos nos núcleos históricos das cidades e representam
espaços abertos que preservam suas áreas verdes. O valor artístico desses espaços está
relacionado aos artefatos integrados à arquitetura tumular com função ornamental, pela sua
riqueza de elaboração, especialmente, em ferro fundido e forjado, bem como ao mobiliário
urbano e às obras de arte de artistas renomados ou não. Quanto ao valor histórico, considera-se
que é nesses espaços que repousam os restos mortais de pessoas, ilustres ou não, que
contribuíram de alguma forma para a história da humanidade. São espaços de memória, onde
as lápides registram dados importantes para a história – datas, nomes e epitáfios.
890
O cemitério é um ponto turístico consolidado nos mais diferentes países do mundo”.
Os cemitérios atraem visitantes de toda parte interessados em conhecer túmulos de
personalidades das diferentes áreas do conhecimento, apreciar obras de arte que
ornamentam os túmulos ou simplesmente desfrutar de momentos de paz e
tranqüilidade nos jardins arborizados característicos desses locais. (OSMAN E
RIBEIRO, 2007, p. 3).
CONCLUSÕES
Diante de uma sociedade em movimento continuo e de formação capitalista a
preservação histórica e cultural não se transforma em debate central uma vez que sociedade não
percebe o espaço cemiterial como espaço para qualquer tipo de lazer ou uso que não seja aquele
intrínseco à sua existência, assim apenas o associando à morte e sentimentos lúgubres e
desgostosos. Nestes casos, os cemitérios não são reconhecidos como espaços produtores de uma
cultura, pois configuram lembranças de perdas e destruições. Esse imaginário é, em grande
parte, responsável pela insipiência de um povo que tem arraigado em sua existência uma
considerável carga religiosa e entende culturalmente o cemitério como local sagrado devido à
sua estrutura e função. Entretanto, muito se tem produzido especialmente no meio acadêmico,
sobre as potencialidades dos espaços cemiteriais brasileiros. Em grande parte, se destaca os
cemitérios como símbolos patrimoniais com seus acervos e as influências de suas composições.
Propõem-se reflexões críticas sobre a importância dos cemitérios para as historiografias
locais, sobre as políticas públicas e ações de preservação das coleções funerárias e
especialmente a questão da valorização do espaço em solo nacional, entre outras questões.
Por fim concluímos que através deste relato seja possível descrever e interpretar uma
parte da história samborjense, através dos cemitérios, uma vez que tal assunto ainda não
repercute na sociedade, devido ao enraizamento conservador sobre uma visão distorcida da
realidade de patrimônio histórico, cultural, material e imaterial. É necessário demonstrar a
importância, assim como propor a conservação. Torna-se primordial uma educação patrimonial
que vise à explanação do assunto e proporcione maior compreensão sobre o termo “tombar
como público”, reproduzindo a visão correta e minimizando o senso comum de que aquilo que
é tombado não gera lucro e não produz nada.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio, In: Conhecimento de
Química. Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias – Parte III. Brasília, 1999.
891
CARRASCO. Gessonia Leite de Andrade. NAPPI, Sergio Castelano Branco. Cemitérios
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CASSAFUZ,Jaqueline Iglessias. Memórias, lembranças, Imagens- cemitério Municipal
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CASTRO, Elisiana Trilha. Cemitérios, nosso patrimônio nacional: a ação do IPHAN com
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892
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Acesso em 26/11/2016.
893
OS MISSIONEIROS: ARTE, PATRIMÔNIO E (RE)CONSTRUÇÃO DE UMA
IDENTIDADE REGIONAL
Rodrigo Miguel de Souza16
RESUMO: O presente trabalho apresenta o tema das construções identitárias, enfocando a
identidade missioneira, constituída na região noroeste do Rio Grande do Sul. O trabalho tem
como objetivo retomar o percurso social e histórico de formação desta identidade regional,
compreendendo suas relações com temas como patrimônio, arte e discurso, dialogando
constantemente com as teorias das ciências sociais sobre o tema. Para tanto, recorremos a
revisão bibliográfica sobre o tema, pesquisa sobre parte da produção artística que remete a esta
identidade, bem como a visitações etnográficas a alguns locais de memória que demarcam as
negociações entre identidade e patrimônio. As dinâmicas sociais sob as quais a identidade
missioneira é formada na década de 70, denotam a urgência da ressignificação seletiva do
passado frente a um presente de crise econômica, e a um futuro incerto. O passado torna-se
então não somente um ente estático, mas uma fonte de renovação das possibilidades de encarar
o porvir.
Palavras-Chaves: Identidade; Missioneirismo; Missões Jesuíticas; Patrimônio.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho pretende apresentar a forma como a história das missões, foi
regatada e revivida pelos sujeitos sociais locais, transformando-se em um discurso identitário.
Procuraremos ressaltar a forma de constituição desse discurso, que parte da marginalidade à
patrimonialização oficial, as nuances de costumes, tradições e valores contidos no mesmo.
Em sua obra “O Poder Simbólico”, o sociólogo Pierre Bourdieu reflete sobre a forma
como a história é assumida pelos sujeitos sociais, que a incorporam, apropriando-se de
16 Bacharel e licenciado em Sociologia (Unijuí/2010); Mestre em Educação nas Ciências (Unijuí/2013). Professor
de Sociologia na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões; São Luiz Gonzaga, Rio Grande
do Sul; [email protected]
894
determinados aspectos da história coletiva buscam constituir uma narrativa social coerente de
acordo com seus valores e trajetória.
A história no sentido do res gatae constitui a história feita coisa a qual é levada,
“actuada”, reactivada pela história feita corpo e que não só actua como traz de volta
aquilo que a leva. [...] Do mesmo modo que o escrito só escapa ao estado de letra
morta pelo acto da leitura o qual supõe uma atitude e uma aptidão para ler e para
decifrar o sentido nele inscrito, também a história objectivada, instituída, só se
transforma em acção histórica, isto é, em história “actuada” e atuante, se for assumida
por agentes cuja história e isso os predispõe e que, pelos seus investimentos anteriores,
são dados a interessar-se pelo seu funcionamento e dotados das aptidões necessárias
para a pôr a funcionar. (BOURDIEU, 2011, p. 83)
Os atores sociais estariam de certa forma predispostos a apropriar-se de aspectos da
historicidade como uma espécie de legado assumido, reelaborando-a constantemente de acordo
com suas aspirações. A ideia ressaltada por Bourdieu é a da predisposição, que supõe haverem
condicionantes sociais capazes de preparar os indivíduos a assumirem a historicidade,
transformando-a em parte dos fatores a serem considerados na orientação das identidades.
Porém, a tematização do passado está sempre ligada às expectativas futuras, ao porvir.
O passado é tematizado no presente e reinterpretado. O presente não é um mero
receptáculo do passado. Cada presente estabelece uma relação particular entre passado
e futuro, isto é, atribui um sentido ao desdobramento da história, faz uma
representação de si em relação às suas alteridades – o passado e o futuro. (POMMER,
2009, p. 27)
Bourdieu (2011), recorrendo a Marx refere-se à historicidade como uma herança, sendo
que na relação herança/herdeiro um apropria-se do outro. Em uma perspectiva coerciva,
podemos entender que o herdeiro ao assumir a herança passa a agir de acordo com as
expectativas sociais relacionadas à posição que ocupa. Mas é preciso ressaltar que, se a
constituição das identidades reelabora a história, esta reelaboração também se dá dentro de um
determinado conjunto de condições sócio-históricas, de um campo social.
Desta forma, para melhor compreender a identidade missioneira é preciso contextualizá-
la frente ao momento social em que seu surgimento está inserido, partindo do fato para o
entorno, da identidade e suas significações para suas relações estabelecidas, compreendendo-a
de forma dialética e não como um fenômeno fechado em si, autosignificante. O objetivo deste
trabalho, portanto, é demonstrar o percurso histórico de formação desta identidade regional,
895
compreendendo suas relações com temas como patrimônio, arte e discurso, dialogando
constantemente com as teorias das ciências sociais sobre o tema.
MISSIONEIRISMO E TRADICIONALISMO: DEMARCANDO AS FRONTEIRAS DA
IDENTIDADE
Hobsbawm e Ranger (1997) afirma que uma das situações típicas de invenção de
tradições é quando uma transformação rápida da sociedade debilita ou destrói padrões para os
quais as velhas tradições foram feitas. Esta é a situação da invenção do tradicionalismo gaúcho,
e ainda que este tenha se instalado antes do missioneirismo, ambos aparecem em momentos de
transformações sociais e buscam afirmar um elo de continuidade com o passado. O
tradicionalismo gaúcho, organizado por Paixão Côrtes a partir de 1947, aparece em um
momento de intensa urbanização do Brasil, que desde a década de 1930 já vinha perdendo sua
vocação agrária. Também são determinantes para a criação de um clima de mudança de padrões
o aprofundamento das relações com os EUA, que traz através da rádio novos referenciais
culturais, e as ações desenvolvidas pelo governo de Getúlio Vargas em 1937 como forma de
eliminar os regionalismos.
Após a queda de Getúlio, o governo adota uma postura menos centralizadora em relação
ao regionalismo, porém o descaso com os símbolos regionais como a bandeira do Rio Grande
do Sul e a desvalorização do modo de vida do campo fazem com que Paixão Côrtes e seus
companheiros busquem recriar o passado através do tradicionalismo. Podemos apontar como
ponto de convergência entre tradicionalismo e missioneirismo a ligação com um passado rural
agro-pastoril que funde em sua concepção o papel do peão e do patrão em torno das estâncias,
idealizando e valorizando a lida do campo, frente a uma sociedade em franco processo de
urbanização.
Esta identidade gaúcha, ideologicamente direcionada, assenta-se principalmente no
passado, tendo como referência principal a revolução farroupilha (ou guerra dos farrapos), que
opôs de 1835 a 1845, as tropas republicanas locais ao governo imperial brasileiro. A
reconstrução identitária dada no Rio Grande do Sul no início da segunda metade do século XX
revaloriza o gaúcho. O gaúcho, antes símbolo dos peões errantes, saqueadores sem terra, sem
rumo e sem ética, passa a ser identificado como o herói farroupilha, referência positiva e
antepassado comum do povo do estado, que passa a identificar-se como gaúcho. Neste processo,
896
tem papel central o Movimento Tradicionalista Gaúcho, que age ativamente na reconstrução do
passado regional, cristalizando o mesmo na forma de tradições e regras rígidas que definem o
que significa “ser gaúcho”.
Hobsbawm reflete sobre a ação dos movimentos tradicionalistas, afirmando que:
Tais movimentos, comuns entre os intelectuais desde a época romântica, nunca
poderão desenvolver, nem preservar um passado vivo (a não ser, talvez, criando
refúgios naturais humanos para aspectos isolados da vida arcaica); estão destinados a
se transformarem em “tradições inventadas”. Por outro lado, a força e a adaptabilidade
das tradições genuínas não deve ser confundida com a “invenção das tradições”. Não
é necessário recuperar nem inventar tradições quando os velhos usos ainda se
conservam. (HOBSBAWM, 1997, p. 16)
No tradicionalismo gaúcho, os Centros de Tradições Gaúchas aparecem como os
“refúgios naturais humanos” criados para preservar os aspectos do passado escolhidos como
dignos de serem preservados. Neste sentido o heroísmo de “nossas façanhas” e as diferenças
do gaúcho em relação ao restante do Brasil (herança da revolução Farroupilha), demarcam a
identidade, representada na forma de vestir, na fala e nos costumes.
Parte da comunidade da região das missões, porém não se sentia representada pelo
tradicionalismo gaúcho, optando por criar então uma representação própria, digna da ideia que
fazia acerca de seu passado e identidade.
O músico Pedro Ortaça relata em seu site:
Em meados de 1966 eu juntamente com Noel Guarani e Cenair Maicá nos reunimos
para tocar e cantar, e decidimos que iríamos criar um novo modo de cantar e tocar, a
maneira que as coisas do Rio Grande eram colocadas não nos satisfaziam não era a
maneira que queríamos como norte para nosso trabalho. Digo, nosso, por que
surgimos nesse contesto na mesma época e com os mesmos ideais.E juntamente com
o grande payador17 Jaime Caetano Braun que nos serviu de fonte e vertente para o
nosso trabalho. Fomos denominados pelo grande payador como “Os quatros troncos
da cultura missioneira”, pois conseguimos cada qual com seu estilo criar uma nova
identidade na cultura musical gaúcha. (ORTAÇA, 2013)
O período ditatorial foi marcado por uma forte institucionalização dos movimentos
culturais, cabe lembrar que em 1964, ano do golpe de Estado, a Semana Farroupilha foi
oficializada, passando a ser a principal data do calendário oficial do Rio Grande do Sul. Não
por coincidência, Ortaça marca o ano de 1966 como o início do missioneirismo, o mesmo ano
17Payador ou pajador é o artista que desenvolve a payada, ou pajada, arte oriunda da Espanha que mistura música
e poesia, onde o payador desenvolve seus versos de improviso acompanhado por um violão.
897
de fundação do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), o que demonstra um caráter de
fronteira identitária e diferenciação entre o tradicionalismo e o missioneirismo. Esta
diferenciação aparece como fruto da marginalidade à que foi relegada a região das missões na
representação da formação do Rio Grande do Sul. Esta marginalidade, aliada à constante
depressão econômica, causa o distanciamento simbólico que justifica a ressignificação do
missioneirismo, constituindo a identidade como representação de uma luta simbólica.
De acordo com Bourdieu:
[...] se a região não existisse como espaço estigmatizado, como “província” definida
pela distância econômica e social (e não geográfica) em relação ao “centro”, quer
dizer, pela privação do capital (material e simbólico) que a capital concentra, não teria
que reivindicar a existência: é porque existe como unidade negativamente definida
pela dominação simbólica e econômica que alguns dos que nela participam podem ser
levados a lutar (e com probabilidades objectivas de sucesso e de ganho) para alterarem
a sua definição, para inverterem o sentido e o valor das características estigmatizadas,
e que a revolta contra a dominação em todos os seus aspectos – até mesmo econômicos
– assume a forma de reivindicação regionalista. (BOURDIEU, 2011, p. 126)
A reivindicação simbólica em causa demarca a região, e através dos contornos da
demarcação identitária define o que pertence ou não pertence à representação do grupo,
compondo assim a igualdade e a diferença. Woodward (2011, p. 13) expõe que identidade e
diferença são aspectos indissociáveis, pois “a identidade é, na verdade, relacional, e a diferença
é estabelecida por uma marcação simbólica relativamente a outras identidades”. Assim, quem
“é”, o é em relação a algo, ou seja, o que não somos define o que somos, pois as identidades
formam-se tanto em um movimento de afirmação interna quanto de negação externa, de modo
a definir seus contornos e limites.
Internamente o tradicionalismo gaúcho adota como tema central a Revolução
Farroupilha, externamente diferencia-se do restante do Brasil pela adoção e culto a tradições
em uma espécie de auto-apologia, tanto quanto pela própria valorização destas tradições como
o traçado de uma fronteira cultural. O relato de Ortaça, porém demonstra a opção consciente
pela criação de uma nova fronteira identitária, que apesar de reconhecer-se gaúcha, opta por
definir-se essencialmente missioneira. Na emblemática payada “Missioneiro”, Jayme Caetano
Braun (2002, p. 28) declara “Sou cria dos Sete Povos/ Nascido em São Luiz Gonzaga!/ Meu
orgulho de gaúcho/ É ser guasca e missioneiro”.
Para Ruben Oliven o gaúcho vê a questão do pertencimento de um modo diverso do
restante do país, onde o fato de ser brasileiro passa a ser:
898
[...] uma opção, secundária ao pertencimento ao Rio Grande do Sul, de modo que a
nacionalidade passa pelo regionalismo: “O Rio Grande do Sul sempre foi uma região
muito especial, de fronteira, com uma relação muito particular com o Brasil.
Simultaneamente, o rio-grandense afirma pertencer ao Brasil, mas que o é por opção.
O Estado poderia ter sido parte do império espanhol, acabou fazendo parte do império
português, depois do Brasil, o que torna o gaúcho brasileiro por opção. Isso faz parte
do imaginário gaúcho. (OLIVEN, 2003, p. 2)
A identidade missioneira define-se então internamente tendo como tema central a
referência às reduções jesuíticas dos Sete Povos como momento fundamental, diferenciando-se
externamente das demais identidades através da afirmação de uma cultura própria, que tem
como base uma relação particular com a arte, o patrimônio e o território das missões.
A diferenciação entre o missioneiro e o gaúcho remete a uma ideia de representação da
fundação do Rio Grande do Sul que por muito tempo foi refletida nos estudos históricos, nestes
eram apresentadas diferentes visões que negavam ou afirmavam o lugar das missões na
formação do Rio Grande do Sul, sendo predominante a negação. Tau Golin (2011) retrata os
ataques dos intelectuais do início do século XX ao escritor e jornalista José Velloso Hermetério
da Silveira, justificados por este ter afirmado em artigo de 1909 que os indígenas e jesuítas
haviam sido os fundadores das missões, destoando, de acordo com o próprio Silveira (apud
GOLIN, 2011, p. 286) “da maior parte dos escritores, que, em 144 anos decorridos tinham
preconizado todas as medidas empregadas para a sua supressão e banimento”.
A discussão tomou maiores proporções quando, devido ao bicentenário da morte de
Sepé Tiarajú que ocorreria em 1956, o governo estadual consultou o Instituto Histórico e
Geográfico do Rio Grande do Sul (IHGRS) sobre a pertinência de erguer-se uma estátua em
homenagem ao mesmo. O parecer foi contrário, referindo-se ao fato de que pensar Sepé como
um brasileiro é inaceitável. No parecer, publicado no jornal Correio do Povo, de 26 de
novembro de 1955 constava que os missioneiros não poderiam ser encarados “como uma
expressão do sentimento, das tendências, dos interesses, da alma coletiva, enfim, do povo
gaúcho, que se estava formando ao signo da civilização portuguesa” (GOLIN, 2011, p. 288).
A identidade missioneira permaneceu então, por décadas, submetida a exclusão ou a
enquadrar-se como parte menor da identidade gaúcha, de forma marginal, oficialmente negada,
pois remetia a um castelhanismo que ia contra a noção de coesão identitária professada pelo
gauchismo. Tal castelhanismo, assim como a própria identidade missioneira, porém,
899
permanecem incipientes até meados da década de 1970/80, quando passam a ser assumidos
abertamente após uma revalorização do passado.
Aos poucos, a aceitação da remanescência se deve aos historiadores e arqueólogos
que deflagaram a educação patrimonial, associados a outros profissionais, provocando
a grande virada na memória das Missões. A música contribuiu imensamente, em
especial quando artistas populares como Jayme Caetano Braun, Noel Guarany, Cenair
Maicá, Pedro Ortaça e o Grupo de Arte Nativa Os Angueras, entre outros, começaram
a se autodenominar publicamente como “missioneiros”. (GOLIN, 2011, p. 288)
A REVALORIZAÇÃO DO MISSIONEIRISMO
A revalorização do missioneirismo por parte dos artistas locais, iniciada na década de
1960 só toma maiores proporções em torno das décadas de 1970/80, quando a região e o Brasil
passam por uma crise econômica. A crise gerou os fatores definidores capazes de estimular uma
renegociação com o passado.
A década de 1970 representa um crescimento econômico da região através da opção
pelo binômio trigo/soja, que ano a ano tomavam áreas maiores de cultivo. Em São Luiz
Gonzaga, por exemplo, em 1971 foram colhidos 37.000 toneladas de soja, enquanto em 1968 a
colheita havia sido de 5.184 toneladas, a agricultura suplantava rapidamente a pecuária como
modo de uso da terra, com a produção fortalecida pelas tecnologias de maquinários e insumos
que aportaram com relativo atraso na região, em uma espécie de “revolução verde tardia”. O
bom momento econômico do início da década promoveu “modificações de comportamento não
apenas do setor primário, mas também na produção industrial e no setor terciário, com
alterações nas atividades comerciais e de prestação de serviços” (Pommer, 2009, p. 102). Estas
modificações alteraram a paisagem urbana, mobilizada em função de atender as necessidades
geradas pela expansão da atividade agrícola. Na região são difundidas concessionárias de
veículos, prédios são construídos, avenidas pavimentadas e etc..
Pommer (2009) afirma que era em torno dos nomes das grandes famílias que girava o
imaginário local, na década de 1970.
Os elementos, que, a partir da década de 1980 tornaram-se comuns nas representações
identitárias de São Luiz, como o passado reducional da cidade, não apareciam na
década de 1970. Isso porque as referências dominantes eram aquelas que diziam
respeito à produção agrícola que havia imprimido uma nova realidade vivida na
cidade. (POMMER, 2009, p. 105).
900
A crise do capitalismo na década de 1980 causada pelo esgotamento de um ciclo de
acumulação de capital baseado no modelo econômico-industrial também atingiu fortemente a
economia brasileira, esgotando os recursos acumulados durante o “milagre econômico” do
início da década anterior. A alta dívida externa brasileira, aliada aos juros astronômicos e
à crise internacional do petróleo configurou um quadro de crise em todas as instâncias, inclusive
regionais. O Rio Grande do Sul teve seu crescimento expressivamente diminuído, tanto pela
crise quanto pela expansão da fronteira agrícola, que levou para outras regiões parte da força
agrícola e pecuária do estado.
A busca pela ressignificação da região teve diferentes histórias em cada município, mas
estas convergem no sentido de resgate da história local ligando a mesma às reduções jesuíticas.
Em São Luiz Gonzaga, por exemplo, o início do resgate se deu em 1979, ano da véspera do
centenário de emancipação do município, quando iniciaram os preparativos para a
comemoração da data, perfazendo um resgate idílico do passado.
A população, aos poucos, é levada a elaborar um conhecimento específico a respeito
da São Luiz Gonzaga Missioneira, cujas [...] raízes estão plantadas no espírito
generoso dos padres e dos índios que, no século XVII fundaram uma civilização da
qual São Luiz fez parte, os Sete Povos das Missões. (POMMER, 2009, p. 136)
Neste contexto, a ressignificação busca também revalorizar os monumentos locais que
remetem a esse tempo remoto. Pommer (2009, p. 137) explica que “já em 1979, existiam vários
monumentos, os quais, como “lugares de memória”, assumiam a função de reportar a
comunidade a elementos do passado que considerava importante destacar”. Porém, a
reafirmação da identidade promovida a partir de então, leva à criação de alguns novos
monumentos, como a estátua do Padre Miguel Fernandez, colocada na praça Matriz de São
Luiz Gonzaga. Ao pé da estátua há uma placa onde se lê: “Nesta figura simbólica de um jesuíta,
a comunidade reverencia à memória do fundador de São Luiz Gonzaga: Pe. Miguel Fernandez
(1687)”. A própria referência ao padre se deve a um processo de pesquisa histórica realizado
no final da década de 1970 pela historiadora Ana Olívia do Nascimento, presidente emérita do
Instituto Histórico e Geográfico de São Luiz Gonzaga.
O turismo também dialoga com esta identidade, apresentando-se como uma alternativa
de viabilidade econômica para a região, apresentando uma relação de reforço e justificação
mútua com a identidade. Durante a preparação das comemorações já citadas, foi solicitado à
Secretaria de Turismo do Estado o envio de técnicos a São Luiz Gonzaga, visando a criação de
901
um roteiro turístico nas Missões, incluindo como sugestão: visita às Ruínas de São Miguel, ao
Santuário do Caaró, às Ruínas de São Lourenço, à Igreja Matriz de São Luiz Gonzaga, às Ruínas
de São Nicolau e outros pontos da própria São Luiz. Apesar de não ter tido sucesso, a iniciativa
foi o primeiro passo na direção do que futuramente seria a “Fundação Rota Missões18”, entidade
fundada em 2001, que reúne 27 municípios da região e que visa "unir e divulgar a região das
Missões em torno de objetivos comuns, através de ações pactuadas visando o desenvolvimento
sócio-econômico sustentável". A maior parte das atividades desenvolvidas pela Rota Missões
é ligada ao turismo regional.
Ao passo em que o produto turístico Missões define o que deve ou não ser
preservado e apresentado como representação comunitária, a própria comunidade apossa-se
deste produto, incorporando-o como referencial do que significa ser missioneiro, em uma
dialética mútua de transformação e legitimação. Em uma época de crise econômica e societal,
esse resgate não é simplesmente uma revisão do passado, mas uma ressignificação, uma forma
de buscar (ou mesmo de reconstruir) no passado exemplos capazes de fazer com que a ideia de
um futuro melhor possa ser construído.
Nessa busca pela revalorização da cultura local é que os artistas populares, como os
“Quatro Troncos Missioneiros”, passam a figurar no mapa cultural oficial da região, deixando
de ser apenas artistas de apelo popular, passando a representantes artísticos do missioneirismo,
e, integrando-se a partir de então do mapa cultural do produto turístico Missões. Ouvir estes
artistas que fazem da região missioneira o “chão” de seus versos, é de certa forma viajar pela
região, ou mais precisamente pela representação da região, pois remete a um passado idealizado
e reconstruído, que revivido no presente traz a sensação de intimidade, e mesmo curiosidade
com o cotidiano e a história das missões. Porém, ao passarem do papel de arte popular para o
de representações integradas ao imaginário do “produto missões”, servem também para
legitimar ou mascarar as desigualdades e diferenças internas à sociedade regional.
PATRIMÔNIO E IDENTIDADE NAS MISSÕES
18 Curiosamente a delimitação da região das missões definida pela entidade não apresenta o município de São
Borja como pertencente à região, o que demonstra tanto as características políticas da identificação quanto aponta
a interpretação para o fato de que São Borja representa tanto uma fronteira física com a Argentina, quanto uma
fronteira identitária com a campanha gaúcha, que representaria outro paradigma identitário, identificada por Muriel
Pinto (2012) como identidade missioneira-pampeana. Outra interpretação é dada em Pommer (2009), onde a autora
opta por não relacionar São Borja em seu estudo sobre a identidade missioneira, entendendo que a identidade são-
borjense, criada em face da globalização seria mais ligada à auto-identificação como “Terra dos Presidentes”.
902
A identidade pessoal é sob um ponto de vista psicanalítico, fruto da incompletude do
ser, que busca constantemente uma certificação do seu “eu”, ancorando em referenciais
externos suas incertezas internas (GIDDENS, 2002; WOODWARD, 2011). Seguindo o mesmo
caminho, as identidades sociais são como uma forma de amplificação desta dualidade
incompletude/identificação. Ao identificar-se com o outro através da criação e recriação de
referenciais em comum, criam-se as coletividades e processos de identificação social. Mas
também as identidades sociais buscam conferir aos sujeitos a sensação de conforto e segurança,
dando aos mesmos a ideia de unidade, através da identificação psicossocial caracterizada por
Giddens (2002) como segurança ontológica, que seria a ordenação capaz de garantir a ideia de
uma trajetória pessoal coerente com a ideia que faz de si mesmo e da coletividade, ordenando
passado, presente e futuro. Neste processo de identificação e certificação, é conferido a objetos
concretos o papel de atestados da veracidade da coerência histórica, fundindo materialidade e
significado.
Para lidar com a fragmentação do presente, algumas comunidades buscam retornar a
um passado perdido, ordenado por lendas e paisagens, por histórias de eras de ouro,
antigas tradições, por fatos heróicos e destinos dramáticos localizados em terras
prometidas, cheias de paisagens e locais sagrados. (WOODWARD, 2011, p. 24)
A ideia de patrimônio surge então como forma de concretizar o passado no presente,
trazendo a identidade do plano das ideias para o plano físico, palpável, socializando significados
através das construções, de modo que ambos fundem-se, tornando os monumentos mais do que
meras obras de arquitetura ou de arte.
A imagem das ruínas da redução de São Miguel (fig. 1) é o grande símbolo
representativo das missões no imaginário social, compondo um cenário que por si remete à
historicidade. Esta historicidade não está contida apenas nas paredes e pedras que restaram da
igreja jesuítica, que representam, nas marcas que ostentam, a própria passagem do tempo, mas
também no imaginário que cerca tal conjunto arquitetônico.
903
Figura 1 – Ruínas de São Miguel. Fonte: Acervo pessoal do autor.
É o estado semi-destruído da ruína que abre margem a imaginação dos momentos que
ali se passaram, da morte da redução e do seu renascimento como obra preservada, como
patrimônio. A ruína opera “como um monumento, a lembrar os termos de um contrato entre os
homens e seu passado, entre o transitório e o eterno, entre a luta da memória contra o
esquecimento” (PESAVENTO, 2007, p. 51).
As ruínas não dizem respeito apenas ao passado, elas dialogam com o atual, pois é no
tempo presente que se decide sobre sua preservação ou esquecimento. É este conjunto de
significados, que fazem a ligação entre o passado e o presente, reconfigurando o tempo,
conforme Sandra Pesavento:
[...] é possível dizer que a ruína é responsável por uma operação de reconfiguração
temporal, fazendo o passado emergir no presente por uma operação imaginária de
sentido. Ao presentificar uma ausência no tempo, dando-lhe um significado, a ruína
opera como representação do passado. A ruína não é só materialidade, é também
imagem, é presença de uma ausência, dando visibilidade a uma ideia e a uma
construção imaginária, por vezes muito distante do referente que se exibe. A
ruína exerce um fascínio, pela incompletude da forma e pela exibição da decadência,
criando a possibilidade de ver no resto corroído, o esplendor e apogeu da civilização
que teve, ali, lugar. (PESAVENTO, 2007, p. 55).
A própria deterioração das ruínas é um processo em andamento, por isso devem ser
preservadas, para que as mesmas possam continuar a existir em seu estado atual. Tal estado
acaba revestindo-se em um estado ideal, pois ao mesmo tempo em que preserva as marcas da
904
passagem do tempo, mantém as características originais capazes de fazer com que seja
identificado como tal. Neste sentido, preservar o patrimônio é estancar a ação do tempo, o que
não implica, porém em garantir que a interpretação do passado seja também estática.
A ruína pode ser restaurada ou sofrer intervenções, mas, como ruína ela é sempre
atestado de uma ação humana ocorrida em outro tempo. As intervenções, portanto,
são desejadas no sentido de preservar o “estado de ruína”, que mostre a passagem do
tempo, pois é desta condição que elas nutrem o seu papel evocativo de despertar a
memória de um outro tempo, fora da experiência do vivido. (PESAVENTO, 2007, p.
60)
A decadência física de São Miguel já havia sido percebida por Saint-Hilaire em sua
passagem pela região no século XIX, o mesmo registra que:
A igreja, construída pelos jesuítas, é toda de pedra, e possui uma torre que servia de
campanário, mas, há vários anos um raio caindo sobre ela destruiu-o completamente.
João de Deus, um dos primeiros governadores desta província, pretendia fazer
reparação nesse edifício, tendo para isso reunido os materiais, dispendendo muito
dinheiro, mas tendo sido substituído, o sucessor não levou avante seus projetos. (apud
MEIRA, 2007, p. 82)
Porém, mais importante do que o registro de Saint-Hilaire sobre a decadência das
missões é seu registro sobre a iniciativa de recuperação do conjunto arquitetônico. Dando
seguimento ao relato, Saint-Hilaire afirma que “S. Miguel é a primeira aldeia onde vejo realizar
algumas reparações. Se desde o início tivessem cuidado disso, sempre que fosse necessário, em
todas elas, as aldeias não estariam em quase total destruição (...)” (MEIRA, 2007, p. 82). O
governador a quem o naturalista faz referência foi o Marechal João de Deus Menna Barreto,
que empreendeu tentativa de recuperação das missões, porém, sem sucesso.
Em 1922 São Miguel foi reconhecido como “lugar histórico”, tornando-se patrimônio
de domínio público a ser conservado pelo Estado devido a sua ligação com a história estadual.
Em 1937 o arquiteto Lucio Costa, empreendeu uma pesquisa nas missões a serviço do
recém criado SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico), resultando em um relatório
no qual recomendava que o órgão procedesse ao tombamento do antigo povo de São Miguel
como Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o que foi realizado em 1938. No mesmo
relatório também constam recomendações para a construção de um museu, onde seriam
guardadas as artes sacras remanescentes das reduções, tal recomendação foi seguida, resultando
no museu que tornou-se referência para o padrão a ser seguido nos museus regionais a partir de
então.
905
Ainda antes da queda das reduções as obras eram expostas,tanto como uma
demonstração de fé, quanto de sucesso do empreendimento jesuíta, pois denotavam, assim
como a música e a própria economia desenvolvida nas reduções, a possibilidade de “civilizar”
os Guarani, em uma visão nitidamente eurocêntrica sobre a cultura indígena. Conforme Golin
(1997, p. 30): “no período da ocupação missioneira, lusos-espanhóis encantariam-se com os
músicos guaranis, formalmente convidados para apresentações nos banquetes dos
representantes monárquicos”.
O´Donnel e Rillo (2004) relatam que apesar de todos os saques realizados nas invasões
às missões, das depredações e mesmo do uso das obras sacras como lenha pelas tropas durante
as Guerras Guaraníticas, no início do século XX ainda havia um grande acervo de obras na
região. Muitas destas obras passaram a ser contrabandeadas para o Uruguai e Argentina, onde
eram valorizadas no mercado ilegal de arte.
Em 1983 as ruínas de São Miguel arcanjo são declaradas pela UNESCO Patrimônio da
Humanidade, lançando um novo olhar externo ao local e sobre a própria região das missões,
suscitando um aumento do potencial turístico, mas também revigorando o pertencimento dos
sujeitos locais à historicidade das missões. Tratando-se da época de revalorização das missões,
de construção da centralidade da identidade missioneira na região, a elevação do status das
ruínas de São Miguel faz com que as demais cidades da região também busquem seus
patrimônios jesuíticos.
Em São Nicolau, por exemplo, a redução, localizada na praça central da cidade,
encontra-se em ruínas, das quais restaram poucas paredes, hoje apoiadas por armações
metálicas. Assim como em São Miguel, a história do local é reconstruída com o auxílio de
placas, pedestais e sinalizadores, onde constam textos e gravuras que remetem à configuração
original do povoado. Há também um túnel, cuja entrada é vedada por motivos de segurança,
apontado como uma possível adega ou dispensa utilizada pelos jesuítas, porém, relatos
populares declaram tratar-se da entrada de um dos túneis que fariam a interligação entre os
povoados, parte dos mitos que cercam as reduções. Ao tratar deste mito, O´Donnel e Rillo
(2004) relatam que nestes túneis haveria tesouros e relíquias escondidas pelos missionários,
uma forma de resguardar os tesouros de possíveis invasores19.
19A antropologia cultural é rica em registros de relatos como esse, acerca de tesouros enterrados em locais onde as
comunidades têm forte ligação com o território, ou sofrem a ameaça de terem que abandonar tais locais. As
interpretações convergem no entendimento de que tais tesouros representariam a própria noção de identidade e
ancestralidade dos moradores, uma manifestação do inconsciente coletivo que teria como função relembrar
constantemente o valor do local e a importância de manter-se ligado ao “tesouro”: a ancestralidade do lugar.
906
Em São Luiz Gonzaga, havia o colégio jesuíta remanescente da redução, conforme
relatos colhidos no Museu Municipal, o mesmo encontrava-se em perfeitas condições até a
década de 1930, quando foi demolido por ordem do governo de Getúlio Vargas, provavelmente
como parte da política de eliminação dos monumentos que remetessem ao regionalismo. Hoje
restam poucos pilares do colégio reducional em São Luiz Gonzaga. Os mesmos encontram-se
em uma pequena parte do pátio da atual biblioteca municipal.
Assim como em outras antigas reduções ao redor das quais cresceram cidades, a atual
praça central de São Luiz Gonzaga coincide com o local do antigo pátio da redução. Nesta
região central, é possível encontrar nos muros e paredes mais antigos, as pedras que restaram
da demolição dos prédios jesuíticos, resquícios de um período anterior à valorização do
patrimônio histórico.
A tendência à patrimonialização adotada pelos órgãos oficiais e comunidade em geral,
a busca pelos monumentos restantes, e a sua freqüente ausência, talvez possa explicar a recente
criação de novos monumentos em São Luiz Gonzaga, como a estátua em homenagem a Sepé
Tiarajú (Figura 02), inaugurada em 2007, inicialmente localizada no trevo da entrada principal
da cidade, atualmente postada em frente à Prefeitura Municipal.
Figura 02 – Estátua de Sepé Tiarajú. Fonte: Acervo pessoal do autor.
907
A estátua de dois metros de altura, confeccionada em concreto pelo artista Vinícius
Ribeiro, emula as obras do período reducional, e demonstra Sepé Tiarajú segurando uma lança,
representando seu espírito guerreiro, e uma cruz, simbolizando sua fé cristã. A estátua está sobre
um pedestal no qual consta uma placa com os dizeres principais: “SEPÉ TIARAJÚ – SÃO-
LUIZENSE E MISSIONEIRO”, seguido de uma citação da lei Estadual 12.366, já citada
anteriormente, que declara Sepé “Herói Guarani-missioneiro Rio Grandense”.
Outro monumento inaugurado mais recentemente na cidade (2009) lembra um dos
responsáveis pela reconstrução da identidade missioneira, homenageando o payador Jayme
Caetano Braun (Figura. 03).
Figura 03 – Estátua de Jayme Caetano Braun. Fonte: Acervo pessoal do autor.
Ao contrário da estátua de Sepé, esta não contou com financiamento público, sendo
fruto de um grande movimento para levantamento de fundos, contando com a iniciativa e
colaboração de artistas e da própria comunidade. Com seis metros de altura e nove toneladas
de peso, a obra também foi elaborada por Vinicius Ribeiro, porém são notáveis as diferenças
de estilo, sendo que a estátua de Braun não remete ao período guaranítico como a de Sepé, mas
sim a um estilo contemporâneo, assemelhando-se inclusive à estátua do Laçador, localizada em
908
Porto Alegre, devido ao porte altivo e imponente dado à figura de Braun. O Laçador, localizado
em uma das entradas principais de Porto Alegre, foi esculpido tendo como base a imagem de
Paixão Côrtes - idealizador do Movimento Tradicionalista - em sua juventude, a imagem de
Jayme Caetano Braun – personalidade central na configuração da identidade missioneira -
igualmente posicionada em um trevo de acesso de sua cidade natal, traz a tona novamente a
questão da definição das fronteiras identitárias, afirmadas nas letras, poesias e payadas.
O SIGNIFICADO DO MISSIONEIRISMO EM VERSO E PROSA
Referente às representações musicais do missioneirismo, podemos afirmar que o termo
música missioneira pode fazer referência tanto às músicas desenvolvidas pelos jesuítas e
Guaranis nas reduções, quanto às representações mais recentes, “composições de caráter
regionalista, cuja poesia enaltece o passado missioneiro e seus descendentes” (Brum, 2005, p.
124). As interpretações a seguir fazem referência ao segundo entendimento da música
missioneira.
