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0 UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS - MAPP RITA DE CÁSSIA ARAÚJO O PROGRAMA SAÚDE DO ADOLESCENTE PROSAD E A LEI 12.015/09: UMA AVALIAÇÃO DOS PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS FORTALEZA 2017

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ PRÓ-REITORIA DE …Agradeço a professora Dra. Linicarla Fabiole, amiga e professora dedicada, por me tirar dúvidas e prestar socorro em alguns momentos

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS - MAPP

RITA DE CÁSSIA ARAÚJO

O PROGRAMA SAÚDE DO ADOLESCENTE – PROSAD E A LEI 12.015/09:

UMA AVALIAÇÃO DOS PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS

FORTALEZA

2017

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RITA DE CÁSSIA ARAÚJO

O PROGRAMA SAÚDE DO ADOLESCENTE - PROSAD E A LEI 12.015/09:

UMA AVALIAÇÃO DOS PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS

Dissertação apresentada à Banca do programa

de Mestrado em Avaliação de Políticas

Públicas - MAPP da Universidade Federal do

Ceará - UFC, como requisito parcial a

obtenção do grau de Mestre em Avaliação de

Políticas Públicas.

Orientador: Prof. Dr. Carlos Américo Leite

Moreira

FORTALEZA

2017

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RITA DE CÁSSIA ARAÚJO

O PROGRAMA SAÚDE DO ADOLESCENTE - PROSAD E A LEI 12.015/09:

UMA AVALIAÇÃO DOS PROFISSIONAIS ENVOLVIDOS

Dissertação apresentada à Banca do programa

de Mestrado em Avaliação de Políticas

Públicas - MAPP da Universidade Federal do

Ceará - UFC, como requisito parcial a

obtenção do grau de Mestre em Avaliação de

Políticas Públicas.

Orientador: Prof. Dr. Carlos Américo Leite

Moreira

Aprovada em: ______/ ______/ 2017.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________

Prof. Dr. Carlos Américo Leite Moreira (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

___________________________________________

Prof.ª. Drª. Linicarla Fabiole de Souza Gomes

Faculdade Metropolitana da Grande Fortaleza (FAMETRO)

__________________________________________

Prof. Dr. Gil Célio de Castro Cardoso

Universidade Federal do Ceará (UFC)

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A Deus, meu auxílio e refúgio em tempo de

tribulação. Aos meus pais, saudades e conforto

de um reencontro eterno.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, por toda a sua fidelidade por não me deixar cair nas tribulações,

mesmo nos momentos mais difíceis: Tu és o meu refúgio e a minha fortaleza, meu Deus, em

quem confio.

Agradeço ao meu pai Orlando Oliveira e a minha mãe Maria Edilce, que não estavam

presentes em corpo, mas em meu coração e mente. Quando obtive a aprovação no mestrado,

se estivessem ainda nesta Terra, teriam ficado orgulhosos pelo feito. Pessoas de qualidades

raras e que merecem todo o meu apreço e dedicação.

Minha gratidão aos meus amados irmãos, companheiros inseparáveis, refúgio e

fortaleza nas angústias.

Agradeço ao meu orientador Prof. Dr. Carlos Américo por sua paciência e por me

ajudar a dirimir as dúvidas deste trabalho.

Agradeço as funcionárias do Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas (MAPP),

Vânia e Katiane, pelo auxílio prestado.

Agradeço a professora Dra. Linicarla Fabiole, amiga e professora dedicada, por me

tirar dúvidas e prestar socorro em alguns momentos neste trabalho e pelas importantes

contribuições a esta pesquisa. E ao professor Dr. Gil Célio, pela disponibilidade em participar

da banca: o meu obrigada.

Agradeço aos colegas que fiz durante o mestrado, pessoas de bem e que procuraram

ter um espírito de equipe sempre ajudando uns aos outros.

Aos profissionais da saúde, que trabalham na Maternidade Escola, que se

disponibilizaram em participar desta pesquisa.

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“É que, para não ser um ato de violência

contra o cidadão, a pena deve ser

essencialmente pública, pronta, necessária, a

menor das penas aplicáveis nas circunstâncias

dadas, proporcionada ao delito e determinada

pela lei”. (Cesare Beccaria, Dos Delitos e das

Penas, 1764, p. 107).

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar a execução da lei de estupro de vulneráveis e

da atenção integral à saúde de adolescentes e jovens. Este estudo foi analisado sob a ótica dos

profissionais da saúde, em uma maternidade de referência, verificando o que a lei 12.015, de

07 de agosto de 2009, trouxe de novo. Não só para a sociedade em geral (através da mudança

comportamental, diante do diploma jurídico, instituído pela mesma), mas com objetivo de

apresentar uma reflexão acerca da vulnerabilidade retratada no artigo 217-a, caput, do Código

Penal Brasileiro. Assim, foi realizada uma breve discussão sobre a presunção relativa e

absoluta do dispositivo, bem como foram apontadas direções que levaram tal discussão a uma

compreensão da relativização, por alguns doutrinadores, da vulnerabilidade da vítima maior

de 12 e menor de 14 anos. A pesquisa teve como enfoque os profissionais da área da saúde,

que lidam com adolescentes com o perfil acima mencionado, em uma maternidade pública de

Fortaleza. Trabalhamos com a pesquisa descritiva por entendermos que, em suas diversas

formas, a mesma atua sobre dados ou fatos colhidos da própria realidade, não interferindo nos

mesmos. Para a operação de coleta utilizou-se como principal instrumento a aplicação de

entrevistas semiestruturada, com perguntas direcionadas ao objeto de estudo, que nos

ajudaram a conhecer a opinião dos pesquisados, seus pensamentos e sentimentos. Os

objetivos específicos desse estudo foram: verificar a compreensão dos profissionais sobre a

Política de Atenção Integral à Saúde dos adolescentes e jovens e a lei de estupro de

vulnerável; identificar como a equipe multiprofissional compreende o dispositivo penal que

versa sobre estupro de vulneráveis; verificar possíveis conflitos enfrentados pelos

profissionais para o cumprimento da lei; identificar fluxos e encaminhamentos da instituição

para o cumprimento do dispositivo penal. Como resultado do nosso trabalho constatamos ser

necessário um urgente alerta para se criar meios eficientes e específicos de atendimento às

jovens grávidas, de forma integral, abordando aspectos físicos, psicológicos e sociais,

envolvendo e dando suporte às famílias, de forma a amenizar os impactos e as pressões

causadas por essa nova situação, garantindo à jovem o direito de ter sua sexualidade

garantida, tranquila e saudável.

Palavras-chave: Abuso de vulnerável. Profissional da saúde. Direito. Política Pública..

Presunção relativa e absoluta.

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ABSTRACT

The present study aims to analyze the implementation of the law of rape of vulnerable and

comprehensive health care of adolescents and young people, from the perspective of health

professionals, in a reference maternity, verifying what law 12.015, of 07 August 2009 brought

again, not only for society in general through behavioral change, before the legal diploma,

instituted by it; but with the purpose of presenting a reflection about the vulnerability

portrayed in article 217-a, caput of the Brazilian Penal Code, making a brief discussion about

the relative and absolute presumption of the device, as well as pointing the directions that led

such discussion to an understanding of the relativization, by some of the doctrinaires, of the

vulnerability of the victim over 12 and under 14; the research focused on health professionals

who deal with adolescents with the profile mentioned above in a public maternity hospital in

Fortaleza. We work with the descriptive research, because we understand that in its various

forms, it works on data or facts taken from reality and does not interfere with them. In order

to enable this important collection operation, it was used as the main instrument, application

of semi structured interviews, with questions directed to the object of study, which helped us

to know the opinion of the respondents, their thoughts and feelings. The specific objectives of

this study were: to verify the professionals' understanding of the Comprehensive Health Care

Policy for adolescents and young people and the law of rape of the vulnerable; identify how

the multiprofessional team understands the penal device that deals with rape of vulnerable;

verify possible conflicts faced by professionals for compliance with the law; identify flows

and referrals of the institution to comply with the penal system. Finally, there is an urgent

need to create efficient and specific means of attending to pregnant young women, in a

comprehensive way, addressing physical, psychological and social aspects, involving and

supporting families, in order to mitigate the impacts and the pressures caused by this new

situation, guaranteeing the girl the right to have her sexuality guaranteed, quiet and healthy.

Keywords: Abuse of vulnerable. Health professional. Right. Public policy. Relative and

absolute presumption.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Notificações ao Conselho Tutelar, distribuídos por ano ............................ 101

Quadro 2 – Percepção dos profissionais, frente à notificação compulsória ao

Conselho Tutelar. Fortaleza, 2017 .............................................................

102

Quadro 3 – A lei 12.015/09 veio para proteger os menores de 14 anos dos crimes de

pedofilia, em sua opinião: se uma menor de 14 anos tiver relação sexual

com uma pessoa maior de 18 anos, sem violência, essa ação deveria ser

criminalizada, por quê? Fortaleza, 2017....................................................

110

Quadro 4 – Respostas dos profissionais acerca da lei 12.015/09. Fortaleza, 2017....... 111

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Distribuição dos profissionais segundo a realização de treinamento para

cuidado da criança e adolescente. Fortaleza, 2017 ....................................

92

Gráfico 2 – Apresentação das ações desempenhadas pela MEAC para programar as

políticas públicas para jovens e adolescentes segundo os participantes

do estudo. Fortaleza, 2017..........................................................................

98

Gráfico 3 – Notificação compulsória ao Conselho Tutelar. Fortaleza, 2017................. 106

Gráfico 4 – Dever profissional. Fortaleza, 2017........................................................... 117

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Distribuição da caracterização dos sujeitos da pesquisa. Fortaleza,

2017...........................................................................................................

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AIDS Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

BIRD Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento

CEP Comitê de Ética e Pesquisa

CF Constituição Federal

CLT Consolidação das Leis do Trabalho

CP Código Penal

CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

COFINS Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social

CONAES Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior

CNS Conselho Nacional de Saúde

CPMI Comissão Parlamentar Mista de Inquérito

DST Doença Sexualmente Transmissível

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica

GM Gabinete Ministerial

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

LOAS Lei Orgânica da Assistência Social

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação

MAPP Mestrado Profissional em Avaliação de Políticas Públicas

MEC Ministério da Educação e Cultura

MEAC Maternidade Escola Assis Chateaubriand

MS Ministério da Saúde

MJ Ministério da Justiça

ONU Organização das Nações Unidas

OMS Organização Mundial da Saúde

PDE Plano de Desenvolvimento da Educação

PLS Projeto de Lei do Senado

PNAD Pesquisa Anual por Amostra de Domicílios

PROSAD Programa Saúde do Adolescente

SAM Assistência ao Menor

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STJ Superior Tribunal de Justiça

SUS Sistema Único de Saúde

SINASC Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos

SINASE Sistema Nacional Socioeducativo

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância

UNFPA Fundo de População das Nações Unidas

UFC Universidade Federal do Ceará

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 19

2 ABUSO DE VULNERÁVEL: UMA LEGISLAÇÃO DE CRENÇAS SILENCIOSAS ...... 34

2.1 Vulnerabilidades e suas definições à luz da Lei nº 12.015/09 .............................................. 39

2.2 Sexualidades x Estupro de Vulnerável x Preconceitos .......................................................... 42

2.2.1 Os direitos da criança e do adolescente à luz da Constituição Federal de 1988 e a lei

8.069 de 1990 ........................................................................................................................ 44

2.2.2 Adolescentes e jovens como sujeitos de direito .................................................................... 45

2.3 Idade do consentimento e idade cronológica ......................................................................... 54

2.3.1 O direito penal mínimo .......................................................................................................... 57

2.4 Métodos e tipos de interpretação da norma .......................................................................... 58

3 PROGRAMA SAÚDE DO ADOLESCENTE (PROSAD): TEXTOS E CONTEXTOS ..... 61

3.1 Marco legal como consolidador de direitos ........................................................................... 68

3.2 O histórico da política pública do Brasil a partir da nova ordem constitucional ................... 71

3.3 Do PROSAD x Lei 12.015/09 ............................................................................................... 79

3.4 Contextos familiares e a contribuição da equipe multidisciplinar na execução das políti

cas de proteção à criança e ao adolescente ............................................................................ 85

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES ......................................................................................... 88

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 121

REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 129

APÊNDICE A – CRONOGRAMA ..................................................................................... 138

APÊNDICE B – QUADRO DE NOTIFICAÇÕES AO CONSELHO TUTELAR, DIS

TRIBUÍDOS POR ANO ...................................................................................................... 139

APÊNDICE C – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO .............. 140

APÊNDICE D – ORÇAMENTO ........................................................................................ 141

APÊNDICE E – INSTRUMENTO DE COLETAS DE DADOS ....................................... 142

ANEXO A – CARTA DE ANUÊNCIA ............................................................................... 146

ANEXO B – NESAR .......................................................................................................... 147

ANEXO C – DECLARAÇÃO DE CONCORDÂNCIA ..................................................... 148

ANEXO D – TERMO DE COMPROMISSO PARA UTILIZAÇÃO DE DADOS DE

PRONTUÁRIOS MÉDICOS .............................................................................................. 149

ANEXO E – FOLHA DE ROSTO ...................................................................................... 150

ANEXO F – TERMO DE FIEL DEPOSITÁRIO ............................................................... 151

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho trata sobre a análise e execução da lei de estupro de vulneráveis e sua

aplicação, bem como das relações com o Programa Saúde do Adolescente (PROSAD), sob a

ótica dos profissionais da saúde, que prestam atendimento a menores de 14 anos grávidas, na

Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC), situada no município de Fortaleza. A

pesquisa começou no início de novembro de 2016 e estendeu-se até maio de 2017.

A investigação tem o compromisso de observar a execução do trabalho dos

profissionais da saúde, na referida instituição, onde em suas práticas diárias estão envolvidos

o enfrentamento às violências que se materializam em nível e contexto particulares do setor

saúde, especificamente, as questões inerentes à lei, que trata do crime de abuso de vulnerável.

A lei 12.015, criada em 07 de agosto de 2009, veio para modificar de forma

significativa o Título VI da parte especial do Código Penal Brasileiro, especificamente, no

que tange em seu artigo 217-A.1 Essa alteração veio com o objetivo de colocar a dignidade da

pessoa humana em um patamar mais elevado por tratar e combater as diversas espécies de

violência sexual. Essa modificação refletiu na política pública de atenção integral à saúde do

adolescente e jovem, iniciada pelo PROSAD, formulada na década de 1980, logo após a

promulgação da Constituição Brasileira em 1988.

Trabalhar a gravidez na adolescência não é algo novo no histórico brasileiro. Com o

advento de recursos para o armazenamento de dados, diante do aparelhamento estatal, pode-se

mensurar com maior precisão os números de partos, as faixas etárias e a frequência que os

mesmos acontecem através dos bancos de dados das instituições hospitalares em todo o país,

e a melhora da acessibilidade por parte dos meios de comunicação e da população em geral.

A gravidez na adolescência hoje é considerada um problema de saúde pública,

segundo nos mostra os dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), sobre

adolescentes e jovens brasileiros. Onde se constata que, segundo Reis (2012), 32,8% de

adolescentes com a idade na faixa etária de 12-17 anos são ativos sexualmente. Deste

percentual, 61% são do sexo masculino e 39% do sexo feminino; estas com média de idade da

primeira envergadura sexual, variando entre 15-16 anos e variando um pouco entre os

meninos entre 13-15 anos.

Esse problema não é novo – apenas o seu conceito – e, ao longo dos anos, tornou-se

reprovável. É preciso recordar que o casamento precoce no cenário brasileiro em séculos

1 Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: pena-reclusão, de 8

(oito) a 15 (quinze) anos.

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passados era visto de forma natural em sua época. Vejamos:

[...] submeter-se, sem contestação ao poder do patriarca, aliando a ignorância uma

imensa imaturidade. Casavam-se, via de regra, tão jovens que aos vinte anos era

praticamente consideradas solteironas. Era normal que aos quinze anos a mulher já

estivesse casada e com um filho, havendo muitas mães que se tornavam mães aos

treze anos. Educadas em ambiente rigorosamente patriarcal, essas meninas-mães

escapavam ao domínio do pai para, com o casamento, caírem na esfera de domínio

do marido. (SAFFIOTI, 1979, p. 168).

Tais percepções nos levaram a querer pesquisar sobre o assunto pelo crescente

volume de notificações aos Conselhos Tutelares do Município de Fortaleza, em torno de

69,5% dos casos atendidos, entre ambulatório e o setor assistencial. Isso segundo dados

estatísticos do ambulatório de adolescentes da instituição pesquisada (EPINFO, 2017).

Em 2006, das 333 adolescentes entre 12 e 18 anos atendidas no pré-natal, 81 tiveram

o início da vida sexual antes dos 14 anos (EPINFO, 2017). Fazendo um cotejo de 2006 até o

mês de julho de 2016, das 207 adolescentes – entre 12 e 18 anos atendidas no corrente ano,

com vida sexual ativa –, 91 eram menores de 14 anos, totalizando 43%. O que podemos

observar é que em 10 anos esse número quase que duplicou.

Podemos considerar esses números maiores, diante do atendimento do ambulatório

de adolescentes Infanto-Puberal, pois estamos apenas falando de pacientes gestantes. O

serviço também oferece a parte de ginecologia e, nestes dados, excluímos as pacientes

atendidas nesta especialidade, além dos números subnotificados, pois se somássemos as duas

áreas, com certeza teríamos um número maior. Portanto, deste contexto, poderíamos concluir

que, segundo a lei vigente, todos esses parceiros deveriam estar sofrendo ação penal

incondicionada2 ou medida socioeducativa.

3

Assim, por entender que a educação permanente das equipes de saúde constitui um

elemento-chave para a garantia, promoção e fortalecimento das políticas de saúde pública e

por trabalhar em um ambulatório específico para criança e adolescentes, que atende um

público de 0 aos 18 anos, no Município de Fortaleza, duas questões foram determinantes para

a escolha dessa temática. A primeira que está associada às inquietações do fazer diário, onde

vivenciamos na crescente demanda de gravidezes entre a faixa etária de 12 a 14 anos e a

procura de pré-natal, dados esses que foram chancelados pelo IBGE em seu último censo. A

2 É a ação que deve ser iniciada pelo Ministério Público mediante a apresentação da denúncia ao Judiciário,

independentemente de qualquer condição, ou seja, não é preciso que a vítima ou outro envolvido queira ou

autorize a propositura da ação. 3 Medidas socioeducativas são medidas aplicáveis a adolescentes autores de atos infracionais e estão previstas no

art. 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Apesar de configurarem resposta à prática de um delito,

apresentam um caráter predominantemente educativo e não punitivo.

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segunda questão: estar cursando uma disciplina do curso de Direito específica para Crianças e

Adolescentes, despertando o interesse pela temática relacionada ao crime de abuso de

vulnerável.

A redação do dispositivo penal trouxe uma nova tipificação penal4: a descrição de um

fato ilícito em um código ou lei e que, portanto, implica a cominação de uma pena, que veio

de encontro com o cotidiano das equipes que fazem atendimentos às menores de 14 anos.

Essa perspectiva, a partir desse novo olhar, fez-nos repensar no Dever Ser profissional 5, ou

seja, a partir do dispositivo apresentado toda menor de 14 anos, atendida no ambulatório ou

em qualquer dependência da Maternidade Escola, deveria ser notificada ao Conselho Tutelar.

Adicionada a discussão do novo enxerto no Código Penal, na referida disciplina do

Curso de Direito, a norma em questão nos chamou a atenção, conduzindo-nos a avaliar

criticamente sobre os impactos, obstáculos e fragilidades geradas pelo novo dispositivo,

diante aos objetivos da política pública, especificamente, na área da saúde sexual e

reprodutiva para adolescentes e jovens atendidos em instituições hospitalares, no Brasil. Desta

forma, entendemos que a política pública de saúde reprodutiva e sexual – destinada aos

adolescentes e jovens, com o advento da lei posta no Código Penal em 2009 – deveria ter

melhorado o patamar da gravidez precoce no nosso país entre menores de 14 anos.

Diante dessa exposição, como os profissionais da área da saúde poderão trabalhar

essa questão? A lei obriga a notificação compulsória6, mas, por outro lado, temos que avaliar

os vínculos gerados com as adolescentes grávidas em uma consulta de pré-natal. Só assim

teremos a certeza do seguimento ininterrupto do mesmo, garantindo o estreitamento dos laços

entre a equipe multiprofissional, ganhando a assistência familiar sem quebra de vínculos e

prevenindo, além de outras doenças, o trabalho de parto prematuro.

Essas indagações ainda estão longe de serem respondidas, mas cabe à sociedade civil

exigir estas respostas ao Poder Público: não adianta fazer leis mais rígidas se o Estado não

tem como dar conta dos seus desdobramentos.

4 Conjunção carnal refere-se à introdução do pênis na vagina. A intromissão pode ser completa ou incompleta,

pouco importa. Também é irrelevante que ocorra ou não a ejaculação. (...). Ato libidinoso é toda manifestação

física que tem por objetivo satisfazer a lascívia (coito oral, anal, vulvar, inter femura, introdução de dedos ou

objetos na vagina, no anus, contato das mãos com o corpo, lambidas etc.). É fundamental que exista efetivo

contato corporal com a vítima, sem o que, não há falar em estupro. (FUHER, 2009). 5 Definimos como: o que vem primeiro? A atuação do profissional ou o dever imposto pelo Estado juiz.

6 Uma informação emitida pelo Setor Saúde ou por qualquer outro órgão ou pessoa, para o Conselho Tutelar,

com a finalidade de promover cuidados sociossanitários voltados para a proteção da criança e do adolescente,

vítimas de maus-tratos. O ato de notificar inicia um processo que visa a interromper as atitudes e

comportamentos violentos no âmbito da família e por parte de qualquer agressor.

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Tal temática justifica-se por ser importante estarmos diante de uma problemática

social de grande relevância. Inclui, ainda, a possibilidade do estreitamento ou o alargamento

da relação dos profissionais, que estão inseridos no contexto do pré-natal, com a saúde

obstétrica da mãe/bebê.

Pelo complexo e de difícil entendimento para a seara jurídica, que, sem querer, a

equipe, está inserida devido ao atendimento diário a menores de 14 anos, grávidas, com seus

dilemas pessoais, sensos comuns, códigos de ética e suas responsabilidades perante o

ordenamento jurídico brasileiro. Isso porque a relação sexual entre essa faixa etária, mesmo

consentida, é crime, segundo o artigo apresentado.

Nesse cenário, quando notificado o caso e, seguido o rito processual, com o devido

processo legal, o pai da criança – mesmo coabitando maritalmente com a menor de 14 anos –

poderá ficar recluso pela prática desse crime por até 15 anos. Daí questiona-se: Como o

profissional da saúde poderá trabalhar os sujeitos com um olhar diferenciado como demanda

as diretrizes do programa governamental para o adolescente? Tem-se diante de si uma norma

de padrões rígidos, não deixando a resolutividade dos casos sob o crivo da equipe de saúde.

Se o entendimento é de que se judicialize todos os casos de relação sexual, mesmo

consentida, com menores de 14 anos, levando todos os casos a tutela do poder judiciário,

iremos criar outro problema: aumento da população carcerária de forma vertiginosa.

Justifica-se, assim, o ponto de partida teórico-metodológico em torno da

compreensão do profissional da saúde acerca do adolescer, crescer, amadurecer e da

compreensão de saúde numa perspectiva, integral, holística e interdisciplinar.

Os procedimentos metodológicos que serão apresentados neste capítulo, numa

abordagem quanti/qualitativa e onde recolhemos diversos tipos de informações, foram

organizados por etapas da seguinte forma:

Tipo de estudo

Sujeitos da pesquisa

Cenário do estudo

Definição da amostra

Coleta e análise dos dados

Tratamento dos dados

Cronograma

Aspectos éticos da pesquisa

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Gil (1999) considera que a pesquisa exploratória tem como objetivo principal

desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias no intuito de formular problemas mais

precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores. Costumam envolver, também,

pesquisa bibliográfica e documental, entrevistas não padronizadas e estudos de casos e não

apresentam muita rigidez no planejamento nem se utilizam de procedimentos de amostragem

e técnicas quantitativas de coleta de dados.

A pesquisa descritiva pode assumir diversas formas, segundo Andrade (2007, p. 114),

que ao fazer menção à pesquisa descritiva (fator fundamental de nossa escolha) fez-nos

entender que essa via iria nos direcionar melhor ao que nos propomos estudar.

Soma-se o fato de que a pesquisa descritiva observa, registra, analisa e correlaciona

atos ou fenômenos (variáveis) sem manipulá-los, pois entendemos que em suas diversas

formas a mesma trabalha sobre dados ou fatos colhidos da própria realidade não interferindo

nos dados. Procura, também, descobrir, com precisão possível a frequência com que um

fenômeno ocorre, sua relação e conexão com outros, sua natureza e características. Busca

ainda conhecer as diversas situações e relações que ocorrem à vida social, política, econômica

e demais aspectos do comportamento humano, tanto no indivíduo tomado isoladamente como

de grupos e comunidades mais complexas, cujo registro não consta de documentos. Nesse

caso, os dados, por ocorrerem em seu habitat natural, precisam ser coletados e registrados

ordenadamente para seu estudo propriamente dito.

Numa abordagem quantitativa e qualitativa, utilizamos o estudo documental e de

campo, onde recolhemos diversas informações através de técnicas e instrumentos elaborados,

documentos, relatórios, publicações na área jurídica, na área social, em âmbito nacional e

internacional. Procuramos nos inteirar de dados epidemiológicos e estatísticos oficiais, com

produções nas esferas municipal, estadual e nacional, focando em conteúdo especificamente

para esta pesquisa, tendo como cenário a Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC).

Sobre o assunto, Minayo afirma que:

A diferença qualitativo/quantitativo é de natureza. Enquanto cientistas sociais que

trabalham com estatística apreendem dos fenômenos apenas a região “visível,

ecológica, morfológica e concreta”, a abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo

dos significados das ações e relações humanas, um lado não perceptível e não

captável em equações, médias e estatísticas. O conjunto dos dados quantitativos e

qualitativos, porém não se opõem. Ao contrário, se complementam, pois, a realidade

abrangida por eles interage dinamicamente, excluindo qualquer dicotomia.

(MINAYO, 2002, p. 22).

Portanto, a partir das contribuições da Antropologia, a pesquisa qualitativa tem

ganhado cada vez mais espaço em diversas áreas de estudo e adquirido relevância maior ainda

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quando se refere a avaliação de políticas, programas e projetos sociais. A opção por este tipo

de pesquisa ocorreu em razão dos diferentes aspectos, que estão imersos em um programa

social, cujo exame minucioso exige a contextualização destes fatores no ambiente onde o

mesmo se desenvolve.

A abordagem qualitativa contribuiu com a investigação contida nos objetivos

específicos para ajudar na compreensão dos mesmos. Sem a ajuda dos entrevistados não

teríamos conteúdo suficiente para: verificar a compreensão dos profissionais sobre a Política

de atenção integral à Saúde dos adolescentes e jovens e a lei de estupro de vulneráveis;

identificar como a equipe multiprofissional compreende o dispositivo penal que versa sobre

estupro de vulneráveis; verificar possíveis conflitos enfrentados pelos profissionais para o

cumprimento da lei e identificar fluxos e encaminhamentos da instituição para o cumprimento

do dispositivo penal.

Na abordagem quantitativa os dados contribuíram no estabelecimento de parâmetros

para a construção de agrupamentos para melhor compreensão da distribuição do número de

profissionais da MEAC, conforme características sócio demográficas como: sexo; faixa etária;

estado civil; ocupação; área de trabalho; tempo de instituição; tipo de vínculo; vínculo

empregatício em outras instituições. Os dados quali/quantitativos somados fundamentaram as

análises de dados, conteúdos, hipóteses e conclusões deste trabalho de pesquisa.

Após analisar as correntes metodológicas – estudadas ao longo da disciplina de

Metodologia do Trabalho Científico –, visualizamos uma vertente analítica Marxiana pelos

autores estudados, com o objetivo de compreender os fenômenos relativos ao processo de

desenvolvimento do adolescente.

Assim, partimos da abordagem de Vygotsky sob a ênfase do materialismo histórico e

do materialismo dialético por ele executado. Recorremos, também, a outros autores da nossa

contemporaneidade para uma análise política, histórica, jurídica e psicossocial do tema

proposto. Consultamos: Rodrigues (2008, 2011); Minayo (2009); Bardin (2009); Andrade

(2008); Greco (2007, 2009, 2011); Nucci (2009, 2010, 2014), dentre outros.

Utilizou-se o método crítico-reflexivo, abordando os métodos quanti/qualitativo, que

se complementam, favorecendo a reflexão das consequências da lei aos companheiros que

vivem maritalmente com menores de 14 anos, do direito à privacidade, e dos limites impostos

pelo Estado. Dessa forma, buscou-se contextualizar a égide da política pública, que teve início

com o PROSAD, logo depois a criação de uma política específica para adolescentes e jovens,

com enfoque no Programa do Governo para a Saúde Sexual do Adolescente, a partir de várias

visões envolvidas na política.

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Nesse sentido, acreditamos que, conforme afirma Triviños (1987), o estudo

descritivo permite ao investigador aumentar sua experiência em torno de determinado

problema, que, partindo de uma hipótese, “aprofunda seu estudo nos limites de uma realidade

específica, buscando antecedentes”, ampliando conhecimentos.

A pesquisa foi realizada com 15 profissionais da saúde que prestam serviços diários a

crianças e adolescentes de 0 (zero) a 19 anos incompletos, escolhidos de forma aleatória,

identificando cada entrevistado com a letra “E” seguida de um número cardinal para não

comprometer o sigilo de sua identificação e nem a pesquisa.

Foram entrevistados profissionais do serviço ambulatorial, emergência, sala de parto

e unidade de internação na especialidade de obstetrícia7 por situarem-se como setores de

entrada de gestantes em busca do pré-natal, intercorrências obstétricas, resolução do parto e

pós-parto respectivamente. Vale considerar que o conjunto de profissionais entrevistados

atendeu o critério de saturação dos dados. Acrescenta-se o fato de que, especificamente, nos

detivemos aos profissionais que estavam de plantão nos dias da abordagem enquanto

prestavam atendimento ao parto, puerpério ou ao pré-natal.

A pesquisa foi realizada na Maternidade Escola Assis Chateaubriand, uma instituição

pública no Município de Fortaleza vinculada à Universidade Federal do Ceará (UFC),

pertencente à Rede da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), estatal e

vinculada ao Ministério da Educação, que administra atualmente 39 hospitais universitários

federais, criada com o objetivo de aperfeiçoar os serviços de atendimento à população por

meio do Sistema Único de Saúde (SUS) e de promover o ensino e a pesquisa nas unidades

filiadas. O órgão, criado em dezembro de 2011, também é responsável pela gestão do

Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (REHUF), que

contempla ações nas 50 unidades no país, pois segundo Sodré:

Sob a justificativa de maior autonomia no uso dos recursos, legalização dos

contratos de trabalho e aprimoramento do processo de gestão das instituições de

ensino e saúde, o governo Lula se despede de seu mandato, deixando a herança das

Fundações Estatais de Direito Privado, ainda que sob nova roupagem: a EBSERH.

Após a rejeição da MP n. 520 no Senado, em 2011, a então presidente da República,

por meio da Lei n. 12.550, autoriza a criação da EBSERH, empresa com

personalidade jurídica de direito privado e patrimônio próprio. (SODRÉ, 2013, p.

371).

A MEAC está localizada na Rua Coronel Nunes de Melo, s/n, Rodolfo Teófilo,

Fortaleza - CE, 60430-270, que tem como missão promover o ensino, a pesquisa e a

7 Ambiente no qual ficam internadas às puérperas que pariram ou esperando o parto na instituição pesquisada.

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assistência terciária à saúde, atuando de forma integrada e como suporte aos demais níveis de

atenção do modelo de saúde vigente onde encontramos o tripé de ensino, pesquisa e

extensão. Nessa ótica, a interdisciplinaridade toma parte de seu cotidiano, direcionando

principalmente no cuidado ao núcleo familiar. Vejamos o que diz Ribeiro:

[...] a Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC), que compõe os hospitais

universitários da Universidade Federal do Ceará, tendo como funções primordiais o

ensino, a pesquisa e a assistência médico-hospitalar. Caracteriza-se por prestar

assistência às mulheres e aos recém-nascidos em nível terciário, configurando-se

como referência no Município de Fortaleza e no Estado do Ceará quanto às suas

especialidades (obstetrícia, ginecologia e neonatologia), sendo ainda reconhecidas

pelo Ministério da Saúde como maternidade de excelência em atendimento as

gestantes de alto risco. (RIBEIRO, 2013, p. 252).

A instituição é referência na assistência materna-infantil do setor público a qual

dispõe de um ambulatório para adolescentes, onde a promoção da saúde é à base de todo o

atendimento e onde há execução de programas educativos e informativos para adolescentes

com idade de 10 a 19 anos incompletos.

O ambulatório de adolescentes da MEAC segue sob a ótica do que foi preconizado

pelo Programa Saúde do Adolescente (PROSAD), atuando prioritariamente em orientação e

prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, bem como problemas relacionados à

gravidez precoce, questões como sexualidade, infecções sexualmente transmissíveis

(IST’s/AIDS) e relações de gênero.

A Maternidade Escola faz parte de um mecanismo de Estado, que coopera na geração

de uma população jovem e saudável, buscando estabelecer um momento de interação entre

profissional e cliente, respeitando seus valores, conceitos e visão de mundo. Oliveira enfatiza

que:

A educação em saúde como um instrumento de construção da participação popular

nos serviços de saúde e, ao mesmo tempo, de aprofundamento da intervenção da

ciência na vida cotidiano das famílias e sociedades. O desafio principal da educação

em Saúde é trazer abertura para debates no âmbito governamental, com os

profissionais e a população. Com isso terá um avanço apontando para a construção e

difusão do saber e do conhecimento visando à melhoria na qualidade de vida. (DE

OLIVEIRA, 2004, p. 761).

A MEAC tem um ambulatório específico para promoção da saúde infanto-juvenil,

criado em 1985, para atender especificamente crianças e adolescentes. É a principal porta de

entrada desse público na instituição, demandando profissionais com formação generalista,

capazes de trabalhar em equipe onde há execução de programas educativos e informativos

para crianças e adolescentes que procuram o serviço. Por esse motivo, transformou-se em um

de nossos ambientes da pesquisa, visto que em média, mensalmente, são atendidas 100 (cem)

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adolescentes no referido serviço, provenientes da rede de referência e contrareferência da

Prefeitura de Fortaleza e de outros municípios do Estado. Dados esses retirados do programa

Epi Info versão 6 (seis) do ambulatório de adolescentes, lembrando que, em uma pesquisa

qualitativa, não há necessidade de utilização do processo de amostragem com grande número

de entrevistados (GIL, 2010, p. 54).

Neste estudo, ouvimos opiniões dos profissionais que recebem menores de 14 anos

grávidas, com o objetivo de responder questões pertinentes dentro do contexto que o ambiente

os insere, através das diretrizes nacionais para a atenção integral à saúde de adolescentes e

jovens na promoção, proteção e recuperação da saúde. Analisamos, também, como esses

profissionais percebiam a lei 12.015/09.

A escolha desse recorte se fundamenta pelo fato de esse projeto ter como público-alvo

os/as Profissionais da Área da Saúde, com suas atividades voltadas para o atendimento de

adolescentes e jovens, na área de obstetrícia.

Tivemos dificuldades no delinear de nossa pesquisa quando constatamos que quase a

metade dos profissionais entrevistados, 46,6%, afirmaram desconhecer a existência de alguma

Política Pública de Saúde para adolescentes e jovens do governo federal.

Na população de 15 profissionais entrevistados 4 (quatro) tiveram dificuldades em

responder à pergunta de número 13: O que você conhece a respeito do PROSAD?8. Do

mesmo número de profissionais anteriormente destacados, não souberam responder à

pergunta de número 14, onde questionamos sobre: Qual ação a MEAC viabiliza para o

cumprimento das políticas públicas para jovens e adolescentes no Município de

Fortaleza?

Dos 15 entrevistados, 4 (quatro) pularam a questão de número 16 por desconhecer a

lei 12.015/09, não sabendo opinar quando questionados sobre: O senhor (a) enfrenta alguma

dificuldade ou conflitos na execução da lei 12.015/09 no seu dia a dia profissional? Obs.:

caso a sua resposta na questão de nº 14 tiver sido: “NÃO CONHEÇO”, pule esta

questão.

Nas questões abertas, os respondentes relataram suas atitudes e enfrentamentos em seu

dia a dia, acerca do conhecimento ou não da política pública para jovens, da lei 12.015/09 e o

PROSAD. As questões abertas corresponderam a maior parte dos objetivos específicos

propostos no trabalho.

8 O Programa Saúde do Adolescente (PROSAD) tem como objetivo promover a saúde integral de adolescentes e

jovens, favorecendo o processo geral de seu crescimento e desenvolvimento, formulando uma política nacional a

ser desenvolvida a nível Federal, Estadual e Municipal.

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É importante salientar, pela complexidade do tema, que a população participante desta

pesquisa foi informada dos objetivos da pesquisa e só depois resolveram aceitar ou não serem

entrevistados, respeitando assim sua autonomia e problemas éticos.

Como critério de inclusão consideramos os profissionais do ambulatório de

adolescentes, referência no Estado do Ceará, pelo atendimento a crianças e adolescentes.

Hoje, único local no Estado do Ceará específico para atendimento ao público citado,

especialista no atendimento do gênero feminino de 0 (zero) a 19 (dezenove) anos

incompletos.

Ainda na categoria “inclusão” escolhemos profissionais de outros setores, que no seu

lidar diário atendam menores de 14 anos grávidas, com relação sexual consentida, e que

procuram o serviço para resolução da gestação ou já estão no pós-parto.

A média de partos da Maternidade Escola é de 253 partos mensais e, dentre este

número, 45% das parturientes tem entre 12 - 19 anos incompletos (MEAC, 2017).

Usamos como critério de exclusão os atendimentos a mulheres vítimas de abuso

sexual, pois o instituto violência não é objeto de nosso estudo e nem tão pouco o atendimento

ao gênero masculino. Pelo aspecto “violência” foram excluídas todas as mulheres de qualquer

idade, mesmo amparadas pela lei 12.015/09.

Em outro caráter de exclusão, deixamos de computar em números as menores de 14

anos atendidas pelo serviço de ginecologia, com vida sexual ativa, embora albergados pela lei

12.015/09. Isso porque a proposta do estudo era cotejar os impactos da lei, junto a Política

Pública sexual e reprodutiva da adolescente grávida menor de 14 anos na tentativa de

identificar quais os benefícios que a lei 12.015/09 poderiam proporcionar para a vida da

menor no decorrer do pré-natal e no pós-parto.

A nossa principal preocupação quando iniciamos a pesquisa foi a compreensão da

equipe multidisciplinar, diante do dispositivo penal e que versa sobre estupro de vulnerável,

em uma relação sexual consentida.

