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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BIBLIOTECA ESCOLAR: ESPAÇO CULTURAL QUE PODE CONTRIBUIR PARA O PROCESSO DE LETRAMENTO Lígia Vieira Garcia Cuiabá (MT), 2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

BIBLIOTECA ESCOLAR: ESPAÇO CULTURAL QUE PODE CONTRI BUIR PARA O PROCESSO DE LETRAMENTO

Lígia Vieira Garcia

Cuiabá (MT), 2007

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II

LIGIA VIEIRA GARCIA

BIBLIOTECA ESCOLAR: ESPAÇO CULTURAL QUE PODE CONTRIBUIR PARA O PROCESSO DE LETRAMENTO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Educação, Área de Concentração: Teorias e Práticas da Educação, Linha de Pesquisa: Educação e Linguagem, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação, sob orientação da Profa. Dra. Ana Arlinda de Oliveira

Cuiabá – MT, 2007

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G 216 b GARCIA, Lígia Vieira Biblioteca Escolar: espaço cultural que pode contribuir para o processo de letramento/ Lígia Vieira Garcia. Cuiabá: UFMT/IE, 2006. xii, 213 p.: il. Color. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito à obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientadora: Profª. Drª. Ana Arlinda de Oliveira Bibliografia: p. 187-195 Apêndice: p. 196-201 CDU – 027 – 8 Índice para Catálogo Sistemático 1 – Biblioteca Escolar 2 – Leitura

3 – Letramento

4

5

IV

À memória de meus pais, Salvador e Guiomar, de quem guardo as mais ternas lembranças, com quem aprendi valores e princípios que me guiam pelos caminhos da vida. O meu reconhecimento e agradecimento.

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V AGRADECIMENTOS

À minha família que de modo especial foi meu porto seguro e meu estímulo. Sobrelevo Miriele e Nábila, Luiz Cláudio, Álvaro e Vinícius. Às companheiras de jornada Egle e Soely, com vocês compartilhei angústias, crescimentos e vitórias. À eterna mestra, Dra. Ana Arlinda mais que orientadora, demonstrou, nesse período de mestrado, quão é importante ser guia e, ao mesmo tempo, respeitar as individualidades. Aos funcionários e professores do Programa de Pós-Graduação da UFMT, pela contribuição à minha formação. À FCARP, à Escola Deputado Bertoldo Freire e à COOPEQ pela colaboração e compreensão nesta etapa de estudos, quando precisei me ausentar das atividades dessas instituições educativas. À SEDUC. Por meio do Programa de Qualificação Profissional, ofereceu-me a oportunidade de realizar antigo sonho...

VI

7

“(...) a biblioteca escolar brasileira encontra-se sob o mais profundo silêncio (...)”. (SILVA, 1999)

VII

8

RESUMO

Este estudo teve como objetivo discutir o papel da Biblioteca Escolar, na qualidade de

propiciadora dos processos de interlocução leitor-autor para a formação do aluno-leitor. A

biblioteca escolar é tema de investigação parcamente explorado, seja pela pesquisa nas

universidades, seja pela sua ausência como tema de discussão nos eventos acadêmicos, entre

outros indicadores. Entretanto, como tema de pesquisa, encerra diversas possibilidades de

abordagem, como o tema objeto desta dissertação “Biblioteca Escolar: espaço cultural que pode

contribuir para o processo de letramento”. O espaço eleito para coleta de dados, para observações

e análises acerca das práticas de leitura foi a biblioteca escolar Rui Barbosa, localizada na Escola

Estadual Deputado Bertoldo Freire, município de São José dos Quatro Marcos - MT. O princípio

metodológico orientador deste estudo, alicerçado nos moldes qualitativo-interpretativos, leva em

consideração como os sujeitos se relacionam com a leitura na biblioteca. Os instrumentos de

coleta de informações foram observações, entrevistas semi-estruturadas, gravadas, com vinte e

nove sujeitos, documentos da escola e fotografias. Os referenciais teóricos escolhidos para a

fundamentação deste estudo deram a sustentação para a análise dos dados que apontaram para os

seguintes resultados: embora a biblioteca escolar seja marginalizada no sistema educacional,

alberga ela funções fundamentais, a desempenhar principalmente no que diz respeito a duas

categorias básicas: a educativa e a cultural. É agente de transformação do ensino, à medida que

provoca mudanças pedagógicas na escola, seu acervo não é atualizado há vários anos, não há

política de gestão voltada para as necessidades de seus freqüentadores: os estudantes. Os

educadores demonstram preocupação com a formação do aluno-leitor, apesar de que, eles

mesmos, lêem pouco ou lêem apenas temas que refletem o imediatismo da situação de sala de

aula, refletindo em seus alunos essa mesma corrente. Assim, sendo a biblioteca espaço

privilegiado de formação de sujeitos-leitores, impõe-se a necessidade de repensar o compromisso

da educação e da escola com a instauração da leitura como ato político e democrático. Mais. Que

o quadro de recursos _ físico e humano_ da biblioteca deve ser coerente com a importância que

essa instância verdadeiramente tem como lócus de construção e partilha de saberes entre o leitor

em formação e o livro. Afinal, é preciso dar sentido ao ensino de linguagem, da leitura e da escrita

para que a biblioteca, necessariamente, exerça o papel de mediação entre o aluno-leitor e o

letramento.

Palavras-chave: Biblioteca Escolar, Leitura, Letramento.

VIII

9

RÉSUMÉ

Cette étude il a comme objectif discuter le rôle de la Bibliothèque Scolaire, tant que

propitiatrice des processus d'interlocution lecteur-auter pour la formation de l'élève-lecteur. La

bibliothèque scolaire est un sujet de recherche économement exploré, soit par la recherche à les

universités ou par son absence je mange sujet de discussion nous événements académiques, il

entre autres indicateurs. Néanmoins, tant que sujet de recherche, il ferme de diverses possibilités

d'abordage, comme le sujet choisi par moi dans l'étude intitulée “Bibliothèque Scolaire : espace

culturel qui peut contribuer au processus de instruction”. L'espace élu pour se rassemble de

données, pour commentaires et analyses concernant lês pratiques de lecture c’est la bibliothèque

scolaire Rui Barbosa, localisée dans l’École De l’état Députe Bertoldo Freire, ville de Sain José

des Quatre Bornes - MT. Le principe méthodologique orienté de cette recherche fondée nous

moules qualitatif-interpretatif prend dans considération comme les sujets se rapportent avec la

lecture dans la bibliothèque. Les instruments de se rassemble d'informations ont été des

commentaires, entrevues demi-structurée, enregistré, avec vingt et neuf sujets, documents de

l'école et photographies. Les référentiels théoriques choisis pour le fondement de cette étude ont

donné sustentation pour l'analyse des données qui ont indiqué pour les suivants résultats: bien que

la bibliothèque scolaire soit marginalisée dans le système scolaire, celle-ci a des fonctions

fondamentales à jouer, principalement em ce qui il concerne deux catégories basiques: lê

éducative et culturel, c'est agent de transformation de l'enseignement, dans la mesure où il

provoque des changements pédagogiques dans l'école, sa quantité n'est pas modernisée a plusieurs

années, n'a pas politique de gestion tournée pour les nécessités de leurs fréquenter: les étudiants,

les éducateurs démontrent préoccupation avec la formation de l'élève-lecteumalgré de qu'eux-

mêmes lisent peu d'ou lisent seulement des sujets qui reflètent l'imediatismo de la situation de

salle de leçon, en reflétant dans leurs élèves cette même courante. Ainsi, en étant la bibliothèque

espace privilégié de formation de sujeitos-leitoresr, , il y a la nécessité se repenser de

l'engagement de l'éducation et de l'école avec l'instauration de la lecture je mange acte politique et

démocratique, et que le tableau de ressources (physique et humain) de la bibliothèque doit être

cohérent avec l'importance que cette instance vraiment a tant que lieu de construction et partage

de savoirs entre le lecteur dans formation et le livre, après tout, il faut de donner senti à

l'enseignement de langue, de la lecture et de l'écriture pour que la bibliothèque, nécessairement, il

exerce le rôle de médiation entre l'élève-lecteur et la instruction.

Mots-clés: Bibliothèque Scolaire, Lecture, Instruction.

IX

10

SUMMARY

This study had as objective to argue the paper of the School Library, while mediating of reading,

in the process of search and use of information for the pupil-reader’s formation. The school

library is a subject of inquiry sparingly explored, either for the research in the universities or its

absence as subject of quarrel in the academic events, among others pointers. However, while

research subject, locks up several possibilities of boarding, as the subject chosen for me in

entitled project “School Library: cultural space that can contribute for the process of literacy”.

The elect space for collection of data, for comments and analyses concerning the practical ones of

reading is Rui Barbosa`s School Library, located in the Bertoldo Freire State School, city of Sao

Jose dos Quatro Marcos - MT. The metodologic orientated principles of this research have its

foundation in the molds qualitative-interpretative and it leads in consideration as the citizens if

they relate with the reading in the library. The instruments of collection of information had been

comments, half-structuralized, recorded interviews, with twenty nine citizens, documents of the

school and the photograph. The chosen theoretical referential for the recital of this study had

given the sustentation for the analysis of the data that had pointed with respect to the following

results: although the library is kept out of society of the educational system, this has basic

functions to play, mainly in what it says respect the two basic categories: educative and cultural, it

is agent of the education transformation, in the measure where it provokes pedagogical changes in

the school; its quantity is not brought up to date has some years, it does not have politics of

management directed toward the necessities of its frequent visitors: the students; the educators

demonstrate to concern with the formation of the pupil-reader, although that they themselves read

little or read only subjects that reflect the imediatism of the classroom situation, reflecting in its

pupils this same chain. Thus, being the library privileged space of citizen-readers formation, it has

the necessity of if rethink the education commitment and the school with the instauration of

reading as democratic politician act, and that the picture of resources (physicist and human being)

of the library must be coherent with the importance that this instance truly has, while locus of

construction and allotment to know enters the reader in formation and the book; after all, it is

necessary to give sense to the language education, the reading and the writing so that the library,

necessarily, exerts the paper of mediation between the pupil-reader and the literacy.

Words-Keys: School Library, Reading, Literacy.

11

X

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO........................................................................................................14

CAPÍTULO I – ABORDAGEM METODOLÓGICA...................................................20

1 O contexto da pesquisa ...............................................................................22

O lócus da pesquisa .........................................................................22

O município ...............................................................................22

A educação no município ..........................................................24

A escolha do campo de pesquisa.....................................................25

A escola ....................................................................................26

A biblioteca escolar....................................................................28

Aspectos físicos..............................................................30

2 Os sujeitos da pesquisa.................................................................................35

3 A coleta de dados..........................................................................................37

Observação.......................................................................................37

3.2 Entrevista..........................................................................................39

4 Os dados – apresentação e interpretação.....................................................41

CAPÍTULO II – A LEITURA NO CENTRO DA DISCUSSÃO...................................43

1 Leitura – concepções e práticas..................................................................44

2 A leitura no contexto escolar – impactos e desenvolvimento.....................53

3 Parâmetros Curriculares Nacionais e leitura...............................................60

3.1 Leitura e gêneros textuais................................................................65

3.2 O ensino médio e a leitura...............................................................70

4 A formação do leitor...................................................................................73

5 Biblioteca: memória cultural.......................................................................82

5.1 A biblioteca pública na linha do tempo..........................................83

12

XI

5.1.1 A biblioteca no Brasil.................................................85

5.1.2 Biblioteca Escolar– espaço de informação/formação.89

5.1.3 A prática de leitura na Biblioteca Escolar..................91

CAPÍTULO III – BIBLIOTECA ESCOLAR E LEITURA: a realidade vivenciada por

usuários e mediadores de leitura......................................................................................95

1 USUÁRIOS DA BIBLIOTECA: INTERESSES E NECESSIDADES.....95

Leitura: para quê?...........................................................................96

Leituras de educadores e de alunos................................................100

Envolvimento nas leituras..............................................................105

Leitura na infância..........................................................................108

Livros infantis................................................................................111

Livros em casa..............................................................................113

Livros preferidos..........................................................................117

2 CONCEITOS DE LEITURA DOS USUÁRIOS E MEDIADORES DE

LEITURA NA BIBLIOTECA ESCOLAR..............................................121

3 HISTÓRIAS DE LEITORES...................................................................130

4 O GOSTO PELA LEITURA E OS GÊNEROS TEXTUAIS..................143

4.1. Locais prediletos para ler..................................................................148

5 O USO DA BIBLIOTECA ESCOLAR...................................................152

Ambientação de leitura................................................................153

Organização da Biblioteca Escolar..............................................158

As pesquisas na biblioteca...........................................................160

Freqüência à biblioteca................................................................165

Seleção de livros..........................................................................169

As mãos que medeiam a leitura...................................................172

Eventos de leitura........................................................................176

6 RELAÇÕES INTERPESSOAIS NA BIBLIOTECA ESCOLAR.............177

6.1 Bibliotecária de fato, não de direito..............................................181

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XII

7. IMPORTÂNCIA DA BIBLIOTECA E DA LEITURA NA FORMAÇÃO DO

ALUNO.............................................................................................184

7.1 Contribuição da biblioteca na formação do aluno-leitor...............186

CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................188

REFERÊNCIAS...............................................................................................200

APÊNDICE........................................................................................................209

14

APRESENTAÇÃO

Esse relato de pesquisa versa sobre um problema emergencial na educação escolar: a

formação do sujeito-leitor, centrando-o especialmente na biblioteca escolar.

Sabe-se que essa é uma questão que preocupa educadores, gestores e pesquisadores

desde longa data. Tem-se realizado, na marcha das últimas décadas, inúmeros congressos,

seminários, encontros e outros eventos dessa natureza, para discutir, apresentar pesquisas

realizadas acerca do assunto, traçar planos. No entanto, o problema continua gritante nas

escolas de educação básica.

Os testes aplicados pelo SAEB – Secretaria de Avaliação do Ensino Básico – vêm

demonstrando o baixíssimo nível de leitura dos alunos dos Ensinos Fundamental e Médio. A

história da leitura no Brasil revela também a precariedade com que esse tema sempre foi

tratado no que toca às políticas públicas.

No Brasil, o primeiro movimento que se tem registro a respeito de leitura, foi com a

chegada dos jesuítas, em 1549, que trouxeram livros para suprir os colégios da Colônia.

Passados dois séculos, estavam danificados pelo uso, e sem condições de restauração, por

efeito da expulsão dos jesuítas em 1759. Com isso, houve o abandono das poucas bibliotecas

existentes e perderam-se os primeiros bibliotecários-educadores existentes, que, mesmo com

o filtro da leitura tutelada pela Igreja, já apontavam para a necessidade da leitura.

No início do século XIX, surgiram novas iniciativas de leitura, com a produção de

prelos no Brasil, para os quais havia muitos analfabetos e poucas escolas. Já no século XX,

com o aflorar dos meios de comunicação rádio, cinema e televisão, que transmitiam suas

mensagens oralmente, dirigidas a uma população que se acostumara a ouvir e não havia

adquirido o hábito da leitura, estava fechado o círculo da massificação da informação sem o

aparato da leitura, sem o uso do livro, desagregado da prática de leitura reflexiva. Esse salto

da cultura da oralidade para a massificação dos meios de comunicação deixou lacuna

impreenchível na formação do leitor.

É nesse contexto de massificação da comunicação, de globalização, de internet, que a

escola pública se apresenta ainda nos moldes do século passado, buscando alternativas para

suprir suas emergências educativas, à volta com os problemas sociais de sua clientela, fugindo

à sua função primeira que é o ensino, inviabilizando qualquer condição de atacar um de seus

problemas emergenciais: formar alunos-leitores, de fato e de direito. Nesse aspecto, a

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biblioteca escolar exerceria papel central nas ações escolares. Entretanto, ela nem sequer tem

espaço ou voz para difundir seus milhares de textos escritos, de valor incalculável para a

formação do cidadão.

Contrariando toda a razão humana, essa mesma biblioteca que deveria ser espaço

cultural, que poderia contribuir para o processo de letramento, torna-se objeto de depósito de

livros, ou pior, local de castigo, onde se enclausura aluno que não apresenta comportamento

adequado para “ler”. Essa que deveria ser local atrativo, de expansão da cultura letrada,

mediadora no processo de aprendizado, faz o caminho inverso: é vista como instrumento de

repulsa por alunos, ignorada por muitos professores e gestores da administração educacional.

Eis o local do estudo ora apresentado, a biblioteca escolar, escolhido pelas

possibilidades de ser espaço de deleite intelectual, de preocupação de pesquisadores, de

difusão de informação e mediação na formação de leitores: ignorado por muitos, amado por

outros.

Há, a seguir, o relato de minha história de leitura, objetivando-se justificar o porquê do

interesse em pesquisar este tema.

Nasci e fui criada no interior, mais especificamente na zona rural de uma cidadezinha

do Estado de São Paulo, chamada Urânia, onde vivi uma infância cheia de sonhos e

encantamentos, rodeada das histórias contadas ou lidas por meu pai, que reunia todos os

filhos a seu redor e fazia verdadeiros serões de contos de histórias. Às vezes ficcionais, outras

verídicas, relatava episódios de sua própria vida, ou os “causos” que se passavam nos sertões,

histórias estas que nos fascinavam. Invariavelmente, íamos dormir com as mentes recheadas

de aventuras, de prazer, construídas no imaginário, cheias de imagens fantásticas.

Eram muitas as histórias a instigar minha imaginação, a me impulsionar para a

descoberta dos livros, dos seus conteúdos, das letras ali contidas, que me chamavam para

desvendá-las. Ansiosa, fui para a escola pela primeira vez e ali, com a exposição das famílias

silábicas, conheci palavras e frases que, reproduzidas da Cartilha Caminho Suave para o

quadro-negro, remetia-me a leituras fragmentadas, sem muito sentido, muito diferente

daquela leitura praticada na família, muito mais envolvente. Mas, mesmo assim, esse foi o

caminho que me abriu as portas para o conhecimento, para a construção da escrita e da

leitura. E, a partir daí, passei a ler tudo que se apresentava a meus olhos, das propagandas

escritas nas porteiras, que dividiam as propriedades rurais ao longo do caminho que percorria,

a pé, para ir à escola, ao jornal, que chegava embalando mercadorias compradas na cidade.

Tudo era pretexto para descobrir o mundo da leitura/escrita.

16

O encantamento de poder ler me encheu de sonhos. Ali, numa escola rural mista,

denominada Escola Rural Mista do Córrego do Cervo, localizada no município de Urânia,

Estado de São Paulo, fiz todo primário e, ao iniciar o ginasial, fui estudar na cidade, tendo em

vista que, naquela escola rural não se ofereciam esses estudos. Para tanto, tinha que viajar de

ônibus próprio aos estudantes, diariamente. Nesse trajeto, aproveitava para ler gibis ou dar

uma ‘passada’ nos conteúdos das matérias escolares estudadas.

Desde sempre tive um incentivador para o estudo – meu pai – homem sábio, porém de

poucas letras, só tinha o 2º ano primário, mas vislumbrava, como autodidata que era, o

mundo do conhecimento e me passava seu sonho, dizendo-me da importância de estudar.

Passei por todas as etapas de leitura que crianças e adolescentes saudáveis passam,

desde os livros de romance açucarado _ as do tipo Sabrina, muitas vezes lidos, passados de

mão em mão, a sugerir aventuras, amores por viver, lugares nunca imaginados _ aos cânones

da literatura apresentados pela escola, muito mais como leitura obrigatória, que como leitura

prazerosa, desvendadora de estórias e de histórias.

Muitas vezes buscava nas leituras a aventura, o desconhecido, com a intenção de

desvendar novos saberes que só o livro podia me proporcionar, seja pelas condições de vida

que tinha, seja pelo lugar em que morava. Portanto, fui lendo tudo a que tinha acesso.

Dos idílicos momentos reunidos para as sessões de histórias, na infância, passando

pelas descobertas literárias alicerçadas em obras de Monteiro Lobato ou Lucília Junqueira, ou

ainda por autores e poetas como Castro Alves, José de Alencar, Machado de Assis ou Sidney

Sheldon, tudo me conduzia à magia, ao deslumbramento das cobertas proporcionadas pela

leitura.

A biblioteca escolar foi forte aliada na condução de minhas opções literárias, pois foi

por meio do acervo bibliográfico desta que tive acesso a livros que jamais teria, quer pelas

condições financeiras quer pela falta de acesso a livrarias, já que cidade de interior

geralmente não dispõe desse recurso, além, claro, das trocas de livros entre amigos-leitores.

Os livros do Círculo do Livro foram referência de leituras na minha adolescência.

No ano de 1980, já no Estado de Mato Grosso, na, também pequena, cidade de interior

chamada São José dos Quatro Marcos, teve início novo ciclo de vida: o do trabalho. Comecei

a trabalhar na biblioteca da maior escola pública do município. O que se inicia como por

acaso, ou por falta de opção, revela-se o caminho que me deu a oportunidade de crescer como

cidadã, como pessoa e como profissional, afinal passava os dias entre livros e, apesar de

desprovida de qualquer experiência ou conhecimento de como ser bibliotecária,

desempenhava as funções de orientação nos trabalhos escolares, solicitados pelos professores,

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organização e empréstimo do acervo bibliográfico, e até me aventurava a sugerir leituras aos

alunos que ali vinham.

Daí para buscar uma faculdade foi conseqüência natural. Como sempre fora

apaixonada por leituras, pensei que poderia me dar bem no curso de Letras. Já no primeiro

vestibular, em 1.984, fui aprovada e iniciei o curso na Universidade do Estado de Mato

Grosso – UNEMAT, Cáceres.

Nesse período, passei por alguns desafios e os alunos para os quais lecionava foram

verdadeiros laboratórios. Por meio deles e com eles, pude aperfeiçoar teorias e técnicas

estudadas na universidade, crescemos juntos... Desenvolvi vários projetos na área de leitura e

produção de texto, sempre voltados para os temas emergenciais da sociedade, da educação, da

vida, tentando, com isso, levar aos alunos o tão propagado gosto pela leitura.

Na busca por novas experiências e pela construção de minha carreira, fiz dois cursos

de especialização (lato sensu), oportunidade em que alarguei meus referenciais literários.

Minhas leituras se voltam, então, para a especificidade da língua, em que autores como

Possenti, Orlandi, Fávero, Mary Kato, Kleiman, Bakthin e Zilberman, entre outros, dão o tom

teórico ao conhecimento empírico antes apenas vislumbrado.

A leitura formação, acionada à leitura informação, sempre esteve presente na minha

construção de leitora, ora mediante leituras filosóficas, como O mundo de Sofia ou O dia do

Coringa, de Jostein Gaarder, ora mediante as ficcionais, literárias ou não, como O Primo

Basílio, de Eça de Queiroz, O código da Vinci, de Dan Brown, entre outras, além das teórico-

metodológicas, que alicerçam o trabalho profissional. Assim, a leitura foi formando-me,

transformando-me.

De professora do Ensino Básico, com a árdua tarefa de despertar crianças e

adolescentes para o gosto pela leitura, amadureci para novas experiências profissionais.

Passei, então, a trabalhar na formação de professores, primeiramente no curso de extensão da

Universidade do Estado de Mato Grosso, campus de Pontes e Lacerda, pólo de Jauru, em

convênio com SEDUC/ UNEMAT/ UFMT, intitulado Licenciatura Plena em Educação

Básica, na modalidade de Educação a Distância. Atualmente trabalho no curso de Letras da

Faculdade Católica Rainha da Paz, localizada no município de Araputanga, Estado de Mato

Grosso. Nesse ínterim, minhas leituras se tornavam mais específicas, reflexivas e me

apontavam para a necessidade de trabalhar e pesquisar os caminhos da leitura.

Com o ingresso no curso de Mestrado da Universidade Federal de Mato Grosso –

UFMT –, pude desenvolver pesquisa que me desse a amplitude histórico-social do problema

que sempre aguçou minha curiosidade, inquietou-me. Ampliar minhas leituras, alicerçando-as

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em Chartier, Milanesi, Oliveira, Silva, Soares, etc., encontrar respostas às minhas indagações

e verificar como se dá a formação do sujeito-leitor no contexto educacional pode ser um dos

tantos caminhos que apontam para o entendimento de concepções e práticas pedagógicas que

permeiam o fazer pedagógico do século XXI, a exigir leitores capacitados, aptos para atuar na

sociedade letrada em que vivem.

Assim, no percurso da história da ouvinte-leitora, da infância; à professora-leitora-

estudante-pesquisadora, a leitura foi adquirindo aspectos cada vez mais complexos, densos,

que exigiam respostas e que me moviam para o campo da investigação, a fim de buscar

respostas a um problema que sempre me inquietou, que é o problema da formação do sujeito

leitor na biblioteca escolar e a verificação de práticas de leitura nesse lócus privilegiado.

Para tanto canalizei esforços tendentes a responder ao questionamento:

Como a biblioteca escolar Rui Barbosa, da Escola Estadual Deputado Bertoldo

Freire, localizada no município de São José dos Quatro Marcos, atua para o processo de

letramento visando à formação dos alunos-leitores?

Complementar a este problema levantei algumas questões que nortearam este estudo:

Quais as concepções de leitura e de ensino de leitura que embasam e/ou justificam as

práticas de leitura desenvolvidas na escola/biblioteca?

O que os alunos usuários da Biblioteca Escolar revelam sobre sua formação de

leitores?

O que professores e bibliotecária revelam sobre o trabalho com a leitura na biblioteca?

Qual é o papel da biblioteca no contexto da escola pesquisada?

Ao analisar a biblioteca escolar e a dinâmica do processo de leitura que ali ocorre e, ao

considerar que alunos e professores carregam consigo uma história de leitores, que conhecida

e analisada poderá subsidiar possibilidades de tessitura de conceitos, de compreensibilidade,

de reconhecimento e ampliação de novas teorias na formação do sujeito-leitor, os resultados

da pesquisa poderão sensibilizar educadores e gestores da educação na procura de ações

concretas e imprescindíveis à melhoria da qualidade de ensino.

O objetivo geral desse estudo foi analisar o papel da Biblioteca Escolar Rui Barbosa,

no atinente à sua contribuição para o processo de letramento, visando à formação do aluno-

leitor.

Como objetivos específicos, busquei conhecer como se dá o processo de leitura na

biblioteca escolar, além de identificar fatores que influem no desempenho de alunos,

professores e bibliotecários, inseridos no contexto da biblioteca escolar No que tange ao

processo de letramento destes usuários, verificar qual é a importância da biblioteca escolar na

19

formação do leitor e qual é o papel da leitura na vida do aluno-leitor, analisando as atividades

de leitura na biblioteca escolar.

Esse trabalho, fruto do desenvolvimento do estudo intitulado “Biblioteca Escolar:

espaço cultural que pode contribuir para o processo de letramento” está organizado em três

capítulos.

O Capítulo I descreve os caminhos metodológicos que sustentaram a construção da

pesquisa, demonstrando o objeto, os sujeitos e o contexto da pesquisa, além da forma

escolhida para a coleta e interpretação de dados, sob a luz de autores que explicam os

processos da pesquisa qualitativo-interpretativa, como BOGDAN e BIKLEN (1982), LUDKE

e ANDRÉ (1986), TRIVIÑOS (1987) e MINAYO (2004).

O Capítulo II aborda as concepções e práticas de leitura, assim como a história das

modalidades de leitura e a formação do sujeito-leitor. Apresenta, por igual, a biblioteca como

espaço de memória cultural, somado a brevíssimo histórico da Biblioteca Escolar. Esse

capítulo está alicerçado em autores como FOUCAMBERT (1994), FREIRE (1998),

MILANESI (1984), OLIVEIRA (2005), SILVA (1994), SOARES (1988), PCN (1988) entre

outros.

O Capítulo III descortina a organização e o funcionamento da Biblioteca Escolar Rui

Barbosa, localizada na Escola Estadual Deputado Bertoldo Freire, município de São José dos

Quatro Marcos, Estado de Mato Grosso, enfatizando-se a análise dos dados coletados junto

aos sujeitos da pesquisa, não sem evidenciar suas vozes, com o objetivo de destacar sua

formação de leitores.

Há, ainda, as Considerações Finais. Aí, reflito sobre o panorama atual da biblioteca

escolar, relacionando-o com as práticas de leitura dos sujeitos-leitores, alvo desta pesquisa.

20

CAPÍTULO I

ABORDAGEM METODOLÓGICA

Segundo Bogdan e Biklen (1982), a pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como

sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento, haja vista a

pesquisa qualitativa supor o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a

situação que está sendo investigada, mediante intensivo trabalho de campo.

Lüdke e André (1986) caracterizam o método qualitativo interpretativo de abordagem

como aquele que considera “a obtenção de dados descritivos, obtidos no contato direto do

pesquisador com a situação pesquisada, enfatiza mais os processos que o produto e se preocupa em

retratar a perspectiva dos participantes” (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p.13). Nessa linha, faz-se

adequado a uma investigação que evidencia a percepção dos sujeitos investigados sobre as

práticas de leitura propiciadas no ambiente da biblioteca escolar.

Nesse método de pesquisa, os dados coletados são predominantemente descritivos; o

material obtido é rico em descrições de pessoas, situações, acontecimentos; inclui transcrição

de entrevistas e de depoimentos, fotografias, desenhos e extratos de vários tipos de

documentos. Citações são freqüentemente usadas para subsidiar uma afirmação ou esclarecer

um ponto de vista. Todos os dados observados da realidade são considerados importantes. A

preocupação com o processo é muito maior do que com o produto. O pesquisador, ao estudar

um determinado problema, verifica como ele se manifesta nas atividades, nos procedimentos

e nas interações cotidianas.

Ao realizar este estudo, sob o enfoque qualitativo, busquei capturar a perspectiva dos

participantes, isto é, a maneira como o informante vê as questões que estão sendo focalizadas,

e, ao considerar os diferentes pontos de vista dos participantes, os estudos qualitativos

permitiram-me clarear o dinamismo interno das situações, geralmente inacessível ao

observador externo. Afinal, observar as ações de uma pessoa não se reduz a tomar nota dos

movimentos físicos visíveis desta, mas a interpretar o sentido que a pessoa confere à sua

conduta. O observador somente pode interpretar se tiver, por referência, os motivos do

21

entrevistado, as suas intenções ou propósitos no momento da ação. O investigador deve dar a

palavra ao entrevistado, para poder descobrir como ele constrói suas experiências e a partir de

que categorias produzem sua organização, ou seja, como organiza os fenômenos

socioculturais em sua mente e os significados que lhes atribui.

Para revelar os pontos de vista dos participantes, tive o cuidado com a acuidade das

percepções, exercendo, durante o primeiro período de contato com o lócus de pesquisa,

extensas sessões de observação, com o objetivo de obter as informações, checá-las,

confirmando-as ou refutando-as, de acordo com a recorrência delas. Afinal, a pesquisa

interpretativa busca significados locais e imediatos das ações, partindo do ponto de vista dos

envolvidos no processo.

A pesquisa qualitativa interpretativa tem sua origem nas práticas desenvolvidas pelos

antropólogos, ao inserirem os sujeitos no campo da pesquisa para observar os fenômenos

relativos aos campos culturais, precedidos dos sociólogos, ao realizarem seus estudos sobre a

vida em comunidade.

Esta investigação encontra eco nas palavras de Triviños (1987): “(...) no campo

educacional, a abordagem qualitativa começou a despertar crescente interesse a partir da década de

70, do século XX (TRIVIÑOS, 1987, p. 125)” e envolve sujeitos em seu lócus de atuação, já que

foi desenvolvida no campo educacional e apresentou marcas teórico-metodológicas

delineadas pelas características qualitativas de investigação.

Para Teixeira (2003), uma pesquisa em educação precisa ser:

(...) edificada por entre planos, vigas e eixos devidamente escolhidos e combinados que assegurem sua criação – a construção do conhecimento que lhe é peculiar. É como uma arquitetura traçada no objeto de estudo, um objeto científico erigido mediante combinação de fatos, questões, observações, teorizações, analises, raciocínios. (TEIXEIRA, 2003, p. 82)

O autor compara a pesquisa à edificação de um prédio, com todas as preocupações que

o profissional da área deve ter com relação ao planejamento, observação, análise, ação ...

Assim também é a construção de um trabalho científico, que deve ser marcado por todo o

rigor que a ciência impõe à pesquisa, para que de fato esta revele informações os mais

confiáveis e precisas possível. Nesse aspecto, a educação emerge como o caminho mais

promissor e aceitável de domínio da modernidade. De conseqüência, florescem pesquisas,

das mais variadas tipologias, buscando respostas a problemas da educação brasileira, dentre

elas a pesquisa sobre a leitura, que ocupa espaço consagrado, fato verificado em Congressos,

22

revistas especializadas, discussões acadêmicas, etc. Nesse contexto, a pesquisa qualitativa

interpretativa empresta suas características para esta pesquisa, por adequar-se à natureza

desse estudo.

1 O contexto da pesquisa

Ao optar por um tema amplamente explorado – a leitura – e apontar como lócus de

investigação a biblioteca escolar, metaforicamente tido como espaço onde o silêncio talvez

seja a palavra que melhor simbolize sua situação atual, propus trazer à discussão um tema

passível de se constituir em oportuno objeto de pesquisa, pois nas palavras de Silva (1999):

(...) a biblioteca escolar brasileira encontra-se sob o mais profundo silêncio; silenciam as autoridades, ignoram-na os pesquisadores, calam-se os professores, omitem-se os bibliotecários. (SILVA, 1999, p. 13)

Afinal, sua finalidade espaço cultural que pode contribuir para o processo de

letramento, a biblioteca escolar deve, no aspecto material, funcionar como porta de acesso

para o contato do leitor com diversos tipos de gênero e suportes de leitura e, no aspecto social,

como fomentadora de situações de uso da leitura, seja no momento da escolha do livro, seja

pelo prazer da descoberta ou pela troca de informações com a família, com o professor, com o

outro.

1.1 O lócus da pesquisa

Para entender em que contexto se realizou este estudo, apresento breve histórico do

município de São José dos Quatro Marcos, assim como da Escola e da Biblioteca Escolar,

objeto desse estudo investigativo.

1.1.1 O Município

São José dos Quatro Marcos está localizado a 302,6 km da capital do Estado, Cuiabá,

às margens da Rodovia MT – 175. O município se localiza na Região Sudoeste do Estado de

Mato Grosso, na microrregião 14, com altitude de 284 metros acima do nível do mar,

abrigando cerca de 20.000 habitantes.

23

A região do município de São José dos Quatro Marcos foi habitada pelos índios

bororos, também conhecidos por Índios Cabaçais, denominação dada pelos paulistas.

Atualmente o povo bororo, por igual denominado homóptera vive confinado na Área Indígena

Umutina, em Barra do Bugres.

A área que compõe o território municipal de São Jose dos Quatro Marcos era satélite

de Vila Bela da Santíssima Trindade, nos tempos da Capitania de Mato Grosso. Entretanto,

não há registro significativo na região do atual município, assim como também não se anotou

o histórico dos tempos da extração da poaia (ipecacuanha) e da borracha.

O primeiro sinal de tomada de posse da terra, de modo efetivo, deu-se em 1962,

quando Zeferino José de Matos, pioneiro de São José dos Quatro Marcos, adquiriu uma área

de terras da Imobiliária Mirassol, sediada no Estado de São Paulo.

Em 1966, Zeferino José de Matos, Luiz Barbosa e Miguel Barbosa do Nascimento

doaram 11,02 alqueires de terra para loteamento, a fim de se estabilizar um núcleo

populacional.

Na batida rudimentar do facão e da foice, foi aberta a clareira na mata e fincados os

quatro marcos demarcatórios dos lotes rurais. Mais tarde, as ruas abertas no alinhamento dos

quatro marcos receberam os nomes de Avenidas São Paulo e Bahia.

Esses quatro marcos, balizadores de terras, se prestou para denominar o povoado e

depois o município. A denominação São José adveio do protetor escolhido pela população,

São José Operário.

Em busca de terras boas para plantio, foram chegando famílias de São José do Rio

Preto, Santa Fé do Sul e diversas outras regiões dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e

Paraná. Em menor proporção, os nordestinos.

Em 1966, Luiz Barbosa cedeu terreno para a construção da primeira escola, de pau-a-

pique, com cobertura de folhas de babaçu. Chamava-se Escola Rural Mista de São José dos

Quatro Marcos e se localizava na área central do povoado, precisamente numa das conjunções

das atuais avenidas São Paulo e Bahia. Nesse primeiro ano, a escola passou por vários

problemas, culminando no abandono das aulas pelo então professor Francisco Paulo de Brito.

No ano seguinte, retornam as aulas com outros dois “professores”: Nivaldo Mila e Maria

Luiza da Silva.

Com o desenvolvimento do núcleo urbano, formou-se a Associação de Pais e Amigos

do Bairro – APAB. Essa associação, com o apoio de Antônio Alvarez, então vereador do

município de Cáceres, representando os interesses da Gleba de São José dos Quatro Marcos,

solicitou ao governador José Manuel Fontanilhas Fragelli a construção de prédio escolar

24

condizente. Foram, então, construídas quatro salas de alvenaria, na escola que hoje se

denomina Escola Estadual Deputado Bertoldo Freire, local dessa pesquisa.

O Estado de Mato Grosso, vendo a segurança de um futuro para a região, criou o

município de Mirassol. Nesta nova unidade municipal criou o distrito de São José dos Quatro

Marcos, por meio da Lei Estadual nº. 3.934, de 4 de outubro de 1977. Dois anos mais tarde,

com a denominação simplificada para Quatro Marcos, nascia o município com a Lei Estadual

nº. 4.154, de 14 de dezembro de 1979. No dia 10 de janeiro de 1974, a Lei 4.637 alterou a

denominação de Quatro Marcos para São José dos Quatro Marcos.

A partir da metade da década de 1990, este município, cujo pendor natural quadrava

com a agricultura, graças à alta qualidade de suas terras, teve sua qualidade natural ´desviada`

para a pecuária, fato este que levou sua população ao êxodo rural, despovoando e

descaracterizando toda a população. Esta se evade para outras regiões do Estado, à procura de

trabalho e de melhores perspectivas de vida, pois um município que tivera quarenta escolas no

interior do município, e atualmente conta com duas, demonstra uma queda acentuada em sua

capacidade de manutenção da população em suas origens.

Um município, cuja história mostra a cultura ruralista, tem hoje sua base econômica na

pecuária e seus derivados: laticínio e frigorífico, maiores fontes geradoras de emprego do

município.

O objetivo de relatar a história político-econômica do município não é outro senão

contextualizar a situação histórico-social dos sujeitos inseridos nesta pesquisa.

1.1.2 A Educação no Município

O município de São José dos Quatro Marcos arregimenta uma malha educacional

composta de oito escolas estaduais, três municipais, sendo uma na sede do município e duas

no seu interior. Acresça a elas uma escola cooperativa.

Matriculados e freqüentando a Educação Infantil são 351 alunos. No Ensino

Fundamental encontra 4.042 alunos, ao passo que no Médio soma outros 646 alunos,

perfazendo um total de 5.039 alunos na Educação Básica. Para atender a essa clientela o

município dispõe de 136 professores efetivos e de 128 contratados, além dos professores que

estão no apoio técnico-pedagógico.

Para completar o quadro educacional, no município está localizada também a

Faculdade de Quatro Marcos, instituição educativa de cunho particular, que oferece os cursos

de Farmácia, Enfermagem e Psicologia.

25

Promover educação sempre foi preocupação de gestores e educadores do município.

Tanto é que, além de contar com uma faculdade na sede do município, desloca para a cidade

de Cáceres, com vista a franquear estudo na Universidade do Estado Mato Grosso

(UNEMAT), quatro ônibus, transportando universitários matriculados nos diversos cursos ali

ofertados. De notar, ainda, os dois ônibus que vão para a cidade de Araputanga, transportando

alunos que cursam a Faculdade Católica Rainha da Paz.

1.2 A escolha do campo de pesquisa

Conhecido o município, onde se insere a escola alvo desta pesquisa, passo agora a

relatar como se deu o interesse por essa pesquisa e por que elegi essa escola para a pesquisa.

Ao idealizar o projeto de pesquisa, visitei todas as escolas da sede do município de

São José dos Quatro Marcos, conversando, na ocasião, com os diretores das escolas

supracitadas procurando pinçar dados que subsidiassem a pesquisa e a apresentação do

problema de pesquisa. Nesta primeira e fundamental visita, pude perceber alguns sinais que

apontavam para a seleção do lócus de pesquisa, os quais são relatados a seguir:

1. Das sete escolas da sede do município, apenas duas têm funcionários designados

pela direção para responder pela biblioteca escolar, e destes, apenas um é

responsável exclusivamente pela biblioteca, ao passo que o outro atende também

ao portão, assistindo aos alunos no horário do recreio.

2. Quatro escolas têm salas destinadas ao uso da biblioteca, salas estas mantidas

fechadas por falta de alguém que atenda, em período integral ou parcial, aos alunos

que venham a precisar dos livros ali existentes.

3. Em três escolas, o espaço destinado à biblioteca, mais se assimila a um depósito de

livros: ou os livros estão acondicionados em armários, que são acessados quando

algum usuário dele necessita, ou então se recorre ao coordenador ou funcionário da

secretaria que atende ao pedido do solicitante.

4. O uso da biblioteca, na maioria dos casos, é esporádico na escola, destinando-se

este espaço ao uso de aulas de reforço.

Na visita realizada à biblioteca municipal, localizada numa das salas da Secretaria

Municipal de Educação, pude perceber que essa conta com acervo incipiente, desatualizado,

tendo por atendente uma professora pedagoga, designada para atender aos usuários que ali

acorrem, por sinal em número bastante tímido. A biblioteca divide o espaço, já pequeno, com

o Curso de Licenciatura em Educação Básica, na modalidade da Educação a Distância,

26

ofertado pela Universidade do Estado de Mato Grosso, campus de Pontes e Lacerda, pólo de

Jauru.

Em agosto de 2005, apresentei a proposta de pesquisa em projeto analisado durante a

disciplina Seminário Avançado de Pesquisa I. Esse enfeixava como lócus de pesquisa, as

bibliotecas das Escolas Estaduais Deputado Bertoldo Freire e Marechal Rondon, por serem

bibliotecas escolares que dispunham de condições favoráveis ao desenvolvimento da

pesquisa: horários de atendimento, funcionários designados para tal, acervo em local

adequado. Aconselhada pela orientadora de pesquisa a que se optasse por um dos espaços,

não tive dúvidas: elegi a pela Biblioteca Escolar Rui Barbosa, da Escola Estadual Deputado

Bertoldo Freire, situada na Rua Pernambuco, 962, Centro, no município de São José dos

Quatro Marcos. Isso se deu, ao considerar que foi a que apresentou melhores condições de

acesso aos usuários, tanto pela localização geográfica (localiza-se no centro da cidade) quanto

pela regularidade nos horários de atendimento (dois períodos, diariamente). Outro aspecto

também considerado foi que este já havia sido meu local de trabalho, de 1981 a 1984, quando,

no início de minha carreira profissional fora contratada como Agente Administrativo,

designada para responder pela biblioteca escolar, que já tinha um número significativo de

livros em seu acervo. Mais ainda: era a única biblioteca do município naquele período,

atendendo não só alunos da escola, mas de toda comunidade. É de frisar: esse fato ocorre

ainda hoje. Por ser a biblioteca mais bem equipada do município, atende a todas as pessoas

que ali acorrem, necessitando de livros para pesquisa ou para leitura.

Delimitado o espaço de pesquisa, passo agora a descrever a composição do cenário,

baseada em anotações das observações realizadas, em entrevistas gravadas com professores,

alunos e bibliotecária, além de consulta aos documentos oficiais da escola.

1.2.1 A Escola

A Escola Estadual Deputado Bertoldo Freire está localizada na Rua Pernambuco, nº.

962, Centro, no município de São José dos Quatro Marcos, Estado de Mato Grosso. Foi criada

pelo Decreto 5.277 de 6-5-1976, publicado no Diário Oficial nº. 17.079, de 10-5-1976, com

autorização e reconhecimento dos Ensinos Fundamental e Médio, por meio da Portaria nº.

239/03 – CEE/MT, publicada no Diário Oficial de 20-1-2004.

Analisando o Projeto Político Pedagógico da Escola, verifiquei que a escola tem por

Objetivo Geral:

27

Oportunizar ao educando situações de construção do conhecimento, promovendo seu crescimento pessoal, social, de forma consciente, solidário, responsável, participativo e critico na sociedade, motivadas pelas mais altas idéias de altruísmo e solidariedade ao próximo. (P.P.P., p. 8)

O prédio tem estrutura bem antiga, embora se encontre em boas condições de uso,

apresentando instalações físicas adequadas ao bom atendimento de sua clientela, mobiliário

em bom estado de conservação, ambiente limpo, aprazível e acolhedor.

Vista da área externa da escola – entrada principal

28

Ala principal da escola, avistando-se, ao fundo, ala com salas de aula O cuidado com que a escola é tratada é percebido pela jardinagem logo à entrada da

escola: é uma escola limpa e bem cuidada, toda arborizada, o que contribui para amenizar o

calor nas salas de aula.

A escola desenvolve projetos especiais visando ao aprimoramento educacional ali

ofertado, os quais constam do Projeto de Desenvolvimento da Escola e do Plano Político

Pedagógico, construídos a partir dos objetivos e necessidades de sua clientela, envolvendo

todos os segmentos da escola: direção, professores, funcionários, alunos, pais.

Projeto especial de repercussão humana, integrando os objetivos a que se propõe, é a

sala de recursos, onde uma professora especialista desenvolve plano de acompanhamento a

alunos portadores de necessidades especiais, não só do quadro discente da Escola Estadual

Deputado Bertoldo Freire, mas também àqueles que estão integrados nas outras escolas do

município. Na área da leitura é desenvolvido o projeto Leituração, trabalhado pelos

professores de Língua Portuguesa: objetiva a divulgação da leitura entre os alunos da escola.

Como não havia menção da Biblioteca Escolar no Plano Político Pedagógico da

Escola, a bem da verdade canal de extrema utilidade à clientela escolar, indaguei sobre tal fato

à direção. Foi-me solicitado que redigisse um tópico a esse respeito, o que foi feito; sendo

assim, atualmente consta, na página 23 do P.P.P. – Plano Político Pedagógico, item que

explicita o funcionamento da biblioteca Rui Barbosa.

1.2.2 A Biblioteca Escolar

A Biblioteca Escolar Rui Barbosa, situada nas dependências da Escola Estadual

Deputado Bertoldo Freire, registrada no Instituto Nacional do Livro/MEC, junto ao Programa

de Bibliotecas, sob nº. 22-167, em 18 de janeiro de 1982, na categoria escolar, de acordo com

o Decreto nº. 48.902, de 27 de agosto de 1960, é um suporte pedagógico para as práticas

educativas desenvolvidas na escola. Esta se localiza no pátio central da escola, entre as salas

de aula e a quadra de esportes.

29

Área externa da Biblioteca Rui Barbosa

A biblioteca nasceu do anseio da comunidade escolar, carente de meios para efetuar

suas leituras. Então, a direção da escola desocupou um cômodo situado entre duas salas de

aula, que servia de almoxarifado, para transformá-lo em biblioteca. Este era feito de tábuas e

media seis metros quadrados, aproximadamente. A primeira aquisição de livros foi efetuada

no ano de 1976, na Livraria Siciliano, São Paulo, capital, quando a diretora, munida de boa

vontade e algum dinheiro arrecadado na I Festa do Arroz, promovida com o objetivo de

iniciar o acervo da tão sonhada Biblioteca Escolar, fez a aquisição de considerável volume de

títulos, alguns até sem serventia prática para uma escola do 1º grau, diante da inexperiência

em aquisição de livros para biblioteca e da esperteza de vendedores, ávidos por fazer lucrativa

venda. Enfim, o sonho da comunidade estava se tornando realidade.

A partir daí, doações foram recebidas, novas Festas do Arroz foram promovidas,

transformando-se em festa tradicional na cidade, sempre com o objetivo de ampliar o acervo

bibliográfico da biblioteca escolar. Para atender aos usuários da biblioteca, a escola contou,

inicialmente com o trabalho voluntário de Júlio César André, aluno da 6ª série do Ensino

Fundamental, que organizou a biblioteca. Atendia nos períodos vespertino e noturno (até às

21h30min), já que estudava no período matutino. Posteriormente, a escola passou a designar

funcionários, ora administrativo, ora professor em desvio de função, para dar expediente na

biblioteca, já que não há política de atendimento à biblioteca nas escolas estaduais de Mato

Grosso.

30

1.2.2.1 Aspectos físicos

Atualmente, a sala onde está instalada a Biblioteca Escolar tem 53,2 metros

quadrados, onde estão distribuídas as estantes com os livros constantes do acervo

bibliográfico, assim como as mesas, onde os alunos fazem suas pesquisas.

Área interna da Biblioteca Escolar

No primeiro momento desse estudo, entre agosto e dezembro de 2005, etapa da

observação, a sala da biblioteca estava dividida em dois ambientes, separados por grande

estante de madeira, onde estavam acondicionados os livros de literatura. À direita da sala

ficavam 17 prateleiras de aço, com livros organizados por área de estudos. Nas laterais,

encostadas à parede, havia prateleiras de madeira, com os livros paradidáticos*.

À entrada havia a escrivaninha da ‘bibliotecária’, vedando a passagem para usuários,

permitindo-se a entrada de professores e alguns poucos alunos, que tinham acesso direto aos

livros. À esquerda, estavam dispostas cinco mesas dispostas e 37 cadeiras, onde os alunos

realizavam suas pesquisas. Neste lado ainda havia três prateleiras: aí estavam acondicionados

livros infantis, revistas e livros paradidáticos (em desuso), além de uma caixa com livros e

* Paradidáticos: são livros que dão suporte ao ensino, dentre estes estão além dos literários, os instrutivos e os

técnicos.

31

revistas para recorte. Neste espaço, bem no canto da sala, havia ainda um suporte de alvenaria

para o freezer (bebedouro), as torneiras ficavam do lado de fora da sala.

No início das atividades do novo ano letivo de 2006 a biblioteca se apresentava toda

reestruturada. O mobiliário e os livros estavam todos dispostos ao redor da sala, ficando mais

acessível aos alunos que podem vê-los, manuseá-los, escolher suas leituras. Com essa nova

disposição, aumentou também o espaço interior da biblioteca, possibilitando, com isso, a

inserção de novas cadeiras e mesas nesse ambiente. O aparelho de ar condicionado minimiza

o calor no interior da biblioteca, promovendo um ambiente mais agradável aos usuários da

biblioteca. Se bem que assim, permanecia um ambiente árido, não havendo sequer um cartaz

alusivo ao fomento à leitura.

Surpreendente é o número de usuários que procuram a biblioteca por dia. A média de

freqüência é de 90 a 100 usuários/dia*, desde alunos da própria escola, das outras escolas do

município e até universitários que ali acorrem para fazer seus trabalhos acadêmicos.

Área Interna – Alunos fazendo pesquisa escolar

* Há dias em que a freqüência é superior a esse dado, especialmente ao se considerar os dias próximos ao fechamento de bimestre, quando os professores solicitam trabalhos de pesquisa aos alunos.

32

Área interna - Alunos fazendo pesquisa escolar

Área interna – Seção de Registro de Presença e de

Empréstimo de Livros

O acervo bibliográfico, composto, atualmente, de 2.143 livros tombados como

romance e 2.265 livros distribuídos nas categorias de didáticos, teóricos, de apoio pedagógico,

provenientes de compra, de doação da comunidade e de campanha dos programas de melhoria

e expansão do ensino dos governos federal e estadual, perfaz um total de 4.408 títulos. Estão

organizados em prateleiras, por ordem alfabética, de acordo com a área de estudo.

33

Livros organizados nas prateleiras (Enciclopédias)

Livros didáticos

34

Livros de Literatura Brasileira (romances)

Os romances são encapados com papel pardo, para melhor conservação.

Livros diversos e revistas

Por ser a leitura, atividade imprescindível na vida do indivíduo, meio para a aquisição

de novos conhecimentos e para a participação em sociedade, ela evoca uma série de reflexões,

de esforços no entendimento. A leitura é, portanto, base e condição primordial para que o

sujeito possa realizar seu verdadeiro eu. Por isso, a Biblioteca Rui Barbosa ocupa espaço

35

central nas atividades da escola, sempre superlotada de alunos, à procura de pesquisas

escolares, de livros e revistas, chegando mesmo a haver congestionamento de pessoas que

necessitam esperar para ser atendidas pela bibliotecária.