Recorremos ao site do artista Pedro Ortaça para compreender alguns aspectos da
identidade musical missioneira que a torna uma expressão diferente “diante da música gaúcha.
E reconhecida no Rio Grande do Sul e no Brasil pela maneira diferente de cantarmos”. Para
Ortaça, os principais traços de diferenciação seriam:
- A denúncia social dada nas letras;
- O tom de protesto das músicas frente às desigualdades e situações de injustiça que
caracterizam a sociedade atual;
- O registro do passado de um povo esquecido, explorado, mas cheio de encantos e
essências.
Tais traços descritos aparecem de forma recorrente nos registros musicais consultados
durante a pesquisa, além de repetidas citações da indissociabilidade do missioneiro com a
região, com a terra missioneira. A composição musical “Da Terra nascem gritos”, de Cenair
Maicá e Jayme Caetano Braun faz referência poética à questão agrária, referindo-se à criação
dos primeiros sem-terra da região, os tropeiros e ervateiros, desapropriados quando da ocupação
da região pelas colônias, mas também pela Lei das Terras (promulgada em 1850).
Mataram meus infinitos
e me expulsaram dos campos;
909
Da terra nasceram gritos,
Dos gritos brotaram cantos!
E me fiz canto
De tropeiros e ervateiros
Rasgando sulcos,
Com arado e saraquá;
Nas alpargatas dos "quileiros"
e "chibeiros",
Andei as léguas
De Corrientes e Aceguá!
Meu canto é rio,
Meu canto é sol,
Meu canto é vento,
Eu tenho berço, Eu tenho pátria,
Eu tenho glória,
Eu só não tenho terra própria
Porque a história
Que eu escrevi,
Me deserdou no testamento!
Entretanto - bem ou mal,
Não me emociono,
Com os que combatem
As verdades do meu canto;
Sem ter direito de comer nem o que planto,
Só não entendo é tanta terra
E pouco dono!
Os versos acima demonstram bem tanto a denúncia quanto o protesto frente às
desigualdades trazidas à região pela constante busca pela modernização da produção. Neste
cenário onde o avanço rumo ao futuro é significado de exclusão crescente, o passado aparece
como um refúgio, constantemente revivido, como “um rio que volta para o velho leito” 20. Este
retorno constante ao passado é fruto da ideia mítica de que o espaço missioneiro viveu, outrora,
tempos de mais justiça e liberdade, o faz com que Pedro Ortaça afirme, na música “Timbre de
Galo” que “quem não viveu esse tempo, vive esse tempo a cantá-lo”. Esta composição é uma
ode ao passado, demonstrando uma valorização do mesmo em detrimento do presente:
É verdade que alguns dizem
que os tempos de hoje são outros,
que o campo é quase a cidade
e os chiripás estão rotos,
que as esporas silenciaram
na carne morta dos potros...
20 Trecho da música “Gana Missioneira”, de Cenair Maicá.
910
Cada um diz o que pensa -
isso aprendi de infância,
mas nunca esqueça o herege
que as cidades de importância
se ergueram nos alicerces
dos fortins e das estâncias.
Não esqueça, de outra parte,
para honrar a descendência,
que tudo aquilo que muda,
muda só nas aparências
e até num bronze de praça
vive a raiz da querência.
Ortaça demonstra a necessidade da constante rememoração de tempos idos, pois ao
cantar que “as cidades de importância se ergueram nos alicerces dos fortins e das estâncias”,
lembra que o presente deve contas ao passado, e que as atuais referências positivas (cidades de
importância) são fruto da trajetória iniciada pelos referenciais passados (fortins e estâncias).
O músico chega mesmo a declarar seu deslocamento em relação ao presente, em versos
que demonstram uma situação de desencaixe entre o tempo atual e seus valores e vivências.
Eu nasci no tempo errado
ou andei muito depressa,
dei “ó de casa” em tapera,
fiquei devendo promessa
mas se pudesse eu voltava
pra onde o Rio Grande começa.
E se me chamam de grosso,
nem me bate a passarinha.
A argila do mundo novo não
tem a mescla da minha,
sovada a cascos de touro,
com águas de carquejinha...
Esta idealização do passado missioneiro através de seus aspectos positivos, e a constante
lembrança de que o presente contém o passado acaba por mascarar a ideia de que tratar do
próprio passado é uma (re)construção, de modo que podemos afirmar que o passado, no caso
das representações missioneiras está contido pelo presente. Desta forma, o presente e as
idealizações de futuro é que moldam as representações do passado, fazendo com que este seja
uma projeção dos ideais atuais que opera de modo a apagar ou ressaltar aspectos e fatos de
maneira seletiva.
911
CONCLUSÃO
A análise do contexto de formação da identidade missioneira demonstra as diversas
nuances das negociações identitárias, desde o resgate do passado como forma de traçar
estratégias para o futuro em tempos de crise econômica, até a sobreposição/negação ao
paradigma identitário gaúcho como representação da identidade regional.
As diferentes formas de tratamento dadas ao tema de uma identidade regional
missioneira tanto por parte das ciências sociais, quanto da comunidade regional, demonstram
que o tema da identidade está em constante diálogo com a realidade social à qual está ligado.
Desta forma, compreender a identidade missioneira é seus significados, é também compreender
a realidade social na qual estão inseridos os atores que a vivenciam e dialogam com a construção
e reconstrução constante.
Lançar um olhar mais aprofundado a estas situações, guiado por referenciais das
ciências sociais, contribui para a efetivação de uma ruptura epistemológica, capaz de tirar a
identidade, a tradição e o próprio patrimônio do campo do senso comum e da experiência, para
um campo mais amplo, que tece e desvela as relações entre estes temas e o entorno social mais
amplo.
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913
A ESTÂNCIA DE SÃO FRANCISCO XAVIER OU SAN JAVIER21
Tiara Cristiana Pimentel dos Santos22,
Edson Romário Paniagua23,
Ronaldo Bernardino Colvero24
RESUMO:A redução jesuítica de San Javier foi fundada em 1629 na margem direita do rio
Uruguai, pelos jesuítas e pela coroa espanhola na empreitada de ampliar suas fronteiras de
dominação e manter esta redução criaram as estancias missioneiras com a finalidade de criar o
gado e cultivar outras culturas necessárias para manter o povo da redução, com estes objetivos
foi criado a estância de San Javier ou estância de San Francisco de Xavier na margem esquerda
do rio Uruguai. Esta estância estava localizada na região noroeste do atual estado do Rio Grande
do Sul, fronteira com a Argentina hoje ocupada por várias cidades. Nossa problemática é
entender como que este espaço foi ocupado e os conflitos existentes entre os guaranis reduzidos
e os nativos que ocupavam espaços próximo a estância. Este trabalho justifica-se pela
importância de trabalhar a história regional com foco neste objeto muito pouco estudado,
apropriando-se das bibliografias e com as fontes primarias do Archivo General de La Nación,
aplicando uma metodologia qualitativa. Este processo de conquista e implementação do projeto
chamado de colonizador pelos espanhóis, a partir da criação das reduções e estâncias os súditos
da coroa espanhola preocupavam-se com as fronteiras, fossem elas com os portugueses ou com
outros grupos que não se submetiam ao projeto reducional. A estância de São Javier ficava na
margem direita do rio Uruguai e sua redução na margem esquerda, com isto afirmamos que o
rio Uruguai neste momento não é uma fronteira mas sim uma ligação entre a redução e a
estância, bem como importante meio para realizar o deslocamento da produção da estância e a
comunicação entre outros povoados como Yapeyu até mesmo de acesso ao rio da prata e
posteriormente ao oceano atlântico rumo a Europa.
21 Trabalho executado com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul –
FAPERGS. 22 Acadêmica do curso de Licenciatura em Ciências Humanas. Bolsista de Iniciação Cientifica FAPERGS 2017-
2018. Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA - Campus de São Borja – RS. [email protected] 23 Doutor em história pela UNISINOS. Professor adjunto da Universidade Federal do Pampa- UNIPAMPA –
campus São Borja. 24 Doutor em História pela PUCRS. Prof. Adjunto III da Universidade Federal do Pampa - UNIPAMPA - Campus
São Borja, no curso de Ciências Sociais - Ciência Política e Ciências Humanas. Professor do programa de pós-
graduação em Memória Social e Patrimônio da Universidade Federal de Pelotas, professor do mestrado em
Políticas Públicas. Líder do grupo de pesquisa “Relações de fronteira: história, política e cultura na tríplice
fronteira Brasil, Argentina e Uruguai”. [email protected]
914
Palavras-Chaves: Estância, Espaço, Ocupação
INTRODUÇÃO
A conquista do espaço25 no atual estado do Rio Grande do Sul pelos Espanhois e Portugueses
na América aconteceu com apoio intensivo da igreja católica através de suas ordens religiosas.
O espaço que nos propomos a estudar foi ocupado pelos espanhois respaldados pelos tratados
firmados entre as coroas ibéricas e a igreja, chamado de Provincia Jesuitica Paraguai..
Já em 1494, na cidade de Tordesilhas, foi assinado um segundo acordo delimitando e
efetivando o que havia sido acordado na Bula Inter coetera, com uma diferença
importante, que a linha de limites seria outra, o referido tratado ditava que se traçasse
uma linha de norte a sul a 370 léguas a oeste da Ilha de Cabo Verde; ou seja, delimitava
as possessões entre as duas Coroas, e foi chamado Tratado de Tordesilhas. Baseando-
nos neste mesmo tratado, podemos interpretar que o território platino realmente
pertenceria à Coroa Espanhola (COLVERO; OLIVEIRA, 2012, p. 11)
Portanto a Bula Inter Coetera26, os tratados de Tordesilhas, Madri e Santo Ildefonso
foram balizadores para que os espanhóis e portugueses pudessem gradativamente irem
ocupando os espaços, sem que tivesse uma preocupação com o modo de vida dos povos que ali
habitavam entre eles os Guaranis, Kaigangs, Charruas e Minuanos.
Antes da chegada dos povos conquistadores a América era ocupada por povos
originários de caçadores e coletores preocupados com a subsistência, tudo isto mudaria com a
chegada dos europeus, porque criaram instituições como as reduções e suas estancias dentro
deste espaço já ocupado por estes povos, isto tudo pactuado com as ordens religiosas da igreja
católica.
Nosso objeto de pesquisa é a Estância de San Javier, espaço que fazia parte até 1750 das
estâncias das reduções dos 30 povos da Província Jesuítica do Paraguai27, criada em 1604 pelos
25 O que vale para a história da conquista e ocupação do espaço na América espanhola, pode-se dizer que vale
também para a América portuguesa. E é nesse quadro comum que se costumam incluir as “memoráveis arrancadas
dos bandeirantes para oeste que, com evidentes objetivos econômicos [...] asseguraram, a extraordinária expansão
geográfica do Brasil. (MOREIRA, 2002, p. 24) 26 Ver mais in: CAMARGO, 2001, p. 24-25. 27 “La Provincia jesuítica del Paraguay, conocida también por el nombre de “Paracuaria”, fue creada en el año
1604 y comprendía lo que actualmente es Chile, Argentina, Uruguay, Paraguay y partes de Bolivia y Brasil.”
PALACIOS; ZOFFOLI, 1991, p. 57-58.
915
espanhóis, também chamado das vacarias dos pinhais e hoje o noroeste do estado ocupado pelos
processos de imigração no final do século XIX.
Da própria condição do homem como primata deriva, primeiramente, a sua
disposição de lutar para estabelecer o domínio numa hierarquia social e, à medida que
se torna um caçador cooperativo, quando o grupo se sobrepõe ao individual, ele passa
disputar a posse de um território comum, o que implica, forçosamente, a demarcação
de fronteiras e ocupação de determinados espaços. (MOREIRA, 2002, p. 21)
Quando do processo de conquista e implementação do seu projeto chamado de
colonizador pelos espanhóis, a partir da criação das reduções e estâncias os súditos da coroa
espanhola preocupavam-se com as fronteiras, fossem elas com os portugueses ou com outros
grupos que não se submetiam ao projeto reducional, portanto a ocupação de mais espaço através
da criação das estancias proporcionou também uma melhoria na defesa de suas reduções, na
ampliação da criação de seu gado vacum, equinos, bovídeos, mais terras para cultivar outras
culturas necessárias para a alimentação do povo reduzido. É dentro desta perspectiva que os
jesuítas criaram a estância de San Javier ou em documentos encontrados no Archivo General
de La Nación28, também chamado de povo ou estancia de San Francisco de Javier.
DESENVOLVIMENTO
Assim muitas conquistas e permanência dos territórios de posse dos espanhóis pode
ser atribuído ao povo Guarani, que lutaram para defender o interesse de seu povo, dos Jesuítas
e da coroa espanhola. Para isto os jesuítas utilizara-se muito do cristianismo, da persistência e
da apropriação da cultura dos povos originários em especial dos guaranis. Os caciques
aprenderam a falar a língua espanhola e os jesuítas a língua guarani, este foi um dos grandes
passos para que os caciques passassem a ser os interlocutores dos jesuítas e dos funcionários da
coroa espanhola junto ao seu povo. As cartas anuas são fontes importantes para que possamos
nos apropriar desta comunicação constante entre os jesuítas da companhia de jesus com seus
superiores na Espanha, onde relataram frequentemente estas interlocuções, e também os
documentos que estão no Archivo General de La Nación de Buenos Aires.
28 Documentos cedidos pelo Professor Dr. Ronaldo Bernardino Colvero quando de sua pesquisa no Archivo
General de La Nación em 2007.
916
É vasta a documentação que foi gerada dentro das próprias reduções através das cartas
anuas ou até mesmo de outros documentos escrito pelos caciques referente aos povos
originários, da igreja e dos funcionários da coroa espanhola escritos com teores ideológicos ou
não guardados hoje em arquivos que durante muito tempo e até mesmo hoje servem para
entendermos de como foi estruturado as reduções e suas estâncias missioneiras. Esta
documentação em alguns momentos podem nos trazer algumas imprecisões de datas,
localizações e quantitativos.
San Ignacio Mini, 1632. 2-Corpus, 1633. 3- Loreto, 1632. 4- Santa Ana, 1637. 5-
Candelaria, 1627. 6- San José, 1633. 7-Apóstoles, 1633. 8-San Javier, 1629. 9- Santa
María la Mayor, 1626. 10- Mártires, 1639. 11- Concepción, 1618. 12- San Carlos,
1639. 13- Santo Tomé, 1632. 14- La Cruz, 1657. 15- Reyes o Yapeyú, 1625. Brasil
San Miguel, 1632. 2- San Juan, 1697. 3- San Angel, 1707. 4- San Nicolás, 1626, 5-
San Luis, 1632. 6- San Lorenzo, 1691. 7- San Borja, 1690. Paraguay 1-Trinidad, 1706.
2- Jesús, 1665. 3- Santiago, 1615. 4-San Nicolás, 1626. 5- San Ignacio Guazú, 1609.
6- Santa Rosa, 1698. 7- San Cosme, 1718. 8- Encarnación o Itapía, 1615.29 (grifo meu)
As reduções criadas pelos jesuítas foram “submetido a direitos e deveres, possuindo
seus regulamentos próprios, e seus superiores das Missões, sendo tratados pelos governadores
e mesmo pelos órgãos da administração metropolitana como uma entidade particular”30.
Podemos pensar que estas questões proporcionavam autonomia a província, porém sabemos
muito bem que os funcionários da coroa espanhola desempenhavam papel de fiscais, portanto
a autonomia era limitada, porque tudo dependia da diplomacia que as ordens religiosas tinham
com a coroa espanhola.
A redução jesuítica de San Javier foi fundada em 1627, na margem esquerda do rio
Uruguai. O “povo de S. Francisco Xavier está situado n’uma elevação que desta um quarto de
légua do Uruguay, e seu porto do mesmo rio está mais de meia légua”. (GAY, 1863, p.344).
“Dalí continuou a subir o rio Uruguai até o trato de terra existentes entre a desembocadura do
Piratiní e a cidade de S. Borja, onde foi fundar a segunda redução rio-grandense, denominada
“S. Fransico-xavier”, em homenagem a seu fautor Francisco de Céspedes”. (PORTO, 1937,
p.36)
29 PALACIOS; ZOFFOLI, 1991, p. 58. 30 KERN, 1979, p. 389.
917
A redução de São Francisco Javier pertencia a região do tape, que mais tarde devido as
incursões dos portugueses e aos conflitos com outros povos não reduzidos obrigou passar para
o território do lado direito do rio Uruguai hoje Argentina.
Assim a redução passa para a margem direita do rio já com um grande quantitativo de
famílias, e rebanho de gado, e a estancia ficou situada a margem esquerda, tendo um
quantitativo superior de gado do que outras reduções dos trinta povos. Abaixo apresentamos
dois documentos do Archivo General de La Nacion, um de 1728 e outro de 1733, que trata do
quantitativo de povos originários das doutrinas do rio Uruguai.
Catálogo de numeração anual das doutrinas do rio Uruguai no ano de 1728.
Fonte: División Colonia Seccion Gobierno Compañia de Jesus 1723-1734. Leg. Nº 4; 411; S.
IX 6-9-6. Doc. 451. Buenos Aires: Archivo General de la Nación.
O documento que retrata as doutrinas do rio Uruguai do ano de 1728, 99 anos após sua
fundação pelos jesuítas e guaranis nos mostra que a Redução de San Javier tinha 830 famílias,
10 viúvos, 156 viúvas, 994 meninos, 956 meninas, 203 batizados, 45 casados, 49 diferidos
adultos, 91 diferidos parvulos, 4592 comungantes e 3776 almas. Os dados nos permitem
interpretar que era uma redução que ocupa o 10º lugar das 15 reduções trazidas pelo documento
podendo ser considerada como uma redução de tamanho pequeno.
O grande quantitativo de viúvas o que nos leva a pensar a existência constante de
conflitos entre os reduzidos e outros povos originários ou conflitos com Espanhóis e
918
Portugueses. Embora os números apontam para uma redução de tamanho pequeno em relação
a outras reduções apresentadas neste documento o quantitativo de 8368 entre o comungantes e
almas é muito representativo até para os dias atuais, pois o Rio Grande do Sul em 2016 possui
314 municípios com um número menor de população que a Redução de São Javier em 1728.
Catálogo de numeração anual das doutrinas do rio Uruguai no ano de 1733
Fonte: División Colonia Seccion Gobierno Compañia de Jesus 1723-1734. Leg. Nº 4; 411; S.
IX 6-9-6. Doc. 177. Buenos Aires: Archivo General de la Nación.
Já este outro documento de 1733, 104 anos depois de sua fundação a redução de San
Francisco Javier possuía 831 famílias, 28 viúvos, 174 viúvas, 884 meninos, 915 meninas, 132
batizados, 16 casados, 172 diferidos adultos, 289 diferidos parvulos, 4834 comungantes e 3663
almas, ocupando 12º lugar das 15 reduções, em um total 8497 pessoas, comparando com a
anterior houve um aumento da população.
Através desta tabela consegue-se interpretar, o quantitativo de pessoas que viviam na
redução de San Francisco Javier, no ano de 1728 a 1733, dessa forma pode-se destacar que o
quantitativo populacional é razoavelmente pequeno, comparado com outras reduções. O gráfico
abaixo permite ver com clareza estes dados.
919
Através deste quantitativo trazido por esta documentação e apresentado em forma de
gráfico nos permite perceber que as reduções tinham a necessidade de se preocupar com a
produção de bens de consumo para que seu povo pudessem se alimentar e ter as condições
necessárias para sobreviver ter condições permanecer nas reduções. Assim como as reduções
eram basicamente formada por famílias guaranis, povo esse que era semi nômade, e que por
consequência já tinham habilidades de agricultura. “O povo de S. Xavier tinha naquele lado
uma pequena estancia o campo do serro pellado nas margens do Juhi Grande” (GAY, 1863, p.
58) era necessário manter este espaço da estância para criação do gado e também para que fosse
extraída a erva mate das matas.
Os ataques sempre foram constantes tanto nas reduções como nas Estâncias de outros
povos originários que ocupavam, ou faziam fronteira. Até a colheita da erva mate, se tornava
algo perigoso para os guaranis tanto de S, Javier quanto os de Santo Ângelo, outros povos e até
mesmos guaranis não reduzidos Tupys ficavam escondidos na mata e quando podiam atacavam,
os que não conseguiam escapar os mesmos matavam e comiam a sua carne. “Os índios
selvagens aparecem frequentemente nesses arredores, e continuam matando guaranis e brancos
quando vão colher mate nas florestas vizinhas.” (Saint-Hilaire, 1987, p. 314), Devemos levar
em consideração que Saint-Hilaire passou por esta região vários anos após o Tratado de Madri,
o que nos leva a crer que isto acontecia no passado com maior intensidade ainda.
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
Comparação do povo de San Francisco Javier nos anos de 1728 e e 1733 a partir dos documento acima
1728 1733
920
Povos que faziam parte da província jesuítica do Paraguai e Estância de San Javier
Fonte: MAEDER, Ernesto; GUTIERREZ, Ramón. Atlas territorial y urbano de las misiones
jesuíticas de guaraníes. Argentina, Paraguay y Brasil.Sevilla: Instituto Andaluz del
Património Histórico, 2009, p. 26
O mapa acima nos mostra a distribuição do espaço ocupado pelos jesuitas e espanhois
quando da criação das suas reduções e também das suas estâncias, porém mesmo tendo esta
estruturação das reduções e de seus espaços enquanto estâncias não impediram que “as frentes
de expansão espanhola e portuguesa. Paulistas de um lado e paraguaios de outro caçavam o
indígena para transforma-lo em mão de obra, mesmo sabendo que com isto se desarticulava
todas a sua cultura e se decretava o genocídio das tribos” (KERN, 1982, p. 63)
É importante lembrar aqui que a estância de San Javier ficava na margem esquerda do
rio Uruguai e sua redução na margem direita, com isto podemos afirmar que o rio Uruguai neste
momento não é uma fronteira, mas sim uma ligação entre a redução e a estância, bem como
importante meio para realizar o transporte da produção da estância e a comunicação entre outros
povoados como Yapeyu até mesmo de acesso ao rio da prata e posteriormente ao oceano
atlântico.
921
A criação da estancia contribui para que a redução se consolidasse. É importante
destacar que dentro das estâncias ou até mesmo nas imediações das reduções os guaranis
praticavam a agricultura e pesca focando sempre uma produção para a subsistência.
A estância de S. Javier assim como as outras, estâncias, foram formadas principalmente
por guaranis semi-nômades, desse modo os mesmos já cultivavam algumas variedades de
cereais e leguminosos, e continuaram a ser incentivados a plantar lavouras nas chácaras perto
das reduções e também em espaços destinados a plantações nas estâncias. “Os indígenas
Guaranis estavam acostumados a uma produção agrícola apenas suficiente para o seu consumo
imediato. Assim não podiam compreender o tipo de economia acumulativa e de intensa
atividade da mão-de-obra dos encomendeiros.” (KERN, 1982 p, 75), os povos reduzidos
continuaram e ampliaram suas plantações agora com um olhar do jesuíta e dos funcionários da
coroa espanhola, e o que era produzido a mais do que o necessário era comercializado entre as
reduções e também enviado este excedente para a Espanha.
Todos os guaranis, desde os sete anos de idade, eram agricultores. Sabendo plantar,
todos se sustentavam em qualquer eventualidade, já que na terra missioneira sobrava
fertilidade e bom clima. Em 150 anos de Redução não foi possível introduzir, segundo
insistentes recomendações dos superiores provinciais, o sistema europeu de cada
família viver de sua roça particular (“abambaé”), onde se ocupavam, toda a semana,
os adolescentes e crianças, auxiliados, aos sábados e segundas-feiras, pelos pais, mas
separados deles. Quatro dias por semana, na devida época do ano, trabalhavam os
casados, obrigatoriamente, em sua roça particular. Mas eles, pelo inveterado costume
de tudo ter e fazer em comum, recorriam ao sistema de muxirão (ou mutirão), unindo-
se várias famílias, para fazer sucessivamente todas as roças particulares do grupo. No
fim do ano principiavam as colheitas de milho, abóbora, batata doce, aipim, etc. com
a diminuição do trabalho agrícola, reabriram todas as oficinas. (BRUXEL, 1978, p.
92-93)
Nestas plantações existiam, duas divisões, a familiar e a comunitária, estas divisões já
existiam antes da chegada dos jesuítas, que continuaram a implementar desta maneira, porém,
pensavam sempre na maior produção possível, com dois interesses claros, um de subsistência
da redução e outro de acumulação, para poder ter estes produtos excedentes como moeda de
troca ou até mesmo de venda. Quando o autor afirma todos os guaranis eram agricultores
devemos ponderar que “os filhos dos caciques, iam à escola de primeiras letras, outros às aulas
de canto, música e dança, ou às oficinas, enquanto a grande maioria trabalhava nas roças
comuns” com isto podemos afirmar o tratamento dado pelos jesuítas aos filhos dos caciques era
diferenciado, portanto mostra claro a formação de uma elite guarani, isto pode ser atestado
através de documentos que estão no Archivo General de La Nación de Buenos Aires escritos
922
em espanhol onde os caciques fazem suas ponderações sobre vários acontecimentos dentro das
reduções.
Os índios, embora pudessem, de direito, estender sua propriedade particular a outros
bens, como bois e cavalos, não tinham interesse em mantê-los. Por isso a
administração de tais bens estavam em mãos do cabildo, que distribuía os serviços
comunitários, de acordo com as aptidões de cada um. (BRUXEL, 1978, p. 125)
Os povos reduzidos seguiram com suas plantações caça e pesca deixando de ser
nômades, mas seguindo com sua agricultura, de subsistência que geralmente, ficava nos fundos
das casas dentro das estancias. Ou seja, sendo lavouras comunitárias, onde trabalhava-se e,
grupos, dificultando a implementação da propriedade particular, de modelo Europeu. Assim o
modo econômico que foi implementado nas missões, não é de total mercantilista, mas sim,
tendo uma base europeia, pois do mesmo modo como os povos que ali viviam tinham sua
propriedade de certo modo particular que visava os lucros, os mesmos tinham também a
propriedade que por assim dizer era de todos, onde todas as famílias tinha acesso a essas terras
e a produção que se fazia dentro delas, assim também facilitava o controle dos nativos que
trabalhavam nas missões. O indígena plantava, e todos ajudavam e cada um poderia levar para
si o produto que estava sendo colhido, sendo lavouras de economia solidaria e familiares.
As reduções não podiam sustentar-se apenas com caça e pesca, mel e frutas silvestres.
Para alimentar tanta gente em área tão limitada, era necessário empenhar todas as
energias no trabalho agrícola bem organizado. O trabalho sério e disciplinado era
absolutamente indispensável, já como meio de subsistência, já como método de
educação. (BRUXEL, 1978, p. 92)
A necessidade de ampliação do trabalho dos reduzidos de forma mais intensa era uma
proposta dos jesuítas, pois sua forma de educar estava presente em todas as atividades dentro
das reduções e das estâncias, e uma delas fica muito clara é a implementação da disciplina e
competição como método de educação em todos os todos os espaços do cotidiano das reduções,
com um único sentido de atrai-los ainda mais para o trabalho com isto aumentar a produção.
“Cada redução possui uma ou várias estâncias, espécie de fazendas ou pastagens em que o gado
vive mais ou menos em liberdade”. (HAUBERT, 1990, p. 209)
Mesmo tendo boas colheitas em suas lavouras, a principal forma de economia e
alimentação era o gado bovino, a criação de equinos e mulas muito usados no transporte
individual e de carga, as mulas foram muito utilizadas em locais de difícil acesso.
923
Em 1555 chegavam a Assunção, por via terrestre, as primeiras vacas, procedentes de
São Vicente (São Paulo, Brasil). O cavalo já entra em 1537, quando os moradores da
primeira Buenos Aires fundaram Assunção. O gado vacum, prodigiosamente
multiplicado, foi levado para o sul pelos fundadores de Corrientes, Santa Fé e da
segunda Buenos Aires (1580).As reduções fundadas em 1610 em diante, iniciaram
logo a criação de gado vacum, já para abastecimento de carne, já para o cultivo da
roça, onde o trabalho de boi era indispensável. Para as Reduções do norte o gado terá
vindo de assunção, enquanto Corrientes o fornecia as reduções do sul. Em 1634, por
ordem do padre provincial Pedro Homero, o P. Cristóvão de Mendoza trouxe para a
margem oriental do rio Uruguai 1500 vacas ( 100 para cada redução). Assim, o gado
vacum, já numeroso em ambas as margens do rio Paraná, também se expandia
rapidamente em terras do atual Rio Grande do Sul. (BRUXEL, 1978, p. 115)
As “vacarias foram os núcleos por excelência da concentração e do desenvolvimento
inicial do gado, que se procriou espontaneamente, favorecido pelas condições de pastagens,
mananciais e proteção dos rios”. (PANIÁGUA, 2013, p. 38), É importante aqui entender que
as estâncias foram criadas devido à dificuldade que os povos reducionais tinham em reunir o
gado e conduzir até as reduções para o abate.
Foi dentro desse contexto inicial de dificuldade para o recolhimento e o transporte do
gado das vacarias para essa redução, que emergiram as primeiras estâncias yapeuanas
na campanha era preciso encurtar as distâncias com locais permanentes que
facilitassem essa atividade com o gado e garantissem o abastecimento desse povo.
(PANIÁGUA, 2013, p. 40)
Podemos afirmar que embora a citação acima indique que o modo de criação da estância
de Yapeyu se deu desta maneira, a criação das outras estâncias dos povos missioneiros se deram
devido aos mesmos problemas enfrentados por Yapeyu com referência a necessidade de ter o
gado em um lugar mais concentrado.
Entretanto, as atividades econômicas relacionadas ao gado a á erva-mate podiam
estender-se ainda mais longe, desde os vales dos rios Negro, Jaguarão e Jacuí, e os
campos de vacaria, ao sul e a o leste, chegando mesmo até o salto das sete quedas, ao
norte, após a retirada em direção a Assunção das missões do Itatim.(KERN, 1982, p.
13)
A localização da estancia de San Francisco Javier estava dentro da vacaria dos Pinhais,
Após alguns anos, atingida a cifra de um milhão de reses, ela poderia fornecer,
anualmente, 300 000 cabeças para o abate. Por suas patrulhas sabiam os índios que no
planalto, entre a Encosta da Serra e os matos do alto Uruguai, havia um imenso campo,
coberto de pinheiros, impenetrável ao norte, sil e leste. Bastaria, pois abrir uma picada
nos matos do oeste e introduzir o gado. Assim pouco antes de extinguir-se a Vacaria
924
do Mar, no início do século 18, inaugurava-se a Vacaria dos Pinhais(...) (BRUXEL,
1978, p. 116)
Essa vacaria tinha a função de dar subsistência, as estancias, quando as outras vacarias
se dessem por terminada, pois devido ser um lugar de difícil acesso, por ser de mata fechada, e
região montanhosa dificultaria a entrada dos portugueses. Mas como a vacaria ficou próxima
ao planalto central que era próximo a rota portuguesa de captura de povos nativos para o
trabalho escravo, e o gado vacum não era uma criação presa foi logo, achada pelos portugueses.
Quando estamos tratando das fronteiras coloniais na América, é preciso entender que
antes mesmo da chegada dos Europeus já existiam fronteiras delimitadas pelos povos que ali
estavam, mesmo assim a criação de novos espaços baseados em outras perspectivas de
povoamento como a redução e a estância seria sim uma preparação para um controle dos nativos
e uma estratégia de futura transformação em cidades que poderiam render boas arrecadações
de impostos para a coroa espanhola no futuro, claro que se os nativos de modo geral pudessem
aceitar a catequização.
Cada doutrina, ou povo, recebida doação de uma extensão de uma faixa de terra que
dividia em estâncias de criação de gado. Cada estância subdivide-se em postos, ou
pequenas invernadas, sob ordens de um posteiro. Quer nas estâncias, quer nos postos
erigiam-se pequenas capelas, que se tornavam núcleos de futuras povoação e cidades.
Assim também os acidentes geográficos que rebaptizam (PORTO, apud PANIÁGUA,
2013, p. 42).
O autor acima acrescenta algumas características dessas estâncias e postos que
estiveram vigentes durante os séculos XVII e XVII: A terra pertencia à coroa espanhola e os
missioneiros eram súditos, recebendo concessões para ocupa-las; Inicialmente, foram pontos
para descanso das tropas, vaqueiros e distribuição de víveres em decorrência das jornadas; As
vacarias serviam como ligação com as reduções Proporcionavam que o rebanho fosse tratado e
amansado.
As estruturas desses locais eram aparentemente simples e funcionais, possuindo capelas,
galpões e currais; o trabalho envolvia uma mão-de-obra especializada e constante nesses
estabelecimentos, onde um capataz coordenava o conjunto das atividades realizadas com o
gado, que eram permanentes e variadas durante todo ano; na ocupação, estavam presentes as
famílias dos vaqueiros que pelo tamanho desses locais, não deveria ser um grupo numeroso; a
produtividade expressava-se pela variedade de animais, viabilizando um comércio expressivo
entre as reduções, os ofícios do Paraguai, Santa Fé e Buenos Aires e os demais povos
925
missioneiros; nestes locais, existiu o cultivo de pequenas hortas, semelhantes às existentes na
redução. A estância colonial missioneira, portanto, foi um estágio intermediário para a estância
capitalista que se consolidou no séc. XIX. (PANIAGUA, 2013, p. 42-43)
Os passos eram muito utilizados para travessia tanto por pessoas como também para
passar o gado de um lado para outro do rio, pois com a estância de um lado e a redução de outro
era necessário a utilização destes passos para fazer a ligação mais segura possível pelo rio
Uruguai. O deslocamento do gado a pé seguia alguns princípios de segurança, pois o mesmo
era abatido nas imediações da redução, facilitando assim para o consumo e para a extração de
couro, produção da graxa, sendo o couro e a graxa produtos que chamaram muito a atenção da
coroa espanhola.
Outro produto que era muito consumido era a erva mate, e contribuía para movimentar
a economia da redução. “Como artigo de consumo mais universal, a erva servia de moeda, no
comercio. Os paraguaios, efetuando suas compras em Corrientes, Santa Fé ou Buenos Aires,
pagavam com erva; de volta ao Paraguai, revendiam seus artigos a preço de erva”.
(BRUXEL.1978, p 122)
Chegando a ser por algum tempo moeda de troca entre os povos missioneiros, chegando
até Potosí na província do Peru.
Tal es el caso de la yerba producida em las reducciones y cuyo destino fundamental
era el Alto perú y el mercado del Pacífico; es el tipo conocido como CAAMINI, de
elaboración mucho más refinada y cuidadosa frente a la producida por los assuncenos
y villenos, conocida como YERBA DE PALOS. Existe uma sensible diferencia de
precios entre los dos tipos de yerba, que favorece evidentemente a la
caamini.(BLUMERS, 1992, p. 120)
São Francisco Xavier por ser um lugar de fácil escoamento de produtos devido as
proximidades do rio Uruguai as reduções mais próximas como a de Santo Ângelo, trazia a erava
mate de carroça até a redução de São F. Javier, e escoava a produção até a capital Yapeyú. Entre
são Francisco Javier e Santo Ângelo, estava concentrado os maiores ervais naturais, Havia
muita diferença entre a erva produzida fora das reduções, pois o que se produzia na redução era
feito com maior cuidado tirando os talos da erva e triturando com maior intensidade deixando
assim mais fina a” caa-mini”, desta maneira conseguiam vender a um preço mais elevado do
que a que era produzida pelos espanhóis.
CONCLUSÃO
926
A redução de San Francisco Javier e sua estância não se desenvolveram de maneira
isolada das outras mas integraram um amplo sistema econômico, executando as ações
determinadas pela coroa espanhola. Os povos reduzidos destinados a estância eram
encarregado das lidas de campo para manter as ovelhas, o gado vacum, os equinos, as mulas
além claro de toda a preocupação com as plantações que ali existiam.
Existiam também uma preocupação com a evangelização dos guaranis que estavam nas
estâncias, tanto é que existiam também um espaço de religiosidade, e outros espaços necessários
para manter a estância como fonte de sustentação da redução.
A estancia de San Francisco Javier pode-se dizer que como muitas outras não serviu
apenas para a doutrinação da igreja católica, da mercantilização, e produção de bens e produtos,
mas sim como um espaço de fronteira que teve um papel importante para a proteção do território
espanhol, mesmo não havendo um exército em si formado dentro das reduções, além desta
proteção de fronteira as estancias contribuíam para movimentar a economia, dos tinta povos,
não só com o gado mas com outros animais e também com algumas plantações.
San Francisco Javier tinha uma grande facilidade para escoamento de suas produções,
pois o rio Uruguai se transformava em um grande facilitador para o escoamento de seus
produtos.
Desde sua criação a estância foi estruturada pelos jesuítas que se utilizavam de vários
métodos para poderem manter sua produção de alimentos e suas criações no máximo possível
de segurança e também a proteção de suas fronteiras com os portugueses. Duas questões podem
ser levadas em contas: a) a estância contribui fortemente como elemento importante no
desenvolvimento econômico da redução, da província guarani e também com a coroa
espanhola, b) a redução e estância como elemento político no povoamento do espaço espanhol
e do resguardo de suas fronteiras.
REFERÊNCIAS
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Antropologia, vol 15 universidade Católica Asunción, 1992.
927
BRUXEL, Arnaldo. Os trinta povos guaranis. Caxias do sul, Universidade de Caxias do Sul;
Porto alegre, Escola Superior de Tecnologia São Lourenço de Brindes; Livraria Sulina Editora,
1978.
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Ronaldo Bernardino Colvero, Ataídes André de Oliveira. – São Borja: Faith, 2012.
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descobrimeto do Rio da prata até nossos dias, ano de 1861. Rio de Janeiro, Publicado por
deliberação do instituto Histórico geographico Brasileiro 1863.
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Jaques Soustelles; tradução Marina Appenzaller. – São Paulo: Companhia das letras: Circulo
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LUGON, Clovis. A República “comunista” cristã dos guaranis: 1610-1768; Clovis Lugon;
tradução de Àlvaro Cabral, 2.ed. Rio de Janeiro, Paz e terra, 1976.
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Ana Luiza Setti; FELIX Loiva Otero. RS; 200 anos definindo espaços na história nacional.
Passo Fundo : Ediupf, 2002.p.25.
PALACIOS, Silvio; ZOFFOLI, Ena. Gloria Y Tragedia de Las Misiones Guaranies: Historia
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PANIAGUA, Edson Romário Monteiro. Fronteiras, violência e criminalidade na região
platina: o caso do Municipio de Alegrete, RS: Instituto cultural José Gervasio Artigas, 2013.