Verificamos, através das falas das profissionais entrevistadas, conflitos enfrentados por

elas para o cumprimento da lei. Identificamos fluxos e encaminhamentos da instituição para o

cumprimento da lei, observando a eficácia e a eficiência dessa lei.

Analisou-se a gravidez, a política integral do adolescente para menores nesta faixa

etária com relação sexual consentida e as repercussões do fazer diário dos profissionais no seu

dia a dia.

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Essa etapa configurou-se bastante produtiva e surpreendente, pois nos trouxe várias

descobertas e muitas outras indagações, que inviabilizariam suas respostas neste trabalho, ao

que decidimos guardá-las para explorar analiticamente em outra futura pesquisa.

Portanto, neste trabalho, procurou-se expor a concepção dos profissionais da saúde em

sua ótica de atendimento a menores de 14 anos grávidas. Buscou-se percorrer os contextos

dos atendimentos de cada profissional entrevistado no sentido de fazer um cotejo de fluxos e

encaminhamentos da instituição, procurando entender a elaboração e execução da política

dentro da instituição de acordo com os objetivos da Política de Saúde Integral dos

Adolescentes e Jovens para o público no qual essa política se destina.

O convite para a participação da pesquisa foi realizado por meio da exposição da

temática. Durante essa experiência, pontuamos a relevância da participação do profissional e a

sua contribuição social neste trabalho mediante os resultados que seriam obtidos, através de

suas percepções diárias, visto a escassez de bibliografia sobre o assunto.

Do ponto de vista analítico instrumental o conceito é fundamental para a compreensão

dos dados que foram fornecidos nas entrevistas. Ele permitiu explicitar e sistematizar o

conteúdo das mensagens e a expressão deste conteúdo, a partir de um conjunto de técnicas

parciais e complementares. O objetivo desta abordagem foi efetuar deduções lógicas e

justificativas, referentes à origem das mensagens do estudo. O material de estudo

compreendeu na utilização de entrevistas semiestruturada.

Os dados foram colhidos através de entrevistas que continham perguntas abertas e

fechadas no período de abril a maio de 2017. A construção teórica foi apoiada em pesquisas

de livros, revistas, resenhas e documentos, que nos ajudaram a assimilar as ideias veiculadas

por autores nacionais, levando o referencial teórico à realidade investigada, bem como o do

ordenamento jurídico brasileiro, fazendo um cotejo do que manda a lei.

As entrevistas foram aplicadas aos profissionais, que consentiram com a pesquisa,

através de termo livre e esclarecido assinados em duas vias, ficando uma via com a

pesquisadora e a outra com o entrevistado. As abordagens foram feitas em seu local de

trabalho e selecionados segundo o critério de acessibilidade. Não utilizamos procedimentos

estatísticos para a escolha da amostra, onde foram escolhidos pela logística de atendimento:

emergência, sala de parto, posto do 2º andar, e ambulatório de adolescentes.

A partir das respostas coletadas foi possível, em algum momento, a análise dos dados

para aproximação da realidade.

A comunicação através da fala, muito valiosa para a raça humana e tão rica, apresenta

um grande número de significados numa só palavra, que, nesta visão polissêmica, permite ao

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pesquisador qualitativo uma variedade de interpretações, conforme aponta Laurence Bardin

sobre a análise de conteúdo:

No plano metodológico, a querela entre a abordagem quantitativa e a abordagem

qualitativa absorve certas cabeças. Na análise quantitativa, o que serve de

informação é a frequência com que surgem certas características do conteúdo. Na

análise qualitativa é a presença ou a ausência de uma dada característica de conteúdo

ou de um conjunto de características num determinado fragmento de mensagem que

é tomado em consideração. (BARDIN, 2009, p. 21).

O significado da análise de conteúdo é não somente produzir suposições

subliminares acerca de determinada mensagem, mas embasá-las com pressupostos teóricos de

diversas concepções de mundo e com as situações concretas de seus agentes ou destinatários.

Logo, fazer uma inferência à análise de conteúdo é trabalhar com uma técnica de palavras,

produzindo a aferição de um texto replicável ao seu contexto social.

Nesta técnica, o texto é um meio de expressão do sujeito, onde o analista busca

categorizar as unidades de texto, palavras ou frases que se repetem (CAREGNATO; MUTTI,

2006). Todavia, nem sempre aquilo que se está escrito é o que verdadeiramente o emissor

queria dizer. Ou, por outro lado, existe uma mensagem não muito clara que só percebemos

nas entrelinhas, onde nem sempre as interpretações são manifestas de forma a serem

compreendidas absolutamente, sem sabermos onde acaba a objetividade e começa o figurado.

Desta forma, atualmente, a técnica de análise de conteúdo refere-se ao estudo tanto

dos conteúdos nas figuras de linguagem, reticências, entrelinhas, quanto dos manifestos.

(GOMES, 2004, p. 23). Nesse sentido, os dados foram analisados a partir do que foi colhido

nas próprias respostas dos profissionais da área da saúde que estavam escalados no dia da

coleta. Para isso foi no contexto social que cada entrevista foi analisada e que as respostas

tiveram cunho científico, este responsável pela separação de falas mais relevantes por temas e

associação de falas, com conceitos síntese e com cruzamento de informações em todas as

entrevistas.

Na análise de coleta de dados investigada instrumentamos as respostas em referência

à problemática levantada para possíveis soluções. Na análise exploratória dos dados

quantitativos utilizamos como referência as transcrições das entrevistas e a primeira parte do

formulário da mesma, que continha, nome, idade, formação etc. Cada formulário foi

preenchido pelos entrevistados, com o objetivo de identificar os atributos mais citados por

eles, a distribuição percentual de respostas e a análise para avaliar o grau de importância das

respostas.

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Realizamos em nossa pesquisa as observações direta e participativa, por entendermos

que o convívio direto com os fatos nos levaria a uma melhor compreensão da problemática e

consequentemente nos direcionaria a possíveis soluções de questionamentos que foram

levantados.

A utilização de entrevistas como estratégia de investigação foi necessária para

contextualizar os discursos dos profissionais entrevistados, as relações pessoais e

compreender as condições sociais dos envolvidos em meio ao tema estudado para entender

produção de seus discursos. A fala e a observação nos possibilitaram descrever e situar os

fatos únicos e os cotidianos, construindo, assim, cadeias de significações.

Foi utilizada a análise de conteúdo como técnica de análise de dados, técnica

particularmente usada para estudos de tipo qualitativo, caracterizada por sua objetividade,

sistematização e inferência (RICHARDSOS, 1989).

Triviños (1995) acrescenta que o emprego deste método é recomendado para o

estudo de motivações, atitudes, valores, crenças, tendências e para desvendá-lo das ideologias

que podem existir nos dispositivos legais, princípios, diretrizes etc.

Nesse sentido, Bardin (2009), por sua vez, define a análise de conteúdo como:

um conjunto de técnicas da análise das comunicações, visando, por procedimentos

sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, obterem

indicadores quantitativos ou não, que permitam a inferência de conhecimentos

relativos às condições de produção/ recepção (variáveis inferidas) das mensagens.

(BARDIN, 2009, p. 123).

Este método procura se afastar da ilusão da transparência dos fatos sociais e pretende

compreender para além dos significados imediatos. De forma geral, esta técnica permitiu a

ultrapassagem da incerteza (rigor) e o enriquecimento da leitura, mediante uma leitura atenta,

que possibilitou o esclarecimento de elementos de significações susceptíveis de conduzir a

uma descrição de mecanismos de que, a priori, não detínhamos a compreensão (BARDIN,

2009, p. 122).

Foi neste cenário, portanto, que procuramos realizar uma análise da política pública

cotejada com a lei, seguindo a abordagem metodológica da avaliação em profundidade de

políticas públicas, onde primeiramente a definimos para só depois mostrar os procedimentos

metodológicos. Assim, Rodrigues enfatiza que:

(...) a imersão em uma particularidade do campo de investigação, saliento que no

sentido aqui referido é o de abarcar a um só tempo as dimensões dadas tanto no

sentido longitudinal – extensão no comprimento – como latitudinal – extensão na

largura, amplidão. Assim desta perspectiva, quanto mais mergulhamos na situação

estudada, mais ampliamos o campo de investigação. Olhamos à frente e para os

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lados, acima e abaixo, porque a compreensão focada, direcionada, certamente a mais

fácil, com certeza será sempre limitada. Ou, mesmo, poderíamos correr o risco de,

na busca de análise tão profunda, perdermos o contato com a superfície (...)

(RODRIGUES, 2017, p. 10).

Neste diapasão, a avaliação em profundidade nos subsidiou na condução a

importantes reflexões, que nos direcionou na investigação de nossos principais

questionamentos. Assim, eis o objetivo de nosso trabalho: analisar a execução da lei de

estupro de vulneráveis e da atenção integral à saúde de adolescentes e jovens, sob a ótica de

profissionais da saúde, em um serviço gineco-obstétrico para adolescentes, ao que citamos

novamente Rodrigues quando afirma que:

Uma avaliação em profundidade não poderá se restringir a um olhar focado apenas

na averiguação do cumprimento das metas propostas pela política e seus resultados,

ou nos itens priorizados por um programa, bem como tão somente no atendimento às

suas diretrizes. (RODRIGUES, 2011, p. 57).

Desse modo, definimos o objeto a ser investigado e a população da pesquisa. O

roteiro das entrevistas e o termo livre esclarecido, dentre outros, estão nos anexos no final

deste trabalho. Os referidos documentos foram apresentados às pesquisadas, que receberam

orientação sobre a sua participação voluntária e sobre como a pesquisa traria benefícios não

só para o sujeito da pesquisa, mas para a instituição e para a promoção da saúde. Por

profissionais da área da saúde entende-se por: assistente social, enfermeiro, médico, psicólogo

e técnico de enfermagem.

O trabalho atendeu as exigências científicas e éticas de acordo com as Normas e

Diretrizes que regulamentam pesquisas. O protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética em

Pesquisa da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (CEP/MEAC/UFC) e os procedimentos

utilizados obedeceram aos Critérios da Ética na Pesquisa com Seres Humanos, do Conselho

Nacional de Saúde – Ministério da Saúde, Resolução nº 466/12 CNS/MS de 12 de dezembro

de 2012, publicada no diário oficial, em 12 de dezembro de 2012, (BRASIL, 2012).

O projeto foi registrado com CAAE nº 60517316.0.0000.5050 recebeu nº de parecer

1783285, aprovado em reunião do dia 20 de outubro de 2016, termo em ANEXO, conforme

Protocolo CONEPE nº. 45/07.

A tabulação e análise dos dados foram realizadas com o Pacote Estatístico para

Ciências Sociais, versão 12 para Windows (SPSS 12.0). Inicialmente são apresentadas as

análises estatísticas descritivas de frequências e percentagens dos dados biosociodemográficos

dos participantes, relativos à idade, sexo profissão, idade etc.

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Entender a égide, a estrutura e a dinâmica da avaliação de políticas públicas em

profundidade, considerando seus fatos mais significativos, levou-nos a uma visão crítica do

que pesquisávamos para uma compreensão e apreensão do nosso objeto. Possibilitou, ainda,

perceber o nosso objeto de análise à distância, em ampla perspectiva, para um resultado

acadêmico que fomentou e auxiliou uma mudança no universo trabalhado. Por sermos

servidores da Universidade Federal do Ceará, muitos desses objetivos foram indagações do

nosso dia a dia, que nos levaram à construção desse problema.

No que concerne à estrutura este trabalho tem quatro capítulos. O primeiro,

contabilizado a partir desta introdução, o segundo, onde trabalhamos a parte jurídica,

mostrando ao leitor toda a legislação atualizada do crime de abuso de vulnerável, explanando

como a doutrina recebeu esse novo diploma jurídico, explorando a incidência da lei e seus

reflexos no campo fenomênico e social.

No terceiro capítulo, analisamos o principal marco histórico garantidor da criação e

permanência da política pública específica para crianças, adolescentes e jovens no país, e suas

diretrizes nacionais para a atenção integral à saúde sexual, bem como o seu delinear histórico

desde a promulgação da Carta Constitucional de 1988 até a atualidade.

No quarto e último capítulo expomos as conclusões da pesquisa, com os resultados

das entrevistas sob a ótica do referencial teórico trabalhado, tornando a análise e tabulação

dos dados em viés científico, que viabilizou uma melhor compreensão de seus resultados.

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2 ABUSO DE VULNERÁVEL: UMA LEGISLAÇÃO DE CRENÇAS SILENCIOSAS

O que é necessário é uma nova maneira de pensar sobre

o desafio da gravidez na adolescência. Em vez de ver a

menina como o problema e a mudança de seu

comportamento como a solução, os governos,

comunidades, famílias e escolas devem considerar como

reais desafios à pobreza, a desigualdade de gênero, a

discriminação, a falta de acesso a serviços, e as opiniões

negativas sobre meninas e mulheres. (UNFPA, 2013, p.

14).

Com a inclusão no bojo constitucional do artigo 227, o legislador definiu quem teria

o dever de assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, assistência absoluta, passando de

objetos a sujeitos de direito. A partir desse dispositivo, abriu-se o debate para a família,

sociedade e Estado trabalharem em conjunto, repensando as políticas públicas específicas

para a construção de práticas de atenção integral à saúde, dentre as quais, a de atenção e

cuidados à saúde sexual e reprodutiva.

Quando a sociedade clama por leis, seja por transformações na vida cotidiana, seja

devido o surgimento de novas demandas sociais, advindas das modificações coletivas, não

significa que quando positivada e colocada no ordenamento jurídico a lei promulgada consiga

atender seus anseios de forma ampla e em sua totalidade.

Dadas essas considerações, neste capítulo, exploraremos a hipótese de incidência da

lei, assim entendida como a situação descrita em lei, recortada pelo Congresso Nacional entre

inúmeros fatos do mundo fenomênico. Explanaremos ainda o que o legislador entende como

crime e como o profissional da saúde percebe este dispositivo penal no seu dia a dia e no seu

dever profissional, tendo que se adequar ser cair em omissão diante da obrigação punitiva

imposta pelo Estado.

O enfrentamento da problemática faz-se necessário, primeiramente, com uma

abordagem técnica e clara do assunto, uma vez que não é mascarando o problema que ele

deixará de existir.

Houve análise da conjuntura política atual, bem como em contextos passados, com o

intuito de comparar quais influências positivas ou negativas sobre o enxerto feito à Lei para

realizar uma avaliação de seus possíveis reflexos nas vidas das adolescentes menores de 14

anos grávidas e seus contextos familiares.

É nesta perspectiva que delinearemos o nosso estudo na parte jurídica, sem querer

esgotá-lo nesta pesquisa, instigando o leitor a repensar as contradições do Estado frente à

criação de políticas públicas para jovens e adolescentes, na área sexual, onde tem na doutrina

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da proteção integral seu suporte de ações. Analisamos, ainda, como este mesmo Estado afasta

a efetivação dessas ações através de leis fora da realidade social, dificultando sua execução.

Assim, iniciamos esse momento lançando uma questão: Como conciliar norma e

política pública para adolescentes e jovens no que se refere à educação sexual e reprodutiva?

Se a norma e política pública inviabilizam o pleno desenvolvimento da saúde desse segmento,

deslocando a realidade, erigindo obstáculos à política e criando uma fragilidade para o pleno

desenvolvimento da mesma dentro do ambiente hospitalar? Será que, reprimindo a

sexualidade entre os adolescentes e jovens, diminuiremos os números de gravidezes entre

eles? Segundo Foucault:

Existe, talvez, outra razão que torna para nós tão gratificante formular em termos de

repressão as relações do sexo e do poder: e o que se poderia chamar o beneficio do

locutor. Se o sexo e reprimido, isto e, fadado a proibição, a inexistência e ao

mutismo, o simples fato de falar dele e de sua repressão possui como que um ar de

transgressão deliberada. Quem emprega essa linguagem coloca-se, ate certo ponto,

fora do alcance do poder; desordena a lei; antecipa, por menos que seja, a liberdade

futura. Daí essa solenidade com que se fala, hoje em dia, do sexo. (FOUCAULT,

1999, p. 103).

Portanto, antes de adentrarmos essa seara jurídica, explicando o que a lei trata sobre

vulnerabilidade, precisamos explicar a vulnerabilidade de forma ampliada, buscando abordar

algumas definições fora do compêndio legal.

É mister definir o termo nos afastando um pouco do âmago forense de forma que

possamos ter melhor entendimento do assunto e partirmos para o que é prescrito e descrito

dentro da norma pátria, situando a temática no tempo e espaço.

Não podemos descartar a ocorrência de uma revolução sexual no final do século XX,

que designou intensas modificações na cultura e na sociedade, atuando decisivamente no

amadurecimento precoce da criança e principalmente do adolescente.

Algumas implicações como o fim da presunção de violência, tratada no título

anterior, revogado, com certeza já era previsível, pois deu lugar a um dispositivo com sansões

mais rígidas, já que o legislador optou por criar um novo instituto denominado “crime de

abuso de vulnerável”, afastando do ordenamento jurídico o instituto da presunção de

violência.

Vale transcrever parcialmente o fundamento do projeto, que com a edição da Lei nº

12015/09, de 7 de agosto de 2009, nos trouxe o artigo 217-A9, tipificando como crime o

dispositivo elencado, substituindo o regime de presunção de violência contra criança ou

9 Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena-reclusão, de 8

(oito) a 15 (quinze) anos.

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adolescente menor de 14 anos, que era previsto no art. 22410

do Código Penal. (BRASIL,

2004).

Esse resultado ocorreu por conta das novas demandas sociais no sentido de moldar

nosso Código Penal Brasileiro às atuais realidades e necessidades urbanas. Por iniciativa da

Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Exploração Sexual de Crianças e

Adolescentes, elaborou-se o Projeto de Lei do Senado - PLS nº 253 de 2004, que mais tarde

findou na promulgação da Lei 12.015/2009, que alterou significativamente o Título VI do

Código Penal. Por força desta Lei, tivemos a introdução de uma nova figura típica penal em

nosso ordenamento jurídico: o artigo 217-A do CP.

O referido artigo mudou o conceito de estupro e passou a contemplar a figura

masculina, pois na perspectiva anterior antes somente a mulher poderia ser estuprada. Com a

nova redação, o homem deixa de ser somente sujeito ativo, do tipo penal, para também fazer

parte do rol dos sujeitos passivos do crime.

O legislador poderia ter inovado ainda mais, equiparando a idade do consentimento

com a definição de adolescente do ECA, prescrito no art. 2º da citada norma, quando

especifica a idade, diferenciando a criança do adolescente e os atos infracionais, pois, quando

menor de 12 anos, aplicam-se medidas protetivas e quando maior de 12 anos medidas

socioeducativas.

Se aos 12 (doze anos) um adolescente, por infração, pode responder por medidas

sócias-educativas, acompanhada por agente policial, então por analogia, poderia estar capaz

de consentir nos atos da sua vida sexual. Citando Nucci:

(...) ora é preciso considerar então se esta vulnerabilidade é absoluta (não admitindo

prova em contrário) ou relativa (admitindo prova em contrário). Partimos do

seguinte ponto básico: o legislador, na área penal, continua retrógrado e incapaz de

acompanhar as mudanças de comportamento reais na sociedade brasileira, inclusive

no campo das definições de criança e adolescente. Perdemos uma oportunidade

ímpar para equiparar os conceitos com o Estatuto da Criança e do Adolescente, ou

seja, criança é a pessoa menor de 12 anos, adolescente, quem é maior de 12 anos.

Logo a idade de 14 anos deveria ser eliminada desse cenário. A tutela do direito

penal, no campo dos crimes sexuais, deve ser absoluta quando se tratar de criança

(menor de 12 anos), mas relativa ao cuidar do adolescente (maior de 12 anos). Desse

modo continuamos a sustentar ser viável debater a capacidade de consentimento de

quem possua 12 ou 13 anos, no contexto do estupro de vulnerável. Havendo prova

de plena capacidade de entendimento da relação sexual, (ex. pessoa prostituída) não

tendo violência ou grave ameaça, real, nem mesmo qualquer forma de pagamento, o

que poderia configurar o crime do art. 218 B, o fato pode ser atípico ou comportar

desclassificação. Entretanto manter relação sexual com pessoa menor de 12 anos

com ciência disso provoca o surgimento da tipificação do art. 217-A, de modo

absoluto, sem admissão de prova em contrário. (NUCCI, 2010, p. 830).

10 Art. 224 - Presume-se a violência, se a vítima: Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90 (Revogado pela Lei nº 12.015, de

2009).

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Portanto, entende-se que, nos termos do artigo 1º, VI, da Lei nº 8.072/90, o estupro

de vulnerável é crime hediondo, devendo inicialmente o cumprimento da pena se dar em

regime prisional fechado.

Após a promulgação da lei 12.015/09 já seria presumível as divergências de diante

do novo mandamento jurídico pelas mudanças técnicas e de entendimento, que trouxe em seu

corpo normativo. Isso porque retirou a compreensão da presunção de violência, introduzindo

o termo vulnerável, sem, contudo, oferecer uma definição clara e objetiva ao termo.

Percebe-se, portanto, que o novo diploma jurídico nasceu causando muitas dúvidas,

criando severos debates entre os doutrinadores pátrios, levando os juízes a tomarem decisões

diversas e divergentes no campo jurídico.

Precisamos compreender o pensamento do legislador ao lançar a proposta de um

enxerto de lei, que a priori surge de uma necessidade social. Pelo menos essa é a principal

prerrogativa de um projeto de lei por entendermos que o Congresso existe por força de

delegação social, através de sufrágio universal, pois vivemos em uma democracia

representativa.

O fato é que a nova lei veio eivada de interpretações diversas, culminando em uma

leva de ações em todos os tribunais brasileiros, levando o Supremo Tribunal de Justiça (STJ),

em agosto de 2015, a sobrestar todas as ações de todo o país, relacionadas ao tema, no intuito

de em uma única sentença torná-la vinculante11

naquele Tribunal, servindo de parâmetro para

o Estado brasileiro. Vejamos a tese assentada no STJ em 26 de agosto de 2015:

Para a caracterização do crime de estupro de vulnerável, previsto no artigo 217-A do

Código Penal, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato

libidinoso com pessoa menor de 14 anos. “O consentimento da vítima, sua eventual

experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso entre o agente

e a vítima não afastam a ocorrência do crime.” Resp. 1480881/PI, Relator: Ministro

Rogério Schelli Cruz, terceira seção do STJ, unânime, Data de julgamento:

26/08/2015. (REVISTA DOS TRIBUNAIS, 2015, p. 89).

Portanto, embora o dispositivo em questão preveja o crime prescrito no artigo 217-A,

que tem como título dos Crimes Sexuais Contra Vulnerável, o legislador perdeu a

oportunidade de definir o termo “vulnerabilidade”, pois o instituto veio para abolir a

presunção relativa e o novo termo ficou sendo interpretado de forma subjetiva, sem definição

certa, tornando o entendimento do crime mais conflitante. Citando Greco:

11 A Súmula Vinculante é forma de tratamento da consequência do assoberbamento do Poder Judiciário, e não

ataca diretamente a causa, mantendo o Poder Judiciário refém de um modelo burocrático e atrasado, que afasta a

celeridade e efetividade das decisões judiciais, com evidente prejuízo da população em geral, em especial, dos

menos favorecidos e, portanto, vulneráveis a toda sorte de injustiças. (MARTINS, 2012).

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O art. 217-A, que tipifica o estupro de vulnerável, substitui o atual regime de

presunção de violência contra criança ou adolescente menor de 14 anos, previsto no

art. 224 do Código Penal. Apesar de poder a CPMI advogar que é absoluta a

presunção de violência de que trata o art. 224, não é esse o entendimento em muitos

julgados. O projeto de reforma do Código Penal, então, destaca a vulnerabilidade de

certas pessoas, não somente crianças e adolescentes com idade até 14 anos, mas

também a pessoa que, por enfermidade ou deficiência mental, não possuir

discernimento para a prática do ato sexual, e aquela que não pode, por qualquer

motivo, oferecer resistência; e com essas pessoas considera como crime ter

conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso; sem entrar no mérito da violência

e sua presunção. Trata-se de objetividade fática. (GRECO, 2009, p. 63).

Porém, sem essa definição, aumentaram as controvérsias, na esfera jurídica,

afrontando diretamente ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, bem

como a inviolabilidade da vida privada, descrito no artigo 5º da CF, inciso X.

A lei obriga a notificação compulsória ao Conselho Tutelar de todos os casos que

impliquem menores de 14 anos, que já tenham relação sexual comprovada, mesmo sem

violência.

Nesse cenário o profissional se vê diante de dois dilemas ao atender menores de 14

anos grávidas. Primeiro: garantir a efetivação do pré-natal, de forma a incentivar seu

comparecimento em todas as consultas marcadas, prevenindo o trabalho de parto prematuro e

seus agravos ao bebê, à mãe e à sociedade, garantido um pré-natal e um atendimento de

atenção integral. Segundo: notificar cada atendimento ao Conselho Tutelar, mesmo sem

violência de forma compulsória. É neste cenário pantanoso, portanto, que iremos delinear este

capítulo com seus títulos e subtítulos.

Diante das controvérsias precisamos fazer reflexões para a correta longa mão do

judiciário. Devemos considerar a maior de 12 e menor 14 anos de idade absolutamente

vulnerável? A ponto de seu consentimento para o ato sexual ser completamente ineficaz,

mesmo com comprovada experiência sexual?

Com esta indagação estaremos pisando em um cenário crítico e paradoxal. É possível

relativizar a vulnerabilidade em alguns casos, através de profissionais qualificados, pelo grau

de maturidade da menor para a prática do ato sexual e do contexto no qual está inserida. Esse

posicionamento nos parece o mais correto. O legislador não poderá, jamais, modificar a

realidade da sociedade e suas mutações ao longo dos anos, bem como afastar o princípio da

ofensividade e a aplicação da intervenção mínima do Estado.

Com essa breve introdução, na seara jurídica, será a intervenção estatal no direito

penal uma intervenção mínima?

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2.1 Vulnerabilidades e suas definições à luz da Lei n° 12.015/09

Precisamos de um olhar mais sensível pós-lei 12.015/09 diante do novo título penal,

que a mesma trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro.

Há a necessidade de definirmos a palavra vulnerabilidade para podermos entender os

limites que foram impostos ao profissional da saúde, pois o que percebemos é que, por um

lado, temos no país uma política específica para jovens e adolescentes, com cuidados à saúde

sexual e reprodutiva, que mobiliza profissionais da área da saúde a realizar de forma cotidiana

a saúde educativa como forma diferenciada de atendimento.

Por outro lado, com o advento da lei, somada a tal política, temos que ter um olhar

atento ao que a norma incorporou sob o título “abuso de vulnerável”, tornando a conjunção

carnal ou prática de qualquer ato libidinoso, com menor de 14 anos, mesmo consensual como

criminosa e punível com reclusão de 8 a 15 anos. Como leciona Nucci:

Vale observar que não há qualquer parâmetro justificativo para a escolha em tal faixa

etária, sendo tão somente uma idade escolhida pelo legislador para sinalizar o marco

divisório dos menores que padecem de vício de vontade, a ponto de serem

reconhecidos pelo status de vulneráveis, daqueles que possam vivenciar práticas

sexuais sem impedimentos. Verifica-se, pois, que a definição de patamar etário para

a caracterização da vulnerabilidade é baseada numa ficção jurídica, que nem sempre

encontrará respaldo na realidade do caso concreto, notadamente quando se leva em

consideração o acentuado desenvolvimento dos meios de comunicação e a

propagação de informações, que acelera o desenvolvimento intelectual e capacidade

cognitiva das crianças e adolescentes. (NUCCI, 2010, p. 395).

Antes de adentramos no campo jurídico do que seria o estupro de vulnerável,

precisamos primeiramente buscar algumas definições de vulnerabilidade de forma mais

ampliada.

Segundo Masten e Garmezy (1995), vulnerabilidade associa-se mais estritamente ao

indivíduo e às suas susceptibilidades ou predisposições a respostas ou consequências

negativas. É interessante frisar a relação que existe entre vulnerabilidade e risco. E, de acordo

com Cowan et al. (1996), acontece a vulnerabilidade apenas quando o risco está presente;

sem risco não existe vulnerabilidade.

A vulnerabilidade deve ser entendida como a percepção negativa ou positiva, que

certos fatores causam, variando de cada indivíduo, ou seja, é a reação do sujeito frente às

externalidades do mundo cognitivo. Para Ayres (1999), a identidade analítica está composta

pelo indivíduo-coletivo, onde o fazer individual dependerá de como é percebido pela

coletividade.

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Ayres (1999), nesta mesma linha de pensamento, propõe a operacionalização do

entender subjetivo através da Vulnerabilidade Individual, que se refere ao grau e à qualidade

da informação que os indivíduos dispõem sobre os problemas de saúde, sua elaboração e

aplicação na prática. A Vulnerabilidade Social, portanto, que avalia a obtenção das

informações, o acesso aos meios de comunicação, a disponibilidade de recursos cognitivos e

materiais.

Como cada pessoa reage de forma diferente devemos analisar cada indivíduo, em

suas características individuais, e não tratar o sujeito como conceitos prontos, pressupondo

que a fragilidade gerada em certa população terá sempre uma variação. Por isso que os

conceitos devem ser regidos pela dialética quanto à presença de um resultado negativo.

Poderemos, em contrário momento, esperar outro totalmente oposto ou simplesmente não

esperar dano nenhum: no lugar da perda, o nascer de outros conceitos.

A vulnerabilidade tratada no crime de abuso de vulneráveis, introduzida pela lei

12.015/09, surgiu após um acirrado trabalho no Congresso Nacional, que montou uma

Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), com deputados e senadores, encerrando

seu trabalho em agosto de 2004. Como resultado, a produção do projeto de Lei 253/04, após

profundos debates, resultou na Lei 12.015, de 07 de agosto de 2009. À época de sua

promulgação e publicação provocou profundas alterações ao Código Penal, mais precisamente

ao Título do Código Penal em que tratamos de “Crimes Contra a Dignidade Sexual”,

anteriormente denominado de “Crime contra os Costumes”.

O tema deste capítulo versa sobre a inovação trazida ao ordenamento jurídico penal

pela lei, que revogou o art. 224 do Código Penal, que, por sua vez, tratava da presunção de

violência nos crimes sexuais contra, entre outros indivíduos, os menores de 14 anos,

elencados no art. 217-A.

Desse mesmo diploma legal emergiu a figura do estupro de vulnerável, recolocando

a outrora e polêmica presunção de violência contra o menor de 14 anos, se absoluta ou

relativa, isto é: que prove em contrário; fora do diploma jurídico, dando vida ao termo

estupro de vulnerável, não admitindo prova em contrário.

O crime de estupro de vulnerável vem previsto no Art. 217-A do código penal e foi

introduzido pela lei n° 12.015/09, que teve por objetivo abolir e atualizar matérias constantes

do título, que trata sobre os crimes contra a dignidade sexual: “Ter conjunção carnal ou

praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: comete crime”.

Anteriormente, para tratar claramente do assunto, ou seja, da sexualidade do

adolescente, o legislador separou a questão em dois crimes: o estupro e o atentado violento ao

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pudor. Ambos eram crimes separados e cada um tinha uma presunção de violência caso a

pessoa fosse menor de 14 anos.

Hoje, diante da nova redação dada ao dispositivo, temos os dois crimes inseridos no

mesmo artigo. Como leciona Rogério Greco:

Através desse novo diploma legal, foram fundidas as figuras do estupro e do

atentado violento ao pudor em um único tipo penal, onde se optou pela manutenção

do nomem iuris de estupro (art. 213). Além disso, foi criado o delito de estupro de

vulnerável (art. 217-A), encerrando-se a discussão que havia em nossos Tribunais,

principalmente os Superiores, no que dizia respeito à natureza da presunção de

violência, quando o delito era praticado contra vítima menor de 14 (catorze) anos.

(GRECO, 2009, p. 56).

A definição de vulnerabilidade, como está definido no Código Penal, está longe de

ser a mais correta. Vulnerável deveria ser criança até atingir 12 anos, como está colocado pelo

Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069 de 13 de julho de 1990, em seu artigo 2º,

onde define a criança e adolescente para efeitos legais. O mesmo documento define a criança

como pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescentes aquela entre doze e dezoito

anos de idade.

Nota-se que o Estatuto, apesar de ter mais de 20 anos, definiu de modo mais apurado

o bem jurídico tutelado do que a lei em questão, quando coloca que o menor de 14 anos não

pode consentir com seu ato sexual.

Nos dias atuais, onde há adolescentes com vida sexual ativa, com relacionamentos

amorosos estáveis e com respaldo familiar, é notório o começo da vida sexual entre os 12, 13

ou 14 anos, e, não muito distante, estarem buscando atendimento de pré-natal nesta tenra

idade.

Os profissionais da área da saúde precisam de mecanismos que o liberem do Dever

Ser imposto pela lei 12.015/09. Eles são respaldados por sua formação acadêmica e por um

olhar diferenciado, pois o quadro de trabalho é composto por equipe multidisciplinar.

Ao ser detectado uma gestante entre essa idade, a equipe não precisaria ser

compelida compulsoriamente a cumprir um princípio mandamental, sem ao menos avaliar o

caso. Esse agir, ao meu ver, seria o mais correto, pelas transformações sociais que vivemos na

área da saúde sexual dos jovens. Nesse sentido, Bruns coloca que o ser humano já nasce

sexuado:

A sexualidade da criança? O que é isto? Criança é sexuada? Essa perplexidade se faz

presente ainda nos dias atuais, não só entre pais e educadores, como também entre a

maioria dos adultos. A descoberta do corpo pela criança, sua curiosidade para ver,

tocar seus órgãos genitais, ou os dos pais, perguntas de como entrou na barriga da

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mãe ainda desencadeiam mal-estar no adulto. (BRUNS, 2007, p. 324).

Infelizmente o ato sexual ainda é um tabu em nossa sociedade e enquanto tratarmos

desta forma, o mesmo será visto de forma permissiva e proibitiva pelos indivíduos como se

não pudesse existir o ato sexual pelo simples prazer e como se a conduta fosse tida, somente,

como lícita se feita como fonte de procriação.

2.2 Sexualidades x Estupro de Vulnerável x Preconceitos

No abuso de vulnerável o bem jurídico maior tutelado, segundo Nucci (2014), é a

dignidade sexual das pessoas tidas por incapazes em razão da idade, não podendo, portanto,

esquecer a evolução dos costumes e, por conseguinte, do entendimento pela “vítima” da

prática do ato por ela cometido e a opção manifestada de assim proceder, sem precisar dar

satisfação à sociedade pelo ato. Assim, segundo Bruns (2007),

cabe, portanto, a cada unidade, família, classe social e momento histórico engendrar

de modo singular, tabu, mitos, preconceitos, repressão sexual e segredos familiares.

O que significa que o ethos familiar é historicamente construído e, portanto, é

dinâmico e singular. (BRUNS, 2007, p. --).

Hoje, quando discutimos acerca de qual idade mínima seria o ideal para o início da

relação sexual, percebe-se que o tema não somente nesta área interfere também em um

assunto bastante polêmico: a menor idade penal. Deparamo-nos com o quão complexo é o

assunto, porque qualquer lei após ser posta para a sociedade, porque a lei é feita para ela,

ganha vida no mundo real e fenomênico através do mundo jurídico.

Dentre as mais significativas alterações que a Lei 12.015/09 trouxe, segundo Grecco

(2009), quando a lei cita o artigo 217-A leciona que a alegada ferramenta jurídica veio para

resguardar as pessoas, com deficiência mental ou outras patologias, que possam diminuir ou

acabar com o discernimento para a prática dos atos sexuais, bem como todas as outras que a

lei cita no mesmo dispositivo, dentre estas, os menores de 14 anos.

Poderíamos até dizer claramente que o artigo do código penal brasileiro trouxe como

principais preocupações do legislador a liberdade e a dignidade sexual do menor. Mas quando

o artigo fecha a idade em torno dos 14 anos não estaria cerceando a liberdade individual

preconizada pelo artigo 5º da nossa Carta Magna e ferindo o princípio da dignidade da pessoa

humana no lugar de protegê-la?

A disposição do corpo, no que diz respeito aos atos sexuais, mesmo para os menores

de 14 anos, não deveria ter essa rigidez. Isto é, não deveria haver a presunção objetiva de um

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crime ao ponto de a menor de 14 anos grávida – ciente das implicações de procurar uma

instituição para dar início ao seu pré-natal – escolher entre iniciar o pré-natal, mesmo

correndo o risco de seu companheiro sofrer uma ação penal ou deixar a sua gestação à própria

sorte por não querer se submeter a tal sofrimento.

Essa segunda opção seria danosa para a saúde pública em relação às gestantes e seus

conceptos. Se o legislador não tivesse deixado a lei engessada, as equipes multidisciplinares

poderiam agir no sentido de verificar caso a caso.

Assim, no entendimento do Estado uma pessoa com idade entre 12 e 14 anos ainda

não tem um preparo para a vida sexual. Além do que um crime dessa natureza, quando

cometido, pode trazer problemas sérios para o desenvolvimento sexual do menor.

Concordamos em gênero, número e grau quando o ato for resultado de violência contra o

menor.

Sem dúvida, o agente que obriga o maior de 12 e o menor de 14 anos ao ato sexual é

merecedor de reprovação social e penal. Não estamos questionando o dispositivo quando vai

de encontro a esse fato, longe disso. Mas e nos casos em que há o consentimento do menor?

Não caberia ao mesmo decidir sua vida sexual? Não comportaria, pois, cada caso, uma análise

mais minuciosa, a exemplo das equipes multidisciplinares existentes nos ambientes de saúde?

Qualquer tipo de violência tem que ser punida severamente. O que estamos

questionando são os moldes rígidos nos quais estão sustentados esse dispositivo penal.

A vulnerabilidade da gestante menor de 14 anos, sob a égide da redação dada ao

Código Penal a partir do artigo em estudo, provoca hoje conflitos entre os profissionais da

área da saúde, levando o profissional a um difícil Dever Ser, considerando cada um dos

motivos ou razões que o legislador levou para não continuar com os conceitos de presunção

absoluto ou relativo criando outro conceito: a vulnerabilidade, como já definido

anteriormente.

Devemos refletir sobre os reflexos que a não relativização da vulnerabilidade pôde

ser capaz de provocar no que concerne à responsabilização penal objetiva para o

companheiro, que já vive maritalmente com a menor de 14 anos, alterando o entendimento do

Código Penal e a mínima intervenção do Estado.

Verificamos em nossa sociedade inúmeras adolescentes que já tiveram a experiência

da maternidade e que vivem maritalmente com outro adolescente. Essa realidade torna-se, nos

dias de hoje, pública e notória12

. Portanto, a quem iremos imputar o crime se ambos são

12 Nas Unidades Básicas de Saúde de nossas cidades e do nosso país.

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menores e vulneráveis? Quem estuprou quem? De acordo com os nossos costumes e a

evolução deles fica difícil saber. Logo, essa lei entra em choque com os costumes da nossa

sociedade. Porque lei é para regulamentar os fatos ocorridos em determinado estágio da

sociedade e o estágio que estamos vivenciando choca diretamente com tais modelos.