2 Os Sujeitos da Pesquisa

Dada a impossibilidade de entrevistar todos os leitores que perambulam pela

Biblioteca Escolar, selecionei uma amostra, composta de 24 alunos-leitores, quatro

professoras e a bibliotecária. As características apresentadas por esses sujeitos permitem que

eles representem os demais que a eles se assemelham.

Os critérios que orientaram a escolha dos sujeitos foram:

a) Quanto aos alunos:

1. Serem freqüentadores da biblioteca escolar,

2. Serem assíduos leitores do acervo bibliográfico,

3. Serem alunos do Ensino Médio, entre 14 e 16 anos.

b) Quanto às professoras:

1. Serem freqüentadores da biblioteca escolar,

2. Trabalharem a leitura com os alunos em sala de aula, aproveitando o acervo

bibliográfico escolar,

3. Serem professores dos alunos entrevistados.

c) Quanto à bibliotecária:

1. Trabalhar na Biblioteca Rui Barbosa.

Antes de prosseguir com a descrição acerca dos sujeitos que participaram desse

estudo, penso ser conveniente fazer um parêntese para discutir o termo mediador. O termo em

uso, bastante recorrente e diversificado, conduz à indagação: mediador de quê/quem?

Variadas são as respostas encontradas nos textos: mediador de culturas (NASCIMENTO,

2004), mediador de conflitos (VANGRELINO, 2005), do espaço de mediação do político

(CUNHA, 2003). Porém, há maior ênfase ao mediador do processo dialógico, a partir do qual

novos conhecimentos são produzidos pelos grupos, ou seja, pelo educador e pelos educandos,

conjuntamente. A esse respeito, AMÂNCIO (2004) ilumina o conceito de mediação com que

trabalho e que dialoga com vários outros:

Entendendo o educador como um mediador no processo de construção de conhecimento, avançamos para a noção de emancipação social que esse

36

conhecimento poderá proporcionar aos sujeitos problematizadores de suas realidades. (AMÂNCIO, 2004, p.5)

Sendo assim, o educador, “sujeito designado a vir aos grupos populares com um saber

que lhe é específico e que dá a estes grupos uma contribuição teórica própria.” (AMÂNCIO,

2004, p.14), é mediador da problematização da realidade com os educandos, sendo, ao mesmo

tempo, mediado pelo movimento de ação-reflexão-ação (FREIRE, 1987), implícito ao

processo educativo popular. Todos os sujeitos se transformam, porque tanto os educandos

quanto os educadores mobilizam, ressignificam os próprios saberes e a própria leitura da

realidade.

Nesse estudo, utilizo-me do termo mediador de leitura para nomear os sujeitos que

trabalham com a leitura no contexto escolar, especificamente no entorno da biblioteca escolar,

por isso os descrevo como mediadores de leitura – professores e mediadora de leitura –

bibliotecária, por esta ter, como função principal, o atendimento aos alunos freqüentadores da

biblioteca escolar, buscando nesse espaço livros e revistas, seja para fazer seus trabalhos

escolares seja para degustar suas leituras.

Os mediadores de leitura – professores – foram selecionados de acordo com os

critérios acima descritos, além de serem os mais citados pelos alunos entrevistados, tanto no

que concerne ao quesito fomento à leitura de literatura quanto na exigência de pesquisa

bibliográfica para elaboração de trabalhos escolares.

A mediadora de leitura que presta serviços nesta biblioteca, aqui denominada

bibliotecária, tem por formação o Ensino Médio completo. Cursou o Projeto Arara Azul,

ofertado aos servidores do Estado pela Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso.

Trabalha na biblioteca há cinco anos, desempenhando as várias atividades que concernem à

sua função, isto é, organização do acervo, registro de entrada e saída de livros (empréstimo e

aquisição), cobrança de devolução de livros em atraso, orientação aos alunos nas pesquisas

escolares, coleta de assinatura no livro de freqüência à biblioteca.

Todos os mediadores professores são do sexo feminino, com idade entre 25 e 45 anos,

com ensino superior nas áreas de Letras (duas professoras), História (uma professora) e

Educação Artística (uma professora). Com exceção da professora de Educação Artística que

principiou suas atividades profissionais há dois anos, as outras professoras têm em média 18

anos de docência.

Os sujeitos da pesquisa foram divididos em dois grupos - alunos leitores e mediadores

de leitura (professoras e bibliotecária). Os dados coletados com o primeiro grupo, o qual se

37

denominou alunos-leitores, foram usados para análise da formação leitora desse grupo

investigado. O segundo grupo, denominado de mediadores de leitura, tiveram as informações

de suas entrevistas analisadas, com vista a perceber as evidências da mediação de leitura

desenvolvida na biblioteca escolar.

Como estratégia de acesso aos entrevistados do primeiro grupo – alunos leitores, eu

me socorri da estratégia dos plantões de observação, quando pude perceber a freqüência com

que estes vêm à biblioteca, os livros que ali procuram. Para confirmar essas impressões, ouvi

as professoras de Língua Portuguesa desses alunos e a bibliotecária, que confirmaram que se

trata de leitores assíduos de livros e revistas constantes do acervo da biblioteca. Então, parti

para a segunda etapa do processo, que foi a solicitação de uma entrevista a cada um deles.

Nenhum se recusou a concedê-la. No entanto, três alunos faltaram à entrevista, sendo

substituídos por alunos com freqüência bastante assídua na biblioteca. As entrevistas

ocorreram no período de 17 de abril a 5 de maio, nas dependências da Escola Estadual

Deputado Bertoldo Freire, que cedeu um espaço para sua realização, já que na biblioteca é

impossível tal atividade, haja vista que esta é densamente procurada e tem espaço reduzido.

Foram entrevistados vinte e quatro alunos, devidamente matriculados na Escola

Estaduais Deputado Bertoldo Freire, na 1ª e 2ª séries do Ensino Médio, com idade entre 14 e

16 anos. Estes, escolhidos por apresentarem as características constantes dos critérios que

orientaram a escolha dos sujeitos.

Num segundo momento, entrevistei os sujeitos mediadores de leitura. Dentre os cinco

mediadores entrevistados, quatro são professoras, uma é a bibliotecária. As entrevistas se

deram no período de 8 a 20 de maio; na sala de professores, as entrevistas com as professoras;

na biblioteca, a entrevista com a bibliotecária.

3 A coleta de dados

Entre os meses de setembro e dezembro e 2005, foi realizada a fase de observação in

loco, para verificação da rotina dos usuários da biblioteca escolar, interrompid no mês de

janeiro em decorrência das férias escolares. Foi retomada em meados de fevereiro, com o

reinício do ano letivo de 2006.

A observação, período rico em conhecimento, franqueou-me apreender as práticas de

leitura mediadas pela biblioteca, além de indicar outros instrumentos que complementassem

essa apreensão, como o diálogo com os usuários da biblioteca sobre os objetivos de suas

pesquisas. Tal fato fortaleceu laços de confiança entre mim e os pesquisados que, como

38

experiência humana, se dá no ‘espaço relacional do conversar’. Segundo o pensar de

MATURANA (1993, p. 9), é “o entrelaçamento do linguajar e do emocionar”.

A partir do mês de março, com a definição dos sujeitos da pesquisa e aprovadas as

questões para a entrevista semi-estruturada, houve a preparação para proceder às entrevistas,

ocorridas entre os meses de abril e maio de 2006.

A fotografia foi utilizada como instrumento auxiliar de descrição, complementando a

descrição verbal da Biblioteca Escolar Rui Barbosa, tanto de seu espaço físico quanto das

ações ali desencadeadas.

Utilizei-me da análise de documentos, como o Projeto Político Pedagógico, o

Regimento Escolar, os livros de registro do acervo da biblioteca escolar, assim como da

freqüência de seus usuários, recurso complementar às técnicas de coleta de dados, por

constituir valioso instrumento complementar às entrevistas semi-estruturadas, gravadas com

os mediadores de leitura para apresentar as considerações acerca do trabalho desenvolvido

pela biblioteca escolar. A análise documental, segundo Ludke e André

pode se constituir numa técnica valiosa de abordagem de dados qualitativos, seja complementando as infomações obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema. (LUDKE e ANDRÉ, 1986, p. 83)

Para efetivar o levantamento de dados com os sujeitos da amostra, elaborei roteiros

básicos, com a finalidade de orientar a realização da observação direta e a condução da

entrevista.

3.1 Observação

Observar é aplicar atentamente os sentidos físicos a um objeto, para deste adquirir

um conhecimento claro e preciso. A ciência depende da observação para validar todos os

outros processos. Sem esta, a investigação da realidade e suas leis seriam pura conjectura e

adivinhação.

Durante o período da pesquisa, procurei manter observação constante, de modo que

atingisse os aos objetivos traçados, para que os resultados buscados pudessem ser os mais

verossímeis possíveis.

Assim, no roteiro elaborado para a observação, busquei levantar informações a este

respeito:

a) O tema ou assunto solicitado pelos usuários da biblioteca escolar,

b) Que tipo de bibliografia era mais solicitado,

39

c) A maneira como realizam leitura na biblioteca,

d) A participação da mediadora de leitura, “bibliotecária”, com os usuários,

e) As orientações recebidas do professor de sala de aula, no tocante ao encaminhamento

das leituras solicitadas,

f) O acervo da biblioteca escolar.

As informações assim obtidas foram registradas na forma de diário de campo, para,

noutro momento, serem analisadas.

3.2 Entrevista

É um método flexível de obtenção de informações qualitativas sobre um projeto. Este

método requer bom planejamento prévio e habilidade do entrevistador para seguir um roteiro

de questionário, com possibilidades de introduzir variações, que se fizerem necessárias,

durante sua aplicação. Em geral, a aplicação de uma entrevista requer um tempo maior do que

o de respostas a questionários. Em contrapartida, a entrevista pode fornecer uma quantidade

de informações muito maior do que o questionário. Um dos requisitos para aplicação desta

técnica é que o entrevistador possua as habilidades para conduzir o processo.

Lüdke e André (1986) afirmam:

A grande vantagem da entrevista sobre outras técnicas é que ela permite a captaçao imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos. Uma entrevista bem-feita pode permitir o tratamento de asuntos de natureza estritamente pessoal e íntima, assim como temas de natureza complexa e de escolhas nitidamente individuais. Pode permitir o aprofundamento de pontos levantados por outras técnicas de coleta de alcance mais superficial, como o questionário. E pode também, o que a torna particularmente útil, atingir informantes que não poderiam ser atingidos por outros meios de investigaçao, como é o caso de pessoas com pouca instrução formal, para as quais a aplicação de um questionário escrito seria inviável. (LÜDKE e ANDRÉ, 1986, p.34)

Para os autores, a técnica da entrevista na captação de informações é mais ágil e

abarca pessoas que dificilmente seriam atingidas com outro tipo de instrumento de pesquisa.

Por isso, para o planejamento da entrevista deste estudo, as questões formuladas foram

desenvolvidas levando em atençao alguns aspectos, tais como: adaptei a linguagem ao nível

40

do entrevistado, evitei questões longas, mantive um referencial básico (objetivo) para a

entrevista, deixei o entrevistado à vontade sem sugerir quaisquer respostas possíveis para a

pergunta, com vista a evitar direcionar a resposta.

Sendo assim, procurei transformar o roteiro semi-estruturado das questões como

referência para as entrevistas, de maneira que não aprisionasse os envolvidos num esquema

rígido de perguntas e respostas, procurando captar, no decorrer das entrevistas, o

comportamento gestual dos entrevistados, o silêncio, a indecisão, o pensamento percorrendo

os caminhos da memória.

As entrevistas dos sujeitos alunos leitores tiveram, em média, a duração de 30

minutos, ao passo que as dos sujeitos mediadores de leitura atingiram duraçao média de 55

minutos.

Para respeitar a identidade dos leitores entrevistados, optei por registrar apenas as três

letras iniciais dos seus nomes, assim como sua idade. No caso dos mediadores de leitura, após

as três primeiras letras dos nomes, as iniciais Prof. para os mediadores de leitura –

professores – e Bibl. para a mediadora bibliotecária, para diferenciá-los dos sujeitos alunos-

leitores.

Durante as entrevistas com os alunos usuários, não percebi nenhum constrangimento

por parte dos entrevistados. Apenas duas alunas, bastante tímidas, falavam bem baixinho,

mas, ainda assim, foram bastante espontâneas. Percebi alguns alunos com os olhos brilhando,

ao se recordarem de livros lidos ou de pessoas que influenciaram sua formação de leitores. A

mãe de uma aluna me procurou para saber o que estava acontecendo e por que sua filha não

havia sido convidada para a entrevista. Esse momento é rico em significado, pois percebi que

a pesquisa estava mexendo com as pessoas. Esclareci à mãe que havia alguns quesitos

elaborados para proceder à entrevista e que sua filha não se identificava com alguns deles. A

mãe entendeu, agradeceu e parabenizou-me pelo trabalho.

As entrevistas semi-estruturadas com os mediadores de leitura objetivaram buscar

informações referentes ao sujeitos entrevistados (gostos, necessidades), aos interesses

pessoais/profissionais, ao acervo bibliográfico, à relação mediador/leitor, à formação

acadêmica, à relação pessoal com a leitura, às relações e atividades desenvolvidas no interior

da biblioteca escolar.

As emoções que permearam esta fase da pesquisa, conduziram-me ao desafio de novas

descobertas, de ratificação de valores, da conquista de novos desafios.

41

4 Os Dados - apresentação e interpretação

Como lembra Bardin (1995), é nas práticas que se definem os procedimentos de

análise. Dessa forma, foram delineadas as propostas de análise dos dados coletados, por meio

de observação e de entrevistas.

O processo de análise foi iniciado tão logo foram coletados os dados, quando me

utilizei da transcrição das entrevistas, que é a primeira versão escrita da fala do entrevistado.

Ao realizá-la empreendi um esforço com vista a passar a linguagem oral para a escrita,

respeitando os códigos, diferentes entre si. Nesta etapa, às vezes houve certa insegurança,

motivada pela solidão do trabalho, pela fragmentação do discurso, posto que ainda não era

visto em sua totalidade, compreendido em sua análise, realizada a posteriori.

Esse trabalho de interpretação, como a “busca do oculto no aparente” (RICOEUR, 1978,

p.16), desvelou-se na dicotomia entre o vivido e o pensado, que constituiu a síntese do

trabalho de análise.

Assim, a descrição passou a ser o recurso fundamental do trabalho, constituindo-se o

processo de busca de significado de um fenômeno, partindo da materialidade do que se

pretendeu descrever e caminhando para um aprofundamento e compreensão. Procurei

ancorar-me na descrição de forma que ela cumpra sua função desveladora, a fim de proceder à

sistematização dos dados com clareza e precisão, a partir do que fora vivenciado nas práticas

de observação e entrevista. Neste momento a interpretação, definida como a organização em

contextos de significação dos aspectos estudados é de vital importância.

Nesse trabalho de leitura e releitura dos dados, emergiram as categorias dos elementos

constitutivos dessa experiência. Bardin (1977) explica a categorização como:

(...) uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero (analogia) com critérios previamente definidos. As categorias são rubricas ou classes, as quais reúnem um grupo de elementos (unidades de registro, no caso da análise de conteúdo) sob um titulo genérico, agrupamento esse efetuado em razão dos caracteres comuns desses elementos. (BARDIN, 1977, p. 117)

No processo de análise, explicita-se a compreensão do fenômeno pesquisado: a leitura

na Biblioteca Escolar. Busquei, nesta etapa, aliar a subjetividade envolvida no decorrer da

coleta de dados ao rigor científico exigido numa pesquisa, orientando-a nos referenciais

42

teóricos dos cânones da literatura do gênero. Afinal, a ciência se socorre dos mais variados

métodos para trazer à tona respostas satisfatórias aos indagadores.

Fundamental é a discussão sobre a prática de leitura em seus contextos de uso, no

cotidiano da escola, tornando a relação com o mundo escrito marcada por uma maior

naturalidade, intimidade e prazer.

Neste trabalho, recorrendo a algumas categorias de análise, trago, à luz das

discussões, registrados no Capítulo IV, alguns resultados que estão ligados à formação do

sujeito leitor no contexto da biblioteca escolar, o perfil do leitor, suas concepções de leitura, a

organização e características da biblioteca, assim como atividades de leitura desenvolvidas

em seu interior.

43

CAPÍTULO II

A LEITURA NO CENTRO DA DISCUSSÃO

“O livro foi a maior invenção da história e a base de todas as outras conquistas da civilização.”

Darcy Ribeiro

Os conceitos de leitura são complexos e, obviamente, a discussão em torno de um

conceito de leitura com certeza não se esgotará neste estudo. Inúmeras as opiniões acerca do

tema, explicitando divergências entre diversos autores contemporâneos; entretanto, essa

discussão se faz necessária para a compreensão da dimensão de sua significação.

Na sociedade contemporânea, em que a inclusão social é um dos problemas a ser

enfrentado no atinente a políticas públicas, ler tornou-se fundamental, não só como passaporte

garantido ao seu usuário na produção cultural-científica mais sofisticada, mas também como

instrumento para aquele que precisa assinar contratos, ler bulas de remédio, procurar

empregos, ler jornais, ingressar nos espaços políticos. Em todos os campos culturais,

informativos, documentais, políticos, literários, artísticos, a leitura é meio privilegiado de

partilha, de reflexão da faculdade de estudo, de luta e opção. E como diz Foucambert (1994):

(...) não existe um só campo em que a verdadeira prática da democracia não passe pelo acesso do maior número de pessoas à escrita. Não há partilha do acesso à escrita. A desigualdade na utilização da escrita constitui o ponto de estrangulamento de toda a vida democrática. (FOUCAMBERT, 1994, p. 25)

Neste sentido, compete à escola não mais apenas a transmissão do patrimônio

científico e cultural consagrado, mas a responsabilidade, entre outros, pela formação do leitor.

A partir do momento em que o indivíduo circula em ambientes propícios (tanto

familiar quanto escolar) à formação de um leitor, com acesso a livros e propostas de leituras,

convivência com leitores formados e em formação, estes possibilitem os ambientes para que

os alunos se tornem leitores privilegiados, oscilantes em diferentes faces que refletem uma

concepção de leitura que é, ao mesmo tempo, instituição e prática social coletiva.

A concepção de leitura como prática produzida socialmente, observando as relações

construídas com o meio, as ações que nele se desenvolvem, os saberes que o constituem e a

afetividade nela envolvida, a partir da pesquisa que deu origem a esse trabalho; e, ciente de

que as transformações que se ligam ao conjunto das relações sociais, tanto no sistema

44

produtivo como na coletividade, na partilha política, no sistema educacional, será permitida à

medida que a leitura seja traduzida como ação significativa para seus sujeitos, construída sob

a condição de necessidade. Afinal, ler é uma questão de inclusão à sociedade letrada.

1 Leitura – Concepções e Práticas

Ao viver numa sociedade letrada, em que a convivência cotidiana com artefatos

diversificados de leitura está à espera de um leitor que lhe atribua significados, discutir as

concepções e práticas de leitura se tornou uma necessidade. Nessa esteira, inicialmente,

busquei a concepção de Chartier (1996) que diz:

(...) ler é compreender o que lemos; dotar essa operação de re-conhecimento da estrutura de significância, de uma significação. (...) ler é também, e enfim, decifrar, interpretar, visar e talvez adivinhar o sentido de um discurso. (CHARTIER, 1996, p.19)

Para o autor, a leitura ultrapassa os limites do reconhecimento do código, para buscar a

estrutura da significação. Conseqüentemente, em função de ser objeto da cultura de um povo

e fruto da necessidade do homem, a leitura tanto pode ser libertadora, como alienante, de

acordo com o escopo que se der a ela: libertadora, no sentido de ser veículo de expressão para

mudança de mentalidade social e alienante, se usada como veículo de doutrinação e alienação

de consciência.

Tomando-se a concepção de processo de leitura de SILVA (1995, p. 11) “ instrumento

civilizatório de reflexão e compreensão da realidade, de inserção do homem na história e no seu

tempo, através da análise critica dos registros ou documentos veiculados pela escrita”, confirma-se

a função social da leitura como processo de conscientização e politização; instrumento de

combate à ignorância e à alienação, prática social e pessoal de domínio cultural.

Na prática, a leitura envolve um leitor e um autor que, por meio de ato interativo,

buscam satisfazer a necessidade de conhecimento ou a experiência do contato prazeroso com

determinado texto. Uma prática pessoal de leitura envolve o leitor solitário que, no momento

da leitura, dialoga com alguém que solitariamente escreveu um texto.

Antes de discutir as concepções de leitura trazidas por autores/pesquisadores da

linguagem/leitura, faço um parêntese para falar da linguagem verbal e da não-verbal,

deixando explícito que este trabalho versa sobre a leitura da linguagem verbal, já que seu

mote é a leitura na biblioteca escolar.

45

A linguagem verbal e a visual travam diálogos intensos e imemoráveis entre si e provocam outros tantos entre seus autores e leitores. Mas, principalmente em nosso tempo, essa interação adquire importância fundamental, pelas possibilidades cada vez maiores de diferentes linguagens iluminarem-se mutuamente, ampliando seus meios expressivos e suas leituras. (MARTINS, 2002, p. 95)

Tanto na história antiga, como na atualidade, as imagens têm sua importância pelo que

representam, à medida que podem ser entendidas de forma mais fácil que as palavras. Isso se

dá no pensar o homem por meio de imagens.

Levando-se em conta o aspecto da facilidade de entendimento da imagem, pode-se

perceber sua importância como forma de comunicação. Isso, porém, não quer dizer que as

imagens são entendidas sempre da mesma forma.

Como a linguagem verbal, as imagens também oferecem a possibilidade de diferentes

leituras, dependendo da bagagem do leitor, sua experiência de vida, seu posicionamento em

relação ao que está sendo visto e, ainda, os recursos utilizados pelo autor da imagem.

Ao significar algo, uma imagem remete a idéias, sentimentos, interferindo na

interpretação do leitor, transformando esse algo representado, o que é diferente de

simplesmente reproduzi-lo.

Com relação ao mundo das imagens, Santaella e Nöth afirmam existir dois domínios:

O primeiro é o domínio das imagens como representações visuais: desenhos, pinturas, gravuras, fotografias e as imagens cinematográficas, televisivas, holo e infográficas pertencem a esse domínio. Imagens, nesse sentido, são objetos materiais, signos que representam o nosso meio ambiente visual. O segundo é o domínio imaterial das imagens da nossa mente. Neste domínio, imagens aparecem como visões, fantasias, imaginações, esquemas, modelos ou, em geral, como representações mentais. Ambos os domínios da imagem não existem separados, pois estão inextricavelmente ligados na sua gênese. (SANTANELLA e NÖTH, 2001, p. 15)

Então, pode-se dizer que uma imagem leva a outra. A fotografia, a pintura, os gestos, a

gravura são signos que representam determinadas coisas, ao mesmo tempo em que as

transformam, acionando na mente do leitor imagens mentais que conduzem a leituras

possíveis, propiciando determinada construção de sentido.

A linguagem, como se sabe, é sempre, em maior ou menor grau, forma de persuasão,

de levar o outro a aderir a um ponto de vista. Ao produzir uma mensagem fotográfica, o

fotógrafo elabora um texto com imagens. No caso do jornalismo, com imagens cotidianas

46

que, apesar de serem fragmentos do mundo exterior, escolhidos em determinado tempo e

espaço, com características de documento, também carregam uma preocupação estética, pois

são endereçadas ao público, por isso devem atrair a atenção. Apesar de ter como função

primordial a documental, a fotografia, mesmo no jornalismo deve, sim, trazer elementos

estéticos que conduzam a leitura para a produção de determinado sentido.

Compor uma imagem é pensar todos os seus elementos de forma geométrica,

equilibrada, harmoniosa, valorizando aspectos que serão percebidos pelo leitor explicita ou

implicitamente. Essa composição deve levar em conta que a leitura dessa imagem, sua

conotação, dependerá da forma como chegar ao leitor, pois não existe um entendimento que

seja considerado universal, comum a todos os leitores, principalmente se estes não estiverem

preparados para a interpretação que farão dessa imagem. Elementos como textura,

perspectiva, posição, iluminação, contraste, entre tantos outros, são fundamentais para a

construção da mensagem imagética.

A composição nada mais é do que a arte de dispor os elementos do tema –

formas, linhas, tons e cores – de maneira organizada e agradável (...) como

também uma maior facilidade em entendê-la. (BUSSELLE, 1996, p.16)

Da mesma forma que lemos um texto verbal, lemos um texto não-verbal numa ação

ótica e mental simultânea. Para Lima (1988), essa leitura é feita em três fases distintas: a

percepção, a identificação e a interpretação.

A percepção é puramente ótica: os olhos percebem as formas e as tonalidades dominantes sem as identificar. Ela é igualmente muito rápida e não ultrapassa cerca de meio segundo, sendo que o hábito da televisão reduz ainda mais essa duração, sobretudo nas crianças. A leitura de identificação é uma ação às vezes ótica às vezes mental, como a leitura de um texto. O leitor identifica os componentes da imagem e registra mentalmente o seu conteúdo. A terceira fase que é a interpretação é uma ação puramente mental. É nesse estado que se manifesta o caráter polissêmico da fotografia, quando se estabelecem as analogias, quando se buscam relações entre as imagens e o que significam. (LIMA, 1988, p.22)

Também fazem parte da linguagem não-verbal as cores e o planejamento gráfico, que

criam sentimentos diferentes em relação à mensagem pretendida e indicam o caminho de

leitura que deve ser seguido pelo olho do leitor.

47

Assim como o texto para ser claro, precisa enquadrar-se nas regras gramaticais conhecidas, o design gráfico, para ser compreendido, também deve obedecer às regras de visualidade. Que são, basicamente, aquelas definidas pela capacidade e entendimento do homem: sua mente e seu olho. (FERLAUTO, 2002, p.62)

Ao dispor os elementos que constituem a mensagem numa página, o design está

reformulando a mensagem, reforçando a idéia, valorizando cada parte, de acordo com um

objetivo predeterminado. Além de organizar para melhorar a leitura da mensagem, o design é

responsável pela identidade visual do veículo. Por isso, sua composição precisa ser muito bem

estruturada, pois o aspecto visual estará relacionado com a natureza da mídia, com seu

conteúdo e contexto.

Os elementos não são dispostos de forma aleatória. Seguem regras de acordo com a

movimentação comum dos olhos, que fazem um caminho de leitura específico dentro da

página. De acordo com Silva (1985), esse caminho segue um condicionamento do olho

relacionado com a escrita ocidental, da esquerda para a direita, o que leva o olhar a fazer

sempre esse primeiro percurso, partindo do lado superior esquerdo para o restante da página.

Da mesma forma que a linguagem verbal é lida, a não-verbal também o é,

principalmente no caso das imagens. No entanto, a educação formal, muitas vezes,

desconsidera esse tipo de leitura, priorizando o ensinamento da leitura do texto verbal. Por

isso tratar da leitura do verbal é tema mais recorrente entre pesquisadores.

Dentre as tantas definições de leitura trazidas neste estudo, elegi, inicialmente, a

definição de que alguns autores se utilizam para referenciar seus trabalhos, que é a da leitura

associada com a decodificação mecânica dos signos lingüísticos, por ser a que,

aparentemente, dá suporte às primeiras lições estudantis. Trata-se de definição contraditória,

posto que, no ato da leitura, o indivíduo evoca conhecimentos adquiridos ao longo de sua

existência, tornando-os imprescindíveis para a compreensão do texto escrito.

Segundo Martins (1998), as inúmeras concepções sobre leitura podem ser

classificadas em duas caracterizações:

1. como decodificação mecânica de signos lingüísticos, por meio do aprendizado estabelecido a partir do condicionamento estímulo-resposta (perspectiva behaviorista skinneriana). 2. como processo de compreensão abrangente, cuja dinâmica envolve componentes sensoriais, emocionais, intelectuais, fisiológicos, neurológicos, tanto quanto culturais, econômicos e políticos (perspectiva cognitivo-sociológico). (MARTINS, 1998, p. 31)

48

Essa última definição vem ganhando mais sustentação por parte de pesquisadores, por

se tratar de definição mais abrangente, permitindo demonstrações interdisciplinares.

Para FOUCAMBERT (1994), a leitura é

(...) um equilíbrio entre o processo de identificação de palavras que não se pode prever com precisão – e que, por isso, informam – e o processo de verificação da antecipação de palavras que se pude prever – e que, portanto, informam menos. (FOUCAMBERT, 1994, p. 27)

Não existe leitura se inexistir uma expectativa, uma pergunta, uma questão, antes da

interação com o texto. A compreensão de um texto pelo leitor passa pelo questionamento do

mundo, pela certeza de que determinadas respostas podem ser encontradas no escrito.

Podendo-se ter acesso a esse escrito é que se constrói uma resposta que integre uma parte das

informações novas ao que já se sabe. Portanto, ler é poder verificar a exatidão de uma

antecipação, de um questionamento, é incorporar ao já conhecido novos conhecimentos.

Smith (1989), psicolingüista norte-americano, compara a leitura à escrita e a todas as

outras formas de pensamento, dizendo que jamais podem ser separadas das finalidades,

conhecimentos anteriores e emoções da pessoa engajada na atividade, nem da natureza do

texto quer está sendo lido. Sendo assim, a leitura é considerada como processo, e ela não

poderá ser

(...) compreendida sem levarem-se em consideração os fatores perceptivos, cognitivos, lingüísticos e sociais, não somente da leitura, mas do pensamento e aprendizado em geral. A leitura é algo complexo, mas também o são os atos de caminhar, falar e dar um sentido para o mundo em geral(...). (SMITH, 1989, p. 15)

Nesta proposição, o autor referenda a importância de criar condições necessárias para

fazer com que a leitura ocorra.

Complementando essa proposição e ampliando-a, Zilberman e Silva (1995) acentuam:

Leitura não é ato solitário; é interação verbal entre indivíduos socialmente determinados: o leitor, seu universo, seu lugar na estrutura social, suas relações com o mundo e com os outros; o autor, seu universo, seu lugar na estrutura social, suas relações com o mundo e com os outros. (ZILBERMAN e SILVA, 1995, p.18)

Em uma situação de leitura, na inter-relação entre o autor e suas vivências e o leitor e

suas vivências, podem ocorrer diferentes significados históricos e culturais interseccionados,

49

marcados pelo poder simbólico acumulados por seus protagonistas. Nessa perspectiva, o

aprendizado que se depreende dessa situação de interação é conduzido de maneira que os

saberes acumulados não se separem do domínio das linguagens de utilidade geral, associados

às visões de mundo.

Há uma tendência pragmática, em que se admite a importância da leitura como

instrumento de capacitação para a competição em uma sociedade que tem por discurso

corrente a inclusão social. Paralelamente ao discurso da promoção da leitura, como que

justificando sua urgência, está o reconhecimento que o sujeito não lê – ou não lê o suficiente

ou o que deveria ler. Alguns discursos implicam a idéia de que hoje se lê menos do se lia em

outros tempos, e isto se deveria, em parte, às pedagogias anacrônicas (com destaque para

todas as ações escolares que supõem a leitura obrigatória) e à competição que os meios

eletrônicos teriam estabelecido com a leitura.

Vários são os programas que foram postos à prova, embora os resultados não sejam

alentadores. Apesar das iniciativas de promoção do livro e da leitura que se fizeram desde que

começaram os programas de promoção de leitura e se divulgaram as novas propostas de

ensino, tem-se que admitir que as mudanças são irrelevantes.

Há um predomínio nos debates e nas ações de promoção da leitura de uma concepção

mistificadora e salvacionista, bem como uma indistinção dos processos e dos objetos

envolvidos nas formas de ser e de viver na sociedade de cultura escrita. Com muita freqüência

se fala da deterioração da educação escolar e da perda do prazer de ler. No entanto, as

pesquisas que se vem fazendo nos últimos 40 anos, sobre a leitura e a escrita, nos oferecem

ampla compreensão dos processos de como se organizam os discursos e as atividades sociais

mediadas por essa tecnologia, bem como do modo de produção, circulação e uso dos produtos

culturais de base escrita. Acima de tudo, demonstram, de maneira muito clara, que a posse e o

uso da leitura/escrita implicam formas próprias de organização do pensamento e da cognição.

As pesquisas realizadas sobre leitura e escrita, no Brasil e mesmo fora dele, funcionam

como importantes contribuições à compreensão das questões que encartem leitura e escrita,

mas não devem ser os determinantes da prática docente, principalmente quando os teóricos

em apreço listam o que deve ser lido por professores e alunos, sem considerar as

especificidades de cada interação educativa.

Para Soares (1988):

(...) os valores da leitura sempre apontados são aqueles que lhe atribuem às classes dominantes, radicalmente diferentes dos que lhe atribuem às classes

50

dominadas. Pesquisas já demonstraram que, enquanto as classes dominantes vêem a leitura como fruição, lazer, ampliação de horizontes, de conhecimentos, de experiências, as classes dominadas a vêem pragmaticamente como instrumento necessário à sobrevivência, ao acesso ao mundo do trabalho, à luta contra as condições de vida. (SOARES, 1988, p. 17-29)

Ao falar de leitura, Orlandi (1998) diz que é preciso distinguir nela vários sentidos.

Em sentido amplo, poder-se-ia identificá-la como atribuição de sentido, empregada tanto na

escrita quanto na oralidade. A exemplo disso, cita as leituras que se fazem no cotidiano das

pessoas, assim como a de um texto escrito. Num sentido mais restrito, acadêmico, afirma que

leitura pode expressar a construção de um aparato teórico e metodológico de aproximação de

um texto: são as várias leituras de Saussure, as possíveis leituras de Platão – só para citar

algumas – e, ainda, no sentido restrito, diz que se pode relacioná-la com a alfabetização, isto

é, com aprender a ler e a escrever.

Pesquisas vêm demonstrando que, no ato de ler, o leitor leva em consideração não

apenas o que está no papel; somado a isso, é acrescentado o conhecimento de mundo, as

crenças acerca do tema, o conhecimento de língua e de linguagem, o referencial de outras

leituras e escritas, havendo uma integração no processo de construção de sentidos no

momento em que ocorre a leitura; afinal, uma das características do ser leitor é que, diante das

questões que o mundo lhe propõe, saiba encontrar respostas relevantes na escrita e domine

estratégias diversificadas de exploração do texto.

Para Siqueira (2000, p. 18-19), para compreender o processo de produção de sentido

em um texto, algumas considerações são importantes:

1) O significado de uma parte do texto não é autônomo, mas depende das outras com que

se relaciona;

2) O significado global de um texto não é resultado da mera soma de suas partes, mas de

certa combinação geradora de sentido, de múltiplas relações que se estabelecem entre

suas partes;

3) “Contexto” á a unidade maior em que uma menor está inserida. Uma frase pode ter

sentidos diversos, dependendo do contexto em que está inserida. O contexto pode ser

explícito, quando é expresso por palavras, ou implícito, quando está embutido na

situação em que o texto é produzido;

4) Todo texto é produzido por um sujeito, num dado tempo e num determinado espaço.

Esse sujeito, por pertencer a um grupo social num tempo e num espaço, expõe em seus

textos as suas idéias, anseios, temores, as expectativas de seu tempo e de seu grupo

51

social. Por isso, todo texto tem um caráter histórico-social, não no sentido de narrar

fatos históricos ou sociais, mas no de revelar os ideais e as concepções de um grupo

social, em determinada época. Cada período histórico apresenta para as pessoas certos

problemas, e os textos se pronunciam sobre eles. O fato de se viver em um mesmo

contexto histórico permite compartilhar os conhecimentos, valores e crenças

necessários à compreensão dos textos contemporâneos que lemos;

5) As circunstâncias em que ocorre o uso da língua, ou seja, a situação de comunicação, é

que permitem aos interlocutores (autor/leitor, falante/ouvinte) compartilhar as

informações e conhecimentos necessários à atribuição de sentido ao texto. Quando se

trata de um texto escrito, o suporte do texto – revista, jornal, livro – desempenha essa

função de “partilha de informações”. No caso de comunicação oral, esse papel fica por

conta dos elementos do ambiente em que a situação de comunicação se dá;

6) Os interlocutores (falante/ouvinte, autor/leitor), ou seja, os participantes de uma

interação verbal, ao entrarem no processo interlocutivo, utilizam os conhecimentos

prévios de que dispõem, não apenas sobre a língua, mas também sobre o mundo. Esses

participantes possuem determinadas intenções, expectativas e disposições. Formulam

imagens de si mesmos e do outro. Dessa forma, produzem textos diferentes, de acordo

com a intenção que possuem numa dada situação e de acordo com a imagem que

fazem de seu interlocutor;

7) O sentido de um texto depende de outros fatores, além das palavras e da organização

da língua;

8) Quando se estrutura gramaticalmente as frases da língua, não consegue garantir

unicidade de sentido. Há múltiplas possibilidades de interpretação.

A subjetividade, o estudo da situação, do contexto, ganha ênfase, sob diferentes pontos

de vista, no estudo da linguagem e da significação. Paulo Freire desenvolveu um trabalho que

enfoca a ligação entre a realidade e a língua, em relação à leitura. Ao abordar o problema da

alfabetização, afirma:

A leitura da palavra é sempre precedida da leitura do mundo. E aprender a ler, a escrever, alfabetizar-se é, antes de tudo, aprender a ler o mundo, compreender o seu contexto, não numa manipulação mecânica de palavras, mas numa relação dinâmica que vincula linguagem e realidade. (FREIRE, 1983, p. 8)

Pode-se ver a importância atribuída por Freire ao contexto e a influência de seu

método na prática da alfabetização. Por vezes, a realidade e a linguagem chegam a fundir-se

52

uma na outra: na leitura da “palavramundo”, os textos, as palavras, as letras “encarnam-se”

nas coisas. Freire traz para dentro da reflexão sobre a língua e o ato de ler a questão da prática

de leitura, vinculada às outras práticas situadas em um contexto.

Nunes (1994, p.20) salienta que a prática de leitura envolve tanto o sujeito da leitura

como as condições histórico-sociais em que ele se insere. Compreende, pois, desde o

tratamento dado aos textos, seja individualmente seja a partir de técnicas institucionalizadas,

até a situação econômica e política em jogo.

As práticas de leitura estiveram, por longo tempo, dominantemente ligadas à Igreja.

As crianças, nesse contexto de intenso adestramento, vão se tornando instrumentos para a disseminação do cristianismo reformado, ao custo da ausência familiar, da imposição das regras que as tornarão dóceis obreiras da causa da igreja. (...) os alunos são levados a conhecer e interpretar as diferentes concepções do homem e do mundo pelas ciências e pela filosofia, sob a inspiração dos ideais evangélicos, segundo as Escrituras Sagradas. (OLIVEIRA, 2005, p. 41)

Atualmente, elas têm como centro de difusão a escola. Por isso, a maioria dos

trabalhos sobre a leitura se relaciona com a escola, com a educação. Há alguns trabalhos que

apresentam uma perspectiva histórica da leitura, outros mostram as práticas de leitura e o

desenvolvimento da sociedade. Yunes (1984) coloca o problema da leitura no Brasil como

gerido pela falta de uma ‘tradição cultural’, pela ‘alienação’ do processo educacional.

Esses trabalhos dão lugar ao questionamento da prática de leitura, da política

educacional, da situação do ensino e das condições de difusão da leitura, em que o sujeito se

relaciona com outros sujeitos, numa noção de interação que caracteriza a relação entre dois

sujeitos intencionais: o autor e o leitor, oportunidade em que o segundo se esforça para

conhecer as intenções do primeiro. Essa relação aponta para uma forma de sociabilidade

voltada para o particular, para a interação entre indivíduos.

Outro fator bastante observado nesses trabalhos e que vale a pena salientar é o

posicionamento do sujeito-leitor na sociedade, já que a maioria dos trabalhos se dirige para a

escola, o sujeito-leitor freqüentemente identificado é o aluno; daí o leitor sempre aprendiz, em

busca da ‘boa leitura’, em busca de orientações interpretativas. Tem-se também a imagem do

leitor solitário, isolado da sociedade em seus momentos de prazer, em suas visitas à

biblioteca.

Além desses enquadramentos do leitor, pode-se concebê-lo em seu trabalho específico

com a língua, com os textos; em relação ao que se pode ler e o que se lê; em relação ao que se

diz e se lê, aqui ou ali, em uma conjuntura social.

53

Nesse sentido, Geraldi (1987), ao comentar a leitura realizada nas escolas,

questiona a escolha dos textos a serem lidos pelos alunos,

(...) os alunos lêem obras de autores, brasileiros ou não, que de certa forma dão conta dos sentimentos e atitudes que a escola pretende consolidar nas crianças: a generosidade, o otimismo, espírito de renuncia, piedade, obediência, etc. e que se tornaram, algumas, verdadeiros “best-sellers” entre o público escolar. (GERALDI, 1987, p.73)

Observa-se, na reflexão de Geraldi, a caracterização dos leitores sob o aspecto moral,

ou, como ele diz de sentimentos e atitudes. Ressalto aqui o fato de essas qualificações serem

consolidadas a partir do que se lê, e não a partir de uma orientação dada pelo professor, com

base em um método de leitura.

Isso leva a considerar a importância do texto, não só como objeto da leitura, mas

também como constituinte do próprio sujeito-leitor.

Ler é uma atividade pessoal, complexa, subjetiva, interativa, que não pode ser

estudada apenas com a observação, porque depende de um conjunto de atitudes internas,

cognitivas e mentais, que não se mostram aos nossos olhos. O sujeito que lê se apóia no

registro gráfico no papel, com as informações que o autor lhe fornece e nas informações que

ele tem disponíveis em sua mente, em sua estrutura cognitiva, decorrentes do seu

conhecimento de mundo, ou seja, é aquilo que se dá o nome de conhecimentos prévios. Pode-

se entender, portanto, que ler é uma construção ativa, em que o leitor aciona informações não

visuais que possui em sua estrutura cognitiva, ao entrar em contato com o texto no qual

produzirá sentido.

2 A Leitura no Contexto Escolar – Impacto e Desenvolvimento

Pensar leitura na escola implica discutir esta escola, refletir as relações que se

estabelecem a partir da concepção de linguagem e de leitura que fundamenta a prática do

professor no seu dia-a-dia, conhecendo as relações que os alunos constroem com o ato de ler.

54

A escola, a família, a Igreja, os meios de comunicação de massa e outros constituem,

atualmente, verdadeiros agentes socializadores da função pedagógica, à medida que assumem

e se compreendem como instituições sociais formadoras dos indivíduos.

Na literatura universal, encontramos testemunhos de muitos escritores sobre a

importância da leitura na primeira infância, portanto, na família. Marcel Proust, cuja obra

“Em busca do tempo perdido” é considerada por muitos a mais importante do século XX,

deixou vários indícios desse fato, como os que se seguem retirados de “Sobre a leitura”:

Talvez não haja na nossa infância dias que tenhamos vivido tão plenamente como aqueles que pensamos ter deixado passar sem vivê-los, aqueles que passamos na companhia de um livro preferido. Era como se tudo aquilo que para os outros os transformava em dias cheios, nós desprezássemos como um obstáculo vulgar a um prazer divino: o convite de um amigo para um jogo exatamente na passagem mais interessante, a abelha ou o raio de sol que nos forçava a erguer os olhos da página ou a mudar de lugar, a merenda que nos obrigavam a levar e que deixávamos de lado intocada sobre o banco, enquanto sobre nossa cabeça o sol no céu azul; o jantar que nos fazia voltar para casa e em cujo fim não deixávamos de pensar para, logo em seguida, poder terminar o capítulo interrompido.” “Algumas vezes, em casa, no meu leito, muito tempos depois do jantar, as últimas horas da noite, antes de adormecer, abrigavam também minha leitura, mas isso somente nos dias em que eu chegava aos últimos capítulos de um livro, que não faltava muito para chegar ao fim. Então, arriscando ser punido se fosse descoberto e ter insônia que, terminado o livro, se prolongava, às vezes, a noite inteira, eu reacendia a vela, assim que meus pais iam deitar.” “Queríamos tanto que o livro continuasse, e se fosse possível, obter outras informações sobre todos os personagens, saber agora alguma coisa de suas vidas, empenhar a nossa em coisas que não fossem totalmente estranhas ao amor que eles nos haviam inspirado e de cujo objeto de repente sentíamos falta, não ter amado em vão, por uma hora, seres que amanhã não seriam mais que um nome numa página esquecida. (PROUST,1998, p. 36)

No livro “As palavras” do filósofo e teatrólogo Jean-Paul Sartre, criador do

existencialismo, outro grande escritor francês, há inúmeras passagens sobre o despertar de seu

interesse pelos livros.

Comecei minha vida como hei de acabá-la, sem dúvida: no meio dos livros. No escritório de meu avô, havia-os por toda parte, era proibido espaná-los exceto uma vez por ano antes do reinício das aulas em outubro.Eu ainda não sabia ler e já reverenciavas essas pedras erigidas: em pé ou inclinadas, apertada como tijolos nas prateleiras da biblioteca ou nobremente espacejadas em aléias de menires, eu sentia que a prosperidade de nossa família delas dependia. (SARTRE,1964)

Vários autores brasileiros deixaram depoimentos em suas memórias, ou mesmo em

obras de ficção, sobre a importância dos livros que leram na infância, na descoberta da

55

vocação para a literatura. Tais depoimentos informam que a leitura literária, incentivada pela

família na infância, levaram homens e mulheres a se tornarem escritores na idade adulta.

Descobriu-se na literatura um sentido para a vida. Hoje, pode-se afirmar, pelas pesquisas

feitas em muitos países, que é realmente na infância que se desperta o gosto ou o hábito de

leitura.

A leitura é um aprendizado difícil e lento, a necessitar de incentivos que levem a uma

prática, solitária por excelência, mas que, sabem aqueles que a adquiriram, conduz não apenas

ao maior conhecimento da língua e dos diversos ramos do saber, mas freqüentemente a

momentos de raro prazer intelectual.

Como passar essa experiência aos que nos são próximos é preocupação constante

daqueles que acreditam no valor da leitura como formadora do caráter, impulsionadora da

imaginação, agente propulsora da reflexão, do questionamento e da crítica.

O hábito se forma cedo, muito cedo. E o exame do contexto familiar comum mostra

que é muito difícil a formação do hábito de ler. A leitura é um dado cultural: o homem

poderia viver sem ela e, durante séculos, foi isso mesmo o que aconteceu. O amor pelos livros

não é coisa que apareça de repente. É preciso ajudar a criança a descobrir o que lhes podem

oferecer. Cada livro pode trazer uma idéia nova, ajudar a fazer uma descoberta importante e

ampliar o horizonte da criança. Aos poucos ela ganha intimidade com o objeto-livro. As

histórias que os pais contam e os livros que pais e filhos vêem juntos formam a base do

interesse em aprender a ler e gostar dos livros.

Na adolescência, aquelas crianças que passaram por experiências de leitura já terão

plena capacidade para ler textos mais extensos. Gostam especialmente daqueles que narram

aventuras, pequenos romances, que os façam conhecer e, de certa forma, vivenciar

experiências que ainda não podem ter plenamente, que falem de outras terras, outras culturas.

A formação do leitor se inicia no âmbito familiar e se processa em longo prazo e em

diferentes comunidades. Daí a leitura ser considerada um processo interativo.

Em algumas situações, a Igreja assume o papel de formadora de leitores, em virtude

das atividades desenvolvidas no âmbito religioso, principalmente nas Igrejas Evangélicas. Aí,

a leitura da Bíblia infantil é motivada durante os cultos, e as crianças são retiradas das

cerimônias e rituais para brincar e estudar a “Palavra de Deus” com acompanhamento de

adultos, mediante atividades que envolvem a leitura e as histórias bíblicas.

As instâncias mediáticas de socialização são, por definição, multiformes. Fenômeno

recente, a cultura de massa é responsável pela circularidade de gama variada de imagens,

códigos e conteúdos que se organizam coerentemente na forma de um sistema integrado de

56

símbolos interdependentes com os valores escolar e familiar (Morin, 1983). Todavia é

possível pensar também o fenômeno da cultura de massa, a partir de três dimensões: a

produção, a recepção e a difusão (Thompson, 1995), à medida que essas dimensões

contribuem para refletir sobre o processo de socialização no mundo contemporâneo.

Grosso modo, por produção entende-se todo o aparato técnico, o conteúdo das

mensagens e os recursos humanos que estão envolvidos com a criação mediática. Ou seja, é a

produção de símbolos, discursos e imagens das instituições e agentes de determinado contexto

cultural. Em síntese, é possível pensar a criação cultural específica da era da comunicação de

massa a partir de um modelo sistêmico e coerente de administração que obedece à

racionalidade da acumulação capitalista (Adorno; Horkheimer, 1996). Competitividade e

lucro são as palavras de ordem da engrenagem. Contudo, se ainda hoje o grande paradigma

sobre a dimensão produtiva da indústria cultural é a perspectiva frankfurtiana da

homogeneização da cultura e do caráter ideológico de suas mensagens, aos poucos ela vem

perdendo espaço para as teorias da recepção.

Por último, sabe-se que a cultura de massa, ao circular informação e entretenimento,

transmite também valores e padrões de conduta diversificados. Considerar o caráter

pedagógico da cultura de massa é salientar que a ampla circularidade dos bens culturais,

associada à difusão das informações, contribui para o surgimento de novas formas de

interação educativa (Giddens, 1994). É possível pensar os sujeitos sociais podendo orientar

suas práticas e ações, podendo refletir sobre a realidade, construí-la e experimentá-la a partir

de outros parâmetros que não sejam mais exclusivamente locais, presentes na escola e na

família. Assim, as trajetórias individuais e coletivas não seriam mais definidas, traçadas e

vividas apenas a partir de experiências próximas no tempo e no espaço. Ao contrário, os

sujeitos teriam contatos, seriam atingidos por modelos e referências produzidos em contextos

fisicamente distantes e dispersos. É possível, pois, identificar a orientação das práticas

estimuladas por referências identitárias pulverizadas, mas apropriadas por todos, numa

configuração única, sujeita aos condicionamentos sociais, às experiências vivenciadas no

universo familiar e escolar, produto da interdependência entre as agências da socialização.

Considerar a família, a escola e a mídia no mundo contemporâneo, como instâncias

socializadoras que coexistem numa relação de interdependência, isto é, como instâncias que

configuram uma forma permanente e dinâmica de relação, é corroborar o conceito de que

estas não são estruturas reificadas ou metafísicas que existem acima e por cima dos indivíduos

(Elias, 1970). Antes, são instituições constituídas por sujeitos em intensa e contínua

interdependência entre si e, portanto, não podem ser vistas como estruturas que pressionam

57

umas às outras, ou seja, são instâncias constituídas por agentes que se pressionam

mutuamente no jogo simbólico da socialização.

Pensar as relações entre a família, a escola e a mídia, em uma relação dinâmica criada

pelo conjunto de seus integrantes, seus recursos e trajetórias particulares, é pensar não em

uma relação dinâmica entre subjetividades, mas numa dinâmica criada pela relação que esses

sujeitos constroem na totalidade de suas ações e experiências, objetivas e subjetivas, que

mantêm uns com os outros.

Com poucas discordâncias, desde as reflexões de Durkheim (1947) até hoje Nóvoa

(1991), a escola sempre foi vista como responsável pela transmissão de um saber consagrado,

útil para a manutenção de uma ordem baseada na divisão do trabalho social. No passado, a

escola sempre apresentou a tendência de introduzir barreiras entre seus níveis e respectivo

público (Goblot, 1984). Ambígua por natureza, a escola é responsável também pela expansão

do acesso ao conhecimento, ao mesmo tempo em que pode contribuir para o fortalecimento de

um saber restrito a poucos (Bourdieu, 1998).

Atualmente, considerando uma realidade mais contemporânea, é possível identificar

uma complexidade maior no interior do sistema escolar (Dubet, 1996). A escola para as

massas não mais propaga uma coerência em seus projetos educativos. Se, anteriormente a

escola era regulada de maneira muito firme, com público e projetos educativos homogêneos,

hoje a diversidade de expectativas e aspirações dos estudantes se mescla à heterogeneidade

das propostas educativas de escolas e professores. A massificação escolar modificou a forma

de distribuição das qualificações. Embora, oficialmente, todos tenham acesso a ela, as

trajetórias estudantis e os usos do saber escolar variam de acordo com as experiências de vida

familiar, escolar e mediática dos indivíduos (Lahire,1997, 1998). Ainda que ofereça os meios

de referir às regras, aos preceitos, ou seja, às prescrições legítimas do conhecimento, o

sistema escolar contemporâneo se caracteriza por uma contraditória hierarquia interna

(Bourdieu, 1998).