PORTO Aurelio. Terra farroupilha: Formação do Rio Grande do Sul. volume comemorativo
ao segundo centenario da fundação do Rio Grande do Sul. ( 1737 – 1937) livraria selback Porto
Alegre.1937
KERN, Arno Alvarez. Missões: uma utopia política. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1982.
SAINT-HILAIRE, Auguste de, 1779 – 1859 Viagem ao rio grande. Tradução de Adroaldo
mesquita da Costa. Porto Alegre. S 1987.
SILVEIRA, Hemetério José Velloso da. As Missões Orientais e seus antigos dominios. Porto
Alegre, Companhia União de Seguros Gerais, 1979.
928
GUASQUERÍA: A IMATERIALIDADE DE SEUS TENTOS
Juliana Porto Machado31
Amanda Basílio Santos32
RESUMO: Este trabalho discorrerá sobre a pesquisa inicial desenvolvida no curso de mestrado
do Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade
Federal de Pelotas, em torno do objetivo central que visa a Compreensão da produção e
reprodução da prática artesanal em couro cru (guasquería) em Jaguarão-RS. Logo, uma prática
artesanal tem como característica fundamental para ser definida como tal, a utilização das mãos
como ferramenta motor para a criação de peças diferenciadas. Assim, a guasquería é um ramo
artesanal que trabalha com couro cru animal, etimologicamente vem da palavra huasca derivada
da palavra quéchua que significa couro (ALVARES,2014), assim surge a guasca e o indivíduo
que pratica esta forma de artesanato é o guasqueiro, conhecido também como trançador ou
sogueiro. Com foco no objeto dessa pesquisa a metodologia utilizada para realizar o proposto
neste trabalho foi pesquisa qualitativa, com entrevistas semiestruturada com guasqueiros da
cidade. A partir desse pode se perceber que os guasqueiros/artesãos residem no espaço urbano,
mas criam um artesanato fortemente ligado ao meio rural. Já que esses em um período de suas
vidas já exerceram alguma atividade campestre ou residiram nesse meio. Essa conexão com o
campo ainda permanece em suas memórias e em suas obras. Então, é necessário descobrir todas
as etapas de criação dos objetos de guasquería, já que essa não é apenas uma forma de se manter
financeiramente, mas uma forma de vida, um estar no mundo. Por fim, a guasquería é uma
prática secular que possui uma história, com poucos registros e documentos, mas mantém um
legado de transmissão e reinterpretação (GARCIA,2009).
Palavras-Chaves: Guasquería, artesanato, transmissão, imaterialidade.
INTRODUÇÃO
31 Mestranda em Memória Social e Patrimônio Cultural (PPGMP – UFPel). Universidade Federal de Pelotas;
Jaguarão, RS; [email protected]. 32 Mestre em História (PPGH-UFPEL); Especialista em Artes (PPGA – UFPel); Mestranda em Memória Social e
Patrimônio Cultural (PPGMP – UFPel). Universidade Federal de Pelotas; Pelotas, RS;
929
A guasquería pode ser compreendida como um ofício artesanal realizado especialmente
por sujeitos sociais que estão relacionados ao saber-fazer de práticas campeiras. Principalmente
as ligadas a figura do cavalo, uma vez que, os aparatos de montaria como selas, cordas, freios,
rebenques e outros são feitos com couro-cru a matéria prima da guasquería. Os sujeitos
praticantes deste ofício são chamados de guasqueiros no Rio Grande do Sul (Brasil) e de
guasqueros, sogueros e tranzadores na Argentina e no Uruguai.
Seus produtores criam peças em couro cru, utilizando principalmente a técnica de
tentos33. De acordo com Flores (1960) o guasqueiro deve aprender a tirar um tento para seguir
no oficio, para ele essa fase é muito importante pois é a partir do tento que se inicia o processo
de elaboração da obra.
Segue uma estrutura dorsal que se apresenta como: a obtenção da matéria-prima (o
couro-cru animal, principalmente de bovinos) inicialmente através da chamada carneada, o
estaquear o couro para secar ao sol, o lonquear de retirar os pêlos da pele, o cortar as guascas
(tiras de couro), o sovar as guascas para amaciar e por fim tirar os tentos (as tiras de couro de
diferentes espessuras) para assim produzir as tranças. Esse processo é o elemento destacado por
muitos sujeitos ao considerarem o porquê de se identificarem guasqueiros, assunto tratado mais
adiante
Etimologicamente a origem do termo guasquería é derivado da palavra espanhola
huasca originaria do dialeto quéchua34 de origem inca, significando tira de couro (DLE, 2017).
Essa manifestação cultural, está fortemente relacionada com o trabalho no campo e com a figura
do peão. A introdução do gado vacum na América latina através dos colonizadores europeus,
principalmente os espanhóis e portugueses no século XV, marcam o surgimento da guasquería.
No início do século XVI os jesuítas fixavam suas reduções nesse território e reuniam
indígenas para serem catequizados. E começam a utilizar a carne do gado bovino para
alimentação dos moradores das reduções. No entanto, ao serem expulsos, os jesuítas deixam
seus grandes rebanhos soltos.
Em 1641, depois de combatidos e expulsos, os jesuítas levaram consigo a maioria dos
índios catequizados, deixando, no entanto, parte do gado que criavam. Sem dono, esse
gado tornou-se selvagem e bravio, e formou-se uma grande reserva no espaço
conhecido como Vacarias Del Mar (LUVIZZOTO, 2010, p. 17)
33 A técnica de tentos de acordo com Flores (1960) pode ser definida como a utilização de tiras finas de couro
utilizadas para fazer trançados. 34 Língua ameríndia utilizada pelos antigos quéchua, tribo indígena localizada no território do atual país do Perú
(DLE, 2017).
930
Consequentemente, com abundância desses animais esse gado acaba tornando-se
importante economicamente aproveitando-se a carne e principalmente o couro. Com o retorno
dos jesuítas em 1682 e a fundação das missões jesuítas, que buscavam catequizar ao
cristianismo o maior número de índios, os padres utilizavam desse gado novamente para
alimentação. Pois, “A base econômica era assentada na criação de gado com a extração do
couro” (Luvizzoto, 2010, p. 22).
Com o fim das missões jesuítas, através do acordo entre Portugal e Espanha em 1750,
os padres deixaram grandes rebanhos de gados e cavalos. Logo, a existência destes animais foi
fator importante para a ocupação.
A presença do gado foi o principal motivo para a ocupação e fixação de portugueses
em solo gaúcho. A Coroa garantia aos imigrantes a propriedade de um pequeno
terreno mas não seu sustento. Assim, somente em 1770 uma leva de imigrantes
açorianos chegou à província para povoar a região das missões. Por causa das
dificuldades de transporte, esse grupo se fixou na área onde hoje está a cidade de Porto
Alegre. Praticavam a agricultura de pequena propriedade e tinham uma economia
voltada para a pecuária (LUVIZZOTO, 2010, p. 23).
Já no século XVIII as fazendas ganham espaço e o gado passa a ser domesticado.
Surgindo assim a necessidade de instrumentos equestres para auxiliar no manejo desses
animais, principalmente para o peão que cuidava da atividade campeira. Por conseguinte, de
acordo com Garcia (2009), com o abate dos animais para a comercialização de carne, o couro
começa a ser utilizado para atender essa necessidade de objetos equestres, momento em que os
peões começam a criar cordas, freios, boleadeiras, rebenques e outros aparatos em couro-cru.
Para Flores (1960) o peão dedicava-se ao processo de produção de guascas
principalmente em dias de chuvas quando não era possível trabalhar no campo, assim
permanecia no galpão consertando suas cordas. Assim surge o guasqueiro.
Na campanha sempre existiram os guasqueiros, os homens que do couro cru fazem
verdadeiras obras-primas nas tranças, nos passadores, nos botões de tento fino e em
muitos trabalhos que exigem muita paciência, muito boa memória para saber resolver
de cor os intrincados da trama dos tentos, que é um verdadeiro quebra-cabeça.
(NUNES 1982 apud ALVARES, 2014, p. 17).
Então o guasqueiro seria esse sujeito que cria manualmente novos objetos e/ou conserta
objetos de uso cotidiano do trabalho do campo. Dominando o saber fazer de um oficio, para
desenvolver suas próprias técnicas. A guasquería está ligada ao serviço do peão, as peças então
931
são instrumentos de montaria, em uma sociedade em que a pecuária é ainda uma produção
econômica forte (NUNES, 1982).
A partir de então, no século XIX o guasqueiro torna-se um profissional necessário nas
grandes fazendas, agora já e reconhecido e contratado especificamente para realizar essa pratica
artesanal (ALVARES, 2014). Já no final do século o guasqueiro passa a ser menos requisitado,
porque com as reviravoltas da sociedade econômica, no período da Revolução Industrial, na
América Latina a pecuária e a agricultura não são mais as únicas formas de produção já que as
atividades fabris surgem.
Nesta trajetória da origem da guasquería Garcia (2009) declara que o pouco interesse
do registro deste oficio por parte da História ocasionou um grande prejuízo de conhecimento
sobre essa manifestação cultural. Principalmente por ser apenas considerada um trabalho
primitivo, grosseiro de peões sem técnicas ou formação. Embora, o autor destaca que a relação
da guasquería com o trabalho no campo em criar objetos de montaria permitiu que essa pratica
artesanal seguisse ativa.
Assim, com pouco registro histórico, Tasso (2001) menciona que além desta ligação
com campo, o trabalho de criação do guasqueiro é constituído pela dominação de uma técnica
e do aperfeiçoamento desta com a adoção de design diferenciado para cada objeto. Além de
possuir também o domínio de produzir suas próprias ferramentas auxiliares. Existem máquinas
industriais para cortar tentos (tiras de couro), para amaciar couro e outras, mas o que ainda
predomina, em casos observados são as ferramentas criadas pelo próprio guasqueiro.
A construção do guasqueiro contemporâneo que atua nos centros urbanos, se modela
por meio da influência da cultura rural na confecção de suas obras. Em pensar neste sujeito que
se mantém em meio a um contexto (urbano) que diverge com o saber-fazer aprendido (rural) e
influencia em sua identidade. Contudo, os objetivos propostos neste artigo é compreender a
produção e reprodução dessa prática artesanal em couro cru, verificando como os guasqueiros
aprenderam suas técnicas e criam suas obras, buscando também, os motivos que levaram esses
sujeitos sociais a produzirem guasquería.
Uma vez que, como afirma Chizzotti (1991) a metodologia qualitativa parte da reflexão
do comportamento humano em diferentes contextos, levando em consideração os sentido, as
ações e os símbolos. Usou-se a técnica de observação sistemática direta que se apresenta como
a coleta de informações que utiliza os sentidos ver e ouvir, de forma direta. Os fenômenos foram
932
percebidos no local de investigação pelo próprio investigador em um determinado período de
tempo.
A partir disso, a pesquisa foi realizada através de entrevistas semiestruturadas aberta com
04 artesãos/guasqueiros tradicionais da cidade, conhecendo as histórias de vida a partir do
“olhar” desses sujeitos objeto da pesquisa, o saber fazer da guasquería por meio de relatos
pessoais. Os dados foram coletados individualmente com cada sujeito pesquisado, demandando
cerca de três meses intercalados no turno manhã/tarde. Para a obter essas informações seguiu-
se um roteiro semiestruturado que possuía algumas categorias de análises principais da pesquisa
como os relatos de vida, as técnicas tradicionais/contemporâneas, o saber/fazer, o meio
urbano/rural e a visão do guasqueiro em relação ao seu trabalho.
Logo, a entrevista semiestruturada permite certa liberdade nos questionamentos,
apoiando-se em uma abrangente área de interrogações que possibilita ao entrevistado seguir
uma linha de pensamento ao relatar suas experiências, já que a entrevista proporciona ao sujeito
espaço para manifestar-se. Então, tendo como instrumento de trabalho o diário de campo e
secundariamente o uso de elementos visuais como a fotografia, que retratará as técnicas de
criação do objeto artístico.
Para Macdougall (2006), o caráter figurativo da imagem fotográfica permite ao operador
do instrumento fotográfico (pesquisador) refletir sobre as igualdades e as diferenças entre seu
espaço cultural e a cultura retratada na imagem, conduz a uma reflexão sobre os desencaixes
do tempo. Em uma descrição minuciosas dos fatos, em observar, registrar, analisar, conhecer e
relatar. Assim, relacionando sempre com o referencial teórico utilizado. Pois, o fazer etnografia
se caracteriza pela observação e interpretação das culturas, do sujeito e do objeto, do tempo e
do espaço, das crenças e dos hábitos, percebendo a cultura em todos os seus sentidos.
RESULTADO E DISCUSSÃO
Os guasqueiros e suas guascas artesanais
Com isso, uma peça artesanal passa por todo o processo de criação, manutenção e
circulação, nesse sentido torna-se um produto econômico, pode ser consumido, e atende
algumas exigências do mercado contemporâneo, mas, deve-se perceber que um objeto artesanal
não é meramente um produto comercial “vazio” de valor, ao contrário permeia pela esfera do
sistema mercantil como uma forma de inclusão do sujeito social, e deve manter sua produção,
933
através da venda de suas obras, porém essas não perdem suas características simbólicas, elas
apenas passam por uma adaptação necessária para manterem-se ativas. Logo, o artesanato é
uma atividade de produção e criação expressamente humana, e atua nas dimensões arte/técnica,
material/imaterial, tradição/modernidade e cultura/economia (BOURDIEU, 1996).
O artesanato preserva uma importante qualidade, de ser um elemento tanto econômico e
estético, mas sem ser considerado capitalista, pelo fato, de utilizar em sua confecção
ferramentas de trabalho manual, mas, está incluído no capitalismo como bem de consumo.
Pertence a cultura popular, que assim como a tradição, não é pura, ao contrário, é cenário de
atuação das transformações, se reconfigura através de trocas simbólicas com a sociedade
vigente, mas consegue de certa forma conquistar e preservar o seu espaço, como a cultura do
povão e da gente. A partir disso, não existe uma cultura popular íntegra, autêntica e autônoma
situada às margens das trocas de poder e de dominação cultural (HALL, 2003). Para tanto, a
cultura popular pode ser interpretada como um sistema simbólico racional que exerce
independência, que trabalha completamente “liberta”, sem sujeitar-se as regras da cultura
elitista, ou ainda, em outro contexto, cultura popular construiria fortes ligações de dependência
e troca com a cultura dominante (CHARTIER, 1995). O artesanato conserva características
tradicionais e populares, que passam por ressignificações e transformações, que guardam
intrinsecamente alguns resquícios de seus valores simbólicos originais que possibilitam ao
artesão uma diversidade de saberes e técnicas de criação.
No entanto, o trabalho de criação do artesão/guasqueiro é constituído pela dominação da
técnica e de uma forma de fazer própria. Considerando que a atividade de guasquería não está
isolada de um contexto temporal e histórico, este artesão com seu objeto criado se relaciona
com o mundo social e o mundo simbólico, o mundo material e imaterial, o mundo real e o
mundo imaginário. Com um profundo aprimoramento de sua capacidade de reconhecimento
estético e sensorial. Contemporaneamente o artesanato em couro é uma profissão, não apenas
a complementação de renda, sua valorização cultural e também mercantil permite ao guasqueiro
se dedicar exclusivamente a esse ofício.
Os relatos dos indivíduos que trabalham nesse oficio, os guasqueiros, são importantes
para compreender quem são esses sujeitos e como vivem em seu espaço social e cultural. Como
o informante J.S que tem 38 anos é casado e tem dois filhos, natural de Jaguarão, vive na Bela
Vista bairro na zona urbana da cidade desde que nasceu, cursou até a sexta série do ensino
fundamental, para ele tem muita coisa que se aprende na escola que não fazem falta em sua
934
vida, mesmo se tivesse cursado o 2ª grau ainda iria fazer guasquería, foi a forma que ele
escolheu para viver.
Na casa em que vive atualmente, morava um senhor que trabalhava com cordas então ele
aproveitou a estrutura do local para ser seu ateliê. Não tinha a guasquería como um serviço era
apenas uma forma de se manter enquanto não conseguisse outro emprego. Já M.T tem 48 anos
é casado e tem apenas um filho, natural de Jaguarão reside na zona urbana da cidade, em sua
casa tem um comercio de produtos alimentícios é possui um extenso pátio no qual cria alguns
ovinos. Seu ateliê fica situado em um galpão no fundo de seu estabelecimento.
Quando mais novo sempre morou na campanha e sempre trabalho no campo. Saiu da
zona rural onde morava com sua família para a zona urbana para trazer seu filho para estudar e
para não se separar de sua família abandonou o campo e montou um negócio próprio é começou
a trabalhar com guasquería profissionalmente. Do mesmo modo, o informante J.S.S tem 72
anos é natural do Uruguai, seu pai era brasileiro de Herval, mas foi muito novo para o Cerro
Largo no Uruguai, onde conheceu sua mãe, teve 7 irmãos, estudou até o 3ª ano do primário. A
profissão de seu pai era ser contrabandista de produtos como cachaça, pelegos e outros.
Contrabandeava por terra entorno de 200 perus, ainda menino Justus acompanhava seu pai a pé
enquanto esse montava em seu cavalo carregado de malas. Tinha um comprador que morava
em Jaguarão. Cresceu em suas palavras “a empurrar peru por terra e a vender ovo de quero-
quero nas porteiras para os clientes que o conheciam”. Logo, o guasqueiro P.G.D tem 81 anos
é casado tem 3 filhos, natural de Jaguarão criou-se na campanha seu pai tinha uma chácara que
criava ovelhas, plantava milho e fazia queijo. Criou-se fazendo “arte” geneteando em terneiros
14 bravios e vaquilhonas com apenas o laço e o pelego, sai escondido de seus pais junto com
sua irmã para brincar no campo cheio de chilca (tipo de forrageira).
Conta que sabe costurar manualmente e na máquina, bordar pintura com agulha e faz
tricô, ensinou suas filhas a usarem a máquina de costura quando sua esposa não estava em casa,
já que ela não gostava de as meninas utilizarem essa ferramenta. Nesses relatos de vida fica em
evidência os fatos em comum que todos possuem como residirem na zona urbana, mas terem
uma ligação com a zona rural por terem morado e trabalhado nesse contexto espacial. Dessa
forma, a zona rural, um espaço considerado tradicional, influenciou esses sujeitos na formação
de suas identidades, eles começarem a lidar com a guasquería por estarem inseridos nesse
espaço social. Por pertencerem a esses dois contextos, esses atores sociais conquistaram muitos
saberes que permeiam suas vidas e o modo como se comportam diante da sociedade. Assim,
935
por mais que a guasquería seja uma pratica tradicional, como afirma Hobsbawm (1984) o
tradicional também se transforma e se adapta para sobreviver as mudanças, como os
guasqueiros que através desse oficio eles mantêm hábitos rurais em um espaço urbano.
É a partir do saber/fazer que esses sujeitos sociais transformam seus meios de vida, não é
apenas uma necessidade, uma tarefa ou uma profissão, vai além disso é toda uma técnica de
conhecimento que foi aprendida por esses, como relata o informante J.S que começou a fazer
guasquería com 22 anos de idade, observou uma pessoa fazendo e em suas palavras “ me
apaixonei, foi amor à primeira vista”, aventurou-se a aprender apenas olhando esse indivíduo
fazer, conseguiu apenas superficialmente, mas como era muito insistente e procurava saber,
arrumou um emprego de campeiro na cidade de Herval, e em seu tempo livre começou a estudar
em livros de edição em português, chileno e argentino. Foi se aperfeiçoando com quem sabia,
“pois, olhar no livro e fazer é muito diferente, e a gente aprende sempre, todos os dias estamos
aprendendo”. Com isso, procurava aprender com outros guasqueiros mais experientes. Possuía
o conhecimento de como fazer um botão, mas não sabia como finalizar, como colocar e nem
posicionar as mãos.
Conta que tinha um senhor “lá fora” que lhe ensinou a tirar o couro, a pelar (lonquear) e
a estaquear, mas não ensinou a como “pegar” em couro seco, o que para J.S é o jeito mais fácil
de conseguir a matéria prima, comprando o couro já seco. Seja do “matadouro” (frigorifico) ou
da cooperativa da cidade. Acredita que a produção de cordas é um comércio rentável. E para
ser guasqueiro tem que se ter paciência e um certo gostar de fazer, não existe divisão de tarefa,
é uma produção manual, tem que ter a mão do guasqueiro em tudo. Em dias em que não está
disposto a criar ele fecha seu ateliê e não produz nada. Em sua fala revela que “ isso é artesanato,
não é como uma fábrica que sempre vai sair certo, é artesanato comum nem sempre vai sair
perfeito”. Demonstrando em sua fala a diferença que o artesanato tem em relação ao produto
industrializado.
E é nessa imperfeição que o artesanato constrói seu espaço, através de desenhos criativos,
diferentes, que os tornam singulares. (CANCLINI ,2008). Já para criar suas obras ele se
espelhou muito em outros guasqueiros, se apoio em que já era experiente na área. Seu trabalho
como considerava inicialmente era “xucro”, rústico, mas o senhor J.S.S, um dos informantes
nessa pesquisa, foi que lhe ensinou a torna sua técnica de criação melhor e mais apropriada.
Conta que em conjunto com um amigo trouxe através do SENAR (Serviço Nacional de
936
Aprendizagem Rural) um professor de São Lourenço para ensinar em curso os aprimoramentos
das técnicas de saber/fazer.
Observa-se claramente a procura de aprimoramento que o informante J.S busca
constantemente seja através de suportes físicos de conhecimentos como livros ou por meio de
outros guasqueiros experientes. Com o senhor M.T foi diferente ele aprendeu guasquería com
8 anos de idade desde “guri, quando pode agarrar uma vaca”, seu pai lhe ensinou, fazia cordas
em couro para auxiliar no serviço do campo, eles moravam na campanha.
Quando mais velho M.T tornou-se campeiro e fazia suas próprias cordas para usar na
lida, afirma que “depois mais adiante que tu viras guasqueiro e só trabalha nisso é diferente de
trabalhar como peão”. Segundo ele seu pai não tinha técnica para ensinar, eram coisas mais
simples feitas com couro, em suas palavras “assim para fazer um botão uma rédea não precisa
tapar era uma coisa mais simples trançar, sovar o couro essa coisa assim” fazia tranças para
rédeas, cabeçalhos e outras peças, seu pai lhe instruiu porque fazia para si próprio, enquanto
observava seu pai a produz começou a criar também.
Para ele guasqueiro geralmente é aquele que “começa com couro, estaqueia e lonqueia
para fazer as cordas” faz tudo isso para deixar ele pronto para trabalhar, esse couro vem fresco
ou verde para ser coreado, estaqueia para secar retira da estaca lonqueia-se, e corta-se na medida
em que se deseja. Trabalha com dois tipos de couro o branco que vem de fábricas (curtume) é
com couro cru, que para ele é serviço do guasqueiro mesmo. Faz laço de couro torcido e
trançado. Sua técnica, afirma “a gente vai melhorando né, mas isso não muda muito”.
Existem algumas produções mais finas do que outras em que se usa tentos finos, como
em rastras (tipo de cinto utilizado na indumentária gaúcha), possui um manual onde aprendeu
a fazer tapume (serve para vedar/tampar o botão) ele vê em um livro algumas obras e modifica-
as para adequá-las ao seu gosto, principalmente com tapumes e corredores. Explica que lonca
é couro de cavalo e apenas couro é de vaca. Tem preferência em lidar com lonca (figura 04) por
sempre ter tido cavalo quando morava na campanha e quando algum morria ele retirava o couro,
outro fato é que a lonca e forte e mais fina para tirar o “tentinho”.
A relação rural e urbano de maneira não conflituosa possibilita que a guasquería
permaneça como demonstra o informante J.S, reside no espaço urbano, mas sempre trabalhou
na zona rural ou como ele diz para fora, em estâncias. Há 13 anos atrás ele montou seu negócio
independente de guasquería na garagem de sua casa que já possui uma estrutura para a produção
de guascas, mas “quebrou”, porque como ele ressalta “nesse ramo sempre tem alguém mais
937
forte, que já tem seus clientes no meio”. Do mesmo modo foi novamente embora, com um único
objetivo em mente só iria voltar a tentar a guasquería unicamente quando o seu serviço estivesse
valendo, tivesse comércio.
Trabalhou 8 anos fora, logo, seguia ainda fazendo seu material e comercializando, com o
tempo como afirma dominou o comércio porque, “tu tinhas um preço alto e eu chegava para
vender, eu oferecia um preço melhor que o teu, eu conseguia com isso melhora a minha
qualidade e subir depois meu produto”. Conquistando o mercado para seus produtos. Se
mantém a 04 anos exclusivamente como guasqueiro, não teve mais ameaças de quebrar
novamente. Recebe algumas encomendas de fora da cidade como de Caxias do Sul e peças para
criar com matérias finas do Chile, mas afirma, que não trabalha com material fino, no caso, não
compra e faz peças com esses, já que sairia muito caro esperar que alguém comprasse essas
peças. Apenas sob encomenda.
Relata que na cidade a concorrência é diferente, a maioria dos guasqueiros são
aposentados, e para ele se defender com o que cria, ele tem que ser mais rápido em
produtividade, se o outro demora 03 dias para criar uma peça, J.S terá que produz em 01 dia,
uma vez que, ganhará 02 dias a mais para outros afazeres e se atrasar terá prejuízo. Sua renda
chega a um salário e meio, não pretende mandar seus produtos para outras regiões, acredita que
não terá como atender a essa demanda. Como diz “trabalho com a cabeça voltada para fazer o
meu produto e também voltada para onde eu vou vender”. Comercializa seus produtos para
cinco veterinárias da cidade. Quando percebe que seu ateliê está muito cheio de peças já prontas,
ele para a produção, para economizar a matéria prima que ele compra. Já M.T vive atualmente
no espaço urbano tem um comercio que é sua principal renda, trabalha com guasquería como
um serviço complementar há 06 anos. Começou a guasquear já que era o que sabia fazer, e
como veio para a cidade não desejava seguir de empregado de ninguém, buscava sua autonomia
profissional, dessa maneira era uma necessidade era seu serviço ou senão teria que buscar
emprego no campo. Com o passar do tempo se fez movimento na venda onde coloca suas peças
para a comercialização, conseguiu clientes e contato com o as pessoas. Sendo que, ele acredita
que a cidade não oferece oportunidades para arrumar um meio de viver, por isso, que procurou
trabalhar por conta, diz que dá para contar nos dedos as estâncias que contratam, porque, “tudo
agora é soja”.
Afirma que a guasquería não vai acabar, devido aos desfiles a cavalo e tem muito mais
“gauchito” (jovens gaúchos/adolescentes) na cidade do que na campanha. Assim, “quem foi
938
campeiro, quem não foi não vai ser mais porque se acabou”. Seu filho não seguiu seus passos,
nunca se interessou por aprender a trançar apenas gosta de cavalos, “talvez se morasse no campo
buscasse aprender como eu”. Suas obras são vendidas também para Rio Grande. Tem alguns
tipos de cordas mais caras, com mais detalhes e aprimoramentos que o valor comercial é mais
alto.
Onde o que mais vende são as rédeas e cabeçalhos, por encomenda. Criar guasquería
ajuda em sua renda pois ele tem outro meio para se manter. Uma vez que, “as pessoas que
vivem disso tem o preço mais baixo e o comprador está sempre espera disso, não é culpa de
ninguém é culpa do Comércio”. Contudo, afirma que não conseguiria sustentar sua casa e
família apenas com a produção de guasquería. Segundo ele não existem muitas pessoas que
querem aprender, mas na cidade deve ter uns 11 guasqueiros. Com isso, HALL (2003), afirma
que o capitalismo faz com que o artesanato seja um objeto de consumo. Mesmo sendo um
elemento popular e tradicional ele acaba seguindo algumas regras de mercado.
Dessa forma, J.S.S mora na zona urbana, possui fortes laços com o meio rural residiu por
muito tempo nesse espaço como no Cerrito e na Costa da Lagoa. Suas obras têm compradores
de Montevideo, não está enviando muito para o Uruguai porque está vendendo bem, já vendeu
muito para São Paulo e Curitiba, seu filho ainda vende para essas cidades. Afirma que a
produção de guascas vai longe por causa do mercado de cavalos crioulos. Tem pessoas que
moram perto de sua casa que desconhecem que ele e seu filho trabalham com guasquería.
Poucas pessoas procuram ele para que ensine. Acredita que a guasquería não vai terminar por
causa do cavalo crioulo. O mercado para seus produtos são as encomendas e algumas
veterinárias no Uruguai. As peças com mais aprimoramento são mais caras e as correarias de
Jaguarão não compram, consequentemente, segundo CANCLINI (1983) os objetos artesanais
populares contribuem na “alimentação” do mercado consumidor, na oferta de novos produtos.
O informante P.G mora em uma região urbana, seu ateliê é sua garagem. Sempre
trabalhou no campo como campeiro e alambrador, ressalta que trabalhava bem era caprichoso
não era como qualquer chimbão (relaxado, que faz as coisas de forma ruim). Quando morava
para fora vinha a cidade de carroça, em sua antiga casa não tinha energia elétrica usavam
lampião e quando lhe perguntavam se usava em sua plantação algum tipo de fertilizante em
suas palavras dizia “com que se come isso”. Relata que já ensinou algumas pessoas que
apresentaram dificuldades para aprender as técnicas de guasquería, por motivo de acreditarem
que era um saber/fazer fácil, frequentavam sua casa uns três dias consecutivos e depois se
939
cansavam e desistiam, não possuíam, em sua opinião persistência, mas se lhe pedirem ele
ensina. Sua principal fonte de comercialização de suas peças é por meio de encomendas já que
não vende para as correarias da cidade.
CONCLUSÕES
O sujeito que pratica a guasquería está interligado com um passado de trabalho no
campo como peão ou campeiro, de uma infância nesse meio e que por diversos motivos o
fizeram fixar-se no espaço urbano, causando um relativo distanciamento de contextos. Esses
sujeitos seguem praticando um ofício que tinha como função principal suprir suas necessidades
de materiais de trabalho enquanto eles eram peões, logo, não praticam mais a guasquería para
consertar suas cordas, mas para a comercialização de materiais dessa linha (como rédeas, laços,
freios, cabeçadas, boleadeiras, maneias e outros).
A guasquería tornou-se uma profissão, o modo de vida, um saber-fazer transmitido e
aprendido que se tornou bagagem cultural. Nesta questão de definições, em resultados já
apurados temos a problemática desses sujeitos serem guasqueiros. O problema da questão é que
a guasquería pode ser apresentada como um artesanato, pois segue as diretrizes do mesmo,
nesse sentido alguns guasqueiros não se sentem representados ao serem chamados de artesãos,
fato que pode interferir no reconhecimento deles frente as políticas públicas. Para tanto, em
observações prévias temos a guasquería como um saber-fazer muitas vezes desconhecido,
mesmo sua produção massiva sendo realizada em contexto urbano onde se tem fluxo contínuo
de pessoas. A situação real da guasquería hipoteticamente é de invisibilidade, existe, porém,
não é reconhecida por aqueles que estão fora do círculo de atividades relacionadas ao campo e
ao cavalo.
Assim, essa não identificação do guasqueiro em se reconhecer como artesão pode
influenciar na produção e procura de outros sujeitos em aprenderem o ofício. A classificação
da guasquería de ser artesanato, e todos aqueles que a praticam serem artesãos como delimita a
carteira do artesão distribuída por órgãos públicos como prefeitura, induz os sujeitos que
praticam esse ofício a se identificarem como artesãos, essa ação pode causar o guasqueiro um
conflito identitário de afirmação, ocasionando novamente um distanciamento das políticas
públicas que poderiam auxilia-lo em sua produção.
REFERÊNCIAS
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Confeccionados por Guasqueiros do Pampa Gaúcho Aplicados a Joalheria. Santa Maria:
UFSM, 2014.
940
BOURDIEU, Pierre. As Regras da Arte: gênese e estrutura do campo literário. Trad. Maria
Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da
modernidade. Trad. Ana Regina Lessa e Heloísa P. Cintrão. São Paulo: Edusp, 2008.
CHARTIER, Roger. Cultura popular: revisitando um conceito historiográfico. Estudos
Históricos. São Paulo: Difel, 1995.
CHIZZOTTI, Antônio. Pesquisas em Ciências Humanas e Sociais. São Paulo: Cortez, 1991.
DLE. Diccionario online de la Real Academia Española. Acesso em: 10 de maio de 2017
Disponível em: http://dle.rae.es/
FLORES, Luis Alberto. El Guasquero: Trenzados Criollos. Buenos Aires: Cesarini Hermanos,
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GARCÍA, Rocío. De la yerra a la Vitrina: Transformaciones contemporáneas de la
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HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A Editora,
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HOBSBAWM, Eric & RANGER, Terence. A Invenção das Tradições. Rio de Janeiro:Paz e
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TASSO, Alberto. Teleras y sogueros. La artesanía tradicional de Santiago del Estero entre la
cultura, la historia y el mercado. Buenos Aires: V Congreso Nacional de Estudios del
Trabajo, 2001.
941
ENTRELÍNEAS DE LA IDENTIDAD DEL ABYA YALA EN LA CARTA DE
JAMAICA, DE SIMÓN BOLÍVAR
Jenny González Muñoz35
RESUMEN: La Carta de Jamaica, escrita por Simón Bolívar el 6 de septiembre de 1815 y
dirigida al comerciante Henry Cullen, con el objetivo de dar respuestas a sus interrogantes sobre
la historia y la situación de América de esa época, muestra una serie de pensamientos del
Libertador sobre tópicos regionales que abordamos en el presente artículo, desde un análisis
focalizado en los pueblos originarios y la identidad cultural en el siglo XIX, pudiendo
considerarse desde la perspectiva de propuesta integradora regional, aplicable hoy en pleno
siglo XXI. Para dilucidar sobre este tema, se analiza el entrelineado de la Carta frente a otros
textos que abordan el tema de la situación de los indígenas en tiempos coloniales, frente a un
futuro necesario de reflexionar contemporáneamente en una nueva construcción identitaria del
Abya Yala.
Palabras-Clave: Integración regional, pueblos originarios, identidad cultural.
Seguramente la unión es la que nos falta para completar la obra de nuestra regeneración
Simón Bolívar
Carta de Jamaica – 1815
INTRODUCCIÓN
La Carta de Jamaica es un texto de suma importancia tanto por el cúmulo de elementos
que la sustentan, como por las circunstancias en las que se desarrolla, con un Simón Bolívar
desterrado por sus amigos y compañeros de armas, derrotado y, tal como él mismo expresara
en posterior misiva dirigida a Maxwell Hyslop, el 30 de octubre de 1815, “sin duro” con que
35 PNPD-CAPES- Universidade de Passo Fundo. Doutora em Cultura e Arte para América Latina e do Caribe, pela
Universidade Pedagógica Libertador-Instituto Pedagógico de Caracas, Venezuela. Mestre em Memória Social e
Patrimônio Cultural pela Universidade Federal de Pelotas (Bolsa em Demanda Social CAPES) Endereço
eletrônico: [email protected]
942
contar para sobrevivir, es decir, sin dinero36. La Carta de Jamaica nos muestra una serie de
pensamientos sobre la historia y situación de la América desde el análisis profundo, entre los
que sobresale el objetivo fundamental de resaltar el exterminio de los invasores colonialistas a
las poblaciones y territorialidades del llamado Nuevo Mundo, declarando una “guerra”, a partir
de un lenguaje expresivo frente al pensamiento latinoamericano configurado desde la premisa
de la realidad vivida por los pueblos originarios; constituyendo un texto con una de las formas
amplias integradoras más eficaces, aplicables incluso hoy en pleno siglo XXI. Por tanto, hay
que tomar firme atención al contexto histórico en el que fuera escrita, evitando así
interpretaciones erróneas acerca de expresiones o posiciones de Simón Bolívar frente a la
realidad tangible a la que enfrenta y la realidad futura que augura. Para dilucidar sobre este
tema, es conveniente leer el entrelineado de la Carta y detenernos en otros textos que nos pueden
ser de utilidad para entender la generalidad del tema.
Las circunstancias históricas nos obligan a situarnos en la llamada América Meridional
que se encuentra en pleno proceso de subyugación por parte de la corona española. El continente
en sí ha sufrido los desmanes del imperialismo en una manifestación aparentemente diferente a
la contemporánea, y eso ha influido consistentemente en su formación socio-cultural. En el
párrafo introductorio, Bolívar expresa al Sr. Henry Cullen.
Sensible, como debo, al interés que Vd. ha querido tomar por la suerte de mi patria,
afligiéndome con ella por los tormentos que padece, desde su descubrimiento hasta
los últimos periodos por parte de sus destructores los españoles…
Hemos de destacar la significación de la palabra “patria”, pues ésta no es vista como
Venezuela, sino como América toda. En Pamplona (1814), según refiere Arturo Uslar Pietri en
el texto introductorio del volumen 1 de la Colección Claves de América (Biblioteca Ayacucho)
había exclamado a sus soldados “Para nosotros la patria es América”, lo cual pone de manifiesto
definitivamente en la Carta de Jamaica.
36 Carta dirigida en solicitud de ayuda económica. A la frase referida, Bolívar agrega: “ya he vendido la poca plata
que traje. No me lisonjea otra esperanza que la que me inspira el favor de V. sin él la desesperación me forzará a
terminar mis días de un modo violento…” Disponible en: www.archivodellibertador.gob.ve. Acceso en: 22 oct.
2017.
943
En 1814, en Pamplona, le había dicho a los soldados de Urdaneta como una
anunciación: “Para nosotros la Patria es América”. En la Carta de Jamaica, en 1815,
señala la necesaria unión de la Nueva Granada y Venezuela, para luego, en un tono de
emoción poética, sin olvidar los obstáculos y las dificultades, afirmar que “es una idea
grandiosa pretender formar de todo el Nuevo Mundo una sola Nación con un solo
vínculo que ligue sus partes entre sí y con el todo”. (USLAR PIETRI, 2010, p. 15)
Esto se debe a que Bolívar tiene clara la importancia de la integración y la unión para
poder saldar las dificultades de la opresión devastadora de la colonia. Más adelante agrega que
esa gran patria está sufriendo desde su “descubrimiento” hasta el siglo XIX, cuando es fechada
la misiva, es decir, aun a trescientos años. Es este punto es conveniente destacar el momento
histórico, pues se utilizaba (como hasta buena parte del siglo XX) la palabra “descubrimiento”
para referirse al periodo colonizador, cuando los invasores europeos llegan a territorios del Abya
Yala. Acontecimiento que, a lo largo del tiempo, producto de reflexiones hacia la
resignificación del término, se dio en llamar “encuentro de culturas”, sobre todo en cuanto a la
efeméride del 12 de octubre, en un intento filosófico por visibilizar características identitarias
específicas de aquel conocimiento común, sin dejar de lado que todo encuentro implica también
conflicto y diferencias.