A doutrina, a respeito da vulnerabilidade, estaria dividida – a exemplo de Rogério

Grecco, que defende o seu caráter absoluto –, não comportando qualquer prova em contrário,

uma vez que tão objetivo já se revela o critério da idade. Há, porém, defensores da

relativização da vulnerabilidade.

Clara é a lição de Mirabete (2006), ao qual nos filiamos e embasamos nossa

pesquisa, e é nesta perspectiva que devemos considerar o caso em concreto em suas

circunstâncias especiais, que no seu Manual de Direito Penal, leciona:

Não se caracteriza o crime, quando a menor de 14 anos se mostra experiente em

matéria sexual; já havia mantido relações sexuais com outros indivíduos; é

despudorada e sem moral; é corrompida; apresenta péssimo comportamento. Por

outro lado, persiste o crime ainda quando menor não é mais virgem, é leviana, é fácil

e namoradeira ou apresenta liberdade de costumes [...]. (MIRABETE, 2006, p. 203).

Assim, para o indivíduo ser punido, no ato de um crime, ele deve ter a consciência da

reprovação de sua ocorrência ante o ordenamento jurídico vigente. Entretanto, a lei abre

espaço para a intervenção do Estado na ocorrência de crimes no quais se observa uma

ausência de culpabilidade.

É nesta seara dificultosa que o profissional da saúde está inserido, ante ao cuidar e o

cercear ao mesmo tempo.

2.2.1 Os direitos da criança e do adolescente à luz da Constituição Federal de 1988 e a lei

8.069 de 1990

Crianças e adolescentes estão colocados de forma prioritária e absolutamente

amparados por direitos fundamentais consagrados no artigo 5º, da Constituição Federal de

1988. Esta prevê uma série de garantias não só aos brasileiros, mas aos estrangeiros residentes

no País. Da mesma forma, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) propõe em seu

artigo 15º que a criança e o adolescente são titulares de direito à liberdade, ao respeito e à

dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento.

É uma das prerrogativas do Estado, se não a sua própria essência, a tutela individual

e a coletiva para permanecer nesse prisma, mantendo o equilíbrio do sistema, que de certa

forma impõe à sociedade, que o mantém no poder imposições, regras e limites.

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Assim, a coletividade delega o direito de o sistema agir em prol de si para o bom

funcionamento do todo. Grosso modo, a imposição de regras pode até ser dicotômica, mas o

que queremos dizer é que sem o cerceamento estatal não há harmonia social, posta em

benefício de toda a coletividade, pois há de haver limites para haver paz social.

Um exemplo sofisticado de análise crítica do modelo jurídico-institucional do

Estado regulador no Brasil e o conceito de “aneis burocráticos” do Estado.

Formulado por Fernando Henrique Cardoso, esse conceito buscou analisar a

organização política da sociedade brasileira e o papel desempenhado pelo Estado no

processo de industrialização enquanto Estado planejador desenvolvimentista. (MATTOS, 2016, p. 143).

Porém, o Estado não pode extrapolar esses limites, pois deverá fazer uso do mínimo

possível para que esse mesmo sistema continue a viver em simbiose, usando as garantias de

maneira positiva por ser cada indivíduo sujeitos de direito. Até porque a própria sociedade já

se beneficia de seus próprios mecanismos de defesa, impondo suas próprias sanções, a

exemplo da moralidade coletiva na qual busca internalizar nos indivíduos, desde a tenra idade,

conceitos e pré-conceitos, dependendo de rótulos culturais e normatizações sociais próprias,

seguindo o posicionamento de Bruns:

Assim, esse conjunto de procedimentos sociais e institucionais, primordialmente

repressores, é sutilmente internalizado pela estrutura psíquica da criança, que, de

modo consciente ou inconsciente, decodificada os códigos de permissão, proibição,

punição e a expressa em atos e ações no decorrer da sua existência, estando esses

atos e ações em sintonia ou não com as normas e valores morais e sexuais de cada

sociedade. (BRUNS, 2007, p. 325).

Isto é, a liberdade é construída em cima de padrões sociais. É a faculdade ou poder

outorgado à pessoa para que possa agir segundo a sua própria determinação, respeitando as

normas legais. O direito à liberdade, preconizada no artigo 16º da ECA, compreende em

síntese a convivência familiar e comunitária, o direito de ir vir e estar em locais públicos, bem

como a liberdade de opinião, expressão, crença e culto religioso.

2.2.2 Adolescentes e jovens como sujeitos de direito

Após a promulgação da Carta Constitucional de 1988, o Estado deixou claro a sua

preocupação com a proteção da criança e do adolescente, precisamente em seu artigo 227,

onde prescreve que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao

jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação,

ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à

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convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de

negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL,

1988, p. 75).

Afirma-se, com efeito, que o artigo 227 da Constituição Federal consagrou a

Doutrina da Proteção Integral para as crianças e os adolescentes em substituição a “Doutrina

da Situação Irregular”, albergada pelo Código de Menores de 1979. O legislador originário

deu um grande passo para a concretização dos novos avanços em defesa da proteção da

criança e do adolescente por não ter sido na conjuntura anterior priorizado pela atuação do

Estado.

Assim, somente com a Constituição atual foram implantadas medidas concretas que

entraram em nosso ordenamento jurídico, estabelecendo novos modelos da proteção estatal

para os menores de 18 anos, dando início a concretização aos mecanismos específicos de

tutela para a criança e para o adolescente. Nas palavras de Amin:

Vivemos um momento sem igual no plano do direito infanto-juvenil. Crianças e

adolescentes ultrapassam a esfera de meros objetos de proteção e passam a condição

de sujeitos de direitos, beneficiários e destinatários imediatos da doutrina da

proteção integral. A sociedade brasileira elegeu a dignidade da pessoa humana como

um dos princípios fundamentais da nossa República, reconhecendo cada indivíduo

como centro autônomo de direitos e valores essenciais à sua realização plena com

pessoa. (AMIN, 2017, p. 43).

Da doutrina de proteção integral nasceu o Estatuto da Criança e do Adolescente

(ECA) – Lei nº 8069 de 13 de julho de 1990, que veio para concretizar o que a Constituição já

havia esboçado. Um mecanismo para efetivar os direitos da criança e do adolescente em

forma de estatuto, dando uma ampla tutela a esses menores, que deixaram de ser alvo apenas

de proteção e assistência para serem titulares ativos da sociedade, com direitos subjetivos e

prioritários dos direitos fundamentais por serem sujeitos que requerem maior proteção,

justamente, por ser pessoa em desenvolvimento. Toda essa gama de proteção deve vir junto

com outros direitos garantidos constitucionalmente, como o direito à privacidade, o direito à

expressão, à ampla defesa etc.

Nem mais nem menos, não devemos, portanto, com a bandeira de proteção integral,

extrapolar essa chancela. Deve-se, porém, entender a dinâmica social, mais precisamente, a

sexualidade dos adolescentes, segundo o que é preconizado na Cartilha feita pelo Ministério

da Saúde pelo Departamento de Ações Pragmáticas e Estratégicas aos Aspectos jurídicos do

atendimento às vítimas de violência sexual, com perguntas e respostas para profissionais da

saúde, onde verificamos:

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É preciso verificar se ela, objetivamente, concretamente, em razão de sua capacidade

de discernimento, de sua história e de sua experiência de vida, era ou não

‘vulnerável’, ou seja, se ela tinha ou não condições pessoais para consentir com a

prática do ato. Se ela tinha discernimento bastante para consentir com o ato e tinha

condições pessoais de oferecer resistência, não há que se falar em vulnerabilidade. É

evidente, pois, que, hoje, como acontecia nos casos em que se considerava relativa à

presunção, não pode ser considerada ‘vulnerável’, por exemplo, a menor com 13

anos que vive com aquele que com ela praticou relações sexuais, com a ciência e a

aprovação dos pais. E se não for esse o entendimento, todas as pessoas menores de

14 anos estarão condenadas à absoluta abstinência no âmbito da sexualidade, pois,

de acordo com a atual descrição típica do ‘estupro de vulnerável’, se essas pessoas

praticarem qualquer ato libidinoso, o crime de ‘estupro de vulnerável’ estará

caracterizado (CP, artigo 217-A). E isso seria inaceitável. (BRASIL, 2011, p. 25).

A dialética social, a qual está inserida, muda de acordo com o pensamento social do

seu momento histórico. Assim, o que em determinado momento verificamos como verdade,

dependendo do momento mostra-se o inverso daquilo tido como conduta normalmente

determinada. Dessa forma, estereótipos saem do não aceitável para o aceitável, virando na

atualidade comportamento admissível socialmente, e o inverso, por sua vez, passa a ser

considerado verdadeiro, o que se tinha como razoável, virando atitude socialmente proibida.

Referimo-nos, por exemplo, ao fato de a virgindade ter sofrido uma valoração totalmente

oposta.

No passado, não muito distante, quando uma jovem se dizia não ser mais virgem,

havia uma correspondente não aceitação social. Nem mesmo no seu meio etário tinha uma

apreciação positiva. Já hoje, uma jovem de seus quinze anos, ao ser questionada sobre o

momento da sua iniciação sexual, terá receio de dizer que ainda se encontra virgem e ser

colocada como figura estranha ao meio e ficar à margem de seus pares, temendo ser alvo de

chacotas e gozações por parte de seus colegas e amigos.

As transformações sociais, muitas vezes, não são objeto de acompanhamento por

todos os sujeitos, quebrando a dinâmica tida como harmônica. Vejamos o que Eduardo

Campos em seu artigo escreve sobre esse tema:

Há uma evolução natural que impulsiona a sociedade. Há a também natural,

resistência por parte dos mais conservadores, contudo o presente se impõe tal que os

resistentes se tornam minoria. Para gerir essas relações interpessoais, entre maiorias

e minorias, é necessário que os Poderes Constituídos, principalmente o Legislativo e

o Judiciário, adaptem-se às novas demandas da sociedade com a finalidade de

solucionarem eventuais conflitos. (CAMPOS, Online).

Assim, o crime de abuso de vulnerável trouxe uma modificação significativa no

Código Penal Brasileiro, instituindo um tipo penal independente, com elementos próprios.

Para Nucci (2016), o dispositivo em sua nova roupagem desprezou os costumes no sentido de

como as pessoas deveriam se comportar sexualmente perante a sociedade, justificando-se sob

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o aspecto cultural em que vivia a sociedade brasileira na década de 1940, pois somente as

mulheres de família, ou seja, as mulheres que se casavam virgens eram dignas de receber a

tutela jurisdicional.

Sabemos que os desejos sexuais estão fadados ao cerceamento por parte da sociedade

desde os idos de séculos passados. Sendo público e notório tal comportamento será que essa

sociedade, na conjuntura atual, comporta esse tipo de pensamento e atitudes? Citando Bruns:

[...] e durante longos séculos para a teologia cristã, foi dramática a imagem da

infância. A criança era considerada o símbolo do pecado nessa época. E esse modelo

priorizava a superioridade, autoridade e não a compreensão do pai, em relação ao

lugar da criança e da mulher-esposa. A esta também não era permitida expressar ao

homem-marido afetos e desejos sexuais. (BRUNS, 2015, p. 325).

Os tempos mudam, os costumes também e com eles a norma posta pelo Estado tende

a criar vida ao entrar na esfera social, acompanhando a sociedade, adequando-se e adaptando-

se a ela. Se assim não for, tornar-se-á lei morta, sem força, sem eficiência, eficácia e sem

efetividade social. Porém, a nova redação não pôs fim às controvérsias referente ao tema, ou

seja, não foi razoável para emudecer a discussão a respeito do caráter absoluto ou relativo da

presunção de violência, que se pode entender conforme Nucci menciona:

Discute-se aqui se o legislador ordinário, em que pese à induvidosa necessidade de

se tutelar penalmente a dignidade sexual das pessoas tidas por incapazes em razão da

idade, não terá olvidado a evolução dos costumes e, por conseguinte, da

compreensão pela “vítima” do ato por ela realizado e a vontade por ela manifestada

de assim proceder (ausência de coação física e também psicológica). (NUCCI, 2009,

p. 378).

Entretanto, alguns doutrinadores já se posicionam, acerca da relativização da

presunção de violência, tendo vários julgamentos reativando esse entendimento a discussão

acerca da possibilidade de relativização da chamada vulnerabilidade no meio jurídico. Nota-se

que já se tem vários precedentes jurisprudenciais, que seguem os mesmos caminhos da

presunção de violência. Isso porque o legislador, ao conceituar “vulnerável”, apenas estipulou

as antigas hipóteses que a lei considerava nos casos de presunção.

Nas palavras dos Professores João José Leal e Rodrigo José Leal (2009), seguindo a

linha que a presunção relativa pode ser seguida, mesmo após a promulgação da norma em tela

e

[...] a exemplo da violência presumida, a presunção de vulnerabilidade do menor de

14 anos pode, também, ser afastada diante da prova inequívoca de que a vítima de

estupro possui experiência da prática sexual e apresenta comportamento

incompatível com a regra de proteção jurídica pré-constituída. Mas pode perder o

seu estado de inocência e de ingenuidade, ou seja, de ‘pessoa vulnerável’, que e o

fundamento ético- jurídico do princípio da proteção integral, principalmente se

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aparentar idade superior e complexão física precocemente desenvolvida. Nesses

casos, a inexistência de violência real e grave ameaça podem eliminar a tipicidade

da conduta de manter relação sexual ou qualquer ato libidinoso com menor de 14

anos de idade. (LEAL & LEAL, 2009, p. 56).

O legislador, quando coloca a presunção como sendo objetiva, não cabendo prova em

contrário, retira do sujeito passivo a capacidade de esboçar seus desejos. Mesmo sendo

menores de 14 anos, os mesmos são socialmente responsáveis pelos seus atos, cabendo-lhes

medidas socioeducativas, como bem explicado nos parágrafos pretéritos.

O argumento de presunção de violência, segundo Nucci, aponta que:

Pode-se argumentar, num primeiro momento, ter a lei 12015/09, ao criar o tipo penal

do art. 217-A, sem nenhuma menção a presunção de violência, provocado à

eliminação do debate acerca do grau de incapacidade para a compreensão do ato

sexual. Em outros termos, a vulnerabilidade seria absoluta. Ter relações sexuais com

menor de 14 anos seria sempre estupro. Assim não pensamos. A alteração da forma

típica descrição do estupro da pessoa incapaz de consentir na relação sexual foi

positiva, mas não houve descriminalização da conduta. Ao contrário, gerou elevação

da pena. Portanto, tendo ocorrido a simples inovação da redação do tipo, não há

força suficiente para alterar a realidade, nem tão pouco os debates havidos, há anos,

nas cortes brasileiras, ao menos em relação à presunção de violência ser absoluta ou

relativa quanto ao menor de 14 anos. (...) (NUCCI, 2010, p. 829).

Em entendimento contrário do relatado no parágrafo anterior, com o advento da Lei

nº 12.015/2009, verifica-se que não há o que se falar em presunção relativa, pois o legislador

endureceu o entendimento da lei. Isto é: foi intolerante em sua redação, sem pesar nos ônus

futuros desse ato.

Desta forma, o parlamento criou um instituto penal diferente do entendimento da

presunção relativa ou absoluta, formando uma situação jurídica que não contempla a

diferenciação do que seria relativo ou absoluto anterior à lei. Foi criado, portanto, um tipo

penal (estupro de vulnerável) e um novo entendimento dos crimes contra a dignidade sexual,

com o maior de 12 e menor de 14 anos sendo incapaz de consentir validamente para a prática

do ato sexual, seja como sujeito passivo, seja como sujeito ativo, sendo totalmente

indisponível seu consentimento e sua liberdade sexual. Em outras palavras: a vulnerabilidade

é absoluta e, assim sendo, praticar atos sexuais com menor de 14 anos sempre será tipificado

como crime de estupro.

É nesse sentido que buscamos compreender o que levou o legislador a adotar a

presunção objetiva como entendimento do artigo 217-A, causando enorme celeuma na seara

jurídica, objetivando o que antes era relativo.

Devemos pontuar uma inovação importante nesta categoria de violação, quando há

presunção de violência absoluta, pois com o advento da nova lei 12.015/09 a presunção de

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violência passa a ser em tese, absoluta, e não mais relativa.

Encontram-se já jurisprudências que fazem referência a esta temática, que diz que o

estupro cometido contra menor de quatorze anos gera presunção de violência caráter absoluto.

HABEAS CORPUS. PENAL. ESTUPRO COMETIDO CONTRA MENOR DE

QUATORZE ANOS. PRESUNÇAO DE VIOLÊNCIA. CARÁTER ABSOLUTO.

CONSENTIMENTO DO MENOR. IRRELEVÂNCIA. A violência presumida,

prevista no art. 224, a, do Código Penal, tem caráter absoluto, afigurando-se como

instrumento legal de proteção à liberdade sexual do menor de quatorze anos, em face

de sua incapacidade volitiva. 2. O consentimento do menor de quatorze anos é

irrelevante para a formação do tipo penal do estupro, pois a proibição legal é no

sentido de coibir qualquer prática sexual com pessoa nessa faixa etária. 3. Ordem

denegada. (STJ - HC 30873 / MG Habeas Corpus 2003/0177117-6). (REVISTA

JURÍDICA, 2015, p. 36).

Em uma das partes do acórdão do STJ de 27 de agosto de 2015, citado acima, os

desembargadores do STJ, apesar de terem alcançado o entendimento no Tribunal – após o

sobrestamento de todos os processos com o mesmo teor, abuso de vulnerável – não terminou

de forma alguma a celeuma jurídica. Pode até ter resolvido os infinitos recursos ao STJ, mas a

polêmica está longe de ser resolvida nos Tribunais de todo o país, pois quando afastou da área

jurídica a relatividade do crime, aumentou os efeitos deletérios de uma ação penal imposta ao

indivíduo, limitando o leque de soluções possíveis.

Se houvesse a opção de encaminhar a tutela jurisdicional – somente os casos de

absoluta violência sexual coloca a responsabilidade para outros órgãos não jurisdicionais, a

exemplo: as equipes multiprofissionais dos ambientes hospitalares, dentre eles, médicos,

enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, dentre outros – teríamos mais celeridade e

segurança nos processos de casos de violência comprovada. Assim, seria possível agir com a

rigidez que a lei requer nos processos de violência sexual entre os menores de idade,

amparados pela lei 12.015/09, retirando a intervenção jurisdicional desnecessária, separando

da seara jurídica os fatos da vida cotidiana e levando somente para a tutela jurisdicional os

casos esdrúxulos. Vejamos, por exemplo, o julgado do TJRJ a seguir:

TJRJ. Estupro de vulnerável. Consentimento da vítima. Presunção relativa de

violência em face de idade (admite a prova em contrário). Adolescente. Ofendida

com 12 anos de idade. CP, art. 217-A. ECA, art. 2º. “Prática sexual com a plena

concordância da pretensa vítima, durante oito meses de namoro”. Laudo psicológico

e prova oral produzida, coerente e segura, quanto à conduta do acusado, o

consentimento da vítima e sua maturidade biopsicossocial superior à idade

cronológica - discernimento a respeito do ato sexual - afastada a presunção de

vulnerabilidade - caráter relativo da presunção a ser verificado na hipótese.

Atipicidade material. Provimento do recurso para absolver o réu. (REVISTA

JURÍDICA, 2015, p. 15).

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Os casos de violência sexual deverão ser compulsoriamente notificados. Segundo o

Ministério da Saúde (2011),

a notificação é uma comunicação obrigatória de um fato. Assim, nos casos do artigo

66 da Lei das Contravenções Penais, do artigo 13 do Estatuto da Criança e do

Adolescente e do artigo 269 do Código Penal, a comunicação do fato é feita

mediante notificação.(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2011),

Assim, o que se busca justamente é o atendimento humanizado, diferenciado, sem

rótulos para uma clientela que está fora da categoria violência, albergada pelo presente

dispositivo aqui estudado, dando a liberdade ao profissional habilitado e o poder de decidir,

juntamente, com toda equipe multiprofissional. Essa mesma equipe, pelas transformações do

conceito saúde, vem exigindo cada vez mais profissionais qualificados de todas as áreas,

formando um novo conceito de equipe biopsicossocial.

Não é nosso foco querer abrandar a prática de crimes sexuais contra menores e nem

em relação às práticas de pedofilias existentes, que cresceram de forma assustadora nos

últimos anos, com o advento da tecnologia. É um dispositivo relevante e de grande

importância pela atual conjuntura internacional, que levou o legislador a mudar a

nomenclatura e o entendimento dos Crimes Contra os Costumes.

Queremos um meio termo, pois novos conceitos não foram feitos para ficar

engessados. Até porque estamos diante de fatos do cotidiano, como disserta Eduardo Campos

em seu artigo, citando Miguel Reale (On line) em sua Teoria Tridimensional e o culturalismo

jurídico:

[...] A Teoria Tridimensional de Miguel Reale, na verdade, é a principal

manifestação do culturalismo jurídico de Miguel Reale. Com isso queremos dizer

que na Teoria Tridimensional do Direito há uma dimensão ontológica, pela qual

Reale disseca o ser jurídico, há uma dimensão axiológica, pela qual Reale demonstra

que a essência do fenômeno jurídico é sempre e necessariamente valorativa e,

portanto, cultural. Por fim, há uma dimensão gnosiológica, que representa a esfera

normativa, isto é, a forma própria de conhecimento do ser jurídico, que é a realidade

normativa. (REALE, 1994, p. 24).

O jurista em tela, buscando uma compreensão mais ampla do Direito, criou uma

concepção estrutural capaz de afastar um conceito que só leve em conta o aspecto normativo

do Direito.

Segundo a Teoria Tridimensional do Direito, podemos considerar o direito como um

fenômeno que reúne três aspectos: 1. O Direito Fático, que existe como realidade histórico-

social e cultural; 2. O Direito é Valor, que é sempre o reflexo dos valores adotados pela

sociedade; 3. O Direito é Norma, ou seja, é um conjunto de regras, uma ordenação.

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A importância desta concepção é que ela imprime ao Direito um impulso dialético,

mostrando-o dinâmico e em contato com a realidade social, livrando-o de ser concebido como

um conjunto de normas tuteladas pelo Estado.

Ainda nessa mesma linha de pensamento, segundo a relatora, Ministra Thereza de

Assis Moura (2015), não se pode considerar crime ato que não viola o bem jurídico tutelado –

no caso, a liberdade sexual – apesar da forte referência ao artigo 213, fora de vigência, na

atualidade, do Código Penal.

Apesar de buscar a proteção de ente mais desfavorecido, para a relatora o magistrado

não pode ignorar situações nas quais o caso concreto não se insere no tipo penal. Partes da

decisão da Ministra em decisão do STJ menciona que:

O direito não é estático, devendo, portanto, se amoldar às mudanças sociais,

ponderando-as, inclusive e principalmente, no caso em debate, pois a educação

sexual dos jovens certamente não é igual, haja vista as diferenças sociais e culturais

encontradas em um País de dimensões continentais. (BRASIL, Online).

Desta forma, torna-se salutar constantemente a revisão de novos conceitos,

entendendo que a sociedade vive de forma dinâmica, mudando seus costumes e criando

outros. Não se pode, diante do entendimento da própria esfera jurídica, obrigar o profissional

da saúde a compreender de forma sistemática o que ainda não foi pacificado nos compêndios

jurídicos. Não podemos deixar de lado o olhar diferenciado de profissionais que acompanham

de perto os casos de adolescentes menores de 14 anos, com vida sexual ativa. Definimos

adolescentes os regidos pelo artigo 2º do ECA, a partir de 12 anos, como já citado.

É nesse sentido que devemos mudar o foco do entendimento do dispositivo aqui

elencado: retirando a obrigatoriedade do profissional da área da saúde, o peso da notificação

compulsória ao Conselho Tutelar, levando ao descrédito da gestante quanto ao atendimento

Humanizado preconizado pelo Ministério da Saúde em instituições hospitalares.

A gestante, ao ser admitida em uma maternidade, leva consigo sentimentos inerentes

ao momento, dentre eles: o trabalho de parto, a saúde do recém-nascido, o medo do

desconhecido etc. Imagine, somado a tudo isso, o próprio momento das transformações

inerente à fase do crescer e do adolescer que por si só geram inúmeros conflitos internos e

externos.

Adicionados ao medo do ambiente hospitalar e da incerteza do tratamento, que será

submetida, como será acolhida pela equipe etc., quais profissionais ela gostaria de encontrar

diante do contexto formado? O profissional repressor ou aquele que, diante de suas dores, a

acolherá, proporcionando conforto e apoio?

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O momento da consulta do pré-natal é a atmosfera ideal para se fazer toda uma

abordagem referente às condições nas quais ocorreram a gravidez. Na falta da abordagem no

pré-natal, quando a gestante tiver feito as consultas em local diverso do local do parto, o

momento do acolhimento emergencial e/ou em unidade de sala de parto será suprido pelas

equipes de acolhimento de plantão, detectando possíveis casos de abuso sexual ou outros tipos

de violência.

O atendimento às gestantes, menores de 14 anos, com relação sexual consentida é

uma realidade em nossa sociedade. Não podemos fechar os olhos para esses fatos. As

mudanças de paradigmas fazem parte da natureza humana e o legislador não pode ser

indiferente a esse fato quando coloca o nível de proteção como absoluto e não relativo.

Vejamos o que descreve o Manual do Ministério da Saúde sobre o assunto:

Portanto, a presunção relativa foi, na realidade, uma criação doutrinária e

jurisprudencial, que nasceu para arrostar a inflexibilidade da presunção absoluta, que

acarretava imensas injustiças. E foi exatamente por isso que a Lei nº 12.015/2009

abandonou totalmente o criterio da “presunção” e adotou um novo paradigma: a

“vulnerabilidade”. Assim, atualmente, a vulnerabilidade não pode ser interpretada

com base nos mesmos critérios que informaram a concepção da presunção absoluta,

mas, sim, com base naqueles que empolgaram a adoção da presunção relativa.

Portanto, atualmente, de acordo com o novo paradigma estabelecido pela Lei nº

12.015/2009, não basta que a menor conte menos de 14 anos de idade para a

caracterização do “estupro de vulnerável” (CP, artigo 217-A35). É preciso verificar

se ela, objetivamente, concretamente, em razão de sua capacidade de discernimento,

de sua história e de sua experiência de vida, era ou não “vulnerável”, ou seja, se ela

tinha ou não condições pessoais para consentir com a prática do ato. Se ela tinha

discernimento bastante para consentir com o ato e tinha condições pessoais de

oferecer resistência, não há que se falar em vulnerabilidade. (BRASIL, 2011, p. 25).

Antes do advento da Lei nº 12.015/2009, a jurisprudência e doutrina dominante

expressavam uma valoração relativa e não absoluta aos casos; diferente do que é preconizado,

majoritariamente, hoje, com o termo vulnerabilidade.

Assim, existiam casos em que a violência ficta era afastada, tendo em vista a análise

de suas consequências e suas compatibilidades, com a presunção de inocência. Esse

entendimento deveria ser o prevalente na atualidade e não somente nesses casos. Não

devemos lidar com os fatos como algo pronto, com uma compreensão generalista, retirando

do julgador a liberdade de ponderar de acordo com a valoração dos fatos.

Devemos sensibilizar a sociedade para mostrar a importância da participação social

para que as Políticas Públicas se efetivem. O ECA, no seu Artigo 4º, dispõe que:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público

assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à

saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à

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cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

(BRASIL, 1990).

A análise da conduta ofensiva e o bem jurídico tutelado não deveriam nunca ser

dissociados dos critérios para a construção de um projeto de lei.

Adiante, veremos a teoria do direito penal mínimo, que por inúmeros entendimentos

doutrinários, que serão elencados, fundamentam os argumentos por ora expostos, pois, apesar

de não ter previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro, ao longo dos anos vem ganhando

força e sendo defendido por inúmeros doutrinadores estudiosos do Direito.

2.3 Idade do consentimento e idade cronológica

No ano da publicação do Código Penal, no século passado, ainda vigente, o menor de

1940 com menos de 14 anos era tido como absolutamente incapaz de compreender o sentido

ético dos atos sexuais. Hoje no século XXI e com o advento do Estatuto da Criança e do

Adolescente – onde o menor é considerado adolescente a partir dos 12 anos de idade – essa

mesma definição de 1940 continua em vigor. O legislador, ao enxertar no Código Penal a lei

12.015/09, poderia ter equiparado a idade de consentimento com a idade que o Estatuto

definiu como adolescente.

Quando o Estatuto trata dos atos infracionais13

, prescrito no art. 103, separa os

sujeitos em seu compêndio por faixa etária no intuito de sopesar os atos pela idade. A criança,

pessoa de até 12 anos incompletos, se praticar algum ato infracional será encaminhada ao

Conselho Tutelar e estará sujeita às Medidas Protetivas previstas no art. 101.14

Já o

adolescente, pessoa a partir de 12 anos, ao praticar ato infracional responderá de acordo com o

artigo 112, que trata das medidas socioeducativas.15

Os segundos serão ouvidos pela

13 Segundo Aquino (2012) cabe aplicação de medidas socioeducativas ao adolescente que complete 18 anos se à

data do fato era menor de 18 anos. 14

Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar,

dentre outras, as seguintes medidas: I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de

responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento temporários; III - matrícula e frequência obrigatórias

em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à

família, à criança e ao adolescente; IV - inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção,

apoio e promoção da família, da criança e do adolescente; (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016); V -

requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI -

inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

VII - abrigo em entidade; VII - acolhimento institucional; (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência;

VIII - colocação em família substituta; VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar; (Redação dada

pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência; IX - colocação em família substituta. (Incluído pela Lei nº 12.010, de

2009) Vigência. 15

Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes

medidas: I- advertência; II- obrigação de reparar o dano; III – prestação de serviços à comunidade; IV- Liberdade

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autoridade judiciária e resguardados conforme os princípios constitucionais da ampla defesa e

do contraditório. Só após o devido processo legal poderão receber as “sanções” previstas no

art. 112 do ECA qualificada como “Medida Socioeducativa”. Veja a explicação de Aquino em

relação as “sanções” para os menores de 18 anos:

No caso do art. 103, embora a prática do ato seja descrita como criminosa, o fato de

não existir a culpa, em razão da imputabilidade penal, a qual somente se inicia aos

18 anos, não será aplicada a pena às crianças e aos adolescentes, mas apenas

medidas socioeducativas. Dessa forma, a conduta delituosa da criança ou

adolescente será denominada tecnicamente de ato infracional, abrangendo tanto o

crime como as contravenções penais, as quais constituem um elenco de infrações

penais de menor porte, a critério do legislador e se encontram elencadas na Lei das

Contravenções Penais. (AQUINO, 2012, p. 18).

Se o próprio Estatuto trata os maiores de 12 anos como sujeitos aptos a sofrer

medidas socioeducativas, segundo os incisos IV, V e VI, subordinados a liberdade assistida,

inserção em regime de semiliberdade e a internação em estabelecimento educacional, porque

não poderiam consentir com seus atos sexuais? Chega a ser contraditório, pois em um

momento são tratados como totalmente incapazes de responder por seus atos sexuais,

extrapolando os limites da vida privada; em outro, quando o assunto versa sobre atos

infracionais, o Estado se sente no direito de puni-los de acordo com os três incisos

mencionados anteriormente, promovendo “sanções” mais rígidas, dentre elas, internação em

estabelecimento educacional, não comportando prazo determinado e sendo reavaliados a cada

seis meses.

Nesse contexto, quando falamos em presunção de violência, atendemos a uma

interpretação sociológica, segundo João Baptista Herknhoff (1986), que escreve: “processo

sociológico conduz à investigação dos motivos e dos efeitos sociais da lei”, no sentindo de

que a sociedade muda, bem como seus costumes. E sistemática da norma penal, como observa

Carlos Maximiliano (2011), quando escreve sobre a mesma: “O Processo Sistemático consiste

em comparar o dispositivo sujeito a exegese com outros do mesmo repositório ou de leis

diversas, mas referentes ao mesmo objeto”.

Assim, as leis não devem ser interpretadas de forma literal ou gramatical, não

albergando outras interpretações, como afirma Mário Pimentel Albuquerque:

A interpretação literal não excede em muito essa atividade preliminar. Limita-se a

fixar o sentido do texto legal, inquinado de obscuridade, mediante a indagação do

significado literal das palavras, tomadas não só isoladamente, mas em sua recíproca

assistida; V-Inserção em regime de semiliberdade; VI- internação em estabelecimento educacional; VII-qualquer

uma das previstas no art. 101, I a VI.

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conexão. Atende à forma exterior do texto; preocupa-se com as acepções várias dos

vocábulos; graças ao manejo relativamente perfeito e ao conhecimento integral das

leis e usos da linguagem, procura descobrir qual deve ou pode ser o sentido de uma

frase, dispositivo ou norma. (ALBUQUERQUE, 1997, p. 150).

Não se concebe nos dias atuais, em se tratando da sexualidade, pelos tabus existentes

e ainda mal resolvidos pela sociedade, esse tipo de norma, que não dá margem às

interpretações histórico-evolutiva.16

Isto é, que o maior de 12 e menor de 14 anos, quando

consentido o seu ato sexual pela positivação penal, não detenham capacidade de consentir,

validando seus desejos sexuais. Não se pode, analisando friamente e superficialmente a

realidade, pois a mesma nos mostra que na seara da liberdade sexual muita coisa

se transforma em razão de mudanças ocorridas na sociedade, mudanças comportamentais e

fatos que trazem reflexos relevantes às relações sociais, políticas e familiares.

Assim, não há como pensar e olhar de outra forma o comportamento humano, pois é

dinâmico e é dialético. É como banhar-se num lago: se dermos vários mergulhos, cada vez

que retornarmos e nos banhamos novamente teremos outro momento. Da mesma forma o

legislador de hoje não poderá olhar os fatos sociais como o legislador dos idos de 1940.

Os números falam mais do que qualquer outra coisa. O que devemos realmente

sopesar é o cerceamento da sexualidade por conta de um entendimento equivocado do

legislador. Este que, muitas vezes, está sendo diplomado no poder legislativo por alvo de

protestos do eleitorado brasileiro, quando figuras desconhecidas se lançam no pleito e ganham

não por sua competência, mas pela insatisfação popular. Entram na tribuna sem nem mesmo

saber definir qual papel irá desempenhar no Congresso. Ou mesmo aqueles que, para

demonstrar a sociedade diante dos crimes contra crianças e adolescentes, tentam dar respostas

imediatas na ânsia de tentar resolver de forma austera, esquecendo-se que na sociedade o

Estado não pode dar lugar a normas que comportem cognições diversas. Logo, precisamos de

entendimentos que busquem se adequar a todos os casos.

As leis foram criadas para evitar o estado anárquico, não para o Estado se sobrepor

de tal forma a querer cercear a liberdade de seus cidadãos. Portanto, cabe ao mesmo exigir a

adequação de suas normas, levando-se em conta as transformações sociais.

Devemos, no entanto, exigir um Estado com mínima intervenção sob a vida dos

16A interpretação histórico-evolutiva: Esse método de interpretação conhecido também como progressivo,

conforme se divide em duas modalidades distintas. Uma delas, a extremada, é aquela pela qual o intérprete deve

adaptar o texto legal às novas condições sociais inexistentes ao tempo de sua formação, embora tenha de afastar-

se inteiramente da letra e da vontade do primitivo legislador ou de atribuir a primeira um sentido forçado. A

outra modalidade, por sua vez, é aquela pela qual o intérprete considera apenas aquelas mudanças de conteúdo

que vão surgindo após sua elaboração; e, ainda, é aquela admissível quando o pensamento novo tenha já

penetrado na legislação de alguma forma.

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sujeitos. Se assim não for, seremos meros expectadores de normas impostas. Não podemos ser

apenas executores sem o equilíbrio de nossos atos, sem sopesarmos seus reflexos a curto e

longo prazo, até para não sermos massificados e coisificados por eles.

2.3.1 O direito penal mínimo

A tese defendida por juristas pátrios e internacionais coloca a necessidade de

adequação razoável entre o bem jurídico tutelado e a conduta ofensiva, destarte que o Direito

Penal só venha a interferir quando houver uma real ofensividade ao bem jurídico, quando não

couber qualquer possibilidade de reparação por outro ramo do direito. A teoria minimalista

penal defende evitar excessos na aplicação do Direito Penal. Sobre a matéria, o jurista Paulo

Queiroz trata o tema da seguinte forma:

Dizer que a intervenção do Direito Penal é mínima significa dizer que o Direito

Penal deve ser a 'ultima ratio, limitando e orientando o poder incriminador do

Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta somente se justifica se

constituir um meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. O

Direito Penal somente deve atuar quando os demais ramos do Direito forem

insuficientes para proteger os bens jurídicos em conflito (QUEIROZ, 2013, p. 33).

Defendendo esta compreensão, alguns juristas fundamentam-se nas garantias

constitucionais17

, tais como: a liberdade, legalidade, contraditório, liberdade de opinião e

expressão, a vida privada etc. E, em princípios do Direito, podemos citar: o da insignificância,

da proporcionalidade, da adequação social, intervenção mínima, dignidade da pessoa humana,

dentre outros.

Aliada à Constituição e aos seus dispositivos também podemos enumerar que

vivemos em um estado democrático de direito, sendo, portanto, inegável que o Direito Penal

deve adequar-se a estas garantias e princípios constitucionais. Necessita, portanto, de uma

política criminal que busque restringir a aplicação do Direito Penal quando o bem jurídico na

esfera penal sofrer efetivamente uma lesão que autorize a aplicação da medida que venha

suprimir a liberdade do cidadão, pois a privação de liberdade precisa ser a última forma de

intervenção do Estado. Nesse sentido, segundo Rassi (2008),

Somente podem ser incriminadas as condutas lesivas à bem jurídicos determinados.

Direito penal deve tutelar condutas graves e ofensivas à bem jurídicos relevantes

17 Os direitos fundamentais são normas jurídicas, segundo Marmelstein (2011, p. 20), que está ligado à ideia de

dignidade da pessoa humana e de limitação de poder, positivados no plano constitucional de determinado Estado

Democrático de Direito, que, por sua importância axiológica, fundamentam e legitimam todo o ordenamento

jurídico.

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evitando-se a excessiva invasão dos direitos individuais que cabem a cada ser

humano. Em um Estado Democrático de Direito, a norma penal, não é somente

aquela que formalmente descreve um fato como infração penal, ao contrário, a lei

deverá obrigatoriamente selecionar, dentre todos os comportamentos humanos,

somente aqueles que realmente possuem lesam e ofendem a sociedade. (RASSI,

2008, p. 65).

Certamente pensava o legislador, em 2009, que a nova redação do tipo legal, e a sua

definição autônoma como crime de estupro de vulnerável, dissociado do até então art. 224 do

Código Penal, acabaria com a polêmica e passaria a ser visto com a neutralidade que alguns

imaginam possível nos textos legais. Ora, bastava então dizer que ter conjunção carnal ou

praticar um ato libidinoso, com menor de catorze anos, é crime que não mais se questionaria

se existe ou não violência na conduta. Com esse entendimento, o Estado deixa a conduta

minimalista, do Direito Penal mínimo, passando a uma conduta opressora. Dessa forma, a

violência ou passa a ser um elemento indissociável da própria conduta ou simplesmente não é

sequer exigida.