Dessa forma, a escola não mais se apresenta como eixo organizador de experiências.

Reflete, em seu interior, uma complexidade de interesses intra e extra-escolares (Dubet,1996).

Não responde mais ao projeto integrador de Durkheim (1995). Não consegue conciliar as suas

antigas funções de educar (transmitir valores), selecionar (qualificando distintamente o

público) e socializar (adaptá-los a uma realidade social). Não deixando de ser uma instituição

do saber e da produção do conhecimento, a escola perde seu papel organizador, pois não mais

detém o monopólio das referências identitárias (Dubet, 1996). Sujeita a uma variedade de

público e pouco preparada para enfrentar os desafios que cada um deles lhe propõe, a escola

58

se enfraquece como agência da socialização, responde e serve de forma fragmentada às

expectativas diferenciadas de seu público.

Se a família, a igreja, a escola e a mídia podem ser consideradas como de

interdependência estruturadas por relações sociais específicas, os produtos da socialização, ou

seja, os sujeitos, suas práticas e escolhas podem ser apreendidos como o resultado de maior ou

menor ruptura e/ou continuidade entre tais instâncias.

Nesse pensamento,

A escola é a instituição fundamental para estimular a leitura, pois se trata de um ato intelectual que pressupõe o domínio do código alfabético. É também durante o período escolar que se pratica exaustivamente a leitura, na busca de informações que complementem ou reforcem as atividades de sala de aula. (MELO, 1983, p. 21)

A escola exerce, portanto, papel determinante na formação do sujeito-leitor, pois é

nesse contexto que o leitor está em constante contato com os textos, escritos, sobretudo, já

que é esta a instância oficial responsável pela formação de leitores/escritores. O acesso à

linguagem escrita se dá predominantemente no período escolar. Entretanto, a escola não tem

levado em conta a evolução das necessidades de seus alunos, carentes de acesso às mais

diversificadas formas de leitura.

Sendo assim, a escola continua se preocupando exclusivamente com um modelo

imutável de leitura, presa à leitura de decodificação, aos livros didáticos, á leitura do texto

verbal. Não atenta para a leitura do não-verbal, presente no cotidiano das pessoas. Não

considera a leitura presente nas ruas, nas lojas, nas casas. Às vezes, há iniciativas isoladas de

fomento à leitura, contudo, estas são pouco abrangentes, de acesso restrito a uma pequena

comunidade, como tem sido divulgado nos eventos em que se discute a leitura e formação do

leitor.

Embora entendendo a importância da escola na formação de leitores, Foucambert

(1994)

(...) chama a atenção sobre a necessidade de desescolarização da leitura, pois considera que é preciso trabalhar com a formação permanente de leitores e que isso tem de ser assumido por todas as instâncias educativas. (FOUCAMBERT, 1994, p. 17)

59

Na verdade, é preciso que a escola proporcione condições de acesso às diferentes

fontes de informação e com isso, dê condições ao seu aluno de florescer sua concepção de

mundo, desvinculando-se das leituras escolares para invadir leituras outras, de acordo com

suas necessidades cotidianas de informação, formação, fruição, prazer.

Infelizmente, a situação com a qual depara na escola não é essa, mas, sim, a de que a

diversificação do texto na escola está ainda distante; o texto literário foi substituído pelo livro

didático, impositor de regras, das metodologias, dos ensinamentos, reinando absoluto em

quase todas as salas de aula. O professor que, antigamente, usava seu plano de aula, que

descrevia as atividades didáticas cotidianas, hoje se guia pelo livro didático, orientador de

suas ações.

Ressalto aqui, que não se põe em discussão a qualidade, ou não, do livro didático, mas

a autoridade do professor em selecionar os conteúdos que julgar adequado para determinada

turma, de acordo com cada situação de sala de aula. O que se salienta é a execução ipsis

litteris do que rege o livro didático. Assim como apregoa Orlandi (1993):

Atualmente, a leitura ideal do professor está amarrada àquilo que é fornecido pelo livro didático. Ou seja, o professor orienta-se por aquilo que é fornecido, pronto-a-mão, no livro de respostas do livro didático. A autoridade mediata, nesse caso é o livro didático. (ORLANDI, 1993, p. 43)

Outro aspecto a ser observado é que o estudo da gramática tem sido privilegiado em

sala de aula. A produção de texto é muitas vezes preterida, em favor ao ensino da gramática

desvinculado de contextualização. O professor não é escritor, nem incentiva a produção

escrita e a leitura. Além do quê, trabalhar com essa modalidade demanda tempo e dedicação

para correção.

Vieira (1995) faz uma reflexão acerca desse assunto:

Ao exigir do professor diversificação de suas atividades em sala de aula, um dado a ser considerado é o contexto em que ele trabalha. Quase sempre em condições precárias, não tem a sua disposição material didático adequado, alem da insuficiência de livros, de laboratórios e de salas de estudos, etc. Inexistem, portanto, suportes mínimos para complementar as atividades pedagógicas. O professor precisa ser criativo para superar tudo isso. Também traz para a sala de aula aborrecimentos oriundos da exigüidade de seu salário. A reivindicação principal em qualquer movimento grevista é o salário. É necessário e urgente dotar as escolas de laboratórios e bibliotecas, proporcionar a qualificação dos professores, enfim, resgatar sua dignidade tão abalada pelo descaso do poder público. (VIEIRA, 1995, p. 28)

60

Nas atividades de leitura, é preciso considerar, ainda, que o professor deve ser um bom

leitor, para que, ao desenvolver essa tarefa com os alunos, demonstre a importância da leitura

e sua própria admiração pelos livros. O professor precisa ser leitor e, para favorecer a

aprendizagem da escrita, precisa conhecê-la bem, em muitos sentidos.

Apesar das pesquisas, dos inúmeros trabalhos publicados na área da leitura, diversas

crianças, jovens e adultos continuam com muita dificuldade no aprender a ler, e muitos

professores acreditam que isso é inevitável.

A mudança do sistema escolar e da prática pedagógica não vêm apenas de teorias mais

desenvolvidas, de material mais adequado, ou de informações mais acessíveis aos professores.

Melhorar a pedagogia da leitura é questão política, vinculada a um desejo de mudança.

Mesmo que o professor não possa mudar o mundo, poderá realizar seu trabalho, com mais

qualidade, se compreender o que é a leitura e como as crianças aprendem a ler.

O que realmente importa é que o aluno, no ambiente escolar, progrida na leitura e que

encontre prazer – e sentido – nos múltiplos contatos com a língua escrita. Professores e

alunos, a essa luz, podem ser verdadeiros parceiros para compreender o que é o ato de ler.

3 Parâmetros Curriculares Nacionais e Leitura

Há muito tempo se discute a educação no Brasil, nas séries iniciais e finais. A partir da

metade do século XX, essa discussão foi intensificada, talvez associada ao processo de

universalização da educação que se impôs como necessidade para as nações do Terceiro

Mundo.

Em razão das enormes transformações, principalmente nos meios de comunicação

eletrônicos, a nova realidade social adicionou outras demandas e necessidades, tornando

anacrônicos os métodos e conteúdos antigos. Essa nova realidade impôs também uma revisão

profunda dos currículos que orientam o trabalho cotidiano realizado pelos educadores em todo

o país. Com vista a nortear e aprofundar o debate educacional, em 1998 foi elaborado os

Parâmetros Curriculares Nacionais que objetivam a construção de referenciais nacionais

comuns ao processo educativo, assim como criar condições, nas escolas, para os jovens terem

acesso aos conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos como necessários ao

exercício da cidadania.

61

A proposta de organização do conhecimento, nos Parâmetros Curriculares Nacionais,

expressa a necessidade de trabalhar com diferentes áreas de ensino, de maneira que contemple

a formação integral dos educandos.

As áreas do conhecimento constituem importantes marcos estruturados de leitura e de

interpretação de realidade, essenciais para garantir a possibilidade de participação do cidadão

na sociedade de forma autônoma, buscando-se, sobretudo, evidenciar a dimensão social que a

aprendizagem cumpre no percurso de construção da cidadania. Nessa linha, elege conteúdos

que tenham relevância social e que sejam potencialmente significativos para o

desenvolvimento de habilidades e capacidades.

Desde a década de 60 e início da de 70, do século XX, o ensino de Língua Portuguesa

tem sido alvo de discussões a respeito da necessidade de melhorar a qualidade do ensino no

País. O eixo dessa discussão, no Ensino Fundamental, baseia-se no domínio da leitura e da

escrita, apontado como responsável pelo fracasso escolar.

As propostas de reformulação do ensino de língua materna indicavam mudanças na

forma de ensinar. Acreditava-se que valorizar a criatividade seria suficiente para desenvolver

a eficiência da comunicação e expressão do aluno. Pouco se consideravam os conteúdos de

ensino, mas isso foi repensado, e o ensino de língua, orientado pela perspectiva gramatical

ainda parecia adequado, dado que os alunos que freqüentavam a escola falavam uma

variedade lingüística bastante próxima da chamada variedade padrão e traziam representações

de mundo e de língua semelhantes às que ofereciam livros e textos didáticos.

A nova crítica, no entanto, só se estabeleceria mais consistentemente no início dos

anos oitentas, as quais possibilitariam avanços nas áreas de educação e psicologia da

aprendizagem, principalmente no que se refere à aquisição da escrita. Esse novo quadro

permitiu a emersão de um corpo relativamente coeso de reflexões sobre a finalidade e os

conteúdos do ensino de língua materna.

Dentre as críticas mais freqüentes que se faziam ao ensino tradicional, destacavam-se:

1. A desconsideração da realidade e dos interesses dos alunos;

2. A excessiva escolarização das atividades de leitura e de produção de textos;

3. O uso de texto como expediente para ensinar valores morais e como pretexto para o

tratamento de aspectos gramaticais;

4. A excessiva valorização da gramática normativa e a insistência nas regras de exceção,

com o conseqüente preconceito contra as formas de oralidade e as variedades não-

padrão;

62

5. O ensino descontextualizado de metalinguagem, normalmente associado a exercícios

mecânicos de identificação de fragmentos lingüísticos em frases soltas;

6. A apresentação de uma teoria gramatical inconsistente - uma espécie de gramática

tradicional mitigada e facilitada. (BRASIL, PCN, 1998, p. 18).

Pode-se dizer que, apesar de ainda imperar certo preconceito em relação às formas não

canônicas de expressão lingüística, as novas propostas de mudanças no ensino de Língua

Portuguesa se consolidaram em práticas de ensino em que, tanto o ponto de partida quanto o

ponto de chegada são o uso da linguagem. Hoje, é praticamente consensual que as práticas

devem partir do uso possível aos alunos para permitir a conquista de novas habilidades

lingüísticas, particularmente daquelas associadas aos padrões da escrita, sempre isso

considerando:

1. A razão de ser das propostas de leitura é a compreensão ativa, não-decodificação e o

silêncio;

2. A razão de ser das propostas de uso da fala e da escrita é a interlocução efetiva, e não

a produção de textos para serem objetos de correção;

3. As situações didáticas têm como objetivo levar os alunos a pensar sobre a linguagem

para poder compreendê-la e utilizá-la apropriadamente às situações e aos propósitos

definidos. (BRASIL, PCN, 1998, p. 19).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais para a área de Língua Portuguesa focalizam a

necessidade de proporcionar ao aluno condições de ampliar o domínio da língua e da

linguagem, aprendizagem fundamental para o exercício da cidadania. Por outras palavras,

propõem que a escola organize o ensino de modo que o aluno possa desenvolver seus

conhecimentos discursivos e lingüísticos, sabendo ler e escrever conforme seus propósitos

sociais. Outros mais, expressar-se adequadamente em situações de interação oral diferente

daquelas próprias de seu universo imediato, refletir sobre os fenômenos de linguagem,

especialmente os que focam a questão da variedade lingüística, combatendo a estigmatização,

a discriminação e os preconceitos relativos ao uso da língua.

Uma vez que as práticas de linguagem são uma totalidade e que o sujeito expande sua

capacidade de uso da linguagem e de reflexão sobre ela em situações significativas de

interlocução, as propostas didáticas de ensino de Língua Portuguesa devem organizar-se

tomando o texto (oral e escrito) como unidade básica de trabalho e considerando a diversidade

de textos que circulam socialmente. Mais. Não se deve prescindir do trabalho com os textos

não-verbais.

63

No campo dos sistemas de linguagem, podemos delimitar a linguagem verbal e não-verbal e seus cruzamentos verbo-visuais, audiovisuais, audio-verbo-visuais etc. A estrutura simbólica da comunicação visual e/ou gestual como da verbal constitui sistemas arbitrários de sentido e comunicação. A organização do espaço social, as ações dos agentes coletivos, normas, os costumes, rituais e comportamentos institucionais influem e são influenciados na e pela linguagem, que se mostra produto e produtora da cultura e da comunicação social. (BRASIL, PCN- EM, 2000)

Propõe-se que as atividades planejadas sejam organizadas de maneira que torne

possível a análise crítica dos discursos, para que o educando possa identificar pontos de vista,

valores e possíveis preconceitos neles veiculados.

O Ensino de Língua Portuguesa, assim organizado, pode constituir-se em fonte efetiva

de autonomia para o sujeito, condição para a participação social responsável.

Como as propostas didáticas de Língua Portuguesa devem organizar-se em torno do

texto, urge que ele seja visto como unidade e também se leve em conta a diversidade de textos

que circulam na sociedade.

Toda educação comprometida com o exercício da cidadania precisa criar condições

para que o aluno possa desenvolver sua competência discursiva. Um dos aspectos da

competência discursiva é o sujeito ser capaz de utilizar a língua de modo variado, para

produzir diferentes efeitos de sentido e adequar o texto a diferentes situações de interlocução

oral e escrita.

A importância e o valor dos usos da linguagem são determinados historicamente,

segundo as demandas sociais de cada momento. Atualmente, exigem-se níveis de leitura e de

escrita diferentes dos que satisfizeram as demandas sociais até bem pouco tempo. Os textos se

organizam sempre, dentro de certas restrições de natureza temática, composicional e

estilística, que os caracterizam como pertencentes a este ou aquele gênero. Desse modo, a

noção de gênero, constitutiva do texto, precisa ser tomada como objeto de ensino.

Nessa perspectiva, será necessário contemplar, nas atividades de ensino, a diversidade

de textos e gêneros, não apenas em função de sua relevância social, mas também pelo fato de

que textos pertencentes a diferentes gêneros são organizados de diferentes formas. Por isso, há

a necessidade de selecionar os textos a serem trabalhados nas situações escolares, priorizando

os textos que caracterizam os usos públicos da linguagem, isto é, aqueles que, por suas

características e usos, podem favorecer a reflexão crítica, o exercício de formas de

pensamento mais elaboradas e abstratas, bem como a fruição estética dos usos artísticos da

linguagem, a utilização da linguagem oral nas suas variadas formas de uso.

64

Segundo os PCNs (1998), no processo de leitura de textos escritos, espera-se que o

aluno:

1. Saiba selecionar textos segundo seu interesse e necessidade;

2. Leia, de maneira autônoma, textos de gêneros e temas com os quais tenha

construído familiaridade;

3. Seja receptivo a textos que rompam com seu universo de expectativas, por meio de

leituras desafiadoras para sua condição atual, apoiando-se em marcas formais do

próprio texto ou em orientações oferecidas pelo professor;

4. Troque impressões com outros leitores a respeito dos textos lidos, posicionando-se

diante da critica, tanto a partir do próprio texto como de sua prática na qualidade de

leitor;

5. Seja capaz de aderir ou recusar as posições ideológicas que reconheça nos textos que

lê. (BRASIL, PCN, 1998, p. 50-51).

Rojo (2002) apropriando-se da frase: “Ler é melhor que estudar”, de Ziraldo, que virou

button e foi carregada do lado esquerdo do peito de grande parte dos jovens da década de 80,

do século XX, remete à ineficiência da escola e à sua distância em relação às práticas sociais

significativas. Intenta dizer que esta é uma opinião quase unânime e compartilhada pela

população letrada e pertencente às elites intelectuais brasileiras: intelectuais, professores do

Ensino Fundamental, Médio e Superior, jornalistas, comunicadores da mídia. No entanto, a

maior parcela de nossa população, embora hoje possa estudar, não chega a ler ou lê

precariamente. A escolarização, no caso da sociedade brasileira, não leva à formação de

leitores e produtores de textos proficientes e eficazes, chegando mesmo, às vezes, a impedi-la.

Ler continua sendo coisa das elites, nesse novo milênio.

Neste sentido, Rojo (2002) afirma que a elaboração e a publicação dos referenciais

curriculares nacionais (PCNs) representam avanço considerável nas políticas educacionais

brasileiras em geral e, em particular, no que se refere aos PCNs de Língua Portuguesa, nas

políticas lingüísticas contra o iletrismo e em favor da cidadania crítica e consciente.

Um avanço nas políticas educacionais, na medida em que são estabelecidos

referenciais nacionais – respeitada a pluralidade cultural do País –, que são relativamente

consensuais, sobre o ensino e a educação desejáveis para os jovens brasileiros.

Um avanço nas políticas lingüísticas contra o iletrismo e em favor da cidadania crítica

e consciente, à proporção que são preconizadas práticas e atividades escolares mais próximas

das práticas sociais letradas e cidadãs. Um dos pontos relevantes e inovadores, na proposta

65

dos PCNs, relacionam-se com a visão de leitor/produtor de textos que, em muitos pontos,

comporta revisões conceituais e práticas, por parte das escolas e professores.

3.1 Leitura e Gêneros Textuais

Gênero textual é um nome que se dá às diferentes formas de linguagem que circulam

socialmente, sejam mais informais ou mais formais. São exemplos de gênero textual:

romances, artigos de opinião, contos, receitas de bolo, palestras ou debates na televisão, entre

outros. Eles são a forma como a língua se organiza nas inúmeras situações de comunicação

que se vive no dia-a-dia. Gêneros textuais é língua em uso social, seja quando se usa língua na

escola, seja fora dela para se comunicar, seja quando se usam gêneros escritos, seja nos

gêneros orais. Afinal, estes são língua em uso, é língua viva, são instrumentos de

comunicação.

O fato de as pessoas dominarem pelo menos alguns gêneros textuais dá uma base para

que elas possam aprender outros e mais outros, à medida que estes se tornam necessários para

se efetivar a comunicação.

O estudo dos gêneros constitui hoje uma das preocupações centrais da Lingüística

Textual, particularmente no que diz respeito à sua localização no continuum fala/escrita, às

opções estilísticas que lhes são próprias e à sua construção composicional, em termos macro e

microestruturais.

Os PCNs endossam essa tendência, ao afirmarem:

Todo texto se organiza dentro de um determinado gênero (...). Os vários gêneros existentes, por sua vez, constituem formas relativamente estáveis de enunciados, disponíveis na cultura, que são caracterizados por três elementos: conteúdo temático, estilo e construção composicional. Podemos ainda afirmar que a noção de gêneros refere-se a “famílias” de textos que compartilham algumas características comuns, embora heterogêneas, como: visão geral da ação à qual o texto se articula, tipo de suporte comunicativo, extensão, grau de literariedade, por exemplo, existindo em número quase ilimitado Os gêneros são determinados historicamente. As intenções comunicativas, como parte das condições de produção dos discursos, geram usos sociais que determinam os gêneros, os quais dão forma aos textos (...). (BRASIL, 1998, p. 58)

É em BAKHTIN (1979) que se ancora essa conceituação:

Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão relacionadas com a utilização da língua. Não é de surpreender que o caráter

66

e os modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas da atividade humana [...]. O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo temático e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua - recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais - mas também, e, sobretudo, por sua construção composicional. (BAKTHIN, 1979, P. 179)

Nessa esteira, todos os enunciados dos usuários da língua se baseiam em formas-

padrão, relativamente estáveis, de estruturação de um todo.

Tais formas constituem os gêneros, tipos relativamente estáveis de enunciados,

marcados histórico-socialmente, visto que estão diretamente relacionados com as diferentes

situações sociais. É cada uma dessas situações que determina, pois, um gênero, com

características temáticas, composicionais e estilísticas próprias. Sendo as esferas de utilização

da língua extremamente heterogêneas, também os gêneros apresentam grande

heterogeneidade, incluindo desde o diálogo cotidiano até a tese científica. Por esta razão,

Bakhtin distingue os gêneros primários dos secundários. Enquanto os primeiros (diálogo,

carta, situações de interação face a face) são constituídos em situações de comunicação

ligadas a esferas sociais cotidianas de relação humana, os segundos são relacionados com

outras esferas, públicas e mais complexas, de interação social, muitas vezes mediadas pela

escrita e apresentando uma forma composicional monologizada, absorvendo, pois, e

transmutando os gêneros primários.

É importante assinalar, contudo, que a concepção de gênero de Bakhtin não é estática,

como poderia parecer à primeira vista. Pelo contrário, como qualquer outro produto social, os

gêneros estão sujeitos a mudanças, decorrentes não só de transformações sociais, como

aquelas oriundas de novos procedimentos de organização e acabamento da arquitetura verbal,

mas também de modificações do lugar atribuído ao ouvinte.

O estudo dos gêneros constitui, sem dúvida, contribuição das mais importantes para o

ensino de Língua Portuguesa da forma como é preconizado nos PCNs. Somente quando o

aluno possuir o domínio dos gêneros mais correntes na vida cotidiana, ele será capaz de

perceber o jogo que freqüentemente se faz por meio de manobras discursivas que pressupõem

esse domínio.

Antes dos conteúdos, para as práticas de leitura de textos, os PCNs apresentam a

tabela que organiza os gêneros privilegiados para o trabalho com textos:

GÊNEROS PRIVILEGIADOS PARA A PRÁTICA DE ESCUTA

67

E LEITURA DE TEXTOS

Linguagem Oral Linguagem Escrita

Literários

cordel, causos e

similares

texto dramático

canção

Literários

conto

novela

crônica

poema

texto dramático

De Imprensa

comentário

entrevista

debate

depoimento

De Imprensa

notícia

editorial

artigo

reportagem

carta do leitor

entrevista

charge e tira

De Divulgação

Científica

exposição

seminário

debate

palestra

De Divulgação

Científica

verbete enciclopédico

(nota / artigo)

relatório de

experiências

didático (textos,

enunciados de

questões)

artigo

Publicidade Propaganda Publicidade Propaganda

FONTE: BRASIL, 1998, p. 54.

Segundo os PCNs (1998), a leitura de gêneros textuais deve contemplar:

a) explicitação de expectativas quanto à forma e ao conteúdo do texto de acordo com as

características do gênero, do suporte, do autor, etc.;

b) seleção de procedimentos de leitura em razão dos diferentes objetivos e interesses do

sujeito (estudo, formação pessoal, entretenimento, realização de tarefa) e das

características do gênero e suporte;

68

1. leitura integral: fazer a leitura seqüenciada e extensiva de um texto;

2. leitura inspecional: utilizar expediente de escolha de textos para leitura

posterior;

3. leitura tópica: identificar informações pontuais no texto, localizar verbetes em

um dicionário ou enciclopédia;

4. leitura de revisão: identificar e corrigir, num texto dado, determinadas

inadequações em relação a um padrão estabelecido;

5. leitura item a item: realizar uma tarefa seguindo comandos que pressupõem

uma ordenação necessária;

c) emprego de estratégias não lineares durante o processamento de leitura;

1. formular hipóteses a respeito do conteúdo do texto, antes da leitura ou durante

ela;

2. validar ou reformular as hipóteses levantadas a partir das novas informações

obtidas no curso do processo de leitura;

3. avançar ou retroceder, em busca de informações esclarecedoras;

4. construir sínteses parciais de partes do texto para poder prosseguir na leitura;

5. inferir o sentido de palavra com base no contexto;

6. consultar outras fontes em busca de informações complementares (dicionários,

enciclopédias, outro leitor);

d) articulação entre conhecimentos prévios e informações textuais, incluindo as que

dependem de pressuposições e inferências (semânticas, pragmáticas) autorizadas pelo

texto, para dar conta de ambigüidades, ironias e expressões figuradas, opiniões e

valores implícitos, bem como das intenções dos autores;

e) estabelecimento de relações entre os diversos segmentos do próprio texto, entre o texto

e outros textos diretamente implicados pelo primeiro, assentado em informações

adicionais oferecidas pelo professor ou conseqüentes da historia de leitura do sujeito;

f) articulação dos enunciados estabelecendo a progressão temática, em decorrência das

características das seqüências predominantes (narrativa, descritiva, expositiva,

argumentativa e conversacional) e de suas especificidades no interior do gênero;

g) estabelecimento da progressão temática proveniente das marcas de segmentação

textual, tais como: mudança de capítulo ou de parágrafo, títulos e subtítulos, para

textos em prosa; colocação em estrofes e versos, para textos em versos;

69

h) estabelecimento das relações necessárias entre o texto e outros textos e recursos da

natureza suplementar que o acompanham (gráficos, tabelas, desenhos, fotos, boxes),

no processo de compreensão e interpretação de texto;

i) levantamento e análise de indicadores lingüísticos e extralingüísticos presentes no

texto para identificar as várias vozes do discurso e o ponto de vista que determina o

tratamento dado ao conteúdo, com a finalidade de:

1. confrontá-lo com o de outros textos;

2. confrontá-lo com outras opiniões;

3. posicionar-se criticamente diante dele;

j) reconhecimento dos diferentes recursos expressivos utilizados na produção de um

texto e seu papel no estabelecimento do estilo do próprio texto ou de seu autor.

(BRASIL, PCN, 1998, p. 55-57).

Os novos referenciais inovam na definição do que deverá ser estudado com respeito

aos textos:

Os textos organizam-se sempre dentro de certas restrições de natureza temática, composicional e estilística, que os caracterizam como pertencentes a este ou aquele gênero. Desse modo, a noção de gênero, constitutiva do texto, precisa ser tomada como objeto de ensino. (BRASIL, PCN, p. 23)

Ou seja, para além de estudar o texto em suas propriedades formais e estilísticas

particulares, o texto é visto como um exemplar de gênero do discurso e é por meio da

exploração das propriedades temáticas, formais e estilísticas comuns e recorrentes num

conjunto de textos pertencentes a certo gênero que se pode chegar à apropriação destas formas

estáveis de enunciado.

Os gêneros podem ser considerados instrumentos que fundam a possibilidade de

comunicação (Schneuwly & Dolz, 1997; Dolz & Schneuwly, 1996). Trata-se de formas

relativamente estáveis tomadas pelos enunciados em situações habituais, entidades culturais

intermediárias que permitem estabilizar os elementos formais e rituais das práticas de

linguagem.

Para Rojo (2002), os gêneros, como formas historicamente cristalizadas nas práticas

sociais, fazem a mediação entre a prática social ela própria e as atividades de linguagem dos

indivíduos.

A leitura, nesse aspecto, é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo e

compreensivo e interpreta o texto, a partir de seus objetivos, do conhecimento sobre o

70

assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem, etc. Não se trata de extrair

informação, decodificar letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de atividade que encarta

estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível

proficiência. É o uso desses procedimentos que possibilita controlar o que vai sendo lido,

permitindo tomar decisões diante das dificuldades de compreensão, avançar na busca de

esclarecimentos, validar no texto suposições feitas.

Um leitor competente sabe selecionar, dentre os textos que circulam socialmente,

aqueles que podem atender a suas necessidades; é capaz de ler nas entrelinhas, indicando

elementos implícitos, estabelecendo relações entre o texto e seus conhecimentos prévios, ou

entre o texto e outros textos lidos.

O Ensino Fundamental tem papel decisivo na formação de leitores, pois, é no interior

destes que muitos alunos desistem de ler por não conseguir responder às demandas de leitura

apresentadas pela escola, ou passam a utilizar os procedimentos construídos nos ciclos

anteriores para lidar com os desafios postos pela leitura, com autonomia cada vez maior.

Sendo este relato resultado de estudos realizados com alunos e professores do Ensino

Médio, e considerando que a leitura é condição fundamental para o aprimoramento de

conhecimentos vistos no Ensino Fundamental, discuto, à luz dos PCNs, a questão da leitura

no Ensino Médio.

3.2 O Ensino Médio e a Leitura

O Brasil, como os demais países da América Latina, está empenhado em promover

reformas na área educacional que permitam superar o quadro de extrema desvantagem em

relação aos índices de escolarização e de nível de conhecimento que apresentam os países

desenvolvidos.

As propostas de reforma curricular para o Ensino Médio se pautam nas constatações

sobre as mudanças no conhecimento e em seus desdobramentos, no que se refere à produção e

às relações sociais de modo geral.

A formação do aluno deve ter como alvo principal a aquisição de conhecimentos

básicos, a preparação cientifica e a capacidade de utilizar as diferentes tecnologias relativas às

áreas de atuação. Propõe-se, no nível do Ensino Médio, a formação geral, em oposição à

formação específica; o desenvolvimento de capacidades de pesquisar, buscar informações,

analisá-las e selecioná-las; a capacidade de aprender, criar, formular, ao invés do simples

exercício de memorização, sendo a leitura a permear todo esse processo.

71

São estes os princípios mais gerais que orientam a reformulação do Ensino Médio e

que se expressam na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei 9.394/96.

As propostas de mudanças qualitativas para o processo de ensino-aprendizagem no

Ensino Médio indicam a sistematização de um conjunto de disposições e atitudes como

pesquisar, selecionar informações, analisar, sintetizar, argumentar, negociar significados, co-

operar, de forma que o aluno possa participar do mundo social, incluindo-se aí a cidadania o

trabalho e a continuidade dos estudos.

No mundo contemporâneo, assentado no apelo informativo imediato, a reflexão sobre

as linguagens e seus sistemas, que se mostram articulados por múltiplos códigos, e sobre os

processos e procedimentos comunicativos é mais do que necessidade. É garantia de

participação ativa na vida social, a cidadania desejada. Para tanto, o PCN (1999), na área de

Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, traça competências e objetivos que devem ser

desenvolvidos ao longo do Ensino Médio. A proposta não pretende reduzir os conhecimentos

a serem aprendidos, mas, sim, definir os limites sem os quais o aluno desse nível de ensino

teria dificuldades para prosseguir os estudos e participar da vida social:

a) compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens como meios de

organização cognitiva da realidade pela constituição de significados, expressão,

comunicação e informação;

b) analisar, interpretar e aplicar os recursos expressivos das linguagens, relacionando

textos com seus contextos, mediante a natureza, função, organização das

manifestações, de acordo com as condições de produção e recepção;

c) confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e suas

manifestações específicas;

d) respeitar e preservar as diferentes manifestações da linguagem utilizadas por

diferentes grupos sociais, em suas esferas de socialização, usufruir do patrimônio

nacional e internacional, com suas diferentes visões de mundo, construir categorias de

diferenciação, apreciação e criação;

e) utilizar-se das linguagens como meio de expressão, informação e comunicação em

situações intersubjetivas, que exijam graus de distanciamento e de reflexão sobre os

contextos e estatutos de interlocutores, saber colocar-se como protagonista no

processo de produção/recepção;

f) compreender e usar a Língua Portuguesa como língua materna, geradora de

significação e integradora da organização de mundo e da própria identidade;

72

g) conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) como instrumento de acesso à informação e a

outras culturas e grupos sociais;

h) entender os princípios das tecnologias da comunicação e da informação, associá-las

aos conhecimentos científicos, às linguagens que lhes dá o suporte e aos problemas

que se propõe solucionar;

i) entender os impactos das tecnologias da comunicação e da informação na sua vida,

nos processos de produção, no desenvolvimento do conhecimento e na vida social;

j) aplicar as tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em

outros contextos relevantes para a sua vida. (BRASIL, PCN, 1999, p.126-134).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio (1999, p. 135) delineiam ações

para o desenvolvimento de competências e habilidades dos alunos do nível médio,

considerando os itens: representação e comunicação, investigação e compreensão,

contextualização sociocultural. Tem por pressuposto que a comunicação deve ser entendida

como processo de construção de significados em que o sujeito interage socialmente e que o

processo de ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa deve basear-se em propostas

interativas língua/linguagem, consideradas em um processo discursivo de construção do

pensamento simbólico, constitutivo de cada aluno, independentemente considerado, e da

sociedade em geral.

O PCN+ (2002) aporta as competências e habilidades a serem desenvolvidas no

campo da leitura e interpretação de textos, que passam necessariamente pelo desenvolvimento

de atividades relacionadas com a antecipação e inferência, títulos e índices, elementos da

narrativa, efeitos de sentido, autoria: escolhas e estilo.

A leitura plena e a produção de todos os significativos implicam a caracterização dos

diversos gêneros e seus mecanismos de articulação; leitura de imagens; percepção das

seqüências e dos tipos no interior dos gêneros; paráfrase oral, ou substituição de elementos

coesivos, mantendo-se o sentido original do texto.

Rojo (2002) assim se manifesta:

A visão de leitor/produtor de textos presente nos PCN é a de um usuário eficaz e competente da linguagem escrita, imerso em práticas sociais e em atividades de linguagem letradas que, em diferentes situações comunicativas, utiliza-se dos gêneros do discurso para construir ou reconstruir os sentidos de textos que lê ou produz. Esta visão é bastante diferente da visão corrente do leitor/escrevente como aquele que domina o código escrito para decifrar ou cifrar palavras, frases e textos e, mesmo, daquele leitor/escrevente que, dentre os seus conhecimentos de mundo, abriga, na memória de longo prazo, as estruturas gráficas, lexicais, frasais, textuais, esquemáticas, necessárias para

73

compreender e produzir, estrategicamente, textos com variadas metas comunicativas. (ROJO, 2002, p. 31-52)

É próprio da escola e do corpo docente efetivar sua proposta de trabalho, a partir da

abordagem por competências e habilidades, perseguindo a formação do

(...) leitor, no sentido pleno da palavra, que pressupõe uma série de domínios: do código (verbal ou não) e suas convenções; dos mecanismos de articulação que constitui o todo significativo, do contexto em que se insere esse todo. (BRASIL, PCN+, 2002, p. 62)

A proposta apresentada pelos PCNs, para o desenvolvimento da leitura dá ênfase à

existência de uma biblioteca escolar.

A escola deve dispor de uma biblioteca em que sejam colocados à disposição dos alunos, inclusive para empréstimo, textos de gêneros variados, materiais de consulta nas diversas áreas do conhecimento, almanaques, revistas, entre outros. (PCN, 1998, p. 71)

Às instâncias competentes, cabe, então, gerir recursos financeiros, humanos, físicos

para que esses parâmetros ganhem espaço de ação na formação de cidadãos-leitores.

4 A Formação do Leitor

Para Freire (1983, p.35), não há “educação fora das sociedades humanas e não há

homem no vazio”. Esse ponto de vista reforça a superioridade do ser humano e o

responsabiliza pela sua tarefa de estar em constante busca de conhecimento e de

transformação. Nesse aspecto, Freire entende que o homem “não apenas está no mundo, mas

com o mundo. Estar com o mundo resulta de sua abertura à realidade (...)” (FREIRE, 1983,

p. 39). O homem é um ser conectado com seu mundo, com seu tempo. Ele refuta a idéia do

ser passivo, não mero espectador dos acontecimentos à sua volta. Por isso, posiciona-se como

sujeito do processo histórico-cultural da humanidade.

Esse processo de interação do homem com o seu mundo implicam em comunicação. Ela se dá a partir do contato consciente com a pluralidade de significados a que o homem se expõe; dá-se através dos mais diversos signos

74

lingüísticos e da leitura dos atos humanos. A comunicação é o próprio processo de interação; acontece nos momentos em que o ser estiver aberto a sua realidade. Compreendida de modo amplo, a ação de ler caracteriza toda relação racional entre o individuo e o mundo que o cerca. (ZILBERMAN, 1985, p. 17)

A comunicação do homem com o mundo tem a linguagem como mediadora da

transformação cultural e impulsionadora da existência do próprio homem, o qual se situa no

mundo sígnico, dentro das linguagens captadas pela percepção. Prevê um sujeito que fala,

ouve, vê, escreve, lê, é emissor e receptor de significados, um sujeito que pratica a leitura do

mundo, a que todas as formas de linguagem estejam abertas.

(...) falar e ler a realidade implica uma manifestação primordialmente verbal, de modo que, centre as possibilidades de expressão, a língua é a que contem de maneira mais completa o produto destes contatos primordiais como reais. (ZILBERMAN, 1985, p.18)

Essa reflexão revela a relação direta que existe no ato de ler, o mundo e a língua. Para

garantir a solidez dessa relação, é necessário desenvolver o domínio do aspecto mecânico da

leitura, a percepção, o reconhecimento e a compreensão do código escrito, atividades

geralmente designadas à escola. Ressalta-se que a leitura de textos não se processa na simples

decifração do código, e sim no momento em que o documento escrito servir de instrumento

para o ato de ler como exercício de compreensão do mundo e de si mesmo. Posto dessa forma,

a leitura de textos escritos está em sintonia com a leitura no seu sentido mais amplo, à medida

que auxilia o ser a estar “com o mundo”, diferenciando-se uma da outra apenas pelo tipo de

linguagem e pelos instrumentos utilizados.

A leitura se torna tão mais necessária ao se entender que

O progresso da ciência e da tecnologia se processa num ritmo tal que instrução que hoje ministramos será insuficiente amanha. A tarefa do futuro é a educação permanente, ou, melhor ainda, a auto-educação permanente. (BAMBERGER, 1986, p.12)

Diante desse fato, conclui-se que a leitura adquire novo significado: é instrumento de

auto-educação como forma de acompanhar o acelerado desenvolvimento da tecnologia na

contemporaneidade e de propiciar a ação do homem sobre o mundo, transformando-o com o

seu conhecimento.

A leitura também contribui para a formação do ser humano, uma vez que possibilita o

despertar de emoções e o estabelecimento de parâmetros, desencadeando a autocompreensão

75

e a compreensão do mundo. As decisões, as escolhas, as definições, resultam do exercício do

pensar, o autoconhecimento redunda do conhecimento de ser humano por meio do contato

com a infinidade de reações que o comportamento humano revela.

Existem inúmeras pesquisas, na atualidade, que comprovam que há grande tendência

em se valorizar o talento técnico e a massificação em detrimento do elemento humano e da

individualidade. Igualmente, há consciência de que “as realizações tecnológicas do presente (...)

pouco contribuem para a solução dos problemas de coexistência.” (BAMBERGER, 1986, p. 10-11).

A leitura sempre foi atividade central nos currículos escolares e na sociedade moderna.

As características da sociedade atual valorizam significativamente essa atividade, assim como

a formação de leitores. Nesse contexto, uma certeza é possível: é preciso aprender sempre.

Aprender na escola, porque:

A educação formal acaba se transformando no processo complexo que ao mesmo tempo habilita profissionalmente, inicia politicamente e instrumentaliza culturalmente. (SEVERINO, 1994, p.64)

Neste contexto, o desafio mais decisivo se traduz na realização do direito e do dever

constitucional de universalizar a educação básica, com parâmetros de qualidade. Só então

será possível chegar ao atendimento do que prescreve o artigo 1º da Lei 9.394, de 20 de

dezembro de 1996: a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida

familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos

movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.

Aprender na biblioteca, porque:

(...) a biblioteca é potencialmente um dos espaços que mais pode contribuir para o despertar da criatividade e do espírito crítico no aluno, tendo em vista os diferentes tipos de documentos que podem constituir o seu acervo e os variados serviços e atividades que ela pode desenvolver. As informações obtidas na ou por meio da biblioteca escolar podem, portanto, constituir-se em inesgotável fonte de estimulo e inspiração para as iniciativas criadoras do educando. (SILVA, 1999, p. 37)

Por igual, aprender fora do ambiente escolar, aprender socialmente, porque é preciso

adquirir o conhecimento que é produzido, estar atento ao que acontece, o que implica

informar-se, refletir, posicionar-se, agir.

Para formar leitores, é necessário que a escola ponha seu educando em contato com os

livros de forma prazerosa, abrindo espaço para que ele fale do que leu. É necessário também

76

que os educadores sejam leitores que conheçam a natureza da literatura, as obras, os autores,

que saibam selecionar textos e tenham se apropriado do conhecimento para estabelecer com

os alunos as relações possíveis. E procurar outros textos, literários ou não, um filme, um

documentário, uma exposição, uma entrevista... Lendo textos e desenvolvendo as tantas

outras atividades que compõem o fazer da escola, pode ir sendo construída, paulatinamente, a

qualidade da escola, que ganha consistência na formação do leitor. Conseqüentemente, dá

qualidade à formação do cidadão. Demo (1995) aponta para algumas questões que

determinam a qualidade da educação:

Para que tenha condições de plantar e sempre renovar a competência, são imprescindíveis condições concretas favoráveis e articuladas, principalmente o bom funcionamento do sistema e a qualidade dos professores. Em termos de qualidade, o agente central é o professor, capaz de passar do novo ensino para autêntica formação, propedeuticamente fundamentada, construtiva de conhecimentos, dotada de qualidade formal e política. Para tanto, o professor precisa ser capaz de elaboração própria, pesquisa com autonomia, teorizar as práticas, atualizar-se permanentemente, produzir e usar instrumentação eletrônica. No processo educativo é míster ocorrer a emergência do sujeito histórico, capaz de ler a realidade criticamente e de nela intervir de modo alternativo instrumentado pelo conhecimento. Trata-se de aprender, saber pensar; para melhorar, intervir. (DEMO, 1995, p.147)

Aprender a ler a realidade instrumentada pelo conhecimento, aprender a aprender e a

pensar. Eis alguns desafios propostos especialmente para os professores na formação do

cidadão e que situam a leitura no centro da questão como elemento presente na formação

desses profissionais e no fazer pedagógico, como formador de alunos-leitores.

Assumir a tarefa de formar leitores, impõe à escola a responsabilidade de organizar-se

em torno de um projeto educativo comprometido com a intermediação da passagem do leitor

de textos facilitados para o leitor de textos de complexidade real; do leitor de adaptações ou

de fragmentos para o leitor de textos originais e de cunho integral.

Para tal, o professor deve preocupar-se com a diversidade das práticas de recepção dos

textos, além de considerar a diversidade dos gêneros, disponibilizando material didático

diverso para garantir a construção dos vários significados do texto veiculado, sejam eles de

entretenimento, sejam mais complexos, estabelecendo as conexões necessárias para ascender

a outras formas culturais.

Para ampliar os modos de ler, o trabalho com a literatura deve permitir que,

progressivamente, ocorra a passagem gradual da leitura esporádica de títulos de determinado

gênero, época, autor, para a leitura mais extensiva, de modo que o aluno possa estabelecer

77

vínculos cada vez mais estreitos entre o texto e outros textos, construindo referências sobre o

funcionamento da literatura e entre esta e o conjunto cultural, da leitura circunstancial à

experiência possível ao aluno, naquele momento, para a leitura mais histórica por meio da

incorporação de outros elementos, que o aluno venha a descobrir ou perceber com a mediação

do professor ou de outro leitor, da leitura mais ingênua que trate o texto como mera

transposição do mundo natural para a leitura mais cultural e estética, que reconheça o caráter

ficcional e a natureza cultural da literatura.

Segundo os PCNs (1998), formar leitores é algo que requer condições favoráveis, não

só em relação aos recursos materiais disponíveis, mas também em relação ao uso que se faz

deles nas práticas de leitura. A seguir, são apresentadas algumas dessas condições:

a) a escola deve dispor de uma biblioteca em que sejam postos à disposição dos alunos

textos de gêneros variados, material de consulta nas diversas áreas do conhecimento,

almanaques, revistas, entre outros.

b) é desejável que as salas de aula disponham de acervo de livros e de outros materiais de

leitura; nesse caso, o importante é a variedade que permitirá a diversificação de

situações de leitura por parte dos alunos.

c) o professor deve organizar momentos de leitura em que também ele próprio leia,

criando um circuito de leitura em que se fala sobre o que se leu, trocam-se sugestões,

aprende-se com a experiência do outro.

d) o professor deve planejar atividades regulares de leitura, assegurando que tenham a

mesma importância dada às demais. Ler por si só já é um trabalho, não é preciso que a

cada texto lido siga um conjunto de tarefas a serem realizadas.

e) o professor deve permitir que também os alunos escolham suas leituras. Fora da

escola, os leitores escolhem o que lêem. É preciso trabalhar o componente livre da

leitura, caso contrário, ao sair da escola, os livros ficarão para trás.

f) a escola deve organizar-se em torno de uma política de formação de leitores,

interessando toda a comunidade escolar. Mais do que a mobilização para aquisição e

preservação do acervo, é fundamental um projeto coerente de todo o trabalho escolar

no entorno da leitura. Todo professor, não apenas o de Língua Portuguesa, é também

professor de leitura. (BRASIL, PCN, 1988, p. 71- 72).

Levando em conta o grau de independência do aluno para a tarefa, o professor pode

selecionar situações didáticas que permitem, ao aluno, ora exercitar-se na leitura de tipos de

texto para os quais já tenha construído uma competência, ora empenhar-se no

78

desenvolvimento de novas estratégias para poder ler textos menos familiares, o que

demandará maior interferência do professor. Tais atividades podem ocorrer com maior ou

menor freqüência, em função dos objetivos de ensino-aprendizagem.

A seguir são apresentadas algumas sugestões didáticas, orientadas especificamente

para a formação de leitores, constantes dos PCNs (1998):

1. Leitura autônoma

A leitura autônoma envolve a oportunidade de o aluno poder ler, de preferência

silenciosamente, textos para os quais já tenha desenvolvido certa proficiência. Vivenciando

situações de leitura com crescente independência da mediação do professor, o aluno aumenta

a confiança que tem em si como leitor, encorajando-se para aceitar desafios mais complexos.

2. Leitura colaborativa

A leitura colaborativa é uma atividade em que o professor lê um texto com a classe e,

durante a leitura, indaga os alunos sobre os índices lingüísticos que dão sustentação aos

sentidos atribuídos. É uma excelente estratégia didática para o trabalho de formação de

leitores, principalmente para o tratamento dos textos que se distanciem muito do nível de

autonomia dos alunos. É particularmente importante que os alunos envolvidos na atividade

possam explicitar os procedimentos que utilizam para atribuir sentido ao texto: como e por

quais pistas lingüísticas lhes foi possível realizar tais ou quais inferências, antecipar

determinados acontecimentos, validar antecipações feitas, etc. A possibilidade de interrogar o

texto, a diferenciação entre realidade e ficção, a identificação de elementos que veiculem

preconceitos e de recursos persuasivos, a interpretação de sentido figurado, a inferência sobre

a intenção do autor, são alguns dos aspectos dos conteúdos relacionados com a compreensão

de textos, para os quais a leitura colaborativa tem muito a contribuir. A compreensão critica

depende, em grande medida, desses procedimentos.

3. Leitura em voz alta pelo professor

Além das atividades de leitura realizadas pelos alunos e coordenadas pelo professor, há

as que podem ser realizadas basicamente pelo professor. É o caso da leitura compartilhada de

79

livros em capítulos, que possibilita ao aluno o acesso a textos longos (e às vezes difíceis) que,

por sua qualidade e beleza, podem vir a encantá-lo, mas que, talvez, sozinho não o fizesse.

A leitura em voz alta feita pelo professor não é prática comum na escola. Quanto mais

caminham as séries, mais incomum se torna, o que não deveria acontecer, pois, muitas vezes,

são os alunos maiores que mais precisam de bons modelos de leitura.

4. Leitura programada

A leitura programada é uma situação didática adequada para discutir coletivamente um

título considerado difícil para a condição atual dos alunos, pois permite reduzir parte da

complexidade da tarefa, compartilhando a responsabilidade. O professor segmenta a obra em

partes, ancorado em algum critério, propondo a leitura seqüenciada de cada uma delas. Os

alunos realizam a leitura do trecho combinado, para discuti-lo, posteriormente, em classe com

a mediação do professor. Durante a discussão, além da compreensão e análise do trecho lido,

que poderá facilitar a leitura dos trechos seguintes, os alunos podem ser estimulados a

antecipar eventuais rumos que a narrativa possa tomar, criando expectativas para a leitura dos

segmentos seguintes. Também durante a discussão, o professor pode introduzir informações a

respeito da obra, do contexto em que foi produzida, da articulação que estabelece com outras,

dados que possam contribuir para a realização de uma leitura que não se detenha apenas no

plano do enunciado, mas que articule elementos do plano expressivo e estético.

5. Leitura de escolha pessoal

São situações didáticas, propostas com regularidade, adequadas para desenvolver o

comportamento do leitor, ou seja, atitudes e procedimentos que os leitores assíduos

desenvolvem a partir da prática de leitura: formação de critérios para selecionar o material a

ser lido, rastreamento da obra de escritores preferidos, etc. Nesse caso, o objetivo explícito é a

leitura em si, é a criação de oportunidades para a constituição de padrões de gosto pessoal.

Nessas atividades de leitura, pode-se, temporariamente, eleger um gênero específico, um

determinado autor ou tema de interesse. A partir daí, os alunos escolhem o que desejam ler,

tomam emprestado o livro (do acervo da classe ou da biblioteca da escola) para ler em casa e,

no dia combinado, parte deles relata suas impressões, comenta o que gostou ou não, o que

pensou, sugere outros títulos do mesmo autor, tema ou tipo. Dependendo do gênero

80

selecionado, alguns alunos podem preparar, com antecedência, a leitura em voz alta dos textos

escolhidos.

Pela escrita são veiculados majoritariamente os conhecimentos dos diversos

componentes curriculares, as notícias do cotidiano, da produção artística e científica que, se

trabalhados com uma metodologia que privilegia a discussão, a reflexão, o estabelecimento de

relações, podem fundamentar a leitura do mundo. Podem também fortalecer a formação da

cidadania, conforme a compreendemos hoje, preparando ainda para vir a ser gestado nesse

processo de transformação que nem sabemos direito como será, de tão grande que se anuncia

(BRASIL, PCN, 1988, p. 72-74).

Silva (1994) aborda os níveis de leitura, oferecendo ao leitor varias concepções acerca

desses níveis. Iniciando pela leitura sensorial:

Essa leitura sensorial começa, pois, muito cedo e nos acompanha por toda a vida. (SILVA, 1994, p. 40)

A seguir, trata da leitura emocional.

Na leitura emocional emerge a empatia, tendência de sentir o que se sentiria caso estivéssemos na situação e circunstâncias experimentadas por outro, isto é, na pele de outra pessoa, ou mesmo de um animal, de um objeto, de uma personagem de ficção. Caracteriza-se, pois, um processo de participação afetiva numa realidade alheia, fora de nós. Implica necessariamente disponibilidade ou, seja, predisposição para aceitar o que vem do mundo exterior, mesmo se depois venhamos a rechaçá-lo. (SILVA, 1994, p. 51-52)

Finalmente, aborda a leitura racional

(...) a leitura racional acrescenta à sensorial e à emocional o fato de estabelecer uma ponte entre o leitor e o conhecimento, a reflexão, a reordenação do mundo objetivo, possibilitando-lhe, no ato de ler, atribuir significado ao texto e questionar tanto a própria individualidade como o universo das relações sociais. (SILVA, 1994, p. 66)

Assim, pode-se cotejar que os níveis de leitura são inter-relacionados, senão

simultâneos, mesmo que um pareça privilegiado em relação ao outro. É essa relação de

interação, de ponte, que os PCNs propõem para as concepções de leitura a serem trabalhadas

na escola, a fim de que o sujeito-leitor em formação adquira autonomia em sua prática de

leitura. Para tanto, o professor desempenha papel fundamental para o desencadeamento do

letramento do aluno.

Segundo Soares (2001), letramento é:

81

Estado ou condição que adquire um grupo social ou um individuo como conseqüência de ter-se apropriado da escrita e leitura e de suas práticas sociais (...) numa dimensão social é o que as pessoas fazem com as habilidades de leitura e de escrita, em um contexto especifico, e como essas habilidades se relacionam com as necessidades, valores e práticas sociais. (SOARES, 2001, p. 31 e 39)

A partir das práticas exercidas na escola e, de conseguinte, na biblioteca escolar, pode-

se depreender que essa instituição educativa, a mais importante das agências de letramento,

tem-se preocupado não com o letramento, mas apenas com a alfabetização, como processo de

decifração de códigos (alfabético e numérico). Tal fato empobrece as práticas de leitura, já

que esta se dá na TV, no vídeo, na internet, através das propagandas, dos CDs, enfim com os

mais variados recursos tecnológicos. No entanto, para que se formem sujeitos leitores

competentes, aptos a praticar o letramento na verdadeira acepção da palavra, é relevante o

papel dos professores, bibliotecários, ou atendentes, como mediadores de leitura, e que

propiciem eventos de leitura, para que haja uma aprendizagem cada vez mais significativa e

autônoma.