Dicha situación de opresión y aflicción que atormenta, podemos decir, con toda
responsabilidad, a los pueblos originarios, se entiende de igual modo, a los indígenas de
Norteamérica, quienes viven en reservas, sufriendo una suerte de esclavización enmascarada
por la “libertad”, sostenida en ausencia de identidad, vergüenza étnica y vasallaje económico
por medio de casinos, endeudamientos, prostitución, entre otros. Lo que infiere el carácter
opresor explayado en todo el continente y su parte insular, no solo soportada en aquel Abya
Yala de la voz karibe-kuna (pueblos originarios asentados en las actuales Colombia y Panamá),
traducible como “continente en expansión”, referido a la extensión de tierras que van desde
México hasta la Patagonia, siendo aceptado contemporáneamente por los pueblos ancestrales.
De esta situación Bolívar está plenamente consciente y en su texto al hacer conjeturas
sobre los siglos de dominación española, se vuelca a los criterios de un naturalista y un
sacerdote, el de autoridad de Alejandro de Humboldt “‘con su universalidad de conocimientos
teóricos y prácticos’ y ‘al apóstol de América’ fray Bartolomé de Las Casas” (TORRES, 2016,
p. 352), para iniciar su reflexión, desde una base edificada a partir de dos posturas sólidas que
le permitirán tener, en el propio Bolívar, una mayor claridad sobre la situación que desea
explicar y, a su vez, poder hacer entender al Sr. Cullen, lo que está analizando y casi
denunciando. Volviendo a la Carta de Jamaica, más adelante se lee:
944
“Tres siglos ha -dice Vd- que empezaron las barbaridades que los españoles
cometieron en el grande hemisferio de Colón”. Barbaridades que la presente edad
ha rechazado como fabulosas, porque parecen superiores a la perversidad
humana; y jamás serían creídas por los críticos modernos, si constantes y repetidos
documentos no testificasen estas infaustas verdades. El filantrópico obispo de
Chiapas, el apóstol de la América, Las Casas, ha dejado a la posteridad una breve
relación de ellas, extractada de las sumarias que siguieron en Sevilla a los
conquistadores, con el testimonio de cuantas personas respetables había entonces en
el Nuevo Mundo, y con los procesos mismos que los tiranos se hicieron entre sí: como
consta por los más sublimes historiadores de aquel tiempo. Todos los imparciales han
hecho justicia el celo, verdad y virtudes de aquel amigo de la humanidad, que con
tanto fervor y firmeza denunció ante su gobierno y contemporáneos los actos más
horrorosos de un frenesí sanguinario.
Un frenesí sanguinario expandido por los conquistadores de las maneras más viles. Pero
no hay que olvidar que para ese viaje aventurero que desemboca, infelizmente, en las tierras del
Abya Yala es enviada gran parte de la escoria de España: asesinos, violadores, hombres sin
asidero familiar; quienes al verse, en un corto tiempo, rodeados de riquezas materiales con
“libertad” de poder hacer y deshacer a voluntad, no hacen más que cometer sus crímenes de
costumbre, aunque de manera exacerbada, lo que cual trae consigo, la debacle de civilizaciones
originarias y una historia de dolor escrita con sangre. Lo que Bolívar expresa es bien cierto,
pues tales barbaridades son tan atroces que parecen producidas por la mitología popular.
Tristemente son verdad. En libros de Fray Bartolomé de Las Casas como Historia de las Indias,
son descritos episodios realmente lamentables de la historia, lo propio se observa en su
Almirante de la Mar Océana.
En textos como La ciudad de la Canela, escrito por el soldado, conquistador, luego
cronista Pedro Cieza de León (1520-1554), en la sección Los indios son torturados escribe:
Llegado que fue Gonzalo Pizarro donde había aquellos árboles que de sí echaban la
canela que decimos, tomó a ciertos indios por guías y preguntóles dónde había valles
y llanadas que tuviesen muchos de aquellos árboles que tenían canela; respondieron
que ellos no sabían más, ni en otra tierra los habían visto (…) Gonzalo Pizarro
mandó que, puestas unas cañas atravesadas con unos palos a manera de
horquetas, tan anchas como tres pies y tan largas como siete, algo ralas, que
fuesen puestos en ellas aquellos indios, y con fuego los atormentasen hasta que
confesasen la verdad, y no se la tuviesen oculta; prestamente los inocentes fueron
puestos por los crueles españoles en aquellos asientos o barbacoas y quemaron a
algunos indios, los cuales, como no sabían lo que decían, ni tampoco hallaban causa
justa por donde con tanta crueldad les diesen aquellas muertes, dando grandes
aullidos, decían con voces bárbaras y muy entonadas “¿Cómo nos matáis con tanta
945
poca razón, pues nosotros jamás os vimos ni nuestros padres enojaron a los vuestros?
(CIEZA DE LEÓN, 2003, pp. 25-26)
Más adelante, el cronista español, en franco asombro y tristeza sobre los terribles
acontecimientos protagonizados por sus ex compañeros, narra:
El carnicero Gonzalo Pizarro, no solamente no se contentó de quemar a los indios
sin tener culpa ninguna, mas mandó que fuesen lanzados otros de aquellos indios, sin
culpa, a los perros, los cuales los despedazaban con sus dientes y los comían; y entre
éstos que aquí quemó y aperreó oí decir hubo algunas mujeres, que es de tener mayor
maldad. (CIEZA DE LEÓN, 2003, p. 26)
Tales crueldades calificadas por Bolívar como “superiores a la perversidad humana” se
extenderán por varios siglos, a pesar de las iniciativas de las gestas emancipatorias, dentro de
las que se puede nombrar, en el marco legal, por ejemplo, el Decreto sobre los Derechos del
Indio, promulgado por el Libertador el 4 de julio de 1825. Tal como lo refiere el héroe patrio,
son las crónicas de Indias los documentos que han quedado para que se sepa parte de lo que
ocurrió en esa lista de acciones de la conquista y la invasión; sin ellas, tal vez la historia hubiese
quedado desdibujada en los trazos erróneos de la manipulación y la mala interpretación.
Lástima que dichas crónicas solo esbocen lo que los españoles cuentan y no tengan las
narraciones de los propios indígenas. El propio Fray Bartolomé de las Casas en el libro Vida de
Cristóbal Colón cuenta, desde su propia experiencia que, a partir de un hecho ocurrido en 1495
cuando el rey Guatiguaná mandó matar diez cristianos y luego huyó, los españoles determinaron
una ley inviolable que “por cada cristiano que matasen los indios hubiesen los cristianos de
matar cien indios” (LAS CASAS, 1992, p. 95), y el cronista agrega “yo vi muchas veces”.
El frenesí sanguinario se instala, entonces, como una suerte de costumbre que traerá
consigo la merma de gran parte de la población originaria de la posteriormente llamada América
Meridional y la subsiguiente configuración de historias entrecruzadas, que darán paso al
nacimiento de una consciencia eurocéntrica en las tierras colonizadas, lo cual influirá de manera
decisiva, en la historia contemporánea de las naciones.
Sobre la situación en la primera década del siglo XIX, expresa Bolívar que “el destino
de América se ha fijado irrevocablemente; el lazo que la unía a España está cortado”; es
decir, no hay vuelta atrás para encontrar alianzas donde no existe más que una historia de
opresión y minimización de un pueblo. Luego agrega “todo lo que formaba nuestra
esperanza nos venía de España. De aquí nacía un principio de adhesión que parecía eterno;
946
no obstante que la conducta de nuestros dominadores relajaba esta simpatía”, esto porque, tal
como es lógico de todo proceso de dominación, se fue instaurando en el subconsciente de la
gente de la llamada América la certeza de que sin España sucumbirían a la nada.
No es casual que se comenzara a hacer un trabajo de discriminación por el color de la
piel o procedencia (obviamente aunado a lo económico) buscando el nacimiento del
endorracismo, de la vergüenza étnica; con el propósito de denigrar de lo propio, perdiendo así,
poco a poco, la identidad cultural propia, lo que incide en los modos de vida y capacidades de
transformación. Es de resaltar en este punto la calidad profética de la Carta de Jamaica y,
obviamente, el carácter visionario en general de Simón Bolívar, pues dicha minimización de la
identidad propia aun en pleno siglo XXI se sigue observando en los pueblos de la América
Meridional, creando conciencias eurocéntricas y de amplia admiración a las culturas
hegemónicas, lo cual es una forma de penetración imperialista que se encarna en aspectos
diversos como la educación, el desarrollo (en varias vertientes) y la dinámica social, entre otros,
imposibilitando así el desenvolvimiento pleno de los pueblos.
El jugar a la invisibilización, por medio de la negación de la identidad como sentido de
pertenencia, es otra forma de subyugación; ya no son las armas, el látigo y los perros cazadores
entrenados para atacar indígenas y afrodescendientes, son el sentimiento atacado desde el modo
de vida, pertenencia y dos elementos fundamentales a la hora de hablar de identidad: el idioma
y la religión (o sistema de creencias), es decir, el ámbito cultural. No por azar en la Carta se
expresa “ya hemos sido libres y nuestros enemigos pretenden de nuevo esclavizarnos”, pues las
luces y virtudes, como dijera el Maestro Simón Rodríguez, al ser opacadas, conllevan al
oscurantismo, “Todo es ignorancia … absoluta ó modificada – y la ignorancia es causa de todos
los males” (2010, p. 44); la esclavitud intelectual es mucho peor que la meramente física, esto
lo prueban a lo largo de la historia los procesos de resistencia de los pueblos.
947
Fig. 1. Fragmento Carta de Jamaica. Disponible em:
http://www.eltelegrafo.com.ec/especiales/2015/Carta-de-Jamaica/img/carta/2.jpg Acceso en:
20 jul 2017.
METODOLOGÍA
El trabajo que presentamos es producto de una serie de aproximaciones sobre historia
regional y local desarrollado por un grupo de historiadores e investigadores, entre los que se
encuentra la autora, con la finalidad de realzar la identidad “latinoamericana” desde el
conocimiento de la propia historia. En este sentido, a raíz de la conmemoración de los 200 años
de la Carta de Jamaica, se llevaron a cabo varios escritos y eventos en relación a las lecturas del
texto de Bolívar, plan dentro del cual la autora se vio inmersa desde una metodología
hermenéutica, de tipo documental, con el objetivo primordial de analizar e interpretar en el
entrelineado de dicho escrito del siglo XIX en relación específicamente a los pueblos indígenas,
para intentar una aproximación a la realidad contemporánea de los hasta ahora existentes.
DISCUSIÓN
Libertad de libertades
Simón Bolívar hace referencia a la situación de varias provincias y virreinatos; respecto
al virreinato del Perú hace énfasis en la cantidad de población que tenía y las riquezas existentes.
Lo cual nos hace recordar la situación terrible acaecida en aquella “entrevista” entre los
españoles invasores y el rey inca Atahuallpa, aquel fatídico día en Cajamarca, y el pago de
rescate de toneladas de oro y plata, con el infructuoso y bochornoso resultado ya sabido. En lo
referente a Venezuela devela:
En cuanto a la heroica y desdichada Venezuela sus acontecimientos han sido tan
rápidos y sus devastaciones tales, que casi la han reducido a una absoluta indigencia
a una soledad espantosa; no obstante que era uno de los más bellos países de cuantos
hacían el orgullo de América. Sus tiranos gobiernan un desierto, y sólo oprimen a
tristes restos que, escapados de la muerte, alimentan una precaria existencia; algunas
mujeres, niños y ancianos son los que quedan. Los más de los hombres han perecido
por no ser esclavos, y los que viven, combaten con furor, en los campos y en los
pueblos internos hasta expirar o arrojar al mar a los que insaciables de sangre y de
crímenes, rivalizan con los primeros monstruos que hicieron desaparecer de la
América a su raza primitiva. Cerca de un millón de habitantes se contaba en Venezuela
y sin exageración se puede conjeturar que una cuarta parte ha sido sacrificada por la
tierra, la espada, el hambre, la peste, las peregrinaciones; excepto el terremoto, todos
resultados de la guerra.
948
Las poblaciones originarias de Venezuela no han sido exterminadas de un todo, como
ocurrió en las islas del Caribe, pero si mermadas sustancialmente, no obstante, ese nuevo
territorio surgido con la incorporación de nuevas etnias, ha dado nacimiento a un mestizaje no
solo biológico sino también cultural, donde los propios héroes de la independencia son parte
tangible. Bolívar dice: “ (…) no somos indios ni europeos, sino una especie media entre los
legítimos propietarios del país y los usurpadores españoles …” En este sentido, se genera una
“raza” americana, mixtura de etnias originarias, europeos y africanos traídos involuntariamente
para trabajar en calidad de esclavizados, tristemente en sustitución de los indígenas que estaban
muriendo, o ya lo habían hecho, por múltiples razones.
Es conveniente señalar que hemos entrecomillado la palabra “raza” porque debemos
recordar bien las palabras del héroe cubano José Martí, quien en su libro Nuestra América
(2005) explica:
No hay odio de razas, porque no hay razas. Los pensadores canijos, los pensadores
de lámparas, enhebran y recalientan las razas de librería, que el viajero justo y el
observador cordial buscan en vano en la justicia de la Naturaleza, donde resalta en el
amor victorioso y el apetito turbulento, la identidad universal del hombre. El alma
emana, igual y eterna, de los cuerpos diversos en forma y en color. Peca contra la
Humanidad el que fomente y propague la oposición y el odio de las razas. Pero en el
amasijo de los pueblos se condensan, en la cercanía de otros pueblos diversos,
caracteres peculiares y activos, de ideas y de hábitos, de ensanche y adquisición, de
vanidad y de avaricia, que del estado latente de preocupaciones nacionales pudieran,
en un período de desorden interno o de precipitación del carácter acumulado del país,
trocarse en amenaza grave para las tierras vecinas, aisladas y débiles, que el país fuerte
declara perecederas e inferiores. Pensar es servir. (p. 49)
De manera que es más conveniente hablar de etnias, pueblos, en algunos casos
comunidades, y el término “racismo” llevarlo a la denominación “discriminación por el color
de la piel”, o simplemente discriminación, porque ya dicha palabra encierra todo lo nefasto que
trae consigo tal miseria humana.
Por causa de tales discriminaciones la población conformada por 7.800.000 personas
que para 1808 tenía la llamada Nueva España, según datos referidos de Humboldt por Bolívar
en la Carta de Jamaica, “más de un millón” ha perecido, y peor aún, para 1815 “la lucha se
mantiene a fuerza de sacrificios humanos y de todas especies”, ya que no solo están los
indígenas sino los africanos y sus descendientes, y mestizos americanos, porque este continente
949
“parece destinado a empaparse con la sangre de sus hijos”. A esto hay que agregar la historia
de genocidio en las islas del Caribe y la invisibilización que la ha acompañado a lo largo de los
tiempos. En este caso es perentorio detenerse, pues en la contemporaneidad, es una situación
interesante respecto a la óptica de la llamada América Latina frente a ese Caribe que parece ser
parte de ella, pero a la vez no, sobre lo cual Bolívar también reflexiona al hablar de la
devastación de la población originaria en Puerto Rico y Cuba ya que “son las que más
tranquilamente poseen los españoles”, y allí hace una gran pregunta: “¿no son americanos estos
insulares?” Interrogante que aun queda en el aire, ante el desconcierto de la no respuesta plena,
pues todavía se suele decir América Latina y El Caribe, como si las islas que compartieron una
misma historia con el continente abya yalense no fuesen también parte de este. De hecho Puerto
Rico jamás se quitó el yugo imperialista, aún hoy 200 años después de las reflexiones de
Bolívar, sigue siendo un territorio colonizado.
En la carta visionaria, la reflexión constante cobra vida en la multiplicidad de
interrogantes: “¿Está la Europa sorda al clamor de su propio interés? ¿No tiene ya ojos para ver
la injusticia? ¿Tanto se ha endurecido, para ser de este modo insensible?” Estas preguntas bien
nos las podemos hacer hoy día, en pleno siglo XXI, si reflexionamos sobre situaciones como la
que ha venido sufriendo Palestina desde 1947, con el robo sistemático de sus legítimas tierras
y el genocidio constante por parte de Israel y la mirada ciega de los organismos internacionales;
el desplazamiento de sirios, libaneses o de diversos países del África subsahariana, por causa
de invasiones, guerras, hambruna, entre otros factores, ante la posición discriminatoria de
Europa y su actitud complaciente ante las organizaciones. Parecen estos países, haber borrado
de su memoria colectiva y social los desmanes por los que pasaron en las guerras mundiales y
otras situaciones transversales.
Respecto a estos acontecimientos tomamos las palabras de Bolívar: “Estas cuestiones,
cuanto más las medito, más me confunden…” “¿hasta dónde se puede calcular la trascendencia
de la libertad en el hemisferio de Colón?” dice Bolívar en la Carta de Jamaica, y nosotros nos
preguntamos: “¿hasta dónde se puede calcular esa tal libertad en el mundo globalizado? ¿De
qué se habla cuando se aboga por la libertad y los derechos humanos? ¿Hasta dónde llega mi
libertad como pueblo y dónde comienza la libertad del otro? Es el tener consciencia de la
existencia del “otro”, como dice Tzvetan Todorov, y desde allí comenzar un proceso de
reconstitución de valores éticos y morales, donde la solidaridad y el respeto sean fundamentales
para la construcción de nuevas teorías en relación a la libertad en todas sus manifestaciones, sin
950
vulnerar la autonomía de lo que no nos satisface o sobre lo que desconocemos o no estamos de
acuerdo. Ya lo dijo muy certeramente el héroe mexicano Benito Juárez: “El respeto al derecho
ajeno es la paz”. El propio José Martí solía definir la libertad como: “(…) el derecho que tienen
las personas de actuar libremente, pensar y hablar sin hipocresía” (2005, p. 211), pero esa
sinceridad implícita no radica en decir o hacer lo que sea, sino tener la suficiente
responsabilidad como para asumir las consecuencias. De igual manera, esas libertades también
pudiesen estar concatenadas con la posibilidad de asumir posiciones desde el estudio de la
Historia, tanto antigua como contemporánea, incluso en lo que respecta a la injusticia
epistemológica.
Parece que usted quiere aludir al monarca de Méjico Moctezuma, preso por Cortés y
muerto, según Herrera, por el mismo, aunque Solís dice que por el pueblo, y a
Atahualpa, inca del Perú, destruido por Francisco Pizarro y Diego Almagro. Existe tal
diferencia entre la suerte de los reyes españoles y los reyes americanos, que no
admiten comparación; los primeros son tratados con dignidad, conservados, y al fin
recobran su libertad y trono; mientras que los últimos sufren tormentos inauditos y los
vilipendios más vergonzosos.
Vilipendios que parecen trascender los tiempos, pues, por ejemplo, hay quienes aún se
detienen largas jornadas en discutir si los mandatarios de las grandes civilizaciones originarias
del Abya Yala pueden ser llamados reyes o no, o si dichos pueblos organizados eran imperios
o no, en fin, es un poco volver a los viejos dogmas de los mismos conquistadores europeos,
cuando decían que los indígenas eran primitivos sin cultura. Triste destino sin penalización
alguna: Moctezuma, Atahuallpa, Túpac Amaru, Guarionex, Guaicaipuro, son solo algunos de
los tantos reyes destronados y asesinados desde la base incierta de la minimización y el abuso
imperialista.
La América está llamada a ser original
Mucho tiempo después de la Carta de Jamaica, en 1840, el Maestro de América don
Simón Rodríguez escribirá Tratado sobre las LUCES y sobre las VIRTUDES Sociales en el que
hace disquisiciones y propuestas fundamentales, entre las cuales, las reformas en el área de la
educación y la originalidad de la América serán de gran relevancia para la posteridad. Ya en la
Carta de Jamaica, tal como se vio en apartes anteriores, Simón Bolívar había hablado sobre los
problemas de América por falta de una verdadera identidad, es decir, lo que el viejo Robinson
951
llamaría originalidad, en este sentido, la verdadera identidad cultural desde su sentido de
pertenencia, se manifiesta en la posibilidad de un destino esclarecedor, donde América deje de
“imitar” para comenzar a crear desde su propia realidad. Bolívar pregunta a Cullen:
¿quiere Vd. saber cuál es nuestro destino?, los campos para cultivar el añil, la grana,
el café, la caña, el cacao y el algodón, las llanuras solitarias para criar ganados, los
desiertos para cazar las bestias feroces, las entrañas de la tierra para excavar el oro
que no puede saciar a esa nación avarienta.
Los pueblos indígenas, perseguidos por los enemigos internos y, luego, por los invasores
españoles, fueron replegándose a los espacios más intrincados (actuales fronteras de los países)
intentando huir de la tortura y el genocidio, así el destino de los americanos sería el trabajo rudo
y la esclavitud, teniendo conciencia que ésta no solo está en el grillo y el azote.
Tan negativo era nuestro estado que no encuentro semejante en ninguna otra
asociación civilizada, por más que recorro la serie de edades y la política de todas las
naciones. Pretender que un país tan felizmente constituido, extenso, rico y populoso,
sea meramente pasivo ¿no es un ultraje y una violación de los derechos de la
humanidad?
Aquí habla Bolívar de la necesidad imperiosa de la emancipación, de la lucha por la
libertad, derecho que tienen todos los ciudadanos del mundo. En este punto queremos hacer
énfasis en algo interesante como es ese estado de negatividad que encuentra Bolívar en las
tierras del Abya Yala, lo cual es incomparable a otros procesos, pues el genocidio y la cantidad
de violaciones a los derechos humanos que se perpetraron en las tierras de la llamada América
no han sido rebasados aún en pleno siglo XXI.
Esta historia, además, es la que nos hace ser totalmente diferentes al resto de los continentes,
desde una realidad que nos configura en lo diverso a lo identitario. Fuimos subsumidos por el
imperio, nos minimizaron como humanos, pretendieron borrarnos como ciudadanos. “Jamás
éramos virreyes ni gobernadores (…) diplomáticos nunca; militares, solo en calidad de
subalternos; nobles, sin privilegios reales; no éramos, en fin, ni magistrados, ni financistas y
casi ni aún comerciantes …” Colocándonos en la contemporaneidad cabría preguntarse: ¿dónde
estuvieron nuestros pueblos indígenas hasta hace poco menos de veinte años? ¿En qué calidad
952
están todavía en ciertos países? En Venezuela fue solo hasta la Constitución de 1999 que fueron
visibilizados, a partir de ella es que comienzan a tener un lugar, incluyendo en la historiografía
hegemónica del país. ¡Cuánto tiempo ha tenido que pasar!
Los pueblos del Abya Yala han luchado a lo largo de los tiempos por su libertad, por el
rescate de los derechos que tuvieron, incluso, por la tenencia de tierras y territorialidades que
legal y ancestralmente les pertenecen, por el respeto de sus objetos rituales, su identidad y sus
sistemas de creencias y organizativos. En este sentido, la constante resistencia de nuestros
pueblos originarios es fundamental para la construcción de una América original, capaz de dejar
de lado los dogmas que la han subyugado, para tomarlos de bastión en la batalla por una plena
libertad, digna de las enseñanzas de nuestros libertadores.
Volviendo a la Carta de Jamaica, citamos: “ ‘Es más difícil – dice Montesquieu- sacar
un pueblo de la servidumbre, que subyugar uno libre’, Esta verdad está comprobada por los
anales de todos los tiempos, que nos muestran las más de las naciones libres sometidas al yugo
y muy pocas de las esclavas recobrar su libertad”. Más adelante, en el mismo párrafo, se
pregunta:
¿seremos nosotros capaces de mantener en su verdadero equilibrio la difícil carga de
la república? ¿Se puede concebir que un pueblo recientemente desencadenado se lance
a la esfera de la libertad sin que, como a Icaro, se le deshagan las alas y recaiga en el
abismo?
Habla de la esperanza, pero antes ha colocado como ejemplo las luchas por conservar la
libertad de los héroes indígenas, y la posición de sus descendientes, como en México, donde el
pueblo, al afianzarse en la identidad cultural propia puede avanzar hacia el auto-reconocimiento
y la libertad. Si nos ubicamos en el tema de esta disertación, llegamos a pensar en la resistencia
indígena por recobrar sus derechos, lo cual se ha extendido a lo largo de los tiempos históricos,
en este sentido, es conveniente recordar que la misma vida llena de vicisitudes de estos pueblos
es lo que llevará a Simón Bolívar a considerar en el ya referido Decreto sobre los Derechos del
Indio, de 1825, cuando, entre otras cosas, acota que “la igualdad es incompatible con el servicio
personal”, fija posición frente al servilismo y la esclavización –directa o no-, exalta las terribles
vejaciones por las que han pasado los pueblos originarios, y recalca las injusticias en pagos,
exclusiones y demás, lo cual da paso al establecimiento de dicho decreto que prohíbe emplear
indígenas contra su voluntad, ajustes de pagos de los indígenas, mejor paga en sus labores, en
fin, aspectos administrativos fundamentalmente, de interés, pero que continua dejando a los
953
pueblos originarios a la merced de toda la pléyade de invisibilizaciones que traerán consigo los
siglos venideros.
Integración y emancipación. Dos brazos de un mismo cuerpo
A lo largo de la Carta de Jamaica el texto nos muestra la idea abierta de Simón Bolívar
en cuanto a la integración de la llamada América Latina: “Yo deseo más que otro alguno ver
formar en América la más grande nación del mundo, menos por su extensión y riquezas que
por su libertad y gloria”. Mucho se ha hablado del sueño o propuesta integracionista de Bolívar,
pero es interesante acá intentar hacer una aproximación a la situación político-social del Abya
Yala en relación con los indígenas de frontera, sobre todo si se toma en cuenta que los pueblos
originarios no se consideran con nacionalidades establecidas por el Estado-nación a la usanza
occidental, sino desde su propia perspectiva organizativa. De manera que, para Bolívar en 1815
es lícito pensar que una adhesión de los indígenas a la propuesta integracionista sería un punto
fundamental para la suma de sus territorios, de igual manera a la causa emancipatoria, él dice:
“Los salvajes 37 que la habitan38 serían civilizados y nuestras posesiones se aumentarían con la
adquisición de la Goajira”. Ya conocemos esa parte de la historia y no es este el espacio para
dilucidar sobre ella, no obstante, es interesante tener en cuenta, sobre todo en hechos de la
contemporaneidad, que son los pueblos indígenas quienes habitan en mayor parte las fronteras
de nuestros países. Por ejemplo en Venezuela se encuentran en zonas fronterizas los wayúu,
yukpa, añú, barí, yanomami, pemón, warao, piaroa, akawaio, entre otros, muchos de los cuales
son “comunidades binacionales” (caso yanomami, pemón, yukpa y wayúu) o garantes
potenciales de zonas en conflicto (akawaio en el Esequibo) lo que incide directamente en el
resguardo de fronteras, planteamiento extensivo desde la Seguridad y Defensa Integral de la
Nación.
En la Carta de Jamaica el Libertador, tras un bosquejo analítico sobre la situación de la
América Meridional, asegura que, producto de todo un malestar general, “las provincias
americanas se hallan lidiando por emanciparse”, y allí cabría preguntar ¿y qué pasa con los
pueblos indígenas? ¿para ellos también es importante deslastrase solo de España? Continuando
con su ideal integrador, escribe:
37 Respecto a éste término se recomienda que ubicarse en el contexto histórico para su mejor comprensión. 38 Refiriéndose a la Nueva Granada al unirse con Venezuela, tomando el nombre de Colombia.
954
Es una idea grandiosa pretender formar de todo el Mundo Nuevo una sola nación con
un solo vínculo que ligue sus partes entre sí y con el todo. Ya que tiene un origen,
una lengua, unas costumbres y una religión, debería, por consiguiente, tener un
solo gobierno que confederase los diferentes estados que hayan de formarse; mas no
es no posible, porque climas remotos, situaciones diversas, intereses opuestos,
caracteres desemejantes, dividen a la América. ¡Qué bello sería que el Istmo de
Panamá fuese para nosotros lo que el de Corinto para los griegos!
En el texto hemos señalado puntos de interés. Por un lado el Libertador está consciente
de la existencia de una serie de situaciones que se contraponen, de beneficios no comunes y de
modos de ser no semejantes, lo que bien se conocería como una diversidad, la cual ya ha acotado
al referirse al mestizaje étnico que diera pie a la nueva configuración de las tierras del Abya
Yala. Por otra parte, expresa que el hecho de tener un origen común (obviamente los traumas
de la conquista, lo cual no tiene igual en el mundo, incluso hasta los momentos actuales), y
costumbres semejantes, sería más fácil la confederación de un solo gobierno.
Esto no es del todo incierto, mas si es rebatible cuando dice que tiene “una lengua y una
religión”, ya que se está negando la existencia de la diversidad lingüística y de sistemas de
creencias. En la América del siglo XV, cuando llegan los invasores colonizadores la cantidad
poblacional es muy amplia y pueblos hablan diferentes idiomas y existe un sistema de creencias
establecido. Si bien es cierto que hay consideraciones imperialistas y expansionistas como en
el caso de los incas, que habían establecido el runa simi como idioma oficial de sus
territorialidades, y la adoración al sol (Inti) como una suerte de “religión” instituida, la
diversidad cultural es significativa, lo que se acrecentaría más tarde con presencia de los propios
europeos y la traída de los africanos en calidad de esclavizados, dando paso a la configuración
de tierras y territorialidades ricas en diversidad, aunque teniendo como punto la represión como
arma de subyugación por medio de la lengua y la religión que, como sabemos, son elementos
fundamentales para minimizar la identidad de los pueblos, y la prohibición de manifestaciones
culturales y/o religiosas ajenas a la católica.39
No obstante, la unión también se puede establecer desde la creencia, desde el mito que
nos cuenta, desde la música que nos une, porque allí está el sentido de pertenencia. “¿No es la
unión todo lo que se necesita para ponerlos en estado de expulsar a los españoles, sus tropas y
los partidarios de la corrompida España para hacerlos capaces de establecer un imperio
39 En este aspecto, solo como punto referencial, se puede recordar el Code Noir. A pesar de ser un edicto de 1685.
955
poderoso, con un gobierno libre y leyes benévolas?” Ideales surgidos, de igual modo, de la
propuesta de Francisco de Miranda en relación a la importancia estratégica que tiene el
nacimiento de una sola nación, vista así desde una visión integradora de la región, lo cual
fortalecería diversos ámbitos desde lo político, económico, social e incluso la cultural; utopía
en nuestras tierras americanas, pero contemporáneamente tomadas y aplicadas en Europa a
partir de la institucionalización de la Unión Europea de Naciones, con los consecuentes aspectos
positivos, sobre todo en un inicio, y los actores actuales que han llevado a su debilitamiento.
En cuanto a los pueblos indígenas y aquellos subyugados del mundo, siguen en pie de lucha
por su emancipación, pues la hegemonía de los grandes imperios cada día intentan con mayor
extensión y logro, una nueva configuración de vasallaje, por ejemplo, desde procesos globales
de comunicación, la posibilidad de un idioma universal y la creciente estandarización de
criterios culturales.
A MODO DE EPÍLOGO
¿En qué ha cambiado la situación de los pueblos indígenas del Abya Yala a más de 500
años de colonización? ¿Ha mermado la discriminación hacia los modos de vida y culturales
ancestrales? ¿Hasta qué punto el desastre ambiental producido por la tala indiscriminada del
Amazonas, la explotación del carbón en el entorno territorial indígena, la incursión desmedida
de prácticas en contra del respeto a la propiedad legítima de tierras ancestrales y la colonización
capitalista de estas, entre otros aspectos, han tenido un alto o han desaparecido como prácticas
constantes? ¿Realmente existen políticas de Estado que accionen de manera efectiva en función
de las reivindicaciones de los pueblos ancestrales? ¿Las teorías de la no discriminación, el
realce del respeto, la solidaridad y otros valores éticos y morales hacia las culturas minoritarias,
han conllevado de manera amplia a la consolidación de organizaciones en beneficio de las
mismas, anulando su invisibilización?
A más de 500 años de la llegada de los colonizadores europeos a las tierras del Abya
Yala, y 200 de la Carta de Jamaica, ¿hasta qué punto se puede hablar de una verdadera
emancipación de los pueblos ancestrales y de una reivindicación de sus derechos, en la amplitud
del término?
Más que entregar un epílogo, dar recomendaciones o intentar llegar a alguna conclusión,
pensamos más significativo propiciar un espacio para la reflexión sobre la realidad que viven
los pueblos indígenas, como se ha visto, herencia histórica ya abordada por libertadores como
956
Simón Bolívar, y observada por diferentes entes vinculados a asuntos de derechos humanos y
aspectos culturales, en la cual han preponderado la invisibilización, el menosprecio e irrespeto
a la cultura del otro, a lo supuestamente diferente. En pleno siglo XXI, aquellas interrogantes
que intentó, con tanto acierto, responder el Libertador, muchas siguen en vigencia y tratando
de encontrar alguna respuesta en el ámbito contemporáneo. Así nuestras preguntas pretenden
abrir el camino hacia nuevas perspectivas y tratamientos hacia los pueblos indígenas, dejando
de lado el exotismo, el alejamiento histórico, la brecha cultural, entendiendo que solo es posible
una verdadera integración de la América Meridional, si comenzamos a mirar y sentir a nuestros
pueblos originarios parte constitutiva de nuestra propia narrativa contemporánea.
REFERENCIAS
BOLÍVAR, Simón. Carta de Jamaica y otros textos. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 2010.
(Colección Claves Políticas de América, Nº 11)
CIEZA DE LEÓN, Pedro. La ciudad de la canela. En: Crónicas de El Dorado. Caracas:
Biblioteca Ayacucho. Colección Claves de América, Nº 24, 2003, pp. 23-26.
FERNÁNDEZ DE OVIEDO, Gonzalo. Las indias de oro. En: Crónicas de El Dorado.
Caracas: Biblioteca Ayacucho. Colección Claves de América, Nº 24, 2003, pp. 1-6.
LAS CASAS, Fray Bartolomé de. Vida de Cristóbal Colón. Caracas: Biblioteca Ayacucho,
1982. (Colección Claves de América, Nº 7)
MARTÍ, José. Nuestra América. Caracas: Biblioteca Ayacucho, 2005.
MARTÍ, José. Nuestra América. Disponível em: <
http://bdigital.bnjm.cu/docs/libros/PROCE11914/Nuestra%20America.pdf>. Acesso em 15
sep. 2017.
RODRÍGUEZ, Simón. Luces y virtudes sociales. Caracas: Universidad Simón Rodríguez,
2010.
TODOROV, Tzvetan. La conquista de América. El problema del otro. Buenos Aires: Siglo
XXI.
TORRES, Alexander. El otro posible (Sobre la función utópica en la Carta de Jamaica) In: La
Carta de Jamaica en el siglo XXI. Aproximaciones críticas a un documento bicentenario.
Caracas: Centro Nacional de Historia, 2016, pp. 343-376.
957
USLAR PIETRI, Arturo. Introducción al texto de Bolívar. In: BOLÍVAR, Simón. Para
nosotros la Patria es América. 2º edic. Caracas: Biblioteca Ayacucho. 2010. (Colección
Claves de América, Nº 1)
958
PARTIDOS POLÍTICOS: COMO VEM SE DANDO SUA TERRITORIALIDADE
Matheus Pinto Furtado40
Ronaldo Bernardino Colvero41
Danilo Pedro Jovino42
RESUMO: O presente trabalho se caracteriza como um estudo sobre o panorama da
territorialidade dos partidos políticos no Brasil na atualidade, construindo-se a partir de
questões conceituais. Objetiva-se compreender como vem se dando a territorialidade dos
partidos políticos na busca de obtenção de votos entre os eleitores, se apresentando como uma
ferramenta reflexiva sobre as ações das organizações partidárias no território. Além disto, visa-
se analisar a relação de pouco vínculo entre os partidos e como esta liga-se com a territorialidade
das organizações partidárias. Foi possível observar que partidos políticos vêm exercendo sua
territorialidade na busca da conquista de votos fazendo uso de estratégias como o enfoque, por
exemplo, na personalização, priorizando os atores e não as legendas. Tal ação vem levando,
cada vez mais, a um enfraquecimento da relação de identificação do eleitorado com as siglas
partidárias. A metodologia utilizada foi a qualitativa, utilizando o método da revisão
bibliográfica tanto sobre território e a territorialidade quanto no que tange aos partidos políticos.
Palavras-Chaves: Território, Territorialidade, Partidos Políticos.
INTRODUÇÃO
Quando fala-se em território, logo pensa-se apenas em extensões de terra delimitadas,
como municípios, estados ou países, e isto representa grande parte da perspectiva do senso
comum. Contudo, antes de partir ao conceito deste, se faz necessária uma contextualização,
40 Graduando no curso de Ciências Humanas – Licenciatura na Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA,
Campus São Borja, Rio Grande do Sul. [email protected]. 41 Professor Doutor no curso de Ciências Sociais – Ciência Política na Universidade Federal do Pampa –
UNIPAMPA, Campus São Borja, Rio Grande do Sul. Professor efetivo no Programa de Pós-graduação em
Memória Social e Patrimônio na Universidade Federal de Pelotas – UFPel. [email protected]. 42 Cientista político pela Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA, Campus São Borja, Rio Grande do Sul.
Mestrando do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas pela mesma instituição. Graduando em Ciências
Humanas – Licenciatura pela mesma instituição. [email protected].
959
mesmo que breve, sobre o espaço, partindo do pressuposto de que este é anterior ao território
(RAFFESTIN, 1993).
O espaço, segundo Leffebvre, se dá como “a materialização da existência humana”
(1991, p. 102 apud FERNANDES, 2013, p. 193), e é preciso que se pense sobre este não de
maneira a caracterizá-lo como fragmento, mas como totalidade. Nesta perspectiva, Milton
Santos define o espaço como “conjunto de sistemas de objetos e sistemas de ação, que formam
o espaço de modo, indissociável, solidário e contraditório” (SANTOS, 1996, p. 51 apud
FERNANDES, 2013, p. 193). Nesta definição estão inseridas a natureza e a sociedade. Por
sistemas de objetos são entendidos os objetos naturais – elementos da natureza – e os objetos
sociais ou objetos produzidos por meio das relações sociais, que modificam e transformam a
natureza (FERNANDES, 2013).
Segundo Raffestin, o território caracteriza-se como “o espaço político por excelência,
como a cena do poder e o lugar de todas as relações” (1993, p. 60). De tal ponto de vista, o
território “é essencialmente um instrumento de exercício de poder, ou seja, é uma espécie de
trunfo a ser dominado e controlado pelos atores sintagmáticos (atores que realizam ações sobre
o território em qualquer nível)” (QUADROS; CRUZ, 2014, p. 1092). Na mesma perspectiva
em relação ao território como um cenário de poder, Moraes compreende-o como:
[...] um espaço de exercício de um poder, o qual no mundo moderno se apresenta
como um poder basicamente centralizado no Estado. Trata-se, portanto, da área de
manifestação de uma soberania estatal, delimitada pela jurisdição de uma dada
legislação e de uma autoridade. O território é, assim, qualificado pelo domínio político
de uma porção da superfície terrestre (MORAES, 2003, p. 1 apud RUCKERT, 2005,
p. 83).