Imaginemos um suposto pai que está diante da nefasta polêmica de registrar ou não o

filho, que tem como genitora uma garota entre seus 12 e 14 anos de idade. Se ele registrar

poderá sofrer processo penal e pegar uma pena longa de reclusão; se ficar calado, é excluído

da paternidade e dos seus efeitos. Qual seria a melhor atitude naquele momento diante do fato

e suas consequências? Entendemos que só irá corroborar com o aumento dos índices de

crianças sem o nome do pai no Registro de Nascimento.

2.4 Métodos e tipos de interpretação da norma

A Ação Penal Pública Incondicionada18

procede-se à vítima se menor de 18 anos ou

pessoa vulnerável. Assim sendo, qualquer que seja o crime sexual, a titularidade para

promover a ação será sempre do Estado, por meio do Órgão Ministerial em caráter privativo,

que independe da vontade da vítima para que o fato seja processado e julgado. A ação penal

incondicionada aqui colocada, assim, não se discute o desejo da vítima.

Se o desejo não pode ser discutido, o problema perpassa a vítima, atingindo também

18 A ação penal pública é condicionada à representação, e incondicionada nos demais casos. A ação penal

pública incondicionada em decorrência das lesões de natureza leve ou grave decorre da súmula do Supremo

Tribunal Federal nº. 608, segunda a qual prescreve que: “nos crimes de estupro, praticado mediante violência

real, a ação penal e publica incondicionada”. O artigo 225 do CP com a edição da nova lei aboliu a ação penal

privada dos crimes sexuais, passando a ação penal pública condicionada à representação sendo a regra geral, a

única exceção, que a faz incondicionada, quando a vítima for ou menor de 18 anos ou pessoa vulnerável. Dessa

forma, a nova redação do artigo 225 compõe que: Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título,

procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação.

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a criança que possa ser fruto de uma relação consentida, por conta da redação da lei

12.015/09, decorrente da vulnerabilidade absoluta.

A autoridade em Direito Penal, Francisco Dirceu Barros, assegura que a não

relativização atenta contra o princípio da paternidade responsável e contra o princípio da

harmonia familiar, pois a garota menor de 14 anos de idade, ao engravidar de um rapaz, o

mesmo não vai querer assumir a paternidade por conta das sanções penais pela mão do

Parquet19

, através da ação incondicionada pública, crime hediondo, cuja pena varia entre 8

(oito) e 15 anos de reclusão, com causa de aumento de pena. Causa-se, dessa forma, um mal

irreparável para o futuro daquela criança, que não terá o reconhecimento de paternidade em

seu registro de nascimento.

Diante disso, não poderá o direito de filiação ficar prejudicado pela intervenção do

Estado, condenando esse jovem ao crime de estupro de vulnerável, acarretando em muitos

contrassensos. Dentre eles, poderemos citar as ações da Corregedoria Nacional de Justiça do

Conselho Nacional de Justiça (CNJ) (Online), que participa do esforço nacional para erradicar

o sub-registro de nascimento. Vejamos o provimento nº 13, que dispõe sobre o assunto:

O registro de nascimento solicitado pela Unidade Interligada será feito no cartório

da circunscrição de residência dos pais ou no local de nascimento, conforme opção

dos interessados. Em alguns Estados o serviço já existe e visa facilitar a vida dos

pais na hora da emissão do registro civil de nascimento. O provimento, contudo,

torna o processo muito mais seguro e dinâmico. Caso a criança não tenha a

paternidade reconhecida, a informação será remetida a um juiz, que chamará a mãe e

a facultará de informar o nome e o endereço do suposto pai, a fim de que a

responsabilidade imputada possa ser averiguada e confirmada. (CNJ, Online).

De um lado há um esforço por parte das autoridades na busca ativa do pai; do outro,

temos uma lei “engessada”, que dificulta a mesma, na concretização de outro dispositivo de

lei. Outros dois problemas que podemos citar é: esse mesmo rapaz, ao ser abordado em um

estabelecimento de saúde, passa a ser alvo de indagações entre os profissionais da área por

conta da tenra idade da menor e da obrigatoriedade da notificação por parte dos profissionais.

A equipe poderia estar preocupada neste momento só nos cuidados do binômio mãe/bebê e

em formar laços familiares, porém, mesmo uma relação consensual consentida, o rapaz

receberá a notícia que o caso será levado ao Conselho Tutelar.

O que estamos colocando aqui é a liberdade do profissional de analisar e avaliar,

diante de cada caso, se leva ou não ao conhecimento do Órgão, responsável e habilitado, os

casos concretos ao juizado da infância e da juventude.

19 Ministério Público.

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Uma última situação, ainda sobre uma relação sexual consentida, mas sob outro

sujeito: a mulher se estiver sendo acusada de ter abusado sexualmente por ter mantido relação

sexual com menor de 14 anos. Lembrando: a lei vale para meninas e meninos menores de 14

anos.

É evidente, como já falamos e reiteramos, que o menor precocemente amadurecido

nas coisas do sexo, seja qual for o motivo que conduz a essa condição, não deixa de merecer a

proteção especial do Direito. Na atualidade, uma menor de 14 anos manter um relacionamento

sexual amoroso é fato na atual conjuntura do nosso país. Vejamos:

Os dados do governo demonstram que o número de adolescentes entre 10 e 19 anos

que se tornam mães no Brasil vem aumentando nos últimos quatro anos. Só no ano

passado, elas responderam por cerca de 30% do total de partos realizados nos

hospitais do SUS. Cerca de 300 mil mulheres nessa faixa de idade foram submetidas

à curetagem pós-aborto. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE) indicam que o número de adolescentes grávidas também está crescendo no

país. Entre 2011 e 2012, o total de filhos gerados quando as mães tinham entre 15 e

19 anos quase dobrou: de 4.500 para 8.300. Ainda segundo o IBGE, nessa faixa de

idade 18% das mulheres já engravidaram ao menos uma vez. (CARLOS, 2013, p. 3).

Contra fatos não há argumentos. Devemos manter nas equipes de saúde o diferencial

no acolhimento das adolescentes, diante de tantos conflitos pela própria idade e pelo momento

gestacional vivido, buscando o aprimoramento no atendimento e não o distanciamento,

portanto, devemos repensar esse entendimento majoritário do dispositivo penal.

Ante ao que foi trazido neste segundo momento, verificamos o quão importante se

faz a temática para a sociedade, pois sabemos que as relações sociais entram em constante

metamorfose. Da mesma forma, a norma precisa seguir essa dialética para não perder a sua

eficácia e eficiência social.

Diante do exposto nesse capítulo, verificamos alguns questionamentos e procuramos

responder outros, como: será o cerceamento sexual para adolescentes menores de 14 anos a

solução para outros tipos de práticas, como a pedofilia?

No próximo capítulo, estudaremos a política pública que trata o adolescente e o

jovem como sujeito de direito, delineando a trajetória da política ao longo dos anos, até os

dias atuais.

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3 PROGRAMA SAÚDE DO ADOLESCENTE (PROSAD): TEXTOS E CONTEXTOS

Muitos países assumiram a causa da prevenção da

maternidade na adolescência, geralmente por meio de

ações voltadas à mudança de comportamento das

meninas. Está implícita em tais intervenções uma crença

de que a menina é responsável pela prevenção da

gravidez e um pressuposto de que, se ela engravidar, ela

é a culpada. Tais abordagens e pensamentos estão

equivocados, uma vez que não conseguem dar conta das

circunstâncias e pressões sociais que conspiram contra

as adolescentes e torna a maternidade um resultado

provável de sua transição da infância para a idade

adulta. (UNFPA, 2013, p. 58).

Há anos nos deparamos com a preocupação do Estado, em resguardar as crianças e

os adolescentes da exploração sexual e de seus efeitos nefastos e, principalmente, no que

tange ao avanço da prática da pedofilia nos meios internacionais. A ocorrência da pedofilia

tem várias aparências, interdisciplinar e complexa. Seu estudo envolve médicos, psicólogos,

assistentes sociais, enfermeiros, operadores do direito, dentre outros profissionais. Em nosso

país o alto índice de pedofilia é um dos fatores de a lei 12.015/09 ter saído do papel.

Neste capítulo, trataremos do Programa Saúde do Adolescente (PROSAD) e seus

contornos ao longo dos anos, como política pública, criado como auxiliar nas mudanças do

perfil de tratamento das crianças e adolescentes, após a promulgação da Constituição de 1988,

passando de objetos a sujeito de direito.

O PROSAD foi o principal protagonista nas ações destinadas ao público jovem e,

principalmente, precursor de políticas criadas na área da saúde sexual no Brasil, tornando-se

um de nossos objetos de investigação.

As políticas públicas para jovens e adolescentes têm sido cada vez mais alvo de

atenção do Estado, principalmente, a saúde sexual e reprodutiva não só no Brasil, mas dos

organismos internacionais, como fonte de pesquisas e debates para a melhoria da saúde desse

seguimento.

Em 05 de agosto de 2013, para concretizar as Políticas Públicas para esse

seguimento, foi promulgado no Brasil o Estatuto da Juventude a ser aplicado aos jovens entre

a idade de 15 e 29 anos de idade e, excepcionalmente, ser aplicado quando na falta de lei aos

adolescentes com idade entre 15 e 18 anos de idade. Nele podemos destacar o artigo 20,

inciso I e III do Estatuto da Juventude.

A política pública de atenção à saúde do jovem será desenvolvida em consonância

com as seguintes diretrizes: I - acesso universal e gratuito ao Sistema Único de Saúde (SUS) e

a serviços de saúde humanizados e de qualidade, que respeitem as especificidades do jovem;

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II - desenvolvimento de ações articuladas entre os serviços de saúde e os estabelecimentos de

ensino, a sociedade e a família, com vistas à prevenção de agravos. Assim, em conformidade

com o documento do SUS Brasil (2013), a saúde sexual e reprodutiva de adolescentes e

jovens no Brasil, em parceria com o Fundo de População das Nações Unidas, relata que:

De acordo com os dados do Censo 2010 a população jovem, que engloba

adolescentes e jovens na faixa dos 10 aos 24 anos, e de mais de 50 milhões de

pessoas hoje no Brasil, representando cerca de 26,9% do total da população e

conformando, portanto, um dos maiores segmentos populacionais. (BRASIL, 2013,

p. 16).

Muitas vezes as questões sobre a saúde dos adolescentes não têm nenhuma ligação

com patologias e sim com a organização de sua vida nos aspectos biopsicossociais. A saúde

sexual e reprodutiva do adolescente, apesar dos avanços tecnológicos na área médica, ainda

causa controvérsias pelos tabus que envolvem o assunto, ainda muito arraigados em nossa

cultura, principalmente, no seio familiar.

Segundo Gonçalves (2007), geralmente os pais não tiveram as informações

necessárias na infância e, por isso, certamente, tiveram muitas dificuldades na adolescência.

Desse modo, toda aparente liberação da prática sexual ainda carrega conceitos arcaicos sobre

o direito ao exercício da vida sexual de cada um.

Para realizar uma pesquisa avaliativa de uma política pública, que questiona a

utilização de modelos inspirados em avaliações técnico-operativas, devemos primeiramente

fazer uma análise crítica-reflexiva, com um olhar distante do objeto, para não comprometer o

resultado da pesquisa. Isso porque, segundo Guba & Lincoln (2011, p. 27), não existe uma

forma correta de definir avaliação, pois, se existisse, colocaríamos um fim na discussão de

como a avaliação deve ser conduzida e como seriam seus propósitos.

A avaliação precisa estar sempre em constante construção e está bem fundamentada e

esclarecida, pois os referidos autores sugerem que, ao passar do tempo, mesmo que essa

avaliação se torne adequada, ela precisará de reformulações, refinamento, ampliações. Enfim,

a avaliação precisa andar de forma dialética com o fator contextual.

Assim, devemos pensar nossa avaliação com um olhar diferenciado por se travar em

um ambiente hospitalar e pelos estereótipos gerados pela própria atmosfera desenhada em

nossa pesquisa. Portanto, qualquer pessoa que se encontra aguardando um atendimento, seja

para uma simples consulta, seja para um procedimento na área da saúde, depara-se com o

desconhecido, o que pode ser dito ou feito. Todo desconhecido, por melhor que possa parecer-

nos, causa medos e receios e isso é natural do ser humano.

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Por isso que entre o profissional e o cliente deve ser criado um clima de harmonia,

confiança e segurança. Desta forma, trace esse cliente como: uma adolescente, grávida e

menor de 14 anos.

Uma visita ao médico já nos causa desconforto pelas incertezas e dificuldades de

acesso ao sistema público de saúde. Imagine, após uma consulta de pré-natal, que no mínimo

acontecerá com uma periodicidade de uma vez ao mês. Na sequência, o profissional da saúde

informa que, além do retorno às consultas, a adolescente receberá o Conselho Tutelar em sua

residência, pois pela natureza compulsória e por força de lei, o hospital é obrigado a

comunicar seu caso de gravidez precoce ao mesmo.

Desta forma, seguindo os moldes avaliativos de Guga & Lincoln (2011, p. 59), nos

deparamos com a avaliação de quarta geração, onde, segundo os autores, versa de um modelo

de avaliação em que as reivindicações, preocupações e questões dos grupos de interesse ou

interessados servem como enfoques organizacionais, que são executadas de acordo com

preceitos metodológicos do paradigma de investigação construtivista. Não seria interessante,

antes de levar o caso ao Conselho Tutelar, o profissional de saúde ter sua opinião válida para

avaliar caso a caso?

A equipe precisa comunicar os casos ao Conselho Tutelar e/ou Vara da Infância, de

acordo com o artigo 245 do Estatuto da Criança e do Adolescente, deixar o médico, professor

ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de Ensino Fundamental, pré-escola

ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento,

envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente e, se não o

fizer, poderá responder por infrações administrativas.

Entende-se que para a prevenção de certos agravos relacionados à adolescência,

bastam simples intervenções em orientação sexual, ou seja, a equipe, interagindo com sua

clientela, analisando os casos e buscando soluções. Novamente nos utilizando de Guba e

Lincoln (2011, p. 57), a substituição da metodologia avaliativa convencional pela

construtivista, não significa que “vale tudo” e que o profissional não ficará vinculado ao olhar

da lei; porém, o seu saber profissional deve ser colocado em questão.

Assim, partimos do pressuposto de que a prevenção é o melhor caminho para frear os

agravos sociais que oneram a nossa sociedade, mas, para isso, as políticas públicas devem

andar de mãos dadas com todos os seguimentos que se possa utilizar para conseguir seus

objetivos.

Devemos avaliar a forma como o combate aos problemas – como gravidez na

adolescência e o crescente aumento de doenças sexualmente transmissíveis em adolescentes –

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apresentam como estratégia de reorganização na atenção à saúde, que se caracteriza por um

modelo centrado no usuário, demandando das equipes a incorporação de discussões à cerca da

necessidade de humanizar a assistência médico-sanitária em nosso Estado.

No censo de 2000 não houve a coleta de dados do quantitativo de casos de

gravidezes entre menores de 14 anos. A menor faixa de idade pesquisada pelo IBGE em

termos de fertilidade foi a de 15 a 19 anos. Todavia, no último censo de 2010 houve a

necessidade de reduzir esse limite até os 10 anos para avaliar o que estava sendo constatado

pelo aumento de casos de gravidez registrados em hospitais públicos.

Com vida sexual iniciada cada vez mais precocemente e, na maioria das vezes, em

condições de grande vulnerabilidade social, a sexualidade vivenciada precocemente muitas

vezes é acompanhada de gravidez. (ENDERLE et al., 2012).

Segundo dados referentes ao período de 2006 a 2015, divulgados pelo Fundo de

População das Nações Unidas (UNFPA / 2017), o Brasil tem a sétima maior taxa de gravidez

entre adolescente da América do Sul, empatando com Peru e Suriname, com um índice de 65

gestações para cada mil meninas de 15 a 19 anos.

A gravidez na adolescência não é algo novo no histórico do nosso país. Apenas com

o advento da socialização das comunicações e o melhor aparelhamento estatal, no sentido de

ter havido uma atenuada redução de partos em domicílio, foi possível mensurar o número de

gestações pelo banco de dados das instituições hospitalares, sofrendo um maior

sancionamento do Estado e, por parte da sociedade, pela ampla disseminação dos meios de

comunicação de todo o país. Mas sabemos que é bem verdade que nos idos de nossos avós

temos histórico de gravidezes tão precoce quanto na atualidade.

A equipe de saúde deve entender que a seara de cuidados do adolescente é, por

muitas vezes difícil, assim como é o fato de tomar cuidado para não permear suas ações do

dia a dia com valores pessoais, dificultando ou impedindo o ingresso do adolescente ao

serviço de saúde que lhe seja necessário.

Os profissionais devem estar treinados para saberem avaliar o nível de

vulnerabilidade a que esses adolescentes possam estar expostos. A equipe multiprofissional

tem que ter em mente que a unidade de saúde atua para oferecer serviço e não cercear direitos,

pois a ação do profissional não deverá aumentar a vulnerabilidade que a idade já os coloca.

Como fortalecer um vínculo com a equipe multidisciplinar de uma unidade de saúde,

se o profissional tem a obrigação de informar o seu atendimento ao Conselho Tutelar nesses

casos?

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Como organizar essa estratégia de política educativa na área sexual, tão importante

para minimizar os agravos da gravidez precoce, adequando-se à execução e à disseminação da

lei 12.015/09 entre os profissionais da saúde? Pois uma menor de 14 anos grávida,

independentemente se houve ou não violência, será tida como vítima do crime de abuso de

vulnerável mesmo numa relação consensual, segundo a lei penal vigente.

As leis são importantes em toda a sociedade, até porque são criadas na grande

maioria das vezes em meio a grande repercussão social. Porém, a lei nua e crua não tem o

poder de mudar certas realidades por si só.

Se por algum motivo houver algum atendimento que o profissional da saúde, em sua

tomada decisão, cause conflitos é aconselhável que o faça após discutir com toda equipe

multiprofissional. Se mesmo assim o problema persistir, a rede existe para encaminhar e

buscar soluções e, nos casos de abuso de qualquer tipo, o Poder Judiciário poderá ser

acionado.

A organização de programas voltados a saúde do adolescente requer, efetivamente, a

consideração das dimensões social e coletiva abordadas de forma multiprofissional e

interdisciplinar, envolvendo os diferentes aspectos que interagem no cotidiano dos

adolescentes e no contexto em que estão inseridos, procurando adaptar os conteúdos desses

programas as diferentes modalidades de demandas individuais e coletivas. (FORMIGLI,

2013).

Através das experiências dos profissionais da saúde em sua abordagem diária,

experiências essas que buscaremos entender a dinâmica, os processos e como a política é

executada de forma a entendê-la destaca que as instituições também podem ser pensadas

como texto em seus contextos. Pois, segundo LEJANO (2012), “Vemos o hiato entre texto e

contexto manifestado em numerosas ocasiões [...] tome-se o modelo de governo centrado no

Estado que em sua forma moderna e nada alem do modelo regulatório de governo”.

Para que a nossa convivência em sociedade seja harmoniosa, devemos nos abster, ao

máximo, de praticar comportamentos que causem constrangimentos às pessoas. E, como se

sabe, os comportamentos com conotação sexual são aqueles que maior poder possuem para

despertar sentimentos diversos, como a curiosidade, a libido ou mesmo a indignação.

(GRECO, 2009, p. 605).

Neste viés, este capítulo se propõe a situar a política de proteção do menor em uma

conjuntura mais ampla de mudanças históricas e políticas, que envolveram a ocorrência e

consolidação das políticas sociais destinadas ao atendimento integral da criança e do

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adolescente no Brasil ao longo dos últimos séculos, principalmente, no começo do século XX

e início do atual, pois

A crise do comércio internacional de 1929 e o movimento de 1930 aparecem como

movimentos centrais de um processo que leva a uma reorganização das esferas

estatal e econômica, apressando o deslocamento do centro motor da acumulação

capitalista das atividades de agro exportação para outra de realização interna.

(IAMAMOTO, CARVALHO, 1983, p. 2).

Buscaremos primeiramente nos dedicar a documentos históricos, procurando a

definição do termo criança e adolescente, fazendo um cotejo com documentos da atualidade e

que tratam dos sujeitos dessa faixa etária na busca de compreender a forma como o Estado

concebeu as políticas de proteção e em que contextos sociais se ativeram a essa concretização.

Pois de acordo com

[...] a análise de contexto da formulação da política, devemos realizar um

levantamento de dados sobre o momento político, condições socioeconômicas, com

atenção para as articulações para as esferas local, regional, nacional, internacional

[...]. (RODRIGUES, 2011, p. 59).

As condições de vida de um determinado segmento social ou parte de uma população

mantém conexão direta com as políticas públicas executadas pelo Estado em seus diferentes

graus de gestão. Nos indivíduos que formam o público infanto-juvenil se torna mais apurada

esse paralelismo, pois estes são dependentes de pais, irmãos, responsáveis, cujas condições de

vida retratam a situação das políticas públicas existentes. Ou seja, as condições de vida podem

ser usadas então como forma de avaliação das políticas públicas na maneira que elas intervêm

na vida dos cidadãos e as reações que provocam (CRUZ NETO; MOREIRA, 1999).

O real conhecimento dos agravos sociais pela sociedade brasileira e a luta pela

garantia ao acesso universal à educação, à saúde e à uma distribuição de renda justa, somado

ao respaldo Constitucional de uma Carta Magna com uma preocupação aos direitos

individuais, estabeleceu uma série de garantias. Dentre elas, podemos destacar as garantias

individuais, assegurando ao cidadão todo o básico necessário para a sua existência digna.

Quando o Estado trabalha em simbiose com a sociedade civil consegue criar e

programar direitos através das demandas formada dessa parceria, com o objetivo de

minimizar seus agravos e aumentar as possibilidades de alcançar a tão sonhada paz social.

Segundo Souza (2016), as políticas públicas repercutem na economia e nas sociedades. Daí

porque qualquer teoria da política pública precisa também explicar as inter-relações entre

Estado, política, economia e sociedade.

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Para que os direitos individuais possam ser alcançados plenamente, pelo cidadão

comum, os mesmos precisam ser disponibilizados de forma clara no mundo real através de

normas20

criadas pelos seus representantes, apesar do seu custo por imprimir limitações

individuais e coletivas.

Para conseguir este objetivo, é preciso estimular a participação de todos, no sentido

de haver uma compreensão de verificar se o que está sendo legislado está exercendo a paz

social. Para atingir esses objetivos, precisamos fazer duas reflexões: qual reação a norma está

imputando ao mundo fático e se está havendo mudanças sociais positivas, no sentido de

reverter às contradições e mazelas da sociedade. Um bom exemplo disso são as Políticas

Públicas, criadas com o objetivo de diminuir as vulnerabilidades sociais, tratando os desiguais

de forma equitativa, garantindo uma nação, desenvolvida, forte e saudável.

É importante propor linhas de ações, e atender aos anseios sociais pelo legislar, mas

importa também prosseguir nas metas traçadas, acompanhá-las até à sua efetivação,

(re)avaliar, produzir e devolver os resultados.

A criança e o adolescente, por muitas décadas, figuraram como objetos e não sujeitos

de direito21

. A construção de uma legislação específica somente ocorreu pós República Nova.

A Política de Saúde do Adolescente e Jovem institucionaliza um novo olhar sobre o

adolescente, apresentando arcabouço teórico que estimula a reflexão sobre novos

conceitos, estratégias e ações na área de promoção da saúde voltada para esse grupo

etário (RAPOSO, 2016, p. 40).

Falar em futuro da nação, é vislumbrar as gerações vindouras; é focar mais

intensamente no desenvolvimento e execução dos direitos humanos, de sujeitos que serão os

principais atores da nação, permitindo melhorar e acelerar a luta contra a pobreza, a

iniquidade e a discriminação de gênero, na construção de uma sociedade melhor e igualitária.

A reorientação do modelo de atenção à saúde deu-se em 1988, a partir da criação do

Sistema Único de Saúde (SUS). Todavia, ainda trilhamos caminhos a procura da

universalidade, integralidade, equidade e participação social para o ser adolescente,

cidadão que deveria ter prioridade nas políticas públicas, considerando o ECA. A

20 Na verdade, o Direito, que constitui o objeto deste conhecimento, é uma ordem normativa da conduta humana,

ou seja, um sistema de normas que regulam o comportamento humano. Com o termo “norma” se quer significar

que algo deve ser ou acontecer, especialmente que um homem se deve conduzir de determinada maneira. É este

o sentido que possuem determinados atos humanos que intencionalmente se dirigem à conduta de outrem.

(KELSEN, 1960, p. 3). 21

A inserção na agenda pública brasileira da atenção integral à saúde de adolescentes e jovens decorre da

mudança de paradigma expressa na concepção ampliada de saúde como direito social e dever do Estado e na

doutrina da proteção integral preconizada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). (...) regulamenta a

proteção da infância e da adolescência e reconhece as crianças e os adolescentes como sujeitos de direitos e

portadores de necessidades especiais. Nesse sentido, este marco legal configura uma perspectiva de análise para

contextualização dos direitos da adolescência e juventude no âmbito da saúde.

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partir dessas orientações é criado o Programa de Saúde do Adolescente (PROSAD,

com propostas de saúde integral aos jovens, porém suas diretrizes mostraram-se

incipientes, fragmentadas e pontuais). Outros autores mencionam que os objetivos

eram limitados com ações desarticuladas, sem a participação juvenil e com falta de

prioridade e de legitimidade política. Com a insuficiente aderência do PROSAD no

contexto nacional, emerge o Programa de Saúde da Família (PSF/ESF), e os

adolescentes passam a serem vistos como membros da família e redirecionados para

o atendimento geral, desconsiderando suas especificidades e identidades. (BRASIL,

2013, p. 41).

3.1 Marco legal como consolidador de direitos

A consolidação e reconhecimento desses sujeitos pelo Estado só foi constituído com

o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 13 de julho de 1990. Este veio

para garantir a doutrina de atenção integral e configurou-se um marco legal dos direitos da

adolescência e juventude no âmbito da saúde.

Na essência do ECA foram elencados – especificamente no título II, capítulo I,

artigos22

que tratam do direito à vida e a saúde (arts. 7 ao14), logo depois no mesmo título no

capítulo II nos arts. 15 aos 1823

– que a criança e o adolescente não serão mais tratados como

objeto de direitos, mas como sujeito de direitos, outorgando-lhes direito à liberdade, ao

respeito e à dignidade.

A Organização Mundial de Saúde (OMS), por sua vez, define a adolescência como o

período da vida que vai precisamente dos 10 anos até os 19 anos, 11 meses e 29 dias. Nessa

fase, ocorrem três processos significativos para o desenvolvimento humano: do ponto de vista

social a passagem da infância para a vida adulta, com a admissão de papéis adultos e a

emancipação em relação aos pais; do ponto de vista biológico a puberdade, com a maturidade

sexual e reprodutiva; e, do ponto de vista psicológico, a organização de uma identidade

marcada para a subjetividade (OMS, 2012).

22 Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas

sociais públicas (grifo nosso) que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em

condições dignas de existência. (...) (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016) § 9o A atenção primária à saúde

fará a busca ativa da gestante que não iniciar ou que abandonar as consultas de pré-natal, bem como da

puérpera que não comparecer às consultas pós-parto. (Grifo nosso). (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)

Art. 11. É assegurado acesso integral às linhas de cuidado voltadas à saúde da criança e do adolescente, por

intermédio do Sistema Único de Saúde (SUS), observado o princípio da equidade no acesso a ações e serviços

para promoção, proteção e recuperação da saúde (...). 23

Do Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade,

ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos

civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.

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Ainda segundo a OMS24

, a adolescência é o período de transição entre a infância e a

vida adulta, caracterizado pelos impulsos do desenvolvimento físico, mental, emocional,

sexual e social e pelos esforços do indivíduo em alcançar os objetivos relacionados às

expectativas culturais da sociedade em que vive.

A puberdade, portanto, não deve ser confundida como sinônimo da adolescência,

visto que a puberdade faz parte da adolescência. No aspecto conceitual, o processo de

adolescer pressupõe amadurecimento corporal, sexual, psicológico e social, finalizando

quando assume sua identidade pessoal e profissional (FORMIGLI; COSTA; PORTO, 2012).

Segundo a UNICEF (2011), há duas etapas na adolescência, considerando-se como

fase inicial da adolescência o período que se estende dos 10 aos a 14 anos de idade. Em geral,

é nessa etapa que começam as mudanças físicas, normalmente, com uma aceleração repentina

do crescimento, seguida pelo desenvolvimento dos órgãos sexuais e das características

sexuais secundárias. Essas mudanças externas frequentemente são bastante óbvias e podem

ser motivo de ansiedade, assim como de entusiasmo ou orgulho para o indivíduo cujo corpo

está passando pela transformação.

A segunda fase da adolescência vai dos 15 aos 19 anos de idade. A essa altura, as

principais mudanças físicas normalmente já ocorreram, embora o corpo ainda se encontre em

desenvolvimento. O cérebro continua a se desenvolver e a se reorganizar, bem como a

capacidade de pensamento analítico e reflexivo é bastante ampliada. No início dessa fase, as

opiniões dos membros de seu grupo ainda são importantes, mas essa influência diminui à

medida que o adolescente adquire maior clareza e confiança em sua própria identidade e em

suas opiniões (UNICEF, 2011).

Utilizamos neste trabalho a definição cronológica da OMS que considera como

adolescente o indivíduo de 10 a 19 anos de idade, compatível com a referência dos serviços de

saúde, que foi nosso ambiente de pesquisa. Essa definição se justifica pelo fato de o indivíduo

iniciar a partir dos 10 anos várias transformações no seu corpo, no seu crescimento, na sua

vida emocional, social e nas suas relações afetivas.

Verificamos a importância da atenção integral da saúde do adolescente por conta das

transformações sofridas nesta faixa etária, pois o adolescente vive sob uma fase

24 A adolescência se inicia com as mudanças corporais da puberdade e termina quando o indivíduo consolida seu

crescimento e sua personalidade, obtendo progressivamente sua independência econômica. Além da integração

em seu grupo social, é um período em que ocorrem mudanças biológicas e fisiológicas. É neste momento que o

corpo se desenvolve físico e mentalmente tornando-se maduro, dando capacidade para o adolescente gerar filhos.

(OMS, 2012).

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transformadora biopsicossocial. Este momento é tão importante que suas consequências terão

reflexos permanentes e influenciarão positivamente ou negativamente em sua vida adulta.

Segundo Alencar (2017), a adolescência é uma fase de transformações

biopsicossociais. No âmbito familiar compreende um período no qual o indivíduo não é mais

visto ou tratado pelos pais como criança, mas também não é um adulto. Por esta razão, com

objetivos comuns e requerendo a participação de todos, o poder público, a sociedade e

especificamente os trabalhadores da saúde devem trabalhar de forma conjunta e

interdisciplinar no sentido de executar as políticas públicas destinadas ao público juvenil.

O atendimento ambulatorial dos adolescentes visa prestar direcionamentos e

esclarecimento quanto à orientação em planejamento familiar, Infecções Sexuais

Transmissíveis (IST’s), em seu amplo sentido, informando quanto aos metodos contraceptivos

e usando uma abordagem simples e accessível ao usuário.

Mesmo com carência de recursos humanos e financeiros tenta-se levar uma prática

eficaz, buscando, junto à população usuária, mecanismos de combate à desinformação, pois é

na informação que está o principal mecanismo de combate a certos agravos da saúde do

adolescente, com uma ampla divulgação em tempo hábil de informação para total

homogeneização do conhecimento e com quebras de tabus relevantes aos momentos que as

usuárias estão atravessando.

Na vida, tudo se transforma e por que não os costumes de uma época? O olhar

dialético que transforma as ações e estruturas, a partir da concepção de que os sujeitos se

constroem estabelecendo relações consigo mesmo e com o meio que interage, não pode ser

esquecido.

Ao estudarmos os fenômenos in loco o nosso olhar e o pensar dialético foram ao

longo do tempo agregando valores e enriquecendo as manifestações objetivas e subjetivas de

cada fenômeno de cada sujeito, que se movimentavam e configuravam ao processo de

elaboração dos acontecimentos. Ou seja, para o encontro de algumas respostas da

problematização da pesquisa, em sua configuração conteve em sua produção: histórias, seu

conteúdo marcado por mediações, diálogos, vivências e transformações decorrentes do nosso

processo de apropriação dos saberes para que, em outro momento analítico, pudesse embasar

os nossos resultados.

Devemos refletir sobre políticas públicas no sentido de pensá-las como um desafio,

diante dos dados crescentes de gravidezes entre adolescentes, onde a dificuldade maior será a

efetivação da lei, a longa mão coercitiva do Estado e a reversão do quadro do descaso, desse

público em tenra idade.

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3.2 O histórico da política pública do Brasil a partir da nova ordem constitucional

O primeiro Código de Menores do País surge no contexto de profundas

transformações globais, políticas e estruturais. Esse período representa um divisor de águas

para a política protetiva da infância e um período que se caracteriza pela forte reestruturação

do Estado e da economia.

Em 1997, o XL Conselho Diretor da Organização Pan-americana da Saúde (OPAS),

Escritório Regional da Organização Mundial da Saúde (OMS), recomendou aos

países membros que incluíssem em suas agendas públicas políticas de atenção à

saúde e preocupação com o desenvolvimento dos adolescentes e jovens. (TANAKA;

MELO, 2001, p. 9).

O país começa a perceber a criança e o adolescente como sujeitos merecedores de

tratamento diferenciado. Mesmo em meio à adversidade de finalidade já se percebe um ganho

para o norteamento das futuras ações para o público infanto-juvenil.

No arcabouço normativo da primeira codificação exclusiva voltada para tratar dos

interesses destinados à criança e ao adolescente não houve uma definição clara de infância,

justiça e igualdade. Para Cohn (2005, p. 14) a ideia de infância pode não existir, pois esses

três termos elencados são frutos de um esquecimento institucional de uma época autoritária e

patriarcalista.

Diante da conjuntura política institucional, o governo do país não teve a preocupação

com o problema do menor no sentido de acolhê-lo, entendê-lo, mas, sim, buscar soluções

paliativas, que resolvessem problemas pontuais. Como remarca Paes Leite,

O cenário político e social nacional, no início do século XX, eram bastante

conturbados, período onde se estabelece a preocupação com a criminalidade juvenil.

Nesse contexto nasce à primeira codificação exclusivamente voltada para tratar dos

interesses das crianças e adolescente, qual seja o Código de menores, sancionado em

1927, o chamado “Código Mello Mattos”, em homenagem ao autor do projeto.

Nesse diapasão, o Estado assume a responsabilidade legal pela tutela da criança órfã

e abandonada. A criança desamparada, nesta fase, fica institucionalizada, e recebe

orientação e oportunidade para trabalhar. A primeira codificação voltada para os

menores tornou-se um marco referencial, cumprindo papel histórico. (PAES; LEITE,

2013, Online).

Percebe-se que nestes primeiros documentos legais o objetivo maior não era a

proteção do menor e sim a regulamentação dos atos infracionais.

O Golpe Militar de 64 posicionou o Brasil, frente ao panorama internacional da

guerra fria, em linha com os países capitalistas. Uma ditadura militar foi instituída,

interrompendo por mais de 20 anos o avanço da democracia no país. Em 1967,

houve a elaboração de uma nova Constituição, que estabeleceu diferentes diretrizes

para a vida civil. A presença autoritária do estado tornou-se uma realidade. Restrição

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à liberdade de opinião e expressão; recuos no campo dos direitos sociais e

instituição dos Atos Institucionais que permitiam punições, exclusões e

marginalizações políticas eram algumas das medidas desta nova ordem trazidas pelo

golpe. Como forma de conferir normalidade a está prática de exceção foi

promulgada em 1967, nova constituição Brasileira. O período dos governos militares

foi pautado, para a área da infância, por dois documentos significativos e

indicadores da visão vigente: A Lei que criou a Fundação Nacional do Bem-Estar do

Menor (Lei 4.513 de 1/12/64) ƒ O Código de Menores de 79 (Lei 6697 de 10/10/79).

(LORENZI, 2017, p. 58).

Nesse contexto nasce o termo “menor em situação irregular”. É nessa estrutura que,

timidamente, o Estado brasileiro vem assumindo a responsabilidade legal pela “proteção da

criança órfã e abandonada”.

O “Código de Mello Mattos”, que vigorou até 1979, trouxe em seu corpo legal

inovações para o público infanto-juvenil, porém, deixou uma grande lacuna em sua estrutura

normativa não contendo a definição de seus sujeitos.

Em 1927, por meio do Decreto nº 17.943-A, foi constituído o Código de Menores,

que se tornou conhecido como Código Mello Mattos, consolidando as leis de

assistência e proteção, aos menores. O código divide os menores em abandonados e

delinquentes. Tipificam os menores em vadios (artigo 28), mendigos (artigo 29) e

libertinos (artigo 30). No artigo 159, o código determina: recebendo o menor, o juiz

o fará· recolher ao abrigo, mandar· submetê-lo a exames médicos e pedagógicos, e

iniciar· o processo que na espécie couber. (BAPTISTA, 2016, p. 25).

Revogado pela criação do segundo Código de menores (lei nº 6.697/79) a doutrina da

situação irregular incorporou a nova concepção assistencialista à população infanto-juvenil.

Entretanto, mais uma vez os legisladores da época foram omissos na definição do termo

criança ou adolescente em seu arcabouço legal.

Assim, o advento do ECA (lei nº 8.069/90), em um contexto de fortes mudanças

sociais no país, veio para revogar o segundo Código de menores. Focado na doutrina de

proteção integral, tutelado pelo artigo 227 da Constituição de 1988, o Estatuto da Criança e do

Adolescente veio claramente definir seus sujeitos, deixando de serem objetos a sujeitos de

direito.

O legislador do atual Código, em seu primeiro artigo, prescreveu como principal

objetivo a proteção integral à criança e ao adolescente. Já no artigo seguinte houve a definição

dos seus sujeitos de direitos nos termos do ECA/90 que afirma: “Considera-se criança, para os

efeitos desta lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos e, adolescente aquela entre doze

e dezoito anos de idade”. (ECA, 1990).

Esses primeiros dispositivos marcaram uma nova era para a legislação de proteção à

criança e ao adolescente no país. O moderno estatuto trouxe uma nova visão da situação do

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menor, tratando-o de forma diferenciada, diferentemente dos antigos Códigos que

consideravam o menor em pé de igualdade com os outros sujeitos infratores.

Nesse sentido, o Estatuto apresentou um novo direcionamento, apesar da nova ordem

social implantada pelas políticas neoliberais, onde a busca por novos mercados fez com que

os mesmos se adequassem às novas dimensões capitalistas. Logo,

É sob esse prisma, da dimensão transgressora da palavra, que se pode talvez avaliar

o efeito devastador da corrosão dos direitos em curso no país. As possibilidades do

campo democrático construído nos últimos anos parecem, hoje, na segunda metade

da década de 90, desafiadas por um projeto conservador que já se traduz em práticas

reais, no qual a neutralização da dimensão ética da justiça e da igualdade em nome

dos critérios de eficácia e racionalidade técnica da economia, passa pela imposição

de uma ordem pública subtraída das esferas políticas de representação, negociação e

interlocução. (TELLES, 1996, p. 8).