Ainda segundo Soares (1998, p. 15), há que identificar no conceito de letramento as

dimensões social e individual. A dimensão individual se relaciona com as habilidades

individuais, presentes na leitura e na escrita, enfeixando desde o domínio do código até a

construção do significado de um texto.

Já na dimensão social, letramento é um fenômeno cultural referente a um conjunto de

atividades sociais que demandam o uso da escrita. Para a autora, esta dimensão social ainda

pode ser compreendida por duas perspectivas: a perspectiva revolucionária ou radical, que vê

o letramento como um conjunto de práticas socialmente construídas (de leitura e escrita) e que

visa transformar as práticas sociais injustas, determinadas social e culturalmente. A

perspectiva progressista, ou liberal, define o letramento como habilidades necessárias para

que o indivíduo funcione adequadamente em um contexto social.

Mortatti (2004) revela que, na nova realidade social, não basta apenas saber ler e

escrever, é preciso também saber responder às exigências de leitura e escrita que a sociedade

faz continuamente. A abordagem e a discussão dessa conjuntura se tornam essencial para a

formação dos educadores. Assim, saber fazer uso do ler e do escrever nas diferentes situações

do cotidiano é, hoje, necessidade inquestionável, tanto para o exercício pleno da cidadania

quanto para a medida do nível sociocultural e político.

82

Dessa forma, espera-se que no espaço escolar haja preocupação com a leitura de textos

verbais e não-verbais em suas múltiplas tipologias e gêneros, já que os usuários da língua

convivem diariamente com as mais variadas situações de uso da língua, quer de ordem

profissional, pessoal, econômica ou social, quer por meio da linguagem verbal ou não-verbal.

O professor é um sujeito que detém, em princípio, alto grau de letramento, pois, saído

de agências formadoras em nível do terceiro grau, tem, na sua história, contato freqüente com

a escrita e com a leitura, restando indagar se esses contatos são com material de qualidade,

que lhe garantam o nível de letramento que lhe é demandado em suas práticas profissionais.

A sociedade vive em constante transformação, algumas ocorrendo com tal intensidade

que, se não estiver atento ao que ocorre, nem sequer se saberão delas. Entretanto, essas

transformações, direta ou indiretamente, afetam a vida das pessoas. A escola, como agência

disseminadora do conhecimento, não pode ficar alheia às transformações que ocorrem

diuturnamente.

Os níveis de letramento se tornam, a cada dia, mais e mais necessários para as práticas

cotidianas. No entanto, não haverá mudanças, nos paradigmas da escola, enquanto o professor

não compreender o que constitui sua prática hoje, o que ela tem de deficiente ou inadequada

para novos tempos, e reorientar seu olhar para novo perfil de homem, de escola e de

sociedade.

Só então, a escola estará apta para formar seus educandos-leitores, de acordo com as

exigências dos tempos modernos.

Se houver essa preocupação voltada para a realização da prática pedagógica, a

biblioteca, certamente, deverá ser vista como espaço de ampliação das possibilidades de

leitura dos alunos, devendo-se constituir um dos pilares de sustentação dessa prática.

Ao pensar a biblioteca como um dos pilares da prática de leituras, é importante

conhecer um pouco de sua origem, finalidades e funções.

5 Biblioteca: Memória Cultural

A origem do termo biblioteca vem da Grécia, da palavra "biblioteke" e significa cofre

do livro, ambiente de livros. Por estensão, designa o local onde os livros e as coleções eram

conservados, armazenados, depositados.

83

Segundo AURÉLIO (1999), "biblioteca é o lugar onde se guardam os livros; 'estante'

ou coleção pública ou privada de livros e documentos congêneres organizada para estudo,

leitura ou consulta; ou edifício ou recinto onde se instala essa coleção".

Para CUNHA (1999):

A biblioteca tradicional é aquela onde a maioria dos itens do seu acervo é constituída de documentos em papel. Ela existe desde a invenção da escrita. É claro que, antes do advento da imprensa, em 1440, o seu acervo era formado por outros tipos de materiais (...) uma característica da biblioteca tradicional é que tanto a coleção como o seu catálogo utilizam o papel como suporte de registro da informação. Todavia, no final do século XIX, houve uma grande revolução na biblioteca com a introdução do catálogo em fichas e o abandono do catálogo sob a forma de livro (CUNHA, 1999, p. 36).

A definição tradicional da palavra, define biblioteca como edifício em que se guardam

livros. De maneira mais abrangente, biblioteca é todo espaço (concreto, virtual ou híbrido)

destinado a uma coleção de informações de quaisquer tipos, sejam escritas em folhas de papel

(monografias, enciclopédias, dicionários, manuais, etc) sejam ainda digitalizadas e

armazenadas em outros tipos de material, tais como CDs, fitas, VHS, DVDs e bancos de

dados. Revistas e jornais também são colecionados e armazenados, especialmente, em uma

hemeroteca.

Além da componente patrimonial – conservação da memória coletiva, mediante a

informação registrada em suportes materiais –, desde as origens a função “serviço” – uso e

pesquisa de informação – surge implicita no conceito de biblioteca. Já na Antiguidade, tem-se

perfeitamente conceitualizada uma realidade que, progressivamente, se complexificou,

tomando nítidas suas componentes próprias, que permitem hoje afirmar que o conceito define

um sistema de informação específico.

Todas as alterações surgidas se traduzem, naturalmente, em desenvolvimentos vários,

a partir da ‘velha’ biblioteca. Nascem as bibliotecas especializadas, quer quanto ao conteúdo –

bibliotecas médicas, bibliotecas de artes, bibliotecas químicas, bibliotecas escolares, etc. –

quer quanto ao tipo de suportes informativos – hemerotecas, fonotecas, discotecas,

mediatecas, etc., bem assim as bibliotecas virtuais, em que o componente patrimonial in loco

foi excluído.

Ao longo dos tempos, mudam os meios, evoluem as técnicas, especializam-se,

conforme os acessos, os componentes ‘de conservação’ ou ‘de serviços’, chegando mesmo a

extremar-se situações.

84

Os novos termos podem traduzir nuanças, mas não é aceitavel que se desvirtue o

essencial. Biblioteca ontem, serviços de informação hoje, são termos ou expressões

equivalentes, que correspondem a um mesmo conceito. Daí que o bibliotecário, o

documentista ou o gestor de informação de hoje nada mais são do que a versão moderna do

bibliothecarius de outrora.

5.1 A biblioteca pública na linha do tempo

É de Atenas, na Antiguidade, o primeiro registro de criação de biblioteca pública de

que se tem notícia; seguida, de Roma, no ano de 39 dessa Era, já direcionadas para o uso do

público, mesmo que restrito em função do reduzido número de letrados da época. Encontra-se

aí a raiz da atividade de empréstimos, responsável pela circulação dos livros.

Percebe-se, portanto, que a biblioteca cedo procura se desvencilhar da função de

simples guardiã do conhecimento, avançando na direção do papel de mediadora entre esse

conhecimento produzido, e acumulado, e o público ávido de acesso ao saber.

Na Idade Moderna, a biblioteca pública acentua seu caráter democrático. Nesse

período, desenvolve-se a idéia de que o conhecimento preso ao livro se torna de pouco valor,

havendo a necessidade de disseminá-lo para gerar enriquecimento intelectual dos indivíduos e

da coletividade. O foco deixa de ser o livro e se transfere para o leitor. Na Idade Moderna,

assume o significado real de instituição democrática, aberta a todos os segmentos da

sociedade, sintonizada com o clima, quase hegemônico, de implantação dos sistemas

democráticos de governo, constituindo um dos instrumentos mais poderosos da abolição do

antigo regime.

A Idade Contemporânea favorece essa evolução com a consolidação dos ideais

democráticos baseados na filosofia da educação para todos, o que pode explicar a proliferação

da criação de bibliotecas públicas, no século XIX, quando esse ideal ganha força e se propaga.

O fenômeno também mostra a razão da estreita relação entre a biblioteca pública e a

educação, seja no apoio à educação formal, seja, sobretudo, como espaço de aprendizagem

contínua.

A literatura especializada aponta, tradicionalmente, como função básica da biblioteca

pública: educação, informação, cultura e lazer. Funções que permanecem inerentes à

instituição, sendo alteradas em conteúdo, forma e estratégia, à medida que se modifica o

contexto social em que se situam.

85

A amplitude do raio de ação da biblioteca pública e a importância do seu papel,

comprovadas ao longo dos séculos, oferecendo suporte mediante o ato de leitura, acesso às

informações gerais e utilitárias, preservação das identidades locais e nacionais, apoio à

educação formal e desenvolvimento da educação permanente, estímulo às atividades de lazer

produtivo. Esse fato, que foi verdadeiro no passado, amplia-se no presente, com a expansão

demográfica e as facilidades de compartilhamento de conhecimentos e experiências que

podem ser partilhadas por redes de informação como a internet.

5.1.1 Biblioteca no Brasil

Historicamente, o acesso à informação no Brasil sempre foi definido pelo poder

aquisitivo. Durante o período colonial, os jesuítas fizeram grande esforço para facilitar o

acesso à palavra escrita. Na verdade, foram esforços isolados, pois a educação e a cultura não

eram prioridades dos segmentos dominantes do poder.

A vinda da Biblioteca e da Imprensa Real para o Brasil também não representou

indicadores efetivos do acesso e da disponibilidade de informação para toda a sociedade. No

entanto, em 1811 foi inaugurada uma biblioteca no Colégio dos Jesuítas, na Bahia.

Logo após esse período, inúmeros governos estaduais tomaram a iniciativa de criar

bibliotecas estaduais. A biblioteca era legalmente criada por um decreto estadual, entretanto a

falta de visão dos administradores era grande, pois geralmente não havia previsão da infra-

estrutura necessária. Locais improvisados, acervo desatualizado e composto de doações,

instalações precárias, carência de recursos humanos adequados, etc., eis as características

dessas instituições chamadas bibliotecas. O ônus da imagem dessas instituições provocou um

retraimento do possível público usuário. A imagem passou a ser tida como negativa pelo povo

e eram comuns as afirmações de que se tratava de um local de castigo, quando não para uma

pequena elite composta de eruditos (MORAES, 1979).

Tanto na República Velha como na Primeira República, biblioteca era sinônimo de

livro. Dificilmente poderia ocorrer a uma pessoa procurar a biblioteca sem estar interessada

na informação bibliográfica, e esse é um grande contraste, pois, no período mencionado, o

ensino era muito precário e grande percentual da população era composto de analfabetos.

Portanto, era um clima ideal para a disseminação de informação oral, utilitária ou sobre

cidadania.

Em 1912, a Biblioteca Nacional, situada no Rio de Janeiro, passou a ministrar cursos

para a formação de bibliotecários. Era fácil perceber a preocupação com a preservação do

86

material impresso. A idéia de disseminação viria muito tempo depois. As bibliotecas criadas

nesse período já buscavam um modelo de serviço bibliotecário. O modelo, basicamente, era

uma reprodução do utilizado nos países desenvolvidos na época. Portanto, era um modelo

reflexo, baseado em uma realidade que não era a do povo brasileiro.

A preocupação com uma cultura nacionalista aflorou, e em 1922, na Semana de Arte

Moderna, os intelectuais passaram a criticar o modelo importado e a buscar uma cultura mais

compatível com a realidade brasileira.

Em São Paulo, no ano de 1926, foi inaugurada a Biblioteca Pública Municipal Mário

de Andrade, que se transformou em marco importante da cultura brasileira, um exemplo para

a América Latina.

No período de 1930 a 1945, durante a Era Vargas, houve grande necessidade de

crescimento e surgiu um surto industrial criando outra faixa social, a dos operários. Em 1937,

o Governo Vargas fundou o Instituto Nacional do Livro, com a finalidade de propiciar meios

para a produção, o aprimoramento do livro e a melhoria dos serviços bibliotecários.

Historicamente, a criação do Instituto Nacional do Livro se deve a dois fatos. O

primeiro era uma resposta do governo federal aos intelectuais, que haviam participado da

Semana de Arte Moderna e que criticavam, em muito, a administração pela falta de uma

política cultural. O segundo fator, ei-lo: havia necessidade de dar especial atenção à nova

classe dos operários, pois, basicamente, a mão-de-obra não era qualificada, e o analfabetismo

atingia altas proporções nesse segmento (DOMINGOS, 1995).

Logo após a criação do Instituto Nacional do Livro, começaram a surgir críticas sobre

sua viabilidade. De fato, não era fácil propiciar meios para a produção e para o

aprimoramento do livro.

Se, de um lado, era extremamente difícil incentivar o desenvolvimento da indústria

editorial, muito mais difícil era propiciar os meios adequados para a melhoria dos serviços

bibliotecários. A primeira pergunta óbvia era saber que tipo de serviços bibliotecários, porque

era impossível, pela falta de recursos humanos e financeiros, privilegiar indiscriminadamente

todos os tipos de biblioteca, tais como infantis, escolares, públicas, universitárias e

especializadas.

Nesse estudo de prioridades para o desenvolvimento de serviços bibliotecários, ficou

comprovada uma tendência de que as bibliotecas especializadas e centros de documentação

que começavam a ser criados tinham mais recursos que os demais tipos de bibliotecas. Era

uma grande inversão de valores, à medida que as bibliotecas infantis, públicas e escolares, que

deveriam privilegiar a formação do leitor, não contavam nem com recursos humanos, nem

87

com recursos financeiros adequados: havia bibliotecas deficientes, acervos desatualizados,

falta de recursos humanos e monstruosa quantidade de livros que não eram acessíveis aos

leitores, pois não foram preparados tecnicamente.

Segundo Domingos (1995, p. 45), a Biblioteca Nacional, por falta de recursos

adequados, não exerceu uma liderança adequada na disseminação de metodologias adequadas

que pudessem ter um efeito multiplicativo e, assim, ser compartilhadas por outras bibliotecas

brasileiras.

No referido período, era necessário que a instituição biblioteca fosse dedicada à

propagação de uma política de leitura. Mas a preocupação predominante era a preservação do

material bibliográfico, e muitas se negavam a fazer o empréstimo domiciliar com receio de o

livro ser furtado e, assim, o profissional teria de dar conta do material permanente. O livro não

era somente associado ao material permanente, como era também símbolo de status

intelectual de seu proprietário.

A outra questão crucial se refere ao leitor. Como se forma um público leitor em um

país com problemas educacionais e culturais emergentes, que refletiam alto percentual de

analfabetismo e desnutrição infantil, e onde as bibliotecas eram vistas como local de castigo

para os estudantes?

Bamberger (1977), ao analisar as razões por que em certos países se lê muito mais que

em outros, viu que estas se assentam nos seguintes fatores: 1º) a posição do livro na escala de

valores do país, tal como se expressa através dos gastos econômicos destinados à promoção

do livro; 2º) a tradição cultural; 3º) as oportunidades de leitura; 4º) o papel representado pelos

livros, nas escolas e no sistema educacional.

Os gastos econômicos na promoção do livro são, mais ou menos, recentes nas

atividades culturais brasileiras. Na década de 30 a 50, o governo promovia a edição e a

distribuição do que considerava patrimônio bibliográfico. Depois, passou a investir muito no

livro didático, para distribuição gratuita aos alunos da rede de ensino público. As

oportunidades de leitura eram raras. A falta de bibliotecas públicas associada ao custo do livro

fazia com que a formação do leitor fosse sempre adiada. O papel representado pelos livros nas

escolas e no sistema educacional foi sempre secundário, pois não havia bibliotecas escolares.

Grande parte dos professores era leiga e o que prevalecia sempre era a cópia a dicionários e

enciclopédias.

A falta de bibliotecas escolares fez com que os alunos se utilizassem das poucas

bibliotecas públicas existentes. À medida que esses alunos ocupavam os assentos das

bibliotecas públicas em sua maioria, houve um retraimento da população adulta, ou seja,

88

ocorreu o fenômeno da escolarização da biblioteca pública, que passou a dar prioridade para o

atendimento estudantil, em detrimento a outros segmentos da comunidade que também

necessitavam dos serviços bibliotecários. Os recursos humanos existentes nas bibliotecas

públicas atendiam aos estudantes, e os recursos financeiros existentes eram aplicados no livro

didático e na compra de dicionários e enciclopédias. Portanto, de pública a biblioteca só tinha

o nome, já que a prioridade, por força das circunstâncias, era aplicada no processo educativo.

Era normal e até compreensível que o acesso ao livro não fosse preocupação

governamental. O governo estava mais preocupado em construir escolas, formar e contratar

professores. A biblioteca escolar passava despercebida no processo de ensino-aprendizagem.

Falta de livros, de profissionais e de uma consciência sobre a leitura fazia a biblioteca escolar

ser sempre incluída nas últimas prioridades.

Sendo assim, os professores que foram formados, principalmente por escolas

normalistas, não tinham nenhuma vocação para a leitura ou para formar leitores conscientes

da realidade do país. As comunidades e as famílias exigiam escolas, e a biblioteca não fazia

parte da estrutura organizacional da escola.

Pior que não contar com biblioteca escolar era a formação de depósito de livros

desatualizados que proporcionaram para a biblioteca uma imagem de lugar de castigo e de

mofo. Nesse clima, muitas gerações foram formadas, utilizando apostilas e textos mal

elaborados sem nenhuma repercussão sobre a teoria e a prática escolar.

A reforma do ensino, elaborada seguidas vezes na história brasileira, nunca deu

prioridade à questão da leitura e da biblioteca.

Se a imagem da biblioteca era de lugar de castigo e de punição, o livro tinha uma

imagem de instrumento de elitização, por causa do custo. As pessoas colocavam os livros nas

salas de visitas para demonstrar que tinham conhecimento e eram consideradas intelectuais.

Ter livros era sinônimo de ter poder e conhecimento. O livro era para ser preservado, não

consumido.

Somente na década de 70 é que surgem os primeiros estudos e pesquisas relacionados

com os usuários. Até então, eles não participavam do processo de tomada de decisão e não

eram ouvidos pelos profissionais da informação. Na década de 80, levantamentos

comprovaram que a faixa de usuários era pequena e que o importante na política bibliotecária

era atingir a grossa fatia dos não-usuários. Começam os primeiros estudos sobre a circulação

da informação, e se comprova que a informação que circula nas grandes camadas da

população é a oral, obtida geralmente na Igreja e na escola. A obtenção da informação, para a

população carente, era de difícil acesso.

89

5.1.2 Biblioteca Escolar: espaço de informação/formação Há várias caracterizações que a biblioteca escolar vem recebendo ao longo de sua

história, dentre as quais cito algumas metáforas: um livro aberto para a comunidade, espaço

de informação e convivência, canal, recurso e/ou meio de informação, templo do saber,

guardiã do conhecimento. Estão a refletir a evolução que, pelo menos teórica e literariamente,

ela vem evidenciando, no que toca a recursos e a serviços. É, particularmente, em relação ao

conceito, aos objetivos e às funções que a ela se relacionam e que constituem os fundamentos

de sua prática.

Em relação ao conceito de biblioteca escolar, autores que escreveram nas décadas de

60 e 70 do século XX ressaltam a idéia de que a biblioteca é um órgão, estrutura de apoio ou,

ainda, uma instituição auxiliar das atividades/ações pedagógicas desenvolvidas por

professores e alunos. Já no período entre 80 e 90, percebe-se que houve mudança no modo de

pensar sobre a biblioteca escolar, evidenciada pelas posições de autores desse período. Tratam

a biblioteca escolar como centro de informação e formação educativas, integrada à escola e à

disposição de professores, alunos e funcionários. Adaptada às exigências das novas e

profundas alterações em que o mundo vem sofrendo neste início de século, estará apta à

formação do aluno-leitor, como é afirmado por Negrão (1987):

a biblioteca escolar, interagindo de modo harmonioso com o corpo docente, poderá cooperar na formação de várias atitudes : o hábito de utilizar informação, o de pesquisa, o gosto pela leitura, o hábito de usar a biblioteca, além do desenvolvimento do pensamento crítico e a motivação para a educação permanente. (NEGRÃO, 1987, p. 87)

Ela passa a ser conceituada como serviço de informação educativa para uns, como

centro de multimeios para outros, ou, então, como órgão embasador de todas as atividades

desenvolvidas na escola. Por esses pontos de vista, crescem e se intensificam as funções da

biblioteca escolar em meio a seu público. E, em decorrência, sua atuação passa a ser vista por

eles como pró-ativa. Neste sentido, a biblioteca escolar deverá se antecipar às demandas,

buscando a interação entre todos e com todos os segmentos da comunidade escolar,

particularmente com os professores.

A explicitação dos objetivos e funções da biblioteca escolar na literatura pesquisada

também é extensa e variada; e, talvez, o que seja mais importante, os estudos histórico-críticos

90

que, segundo Silva (1999), surgem na década de 80 com Milanesi (1983, 1986, 1994), passam

a oferecer um quadro realista da situação e da função da biblioteca escolar brasileira no

cenário educacional e do papel que a ela cabe desempenhar. Milanesi pode ser considerado

um dos primeiros que analisa a atividade de pesquisa que é realizada na escola básica e

denuncia suas mazelas.

Outros estudos vêm contribuindo para a tomada de consciência por parte de

bibliotecários e professores acerca da realidade de seus estados e cidades. A produção

intelectual e de pesquisa sobre a biblioteca escolar vem crescendo, embora a questão da

pesquisa bibliográfica ainda constitua problema sem alternativas apontadas objetivamente.

A pesquisa bibliográfica é ponto chave nos trabalhos desenvolvidos nas escolas,

figurando a biblioteca o local ideal da cultura do livro. Portanto, a implantação da biblioteca

escolar exerce relevante papel nas atividades de ensino.

Por todas essas razões; a criação da biblioteca na escola é necessária, apesar de essa medida ter um custo em livros e formação. A falta de biblioteca pode ter um custo maior ainda se, em função dela, a escola perder uma parcela de sua eficiência. (BAJARD, 1992, p. 40)

Urge que se retire a imagem da biblioteca como lugar onde se reúnem e se conservam

livros, e passe a vê-la como instrumento educador, ativo, onde se buscam conteúdos

complementares para as salas de aula ou fora dela, transformando-a num centro de recursos

de aprendizagem, incentivadora do gosto pela leitura, motivadora do desenvolvimento não só

da pesquisa bibliográfica, científica ou de lazer. Finalmente, centro de referência, no qual

seus usuários busquem não só o livro, como também outros materiais educativos, para o

processo ensino-aprendizagem.

(...) é preciso creditar à biblioteca na escola e fora dela o significado amplo como centro de recursos de aprendizagem, capaz de propor e oportunizar alternativas pedagógicas amplas, convertendo-a em centro difusor de leitura, de apoio à formação e atualização do professor, de informação geral, animação cultura e desenvolvimento comunitário. (ANTUNES, 1989, p. 104)

A biblioteca escolar tem potencialidades para desenvolver práticas de leitura

prazerosa, crítica, formativa, informativa; cabe aos professores, alunos e comunidade escolar

adotar uma atitude mais crítica em relação à sua atuação, cobrando, de autoridades

competentes, políticas de atendimento e de fortalecimento da biblioteca, para que ela saia do

91

anonimato e ganhe a dinamicidade que lhe é devida. Só assim, de fato, ela poderá atingir seus

objetivos de formação, de mediadora na formação de leitores.

5.2 A prática de leitura na biblioteca escolar

Sabidamente, “a biblioteca escolar é o patinho feio do sistema educacional” (SILVA, 1999).

A carreira de bibliotecário nem sequer existe. Ninguém sabe, de fato, o número total de

bibliotecas, seus espaços de leitura ou sua situação global, do ponto de vista de acervo,

performance e resultados. Apenas as Secretarias Estaduais de Educação (e nem todas) estão

informadas a respeito. Não há também política geral de apoio, organização, treinamento e

fomento à biblioteca escolar, instituição fundamental para o futuro de qualquer país.

Em certas escolas, especialmente nas escolas privadas, a situação pode até ser descrita

como boa – mas é quase certo que a maioria é precária e, de certa forma, a obrigatoriedade da

leitura didática age mais como desestímulo à leitura do que como fomento. Professores

militantes da leitura já perceberam que, depois de terem provocado o interesse das crianças

para a leitura, graças a Ruth Rocha, Maria Clara Machado, Silvia Orthof, Ziraldo, só para

citar alguns, autores inteligentes e divertidos, o hábito da leitura declina dramaticamente no

ensino médio. Um dos motivos é que, neste período, a escola passa a obrigar a leitura dos

autores que se exigem no vestibular. E estes autores, quase sem exceção, não são nada

adequados ao prazer de ler para quem tem quinze anos.

Dado o fato de que o futuro são as crianças e que estas, mesmo sem pertencerem a

famílias de leitores, estão concentradas nas escolas, penso que são estas o alvo mais

importante e que se deveria ter mais cuidado na constituição de um público para o livro

brasileiro. Organizar um bom sistema nacional de bibliotecas escolares, dotado de bons

programas de estímulo à imaginação e à cultura geral, que vise à ampliação contínua do

hábito de leitura, é necessidade premente.

Em 1944, Lourenço Filho já afirmara serem ensino e biblioteca instrumentos

complementares, segundo o autor:

Uma escola sem biblioteca é um instrumento imperfeito. A biblioteca sem ensino, ou seja, sem a tentativa de estimular, coordenar e organizar a leitura, será por seu lado, instrumento vago e incerto. (LOURENÇO FILHO, 1944, p. 6)

92

Por meio da educação formal, instrumentaliza-se a população para o exercício de seus

direitos e deveres. Como um desses possíveis instrumentos, a biblioteca escolar demonstra ter

um compromisso essencial com a educação, a cultura e a formação do cidadão.

A biblioteca escolar se apresenta, segundo AMATO & GARCIA (1989), como recurso

indispensável para o desenvolvimento do processo ensino-aprendizado e para a formação do

educando.

Porém, a biblioteca escolar não é uma instituição independente, a sua atuação se faz de

acordo com as diretrizes de outra instituição, a escola, da qual é integrante, e, portanto, supõe-

se que a biblioteca deve estar integrada ao planejamento e ao projeto pedagógico da escola,

para que ela possa vir a cumprir suas funções.

Para DAVIES (1974),

La biblioteca escolar se convierte en una fuerza que favorece la excelencia educativa cuando funciona como un elemento de apoyo que es parte integrante del programa en su conjunto (...) El programa de la biblioteca y el programa educativo son interdependientes, idénticos e inseparables. (DAVIES, 1974, p. 17)

Para que a biblioteca possa desempenhar bem sua missão, ela precisa estar integrada à

prática desenvolvida na escola, concatenada com o trabalho pedagógico desenvolvido pelos

professores, em que bibliotecário e corpo docente tenham um canal aberto de diálogo e ações

concatenadas, visando a programas e a projetos que, de fato, formem sujeitos-leitores.

Silva (1995), em seu livro Miséria da Biblioteca Escolar relata que, do ponto de vista

da produção científica sobre a biblioteca escolar, é evidente o silêncio predominante e que

qualquer levantamento bibliográfico sobre o tema esbarra na dificuldade de identificação de

fontes documentais, principalmente de obras mais elaboradas como livros, dissertações ou

teses.

(...) silêncio: essa talvez seja a palavra que melhor simboliza a situação real da biblioteca escolar no Brasil (...) encontra-se sob o mais profundo silêncio; silenciam-se as autoridades, ignoram-na os pesquisadores, calam-se os professores, omitem-se os bibliotecários. É realmente um silêncio quase sepulcral, que até faz sentido, pois a biblioteca escolar no Brasil está praticamente morta. Faltando apenas enterrá-la. (SILVA, 1995, p. 11)

Essas afirmações refletem o desespero do pesquisador em relação à biblioteca escolar,

que, infelizmente, retratam a situação da maioria das escolas brasileiras.

93

Se, de um lado, se têm, em nível nacional, boas bibliotecas escolares, a

desempenharem excelentes trabalhos, de outro se tem uma situação que se apresenta de

maneira muito grave: a inexistência da biblioteca escolar. Em inúmeras escolas, é utilizado

um espaço qualquer, onde se colocam algumas estantes com livros didáticos e ali se intitula

Biblioteca Escolar.

Caracterizando também a real situação de nossas bibliotecas escolares, Milanesi

(1986) traça um perfil nada otimista de suas funções nas atividades escolares:

Em geral, a biblioteca que serve à escola é entendida como um ramo auxiliar do trabalho educativo. Assim, (...) é o ruim conduzindo o pior. A biblioteca serve a uma escola que pouco serve. É, portanto, um desserviço camuflado, pois sendo útil à escola, é inútil. (...) Se a biblioteca, dependendo do ruim, torna-se pior, deve buscar uma ação que seja o reflexo da escola, mas um serviço que coloca ao lado daquilo que o trabalho educativo pode oferecer como alavanca para as transformações. (MILANESI, 1986, p. 171-2)

O mediador de leitura que comanda as bibliotecas é, em sua maioria, desqualificado,

destituído de curso especifico para tanto. Muitas vezes, professores ou funcionários, com

desvio de função, são ‘encostados’ nas bibliotecas, tidas neste caso, como o melhor lugar

para o repouso profissional, até que chegue a aposentadoria ou outra possibilidade de

trabalho.

Às bibliotecas escolares atribuem-se em geral papéis centrais em domínios tão

importantes como a aprendizagem da leitura, o desenvolvimento do prazer e do hábito da

leitura, a capacidade de selecionar e criticar a informação, o desenvolvimento de métodos de

estudo e de investigação autônoma. A biblioteca escolar tem funções de:

Informação - fornecer informação de confiança, rápida e acessível; oferecer orientação na localização, seleção e utilização de informação; Educação - promover a integração da informação no currículo escolar; facilitar o alargamento compreensivo da informação recolhida; promover educação contínua; Cultura - apoio da experiência estética, orientação na apreciação de artes e encorajamento da criatividade; Recreio - oferecer um espaço lúdico que permita uma utilização útil do tempo de lazer, através da apresentação de materiais e programas de valor recreativo. (FRAGOSO, 1994)

Porém, num mundo em que a produção de informação é acelerada, a biblioteca escolar

é, cada vez mais, convocada a desempenhar novos papéis:

94

a) Ela deixou de conter apenas livros para se tornar num espaço multimídia, onde os alunos ascendem a meios audiovisuais, suportes informáticos, revistas, etc. Ela inclui sistemas de informação complexos em suportes muito diversificados. Ela é um centro de recursos multimídia de acesso livre, destinado à consulta e produção de informação em suportes variados. b) Ela passa a ser um local privilegiado para o desenvolvimento de um conjunto de capacidades de atualização e manuseamento de informação que precisam ser aprendidas pelos alunos. São as chamadas habilidades de informação, como o planejamento, a localização, seleção, recolha, organização e registro de informação e a comunicação e realização de relatórios e trabalhos. c) Ela é, cada vez mais, um espaço de aprendizagem do uso adequado da informação. Aprender é cada vez mais preparar-se para saber encontrar, avaliar e utilizar a informação. O principal objetivo da biblioteca escolar é hoje orientar os estudantes de modo a que estes aprendam a manusear a informação na sua vida futura. (FRAGOSO, 1994)

Quanto à atuação do educador e da instituição, a biblioteca complementa as

necessidades do planejamento curricular, além de contribuir para a formação de uma atitude

positiva e prazerosa ante a leitura. Milanesi (1983) afirmara que uma prática de ensino que

incluísse a leitura e a discussão exigiria transformações na escola, mudando a cena, alterando

a sala de aula, mudando o papel do professor de mero transferidor de conteúdo,

incrementando a biblioteca, incentivando todas as formas de acesso às informações

registradas e a produção de novas informações. E, principalmente, propiciando a discussão –

o que tornaria o aluno um criador de discursos, não apenas um ouvinte.

Desse modo, a escola não mais se sedimentaria como único local onde o aprendizado

se processa, relativizando também o papel da sala de aula como único espaço dentro da escola

que permite o aprendizado do aluno, bem assim o do professor como único transmissor e

agente ativo do processo educativo. Nessa linha, abriria espaços de interação, em que a

biblioteca possa desempenhar seu verdadeiro papel, e, mediante ações planejadas

conscientemente, no conjunto escolar, aponte caminhos para a reflexão e viabilização de

ações capazes de instrumentar os sujeitos da educação a buscarem os caminhos que levem à

formação de sujeitos-leitores, aptos e capazes de exercer sua cidadania.

95

CAPÍTULO III

BIBLIOTECA ESCOLAR E LEITURA: a realidade vivenciad a por

usuários e mediadores de leitura

Para ter um sujeito leitor, um aluno leitor, ele tem que ter o contato com a leitura; então, o livro é fundamental. Você não forma um aluno leitor só em sala de aula. A presença do livro é fundamental, a biblioteca é a ponte, é onde existem os livros, é onde o aluno pode buscar os livros (IRE, 45).

Para a concretização deste estudo, foram realizadas visitas às escolas públicas do

município de São José dos Quatro Marcos, com o intento de verificar a existência e o uso da

biblioteca escolar como espaço cultural que pode contribuir para o processo de letramento de

seu usuário.

Antes de se confrontar com a categorização das informações e análise de dados, é

interessante vincar que as falas dos entrevistados são cheias de reticências, as quais foram

percebidas e lidas, por mim, como momento de intensa reflexão, revelando um trabalho de

intensa introspecção, em que o entrevistado revia conceitos, relembrava ensinamentos, mas,

acima de tudo, se auto-avaliava para expor seu pensamento de forma clara.

Para melhor compreensão das informações obtidas, os dados foram organizados por

categorias de análise, descritas neste capítulo.

1 USUÁRIOS DA BIBLIOTECA: INTERESSES E NECESSIDADES

Para conhecer os sujeitos leitores dessa pesquisa, tem-se a necessidade de entender

quem é esse sujeito. Para tanto, elegi algumas categorias de análise intituladas: Leitura: para

quê, Leituras de educadores e de alunos, Envolvimento nas leituras, Experiências de leitura na

infância, Livros e leituras praticadas em casa, Livros prediletos.

96

1.1 Leitura: para quê?

Ao investigar para que serve a leitura na vida dos entrevistados, depurei diferentes

tipos de respostas. Mais da metade dos entrevistados disse que sua valia está no adquirir,

ampliar e aprimorar conhecimentos, como pode ser observado nas falas aqui representadas:

Conhecimento, é, conhecimento (AMA, 14). Ah, pra mim, eu uso mesmo porque eu gosto, mas com isso eu acho que adquiro muito conhecimento, tanto na parte de leitura portuguesa, literatura e tudo mais (ANC, 16). Ah, pra que serve? Pra adquiri mais conhecimento, pra saber como o mundo está hoje né? Como era antigamente. Tudo isso pra mim é importante. (VAL, 15)

Porque através da leitura eu amplio todos os meus conhecimentos, eu sei o que aconteceu no passado, o que está acontecendo no presente e o que poderá acontecer no futuro. (APA, 14) Olha, a leitura serve pra desenvolver o meu conhecimento, se eu não leio, como eu vou saber o que está acontecendo no mundo, né? Revistas, jornais, acho que(...) pra desenvolver seu conhecimento, você sabe, você desenvolve bastante seu modo de falar. Eu acho que é muito importante a leitura. (BRU, 15)

AMA revelou sucintamente que leitura serve para conhecimento, expressando nesse

vocábulo toda a gama de sentidos e de saberes que este comporta, especialmente se, associado

à palavra conhecimento, se observar a expressão da aluna, com olhos brilhantes e entonação

incisiva. Essa opinião é compartilhada por ANC, VAL, APA e BRU que se expressam

também por meio da palavra conhecimento, ampliando-a com expressões complementares.

Esse é o caso de VAL e ANP, ao afirmarem que serve para saber como o mundo está hoje ou

como era antigamente e, até mesmo, como poderá ser no futuro. As alunas revelaram a

necessidade da informação, de se conhecer a história para se entender o presente, afinal a

Historia é a ciência, é o ramo do saber que registra, explica e transmite o conhecimento sobre

o passado, sobre a evolução da humanidade.

Diferentemente das alunas supracitadas que alegaram que a leitura busca adquirir

conhecimento ou ampliar conhecimento, BRU disse que serve para desenvolver seu

conhecimento. Para ele, não é somente para adquirir ou ampliar, mas para desenvolver

97

conhecimento, isto é, cultivar, aumentar as faculdades intelectuais. O aluno se utilizou ainda

do argumento de que o homem precisa ler revistas, jornais para se auto-desenvolver.

A leitura de revistas e de jornais poderá promover a reflexão política sobre a

sociedade, forma de propiciar condições de as pessoas se informarem sobre o que se passa em

seu entorno, no país e no mundo, consolidando mediante as várias possibilidades das práticas

da leitura e da análise da imagem, a formação do sujeito-leitor, consciente de sua leitura

diante das realidades vivenciadas.

Tanto a bibliotecária ROS quanto a professora FAT, mediadoras de leitura, reforçaram

a concepção de que a leitura serve para adquirir e aumentar o conhecimento:

È com a leitura que eu adquiro muito conhecimento, a leitura faz com gente reflita muito. Eu acho que a leitura é essencial pra pessoa. Através da leitura eu acho que se adquire muito conhecimento. (ROS – Bibl., 34)

Vich, a leitura aumenta demais o conhecimento. O vocabulário enriquece muito, tem uma porção de palavras que você passa a usar, devido a leitura entendeu? É, é imprescindível, se eu pudesse, eu leria muito mais. (FAT – Prof. , 39)

ROS falou da aquisição de conhecimento assentado na leitura e ao afirmar que “a

leitura faz com que a pessoa reflita muito”, inseriu nova informação a esse conceito: a

reflexão. A reflexão é o retorno do pensamento sobre si mesmo, hábil a examinar mais

profundamente uma idéia, uma situação, um problema, portanto é uma leitura mais madura,

ponderada, objetivando a produção de efeito, de aproveitamento prático.

FAT reforçou a idéia contida nos enunciados dos alunos, ao dizer que a leitura

“aumenta o conhecimento”, e inseriu aí a informação de que serve para agigantar o

vocabulário. O aumento do vocabulário contribui para que a pessoa se adapte a qualquer

situação de uso da fala, podendo transitar com mais tranqüilidade por ambientes de sua

atuação.

Esse conceito de ‘serventia da leitura’ da professora FAT foi reproduzido por cerca de

metade dos entrevistados que disseram que a leitura serve para “saber mais palavras” e “para

ajudar na escola”:

Assim, a gente aprende bastante palavra nova, né? Palavra que a gente não usa no dia-a-dia e no livro tem. Acho interessante que, quando não tinha nada pra ler, ficava na rua, agora eu fico mais em casa, porque eu leio bastante. (DEI, 16)

98

Pra que serve? A leitura serve pra eu aprender mais palavras novas,a leitura serve pra desenvolver a leitura, né? (...) Quanto mais você lê, melhor você fala. (ARI, 14). Ah, eu acho que através da leitura a gente vai aprendendo coisas novas, como palavras diferentes, tudo assim... Revista, quando eu leio, eu aprendo noticias do dia-a-dia ali e eu acho muito interessante. (ELA, 15) Serve pra ajudar na escola né? Pra aprender mais coisas, saber mais palavras... (LET, 15) Ah, melhora meus estudos, eu entendo melhor os conteúdos, aprendo mais... (DEB, 15)

DEI, ARI e ELA internalizaram a idéia de que a leitura serve para aprender palavras

novas e que estas estão nos livros, com isso ajuda a falar melhor. As alunas relacionaram essa

aquisição de palavras novas ao emprego que delas se faz no cotidiano. Daí a necessidade de a

escola pensar num repertório de leitura que contemple não apenas os textos que a crítica

canonizou. Ela precisa pensar na formação do leitor da vida cotidiana, que, ao levantar, pela

manhã, esteja habituado a ler jornal, a ler revistas, afinal o leitor tem necessidade de ler o que

está no mundo. Não existe leitura de texto que não passe pela leitura do mundo, do cotidiano.

Para que a leitura tenha significado para o homem, geralmente ela está impregnada do

cotidiano, que se reelabora em linguagem, que tem por objetivo trabalhar a linguagem com as

questões do homem.

Essa relação leitura versus vida cotidiana resulta nas práticas humanas, insere o

homem no seu contexto sociocultural, prepara-o para o exercício da cidadania com mais

consciência. O aluno pode, hoje, no imediatismo da situação, dizer que é “pra ajudar na

escola” (LET), ou “melhora meus estudos, eu entendo melhor os conteúdos” (DEB), porque

os conhecimentos resultantes dessas leituras estão sendo alicerçados para a construção do

homem, com todas suas potencialidades e dificuldades inerentes.

Apenas uns poucos entrevistados disseram que a leitura tinha o condão de tirar da

tristeza, quando não para resolver conflitos, ou, ainda, como passatempo:

Ah... pra me tirar da tristeza, mais às vezes pra eu saber mais coisas. (ISA, 15) Para, deixa pensar aqui um pouco... (pausa bem longa), Pra incentivar mais assim... pra ajudar resolver ... conflitos, né? Só. (DAN, 15)

99

A leitura implica uma interpretação – que é em si mesma uma terapia, posto que evoca

a idéia de liberdade, pois permite a atribuição de vários sentidos ao texto. O leitor rejeita o

que lhe desgosta e valoriza o que lhe apraz, dando vida e movimento às palavras, numa

contestação ao caminho já traçado e numa busca de novos caminhos. Assim, as palavras

seguem umas às outras, seja por meio de textos escritos ou orais, seja por meio da afirmação

ou da negação, do ler ou do falar, em uma imbricação que conduz à reflexão, ao encontro das

múltiplas verdades, em que a resolução de problemas se configura como o abrir-se a outra

dimensão, à dimensão pessoal, onde o leitor se encontra, se compreende mediante a

personagem ou a ação ali descrita. Essa é a análise que me permito fazer a partir das falas de

ISA e DAN, ao dizerem que a leitura cuida de resolver conflitos interiores e, numa ação que

compreende terapia e fuga, buscam o assentamento de suas angústias, o encontro com seu

“eu”.

As professoras – mediadoras de leitura –, ao enfocarem a utilização da leitura para as

práticas profissionais, ofereceram vasto campo para análise.

Leitura na minha vida é tudo. Serve pra tudo, sei lá, pra lecionar, pra ajudar minha filha na escola, pra distração, pra tudo. (SIL –Prof., 36) Pra tudo, é a leitura que dá encaminhamento pra minha vida, é a leitura que faz com que eu possa exercer minha profissão, a leitura que me motiva. Leitura é tudo. É o objetivo. (IRE – Prof., 45)

Antes de qualquer coisa, é relevante observar que ambas as professoras categorizaram

a leitura como sinônimo de “tudo”, de motivação pessoal, de distração, de auxílio à filha na

escola, de objetivo de vida. Frisaram que a leitura serve para tudo, para o encaminhamento de

sua vida. E acrescentaram ainda um novo dado: o exercício da profissão, o lecionar.

Essas vozes conduzem ao tratamento dado por Chartier (1990) de que a leitura é uma

prática sociocultural que comporta a consciência de que as categorias chave do trabalho –

processo de socialização, leitura, leitor e prática docente – não se separam em categorias

estanques, mas se sobrepõem e interferem umas com as outras e, ainda, se relacionam

diretamente com os determinantes estruturais macrossociais de poder, classe, gênero,

ideologia, uma vez que as especificidades do espaço das práticas culturais não são passíveis

de ser sobrepostas ao espaço das hierarquias e divisões sociais.

100

1.2 Leituras de Educadores e de Alunos

Para entender o volume de leituras efetuadas pelos sujeitos dessa pesquisa e o quê eles

têm lido, perguntei-lhes quantos livros lêem em média, por mês, e quais livros foram lidos

nesse último período letivo. Para tal indagação, obtive as mais variadas respostas, oscilando

desde as leituras de folhetins, as do tipo Sabrina, até a leitura dos clássicos, como as de

Willian Shakespeare ou de José de Alencar. No entanto, poucos foram os leitores que se

lembraram dos nomes dos autores dos livros que haviam lido.

As obras de Harry Potter, Sidney Sheldon e Marcos Rei foram as mais citadas entre as

leituras realizadas pelos entrevistados do segmento aluno:

Ah, um por mês eu leio mais ou menos. Esse ano eu li Sete Faces da Escola, que eu me lembro assim, os outros eu não lembro muito bem. Li Harry Potter também, todos eles. (LET, 15) Vichi, por mês assim é uns... quatro, cinco, depende. Eu gosto de livro grosso. Eu estou lendo agora é um livro de Dominic Yunes, é... é... esqueci o nome. Mas que eu gostei muito foi JK, Harry Pother, eu li a coleção inteira. Li no ano passado, nesse ano agora eu peguei mais foi literário, que a professora passou. (DEB, 15) Por ano eu não tenho idéia, mas por semana eu leio uns quatro livros. Esse ano, ah, eu li vários livros de Harold Hobbins, do Sidney Sheldon. Meu autor preferido é Marcos Rei, já li tantos livros de Marcos Rei, acho que já li todos os livros de Marcos Rei. É de aventura, sabe, suspense, tem vez que é romance. (BRU, 15) Bem, teve uma época aí que eu lia um por dia, aqueles livrinhos, mais ou menos de 100 páginas. Aqueles romances, tipo Sabrina. Aí, depois quando eu comecei a pegar livro na biblioteca eu lia um livro por semana, ou então dois. Agora, por mês deve ser uns sete livros. Li a coleção de Harry Potter, li a coleção de Sidney Sheldon, que são mais ou menos sete livros que é: Lembrança da meia noite, O outro lado da meia noite, As areias do tempo, e também um livro que se chama A Máquina de Fazer Amor, é um livro interessante, que mostra mais a vida dele né, e (...). A Máquina de Fazer Amor é porque ele se apaixona pelas mulheres e apenas as usas. É uma história superinteressante. (DEI, 16)

Nossa! São muitos assim, porque a duração de eu ler livro é muito rápido, se eu interessar pela história, rapidinho eu leio um livro. Esse ano eu li do Sidney Sheldon, O Outro Lado da Meia Noite. Estou lendo agora um que é do Sidney Sheldon O Reverso da Medalha. A semana passada eu li um livro literário que é Cinco Minutos, também li Iracema, que é um livro mais pedido pelos professores, né? (pausa). Ah, tem vários, nesse momento não me lembro de muitos. (ANC, 16)

101

As vozes desses alunos refletiram a cultura de massificação, talvez influenciada pela

mídia, ou pela escassez de orientação ao acesso à cultura literária, mas o que se percebe, em

suas falas, é que Harry Potter, Sidney Sheldon, Harold Hobbins, estão muito presentes em

suas leituras. Esses autores trazem em suas tramas ação e suspense, capazes de envolver seus

leitores, de tal forma que, esses queiram ler mais e mais, inferindo-lhes, assim, o gosto pela

leitura.

No entanto, tem-se a necessidade de mostrar aos alunos iniciantes na literatura de

ficção que as ações ali desencadeadas não são realidade e que estas não podem ser tomadas

como exemplos de vida, afinal há muita violência implícita nas páginas desses best sellers, o

que pode vir a ser absorvido por mentes em formação como se fossem possíveis de se

tornarem realidade. O mesmo processo de disseminação da violência ocorreu nos seriados da

televisão, que, aparentemente, induziam ao ostracismo, à apatia, pelo menos no aspecto físico.

Esses livros vêm com a mesma força de persuasão imprimida pela tevê. Através do mistério,

de um enredo envolvente, vai tecendo uma teia invisível de conceitos que se refletem em

ações, o que pode ser verificado nas notícias jornalísticas do dia-a-dia, cheias de violência, de

marginalidade, de corrupção, etc. A escola não pode ficar alheia a essa indústria da cultura

que inventou o rótulo de cultura de massas, que são os livros, filmes e músicas que são feitos,

experimentados e esquecidos rapidamente para dar espaço a outro fenômeno de vendas. Esse

fenômeno é antigo no cinema e parece que agora está chegando à indústria bibliográfica.

É preciso aproveitar toda essa onda de best sellers, já que ela pode ser útil para

descortinar novos horizontes de leitura para as pessoas que anseiam por cultura, mas têm

dificuldade de valorizá-la seja por causa do ‘barulho da mídia’ em torno de infindáveis

lançamentos, seja pela questão econômica – afinal os livros são caros em proporção à renda

do brasileiro –, seja pela falta de acesso a bons livros em razão da escassez de livrarias ou de

bibliotecas, especialmente para aqueles que vivem distantes dos grandes centros, como é o

caso dos sujeitos desse estudo, que residem a 300 km da capital.

Cabe, nesse contexto, a participação da escola e até mesmo da família na orientação da

leitura dos alunos, trabalhando, em seu favor, as várias possibilidades dessas leituras, tão

difundidas pelos canais informacionais, de marketing, televisivos. Afinal, num país onde não

se tem a cultura de leitura, aproveitar cada oportunidade de acesso às leituras é uma

necessidade.

Por outro lado, cerca de metade dos alunos afirmaram que leram livros da literatura

juvenil.

102

Por mês eu acho que eu leio uns cinco. Os últimos que li foram: Raptado, História de Fadas (...). Um Amor Pode Esperar, Meu Primeiro Amor. Não me lembro os nomes dos autores. (VIV, 14) Por mês? Olha eu nunca parei pra pensar, fazer as contas, mas eu leio bastante. Ultimamente (...) li. D. Casmurro, livro de adolescente Filhos Felizes, O Amor pode esperar, Aconteceu no Verão (...). A História de um louco amor, esses eu já terminei de ler. (TANI, 15) Por mês mais ou menos uns dez livros. Eu leio bastante. Ah, o livro que eu mais gostei foi Vida de Drogas, que fala de uma menina que era rica, aí ela passa a ser pobre e começou a se envolver com as drogas. Aí eu achei esse livro muito interessante. Também teve um livro Segredos de Perdição, que é um romance, uma história que aconteceu entre dois jovens. Lindo... (ANP, 14)

VIV, TANI e ANP representaram as vozes de, aproximadamente, metade dos

entrevistados, ao dizerem que leram bastante, e o gênero que mais gostavam de ler é a

literatura, a retratar situações que se identificam com seus sentimentos, isto é, leituras da

literatura infanto-juvenil que descrevem histórias de amor. No entanto, ANP se reporta à

questão das drogas, relatando brevemente o enredo do livro Vida de Drogas.

Num crescente de amadurecimento literário, há a contribuição de AMA, ENI e JEF,

que trouxeram os clássicos para o elenco de citações bibliográficas lidas, apesar de haver, em

seus depoimentos a citação de leituras folhetinescas e de auto-ajuda.

Se eu estiver de bom humor eu leio três livros por semana É, eu li Hamlet, li Esqueça o passado, seleção de noivas da Sabrina, li Prometeu acorrentado, de Hércules, que eu estou lembrando agora é só. (AMA, 14)

Ah, depende, depende do livro que eu pego, tem vez que eu pego um livro grosso... aí eu demoro mais. O último que eu li foi de Willian Shakespeare, Uma Noite de Verão, gostei muito. (ENI, 16)

Olha, por mês, sei lá uns (...) 5 a 10, eu acho. Olha, eu li Meninos de Engenho, eu li Um Caminho se Faz Caminhando, (...) Bem, eu lembro desses. (JEF, 15)

A leitura de um gênio como Shakespeare proporciona diversos registros. O leitor

comum pode aproveitar Shakespeare a seu modo, no estágio intelectual em que se encontra.

Os cânones literários são espelhos nos quais os leitores se miram e acabam encontrando a si

próprios, portanto não podem ser ignorados pela escola, que deve incentivar a leitura desse

gênero textual, visando à formação de seus leitores.

103

Seguramente, ao se discutir sobre os gêneros textuais inseridos num livro, é possível

concordar que, seja ele qual for, se trata de um suporte material com formatos definidos pela

própria condição em que se apresenta (capa, páginas, encadernação, etc.). O livro comporta os

mais diversos gêneros que se queira. Há livros que apresenta apenas um gênero, como o caso

do romance ou da tese de doutorado. Nestes casos, distingue-se entre os gêneros textuais, o

romance e a tese de doutorado, bem assim o suporte textual livro. Há também livros que

trazem outros gêneros textuais, como a carta, a crônica, o conto, a anedota, o poema, a

história em quadrinhos, a receita culinária. Cada gênero textual apresenta características

específicas, de acordo com a explicitação da forma e do conteúdo do texto, seu objetivo, os

diferentes recursos expressivos utilizados, o receptor alvo do texto, o estabelecimento do

estilo do próprio texto ou de seu autor.