Seguindo um pensamento semelhante ao de Raffestin, Ratzel define o território como
“um espaço qualificado pelo domínio de um grupo humano, sendo definido pelo controle
político de um âmbito espacial” (apud MORAES, 2000, p. 19). A partir deste pensamento, é
possível observar que poder e território possuem estreita ligação. Isto se dá pois, além da
questão do controle através do espaço, neste contexto há, também, a “capacidade de controlar,
de influenciar a ação de outras pessoas” (CLAVAL, 1979, p. 11 apud QUADROS; CRUZ,
2014, p. 1093).
960
Tendo em mente este raciocínio sobre a influência não somente sobre o espaço, mas
também sobre os indivíduos, uma ligação entre território e partidos políticos surge. Contudo,
as organizações partidárias objetivam o poder não somente sobre o território, mas
principalmente sobre a população que neste está inserida (QUADROS; CRUZ, 2014). Sobre
isto, é possível refletir sobre a colocação de Raffestin (1993, p. 58), onde o autor coloca que “o
poder visa o controle e a dominação sobre os homens e as coisas. [...] a população em primeiro
lugar [...] porque ela está na origem de todo poder”.
Atualmente, é possível observar nas diferentes mídias a presença do tema partidos
políticos. Se fala e também discute-se sobre estes. Há a escolha por um ou outro partido de
acordo com a ideologia de cada indivíduo, e, muitas vezes, há conflitos surgidos a partir de
posições partidárias divergentes.
Contudo, é importante que, em meio ao emaranhado de informações existentes, se
levante uma questão: afinal, o que são partidos políticos? Tem-se a ideia de partido político
como sendo um grupo de indivíduos que, teoricamente, representa os interesses de
determinadas parcelas da sociedade, dando-as voz. Contudo, é importante que, em meio ao
senso comum, se vá ao encontro da cientificidade. Segundo os autores Praça e Diniz, partidos
políticos são:
[...] organizações criadas por líderes para disputar eleições [...] são frutos dos anseios
de partes específicas da sociedade, unidas em torno de interesses comuns. Partidos
políticos têm um objetivo principal: vencer eleições [...] são canais de participação
política usados pela sociedade civil para tornar possível a realização de demandas
populares (PRAÇA; DINIZ, 2007, p. 5).
Portanto, a partir da perspectiva de Praça e Diniz, os partidos políticos nascem a partir
da iniciativa de figuras de liderança dentro da sociedade, visando atender anseios e demandas
de certos grupos sociais que, através destas organizações, se fazem representados. E é possível
notar, quando se trata do objetivo principal, a questão da vitória nos processos eleitorais, o que
leva a organização à conquista do poder e do controle em determinado espaço territorial.
D’Araújo ressalta, ainda, que a organização partidária, em um apanhado geral, é “elemento
essencial ao progresso social. A representação regular dos interesses sociais leva aos regimes
estáveis, graças ao confronto normal e ordenado” (1996, p. 9).
A definição dos autores se dá de forma delimitada e em um contexto contemporâneo,
mas também há, sobre o mesmo tema, outras definições que merecem abordagem. Em se
961
tratando de definições clássicas, é possível citar a definição de partidos políticos de Max Weber,
de caráter abrangente, e de Maurice Duverger, pouco mais delimitada. Segundo Weber, o
partido é toda associação voltada para a disputa e o exercício do poder, e, deste modo:
[...] sua característica fundamental seria influenciar ações sociais de qualquer
conteúdo. De acordo com uma definição tão abrangente, partidos podem-se formar
para disputar o poder num Estado, mas também num clube, numa associação ou num
sindicato. Em todos esses grupos, a disputa coletiva pelo poder obedeceria à mesma
lógica (WEBER, 1991 apud ARAÚJO, 2004, p. 3-4).
Para Duverger, a linguagem cotidiana restringe o uso da palavra partido aos grupos
organizados para a disputa e exercício do poder no âmbito de uma organização estatal. Contudo,
para o autor, esta restrição ainda é insuficiente. Com tal definição, a palavra “continua a
englobar facções de todo tipo [...]” (DUVERGER, 1970 apud ARAÚJO, 2004, p. 4). Neste
contexto, é possível partir das visões de Weber e Duverger e delimitar o olhar sobre a definição
de partido político segundo o conceito de Praça e Diniz.
O poder e o controle adquiridos pelos partidos através da vitória nos pleitos
relacionam-se com a ação de tais organizações em determinado território, e esta relação vai de
encontro com a questão da territorialidade defendida por Soja. Segundo o autor, no âmbito da
conotação política da organização do espaço pelo homem, a territorialidade pode ser vista como
um fenômeno de cunho comportamental associado à organização do espaço em esferas de
influência, ou de territórios demarcados de forma clara, considerados distintos, exclusivos, ao
menos parcialmente, por seus ocupantes ou por outros agentes que assim os definam (SOJA,
1971 apud SANTOS, 2009).
Sobre a territorialidade, é possível uma breve exemplificação: em uma escola –
determinado território –, é possível encontrar grupos de jovens reunidos antes da aula.
Estes estão sempre no mesmo espaço e no mesmo horário. Contudo, se for observado o
mesmo espaço em uma hora diferente do dia, haverá outro grupo com outras
características naquele espaço onde, antes, estavam os outros indivíduos. Cada um dos
grupos caracteriza-se de maneira a diferenciar-se dos demais, tornando claro que um
objetivo comum os une. Em conclusão, um tipo de “poder/controle” é exercido sobre
certo espaço em determinadas horas do dia ou da noite através da ação dos grupos no
território.
Raffestin aponta que, além de uma relação homem-território, existe a relação social
entre os indivíduos. E, sendo assim, a territorialidade seria, também, “um conjunto de relações
que se originam num sistema tridimensional sociedade-espaço-tempo em via de atingir a maior
autonomia possível, compatível com os recursos do sistema” (RAFFESTIN, 1993, p. 160).
962
Ainda na perspectiva de relação entre os indivíduos dentro de um território, de acordo com
Sack, é possível adotar, ainda que provisoriamente, o conceito de territorialidade como “a
tentativa por indivíduos ou grupos para afetar, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e
relações, pela delimitação e estabelecimento de controle sobre uma área geográfica” (1986, p.
19-20 apud RUCKERT, 2005, p. 88).
Os partidos políticos, como já visto, caracterizam-se como organizações de
representação que objetivam o poder e agem em determinado território; e a territorialidade se
dá através da ação/controle de determinado grupo em um certo contexto social, espaço e tempo.
Neste contexto, é possível perceber uma relação.
O presente trabalho objetiva compreender como vem se dando a territorialidade dos
partidos políticos na busca de obtenção de votos entre os eleitores, se apresentando como uma
ferramenta reflexiva sobre as ações das organizações partidárias no território. Além disto, visa
analisar a cultura política brasileira de pouco vínculo entre os partidos e o eleitorado, e como
esta liga-se com a territorialidade das organizações partidárias. O trabalho se torna relevante
em função de analisar como os partidos políticos vem exercendo sua territorialidade na busca
da conquista de votos, fazendo uso de estratégias como o enfoque, por exemplo, na
personalização, priorizando os atores e não as legendas. Tal ação leva, cada vez mais, a um
enfraquecimento da relação de identificação do eleitorado com as siglas partidárias.
METODOLOGIA
A metodologia empregada no presente trabalho é caráter qualitativo. Segundo
Gerhardt e Silveira, (2009) a pesquisa qualitativa não se preocupa com representatividade
numérica, mas sim com o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma
organização. Os pesquisadores que adotam tal abordagem opõem-se ao pressuposto que
defende “um modelo único de pesquisa para todas as ciências, já que as ciências sociais têm
sua especificidade, o que pressupõe uma metodologia própria” (GERHARDT; SILVEIRA,
2009, p. 31-32).
Foi utilizado, para a construção do presente trabalho, o método bibliográfico. Este é
feito a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios
escritos e eletrônicos, como livros, artigos científicos, páginas de web sites. “Qualquer trabalho
963
científico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisador conhecer o que
já se estudou sobre o assunto” (FONSECA, 2002, p. 32).
Como área do conhecimento, o presente trabalho se encontra dentro das Ciências
Humanas, mais especificamente na Ciência Política. Usando de uma metodologia qualitativa,
houve a revisão da literatura tanto sobre território e a territorialidade, quanto no que tange aos
partidos políticos. Assim, construiu-se o estudo visando a análise dos conceitos, além de
evidenciar as estratégias dos partidos diante do território para a conquista do poder, bem como
para a continuação do exercício deste.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Contextualizando historicamente, com o fim do regime militar, em 1985, uma das
primeiras medidas do governo da Aliança Democrática foi aprovar no Congresso a Emenda
Constitucional de nº25, de 15 de maio de 1985. Esta, dentre outras disposições, restabeleceu as
eleições presidenciais diretas e retirou da Constituição o dispositivo referente à fidelidade
partidária, além de autorizar a livre criação de novos partidos políticos e a reorganização de
todas as siglas que tivessem tido os seus registros indeferidos, cancelados ou cassados durante
a ditadura civil-militar (SCHMITT, 2005).
A Emenda Constitucional de nº26, de 27 de novembro de 1985 determinou que o
Congresso Nacional, que seria eleito em 1986, estaria dotado de atribuições constituintes,
ficando encarregado de elaborar a nova Constituição brasileira. Ainda no mesmo ano, em 30
de dezembro de 1985, foi aprovada a Lei nº7.454, que alterou vários dispositivos do Código
Eleitoral que vigorava desde 1965. A nova configuração permitiu, por exemplo, que todos os
partidos, tanto os com registro provisório como os em formação, pudessem participar das
eleições para a Assembleia Nacional Constituinte – ANC (SCHMITT, 2005).
A nova Constituição brasileira, promulgada em 1988, e caracterizada como sendo “a
mais liberal e democrática que o país já teve, merecendo por isso o nome de Constituição
Cidadã” trouxe o estabelecimento de direitos políticos dotados de “amplitude nunca antes
atingida” (CARVALHO, 2012, p. 199). Segundo Carvalho (2012), tornou-se comum
desmembrar a cidadania em três direitos, dentre eles os políticos, além dos direitos civis e
sociais. O cidadão pleno seria aquele titular dos três. Os que não beneficiam-se de apenas alguns
964
dos três seriam cidadãos incompletos, e os que não se beneficiam de nenhuma maneira são
caracterizados como não cidadãos.
A partir disto, o autor esclarece os conceitos. Direitos civis são os direitos
fundamentais à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei, e os direitos sociais
“garantem a participação na riqueza coletiva. Eles incluem o direito à educação, ao trabalho, ao
salário justo, à saúde, à aposentadoria” (CARVALHO, 2012, p. 10). Sobre os direitos políticos,
Carvalho coloca que estes referem-se:
[...] à participação do cidadão no governo da sociedade. Seu exercício é limitado a
parcela da população e consiste na capacidade de fazer demonstrações políticas, de
organizar partidos, de votar, de ser votado. Em geral, quando se fala de direitos
políticos, é do direito de voto que se está falando (CARVALHO, 2012, p. 9).
A Constituição de 1988, segundo Carvalho (2012) eliminou o que era o grande
problema relacionado à universalidade do voto, tornando-o facultativo aos analfabetos e dando
fim a uma discriminação injustificável. Além disto, o critério de idade para aquisição do direito
ao voto foi reduzido de 18 para 16 anos, idade mínima para a aquisição de capacidade civil
relativa. Lembrando que o voto a partir de 16 anos é facultativo, passando a ser obrigatório
apenas aos 18 anos.
Conforme lembra Carvalho (2012), a única restrição que permaneceu, advinda da
Constituição anterior, foi a proibição de voto aos conscritos, ou seja, aqueles que foram
convocados a prestar serviço militar obrigatório. O autor ressalta que, “embora também
injustificada, a proibição atinge parcela pequena da população e apenas durante período curto
de vida” (2012, p. 200-201). A proibição do voto também se estendeu aos estrangeiros. É
possível observar, a partir das disposições relacionadas aos direitos políticos na Carta Magna
de 1988, uma inserção de maior número de indivíduos participando, de maneira efetiva, do
cenário político e exercendo sua cidadania através do voto.
No que tange aos partidos políticos, a Constituição também trouxe mudanças. Uma
vez que, durante o regime militar, havia obstáculos relacionados à organização e funcionamento
dos partidos, a legislação vigente possui caráter pouco restritivo. O Tribunal Superior Eleitoral
passou a aceitar registro provisório de partidos apenas 30 assinaturas, e este permite que o
partido concorra nas eleições e dá acesso à televisão para a campanha (CARVALHO, 2012).
Sobre a Carta Magna de 1988, Carvalho coloca a questão da liberdade dada pela legislação:
965
Foi também extinta a exigência de fidelidade partidária, isto é, o deputado ou senador
não é mais obrigado a permanecer no partido sob pena de perder o mandato.
Senadores, deputados, vereadores, bem como governadores e prefeitos, trocam
impunemente de partido [...] De um excesso de restrição passou-se a grande liberdade
(CARVALHO, 2012, p. 201).
Com este contexto em mente, pode-se partir a uma abordagem sobre a questão do
desinteresse político por parte dos cidadãos nos últimos anos, fator relacionado ao exercício da
cidadania e à cultura política. Esta última é definida como “[...] a distribuição particular de
padrões de orientação política com respeito a objetos políticos entre os membros da nação”
(ALMOND; VERBA, 1989, p. 13 apud BORBA, 2005, p. 149). É importante, ainda, lembrar
que a população, como coloca Raffestin (1993), está na origem de todo poder, e é através desta
que os partidos políticos obtém os votos que levam às vitórias nos processos eleitorais, ou seja,
ao poder.
Na sociedade brasileira, nos últimos anos, é possível enxergar certo desinteresse em
relação à política por boa parte da população. Esta opta por dar prioridade a seus interesses de
caráter particular, deixando a tarefa de fazer e pensar política aos técnicos e políticos
profissionais. O senso comum, habitualmente, enxerga a política como um conjunto de decisões
governamentais que são feitas de cima para baixo, devendo esta ser cumprida acima de qualquer
outro tipo de interesse. Deste modo, os cidadãos começam a se decepcionar cada vez mais com
os políticos e com a política em si. E sobre tal contexto, Ridenti expõe da seguinte maneira:
Ao invés de perceber-se como sujeito político, que pode atuar para a transformação
social, o cidadão em potencial prefere fechar-se em seu mundo privado, desencantado
com a política. Esse aparente desinteresse político no fundo indica distanciamento
crítico da política governamental, mas acaba paradoxalmente por reforça-la: quem
cala consente. Todos sofrem as consequências dos atos políticos do governo, que
tendem a perpetuar-se caso não surja uma oposição organizada e combativa contra
eles (RIDENTI, 1992, p. 51).
Tal espécie de conformismo, ou omissão de tomada de posição política, acaba
transformando-se em uma forma de posicionamento, que tem a ordem política como algo dado,
irreversível. Segundo Ridenti (1992), tal desprezo pela política que é praticada serve de
ferramenta para a continuidade desta, pois acaba não negando-a. E todo este contexto se mostra
ligado à falta de representação e articulação por parte dos partidos em relação aos interesses da
população no sistema político – o que, teoricamente, deveria ocorrer. Sobre o vínculo
representativo entre partidos políticos e população, Meneguello (1998) aponta que as novas
966
condições do relacionamento entre o eleitor e o político, marcado pela ação dominante dos
meios de comunicação de massa, priorizam a personalização e a imagem ao invés da mediação
partidária. Nesse contexto, o processo de formação das preferências políticas passa a buscar
parâmetros em um amplo campo de informações, através do qual dá-se a percepção das
questões e temas públicos, e não mais a partir de linhas de opinião estruturadas sobre clivagens
ou interesses específicos organizados, estabelecidos tradicionalmente pelos partidos políticos
(MENEGUELLO, 1998).
De acordo com Silveira (1998 apud AUGUSTO; SENE, 2013) há, no Brasil, uma
alienação eleitoral, e esta liga-se com um fator relevante para a discussão sobre a identificação
partidária: a alienação em função da desinformação. Segundo o autor, o eleitor politicamente
desinformado, sem o conhecimento em relação aos problemas de cunho político e aos “projetos,
propostas, partidos e candidatos concorrentes nos processos eleitorais, se auto-exclui do jogo
político porque não se vê reunindo mínimas condições para participar”. (SILVEIRA, 1998, p.
121 apud AUGUSTO; SENE, 2013, p. 86). Segundo Augusto e Sene (2013), através de uma
perspectiva da Geografia Eleitoral é possível observar diferentes (re) configurações do espaço
geográfico, percebendo os elementos que possuem influência no comportamento eleitoral,
como as características sociais do eleitorado, tais como renda e escolaridade, que por sua vez
podem influenciar no voto deste eleitor.
Em tal contexto, Kinzo coloca que “o pouco vinculo partidário-eleitoral também
ocorre em função do pouco conhecimento, entre os eleitores do sistema partidário brasileiro
[...]” (2005 apud REBELLO, 2012, p. 51-52). Com este distanciamento entre os partidos e a
população em função da falta de organização e representação partidária, e também da falta de
conhecimento em relação ao sistema partidário por parte do eleitorado, as organizações
enxergam a necessidade de traçar novas estratégias de conquista de votos.
Os partidos, segundo Quadros e Cruz (2014), contraditoriamente contribuem para
reforçar a ausência de preferência partidária por parte dos eleitores, pois vem usando da
personalização da política, destacando nomes e não os partidos e a formação de coligações, o
que contribui para a perca de percepção ou identificação dos eleitores em relação aos partidos.
É possível, a este ponto, constatar que as organizações partidárias não mais possuem vínculos
fortes com os eleitores, que garantiam às mesmas a convicção de votos de determinadas
camadas da sociedade. O que se percebe são estes novos tipos de estratégia adotados pelos
967
partidos políticos durante as disputas eleitorais, estas novas ações que visam o controle do
território. Isto vai de encontro com a questão dos partidos e sua territorialidade, ou seja, sua
ação dentro de determinado espaço, visando a conquista ou a continuidade do exercício do
poder.
Com os partidos tendo que utilizar de novas alternativas para a conquista do controle
– através do voto –, ou a manutenção deste, a ação destes dentro do território também acaba
por se modificar. A população não possui a mesma identificação com os partidos, e sim com os
atores, havendo um movimento de personalização, e também a ligação entre figuras passadas
da política e os candidatos atuais, o que se torna fator influenciador na decisão dos eleitores.
Sobre isto, Rebello aponta que “de um modo geral a avaliação retrospectiva de um governo é
muito importante para que um candidato governista venha obter fracasso ou sucesso” (2012, p.
49).
Com uma nova dinâmica dos partidos para manter ou conquistar o controle dentro do
território, observar-se a relação entre o território e a ação dos partidos políticos de forma
próxima. Em função da não proximidade com os eleitores, os partidos mudam sua ação dentro
do contexto territorial para a obtenção de resultados satisfatórios nos pleitos. E uma destas ações
está relacionada, segundo Maiwaring, à formação de “coligações esdrúxulas, inconsistentes e
diferenciadas nos diversos estados do Brasil para obtenção de bons resultados” (2003 apud
SOUZA; CAVALCANTE, 2012, p. 3). Isto, na percepção do autor, dificulta a criação de laços
de lealdade entre os eleitores e as siglas partidárias.
Como pode-se perceber, os partidos vêm exercendo sua territorialidade – agindo sobre
o território no intuito de conquista/perpetuação do poder – usando de diversas ferramentas, estas
adequadas ao contexto político do território onde cada organização está inserida. De alianças
inconsistentes e personalização da política até ligação com governantes anteriores “bem
sucedidos”, a ação dos partidos sobre o espaço se molda com o intuito de vencer os processos
eleitorais. E neste ponto do estudo, a relação entre partidos políticos e territorialidade se torna
evidente, sendo que esta segunda é a ação do primeiro – grupo de indivíduos – dentro de
determinado espaço, sempre voltado ao que toda organização partidária almeja ou tenta manter:
o poder. Portanto, as iniciativas, a ação dos partidos políticos no território, ou seja, a sua
territorialidade vem a influenciar na conquista/perpetuação ou não do poder destes em relação
ao contexto territorial onde estão inseridos.
968
CONCLUSÕES
A partir do presente estudo foi possível perceber como vem se dando a territorialidade
dos partidos políticos nos últimos anos, evidenciando algumas das estratégias das organizações
partidárias no território. Isto relaciona-se com a questão do território como espaço político por
excelência, sendo cena do poder e o lugar de todas as relações, como defende Raffestin (1993).
Em tal perspectiva, percebe-se o território não apenas como uma demarcação feita no espaço,
mas sim um palco de ação dos indivíduos e de relação entre estes. Isto vai de encontro, também,
ao pensamento de Quadros e Cruz (2014) sobre o território, onde este é um instrumento de
exercício de poder, uma espécie de trunfo a ser dominado e controlado.
Além de caracterizar-se como um “trunfo”, inserida no território há a população, o
povo, e segundo Raffestin (1993), neste está a origem de todo poder. Nesta perspectiva, é
possível pensar que, exercendo domínio sobre o território e controle sobre a população, obtém-
se poder, e tendo este como objetivo, é possível abordar o conceito de partidos políticos segundo
Praça e Diniz (2007). Segundo os autores, o objetivo das organizações partidárias é a vitória
nos pleitos. Esta leva ao controle em relação ao território em que está inserido o partido, pois
este exerce influência sobre o contexto territorial e, principalmente, sobre a população. Tal
controle exercido por determinado grupo em relação ao território, remete ao conceito de
territorialidade, que, de acordo com Sack, é “a tentativa por indivíduos ou grupos para afetar,
influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e relações, pela delimitação e estabelecimento de
controle sobre uma área geográfica” (1986, p. 19-20 apud RUCKERT, 2005, p. 88).
Contudo, para que se atinja os resultados almejados nos processos eleitorais, os
partidos necessitam da identificação por parte da população voltada para a arrecadação de votos,
e, segundo Kinzo (2005 apud REBELLO, 2012), os eleitores brasileiros vem seguindo uma
tendência de não identificação com as legendas em função do pouco vínculo entre partidos e os
eleitores, relacionado com o a falta de conhecimento por parte da população em relação ao
sistema partidário brasileiro, caracterizando uma cultura política de desinteresse de boa parcela
da população pela política. Isto torna necessário, por parte dos partidos, a formulação de novas
estratégias, tais como a personalização, dando enfoque às figuras e não às legendas, e à
formação de coligações inconsistentes e diferenciadas nos diferentes estados do Brasil, visando
969
obtenção de bons resultados, mas não reforçando vínculos entre eleitores e legendas
(MAIWARING, 2003 apud SOUZA; CAVALCANTE, 2012).
Percebe-se, em conclusão, novos tipos de estratégia adotados pelos partidos políticos
durante as disputas eleitorais como ferramentas para obtenção de votos, visando exercer o
controle sobre o território. Com novas iniciativas visando adquirir votos – por vezes
contraditórias –, ligadas tanto à não identificação da população com as legendas quanto com o
desconhecimento desta em relação ao sistema partidário, observou-se que a ação das
organizações no território não contribui na identificação dos eleitores com os partidos. Ao invés
do fortalecimento da representatividade partidária, o que se percebe é o enfraquecimento da
relação entre as legendas e o eleitorado, causando um distanciamento cada vez maior entre as
parcelas sociais que deveriam se ver representadas e os partidos que, teoricamente, as
representariam.
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972
ALFORRIAS E ABOLICIONISMO EM SÃO BORJA (1839 -1887): NOTAS DE
PESQUISA
Anderson R. Pereira Corrêa43
Márcio Jesus Ferreira Sônego44
Érika Dal Carobo Viana45
Igor Darci Campos Araújo 46
RESUMO: O presente artigo pretende comunicar a pesquisa em andamento que estuda as
alforrias “concedidas’ no município de São Borja. Primeiramente, pretende-se comparar os
resultados de São Borja com as alforrias realizadas em Alegrete e em segundo lugar, comparar
as alforrias da década de 1880, de São Borja, com as alforrias de Porto Alegre. Estudos sobre o
abolicionismo na Província de Rio Grande de São Pedro, afirmam que, em 1884, várias cidades,
incluindo Porto Alegre e São Borja, já estavam livres da escravidão. Os resultados preliminares
desta pesquisa apontam para a necessidade de se discutir os tipos de alforrias que foram
concedidas. Pretende-se enfatizar a participação do escravos no processo de conquista da
alforria. As principais fontes desta pesquisa são as “cartas de liberdade” do município de São
Borja do período de 1839 à 1887. Utilizou-se de método quantitativo com a utilização de
gráficos para expor os resultados.
Palavras – chave: Alforrias, São Borja, abolicionismo.
INTRODUÇÃO
Apresentamos um breve estudo das alforrias registradas nos cartórios de São Borja
durante o século XIX. De acordo com Kátia Mattoso, nos decênios próximos à abolição jurídica
do trabalho escravo no Brasil ampliaram-se os esforços por alforriar os escravos. Esses esforços
podem ser identificados pela Lei do Ventre Livre (28 de setembro de 1871, nº2440), pela Lei
43 Mestre em História pela PUCRS, Professor da Universidade Federal do Pampa/São Borja – RS, Colaborador do
Programa de Educação Tutorial História da África (PET- História da África) [email protected]; 44Mestre em História pela PUCRS, Técnico Administrativo em Educação do IFFar Campus Alegrete, Coordenador
de Ações Inclusivas e Presidente do NEABI - Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas. Email:
[email protected] 45Discente de Jornalismo/ Unipampa/São Borja e Bolsista do PET – História da África.
[email protected] 46Graduado em Ciência Política, Especialista em Políticas Públicas, Discente do curso de Ciências
Humanas/Unipampa/São Borja e Bolsista do PET – História da África. [email protected]
973
dos Sexagenários (28 de setembro de1885, nº 3.270 – conhecida como Lei Saraiva-Cotegipe) e
pelo movimento abolicionista que se intensificou a partir dos anos 1880. (MATTOSO, 2003,
p.176). Conforme Maria Angélica Zubaran, as pesquisas têm enfatizado o impacto da lei de
1871 sobre a experiência individual dos escravos e sua importância na abertura de novas
possibilidades de luta pela liberdade (2006, p. 223). O termo “alforria”, tradicionalmente e nos
dicionários aparece como sinônimo de liberdade concedida. Mattoso explica que a liberdade
pela alforria, sendo um dispositivo legal, podia ser concedida solenemente ou não. Em qualquer
dos casos era necessário que houvesse testemunhas. As alforrias Concedidas de forma escrita e
registradas em cartório chamavam-se “cartas de alforria”. (2003, p.177) As alforrias podem ser
gratuitas ou onerosas e até 1865 podiam ser revogadas. Muitas alforrias possuíam cláusulas
restritivas (condicionais de tempo ou restritivas). Na prática o forro, alforriado, deixa de ser um
bem e passa a ser tratado como um “menor”. (Ibdem, p.180) Para Bruna Krob (2016, p.13) a
década de 1880 foi marcada pelo aumento significativo do movimento abolicionista e da
pressão dos próprios cativos. Muitas cartas de alforria foram concedidas na década de 1880 e
em especial no ano de 1884 (auge do movimento abolicionista no Brasil e no Rio Grande do
Sul). Verônica Monti (1985) ao estudar o abolicionismo na Província de Rio Grande de São
Pedro, afirma que, em 1884, várias cidades, incluindo Porto Alegre e São Borja, já estavam
livres da escravidão. A historiografia de São Borja destaca a ação do movimento abolicionista
na cidade e enfatiza o nome de alguns líderes do movimento abolicionista e republicano.
Segundo essa bibliografia a cidade de São Borja ficou livre da escravidão em 1884.
O município de São Borja, no Rio Grande do Sul, foi criado em 1690 e fez parte do
conjunto de povos missioneiros (reduções). (MAURER, 2015, p.12) São Borja é um dos Sete
Povos Missioneiros localizados no lado ocidental do rio Uruguai. A partir de 1801 o povo de
São Borja é “conquistado” para o império luso-brasileiro. Em 21 de maio de 1834 é instalada a
Vila de São Francisco de Borja. Com a criação da Vila de São Borja deixa de existir a “Província
das Missões”. Os povoados de São Luis, Itaqui, Santiago, São Francisco de Assis, entre outros,
ficam sob a administração da Vila de São Borja, ou seja, grande parte do território das Missões
(Sete Povos). (FLORÊS, 2012, p.85) Em 10 de junho de 1834 a Vila de São Borja foi dividida
em cinco Distritos: Sede, da Cruz, Camaquã, São Francisco de Assis e São Xavier. (Ibdem,
p.111) Em 1850 foi oficializada a Comarca de São Borja, que pôs fim à Comarca das Missões,
a nova Comarca abrangia São Borja, Cruz Alta e Vacaria. Em 1860 houve a diminuição do
território da Comarca, abrangendo São Borja e Itaqui. Em 1872, após a Guerra do contra o
974
Paraguai, período em que a cidade de São Borja foi invadida, a cabeça de Comarca passou a
ser Itaqui. (Idem) Na década de 1880 ocorreram três emancipações que foram
“desmembramentos” do território de São Francisco de Borja. Em 03 de junho de 1880
aconteceu à emancipação do município de São Luis, em 04 de outubro de 1884 emanciparam-
se Santiago e Itaqui. No período que vai de 1884 a 1888 não ocorreram mais desmembramentos
do município de São Borja e o mapa que apresentamos abaixo, de 1900, é a representação do
território do munícipio de São Borja pra década de 1880.
Imagem 01: Mapa do Rio Grande do Sul, em 1900, com a localização de São Borja em
destaque
Fonte: IBGE
Durante a Guerra contra o Paraguai a cidade de São Borja foi invadida pelos paraguaios
entre os dias 10 de junho de 1865 e 19 de junho de 1865. (RODRIGUES, 1982.p.87) Na cidade
de São Borja, na década de 1880, acontecia existia significativa propaganda republicana, sendo
a Câmara da cidade a responsável por um dos documentos mais importantes para a propaganda
republicana no pais, e conhecida “Moção Plebiscitária” de 13 de janeiro de 1888. Existia na
975
cidade um profícuo Partido Republicano, clube Abolicionista e jornais de propaganda. (Ibidem,
p.126)
Em São Borja aconteceu, no final do Século XIX, os fenômenos “imigrantismo” e
“abolicionismo”, detectado por Sandra Pesavento para o a Província. (PESAVENTO,
1989,p.11) Estes fenômenos tinham por objetivo o aperfeiçoamento do capitalismo através da
constituição de um “mercado de trabalho”, ou seja, a hegemonia do trabalho assalariado nas
relações de produção e circulação de bens e mercadorias. Na cidade de Alegrete, no final do
Século XIX, também percebeu-se a chegada de imigrantes e a presença de um movimento
abolicionista. (CORRÊA, 2017.p.11) De acordo com Claúdio Oraindi, em São Borja, em março
de 1885, foi criada a Sociedade de Imigração de Colonização, com o objetivo de atrair a
imigração espontânea ade agricultores (RODRIGUES,1982.p.115) Nessa época, por volta de
1887, a população urbana da cidade girava em torno de 3.360 pessoas. Sob a direção de Álvaro
Batista da Costa, pelos idos de 1885, existiu o jornal “Movimento” que dedicava-se ao
movimento de abolição da escravatura. (Ibdem.p.118) Claudio Oraindi escreve que em São
Borja quase a totalidade dos intelectuais eram abolicionistas. Com destaque para Aparício
Mariense, Álvaro Batista da Costa. (Ibdem.p 119) Existem registros dos nomes de Wenceslau
Escobar, Francisco Gonçalves Miranda e Homero Batista da Costa como membros do
movimento abolicionista. (O’Donnel, 1983)
Aparício Mariense se destacou, pois escreveu o drama “O filho de uma escrava”, que
foi levado à cena, em diversas cidades como Alegrete e outras localidades. Foi editado em 1982,
em Cruz Alta com o fim de servir de propaganda e levantar recursos a todas as sociedades
abolicionistas. (RODRIGUES, 1982, p.119) No dia 07 de setembro de 1884 aconteceu uma
grande festividade para comemorar o término da escravatura na cidade. Era presidente da
sociedade abolicionista, nesse momento, o Sr. Álvaro Batista da Costa. (Idem) Segundo
O’Donnel, os fundadores do clube Abolicionista de São Borja, Wenceslau Escobar, Aparício
Mariense e Francisco Gonçalves Miranda, libertaram seus escravos sem qualquer indenização.
(1983)
Gláucia Kulzer (2009, p.39) apresenta a porcentagem de escravos em relação a
população de alguns municípios da Província para o ano de 1859: Cruz Alta 13%, São Borja
14%, Rio Grande 18%, Santa Maria 19%, Uruguaiana 22%, Alegrete 23%, Bagé 25%, Pelotas
27%, Jaguarão 28%.
976
Não existiu no Brasil um padrão, uma uniformidade nos tipos de alforrias, pois a
escravidão podia apresentar particularidades bem singulares em cada região, ou seja, as relações
escravistas eram muito variadas, tanto na esfera social como geograficamente. As alforrias
estavam circunscritas às transformações históricas de cada período e região. Sônego (2013)
encontrou 704 cartas de alforrias para Alegrete no período que vai de 1832 a 1886. A maioria
das alforrias registradas foram para escravas (feminino) que girou em torno de 56,53% da
amostra, em idade produtiva (85% da amostra) e de serviços ligados a casa e ou domésticos.
Bruna Krob identificou que, no ano de 1884 em Porto Alegre, a maioria das alforrias foram
condicionais (83% da amostra), ou seja, com a condição de continuar a servir seus antigos
senhores por prazos que variaram de três a cinco anos, em sua maioria. Estas alforrias foram
concedidas, em 53% dos casos, para mulheres e a totalidade delas pra escravos em idade
produtiva (2016, p.14). Conforme o autor Raul Róis Schefer Cardoso, ainda nos dias atuais é
recorrente a ideia de que o Rio Grande do Sul, seguindo o exemplo do Ceará e Amazonas,
aboliu a escravidão quatro anos antes da Lei Áurea (2007, p. 10). Entretanto, nas palavras do
referido historiador, o engano historiográfico desconsidera que “a emancipação de centenas de
escravos, nos anos anteriores a 1888, foi feita através de contratos de prestação de serviços, que
instituíram não a liberdade, mas uma forma de escravidão disfarçada” (2007, p.10).
977
Imagem 02: Carta de Alforria
Fonte: http://www.historiabrasileira.com/files/2009/12/carta-alforria.jpg
Cabe indagar se a escravidão, em São Borja, terminou antes da Lei Áurea (Lei 3.353 de
13 de maio de 1888)? Pretendemos apresentar um perfil dos libertandos em São Borja no
período que vai de 1839 a 1887. Primeiramente, pretendemos comparar os resultados de São
Borja com as alforrias realizadas em Alegrete e em segundo lugar, comparar as alforrias de
1884 em São Borja, com as alforrias do mesmo período realizadas em Porto Alegre, nesse
mesmo período de auge do movimento abolicionista. Pretende-se saber se os escravos se
tornaram livres, em São Borja, em 1884, antes da Abolição.
METODOLOGIA
As principais fontes desta pesquisa são as cartas de alforrias ou “Cartas de liberdade” do
município de São Borja do período de 1839 a 1887. Estas “Cartas de liberdade” foram
publicadas pelo Arquivo Público do Rio Grande do Sul e são os “Documentos da Escravidão/
catálogo seletivo de cartas da liberdade/ acervo dos tabelionatos do interior do Rio Grande do
Sul”. As fontes foram classificadas de Diretas de acordo com o critério posicional, no critério
978
intencional elas são Voluntárias, no critério qualitativo são
Culturais/Verbais/Escritas/Narrativas, e no critério forma-quantitativo as fontes são seriáveis.
(ARÓSTEGUI, 2006. p.493) Sobre o critério intencionalidade, as fontes são classificadas como
Intencionais, Culturais e da Administração Estatal. (ARÓSTEGUI, 2006. p.497) Para trabalhar
as fontes utilizou-se do método quantitativo para quantificar séries e padrões de comportamento
com a utilização do programa de registro/tabulação e exposição de dados “excel”. Usou-se
também a análise de discurso para observar as particularidades e a subjetividades dos sujeitos
envolvidos nos fatos estudados. O Presente estudo inicia com a construção do contexto das
alforrias e do abolicionismo. Em seguida estabeleceu-se os tópicos de classificação par fim de
comparação entre os dados encontrados sobre as alforrias de Alegrete e as alforrias de Porto
Alegre. Passou-se então, depois, para a descrição e discussão dos dados encontrados sobre as
alforrias de São Borja. Buscou-se identificar e quantificar as informações sobre o tipo de
alforrias concedidas (condicionadas e não condicionadas), sobre a idade dos alforriados (menor
de 21 anos, entre 21 e 60 anos e maiores de 60 anos) e o sexo dos alforriados. Esses dados
foram identificados numa perspectiva geral, ou seja, por todo período e com foco no ano de
1884. As alforrias condicionadas foram divididas em: pagas pelo escravo, pagas por terceiros,
com a condição de permanecer com seu antigo dono por um prazo de 1 ano, 2 anos, 4 anos, 5
anos, 5,5 anos, 6 anos, 7 anos, até que o escravo complete 21 anos e aquelas cartas que previam
que o alforriado deveria ficar servindo o senhor ou sua família até a morte do seu antigo senhor
e atual proprietário.
RESULTADO E DISCUSSÃO
A apresentação dos resultados será feita através de gráficos com sua devida discussão
pertinente. Foi analisado um total de 544 cartas de alforrias (quinhentos e quarenta e quatro)
registradas no período de 1839 a 1887. Essas cartas resultaram na concessão de muitas alforrias,
com número superior ao número de cartas, pois aconteceram cartas com alforrias coletivas.
Optou-se por identificar o ano de concessão e não o ano de registro com a intenção de localizar
a libertação de fato e não a de direito. A apresentação dos resultados segue a seguinte ordem:
primeiramente apresenta-se a quantidade geral das alforrias encontradas nos registros dos
cartórios, depois o sexo dos alforriados, em seguida a idade e por último o tipo de alforria.
Apresentamos outro bloco com a descrição e discussão das alforrias do ano de 1884 em
979
separado seguindo os mesmos critérios de observação: quantidade geral, sexo, idade e o tipo de
alforria.