Percebe-se, portanto, que o ECA representa um divisor de águas no histórico da

proteção integral infanto-juvenil no Brasil. Além dos direitos para todas as crianças e

adolescentes brasileiras, criou medidas protetivas e socioeducativas. O Estado se mostrou

garantista das necessidades básicas desses sujeitos, chamando à responsabilidade a família e

toda a sociedade, levando em conta as diversas necessidades desse público.

Contextualizando a política para o “menor”, marcaremos como ponto de partida os

primeiros anos do século XX, onde em 1922 foi inaugurado o primeiro estabelecimento

público para “menores” no Rio de Janeiro. Logo após esse período, em 1924, houve a criação

do Tribunal de Menores: arcabouço jurídico que serviu de base para o primeiro Código de

Menores brasileiro. É a sociedade brasileira experimentando os primeiros planos jurídico-

institucionais direcionados para o público infanto-juvenil.

Em um dos primeiros momentos da história da ditadura do nosso país, nos idos de

1930, o governo de Getúlio Vargas criou o Ministério da Educação e Saúde Pública. Esse

processo leva à formulação do conceito de menor marginalizado como uma maneira

ideológica de ocultar as condutas da ditadura brasileira.

Entretanto, esse conceito foi questionado pelos movimentos sociais da época. Em

decorrência, radicalizou-se uma insubmissão ao regime autoritário, culminando com a criação

de um novo conceito de movimento nacional de meninos e meninas de rua na conquista de

direitos. Esse fato constitui-se um marco importante dos movimentos sociais de todo o país

em prol da garantia de direitos desses sujeitos.

Já na década de 40, um acontecimento relevante para a legislação brasileira foi a

promulgação do Código Penal Brasileiro, decreto Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940,

que só veio a vigorar em 1942, sob a égide do então presidente Getúlio Vargas, decreto esse

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criado durante o período do Estado Novo. Este Código definiu a idade do consentimento (14

anos) que perdura até a atualidade, observação importante para o nosso estudo.

Em 1942, o Governo criou o Serviço de Assistência ao Menor (SAM), órgão do

Ministério da Justiça (MJ), que funcionava como um “sistema penitenciário para a população

menor de 18 anos”. Nesse mesmo período, precisamente em 1943, tivemos a promulgação da

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e obrigatoriedade do Ensino Fundamental.

Em nossa contextualização, não poderíamos deixar de citar a promulgação da

Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, ferramenta normativa de abrangência

internacional que inspirou alguns dispositivos de legislações futuras, dentre eles o Estatuto da

Criança e do Adolescente (ECA). Esse documento foi proclamado pela Assembleia Geral das

Nações Unidas, em Paris, como uma norma comum a ser alcançada por todos os povos e

nações, estabelecendo pela primeira vez a proteção universal dos direitos humanos.

Instalado em João Pessoa/Paraíba, chegando ao Brasil quatro anos após seu

surgimento no exterior, o Fundo das Nações Unidas (UNICEF do Brasil) em 1950 trouxe para

o país programas de proteção à saúde da criança e da gestante nos estados do Nordeste do

Brasil. Seu principal objetivo era promover a defesa dos direitos, ajudando a dar resposta às

suas necessidades.

Na década de 50, especificamente em 20 de novembro 1959, ano da promulgação da

Declaração Universal dos Direitos da Criança, houve um aumento do elenco dos direitos

aplicáveis à população infantil. Inspirado nessa declaração foi criado, em 2005, o Conselho

Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), que tem como base

fundante o respeito aos direitos da liberdade, estudos e convívio social das crianças.

Como já citado anteriormente, revogado o Código de Menores Mello Mattos em

1927, surge o Código de Menores de 1979, incorporando a nova concepção assistencialista à

população infanto-juvenil. Com este segundo Código, a legislação brasileira dá mais um

passo para a consolidação e definição dos direitos da Criança e do Adolescente no país.

O novo Código surge em um contexto de constituição de movimentos sociais

compostos por diferentes organizações da sociedade civil. Era um momento de bastante

agitação no país orquestrado pela problemática de combate à inflação e controle de preços.

Como avalia Carvalho:

É fato inconteste a ampliação do Estado na relação com a sociedade civil,

mobilizada em suas lutas por direitos, inclusive, direitos sociais de interpelar o

próprio Estado. Assim, o artigo 6º da Constituição Federal estabelece como direitos

sociais: educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social,

proteção à maternidade e à infância e, finalmente, a assistência aos desamparados.

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Assim, os direitos fundamentais – pelo menos formalmente – se convertem no

núcleo básico do ordenamento constitucional brasileiro. (CARVALHO, 2008, p. 20).

Em meio a essa turbulência política e econômica, a sociedade civil criou em 1985 o

Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua, de várias partes do país, reconhecendo

pela primeira vez, crianças e adolescentes como sujeitos participativos.

Atualmente, tendo como prioridade o cumprimento do Estatuto da Criança e do

Adolescente, o movimento atua como um fiscal da defesa e promoção dos direitos da criança

e do adolescente das camadas populares do Brasil, assegurando as políticas públicas como

alvo principal nos diversos níveis do sistema de tutelas para a garantia de direitos espalhados

no país. E, pela importância da matéria, teve que vir com força constitucional no sentido de

“ser parte ativa na consolidação e definição de seu lugar na sociedade” (COHN, 2005). Ainda

na avaliação do autor:

(...) a criança dos estudos estrutural-funcionalistas se vê relegada a protagonizar um

papel que não define. Suas ações e representações simbólicas não precisam ser

estudadas, portanto, para que se defina seu lugar no sistema: são dados pelo próprio

sistema. (...) recusa-se às crianças, portanto uma parte ativa na consolidação de

definição de seu lugar na sociedade: elas são vistas como um receptáculo de papéis

funcionais que desempenham, ao longo do processo de socialização, nos momentos

apropriados. (COHN, 2005, p. 10).

Em 1986, diante de toda essa pressão dos seguimentos da sociedade civil, houve a

criação da Comissão Nacional da Criança Constituinte. Neste mesmo ano ocorreu a criação da

Frente de Defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, fazendo parte de um dos

principais e mais importantes marcos históricos brasileiros. Essas iniciativas aconteceram um

pouco antes da promulgação da Constituição Federal do Brasil, onde faz referência tardia a

inclusão da concepção universalista de direitos sociais, como destaca:

Esta Constituição, encarnando as lutas democráticas, outorga uma importância

substancial aos direitos humanos fundamentais, convertendo todos os direitos

consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos em Direitos Legais,

constituindo, assim, a referência fundadora de uma modernidade democrática.

(CARVALHO, 2008, p. 20).

Durante a confecção da futura carta magna do país, “um grupo de trabalho se reuniu

para concretizar os direitos da criança e do adolescente”, resultando no artigo 227, que foi a

base para a futura elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Essa sustentação, uma vez consolidada na realidade brasileira, deu um viés crítico à

realidade social e governamental do país, no sentido de criar uma política que atendesse de

forma abrangente e integral o público-juvenil, como uma categoria de interpretação

transformadora à nova Doutrina Jurídica de Proteção Integral à Infância.

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Um dos mais importantes tratados de direitos humanos foi a elaboração da

Convenção Internacional dos Direitos da Criança, em 1989, ratificado por todos os países

membros da ONU, com exceção dos Estados Unidos e da Somália.

Concebido da participação de vários segmentos sociais, a partir de amplo debate em

1990, o ECA é considerado um documento exemplar de direitos humanos. Materializa os

mais substanciais avanços democráticos do país ao tornar regulamentados os direitos da

criança e do adolescente.

Em 1994, a Conferência Mundial de População e Desenvolvimento realizada no

Cairo incorporou o Plano de Ação de direitos reprodutivos na normativa internacional,

legitimando os adolescentes como sujeitos que deverão ser alcançados pelas normas,

programas e políticas públicas (MANUAL DE ATENÇÃO À SAÚDE DO ADOLESCENTE,

2008).

Com a sanção da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), em 1993, ficou

definido que a assistência social é um direito do cidadão e dever do Estado. Três anos depois,

o país define e regulamenta o sistema de educação do Brasil, com base nos princípios

constitucionais da Constituição Brasileira, sancionada a Lei de Diretrizes e Bases da

Educação (LDB). E mais tarde, em 2000, aprova o Plano Nacional de Enfrentamento à

Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, marcando a consolidação da luta contra a

violência sexual Infanto-Puberal.

A materialização das políticas sociais brasileiras e a luta por direitos não é algo novo

no país. Para entendermos esse processo, torna-se crucial analisar o tecido contraditório dessa

sociedade orquestrado pela dominação do capital que tem que se renovar de vez em quando

para poder se firmar no mercado em busca de novas estratégias para perdurar na hegemonia

do poder mundial.

O que se verifica na instituição trabalhada, após análise dos dados colhidos nas falas

dos profissionais, é que há predominância de profissionais regidos pelo regime celetista em

um hospital público federal, reflexo de uma política mercantilista e privatista da saúde

brasileira. Com o discurso de melhoria na gestão, transparência nos gastos públicos,

ampliação e modernização dos hospitais universitários brasileiros, a Empresa foi criada pela

Lei 12.550 de 15 de dezembro de 2011, ao final do governo de Luís Inácio Lula de Silva,

Sob a justificativa de maior autonomia no uso dos recursos, legalização dos

contratos de trabalho e aprimoramento do processo de gestão das instituições de

ensino e saúde, o governo Lula se despede de seu mandato, deixando a herança das

Fundações Estatais de Direito Privado, ainda que sob nova roupagem: a EBSERH.

Após a rejeição da MP n. 520 no Senado, em 2011, o então presidente da República,

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por meio da Lei n. 12.550, autoriza a criação da EBSERH, empresa com

personalidade jurídica de direito privado e patrimônio próprio. Com o discurso da

ineficiência da gestão pública e o alto custo dos hospitais federais, decorrentes da

burocracia da legislação brasileira, a EBSERH é apontada pelo governo como

"única" solução e tem ganhado espaço e adesão junto às universidades federais.

(SODRÉ, 2013, p. 365).

Além de constatar a falta de treinamento para os profissionais que entraram após o

conjunto de ações empreendidas pelo Governo Federal, em 2011, no intuito de recuperar os

hospitais vinculados às universidades federais do país, ocorreu dentre essas ações a

reestruturação da composição do quadro de pessoal, que há anos encontra-se deficitária por

diversos motivos, como o grande número de aposentadorias sem reposição ao longo dos anos.

Isso porque

Os Hospitais Universitários Federais, espalhados pelo território brasileiro,

totalizando 46, apresentam problemas comuns, como: o quadro de servidores

deficitários, fechamento de leitos e serviços, sucateamento de aparelhagem e espaço

físico, flexibilização e precarização dos recursos humanos (DRAGO, 2012, p. 87).

Devemos estabelecer ações para poder superar os desafios no avanço nas políticas

públicas de proteção e garantia de direitos. Precisamos trabalhar no sentido de priorizar

acesso aos direitos, a fim de podermos caminhar para um país livre da miséria. É preciso

lembrar que adolescentes e jovens são o futuro da nossa nação e que muitos estão dentro das

famílias mais pobres, o que exige um olhar especial e políticas públicas específicas voltadas

para essa população.

Quando os profissionais foram indagados sobre ter algum conhecimento de políticas

públicas de saúde para adolescentes e jovens do Governo Federal, 8 (oito), isto é, 53,3% dos

profissionais, mais da metade dos pesquisados, afirmaram “desconhecer” ou “não sei nada”

sobre as políticas públicas voltadas para a juventude, reflexo de uma sociedade que por

muitos anos não reconheceram os jovens como sujeitos, mas objetos de direito.

Neste ponto destaca-se um fator importante e limitador da pesquisa, pois como

indagar e questionar os profissionais entrevistados sobre as Políticas Públicas voltadas para

adolescentes e jovens do governo federal se a grande maioria desconhecia o que está sendo

feito a nível federal, estadual e municipal a este seguimento social?

A sociedade precisa estar em sintonia com as ações governamentais, não só no que

rege direitos de adolescentes e jovens no ordenamento jurídico brasileiro. Precisa estar atenta

para saber o momento de exigir e não somente permanecer em sua zona de conforto.

Em 1999, a ONU formulou um processo de acertos e apreciação da execução do

programa (Cairo+5), dando um salto nos direitos dos jovens. Na revisão do documento,

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deixou de ser incluído o direito dos pais em todas as conferências aos adolescentes,

garantindo o direito dos adolescentes à privacidade, à assistência, à saúde reprodutiva, à

informação, ao consentimento informado, à educação e ao sigilo inclusive sexual no currículo

escolar (BRASIL, 2008).

Dando continuidade aos avanços, em relação a forte legislação de proteção para a

população infanto-juvenil, em nome da erradicação do trabalho infantil, foi aprovado em 2003

o Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador

Adolescente, um importante aliado contra a exploração infantil.

Em junho de 2003, o Comitê de Direitos da Criança traçou recomendação específica

(Recomendação Geral nº4, de 6 de junho de 2003) sobre o direito à saúde dos adolescentes,

fixando o alcance dos princípios da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e as

obrigações dos estados em promovê-lo.

Buscando solucionar direitos que ainda não foram efetivados e garantidos pelo

Estado, foi aprovado em 2006 o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito

de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária e o Sistema Nacional

Socioeducativo (SINASE), forte ferramenta de inclusão social.

No início de 2016, o Congresso Nacional sancionou a Lei Nº 13.257/08 de março de

2016, marco legal para a Primeira Infância. A referida lei estabelece princípios e diretrizes

para a formulação e a execução de políticas públicas em atenção à especificidade e à

relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil e no desenvolvimento do

ser humano, em consonância com as diretrizes da Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990 (ECA),

onde alterou vários artigos da citada Lei.

A ocorrência dos crimes sexuais, principalmente o estupro, com o advento e a

facilidade de acesso aos meios de comunicação e a criação de redes de combate à violência de

forma ampliada consolida a cultura da notificação de violência contra a criança e o

adolescente, que vem aumentando sensivelmente na sociedade brasileira ao longo dos anos,

ganhando novas configurações legais, como é o caso do crime de estupro de vulnerável.

Imaginemos uma jovem menor de 14 anos grávida, buscando um serviço de saúde

para dar início ao seu pré-natal preconizado pelo Ministério da Saúde, ao ser abordado pelo

profissional após a consulta, que receberá a visita do Conselho Tutelar, pois seu companheiro

cometeu uma tipicidade penal, mantendo conjunção carnal com maior de 12 e menor de 14

anos. Qual o bem jurídico maior a ser tutelado: o que é preconizado pelo Ministério da Saúde

ou o que a lei tutela?

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A gravidez e o parto constituem-se em eventos essencialmente fisiológicos na vida

da mulher. No entanto, caracterizam-se por provocar variadas e profundas alterações

físicas e emocionais na mulher, o que requer um acompanhamento continua por

parte da família e dos profissionais de saúde. É preconizado pelo Ministério da

Saúde que a assistência pré-natal é de competência da equipe de saúde a qual deve

acolher a gestante desde o primeiro contato na unidade de saúde ou na própria

comunidade. No sentido de iniciar o desenvolvimento do vínculo afetivo nessa fase,

devem ser valorizadas as emoções, os sentimentos e as histórias relatadas pela

mulher e seu parceiro, de forma a individualizar e a contextualizar a assistência pré-

natal. (MS, 2000, p. 34).

Não são só as diretrizes preconizadas ao pré-natal, regido pelo Ministério da Saúde,

que poderão ser atingidas por essa contradição de normas, mas o direito da criança, fruto

desse relacionamento, também poderá ficar cerceado. Pois qual sujeito, sabendo que poderá

responder pelo crime de abuso, irá comparecer para registrar seu filho? Sabendo que a

qualquer profissional, caberá a notificação ao Conselho Tutelar e estando em iminência de

responder uma ação penal? Mesmo diante de uma relação consentida até mesmo vivendo

maritalmente, por ter cometido um pecado capital de ter como companheira uma maior de 12

e menor de 14 anos, que segundo, o legislador, não tem discernimento ou maturidade sexual

para ter uma relação sexual consentida.

3.3 Do PROSAD x Lei 12.015/09

A adolescência é marcada por mudanças corporais e comportamentais, que causam

diversos conflitos. É uma etapa do desenvolvimento humano marcada por profundas

transformações, não apenas físicas, mas também é o início da transição psicológica da

infância para a idade adulta (HOPKINS, 1983).

O artigo 227 da Constituição Federal/CF reconhece a importância da abordagem

integral para a saúde do adolescente: a mesma deve ser vista como básica para o

desenvolvimento social saudável da nação brasileira. Neste contexto, a Emenda à

Constituição em 2010 reforçou que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à

criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à

alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à

liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de

negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Com a introdução desse artigo em nosso ordenamento jurídico constitucional, cria-se

a obrigatoriedade do poder público de formular políticas direcionadas para a proteção e

desenvolvimento da criança e dos adolescentes como sujeitos de direito e não como meros

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objetos de intervenção no mundo adulto e, dentre algumas políticas criadas, o PROSAD25

consta como um marco nesse contexto.

A legislação de proteção da infância e do adolescente ganhou argumentos

importantes, pós Constituição de 1988, para criação de lei específica que garantisse o amparo

integral desse seguimento social. Vejamos o que diz o artigo 227 parágrafos 1º de nossa

Magna Carta:

§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do

adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais,

mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos: (Redação dada

Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010).

Com o intuito de fortalecer os direcionamentos de políticas específicas para esse

grupo etário, para a Promoção de Saúde, o programa foi lançado para identificar grupos de

risco, entendendo que os programas de atenção ao adolescente e jovem devem levar em conta

as diferenças socioculturais entre os gêneros, detectando precocemente os agravos de saúde

para tratamentos adequados e reabilitação, respeitadas as diretrizes do Sistema Único de

Saúde (SUS) garantidas pela Constituição Brasileira de 1988.

Neste sentido, chancelado pela nova ordem constitucional, foi criado em 21 de

dezembro de 1989 pelo Ministério da Saúde (MS), através da Portaria nº 980 do Gabinete

Ministerial, o PROSAD.

Dessa forma, o Ministério da Saúde define objetivos, diretrizes e estratégias para o

Programa "Saúde do Adolescente" (PROSAD) que tem a finalidade de promover,

integrar, apoiar e incentivar práticas nos locais onde será feita a implantação e aonde

essas atividades já vêm sendo desenvolvidas, seja nos estados, municípios,

universidades, organizações não governamentais e outras instituições. Deve interagir

com outros setores no sentido da promoção da saúde, da identificação dos grupos de

risco, detecção precoce dos agravos, tratamento adequado e reabilitação dos

indivíduos dessa faixa etária, sempre de forma integral, multisetorial e

interdisciplinar. (BRASIL, 1996, p. 6).

De acordo com dados do Programa (BRASIL, 2011), seu público-alvo seguiria a

faixa etária de jovens entre 10 e 19 anos. Entre os principais objetivos dessa Política de

Promoção da Saúde, destacam-se a identificação de grupos de risco e a detecção precoce dos

25 As iniciativas na área de saúde remontam a 1989, quando o Ministério da Saúde se voltou para a saúde do

adolescente com a criação do Programa Saúde do Adolescente (PROSAD). Em 1999, foi criada a Área de Saúde

do Adolescente e do Jovem (ASAJ), no âmbito da Secretaria de Políticas de Saúde. Essa nova área, então,

tornou-se responsável pela articulação dos diversos projetos e programas do Ministério da Saúde, que lidam com

questões relativas à adolescência e à juventude, em decorrência da percepção da necessidade de uma política

nacional integrada de atenção específica aos indivíduos de 10 a 24 anos. (SPOSITO, 2003, p. 25).

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agravos, com tratamento adequado e reabilitação, com o propósito de assegurar os princípios

básicos da universalidade, equidade e integralidade de ações.

Teve como principais estratégias a execução em todos os estados brasileiros, pelo

Governo Federal, promovendo estratégias intersetoriais que aumentassem o alcance do

programa e mantivesse um canal de informação e atualização entre as esferas central, estadual

e municipal Brasil (1996). Tinha também como objetivo principal treinar e capacitar

profissionais e voluntários para atender e acolher os adolescentes.

Dentre os programas que surgiram ao longo do tempo para o público juvenil, pode-se

reconhecer que muitas das ações voltadas para a melhoria da saúde dos mesmos não deram

certo em virtude do eixo estreito e da desordem dos trabalhos governamentais.

A política meramente curativa, posta em prática antes do PROSAD, não atendia os

determinantes da morbimortalidade que poderiam decorrer de causas externas e da prática

sexual desprotegida. Desse modo, precisava-se de uma política que abrangesse atividades de

promoção, prevenção e atenção ao adolescente, tendo em vista os aspectos culturais, afetivos

e psicossociais. Nisto, o programa veio para poder dirimir essas questões, que antes não

poderiam ser nem imaginadas. (RUZANY, 2000).

O objetivo principal do PROSAD era garantir aos adolescentes o acesso à saúde,

com ações de caráter multiprofissional, de forma a promover os cuidados com várias

categorias de profissionais, dando um olhar diferenciado e em vários contextos. Como

exemplo podemos mencionar o intersetorial – com uma relação reconhecida entre uma ou

várias partes do setor saúde, visando alcançar resultados de saúde de uma maneira mais

efetiva, eficiente ou sustentável – e o interinstitucional, no sentido de trabalhar em grupo, com

vários parceiros, numa relação de envolvimento de uma ou mais instituições que se

identifique com o projeto, compartilhando problemas, experiências e objetivos comuns.

(BRASIL, 1996).

Nesta linha de conhecimento das diretrizes do programa, que veio para promover a

saúde de forma integral, multissetorial e interdisciplinar, com ações pautadas no respeito pela

adolescência, a iniciativa visou também entre outros aspectos: crescimento e

desenvolvimento; sexualidade; saúde mental; saúde reprodutiva; saúde sexual; saúde na

escola; violência e maus tratos; família; prevenção de acidentes; trabalho e lazer (BRASIL,

2011).

Nos chamou a atenção a saúde reprodutiva da adolescente menor de 14 anos pelo

fato de trabalharmos em um ambulatório de crianças e adolescentes. Verificarmos, ao longo

dos 13 anos de experiência ambulatorial, os contrastes da política descrita focada na

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integralidade das ações, somada à lei 12.015/09 e à inserção do artigo 217-A, que tratam dos

crimes de abuso de vulneráveis, tutelando os menores de 14 anos. Soma-se a realidade

vivenciada pelos profissionais da saúde, tendo que atender uma demanda crescente de

menores de 14 anos grávidas e a limitação de uma lei rígida.

Segundo o último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE) o percentual dos partos em adolescentes de 10 a 19 anos, realizados na rede SUS,

chegou a 25,79%. Em relação à sexualidade, existem dados demonstrando que o nível de

fecundidade de adolescentes entre 15 a 19 anos aumentou entre 1970 e 1980, havendo

também incremento da fecundidade na faixa entre 10 e 14 anos. (IBGE, 2010).

Com a introdução dos cuidados de puericultura, melhores condições nutricionais,

programas de vacinação, entre outros, tem havido diminuição da mortalidade

infantil, o que resulta no aumento da população de adolescentes. No Brasil,

corresponde a 20,8% da população geral, sendo 10% na faixa de 10 a 14 anos e

10,8% de 15 a 19 anos, estimando-se que a população feminina seja de 17.491.139

pessoas. (YAZLLE, 2016, p. 443).

Dados do IBGE (2010) descrevem que só no Brasil cerca de 700 mil menores estão

sendo mães precocemente todos os anos e, desse montante, 2% tem entre 10 e 14 anos. Nessa

faixa etária, podemos seguramente afirmar que essas jovens não têm nenhuma maturidade

para assumir a maternidade e nem a vida adulta, que, compulsoriamente, com a maternidade,

faz com que sejam arrancadas de suas infâncias. E o mais grave: sem nenhuma preparação

psicológica e nem financeira para poder dar um bom futuro a essas crianças.

A pesquisa do mesmo instituto mencionado demonstra que o número de adolescentes

entre 10 e 19 anos que se tornam mães no Brasil vem aumentando nos últimos quatro anos.

Em 2012, elas responderam por cerca de 31% do total de partos realizados nos hospitais do

Sistema Único de Saúde. (IBGE, 2010).

Segundo o Instituto, o número de adolescentes grávidas também está crescendo no

país. Entre os anos 2011 e 2012, o número de filhos gerados quando as mães tinham entre 15

e 19 anos quase dobrou, passando de 4.500 para 8.300. Nessa faixa de idade, 18% das

mulheres já engravidaram ao menos uma vez. Com esses dados, a constatação é que a cada

dia no Brasil aumenta o número de jovens que tem a sua vida marcada por uma gravidez

precoce.

As questões ligadas a sexualidade e fecundidade adolescentes tem despertado

crescente atenção. Há um caloroso debate no país sobre a necessidade de regulação

da sexualidade juvenil. O suposto desregramento das práticas sexuais juvenis tem

sido um argumento forte comumente invocado para justificar a reprodução nessa

fase da vida e seus desdobramentos perversos nas trajetórias juvenis. Identificar

representações e práticas de jovens de diferentes segmentos no que tange a gestão da

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vida íntima e de suas conexões com as instituições da família, escola, serviços de

saúde, grupo de pares, se coloca hoje como via importante para a reflexão

sociológica no campo da saúde coletiva. (ALVES, 2015, p. 234).

O PROSAD, apesar de apresentar diversas mudanças na sua estrutura desde sua

implantação, serviu de alicerce para toda a outra Política Pública e promoção da saúde dos

adolescentes e jovens a despeito de sua criação ter sido principalmente pelas mudanças

sociais, presentes no seu contexto e seus fundamentos. Pois, desde a sua constituição, veio

enfrentando o desafio de aprimorar o modelo para alcançar outros mais eficazes, dentre eles: a

ampliação da participação dos adolescentes nos serviços; a sua participação na gestão; a

avaliação e reconstrução dos serviços, possibilitando o empoderamento dos jovens para

resultados mais efetivos e de maior abrangência. É digno de nota o crítico reconhecimento do

programa sobre a pouca participação dos jovens no planejamento, na execução e na avaliação

das atividades oriundas de políticas públicas.

Logo após a criação do PROSAD, dando seguimento ao cenário das políticas para o

público juvenil, em 13 de julho de 1990, foi sancionado pelo então Presidente da República

Fernando Collor de Melo o Estatuto da Criança e do Adolescente, ratificando os cuidados com

os menores de 18 anos, regulamentando os direitos das crianças e dos adolescentes e inspirado

pelas diretrizes fornecidas pela Constituição Federal. Assim, o ECA internalizou uma série de

normas internacionais, como a Declaração dos Direitos da Criança, Regras Mínimas das

Nações Unidas para a administração da Justiça da Infância e da Juventude, dentre outras.

(BRASIL, 1996).

O ECA veio substituir o Código de Menores (Lei n. 6.697/79), que vigorou de 1979

até 1990. A argumentação desse dispositivo foi a execução e o desenvolvimento de uma nova

e específica política de atendimento à infância e à juventude, expressa pelos princípios

constitucionais basilares da descentralização político-administrativa e da atuação da sociedade

civil em várias partes.

Houve, assim, a garantia de que as crianças e adolescentes passassem a ser tratados

como sujeitos de direitos fundamentado, no art. 7º do ECA, pois antes só eram reconhecidos

como simples objetos de ação da família e do Estado. Apesar deste reconhecimento no corpo

constitucional, essa parcela da população não foi visualizada nas políticas públicas como

protagonista de sua história, com identidade própria. (KERBAUY, 2013; LEÃO, 2013).

Constituído como principal instrumento de garantia de direitos da criança e do

adolescente, o Estatuto foi uma valiosa ferramenta para o atendimento integral da criança e do

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adolescente. O mesmo exige do estado brasileiro e dos grupos sociais a continuidade dos

resultados impostos pelo artigo 227 da Constituição Federal.

O referido artigo visa à produção, execução, acompanhamento e controle social de

políticas constitucionais e estatutárias capazes de mudar os conceitos arcaicos de infância e

juventude presente no dia a dia da dinâmica social da população.

O Estado tem o dever de criar, programar e organizar, políticas, planos, programas e

serviços para o público infanto-juvenil, pois eles serão os futuros cidadãos de nossa nação.

Na avaliação da agência da ONU, a desigualdade econômica reforça e é reforçada

por outras desigualdades. Por exemplo, a desigualdade enfrentada pelas mulheres

mais pobres no acesso a serviços de saúde, onde apenas algumas privilegiadas

conseguem planejar sua vida reprodutiva, reflete-se na incapacidade de desenvolver

habilidades para integrar a força de trabalho remunerado e alcançar poder

econômico. (UNFPA, 2017, p. 13).

De acordo com o que está assinalado no corpo textual do artigo 227 da CF/88 e

reflexivamente no ECA, a criança e o adolescente devem estar assegurados por políticas

públicas de proteção, promoção e direitos, bem como a tutela de suas respectivas famílias.

Em função da vulnerabilidade, adolescentes e jovens vivenciam inúmeros problemas,

dentre estes, a gravidez indesejada, violências e maus tratos, DST/AIDS e desrespeito aos

seus direitos de cidadãos de acordo com o Ministério da Saúde:

A vulnerabilidade desta faixa etária é outra questão que faz com que ela necessite de

um cuidado ainda mais amplo e sensível. Essa maior vulnerabilidade aos agravos,

determinada pelo processo de crescimento e desenvolvimento, pelas características

psicológicas peculiares dessa fase da vida e pelo contexto social em que está

inserido, coloca o adolescente na condição de maior suscetibilidade às mais

diferentes situações de risco, como gravidez precoce, doenças sexualmente

transmissíveis (DST), acidentes, diversos tipos de violência, maus tratos, uso de

drogas, evasão escolar, etc. (BRASIL, 2006).

O legislador, assim, imaginou que iria solucionar vários problemas com uma norma

mais rígida, principalmente os casos de pedofilia que todos os dias estampam as folhas de

jornais. Porém, infelizmente, verificamos com o advento desse novo dispositivo penal várias

controvérsias atingem os sujeitos que a lei alcança diretamente e indiretamente. Exemplos

disso são as menores de 14 anos grávidas com relação consensual e os profissionais da área da

saúde, que tem a obrigação de notificar ao Conselho Tutelar todos os casos independentes de

ter havido abuso ou não.

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3.4 Contextos familiares e a contribuição da equipe multidisciplinar na execução das

políticas de proteção à criança e o adolescente

Já não nos causa tanto espanto o número crescente de meninas maiores de 12, 13 ou

14 anos com vida sexual ativa e consequentemente grávida, bem como a procura pelas

Unidades Básicas de Saúde, portando algum tipo de infecção sexualmente transmissível

(IST’s).

Com o advento da socialização da informação, que cada vez se dissemina com mais

rapidez e mais acessibilidade, resta-nos uma pergunta: o que levaria então essas adolescentes

a engravidar de forma tão precoce ou adquirirem determinadas doenças, que poderiam ser

evitadas usando métodos de barreira? Nunca foram tão divulgados os meios contraceptivos

para evitar a gravidez como nos dias atuais e, mesmo assim, o número de adolescentes

grávidas cada vez mais cresce. Existem vários fatores que contribuem para esse quadro,

conforme podemos observar:

Mais que considerar este um problema ‘dos outros’, questionar e denunciar o lugar

que a mídia ocupa no momento atual é dever de cada um de nós. Assim, faz-se

necessário: rever e recriar valores que visualizem a criança a partir do ethos dos

fatores sociopolítico, econômico e cultural, que ressoam de modo singular nas

unidades familiares, bem como da interferência dos imperativos e apelos da mídia

nas reorganizações psíquica. Urge dizer que essa caótica realidade poderia ser

amenizada se houvesse uma política de educação sexual contínua, voltada para a

formação de profissionais da educação, da saúde e de áreas afins, uma vez que todos

têm profunda influência na formação das crianças e dos adolescentes. (BRUNS,

2012, p. 330).

Isto é, a falta de um projeto educativo de orientação sexual nas igrejas, nas escolas,

nos bairros, comunidades e na própria família levam os jovens a seguirem seus instintos, sem

se preocuparem com as consequências.

A mídia é outra vilã nessa questão, exagerando na erotização do corpo feminino. O

voto do Ministro Março Aurélio no HC 73.662 - MG, 2ª Turma, favorável à presunção relativa

da vulnerabilidade, é por demais esclarecedor quando menciona alguns fatores referentes ao

que já foi citado:

[...] A presunção de violência prevista no artigo 224 do Código Penal (atualmente

revogado pela Lei 12.015/2009) cede à realidade. Até porque não há como deixar de

reconhecer a modificação de costumes havida, de maneira assustadoramente

vertiginosa, nas últimas décadas, momento na atual quadra. Os meios de

comunicação de um modo geral, e, particularmente, a televisão, é responsável pela

divulgação maciça de informações, não as selecionando sequer de acordo com

medianos e saudáveis critérios que pudessem atender às menores exigências de uma

sociedade marcada pela dessemelhança. Assim é que, sendo irrestrito o acesso à

mídia, não se mostra incomum reparar-se a precocidade com que as crianças de hoje

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lidam, sem embaraços quaisquer, com assuntos concernentes à sexualidade, tudo de

uma forma espontânea, quase natural. Tanto não se diria nos idos dos anos 40, época

em que exsurgia glorioso e como símbolo da modernidade e do liberalismo, o nosso

vetusto e ainda vigente código penal. Àquela altura, uma pessoa que contasse doze

anos de idade era de fato considerada criança, e como tal, indefesa e despreparada

para os sustos da vida. [...] (NUCCI, 2012, p. 965).

Nesse sentido, os ídolos que são vistos nas passarelas, revistas, cinemas e televisão

são para os adolescentes verdadeiros espelhos, heróis e modelos que passam uma imagem de

liberação sexual, onde tudo é permissivo e possível, vendendo uma falsa imagem de super-

homens ou supermulheres, dando uma sensação de imbatíveis.

Outro ponto importante é a falta de informações dos pais de adolescentes, fator

primordial para compreendermos o que acontece de fato, pois os medos e receios do passado

poderão ser reflexos do que seus filhos passam no presente.

Como responder às inquietações dos seus filhos se no passado os pais sofreram com

as mesmas dúvidas? O tempo passa, mas as sensações são as mesmas. Grosso modo, a

puberdade será a mesma para todos que a vivenciam, pois é inerente ao desenvolvimento

humano, fazendo parte de seu crescimento. Perguntas sufocadas pelo tempo, escondidas nos

erros e acertos, sujeitos separados por um fator: geração. Logo, como esperar do adolescente

comportamento diverso se seus pais tiveram dificuldades em falar sobre sexualidade, quando

expostos pelo mesmo processo de amadurecimento?

Por outro lado, o acesso às informações, com esse mundo globalizado, torna os

meios de informações mais acessíveis, todavia, essas mesmas fontes são facas de dois gumes

já que o certo pode se tornar errado e o errado o certo, dependendo do ditame da moda.

Assim, tudo o que concerne ao sentimento de inquietude em relação aos desejos

sexuais são inerentes a qualquer ser humano. Muda o tempo, o sujeito, o objeto de desejo,

porém, o comportamento em relação aos medos e receios é apenas diferenciado pela geração

que vive na determinada dinâmica chamada tempo.

A realidade é que, socialmente, tenta-se esconder, mas temos um alto índice de

gravidez na adolescência. Dados de 2006 do IBGE apontam que 51,4% (1.512.374) dos

nascidos vivos notificados ao Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC) eram

filhos de mães com idade até 24 anos. Destes 0,9% (27.610) de mães de 10 a 14 anos; 20,6%

(605.270) de mães com idade de 15 a 19 anos; e 29,9% (879.493) eram mães com idade de 20

a 24 anos. Em 2000, esses grupos correspondiam, respectivamente, a 0,9% (28.973), 22,5%

(721.564) e 31,1% (998 523).

A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (IBGE, 2012) aponta que, para o Brasil,

28,7% dos adolescentes em idade escolar já tiveram relação sexual alguma vez na vida. O

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indicador corresponde a 40,1% entre os meninos e de 18,3% entre as meninas, nessas

proporções. Destes 30,9% se referem aos estudantes de escolas públicas e 18,2% aos

estudantes de escolas privadas. A Região Norte apresentou o maior percentual (38,2%) de

escolares para este indicador, seguida das Regiões Centro-Oeste (32,1%), Sudeste (29,1%),

Sul (27,3%) e Nordeste (24,9%). Ainda, segundo fonte estatística da Maternidade Escola, dos

5 (cinco) mil partos realizados na MEAC por ano, em média, cerca de 25% são adolescentes.

É nessa sociedade que somos criados e é para a sua própria sobrevivência que o

Estado existe, intervindo minimamente e garantido o bem-estar social. Tudo que ultrapassar

das garantias estatais ou da sua intervenção passa a não ser mais visto de maneira salutar para

os indivíduos que compõem essa dita sociedade.

Se a lei veio como meio de coibir os atos libidinosos contra menores de 14 anos, por

que os números de notificações ao Conselho Tutelar a cada ano só aumentam? Segundo dados

estatísticos da instituição pesquisada, se a Política Pública para adolescentes e jovens veio

para prevenir os agravos contra adolescentes e jovens será que os profissionais entrevistados

estão se emponderando dela? Como os profissionais da MEAC estão lidando com esse

paradoxo, lei versus Política Pública?

No próximo e último capítulo procuraremos analisar essas questões, pois estaremos

expondo justamente o que os profissionais da Maternidade Escola Assis Chateaubriand

pensam sobre o assunto.

Será através das respostas às perguntas, referentes ao assunto abordado, que

analisaremos a execução da lei de estupro de vulnerável entre a equipe multiprofissional,

fazendo um cotejo do que é oferecido dentro da política de atenção integral à saúde de

adolescentes e jovens, especificamente na área da educação sexual e sob a ótica desses

profissionais.

Identificaremos como a equipe multiprofissional compreende o dispositivo penal,

que versa sobre estupro de vulnerável, e verificaremos possíveis conflitos enfrentados pela

mesma para o cumprimento da lei, identificando fluxos e encaminhamentos da instituição

para o cumprimento do dispositivo penal.

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4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

A análise dos dados coletados emergiu como principal categoria nesta pesquisa sobre

a deficiência na formação dos profissionais da saúde, por focarem, mesmo após a reforma

sanitária, em práticas hospitalares curativas e não preventivas. Soma-se a consequente

dificuldade de desenvolvimento de práticas mais integrais e resolutivas de cuidado para

implementar atividades de promoção e prevenção, como preconiza as políticas públicas para

jovens e adolescentes, precisamente na área da saúde sexual e reprodutiva.

Quando falamos de cuidados com a saúde integral de adolescentes e jovens

precisamos de uma política que esteja sempre em sintonia com as necessidades vigentes,

focada no momento, modificando-se e em constante transformação no intuito de atender seus

objetivos de forma satisfatória.