O livro didático é um suporte textual que contém muitos gêneros, tendo em vista o

objetivo de apresentar as várias possibilidades de textos aos alunos, que, muitas vezes, têm

apenas esse meio de acesso à leitura.

A leitura dos livros didáticos foi citada por uns poucos alunos, que foram

representados pela fala de APA, quando disse que leu poucos livros da biblioteca, mas muitos

a que teve acesso fora desta, e os nomeou como livros de Ciências, Estudos Sociais, portanto

os livros didáticos.

(risos) Por ano? Ah, eu leio uns três por ano, aqui da biblioteca. Agora de fora eu leio bastante. Agora livro, livro, eu leio menos. Os livros lá de casa, tem livro que a escola dá: Estudos Sociais, Ciências. Esses, eu leio sempre. (APA, 14)

O livro didático apresenta um conjunto de gêneros, com aspectos importantes na vasta

produção de gêneros tipicamente da esfera do discurso pedagógico, tal como a explicação

textual, os exercícios escolares, a redação, instruções para produção textual e muitos outros

que se acham no livro didático. O espaço pedagógico tem muitos outros gêneros que circulam

nessa área e não migram para o livro didático, tais como as conferências, os relatórios, as atas

de reunião, etc. Tudo indica, pois, que o livro didático pode ser tratado como um suporte com

características muito especiais.

Quando APA disse que “livro, livro eu leio menos”, ela trouxe uma informação

intrigante, que leva à interpretação de que os conceitos construídos, de que o livro está

relacionado com o gênero romance, assim como romance é só do livro que relata histórias de

amor. Esse fenômeno foi detectado em várias falas, em vários momentos das entrevistas, até

mesmo na fala da bibliotecária, como segue:

104

Sim, os livros de leitura estão do lado de cá. Os outros livros são de trabalho, são didáticos. (ROS – Bibl., 34)

Apenas uma aluna não se lembrou de nenhum título de livro lido, apesar de dizer que

lê, em média, dois livros por mês. Está isso a revelar a falta de abstração ou de concentração

em relação às leituras realizadas.

Ah, por mês (pausa) acho que um ou dois (risos). É... é ... o nome é ... Ah, eu não lembro o nome do livro. (MORG, 14)

A grande maioria dos entrevistados não se lembrou dos autores dos livros lidos, sendo

que alguns tiveram dificuldade até de se lembrar dos títulos dos livros. Isso patenteia a leitura

superficial que se faz nessa etapa da vida, quando os leitores não lêem a página de título, ou o

prefácio, nem sequer examinam os subtítulos ou outras indicações do escopo ou objetivos do

livro. A leitura superficial é a essência da leitura por inspeção, mas não basta, há a

necessidade de aprender a ser leitor exigente, que faz perguntas, que dialoga com o autor, que

participa da história, questionando-a, inferindo seus conhecimentos aos da obra lida e, assim,

não se esquecerá de títulos ou de autores das obras lidas.

A respeito das leituras realizadas pelos mediadores de leitura, obtive basicamente a

informação de que não lêem quanto gostariam, mas o que é possível, dentro do tempo de que

dispõem para suas leituras. Unânime foi a informação de que essas leituras estavam voltadas

para os interesses de trabalho.

Olha, agora eu não estou lendo muito não, mas pelo menos uns três livros eu consigo ler por mês. Oh, esses últimos tempos eu tenho lido mais os literários, os que vão cair no vestibular, que geralmente são os que você tem que estar por dentro, porque, os alunos perguntam e você tem que saber, porque se ele te perguntar e você não tiver noção, aí fica muito difícil. Eu tenho lido Iracema, Ubirajara, Contos, né. São livros que estão em foco no vestibular. (ROS – Bibl., 34)

Depende do tempo, depende de qual objetivo eu estou querendo atingir... aí eu leio mais. Se não, normalmente eu não leio tanto. Eu terminei de ler um que chama “Como e Porque Ler os Clássicos”, da Rute Rocha [Ítalo Calvino], terminei na semana passada. E agora eu estou relendo Senhora. (SIL – Prof., 36)

Ultimamente eu tenho lido bastante. Apesar de eu ter pouco tempo eu tenho lido uma média de três livros por mês. É um índice, dentro do tempo livre que eu tenho, bom. Eu li Código da Vinci, agora estou lendo Como e Por que Ler? de Bloon. Os mais recentes foram esses. (IRE –Prof., 45)

105

ROS, ao afirmar que agora estava lendo livros literários que eram os indicados para o

vestibular, argumentou que tem de estar por dentro do assunto para o caso de os alunos lhe

perguntarem alguma coisa. Isso denota compromisso profissional.

SIL também abordou a questão profissional, ao fazer suas opções de leitura, assim

como IRE, quando afirmou estar lendo, em média, três livros por mês, apesar do pouco tempo

para se dedicar à leitura. Suas leituras também estão voltadas para o exercício de suas

funções, como pode ser observado na citação do último livro que leu: Como e por que ler, de

Bloon, já que essa professora trabalha no ensino superior. Convergindo para as informações

dos alunos, também apareceu, nas entrevistas dos mediadores, a leitura de obras da literatura

de massa, citada pela maioria das professoras: a obra de Dan Brown – O Código da Vinci.

Com essa informação depreendi que, se o mediador de leitura também está à mercê

das estratégias mercadológicas, dado que O Código da Vinci virou sucesso mundial em pouco

tempo, é conseqüência natural que seus alunos façam o mesmo, não que essas leituras não

sejam consideradas boas ou que desmereçam serem lidas. O foco da discussão passa pela

necessidade de apresentar aos alunos, leitores em formação, além dessas, as várias outras

possibilidades de leitura que há no mercado. Essa deve ser tarefa da escola, do professor

conseqüentemente, e, se este não está preparado para tal, como tornar seus alunos leitores de

fato.

1.3 Envolvimento nas leituras

Para entender o que faz com que o leitor se envolva na leitura, formulei aos

entrevistados o seguinte questionamento: O que te faz envolver-se na leitura? Obtive como

resposta, pelo menos da metade dos entrevistados, que o que envolve o usuário da biblioteca

em suas leituras é a mensagem que o livro traz, principalmente quando esta se relaciona com

suas vidas. Essas respostas estão representadas nas falas dos alunos DANI e JEF e da

bibliotecária ROS:

O que me envolve é quando eu pego algum livro que relata alguma coisa assim parecida com a vida real. (DAN, 15)

Olha, talvez a relação que ela tem com a gente, né? A mensagem que ela passa e que isso melhora a sua vida, melhora os estudos, acho que é isso, a mensagem que ela passa. (JEF, 15)

Olha, acho que uma história, um livro que retrata a vida... assim, uma história que às vezes até choca, que mexe com alguma coisa na vida da gente,

106

e que você vai ver aquela parte e começa a parecer com você e você começa a se interessar mais, e você lê mais. (ROS – Bibl., 34)

Esses dados denotaram a necessidade que o aluno, assim como a bibliotecária, teve em

encontrar-se por meio da leitura, objetivando mesmo a melhoria de vida pelos conhecimentos

dali depreendidos. Por isso, a mensagem é tão importante para esses leitores.

Esse mesmo significado é revelado nas falas de MAR, DEB e ISA, ao declararem que

o que mais as envolve nas leituras realizadas é o contexto da história. Tanto que ISA acentuou

querer saber mais e mais, até o fim da história.

Ah, o contexto da história. (MAR, 15)

Ah, o conteúdo dela é o que mais assim me envolve. (DEB, 15)

Ah, eu acho às vezes é a historia, querer saber mais e mais, até o fim da história. (ISA, 15)

O assunto, quando é muito interessante eu quero descobrir o final. Aí eu não consigo parar, vou até 3,4 horas da manhã e eu continuo ainda. (risos). (KEL – Prof., 25).

Tantos os alunos MAR, DEB e ISA, quanto a professora KEL, revelaram que o

conteúdo da história é que os motivavam para continuar a ler, extrapolando os limites normais

de horário.

VIV e BRU, ao contrário, relataram que o que os envolvem na leitura é o mistério, o

suspense:

Ah, gosto quando tem muito suspense, aí eu quero ler até terminar, pra ver o final. (VIV, 14) Ai, eu acho assim que é o mistério. O autor fala: “então eles chegam em tal lugar assim, assim, encontram uma escuridão...” Aí eu vou lendo, meu Deus, o que pode acontecer? Então eu leio mais rápido ainda pra chegar no fim. (BRU, 15)

Os alunos revelaram a ânsia que têm pela leitura em condições de retirá-los da

mesmice do dia-a-dia, acelerando a leitura para chegar ao seu final e ao clímax da história,

quando são revelados todos os mistérios que circundavam a história lida. Nesse aspecto é que

há o encontro do autor com o leitor por meio do livro, formando a tríade autor-livro-leitor,

resultando daí o desenvolvimento emocional e cognitivo, instigando os sentidos, formando o

leitor.

107

Apenas uma aluna revelou que o que a faz envolver-se na leitura são os comentários

que os professores fazem de trechos de livros:

O que me faz envolver (...). Ah assim, os professores, eles comentam alguns trechos do livro, aí eu penso “O que será que aquele livro vai trazer?” Então eu procuro o livro na biblioteca e o pego pra ler. (VAL, 15)

VAL apresentou a informação de que é pelos comentários de professores que se dá seu

envolvimento na leitura. O que ficou claro é a curiosidade que esses comentários lhe

despertaram, porque, na realidade, ela não esclarece esse envolvimento, somente diz que, após

os comentários, vai até a biblioteca e pega o livro para ler. Não fica claro se realmente o livro

a envolve ou de que modo aquela leitura a envolve, pois ela não seqüencia o relato do

resultado da leitura realizada. No entanto, fica claro que são poucos os alunos influenciados

pelos professores na construção de sua base de leitura, afinal, entre todos os entrevistados,

apenas uma declarou buscar livros na biblioteca impelidos pelos comentários dos professores.

Os comentários de livros lidos, pelos professores, servem para alimentar práticas

escolares de leitura, pois, a partir de relatos de histórias lidas, de livros compartilhados, é que

se constrói o ser leitor. Nesse aspecto, a escola e a biblioteca exercem papel primordial na

construção das relações entre leitores e livros. Não basta formar leitores hábeis e competentes,

é preciso formar leitores que, sobretudo, tenham vontade de ler e que não vejam a leitura

como prática enfadonha e utilitarista.

Houve a recorrência da informação de que o que impulsiona o envolvimento na leitura

é a gama de ampliar conhecimentos:

É a vontade de ampliar os meus conhecimentos. E a vontade de saber o que vai acontecer pela frente da história que estou lendo. (APA, 14)

É a própria história em si, entendeu? Às vezes, eu começo a ler e me identifico, encontro ali resposta pra alguns problemas, além de adquirir conhecimento. Na leitura o que mais eu busco é isso, ensinamentos, você está entendendo? Não só o conhecimento, mas você tirar alguma coisa pra melhorar sua qualidade de vida, melhorar, no caso, essa relação com a minha profissão. (FAT – Prof., 39)

A ampliação de conhecimentos ocorre graças à leitura e às relações que se fazem com

as situações vivenciadas, resultando assim um processo de interação com o meio

sociocultural. Esse conceito está expresso na fala de FAT, ao dizer que o conhecimento é para

retirar alguma coisa para a vida, para melhorar a qualidade de vida, é relacioná-la com a

profissão.

108

1.4 Leituras na infância

Interroguei aos alunos e mediadores de leitura se, quando eles eram crianças, seus pais

lhes contavam ou liam historinhas, que tipo de historinhas e se eles os incentivavam a ler.

Obtive a quase unanimidade de respostas negativas, isto é, os pais não liam para os filhos,

apenas a mãe lia, às vezes, geralmente na hora de dormir. Se bem que assim, o incentivo para

que eles lessem sempre era uma constante.

Ah, geralmente não. Eles não liam muito não, mas contavam histórias. Histórias que eu vejo hoje nos livros, eles contavam. Não lembro o nome, mais era a história de um sapo que ia pro céu dentro de uma viola de um urubu, uma coisa assim... Eles me incentivam sim, minha mãe principalmente, bastante. (ISA, 15) Não! (contundente) Não. Só se for contar a história dele, aí sim. Agora história deles, que eles são pessoas mais velha, assim da época que não freqüentava a escola. Os dois freqüentaram só até a 5ª série. Eles são do sítio e não liam muito. Com certeza eles sempre me incentivaram a ler. Desde sempre. Eles falavam “Se tem tempo lê, se não tem guarda um pouquinho, mas reserva tempo pra lê”. Minha mãe me incentiva bastante. (MAR, 15) Não, muito difícil. Eles contavam histórias. A do Chapeuzinho Vermelho, A Bela e a Fera. Incentiva. (VIV, 14)

Não. (DEB, 15) Não. (risos). Não. (DAN, 15) Minha mãe lia, ela contava bastante história pra mim. Ela contava história da Bela e a Fera, contava a historia de um ceguinho também, contava a história da Cinderela... (DEI, 16) Não, não liam. Minha mãe estudou só até a 4ª série e ela disse pra mim que ela nunca leu um livro. Ela contava historinha de Joãozinho e Maria, Chapeuzinho Vermelho, tudo, me contaram. (BRU, 15) Não. A minha mãe de vez em quando contava história, mas pegar livro pra ler assim, não. Ah, ela contava historias de bicho assim (risos). Eu era muito arteira e ela falava do bicho papão. Contava historinha de bicho papão, não me lembro muito bem. (ELA, 15) Não me lembro (risos). Não, que eu me lembre não contava nem historinha. (LIZ, 15) Não liam. Meu pai e minha mãe nunca leram pra mim, mas meu pai era um contador de histórias, o que também era válido. Sim, eles sempre me incentivaram a ler. (IRE – Prof., 45)

109

MAR, DEB, VIV, DANI, BRU ELA e LIZ foram resolutos no afirmar que seus pais

não liam para eles, apesar de alguns deles revelarem que, geralmente, a mãe contava

historinhas infantis, do ‘bicho papão’ para causar medo e impor limites em ELA, muito arteira

na infância. MAR, depois de ser bastante incentivada a falar dessa experiência, revelou que,

às vezes, os pais falavam de suas experiências pessoais, que não freqüentaram muito a escola,

apesar de que isso não lhes impossibilitou de a incentivarem a ler.

A fala da professora IRE tem ressonância nos depoimentos dos alunos, que passaram

pelas mesmas situações de leitura, com pais que nunca leram para ela, mas que tinha o pai

contador de histórias, situação que validava a entrada no mundo da imaginação. Outro ponto

convergente nas falas dos alunos e da professora é o incentivo que receberam para a leitura,

desde a infância.

Ficou patente que, apesar de os pais terem pouco nível de escolaridade e não terem

atitudes de leitura, ainda assim incentivavam os filhos a ler, acreditando que assim estes

poderiam ter melhor oportunidade na vida. Isto remete ao nível de letramento dos sujeitos,

pois este não está restrito ao sistema escolar. Saber ler e escrever um montante de palavras

não é o bastante para capacitar o indivíduo para a leitura diversificada, por isso o incentivo

dos pais, para o fomento à leitura, é de fundamental relevância.

Apesar de o desenvolvimento não estar restrito somente à escola, LET afirmou que

nunca fora incentivada em casa: seus pais não praticavam leitura em sua presença ou sequer

lhe contavam historinhas, ficando esse papel destinado exclusivamente à escola.

Não, não. Só na escola mesmo. (LET, 15)

Ah, não. Eu me lembro que a professora contava na escola, a gente tinha todo processo de história, de contar historinha, era só na escola. Eu nunca tive essa oportunidade em casa. Pra começar eles tinham muito pouco tempo de estudo. Eles trabalhavam muito. Eu não os culpo. Eles tinham muito trabalho e esqueciam essa parte. Eu tive esse incentivo dentro da escola. (ROS – Bibl., 34)

Essa realidade foi compartilhada também pela bibliotecária, que teve suas primeiras

experiências de leitura na escola, pois seus pais, além de terem “pouco tempo de estudo”, só

se preocupavam em trabalhar para prover o sustento da família e acabavam por se “esquecer

dessa parte”. Por isso, o estímulo à leitura deve ser objeto de preocupação constante no

cotidiano escolar, afinal o ato de ler é fundamental na formação acadêmica do aluno e

considerável parcela de responsabilidade no desenvolvimento das habilidades de leitura recai

sobre a escola.

110

As vozes de JEF e FAT, representando pouco menos da metade dos entrevistados,

põem a lume o fato de que seus pais lhes contavam muitas histórias baseadas em fatos reais,

experiências de vida, episódios acontecidos no seu cotidiano.

Olha, às vezes, ler era difícil, mas contar histórias eles sempre contavam. Contam até hoje. Meu pai principalmente, ele conta historias de quando ele morava em outro lugar. Geralmente eram histórias que aconteceram na própria vida dele entende, da infância dele, das coisas que eles faziam. (JEF, 15)

Meu pai viajava muito, ficava 30 a 40 dias fora, quando ele chegava, eu me lembro bem, minha mãe tinha uma mesa quadrada na cozinha, com as cadeiras, então eu sentava no colo dele, depois da janta e ele me contava as histórias dele, porque ele comprava e vendia boi, tocava na estrada, e ele sempre gostou de contar muito isso, coisas que ele vivenciava. Mas daí dizer que minha mãe contava histórias, não, tanto é que eu tinha verdadeiro fascínio pra ganha uma enciclopédia, uma coleção, por exemplo, dos clássicos. Eu era fascinada pela história da Branca de neve, Sete Anões, Cinderela, mas eu nunca tive acesso. Eles eram aqueles tipos de pais que achavam que você tinha que freqüentar a escola, direitinho, fazer tudo direitinho, mas é diferente do que eu faço hoje com as minhas filhas. Eu acho que eles faziam porque sabiam que aquilo era importante, mas não tinham aquele diálogo... (FAT – Prof., 39)

No entanto, o que chamou a atenção no relato da professora FAT foi ter ela verdadeiro

fascínio pelas histórias dos clássicos da literatura, mas nunca ter tido acesso a elas no período

de sua infância, preocupação que se reflete hoje em relação à criação de suas filhas. Essa

preocupação também aparece na fala da professora SIL.

Não, quem normalmente lia pra mim era minha mãe, né? Lia, mas depois que eu aprendi a ler, eu lia sozinha. Ela lia sempre historinha, né? Dos clássicos. Incentivaram, principalmente minha mãe e hoje eu leio os clássicos pra minha filha. (SIL – Prof., 36)

SIL manifestou em sua fala a responsabilidade da mãe, também professora, que lhe lia

as histórias dos clássicos da literatura infantil, até o momento em que ela aprendeu a ler. E, a

partir de então, passou a ler sozinha, sempre incentivada pela mãe, fato este perpetuado até

hoje, quando SIL lê para filha, retomando o círculo de leituras em família.

Todas essas experiências relatadas pelos sujeitos deste estudo culminaram na fala de

AMA, ao dizer que as histórias contadas pelos avós e pais mexiam com seu imaginário,

causando medo, envolvendo-a. Acrescentou ainda, no final de sua fala, que suas tias, também

professoras, a incentivavam a ler bastante.

111

Ah isso eu não lembro não. Eles mais contavam historinhas. Meu avô contava muita história, minha avó, minha mãe, meu pai também. Eles contavam muita história inventada pelo povo. É (...) das lendas, folclore, da mula-sem-cabeça, lobisomem, história pra gente ficar com medo (risos). Sim, minha tia (...), minhas tias, eu tenho duas tias professoras, elas me incentivam ler bastante. (AMA, 14)

A partir das leituras e da ‘contação’ de histórias às crianças, estas fazem suas leituras e

releituras. Seu imaginário é impulsionado a criar e a recriar essas histórias, temperando-as

com suas vivências e, assim, vai se formando o leitor.

Pude depreender dessas falas que a cultura da oralidade se sobrepõe à cultura da

leitura, e que isso vem passando de geração a geração.

Para Terzi (1997):

Os eventos de letramento familiares às crianças abrangem leitura de livros antes de dormir (...). A estória noturna é o evento de letramento maior que ajuda a estabelecer padrões de comportamento que recorrem repetidamente durante a vida de crianças e adultos, apesar de poucos pais terem consciência do que a leitura de estórias significa como preparação para os tipos de aprendizagem e de demonstração de conhecimento esperados pela escola. As crianças assim, aprendem a fazer sentido dos livros, mas também a falar sobre esse sentido, quando, então, praticam rotinas que são similares àquelas da interação em sala de aula. São, portanto, bem-sucedidas na escola. (TERZI, 1997, p. 47)

A autora reforça a importância da leitura de histórias como um dos eventos de

letramento capazes de formar leitores, pois as estórias lidas/ouvidas na infância permanecem

no imaginário da criança, uma vez que a pessoa, até mesmo na idade adulta, recorre a elas,

inúmeras vezes, para buscar sentidos às outras leituras praticadas, seja nas rotinas da escola

seja da vida.

1.5 Livros infantis

Para continuar traçando o perfil leitor dos sujeitos entrevistados, inquiri deles se leram

as histórias infantis dos clássicos. Obtive a informação unânime, entre os leitores, que eles

tiveram acesso a esses livros, principalmente quando entraram na escola, primeiro por meio

das professoras, depois autonomamente.

Foi no Jardim, né? Com as professoras. A professora lia sim... (LET, 15)

112

Ah, sim! Eu já li Chapeuzinho Vermelho, Os Três Porquinhos, Cinderela, Sitio do Pica-pau Amarelo, esses são os que eu mais li. (ARI, 14) De Monteiro Lobato Li bastante. (MAR, 15) Li. Lembro sim. Li Chapeuzinho Vermelho, história do Pasquanti, eu lembro mais por causa do suspense, quando eu era bem pequena. (VIV, 14) Eu já li muito, já. Eu comecei por lá. (ANC, 16) Li. Ah, li Chapeuzinho Vermelho, Cinderela. (VAL, 15) Sim, teve Chapeuzinho Vermelho, A Branca de Neve (...). Caçadas de Pedrinho e outros. (ANP, 14) Eu li a Branca de Neve e o Chapeuzinho Vermelho. Que eu me lembro. (JES, 14) Li, até hoje ainda leio. (POL, 14)

As vozes dos alunos retrataram que, mediante as leituras efetuadas pelas professoras

na escola e depois por suas próprias leituras, foi que se iniciaram no mundo literário. O livro

citado por todos foi Chapeuzinho Vermelho, não sem mencionar outros, nomeadamente

Monteiro Lobato, citado por dois alunos. Essas falas encontraram eco nas falas das

professoras e da bibliotecária que também, unanimemente, afirmaram ter lido as histórias

clássicas da Literatura Infantil.

Li, li, com certeza, até hoje gosto de ler. Desde a infância mesmo eu era apaixonada, em vinha aqui na biblioteca, ler. Nossa! Eu me encantava com esses livrinhos. (ROS – Bibl., 34)

Sim. (SIL – Prof., 36)

Li algumas né. É ... Monteiro Lobato (...). Grimm, dos irmãos Grimm, acho que no momento eu me lembro desses, mas li muitos. Li todas aquelas histórias da Cinderela, Branca de Neve, Pinóquio... (IRE – Prof., 45).

Sim. Eu tive uma amiga chamada Adriana, ela tinha. Quando eu ia na casa dela, enquanto elas iam brincar, eu pegava o livro e lembro como se fosse hoje, sentava na calçada da casa e eu ficava aproveitando pra ler, e elas não queriam que eu ficasse lendo, elas queriam brincar. Mas eu queria, porque eu não tinha m casa, entendeu? E aquelas ilustrações maravilhosas (risada). É duro ser pobre né? (FAT – Prof., 39)

A bibliotecária, que não tivera acesso a esses livros em casa, encontrara na biblioteca

esse espaço de encantamento, de encontro com o livro. FAT se defrontara com esse mundo

literário na infância, por meio dos livros de uma colega, quando, ao ser convidada para ir

113

brincar na casa das colegas, preferia os livros às brincadeiras, fato este que frustrava as

colegas, que não entendiam seu encantamento pelos livros, já que estas os tinham sempre, ao

passo que FAT tão apenas nos momentos em que ia até lá.

O encontro com as personagens da Literatura Infantil, aparentemente, encantou a

todos. Alunos, professoras e bibliotecária foram, em algum momento de sua infância,

protagonistas da leitura dos clássicos infantis, como esclarece ANC: “Eu comecei por lá”.

No entanto, pode-se inferir dessas vozes que, para a maioria dos entrevistados, as

condições familiares contribuíram para a falta de contato com o livro de literatura, seja porque

os pais eram iletrados, seja porque, na zona rural, não havia a possibilidade de aquisição de

livros, ora pelo baixo poder aquisitivo das famílias, ora ainda pela cultura da oralidade,

comum na tradição brasileira.

1.6 Livros em casa

Para entender a história de leitura dos entrevistados e o contato deles com os livros,

indaguei-lhes a propósito da existência de livros em suas casas, e que tipo de livros eles

dispunham. A partir da análise dessas respostas verifiquei que mais da metade dos

entrevistados possuíam livros didáticos em casa.

Bastante. Tem livro de todos os tipos, tem livros de história, livro de ensino mesmo. Tem a Bíblia, principalmente. (ISA, 15)

Não. Só livros de escola, além da bíblia. Essa não pode faltar. (DEB, 15)

Olha, como eu te falei tem coleção de Marcos Rei, da Estela Carbo, eu tenho uma estante completinha, cheia de livro didático, por exemplo, eu uso um livro que eu comprei na 5ª série, um livro didático mesmo, eu ainda leio livro didático pra lembrar conteúdo passado. (BRU, 15)

Não, só os da escola mesmo. (LIZ, 15)

Os livros didáticos requerem uma leitura diferente daquela dos livros de romance,

assim como afirma BRU, que lê livros didáticos para lembrar os conteúdos passados, sendo,

por igual, leitor assíduo de livros de Marcos Rei e Estela Carbo. A Bíblia é um dos livros mais

citados no rol dos existentes nas casas dos entrevistados, assim como livros religiosos.

Têm alguns. Tem dois que eu estou lendo agora: Rebeldes e A Ilha, que eu ainda não li e tem dois sobre igreja que eu ganhei da minha tia. Tem a Bíblia. (MAR, 15)

114

Há. Há um pouco, né. Há livros literários, livro romântico, que a gente gosta de ler, de literatura, essas coisas assim. Tem a Bíblia, eu gosto muito de ler a Bíblia. (ANC, 16)

Há. Tem livros é (...) que fala de sofrimento, por exemplo, tem um livro chamado “Não Jogue Fora Suas Lágrimas”, livro sobre Deus, essas coisas assim, a Bíblia. Livros que contam fatos da Bíblia. (VER, 15)

Há. Olha, acho que a maioria, pode-se dizer são Gospel, que eu compro na igreja, entende? Eu tenho muitos livros que eu compro na igreja ou que a minha mãe me dá sempre. São livros da Renovação Carismática, quando sobra algum tempinho eu vou lá e compro, tem uns livros bons. (JEF, 15)

A citação dos livros Gospel e da Bíblia revelaram a força da religiosidade presente na

formação das pessoas, principalmente nas falas de ANC e de JEF, assim como de outros

entrevistados que, além de citarem outros gêneros de livros, ainda pontuam ter a Bíblia em

seus lares. Apesar disso, em nenhum outro momento foram citados nomes bíblicos ou

personagens da história para ilustrar suas práticas de leitura.

Bem por conta dessa forte demanda para os livros sagrados, esse mercado está em

franco desenvolvimento. Assim, abre-se espaço para uma reflexão teológica sobre esse

fenômeno que, por sinal, se observa em toda parte, nestes tempos de crise da Modernidade.

Contrariamente a esse fato, os livros de romance, sejam eles literários ou não, assim

como os infantis, foram constantemente arrolados.

Muitos. É, literários, clássicos, romances, livro de ajuda, Bíblia, tem de muitos tipos. (AMA, 14)

Muitos. De Literatura e romances, a Bíblia, gibi. (DEI, 16)

Poucos. A maioria infantil, porque eu tenho um irmão pequeno, aí tem bastante livro infantil. (APA, 14)

Há sim, há. Tem uma prateleira cheia de livros! Não, não é aquela coisa né? A gente tem alguns livros, tanto tem livros assim da época do meu pai, que ele guardou, e que são intocáveis. Aí, quando dá interesse, você vai lá e “fuça”, são uns negócios estranhos... “O pai, vem cá me explicar” ah, é super interessante. Tem livros infantis que a gente compra pra ler... Você lê... interessante!. (ARI, 14)

AMA disse que, em sua casa havia muitos livros, de todos os tipos, de literários a

auto-ajuda. DEI igualmente revelou a existência de muitos livros em sua casa, diferentemente

de ANP e ARI, que disseram ter poucos livros, mas de diferentes gêneros. ARI, ao citar “uns

115

intocáveis” de seu pai, falou das leituras interessantes e estranhas, ao mesmo tempo, que ele

lhe explicava sempre que ela tem dúvida.

Apenas uns poucos alunos assimilaram ter enciclopédias em casa. Aliás, uma delas

frisou que, o que mais havia em sua casa, era enciclopédia, como se essa informação

agasalhasse todas as possibilidades de conhecimento.

Tem, o que mais tem é enciclopédia. Tem uns livros de conto. A Bíblia. (VIV, 14) Há. Minha mãe quando passa assim aqueles vendedores de livro ela sempre compra. Uma vez teve uma promoção até por telefone, eu não me lembro agora o nome do livro, mas ela pagou super caro no livro, ele tem todas as matérias que se pensar tem lá. Tem dois kits que ela comprou de livros de Espanhol, História Geral, Geografia, História do Brasil, tudo assim... (ELA, 15).

A enciclopédia é um conjunto dos conhecimentos humanos, obra que trata de vários

temas, importante fonte de acesso aos saberes acumulados pela cultura geral. Pensada por

Diderot, Voltaire, D´Alembert e Rousseau, que metaforicamente concebiam o universo como

um grande livro que bastava ser decifrado. A enciclopédia é uma invenção da Idade Moderna

e foi um dos primeiros livros, ao lado da Bíblia, a ser comercializado, justamente os dois tipos

de livros que VIV citou. Tanto VIV quanto ELA, mesmo sem terem consciência real disso, já

internalizaram que na enciclopédia tem de tudo: “todas as matérias que pensar tem lá”, disse

ELA. Por sinal, nem sequer a nomeia como enciclopédia, mas como kit. A diversificação de

matérias e conteúdos é importante fonte de conhecimento e os vendedores aproveitam esse

nicho mercadológico para atuar diretamente com a família, já que a escola pouco promove o

contato do aluno com a enciclopédia, em sala de aula.

DAN foi categórica ao afirmar que na sua casa não havia livros, não deixando

possibilidade nenhuma de continuar o assunto, diferentemente de LET que fez a mesma

afirmação, não sem acrescentar que todos os livros que ela pega para ler são da biblioteca.

Não. (DAN, 15)

Não, na minha casa não. Tudo que eu pego é da biblioteca. (LET, 15)

Não são poucas as vezes que os alunos enfatizaram a biblioteca como fonte de

empréstimo de livros, o que foi acrescentando aos resultados da pesquisa o dado de quão

importante é esse local de mediação da leitura, principalmente para os alunos que não têm

outro meio de conseguir livros para realizar suas leituras.

116

Ao se analisar a fala da bibliotecária, percebe-se claramente que ela passou a

desenvolver o hábito da leitura a partir da necessidade, principalmente por causa dos filhos

que foram crescendo e ela precisava dar-lhes o exemplo, apesar da dificuldade que sentia em

ler. Essa dificuldade, ela traduziu como falta de vocação, como se leitura fosse uma inclinação

natural, uma predestinação, um talento, e não trabalho intelectual.

Assim, hoje há, né? Por causa dos meus filhos e por mim também, porque eu comecei a ter vocação pra livro, porque até então eu não tinha muita vocação pra livro não. Aí depois que eu comecei ler, começou despertar essa vocação.. Até no começo eu tinha dificuldade de ler. Eu comecei a ter interesse por leitura quando eu comecei fazer o 2º grau, quando o professor me incentivava a lê. Então eu começava a criar aquela curiosidade através dos professores. Então eu digo que meu incentivo foi totalmente dentro da escola. Ah, em casa tem livro literário, porque eu aproveito que a minha filha está lendo, quando ela termina de ler um livro, eu o começo, e assim a gente faz rodízio de leitura. (ROS – Bibl., 34)

O despertar para a leitura foi uma “construção” escolar, incentivada pelos professores

que lhe aguçaram a curiosidade. Movida pela necessidade e pela curiosidade, ROS não mais

ficou sem livros em casa, uma vez que tem o habito de ler com a filha. A bibliotecária revelou

ainda sua frustração por não ter conseguido passar esse interesse para o filho, pois acredita

que a leitura é muito importante para o crescimento do ser humano.

Realmente a leitura não pode ser imposta por decreto-lei. O gosto pela leitura, mais

que uma vocação, é uma construção que se inicia na família, alicerça na escola, estende-se

pela vida. Porém, ninguém pode sentir-se atraído por algo que nunca conheceu

verdadeiramente.

Nos dias de hoje, as crianças vêem televisão e jogam no computador muito antes de

aprenderem a ler. Graças a esses recursos, já é possível começar a construir os caminhos da

leitura e, para isso, é necessário que se oriente o acesso tanto ao computador quanto à

televisão, transformando-os em aliados na formação desses leitores. Afinal as crianças

precisam estimular a imaginação por meio de jogos, para que mais tarde façam, de forma

tranqüila, a transição para a leitura. Ou seja, é imprescindível exercitar dois aspectos

fundamentais para ler: a imaginação e a capacidade para estar sozinho − porque ler é um ato

solitário.

As professoras foram unânimes em afirmar que têm muitos livros, cada uma

na sua respectiva área de atuação, além de alguns de “literatura amena, desde Sabrina até

todos os tipos, até os clássicos”, como disse IRE. Novamente, na fala de FAT, se viu a

preocupação com a formação de leitura da filha, ao ponderar que compra muitos livros. Além

117

do quê, ela lê os livros do Objetivo, sistema de ensino adotado na escola em que sua filha

estuda.

Nessas vozes, observei a relevância que os professores dão à leitura específica,

centrada em sua área de atuação.

Muitos (risada). Todos os tipos assim não. Tem os de Literatura, os clássicos, principalmente. E teóricos da minha área – de Literatura. (SIL – Prof., 36)

É, eu tenho, tenho muitos livros. (risos). Já tinha e tenho ampliado bastante. Tenho livros literários, que é voltado mesmo pra estudo em sala de aula, que seriam os didáticos, tem os livros pra estudo, que estão num estágio mais avançado, em nível de 3º grau. Tem livros de leituras amenas, desde Sabrina até os clássicos. (IRE – Prof., 45)

Há, de todo tipo tem. A Raíssa, minha filha, adora ler. Ela compra muitos livros, aí tem livros referentes à minha disciplina, História, tem Literatura de modo geral, tem do Objetivo também, né, traz bastantes livros, revistas, entendeu? (FAT – Prof., 39)

Há. De tudo. Tem bastante. Tem didático, tem teórico, tem de Direito. Você conhece. (risos). (KEL – Prof., 25)

É claro que a leitura do livro didático ou do livro teórico pelo professor requer

competências diferentes do leitor de um romance, por exemplo. Para ler um documento oficial

de ensino se requer um domínio de leitura de textos de graus de complexidade maiores do que

uma reportagem de jornal. Dessa forma, as competências de leitura que o professor necessita

apresentar, cotejadas com suas práticas letivas, poderão franquear um espaço mais amplo para

a prática de leitura em sala de aula e na biblioteca. E, assim, gerar um trabalho mais produtivo

sobre as mudanças que se esperam para a prática do ensino de leitura. Afinal leitura se ensina,

leitura se aprende.

1.7 Livros Preferidos

Para conhecer os gostos literários e compor o perfil do entrevistado-leitor, tive o

cuidado de lhes perguntar quais os livros que mais chamaram sua atenção, entre os livros

lidos até o momento da entrevista.

Mais da metade dos alunos afirmou ter gostado de algum ou alguns livros literários,

sendo listados desde os Contos até a Mitologia Grega.

118

Dos que eu li, o que eu gostei foi Escrava Isaura, gostei demais do livro. (ISA, 15)

Os livros que li até hoje? D. Quixote, eu gostei muito, Prometeu Acorrentado, Romeu e Julieta, eu gostei muito, e infantil assim que eu gostava era o Saci mesmo, Saci Pererê. (AMA, 14)

Mais chamou atenção? (Pausa) Pequeno Príncipe, e... (MAR, 15)

É os Contos. Eu gosto de contos. (VIV, 14)

Até hoje? Eu acho que foi de Mitologia Grega, peguei na biblioteca, foi o que eu mais gostei. (ELA, 15)

Os livros? Ah, foi os de literatura, porque o professor passa na sala e fala que a gente tem que ler. E os livros que mais chama atenção acaba sendo este de literatura. O único que eu li até agora foi Senhora e Amor de Perdição, e o que eu mais gostei foi Senhora. (LET, 15)

Um dado bastante revelador foi que, geralmente, os livros que os alunos mais

gostaram de ler foram os elegidos por eles, não os indicados pela escola. Houve em

contrapartida, algumas falas bastante reticentes ao responder à pergunta, o que denota que a

pessoa está sobre isso refletindo, procurando na memória as palavras certas para aquele

momento. Mais. Quando não se lembra de algum nome que gostaria de recordar, acaba por

citar algum livro da literatura brasileira, indicado e trabalhado em sala de aula, como foi o

caso de LET e de MAR.

Livros que retratam a vida real também foram os preferidos por alguns poucos alunos

que se vêem presentes ou envolvidos naquelas histórias, como DAN.

Mais chamou minha atenção? Os que relatam a vida das pessoas, o que aconteceu. (DAN, 15)

Bastante recorrente foi a preferência dos alunos pelos livros de Sidney Sheldon,

escritor de grandes best-sellers, autor preferido também pela bibliotecária.

Ah, o livro que mais chamou minha atenção foi um do Sidney Sheldon, que mostra a vida da advocacia e também um livro que tem na minha casa que é A prisioneira do esquecimento, não lembro o autor. (DEI, 16)

Bom, tirando a Bíblia, que é em primeiro lugar, eu gosto demais do Sidney Sheldon, ele é um escritor muito bom, li toda coleção dele né? Sei lá, acho que não tem nenhum outro especifico não. Eu acho que cada vez que a gente vai lendo, mais a gente vai gostando né? (ANC, 16)

119

Foi do Sidney Sheldon. (JES, 14)

Que mais me chamou atenção? Eu gostei de Iracema, que é um livro que eu gostei, mesmo né. (fala rindo), é (...) Seminarista, eu gostei, mas no final não gostei muito, mas foi um livro que marcou bastante. Eu gosto muito da coleção do Sidney Sheldon: Se houver amanhã, eu gostei demais mesmo desse livro. É um dos que eu mais gostei. (ROS - Bibl., 34)

O dilema nessas recorrências não está na formação de leitores de best-sellers ou de

leitores de obras-primas da Literatura, o que se quer questionar, na verdade, é se a escola

forma leitores de best-sellers ou se, em contrário, não forma nenhum leitor.

É óbvio que a leitura desses best-sellers traz benefícios, entre eles, capacidade de

concentração, rapidez de raciocínio, familiaridade com a palavra escrita. Mas é fundamental

que a escola apresente outros gêneros textuais a seus alunos, outras possibilidades de leitura,

para que ele possa ter condição de optar entre um tipo de leitura e outro. As opções de leitura

variam de acordo com as necessidades da pessoa. O importante é que ela tenha conhecimento

das várias possibilidades de gêneros textuais para que possa fazer suas escolhas.

A emoção, o amor, as drogas, foram temas bastante referenciados nas leituras de cerca

de metade dos alunos.

Com certeza foi “História de amor” que eu li. “Vida de Drogas” também amei. Acho que só, que eu me lembre, (LIZ, 15)

Mais me chamou atenção? Eu acho que foi O Doce Veneno do Escorpião, de Bruna Surfistinha. Sabe, ela se revelou, ela não teve vergonha, ela se expressou e contou tudo que aconteceu na vida dela mesmo. (BRU, 15)

Desses que eu já li? Uns de aventura, outros de romance. Por exemplo: A História de um Louco Amor e O Amor Pode Esperar, achei bem interessante. (TAN, 15)

A escrava Isaura, que eu estou lendo e O Mais Importante é o Amor, li Vida de Drogas, que é muito bom esse livro, é lindo. O Diário de um Adolescente Hipocondríaco, é o que eu mais gostei de ler. (VAL, 15)

LIZ, BRU, TANI e VAL trouxeram, nos relatos de suas leituras, os anseios dos

adolescentes que procuram na aventura e no romance o encontro com seu eu, projetando-se na

personagem para entender-se, para revelar-se.

Nas vozes das mediadoras, percebi dois momentos de predileção pelas leituras: o

momento profissional e o momento pessoal.

120

Oh, eu gosto muito do Lucíola, sou apaixonada por Lucíola, e assim um que não é clássico, mas que eu adorei é O Código da Vinci. Um passatempo maravilhoso. (SIL – Prof., 36)

Que mais me chamaram a atenção? Vichi, difícil né? Na classificação eu acredito que sejam principalmente os clássicos em termos de romance. Capitães de Areia, gosto muito, tem um livro que eu acho que é exemplo O Pequeno Príncipe, que eu leio sempre (...) acho que continua sendo dos clássicos, apesar de que os livros instrutivos têm lá os seus méritos, e tem livros bons que a gente pode estar (...) separando né? Aquele que você tem como referência, ou aquele outro... (IRE – Prof., 45)

Os que me chamaram a atenção (...). O monge e o executivo, eu gostei dele entendeu? Ele me chamou bem atenção porque, é um cara ele vivia atormentado, ele tinha aquela vida só pensando no trabalho. Aí ele foi fazer um retiro num monastério, e ele conta os detalhes do local onde ele está, parece que você está vendo, sabe, aquela coisa de Deus, aquela coisa de paz, de tranqüilidade. Aquele livro me chamou muita atenção por causa disso, porque eu gostaria de estar lá, entendeu? Marcou-me muito a maneira como ele escreveu, a riqueza de detalhes que ele descreveu, acho que eu consegui até viajar um pouco pra lá (risos). (FAT – Prof., 39)

Que mais me chamou atenção, que eu tenho paixão é Análise do Comportamento, e (...) ah, tudo da Psicologia. O Corpo Fala Também, é um livro muito interessante, que eu gosto bastante. (KEL – Prof., 25)

No momento pessoal, as professoras tendem sua predileção aos livros de auto-ajuda,

ou aos livros de literatura de massa, alegando ser um “passatempo maravilhoso”. No que

respeita ao momento profissional, alegam fazer leituras dos clássicos, ou dos instrutivos/

teóricos, como foi detectado nas falas de IRE e KELL.

Pode-se conceber o perfil do leitor como um sujeito que lê para adquirir e aprimorar

conhecimentos, para aprender novas palavras, entendendo a leitura, enfim, como prática

sociocultural. É um leitor que pratica principalmente as leituras provindas da cultura de

massificação, nem sequer se lembra dos autores lidos. Para se envolver nas leituras realizadas,

o aspecto mais citado, entre os entrevistados, foi o conteúdo da história, porque ele é capaz de

desenvolver seu emocional e seu cognitivo, instigando os sentidos, formando o leitor.

Na infância, os pais da maioria dos entrevistados tinham pouco nível de escolaridade,

não liam para eles. Embora assim, muitos contavam histórias e incentivavam seus filhos a ler.

A maioria deles teve acesso aos clássicos da literatura infantil só quando entraram na escola, e

esse contato se deu por meio das professoras que contavam essas historinhas para eles. Quase

que unanimemente, os entrevistados afirmaram que, em suas casas, há livros, privilegiando os

didáticos, as enciclopédias, os literários, os de auto-ajuda e a Bíblia. Os livros que mais

gostam de ler são os escolhidos por eles, não os indicados pelos professores, novamente

121

enumerando os livros de literatura de massa. Quando citados os livros literários, esses são os

de leitura rápida, como os Contos.

As falas dos entrevistados foram marcadas por pausas breves ou longas, de acordo de

com a existência de reflexão das questões, para cada entrevistado. Essas pausas foram

interpretadas como tempo de reflexão para pensar no que vai falar, ‘puxando’ pelo

pensamento, procurando na memória as palavras certas para aquele momento. Percebi

também vários marcadores lingüísticos (né, daí), como se o entrevistado precisasse de

confirmação de suas idéias pó meio do entrevistador, para dar continuidade à conversa. Houve

ainda a repetição de palavras e de informações, como que a reforçar suas concepções, para

não deixar dúvida sobre o que diziam. Ocorreu, igualmente, uma profusão de frases

imprecisas, que não forneceram informações claras, concretas, utilizando-se de gestos e

expressões faciais tendentes a enriquecer a linguagem oral, embora dificultassem a descrição

de sua análise.

Enfim, esse foi o sujeito com os quais trabalhei nesse estudo. Alguns conceitos bem

definidos, outros confusos, mas todos estão abertos para o novo, para o conhecimento.

2 CONCEITOS DE LEITURA DE USUÁRIOS E MEDIADORES DE

LEITURA DA BIBLIOTECA ESCOLAR

Tencionando pinçar os conceitos de leitura dos usuários da Biblioteca Escolar Rui

Barbosa, solicitei aos alunos, às professoras e à bibliotecária que explicitassem o que por

leitura entendiam, e constatei que eles detinham noções bem generalizados a este respeito. A

maioria dos alunos afirmou que leitura é sinônimo de conhecimento. Essas falas foram

registradas nos depoimentos abaixo e sintetizam esses conceitos:

Leitura é aprender, uma maneira de a gente saber mais coisas né? (LET, 15)

Ah, leitura é onde eu posso me informar de vários assuntos, conhecer novas coisas e me inteirar sobre o que está acontecendo na minha volta, no mundo em que vivo. (VER, 15)

Leitura pra mim (pausa) ah, é um conhecimento que você tem sobre as coisas, né? É saber o que acontece. (MORG, 14)

122

LET, VER e MORG internalizaram que leitura é um meio de aprender, de se informar,

de conhecer a respeito das coisas. Essas coisas poderiam corresponder a todos os

ensinamentos veiculados na escola, ou não, já que uma delas se referiu ao que está

acontecendo à sua volta. Para aprender coisas por intermédio da leitura, houve alunos que

conceberam o livro como instrumento, foco do conhecimento:

Ah, leitura pra mim, assim, é uma forma de você adquirir mais conhecimento através dos livros, porque é só explorando os livros que a gente vai ser alguém na vida. (ANC, 16)

Além de ANC afirmar que é por meio dos livros que se adquirem mais conhecimentos,

houve a informação de que, a partir da exploração dos livros é que se consegue ser “alguém

na vida”. Percebi, enraizada nessa afirmação, uma tendência pragmática, em que se admite a

importância da leitura como instrumento de capacitação para a competição em uma sociedade

para isso voltada. Ler, nesse sentido, seria uma forma mais adequada para produzir e para tirar

proveito no espaço social, particularmente nas situações profissionais. Parece implícita aí a

concepção de que a prática de leitura é condição para melhor participação social e para a

empregabilidade, para “o ser alguém na vida”, economicamente falando.

Outra informação que depreendi dessa afirmação é que ler é ação intelectiva, mediante

a qual se adquire conhecimento, centrado nos livros. Nesse contexto, o livro é o suporte para

aprender “coisas”, “ser alguém na vida”, isto é, ter ascensão intelectual e social.

Essa concepção é defendida pela professora IRE, ao afirmar que:

Leitura é o conhecimento, é adquirir o conhecimento (...) automaticamente tem o conhecimento empírico, o conhecimento de mundo que a gente adquire e o conhecimento científico, que é o que eu, tenho como ferramenta de trabalho, ele é através da leitura. (IRE – Prof., 45)

Ao fazer essa afirmação a professora trouxe dois novos conceitos de leitura para

análise: o conhecimento proveniente do senso comum, ao qual ela intitula de conhecimento

empírico, e o conhecimento científico. O termo empirismo tem sua origem no grego empeiria

e significa “experiência” sensorial. É considerada uma doutrina, voltada à natureza do

conhecimento. De modo geral, o empirismo argumenta que todas as idéias são provenientes

das percepções sensoriais (visão, audição, tato, paladar, olfato). Em oposição a essa corrente

filosófica, há o racionalismo, ou cientificismo. A palavra racionalismo deriva do latim ratio, a

significar razão. Os racionalistas afirmam que a razão deve ser considerada a fonte básica do

123

conhecimento. Entretanto, pode-se dizer que não há senso comum sem razão, o senso comum

está ligado à razão. Nessa esteira, senso comum e ciência são conhecimentos que se mesclam

e se completam, norteando as leituras pessoais e profissional da professora IRE.

A leitura é de fundamental importância para a aquisição de conhecimento, não

ocorrendo de forma isolada, mas no entrelaçamento das informações dos acontecimentos com

as vivências do sujeito-leitor, isto é, em seu meio sociocultural. Pude depreender outro

aspecto relevante dos conceitos de leitura dos entrevistados: apesar de apenas um entrevistado

usar o termo “gosto de ler”, alguns se referiram à leitura como “viagem”, “entrar em outro

mundo", “distrair-se”, “ter uma outra vida, separada da real”, “descoberta de novos caminhos,

de outras vidas”:

Leitura?! Leitura é você viajar pra um lugar onde você nunca poderia estar, eu acho que é. Você vai lendo, vai contando como deveria ser o livro, você se coloca no lugar do personagem e fica se imaginando. Então eu acho que é importante. Tem livros que contam detalhadamente. Então a gente vê o que é bom e o que não é bom. Por isso que eu gosto de ler. É importante pra eu ler. (ARI, 14) Leitura? (...) Acho que leitura é um (...) como eu posso dizer é uma vida, um estilo de vida, uma separação, não sei explicar... leitura é outra vida que a gente tem, é entrar em outro mundo, entrar em outro mundo, essa aí é a minha definição. (AMA, 14)

Leitura pra mim (...) ah, é descobrir novos caminhos, novas coisas, outros mundos. (VIV, 14)

Pra mim? Ah, você lendo um livro que você gosta, você estar se distraindo, adquirindo conhecimento novo, novas palavras. (TANI, 15)

Viagem, descoberta, estilo de vida, fuga, são termos que, empregados para se

conceituar leitura, principalmente quando esses conceitos foram proferidos por adolescentes,

remete-me à possibilidade de que a leitura não é, na sua forma legítima, uma fuga da

realidade. É uma fuga para a realidade e que deve exigir do leitor uma qualidade, um

interesse, uma preocupação. O desejo sincero de encarar os grandes problemas, sem querer

resolvê-los, dissolvê-los, extingui-los, como se o ser humano fosse onipotente, mas a

possibilidade de conhecê-los sem vivê-los, ou, antes, conhecê-los antes de vivê-los, como se a

preparar-se para eles. TANI, em sua concepção de leitura apresenta o que Silva (1995) propõe

como categorias de leitura:

Leitura de informação: atualiza o leitor acerca dos acontecimentos que ocorrem ao seu redor. Cita-se como exemplo, os periódicos e as

124

enciclopédias. Leitura de conhecimento: relaciona-se com os processos de estudo e pesquisa do leitor. Geralmente circunscritos à área de atuação profissional na sociedade. O leitor busca os textos que se referem aos problemas da sociedade. Leitura de prazer: relaciona-se com o prazer pela leitura estética que conduz aos textos literários em que suas interpretações são infinitas, dada a polissemia da palavra literária. (SILVA, 1995, p. 54-5)

Para o autor, essas categorias contemplam todos os tipos de leitura e de leitor,

daqueles que buscam na leitura informação para estar em sintonia com os acontecimentos do

dia-a-dia, passando pelos leitores que buscam a leitura com o objetivo de adquirir e aprimorar

conhecimentos, aprofundando saberes, principalmente relacionado com a atuação

profissional. Finalmente, a leitura de prazer, relacionada com o estético, com a fruição.