Gráfico 01: Quantidade de alforrias por ano em São Borja
Fonte: Elaboração própria
O gráfico acima demonstra o quantitativo das alforrias concedidas por ano no município
de São Borja. Podemos observar que existem alforrias concedidas desde o final do século XVIII
e que foram registradas a partir de 1839. Os anos que saíram média das alforrias concedidas
forma 1856, o período de 1865 a 1868 (com destaque para 1867), o ano de 1876 e 1884. No
final do gráfico percebemos que o ano de 1884 foi o ano que mais ocorreram alforrias em São
Borja, o interessante é que o registro dessas alforrias foi dividido entre os anos de 1884 e 1885.
No total foram 544 alforrias registradas num período de aproximadamente 50 anos e 318 destas
concessões foram no ano de 1884, o que corresponde a aproximadamente 58% delas. Em um
único ano concentrou-se mais da metade das concessões de alforrias.
1)
An
o d
e al
forr
ia
18
35
18
43
18
46
18
49
18
53
18
56
18
59
18
62
18
65
18
68
18
71
18
74
18
77
18
80
18
83
18
86
0
50
100
150
200
250
300
350
Série1
980
Gráfico 02: Idade dos Alforriados em São Borja no período estudado.
Fonte: Elaboração própria
O número de alforrias concedidas para mulheres supera ligeiramente ao número de
alforrias para homens. A historiografia assinala que as mulheres escravas eram mais
contempladas com a alforria em detrimento aos homens. Notamos essa mesma perspectiva em
nossa pesquisa inicial. Os estudos realizados até o momento foram unânimes na caracterização
do sexo do manumitido; os escravos do sexo feminino compuseram entre 60 e 70 % dos
alforriados nas Américas espanhola e portuguesa. “Fossem africanas ou crioulas, elas sempre
levavam vantagem em relação aos homens” (ALADRÉN, p. 3). Existe praticamente um empate
nestas tipologias em São Borja.
286; 53%
258; 47%3) sexo
Feminino
Masculino
981
Gráfico 03: Idade dos alforriados
Fonte: Elaboração própria
A grande maioria dos registro não informa a idade dos alforriados, cerca de 78% dos
mesmos. Optou-se em fazer a classificação em menor de 21 anos, para identificar os “menores
de idade”, os que possuíam entre 21 e 60 anos de idade para identificar aqueles que estavam
em idade produtiva e acima de 60 anos para os idosos. Daqueles registros que foi possível
identificar a idade, 122 do total de 544, os alforriados que estavam em idade produtiva
correspondem a 61% dos libertandos.
Gráfico 04: Tipo de alforrias (Condicionadas e não condicionadas)
Fonte: Elaboração própria
35; 6%
75; 14%12; 2%
420; 78%
4) idade que foialforriado
menos de 21
entre 21 e 60
mais de 60
S/R
3; 1%
152; 28%
48; 9%
48; 9%
40; 7%
1; 0%2; 0%2; 0%1; 0%11; 2%
8; 1%24; 4%
1; 0%
16; 3%
65; 12%
86; 16%
36; 7%
5) qual a condição paraa alforriaservir 5 e meio
sem condição
morte do proprietário
alforriada pagou
servir 4 anos
servir 10 anos
982
Como podemos ver no gráfico acima 72% das alforrias concedidas em São Borja, para
todo o período, foram com algum tipo de condição ou ônus. Já saiam livres no ato da concessão
as alforrias sem condição ou ônus e aquelas que eram pagas pelo escravo ou por terceiros (28%
+ 16%). Assim, 44% dos alforriados já saíram livres no ato da concessão. Do total, 56% das
alforrias foram com ônus. Das alforrias com ônus, a maioria previa que o escravo deveria
prestar serviço ao antigo senhor ou para sua família por um período de tempo e ou até a morte
do proprietário/patrão.
Aproximadamente 58% das alforrias de São Borja, o que corresponde a 318 concessões,
foram concedidas no ano de 1884. Optamos por isolar esse ano e analisar se houve algum tipo
de diferenciação nas idades, sexo, tipos de alforrias, em relação aos outros anos da série. Sabe-
se que para a realidade de Porto Alegre, no período de 1884 a 1888, Bruna Krob (2015)
identificou 17% das alforrias como sendo sem ônus e 83% com algum tipo de ônus ou
condicionante; a maioria, 53%, de alforrias de mulheres e com idade produtiva.47
Gráfico 05: Idade dos Alforriados em 1884
Fonte: Elaboração própria
Em 1884 o número de concessões sem identificação da idade do alforriado superou o
número em relação a todo o período estudado. Somente 8% destas cartas apresentaram a idade.
47 Bruna Krob classifica como idade produtiva dos 15 aos 45 anos. Nessa pesquisa nós utilizamos idade produtiva
como sendo dos 21 aos 60 nos. Na verdade o critério do grupo foi infância, vida adulta e idosos.
8; 3%13; 4%
3; 1%
291; 92%
menos de 21
entre 21 e 60
mais de 60
S/R
983
Entre as cartas que apresentaram a idade o maior número foi para alforriados com idade entre
21 e 60 anos (54%), 33% menores e 12% de maiores de 60 anos.
Gráfico 06: Sexo do (a) Alforriado (a) em 1884
Fonte: Elaboração própria
O número de alforriados feminino aumentou um pouco em relação a estatística geral,
mas esse aumento não foi muito significativo. Ainda assim continuam as mulheres sendo mais
alforriadas do que os homens.
138; 44%
177; 56%
Masculino
Feminino
984
Gráfico 07: Tipo de alforrias em 1884 (Condicionadas e não condicionadas)
Fonte: Elaboração própria
Separamos as alforrias por Condicionadas e Não Condicionadas. As alforrias
condicionadas poderia ser mediante pagamento do próprio escravo, de terceiros, por condição
de permanecer um período de tempo com seu antigo senhor e ou até a morte do mesmo e seus
familiares. No ano de 1884 a porcentagem de alforrias sem ônus ou condições diminuiu 10%,
ou seja, enquanto que pra análise de toda a série do período as alforrias sem condicionais ou
ônus eram 28%, em 1884 esse número baixou pra 18%. Menos de 1% pagou por sua alforria
diferente da série que aparecem 16% de alforrias pagas. É interessante observar que enquanto
na série toda 44% dos alforriados já conquistavam sua liberdade no ato, no ano de 1884 somente
18% conseguiu.
CONCLUSÕES
Podemos dizer que conseguimos atingir nossos objetivos nessa pesquisa inicial sobre as
alforrias em São Borja. De modo geral os padrões das alforrias foram semelhantes ao que
aconteceu em Alegrete para todo o século XIX e o que aconteceu em Porto Alegre para os ano
de 1884. Em Porto Alegre 17% das alforrias foram sem ônus e em São Borja 18%. A maioria
das alforrias eram condicionadas. Em 1884, para São Borja, o número de alforrias
2; 1%
57; 18%3; 1%
1; 0%
37; 12%
1; 0%
2; 1%
21; 7%
14; 4%
61; 19%
81; 26%
35; 11%
servir 5 e meio
sem condição
morte do proprietário
alforriada pagou
servir 4 anos
servir 1 ano
pagamento por terceiro
até completar 21 anos
servir 2 anos
servir 5 anos
servir 7 anos
servir 6 anos
985
condicionadas representam 82% do total da amostra. Destas, nenhuma foi com pagamento e
sim com a condição do ex-escravo permanecer com o antigo senhor por prazos que variam, em
sua maioria de 3 a 7 anos, existindo casos onde a permanência deveria ser até a morte do seu
senhor ou de seus familiares. As alforrias condicionadas à “prisão” ao antigo dono constituíram
numa transformação e continuidade do sistema escravocrata. Poderia representar mais do que
a conquista da liberdade uma resistência por parte dos proprietários e senhores em preservar a
instituição da escravidão. A análise que estamos fazendo harmoniza-se ou vem ao encontro das
histórias que ouvimos quando criança sobre escravos que “ganharam” sua alforria de senhores
caridosos e generosos. O que descobrimos, entretanto, é sobre o papel dos escravos que, mesmo
vivendo nos limites entre a sujeição e a rebeldia, conseguiram manipular as brechas do sistema
e os medos dos senhores, angariando pequenas vitórias, espaços de liberdade e, por vezes,
conseguindo alterar sua condição. Nas palavras de Reis e Silva (1989, p. 8): “Se os barões
cedem e concedem, é para melhor controlar. Onde os escravos pedem e aceitam, é para melhor
viver, algo mais que o mero sobreviver”. Com essa pesquisa podemos refletir e problematizar
as declarações na imprensa da época e a historiografia local que diz que em São Borja, a partir
de 1884, não havia mais escravidão.
REFERÊNCIAS
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986
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apropriações da Lei de 1871. In: Produzindo história a partir de fontes primárias. Porto
Alegre: APERS-CORAG, 2006.
987
UMA REFLEXÃO SOBRE AS REDUÇÕES JESUÍTICAS ORIENTAIS: DO APOGEU
A DERROCADA FINAL
José Luciano Gattiboni Vasques
RESUMO: As Reduções Jesuíticas Orientais: Do Apogeu a Derrocada Final, nos instiga a
pensar e entender toda esta estrutura que foi sendo construída dentro de uma região inóspita e
ao mesmo tempo relevante para a economia Ibérica. O estudo que se pretende mostrará como
este processo histórico foi montado e de que maneira o guarani participou e como isso influiu
no seu modo de vida. Este estudo mostra a razão das fundações da Colônia do Santíssimo
Sacramento e dos Sete Povos das Missões Orientais, quais seus objetivos e os recursos
utilizados para alcançá-los, também esclarecem os principais argumentos para a efetivação do
Tratado de Madrid (1750) e a posterior reação dos povoados missioneiros em relação a dito
Tratado, suas tentativas de se manterem no território, em primeiro lugar através de acordos para
a permanência e após a negativa por parte das Coroas ibéricas partindo para o confronto armado,
não levando em conta suas escassas estruturas bélicas, razão pela qual teve grande parte de seus
guerreiros dizimados e os povoados destruídos. Chegando à conclusão de que em nome de uma
tentativa de se resolver os problemas entre Portugal e Espanha, o Tratado de Madrid provocou
ainda mais desavenças entre eles.
Palavras-chave: Redução; Guarani; Jesuíta; Portugal; Espanha.
INTRODUÇÃO
A história das disputas pelas fronteiras48 do Sul do Continente Americano foram
marcadas pelos constantes enfrentamentos entre as coroas portuguesa e espanhola. É neste jogo
48 Na história da fronteira rio-grandense, a fixação da linha divisória, sua afirmação ou suas oscilações, em épocas
diferentes, apesar das operações concretamente regionais, dependeram de decisões acordadas politicamente nos
centros de decisão de poder, a exemplo do Rio de Janeiro, Lisboa, Madrid, Londres, Buenos Aires e Montevidéu.
Combinados com a conquista militar, a expansão demográfica e o recorrente do uti possidetis, ao cabo, a sua
definição significou uma opção imaginária, arbitrária, pesada na balança limitativamente possível da geopolítica.
GOLIN, Tau. A Fronteira. Porto Alegre: L&PM, 2002, p.13.
988
de interesses ibéricos que vamos focalizar as ações geopolíticas do final do século XVII,
abrangendo também o século XVIII.
A partir da fundação da Colônia do Santíssimo Sacramento (1680), em que os
portugueses, avançam em terras “tidas” como espanholas, abre-se a necessidade de haver por
parte de Espanha, um cuidado maior em relação as suas fronteiras platinas.
O processo expansionista português possibilitou momentos distintos em relação à
implantação do sistema missional, pois existiram duas fases deste processo histórico na atual
área do Estado do Rio Grande do Sul:
A Primeira Fase Reducional Missioneira deu-se com a fundação de São Nicolau
(1626) pelo Padre Roque Gonzáles, que depois de investidas dos bandeirantes paulistas que
vinham à região com o intuito de capturar os guarani para posterior venda no mercado
escravagista, viram-se obrigados a fugir para o lado oeste do rio Uruguai, abandonando o
gado vacum que ficou solto no território, e se multiplicou, formando vastos rebanhos.
A Segunda Fase Reducional Missioneira, a mais significativa em razão do longo
período em que esteve presente e em plena organização social, política, econômica e
religiosa na região Sul do Continente Americano, iniciou-se com a fundação de São
Francisco de Borja (1682?) o Primeiro dos Sete Povos das Missões Orientais e perdurou até
o epílogo missioneiro na Guerra Guaranítica.
Neste estudo, objetiva-se compreender todo o jogo político entre as nações ibéricas,
pois Portugal após o fim da União Ibérica49, havia perdido o direito da livre navegação na
região do Prata, e o príncipe-regente D. Pedro, tinha interesse na expansão do território
português, em razão deste local ser de importância ímpar, para continuar captando
principalmente a prata contrabandeada de Potosi (Peru), é neste contexto que surgem novos
cenários e conflitos entre os lusitanos e espanhóis.
49 Em 1580, instalou-se uma crise sucessória em Portugal. 1578, o rei Dom Sebastião I morrera na batalha de
Alcácer Quibir, no Marrocos contra os mouros, no norte da África, não deixando herdeiros. Assumira o trono
português, como regente, o cardeal Dom Henrique, seu tio-avô, que morreu em 1580. Extinguia-se com ele a
dinastia de Avis. Vários candidatos, por ligações de parentesco, apresentaram-se para a sucessão. Felipe II, rei da
Espanha, por ser neto de Dom Manuel, o Venturoso, e tio de D. Sebastião, julgava-se o candidato com mais direito
do trono português. Assim, as forças espanholas invadiram Portugal, em 1580, e Felipe II tomou a Coroa
portuguesa, unindo Portugal a Espanha. Este fato ficou conhecido como União Ibérica, que se estendeu até 1640.
www.multirio.rj.gov.historia/modulo01/união_iberica.html. Acesso em 07/08/2017.
989
A COLÔNIA DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO
Portugal e Espanha além de limítrofes, e de papel de destaque nas Grandes
Navegações, razão de possuírem diversas colônias espalhadas pelo planeta, e que acabaram por
propiciar e gerar muitos conflitos entre ambos, relacionados as questões de seus limites, porém,
nada comparável como os ocorridos em virtude da fundação da pequena Colônia do Santíssimo
Sacramento50, estabelecida às margens do rio da Prata51, bem defronte a Buenos Aires, e que
segundo os limites vigentes do Tratado de Tordesilhas, ficava dentro de território “dito”
espanhol, e que Portugal tentava impor, em cortes internacionais, a cartografia portuguesa52,
onde a possessão portuguesa na América seria delimitada, ao norte, pela foz do rio Amazonas
e, ao sul, pela foz do rio da Prata.
Os constantes conflitos entre as Coroas Ibéricas, em virtude de disputas territoriais e
econômicas na região platina, localizada ao sul do continente americano e a contínua tentativa
expansionista portuguesa de suas fronteiras, pois era imperativo marcar presença naquela
área, em razão da sua importância comercial e estratégica na margem setentrional do estuário
do rio da Prata. É neste contexto que surge a Colônia do Santíssimo Sacramento.
50 Colônia do Santíssimo Sacramento. Atual cidade de Colônia, Uruguai. Fundada pelo português d. Manuel Lobo
(?-1683), em janeiro de 1680, sob a orientação da Coroa lusitana. Localizada no estuário do Prata, em frente a
Buenos Aires, este enclave fincado no território castelhano foi palco de inúmeros conflitos entre portugueses e
espanhóis. Centro de comércio e contrabando. A Colônia foi tomada quatro vezes pelos espanhóis: a) 7 de agosto
de 1680; devolvida em 14 de fevereiro de 1683, por determinação do Tratado de Lisboa, de 7 de maio de 1681; b)
16 de março de 1705, reentregue em 4 de março de 1716, conforme prescrição do Tratado de Utrecht, de 6 de
fevereiro de 1715; c) 25 de setembro de 1761, restituída em 29 de dezembro de 1763, por previsão do Tratado de
Paris, de 10 de fevereiro do mesmo ano. Ocupada definitivamente, em sua quarta vez, em 3 de junho de 1777.
Permaneceu como possessão espanhola pelo Tratado de Santo Ildefonso, de primeiro de outubro (Golin, Zero
Hora, 13 de janeiro de 1993; Sá, 1993;
Monteiro, 1937; Assunção, 1985). GOLIN, Tau. A guerra guaranítica: como os exércitos de Portugal e Espanha
destruíram os Sete Povos dos jesuítas e índios guaranis no Rio Grande do Sul / Tau Golin. – 2.ed. – Passo Fundo:
EDIUPF; Porto Alegre: Ufrgs, 1999, p.150. 51 O rio da Prata foi descoberto em 1514, pelo português Nuno Manuel, mas somente em 22 de março de 1516 foi
conquistado por Juan Díaz de Solis, rio este tido como porta principal de entrada para as riquezas oriundas do
Peru, e em razão disto sendo o mais importante ponto da costa meridional da América do Sul. 52 A cartografia portuguesa, desde o século XVI, colocava a foz do rio Amazonas e o rio da Prata no mesmo
meridiano, incluindo a bacia platina em território lusitano, diminuindo em graus a distância que separava a
América da África, conforme os mapas de Bartolomeu Velho, feitos em Lisboa em 1561, o de Luís Teixeira, em
1574, e o de João Teixeira Albernás, em 1666. Em 1676, cedendo às pressões portuguesas, o Papa Inocêncio IX
estendeu o bispado do Rio de Janeiro até o rio da Prata, assegurando a posse das terras doadas aos Correia de Sá.
FLORES, Moacyr. Colonialismo e missões jesuíticas. Porto Alegre: EST/Instituto de Cultura Hispânica do Rio
Grande do Sul, 1983, p. 56.
990
O príncipe-regente Dom Pedro, tinha interesse na expansão do território da
Colônia portuguesa até o estuário do rio da Prata, em função de que a partir dessa, nova
alternativa voltaria a ter restabelecido os vínculos com a região do Prata rompidos ao final
da União Ibérica (1640), que favoreceram por um bom tempo os portugueses,
possibilitando a penetração num território que, por “direito”, pertencia aos espanhóis. Pois
através dela possibilitaria continuar captar a prata oriunda de Potosi (Peru) com destino ao
porto de Buenos Aires.
D. Pedro II, rei de Portugal (1668-1706), ordenou ao Tenente-General Jorge
Soares de Macedo que estudasse a costa do rio da Prata, escolhendo local para
a fortificação e povoação. Em 1678 Jorge Soares escreveu ao rei que não partiu
do Rio de Janeiro devido ao mau tempo e à chegada de D. Manuel Lobo, o
novo governador.53
Portanto,
No final do século, em 1680, o povoamento da região seria estabelecido
oficialmente com a fundação, pelo governador Manoel Lobo, do Rio de
Janeiro, da polêmica Colônia do Sacramento, no Sul do atual Uruguai.54
Já Monteiro (1937, p.50-51), descreve que
D. Manuel Lobo trouxe instruções específicas para formar o novo
estabelecimento português na margem esquerda do Prata, que gerou conflitos
entre portugueses e espanhóis, de 1680 a 1777.55
De acordo com Flores (1983), “o Papa Inocêncio IX em 1676, acabou cedendo às
pressões da Coroa portuguesa e estendeu o bispado do Rio de Janeiro até o rio da Prata, o
que assegurou a posse das terras doadas aos Correia de Sá. Faltava então para garantir estes
direitos a construção de uma cidadela e povoação do local”. Segue ainda Flores, “no ano
seguinte a decisão do Papa, Salvador Correia de Sá solicitou licença para a construção de
53 MONTEIRO, Jonathas da Costa Rego. A Colônia do Sacramento. Porto Alegre: Globo, 1937. I vol. p. 98 a
108. 54 KERN, Arno Alvarez. Missões: uma utopia política. Série Documenta 14. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982.
p. 157. 55 FLORES, FLORES, Moacyr. Colonialismo e Missões Jesuíticas. Porto Alegre: EST / Instituto de Cultura
Hispânica do Rio Grande do Sul, 1983, p. 57.
991
uma cidadela fortificada na ilha São Gabriel, chegando inclusive indicar três lugares para a
construção da mesma”. Todo este contexto, ocorrido a partir da ruptura entre as coroas
ibéricas abriu-se a necessidade de uma solução por parte de Portugal.
O Tenente-General Jorge Soares de Macedo recebeu ordens do rei de Portugal, D.
Pedro II, para que este através de estudos na região do rio da Prata encontrasse um lugar
adequado para que fosse providenciada a construção de um forte e ao mesmo tempo
possibilitasse a criação de um povoado português na dita região.
A fundação da Colônia do Santíssimo Sacramento, o entreposto comercial de
Portugal no estuário do rio da Prata, acabou dificultando ainda mais as relações da
Metrópole portuguesa com a Espanha. A tumultuada Colônia do Santíssimo Sacramento,
que Portugal manteve durante um período de quase cem anos (1680 a 1777), várias vezes
foi capitulada, destruída e devolvida pelas forças espanholas aos portugueses através de
diversos tratados realizados entre as Coroas ibéricas.
Portugal em razão de que Companhia de Jesus e os guarani, por diversas vezes haviam
lutado ao lado da Espanha nos conflitos platinos, aliando ao contexto a não permissão da entrada
de colonos, e conseguido que fosse proibido a escravização indígena, adquiriram vários
inimigos, entre eles o mais incisivo: o marquês de Pombal56.
AS MISSÕES JESUÍTICAS
56 Marquês de Pombal é o nome com que ficou conhecido Sebastião José de Carvalho e Melo, político e verdadeiro
dirigente de Portugal durante o reinado de José I, o Reformador. Pombal nasceu em Lisboa no dia 13 de maio de
1699. Estudou na Universidade de Coimbra. Em 1738, foi nomeado embaixador em Londres e, cinco anos depois,
embaixador em Viena, cargo que exerceu até 1748. Em 1750, o rei José nomeou-o Secretário de Governo
(ministro) para Assuntos Exteriores. Quando um terremoto devastador destruiu Lisboa em 1755, Pombal organizou
as forças de auxílio e planejou a reconstrução da cidade. Foi nomeado primeiro-ministro neste mesmo ano. A partir
de 1756, seu poder foi quase absoluto e realizou um programa político de acordo com os princípios do Século das
Luzes ou Iluminismo. Aboliu a escravidão, reorganizou o sistema educacional, elaborou um novo código penal,
introduziu novos colonos nos domínios coloniais portugueses e fundou a Companhia das Índias Orientais. Além
de organizar o Exército e fortalecer a Marinha portuguesa, desenvolveu a agricultura, o comércio e as finanças,
com base nos princípios do mercantilismo. No entanto, suas reformas suscitaram grande oposição, em particular
dos jesuítas e da aristocracia. Quando ocorreu o atentado contra o rei em 1758, conseguiu implicar os jesuítas,
expulsos em 1759, e os nobres. Alguns destes foram torturados até morrer. Em 1770, o rei lhe concedeu o título
de marquês. Depois da morte do rei José I, foi condenado por abuso de poder. Expulso da Corte, retirou-se para
sua propriedade rural em Pombal, onde faleceu no dia 8 de maio de 1782.
www.netsaber.com.br/biografias/ver_biografia_c_891.html.
992
A Companhia de Jesus, fundada por Ignácio de Loyola57, foi a alternativa espanhola
encontrada para colonizar o território e impedir o avanço português rumo a Potosi. Cada
redução era estruturada economicamente em duas partes: o abambaé, que era a propriedade
do homem, onde cada família trabalhava para o seu sustento, e o tupambaé, que era a
propriedade de Deus, onde os filhos solteiros trabalhavam junto com seus pais, destinado ao
sustento da comunidade. Nesta propriedade estavam incluídos além dos campos cultivados,
os ervais58, as estâncias, local onde eram criados os rebanhos, e que, serviam para realização
do pagamento dos impostos com a Fazenda Real; para suprir as necessidades decorrentes da
manutenção e obras da Redução. FLORES (1983) descreve os povoados da seguinte forma:
O núcleo urbano da cada um dos Sete Povos (Pueblos) distribuía-se em torno
de uma grande praça central, a qual servia para as comemorações, exercícios
militares e procissões. Em cada canto havia uma cruz que marcava local de
oração ou de procissão. No lado sul da praça, de onde soprava o vento frio,
alinhavam-se as oficinas, o colégio, o templo, o cemitério e o cotiguaçu. Atrás
destes edifícios localizavam-se o pomar e a horta, onde os meninos aprendiam
técnicas agrícolas e produziam alimentos para os alunos, os doentes do
hospital e as mulheres do cotiguaçu59.60
As primeiras reduções na América do Sul – San Ignácio e Loreto – foram fundadas em
1609 e marcaram o início da primeira fase das missões guaraníticas que se estendeu até 1641,
quando os índios, segundo Camargo, foram autorizados pelo decreto real de 21 de maio de
57 Soldado por herança e vocação, o espanhol Ignácio de Loyola, nascido em 1491, abandonou a carreira das armas
quando, convalescendo de um ferimento recebido na guerra entre Espanha e França, leu uma Vida de Cristo.
Apesar de manco, tornou-se um peregrino incansável. Em 1539, depois de ter ido à Terra Santa e de ser duas vezes
preso pela Inquisição, decidiu fundar a Companhia de Jesus. Estabeleceu um modelo militarizado para a ordem,
imaginado como um grupo de combate à Reforma. O Brasil foi a primeira província além-mar da companhia.
Morto em 1557, Loyola foi canonizado em 1622. História do Brasil/Zero Hora/ RBS/1998. p.33. 58 A produção de erva-mate era de suma importância, já que o produto era utilizado no pagamento dos tributos
devidos pelos Guarani missioneiros à Coroa de Espanha, estabelecidos pela Cédula Real de 1661. Mesmo que as
Reduções, por orientação administrativa, devessem ser auto-suficientes, intentando-se sempre a autonomia
econômica, existiam alguns produtos que deveriam ser buscados nos mercados de Santa Fé e Buenos Aires. Nessa
atividade, a erva-mate assumia um papel importante, representando a moeda das reduções na aquisição daquilo
que, em seu espaço, não era produzido. GOMES, Roselene Moreira; QUEVEDO, Júlio. São Nicolau. Porto Alegre:
Martins Livreiro, 2003, p.54. 59 Cotiguaçu era a casa das mulheres viúvas e desamparadas. Ali as moças aprendiam a bordar, costurar e a fazer
rendas semelhantes às europeias. 60 FLORES, 1983. op. cit., p. 26.
993
1640, para enfrentar os bandeirantes paulistas a utilizar armas de fogo, que sob o comando de
Raposo Tavares61, rumavam para as Missões Orientais e vencendo-os na batalha de M'bororé62.
Todas as Missões seguiam as normas estabelecidas pelas monarquias ibéricas e pelo
papado, e que segundo Kern63, “não se pode desconhecer a centralização das decisões tanto a
nível da monarquia espanhola, que controlava a clero católico através da instituição do real
patronato”.
Quando da vinda da Companhia de Jesus64, para a região do Prata no início do século
XVII, que se objetivara num primeiro momento em converter e apaziguar os guaranis que
constantemente entravam em conflitos com os encomendeiros65 espanhóis, para posteriormente
serem designados “os guardiões das fronteiras”, em virtude da falta de contingentes militares
para guardá-la, e em relação ao trabalho missional os inacianos já possuíam experiência em
povoados indígenas tanto nas Américas, como em outros continentes.
Esse acúmulo de experiência colonialista, aliado a condições sociais geográficas e
históricas, possibilitou que, em menos de vinte e cinco anos, os jesuítas
desenvolvessem mais de trinta Missões na região. Essas Missões apesar de não
conseguirem estabelecerem-se em territórios contínuos, devido à rebeldia incessante
das nações indígenas Güenoas, Jaros, Minuanos e Charruas, do Alto Uruguai,
61 Antônio Raposo Tavares nasceu em Portugal por volta de 1598, vindo para o Brasil no ano de 1618, pois seu
pai era governador da capitania de São Vicente. Iniciou suas expedições, conhecidas como despovoadoras, em
1627, atacando primeiramente Guairá e, em 1636, o Tape. Teve alguns cargos públicos e chefiou a expedição que
chegou até o atual estado do Pará, levando três anos para tanto. Faleceu na cidade de São Paulo no ano de 1658.
Disponível em: <httpd://www.submarino.net/jubileu/raposo_tavares.htm>. Acesso em: 26 dez. 2002. COLVERO,
Ronaldo. Negócios na madrugada: o comércio ilícito na fronteira do Rio Grande do Sul. Passo Fundo: UPF, p. 20. 62 A Batalha de M'bororé foi uma batalha ocorrida em 11 de março de 1641 na América do Sul vencida pelos
guaranis. Esta foi a batalha mais relevante da história da América colonial e constitui um episódio importante na
história dos Trinta Pueblos (Reduções) do Paraguai. Uma bandeira de escravistas paulistas com três mil homens
adentrou o território das reduções com a finalidade de destruir definitivamente as missões jesuíticas e cortar as
vias de comunicação espanholas entre os povoados paraguaios e o Alto Peru. Os guaranis, avisados por sentinelas
avançados, preparam-se para receber os atacantes. Na confluência entre o rio Uruguai e o rio M'bororé, na atual
província de Misiones na Argentina, os bandeirantes paulistas foram derrotados por um exército de guaranis –
organizado pelos jesuítas – de cerca de quatro mil homens. Morreram na batalha mais de dois mil homens. O
episódio foi decisivo para o futuro da província paraguaia que, graças aos guaranis, permaneceu assim sob o
controle da Espanha. Depois desta batalha as incursões de bandeirantes paulistas foram cada vez mais raras e
menos agressivas. De sua parte os jesuítas continuaram a manter uma força armada, com plena autorização da
coroa espanhola, que se dera conta da eficácia e da importância do exército guarani e da necessidade estratégica
das Reduções. 63 KERN, Arno Alvarez. Utopia e missões jesuíticas. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1994. p. 60. (Síntese
Universitária; 40). 64 Em 1540 a Companhia foi aprovada pelo Papa e sempre esteve impregnada pelo lema de seu fundador Ignácio
de Loyola “Ficar no mundo, servindo ao próximo, mesmo com a incerteza de se salvar”, já os primeiros jesuítas
chegaram ao Peru em 1567, onde fundaram a Redução de Juli. 65 Os encomendeiros recebiam da corte espanhola terras e certa quantidade de índios, para que explorassem as
terras e cristianizassem os nativos.
994
chegaram a abranger 350.0000 Km². Todas, no entanto, sob a administração da
Província Jesuítica do Paraguai, pertencente ao Vice-Reinado do Peru, pois na
época, como sabemos, o trono de Portugal estava submetido ao da Espanha, não
havendo fronteiras entre ambos, mas apenas as linhas teóricas e imprecisas do
tratado de Tordesilhas, que indicavam a procedência lusa ou hispânica de cada
província. 66
Suas experiências anteriores propiciaram que num curto espaço de tempo, os jesuítas
implantassem e desenvolvessem trinta povoados missioneiros na região sul do Continente
Americano. As Missões, em razão da rebeldia de alguns povos indígenas, tais como: Guenoas
e Minuanos, não conseguiram estabelecer-se em áreas continuas, mas abrangeram grandes
territórios.
Todos os Trinta Povos tinham como administrador central, a Província do Paraguai,
pertencente ao Vice-Reinado do Peru, já que neste momento Portugal67 encontrava-se sob a
tutela administrativa e política de Espanha, e, portanto não havia limites entre ambos,
separando-os apenas a linha imaginária do Tratado de Tordesilhas68. Em relação a localização
dos povoados Bruxell (1987:25) explica: “Portanto, a localização das Reduções não obedeceu
a interesses políticos e nacionalistas, mas para a defesa das fronteiras”,
Por volta de 1680, contudo, os jesuítas mais uma vez se estabeleceram na
região, desta vez na área confinada pelos rios Ibicuí e Uruguai, catequizando
os indígenas, e fundando várias missões. Foram chamados Sete Povos das
Missões Orientais do Uruguai, localizados no oeste do Rio Grande do Sul
atual.69
A Geopolítica Platina no período colonial esteve fortemente marcada pelas disputas
territoriais entre as coroas ibéricas. Estas se caracterizaram não apenas por interesses mercantis,
66 GOULART, Cátia Rosana Dias. Uma Leitura de A Cidade dos Padres no Contexto do Novo Discurso Ficcional-
Histórico na América Latina. Fundação Universidade Federal do Rio Grande: 2004, p. 78. 67 Com a morte, em 1578, de D. Sebastião, rei de Portugal, quando dá expulsão no norte da África dos árabes
assume, seu herdeiro mais próximo, que falece em 1580, quando assume Felipe II, rei de Espanha, tio de D.
Sebastião, permanecendo no poder até 1640, quando termina a União Ibérica. 68 Em 1493, o papa Alexandre VI criou um documento chamado Bula. Nesse documento, ficava estabelecido que
as terras situadas até 100 léguas a partir das ilhas de Cabo Verde seriam de Portugal e as que ficassem além desta
linha seriam da Espanha. O medo que Portugal tinha de perder o domínio de suas conquistas foi tão grande que,
por meio de forte pressão, o governo português convenceu a Espanha a aceitar a revisão dos termos da bula e
assinar o Tratado de Tordesilhas (1494). De acordo com o Tratado de Tordesilhas, as terras, situadas até 370 léguas
a oeste de Cabo Verde pertenciam a Portugal, e as terras a oeste desta linha pertenciam a Espanha. www.ig.com.br.
Acesso 29/08/2017. 69 KERN, 1994. op. cit., p. 168.
995
mas também por relações de poder que extrapolaram os limites fronteiriços definidos pelos
tratados.
É nesse jogo de interesses ibéricos que a segunda fase da ação missional jesuítica se
estabelece, a leste do rio Uruguai, no final do século XVII.
A partir da fundação da Colônia do Santíssimo Sacramento (1680) – entreposto
comercial português criado em terras tidas como espanholas – onde o trabalho jesuítico de
evangelização do nativo guarani, através da organização de um cordão de reduções capazes de
barrar o avanço português, novamente passa a ser a melhor opção a coroa da Espanha, que não
dispunha de efetivos próprios e suficientes para povoar e garantir a posse de tão vasta e
importante área.
São neste contexto geopolítico que foram fundadas os Sete Povos das Missões
Orientais: São Francisco de Borja, São Nicolau, São Luiz Gonzaga, São Miguel Arcanjo, São
Lourenço Mártir, São João Batista, Santo Ângelo Custódio.
A partir de então, verifica-se uma nova fase de construção e dinamização das
espacialidades ao longo dos rios Uruguai, Piratini e Ijuí. Caracterizado pela produção de
elementos paisagísticos mais duradouros que consolidaram as reduções como importantes
centros de produção econômica, cultural e social, além de representarem a tentativa de
afirmação política do colonialismo espanhol na região.
A primeira das reduções que surgem no lado esquerdo do Rio Uruguai é a de São
Francisco de Borja, a qual teve origem a partir do século XVII, entre 1682 e 1687. Esta redução
teve início a partir do desmembramento de parte da população do povoado de São Tomé,
povoado que ficava localizado no lado direito do rio Uruguai. O padre Francisco Garcia
juntamente com guaranis oriundos da redução vizinha (Argentina), fundou a dita redução,
dando início a nova fase reducional.
O Tratado de Madrid é o marco principal como fator de desconstrução do espaço
reducional missioneiro, pois a partir do acordo ocorrido entre as Coroas Ibéricas, mais
precisamente entre D. João V, rei de Portugal e Fernando VI, rei de Espanha, no qual trocavam
a Colônia do Santíssimo Sacramento pelos Sete Povos das Missões Orientais, onde o mais
traumático foi à ordem para que todos, índios reduzidos e jesuítas, juntamente com os pertences
que pudessem carregar, iniciassem a transferência para o outro lado do rio Uruguai.
996
O TRATADO DE MADRID
O Tratado de Madrid surgiu num contexto, em que os reis de Portugal e de
Espanha, tentavam pôr fim a algumas questões que seguidamente entravam em
divergências no hemisfério sul do continente americano: as questões relativas às suas
fronteiras, que apesar de estar em vigência o Tratado de Tordesilhas (1494), que
estabelecia e determinava a posse das terras entre as Coroas Ibéricas, mas que segundo
Porto70, esta tentativa de estabelecer os limites acordados no Tratado de Madrid assinalou
“o início da fase de decadência da civilização jesuítica nas Missões Orientais do Uruguai”.
Das povoações ou aldeias, que cede Sua Majestade Católica, na margem
Oriental do rio Uruguai, sairão os Missionários com todos os móveis e efeitos,
levando consigo os índios para os aldear em outras terras da Espanha; e os
referidos índios poderão levar também todos os seus bens móveis e
semoventes, e as armas, pólvora e munições, que tiverem. Em cuja forma se
entregarão as povoações à Coroa de Portugal, com todas as suas casas, igrejas
e edifícios, e a propriedade e posse do terreno. As que se cedem por Suas
Majestades Fidelíssima e Católica nas margens dos rios Pequirí, Guaporé e das
Amazonas se entregarão com as mesmas circunstâncias que a Colônia do
Sacramento, conforme se disse no Artigo XIV. E os índios, de uma e outra
parte, terão a mesma liberdade, para se irem ou ficarem, do mesmo modo e
com as mesmas qualidades que o hão de poder fazer os moradores daquela
Praça; exceto que os que se forem, perderão a propriedade dos bens de raiz, se
os tiverem. 71
O Tratado de Madrid, segundo seus artigos, explicitava a maneira de como
deveria ocorrer as mudanças para que se fizessem cumprir todas as partes do acordado.
Mas a obrigatoriedade de abandonarem suas povoações e retornarem mais uma vez para o
outro lado do rio Uruguai, levando o gado e tudo àquilo que conseguissem carregar,
móveis e semoventes ao território localizado a oeste do rio Uruguai, atual Argentina.
(...) os luisistas iniciaram a segunda transmigração, (...). Passaram por Santo
Tomé, rumo ao sul. (...), quando os charruas impediram o avanço, (...). Estes
infiéis atacaram os postos da Estância de Japeju, afirmando que eram terras de
70 PORTO. op.cit. p. 422. 71 GOLIN, Tau. A Guerra Guaranítica: como os exércitos de Portugal e Espanha destruíram os Sete Povos dos
jesuítas e índios guaranis no Rio Grande do Sul (1750-1761). Passo Fundo/Porto alegre: EDIUPF/Editora da
Universidade - UFRGS, 1999, p. 552-553.
997
seus avós. O corregedor de São Luís, temeroso de uma guerra com os charruas,
retornou novamente ao antigo povoado.72
Alguns dos povos missioneiros chegaram a deslocar-se para o novo território, sendo
de lá repelidos por índios charruas. A redução de São Nicolau não aceitou esta nova
determinação e rebelou-se, o que levaram outras reduções a segui-la e impor uma forte
resistência aos termos acordados no tratado, é quando os guaranis decidiram assumir a
responsabilidade dos ataques contra as tropas portuguesas e espanholas.
A assinatura do Tratado de Madrid tinha como objetivo central cessar às disputas
territoriais luso-espanholas na América, promovendo a troca da Colônia do Santíssimo
Sacramento pelas Missões Orientais, em que Portugal, ao fundar Sacramento, dentro de
território espanhol, objetivava obter e manter a livre navegação no rio da Prata.