O Ministério da Saúde, em 2007, lançou o marco legal: saúde um direito de

adolescentes, no sentido de concretizar o que havia sido preconizado pelo artigo 227 da

Constituição Federal, em 1988. Um pouco mais à frente, consolidado com a criação do

PROSAD em 1989, buscou também nortear os programas, projetos e políticas específicas

para esses sujeitos, apontando para um diálogo e sintonia com outros seguimentos sociais,

como as instituições hospitalares.

Segundo o documento, produzido pelo Ministério da Saúde, trabalhar as questões na

atenção à saúde dos adolescentes e jovens difere da assistência clínica individual e da simples

informação ou repressão.

O Manual do MS fala que o modelo de programas, projetos e política a ser

desenvolvido deve permitir uma discussão sobre as razões da adoção de um comportamento

preventivo e o desenvolvimento de habilidades, que permitam a resistência às pressões

externas, a expressão de sentimentos, opiniões, dúvidas, inseguranças, medos e preconceitos,

de forma a dar condições para o enfrentamento e a resolução de problemas e dificuldades do

dia a dia.

No conjunto de circunstâncias do debate sobre a saúde de adolescentes e jovens do

SUS, de acordo com a UFPNA (2013), os direitos sexuais e direitos reprodutivos dos mesmos

devem receber uma atenção especial para o fortalecimento da autonomia desses indivíduos.

Vejamos:

O reconhecimento dos direitos sexuais e reprodutivos entre os direitos fundamentais

da população jovem está alinhado aos compromissos assumidos pelo Estado

brasileiro durante a Conferência Mundial de Direitos Humanos, Viena 1993; na

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Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), Cairo 1994;

bem como aos princípios da Convenção para Erradicar, Sancionar e Punir a

Violência contra as Mulheres (CEDAW), também de 1994. Esses eventos e os

documentos dele derivados, em especial o Programa de Ação da CIPD, foram

essenciais para a inserção das e dos adolescentes como sujeitos do direito a saúde

sexual e reprodutiva a ser alcançado por normas, programas e políticas públicas.

(UFPNA, 2013, p. 21).

A família deve ser repensada como a primeira experiência em sociedade no sentido

de viabilizar o fortalecimento desses sujeitos de direitos políticos, pois a cidadania plena

depende de uma progressiva reformulação de conceitos.

Dadas essas considerações, neste capítulo colocaremos os relatos dos profissionais

entrevistados acerca da temática, esta já bastante discutida nos moldes teóricos e técnicos nos

capítulos anteriores.

Assim, tentaremos descobrir o grau de conhecimento do profissional da área da

saúde sobre o tema proposto, bem como perceber como estão sendo trabalhados esses

projetos, programas e políticas para adolescentes e jovens no ambiente hospitalar, a fim de

facilitar o acesso e diminuir as vulnerabilidades que a idade impõe. Dessa forma, será possível

notar quais sentimentos, medos, conhecimentos e receios estão inseridos no cotidiano desses

profissionais, resultados esses que serão discutidos à luz dos referenciais pesquisados.

Inicialmente realizou-se a captação dos dados sociodemográficos e dados

profissionais dos sujeitos da pesquisa. Como descritos na tabela a seguir:

Tabela 1 – Caracterização dos sujeitos da pesquisa. Fortaleza, 2017.

VARIÁVEIS FREQUÊNCIA(F) PORCENTAGEM (%)

PROFISSIONAIS (n=15) — 100

SEXO

Masculino 00 00,0

Feminino 15 100,00

FAIXA ETÁRIA

18 a 25 anos — —

26 a 35 anos 04 26,6

36 a 45 anos 04 26,6

Acima de 45 anos 07 46,6

ESTADO CIVIL

Casado 09 60,0

Divorciado 01 6,6

Separado — —

Solteiro 04 26,6

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União Estável 01 6,6

Viúvo — —

OCUPAÇÃO

Assistente social 03 20,0

Enfermeiro 03 20,0

Médico 04 26,6

Psicólogo 03 20,0

Técnico de Enfermagem 02 13,3

ÁREA DE TRABALHO

Ambulatórios 04 26,6

Emergência 04 26,6

Unidades de Internamento 01 6,6

UTI Neo 01 6,6

Sala de Parto 03 20,0

TEMPO DE INSTITUIÇÃO

Menos de 1 ano — —

1 a 5 anos 10 66,6

6 a 10 anos 02 13,3

Acima de 10 anos 03 20,0

TIPO DE VÍNCULO

EMPREGATÍCIO

Funcionário Público 03 20,0

Colaborador Terceirizado — —

Colaborador Celetista

(EBSERH)

12 80,0

Outros — —

VÍNCULO EMPREGATÍCIO

EM OUTRA INSTITUIÇÃO

Sim 07 46,7

Não 08 53,3

Fonte: Elaborada pela autora

Como se pode observar houve um predomínio dos respondentes do sexo feminino na

pesquisa de 100%. Essa hegemonia do sexo feminino é um reflexo das transformações do

mundo do trabalho. Na atualidade, verificamos a inversão da preponderância masculina, com

mudança do cenário que se configura na atualidade, como fenômeno mundial, segundo afirma

Bruschini:

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Panorama da situação das mulheres no mercado de trabalho brasileiro. Com base em

estatísticas oficiais, como as do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, do

Ministério do Trabalho e Emprego e do Ministério da Educação, o texto destaca

algumas das principais tendências da inserção laboral das brasileiras, que é marcada

por progressos e atrasos. (BRUSCHINI, 2012, p. 4).

A média de idade entre os entrevistados foi de 45 anos, variando entre 36 e acima de

45 anos. O estudo contou com a participação de 15 profissionais da área da saúde, que

compõem a equipe da Maternidade Escola Assis Chateaubriand, maior maternidade do Norte

e Nordeste.

Dentre os profissionais entrevistados foram escolhidos médicos, enfermeiros,

psicólogos, assistente social e técnico de enfermagem, separados por 5 (cinco) setores:

emergência, ambulatório, sala de parto, unidade neonatal e unidades de internação. Dos 15

profissionais, quatro (26,6%) são médicos, três (20,0%) são enfermeiros, três (20,0%)

assistentes sociais, três (20,0%) são psicólogas, duas (13,3%) são técnicas de enfermagem.

Quanto ao processo de contratação 80% são regidos pelo regime celetista,

concursados pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), empresa de direito

público privado vinculada ao Ministério da Educação, que é responsável pela gestão dos

Hospitais Universitários Federais do Brasil.

O MEC junto ao MPOG elabora a Medida Provisória n. 520, assinada em 31 de

dezembro de 2010, a qual autoriza o Poder Executivo a criar a Empresa Brasileira de

Serviços Hospitalares S. A. (EBSERH), que tem, entre outras competências,

administrar unidades hospitalares, bem como prestar serviços de assistência médico-

hospitalar e laboratorial à comunidade, no âmbito do SUS (BRASIL, 2010b).

Dos 15 entrevistados, 20% são profissionais efetivados por meio de concurso público

pela Universidade Federal do Ceará (UFC), regidos pelo Regime Jurídico Único (RJU), ou

seja, são servidores públicos federais estatutários.

Dos 15 profissionais que responderam à pesquisa 10 tinham tempo de serviço entre 1

(hum) a 5 (cinco) anos, equivalente ao percentual de 66,6%. Dentre o total dos profissionais

pesquisados 2 (dois) responderam ter entre 6 (seis) a 10 anos de serviço na instituição,

correspondendo a 13,3% do total. O restante dos pesquisados, que equivalem a 20% no total

de 3 (três), tem tempo de serviço acima de 10 anos.

O que se verifica, após análise destes dados, é que há predominância de profissionais

regidos pelo regime celetista em um hospital público federal, reflexo de uma política

privatista da saúde brasileira. Com o discurso de modernização dos hospitais universitários

brasileiros, a Empresa foi criada pela Lei 12.550, de 15 de dezembro de 2011, ao final do

governo de Luís Inácio Lula de Silva.

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Sob a justificativa de maior autonomia no uso dos recursos, legalização dos

contratos de trabalho e aprimoramento do processo de gestão das instituições de

ensino e saúde, o governo Lula se despede de seu mandato, deixando a herança das

Fundações Estatais de Direito Privado, ainda que sob nova roupagem: a EBSERH.

Após a rejeição da MP n. 520 no Senado, em 2011, o então presidente da República,

por meio da Lei n. 12.550, autoriza a criação da EBSERH, empresa com

personalidade jurídica de direito privado e patrimônio próprio. Com o discurso da

ineficiência da gestão pública e o alto custo dos hospitais federais, decorrentes da

burocracia da legislação brasileira, a EBSERH é apontada pelo governo como

"única" solução e tem ganhado espaço e adesão junto às universidades federais.

(SODRÉ, 2013, p. 365).

Diante deste quadro, justifica-se a maioria dos profissionais entrevistados serem

regidos pelo regime celetista em uma unidade do Complexo Hospitalar da Universidade

Federal do Ceará, instituição de ensino superior, constituída como autarquia educacional de

regime especial e vinculada ao Ministério da Educação e do Desporto, hoje, ligada à rede da

Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH).

No gráfico a seguir, questionou-se se os profissionais receberam treinamento

específico para trabalhar com crianças e com adolescentes.

Gráfico 4.1 – Distribuição dos profissionais segundo a realização de treinamento para

cuidado da criança e adolescente. Fortaleza, 2017.

Fonte: Elaborado pela autora.

Verificamos que dos 15 profissionais entrevistados seis (40%) receberam treinamento

específico para trabalhar com crianças e adolescentes. Deste total, somente dois (33,3%)

relataram ter recebido treinamento na MEAC, porém, informalmente. A maioria dos que

receberam orientações para lidar com crianças e adolescentes relataram ter recebido

treinamento em outras instituições por possuírem outros vínculos empregatícios ou procurado

curso de capacitação por conta própria, percentual equivalente a (66,6%).

Chamou-nos atenção o fato de uma instituição – que mantém um ambulatório

específico para crianças e adolescentes, único no Estado do Ceará – lidar com questões de

prevenção e complicações clínicas na sexualidade dentre outros. Nota-se que há pouca

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preocupação em disponibilizar treinamento para seus profissionais, que, diariamente, recebem

adolescentes e jovens à procura de cuidados ginecológicos e obstétricos, seja na parte

ambulatorial, seja na parte assistencial.

Ressalta-se a importância de que o profissional precisa estar capacitado para

trabalhar com determinado seguimento social, a fim de poder compreender e viabilizar o bom

andamento das ações. Segundo Pinho (2016), as ações estratégicas voltadas para a promoção

da saúde do adolescente devem requerer o envolvimento de sujeitos e coletivos, visando

desenvolver a autonomia. Dessa forma, compreende-se que a participação conjunta na

construção de ambientes saudáveis pode reduzir não somente o adoecimento, mas esse

comprometimento favorece, também, a sustentabilidade e a efetividade das ações

intersetoriais que podem se configurar no SUS.

Como dito anteriormente a instituição pesquisada tem em seu portfólio um

ambulatório específico para crianças e adolescentes criado nos moldes do PROSAD, que a

colocou como uma maternidade de referência no Estado do Ceará, mantendo o atendimento

infanto-puberal destes 1985.

Com uma equipe multi e interdisciplinar, focada na melhoria da qualidade de vida do

indivíduo e da coletividade, a Maternidade Escola tornou-se referência no atendimento desse

seguimento no sentido de instituir uma Educação Sexual como um processo de transmissão e

de transferência, isto é, um processo de caminho cumulativo.

A Educação Sexual está voltada para a melhoria da qualidade de vida do individuo e

da coletividade. Ela utiliza os grandes ensinamentos da Educação Preventiva

Integral e, atraves da expressão de um comportamento sexual sadio, procura

combater, de modo efetivo, a gravidez indesejável a transmissão das DSTs/AIDS, ao

mesmo tempo em que fortalece o individuo contra a ilusão do uso das drogas,

estimulando a criação de valores positivos de convivência. A família, a escola e a

sociedade são as instituições básicas para o desenvolvimento das ações educativas.

(BRASIL, 1994, p. 7).

Infelizmente, essas ações ainda se mantêm pelo comprometimento de profissionais,

que fizeram parte nos idos da implantação da política na instituição. Todavia, se não houver

investimento em capacitação suas práticas poderão se perder no tempo, pois os novos

profissionais que estão sendo inseridos no quadro de funcionários da instituição não estão

sendo treinados ou capacitados, como mostram as respostas. Por consequência, com o tempo,

poderá perder seus objetivos que levaram a criar um ambulatório específico para crianças e

adolescentes, ainda modelo de atendimento no Estado do Ceará.

Percebeu-se também que nove (60%) dos entrevistados nunca receberam treinamento

para trabalhar na faixa etária da clientela abordada. O que confirma as ponderações analisadas

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e debatidas ao longo deste trabalho sobre as prioridades das políticas públicas específicas

voltadas para tutelar criança e adolescente. Legado esse deixado pelo constituinte originário,

que preconiza

como sendo dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao

adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à

alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao

respeito, a liberdade e a convivência familiar e comunitária’ [...] (ARTIGO 227 da

CF/88).

Os números refletem também as mudanças que sofreram os hospitais universitários,

após a lei 12.550, já comentada anteriormente, norma que criou a EBSERH, renovando

através de seleção pública, a força de trabalho dos Hospitais Universitários, quando indagados

sobre o tempo de serviço na instituição, corroborando com a nova face dos Hospitais

Universitários brasileiros, já analisada em poucas linhas neste trabalho por não ser o foco

principal.

Verificamos que (66,6%) dos profissionais que responderam à pesquisa tem de 1

(hum) a 5 (cinco) anos de serviço, ou seja, dos 10 profissionais que responderam (o

equivalente a 66,6%) tem menos de 6 (seis) anos de serviço na instituição. Além disso,

constatou-se a falta de treinamento para os profissionais que entraram após o conjunto de

ações empreendidas pelo Governo Federal no sentido de recuperar os hospitais vinculados às

universidades federais. Dentre essas ações, a composição do quadro de pessoal deficitária pela

precarização. Vejamos:

Os Hospitais Universitários Federais, espalhados pelo território brasileiro,

totalizando 46, apresentam problemas comuns, como: o quadro de servidores

deficitários, fechamento de leitos e serviços, sucateamento de aparelhagem e espaço

físico, flexibilização e precarização dos recursos humanos (DRAGO, 2012, p. 30).

Devemos estabelecer ações para poder superar os desafios no avanço nas políticas

públicas de proteção e garantia de direitos, trabalhando com o foco de priorizar um país livre

da miséria. Lembrando: adolescentes e jovens que também estão nas famílias mais pobres, o

que exige um olhar específico e políticas públicas específicas voltadas para essa população.

Uma das formas de solucionar a carência de treinamento entre os profissionais da

saúde, focando nas questões de sexualidade – como determina a Política de Educação Sexual

para adolescentes e jovens do Governo Federal – seria a obrigatoriedade na grade de ensino,

seja no ensino superior ou em cursos profissionalizantes, debates sobre questões de

sexualidade humana. Isso no sentido de não apenas voltar para o ensino de doenças, agravos

ou transtornos da área da saúde em geral, mas para a abordagem de assuntos específicos da

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sexualidade dos seres humanos, desmistificando mitos e tabus a respeito do tema e retirando

valores e pré-conceitos de crenças silenciosas26

criadas ao longo dos séculos.

O MS descreve que a ocorrência de gravidez entre menores de 18 anos tem que ser

abordada e tratada diferente da gestação de um adulto pelas seguintes razões:

•Pela complexidade da situação, marcada pela dependência da família, pela falta de

autonomia financeira e de espaço próprio, pelas dificuldades nas relações pessoais e

sociais e por contextos de violência doméstica e urbana;

•Porque a família geralmente se constitui como uma determinante central,

exercendo forte pressão sobre as decisões de manter ou interromper a gravidez,

sobre o processo de assistência, a relação conjugal e o estilo de vida do casal durante

e, se for o caso, depois da gravidez e do parto;

•Pelas especificidades da própria faixa etária, em especial a compreendida entre os

10 e os 14 anos, que exige uma assistência à saúde diferenciada tanto para o pré-

natal quanto para o parto, o puerpério e a contracepção;

•Por estarem em processo de crescimento e desenvolvimento biopsicossocial,

adolescentes de ambos os sexos podem apresentar pouca maturidade emocional para

as decisões que devem ser tomadas no processo e para as mudanças advindas com a

maternidade em condições como as descritas anteriormente (BRASIL, 2012).

Por esses e outros motivos que o profissional precisa estar preparado para o

enfrentamento das vulnerabilidades em decorrência da idade.

Os profissionais entrevistados, quando abordados sobre o conhecimento de políticas

públicas de saúde sexual para adolescentes e jovens do Governo Federal, 8 (oito), isto é,

53,3% das respondentes (mais da metade das pesquisadas) afirmaram “desconhecer “ou “não

saber nada” sobre as políticas públicas voltadas para a juventude. Cenário que reflete uma

sociedade que por muitos anos não reconheceram os jovens como sujeitos, mas objetos de

direito. Neste ponto emergiu um fator importante e limitador da pesquisa: como indagar e

questionar os profissionais entrevistados sobre as Políticas Públicas voltadas para

adolescentes e jovens? Se desconheciam o que está sendo feito a nível federal, estadual e

municipal a este seguimento social?

A sociedade precisa estar em sintonia com as ações governamentais, não só no que

rege direitos de adolescentes e jovens no ordenamento jurídico brasileiro. Precisa estar atenta

para saber o momento de exigir e não somente permanecer em sua zona de conforto.

Todos os dispositivos elencados nesta pesquisa convergem para que a sociedade

esteja atenta às políticas públicas para jovens, que na atualidade ainda se constituem como um

desafio ao exercício pleno da cidadania.

26 Crença silenciosa é a aceitação tácita de evidências que nunca questionamos porque nos parecem naturais,

óbvias (CHAUÍ, 1995, p. 8).

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A seguir, elencamos nas próximas falas, algumas respostas das profissionais

entrevistadas sobre as Políticas Públicas do Governo Federal27

e programas para adolescentes

e jovens:

“Não sei se isso e política, mas nos dias atuais, o governo insere os adolescentes

com certa autonomia para decidir sobre sua vida sexual e planejamento familiar. A

opinião, ideias e pensamentos dos adolescentes são respeitados, garantindo o

segredo medico e o acesso a saúde”. (E1).

“Saúde na escola, Estatuto da Criança e do adolescente”. (E10).

“A Política Nacional de Humanização (PNH) no que se refere ao adolescente; já

ouvi falar do PROSAD; Assistência ao adolescente em situação de vulnerabilidade;

proteção ao adolescente, vítima de violência sexual; Disque denúncia e Disque 100”.

(E8).

“Diretrizes para a saúde integral do adolescente; linha de cuidados em situação de

violência; Programa Saúde do Adolescente e o Estatuto da juventude”. (E7).

“Conheço apenas o PROSAD”, só lembro-me deste agora”. (E15).

“Conheço o PROSAD, atraves de ações pontuais voltadas para a prevenção de

agravos. Como não trabalho diretamente com este público, não conheço com mais

detalhes sobre a execução dos programas”. (E6).

“A única política que me vem a mente neste momento e a Saúde do Adolescente”.

(E11).

O quadro de respostas teve pouco conteúdo pela dificuldade da coleta nesta

questão.28

Assim, 7 (sete) das profissionais entrevistadas pediram para pular a pergunta por

não terem opinião formada sobre o assunto e não se sentirem aptas a responder, alegando

complexidade do tema.

As profissionais também foram perguntadas sobre o conhecimento específico do

Programa Saúde do Adolescente (PROSAD).29

Dentre elas, 9 (nove) alegaram desconhecer o

programa. Argumentando dificuldade na resposta, paramos por momentos o roteiro das

perguntas para explicar sobre Política Pública, a quem se destina e seus objetivos. Tais

resultados estão apresentados a seguir:

“Na realidade, eu nunca li sobre o programa, conheço atraves de propagandas e nas

conversas em ambiente de trabalho”. No entanto, sem me aprofundar no assunto.

[...]” (E11).

[...] “Ações de prevenção e gestação precoce” [...]. (E13).

27 Você conhece alguma Política Pública de Saúde para Adolescentes e jovens do governo federal?

28 Quais políticas públicas o governo federal disponibiliza para adolescentes e jovens.

29 O que você conhece sobre o Programa Saúde do Adolescente (PROSAD) do Governo Federal? Que tem como

objetivo promover a saúde integral de adolescentes e jovens favorecendo o processo geral de seu crescimento e

desenvolvimento, formulando uma política nacional a ser desenvolvida a nível Federal, Estadual e Municipal?

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“Ações de prevenção as doenças sexualmente transmissíveis” [...] “Assistência ao

pré-natal e pós-parto”. (E1).

“Acredito ser uma política de proteção a agravos e promoção da saúde a jovens e

adolescentes” [...]. (E4).

[...] “Não conheço sua efetividade, nem o que e feito no município de Fortaleza a

respeito... sei que tem algumas metas referente à gravidez precoce, sexualidade,

mais voltada para atenção básica... Estimular o protagonismo juvenil. O principal

seria conhecer ações efetivas, mas desconheço em Fortaleza. Exceto a elaboração da

caderneta do ou da adolescente. Também existe o programa saúde na Escola. Diante

dos desmonte das políticas públicas, no atual governo, não sei se continua este

programa”. (E5).

“Conheço as ações do governo que são desenvolvidas na atenção básica, vacinação,

prevenção de Infecções Sexuais Transmissíveis; as desenvolvidas nas escolas; saúde

do adolescente, enquanto tema transversal; as que usam o Estatuto da Criança, como

asseguradora de direitos; prioridade no atendimento médico” [...]. (E8).

“Em teoria nada, mas já ouvi falar”[...]. (E12 ).

“São um conjunto de diretrizes que buscam a saúde, na sua ação mais ampla, dos

adolescentes. Engloba desde o ambiente escolar, direito ao atendimento médico,

vivência da sexualidade, avaliação de riscos ou vulnerabilidades deste grupo”.

(E10).

Mesmo após uma breve explanação sobre o PROSAD, percebemos o grau elevado de

desconhecimento sobre a matéria. Achávamos que a incompreensão poderia ter sido pela

complexidade das perguntas. Mas o que percebemos é que em muitos momentos houve

confusão quando abordamos o tema Política Pública para Adolescentes e jovens. Com a

exceção de (E10), que refletiu uma compreensão sobre a política bem diferenciada dos outros

profissionais. Isto é, ele não seguiu à maioria: demonstrou segurança na resposta e coerência

em suas colocações.

Na sequência, dos 15 profissionais entrevistados 8 (oito) não responderam a

pergunta. Na realidade pediram para pular a questão. Dos 7 (sete) profissionais que

responderam 2 (dois) afirmaram desconhecimento do programa governamental e 2 (dois)

responderam de forma vaga sobre o assunto. Somente 3 (três) responderam de forma coerente.

Chegamos aqui em um dilema: como o profissional pode ter conflitos se a grande maioria

desconhece a política pública?

Quanto às ações que a MEAC viabiliza para programar as políticas públicas para

jovens e adolescentes no município de Fortaleza, a mais lembrada entre os profissionais

entrevistados foi o planejamento familiar para adolescentes pelo fato da instituição

disponibilizar um ambulatório para crianças e adolescentes. Dentre os 15 profissionais

entrevistados 9 (nove) fizeram referência ao mesmo.

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Esse aspecto é reflexo de uma política educativa voltada à prevenção dos agravos e

riscos inerentes aos jovens, planejada nos princípios do PROSAD, pois o ambulatório foi

criado na década de 80, sofrendo uma forte influência da nova tendência mundial à época,

tratando criança e adolescente não mais como objetos mais sujeitos de direito. Os achados

estão descritos no gráfico a seguir:

Gráfico 2 – Apresentação das ações desempenhadas pela MEAC para programar as políticas públicas para jovens

e adolescentes segundo os participantes do estudo. Fortaleza, 2017.

Fonte: Elaborada pela autora.

Com uma equipe multi e interdisciplinar, voltada para a melhoria da qualidade de

vida do indivíduo e da coletividade, a Maternidade Escola tornou-se referência no

atendimento desse seguimento no sentido de instituir uma Educação Sexual, como um

processo de transmissão, de transferência e um processo de caminho cumulativo.

No Brasil, os adolescentes e jovens (de 10 a 24 anos) estão expostos às mais elevadas

taxas de mortalidade por causas externas. Além do que, a fecundidade das mulheres nessa

faixa etária, atualmente, tem contribuído para o aumento da gravidez na adolescência

(BRASIL, 2010). Portanto, devemos fomentar momentos seguros e de acolhimento no pré-

natal, garantindo seu seguimento e estimulando o seu retorno através das palestras educativas

atreladas ao acolhimento.

Portanto, o acesso a serviços de saúde que acolha as necessidades e seja eficaz na

integralidade da atenção à saúde e nas especificidades que essa faixa etária exige é

imprescindível para a efetivação das diretrizes dispostas na Política Nacional de

Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens. (PINHO, 2016, p. 11).

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Não é tendência as escolhas dos espaços públicos, como os serviços de saúde, pelos

adolescentes como espaços de trânsito. Por conseguinte, é indispensável que nas ações,

programas ou políticas de saúde possam ser formuladas estratégias para encontrar esse

adolescente e não afastar de dentro da unidade.

Segundo Pinho (2016) é importante que você consiga conhecer e compreender o

adolescente e entender os espaços que ele frequenta para organizar todas as ações de saúde

voltadas para esse público. Ainda segundo a autora:

No modelo de atenção integral à saúde, o propósito é que o profissional possa

ampliar suas possibilidades de atuação, tendo foco não somente no indivíduo, mas

que possa compreender que a organização dos serviços e o conhecimento da

realidade são instrumentos potencialmente capazes de modificar suas práticas.

Trazendo essas reflexões para a assistência à saúde do adolescente, o que deve ser

compreendido é que o profissional da saúde deve pautar sua conduta considerando o

meio ambiente como um fator de importância capital na compreensão da

problemática do adolescente. (PINHO, 2016, p. 16).

A equipe de saúde deve, portanto, ser capaz de compreender que a necessidade dos

jovens em relação às questões que envolvam saúde está muito mais voltada a assuntos de

ordem subjetiva, como: busca de compreensão das mudanças vividas, autopercepção,

orientações, sexualidade, dentre outras (SILVA; RANÑA, 2006).

Outro ponto de extrema relevância foi conhecer a cognição dos profissionais

entrevistados sobre a lei 12.015/09, especificamente, sobre a redação do artigo 217-A. Segue

trechos das entrevistas apresentadas abaixo:

“Sei que aos menores de 14 anos e crime ter relações sexuais ou qualquer ação que

desperte o desejo da criança”. (E11).

“Sei que e crime ter relações sexuais ou outro ato libidinoso com menor de 14 anos”.

(E10).

“É considerado crime ter relação sexual ou ato libidinoso com adolescentes abaixo

de 14 anos. O governo vê os adolescentes menores de 14 anos como incapazes para

decidir sobre sua vida sexual nessa faixa etária, pois poderiam ser facilmente

manipulados e induzidos a isso”. (E12).

“Tenho conhecimento que existe uma lei que resguarda o menor de crimes sexuais”.

(E5).

“Compreendo que seja enquadrado como estupro, quando ocorre relação sexual

envolvendo menores, mesmo que tenha sido consentida pela adolescente”. (E2).

“Esta lei configura o ato sexual, as relações sexuais, com menores de 14 anos, como

crime de violência sexual, estupro hediondo, inafiançável”. (E3).

“Conheço superficialmente. Sei que a relação mesmo consentida tem que ser

notificada para órgãos competentes, com a finalidade dos mesmos tomarem

intervenções necessárias”. (E6).

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“A lei considera crime, ou seja, estupro de vulneráveis, manter relação sexual com

menores de 14 anos. A lei não tem como parâmetro qualquer outra argumentação a

não ser a idade. A idade e o elemento central para esse entendimento”. (E4).

“A lei e bastante clara! Não deixa margem para interpretações. Para a lei, menor de

14 anos não tem discernimento para consentir, embora a realidade atual, com a

gravidez cada vez mais precoce, precisou encontrar estratégias eficazes, não

somente para a proibição, mas a educação, formação dos adolescentes e seus

familiares”. (E1).

“Eu conheço a lei, ela garante as crianças e adolescentes o acesso a profilaxia das

doenças sexualmente transmissíveis, ao aborto legal, no caso de gestação, ao

atendimento multiprofissional.”. (E9).

“Mesmo que com 12 ou 13 anos, a menina permita ou deixe o ato sexual e crime. A

idade manda, e uma criança, não pode ter idade para consentir mesmo”. (E8).

“Não conheço detalhes, o que sei e que e crime por já ter escutado falar sobre o

assunto” (E7).

Dos 15 (quinze) profissionais entrevistados 86,6% responderam conhecer a lei30

e a

redação do artigo. Já 13,3% dos entrevistados disseram não ter a mínima ideia da lei e nem da

redação da mesma, configurando-se que o desconhecer da lei não é fator que limite a

aplicação do dispositivo penal na instituição pesquisada.

Em outra análise – e nem pode ser alegado, pois nenhum cidadão poderá alegar

desconhecimento da lei para poder aplicá-la –, Greco (2009) descreve que ninguém pode

alegar o desconhecimento da lei como tese de defesa, pois o Código Penal, art. 21, dispõe que

o desconhecimento da lei é inescusável.

A lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Decreto-lei nº 4.657, de 4 de

setembro de 1942, em seu Art. 3º prescreve: “Ninguem se escusa de cumprir a lei, alegando

que não a conhece”. Para o exercício da cidadania, portanto, o conhecimento da legislação

sempre é importante e fundamental, pois somente assim poderemos fazer com que nossos

direitos sejam respeitados e assegurados.

Assim, quando se fala em sociedade é necessário ter o mínimo conhecimento de

que para tal entidade social evoluir. Desse modo, faz-se necessário a ocorrência de

códigos que regulam e norteiam a vida dos indivíduos pertencentes àquele grupo social

chamado de sociedade. Nota-se ainda que a legislação em países de direito escrito e com

30 Qual seu conhecimento sobre a lei 12.015 de 07 de agosto de 2009 que inseriu o artigo 217-A no Código Penal

Brasileiro, que trata do crime de “estupro de vulnerável”? Que tem como redação: “Ter conjunção carnal ou

praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos”? Melhor explicando: (Ter relações sexuais, MESMO

CONSENTIDA, ou outro ato que venha satisfazer o desejo sexual do agente ativo, isto é, satisfação de seus

desejos ou apetite sexual com menor de 14 anos).

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Constituição rígida31

é a principal fonte formal estatal de controle das ações praticadas

pelos cidadãos.

Dadas essas considerações, o que verificamos pelas respostas dos profissionais é que

eles podem até não ter profundo conhecimento da lei, porém, nenhum profissional relatou

desconhecimento do dispositivo penal, fator importante para execução social de uma lei.

No ano de 201632

a MEAC notificou ao conselho tutelar 59 casos de abuso de

vulnerável e, até julho deste ano, já tinham 46 casos registrados, ou seja, os casos notificados

no meio do ano de 2017 já quase superam do ano todo de 2016.

Quadro 1 – Notificações ao Conselho Tutelar, distribuídos por ano.

Ano Ano Jan/Jun.

Notificações por categorias 2015 2016 2017

S. Social 02 44 39

Psicologia 08 15 05

S. Social/Psicologia 00 03 00

Enfermagem 00 00 02

Médico/Outras 00 00 00

Total 10 62 46

Fonte: Psicossocial MEAC, 2017.

Corroborando com as resposta da entrevista33

, sobre a obrigação de notificação ao

Conselho Tutelar, verificamos que o ônus da notificação é delegada ao Serviço Social (ver

falas dos entrevistados). Ao analisarmos o número de notificações por categorias

profissionais, notamos que o assistente social é o profissional mais acionado para realizar este

tipo de atendimento, fato que não desobriga outros profissionais por não ser atribuição

privativa da profissão, ou seja, qualquer profissional pode e deve notificar. Vejamos:

No Brasil, os maus-tratos contra a criança só passaram a merecer maior atenção no

final dos anos 80. Nessa época, os maus-tratos foram tratados na Constituição

Federal (art. 227) (Brasil, 1988) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

(Brasil, 1990), que tornaram obrigatória a notificação de casos suspeitos ou

confirmados (art. 13), prevendo penas para os médicos, professores e responsáveis

por estabelecimentos de saúde e educação que deixassem de comunicar os casos de

seu conhecimento (art. 245) (...) A legislação sobre maus-tratos no Brasil tem

adotado como parâmetro o modelo americano no que diz respeito à obrigatoriedade

de notificar estabelecida para profissionais, à necessidade de encaminhamento da

notificação a um organismo designado em lei e à punição para o profissional que

não notifica. (GONÇALVES, 2012, p. 316).

31 Constituição Rígida é a somente alterável mediante processos, solenidades e exigências formais especiais,

diferentes e mais difíceis que os de formação das leis ordinárias ou complementares. 32

Fonte Serviço Social da MEAC. 33

Você sabia que ao atender uma menor de 14 anos grávida, mesmo não tendo sofrido violência sexual, é

obrigado (a) notificar este atendimento ao Conselho Tutelar do Município de origem, do bairro ou Regional da

Instituição que houve o atendimento?

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Como percebemos no quadro acima, o número de notificações compulsório, ao

Conselho Tutelar, só cresce. Até junho o número de notificações já estava na casa das

quarenta notificações quando observamos o quadro do ano passado. Número esse expressivo,

visto que só estava no meio do ano vigente.

Esse dado só corrobora com a ideia de que as políticas de educação sexual, junto à

norma posta desde 2009, não estão atingindo seu objetivo. Nem quanto à prevenção da

gravidez precoce entre os adolescentes e nem quanto a coibir, imputando como crime,

qualquer ato libidinoso com menor de 14 anos.

Diante do já exposto, mostraremos no quadro a seguir a percepção dos profissionais

acerca da notificação compulsória ao Conselho Tutelar diante de uma relação consentida.

Quadro 2 – Percepção dos profissionais frente à notificação compulsória ao Conselho Tutelar. Fortaleza, 2017.

Fonte: Elaborada pela autora.

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Sobre a aplicação da ficção jurídica34

da lei 12.015/09, que veio para proteger os

menores de 14 anos dos crimes de pedofilia35

, quando não há violência se deveria haver

criminalização. Dos profissionais entrevistados 7 (46,6%) responderam que “sim”. Notou-se

também que a categoria “maturidade intelectual para tomada de decisão é muito importante”

estava presente em quase todas as respostas e o contexto que os fatos aconteceram.

Percebemos que outra categoria “relatividade” estava muito presente, uma vez que

nada pode ser rígido. Destacaram-se também expressões como dos propósitos do “rapaz”; das

“Condições sociais dos dois”, do “cumprimento da lei pela lei” e “responsabilizar e modificar

os meios de comunicação pela perversidade e impiedade, como tratam os jovens”; “mais

condições as famílias na assistência aos seus filhos”.

Outra categoria bastante lembrada entre as entrevistadas foi família, o núcleo

familiar, o pai e a mãe que não dedicam tempo para ficar com os filhos. Outro elemento que

ficou bem claro nas respostas dos profissionais foram as instituições responsáveis por esse

seguimento social, o Poder Judiciário na figura juizado do menor e os Conselhos Tutelares,

escola e comunidade.

A família, ainda se figurando como a primeira escola e na falta dela uma sociedade

anencéfala, onde dos que se lembraram dessa categoria, colocaram o problema e a solução na

mesma, atribuindo a responsabilidade da educação sexual dos filhos à célula familiar.

Vejamos o que fala Oliveira:

A gravidez e o risco de engravidar podem também estar associados a uma baixa

autoestima, ao funcionamento intrafamiliar inadequado ou à menor qualidade de

atividades do seu tempo livre. A falta de afeto e apoio da família, em uma

adolescente cuja autoestima é baixa, com mau rendimento escolar, grande

permissividade e disponibilidade inadequada do seu tempo livre, poderiam induzi-la

a buscar na maternidade precoce um meio para suprir suas carências, conseguindo

um afeto incondicional, talvez uma família própria, reafirmando assim o seu papel

de mulher, ou sentir-se ainda indispensável a alguém. (OLIVEIRA, 2013, p. 45).

Verificamos que 3 (três), isto é, 20% dos entrevistados no momento do depoimento

não souberam responder à pergunta, preferindo pular a questão, enquanto 5 (cinco), ou seja,

33,3% responderam que: “não deveria ser crime, quando consentida a relação sexual”,

34 Nesse sentido disserta Borges: Ficção jurídica é um conceito criado pela doutrina do Direito para explicar

situações que aparentemente são contrárias à própria lei, mas que precisam de soluções lógicas, satisfazendo os

interesses da sociedade. 35

A lei 12.015/09, veio para proteger os menores de 14 anos dos crimes de pedofilia, na sua opinião: se uma

menor de 14 anos tiver relação sexual com uma pessoa maior de 18 anos, sem violência, essa ação deveria ser

criminalizada, porquê?

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“poderia não ser compulsória a notificação, pois deveria haver a avaliação do contexto, de

como ocorreu o fato, dando importância na avaliação psicológica e social”.

Estas foram colocações predominantes e as mais lembradas nas respostas. Soma-se

que a aparente maturidade foi fator que fez com que o profissional de saúde ponderasse em

dizer que: “se a adolescente apresentar um desenvolvimento corporal e se houve

consentimento dos pais e uma relação com o rapaz de forma respeitosa”, o fato deveria ser

considerado, inclusive, sem o aval da família. Nesse caso, seria dada prioridade à questão de a

jovem ter maturidade para poder consentir com o ato sem a interferência de terceiros.

Os entrevistados, quando indagados sobre o consentimento da relação, 40%

afirmaram que sendo consentida não há nenhum problema. Porém, o que nos chamou atenção

foram as profissionais que afirmaram que, se o consentimento viesse da família, o problema

estaria resolvido. Isso significa que o consentimento da família supre o da adolescente,

significando na realidade que 53% dos entrevistados, ou seja, mais da metade não veem

problema nenhum quando uma adolescente menor de 14 anos pratica relação sexual

consentida.

A nova tipificação penal deu-se, assim, de forma objetiva, sem qualquer ilação sobre

a presunção de violência, superando-se a polêmica, tendo a lei vedada objetivamente

à conduta de ter conjunção carnal com menor de 14 anos. Diz-se tenha o legislador

imprimido um “verdadeiro golpe de mestre” na discussão quanto a validade da

presunção nos crimes sexuais, não se podendo, a partir de então, falar em alguma

presunção, mas simplesmente na existência de uma proibição legal com sanção

penal para aquele que pratique essas espécies de condutas. (REVISTA JURÍDICA

ESMP-SP, v.5, 2014, p. 69-98).

Dos outros profissionais somados, 47% deles disseram que, mesmo consentida pela

menor, consideram abuso o ato sexual. Isto é: pelas respostas, mais da metade não veem como

crime o ato sexual praticado por menor de 14 anos se houver consentimento. Senão, vejamos:

Têm-se como foco da polêmica os casos em que a vítima, menor de 14 anos, já

experimentara relações sexuais anteriores, mormente crianças e adolescentes

prostituídos, tendo, assim, consentido com a prática sexual. Para aqueles que

advogavam a tese da presunção relativa, comprovada situação em que a vítima

apresentara vida sexual ativa – ausente o constrangimento, restaria apenas à

absolvição do réu –, posto não se configurar a elementar violência. Para aqueles, por

sua vez, que se filiavam à corrente da presunção absoluta, a demonstração de

aspectos subjetivos da vítima que concluíssem pela ausência de violência real não

seria obstáculo à condenação. (MONTEIRO, 2014, p. 72).