Ficou claro que o adolescente busca, por meio das leituras, a descoberta de outros

mundos, de novas coisas: conhecer o que é bom, e o que não é para sua vida, para, a partir daí,

fazer suas opções. Verifiquei também o encadeamento da leitura com os conceitos de

linguagem, expressos na conceituação de leitura de ISA e DEB:

Ah, acho que... uma forma de expressar o escrito, pra você ter uma idéia de como está o mundo hoje em dia, o que já foi, né? (ISA, 15)

Leitura é um ensinamento que você tem através das palavras, da linguagem. (DEB, 15)

Um dos aspectos positivos da leitura é o enriquecimento da linguagem. Esta

característica traz inúmeros benefícios às pessoas, uma vez que, ao não conseguirem

exprimir-se de forma adequada, o pensamento fica limitado e a compreensão da realidade

muito difícil. Além disso, os livros, ao permitirem descobrir o mundo de outras pessoas,

possibilitam por esse confronto melhor autoconhecimento.

Para Chauí (1996), a linguagem é um sistema de sinais com função indicativa,

comunicativa, expressiva e conotativa. Apresenta-se como um sistema de signos ou sinais

usados para indicar as coisas, para a comunicação entre as pessoas e para a expressão de

idéias, valores e sentimentos. A linguagem, nesse prisma, reforça a concepção de leitura das

entrevistadas abaixo, quando vincam estas ponderações:

Leitura pra mim? Ah, (risos) eu acho que é uma porta pro futuro assim, porque hoje, os tempos de hoje né, sem leitura assim eu acho que a gente não é nada. (ELA, 15)

Leitura? Ah, eu posso dizer que leitura pode ser um caminho que abre novas portas pra vida, né? Porque você lê fica informado, você sabe o que está

125

acontecendo, e outra, fica sabendo as coisas que estão acontecendo no país e em todo lugar. (LET, 15)

Houve ainda as falas de ELA e LET que, ao registrarem seus conceitos de que leitura é

“porta pro futuro (...) sem leitura a gente não é nada”, “pode ser um caminho que abre novas

portas pra vida”, “é distração”, “é tudo”, remetem à tarefa da escola que seria exatamente a de

ensinar a ler tudo, incluindo os clássicos, e a ler criticamente os clichês presentes nas

literaturas de massa, que é na verdade um ato de antilinguagem.

Bordini e Aguiar (1993) tematizam essa questão. As autoras defendem que na

definição de objetos e objetivos de leitura, sejam atendidos os interesses e as necessidades dos

alunos, devendo haver, no entanto, ruptura com essas expectativas imediatas, proporcionada

pela singularidade da cada autor/obra literária, na perspectiva da expansão do universo

cultural dos leitores:

Quando o ato de ler se configura, preferencialmente, como atendimento aos interesses do leitor, desencadeia o processo de identificação do sujeito com os elementos da realidade representada, motivando o prazer da leitura. Por outro lado, quando a ruptura é incisiva, instaura-se o diálogo e o conseqüente questionamento das propostas inovadoras da obra lida, alargando-se o horizonte cultural do leitor. O dividendo final é novamente o prazer da leitura, agora como apropriação de um mundo inesperado, o ato de ler é, portanto, duplamente gratificante. No contato com o conhecido, fornece a facilidade da acomodação, a possibilidade de o sujeito encontrar-se no texto. Na experiência com o desconhecido, surge a descoberta de modos alternativos de ser e de viver. (BORDINI e AGUIAR, 1993, p. 26)

Ao analisar as concepções de leitura de VAL e APA, quando assimilaram que “leitura

é tudo”, busquei o entendimento do ato de ler do universo do leitor, suas experiências de vida,

sua cosmovisão. Assim, ouso dizer, nessa acepção de leitura, a transformação da

leituramundo, parafraseando a idéia de “palavramundo” (FREIRE, 1982).

A leitura? Bom, tudo pra mim é leitura. Tudo que eu vejo, eu já faço aquela leitura, eu já faço a base do que vai acontecer. Tudo pra mim é leitura. Pegar o livro ali,estar lendo, conversando com os professores. (VAL, 15)

Leitura é tudo, porque através da leitura eu sou uma pessoa com mais conhecimento. (ANP, 14)

Esse conceito de leitura foi ratificado pelas professoras SIL e FAT, que também

enunciaram:

126

Leitura é tudo, é fundamental. (SIL – Prof., 36 e FAT – Prof. , 39)

Contrariamente à idéia de que leitura é tudo, teve-se a concepção de leitura como

decifração de códigos, abordada por LIZ e ANP:

É ter uma coisa no papel escrito e eu saber ler o que está escrito lá (LIZ, 15).

Ah. Deixa eu pensar (...) é você saber ler. Agora uma pessoa que não sabe lê é muito difícil. Eu acho que é você pegar uma folha que está escrita, você saber o que está escrito, mas aquela pessoa que não sabe ler, não sabe. Aí ela fica tentando imaginar o que é que está escrito. (ANP, 14)

ANP demonstrou consciência da dificuldade que uma pessoa analfabeta tem para viver

neste mundo letrado, por isso a alusão de que o iletrado fica imaginando o que pode estar

escrito em determinado papel. Essa concepção de ANP reforça a necessidade do letramento

das pessoas. LIZ e APA carrearam, ainda, em suas falas, a concepção da leitura decifratória

ou de decifração do código, que é aquela em que a atenção e o esforço do leitor se dissipam

principalmente na decifração. É típica de indivíduos que estão se familiarizando com o código

como os que estão sendo alfabetizados ou aprendendo uma segunda língua, diferentemente do

caso de LIZ que cursa o Ensino Médio. Esta dificuldade não ocorre somente entre leitores

desqualificados. Fatores externos à leitura podem tornar o texto ilegível, criando dificuldades

mesmo para o leitor qualificado. A leitura silábica é um caso extremo da leitura decifratória.

Para essa concepção, o sentido estaria preso às palavras e às frases, na dependência direta da forma, tendo em vista que a concepção estruturalista vê ainda a leitura como um processo instantâneo de decodificação de letras em sons, e a associação destes com o significado. (KATO, 1985, p.62)

A autora aporta, nessa concepção, um modelo de leitura que procura trabalhar um

protocolo de atividades comuns ao de sala de aula. Esse modelo segue a concepção

estruturalista que entende leitura como decifração e recuperação do sentido do texto.

Esse conceito de leitura e sala de aula está presente também na fala de POLI:

(...) leitura (...) ai, é ler, pra eu ler, pra me reforçar melhor na escola. (POL, 14)

POLI infere a concepção de que a leitura é para ser usada com a finalidade de

corroborar os conhecimentos da/na escola, ficando assim no imediatismo do processo escolar,

mesmo que se compreenda que este é um conceito arraigado no estudante do ensino básico.

127

As reticências detectadas na sua fala denotaram a insegurança, ao expor seu conceito de

leitura, por isso acabou revelando a obviedade da citação acima.

As falas registradas a seguir demonstraram maior amadurecimento na construção dos

conceitos de leitura dos entrevistados, remetendo-se à leitura construção de sentidos,

corroborada por Smith (1991, p. 21): “aprendemos a ler, e aprendemos através da leitura,

acrescentando coisas àquilo que já sabemos”. Para o autor, caminhando na mesma trilha os

alunos, leitura é desenvolvimento, entendimento, interação entre o que está escrito e o que já

se sabe.

Ah, leitura (...) eu pego um livro, eu leio, por exemplo, eu leio, eu entendo, eu faço meu ponto crítico, eu me desenvolvo, então se alguém me pergunta “Você já leu tal livro?” “li”. Aí eu conto, serve pra muita coisa. (BRU, 15)

Olha, pra mim não é somente pegar um livro e ler, né? É você ler, gostar, entender o livro e refletir sobre isso. Não só ler e acabou. É levar pra vida real entende? (JEF, 15)

Leitura? Leitura é quando você pega certo tipo de coisa ler e entende o que está lendo. (JES, 14)

BRU, JEF e JES, ao conceituarem leitura, evidenciaram maior amadurecimento do

processo de leitura, demonstraram realizar a leitura produtiva, que denota boa compreensão

do lido, dispensa releituras, leva à reflexão, transportando esses conhecimentos para a vida,

desenvolvendo e amadurecendo o leitor.

Leva, em síntese, ao que ENI pontuou em seu conceito de leitura:

É pra pensar. (ENI, 16)

ENI fecha um ciclo de reflexão, afirmando que leitura “é pra pensar”. Na simplicidade

dessa afirmação, está incluída toda uma gama de conhecimentos construídos ao longo da

História.

Ao se tomarem como ponto de partida as concepções supracitadas, pode-se deduzir

que "a palavra leitura não remete para um conceito, e sim para um conjunto de práticas difusas"

(Barthes, 1989), caracterizando, assim, um conteúdo procedimental com toda sua

especificidade, como conteúdo a ser aprendido. Para Paulo Freire, "o ato de ler" é contínuo,

dinâmico, prazeroso e pessoal.

A análise das falas dos entrevistados vincou que grande parte deles oscila entre a

leitura decodificação e compreensão, e a leitura obrigação escolar, manifestando a

128

necessidade de ler para conhecer, para expressar-se e até mesmo para ter prazer, mas ninguém

se refere a leitura como busca de significados ou a leitura como necessidade social, daí a

distância que se estabelece entre a leitura realizada na escola/biblioteca e a leitura que se usa

no cotidiano, a leituramundo, a que já fiz referência.

Os entrevistados apresentaram noções superficiais sobre o que é ler. Expuseram como

conceitos as situações de uso da leitura, isto é, repetiram o que haviam dito na categoria

Leitura para quê. Isto denota que a escola trabalha a utilitariedade, o pragmatismo da leitura,

não avançando em conceitos de leitura como possibilidade de compreensão, interpretação,

busca de sentido. A partir disso, inferi que nem mediadores de leitura nem alunos dão conta

do que é o ato de ler.

Como atividade significativa que é, a leitura não pode ser entendida sem que se leve

em linha de conta a participação do indivíduo, possuidor de uma história individual e singular.

História que faz diferença quando do seu encontro com o texto e que favorece o aflorar de

inferências marcadas pela ativação de um contexto, ao qual alude sua memória cognitiva.

A compreensão de leitura não é orientada, apenas, pelas marcas gráficas do texto, mas,

sobretudo, pelo que estas marcas têm a dizer e pelo modo como o leitor apreende e interpreta

a intenção pretendida pelo autor. Esta interpretação ocorre no momento da interação

leitor/autor, gerando sentidos que variam de acordo com o leitor e com a natureza da

interação.

É nessa perspectiva que se toma a leitura como processo inferencial e cognitivo,

ativado a partir da intrincada relação entre leitor, texto e contexto.

A respeito da leitura, os Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa iluminam:

A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado do texto, a partir dos seus objetivos, do conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a língua: características do gênero, do portador, do sistema de escrita, etc. Não se trata simplesmente de ‘extrair informação da escrita’ decodificando-a letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica, necessariamente, compreensão. Qualquer leitor experiente que conseguir analisar sua própria leitura constatará que a decodificação é apenas um dos procedimentos que utiliza quando lê: a leitura fluente envolve uma série de outras estratégias como seleção, antecipação, inferência e verificação (grifos meus), sem as quais não é possível rapidez e proficiência. É o uso de procedimentos desse tipo que permite controlar o que vai sendo lido, tomar decisões diante de dificuldades de compreensão, arriscar-se diante do desconhecido, buscar no texto a comprovação das suposições feitas etc.Formar um leitor competente, supõe formar alguém que compreenda o que lê; que possa aprender a ler também o que não está escrito, identificando elementos implícitos; que estabeleça relações entre o texto que lê e outros

129

textos já lidos; que saiba que vários sentidos podem ser atribuídos a um texto; que consiga justificar e validar sua leitura a partir da localização de elementos discursivos que permitam fazê-lo. (BRASIL, PCN, 1988)

Mais adiante, perfilha o mesmo entender:

Uma prática constante de leitura na escola deve admitir ‘leituras’. Pois outra concepção que deve ser superada é o mito da interpretação única, fruto do pressuposto de que o significado está no texto. O significado, no entanto, constrói-se pelo esforço de interpretação do leitor, a partir não só do que está escrito, mas do conhecimento que traz para o texto. É necessário que o professor tente compreender o que há por trás dos diferentes sentidos atribuídos pelos alunos aos textos; às vezes é porque o autor intencionalmente ‘jogou com as palavras’ para provocar interpretações múltiplas; às vezes é porque o texto é difícil ou confuso; às vezes é porque o leitor tem pouco conhecimento sobre o assunto tratado e, a despeito do seu esforço, compreende mal. Há textos nos quais as diferentes interpretações fazem sentido e são necessárias: é o caso dos bons textos literários. Há outros que não: textos instrucionais, enunciados de atividades e problema matemáticos, por exemplo, só cumprem sua função se houver compreensão do que deve ser feito. (BRASIL, PCN, 1988)

Leitura diz respeito ao ato de atribuir significado à escrita, cuja exploração não precisa

ocorrer de forma linear, obedecendo à sucessão de palavras. Na verdade, quase sempre, o

leitor realiza um movimento de antecipações e retomadas textuais, além de usar indícios não

lingüísticos para ler, isso de acordo com suas vivências e experiências. A habilidade

lingüística da leitura é produto de um estatuto social, de acordo com o qual cada um convive

com a escrita e utiliza as técnicas necessárias a essa convivência.

Dessa forma, quanto maior for o estatuto social do leitor, maior será seu

relacionamento com a língua e sua capacidade de compreensão do texto. Chartier (1996)

afirma que a leitura é uma atividade cuja finalidade peculiar é a compreensão do texto, e essa

compreensão depende da forma pela qual ele foi registrado e apropriado pela memória, pois

compreender um texto implica relacionar o que se sabe sobre o texto (conseqüência da

competência genérica) com o que se deseja descobrir nele. E a relação dos elementos

conhecidos do texto (os indícios) com os sentidos do texto está diretamente ligada ao

questionamento do texto e à formulação de hipóteses de leitura.

Postado numa situação de vida real em que precisa ler um texto (para sua informação

ou prazer), cada leitor mobiliza suas competências anteriores e elabora estratégias para

elaborar e testar suas hipóteses de leitura e assim concluir sua tarefa de compreender o que

está escrito. A antecipação do sentido por meio de indícios é exemplo de uma estratégia. Em

130

síntese, a leitura é uma atividade resultante de uma seqüência de ações: observação,

comparação, questionamento e experimentação. Portanto, a leitura jamais pode ser vista como

atividade de receptividade. O leitor não é mero receptor de informações ou tradutor da

linguagem escrita para a oral, mas construtor de sentido para o texto.

Outro aspecto para complementar o entendimento dos conceitos de leitura desses

sujeitos é a busca, nas respostas dos entrevistados, intentando saber como eles se relacionam

com a leitura. Ou seja, é preciso considerar que os sujeitos carregam consigo uma história de

leitores, constitutiva de sentidos. Daí por que Paulo Freire afirmara que ser leitor é ler texto e

contexto, resultando assim sua compreensibilidade do lido, cabendo à escola reconhecer,

acatar e ampliar.

3 HISTÓRIAS DE LEITORES

Um fato muito peculiar observado, quando solicitei aos sujeitos desta pesquisa que

relatassem sua história de leitores, eram as reticências. Nestas, percebia-se o entrevistado

buscando nos guardados da memória fatos esquecidos, resquícios de pensamento que

afloravam céleres, palavras que se atropelavam, ou que não vinham para expressar todo

sentimento vivido naquele instante de (re)memorização da história de suas vidas.

As vozes dos sujeitos sejam estas de alunos ou das professoras, seja da bibliotecária,

que relataram sua história de leitores foram unânimes em afirmar que sua aquisição do código

escrito, e da leitura por conseqüência, se deu na escola, seja ela de caráter público ou privado,

e quando citado o incentivo à leitura por meio da escola, este se dava geralmente na

particular, registrado nos depoimentos abaixo:

Eu estudava numa escola de freira. Então... lá era bem incentivada a leitura, eles davam muito livro de história, fábula, sempre, desde muito pequena. Só que eu morei fora oito anos, na Bolívia, e quando eu cheguei aqui comecei muito mais a ler. (LET, 15)

Olha, eu sempre gostei de estudar, né. Então isso me ajudou bastante, a leitura me encantou. Eu estudei numa escola, eu comecei a estudar numa escola particular, isso me ajudou bastante né. Na época eles incentivaram muito a leitura. Lá, lógico como em toda escola, eles incentivam, né. E... eu adoro ler. (ARI, 14)

Ah, eu comecei ler quando vim pra escola, aí fui aprendendo. (ANP, 14)

131

Bem, a escola que me incentivou a ler foi a Coopepar, eu comecei a estudar lá e o professor Emerson mandava muito a gente ler, ele falava muito, então eu comecei a pegar livro, eu estava na 7ª série. (ENI, 16)

LET, ANP e ENI revelaram que estudar numa escola particular, confessional ou

cooperativa, foi ponto essencial para seu gosto pela leitura, uma vez que os professores

incentivavam o desenvolvimento da leitura. No entanto, esta não é exclusividade só da escola

particular, pois ANP revelou seu gosto pela leitura oriunda do incentivo da escola pública. A

escola tem por função o ensino da leitura e da escrita, além de outros aspectos para a

formação do cidadão. Assim, ler é uma das competências mais importantes a serem

trabalhadas com o aluno. Se bem que assim, para que isto ocorra de fato, não basta que se

ensine ao aluno identificar as palavras, é preciso fazê-las ter sentido, compreender, interpretar,

relacionar e reter o que for mais relevante.

Outro aspecto também bastante presente nas respostas dos entrevistados foi o

incentivo dado pela família: cerca de metade dos alunos entrevistados disseram receber

incentivo da família para praticar leituras.

Ah, foi assim, quando eu entrei na escola, meu pai me incentivava muito a ler. Aí tinha uma pequena lousa na minha casa, ele me ensinava escrever e a ler, ele me incentivou muito na leitura e eu comecei a gostar. Aí eu fui lendo, adquirindo mais conhecimento, conhecendo mais palavras, mais idéias. Então eu fui gostando de ler. (TAN, 15)

Bom, eu era incentivada pela minha mãe, eu sempre gostei de ler. Meu irmão estudava. Ele começou estudar primeiro que eu. Eu sempre me interessava, pegava os livros dele e ficava olhando os desenhos, só não sabia ler né? Aí depois que eu comecei ir para a escola eu me interessei muito de ver como os professores conversavam com os alunos, ensinava (...). Era o que mais me incentivava. (VAL, 15)

Olha minha mãe sempre lia pra mim. Quando eu era pequena, lia histórias infantis, mas eu não gostava muito de ler. Quando eu entrei na 5ª série, eu comecei a ter aula de Língua Portuguesa com uma professora chamada Maria Aparecida, aí ela começou a me incentivar a ler, desde então eu sempre estou lendo. (VER, 15)

TANI se reportou à lousa que seu pai lhe dera e ao acompanhamento dele nessa

primeira fase do seu contato com a leitura, quando foi adquirindo mais conhecimento, mais

palavras, mais idéias.

VAL e VER se referiram à mãe como sua primeira incentivadora de leitura, sendo

precedida pelos professores, quando estas foram para a escola.

132

Esta mesma situação também aparece na voz da professora IRE, ao relatar que sua

história de leitura está diretamente vinculada ao período de sua infância e que, apesar de

morarem na zona rural, de trabalhar na roça, isso não foi empecilho para o incentivo à leitura

por parte de seu irmão, já que seus pais quase não tinham grau de instrução e, numa

conseqüência natural, esse incentivo foi reforçado na escola, com as solicitações de leitura

pelos professores dos ensinos fundamental e médio.

Bem, a minha história de leitura está vinculada ao período da infância, quando eu vivia com meu irmão. Meu irmão era um grande leitor. Nesse período a gente trabalhava na roça, ele levava livros pra ler e eu ia junto com ele. E foi ele que incentivou minha história de leitura, porque foi a partir desse momento que também ele começou a levar livros também pra eu ler, na época era livro de bolso. Eu devia ter uma dez pra doze anos, já estava alfabetizada, e ele levava os livros de bolso, que era daquelas histórias de faroeste e eu comecei ler junto com ele. A partir daí que eu desenvolvi minha leitura, e aí logicamente foi fortalecida no ensino fundamental, na escola, com os pedidos de leitura e no Ensino Médio. O despertar da leitura foi esse. (IRE – Prof., 45)

A figura do professor na qualidade de incentivador de leitura ressumou na maioria das

falas dos alunos e também das professoras e bibliotecária entrevistadas, como pôde ser

observado tanto na fala de IRE, mediadora de leitura, quanto nas dos alunos:

Bom, comecei ler na escola Lourenço Peruchi. Meus professores me influenciavam bastante a ler. Só que não tinha muitos livros, eram mais os textos dos nossos livros didáticos. (DEB, 15)

Ah, foi uma professora minha, professora Eva de Língua Portuguesa, eu não gostava muito de ler (risos). Aí ela foi influenciando assim, devagar, foi indicando livro pra eu ler. Aí eu comecei a gostar de ler. Ela deu aula pra mim na 5ª. Uma professora que eu nunca vou esquecer (risos). (ELA, 15)

DEB e ELA deixaram transparecer, em suas falas, que seus professores foram

influenciando paulatinamente suas construções de leitoras. Apesar da falta de livros, a leitura

era trabalhada mediante o livro didático, único material disponível para os alunos naquele

contexto de educação. Então, numa situação tão adversa, em que o professor não tem sequer

material diferenciado para a formação do aluno-leitor, o livro didático e o professor se tornam

os promotores únicos da leitura sistemática, o que gera um distanciamento da situação real de

leitura constante nos Parâmetros Curriculares Nacionais que indicam o trabalho com a

diversidade textual, visando à preparação do aluno para as reais situações de uso da leitura.

Somente alguns alunos disseram terem sido incentivados por amigos:

133

Ah, quem me incentivou a ler foi a minha amiga que faz o 2ª Propedêutico, né? É a Deise, aí ela falou pra eu ler né? Aí eu leio as histórias que ela indica, é legal demais né? (DAN, 15)

Eu não gostava muito de ler, eu fui mais pelos outros que falavam “Ah, pega tal livro que é legal”. Aí eu ia e pegava, e assim eu comecei a ler. O Bruno me incentivou muito a começar a ler, ele falava do livro, eu lia e era lega. Mas se fosse por mim eu não pegava não. (LET, 15)

A informação que DAN e LET trouxeram para complementar esse quadro da história

de leitores foi o incentivo de leitura dado por amigos. Revelam que, inicialmente, ficaram

resistentes à idéia de ler, mas depois que começaram, acharam “legal”. No entanto, LET

confessou que, se dependesse só dela, não teria começado a ler.

Apesar da pouca incidência de que os entrevistados foram incentivados pelos amigos,

estes podem ser grandes incentivadores da leitura, mesmo porque nessa fase da vida os

adolescentes e jovens precisam de auto-afirmação constante e, para isso, têm necessidade de

ser aceitos pelo grupo, de fazer o que o grupo faz, portanto a influência dos amigos nesse

momento pode ser muito salutar, se direcionada para ações que lhes façam crescer, e a leitura

certamente o é.

Em se tratando de gêneros textuais, o gibi foi o campeão em relevância para o início

do gosto pela leitura, seguido pela leitura de livros folhetinescos, sendo bastante citadas as do

tipo Sabrina, até se chegar às leituras dos clássicos:

Ah, minha história de leitura foi o seguinte: comecei com os clássicos infantis e gostava muito de gibi, como até hoje ainda gosto muito desses livrinhos. (ROS –Bibl, 34)

Ah, bem, até a 5ª série ainda não tinha lido praticamente livro nenhum, só aqueles gibizinhos, aquelas historinhas mais fáceis, mas um professor de Português que eu não lembro o nome agora me indicou um livro de Monteiro Lobato, aquele do Sítio do Pica pau Amarelo, certo? Eu falei “Bom, eu vou experimentar”. Aí eu peguei o livro, li, achei muito interessante. Falei “Bom, se toda leitura for interessante assim eu posso continuar lendo”, aí eu fui pegando cada vez mais livro e fui lendo e hoje eu gosto muito de ler. Não vivo sem a leitura. Eu gosto de ler leitura legal, sabe. É aquele gibizinho da Turma da Mônica sempre gostei muito, sempre divertida, dava boas risadas. Aí eu fui desenvolvendo meu senso crítico sabe? Assim, à medida que eu fui lendo, fui me identificando com o personagem do gibi, então, é (...) sabe a Turma da Mônica sempre foi meu gibi favorito. (BRU, 15)

Foi assim: Minha mãe lê bastante, ela tem um monte de livrinhos. Só que eu nunca tinha conseguido ler nenhum. Então eu peguei um livro uma vez né? Ele se chama Sereia do Luar, o primeiro livro que eu li. Aí eu falei: “Esse aqui eu vou ler”. Aí eu comecei ler e comecei a gostar. Então eu comecei e lia tudo. Lia bastante. Assim eu comecei ler. Aí eu passei pra biblioteca né?

134

Porque aqui tinha bastante livro, na escola que eu estudava não tinha livro. Eu estudava no Caíque, em Cuiabá. (DEI, 16)

O gibi, por ter linguagem visual, oferece uma ajuda instantânea na evolução do

reconhecimento das palavras, além de ser material de fácil manipulação. O gibi usa a letra

bastão, que os alunos reconhecem melhor, e traz uma linguagem acessível e cotidiana. Por

isso, mais da metade dos entrevistados citaram o gibi em suas histórias de leitura, aqui

representados pelas vozes de BRU e ROS. Apesar de BRU avançar consideravelmente em

suas ponderações, no afirmar que, ao ler o livro do Sitio do Pica-Pau Amarelo, achando-o

muito bom, Acrescenta: “Bom, se toda leitura for interessante assim eu posso continuar

lendo”, isto demonstra que o descobrimento da leitura se deu num contexto literário, fato que

contribuiu para sua formação de leitor efetivo, pois, segundo sua fala ele “continua lendo até

hoje, não vive sem a leitura”.

Pode-se inferir, a partir das vozes aqui reveladas, que a associação de imagem e de

texto constantes dos gibis é uma das possibilidades de os alunos se encantarem com os gibis, e

de por conseqüência, uma das razões que levaram até mesmo o MEC a recomendar, por meio

dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) – que orientam e sugerem alternativas de

apoio aos conteúdos disciplinares da 1ª à 4ª séries do ensino fundamental – o uso de gibis.

Entretanto, esse uso não fica somente nas séries iniciais, fato esse comprovado pela fala da

bibliotecária que disse gostar de ler esse gênero textual até hoje, assim como Bruno que disse

adorar a Turma da Mônica. Isto pode se dar pela familiaridade dos diálogos, da fala próxima

da realidade de seus leitores, do uso dos recursos constantes da linguagem não-verbal..

DEI afirmou que sua história se deu a partir das leituras que sua mãe fazia dos livros

da série Sabrina e que, apesar de no início não se interessar por elas, quando leu um exemplar

inteiro começou a gostar de ler, estendendo essa leitura para os livros da biblioteca.

Alguns alunos e uma professora citaram a biblioteca em sua história de leitura:

Ah, aprendi através de gibi. Minha mãe sempre dava gibi pra eu ler. Aí fui na biblioteca, fui pegando livros, comecei a me interessar pelos livros e assim eu... vou lendo bastante. (ISA, 15)

Bom, eu comecei assim, eu sempre tive bastante vontade de ler Desde pequena eu sempre gostei de ir à biblioteca da escola, assim também na municipal. Pra ler mesmo, eu sempre tive atração por livros de qualquer espécie. (ANC, 16)

Eu sempre gostei muito de ler. Na adolescência eu me lembro muito de uma professora de Literatura, ela chamava Lúcia. Ela também era muito dinâmica, estimulava muito a leitura. Lembro muito bem, muito bem mesmo da

135

biblioteca da escola. A biblioteca era um dos lugares que eu mais gostava, o outro lugar era o laboratório. Sempre acho isso estranho, o laboratório era a parte que eu mais gostava e a sala do prezinho. A sala do prezinho sempre me fascinou, porque eu não fiz prezinho, eu entrei na escola com seis anos, na 1ª série, então eu passava em frente daquele prezinho e via as mesinhas, tudo aquilo sempre me marcou. Eu acho que todas as crianças deveriam passar pelo prezinho, e as professoras contarem historinhas e tudo mais. Essa parte eu não tive, esse privilegio não. Eu sempre senti isso. Agora a biblioteca era muito bonita, muito bonita, aquelas mesas grandes e aquele silêncio, hoje eu entro na biblioteca aqui na escola e eu fico assim intrigada, porque você ouve todo mundo conversando alto. Lá a gente não ouvia um barulho, era muito bom. Era invisível viu, lá era um silêncio e nós líamos mesmo. Muito bom, muito bom mesmo. (FAT, Prof., 39)

A história da biblioteca escolar revela que está, na marcha do tempo, cada vez mais

distante e esquecida, e que esse distanciamento faz com que a riqueza que se encontra nos

livros se restrinja a um pequeno grupo. Este estudo mostrou, por dados coletados, que há a

necessidade de tomar providências para inverter esse quadro, tendente a incrementar e

facilitar o acesso aos livros e sua conseqüente leitura, pois há inúmeras pessoas que só têm

condições de ler se for por meio de bibliotecas. É o que fica comprovado pelo relato de ISA,

que disse só ter tido acesso a livros a partir de sua inserção na biblioteca, pois até aquele

momento só pudera ler gibis.

ANC, que representa menos da metade dos alunos, disse que sempre teve vontade de

ler e que sempre gostou de ir à biblioteca da escola, assim como da municipal, para ter acesso

aos livros.

Essas falas foram reiteradas pela professora FAT, que relatou as situações de leitura

mediadas por sua professora da 2ª série, que promovia sessões de leitura e de ‘contação’ das

histórias lidas, saga essa que teve continuidade na adolescência com a professora de

Literatura. A professora relatou sua incursão na biblioteca escolar e a descreveu como um dos

lugares que ela mais gostava de ficar, pois se apresentava um ambiente agradável. No

entanto, FAT disse estranhar, que os lugares que mais gostava de ficar era no laboratório e na

sala do prezinho, revelando sua frustração por não ter cursado o pré-escolar. Enfatiza ainda

que toda criança deveria cursar o pré-escolar, tendo em vista que é ali que se descortinam os

prazeres das histórias contadas pelas professoras.

A singularidade expressa na fala da professora FAT, ao relatar o fascínio que a sala do

pré-escolar despertava em seu íntimo, revela o grau de importância da educação infantil para a

formação do aluno, trazendo para a discussão desse estudo o fato de que é, nesse período de

vida, que a criança está iniciando suas primeiras experiências, aberta para as informações e

136

conhecimentos. Então, este é um período que se apresenta propício para direcionar os

ensinamentos sistemáticos, os valores humanos os gostos e preferências intelectuais, portanto

a educação infantil deve contar com profissionais aptos e capazes para este trabalho. Neste

momento, o trabalho com as histórias infantis, sejam elas contadas sejam lidas, inventadas ou

verídicas, é de fundamental importância para a formação do sujeito-leitor.

Para a criança, toda figura conta uma história. Toda história, contada ou lida, é uma

experiência nova para a criança. As tradicionais, em versões simplificadas, são ótimas para

começar, como também os livros sem texto ou aqueles que fazem uso da rima. No começo, a

criança pode estranhar esta ou aquela palavra, mas logo já conhece a história bastante bem, a

ponto de contá-las sozinha ou de corrigir quem estiver contando. Costuma pedir para repetir

as mesmas histórias e gosta de ouvir contar da mesma maneira.

Por outro lado, no reino da fantasia tudo é possível. As crianças de menor idade

aceitam, com muita naturalidade, histórias sobre aventuras impossíveis vividas por bichos ou

pessoas. Tudo o que é fantástico vai alimentando sua imaginação e entrando no seu mundo,

onde os limites entre o real e o imaginário ainda estão sendo estabelecidos.

O amor pelos livros não é coisa que apareça de repente. É preciso ajudar a criança a

descobrir o que lhes podem oferecer. Cada livro pode trazer uma idéia nova, ajudar a fazer

uma descoberta importante e a ampliar o horizonte da criança.

Aos poucos ela ganha intimidade com o objeto-livro. Uma coisa é certa: as histórias

que os pais ou os professores contam e os livros que vêem juntos formam a base do interesse

em aprender a ler e a gostar dos livros.

A adequação do livro ao nível da capacidade de leitura e do interesse do jovem leitor é

uma das dificuldades que têm pais e professores e que só a experiência, o contato com livros e

com esses possíveis leitores podem ensinar.

Os primeiros livros, trabalhados nas salas de educação infantil, têm grandes imagens e

frases, quase legendas em tipos grandes para aqueles que se iniciam na leitura. A rima é

especialmente querida.

Para os que já dominam bem o código, essa proporção entre a linguagem pictórica e a

escrita já é mais equilibrada, a narrativa pode estender-se, os personagens podem assumir sua

função de protagonistas da história, que deve ser lúdica, divertida, em linguagem coloquial,

que já faça parte do vocabulário desse leitor.

Na adolescência, as crianças que passaram por variadas experiências de leitura, já

terão plena capacidade para ler textos mais extensos e para gostarem especialmente daqueles

que narram aventuras, pequenos romances, que as façam conhecer e, de certa forma, vivenciar

137

experiências que ainda não podem ter plenamente, que falem de outras terras, outras culturas.

O jovem leitor já não necessita de grandes ilustrações. Estas, no entanto, têm também uma

função estética que não deve ser esquecida.

E, num crescente amadurecimento do leitor, é possível chegar à idade adulta apto para

as leituras profissionais, conforme revela a história de leitura da professora FAT, que deixa

clara a relevância que esta dá à leitura profissional, dando ênfase especial à leitura no início

de sua carreira:

Quando eu iniciei carreira eu lia muito, eu lia em média 4 a 5 horas por dia, porque eu tive sempre só meio período de aula. Eu lembro, era como se fosse um vício. Era tanto que se eu tivesse assistindo uma televisão eu estava com um livro na mão, ou com uma revista ,ou com jornal. Então no intervalo eu já me pegava lendo, você entendeu? Então, era uma constante. Agora não, agora infelizmente eu leio bem menos (risos). Ainda leio, ainda gosto de ler. Não fico sem minha revista Veja, sempre procuro ler algum livro, agora, por exemplo, estou lendo um livro de auto-ajuda, que é de Dalai Lama... (FAT – Prof., 39)

Infelizmente, segundo a própria professora, isso se dá em muito menor quantidade

atualmente, apesar de ela gostar muito de ler. Hoje, suas leituras estão mais voltadas para os

livros de auto-ajuda e de revistas de informação.

A leitura no início da carreira se dá não só pela ansiedade em apresentar aulas

dinâmicas ou pelo fato de o professor iniciante ainda trazer das práticas da universidade a

leitura de conteúdos que fundamentam o fazer acadêmico. Ela se dá também pela necessidade

de aprimoramento, de conquista de espaços e de autoformação para atender às exigências da

nova condição de profissional, com a responsabilidade de ensinar e também de passar uma

imagem de bom professor. Entretanto, muito disso ficou no passado, restando-lhes, conforme

as palavras da professora FAT, as leituras de auto-ajuda ou apenas as de informação básica.

Não se pode negar que um bom livro de auto-ajuda escrito por alguém

reconhecidamente experiente e qualificado pode ser um instrumento eficiente e capaz de

motivar as pessoas a encarar a vida de forma mais corajosa. No mundo moderno, marcado,

sobretudo pelo consumismo e pelo individualismo exacerbados, não se pode dar ao luxo de

desprezar algo que possa tornar as pessoas um pouco mais ousadas e humanas.

Penso que o risco que correm as pessoas que costumam ler um livro de auto-ajuda é

transformá-lo no único meio, na única possibilidade de serem felizes. Não se pode perder a

noção de que quem faz a história de vida é a própria pessoa, mesmo que essa historia seja

construída sob diferentes e variadas influências.

138

Não se pode condenar a leitura de auto-ajuda como uma das formas de encontrar

forças para continuar na luta que a vida impõe. Todavia, penso que o grande mérito da

literatura de auto-ajuda é o de chamar a atenção dos leitores para coisas simples, mas que não

se conseguem observar quando se está passando por algum problema profissional ou pessoal.

Ao analisar as informações obtidas nesta categoria de análises, somadas às minhas

observações, pude depreender que na escola, de forma geral, constata-se uma variedade de

espaços e ações que potencializam práticas de leitura diferenciadas. Diferentes espaços e

ações ampliam as possibilidades de leitura, seja buscando livros na biblioteca, a título de

empréstimo, seja utilizando os murais ou nas demais propostas de leitura inseridas no

contexto escolar.

O que ficou claro nas concepções dos alunos é que “leitura” é aquela aprendida na

escola, esquecendo-se literalmente de que, antes desse espaço de sistematização, já se

realizavam leituras, mesmo que assistemáticas, informais, não verbais. Por isso, é possível

compreender por que tantos sujeitos citam a escola como primeiro espaço de leitura.

Partindo do pressuposto que o hábito da leitura desde cedo torna o aluno um cidadão

informado e o remete à formação crítica das leituras de mundo, pode-se afirmar que cada

indivíduo lê com as experiências de mundo que carrega. Dar condições às pessoas para que

pensem por conta própria é uma das principais contribuições da escola, na condução

pedagógica dos trabalhos.

Foi recorrente, nas entrevistas, a informação de que as primeiras experiências de

leitura se deram por meio da leitura de gibis, da literatura infantil ou de livros do tipo Sabrina,

para, posteriormente, se chegar à leitura dos clássicos, encontrados na biblioteca. Leituras

essas sempre incentivadas por alguém da família, por um amigo próximo, pelo professor.

A família, especialmente a mãe, aparece como incentivadora no hábito de ler. E, se a

leitura deve ser um hábito, deve ser também fonte de prazer, nunca uma atividade obrigatória,

cerceada ou cercada de ameaças e castigos, encarada como uma imposição do mundo adulto.

Para ler é preciso gostar de ler.

Se deve ser um hábito, a leitura deve começar a ser sugerida ao indivíduo o mais cedo

possível. Por isso, a casa, a família, os pais, são os primeiros incentivos à criança, seja no

simples embalar o bebê, ao som das cantigas de ninar, seja no brincar com a criança usando as

histórias, adivinhações, rimas e expressões de folclore, seja no folhear uma revista ou um

livro buscando as figuras conhecidas e perguntando o nome delas. Tudo isto estará

colaborando para uma atitude positiva diante da leitura.

139

Pais e filhos, mesmo os de colo, podem partilhar uma experiência gostosa, na

descoberta do mundo dos livros. Folheando-os e mostrando figuras, os pais estarão ensinando

o nome das coisas conhecidas e desenvolvendo nos filhos um saudável interesse pelos livros,

hábito para toda a vida. Numa casa onde os pais gostam de ler, mesmo que não disponha de

uma boa biblioteca, a criança cresce valorizando naturalmente aqueles objetos cheios de sinais

que conseguem prender a atenção das pessoas por tanto tempo. A criança percebe, desde

muito cedo, que livro é uma coisa boa, que dá prazer. Os pais que não têm, eles próprios, o

hábito de ler deveriam pensar na importância de tentar mudar de comportamento, tanto em

benefício dos seus filhos quanto de si mesmos.

Ao conversar com os filhos, os pais estarão preparando-os para explorar verbalmente o

mundo ao seu redor. O som das palavras é muito importante: as cantigas de ninar, as rimas

antigas, as brincadeiras de ‘dedo mindinho, seu vizinho’, o ritmo e a melodia das frases

ajudam o bebê a identificar ou perceber significados e a expressar-se usando o mesmo código.

É falando e ouvindo em situações de prazer que a criança adquire o gosto pela linguagem, que

vai lhe servir de base para desejar ouvir histórias, ver e ler livros.

Ao analisar as falas acima, a voz que ecoa entre o labirinto das palavras é a de que o

adolescente/jovem busca em suas leituras não só o prático, mas também o belo, a aventura, o

mundo imagético, o encontro entre a linguagem e a vida.

Muitos são os leitores adultos que tiveram o início de suas leituras marcado pelos gibis

ou pelos livrinhos de bolso (bolsilivros) e hoje são leitores efetivos, como é o caso das

professoras IRE e FAT.

O livro didático também aparece na história de leitura de uns poucos entrevistados,

que disseram ser o livro didático a fonte primeira de acesso à leitura:

Bem, minha história de leitura começou quando eu fui pra escola, lá eu aprendi a ler e a escrever. Nos livros dados pela escola eu fui aprendendo e até hoje eu leio nos livros didáticos. (ENI, 16)

No contexto escolar brasileiro, a produção de sentidos por meio da leitura é

majoritariamente preparada e dirigida pelo livro didático, ao qual o professor recorre, muitas

vezes, como única fonte de consulta. Portanto, partindo do pressuposto que o livro se pauta

numa visão bastante tradicional de leitura, a sensação que se tem é de que fica cada vez mais

longe a possibilidade de abrir espaço para a diversidade de sentidos, que deveria ser a

responsável por diferentes abordagens e diferentes leituras de um mesmo texto em sala de aula.

140

No contexto em que a multiplicidade de sentidos é substituída pela uniformidade

proposta pelo livro didático e reproduzida pelo professor, que, dessa forma, é legitimado em

sua função de comandante, de dirigente do jogo que se instaura em sala de aula e cujas regras

são ditadas pelo livro didático, tanto professor quanto alunos são vistos como seres

ideologicamente neutros, meros reprodutores de saberes atestados, se selecionados, para

serem perpetuados pela escola. O ensino-aprendizagem que deveria ser o fator determinante

desse jogo acaba por cair no esquecimento, no jogo do faz-de-conta, onde professores e

alunos passam por seres incapazes de construir sentidos, porque anulados como sujeitos,

devendo, portanto, também fazer de conta que ensinam e que aprendem.

Enquanto o livro didático for o planejador das aulas, o regente do processo educativo,

não se avançará para além da visão estruturalista da linguagem que entende ser o texto o

único portador dos sentidos, de modo que o leitor não é concebido como um sujeito ativo,

cabendo a ele apenas a função de descobridor do significado do texto. O livro didático no

contexto da sala de aula deve ser visto como suporte pedagógico, e que, diante dos dados

informacionais do texto, acionem os conhecimentos prévios dos leitores para interpretá-los.

Kato (1987) identifica o leitor ideal como aquele capaz de confrontar os dados do texto

percorrendo as marcas deixadas pelo autor, com os conhecimentos prévios socialmente

adquiridos, de modo que construa o sentido do texto por meio da interação texto-leitor-autor.

Nesta visão interacionista, o leitor passa a ser visto como um sujeito ativo, porque cabe a ele

não só a tarefa de descobrir o significado do texto, mas inferir sentidos, embasado na sua

interação com o texto. Nos PCNs, a concepção de leitura delineada é uma variante da

interacionista, como é possível constatar na definição abaixo:

A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que se sabe sobre linguagem, etc. [...] Trata-se de uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência [...]. (BRASIL, PCNLP, 1998, p. 69)

Poucos foram os entrevistados que se referiram à leitura dos clássicos, seja da

Literatura Infantil, da Juvenil ou de Adultos, provavelmente pelo fato de as leituras da

juventude terem sido pouco profícuas pela impaciência, distração, inexperiência das

instruções para o uso, inexperiência da vida. Podiam ser, talvez, ao mesmo tempo formativas,

no sentido de que dão uma forma às experiências futuras, fornecendo modelos, recipientes,

termos de comparação, esquemas de classificação, escalas de valores, paradigmas de beleza:

141

todas, coisas que continuam a valer, mesmo que se recorde pouco ou nada do livro lido na

juventude. Existe uma força particular da obra que consegue fazer-se esquecer como tal, mas

que deixa sua semente. Mediante isso, posso dizer que os clássicos são livros que exercem

uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se

ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual.

Outro dado, também bastante recorrente nas entrevistas e que merece ser analisado,

foi o fato de que muitos entrevistados afirmaram que seu gosto pela leitura ocorreu a partir da

5ª, 7ª ou 8ª séries do Ensino Fundamental, fato este bastante curioso para se proceder à

análise.

Se o gosto se aprende, pode ser ensinado. A aprendizagem comporta uma face não espontânea e pressupõe intervenção intencional e construtiva. Assim o professor tem um importante papel a desempenhar no desenvolvimento de seus alunos/leitores. (MORTATTI, 1994, p. 101)

Para essa autora, o papel do professor é relevante, no sentido de promover o

desenvolvimento da leitura em seus alunos, e este deve ser ensinado. No entanto, a partir das

vozes emanadas dos sujeitos entrevistados, pôde-se inferir que os professores das séries

iniciais não estão trabalhando as questões pertinentes às práticas de leitura com vista a

despertar o gosto pela leitura.

A formação e a transformação do gosto não se dão num passe de mágica. Com a escola - em que pesem as restrições de sua incompetência competente - concorrem todos os outros estímulos e desestímulos com os quais convivem professores e alunos nas horas restantes do dia. (MORTATTI, 1994, p. 105)

A formação e a transformação do gosto pela leitura deve ser um trabalho contínuo,

começando desde a infância, para inverter os índices de leitura no país. Para Mortatti, a escola

e os professores, ao concorrerem com os estímulos e desestímulos do cotidiano, devem

transformar as restrições da incompetência escolar em competências para a formação do gosto

pela leitura, que evidentemente não se dá num passe de mágica, mas na construção cotidiana.

O professor, nesse contexto, tem papel fundamental no processo de formação do

aluno-leitor, por isso a necessidade de se trabalhar a leitura em todas as áreas do

conhecimento, mediada por todas as formas de linguagem, com os mais variados gêneros

textuais...

142

Ensinar a ler não é tudo. O que o professor precisa é ser bom leitor, para ser capaz de

se tornar agente multiplicador do hábito de leitura, para poder incutir a leitura como atividade

permanente na condição humana, como expressão da liberdade e realizada com prazer.

Quanto a essa inserção tardia no mundo da leitura, a professora FAT entende que o

deslumbramento apresentado pela sala do prezinho, a que ela se referiu com tanta emoção e

que fez falta em sua formação, pode ser o caminho que tanto se busca para o ingresso dos

alunos no mundo da leitura. Para tanto, basta que os professores não se fechem nos

ensinamentos mecanicistas, livrescos, e abram as portas de suas salas de aula para o

encantamento e a magia que se encontram no entorno da escola, nos livros infantis, nas novas

tecnologias...

É necessário formar o aluno-leitor por meio da mudança de atitude do professor com

relação à leitura, pessoal e coletiva, partindo da premissa ‘Professores leitores, alunos

leitores’. Desenvolvendo a leitura como prática de vida, e não confinada às aulas de Língua e

de Literatura, valendo nota. Com o resgate das narrativas orais e suscitando nova relação

amorosa com a leitura.

A grande responsabilidade para a construção de uma educação cidadã, com leitores

autônomos, críticos, está, em grande medida, nas mãos do professor. Por mais que o diretor

ou o coordenador pedagógico tenham boa intenção, nenhum projeto será eficiente se não for

aceito, abraçado pelos professores, porque é com estes que os alunos têm maior contato.

Apesar de todas as carências que a escola/biblioteca tem, esse é o lócus privilegiado para

decidir a formação de leitor, apresentando todas as condições para que isso possa ocorrer. A

escola tem o professor, que é dos um dos mediadores na construção do conhecimento, tem o

orientador pedagógico, o bibliotecário e tem o aluno, objetivo macro de toda instituição

educativa. O professor que se reconhece leitor e sabe do que gosta de ler, pode ter grande

sucesso com seus alunos, porque poderá indicar sempre novas leituras, descobrindo, até

mesmo, o gosto de cada um. A riqueza da sala de aula é a diversidade. Não se pode impor

uma única leitura, porque cada um tem uma história de leitura, de vida, um momento, e isso é

intransferível.

O professor deve perceber que ele é um dos agentes de mudança e que, se ele se

conformar, o dia-a-dia dele vai ser cada vez mais desgastante. Então, a solução está nele. Para

tanto, precisa perceber a função social que exerce, precisa mudar, precisa se conhecer como

um dos agentes transformadores da sociedade. Entender que o papel social do professor é

orientar para que se formem cidadãos, no sentido pleno, daquele que entende o cotidiano, que

age com a razão, de acordo com a realidade e percebe as suas necessidades, mas que também

143

não abre mão de seus direitos, percebendo que tem poder para mudar. É preciso que o

professor mantenha acesa a chama da descoberta e da procura presente na fala da professora

FAT, ao se referir ao início de sua carreira profissional, e que não a deixe apenas no início da

carreira, mas a faça perdurar sempre, em respeito a seus alunos que são sempre novos,

querendo beber as águas cristalinas do conhecimento, não as águas paradas do conhecimento

estagnado da era de formação acadêmica de seus professores. O tempo passa, as inovações

avançam e a escola não pode ficar estagnada em seus conhecimentos, com apenas livros de

auto-ajuda ou as leituras de romances folhetinescos, massificadores. É necessário apresentar

todas as possibilidades e variedades de gêneros textuais, para que o aluno possa ter condições

de escolher aquela que melhor se aplica às suas necessidades ou gostos.

Como suporte para esse trabalho, a biblioteca escolar, embora citada por poucos

usuários, exerce, na verdade, papel dos mais relevantes, por estar aparelhada com o que há de

mais precioso na transmissão e registro de conhecimentos – seu acervo bibliográfico. A

mediação leitor-livro-autor encontra, nesse lócus, espaço privilegiado para a construção de

saberes.

Só assim será possível reescrever outras histórias de leitura, desta feita pautada na

leitura prazer, na leitura fruição, onde o leitor tenha possibilidades de escolhas entre os

gêneros que mais lhe aprouver, conhecedor que será das diferentes tipologias textuais,

possuidor de maturidade literária e cognitiva para, de fato, ler.

4 O GOSTO PELA LEITURA E OS GÊNEROS TEXTUAIS

Ler é, frequentemente, um verbo difícil para crianças e adultos. Para uns, ler é um

prazer, um vício, uma necessidade; para outros, é uma imposição, normalmente desagradável,

da escola ou da profissão. Ao questionar aos alunos, professoras e bibliotecária acerca do

gosto pela leitura, o que tem lido e por que aquele gênero de leitura, obteve, quase que

unanimemente, a informação de que gostam de ler. Isso se deve ao fato de que um dos

critérios de seleção dos entrevistados foi investigar os alunos que mais freqüentavam a

biblioteca escolar, o que se depreende que são leitores assíduos. A constatação de que os

entrevistados gostam de ler está registrada nas transcrições de suas falas abaixo. Com essa

informação, constatei também a quase unanimidade do gosto pelo gênero textual romance,

especialmente os de aventura, suspense, mistério e terror, ou seja, os que diferem da realidade

que eles vivem:

144

Bom, eu gosto de ler livros de histórias que fogem da realidade. Não aquela coisa que trata do dia-a-dia. Livro de terror eu gosto de ler. (LET, 15)

Eu gosto. É romance (risos). Ah, não sei, porque acho que me envolve mais, não sei se é por causa da minha idade também, mocinha tem muita ilusão, você fica encantada né? Mas acho que o romance envolve bem, não só o romance, mas como também tem outros que, tocam mais a vida da gente né? Envolve a gente em história emocionante. (ANC, 16)

Gosto. Ah, eu gosto de ler mais romance. Ah, porque é mais emocionante, dá mais emoção, dá mais vontade de saber o que acontece no fim. Por causa disso. (ENI, 16)

Gosto, adoro! Oh, eu gosto daqueles livros de comédia romântica, aventura, gosto bastante de livro de suspense, de terror também. Ah, sei lá, acho que eu me identifico mais se eu leio um livro de suspense, cada vez que eu mudo, passo de uma página pra outra, aumenta aquela espera, o que vai acontecer, que não vai. (BRU, 15)

Gosto. Ah, um autor que eu gosto muito é o Sidney Sheldon, são livros de aventura, de ação. Eu acho fascinante como ele escreve as histórias, os mistérios que envolve as tramas dele. Interessante! (ELA, 15)

Gosto. Eu gosto de ler romance (...) eu gosto de ler livros de suspense, terror; os romances têm mais ou menos um tempo pra mim. Às vezes eu estou chateada, vou lá pego um romance. (...) Acho que é uma fuga, saio da tristeza. Agora, terror eu gosto, porque lendo terror, eu quero ler mais e mais, quero ver até onde vai, até o fim, gosto de terror por causa disso, eu prefiro terror do que o romance. (ISA, 15)

Como a ecoar as falas dos usuários da biblioteca, a bibliotecária também reforçou o

gosto pela leitura de romances, de aventuras românticas, bem assim de gibis.