O diplomata paulistano Alexandre de Gusmão73, teve importante e destacada atuação
no planejamento do Tratado de Madrid, já que era membro do Conselho Ultramarino e Escrivão
da Puridade (secretário) do rei Dom João V.
O Tratado de Madri, assinado em 13 de janeiro de 1750, consagrou o princípio
do uti possidetis, revogando o meridiano de Tordesilhas e reconhecendo a
expansão portuguesa. No Sul, o tratado determinou a entrega de Sacramento
à Espanha, uma vez que a campanha uruguaia era de colonização castelhana.
À guisa de compensação, Portugal receberia, além do reconhecimento à
ocupação portuguesa no Rio Grande, os Sete Povos das Missões. Os jesuítas
seriam evacuados para suas reduções de Missiones e Corrientes.74
72 FLORES, 1983. op.cit., p.73. 73 Ministro do Conselho de Ultramar e secretário particular de d. João V, o brasileiro Alexandre de Gusmão (1695-
1753). Seu nome de batismo era Alexandre Lourenço Rodrigues, natural da vila de Santos. Estudou em Cachoeira
e Salvador, na Bahia, cursando Humanidades, Artes, Filosofia e Retórica. Adotou o nome de seu parente e protetor
Alexandre de Gusmão, jesuíta fundador e diretor do Seminário de Belém (Cachoeira). Aos 15 anos, embarcou para
Lisboa, influenciado pelo seu irmão, o padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, inventor do balão esférico.
Formou-se em Direito e doutorou-se pela Universidade de Coimbra, e Jurisprudência, pela de Paris. Desempenhou
atividades diplomáticas na França e Roma. Como secretário de d. João V e ministro do Conselho Ultramarino,
teve uma função estratégica na assinatura do Tratado de Madri, sendo o autor de sua minuta, orientador do ministro
português na Espanha, e seu apologeta frente aos opositores lusitanos. Parte dessa polêmica foi mantida com o ex-
governador da Colônia do Sacramento, Antônio Pedro de Vasconcellos, que criticava o tratado. Fruto deste debate,
Gusmão revelou o movimento estratégico de retirada do Prata frente ao interesse inglês de instalar ali uma Feituria
(Campanha del Brasil, 1939, t. 2, p.16). GOLIN, op. cit. 1999, p.168. 74 KERN, op. cit., p.172.
998
No ano de1750, outros fatos importantes ocorreram na Europa, e com reflexos diretos
no Brasil: a Coroa Portuguesa passa para Dom José I, que sucedeu de Dom João V; a nomeação
por Dom José de Sebastião José de Carvalho e Melo, o futuro marquês do Pombal, como
primeiro-ministro, conferindo-lhe plenos poderes; As medidas adotas por Pombal para
fortalecer o poder real;
Antes da sua confirmação definitiva, ocorrida em Badajoz75, ocorreram Tratados
intermediários: o Tratado de El Pardo, o Tratado de Paris e o Tratado de Santo Ildefonso. A
Colônia do Sacramento e as Missões passam à Espanha e Portugal fica com a Ilha de Santa
Catarina. O território de São Pedro do Rio Grande fica cortado ao meio, no sentido
longitudinal, passando o limite pelas imediações da atual cidade de Santa Maria; o Tratado de
Badajoz (1801) colocou fim à nova guerra entre Portugal e Espanha (Guerra das Laranjas)
reafirmando finalmente, o Tratado de Madrid. Antes, os luso-brasileiros haviam invadido os
Sete Povos das Missões Orientais, expulsando os espanhóis, aquilo o que foi conquistado
continuou com o domínio português. As fronteiras da Capitania com as possessões
espanholas, a oeste, ficaram sendo praticamente com o recorte atual, exceto os atuais limites
com o Uruguai.
O Tratado de Madrid, que foi acordado para terminar de certa forma com a série de
conflitos resultantes de disputas territoriais, mas ao invés de acabar com eles, acabou
acarretando em mais lutas e conflitos.
A GUERRA GUARANÍTICA
Após a ascensão de Fernando VI76 e D. Maria Bárbara de Bragança, filha do rei
português D. João V ao trono espanhol, é quando as monarquias ibéricas tentaram através de
75 O Tratado de Badajoz, assinado em 1801, entre Portugal e Espanha, consagrava o domínio português sobre as
Missões. Segundo Pesavento, a “França napoleônica e Inglaterra que disputavam mercados, envolvem nas
hostilidades Espanha e Portugal”. PESAVENTO, Sandra Jatahy. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1984. p.32. 76 Fernando VI (1713-1759). Em 1746, sucedeu ao seu pai, Felipe V, da dinastia dos Bourbon, casado com Maria
Luisa de Saboya. Apelidado de El Justo, procurou fazer um reinado de estabilidade. Com a paz de Aquisgrán, que
terminou com a Guerra da Itália, Fernando VI assegurou o trono de Nápoles e da Sicília (as Duas Itálias) ao seu
irmão Carlos VII, filho de segundo casamento de Felipe V, com Isabel de Farnesio, de Parma, o qual viria a ser
seu sucessor na Espanha, com o título de Carlos III, e os ducados de Parma e Plasencia ao seu outro irmão Felipe.
Fernando VI casou com Maria Bárbara de Bragança (1711-1758), filha de João V, rei de Portugal, e de Maria Ana,
da Áustria. Com a morte da rainha, em 1758, retirou-se ao castelo de Villaviciosa de Odón, onde “morreu de
tristeza”, um ano depois. CODOLÁ, Manuel Rodríguez. Historia de Espana y los pueblos hispanoamericanos hasta
999
um acordo diplomático pôr fim a uma série de conflitos relativos às possessões territoriais
entre ambos. As negociações diplomáticas com o intuito de ajustar um Tratado de Limites
foram iniciadas em 1746. Para tratar das negociações diplomáticas foram nomeados como
representantes da política exterior dos países ibéricos, D. José Carvajal y Lancaster77 pela
Espanha e o brasileiro Alexandre de Gusmão por Portugal.
A Espanha, em paz com Portugal, através dos casamentos reais, só tinha a
temer a poderosa França como país limítrofe. A riqueza e o poderio da Espanha
vinham de suas ricas colônias na América. Portugal não era poderoso, mas era
tão rico como a Espanha, com seus domínios na Brasil, verdadeiro armazém
que não se podia conquistar, embora fosse possível alcançar com o comércio
recíproco, garantido pelos casamentos das Casas Reais Ibéricas. 78
As Coroas ibéricas reconheciam que haviam ultrapassado seus limites territoriais
determinados pelo recorte do Tratado de Tordesilhas. Segundo entendimentos entre ambas, pois
Portugal havia expandido seus domínios na América do Sul, principalmente numa região de
grande importância, a do estuário rio da Prata, a partir da fundação estratégica da Colônia do
Santíssimo Sacramento, a Espanha havia irregularmente expandido seus domínios nas ilhas
Filipinas.
(...) O reconhecimento da posse efetiva dos espaços conquistados por Portugal
e a Espanha e a idéia de compensação por troca desses espaços ganhava força.
Assim, pelo princípio de uti possidetis Portugal reconhecia à Espanha a posse
das ilhas Filipinas, enquanto a Espanha legitimava a posse do vale do Rio
Amazonas, as regiões de Vila Bela e Cuiabá para Portugal. Entretanto, por ser
também requerida a idéia de continuidade, após levantamentos e propostas por
parte dos dois ministros as atenções para as definições territoriais recaíram
sobre a região do Prata. Portugal aceitava ceder a Colônia do Sacramento, e,
conseqüentemente, o domínio, sobre a bacia do Prata, em troca da margem
oriental do rio Uruguai. Afinal, as Missões jesuíticas dos guaranis, mais
especificamente a zona dos Sete Povos, segundo o historiador Décio Freitas,
era um bolsão espanhol a impedir a unificação de terras portuguesas. 79
su independencia. Barcelona: Segui, t. terceiro, p.181. Os casamentos cruzados entre as dinastias dos Bourbons e
Braganças ibéricos materializaram interesses geopolíticos sobre os quais se pode ter uma visão nos reinados de
Felipe V e João V. No dia 19 de janeiro de 1729, literalmente cruzaram seus casais de filhos em pomposas e
deslumbrantes festividades. Os príncipes Fernando e Mariana Vitória, da Espanha, uniram-se em matrimônio com
Maria Bárbara de Bragança e d. José, de Portugal. GOLIN. Op.cit. 1999. p.16. 77 D. José de Carvajal y Lancaster, ministro de estado de Fernando VI, enviou à corte de Lisboa seu memorial de
julho de 1747, estabelecendo os primeiros elementos para o tratado de limites entre as coroas ibéricas. Carvajal
orientava a política externa da Espanha em função das alianças, buscando manter um equilíbrio entre a Inglaterra
e a França. 78 FLORES. 1983. op. cit., p. 63. 79 GOULART, 2004. op. cit., p.83
1000
Gomes Freire foi o incumbido para a tarefa de conquistar e ocupar definitivamente a
área que abrangia os Sete Povos das Missões Orientais e assegurando assim para Portugal a
posse desta nova província, onde durante sete longos anos, os índios missioneiros se
defenderam e atacaram as comissões demarcadoras como à única maneira de se manterem em
seus territórios.
Os jesuítas apesar das determinações expressas dos reis de Portugal e Espanha e do
padre Altamirano, Representante Geral da Companhia de Jesus, mantiveram-se ao lado dos
índios missioneiros.
A relutância dos jesuítas em se retirar dos Sete Povos tem sido apontada como
a principal causa da ferrenha campanha de Pombal contra eles. É preciso,
porém, considerar as nuances da questão. Em primeiro lugar, a desafeição aos
jesuítas em Portugal e na Espanha vinha de antes. (...) A resistência partiu dos
padres missionários e dos indígenas, esperando que com sua recusa à mudança
fizessem o governo espanhol desfazer o tratado. Quanto mais se dilatar esta
execução tanto mais seguro estaremos de que não se fará mais, pois não quer
El Rei que, com violência, se mudem os índios e se lhes tirem os bens e muito
menos com força armada. (padre Pascino, 1752). 80
Portanto, os padres jesuítas mantiveram-se todo o tempo ao lado dos índios
missioneiros e ainda organizaram suas resistências, apesar das ordens reais tanto de Portugal
como de Espanha, e do padre Altamirano que acompanhou o Val de Lírios para que retirassem
do território os povos missioneiros e partissem para outro local sob jurisdição espanhola.
No entanto os jesuítas alegaram que este era um prazo muito pequeno para que toda
esta complexa situação requeria, pois também acreditavam numa reversão de expectativas, pelo
fato de terem importantes aliados na Europa e que trabalhavam com o intuito de cancelarem a
troca feita pelas coroas ibéricas, e que os padres tentaram de todas as formas se manterem nos
territórios missioneiros e que segundo Arthur Velhinho argumenta:
A organização jesuítica, além de empresa religiosa, social e econômica,
constituía a maior potência militares das dependências platinas, senão da
América do Sul. Tamanha força acabaria despertando inquietação na própria
Espanha. Afinal, o que se via, o que os padres constantemente alardeavam, é
que as possessões espanholas tributárias do Prata viviam militarmente a
expensas da Companhia. Não seria oportuno pôr cobro a esta situação, antas
que ela derivasse para rumos imprevistos? Até quando a Província do
80 KERN, op. cit., p. 173.
1001
Paraguai, com seus Trinta Povos aguerridos, consentiria em manter-se fiel à
vassalagem dos reis católicos?. 81
Os guaranis através da liderança do cacique Sepé Tiaraju, e também com o apoio de
alguns jesuítas que acreditavam na reversão do tratado, tentaram retardar o máximo possível o
translado. Mas ambas as coroas tinham pressa em efetivar o tratado, e rapidamente nomearam
comissões para colocá-lo em prática. Diante impossibilidade de haver uma revogação, que
somente ocorreu após o término do conflito e da destruição por completo das reduções, partiram
para o enfrentamento com as Coroas Ibéricas que já tinham estruturado um acordo de ajuda
mútua na ilha de Martin Garcia82, em caso de resistência por parte das comunidades missioneiras.
No dia 3 de outubro de 1754, o exército colonial espanhol teve o primeiro
confronto armado com os índios, que interceptaram sua marcha perto do rio
Daymal, para “defender suas terras de Misiones” conforme o Manifesto de
Andonaegui: “gritaram os índios com insolência”, formaram em meio círculo,
com bandeiras e estandartes, e demonstrações de atacar. O general mandou
unir três partidas [destacamentos] e preparar outras tropas de reforço, caso
fosse necessário. E ordenou o ataque, deixando 230 índios mortos, e fazendo
72 prisioneiros. Os missioneiros eram comandados pelo cacique Rafael
Paracatu, que, junto com outros prisioneiros, foram mandados, embarcados,
para Buenos Aires.83
No ano de 1754, ocorreu o primeiro dos vários confrontos armado entre os guaranis
reduzidos com as tropas conjuntas do português Gomes Freire e da coroa espanhola José
Andonaegui ocorrido em território do atual Uruguai, perto da atual cidade de Colônia.
Os confrontos entre as forças conjuntas das nações ibéricas com os guaranis culminam
mais tarde com a chamada Chacina de Caiboaté, onde foram mortos centenas de missioneiros
numa luta marcada pela desigualdade militar entre ambos, pois os guaranis contavam com
poucas armas de fogo, ao contrário dos luso-espanhóis que além de soldados bem treinados
contavam com um grande aparelhamento bélico.
81 VELHINHO, Arthur. Os jesuítas no Rio Grande do Sul. In:_____. Fundamentos da Cultura Rio-Grandense.
Porto Alegre: UFRGS, 1960, vol. 4, p. 115. 82 (...) foi ali que se encontraram, em 15 de julho de 1753, o comandante espanhol José Andonaegui e o português
Gomes Freire de Andrade, ocasião em que “resolveram levar a guerra às Missões caso a mudança dos Sete Povos
não fosse feita em um mês”. PORTO, História das Missões Orientais do Uruguai- Segunda Edição Revista e
Melhorada pelo p. Luís Gonzaga Jaeger S.J. – Livraria Selbach, Porto Alegra, s/data – Segunda Parte, p.215. 83 GOLIN, 1999. op. cit., p. 334.
1002
A desorganização dos índios missioneiros, no enfrentamento contra os exércitos
português e espanhol, sem um comando único, acabou favorecendo os ibéricos, pois não
conseguiram resistir por muito tempo às táticas militares dos aliados europeus. A partir deste
confronto, os comissários de Portugal e de Espanha, decidiram colocar em prática aquilo que
havia sido anteriormente decidido no caso de haver por parte dos guaranis reações contrárias
ao Tratado, isto é, unir seus exércitos para o enfrentamento com os missioneiros, deflagrando
a guerra em 1756.
A partir do momento em que os povoados missioneiros deflagraram guerra aos
ibéricos, que ficou conhecida como a “Guerra Guaranítica”84, foram travadas inúmeras
batalhas e enfrentamentos, que só terminaria com o aniquilamento dos guaranis e a morte de
Sepé Tiaraju, fato este ocorrido no entardecer do dia 7 de fevereiro de 1756, no atual
município de São Gabriel (RS) junto a Sanga da Bica.
A morte do principal líder missioneiro, Sepé Tiaraju que detinha o posto de corregedor
e alferes real de São Miguel, ocorreu numa das primeiras batalhas. Enquanto os guaranis
enfrentaram os soldados das coroas ibéricas, soldados estes, treinados e muito bem armados e
com um comando único e forte, utilizando somente lanças, arcos, flechas e, umas poucas armas
de fogo, sucumbiram na famosa batalha de Caiboaté diante o poderio dos exércitos ibéricos,
que detinham inúmeros canhões e soldados que portavam armas de fogo. Três dias depois da
morte de Sepé, os guaranis sofreram sua derradeira derrota: a chacina de Caiboaté. Era o fim
da resistência guaranítica
Após este massacre, o que se viu a seguir foi à ocupação das povoações missioneiras,
que ao abandonar as reduções jesuíticas passaram colocar fogo em tudo que ficava para trás,
destruindo aquilo que por muitos anos fora construído e mantido em conjunto pelos guarani e
pelos padres jesuítas da Companhia de Jesus.
Depois de certa resistência, um a um dos povoados missioneiros através de seus
cabildos85 e dos padres foram prestando obediência aos comandantes das forças portuguesas e
84 Nome que se dá aos violentos conflitos que envolvem os índios guaranis e as tropas espanholas e luso-brasileiras no sul do Brasil após a assinatura do Tratado de Madri, em 1750. Os guaranis dos Sete Povos das Missões recusaram-se a deixar suas terras no território do Rio Grande do Sul e a transferir-se para o outro lado do rio Uruguai, conforme ficara acertado no acordo de limites entre Portugal e Espanha. Fonte: www.terrabrasileira.net. Acesso em 01/08/2017. 85 Simbolizava o poder e a superioridade de um estrato social mais elevado entre os Guarani, usado como elemento de ligação entre o jesuíta e os demais estratos da população. QUEVEDO; GOMES, 2003. op. cit., p.44.
1003
espanholas. Se por um lado a ordem de desocupação das terras em questão foi cumprida, porém
foram os exércitos portugueses e os espanhóis que fizeram a transmigração dos povos
missioneiros para o lado ocidental do rio Uruguai, mas desta vez, diferentemente do que havia
sido acordado anteriormente no Tratado de Madrid, confiscaram quase todos os pertences dos
guaranis.
Desde o início da fundação da Colônia do Santíssimo Sacramento, as forças
espanholas utilizaram exércitos guarani proveniente da região das Missões para derrotar e
expulsar, por diversas vezes, os portugueses, e isso também acabou sendo levado em conta
quando as duas coroas responsabilizaram os jesuítas da Companhia de Jesus, que terminaram
sendo expulsos dos dois impérios ibéricos.
Em 1757, um ano depois da fatídica batalha, e com a chegada de Val de Lírios,
conforme a carta enviada por Gomes Freire criou-se um impasse, pois este não desejava
entregar a Colônia do Santíssimo Sacramento antes dos espanhóis evacuassem totalmente as
Missões Orientais, pois acreditava que os espanhóis deixariam os portugueses a sua própria
sorte em relação à retirada dos missioneiros conforme relata e previa parte da carta abaixo:
Se não obstante, S. M. me mandar (que) me entregue dos Povos no risco de
ficar com uma Guerra ou contínua incomodidade, o cumprirei como devo; mas
rogo aos pés de S. M. sejam a tão decisivas e claras as ordens que sem mais
questões se lhe dê inteira execução ao que nos for decretado86
O exército luso após ter permanecido por cerca de dez meses nas Missões, regressa a
Rio Pardo, e que segundo alguns analistas, “obedecia a uma visão estratégica evidente” 87, pois
se houvesse um rompimento com o exército espanhol, não comprometeria suas melhores tropas
coloniais.
Apesar do abandono das Missões Orientais, os guarani continuaram com a sua
resistência contra os exércitos ibéricos, isso aliado com a morte de Carvajal e a retirada do
comandante Gomes Freire para o Rio de Janeiro, que deixou apenas um pelotão em Rio Grande
86 Ver: Carta de Gomes Freire a Pombal, datada de 15 de maio de 1757. Anais da Biblioteca Nacional, 71, p. 103. 87 Ver: Anêmona Xavier Bastos, do SPHAN, n° 5 e gen. F. de Paula Cidade, Síntese de Três Séculos de Literatura
Militar Brasileira.
1004
para dar sustentação e retaguarda aos demarcadores fato este que acabou por enfraquecer a ação
destes.
Pombal, que estava no auge de seu prestigio perante o rei de Portugal, continuou firme
no seu propósito de anexar definitivamente às terras missioneiras e de iniciar uma perseguição
oficial a Companhia de Jesus e seus representantes. Em 1759, Pombal, através de um decreto,
expulsou os padres jesuítas88 das terras pertencentes ao reino português, o que abriu procedência
aos demais reinos a expulsarem também de seus domínios a ordem jesuítica. Em 1767, os
jesuítas seriam expulsos também da França e da Espanha e, em julho de 1773, o papa Clemente
XIV extinguiria a Companhia de Jesus. Pombal tinha conseguido atingir um dos seus objetivos
que era a tentativa de desestruturar a ordem jesuítica.
Pombal pode aproveitar seu triunfo por poucos anos, pois depois de quatro anos da
expulsão dos jesuítas, morreu D. José I, o seu protetor e ascendeu ao trono português, D. Maria
I89, a rainha louca. A partir deste momento Pombal começou a cair em desgraça e após sua
88 A Expulsão dos Jesuítas: Lei dada em 3 de setembro do mesmo ano [de 1759], para a proscrição, desnaturalização e expulsão dos sobreditos regulares, neste reino e seus domínios. D. José, por graças de Deus rei de Portugal e dos Algarves, d`aquém e d`além mar. D. José, por graça de Deus rei de Portugal e dos Algarves, d`aquém e d`além mar em África, senhor da Guiné e da conquista, navegação e comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia, e da Índia etc. Faço saber que, havendo sido infatigáveis a constantíssima benignidade e a religiosíssima clemência com que, desde o tempo em que as operações que se praticaram para a execução do tratado de limites de conquista, ... procurei aplicar todos os meios quanto a prudência e a moderação podiam sugerir para que o governo dos regulares da Companhia denominada de Jesus, das províncias destes reinos e seus domínios, se apartasse do temerário e façanhoso projeto com que havia intentado e clandestinamente prosseguido a usurpação de todo o Estado do Brasil, ... depois de ter ouvido os pareceres de muitos ministros doutos, religiosos, e cheios de zelo da honra de Deus, e do meu real serviço, decoro, e do bem comum dos meus reinos e vassalos, que houve por bem consultar, e com os quais fui servido conformar-me: declaro os sobreditos regulares na referida forma corrompidos, deploravelmente alienados do seu santo instituto e manifestamente indispostos com tantos e tão abomináveis, tão inveterados e tão incorrigíveis vícios, para voltarem à observância dele, por notórios rebeldes, traidores, adversários e agressores que têm sido e são atualmente contra a minha real pessoa e Estados, contra a paz pública dos meus reinos e domínios, e contra o bem comum dos meus fiéis vassalos: ordenando que como tais sejam tidos, havidos e reputados e os hei, desde logo, em efeito desta presente lei, por desnaturalizados proscritos e exterminados: mandando que efetivamente sejam expulsos de todos os meus reinos e domínios, para neles não mais poderem entrar ... E para que esta minha lei tenha toda a sua cumprida e inviolável observância, e se não possa nunca relaxar pelo lapso do tempo em comum prejuízo uma tão memorável e necessária disposição, estabeleço que as transgressões dela fiquem sendo casos de devassa ... Em A. J. de Melo Morais. História dos jesuítas e suas missões na América do Sul. Rio de Janeiro: Casa Imperial de E. Dupont, 1872, p. 587-590. 89 Foi a primeira rainha em Portugal a exercer o poder efetivo. Seu primeiro ato como rainha, iniciando um período que ficou conhecido como Viradeira, foi a demissão e exílio da corte do Marquês de Pombal, a quem nunca perdoara a forma brutal como tratou a família Távora durante o Processo dos Távoras. Rainha amante da paz, dedicada a obra sociais, concedeu asilo a numerosos aristocratas franceses fugidos ao terror da Revolução Francesa (1789). Mentalmente instável, desde 10 de fevereiro de 1792 foi obrigada a aceitar que o filho tomasse conta dos assuntos de Estado. Obcecada com as penas eternas que o pai estaria sofrendo no inferno, por ter permitido a Pombal perseguir os jesuítas, o via como “um monte de carvão calcinado”. Em 1799, sua instabilidade
1005
morte em 1782, seu corpo ficou mais de meio século abandonado na cripta da quinta em qual
havia permanecido durante o seu exílio, sendo que somente em 1836, finalmente foi sepultado
em Lisboa.
A ascensão de Carlos III, após a morte de Fernando VI, ao trono espanhol, ocorreu
uma retomada da Espanha em relação às áreas em questão, pois se considerava envolvida pelas
artimanhas e métodos ardilosos empregados pela diplomacia portuguesa. A execução do
Tratado de Madrid foi suspensa em 1760, apesar do marquês de Pombal tentar costurar um
novo acordo diplomático entre as coroas ibéricas. Após o cancelamento do Tratado, a Espanha
nomeou administradores leigos, já que os jesuítas haviam sido expulsos dos domínios
espanhóis, e retomou o controle efetivo das áreas missioneiras, tudo submetido ao controle
central do governo de Buenos Aires.
A Espanha neste período encontrava-se fortalecida politicamente, já Pombal sofreu um
duro revés com a Viradeira90 em 1777, o que o levou a rainha-mãe, D. Maria, condenar tudo
aquilo havia sido obra do marquês. Aproveitando a situação em que esta fortalecida
politicamente a Espanha negocia com Portugal um novo tratado, neste contexto surge o Tratado
de Santo Ildefonso91, que redefiniu as fronteiras entre Portugal e a Espanha, e que pelo novo
recorte geográfico, tanto a Colônia do Santíssimo Sacramento como os Sete Povos das Missões
Orientais passaram a pertencer ambas a Espanha.
mental se agravou com os lutos pelo seu marido D. Pedro III (1786) e seu filho, o príncipe herdeiro José, Duque de Bragança, Príncipe da Beira, Príncipe do Brasil, morto aos 26 anos (1788), a marcha da Revolução Francesa, e execução do Rei Luís XVI de França na guilhotina e o filho e herdeiro João assumiu a regência: D. João VI de Portugal. file:///G:/Maria_I_de_Portugal.htm. Acesso em 24/09/2017. 90 Viradeira é a designação que se dá ao período que se iniciou 13 de março de 1777 com a nomeação de D. Maria
I de novos Secretários de Estado, em substituição do marquês de Pombal. Neste período uma progressiva quebra
do controle estatal sobre muita das áreas econômicas, com a extinção de alguns dos monopólios mercantis
estabelecidos por Pombal, e permitiu-se uma retomada da influência da Igreja da alta nobreza sobre o Estado.
Muitos dos presos políticos foram libertados e muitos nobres reabilitados, incluindo alguns a título póstumo. No
que se refere a Universidade de Coimbra, muitos professores e alunos foram expulsos sob diversas acusações
ligadas à heresia, como enciclopedismo, naturalismo e deísmo. Francisco de Melo Franco, um dos expulsos,
escreveu O Reino da Estupidez em represaria. File:///G:/Viradeira.htm. Acesso em 24/08/2017. 91 Logo no início de seu reinado, assinou o Tratado de Santo Ildefonso, que restituiu à Espanha a Colônia do
Santíssimo Sacramento, enclave português no sul do Uruguai. Ainda no campo das relações exteriores, completou
os ajustes fronteiriços entre o Brasil e as colônias espanholas do Prata, de acordo com as cláusulas do Tratado do
Pardo. file:///G:/maria.htm. Acesso em 24/08/2017.
1006
A questão fronteiriça do sul do continente acabou só sendo resolvida definitivamente
por um novo acordo em 1801, o Tratado de Badajós, e seu epilogo é descrito por Darcy
Ribeiro92:
Elas foram "assaltadas pela burocracia colonial, pelos assuncenos e pelos
mamelucos paulistas, propositadamente desorganizadas para abolir
características tidas como comunizantes. Já em fins do século XVIII, os índios
missioneiros haviam sido dispersados, escravizados e conduzidos a regiões
longínquas, dissolvidos no mundo dos gaúchos, ou ainda, refugiados nas matas
onde se esforçavam por reconstituir a vida tribal, enquanto suas terras e seu
gado passavam às mãos de novos donos".
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É necessário inicialmente destacar que o processo das definições das fronteiras
permeou a geopolítica ibérica no Sul do Continente Americano durante o final do século XVII
e o século XVIII, em relação à construção da identidade histórica da população e na
consolidação dos Estados Nacionais do estremo sul das Américas, chegando a estremecer
profundamente a relações diplomáticas entre ambas as Coroas. Relações estas que inclusive
tiveram muitas nuances, das quais podem ser percebidas através dos casamentos reais e dos
acordos assinados e revogados entre portugueses e espanhóis.
Portanto, a geopolítica empreendida pelas coroas ibéricas potencializa uma análise
mais profunda e abrangente dos processos emancipatórios e determinantes na construção e
desconstrução de alguns paradigmas da América Colonial.
Partindo desta perspectiva considero que a fundação da Colônia do Sacramento
conseguiu transformar uma região até então inóspita (atual RS), em uma importante e
estratégica área do ponto de vista econômica e política, onde os conflitos entre as Coroas
Ibéricas, em virtude de que as disputas territoriais e econômicas na região platina eram
constantes, pois era imperativo naquele momento marcar presença naquela área, em razão da
sua importância comercial e estratégica em função do grande contrabando praticado no rio da
92 Fonte: www.terrabrasileira.net. Acesso em 22/08/2017.
1007
Prata. É neste contexto que analisei importância da fundação da Colônia do Santíssimo
Sacramento.
A ação espanhola na tentativa de construir dois grandes centros de organização de
populações indígenas e que se transformaram num primeiro momento como fator delineador
das fronteiras ibéricas, para posteriormente ser palco de profundas transformações
socioculturais e econômicas da América do sul. Concluí então que as Missões Jesuíticas foram
sem dúvida algo muito significativo e de valor inestimável na construção de um novo espaço e
de identidades nacionais.
O Tratado de Madrid, que de todos os Tratados estabelecidos entre Portugal e Espanha, na
América Colonial, foi sem dúvida o mais emblemático e o que mais acarretou conflitos entre
os dois países ibéricos. Concluí então que o já referido Tratado foi sem dúvida o fator
preponderante na desconstrução do espaço missioneiro, quando da troca da Colônia do
Santíssimo Sacramento pelos Sete Povos das Missões Orientais. Onde também comprovo
que muito mais do que os Limites entre os dois Domínios estavam em jogo, pois, enquanto
que a Espanha tinha como principal objetivo garantir a navegação exclusiva no rio da Prata,
também poderia através deste acordo conter o avanço português rumo às minas de Potosi, e
Portugal além de livrar-se de um enclave altamente dispendioso anexou uma grande e
importante área aos seus domínios.
Na tentativa das monarquias ibéricas de executarem o acordo diplomático que tinha como
intuito pôr fim a uma série de conflitos relativos às possessões territoriais entre ambos,
concluí que as reações contrárias dos povoados missioneiros contribuíram categoricamente
para o epílogo missioneiro.
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1008
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1009
A IMPLEMENTAÇÃO DAS DIRETRIZES NACIONAIS DE ENSINO DA HISTÓRIA
DA ÁFRICA NAS ESCOLAS E O PET HISTÓRIA DA ÁFRICA
Erika Dal Carobo Viana 93
Muriel Pinto94
Ewerton Ferreira95
RESUMO: O trabalho em voga é oriundo das atividades de pesquisa desenvolvida no
Programa de Educação Tutorial – PET História da África desenvolvido na Universidade Federal
do Pampa – UNIPAMPA campus São Borja. O PET tem em seus objetivos o desenvolvimento
de atividades de pesquisa, ensino e extensão e tem entre seus objetivos principais a aproximação
da universidade com a comunidade onde ela está inserida. A pesquisa apresentada consiste em
primeiro momento apresentar uma breve revisão de literatura sobre a Lei Federal 10.639/03 que
garante a inclusão nos currículos escolares da educação básica e de graduação os temas de
História da África, estudos indígenas e afro-brasileiros. Dessa maneira busca elucidar os
desafios e as potencialidades encontradas na implementação da lei. Em um segundo momento,
o artigo propõe-se a discutir sobre a importância do PET e da extensão universitária como
ferramenta para ampliação das discussões sobre os temas supracitados, bem como sua
contribuição através da formação continuada de professores/as da rede básica de ensino que
recebem a demanda dos governos para o ensino de história da África, buscando ser auxílio para
que estes possam exercer as atividades governamentais propostas.
Palavras-Chaves: Educação, África, História
INTRODUÇÃO
O trabalho a seguir é produto de pesquisas desenvolvidas no Programa de Educação
Tutorial – PET História da África da Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA campus
93 Acadêmica do segundo semestre do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Pampa (Unipampa)
Campus São Borja. Bolsista do PET – História da África. E-mail: [email protected] 94Tutor do PET História da África. Professor da Universidade Federal do Pampa. E-mail:
[email protected] 95 Acadêmico do Curso de Ciências Humanas – Licenciatura da Universidade Federal do Pampa. E-mail:
1010
São Borja. O PET traz como um dos seus principais objetivos o desenvolvimento de atividades
de pesquisa, ensino e extensão, de forma simultânea, além de outras atividades focadas na
aproximação da universidade com a comunidade onde o programa está inserido.
O ensino de História da África nas escolas por muito tempo foi praticamente inexiste e
apenas em uma abordagem sob o aspecto da escravidão. Nesse sentido, ao falar sobre África, a
relação feita é com a escravidão e a marginalização do povo negro, visto que a escola e seu
currículo foi pensado a partir de um padrão eurocêntrico. Oliva pontua
Aqueles que se sentaram em bancos escolares até o fim da ditadura militar tinham que
se contentar, ou aturar, uma História de influência positivista recheada por
memorizações de datas, nomes de heróis, listas intermináveis de presidentes e
personagens. Sem contar a extrema valorização da abordagem política pouco atraente
do eurocentrismo na História Geral e da exaltação da nação e de seus governantes na
História do Brasil (OLIVA, 2003, p. 224 – 225).
O processo de colonização brasileira transformou a imagem do homem europeu como
a raça/etnia superior aos negros e a partir dessa concepção houve a exploração de mão de obra
escrava e a tentativa de tirar as identidades culturais. A Lei Áurea aprovada em 13 de maio de
de 1988 garantiu a liberdade dos negros que eram escravizados, mas não foi criada nenhuma
forma de realizar a inserção dos negros no mercado de trabalho e na sociedade em geral. Dessa
forma, a liberdade veio acompanhada de pobreza e desigualdade social e, posteriormente, da
tentativa de um processo de embranquecimento da população negra com o oferecimento de
terras à diversos países europeus.
Os negros passaram a ocupar espaços que estavam ociosos e distantes das vilas e
cidades, pois havia represália dos brancos foi nesse período que as favelas e as comunidades
nos morros começaram a criar formar. A desigualdade social cresceu com a falta de empregos
e estudos que possibilitaram a ascensão dos negros. Cabe pontuar que no Brasil até 1960 os
negros e brancos não frequentavam a mesma escola. No entanto, a história contada sob o viés
branco coloca os europeus enquanto heróis e os negros apenas escravos e passivos diante do
períodos de escravidão não considerando as revoltas e as fugas de diversos negros/as nesse
período. Contrário a essa perspectiva de história adotamos nesse trabalho uma visão dos estudos
pós-colonialista que buscam dar o olhar sujeitos que foram esquecidos pela história e trazê-los
para uma perspectiva mais contemporânea.
1011
Após a Constituição Federal de 1988 garantir a educação como direito para todos
e o Estado responsável por ela que começou a pensar em políticas públicas para garantir o
acesso aos grupos excluídos historicamente. No ano de 2003 foi aprovada pela câmara dos
deputados e homologada pelo então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva a lei
10639, sendo a primeira lei que garantia a inserção de História da África como componente
obrigatório no currículo escolar das instituições de ensino básico e superior. Devido a lei 10.139
de 2003 que assegura o ensino de História da África no plano de ensino nacional da educação,
o PET História da África, por meio de seus bolsistas, auxilia para que haja uma estrutura devida
para as instituições executarem as atividades propostas. Dentro destas atividades incluem
suporte de material e da formação continuada, além de atividades ligadas diretamente aos
alunos.
A pesquisa em questão consiste em um primeiro momento apresentar uma breve revisão
de literatura sobre a Lei Federal 10.639/03 que obriga a inclusão nos currículos escolares da
educação básica e da graduação os temas de História da África, estudos indígenas e afro-
brasileiros, buscando elucidar os desafios e as potencialidades encontradas na implementação
da lei. Um dos pontos básicos da lei96 e que também é um dos mais frisados pelo projeto é a
inserção da História da África no cotidiano da sala de aula. Para isso pode-se fazer uso de
atividades didáticas, materiais e outras formas de inserção do tema na sala de aula.
Visto que a população negra possui grande expressividade no país e que é representada
por pessoas afrodescendentes ou que assim se identifiquem, como o dito por Rosa
Ao falar de afrodescendentes inclui-se todo aquele que descende
biologicamente das populações trazidas para o Brasil no tráfico negreiro,
como também os que possuem identidade afro-brasileira. Normalmente os
afrodescendentes encontram-se designados pelo IBGE – Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística, como as populações que se identificam como
negros ou pardos nas pesquisas realizadas pelo órgão (ROSA, 2006, p. 2).
96Diretrizes nacionais da educação. Lei 10639/2003. 5.1 B. “Estimular estudos da educação das Relações
etnicoraciais e História e cultura Africana e Afro-brasileira, proporcionando condições para que professores,
gestores e funcionários de apoio participem de atividades de formação continuada e/ou formem grupos de estudo
sobre a temática.”
1012
A importância dessa lei se dá a partir do fato de que esses alunos necessitam saber a
origem de sua história e suas raízes. Também é importante sentirem-se pertencentes a jornada
de seu povo. Desta forma, os mesmo podem ter maior contato com a cultura africana, trazendo
o assunto para o cotidiano da sala de aula e auxiliando na identificação cultural africana e afro-
brasileira, além de erradicar problemas como o racismo, que ainda tem forte expressividade no
país. Com tudo, a aplicação da lei ainda incentiva os alunos a buscarem seus direitos e lutarem
pelo direito de cultura e a perpetuação da mesma.
METODOLOGIA
O programa PET – História da África possui um projeto de inserção dos bolsistas e
voluntários do programa na sala de aula. De modo que o haja um auxílio a rede pública de
educação sobre o tema com base nas pesquisas desenvolvas pelos mesmos. Desta forma, o
intuito desta atividade do Programa é incentivar o tema África em sala de aula tornando mais
próximo dos alunos e professores envolvidos nos projetos desenvolvidos. De acordo com
Ferreira, bolsista do PET que aplica as atividades na escola Apparício Silva Rillo.
...as atividades do Programa encontram-se em conformidade com a proposta do
PNExt que é aproximar a comunidade da universidade. Além desse contato, é
fundamental o pensar em um currículo que considere as particularidades do regional,
conhecendo o processo de formação cultural, política e econômica do local onde estão
inseridos, buscando romper com a perspectiva tradicional do currículo onde é
transmitido diversas informações aos alunos/as sem a reflexão devida, necessária ao
que preconiza os Parâmetros Curriculares Nacionais (FERREIRA, 2017, p. 3).