Nota-se, assim, que a situação da família expressa a possibilidade da prática sexual

na adolescência em motivações inconscientes de afeto.

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Este é mais um reflexo da educação de pais modernos, onde a busca de melhor

qualidade de vida faz com que pai e mãe fiquem mais tempo fora de casa e muitas vezes os

valores como a moral e a ética, que foram perpassados de pai para filho, fiquem no passado.

Um momento marcante do estudo foi quando se questionou a existência de

conflitos36

dos profissionais na implementação da lei 12.015/09 tais achados estão descritos a

seguir:

“Sim, porque muitas vezes esses homens que despertam a libido ou mesmo tem

relações sexuais é de comum acordo com as adolescentes, isso torna difícil ser

tratado como crime”. (E1).

“Verifiquei que a dificuldade e que, muitas vezes, o homem que se relaciona com a

pessoa com menos de 14 anos é o provedor de toda a família extensa, da pessoa

menor de 14 anos, em alguns casos, à tira também de uma situação de violência

intrafamiliar”. (E2).

“Não tenho dificuldades, pois não trabalho diretamente com menores nesta

situação”. (E3).

“Acho que um ponto de conflito enfrentado no dia a dia profissional e a

compreensão da equipe multiprofissional de que é necessário notificar. Nem todos

os profissionais acham necessária a notificação”. (E4).

“Aqui na MEAC não sinto dificuldades, porém em alguns serviços por onde já

trabalhei, eu tive sim, muita dificuldade”. (E5).

“Sim primeiro por se tratar de algo trabalhoso, e com implicações legais, pois nem

todo profissional se disponibiliza a notificar e informar ao Conselho Tutelar, ficando

um ônus para poucos, além de fazer outras orientações a adolescente e seus

familiares a gente ainda tem que notificar. Segundo por se tratar de algo ainda não

muito bem trabalhado na sociedade, existem muitas dúvidas sobre a lei”. (E6).

“Sim, tenho muitas dificuldades, conflitos pessoais em fazer a notificação, em uma

hora você atende a adolescente e a família, cria vínculos, daqui a pouco comunica

que terá que notificar ao conselho tutelar porque a garota é menor de 14 anos, muitas

vezes o companheiro está do lado, como vou dizer isso pra ele e pra ela, é difícil...”

(E7).

“Na realidade, essa parte e mais vista pela assistente social, confesso que não me

sinto inserida nesse contexto, nesse fazer profissional. Na maioria das vezes, a

adolescente está acompanhada pelos familiares ou por seu parceiro... sei que é pra

notificar, mas delego esse ônus a assistente social. ” (E8).

“Sim, porque muitas vezes a atribuição de identificar, notificar e encaminhar fica

exclusiva de uma categoria profissional, mas a lei não fala que tem que ser

notificada por categoria A ou B, a notificação é de qualquer profissional”. (E13).

“Enfrento sim, pois observo nas adolescentes abaixo de 14 anos com maturidade e

um alto grau de comprometimento com sua saúde. Fica difícil classificar como

estupro a vida sexual desses adolescentes, quando não há violência. Fica difícil,

entender uma lei que te ordena de forma compulsória notificar, quando claramente

eles optam por seus relacionamentos”. (E15).

36 Respostas dos profissionais que responderam sim ao enfrentamento de dificuldades ou conflitos na

implementação da lei 12.015/09.

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As falas nos remetem aos conflitos enfrentados diariamente pelos profissionais da

saúde, sob a égide das políticas públicas dos jovens e adolescentes, entrando em choque com

as limitações que a lei 12.015/09 impõe aos mesmos. De um lado o fazer educativo,

preventivo e, do outro, o repressivo coercitivo.

Gráfico 3 – Notificação compulsória ao Conselho Tutelar. Fortaleza, 2017.

Fonte: Elaborada pela autora.

Quando os profissionais da área da saúde foram perguntados sobre a obrigação de

notificar de forma compulsória ao Conselho tutelar às menores após a consulta foi respondido

que: sete (46,6%) dos profissionais entrevistados responderam que sempre comunicavam ao

Conselho. Outros dois (13%) afirmavam que sabiam, porém, nem sempre comunicavam. Já

outros dois (13,3%) dos entrevistados relataram que sabiam, porém, nunca comunicavam. Por

fim, dois (13,3%) dos profissionais não sabiam que precisavam notificar o caso ao Conselho

Tutelar.

Ao fazermos uma comparação do gráfico, que mostra sobre o conhecimento da lei

12.015/09 entre os profissionais entrevistados, podemos verificar que a não notificação nem

sempre é por desconhecimento da lei, visto que 13 (86%) dos entrevistados afirmam ter

conhecimento sobre a redação da lei. Porém, a maioria dos respondentes não sabem que o

órgão responsável, em primeiro momento, seria o Conselho Tutelar para a partir de então dar

seguimento ao processo de encaminhamento a outros órgãos competentes, como o Juizado da

Infância. Ação que reflete o que é certo fazer, mas que nem sempre é observada na prática

diária.

Quando indagadas sobre se as instituições hospitalares estão preparadas para essa

nova realidade – todo atendimento a menor de 14 anos grávida, mesmo sem violência, deveria

ser notificado ao Conselho Tutelar – catalogamos algumas falas dos entrevistados:

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“Sim, enquanto não ficar oficializada por súmula vinculante, prevalece à lei e a lei

deve ser cumprida”. (E11).

“Quanto as outras instituições, não sei responder. Mas quanto a MEAC, com certeza

é uma instituição bem preparada para notificar ao Conselho Tutelar”. (E10).

“Não sei dizer das outras com profundidade, mas pelo que vejo aqui na MEAC pelo

o envolvimento da equipe, com certeza. Não há preparo nem nas instituições, seja

ela hospitalar ou jurídica, nem na família, que a meu ver é o berço das instituições.

Pois e nela que se começa a moldar o caráter de todo ser humano”. (E15).

“Não, vejo que nenhuma está! Com esta sociedade contaminada, cheia de vícios,

levamos a mesma sociedade que está lá fora, pra cá, pra dentro dos muros da

MEAC, e de qualquer outra instituição. Você tira os problemas pelas instituições

brasileiras, a maioria falida, reflexo de uma sociedade alienada”. “Ainda não estão

preparados, muito menos os profissionais, uma vez que a sociedade acha natural

quando a menor realiza o ato sexual, só causa polêmica quando e um ato forçado.”

(E15).

“Sim, está! Acho que está. É uma maternidade grande, com uma equipe

multidisciplinar bem grande também (Creio que sim, pelo menos, é pra estar

preparada”...). (E6).

“Não conheço outras realidades, mas na MEAC não há consenso entre os

profissionais, alguns notificam, outros são omissos, por quererem ser omissos, não

querem sair da sua zona de conforto, por medo? Enfrentar o companheiro? A

família? O namorado? Alguns acreditam que está relacionado diretamente com a

liberdade da adolescente em fazer suas escolhas, acredito nisso... cada um deve ser

livre para poder escolher, onde está o direito a privacidade? Outros acreditam que é

quebra de sigilo profissional. Mas muitas vezes está relacionado ao

desconhecimento”. (E3).

“Acredito, sinceramente que não, se nós não estamos as instituições tambem não!

Recebemos na MEAC, inúmeras crianças e adolescentes de outras instituições que

não fazem este tipo de atendimento, quando converso com alguns colegas sobre este

fato – atender menor de 14 anos grávida e falo que é crime- eles me ignoram, dizem

que não vão perder tempo com isso, e me perguntam: onde estão os transgressores

deste tipo de crime, estão presos? Se forem prender, vai faltar cadeia”. (E2).

“Não, não estamos nós preparados, imagine os hospitais, a família que e o berço da

educação, isso tambem e falta de educação, estrutura familiar”. “Em minha opinião

deve haver um esclarecimento Multidisciplinar’, ou seja, diversos setores da

Instituição independentemente de participarem do atendimento direto, ou seja, uma

abrangência multi-setorial”. (E1).

“Não, o Estado joga a lei, mas não nos preparam pra isso, pensam que e só fazer lei,

jogar na sociedade e pronto, como um passe de mágica tudo acontece. Existem

instituições que já fazem essa abordagem. Resta saber como essas informações são

conduzidas, muitas vezes passamos informações através de formulários e não

obtemos retorno. Tem que funcionar a multidisciplinaridade”. (E9).

“Tenho conhecimento que a MEAC está se preparando por ocasião da contratação

de mais funcionários pela EBSERH, entretanto não houve capacitação para esses

novos profissionais, ainda nesse assunto, eu mesma já tenho dois anos de MEAC,

ainda não recebi capacitação, nenhuma! Sei sobre esse assunto porque escuto dos

outros profissionais mais antigos que é obrigado à notificação ao Conselho Tutelar,

eu mesma quando entrei não sabia sobre essa obrigação, também me formei e logo

entrei pelo concurso da EBSERH”. (E11).

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“Nenhuma instituição hospitalar está preparada, nenhuma! Não estão preparadas

para notificar todas as pacientes menores de 14 anos grávidas, isso não existe, os

hospitais vivem lotados, ninguém vai perder tempo notificando todas menores que

chegam grávidas, hoje tem crescido muito o número de menores grávidas, muitas

delas nem aparentam a pouca idade, se formos notificar tudo (...). Por enquanto não

estão cientes da nova realidade, e as implicações da lei. Reflexo da sociedade que

vivemos”. (E13).

“Acredito que não! Nem todo profissional acredita que e necessário notificar ou se

prontificar para isso, visto que a relação é consensual... se é consensual não houve

violência. Qual a violência? Hoje está tão comum o sexo entre os adolescentes, a

virgindade caiu em desuso. Preparadas não estão mesmo, faz-se necessário à

presença de pessoas que conheçam a lei e que nos falem sobre ela e suas

implicações”. (E1).

“Na realidade a lei deve ser divulgada para ser cumprida. Confesso que tive

conhecimento da lei durante essa entrevista. Mas eu acredito que a partir do

momento que o homem assume a adolescente, não há que intervir na vida dos dois.

Os profissionais devem ser capacitados para não estarem julgando essas menores e

sim orientá-las a se cuidarem durante o ato sexual”. (E14).

“Não estão preparadas. Nossos medicos em sua maioria se recusam a fazer o aborto

legal. Imagine outras coisas. As instituições estão longe de estarem preparados,

reflexos da omissão social. O que acontece é que estamos enxergando, mas não

queremos ver, os tempos são outros a sociedade mudou. As instituições não estão

preparadas porque a própria sociedade também não está. Se a criminalização

resolvesse, seríamos o país mais bem organizado do mundo, não é impondo leis que

a indivíduo internaliza o fazer ou o não fazer. Se lei resolvesse não estaríamos nesse

caos! Mas de uma maneira geral, a MEAC, está! ” (E6).

“Confesso que fico alheia”. Não fico perguntando a Assistente Social se ocorreu a

notificação ao Conselho Tutelar. Me esquivo, talvez por acreditar que a

responsabilidade seja do serviço social, mas de outra forma... a assistente social não

está vendo meu atendimento, como ela vai adivinhar? Estou sendo omissa (...).

(E11).

“Acredito que nem todas as instituições estão preparadas. Só fiquei sabendo da

obrigação dos profissionais, através dessa pesquisa. Acho que nossa obrigação é

orientar a família quanto à lei. E estas procurarem os órgãos competentes para

aplicar tal medida”. (E7).

Notamos precariedade em capacitação na área, pois os profissionais reconhecem a

falta de conhecimento do tema e demostram que a grande maioria das entrevistadas acha que

as instituições não estão preparadas, por vários fatores, dentre os citados, à infraestrutura e ao

lidar com a natureza humana, como um todo, a fim de melhor servir à sociedade. Fator esse

que é preocupante por denotar o despreparo dos profissionais da saúde em lidar com essa

clientela, que cresce cada vez mais em busca de atendimento especializado na área de

obstetrícia.

Ao analisarmos algumas falas, notamos a necessidade de capacitação entre os

profissionais entrevistados, que reconhecem ter na equipe multiprofissional uma boa

ferramenta para o aprimoramento do atendimento. Porém, é notória a ausência de

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aprofundamento da temática, faltando-lhes fundamentação para a problemática da gravidez na

adolescência, dentre outras já citadas:

Gravidez e o risco de engravidar podem também estar associados a uma baixa

autoestima, ao funcionamento intrafamiliar inadequado ou à menor qualidade de

atividades do seu tempo livre. A falta de afeto e apoio da família, em uma

adolescente cuja autoestima é baixa, com mau rendimento escolar, grande

permissividade e disponibilidade inadequada do seu tempo livre, poderiam induzi-la

a buscar na maternidade precoce um meio para suprir suas carências, conseguindo

um afeto incondicional, talvez uma família própria, reafirmando assim o seu papel

de mulher, ou sentir-se ainda indispensável a alguém (OLIVEIRA, 2003, p. 12).

Essa realidade chama atenção uma vez que os serviços públicos, tradicionalmente,

têm se caracterizado por um perfil de usuários de poder aquisitivo abaixo da classe média;

muitas delas, retornado no ano seguinte e buscando novamente a consulta de pré-natal,

mesmo sendo disponibilizados métodos contraceptivos.

A não procura aos postos de saúde é muitas vezes fundamentado pelo não

atendimento de suas necessidades específicas pelo Serviço de Saúde. Aspecto esse decorrente

das grandes mudanças biológicas, psicológicas e sociais pelas quais estão passando. Seriam

esses outros motivos que levariam as jovens adolescentes a “esconder” o maior tempo

possível seus medos e anseios sobre sua sexualidade e gravidez. Além dessa contribuição, o

serviço de saúde também tem sua parcela de responsabilidade na ocorrência desse tipo de

gravidez na medida em que raramente promove ações educativas de prevenção e orientação

voltadas para o público adolescente jovem.

O crescente desenvolvimento tecnológico e o alto custo dos serviços de saúde e da

medicina privada nos leva a pensar numa melhor qualidade de serviços. Só não dizem como e

onde a população terá recursos para pagar por esses serviços, assim como não expõe o que

significa saúde e educação, por exemplo, vistas como mercadoria (PAIM, 2002).

Esse crescimento também parece ter contribuído para mudar o perfil dos usuários,

englobando os segmentos de classe média, que, apesar da dificuldade de acesso ao sistema

público, têm preferido este atendimento. Considere-se, ainda, que a despeito das dificuldades

enfrentadas este Sistema tem buscado sua melhoria e investido em qualidade no atendimento

à população. Nesse sentido, o SUS prevê a estruturação universal no acesso igualitário no

atendimento assistencial e equânime na distribuição dos recursos (BRASIL, 1993).

Este contexto de mudança coloca o desafio para as instituições hospitalares buscarem

conhecer, com mais profundidade o perfil das adolescentes, suas necessidades e significados a

fim de realizar uma abordagem focada em sua dinâmica. Observemos, agora, o quadro a

seguir:

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Quadro 3 – A lei 12.015/09 veio para proteger os menores de 14 anos dos crimes de pedofilia, em sua opinião:

se uma menor de 14 anos tiver relação sexual com uma pessoa maior de 18 anos, sem violência, essa ação

deveria ser criminalizada, por quê? Fortaleza, 2017.

53% Responderam: NÃO, porque37

:

47% Responderam: SIM, por que:

“Porque os menores de 14 anos são bem

orientados quanto à educação sexual. Muitas delas se

prostituem ou praticam atos libidinosos com idosos

só por dinheiro. Iludidas jamais!” (E14). ·.

“Pelo simples fato de ser menor de idade, ser

incapaz de consentir”. (E3).

“Se foi consentida ela já não e mais inocente”.

(E13).

“Porem e uma prática rotineira, nas famílias.

Ficando complicado para as próprias pessoas

permitirem a criminalização diante da legislação

vigente. Por se tratar de pessoas que já fazem parte

do dia a dia da família, já se criou vínculos

familiares”. A lei tem que ser melhor divulgada. (E5). “Não porque, mesmo com menor de 14 anos, eles

já têm discernimento para a prática de atos sexuais,

se já podem até sofrer medida sócio educativa,

segundo o próprio Estatuto (Estatuto da Criança).

Porque não consentir com o seu corpo?!” (E1).

“Porque esse procedimento iria inibir outros

casos”. (E2).

“Se a relação for consentida, não deve ser

criminalizada, pois a menor de 14 anos, na sociedade

atual, e consciente e sabe o que está fazendo”. (E8).

“Já e uma lei vigente”. Apesar de mal divulgada.

(E11).

“Deveria existir mecanismos educativos desde a

tenra idade para evitar que o fato ocorresse, Começa

a prevenção na família”. (E10).

“Porque a lei existe para ser cumprida”. (E4).

“Não conheço o vies da lei. Gostaria de saber

lidar com esse tipo de situação. Entende-se que

menores de 14 anos mesmo bem instruídas ainda não

conseguem decidir pelo que e melhor para si”. (E6).

“Acho que sim, porem deve ser divulgada. No

caso as adolescentes também devem ser instruídas

com (Educação Sexual)”. (E7).

“Punição criminal, acho muito pesado uma vez

que foi com consentimento da menor, mas deveria

ter um acompanhamento psicossocial, seria uma boa

alternativa, pois muitas vezes destes atos surgem às

gravidezes. Trabalho para as equipes

Multidisciplinares”. (E9).

“Pelo risco de gravidez. Uma gravidez indesejada

é uma condição de pobreza para a família e para a

adolescente. Gravidez precoce é um desastre, pois

este ser humano irá pular etapas de sua formação

como ser humano”. (E15).

“Sendo consentida não há desacordo social ou

uso de força, abuso. Assim sendo, não existe Crime”.

(E12).

Fonte: Elaborada pela autora.

Verifica-se, ao observar o quadro, que apesar de 47% dos profissionais da saúde

terem assinalado que, mesmo sendo consentida a relação, o sujeito ativo deve sofrer sanção

penal, pois há crime. Nota-se, ainda, que no momento de argumentar o porquê de estarem

escolhendo essa opção, faltaram-lhes argumentos. Não vislumbramos segurança em suas

colocações, muitas vezes, deixando a resposta vaga sem muito aprofundamento ou convicção.

E15 toma uma postura de não ser a favor pelo risco de gravidez, que gera pobreza,

(“queimará etapas [...]”). Isto e, em momento algum colocou a sua argumentação por achar

abuso o ato sexual em menor de 14 anos.

37 Respostas dos respondentes com relação a criminalização do ato sexual consentido.

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111

Já E11, corroborando com E7, também se preocupa com a educação sexual. Sem

citar sua reprovação ao sujeito ativo pelo fato do ato sexual, segue em suas colocações que a

lei deve ser divulgada. Todavia, será que com mais divulgação da lei teremos o

recrudescimento dos casos de gravidez precoce?

A entrevistada E5 reconhece ser uma prática rotineira atender adolescentes menor de

14 anos grávida, apesar de valores éticos intrínsecos tomarem posicionamento favorável à

criminalização do agente ativo.

Assim, mesmo todos esses entrevistados tendo tomado partido pela criminalização

do ato, verificamos uma fuga na argumentação, transparecendo pouco conhecimento do

assunto abordado. Apesar do lidar diário com essa clientela, a rotina não os permitiu um

aprofundamento do assunto.

As próximas respostas terão a finalidade de analisar se os profissionais entrevistados

consideram se a lei 12.015/09 facilitou a implementação das políticas públicas para

adolescentes e jovens.

Quadro 4 – Respostas dos profissionais acerca da lei 12.015/09. Fortaleza, 2017.

33,3% Responderam: NÃO

66,6% Responderam: SIM

“Ate o momento não vejo mudanças, ela, a lei é

muito pouca conhecida, principalmente pelas

próprias adolescentes. Falamos em protagonismo

juvenil; mas não facilitamos o conhecimento das

próprias leis, nem os políticos o fazem. Garantir

direitos está relacionado a conhecimento e também

condições de vida da população, sobretudo às que

se encontram em situação de vulnerabilidade”.

(E13).

“Não sei ate que ponto. Ainda não liguei uma coisa a

outra. A resposta é difícil, não sei avaliar. Até porque

vejo de forma reservada a referida lei”. Mas acredito

que sim. (E1)

“Vejo que não facilita em nada, a implementação da

Política Pública. Essa lei é muito complexa, de

difícil entendimento”.(E14).

“Acredito que sim! Não sei opinar sobre isso”. (E5).

“Não! Melhor dizendo para deixar mais claro. Pois

o não, por si só, não seria suficiente (...). Em parte

não! Tomar a idade cronológica como recorte num

país de tanta diversidade sociocultural não é à

medida que teria maior impacto para esse objetivo.

Porém, concordo que ao inibir os possíveis

agressores ela se torna importante”. (E10).

“Acho que sim! Difícil falar sobre isso. Não sei de

forma aprofundada sobre as políticas públicas

destinadas aos jovens. Sinceramente, não sei fazer o

parâmetro das duas coisas, podemos pular essa

resposta?”. (E6).

“Não, porque tira o poder de decisão desses

adolescentes. Seu direito à autonomia e segredo

ético. Além de ofertar mais para esses adolescentes

da política de PREVENÇÃO à GRAVIDEZ e isto

“Acho que sim! No momento não sei como responder

essa pergunta. Vixe (...) que difícil. Nunca pensei nisso.

Olha como estamos despreparados, não sabemos nem

falar da política pública. E olha que trabalhamos com

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112

se é crime ela ter relação sexual, como falar de

métodos contraceptivos e conduta de risco com esse

grupo? Acabam se tornando um público com

maiores riscos a essa realidade. Daqui a pouco falar

de gravidez entre os adolescentes, será fazer

apologia à gravidez. Definitivamente, não vejo que

a lei facilite a implementação da lei, pelo

contrário”!(E11).

eles (Jovens e adolescentes). Preciso de ajuda para

responder essa pergunta (...)” (E7).

Nunca li a lei em sua íntegra. Mas partindo do

princípio do que sempre acontece no Brasil, creio

que a lei deve ser interessante no papel, mas está

muito aquém da nossa realidade, tornando-a

inviável, ou quando se concretiza; não ocorre de

forma completa. ”(E4).

“Não sei responder essa pergunta, me falta

embasamento pra isso”. (E2).

“Não percebo uma interferência ou prejuízo a

implementação da política pública. Vejo como um

instrumento que veio resguardar os direitos desse

público”.(E3).

“Avalio que seja apenas uma normativa para a política

pública. Difícil dizer (...) preciso de ajuda para

responder essa pergunta (...). É uma norma que ajuda

na sua implementação. Simples assim!”(E8).

“Sim ajuda, só não sei detalhar que tipo de ajuda. Mas

se é lei, deve ajudar. A política Pública precisa da ajuda

da sociedade, e quando a sociedade tem leis que

possam ser aplicadas, e bem aplicadas ajuda e muito”.

(E9).

Sim, acho que ajuda. Não sei bem fazer a comparação

da lei com a política, pois não tenho domínio de

nenhum dos dois assuntos. Aí fica difícil a gente falar

de algo que não domina, e principalmente comparar

uma com a outra, impossível fazer isso.” (E12).

“Sim, com certeza ajuda! Ajuda e fundamenta a visão

de crime nesses casos. Já é uma ajuda quando existe

lei.” (E15).

Fonte: Elaborada pela autora.

Apesar de termos uma média de respostas de 66,6% dos entrevistados, afirmando

que a lei supracitada veio para facilitar a política pública – contra 33,3% contrários a esta

afirmativa – a consistência dos discursos dos profissionais que negaram essa afirmativa teve

um volume maior em suas fundamentações.

Portanto, os argumentos empregados dos 2/3 dos entrevistados, em sua grande

maioria, afirmaram não conhecer a Política Pública e nem a lei, precisando de mais

fundamentação para opinar acerca do assunto. Mesmo assim, afirmaram que a lei veio para

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113

facilitar a Política Pública, tornando o discurso no mínimo contraditório. Como posso afirmar

que algo veio para facilitar se desconheço o assunto? Isso, mais uma vez, afirma a

necessidade de treinamento para os profissionais que atendem adolescentes e jovens nesta

instituição, pois quando passamos a entender o problema38

, enfrentamos melhor, procurando

soluções.

Apresentaremos a seguir as falas das entrevistadas quando indagadas sobre a lei que

regulamenta o crime de estupro de vulnerável e como a mesma interage com as políticas

públicas destinadas às adolescentes e jovens.

“Ainda precisa haver políticas públicas destinadas as adolescentes e jovens. É

necessário preparar melhor os profissionais de saúde para compreender e praticar o

funcionamento da lei, independente de seus conceitos intrínsecos com relação ao

assunto abordado. Sabe-se que são bastante altos os índices de estupro em crianças e

adolescentes, principalmente praticados por alguém da família. Inserir este assunto

como problema social político dentro das instituições hospitalares é viável. Deve

haver mais divulgação. A lei existe, é um fato, mas poucos a conhecem ou a

compreendem.” (E1).

“Em primeiro lugar, acredito que a medida que os profissionais, família,

adolescentes, tomarem conhecimento da lei, poderemos repensar em algumas ações

educativas, mas, sobretudo de promoção à saúde. As condições de vida destes

adolescentes, estão relacionados com educação, moradia, segurança, etc. A saúde

não pode ser reduzida à ausência de doença, nas condições em que vive a população,

promover a intersetorialidade e interdisciplinaridade, que é um objeto da política

pública, vai fazer com que as condições de atendimento melhorem, ratificando o seu

objetivo, da implementação da educação sexual em unidades de saúde. Isso faria

com que o conhecimento da educação sexual, pudesse auxiliar no recrudescimento

da gravidez em menores de 14 anos. Se ELE (o profissional) tem respaldo legal.

Deve sim notificar, mas uma notificação consciente, notificação que estará ajudando

a resolver problemas, e não criar problemas.” (E15).

“Acho que interage muitas vezes de forma negativa, causando afastamento do

homem do universo do pré-natal, do acompanhamento da mãe, do bebê. O homem já

é tão ausente nesse acompanhamento da gestante. Por isso tem que ser visto caso a

caso. deveremos orientar a família quanto ao artigo da lei que protege o menor de 14

anos. E a família procurar (se decidir) denunciar o indivíduo à justiça. Acho que

seria dever do profissional, quando a situação não fosse consentida ou não tivesse

discernimento. É um pouco contraditória as coisas, o Estado dá com uma mão e tira

com outra. Tipo assim, organiza as políticas públicas, pra garantir direito, como

exemplo o pré-natal, mas quando estou fazendo o pré-natal, estou lá garantido o seu

direito, aí chega o momento de falar em Conselho Tutelar, em justiça, eu nem falo,

encaminho pro serviço social. É muito desgastante notificar esses casos, se fosse eu

não voltaria pra outra consulta de pré-natal” (E14).

38 Podemos definir problemas, dando margem a várias interpretações, como: um estado subjetivo da mente, algo

pessoal de cada indivíduo, um desafio, uma situação não resolvida, cuja resposta não é imediata, que resulta em

reflexão e uso de estratégias conceituais e procedimentais, provocando uma mudança nas estruturas mentais.

Vejamos alguns autores com suas definições de problemas: Hennig (1998) define problema como uma situação

de dúvida, ou seja, um estado de tensão psicológica capaz de estimular a curiosidade, o pensamento reflexivo e

provocar a ação em busca de uma solução ou atitude de trabalho. Perales (1993) considera o problema como uma

situação qualquer que produz, de um lado, um certo grau de incerteza e, de outro, uma conduta em busca de uma

solução. Gil Pérez et al. (1992) consideram problema como uma situação para a qual não há soluções evidentes;

já Hayes (1980) definiu problema como a fenda que separa um estado presente de um estado almejado.

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“A lei favoreceu uma serie de ações para criança e adolescentes, vítima de estupro,

na área da saúde, assistência social. Mas prejudica quando há uma obrigação em

notificar ao Conselho Tutelar, e houver a possiblidade de ser aberto um inquérito

policial. Esse engessamento da lei ficou ruim. Acredito que não deveria ser uma

obrigação se notificar quando a adolescente está vivendo maritalmente e o homem

assume com toda responsabilidade. Os menores com 14 anos já não são mais

inocentes, o que deveríamos ter era mais educação em saúde, principalmente, nas

comunidades mais carentes e esquecidas pelo poder público. Deveria sim haver lei

mais severa para aqueles homens que não assumem suas responsabilidades perante a

menor e o bebê, mas retificando o que eu disse, não é lei mais severas que

precisamos, precisamos é o cumprimento das leis que já existem. Enfim, não acho

que essa lei anda junto com as políticas públicas destinadas a esse público em sua

plenitude, na área social, há falhas em muitos pontos, e não é enrijecendo uma lei

que todos os males serão resolvidos.” (E2),

“A partir do momento que a relação é consentida, não precisaria ser notificada, pois

a menor já vive maritalmente com o seu parceiro, e assim deve ser consciente dos

seus atos. A política pública vem pra ampliar direitos e não diminuir ou restringir. A

meu ver, essa lei do jeito que está não faz parceria com os objetivos da política

pública para os adolescentes e jovens, no sentido de ampliar as medidas educativas

na área da sexualidade. E a lei poderia ajudar como uma normatização no

atendimento e acompanhamento do adolescente, coisa que não faz, só atrapalha.”

(E11).

“Creio que sim, devemos notificar. Porem gostaria que o tema fosse estudado em

grupo para alinhar as ações. O governo tem algum programa para tal? Digo

específico para esse proceder? Procurando assegurar os direitos dos adolescentes

menores de 14 anos? Ou só fica impondo lei e a sociedade que se vire em cumprir o

que fora imposto. É muito fácil formular leis e políticas públicas quando não dá

suporte pra coisa. É assim; ‘veja sociedade estou fazendo a minha parte, agora se

vire para fazer a sua’. A meu ver há um conflito da política com a lei, apesar de não

ter um conhecimento aprofundado dos dois temas, mas vivo esse dia a dia, e vejo

que a coisa é complicada para os profissionais que lidam com adolescentes menores

de 14 anos que estão grávidas” (E10).

“Os Conselho Tutelares são poucos e despreparados para intervir em um assunto tão

complicado, o que adianta uma lei dessa ser tão rígida. Até o judiciário é

despreparado para a própria lei. Tem que ser avaliado o contexto familiar e

psicológico do fato. Não adianta nada ter uma política pública se o governo não dá

suporte para os profissionais poderem programar com plenitude, falta tudo, muito

bom tudo no papel, tudo é lindo redondinho, quero ver as avaliações disso tudo lá na

ponta onde estamos, mas isso não dá voto, quero ver as ações”. (E12).

“É complicado opinar sobre isso, acho que interage positivamente, porem em apenas

algumas instituições, quando na verdade deveria amplamente ser adotada para outras

instituições. Veja bem, a coisa funciona aqui, mas trabalho em outro lugar, não vejo

nada disso. Mas como pode? A lei não está pra todos? veja como a coisa não

funciona uniforme? Daí a gente atende uma adolescente, faz tudo redondinho, como

a lei manda, correndo o risco dela não voltar para a próxima consulta de pré-natal ou

o se houver o próximo parto, a instituição e seus profissionais ficam estigmatizados,

já ouvi relato de acompanhantes e até de pacientes, dizendo que aqui na MEAC,

chamamos o Conselho Tutelar pra tudo. Isso não é bom, quando fazemos o que é

certo, o que a lei manda. Em contrapartida outras instituições não fazem a mesma

coisa, e não vejo punição para isso. Não há fiscalização, então as pessoas não ligam

em fazer, só quando tem um comprometimento, como eu vejo aqui nas equipes

multiprofissional da MEAC. Em caso de lei, devemos notificar ao Conselho Tutelar

para posteriormente serem apurados e averiguados os casos de abuso ou extorsão de

alguma espécie. Cabe também, a nós, manter sigilo pessoal. Embora consentida,

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pode haver casos de “trocas de favores” entre o menor ou seus parentes e o parceiro,

por isso sou a favor que notifique. Em todo lugar que olhamos há corrupção.” (E3).

“No que concerne a identificação, avaliação criteriosa, preenchimento dos

instrumentais adequados, informações ao Conselho Tutelar, interage bem. Mas a

meu ver, existem casos e casos, deveria haver um consenso e analisar cada situação,

mesmo porque são menores, mas como foram criadas? O que a família consente?

Muitas vezes a mãe desta, iniciou sua vida sexual precocemente. Então quando o ato

não é criminoso é necessário avaliar todas as partes para que haja entendimento, pois

muitas vezes essas adolescentes estão iniciando uma família após esse ato sexual e

será que não irá virar um ciclo vicioso? Precisaria haver uma ampla educação

sexual, para a diminuição dos índices de gravidez precoce entre esse público, o que

adianta só criar lei? Não adianta de nada, se você pegar o histórico dessa menor, vai

ver que a mãe dela engravidou muitas vezes na mesma idade” O que adianta eu fazer

todos os trâmites legais como falei no início, se não vemos retorno de tudo isso.

Nossos poder judiciários está abarrotado de ações, se formos colocar em prática, as

cadeias vão ficar hiper lotadas mais ainda, e o qual foi o benefício gerado por isso?

Vai melhorar o atendimento das futuras gestantes? Das não gestantes? Essa interação

deveria ser assim: pronto, vamos fazer isso, porque a lei manda, porque bem aqui

vai melhorar na política pública nesse momento aqui. Eu não visualizo nada disso.

Só vejo preenchimento de papel. (E4).

“Vai ajudar na interação no que diz respeito a prevenção e diminuição do número de

gravidez na adolescência. Acho que os profissionais devem ser instruídos e ter um

instrumento para notificação respaldado na lei. Caso tenha serviço social na

instituição, esse profissional é o mais adequado para proceder com a notificação.

Fazendo conforme essa lei reduzirá os casos de pedofilia.” (E5).

“Esta lei e totalmente contrária às políticas públicas para o adolescente, deixando

essas adolescentes menores de 14 anos muito mais vulneráveis.” (E6).

“Acredito que há situações em que ela se torna positiva; por exemplo: ao inibir a

ação de pedófilos e/ ou pessoas que visam aproveitar-se da pouca maturidade dos

menores de 14 anos. Porém, nos casos em que o adolescente se encontra

cognitivamente apto e capaz de emitir e tomar decisões. A lei pode desconstruir a

vivência de uma sexualidade sadia e integrada, ao conceituar o ato, a relação sexual

como criminosa e ao expor a intimidade da adolescente, podendo transformar o que

seria um momento sadio e bom, a ser recordado, em uma violência traumática. Não

devemos notificar todo atendimento, depende do caso, se for estupro, sim! O sigilo

profissional vai além dessa lei, pois em primeiro lugar, a menor está à procura de

atendimento obstétrico, ou seja, precisa de uma dupla proteção, atendimento pra ela

e para um ser que ainda nem nasceu. Diante disso, como ficamos ao dizer: ‘diante

do que ouvi e vi, agora tenho que comunicar ao Conselho Tutelar o seu caso, pois o

seu companheiro cometeu um crime em manter relações sexuais com você’. A

jovem, nunca mais iria procurar aquele serviço, e se estivesse procurando para um

pré-natal, deixaria com certeza de buscar novamente proteção para ela e seu filho.

Devemos sopesar o que seria melhor, acho uma lei fora da realidade. (E7).

O que se verifica nas falas, mais uma vez, agora sobre a lei 12.015/09, é um

sentimento de despreparo diante dos fatos do que tange a lei. Observa-se claramente nas

indagações a necessidade de um suporte nessa seara, algo que procuramos mostrar nessa

pesquisa.

Portanto, a sexualidade ainda é um tabu e não só para as maiores de 12 e menores de

14 anos de idade. Falar sobre sexualidade ainda não é uma tarefa fácil, nem mesmo entre

profissionais da saúde. Sobre esse aspecto, segundo Foucault (1984, p. 15), haveria duas

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formas de apropriação da sexualidade por saberes: via uma scentia sexualis e uma ars erótica.

Enquanto para a ars erótica prevaleceria a preocupação com o prazer e com a subjetividade,

para a scentia sexualis a tônica seria o discurso científico e a preocupação com a reprodução,

afirmando o lugar da medicina no disciplinamento do corpo.

Segundo Cortez e Souza (1997, p. 11-24) ainda hoje, na escola, a ênfase seria tratar

sexualidade por tal via, informando que progressivamente o discurso médico fosse substituído

pelo discurso pedagógico ou que “o sexo se transformasse em assunto pedagógico”.

Separamos as falas das profissionais da saúde sobre o que elas poderiam citar sobre

quais políticas públicas poderiam ser mantidas ou criadas para auxiliar a sociedade na

prevenção da gravidez precoce. Vejamos suas respostas no tópico a seguir:

“Acredito que não há necessidade de criar algum projeto. O que deve ocorrer e faz-

se necessário é uma educação continuada e rotineira, pois infelizmente, as propostas

são boas, mas os índices continuam altos, devido a questões culturais e raciais, e

estes são difíceis de serem identificados”. (E3).

“Melhorar as condições de vida da população, mudar de sistema capitalista para

outro sistema que não seja baseado na exploração do homem pelo homem. Mas até

lá, precisamos fortalecer a compreensão que não há futuro no país que não invista na

infância e na juventude e no respeito aos idosos, e nem nos direitos do cidadão.

Precisamos favorecer a articulação da juventude, como autores de sua própria

história”. (E1).

“Acredito que o esclarecimento sobre os metodos contraceptivos e orientações sobre

os cuidados com o corpo”. (E14).

“Primeiramente, definir gravidez precoce e multiplicar as ações de informação sobre

seus riscos e agravos. Políticas de educação sexual que valorizassem a vivência da

intimidade desprovida do medo de adoecer ou engravidar, mas cultivando a vivência

do sexo seguro por um prisma positivo, que estimule o cuidado para melhorar a

qualidade de vida e não pelo medo do desfecho negativo. Políticas que estimulem o

cuidado com o sexo seguro para uma vida melhor, e não pelo medo de um futuro

difícil”. (E15).

“Programas de educação sexual na escola a partir de 11 ou 12 anos. Autonomia do

adolescente, sem julgamentos de valores. Oferecer acesso ao atendimento

multidisciplinar, com linguagem clara, e própria ao adolescente. Oferecimento de

métodos contraceptivos, principalmente os métodos contraceptivos de longa

duração”. (E2).

“Grupos de Educação em saúde na atenção primária em parceria com as escolas.”

(E5).

“As que existem bastam! Só e preciso efetivá-las. As políticas públicas no Brasil,

enquanto estão na moda, na ‘crista da onda’, são eficientes; passado o tempo, caem

no esquecimento ou marasmo”. (E4).

“Em minha opinião, deveriam ser mantidas: o ensino profissionalizante e o acesso

aos métodos contraceptivos; mais incentivo à educação, no sentido de favorecer o

entendimento das populações mais carentes. A orientação e o acesso ao

conhecimento podem prevenir a gravidez precoce. O acesso à saúde e a educação

contribuem para isso”. (E6).

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“O que deveria ser criado, em minha opinião, seria programas efetivos de educação

da população jovem, oferecendo perspectivas profissionais e de fácil acesso para

todos”... (E8).