Gosto. Gosto de ler romance, gibi (risos), aventura. Ah, eu sou meio romântica né? Acho que é por isso... (ROS – Bibl., 34)

O gibi aparece novamente nas vozes de alguns alunos e da bibliotecária, como que a

reiterar a dinamicidade empregada na leitura visual, imprimida nos diálogos, assim como nas

leituras de revistas, ou até mesmo o seu simples folhear, fato presenciado várias vezes no

decurso das sessões de observação:

Gosto (risos). Gibi principalmente e revista também, eu gosto de ficar vendo. Porque tem coisas mais interessantes. (MOR, 14)

A comédia apareceu em quase metade das entrevistas aqui representadas, nas vozes de

POLI e de LET:

145

Gosto mais de romance, comédia, mas o que eu mais gosto mesmo é romance. Eu peço pra tia Rose, na biblioteca, mais é romance. (POL, 14)

Gosto. Ah, eu gosto de ler romance, comédia, é o que eu mais gosto. Ah, sei lá, eu me identifico mais com esses... (LET, 15)

O conto literário e a poesia são gêneros literários que quase não foram privilegiados

nas falas dos alunos, apesar de ter sido observado o trabalho da professora SIL, na biblioteca,

fazendo trabalho de pesquisa sobre o assunto. Apenas poucas alunas fizeram referência a esse

gênero textual, como pode ser averiguado nas falas de VIV e APA:

O que eu mais gosto é conto. Conto literário. Porque eu acho que me entusiasma mais, porque eu não gosto de ler aqueles livros grandes, grossos. Eu prefiro os pequenos. (VIV, 14)

Gosto. Ah, comédia, poesia também é legal. Porque a comédia é engraçada, faz a gente rir, e a poesia, acho bonita. (APA, 14)

O romance sentimental, com histórias de amor foi registrado como preferencial no

gosto literário da maioria dos usuários da biblioteca escolar:

Ah, um pouco a gente que lê, né? Gosto de livro de romance, poesia, só. Ah, por que eu me sinto mais emocionada, sou adolescente né, aí fica mais legal. (DAN, 15)

Gosto. Romance e aventura. Por quê? Ah, porque eu sou uma pessoa romântica, né? Então eu acho melhor assim, ler mais romance. Aventura até que eu não sô muito chegada não. (TAN, 15)

Muito. Romance. Ai, porque eu gosto das histórias de amor. (APA, 14)

As formas de leitura revelam muitas vezes mais sobre o leitor do que sobre a obra. É o

leitor que concretiza o sentido do texto. Mesmo que o texto programe uma recepção passiva,

prevendo a assimilação de um conteúdo previsível, a leitura depende do leitor. Os romances

sentimentais são previsíveis, os leitores sabem exatamente o que vão encontrar nos romances,

não esperam e nem desejam que eles sejam diferentes. Isso já estabelece uma projeção de

leitura possível. Por isso, se nos romances sentimentais os finais são sempre felizes, se a

ascensão social se dá sem conflitos, se o relacionamento amoroso é a solução para os

problemas das mocinhas sonhadoras, não há problema algum, do ponto de vista dos leitores.

Afinal, é justamente a possibilidade de sonho que os textos proporcionam uma das principais

motivações de leitura manifestadas pelos entrevistados. Os leitores querem imaginar-se no

lugar do protagonista, querem se deixar levar pelo enredo, viajar na imaginação. Esses sonhos

podem levar a muitos caminhos, alguns deles fora do plano imaginário.

146

Nenhum leitor absorve passivamente um texto; nem este subsiste sem a invasão daquele, que lhe confere vida, ao completá-lo com a força de sua imaginação e o poder de sua experiência. Como essas propriedades são, por sua vez, mutáveis, as leituras variam, e as reações perante as obras sempre se alteram. (ZILBERMAN, 2001, p. 61)

Em sua maioria, os leitores dos romances sentimentais conhecem os limites entre a

realidade de suas vidas, com poucas oportunidades de ascensão social, e o sonho das heroínas,

prontas a conhecer em cada esquina, um milionário apaixonado. A fantasia e o fazer sonhar

são partes inerentes desses romances sentimentais que tanto mexem com o imaginário das

adolescentes.

Por outro lado, apenas um entrevistado disse não gostar de ler romances, por se tratar

de leitura muito chata, preferindo fazer leituras que contivessem muita aventura, suspense e...

coisas proibidas.

Muito (risinhos). Ah, livro assim que chama atenção o titulo e livro que tenha muita aventura, suspense, coisas proibidas, só isso. Ah, porque eu li demais assim, né. Romance eu não gosto muito não, é muito chato. (DEB, 15)

As pessoas têm estilos diferentes de aprendizagem e aportam questões muito

particulares para suas concepções e objetivos específicos. Para alguns, a leitura deve ser

focada na realidade como ela é. Para outros, deve oferecer a possibilidade de extrapolar os

parâmetros da racionalidade e invadir o campo na imaginação da aventura, do suspense, das

‘coisas proibidas’, interpretadas aqui como as leituras que envolvem a sexualidade, o

erotismo. Como dissera Manguel: “Cada leitor confere a certos livros uma certa leitura”

(MANGUEL, 1997, p.. 237).

Corroborando ainda essa acepção da leitura proibida trazida por DEB, Manguel (1997)

diz:

A noção de que certos livros se destinam aos olhos de certos grupos é quase tão antiga quanto a própria literatura. Alguns estudiosos sugeriram que, tal como a epopéia e o teatro gregos tinham como alvo primário uma platéia masculina, os primeiros romances gregos destinavam-se provavelmente a uma platéia feminina. O tema era amor e aventura; o herói e a heroína eram sempre jovens, belos e bem-nascidos; a desgraça caía sobre eles, mas o final era sempre feliz... (MANGUEL, 1997, p. 256)

Por apresentar variações de gêneros textuais muito distintos, selecionei as falas das

professoras entrevistadas num contexto mais aberto, que variaram dos amplamente citados

147

livros de romance aos livros teóricos, passando pelos de auto-ajuda. Apareceram, portanto,

novas informações, no que concerne ao gênero textual lido pelos sujeitos mediadores de

leitura, diferentes daqueles que eclodiram nas falas dos seus alunos.

Eu leio tudo. Eu gosto de ler romance, eu gosto de ler livros teóricos, eu gosto de ler tudo, revistas, o que tiver eu leio. (SIL – Prof., 36)

Gosto de ler, muito. É acho que tem um pouco de variação, leio livros literários, romances (...), voltados pra distração mesmo, e mais recente, tenho me interessado por leituras mais didáticas mesmo, voltadas pro conhecimento, pro preparo, principalmente na minha área. O motivo dessa leitura atual é necessidade mesmo, né? A partir do momento que eu comecei a trabalhar com o Ensino Médio precisei ler muitos livros de literatura voltados pro Ensino Médio. E depois que eu comecei no Ensino Superior, aí sim que foi fortalecida a necessidade, porque aí eu me vi no compromisso de estar fazendo essas leituras pra poder trabalhar no Ensino Superior e pra ter conhecimento pra trabalhar lá. (IRE – Prof., 45)

Gosto, gosto muito. Às vezes meu marido fala assim “Ah, mas você vai ler!” (risos). Ah, eu gosto de ler livros como eu estou lendo agora, da Lúcia [Luzia], por exemplo, é aquela australopiteco que foi encontrada quase perfeita, porque faz parte da minha disciplina, conta histórias verídicas. E gosto muito de auto-ajuda, entendeu? Acho que tenho um lado meio esotérico (risos). (FAT – Prof., 39)

Gosto. Tudo ligado à Psicologia, porque eu acho muito interessante entender o comportamento das pessoas e também por causa do curso de Psicologia que eu estou fazendo agora. (KEL – Prof., 25)

De acordo com Kleiman (2001), na atual realidade educacional do País, a escola

brasileira deve atuar como agência de letramento e o educador como agente na construção dos

leitores. Não que a formação de leitores seja responsabilidade exclusiva da escola, entretanto,

no Brasil, é essa instituição que tem a maior responsabilidade de garantir aos estudantes o

ingresso e o aceso aos bens culturais. Percebe-se que o professor do ensino básico,

representado pelas respostas dos entrevistados, apresenta certa preocupação em manter as

leituras teóricas, didáticas, voltadas para o preparo profissional. Pragmaticamente, é

transferido para o professor o desafio de contribuir para o letramento dos seus alunos, daí a

preocupação e necessidade de manter suas leituras atualizadas.

De acordo Marinho e Silva (1998), o professor não pode ser considerado não-leitor,

porém suas leituras estão diretamente ligadas ao seu trabalho:

[...] o fato é a prática de leitura para boa parte dos professores limita-se a um nível mínimo pragmático, dentro do próprio universo estabelecido pela

148

cultura escolar e pela indústria do livro didático... (MARINHO E SILVA, 1998, p. 76-77)

Mais que ser leitor ou não-leitor, o professor é um leitor interditado. O professor,

segundo os autores, não consegue ultrapassar as marcas de uma leitura escolar: a prática de ler

para o deleite, ou para reflexões sociais e políticas, não faz parte do seu cotidiano, pois suas

leituras são orientadas pela busca de um aprendizado.

As professoras demonstraram ter uma predileção por romances, revistas e por livros

específicos da área educacional. SIL, IRE e FAT, ao dizerem gostar de ler muitas coisas,

como romances, romances espíritas, livros de auto-ajuda, livros sobre educação e revistas,

têm suas respostas coincidentes com os dados do INAF (apud Ribeiro, 2003), que indicam

que as mulheres costumam ter preferência por leitura que as distraiam e demonstram uma

tendência para leitura de revistas e romances.

Independentemente do gênero textual, é imprescindível que o texto ‘fale com o leitor’.

Assim, o leitor em formação não se sentirá afugentado da leitura e o processo de constituição

de leitores se dará de maneira prazerosa.

4.1 Locais Prediletos Para Ler

Quando perguntei onde os entrevistados mais gostavam de ler, obtive como resposta –

quase unanimidade de afirmativas – que o local predileto para realizarem suas leituras é em

suas casas, mais especificamente em seus quartos. Isso se deu tanto nas respostas dos alunos

quanto das professoras e da bibliotecária:

No meu quarto, aí deito no meu quarto e leio. Lá eu viajo. (ISA, 15)

Meu quarto, minha caminha. (MAR, 15)

É... no meu quarto, a noite (risinho). (DEB, 15)

Na minha casa, no meu quarto, é mais tranqüilo, menos movimento. (VAL, 15)

Ah, na minha casa, geralmente quando tem bastante silêncio, quando não tem ninguém em casa. (BRU, 15)

Eu gosto de ler mais na minha casa, onde eu esteja só e quieta. (TAN, 15)

Em casa, no meu quarto, sozinha. (ENI, 16)

Eu gosto muito de ler com silêncio. Eu não gosto de ler quando tem muito movimento, então eu gosto de ler em casa, à noite, no meu quarto, porque eu

149

gosto de silêncio,pra poder entender o que estou lendo, porque se eu ler onde tem muito barulho, eu tenho que voltar a leitura várias vezes. Eu gosto de silêncio pra eu ler. (ROS – Bibl., 34)

O ambiente da minha leitura é minha casa, o meu quarto, um ambiente tranqüilo, silencioso. (IRE – Prof., 45)

De madrugada, dentro do meu quarto, trancada, sozinha, sem ninguém pra me atrapalhar. (KEL – Prof., 25)

A literatura é sempre associada à leitura solitária e silenciosa. Leitura silenciosa é um

símbolo de privacidade capaz de permitir certas audácias, como as leituras clandestinas da

adolescência. Leituras clandestinas têm que ser degustadas lentamente, para sentir todas as

emoções que o texto propicia, por isso a preferência dos entrevistados pela leitura na

intimidade de seus quartos, muitas vezes nas madrugadas, quando não se corre o risco de ser

interrompido por ninguém. Ler em silêncio na calada da madrugada, à luz do abajur, é um

desnudamento privado, é não expor-se em público.

Somente uns poucos disseram preferir suas leituras no contato direto com a natureza:

Ah, onde? Ah, depende... Em casa eu gosto de ler lá debaixo da árvore, perto dos passarinhos, uma delicia! Não tem nada melhor, nenhum outro lugar se compara, tem que ser bem lá debaixo... lá na chácara tem bastante lugar pra escolher. (ARI, 14)

Em cima de uma árvore. (risos). (AMA, 14)

É nesse contato com a natureza que ARI e AMA realizam suas leituras, entregam-se à

magia das palavras. Esse gosto pela leitura está intrinsecamente associado aos estímulos que,

desde muito cedo, se proporcionam à criança, antes mesmo do seu nascimento. O contexto

familiar é de grande importância. Crescer no meio de livros e ver, à sua volta, as pessoas a ler

pode ser um excelente início na formação de um leitor. Mas à escola cabe papel primordial no

desenvolver de atividades de reforço e/ou iniciação ao gosto pela leitura. Os alunos não

gostam muito de ler. Esta é uma opinião partilhada por muitos professores. No entanto, o que

se tem feito para minimizar esse problema? Quais as leituras têm sido difundidas nas escolas

visando à formação do leitor? Muitas são as dúvidas, vários são os eventos que discutem o

problema da leitura, porém não se avança nos conceitos básicos de formação do gosto pela

leitura.

Os alunos lêem de acordo com seus interesses imediatos, de acordo com sua faixa

etária. Prova disto, foi o gênero literário apontado como o preferido pelos alunos: o romance.

Não o romance literário, mas o romance tipo folhetim, com objetivos visivelmente

150

massificadores – as literaturas de encomenda. Tanto é que há uma confusão no conceito de

leitura por parte dos alunos entrevistados, assim como da bibliotecária, que se referem a

romance somente quando são histórias românticas. Quando são histórias de aventura, ou de

suspense, ou de biografias, estes não são vistos como romances.

A respeito da leitura na adolescência, Calvino (1994) diz:

De fato, as leituras da juventude podem ser pouco profícuas pela impaciência, distração, inexperiência das instruções para o uso, inexperiência da vida. Podem ser (talvez ao mesmo tempo) formativas no sentido de que dão uma forma às experiências futuras, fornecendo modelos, recipientes, termos de comparação, esquemas de classificação, escalas de valores, paradigmas de beleza: todas, coisas que continuam a valer mesmo que nos recordemos pouco ou nada do livro lido na juventude, relendo o livro na idade madura, acontece reencontrar aquelas constantes que já fazem parte de nossos mecanismos interiores e cuja origem havíamos esquecido. Existe uma força particular da obra que consegue fazer-se esquecer enquanto tal, mas que deixa sua semente. (CALVINO, 1994, p. 17)

As palavras emoção, suspense, aventura, são densamente proferidas pelos

entrevistados, sem, contudo, se perceber, em suas vozes, a preocupação com a formação

crítico-social por meio das leituras efetuadas.

A leitura não é, na sua forma legítima, uma fuga da realidade. É uma fuga para a

realidade. Mas exige do leitor uma qualidade, um interesse, uma preocupação. O desejo

sincero de encarar os grandes problemas, sem querer resolvê-los, dissolvê-los, extingui-los,

como se o ser humano fosse onipotente. E essa não é uma característica que se infere dos

entrevistados, quando dizem gostar do gênero textual romance.

Os alunos ficaram no plano do romantismo, à custa do argumento de que são

adolescentes. Mas, o mais preocupante é que não lhes são atribuídos outros gêneros para ler

além dos romances, dos contos ou da poesia. É importante registrar que estes dois últimos

gêneros foram citados por pouquíssimos leitores. O teatro nem sequer foi citado, seja por

alunos seja pelas mediadoras de leitura.

Segundo Mortatti (1994):

As leituras de que os alunos gostam podem e devem servir como ponto de partida para a reflexão, análise e comparação com outros textos (inclusive os produzidos pelos alunos), articuladas aos objetivos didático pedagógicos da série. (MORTATTI, 1994, p.106)

151

Para essa autora, a leitura de que os alunos gostam deve ser o ponto de referência para

construir o elo entre essa leitura prazer e a leitura de outros textos, de acordo com os graus de

ensino, os níveis de letramento, os objetivos pedagógicos, enfim, objetivando-se a construção

do sujeito leitor.

Uma coisa é certa: criar hábitos de leitura não é tarefa fácil. Há que unir esforços,

especialmente entre a escola e a família, para que as crianças sintam os encantos da leitura.

Até mesmo porque, generalizadamente, os alunos disseram preferir fazer suas leituras

em suas casas, no aconchego de seus quartos. Nesse aspecto, a família pode ser grande aliada

da escola, para que juntas fomentem o gosto pela leitura, marquem pontos no ranking da

formação do aluno leitor.

A narrativa, o conto, o romance, a novela, o gênero dramático, a poesia, o jornal, os

textos de divulgação científica, a leitura de tirinhas, o teatro, a charge, a propaganda, entre

tantas outras possibilidades de gêneros textuais que devem ser conhecidas pelos alunos da

educação básica, são preteridos pelos programas curriculares, privilegiando-se apenas poucos

desses gêneros, ocasionando assim uma vacância na formação intelectual dos alunos, que se

distanciam cada vez mais das necessidades cotidianas de inserção no mundo do

conhecimento, do letramento. Ao analisar as falas das professoras, vi privilegiada a leitura

voltada para as atividades práticas, isto é, para a preparação de aulas. Por isso a citação de

livros teóricos pela professora SIL e pela professora IRE. Esta, ao fazer sua incursão como

professora no ensino superior, viu-se na necessidade de aprimorar suas leituras nessa área.

Entretanto, não se percebe a preocupação com as leituras dos cânones literários, ou com as

leituras de formação acadêmica, com vista a entender os novos tempos, os novos alunos, que,

inseridos num contexto de agilidade, de tecnologias, não dispensam grandes sentimentos para

com a leitura de livros. A professora que relatou seu interesse pela Psicologia, o faz por causa

do curso de Psicologia que estava cursando.

O professor deve tentar ser um elemento impulsionador da leitura, criando condições

para os alunos lerem e serem valorizados pelo que lêem.

A leitura pelo prazer é uma das formas de leitura. Há outras formas que não devem ser

esquecidas, e uma delas é a leitura feita de forma utilitária, pois a sociedade, de certo modo,

cobra essas leituras.

O leitor necessita, geralmente, de local tranqüilo para realizar suas leituras,

principalmente se estas forem “distrativas”, como se refere a mediadora IRE. Esse fato foi

confirmado quando a maioria dos entrevistados disse gostar de ler em seus quartos, sem que

ninguém os perturbasse.

152

Manguel (1997), ao abordar a leitura na intimidade, testemunha:

(...) não somente determinados livros exigem um contraste entre conteúdo e ambiente; há os que parecem exigir determinadas posições de leitura, posturas do corpo do leitor que, por sua vez, exigem locais de leituras apropriadas a essas posturas (...). Com freqüência, o prazer derivado da leitura depende em larga medida do conforto corporal do leitor. (MANGUEL, 1997, p. 177)

A afirmação de Manguel, de que o prazer derivado da leitura depende da posição de

leitura preferida pelo leitor, converge para as palavras dos entrevistados de que, seja ao

afirmar preferirem ler em seus quartos, seja no contato direto com a natureza, o fazem onde

mais “se encontram” com a leitura. E, por mais que os leitores se apropriem de um livro, no

final, livro e leitor se tornam uma só coisa.

5 O USO DA BIBLIOTECA ESCOLAR

Longe de constituir mero depósito de livros, a biblioteca escolar é um centro ativo de aprendizagem. Nunca deve ser vista como mero apêndice das unidades escolares, mas como núcleo ligado ao pedagógico. A Bibliotecária trabalha com os educadores e não apenas para eles ou deles isolados. Integrada à comunidade escolar, a biblioteca proporcionará a seu público leitor uma convivência harmoniosa com o mundo das idéias e da informação. (Graça Maria Fragoso)

A biblioteca escolar, para merecer este nome, deve ser centro de informação e atuar

como órgão embasador das atividades da escola, facilitando aos alunos, professores,

funcionários e comunidade, o acesso aos recursos de informação para estudo e recreação,

atividades essas que reforçam a idéia de uma biblioteca dinâmica, atuante, não apenas local de

guardar de livros.

Para Fragoso (2002), a biblioteca escolar é elemento indispensável para o processo

ensino-aprendizagem e formação do educando, devendo integrar-se à escola para dinamizar

sua ação educacional, tendo por mediador nesse processo o bibliotecário que, na interação

com professores e alunos, trabalhe para a dinamização dos saberes.

153

Para compreender a leitura na biblioteca escolar, apontei como categorias de análise: a

ambientação de leitura, as leituras na biblioteca escolar, a freqüência à biblioteca, a seleção de

livros, as mãos que medeiam a leitura e os eventos de leitura.

5.1 Ambientação de leituras

Ler, estudar, pesquisar. Teoricamente, é na biblioteca que os alunos viajam para além

dos conhecimentos trabalhados em classe, descobrem o mundo da literatura, aprofundam

conceitos, aprendem histórias e também onde os professores se atualizam, aperfeiçoam sua

prática, abrem a mente pra as novidades na área de formação. Mas será que a Biblioteca

Escolar Rui Barbosa apresenta condições de espaço físico e de acervo para atender às

necessidades de seus usuários? A biblioteca escolar apresenta ambiente apropriado para a

realização de leituras? Esses foram os questionamentos feitos aos alunos e professores

entrevistados, e quase todos os alunos disseram que a biblioteca é acanhada, está sempre

muito cheia de alunos e, por conseqüência, tem muito barulho para que se possa concentrar

nas leituras.

É (...) a biblioteca daqui é pequena né, fica difícil ler aqui. (LET, 15).

Eu acho que deveria ser mais calmo, eu acho que aqui tem muita gente, um entra e sai de gente... (ISA, 15)

Não, tem muito barulho. (DEB, 15)

Pra ler eu acho que não; mas é confortável, é gostoso fazer trabalho, mas pra ler eu acho que não tem como, porque é bastante aluno. Frequentemente quando eu venho na biblioteca está cheia, né? Então todo mundo começa cochichar, aí não é bom pra ler não. (DEI, 16)

Nem sempre, às vezes a gente chega lá e está tumultuada. Também o ambiente é muito pequenininho. Se tivesse um ambiente maior, dividido... , aí dava pra ler, mas do jeito que está é complicado, porque tem muitos alunos que freqüentam, sempre. (ANC, 16)

Ah, eu acho que não. Porque tem muita gente, aí faz muito barulho, não tem como você ficar prestando atenção no livro, com um monte de gente conversando ao seu redor. Não dá. (risos). (APA, 14)

Acho que não, tem muito barulho. (MOR, 14)

Ah, geralmente não dá. Como tem muitos alunos, fica cheio e tem muita conversa. Não tem como ler aqui. (ANP, 14)

154

A quase unanimidade dos alunos afirmou que a biblioteca é pequena, que há um “entra

e sai” constante e que a conversa acabava por não permitir nenhuma possibilidade de leitura

que exigisse concentração. O espaço da Biblioteca Rui Barbosa é diminuto, principalmente se

considerar que ali há aproximadamente 4.500 exemplares distribuídos nas prateleiras ao redor

das paredes, assim como as mesas e cadeiras, ficando pouquíssimo espaço para circulação. Ao

mesmo tempo, esse espaço é destinado à sala de estudos e à seção de empréstimo,

dificultando assim o ambiente de aconchego e o silêncio necessários para a leitura. Por isso

que DEB, MORG e ANP foram enfáticas, ao afirmarem que não é possível ler ali, ao passo

que os outros alunos foram mais subjetivos ao fazerem a mesma afirmação. Esses disseram

que a biblioteca estava sempre muito cheia, que deveria ser mais calma, que não deveria

propiciar tanta conversa. ANC sugeriu, em sua fala, que deveria ter um ambiente maior,

dividido em setores, assim seria menos complicado.

Alunos aguardando para ser atendidos

155

Alunos fazendo pesquisa escolar sob orientação da mediadora de leitura

A conversa é constante durante a realização dos trabalhos escolares

A falta de espaço para acondicionar livros e atender às necessidades dos alunos que

acorrem à biblioteca para fazer pesquisas, acaba por transformar o espaço da biblioteca num

aglomerado de pessoas e livros que num encontro, quase que desencontro, faz com que a

leitura propriamente dita fique prejudicada. Enquanto havia alunos que faziam suas pesquisas,

havia outros que conversavam ininterruptamente. Havia ainda aqueles que vêem à biblioteca

para passar o tempo de alguma aula vaga, transformando, assim, um ambiente, que deveria

156

proporcionar condições de leitura, num ambiente barulhento, apesar das tentativas da

bibliotecária em manter a ordem e o silêncio, tão necessários à leitura-reflexão.

Esperar para ser atendido também era uma constante na biblioteca, já que há apenas

uma bibliotecária para atender a todos os usuários da biblioteca. Esse era outro fator de

conversas paralelas, pois, enquanto esperavam, ficavam conversando.

Apesar de ARI também relatar a dificuldade do tamanho da biblioteca, ela trouxe

novas informações que devem ser levadas em consideração:

Eu acho que um pouco, né? Aí, se fosse um pouco maior eu acho melhor ainda, porque aí teria bastante gente. E tem pouca biblioteca na cidade, se tivesse mais... Essa é uma biblioteca muito boa. A Bertoldo Freire tem uma biblioteca muito boa, eu acho. E todo mundo quer fazer trabalho aqui, óbvio, tanto que eu vinha fazer trabalho aqui quando estudava na outra escola. Eu acho que se a biblioteca fosse um pouco maior, né? Acho que ela seria melhor, mas ela é boa assim. (ARI, 14)

Essa afirmação reflete a realidade de muitas cidades do País, que não dispõem de

bibliotecas públicas, assim como da maioria das escolas, que também não possuem

bibliotecas que atendam seus alunos.

Concomitante à visão que a aluna teve do espaço físico reduzido, ela apresentou

também a concepção de que esta é uma boa biblioteca. Biblioteca que ela já freqüentava

desde que estudava em outra escola, fato que ocorre ainda hoje por alunos de todas as outras

escolas da sede do município e até mesmo das faculdades da região, apesar de seu acervo

estar voltado para os ensinos fundamental e médio. O conceito de que é “uma boa biblioteca”,

citado pela entrevistada, refere-se ao acervo bibliográfico que atende a todas suas

necessidades.

As falas dos mediadores de leitura foram convergentes às vozes dos alunos. E, na sua

unanimidade, afirmaram que é um ambiente pequeno, barulhento, onde era possível apenas

fazer empréstimos para leituras ou, então, fazer pesquisas de temas de livros que não

pudessem ser emprestados.

Pra fazer leitura não, né? Pra fazer pesquisa sim. Pra fazer leitura teria que ter um lugar tranqüilo, um lugar onde tivesse cabines individuais, um lugar onde pudesse sentar e realmente em silêncio ler, além de ser mais claro. Porque ali é um fluxo muito grande, um entra e sai que acaba atrapalhando quem lê. (SIL – Prof., 36)..

Não. Não, porque têm pessoas que precisam de uma concentração maior, uma pessoa não pode estar conversando do lado que ela acaba perdendo a

157

concentração. E ali, como é aberto para todos e ainda pequeno não dá pra ler. (KEL – Prof., 25)

SIL e KEL refletiram em suas vozes o clamor por um espaço maior, com salas

ambientes condizentes para o desenvolvimento da leitura, com luminosidade suficiente,

mobiliário aconchegante e espaços individuais para as leituras que requerem mais

concentração. Enfim, um espaço onde o acesso para os leitores estivesse restrito àqueles que

realmente quisessem ler, e não espaço de passeio, onde os alunos entrassem e saíssem sem

nenhum objetivo e ainda atrapalhassem os leitores que de fato quisessem ler.

Apenas uns poucos alunos disseram que era possível ler na biblioteca:

Apresenta. É bem agradável, às vezes, quando fica muita bagunça a tia Rose pede pra fazer silêncio, então tem como a gente ler, mas eu prefiro ler em casa. (BRU, 15)

BRU, por ser um ‘apaixonado’ por leituras, concebeu a biblioteca como um local

agradável, apesar de ter percebido a bagunça que os alunos faziam ali. Daí sua opção em ler

em casa, onde havia o silêncio necessário para apreensão do conteúdo lido.

No interior da biblioteca não havia disciplina por parte dos alunos. Eram muito

barulhentos, não respeitando o momento de leitura dos colegas. Os livros que retiravam das

estantes eram colocados em qualquer espaço vago, o que dificultava a organização do acervo,

exigindo que a responsável pela biblioteca estivesse sempre auxiliando os alunos na procura

do livro de que necessitavam.

São muitas, mas invariavelmente distorcidas, as visões que se costuma ter de uma

biblioteca. Ora é lugar sagrado, onde se guardam objetos também sagrados, para desfrute de

alguns eleitos, ora, por uma óptica menos romântica, é apenas uma instituição burocratizada,

que serve para consulta e pesquisa, assim como para armazenar bolor, cupins e traças. Para

poucos, aqueles que a freqüentam assiduamente, ela constitui o local do encontro com o

prazer de ler, conhecer, informar-se. Mas, segundo Fragoso (1994), o que não se pode perder

de vista é a função que esta desempenha numa instituição escolar e que pode ser agrupada em

duas categorias – a educativa e a cultural.

Na função educativa, a biblioteca representa um reforço à ação do aluno e do

professor. Quanto ao primeiro, desenvolvendo habilidade de estudo independente, agindo

como instrumento de auto-educação, motivando a uma busca do conhecimento,

incrementando a leitura e ainda auxiliando na formação de hábitos e atitudes de manuseio,

158

consulta e utilização do livro, da biblioteca e da informação. Quanto à atuação do educador e

da instituição, a biblioteca complementa as informações básicas e oferece seus recursos e

serviços à comunidade escolar, de maneira que atenda às necessidades do planejamento

curricular.

Em sua função cultural, a biblioteca escolar se torna complemento da educação

formal, ao oferecer múltiplas possibilidades de leitura e, com isso, levar os alunos a ampliar

seus conhecimentos e suas idéias acerca do mundo. Pode contribuir para a formação de uma

atitude positiva, diante da leitura e, em certa medida, participar das ações da comunidade

escolar.

5.2 Organização da Biblioteca Escolar

Quando questionei as professoras e a bibliotecária a respeito da organização do acervo

bibliográfico da Biblioteca Escolar, se está organizado de maneira funcional, se atende às

necessidades dos usuários, obtive as seguintes informações:

Olha, os livros estão organizados assim: cada matéria a gente coloca tudo separadinho né, na prateleira. Separamos por série de 5ª, 6ª, 7ª... tudo separadinho, por ordem alfabética, e por nome de autores. Os livros de leitura, ordem alfabética também. Os livro são emprestados né, e podem ficar com os alunos até sete dias. O aluno ou entrega ou renova o empréstimo. Tenho o controle do que sai tudinho. Tudo é anotado. Saiu uma revista é anotado, porque senão perde o controle da coisa, né. A freqüência eu acho que é muito boa. Tanto que a gente não tem só a freqüência dos alunos daqui, a gente tem alunos das outras escolas, tem o pessoal da faculdade, eu acho que ela é bem freqüentada, sabe. Vêm alunos das faculdades de Cáceres, vem de Araputanga, vem daqui. Olha, eu acho que é muito difícil o dia que não passa de 90 a 100 alunos, por período. A gente tem livro de freqüência, onde os alunos assinam, mas muitos não assinam, né. É o que eu digo, eu acho que na nossa biblioteca o que falta é uma ampliação. (ROS – Bibl., 34).

É funcional desde que, é (...) se não fosse o ambiente pra ler, né. Pra pesquisar é funcional. Ela supre a necessidade dos alunos e de Quatro Marcos, né. (SIL – Prof., 36) Acho que é, está fácil pros alunos e pra nós acharmos os livros, parece que ficou mais espaçoso, mas também corre o risco de alguém levar livros sem a bibliotecária ver, mas em termos de achar os livros que a gente quer ficou mais fácil. (IRE – Prof., 45) Eu acho que sim. Apesar de que eu acho que deveria ter mais livros... Vamos sonhar um pouco: salinhas separadas pra tipos de leitura, tudo separadinho,

159

mesa ali, onde o aluno se senta bem à vontade pra tá pegando gosto pela leitura. Silêncio. (KEL – Prof., 25)

Para que a biblioteca escolar possa exercer função dinâmica na vida escolar e se tornar

o verdadeiro centro de estudos, pesquisa e lazer, alguns elementos são essenciais: o usuário, o

acervo, os recursos humanos, a organização e as atividades.

O usuário é o principal determinante de sua existência. Para ele se voltam a

organização do acervo e dos serviços e a definição das características do local. Por isso, na

fala da bibliotecária, houve a preocupação em descrever a forma como estava distribuído o

acervo nas estantes da biblioteca, tendo o cuidado de, na hora de organizar os livros, fazê-lo

por área de ensino e por ordem alfabética, com vista a facilitar o acesso ao livro procurado.

Ainda mais se, aliado a isso, considerar que esta é uma biblioteca que atende a toda população

quatro-marquense, tendo um fluxo de pessoas maior do que seria sua capacidade de

atendimento com qualidade, como pude verificar tanto na fala de ROS quanto na etapa de

Observação e na verificação dos registros de freqüência à biblioteca.

O acervo da Biblioteca Escolar Rui Barbosa é adequado ao tipo e ao nível do aluno-

leitor. Seu conteúdo é formado por livros de consulta e informação, livros didáticos e de

recreação, revistas, material para recortes, etc. A facilidade de manuseio com que este acervo

está distribuído nas estantes da biblioteca faz com que seus usuários o folheiem, encetando

várias leituras, desde a sensorial até a cognitiva, despertando sua curiosidade. Assim o usuário

pode descobrir muito além do procurado.

O professor, como um dos agentes do processo ensino-aprendizagem e principal

desencadeador das ações desenvolvidas na escola, deve atuar na formação e utilização do

acervo bibliográfico, na formação do hábito de pesquisa, selecionando criteriosamente o

material e na escolha de atividades para que a Biblioteca Escolar faça parte do dia-a-dia do

aluno. O bibliotecário é o elemento de ligação sala-de-aula e biblioteca. O professor e o

bibliotecário, juntos, devem ser os responsáveis pelo planejamento das atividades que vão se

desenvolver com os alunos para disseminar a informação atualizada, útil, adequada e

oportuna, objetivando a formação de alunos-leitores.

Quanto às atividades desenvolvidas pela biblioteca, realizadas com as turmas dentro

da grade curricular, cumpre assinalar que o responsável por ela deve criar meios para atrair

um número cada vez maior de leitores e conservar o hábito de leitura mediante clubes de

leitura, criação de histórias, dramatização, varal de poesias, festivais artísticos, debates e

palestras, concursos, hora do conto, janela mágica, tarde de autógrafos e outras atividades que

160

os alunos sugerirem. Os professores de classe podem, ainda, realizar na Biblioteca Escolar

atividades de literatura, orientação no uso de dicionários, enciclopédias e índices. Mais.

Devem até mesmo ensinar a fazer resumos entre outras ações pedagógicas.

A professora KEL disse que ousaria sonhar com uma biblioteca que contivesse

salinhas separadas para todos os tipos de leitura, com mesas adequadas para leitura, onde o

aluno se sentasse bem à vontade e pudesse “pegar gosto pela leitura”, onde houvesse silêncio,

o silêncio tão necessário para a realização de leituras mais subjetivas, ou as que requerem

reflexão, assimilação de conceitos.

5.3 As pesquisas na biblioteca

Para entender como aconteciam as pesquisas na biblioteca escolar, formulei as

perguntas Como se dão as pesquisas na biblioteca? Elas são dirigidas? Por quem? Obtive, por

unanimidade, a resposta de que os alunos pediam à bibliotecária um livro que tratasse do

assunto proposto pelo professor, os alunos faziam resumo do assunto e sempre que

necessitavam pediam auxílio à bibliotecária, no que eram prontamente atendidos.

A bibliotecária é a tia Rose. A gente chega fala sobre o que é a pesquisa, ela dá o livro, mostra tudo e a gente faz. (VIV, 14)

Ah, a tia Rose ajuda bastante a gente (...) a gente copia, faz resumo, leva pra casa pra tentar entender. (DEI, 16)

A gente pede pra tia Rose pra dar o livro pra gente sobre o assunto que a gente quer fazer, e ela dá, a gente lê e copia. (APA, 14)

Como se dão as pesquisas na biblioteca? Olha, as professoras passam pra gente pesquisar sobre alguma coisa. Aí a gente vai lá pede ajuda pra bibliotecária. Ela fala em quais livros estão. Aí então a gente faz a pesquisa. (VER, 15)

Ah. Assim, a gente chega, pede o material que vai utilizar né? Geralmente se a gente precisar de uma ajuda da bibliotecária ela ajuda, ela está sempre ajudando a gente. (JEF, 15)

Ah, quando preciso fazer pesquisa, vou à biblioteca peço pra tia Rose, ela pega o livro que nós pedimos, nós lemos, resumimos o tema, nós não copiamos tudo, resumimos o que entendemos. (POL, 14)

Raras foram as alusões dos alunos no tocante a professores que indicassem referência

bibliográfica quando solicitavam trabalhos escolares. Em suas falas, ficou claro que os

161

professores apenas passavam aos alunos o tema a ser consultado. Tanto os entrevistados

quanto as observações realizadas no interior da biblioteca permitiram constatar que as

pesquisas bibliográficas eram realizadas mecanicamente, isto é, os alunos copiavam, fazendo

um pseudo-resumo do tema, não prestavam muita atenção ao que estavam fazendo naquele

momento. A fala da professora FAT reforçou essa constatação, quando disse:

É aquilo que eu sempre falo, os alunos não estão pesquisando, é como se eles tivessem cumprindo uma obrigação, você entendeu? Não é aquela pesquisa que eles vão chegar, vão te contar, com aquela clareza, com aquela curiosidade que eles tiveram pra pesquisar aquilo, entendeu? Não, você não sente isso. Com raras exceções, né? Tem alunos que fazem isso, né? (FAT – Prof., 39)

Capacitar o aluno para que este passe a reconhecer e a manusear as fontes de pesquisa

e conscientizá-lo sobre a importância da leitura para a compreensão e síntese das informações

ali contidas é papel da escola e da biblioteca escolar. È evidente que a realidade das

instituições de ensino no Brasil, quanto ao quesito incentivo à leitura e à pesquisa, não é tão

boa quanto se deseja.

O papel da escola, e principalmente do professor, é fundamental, tanto no que se refere

à biblioteca escolar quanto à sala de aula, para a organização de critérios de seleção de

material impresso de qualidade e para a orientação dos alunos, de forma que promova a

leitura autônoma, a aprendizagem de procedimentos de utilização de bibliotecas

(empréstimos, seleção de repertório, utilização de índices, consulta a diferentes fontes de

informação, seleção de textos adequados às suas necessidades, etc.), e a constituição de

atitudes de cuidado e conservação do material disponível para consulta.

Quando fiz a pergunta “Quando você manda fazer um trabalho, você indica a

referência bibliográfica ou deixa a cargo da bibliotecária?” às professores – mediadoras de

leitura –, obtive a quase unanimidade de afirmativas de que elas indicam a referência

bibliográfica.

Eu indico uma ou duas, de acordo com o que eu quero. (IRE – Prof., 45)

Eu já falo, você vai achar isso em tal livro, assim, entendeu. Eu procuro facilitar. (FAT – Prof., 39)

A preocupação detectada nas vozes das professoras refletiu o compromisso que estas

tinham com os alunos, em relação a passar trabalhos que atendessem aos objetivos almejados

e, ao mesmo tempo, a passar a bibliografia que tivesse na biblioteca escolar.

162

Apenas uma professora disse que deixa, “a cargo dos alunos”, a incumbência de

procurar o tema sugerido, onde ele quiser. No entanto, o que se revelou na etapa de

Observação foi que justamente os alunos dessa professora, eram os que superlotavam a

biblioteca escolar à procura de livros para fazer os trabalhos solicitados por ela.

Não, eu deixo a cargo deles, até porque tem muitos que pesquisam pela internet, né. Então pra eles é mais fácil, e às vezes eu posso indicar alguma coisa e na biblioteca não ter. (KEL – Prof., 25)

Ao deixar os alunos livres para fazer suas pesquisas escolares, a professora abre o

espaço para a pesquisa na internet, recurso tecnológico que vem ganhando espaços, cada vez

maior entre os educandos. No entanto, há que fazer uma reflexão acerca dessas pesquisas,

pois há alunos que apenas colam os conteúdos no Word, imprime-nos e os entregam à

professora, sem mais compromissos com a aprendizagem. Isso sem considerar que, na Escola

onde está inserida esta biblioteca não há laboratório de informática, fazendo com que a

exclusão de muitos alunos seja percebida mais efetivamente.

Como na escola não há o bibliotecário de direito, isto é, aquele que cursou uma

faculdade de biblioteconomia, o espaço designado à biblioteca vem sendo utilizado de

maneira a não atender às especificidades a que ela se destina. E, tratando-se especificamente

sobre o tema pesquisa escolar, a considerar as vozes dos alunos, os professores apenas passam

os temas das pesquisas e os alunos têm que se ‘virar’ para fazê-los. Então, qual a visão que os

professores possuem de pesquisa escolar? Será que a permanência da prática dos ‘trabalhos-

cópia’ não serve para responder a este questionamento?

Perini (apud BAGNO, 1998) entende que educação é mais do que a simples

transmissão de conhecimento. É papel da escola e, de conseqüência, do educador, criar

situações para que o educando seja levado a procurar conhecimento, a fim de desenvolver

habilidades. Neste sentido, para a realização de trabalhos escolares, os alunos deveriam ser

orientados a desenvolver as habilidades de procurar, selecionar, comparar, escolher e criticar.

Quando há ausência desses elementos, os alunos deixam de fazer pesquisa, realizam apenas

‘trabalhos-cópia’.

Para reverter essa situação, a interferência da escola é essencial e se faz urgente, pois é

onde o hábito da pesquisa deve ser plantado, desde o ensino fundamental e aumentando a

possibilidade de estender-se além do ensino superior. Infelizmente, a ‘cola’ tem acompanhado

os alunos durante toda a sua formação, portanto a escola tem ajudado a perpetuá-la.

163

Como orientar alunos e fazer com que estes deixem de copiar e ‘colar’ tudo que

encontram pela frente, de fontes impressas às virtuais, do início do parágrafo ao ponto final, e

apresentem o resultado desta prática como trabalho de pesquisa?

Esse é um trabalho que deve ser feito no coletivo da escola, enfeixando professores,

bibliotecários, equipe pedagógica e diretiva da escola. Contudo, o que viu foi que, enquanto

os professores reclamavam que os alunos copiavam os trabalhos escolares, a bibliotecária

reclamava da falta de comportamento adequado por parte dos usuários nas dependências da

Biblioteca Escolar Rui Barbosa, e até mesmo de uma freqüência mais assídua do professor na

biblioteca. Isto evidencia quanto é imprescindível juntar esforços destes profissionais a fim de

minimizar a situação. No ambiente escolar, todos os profissionais devem colaborar para a

formação integral dos educandos, mas, pela estreita relação que a biblioteca possui com a sala

de aula, bibliotecária e professores, precisam trabalhar juntos. No entanto, esta é uma relação

que ainda se mantém a distância. No ideário defendido no Manifesto UNESCO/IFLA para

Biblioteca Escolar (1999), é percebida tal preocupação, com esta recomendação:

bibliotecários e professores, trabalhando em conjunto, influenciam o desempenho dos

estudantes para o alcance de maior nível no letramento.

Pesquisa escolar – alunos lêem e resumem o texto para apresentar ao professor

164

Aluno fazendo resumo de conteúdo do livro

As vozes das professoras confirmam as informações dos alunos na sua totalidade.

É eu tenho conhecimento como são feitos os da minha área, porque geralmente quando eu mando fazer a pesquisa, sempre a primeira pesquisa eu gosto de estar junto, porque aí eu mostro como eu quero, ou então eu falo na sala antes, “Eu quero assim, assim...” (SIL – Prof., 36)

Tenho. De um modo geral eu tenho. Pelo que eu presencio e através dos meus alunos quando eu dou algum trabalho. O que eu presencio é que o ambiente é pequeno pras pesquisas, as pesquisas têm que ser feitas em grupo, não porque o tema a ser pesquisado seja em grupo, mas é que todos os alunos sentados numa mesma mesa, acaba prejudicando muito, porque distrai, porque não tem local pra abrir mais que um livro. Então, é o que eu observo, em termos da biblioteca, precisava de um ambiente mais amplo, mais individualizado. Acho isso. Quem ajuda nos trabalhos é a bibliotecária. (IRE – Prof., 45)

Foi recorrente a informação de que o ambiente era pequeno, dificultando a leitura e a

realização de pesquisas escolares. Entretanto, a professora IRE trouxe a informação de que os

trabalhos eram feitos necessariamente em grupo, não que tivessem sido solicitados em grupo,

mas, por força da falta de espaço físico da biblioteca e de livros em número suficiente para

atender a todos os alunos, o único recurso plausível era trabalhar em grupo. Estes trabalhos

em grupo, no ambiente pequeno da biblioteca escolar, explica porque a biblioteca está sempre

barulhenta, não propiciando ambiente de leitura.

É certo que o trabalho em grupo proporciona a aprendizagem cooperativa, onde todos

e cada um dos elementos da equipe trabalhem com a informação de igual maneira, mas num

165

ambiente em que não é possível acompanhar o desenvolvimento da atividade e não há

maturidade suficiente entre os alunos do ensino médio para desempenharem tal atividade, este

trabalho acaba sendo unilateral, em que um faz e os outros copiam, não desenvolvendo,

portanto, as destrezas sociais cooperativas tão necessárias num trabalho de equipe.

5.4 Freqüência à Biblioteca

A freqüência à biblioteca é o termômetro para aferir o interesse pela leitura e pesquisa

que ocorrem na escola. Ao considerar as falas dos entrevistados, as análises dos registros do

livro de freqüência da Biblioteca Escolar Rui Barbosa e as observações in loco , constatei que

a biblioteca escolar pulsava em movimento e pedia espaços para cumprir sua função. A

freqüência média diária desta biblioteca é de aproximadamente 90 a 100 pessoas. Isso

também ficou comprovado nas falas dos alunos, que, ao serem inquiridos a respeito da

freqüência com que vinham à biblioteca, houve unanimidade em assim afirmar:

Bom, eu venho muito pra fazer trabalho, quase todo dia eu estou na biblioteca, fazendo trabalho, reunindo em grupo, essas coisas... (LET, 15)

Oh, depende do trabalho né, quanto mais trabalho os professores passam, mais eu venho né? Eu venho também pra locar livro e levar pra casa. (ARI, 14)

Às vezes pra fazer pesquisa, às vezes é atrás de livros mesmo. Umas três ou quatro vezes por semana, por aí. (ISA, 15)

Todo dia (risos), todo dia eu venho na biblioteca. (DEB, 15)

Sempre. Eu venho fazer pesquisa e às vezes eu venho pegar livro pra eu ler, mas geralmente eu venho pegar livro. (VER, 15)

Todos os dias. (risos) (BRU, 15)

Os alunos vinham à biblioteca sistematicamente, variando entre “todos os dias” e “3 a

4 vezes por semana”, normalmente para fazer trabalhos solicitados pelos professores. Os

professores que mais solicitavam pesquisas eram os de Literatura e Artes. A biblioteca estava

sempre lotada de alunos, fazendo pesquisas nessas áreas do conhecimento. Essas pesquisas

tinham por propósito conduzir à formação do leitor, já que, para fazer as atividades, os alunos

tinham que ler, compreender o que leram, com vista a, então, passarem para o papel. Pelo

menos esse era o objetivo dos professores, ao adotarem essa metodologia de trabalho. No

166

entanto, os alunos faziam esses trabalhos tão mecanicamente, copiavam uns dos outros, que

esse objetivo acabava não sendo atingido pela maioria dos alunos, que visavam apenas à nota

como resultado de seus trabalhos.

Ao se considerar que, na sociedade moderna, todo indivíduo está inserido em um meio

letrado e faz uso da leitura e da escrita de acordo com suas necessidades e que a freqüência do

contato com a escrita e o tipo de texto que essa escrita constitui é que vai determinar seu nível

de letramento, é que se credita às pesquisas escolares a contribuição na formação do

indivíduo.

Segundo Di Nucci (2001):

(...) os níveis de letramento estão relacionados com a qualidade das práticas de leitura e escrita do indivíduo, com a qualidade do texto que lê e escreve, com a freqüência e a forma de leitura e de escrita. Além disso, os níveis de letramento variam de acordo com o domínio do código escrito: sujeitos com níveis mais altos de letramento geralmente apresentam mais tempo de escolaridade, o que permite concluir que o nível de letramento está, (de certa forma), relacionado com o grau de escolaridade. (DI NUCCI, 2001, p.217)

Isso significa que o processo de formação escolar dos indivíduos deve fazer diferença

na forma como esse sujeito vai tratar das práticas de leitura e escrita que lhe são demandadas

em seu contexto sociocultural.

A bibliotecária, em sua fala, confirmou a supremacia dos trabalhos nas áreas de

Literatura e Artes, assim como o incentivo dos professores de Literatura, para que os alunos

freqüentassem a biblioteca. Ao ser questionada se os professores incentivavam o aluno a

freqüentar a biblioteca e se eles mesmos a freqüentavam, a bibliotecária revelou:

Olha, (...) sim, os professores de Literatura, né? São os que mais incentivam. Assim de outras áreas, de outras matérias os alunos só vêm fazer trabalho sobre aquela matéria, mas incentivo de livro de leitura só os professores de Português. (...) Alguns professores vêm, olham, por exemplo, Artes, Português, esses vêm muito mesmo. Das outras áreas é quase uma exceção. Quase nunca vêm. (ROS – Bibl., 34)

ROS confirmou, em seu depoimento, aquilo que se percebe nas práticas escolares, nos

comentários das salas de professores ou nos corredores das escolas: leitura é coisa para

professor de Português. Como se fosse possível trabalhar as outras áreas do conhecimento

sem se utilizar das leituras. O compromisso em despertar o gosto pela leitura, ou a simples

conscientização da necessidade de ler, acaba ficando todo sob a responsabilidade do professor

167

de Português, gerando assim um descompromisso por parte dos outros professores da escola

e, com isso, não há uma ação articulada, interdisciplinar, com vista à formação do leitor.

Quando indaguei à bibliotecária se os professores freqüentavam a biblioteca, e quais

seus objetivos ali, ela afirmou:

Alguns vêm, olham... É, principalmente os de Artes, Português. Esse ano tem vindo também os de Química e Física. As professoras vêm pra ver os materiais que tem. O professor de Geografia também vem bastante. Alguns vêm pra ver material antes de passar o trabalho, mas são poucos, acho que quase exceção. (ROS – Bibl., 36)

Na fala da bibliotecária, ficou evidente que a maior freqüência à biblioteca por parte

dos professores se dá pelos professores da área de Linguagem (Língua Portuguesa e Artes),

fato confirmado também no período de Observação. Os professores de outras áreas tinham

freqüência mínima, restringindo-se à época em que passavam trabalhos escolares. Isso

comprova a tese de que é responsabilidade dos professores da área de Linguagens o fomento à

leitura.

As professoras SIL, IRE, FAT e KEL confirmaram sua freqüência regular à biblioteca,

geralmente com o objetivo de selecionar matérias de pesquisa, livros a serem adotados na

leitura do bimestre ou agendamento de ida com os alunos até a biblioteca.

Sim, acho que bastante. Eu vou lá pra selecionar os livros que eu vou passar pros alunos, pra ver se tem os livros que eu preciso, pra marcar aula na biblioteca... (IRE – Prof., 45)

Sim, eu vou à biblioteca, às vezes eu levo os alunos, mas aí eu programo, não vou assim aleatoriamente não, sabe? Porque o espaço é pequeno, entendeu? Se você não organizar, aí fica só um passeio... A gente vai lá fazer pesquisa de algum assunto que a gente estiver trabalhando em sala. (FAT – Prof., 39)

Vou quando preciso ver o material que vou passar pra pesquisa. (KEL – Prof., 25)

O planejamento é um instrumento importante para o ser humano, em qualquer setor de

sua vida. A organização do trabalho simplifica o desenvolvimento das atividades, norteia seu

rendimento, não permite que ‘fuja’ aos objetivos propostos, ainda mais se esse trabalho for

desenvolvido num espaço coletivo como é o caso da biblioteca escolar, com espaço reduzido

e escassez de material. Por isso as vozes das professoras denotam a preocupação com a

seleção, organização e planejamento dos trabalhos.