Devido ao déficit de atividades que incluem História da África nos planos escolares
(apesar do assegurado por lei), se torna necessário que os bolsistas do programa incentivem e
criem atividades recreativas e que incluam o tema de forma criativa no meio acadêmico. Isso
pode ser realizado através de projetos audiovisuais com filmes e atividades baseadas no
multimídia. Estes, visando o ensino de história da África. O intuito é começar com filmes mais
brandos com a temática, como é o caso do filme “Doze anos de escravidão” (McQueen, 2013)
que retrata os negros norte-americanos no cenário pós abolição da escravatura dado a partir da
lei Aurea. Logo partindo para filmes mais densos e reflexivos como documentários com a
temática vigente.
1013
Por fim, o projeto propõe-se a discutir sobre a importância do PET e da extensão
universitária como ferramenta para ampliação das discussões sobre os temas supracitados, bem
como sua contribuição através da formação continuada de professores(as) da rede básica de
ensino, esta que recebe a demanda do governo, mas muitas vezes não possui o auxílio
financeiro, incentivo e apoio necessários para o desenvolvimento das atividades exigidas.
RESULTADO E DISCUSSÃO
Com a inclusão de atividades sobre a temática História da África nas escolhas, torna-se
maior o leque de oportunidades e criatividade para o desenvolvimento de atividades didáticas
por parte dos professores nas escolas participantes do programa. É extremamente importe que
o assunto seja colocado em pauta para que os alunos tenham maior contato com as atividades
de forma mais prática. Isso faz com que o tema se torne mais atrativo para o aluno e que haja
maior adesão e interesse por parte dos alunos e demais comunidade acadêmica envolvida.
Todos os envolvidos no projeto saem ganhando, todos levam uma bagagem de
conhecimento a mais e constroem conhecimento em conjunto, este que é o objetivo principal
do PET, ensinar e aprender de forma simultânea com os envolvidos.
Diante disso há a formação de cidadãos conscientes sobre a temática e com maior
identificação com a sua própria cultura. Dessa forma haverão cidadãos mais conscientes e
consequentemente a diminuição dos casos de racismo e racismo velado existentes no país.
Além, de forma mais efetiva, diminuir os casos de racismo na própria sala de aula.
CONCLUSÕES
As atividades desenvolvidas pelo programa são grandes oportunidades para a
comunidade interagir com temas importantes que busca otimizar o sentimento de pertencimento
com a cultura africana e erradicar os casos de racismo recorrentes, não só no meio acadêmico
como na comunidade em geral. A lei de ensino de história da África tem uma grande
importância social visto que a população afrodescendente necessita garantir o direito de manter
e ter acesso a sua cultura.
Em um país com a imensa miscigenação cultural que é o Brasil, é inaceitável que leis
para garantir a própria cultura brasileira não sejam executadas da forma correta. O PET busca,
através de suas atividades propostas, tornar o ensino de história da África algo cotidiano nas
1014
salas de aula do Brasil. O projeto a princípio está inserido na cidade de São Borja, mas o
objetivo dos participantes é que estas práticas disseminem-se pelas escolas de todo o Brasil.
Como próximo passo da pesquisa também há o objetivo de descobrir quais são os temas
de maior interesse para os alunos, sobre história africana e afro-brasileira, para que assim as
atividades possam se tornar mais atrativas para os mesmos. Afinal, esta prática do programa
não busca apenas oferecer o estudo, mas também há a preocupação com a receptividade do
aluno com o material que é oferecido.
Após as pesquisas e a inserção da formação continuada, o programa aplicará
questionários aos alunos para que avaliem a sua própria absorção do conteúdo, dependendo dos
resultados, o programa adaptará sua metodologia de ensino para uma apropriada.
Além disso, com esse padrão de qualidade, quantos mais indivíduos forem
contemplados pelas atividades maior será a ampliação de conhecimentos e identificação
cultural. A partir disso, o programa também almeja a diminuição da cultura do
“embranquecimento” e de práticas racistas que perduram por gerações a nossa sociedade.
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1015
ASPIRAÇÃO REVOLUCIONÁRIA INTERNACIONAL E A FRONTEIRA VIGIADA
DE SÃO BORJA E SANTO THOMÉ: COMUNISMO, NACIONALISMO
CONSERVADOR E CONTROLE DIPLOMÁTICO (ANOS 1930-1945)
Núbia Assumpção Dutra97
Rodrigo Maurer98
Resumo: A proposta faz uma análise em torno de correspondências oficiais que acabam
envolvendo personagens de confiança do ex-presidente Getúlio Vargas, agentes do exército
nacional e informantes que atestavam a mobilidade de comunistas na fronteira de São Borja e
Santo Thomé e outras fatos correlatos a uma panorama histórico regional.
Palavras chaves: Ambição internacionalista, controle de Estado, intolerância política.
Do perigo vermelho: a mobilidade dos comunistas e a política de controle do governo
Vargas
“[...] O comunismo não é para nós um estado
que deve ser criado, um ideal a partir do qual a
realidade deve se regular.
Chamamos o comunismos ao movimento real
que abole o estado atual.
Karl Marx. O manifesto Comunista.
97Acadêmica do II semestre do curso de Ciências Sociais – Ciência Política da Universidade Federal do Pampa
(UNIPAMPA), campus de São Borja. [email protected] 98Historiador. Professor Substituto do curso de Ciências Sociais – Ciência Política da Universidade Federal do
Pampa (UNIPAMPA), campus de São Borja. Orientador responsável da pesquisa. [email protected]
1016
Os discursos aqui sugeridos recaem sobre a mobilidade dos comunistas que preveriam
na luta internacionalista uma orientação a ser investida. E sob esse contexto assentamos a leitura
aqui apresentada. Destaque-se, inclusive, que em mais de uma conjuntura a própria afirmação
de comunismo, é entendido como vocação – e como tal deveria ser praticada sob uma orientação
com objetivos bem definidos. E no contexto por ora trabalhado significa dizer que os
comunistas já se encontravam infiltrados não só na fronteira que cumpria a São Borja e Santo
Thomé, como também em outras fronteiras e localidades portuárias como Encarnación e
Possadas ou ainda Corrientes. Sem falar nas questões possíveis que potencialmente lhes
conduziam à Buenos Aires e Uruguai – muito possivelmente Montevideo.
Essa descrição para um bom observador do contexto significa dizer que os comunistas
já se encontravam infiltrados na sociedade, embora distantes dos aparelhos de poder. E a contar
daí, o que se tem em análise é a formulação de um imaginário regional de que o comunismo
pregava uma aspiração revolucionária internacionalista. E as condições que faremos uso na
sequência não fogem a regra. Mas ficando apenas no caso brasileiro, esta assertiva nos revela
que os anos decorrentes da “Revolução de 1930” acabaram por promover um discurso apolítico
para ideologias um tanto quanto perduráveis. O que demonstra que um caminho antagônico de
interesses, dentre o ato de impor uma concepção de mundo (no caso dos comunistas) em
detrimentos de outros valores ou orientações contrárias que os combatia. E nesse caso
específico – o que existiu foi – uma contra resposta do governo varguista para com os primeiros.
Por ressalva um leitor que ignore o quadro político-ideológico internacional isolado do
movimento da “Revolução de 1930”, muito dificilmente conseguirá entender que o tempo de
intolerância política e orientações de cunho ortodoxas que se faziam consentir naquele contexto.
Em todo caso a década de 1930 e as articulações nela contidas tiveram de acompanhar
um conjunto de posturas que acabou por conduzir a um consenso de nacionalização. Essa
prerrogativa sob âmbito histórico cultural moldou o imaginário conservador brasileiro numa
contraposição a outros comportamentos políticos. Coube nessa condição ao Estado o papel de
realizar as transformações pelas qual Oliveira Viana 99 (1940: p. 52), classificou deveras
99Oliveira Viana foi consultor do governo Varguista e assume um papel de ideológo das ações do Estado Novo.
Cabe a sua autoria aquele que seria um artigo informativo das ações do Estado Novo, só que pelo viés academicista
da questão. Trata-se do artigo, A política social da revolução brasileira. Artigo este publicado na Revista Forense
– cujo editorial pertencia aos interesses midiáticos do governo de Vargas. Apenas para fins de conhecimento do
conteúdo que cerca o correlato preâmbulo, vejamos algumas manifestações de Oliveira Viana quando o mesmo se dirigiu ao público com vistas a prevê-los que o Estado Novo assumiria contornos nacionalistas. No entendimento
do mesmo a confirmação do Estado seria “uma outorga generosa dos dirigentes políticos – e não uma conquista
1017
importante porque a sociedade brasileira como um todo se encontrava dividida entre “semi –
patriarcal e semi – industrial”. E naquela altura a orientação da segunda internacional comunista
previa terminar com o latifúndio e a influência imperialista – circunstâncias estas que se
encontravam à cabo e a cargo de Getúlio Vargas.
Junta-se a esse colocação o fato de que as ações de controle por parte do governo Vargas,
jamais se mostraram desalinhadas da personalidade e dos compromissos mantidos por aquele
quando da homologação da Assembleia Nacional Constituinte em Maio de 1933; feito do qual
acabou por lhe aproximar de uma elite nacional que não entendia na pauta comunista uma
fundamentação política a ser acompanhada. Por aí, fica fácil entender que os compromissos
mantidos pelo ex-presidente e seus subordinados, em verdade, surgem de uma “necessidade de
classe”100 burguesa que se mostrava desamparada e desconfortável diante a ascensão e por
conseguinte o espraiamento do comunismo enquanto estratégia revolucionária.
Sobretudo porque do “golpe de 1930” até 1937, a ação foi conduzida de modo a fazer o
comunismo um combate do povo, fazendo valer a máxima de Hannah Arendt das passagens em
referência ao “autopoliciamento social”. E facilmente os comunistas deixaram de serem os
inimigos que viam de fora, para serem ser compreendidos como aqueles que já se encontravam
organizados entre os “brasileiros”.
Desta forma e aos poucos, o povo foi conduzido a entender que o Estado estava disposto
a não permitir espaço para o contraditório. A cargo que a pauta das ideologias passou a competir
com a austeridade de um modelo politico que vivia sob estado de tensão constante. No que pese
maiores avaliações alguns eventos envolvendo a pessoa do estadista brasileiro demonstram que
o aprimoramento das aparições do mesmo na arena da política internacional passou a ser mais
realizada pelas nossas massas trabalhadoras”. Numa outra passagem Vianna deixa entender que não restaria aos
trabalhadores outra sulução de organização que não acompanhar o dito nacionalismo. Fora esse entendimento
qualquer outro poderia ser compreendido como uma organização que desconheceria as “condições históricas do
país”, portanto passível de interpretação por parte dos já atestados “dirigentes políticos” do Estado Novo. As
informações de Viana não por acaso já conhecidas desde o tempo imediato que confabulou a proposta de fundo
situam com a menúncia devida a solução encontrada por Vargas e seus ministros. Pairava por sobre tal imaginário
coletivo que a ação retroalimentada aos disturbios da terceira década indicariam o caminho de que as ações do
Estado Novo pela conjuntura dadécada seria a “mais juta, mais consentânea, não só com a nossa estrutura
econômca e social, mas com a nossa índole nacional” (Viana, 1940: p., 49). 100A uma diferença de entendimento teórico entre o que seriam as “necessidades de classe”, para com a
“consciência de classe”. Em todo caso, a presente avaliação toma por referencial teórico a seguinte reflexão:
LUKACS, George. Histoire et conscience de Classe. Les Éditions du Minuit. Paris, 1960.
1018
valorizada quando aquele passou a orientar a nação de que a mesma deveria fazer chegar ao
conhecimento do governo os seus potenciais inimigos. Pretensões desse tipo, sob a ótica que
estamos tratando, concluíram que a causa nacional em verdade foi o combate ao comunismo
que – também entendia a pauta em questão como uma revolução – todavia sempre solicitando
como pauta o operário e suas categorias de representação (os sindicatos). De fato, quando
comparados os dois modelos tratar-se-iam de aspectos distintos.
Ante a constatação do conteúdo referido fica a sensação quase que ingênua de perguntar
quais seriam os interesses da URSS para com Brasil? A nossa hipótese consiste que a URSS
tomou/previu por posição política um Brasil que não se reconhecia e por isso talvez se
apresentasse demais confuso para compor uma estratégia de poder perdurável. Nestas
circunstâncias mais valia intensificar o discurso contra o integralismo – caminho do qual se
aprofundava a tática principal de combate internacionalista – do que combater as influências e
orientações de fundo conservador – pautas as quais se encontram alinhadas ao posicionamento
de Getúlio Vargas.
Noutras palavras o ato de se apresentar nacionalista ou expor-se anti-comunista em tese nada
mais seria do que o poder que se imaterializava por argumentos que concluíam no discurso
nacionalista e nas práticas repressivas de controle por parte dos que se colocavam contrários ao
aparelhamento jurídico-institucional ou que se sentiam ameaçados quando consentidos na
condição de estrangeiro.
Desta assertiva, é possível assegurar que o modelo de sociedade nos anos decorrentes
da “Revolução de 1930” seguiu promovendo um discurso apolítico para ideologias um tanto
quanto perduráveis. Logo, as circunstâncias indicam um caminho antagônico de interesses,
dentre o ato de impor uma concepção de mundo em detrimentos de outros valores ou
orientações contrárias. E nesse caso específico – o que existiu foi – uma contra resposta do
governo varguista.
Enfim, a proposta se coloca prevendo situar as ações e as táticas empregadas por um
viés paralelo, sobretudo no âmbito político de época, repousando, por conseguinte num campo
que compõe a uma história política101.
101Para expressar o conteúdo, fizemos uso das seguintes produções: FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987. RÉMOND, René. Por que a história política? In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. VII, n. 13, pp. 7-20, 1994.
1019
A intolerância ao comunismo e outras considerações acerca dos documentos
“[...] tarefas que competiam à nível global até à vitória da nossa revolução”.
Lênin. As tarefas do proletariado em nossa revolução.
Não só no Brasil, como na Europa, muitos foram às argumentações que emitiram uma
política de combate ao comunismo. Os argumentos como estão a provar as obras de fundo
histórico aconteciam de modo a enfraquecer o programa internacionalista, sobretudo no âmbito
político de época. Aliás, no entendimento de João Negrão, o presidente Getúlio Vargas jamais
se mostrou desatento à movimentação dos comunistas na Europa. E sempre que possível fez da
intolerância instaurada no antigo mundo uma pauta a ser acompanhada. Um documento que
deixa flagrante essa situação é o que segue a baixo:
1020
A.P.S.B. 1932 Corresp. P.M. Registro digital aos cuidados do professor Rodrigo Maurer,
responsável pelas imagens.
1021
Percebe-se com certa facilidade que tratar-se-ia de um ofício datado de 19 de Janeiro de
1932, enviada pelo então Major Comandante do 2º Regimento de Cavalaria Cesar M. da Silva
fazendo uma alusão muito enfática ao senhor Prefeito da localidade de São Borja (na
oportunidade o sr. Cleto Doria de Azambuja), para que o mesmo entrasse em contato com as
autoridades competentes da segurança no sentido de refrear o “aliciamento de brasileiros por
parte de revolucionários argentinos” que ao que consta estariam se organizando para um
movimento revolucionário na província de Corrientes.
Decorridos sete meses da primeira manifestação com relação a atuação dos comunistas
em território argentino, eis que um novo personagem ainda desconhecido, faz consideráveis
ressalvas em ofício ao então Dr. Protasio Vargas (irmão do então presidente). O conteúdo ao
que consta foi “retratado e datilografado” na localidade de Santo Tomé em 5 de Agosto de
1932. O teor argumentativo tal qual se traduz, denuncia que Protasio Vargas teria recebido junto
do oficio mais “dois recortes de jornaes de “La Nacion” de Buenos Aires, correspondentes aos
dias 1º e 2 do corrente [Agosto]” de onde poderia conferir como vinha acontecendo “a acção
dos comunistas” no país vizinho. Em todo caso, vejamos na íntegra o conteúdo salientado:
1022
A.P.S.B. 1932 Corresp. P.M. Registro digital aos cuidados do professor Rodrigo Maurer,
responsável pelas imagens.
Estas situações no que pese o frágil aproveitamento que ainda é assente não concluí
outra avaliação que não o fato que o governo brasileiro mantinha em solo argentino um
1023
informante. E este ao que consta se apresentava como alguém eficiente no que diz respeito às
movimentações comunistas não só o Brasil, mas também, no Uruguai e Argentina. No entanto,
esta situação parece ter sido superada – quando transcorridos 13 anos. O que prova a velha
máxima que a política é dinâmica. Fato que não só se aplica como se confirma ao registro em
destaque:
1024
A.P.S.B. 2º SEM. 1945 COP. OFS. P.M. Registro digital aos cuidados do professor Rodrigo
Maurer, responsável pelas imagens.
Em poucas palavras, o mérito da intolerância do governo varguista junto aos comunistas
se explica porque o projeto nacional não previu o envolvimento orgânico por hipóteses
1025
internacionalistas que pudessem valer o exercício democrático. E o comunismo naquela altura
era a única orientação política antagônica que de fato inquietava a elite nacional.
Nestas condições e em meio a tantas considerações, coube ao estadista brasileiro
conseguiu empregar paulatinamente o retrato de “salvador da pátria”. Todavia, este panorama
não confiou outra ação que não demonstrar o fato de que “as posições políticas passaram a se
definir em razão do nacionalismo” (WEEFORT, 2003, pp. 24-25).
A memória, a história política e a repulsa aos comunistas: considerações finais
Não era lícito nos perguntar se doravante o
advento do comunismo não estaria inscrito no
devir da história do mundo?
Norberto Bobbio (2000:656)
Não é preciso dizer quão inúmeras são às argumentações que emitiram uma política de
combate ao comunismo102. Para além do inimigo que esta sempre a espera, acusações ao
programa se deram de várias formas e sob inúmeros argumentos de intolerância. Alguns fatos
como estão a provar as obras de fundo histórico aconteciam visando enfraquecer a orientação
comunista no sentido de valorizar outras concepções de envolvimento como nação/pátria a
propriedade, a família e a religião (esta em especial sendo aquela que combatia o materialismo
ateu). A contar daí podemos começar a pensar a que interesses se sustentam ao uso da assertiva,
pois qualquer outra alternativa que não as estruturas basilares da sociedade burguesa ou da
burguesia nacional infringiam os interesses da “nação”.
102Este contexto pode ser avaliado quando em uso das seguintes avaliações: AGGIO, Alberto, BARBOSA,
Agnaldo, COELHO, Hercídia. Política e sociedade no Brasil (1930-1964). São Paulo: Annablume, 2002. DE
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1026
Na verdade, os pontos por ora salientados se ajustam a uma fundamentação prática:
Getúlio Vargas entendeu na fronteira em destaque um prolongamento do seu poder oligárquico
e como tal, não poderia conciliar outra influência que não o nacionalismo por ele reverberado.
Todavia, o enquadramento da memória que se institui sob a peja do anti-comunismo é
antes de qualquer juízo estabelecido é uma formação político ideológico, mantido sob forte
resistência por parte das elites nacionais e dos extratos altos que procuram conservar sob seu
controle a participação na política fazendo com este ambiente em especial aconteça sem a
presença de organizações esquerdistas ou grupos políticos que reivindicassem suas ações ao
discurso comunista. Nestas condições, o objeto de avaliação que nos cabe ser conferido nesse
momento referenda a expressão “uso político do passado”103. Em tese, resulta de uma
apropriação de signos, ritos e outros adjetivos cognitivos que acabam reaproveitando de um
determinado evento do passado com vistas a emitir um reconhecimento de longa duração do
qual seja possível manter em sincronia aquilo que não existe mais, embora deva ser preservado
no sentido de uma memória coletiva. Se acompanharmos os ensinamentos de Michael Pollak
(1989), da memória coletiva estender-se-ia ao resultado fim, isto é, a memória nacional.
A despeito dos aspectos similares, o próprio argumento de Estado Novo traduz
consideráveis indefinições. E isso acontece porque o próprio modelo preferiu misturar
problemas internos com problemas de ordem domésticos ainda enraizados a um cenário político
oligárquico, que preferivelmente não media esforços para combater convívios e influências
consideráveis de fundo internacionalista.
Talvez por isso, a pesquisa vem sendo empregada no sentido chamar a atenção para três
níveis de consciência que circunstancialmente se fazem compreender: 1) o local fronteiriço – e
a fronteira como imaginamos comportava momentos concomitantes de a proximidade e de
tensão.; 2) a transformação de um estado intolerante ao estraeiro que passa a ver no comunismo
um inimigo a ser combatido; 3) a inclinação para com a concepção nacionalista que passa a
demonstrar que o antagonismo de classe atingiu um ponto máximo do qual a burguesia rural-
urbana se viu obrigada a abandonar os recursos democráticos visando não perder os aparatos
para com a orientação comunista outro ideologias que se apresentassem contrários aos
interesses do Estado nacional.
103Para saber mais, ver: HARTOG, François & REVEL, Jacques (sous la direction). Les usages politiques du passé.
Paris: EHESS, 2001.
1027
Por fim, a proposta se coloca prevendo situar as ações e as táticas por um viés paralelo
de interpretação (seja do lado do estadista, seja do lado daqueles que acreditaram ser possível
concluir uma revolução internacionalista), sobretudo no âmbito político de época.
Acervo de consulta
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1030
ENTRE TRANSFORMAÇÕES TERRITORIAIS, LITIGIOS PUEBLERINOS E
DIREITOS DE PROPRIEDADE NA PROVÍNCIA DO PARAGUAI (SÉC. XVII &
XVIII)
Rodrigo Ferreira Maurer104
Resumo: A análise discorre sobre o passado de algumas reduções índio-jesuíticas do Paraguai
colonial dentre os séculos XVII e XVIII; voltando-se especialmente para as situações de litígios.
Em regra, indisposições por via formal entre duas ou mais reduções por territórios mal definidos
ou sobre o produto de subsistência principal e também comercial da época: o gado. E para
expressar essa realidade colonial de forma clara, a pesquisa tem procurado confirmar que as
questões suscitadas, resultaram de uma motivação excessiva de época – dentre conquistar
grupos para assim confirmar territórios de hegemonia. Todavia, não há manifestação que
permita reconstituir aqueles eventos sob a ótica mais formal de disputa dentre inimigos, uma
vez que o que se mantinha naquelas ocasiões era a consagração de um interesse (s) em
detrimento de outro (s). E aqui se inscreve a originalidade deste propósito, ou melhor, se impõe
com maior nitidez a organização da Prónvincia Jesuítica do Paraguai.
Palavras-chave: comunidades rio-platinas, fontes jesuíticas, conflitos, reações coloniais.
EM FACE DA CONSAGRAÇÃO POSSÍVEL… DAS TERRAS A PERDER DE VISTA
A TERRITORIALIZAÇÃO DOS POVOS RIO-PLATINOS
O homem é prisioneiro, durante séculos, de climas,
vegetações, populações, animais, culturas, de um
equílibrio lentamente construído, do qual não pode se
desviar sem provocar o rompimento de tudo ao seu redor.
Fernand Braudel
Desde a pré-história o homem é orientado a conviver denominando objetos,
identificando locais e reconhecendo pares – por mais distante que aqueles possam apresentar-
se do seu tempo presente ou de uma trajetória que compense a sua existência de causa. Essa
prática, além, de remontar a um convívio eterno de pertencimento ao desconhecido converge à
104 Historiador. Mestre em História (UPF). Professor Substituto do curso de Ciências Sociais – Ciência Política
da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), campus de São Borja. [email protected]
1031
uma complexa relação de viver que serve tão somente a reformulação de imaginários e
territórios dantes aproveitados por gerações que nos antecederam. E o que visualizamos
didaticamente, representa o que alguns personagens dos séculos XVII e XVII atribuíram ser a
Província do Paraguai.
Retirado de: Anteprojeto de itinerários do Mercosul. Salvador, Brasil: Unesco, 2009.
Nunca se chegou a um acordo claro da origem que perfilou a presente orientação,
contudo quem visualiza a ilustração tendo em conta o resultado final (30 povos) não consegue
imaginar as dificuldades que tiveram de ser colocadas à prova até a sua realização. Noutras
palavras, a paisagem condiciona à uma funcionalidade por demais figurativa que teve de ser
formulada linearmente sem revelar a moldura a qual forjava-se o imediatismo da sua
transformação.
1032
Aliás por razões que demonstrei em trabalhos anteriores (Maurer, 2010; 2014), já está
mais que debatido que a “realidade reducional” estabeleceu nas populações envolvidas a
“consciência” de distribuir-se aleatoriamente em meio ao horizonte que dispunham. E os
princípios alocados ao propósito de fundo (no que compete a confirmação territorial),
traduziram-se adversas às condutas que mantinham desde os idos pré-colonais – quando sequer
imaginava-se que o território algum dia viria a acumular o peso que passou a comportar – por
conta das estâncias ganaderas.
Sistematicamente do ponto de vista histórico, essa ilustração longe de uma
excepcionalidade de caso, não exclue; apenas supõe uma alusiva referência para dinâmicas que
não recomendam uma condição isolada ao território ou aos gêneros a eles implicados.
Em todo caso e a par das condições salientadas a tendência histórica aquí empregada
retrata/situa a experiência de transformação sob a ótica mais formal que compete por ora:
compreendê-la como um processo de longa duração mantido a um propósito de interpretação
ainda mais programático para não dizer sistematizado a situações que possam contrariar a
referida estrutura.
Por conseguinte e coincidentemente proporcional aos pontos salientados, a preocupação
geral da época, persistiu na maior parte das vezes em ofuscar especialidades com princípios ou
1033
concepções um tanto quanto distintas. E alegá-las do ponto de vista histórico é invariavelmente
complexo – uma vez que tratam de circunstâncias ficticias (embora aplicáveis à época colonial)
das quais remontariam facilmente aos idos da humanidade ou uma organização próxima a sua
originalidade.
Sem ter em conta este ponto de decisão, é praticamente impossível explorar a presente
temática pelo viés salientado/supracitado. Ao menos que na distinção disto estejam
condicionadas as razões que levaram aquelas comunidades a se regularizarem a um sentido
próprio de envolvimento/que ao que bem aparenta foi extensivamente manipulado.
Não é pois de admirar que algumas situações de litigios retratam as claras quão
intencional tiverá sido os esforços dos religiosos no sentido de enfraquecer a memória indígena
para para com isso condicionar o seu próprio aspecto terrificante ao cenário. Insistimos nesse
ponto capital de abordagem, não porque retrata o óbvio; mas por que conduz à solução do nosso
problema. Por isso julgamos conveniente deixar claro desde o início, que as diferenças por
menores que sejam são importantes para demonstrar as dificuldades encontradas ao propósito
final – ou tudo que promoveu a presente configuração. E não se trata simplismente de um
condicionamento factual, mas permite ao passo disso, compreender que a disposição em
questão, resultou de uma ação ambiciosa com vistas a alcançar resultados satisfatórios com o
tempo, e não no tempo das investidas.
Em verdade e na melhor das intenções tenta-se situar quão despendioso foi para a
Companhia de Jesus ter de adequar uma nova organização socioterritorial para as comunidades
envolvidas de modo a sustentar um âmbito político-administrativo amparado sobre marcas e
diferenças visíveis entre os povoados. Não por acaso, a exposição dos conflitos partem do
pressuposto de não concordar com visões idealizadas e com modelos explicativos que indiquem
a presente formulação harmônica dentre aqueles povos ou uma passividade expressivamente
morosa e potencialmente equivalente a um destino premeditado.
A propósito e para fins de abordagem, a desordem se acidental ou não, mostrava-se
atraente para algumas comunidades – haja vista que era a oportunidade de fazer-se presente em
meio ao conteúdo que se forjava ao uso das potencialidades que o território assitia ou lhes
permitia alcançar. E essa constatação é reportada sempre que possível ao nosso trabalho, uma
vez que torna perceptível a especialidade que competia a cada comunidade naquilo que
poderíamos considerar como efeitos ou condições de um envolvimento pouco paritário.
1034
Em suma, não há como se enganar que ao fundo de todas as situações apresentadas –
alguns posicionamentos tomaram em conta propósitos individualistas e lógicas contraditórias.
E para expressar isso de modo mais claro e evidente nada mais aproveitável do que considerar
a trajetória daquelas comunidades por situações que bem retratam um desagrado ao meio.
BREVES CONSTATAÇÕES DOS LITIGIOS PUEBLERINOS
Ocurren algunas diferencias y pleitos. Los más ordinarios
son sobre límites de tierras, porque aunque hay títulos de
ellas, dados y firmados de los Gobernadores em nombre
del Rey, suelen con el tiempo mudarse los nombres de
ríos o cerros, etc., linderos de las tierras, de que se siguen
dudas y diferencias.[...] Hacen su papel los indios: hace
el Cura el suyo: preséntanlo a los jueces: cotejan las dos
partes, y deciden a pluralidad de votos: y con eso, sin más
gastos, se acaba todo.
Joseph Cardiel
É habitualmente comum associarmos/atribuírmos o conceito de território como algo
praticado. Aliás se recorrermos à língua morta do latim, a palavra Territorium, ficará constatada
como a “porção de terra localizada, apropriada”.
Ocorre que nos parece indiscutível que, o problema que está em frente, não se coloca
apenas como um obstáculo, mas também é a interrogação plena disso tudo. E a perspectiva por
conseguinte, não nos permite falsas impressões – uma vez que podemos por circunstâncias
daquelas comprometer um desfecho histórico que direcione o debate para as situações
derradeiras do projeto reducional – como por exemplo – compreender a disposição agrária e
por conseguinte a concepção que ainda mantêm paisagens compactas ao tempo contemporâneo
(leia-se latifúndio).
Destarte de tudo que possa aparentar, as reduções não foram uma exceção na história,
nem sequer se mantiveram isoladas no tempo como se estivessem à indicar a Ácadia perdida.
Tanto é verdadeira a condição salientada/supracitada que a paisagem reducional /continuou
sendo reaproveitada mesmo com a saída dos jesuítas – o que demonstra que o projeto não foi
de todo “equivocado”, como quer sugerir a abordagem do Marquês de Pombal.
1035
Com efeito, o que importa efetivamente nesta oportunidade é desfazer aparentes
inadequações ao conteúdo tratado situando suas circunscritas imprecisões. Para um exame mais
apurado do conteúdo e numa outra perspectiva sobre a mesma questão, esse é o mote que
começa a desvendar-se sob à luz dos litigios pueblerinos.
Para quem interpreta o problema reaproveitando apenas os antigos manuais religiosos
há de supor que tratar-se-iam, evidentemente de intrigas/indisposições envolvendo
comunidades que procuravam resistir em meio à transformação envolvente que se colocava em
curso (sociedade missioneira). É isso também, mas em termos gerais e nas devidas proporções
(ao tempo colonial), os casos combinaríam mudanças estruturais do tempo pré-colonial para
com isso confundir a lógica indígena para outros imaginários que os religiosos (então
colonizadores em contato) julgaram apropriados ou suficientes para serem incluídos aos seus
antigos ritos de envolvimento, princípios ou comportamentos proporcionais e equivalentes aos
mesnos.
E tentar reconstituí-los sob a ótica mais formal de disputa dentre inimigos ou ainda como
um ato de infracional é, na verdade, um erro desmedido de abordagem/reflexão, pois o que se
mantinha naquelas ocasiões era a consagração de um interesse em detrimento de outro.
Não obstante, a concepção de muitos jesuítas destacar-se-iam por acompanhar a
presente terminologia. Não por acaso, o bávaro Anton Sepp descreveu que, “a razão e causa
principais eram a demasiada vizinhança de ambos os povos e, por conseguinte, fáceis demais
para furtos de ambos os lados”105. É fato também, como bem prova a investigação de Artur
Barcelos (2006), que os limites entre reduções se pautavam em acidentes geográficos, como
rios, açudes, morros, capões de mato. O que facilitava sobremaneira tais infrações.
Na esteira disso, todavia diminuindo a importância dos casos, o Alberto Armani ponderou que:
A veces surgían conflictos entre una misión y otra, pese a los vínculos de solidaridad
que lentamente habían ido ligando a las treinta Reducciones. En general se trataba de
disputas concernientes al derecho de disponer de pasturas, o bien, de controversias
comerciales. Para resolver estos problemas no era suficiente el juicio de un solo
sacerdote, de modo que se recurría a una comisión de misioneros preferiblemente
residentes em poblados muy distantes de los que estaban involucrados en el pleito. En
los casos más importantes – por ejemplo cuando se trataba de discusiones de límites
– la comisión estaba presidida por el superior de las Reducciones. Al igual que en el
105 Sepp, Anton. Viagens às missões jesuíticas e trabalhos apostólicos. São Paulo: Martins. Ed. Universidade de
São Paulo, 1972, p. 155.
1036
campo administrativo, en el judicial los misioneros actuaban dentro del marco de las
leyes españolas106.
Em regra e ao contrário do que atestou Amadori, a Companhia de Jesus tratava de
resolver os conflitos de modo reservado sem necessitar fazer uso de referências que viessem
ilustrar a corte espanhola e seus usos jurídicos. Aliás, pelo conjunto da obra é possível situar
que aqueles estaríam inclusive desempedidos de fazer tal aproximação para com a vossa
magestade espanhola – haja vista que os casos não contavam com a anuência da figura em
questão.
Longe de uma orientação pontualizada, os fatos por ora lembrados sequer tiveram uma
legislação específica de modelo – nem mesmo a tão acalantada Leis de Indias serviu para tais
fins. Na contradição disso e salvo alguma resistência em relação ao conteúdo retratado; em
última instância as decisões acompanharam as determinações do colégio máximo de Córdoba.
Todavia, o fito que envolveu tais episódios resultou de distintos aperfeiçoamentos, embora
ainda permaneçam pouco esclarecedores se comparado a diversidade que ampara a temática.
Para todos os efeitos e no que tange a apreciação dos casos, Artur Barcelos considera
categoricamente que o rito acompanhava os seguintes procedimentos:
Inicialmente, cabia aos Provinciais a nomeação de três padres das reduções do Rio
Paraná e três padres das reduções do Rio Uruguai para atuarem como juízes. Como forma de
garantir a não interferência de interesses pessoais, os juízes nomeados para o Rio Paraná
atuariam nos pleitos do Rio Uruguai, e aqueles do Uruguai atuariam nos pleitos do Paraná. No
caso de haver um pleito entre reduções dos dois rios, o trio de juízes seria formado por um
representante do Uruguai e outro do Paraná, sendo o terceiro o Padre Superior. Se este, por
alguma razão, se considerasse impedido, realizar-se-ia uma eleição junto aos seus consultores
para a nomeação de um terceiro juiz. Após serem realizadas as diligências necessárias, com a
análise dos documentos apresentados pelas partes envolvidas e a visita aos locais em disputa,
caberia aos juízes proferir uma sentença. Concedia-se dois meses de prazo para que, em caso
de apelação, as partes se pronunciassem. Todos os documentos gerados pelo processo deveriam
então ser entregues ao Superior, que os presidiria uma reunião que, após o exame de toda a
106 Armani, Alberto. Ciudad de Dios y ciudad del Sol. El “Estado” jesuita de los guaraníes (1609-1768). México:
Fondo de Cultura Económica, 1996, pp. 109-10.
1037
documentação, realizaria uma votação, cujo resultado deveria ser a sentença definitiva e
irrevogável107.
De tudo que constata Barcelos surge uma breve incompatibilidade da nossa parte: o
colegiado quando reunido, por certo ambicionava/previa alcançar definições irrevogáveis ao
ato das sentenças – no entanto – não existem provas documentais que atestem a tais
confirmações de modo taxativo. Em verdade, cada caso provem de uma individualidade própria
de detalhes e dependendo das situações, chega ser impossível evidenciar com clareza as
intenções que cercavam aqueles procedimentos.
Conquanto, a variedade de episódios por ora lembrados (12 casos) e por conseguinte as
diferenças contidas aos mesmos, não significa propriamente, que toda a contrariedade tornar-
se-ia um conflito. Mas é importante saber que dentre propostas ou ambições contrárias à época
essa era uma possibilidade a considerar – quiçá possível de ser imaginada como ferramenta de
reinvindicação por parte de uma comunidade que viesse a considerar-se prejudicada numa dada
situação. De todo modo que não é totalmente inusitado tratar o conteúdo como resultado de
uma transformação histórica. Com efeito, é avisado entender também que tratar-se-iam de casos
que não reforçaríam a uma característica fundamental – tão sequer poderiam servir para situar
de uma forma sistematizada e deliberada de interpretação a estrutura social de época, ou a tudo
aquilo que viesse a retratar a avaliação daquelas na sua plenitude por conta dos conflitos.
Em uma última instância a disputa que regia toda e qualquer redução que venha a ser
utilizada como exemplo, não representava apenas um interesse por sobre gado e terras, mas
demonstra a cargo daquelas disputas que a avaliação sobre as mesmas também perfazia
propósitos mal-intencionados. E aqueles, não se fizeram exclusivos de um ou de outro povo,
mas estiveram acima de qualquer avaliação cumprindo um parâmetro lógico pelo qual os
religiosos tiveram um cuidado todo especial em manipular, uma vez que perfazia e
acompanhava ao seu contorno uma disposição por confirmar supremacia em detrimento de
falsas conclusões. Em outras palavras, a questão que estamos querendo levantar é a dimensão
da atividade reducional enquanto representatividade regulatória daquelas comunidades.
107 Barcelos, Artur. O mergulho no seculum: exploração, conquista e organização espacial jesuítica na América
espanhola colonial. Tese de Doutoramento, Programa de Pós-Graduação em História, PUCRS: Porto Alegre,
2006, p. 450.
1038
E a lógica que embasa a presente contraridade é muito simples: cada redução
desenvolveu uma práxis de envolvimento (leia-se poder) que se adaptava aos interesses
próprios. E a narrativa mantida sobre o problema – voluntária ou não – constituí o terreno mais
frutívero da investigação que realizamos atualmente – uma vez que permite aliar sob uma única
pauta de intrepretação situações um tanto quanto comprometedoras para um condicionamento
a priori inquestionável. Desconfiamos que existe por sobre esse entendimento um certo
exagero, entretanto ao fundo concluí a um efeito dissuatório e razoavelmente disposto ao tempo
colonial.
E por aí, é fácil perceber os motivos que impediram as missões de tornarem-se uma
confederação. Na mais amiúde das avaliações os potenciais envolvidos já se mostravam desde
sempre satisfeitos em permanecer em estreitos horizontes – comungando a individualidade e
suas assimetrias perpendiculares – principalmente as que ditaríam a independência absoluta
daqueles. Sem dúvida, essas questões podem se desbobrar em muitas outras e há muitos
caminhos para procurar respostas.
Em todo caso nunca que é demais entender que “por parte de un pueblo de una tierra o
un derecho común por costumbre desde tempo inmeroriables a menudo no expresa un hecho
histórico, sino el equilibrio de fuerzas (Hobsbawn, 2002, p. 8).
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