“Fortalecimento de uma política pública para atendimento do adolescente.

Fortalecimento da integração das políticas e do trabalho multi”. (E9).

“Educação em saúde no ensino fundamental e medio; programas junto as famílias

que tenham meninas, para apoiar aos pais na educação sexual das mesmas”. (E10).

Ainda sobre o assunto podemos observar no gráfico a seguir, sobre esse dever

profissional, que:

Gráfico 4 – Dever profissional.

39 Fortaleza, 2017.

Fonte: Elaborada pela autora.

Assim, das competências dos profissionais entrevistados 2 (dois) deles (13,3%)

responderam não ser Dever do profissional e nem acreditam ser da responsabilidade do

profissional da área da saúde a notificação aos órgãos competentes. Vejamos suas respostas:

“Não! Porque há situações em que a adolescente tem plenas condições de tomar a

decisão sobre quando e como iniciar sua vida sexual e nestes casos não cabe à

criminalização. Essa minha resposta tem fundamento no seguinte ponto: a

instituição Conselho Tutelar, não está capacitada, muitas vezes, para a resolução de

situações que seriam de sua competência. Porque precisamos caminhar para a

construção de políticas públicas que visem a maior integração e bem-estar da

população e tentar diminuir aquelas que exercem o controle do Estado sobre o

corpo. Porque uma vez que a multidisciplinariedade é uma realidade na construção

de políticas públicas em saúde, os casos deveriam ser analisados individualmente; e

em equipe multidisciplinar serem acompanhados. A equipe definiria quais casos

seriam notificados e quais casos não se enquadrariam em estupro de vulnerável.”

(E13).

“Não deve ser notificado ao Conselho Tutelar de forma compulsória, de jeito

nenhum! Cada caso é um caso, que deve ser analisado de forma individual, não

39 Resposta dos entrevistados após um breve conhecimento do estudo, se saberiam detalhar quais os limites do

“Dever Ser profissional” diante da lei 12.015/09, que versa sobre “Estupro de Vulneráveis”, diante da Ética

Profissional x Lei, deve-se ou não notificar compulsoriamente ao Conselho Tutelar todo atendimento a menores

de 14 anos grávidas com relação SEXUAL CONSENTIDA?

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podemos generalizar as coisas, e nem tão pouco vidas! Devemos analisar o benefício

dessa notificação. Porém alguns casos são necessários realmente, e nestes, lógico,

devemos notificar. Os casos de estupro, esses sim! Não se pode nem pensar duas

vezes. Mas os casos que nos deparamos todos os dias, que ela vem acompanhada por

seus companheiros, já vivem até de forma marital, esses nem pensar, pode é ter lei

que diga que tem que notificar, mas eu não faço. Tem tanta coisa errada neste país

que não e pra ser feita, mas fazem”. (E11).

Dos outros profissionais, 4 (quatro), ou seja, 26,6% responderam não ser da sua

competência, mas delegam a outros profissionais a notificação. Ao serem indagados quais

profissionais elegeriam para essa notificação a grande maioria dos entrevistados responderam

ao profissional do serviço social.

A lembrança dos profissionais da área de Serviço Social se caracterizou, dentro das

respostas, como os mais procurados e lembrados pelos entrevistados por eles entenderem ser

atribuição dos mesmos realizarem as notificações. Configurou-se, ainda, como o

direcionamento da maioria dos casos ao profissional do Serviço Social como grande

responsável pelos encaminhamentos ao Conselho Tutelar nesta instituição hospitalar.

Vejamos as respostas:

“Verdadeiramente falando em meu trabalho atual, não me preocupo muito com essa

temática, pois deixo a cargo do profissional assistente social, que já realiza essa

busca rotineira. Realmente, quando estou avaliando às puérperas, e percebo que são

adolescentes, não investigo profundamente a sua relação. Percebo que muitas vezes

são acompanhadas por rapazes que se identificam como parceiros e que tem apoio

da família da jovem. Avaliando um pouco de fora, acho que sou ‘omissa’, nesse

quesito ou simplesmente já interiorizei que a responsabilidade maior é do assistente

social”. (E10).

“Não acho que deva ser notificado de forma compulsória, as meninas chegam ao

consultório ou na sala de parto, como acompanhante o próprio parceiro, depois

vemos a mãe a irmã... enfim a família, todos de comum acordo com essa relação,

porque devemos chamar Conselho Tutelar? Eu deixo essa responsabilidade de

notificação ao serviço social, pra falar a verdade, já vejo isso como rotina, então nem

me preocupo. Não deveria ser crime, uma relação consentida, é mexer na

individualidade das pessoas, o Estado não deveria ir além do que foi delegado a ele.

E a individualidade do cidadão? Tem que haver limites para as interferências do

Estado”. (E1).

Já 9 (nove) dos profissionais pesquisados, representado como a maioria dos

entrevistados (60%), responderam ser “dever” de cada profissional a notificação dos casos de

atendimento a menores de 14 anos grávidas. Vejamos alguns trechos de suas falas a seguir:

“O conselho tutelar, assim que compreendo, e um órgão que protege pelo menos

esse é o objetivo, crianças e adolescentes, garantindo seus direitos. Para que haja

uma atuação efetiva e sejam promovidas ações. O Conselho Tutelar deve ter

conhecimento do fato. Quando a relação sexual for consentida, este fato deve ser

levado em consideração, inclusive, discutido com a família. Dependendo da

situação, deverá haver acompanhamento só a distância pelo Conselho Tutelar”. (E2).

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“Somos regidos pela Constituição Federal Brasileira, e devemos seguir as leis”. Ate

o presente momento temos a obrigação de notificar ao Conselho Tutelar.

Continuamos notificando; porém acho que devemos rediscutir esse tema a nível

nacional e avaliar o quanto essa lei ajuda a diminuir as taxas de gravidez na

adolescência. (E3).

“Temos que notificar porque auxilia ao órgão em saber a incidência de casos e criar

políticas públicas destinadas às jovens e adolescentes”. (E5).

“Devemos notificar para cumprir a lei pela lei! Já que não existe ainda súmula

vinculante, nem casos de jurisprudência generalizados para todos os Estados

brasileiros”. (E15).

“Sim, pois por acreditar que uma adolescente de 14 anos não possui maturidade

suficiente para conduzir sua vida. Essa notificação deverá, sim, ser feita ao Conselho

Tutelar, que acredito ser o órgão responsável em tomar as devidas providências.

Porque também acredito, que este órgão tem o poder em intervir em algumas

situações dentre elas: evasão escolar, verificar se a gravidez realmente foi consentida

pela adolescente, atuar juntamente com a família para identificar o responsável pelo

ato e assim tentar conduzir da melhor forma, a jovem adolescente, durante sua

gravidez e nos seus projetos futuros de vida”. (E12).

“Sim, para o Conselho Tutelar tome as medidas cabíveis”. (E9).

“Acredito que deve ser notificado, sim! Para que sejam criadas políticas públicas

destinadas aos adolescentes e jovens”. (E14).

“Desde meu ingresso na MEAC, minhas colegas de profissão me repassaram este

dever, como uma de nossas atribuições, não privativas, mas como dever ético de

proteção às crianças e adolescentes. Não é somente uma burocracia. Contudo é

importante refletirmos a respeito. Nós não podemos acompanhar, muitas vezes, esta

adolescente e família pós-alta médica, depende da adesão delas. Então, são estes

órgãos que devem acompanha-las para segurança da adolescente e do bebê. Afinal

de contas é o direito da adolescente, mas também do bebê”. (E4).

“Como profissional, e como dever ser profissional, como e lei! Lei tem que ser

cumprida. Mesmo não concordando com a lei. Se a menor consentiu e vive com o

cônjuge, acredito que não precise ser notificada. Se todos os pacientes menores de

14 anos, grávidas, com relação sexual consentida, tiver que ser notificada de forma

compulsória, ao Conselho Tutelar, ele não vai dar conta do número de adolescentes

grávidas”. (E6).

“Acredito que deva ser notificado os casos conforme previsto em lei. Os dados

oriundos das notificações podem servir de base para a implementação de outras

políticas públicas; a notificação, garante ou deveria garantir a proteção às

adolescentes menores de 14 anos. O profissional ou a equipe que acompanhar a

adolescente, estará atenta as situações de violência”. (E7).

“Na condição de profissional, devemos trabalhar em conformidade com a lei;

notificando todos os atendimentos a menor de 14 anos grávida. Mas são situações

que merecem reflexões para futuras contribuições e amadurecimentos. A realidade

vem nos mostrando que este público está iniciando muito cedo sua vida sexual”.

(E8).

Dessa forma, nos relatos de cada profissional dessa parte da entrevista, percebeu-se a

diversidade de opiniões sobre as políticas públicas regulatórias a que estão sujeitas esse

seguimento de profissionais, bem como sobre as opiniões divergentes sobre a norma e seu

cumprimento.

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Estas são questões que levam à limitação dos benefícios que a política pública para

adolescentes e jovens pode oferecer às adolescentes menores de 14 anos e gestantes e,

consequentemente, diminui a eficácia da saúde integral garantida por lei constitucional.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa evidenciou que, a despeito do conhecimento já produzido sobre

Políticas Públicas para adolescentes e jovens, não há efetivamente políticas públicas

específicas para esse grupo etário dentro do contexto nacional acerca da sexualidade e

reprodução na adolescência.

Diante do cotejo realizado, em uma interface com as políticas públicas de atenção a

adolescentes e jovens nessa fase do ciclo vital, a lei 12.015/09 de 07 de agosto de 2009 em

nada viabilizou a inclusão social desse seguimento da população e nem direciona os

profissionais da saúde na efetivação da lei na melhoria da educação sexual segundo estudos

do Fundo de População das Nações Unidas:

Como a gravidez na adolescência é o resultado de diversas forças subjacentes

sociais, econômicas e de outras naturezas, ela requer estratégias multidimensionais

orientadas ao empoderamento das meninas e adaptadas a grupos específicos de

meninas, especialmente as marginalizadas e mais vulneráveis. (UNFPA, 2013, p.

13).

Assim, observamos no decorrer desse trabalho que a trajetória a ser percorrida é

extensa e cheia de entraves na seara jurídica e nas três esferas políticas. Na esfera jurídica, a

lei veio para sanar os problemas em decorrência dos crimes sexuais só que ninguém

imaginaria a celeuma que isso causaria.

Nas esferas do poder político, além da criação de uma boa política pública, tem que

haver duas coisas principais: a disseminação da própria política e a continuação da mesma,

pois

Pesquisas mostram que o combate à gravidez indesejada entre adolescentes requer

abordagens holísticas, e, uma vez que os desafios são grandes e complexos, não

existe um único setor ou organização que possa enfrentá-los sozinho. Os obstáculos

ao progresso só podem ser vencidos por meio do trabalho em parceria com todos os

setores e em colaboração com as e os próprios adolescentes. Manter as adolescentes

em trajetórias de vida saudáveis, seguras e afirmativas requer investimentos

abrangentes, estratégicos e direcionados que atendam às múltiplas fontes de

vulnerabilidades, que variam de acordo com a idade, capacidades, faixa de renda,

local de residência e muitos outros fatores. Requer também esforços deliberados

para se reconhecer as diversas circunstâncias dos adolescentes e identificar as

meninas em maior risco de gravidez na adolescência e com maior possibilidade de

maus resultados em termos de saúde reprodutiva. Tais programas multisetoriais são

necessários para a construção de ativos para as meninas em todas as áreas - saúde,

educação e meios de subsistência - mas também para empoderá-las por meio de

redes de apoio social, aumentando seu status em casa, na família, na comunidade e

nos relacionamentos. Intervenções menos complexas, mas estratégicas, também

podem fazer a diferença. (UNFPA, 2013, p. 34).

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Nesse sentido, o despreparo dos serviços hospitalares e dos profissionais é um fator

impeditivo para a efetivação das políticas, produzindo dificuldades ao acesso do serviço e

deixando a saúde integral amplamente divulgada pelas políticas destinadas aos jovens e

adolescentes em segundo plano. Soma-se ainda o fato de que submete as jovens à experiência

de assistência por profissionais que atuam de forma prescritiva e acrítica, onde verificamos

em muitas falas que a notificação é feita porque a lei obriga, mesmo não concordando com a

mesma, não indo além do fazer mecânico do dia a dia, além de desconsiderar a autonomia e o

contexto vivencial da menor de 14 anos.

Para o pleno exercício de uma assistência ética em saúde para este grupo de

profissionais entrevistados, verificamos que se faz necessário o aprofundamento da política

pública analisada, mediante curso de capacitação voltada ao atendimento a adolescentes e

jovens, bem como uma maior compreensão das atribuições e competência privativas de cada

profissional. Isso porque a incorporação dos conhecimentos de abrangência a esse grupo

pressupõe, entre outros fatores, o conhecimento da lei 12.015/09, notificação ao Conselho

Tutelar e a efetividade dos princípios do SUS, os quais são legitimados pela Constituição

Brasileira, embora ainda seja pouco ou às vezes não praticados no contexto de atenção ao

adolescente e jovem em um ambiente hospitalar.

A relevância dessa pesquisa apresentou-se pelo fato de buscarmos analisar a

implementação da lei de estupro de vulneráveis na esfera social. Precisamente, procurou-se

trabalhar e sentir seus reflexos no atendimento do dia a dia de uma maternidade de Fortaleza,

onde presta atendimento a um segmento populacional que até 2010 nem fazia parte das

estatísticas do IBGE.

Este estudo – que teve como objetivo específico verificar a compreensão dos

profissionais sobre a Política de atenção integral à Saúde dos adolescentes e jovens e a lei de

estupro de vulneráveis – analisou o cotidiano de profissionais que diariamente atendem uma

parcela significativa de adolescentes grávidas. Nesse cenário, nosso maior desafio foi

aprofundar o conhecimento das políticas públicas voltadas a esta temática, cotejando com o

dispositivo penal, bem como achar estudo de casos relacionados ao assunto.

Os resultados coletados refletem uma sociedade que, na grande maioria das vezes,

não se apropria do conhecimento de suas leis e políticas públicas por não achar que esse

entendimento possa fazer parte do exercício de cidadania.

Dessa maneira, percebemos ser necessário a dialética do saber para tentar, através

dos fatos, levarem à compreensão da relativização da vulnerabilidade sexual da adolescente

entre 12 e menor de 14 anos grávida, atendida em uma maternidade pública de Fortaleza.

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Tema esse que, por suas discussões, não acabará nesse trabalho, pois com certeza ainda

suscitará impetuosos e veementes debates da doutrina pátria, jurisprudência e pelos meios

acadêmicos por sua importância no segmento social.

Examinamos ainda, à luz da Constituição Federal, do Código Penal Brasileiro, do

Estatuto da Criança e do Adolescente, da jurisprudência pátria e da doutrina brasileira, acerca

dos fundamentos para debater sobre a relativização da presunção de violência do dispositivo

em foco sobre o prisma do atual contexto social, garantindo igualdades entre homens e

mulheres e proteção à sexualidade de cada um em respeito ao princípio da dignidade da

pessoa humana.

Os profissionais, ao serem questionados sobre se consideram estupro mesmo diante

de uma relação sexual consentida, entre uma adolescente maior de 12 e menor de 14 anos

grávida, 40% afirmaram que sendo consentida não há nenhum problema. Já 47% deles

disseram que, mesmo consentida pela menor, consideram abuso sexual, o que nos chamou a

atenção. Por sua vez, outros 40% dos profissionais entrevistados afirmam que, se o

consentimento viesse da família, não haveria problema nenhum.

Verificamos também que o importante, segundo as falas dos profissionais, não é a

questão do sexo em si sobre o prisma da preciosidade, mas um adulto, no caso alguém da

família, suprir o consentimento “tudo bem”, não importando o sentimento da jovem.

Essas respostas corroboram com os vários autores no que diz respeito ao conjunto de

procedimentos sociais e institucionais repressores, que fazem com que tratem crianças e

adolescentes como meros objetos de proteção.

Portanto, não basta uma proteção abrangente: é preciso verificar se essa proteção

objetivamente atinge o alvo de não ser apenas de proteção e assistência para serem titulares

ativos da sociedade com direitos subjetivos e prioritários dos direitos fundamentais.

Na investigação sobre os sentimentos gerados pela lei 12.015/09, percebemos que há

a obrigatoriedade de notificar todo atendimento feito a uma adolescente menor de 14 anos

grávida ao Conselho Tutelar, mesmo sabendo que a menor já vive maritalmente com

companheiro ou já vivera outra gravidez.

Uma das categorias mais lembradas entre os profissionais foi a responsabilidade da

família como primeiro berço da educação sexual dos filhos, colocando como o principal fator

da gravidez precoce como o mau funcionamento intrafamiliar, a falta de afeto e apoio da

família como coadjuvantes do problema de saúde pública que é a gravidez precoce.

Ao adentramos no campo sexual, descobrimos que esses menores estão ainda mais

susceptíveis a fragilidades inerentes ao momento que vivem, pois, muitas vezes, por exclusão

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dos pais, da sociedade e do próprio Estado, caem nas mãos doentias de pedófilos e de

aproveitadores sexuais.

Nesse sentido, seria primorosa a intenção de o legislador pátrio ao criminalizar e

penalizar com maior rigidez os crimes sexuais praticados contra menores de 14 anos, muitas

vezes indefesos e carentes de tudo, não sabendo bem o que fazer. Entretanto, não se pode

deixar de resguardar a questão da relativização jurídica da vulnerabilidade. Não se pode

considerar a presunção absoluta em todos os casos. Isso porque a responsabilidade objetiva

estaria sendo consagrada no nosso ordenamento jurídico, haja vista devermos primar pela

observância dos princípios do contraditório, da ampla defesa e da presunção de inocência, tão

importantes para qualquer cidadão e para a perpetuação do Estado de Direito.

Seria interessante que a sociedade como beneficiária das políticas públicas

participasse efetivamente formando parcerias, avaliando constantemente as práticas,

exercendo seu direito como parte desse processo. Infelizmente, só verificamos muitas vezes

isso no papel, pois a cultura que reina em nossa sociedade é uma coletividade nos moldes

patriarcalista.

Diante da pesquisa realizada foi possível concluir que há anos nos deparamos com a

preocupação do Estado por meio de políticas públicas, em resguardar a juventude,

proporcionando uma política de saúde integral, tendo como já fora dito, seu marco na criação

do SUS, da exploração sexual e de seus efeitos nefastos. E, principalmente, no que tange, ao

avanço da prática da pedofilia nos meios internacionais, sendo a criança e o adolescente até

14 anos as principais vítimas dessa prática. Jovens esses que se encontram num processo de

formação biológica, moral e psicológica, pois só a circunstância por si já é suficiente para se

configurar como caráter de vulnerabilidade. Todavia, suas diretrizes só foram levadas de

forma pontual, uma vez que ficaram fragmentadas ao longo do percurso ou muitas delas não

saíram do papel.

Precisamos, assim, frisar os limites das políticas públicas para adolescentes e jovens

e conciliarmos com os objetivos do PROSAD, que surgiu com a finalidade de promover,

integrar, apoiar e incentivar práticas nos locais que teve implantado suas diretrizes pelo

Ministério da Saúde. Programa esse constituído para a promoção da saúde desses atores, no

sentido de identificar os grupos de risco, detectar agravos precoces, tratar adequadamente e

reabilitar os indivíduos dessa faixa etária de 10 a 19 anos de idade, de forma integral,

multisetorial e interdisciplinar.

Nesse sentido, o advento da lei 12.015/09 poderia ter vindo para auxiliar na prática

dessa política, oferecendo a esses sujeitos vulneráveis pela própria condição etária o auxílio

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do próprio exercício de cidadania. Porém, infelizmente, trouxe um contrassenso, impondo

limites à política, justamente, na área já fragilizada, por mitos e tabus: a vida sexual. Incluem-

se aí os direitos constitucionais elencados no artigo 5º, cláusulas pétreas, princípios básicos,

que poderiam ratificar seus direitos e lhe sendo retirado. Como exemplo deles podemos citar:

a Dignidade da Pessoa Humana, contraditório e a inviolabilidade da intimidade este descrito

no inciso X do referido artigo, fora outros tantos, não menos importantes.

Se houve abuso, a lei e o Estado tem que punir de forma severa, rígida, inflexível.

Mas e se não há violência? Como não recorrer ao princípio da mínima intervenção do Estado

no Direito Penal? Temos que parar e fazer essa reflexão, pois os mecanismos institucionais

devem andar em simbiose e trabalhar em sintonia para não correr o risco do cercear direitos já

garantidos.

O profissional da saúde além de sofrer com a precarização dos Hospitais

Universitários, com cortes de verbas do Governo Federal na área da saúde, provocando essa

situação cada vez mais latente de sucateamento, ainda tem diante de si o difícil dever ser

profissional, dilema analisado e debatido nesta pesquisa.

Ocorre que o PROSAD, ao longo dos anos, veio perdendo força na instituição, fato

constatado pelos relatos descritos apresentados neste trabalho. Como executar uma Política

Pública diante de tantos limites? Esse é um debate importante que deve ser feito nos meios

sociais, jurídicos e acadêmicos.

Não deve haver um bloqueio social para o tema por simplesmente estar levantando

uma bandeira de proteção, engessando e fechando os olhos para o que é público e notório.

Pois, se assim não o fizer, o Estado deverá se preparar para a construção de vários presídios,

uma vez que não faltarão criminosos para esse tipo penal, fugindo do verdadeiro objetivo das

sanções penais.

Cabe ao Estado zelar pelo bem-estar de todos, buscando o interesse de cada pessoa,

individualmente, contra qualquer ato coletivo ou unitário. Por outro lado, quando assim o faz,

delega ao próprio interessado o exercício do direito de agir quando houver disposição,

dependendo da leitura do caso em concreto e tomando suas atitudes à luz do que a legislação

já disponibiliza. Do contrário, o Estado estará adentrando a esfera de atuação do particular, o

que não se coaduna com a disposição dos direitos individuais assegurados pela nossa Carta

Magna e nem do que se é preconizado pelo entendimento da mínima intervenção possível

pelo mesmo.

Por tudo o que foi apresentado e devido aos motivos elencados que resolvemos

trabalhar a temática e nos filiarmos pela parte da doutrina, minoritária neste momento,

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defendendo a vulnerabilidade relativa, a fim de evitar que os meios de defesa e os princípios

da carta magna sejam violados, quando colocada a responsabilidade objetiva como regra para

os crimes de estupro de vulnerável.

Cabe ressaltar que a outorga de caráter absoluto à vulnerabilidade ao dispositivo em

estudo é permitir a culpabilidade antecipada do acusado, ferindo a presunção de inocência. É

perigoso quando a maioria aceita como correto esse entendimento, pois a nossa compreensão

e de alguns doutrinadores nos quais nos espelhamos neste trabalho é que vivemos em um

Estado Democrático de Direito que abomina tal percepção.

Ao fazermos uma ressonância nas falas dos profissionais entrevistados, observamos a

dinâmica que envolve os serviços disponibilizados para os adolescentes e jovens na MEAC e

não encontramos uma unicidade de atendimento, estratégias, praticadas e nem de opiniões na

execução do fazer diário pelos profissionais da saúde lotados na mesma.

Acreditamos que a modificação desse cenário se dará pela modificação das práticas

de cada profissional ao lidar com menores de 14 anos em seus contextos e através do

conhecimento e da mobilização social, do reconhecimento de seus direitos a uma assistência

diferenciada e integral, coadunando com o SUS, ECA e as Políticas Públicas destinadas a esse

seguimento.

O que levaremos de contribuição para a instituição pesquisada será a amostra do

trabalho com seus resultados e discussões à reunião do Colegiado Gestor, que se faz uma vez

ao mês, no qual fazemos parte, no intuito de instigar o conhecimento do dispositivo penal de

forma mais aprofundada juntamente à política para adolescentes e jovens com suas ações e

atualizações dos programas.

Percebemos ser necessário fomentar junto aos gestores da MEAC capacitações

voltadas a esta área especificamente, pois, como já foi mostrado nessa pesquisa, há

dificuldade de atendimento a este público. É preciso, portanto, melhorar a maneira de

enxergar a medicina ortodoxa, demandando investigação e inovação nos cuidados em saúde,

tanto na atenção básica quanto na média e alta complexidade.

Assim, acreditamos que a solução para o problema apresentado está na efetivação

das políticas públicas, treinamentos para os profissionais da saúde e no conhecimento mais

aprimorado e aprofundado dos problemas sociais no intuito de auxiliar nas soluções e

empoderamento da norma e política pública apresentada. Analisando, também, cada caso à luz

dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade constitucional e respeitando os demais

princípios que formam o alicerce da legislação pátria que regem a vida em sociedade.

Demonstrando, ainda, que para tudo na vida cotidiana existem as exceções e que não

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podemos atribuir caráter absoluto a tipos penais. Não se pode negar o direito à ampla defesa e

ao contraditório a qualquer cidadão, pois não devemos criar estereótipos de culpabilidade

antes do transito em julgado de uma sentença.

Sendo assim, acreditamos que esse trabalho teve um relevante papel no que tange à

substituição dos modelos tradicionais de saúde, que trata o indivíduo de forma isolada de seu

contexto familiar e direcionado apenas à doença. Pois a norma e a política pública são feitas

para conhecimento da sociedade e esta deve colaborar na execução de suas diretrizes e

princípios. Fator esse crucial para que a lei torne-se eficaz, pois sem os empoderamentos dos

seguimentos sociais, a lei e a política tornam-se sem eficácia.

Assim, diante de tais considerações, vê-se que o Estado não deveria ter interesse de

modo compulsório, em acionar a máquina jurídica, quando não há violência no fato.

Precisamos minimizar os efeitos dos enxertos feitos à lei, interpretando diante da situação em

si e não simplesmente aplicando a lei, sem verificar o contexto como um todo.

É salutar para a sociedade civil e para o Poder Judiciário fazer parte dos processos

das relações sociais para que tenhamos completa certeza ao aplicar corretamente a norma

posta no ordenamento pátrio, com interpretações corretas e coerentes. Isso sem cairmos na

seara pantanosa de interpretar de forma gramatical a lei imposta, considerando a menor de 14

anos absolutamente vulnerável a ponto de seu consentimento para o ato sexual ser

completamente ineficaz.

Nesse sentido, não seria possível relativizar a vulnerabilidade em alguns casos

especiais, através de profissionais qualificados, mensurando o grau de conscientização da

menor e avaliando se o ato sexual foi consentido ou se houve abuso? Esse posicionamento

nos parece mais acertado.

Faz-se um alerta, portanto, para a urgente necessidade de se criar meios eficientes e

específicos de atendimento às jovens grávidas, e de forma integral, abordando aspectos

físicos, psicológicos e sociais, envolvendo e dando suporte às famílias de forma a amenizar os

impactos e as pressões causadas por essa nova situação, garantindo à jovem o direito de ter

sua sexualidade garantida, tranquila e saudável.

Diante do exposto, podemos afirmar que o trabalho alcançou seu objetivo,

demonstrando o cotejo entre a lei e a política pública de adolescentes e jovens, verificando a

compreensão dos profissionais sobre a política de atenção integral à saúde dos adolescentes e

jovens e a lei de estupro de vulneráveis. Identificou, ainda, como a equipe multiprofissional

compreende o dispositivo penal que versa sobre estupro de vulneráveis através de seus

conflitos enfrentados pelos profissionais para o cumprimento da lei, identificando os fluxos e

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encaminhamentos da instituição para o cumprimento do dispositivo penal.

Finalmente, as práticas inclusivas e de promoção tornam-se cada vez menos viáveis a

realidade social e familiar, cada vez mais desassistidas e vulnerabilizadas, contribuindo para

que a efetivação das políticas públicas seja cada vez mais ineficaz. Temos, assim, a esperança

de que a consolidação de paradigmas se firme numa essência que priorize a vida e o

atendimento aos direitos humanos, com ênfase na mudança de modelos que violem e excluem

direitos.

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138

APÊNDICE A - CRONOGRAMA

Atividades

Jul.

2016

Ago.

2016

Set.

2016

Out.

2016

Nov.

2016

Dez.

2016

Jan.

2017

Redação do

projeto

X

Revisão

bibliográfica

X

X

X

X

X

X

Submissão ao

Comitê de

Ética

X

X

Aplicação das

entrevistas

X

X

X

Qualificação

X

Sistematização

dos dados

X

X

X

Atividades

Jan. 2017

Fev. 2017

Mar. 2017

Abr.

2017

Mai. 2017

Jun.

2017

Sistematização dos

dados

X

Analise dos dados

coletados

X X X

Redação da Tese X X X

Defesa da Dissertação X

Apresentação do

resultado da pesquisa à

instituição

X

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139

APÊNDICE B - QUADRO DE NOTIFICAÇÕES AO CONSELHO TUTELAR,

DISTRIBUÍDOS POR ANO

Ano Ano Jan/Jun.

Notificações por categorias

2015

2016

2017

S. Social

02

44

39

Psicologia

08

15

05

S. Social/Psicologia

00

03

00

Enfermagem

00 00 02

Médico/Outras

00

00

00

Total

10

62

46

Fonte: Psicossocial MEAC, 2017.

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140

APÊNDICE C - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Meu nome é Rita de Cássia Araújo, sou aluna do Mestrado Avaliação de Políticas Públicas da Universidade

Federal do Ceará e estou desenvolvendo estudo sobre analisar a implementação da lei de estupro de

vulneráveis e da atenção integral à Saúde de adolescentes e jovens, sob a ótica de profissionais da saúde,

em uma maternidade de referência. Com enfoque na equipe multiprofissional de uma maternidade pública de

Fortaleza que lida com adolescentes grávidas menores de 14 anos. A sua participação se dará por meio de um

questionário com perguntas abertas e fechadas que nos ajudará a conhecer a sua opinião, pensamentos e

sentimentos sobre o tema. Para tanto, convido você para uma pesquisa que será realizada em um local privativo

(sem que outras pessoas nos observem) e seguirá um roteiro. Você mesmo (a) anotará sua resposta que depois

será tabulada junto com todas as outras. Gostaria de informar, ainda, que: O senhor (a) terá acesso a qualquer

tempo às informações sobre procedimentos e benefícios relacionados à pesquisa, inclusive para retirar eventuais

dúvidas; o senhor (a) terá o direito e a liberdade de negar-se a participar da pesquisa ou dela retirar-se quando

assim desejar, sem que isto traga prejuízo moral, físico ou social. As informações e dados coletados serão

divulgados, porém sua identidade (seu nome) será mantida em anonimato (sigilo), bem como qualquer

informação que possa identificá-lo (a); que o termo de consentimento livre e esclarecido será feito em 2 (duas)

vias, ficando uma com o pesquisado (a) e outra com a pesquisadora. Para qualquer outro esclarecimento, estarei

disponível através dos telefones: 32944168 (residência) e 33668506 (trabalho). O senhor (a) também poderá

entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa para quaisquer informações sobre o estudo e/ou sobre sua

participação, através do telefone: 3366-8569 (Comitê de Ética da Maternidade Escola). Agradeço sua

colaboração e apresento meus sinceros agradecimentos.

__________________________________

Rita de Cássia Araújo

Pesquisadora responsável

...............................................................................................................................................

CONSENTIMENTO PÓS-ESCLARECIDO

Declaro que depois de esclarecida pelo pesquisador e tendo compreendido o que me foi

explicado concordo em participar do presente Protocolo de Pesquisa, que versa sobre analisar

a implementação da lei de estupro de vulneráveis e da atenção integral à Saúde de

adolescentes e jovens, sob a ótica de profissionais da saúde, em uma maternidade de

referência.

Fortaleza, ______ de ______________ de 2017.

__________________________________________

Assinatura do Pesquisado (a)

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APÊNDICE D - ORÇAMENTO

MATERIAL PERMANENTE

DESCRIÇÃO

QUANTIDADE

VALOR UNITÁRIO (R$)

VALOR TOTAL (R$)

PEN DRIVE 1 29.99 29,99

NOTEBOOK 1 2.553,99 2.553,99

IMPRESSORA 1 699,9 699,9

SUBTOTAL 3827,76 3827,76

MATERIAL DE CONSUMO

DESCRIÇÃO

QUANTIDADE

VALOR UNITÁRIO (R$)

VALOR TOTAL (R$)

CANETA 10 1,99 19,99

PAPEL A 4 2 14 28

CARTUCHO DE

TINTA

2 26 52

ENCARDENAÇÕES 4 20 80

COMBUSTÍVEL 210 2,99 627.90

XEROX 80 0.10 8

SUBTOTAL 308 65,08 815,89

TOTAL GERAL 311 608,96 1359,77

As despesas ficarão por conta da pesquisadora, sem nenhum ônus para a instituição

que abrigará o estudo.

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APÊNDICE E - INSTRUMENTO DE COLETAS DE DADOS

O presente questionário faz parte da pesquisa de dissertação para conclusão do Mestrado em

Avaliação de Políticas Públicas da Universidade Federal do Ceará. O foco deste estudo é analisar

a implementação da lei de estupro de vulneráveis e da atenção integral à Saúde de adolescentes e

jovens, sob a ótica de profissionais da saúde, em uma maternidade de referência. Com enfoque na

equipe multiprofissional da Maternidade Escola Assis Chateaubriand que lida com adolescentes

grávidas menores de 14 anos, cujo título apresenta-se da seguinte forma: O PROSAD e a LEI

12.015/09: UMA AVALIAÇÃO DOS ATORES ENVOLVIDOS. Esta pesquisa trata das alterações

introduzidas pela lei 12.015/09 no Código Penal Brasileiro, mais especificamente no título VI, até

então intitulado de “CRIMES CONTRA OS COSTUMES”, hoje recebendo a designação de

“CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL”. Especificamente no que prescreve o artigo 217-A

que trata sobre “ESTUPRO DE VULNERÁVEIS “e suas repercurções no mundo fático das políticas

públicas que trata de adolescentes e jovens”“. As informações, aqui contidas, serão mantidas em sigilo,

não sendo divulgados nomes ou quaisquer outras informações pessoais dos pesquisados.

DADOS DO RESPONDENTE

1- Nome: __________________________________________________________________

2- Idade: _______anos

3- Sexo:

A. ( ) masculino b. ( ) feminino

4- Estado civil:

a. ( ) casado(a) b. ( ) separado c. ( ) viúvo d. ( ) solteiro(a) e. () União estável

5- Ocupação:

a. ( ) A. Social b. ( ) Enfermeiro c. ( ) Médico. d. ( ) Psicólogo e. () Téc. de

Enfermagem

f. ( ) Outros____________________________

6- Tempo de formação ________ anos

7- Área de trabalho:

a. ( ) Emergência b. ( ) Sala de parto c. ( ) Unid. de internamento d. ( )

Ambulatórios e.( ) Outros_____________________________

8- Tempo de instituição: ________anos

9- Tipo de vínculo com o hospital:

a. ( ) Servidor Público b. ( ) colaborador terceirizado c. ( ) Colaborador Celetista

(EBSHER)

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10- Possui vínculo empregatício em outras instituições?

a. ( ) Sim b. ( ) Não

11- O senhor (a) Já recebeu algum treinamento para atender adolescentes e jovens?

( ) Sim, onde? ________________________________________________________

( ) Não, nunca

12 - Você conhece alguma Política Pública de Saúde para Adolescentes e jovens do

governo federal?

Sim ( ) Quais?

Não ( )

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

13- O que você conhece a respeito do PROSAD? (Programa saúde do adolescente, que

tem como objetivo promover a saúde integral de adolescentes e jovens favorecendo o

processo geral de seu crescimento e desenvolvimento, formulando uma política nacional

a ser desenvolvida a nível Federal, Estadual e Municipal).

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

14- Qual ação a MEAC viabiliza para programar as políticas públicas para jovens e

adolescentes no Município de Fortaleza?

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___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

15- Qual seu conhecimento sobre a lei 12.015 de 07 de agosto de 2009 que inseriu o

artigo 217-A no Código Penal Brasileiro, que trata do crime de “estupro de vulneráveis”.

Que tem como redação: “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor

de 14 anos”. Melhor explicando: (Ter relações sexuais, MESMO CONSENTIDAS, ou

outro ato que venha satisfazer o desejo sexual do agente ativo, isto é, satisfação de seus

desejos ou apetite sexual com menor de 14 anos.).

a. ( )Sim, conheço (explique em poucas palavras) b.( )Não conheço

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16 – O senhor (a) enfrenta alguma dificuldade ou conflitos na implementação da lei

12.015/09 no seu dia a dia profissional? Obs.: caso a sua resposta na questão de nº 14

tiver sido: “NÃO CONHEÇO”, pule esta questão.

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___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

17- Você sabia que ao atender uma menor de 14 anos grávida, mesmo não tendo

sofrido violência sexual, é obrigado (a) notificar este atendimento ao Conselho Tutelar

do Município de origem, do bairro ou Regional da Instituição que houve o atendimento?

( ) Sim, sei e comunico sempre

( ) Não sabia

( ) Sim, mas nunca comuniquei

( )Sim, sei e, comunico às vezes

( ) Outros_________________________________________________________________

18- As instituições hospitalares, estão preparadas para essa nova realidade: todo

atendimento a menor de 14 anos grávida, MESMO SEM VIOLÊNCIA, deve ser

notificado ao Conselho Tutelar?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

19- A lei 12.015/09, veio para proteger os menores de 14 anos dos crimes de pedofilia,

na sua opinião: se uma menor de 14 anos tiver relação sexual com uma pessoa maior de

18 anos, sem violência, essa ação deveria ser criminalizada, porquê?

( ) Sim, porquê?

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( ) Não, porquê?

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20- A lei que regula o crime de ESTUPRO DE VULNERÁVEL (lei 12.015/09) facilita a

implementação das Políticas Públicas para adolescentes e jovens?

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___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

21- Na sua opinião, enquanto cidadão (ã) o senhor (a) acha que esta lei, delineada na

questão de n.º 14, que regulamenta o crime de Estupro de Vulnerável Interage de que

forma com as Políticas Públicas destinadas à adolescentes e jovens? Explique.

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

22- Na sua opinião que Políticas Públicas podem ser mantidas ou criadas para

auxiliar a sociedade na Prevenção da gravidez precoce?

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___________________________________________________________________________

23- Agora que o Senhor (a) já teve um pequeno conhecimento do nosso estudo, quais

os limites do “Dever Ser profissional” diante da lei 12.015/09, que versa sobre “Estupro

de Vulneráveis”, diante da Ética Profissional X Lei, deve-se ou não notificar

compulsoriamente ao Conselho Tutelar todo atendimento a menores de 14 anos grávidas

com relação SEXUAL CONSENTIDA? Porquê?

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ANEXO A - CARTA DE ANUÊNCIA

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ANEXO B – NESAR

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ANEXO C – DECLARAÇÃO DE CONCORDÂNCIA

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ANEXO D - TERMO DE COMPROMISSO PARA UTILIZAÇÃO DE DADOS DE

PRONTUÁRIOS MÉDICOS

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ANEXO E – FOLHA DE ROSTO PARA PESQUISA ENVOLVENDO SERES HUMANOS

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ANEXO F – TERMO DE FIEL DEPOSITÁRIO