168

Ao indagar se as professoras incentivavam seus alunos a freqüentar a biblioteca

escolar, todas disseram que sim, que os estimulavam a freqüentá-la:

Eu incentivo, mas geralmente numa sala de 30, 40, quarenta e poucos, tem 3 ou 4 que realmente freqüentam. (SIL – Prof., 36) Sim. Os alunos do noturno, por exemplo, tem uma aula ou duas a cada 15 dias, que levo na biblioteca. Então, se eles não têm horário pra ler, eles fazem essa leitura em horário de aula mesmo. Agora os alunos dos demais períodos, eu levo no início do ano, uma vez por bimestre, quando eu vou indicar as leituras, que são os clássicos, que eles têm que pegar, na hora da pesquisa eu vou junto com eles e depois eles fazem os trabalhos sozinhos. (IRE – Prof., 45) Incentivo. Ah, eu sempre proponho pesquisa pra eles. Mas eu costumo dizer que a pesquisa que eles têm feito é assim: eles deixam pra fazer na véspera, como se tivesse assim no banco da praça, colocado o papel na perna e feito um breve rascunho, é muito triste. Eles não levam a sério. (FAT – Prof., 39)

As professoras alegaram que procuravam motivar o uso da biblioteca com freqüência,

seja através da indicação de trabalhos, como é o caso da professora FAT, seja criando

estratégias de práticas de leitura para alunos que não teriam tempo de ler, como é o caso dos

alunos do período noturno. Entretanto, percebi, nas falas das entrevistadas, que, apesar do

incentivo, poucos eram os alunos que liam espontaneamente ou, mesmo, tinha compromisso

com os trabalhos de pesquisa escolar propostos.

A biblioteca é um espaço essencial em um processo de construção de uma escola de

qualidade, democrática, preocupada com o desenvolvimento de sujeitos críticos, pois a leitura

é um instrumento que possibilita informação, reflexão, transformação e libertação do homem,

na aliança do conhecimento à ação. Ela é também um local de troca de saberes, capaz de

reunir os conhecimentos produzidos pela humanidade e de gerar outros processos criativos

entre os membros da comunidade.

A biblioteca não existe sem seus usuários, pois são eles que dão dinamicidade a esse

espaço. É preciso, assim, que a biblioteca esteja sempre aberta para os alunos e comunidade,

constituindo-se num ambiente agradável.

É fundamental que a escola trabalhe de modo que desenvolva nos alunos o gosto pela

leitura. Isso requer que se construa um percurso afetivo, de enamoramento pelo

processo/vivência da leitura. Para que isso ocorra, o papel do profissional que trabalha na

biblioteca é muito importante: não basta que ele apenas organize os livros, é preciso que os

conheça e sinta prazer com a leitura. Apenas quem lê e gosta de ler pode efetivamente

estimular o gosto pela leitura.

169

A biblioteca escolar deve incentivar e desenvolver atividades variadas de leitura. É

importante que os profissionais que atuam na biblioteca trabalhem em parceria com os

professores de sala de aula.

Visando aproximar os alunos dos livros, despertando neles o prazer de ler, devem ser

desenvolvidos projetos e atividades, como saraus, hora-do-conto, grupos de contadores de

histórias, concursos, feira do livro, caixas de leitura, entre outras. Assim, os alunos passarão a

freqüentar a biblioteca, criando com isso, o gosto pela leitura.

5.5 Seleção de Livros

A adolescência, período da vida humana entre a puberdade e o estado adulto, é a fase

em que a pessoa está suscetível aos sentimentos, em que o amor preenche os pensamentos e a

curiosidade aflora. É nesse contexto que as opções de leitura tendem a fechar-se nas

literaturas românticas. Por isso, quando interpelei quais os tipos de livros que os alunos

procuravam na biblioteca, foi quase unânime a resposta de que era o romance (romântico) o

gênero mais procurado na biblioteca.

Leitura... romance, terror. Sempre vou lá. Eu pego, procuro um bom e leio. (ISA, 15)

Gosto de romance (...) ah, sim, e de suspense, é o que mais gosto. (VIV, 14)

Romance, aventura. (DEI, 16)

Ah (...). Leitura? Revista, eu já disse, e poesia. (ELA, 15)

Romance, literatura romântica. (LIZ, 15)

Romântico, eu gosto de lê é romântico. (POL, 14)

Além da literatura romântica, observei ainda a predileção pelo terror e pelo suspense.

A poesia emergiu em apenas duas entrevistas, o que me levou a depreender que a leitura de

poesia está sendo relegada ao esquecimento, apesar de sua beleza e da riqueza literária que

esta encerra.

A leitura de revistas de informação também apareceu como opção de leitura,

especialmente nos horários de intervalo entre as aulas, ou de aulas ‘vagas’, quando as leituras

mais longas eram inviáveis. Nesses horários havia grande afluência de alunos que procuravam

as revistas Veja e Isto É.

170

Leitura sobre o mundo, sobre o que está acontecendo no mundo e também romance. (APA, 14)

O que eu mais procuro é a revista Veja, eu não gosto muito de pegar livro pra ler na biblioteca, livro eu gosto de ler em casa, na biblioteca eu prefiro revista. (BRU, 15)

Ah, eu procuro coisas de bastante conhecimento através da revista Veja, dos jornais, também livro atuais que estão chegando sempre. Eu gosto de ler esses assim. (ANC, 16)

As revistas e os jornais, que os alunos preferiam ler na biblioteca, são subsídios para

aquisição do conhecimento do que ocorre no mundo.

A leitura dos gêneros literários, principalmente dos títulos exigidos nos vestibulares,

foi citada por poucos alunos e representada pela fala de ENI.

Agora eu estou pegando mais leitura literária, o professor está pedindo, eu estou lendo mais esses textos, assim. Aí eu pego negócio de vestibular, aí eu pego os livros que tão lá, é mais leitura literária, né. (ENI, 16)

A escola trabalha, no ensino médio, o curso propedêutico. Tem por objetivo a

preparação de seus educandos para o vestibular, e posterior continuidade de estudos. Por isso,

o interesse nas leituras literárias das obras selecionadas para os vestibulares.

Pode-se afirmar que cabe à escola, primordialmente, a missão de propiciar o primeiro

contato do estudante com os clássicos. Todavia, a leitura escolar compulsória, muitas vezes

com base em listas de obras exigidas por vestibulares, pode contribuir para afastá-lo, em vez

de aproximá-lo da leitura, além de reduzir o espectro de obras a conhecer. Se a escola se

pretende formadora de seres criativos, precisa dar a ler, contar por que é bom, mostrar quem

leu, oferecer possibilidades e instigar comparações. Isso depende de professores e

bibliotecários familiarizados com o processo, experimentados nesse exercício, com repertório

farto não só de leituras canônicas, mas, sobretudo de escolhas pessoais que engendram

habilidades como o destemor da entrega a novos títulos e a escolhas distintas das que se tem

por hábito supor evidentes. À escola e à biblioteca escolar cabe o papel de mostrar aos leitores

em potencial os vários caminhos da leitura, com seus diferentes gêneros textuais, não se

prendendo apenas ao que os exames vestibulares determinam, pois estes representam só um

pedacinho de um pedaço daquilo que a escola pode passar anos fazendo.

171

No contexto de escolha de livros, existem duas situações distintas. A primeira é aquela

em que se indica livro para um aluno em especial, preocupando-se, neste caso, com o

desenvolvimento intelectual do leitor; a outra é aquela em que seleciona um acervo para

compor a biblioteca da escola, ou um título para trabalhar com toda uma turma de alunos.

Na escola, o trabalho com a leitura estava voltado para a compreensão pedagógica, isto

é, foram estabelecidos objetivos a serem atingidos e, a partir daí, adotava este ou aquele título

para trabalhar na sala de aula.

Para a composição do acervo da biblioteca, os critérios também deveriam ser claros,

tendente a que não se comprassem livros desnecessários ou se deixasse de adquirir obras

necessárias para a formação de seus alunos. A concepção de leitura que permeia o

planejamento pedagógico é que fornece os critérios de seleção dos livros que se trabalha na

escola, completando-se um ciclo de contínuo, de se pensar, de se planejar e a formação de

leitores na escola.

A aquisição do acervo bibliográfico da Biblioteca Rui Barbosa se dá muitas vezes por

doações oriundas da comunidade. Todavia, essa é uma forma que tem resultados pouco

confiáveis, tendo em vista que as pessoas, apesar de imbuídas das melhores intenções, doam

livros que desejam descartar, tornando assim a biblioteca depósito de livros velhos, sem

serventia efetiva para as necessidades da clientela escolar. A esse respeito Melo (1983) diz:

A democratização da leitura não será obtida paternalisticamente, por doação ou como resultado de campanhas salvacionistas. Não florescerá absolutamente a partir da ação unilateral de bibliotecários, educadores ou animadores culturais. (MELO, 1983, p. 24)

Outra forma utilizada para aquisição de livros para a biblioteca escolar é a realização

de eventos com fins lucrativos, sendo parte dos recursos, angariados, destinados à ampliação

do acervo da biblioteca. Neste aspecto, há planejamento, os professores indicam as

referências bibliográficas de que precisam, cobrindo, assim, parte das necessidades

pedagógicas da escola.

De uma maneira ou de outra se tem proporcionado espaço de integração livro-

biblioteca-leitor, seja por campanhas de popularização do livro, seja pelas necessidades que

levam o sujeito a procurar a informação. O que não se pode é ter na biblioteca escolar um

acervo de boa qualidade e ficar preso a tecnicismos, não emprestando ou dificultando a

promoção da leitura, fato que não ocorre na biblioteca escolar investigada.

172

5.6 As Mãos que Medeiam a Leitura

É importante sobrelevar que os alunos, ao serem inquiridos sobre o incentivo por parte

dos professores, a que eles freqüentarem a biblioteca escolar, afirmaram todos que os

docentes assim faziam, especialmente os professores de Língua Portuguesa, mais afeitos à

área e preocupados no transmitir o prazer da leitura. Quanto aos demais professores, essa

atenção se restringia à época em que solicitavam algum trabalho de pesquisa.

No que concerne às indicações de leitura que as professoras sugeriam, a maioria dos

alunos disse que eram os livros literários os mais indicados, ou seja, os livros literários que

constavam dos vestibulares.

Livros que passam mais no vestibular, porque agora eu estou no 1º ano. (DAN, 15)

Literário. Acho que esse ano a gente está começando a ter literatura, aí incentiva mais a ler livros literários. (MAR, 15)

Bom, agora os literários né? Porque a gente vai fazer uma faculdade, vai prestar vestibular né? E os literários são os que mais caem, né? Também manda ler revistas, reportagens sobre como o mundo está agora, né? (ANC, 16)

De literatura. De literatura são os que eles mais sugerem. Eles dizem que são os que caem no vestibular mesmo, com certeza. (BRU, 15)

DAN, MAR e BRU relacionaram a indicação dos livros literários à entrada no ensino

médio e/ou à proximidade do vestibular, por isso a leitura das obras literárias. ANC, de sua

vez, afirmou que, além dos literários havia a indicação de leitura de revistas, especialmente

sobre os assuntos que estavam ocorrendo no mundo, na atualidade e que também estavam

voltados para as necessidades do vestibular.

A pesquisa na biblioteca também foi bastante citada nas falas dos alunos.

Ah, depende do professor e da matéria que eles vão passar né? Se for Artes, diz que está no livro de História tal, se for Geografia é sobre o Globo, então está no livro de Geografia. Então depende do que eles vão passar né? (ARI, 14)

Às vezes, quando precisa fazer trabalho eles mandam a gente pesquisar na biblioteca. (POL, 14)

173

ARI se referiu às indicações dos professores de Artes, de Geografia, de História, e

POLI generalizou, ao ponderar que, quando “precisa fazer trabalho, eles mandam a gente

pesquisar na biblioteca”. Foram os únicos momentos em que os alunos se referiram aos

professores das outras áreas de estudo que não de Língua Portuguesa e Literatura, no que se

referia ao fomento à leitura, ou ao incentivo de uso da biblioteca.

A bibliotecária também foi referenciada como responsável pela indicação de livros de

leitura. A maioria dos alunos afirmou que a bibliotecária conhecia seus gostos e, por isso, lhes

indicava livros que eles gostavam de ler.

Sugere. Ela conhece o meu gosto. Tia Rose sabe que eu gosto um pouco de terror, então ela sugere A Casa dos Espíritos, coisas assim... (ISA, 15)

Sugere. Ah, ela fala assim “Você podia ler esse livro de romance que é interessante, é de aventura”, ela sabe que eu gosto disso. (TAN, 15)

A revelação de que a bibliotecária conhecia o gosto literário dos alunos, representado

nas falas de ISA e TANI, denota o interesse que essa profissional da educação tem pelo seu

trabalho. Foi unânime a afirmação de que ROS sugeria livros para os alunos, sejam livros de

romance (literários ou não), sejam livros didáticos.

Sim. Ah, ela sugere livros que tem mais a ver com as matérias que a gente está estudando. (VAL, 15)

Ahn, ahn... (afirmação). Agora que eu estou no 1º ano ela sugere mais literatura. (DAN, 15)

Às vezes sim. Olha, já sugeriu Fernão Capelo Gaivota, gostei muito do livro. (JEF, 15)

Sugere, sugere. Ela sugeriu dois pra mim, já. Foi O Amor pode esperar e A Primeira Paixão. Foi ela que me indicou esses. Gostei deles. (VIV, 14)

Sugere bastante, ela é gente fina. Eu li o livro E o vento levou, foi ela que falou pra mim, eu peguei, é um livro bem grosso. (risos) (DEI, 16)

Pelas vozes dos entrevistados percebi a estreita relação de confiança entre os alunos e

a bibliotecária, e que esta procurava sempre estar conectada com os interesses dos alunos, daí

as diferentes indicações de leitura, de acordo com cada leitor, com seu gosto diferenciado,

pessoal.

Ao analisar os dados obtidos, detectei a freqüente relação entre atendimento e auxílio à

pesquisa dos alunos. Observando ainda os dados referentes ao comportamento amigável da

174

bibliotecária, é possível perceber que essa realidade pôde ser esquadrinhada. Essa afirmação

pode ser confirmada através dos textos abaixo, pinçado das entrevistas.

A bibliotecária ajuda a pesquisar, ajuda a fazer trabalhos, ela amostra onde esta os livros mais ela pega o livro pra nós. (BRU, 15) Quando nós entramos na biblioteca nós somos bem atendidos. Ela nos atende muito bem... (POL, 14)

Sobral (1982, p. 64) alerta que "do bibliotecário escolar é exigido que possua

qualidades (inerentes e adquiríveis), julgadas indispensáveis no exercício de suas funções."

Dentre essas funções, a autora destaca: disponibilidade, cooperação, orientação, bom

relacionamento, entusiasmo e dinamismo.

Essas qualidades são complementadas por Amato e Garcia (1989), ao considerarem

que o responsável pela biblioteca escolar

(...) deve ser um elemento sempre atento às atividades que são desenvolvidas pelos professores, auxiliando-os na função pedagógica. Deve ter criatividade, interesse, um certo conhecimento em organização de bibliotecas, para que os serviços prestados visem a um arranjo que facilite o manuseio do acervo e o atendimento do leitor. (AMATO & GARCIA, 1989, p. 14)

Por meio dos dados coletados, percebe-se a importância que os alunos atribuem à

função do bibliotecário de emprestar e localizar as obras, revelando o conceito, por parte

desses alunos, do papel intermediador do bibliotecário entre o usuário e o livro.

As informações obtidas das professoras, quando lhes foi perguntado se sugeriam livros

para os alunos lerem e qual o critério que utilizavam para fazer as indicações, não diferiram

das respostas apresentadas pelos alunos.

Direto, eu sugiro, e eu comento o livro com eles. Tem aluno que não gosta de ler. Então é (...) se eu indicar um livro muito grosso, geralmente eles querem saber quantas páginas, por isso eu sempre gosto de indicar os que têm literatura fácil, gostosa, pra eles lerem, porque depois que eles lêem esses, eles têm amadurecimento pra ler os clássicos. Então geralmente eu indico Sidney Sheldon, J. M. Simmel, eu gosto deles, porque eles são uma literatura gostosa, então eu começo sempre pelo mais fininho que é A Outra Face. Então eu indico esse que eles cativam, depois deslancha. (SIL – Prof., 36) Constante. No Ensino Fundamental eu deixo para livre escolha, eu deixo que eles escolham de acordo com o interesse deles. Agora, no Ensino Médio, além de eu trabalhar a liberdade de escolha dos títulos, mas como tem a obrigatoriedade da leitura dos clássicos, aí tem a indicação desses livros, de acordo com o período literário que eu estou trabalhando. No Ensino Médio, alem de falá da importância da leitura e tudo mais eu mostro pra eles a

175

importância da leitura dos clássicos, vinculado à escola literária pro conhecimento do universo que eles estão estudando. (IRE – Prof., 45) Eu falo pra eles, não só leitura de livros, como atualidades, principalmente por causa do vestibular né, mas infelizmente você percebe que são poucos que buscam, né? São poucos mesmo. Tem muito paradidático bom que pode está acrescentando àquilo que você está vendo. Geralmente eu indico de acordo com o conteúdo. Aí tem as atualidades, que ele tem que saber. Por isso eu estou sempre trazendo as reportagens interessantes, de política, por exemplo. Na questão ambiental, questão da ética... (FAT – Prof., 39)

SIL disse utilizar-se da estratégia de comentar o conteúdo dos livros com os alunos

para despertar-lhes o interesse pela obra, indicava alguns títulos de leitura mais “fácil e

gostosa” para, a partir dali, eles se “cativarem” pela leitura e continuarem a ler outros livros.

IRE, ao afirmar que indicava livros constantemente aos alunos, revelou que usava estratégias

diferenciadas, de acordo com o nível de ensino: no ensino fundamental deixava que os alunos

fizessem suas escolhas, de acordo com seus interesses pessoais. Já no ensino médio, se valia

também da livre escolha, mas graças à necessidade da leitura dos clássicos, ela os indicava

conforme a escola literária que estivesse trabalhando na sala de aula, tendente a que os alunos

tivessem os conhecimentos necessários para aquele nível de ensino. FAT, professora de

História, apresentou outras preocupações: indicava, além de livros, as revistas de atualidade,

alegando exatamente o vestibular que se aproximava. Concomitantemente aos conteúdos dos

livros didáticos, sugeria os paradidáticos que tratavam do tema visto em sala de aula.

O professor que participa ativamente do processo de escolhas de leitura de seu aluno, é

alguém que escuta, lê e expõe sua leitura e seu gosto, que influencia nos gostos dos seus

alunos. A leitura se configura numa ruptura de conceitos, na reelaboração de novos conceitos.

A literatura mobiliza a imaginação, a diversidade de opções, estimula a busca de alternativas.

E nesse contexto, a escola, principal agente de formação do leitor, não pode esquivar-

se de seu papel político-histórico de formadora de leitores, com condições de interferir

criticamente na formação qualitativa do gosto dos leitores-alunos.

Passando obrigatoriamente pela concepção de escola e de sociedade que se almeja, a

formação do leitor envolve a diversidade como princípio norteador dos critérios de seleção e

utilização dos livros e da reflexão sobre a formação do gosto dos alunos. Este papel está nas

mãos do professor, do bibliotecário, da escola, da biblioteca, mediadores de leitura.

176

5.7 Eventos de leitura

Inquiridos a respeito de atividades de leitura desenvolvidas na biblioteca e promovidas

pela bibliotecária, obtive, por unanimidade, entre alunos, professoras e bibliotecária a resposta

de que não havia eventos de leitura na biblioteca escolar. As únicas atividades que a

biblioteca realizava era o empréstimo e a consulta a livros. Nada mais que promovesse a

leitura no contexto da biblioteca.

Não, nunca fiquei sabendo. (LET, 15)

Não, não, eu não me lembro. (ARI, 14)

Não, não. (ISA, 15)

A bibliotecária? Não, ela só está mais ali pra mostrar pra gente os livros. (DEB, 15)

Não. Só às vezes, quando eu chego aqui, eu percebo que ela ajuda os alunos a procurarem a pesquisa que eles querem. (VAL, 15)

Não. (ANP, 14)

Não. (MOR, 14)

Não, não tem. (ROS – Bibl., 34)

Não, não tem. Aqui na escola que eu saiba não tem. Se acontece eu não sou informada disso. (IRE – Prof., 45)

Não. (FAT – Prof., 39)

Não. Não. (KEL – Prof., 25)

A interação existente entre a biblioteca e a sala de aula se reduzia às pesquisas de tema

que os professores solicitavam como complemento das atividades pedagógicas. Não percebi a

preocupação com espaços de leitura na biblioteca, mas havia muitos alunos fazendo cópias de

textos que deviam ser apresentados aos professores, ora por escrito, ora em forma de

seminário.

Às vezes é um resumo, às vezes uma explicação lá na frente, comentar o que pesquisou. (MAR, 15) É pra lê o livro, tentar entender e apresentar na frente, entregar escrito e apresentar também. (DEI, 16)

177

Nunca houve um concurso de leitura, ou de poesia, ou qualquer tipo de promoção de

leitura promovido pela biblioteca.

Não, não houve ainda. Até porque os professores trabalham leitura em sala. Eu, esse ano to assim, já até passei pra Maria Inês pra gente está fazendo uma gincana de arrecadação de livros, pra vê o interesse deles e depois a gente pode até está pensando nisso, porque até agora não tinha pensado nisso. (ROS – Bibl., 34)

A bibliotecária disse que nunca havia “pensado nisso”, ao referir-se à promoção de

eventos de leitura, afirmando que os professores já trabalhavam leitura em sala de aula.

Todavia, mostrou preocupação com a arrecadação de livros, por isso a possibilidade de fazer

uma gincana com esse intuito. Ficou óbvia a preocupação com acervo, voltado para o sentido

quantitativo, não com a qualidade das leituras ali veiculadas.

Quando se fala em biblioteca escolar, é inevitável pensar nos hábitos de leitura dos

alunos. Formar bons leitores significa encantar os leitores com o poder dos livros, não de uma

maneira forçada, muito menos com trabalhos de compreensão de textos, mas de um modo em

que estes descubram as fantasias, os mistérios, os conhecimentos inseridos nos livros.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), a leitura é sempre um meio, nunca um

fim. Por isso a escola/biblioteca, no desenvolvimento de suas várias funções, deve promover

diferentes formas de fomento à leitura, pois ler para se divertir é diferente de ler para escrever,

ou para estudar, ou ainda para descobrir algo que deve ser feito.

No Projeto Político Pedagógico da escola estava planejado o Projeto Leituração de

autoria dos professores de Língua Portuguesa, o qual era desenvolvido em sala de aula, no

entanto as ações do projeto não se estendiam às outras áreas do conhecimento e sequer

chegavam à biblioteca, por isso as professoras e os alunos foram tão incisivos ao afirmarem

que a biblioteca não promovia eventos de leitura.

6 RELAÇÕES INTERPESSOAIS NA BIBLIOTECA ESCOLAR

A bibliotecária e as professoras entrevistadas, ao se referirem às relações pessoais que

acontecem no interior da biblioteca, iluminaram:

Olha, meu relacionamento até agora sinto que está tudo bem. Quando eles precisam de alguma coisa, ou os alunos vêm aqui porque os professores

178

passaram um trabalho e a gente não consegue encontrar nos livros, então eu vou à secretaria, eu peço pra alguém olhar na internet, ver se tem alguma coisa pra acrescentar ao trabalho. Claro que procuro não me acomodar com o material da internet pra que o aluno faça o trabalho... mas na verdade, quando isso aqui está lotado dos alunos(...) você atende um, você atende outro, mas acaba ficando alguém esperando, esperando. Às vezes alguém sai sem fazer o trabalho, mas eu faço tudo pra ajudar a todos, para que não saia ninguém insatisfeito daqui né? (ROS – Bibl., 34)

Eu, a bibliotecária e os alunos, a gente se entende até bem, porque geralmente quando eu vou fazer alguma atividade ou desenvolver alguma coisa que quero levar eles lá, eu aviso com antecedência pra deixar disponível pra minha turma, e quando eu vou indicar algum livro, vou pesquisar algum livro, eu também vou antes pra ver se tem, pra não chegar todos correndo na hora, aquele “auê” pra Rose, porque sozinha ela não dá conta, é muita gente. (SIL – Prof., 36)

Meu relacionamento com a Rose, como profissional, como bibliotecária, e não como pessoa é bom, como eu já falei, ela é bastante simpática, ela atende bem, ela é pronta, é uma pessoa que se prontifica muito, tudo que é solicitado pra ela, ela pesquisa, procura deixar pronto pra gente, então tem um bom relacionamento profissional e com o aluno também, mesmo quando a gente não acompanha o aluno na biblioteca, mas as informações que chegam é que ela atendeu bem. (IRE – Prof., 45)

Bom, eu acho que a Rose se empenha bem, pelo grau de conhecimento dela, grau de formação dela, o ideal mesmo seria uma bibliotecária. E ela não é, mas ela tem um ponto importante, ela capta as coisas com facilidade, muitas vezes quando é aluno do noturno que vem com outros temas que ela não acha, referente a Historia, ela me pergunta. Então você percebe que, e ela não volta mais com esse tema. Então ela memorizou isso aí. O interessante é que ela sabe tudo que tem lá dentro, ela tem capacidade, e ela ajuda muito os alunos, não é bibliotecária formada, mas eu acho que ela desempenha até bem o papel dela, pelas poucas condições que são oferecidas a ela, Você sabe que agora ela é obrigada a limpar primeiro a sala, e isso também prejudica, porque os alunos a vêem com outros olhos, pois ela está fazendo faxina, entendeu? O aluno chega aí bem cedo, tipo 8 horas, ele tem que esperar. Aí ela está com as mãos sujas de cera, os pés... Acho que daria pra separar isso né?(FAT – Prof., 39)

ROS apresentou dois aspectos passíveis de análise em sua fala: O primeiro alude à

pesquisa na internet, quando esgotava suas possibilidades de encontrar o tema solicitado pelos

alunos no acervo da biblioteca. O acesso à internet se refere ao acessar o sistema de

informação global ligado a um único endereço global baseado no Internet Protocol (IP):

provê, usa ou torna acessíveis serviços de comunicação e informação, oferecendo a seus

usuários uma cadeia informacional de alto nível. A internet, como rede mundial de

computadores interconectados, é um privilégio da vida moderna para o homem deste tempo. É

o maior repositório de informações acessíveis a qualquer pessoa que a acesse, de qualquer

parte do mundo. E, como foram registradas nas falas dos entrevistados, as pesquisas que eram

179

realizadas na biblioteca escolar tinham como base comum as informações conseguidas na

internet, o fragmento do conhecimento, pois os alunos não se preocupavam em aprofundar

suas pesquisas, suas leituras. Hoje se vive numa realidade de fragmentos de conhecimento,

por isso a preocupação da bibliotecária ROS em afirmar que “não se acomodava na internet”,

mas a aproveitava para acrescentar informações às pesquisas dos alunos. É como se ela,

inconscientemente, reafirmasse que conhecimento não é igual à informação, que informação é

fugaz, passageira, que contribui para a formação intelectual, para a construção do

conhecimento.

O segundo ponto, ventilado pela bibliotecária, diz respeito à falta de condições de

atender a todos os alunos que vêm à biblioteca. Nesse aspecto, ficou claro o grito de socorro

em nome da biblioteca, que apresenta espaço físico pequeno em proporção ao número de

usuários que por ali passam diariamente, e que, apesar de esforçar-se pessoalmente, era

impossível atender a todos com eficiência.

As professoras SIL, IRE e FAT foram unânimes em afirmar o bom relacionamento

existente entre a bibliotecária, os alunos e os professores, assim como falaram da eficiência da

bibliotecária. Entretanto, a professora FAT abordou a questão do acúmulo de funções que a

bibliotecária executava, quando disse que era esta quem fazia o serviço de limpeza geral na

biblioteca, serviço este que, na visão da professora, diminuía a bibliotecária aos olhos dos

alunos que não mais a viam como ‘a bibliotecária’, mas também como ‘a faxineira’. É como

se houvesse uma diminuição do valor da bibliotecária, por estar desempenhando também a

função de limpeza. FAT ainda falou da capacidade de abstração e do interesse da bibliotecária

que era muito bom, apesar de ter a consciência de que deveria haver uma bibliotecária

formada para exercer tal cargo.

É certo que os indivíduos se diferenciam nos aspectos físicos, de aparência, de

inteligência, de aptidão, de personalidade, de temperamento, de caráter; é certo também que

são as diferenças que compõe o todo harmonioso, assim as relações humanas no interior da

biblioteca vão se construindo num processo de respeito, de camaradagem, de cooperação, de

dificuldades, erros e acertos.

Potencialmente, a biblioteca escolar poderia assumir as funções de laboratório da

aprendizagem e de centro de informação educativo das quais muitos autores falam e que,

modernamente, se espera dela, mas isso não significa que o seja realmente. Para que tal ocorra

é indispensável melhor exploração do aspecto interativo entre a escola e a biblioteca e,

conseqüentemente, o professor seria o responsável por esta interação entre os trabalhos.

180

Esta relação influencia, se não define, a atuação da biblioteca escolar e a percepção

que se constrói dela. É dessa relação que pode nascer uma biblioteca escolar, engajada com a

prática de ensino da escola. Unidas, essas duas forças têm mais chances de angariar recursos,

mobilizar usuários, incentivar o uso, ampliar e dinamizar a ação da biblioteca e garantir a

melhoria da qualidade de ensino, estando, assim, mais apta para a formação do aluno-leitor,

como é afirmado por Negrão (1987):

(...) a biblioteca escolar, interagindo de modo harmonioso com o corpo docente, poderá cooperar na formação de várias atitudes: o hábito de utilizar informação, o de pesquisa, o gosto pela leitura, o hábito de usar a biblioteca, além do desenvolvimento do pensamento crítico e a motivação para a educação permanente. (NEGRÃO, 1987, p.36)

Se não houver um relacionamento satisfatório entre professor e bibliotecário, a atuação

da biblioteca escolar estará comprometida, uma vez que é justamente esse entrosamento que

vai determinar a qualidade de educação do sujeito-leitor em formação.

Essa idéia encontra eco nas palavras de Amato & Garcia (1985):

(...) é evidente a necessidade de entrosamento entre professores e bibliotecários e/ou responsáveis para que se realize um trabalho de cooperação e participação, visando à melhoria do processo ensino-aprendizagem. (AMATO & GARCIA, 1985, p. 17)

Para que se possa contar não somente com uma integração entre

professor/bibliotecário, mas com a participação efetiva do professor, na difícil tarefa de

dinamizar a biblioteca escolar, é preciso garantir que tanto seu planejamento quanto sua

atuação também estejam voltada para o professor, no papel de usuário. A biblioteca escolar

precisa atingir sua comunidade, da qual o professor faz parte.

Contrariamente ao que os autores evidenciam, o que se vê, de fato, em termos de

formação do leitor é cada um dos envolvidos no processo de mediação da leitura

desenvolvendo isoladamente seu trabalho, isto é, os professores trabalham o Projeto

Leituração em sala de aula, sem a participação da bibliotecária e, por outro lado, a

bibliotecária atua solitariamente na biblioteca, emprestando livros, orientando nas pesquisas

escolares e até mesmo indicando alguns livros para os alunos.

Apesar da relação de respeito percebida entre estes profissionais, há muito por fazer

até que aflore um trabalho integrado e eficaz entre a sala de aula e a biblioteca escolar.

181

6.1 Bibliotecária de fato, não de direito

Para compreender o trabalho desempenhado pela bibliotecária, indaguei-lhe qual era

sua formação profissional e se fizera algum curso de como organizar a biblioteca. Obtive as

seguintes respostas:

Eu tenho só 2º grau. Propedêutico. E fiz o projeto Arara Azul. (ROS – Bibl., 34) Fiz. Em Mirassol, fiz um cursinho. Não me lembro a data. (ROS – Bibl., 34)

Complementando essas informações, a bibliotecária relatou como viera trabalhar na

biblioteca escolar, uma vez que, antes de desempenhar essa função, trabalhava no setor de

serviços gerais.

Foi assim, muito interessante porque eu trabalhava na limpeza, né. Aí eu soube desse cursinho em Mirassol. E eu fiquei sabendo que ia ter esse curso assim meio escondidinho (...). Foi assim, aí eu fui conversei com a Elizete, falei “Elizete, eu estou sabendo de um curso assim, assim, e se não tiver alguém da escola que vai fazer, e tiver uma vaguinha e você puder me colocar, eu desejo muito”. Depois de uns dias ela me chamou e perguntou se eu queria mesmo fazer. Peguei e fui. O Governo fez esse cursinho pra cada escola dois funcionários, e aí graças a Deus eu a oportunidade de fazer. Foi assim bem sofrido, porque a gente trabalhava até meio dia e aí tinha que chegar na sala de aula a 1 hora, e a professora não admitia atraso, né. A professora veio de Cuiabá, professora Dora. Pra mim foi muito bom. Aí a Elizete pegou e me colocou na biblioteca, né. Assim, vou ser sincera: no 1º mês que eu entrei, eu tinha vontade de desistir, porque eu sentia que não ia conseguir. Aí teve a professora Cleo, vinha e me incentivava muito, ela falava “Você vai conseguir, você vai conseguir”. A professora Idalina também vinha, orientava em algumas partes que eu tinha dúvida (...) eu não sabia nem que tinha as fichas dos livros, assim, sabe, e eu descobri sozinha, eu puxei a gaveta, li, falei “Muito bom, né” assim eu comecei a pegar um amor tão grande por isso aqui, né. Aí eu cresci sabe. Eu não sabia que tinha aquelas fichinhas aqui, mas no cursinho a gente aprendeu fazer as fichinhas. Então, foi muito bom, e hoje, nossa!, Eu, essa biblioteca é tudo pra mim sabe. O carinho dos alunos comigo é uma coisa muito boa, nossa, não dá nem pra expressar direito (...). Ah, esse cursinho durou mais ou menos uns quatro meses. Tenho o certificado dele. (ROS – Bibl., 34)

As características do mundo contemporâneo e o mercado de trabalho atual tendem a

justificar a necessidade de ter, cada vez mais, acessos ao mundo do conhecimento. Nesse

sentido, a biblioteca estaria entre os meios de eficácia par atender a essa demanda. Entretanto,

para que pudesse atender convenientemente seus usuários, esta deveria contar com

profissional habilitado e capacitado para o desenvolvimento desse serviço,

182

Está longe de a escola pública atender a essa necessidade da sociedade, uma vez que a

biblioteca escolar nem sequer tem espaço nos programas de governo. Então, a escola,

preocupada com o atendimento de sua clientela, que muitas vezes tem a biblioteca escolar

como único meio de acesso aos livros ou ao conhecimento, acaba por designar funcionários

que, apesar de ter boa-vontade, não têm qualificação para promover conhecimento, nem estão

aptos para enfrentar com proficiência e criatividade os problemas relativos aos trabalhos que

deveriam ser desenvolvidos pelo bibliotecário.

Operacionalmente, segundo Lima (1999), o perfil do bibliotecário projeta que ele

esteja apto para:

a) atuar crítica, criativa e eficientemente na identificação de demandas por

informações de qualquer natureza e nível de complexidade, propondo

soluções que conduzam à conscientização do seu valor na sociedade;

b) realizar o processamento de informações de qualquer natureza e em

diferentes documentos e suportes materiais de registro, mediante a

aplicação de conhecimentos teórico-práticos de coleta, tratamento e

difusão, apoiados nas tecnologias da informação disponíveis;

c) gerenciar serviços e recursos informacionais, por meio das ações de

planejamento, organização, administração, assessoria e prestação de

serviços em redes e sistemas de informação de qualquer tipologia ou

natureza;

d) monitorar e apoiar o desenvolvimento social e os avanços científicos e

tecnológicos, mediante ações culturais e domínio da metodologia de

pesquisas relacionadas com o uso e com o comportamento da

informação.

ROS, apesar de movida pela boa-vontade em atender bem aos usuários da Biblioteca

Escolar Rui Barbosa, depara com as dificuldades inerentes à falta de formação específica, às

condições de trabalho, pois ela tem apenas o ensino médio e fez um curso de preparação para

atender na biblioteca, promovido pela Secretaria de Estado de Educação no ano de 2001.

Apesar de todas essas mazelas, a Biblioteca Escolar Rui Barbosa é a maior e melhor

biblioteca do município, atendendo a usuários dos três níveis de ensino que ali acorrem.

Amaral (1998) não titubeia em assim situar o bibliotecário:

O perfil do bibliotecário deve ser caracterizado pelos atributos específicos de um agente de mudanças, capaz de gerenciar os recursos informacionais com

183

a habilidade exigida pelo setor de informação do quaternário. (Amaral, 1998 p. 35)

Se um dos critérios que devem compor o perfil do bibliotecário é o de ser agente de

mudanças, a Biblioteca Escolar Rui Barbosa está longe de atingir seus objetivos, pois a

bibliotecária nem mesmo tem tempo para fazer suas leituras pessoais de informação, com a

superlotação constante do espaço físico da biblioteca. Seu trabalho acaba por resumir-se no

pegar livros das estantes e no passar para os alunos fazerem seus trabalhos, ou anotar no livro

de registros, no caso de empréstimo de livros.

Percebi a dificuldade que a bibliotecária teve quando o assunto abordado foi o

estímulo à leitura, alegando a falta de espaço físico, de instalações adequadas, como

mobiliário, iluminação, livros atualizados, educação para a leitura por parte dos leitores, que

conversam muito (e alto) no interior da biblioteca, falta de motivação para o aluno ler, além

de que ela revelou que “os professores já trabalhavam a leitura com os alunos”.

A partir dessa última fala da bibliotecária, depreende-se seu desconhecimento das

atividades biblioteconômicas. Também percebi a falta de um referencial teórico sobre a

formação do leitor e, se não há este conhecimento, como formar leitores de fato?

Para exercer um trabalho, com eficácia e proficiência, não basta ter boa-vontade, é

preciso ter conhecimento e este deve ser construído, seja pelas necessidades que o exercício

da profissão exige, seja pela vontade de mudar. Contudo, foi confirmado que a bibliotecária

não participa do planejamento da escola. O processo de interação que percebi durante o

período da pesquisa é que há perfeita comunhão entre usuários e bibliotecária, mas não há

participação desta com as instâncias de planejamento e organização do ensino promovido na

escola. Isto me leva à conclusão de que a biblioteca pouco influencia nas atividades dos

professores, e que as atividades da bibliotecária tendiam realmente a ser isoladas, servindo

apenas de ponte entre os alunos e os livros, onde as pesquisas se resumem a cópias de

verbetes de enciclopédias.

Enfim, é necessário que a bibliotecária se engaje no sistema educacional de fato, para

então poder auxiliar na formação de leitores, ampliando a capacidade organizacional, não

apenas do acervo, mas de atitudes inovadores nas práticas de leitura.

184

7 IMPORTÂNCIA DA BIBLIOTECA E DA LEITURA NA FORMA ÇÃO DO ALUNO

Com relação à importância da leitura e da biblioteca na formação do aluno-leitor, foi

unânime entre as professoras a afirmação de que é fundamental a leitura e a biblioteca para a

promoção da formação do sujeito leitor.

Acho que é fundamental. Eu acho que não poderia ter uma escola sem biblioteca, uma biblioteca que realmente funcionasse. Acho que a única escola que tem biblioteca que funciona aqui no município é essa. (SIL – Prof., 36)

Para ter um sujeito leitor, um aluno leitor, ele tem que ter o contato com a leitura; então, o livro é fundamental. Você não forma um aluno leitor só em sala de aula. A presença do livro é fundamental, a biblioteca é a ponte, é onde existem os livros, é onde o aluno pode buscar os livros. Exemplo disso aqui é a escola, a nossa escola, por ter uma biblioteca com número razoável de exemplares, de diversidade também; ela é referência na cidade. Então acho que a biblioteca contribui muito. Tanto é que os nossos alunos, quando falo nossos é os daqui da Bertoldo Freire, eu acho que eles têm um universo de leitura razoável, em comparação com outras escolas que, aqui mesmo no nosso município, não têm biblioteca. (IRE – Prof., 45)

Ah, é muito importante. A biblioteca... desde os primórdios da civilização antiga, já cuidavam disso Lígia, seja dos escritos no papiro, no couro, nos pergaminhos você está entendendo? Então acho assim, é cultura. Memória de um povo. Quando eu entrei aqui a biblioteca não tinha mapa de do município de Quatro Marcos. Eu cansei de entregar lá na biblioteca, mas não tem mais, você está entendendo? Tinha muita coisa, vai se perdendo, entendeu? Por que eu não sei o que acontece. Não sei, é uma coisa que tinha que ter mais cuidado né? A biblioteca é muito importante. Preserva isso, né? (FAT – Prof., 39)

As vozes das professoras corroboraram a informação de que a Biblioteca Rui Barbosa

era a única que funcionava em período integral dentre as escolas do município.

A fala de SIL, mesmo sem o saber, está alicerçada em Lourenço Filho (1944) que

afirmava ser ensino e biblioteca instrumentos complementares. Segundo o autor,

Uma biblioteca sem ensino, ou seja, sem a tentativa de estimular, coordenar e organizar a leitura, será por seu lado, instrumento vago e incerto. (LOURENÇO FILHO, 1944, p. 13)

IRE buscou no tripé leitor-livro-leitura o argumento necessário para dizer que não era

possível formar um aluno-leitor somente com as atividades em sala de aula, afirmando que a

185

biblioteca era a ponte, o local em que os alunos podiam buscar os livros para construir seu

universo de leitura.

FAT se reportou ao conceito de biblioteca como espaço de resgate histórico-cultural,

ambiente em que se devem ter mapas e escritos, do local e do mundo, para que não se

perdesse a história dos povos. A preservação histórica era a preocupação dessa professora,

que entendia o espaço da biblioteca escolar como lugar privilegiado para tal, desde os

primórdios da civilização.

Quando FAT diz que a biblioteca é cultura, suas palavras encontram eco na fala de

Fragoso (2002):

(...) a biblioteca escolar tem funções fundamentais a desempenhar e que podem ser agrupadas em duas categorias - a educativa e a cultural. (...) Em sua função cultural, a biblioteca de uma escola torna-se complemento da educação formal, ao oferecer múltiplas possibilidades de leitura e, com isso, levar os alunos a ampliar seus conhecimentos e suas idéias acerca do mundo. Pode contribuir para a formação de uma atitude positiva, frente à leitura e, em certa medida, participar das ações da comunidade escolar. (FRAGOSO, 1994,p.20-22)

A bibliotecária acentuou que a biblioteca é importante para o aluno, dado que este

tinha a oportunidade de escolher entre vários títulos. Além do que enfocou a questão do

despertar da curiosidade diante de tantos livros.

Eu acho que o aluno vem, tem a opção de escolher o livro, sabe. E eu acho que é muito gostoso ele poder chegar aqui, ver um livro, vamos supor Inglês, ele pegar, sentar, ele ficar à vontade. Olha, eu acho que isso desperta muito o interesse do aluno, porque veja bem, em casa tem os livros, mas nunca tem um monte de livros em casa ... Sei lá eles chegam aqui dentro da biblioteca, dá aquela curiosidade deles estarem olhando, às vezes eles nem vão fazer trabalho daquela matéria, mas eles olham no livro, sentem curiosidade, pegam o livro, olham; mesmo que só folheiem o livro, mas já desperta uma curiosidade mesmo... (ROS – Bibl., 34)

Analisando as respostas das mediadoras de leitura, constatei que a importância da

biblioteca é fundamental para a construção do leitor, pois, partindo do pressuposto que existe

um entrelaçamento entre a aprendizagem e a prática de leitura, é possível inferir também que

o engajamento entre escola e biblioteca é fundamental para atingir os objetivos do ensino, que

é a formação do aluno em todas as suas capacidades e habilidades.

Se ao aluno não for oferecido material variado e de qualidade, o processo ensino-

aprendizado não atingirá o objetivo desejado. O mesmo se dá como processo de formação de

186

leitores – não é suficiente ensinar a ler, é necessário, também, ensinar a gostar de ler. Uma vez

que o indivíduo esteja seduzido pelo hábito da leitura, pode se tornar leitor para a vida inteira.

Daí, a importância do planejamento e da avaliação como um processo contínuo e

compartilhado entre professores, bibliotecário, equipe pedagógica e alunos para discutir,

analisar e organizar as funções da biblioteca e da leitura na escola.

A Biblioteca Escolar, para se tornar o centro de ações da escola, deve funcionar como

centro ativo, instigante e prazeroso da comunidade, participante em todos os níveis e

momentos do processo de desenvolvimento curricular.

Deve oferecer um acervo de ensino e lazer diversificado, organizado e acessível aos

alunos e professores, ajustado às aspirações do momento, a fim de atrair usuários, tanto para a

leitura quanto para a biblioteca, tornando-se, dessa forma, o espaço do redimensionamento da

leitura.

7.1 Contribuições da Biblioteca na Formação do Aluno-Leitor

Ao questionar o que a Biblioteca Escolar tem feito para auxiliar na formação do aluno-

leitor, obtive a unanimidade das professoras, afirmando que o trabalho da bibliotecária estava

voltado para o auxílio nas pesquisas que os professores indicavam para os alunos.

Eu acho que a bibliotecária tem feito um trabalho até interessante, todo início de ano ela passa na sala de aula, dá informação dos horários disponíveis da biblioteca, ela se coloca a disposição pra atender os alunos, ela é uma pessoa bastante simpática, em termos de atender os alunos. (...) ela tem feito um trabalho de divulgação bom. (...) E depois os próprios professores da Língua Portuguesa que tem feito bastante esse trabalho também e das outras áreas eu não sei muito. Sei lá, de História, os alunos têm feito trabalho de pesquisa. (IRE – Prof., 45) A biblioteca acho que não. Já vi assim, os professores de Língua Portuguesa fizeram a Semana da Leitura, né. Ficou até muito bom, mas da biblioteca em si, não. (FAT – Prof., 39) A Rose ajuda os alunos nas pesquisas. Dá os livros que eles precisam. (KEL – Prof., 25)

A biblioteca tem clara função socioeducativa quando integrada ao cotidiano escolar.

Devem-se reforçar os laços entre a biblioteca e a escola, de modo que haja integração, para

promover a formação leitora de seus usuários.

187

O trabalho desenvolvido na Biblioteca Escolar Rui Barbosa, infelizmente, está muito

aquém do que seria necessário para a dinamização da leitura eficaz, para a formação de

leitores. Não houve nenhuma alusão a trabalhos desenvolvidos que visassem à formação de

leitores, ou seja, o trabalho desenvolvido pela bibliotecária se resume ao auxílio nas pesquisas

dos alunos e ao empréstimo de livros do acervo. O evento de leitura citado pela professora

FAT se referia a um trabalho desenvolvido pelos professores de Língua Portuguesa. A

professora IRE abordou a questão dos atributos pessoais da bibliotecária, de sua simpatia e

disposição para atender aos alunos, fato que transforma o espaço da biblioteca em local

privilegiado para os alunos ficarem sempre que há, por exemplo, aulas vagas, mas que não o

transforma em espaço de desenvolvimento de eventos de leitura. Daí, requer um trabalho mais

direcionado, mais dinâmico, com pessoas que conhecem seu acervo e sabem como trabalhá-

lo, para que possa servir à sua comunidade mais eficazmente.

Conclui, portanto que a contribuição da biblioteca na formação do sujeito-leitor se dá

apenas no auxílio das pesquisas escolares, deixando-se uma vacância a ser preenchida no que

se refere aos eventos promotores de leitura, à utilização mais efetiva de seu acervo.

A epígrafe que introduz este capítulo, e que reflete a voz de uma das professoras

entrevistadas, salienta que, para ter um sujeito leitor, o trabalho com o livro é fundamental e

que é impossível formar um aluno-leitor só em sala de aula, precisando, portanto, da

biblioteca, que faria o trabalho de ponte entre o aluno e o livro. Esta afirmativa revela a

consciência que se tem da importância da biblioteca no espaço escolar como aliada no

processo de ensino. No entanto, tê-la não basta. É necessário que haja um planejamento de

ações pedagógicas que a insiram no centro do processo de ensino-aprendizagem. Então,

realmente a biblioteca escolar exercerá o papel para o qual ela foi criada, isto é, será

promotora de eventos de leitura, ocupará o espaço de formadora de leitores, em que as

necessidades de leitura estejam aliadas ao prazer de ler, em que os sujeitos que ali atuam

estejam preparados para ser mediadores no processo de formação de leitores.

188

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Silêncio: talvez seja a palavra que melhor simboliza

a situação real da biblioteca escolar” Silva (1999).

As reflexões levantadas a partir da dura realidade presenciada no decorrer deste

estudo, o contato com as escolas à procura do lócus onde se faria a pesquisa, os diálogos

realizados com seus diretores para ver a possibilidade de fazer a pesquisa na biblioteca escolar

daquelas escolas, revelam a fotografia da situação da biblioteca no contexto da escola pública.

De todas as escolas visitadas, apenas duas tinham espaço próprio para biblioteca, ainda que

improvisados: uma, em sala de aula; outra, num antigo banheiro da escola que fora reformado

e adaptado para que ali fossem instalados os livros.

Centralizei o estudo em apenas uma das bibliotecas observadas, tendo em vista que a

outra tinha atendimento muito instável, tanto em relação à pouca procura dessa pelos alunos, e

conseqüente não-uso de seu acervo para a formação desse leitor, quanto em relação à

instabilidade de horário de atendimento. Esses fatores dificultaram a continuidade do trabalho

naquele local, priorizando-se, assim, a continuidade do estudo em apenas uma biblioteca

escolar, por ser esta a que atendia razoavelmente os critérios necessários para atingir aos

objetivos a que a investigação se propunha. Em suma, essa apresentava funcionamento

regular, com horários de abertura e fechamento bastante definidos, com uma funcionária

designada em regime exclusivo para tal. Portanto, esse estudo foi delimitado nesse espaço,

que compreende a Biblioteca Escolar Rui Barbosa, da Escola Estadual Deputado Bertoldo

Freire.

Todavia, as visitas realizadas a todas as escolas públicas do município de São José dos

Quatro Marcos serviram de subsídio para alavancar algumas preocupações dos gestores das

escolas. Suas falas revelaram a preocupação com a qualidade de ensino ofertada, com a falta

de infra-estrutura e de recursos humanos para atender a todas as necessidades da escola,

ficando estes assoberbados com as exigências burocráticas, de estatísticas, de relatórios, de

prestações de contas, de projetos, restando-lhes pouco tempo para acompanhar as atividades

pedagógicas ali desempenhadas, que ficam inteiramente a cargo dos coordenadores de ensino.

A situação é preocupante: além da escassez de recursos humanos e financeiros para se

gerir essas escolas, evidenciada nas falas dos diretores, as escolas enfrentam o problema

189

social dos alunos, o alto índice de gravidez de adolescentes, somados a alunos com problemas

de ordem familiar que influenciam no rendimento escolar e à evasão escolar.

Em relação à leitura e biblioteca escolar, os diretores manifestaram sua preocupação,

pois não sabiam mais o que fazer. Apesar do interesse aparente dos professores pelo

desempenho de seus alunos, as atividades de leitura são realizadas de maneira artificial,

ficando esta praticamente só ao cuidado dos professores de Língua Portuguesa.

As bibliotecas são compostas, em sua maioria, de armários em que acondicionados os

livros, defasados em relação aos conteúdos, oriundos de doações da comunidade. Esta usava

desse recurso para descartar material que não mais lhe interessava, pouco servindo à escola,

que, no mais das vezes, não possuía pessoal para atender nesse espaço, que invariavelmente

tinha que ficar fechado. Era aberto, pela coordenadora, quando alguém precisava de algum

livro que tivesse na biblioteca.

Sempre demonstrando boa-vontade em prestar-me informações, como se isso lhes

trouxesse certo alento, afinal estavam sendo ouvidos em suas necessidades e angústias, todos

os diretores fizeram questão de mostrar pessoalmente as instalações do que se intitulava

biblioteca escolar, como que para atestar o que estavam dizendo e sentindo. Um dos diretores

visitados lamentou a preocupação com o descaso com que o poder público trata essa questão,

já que a escola não conta com funcionário capacitado para trabalhar na biblioteca, que

pudesse, assim, disseminar a leitura na escola.

Quando a escola consegue designar algum funcionário para desempenhar essa função,

este geralmente não tem condições de fomentar as práticas de leitura na escola, pois nem

sequer é leitor assíduo, então como despertar o trabalho com a leitura. Além do quê,

geralmente, está adoentado, cansado, não se podendo exigir muita coisa desse profissional.

Diante dessa situação de quase catástrofe que circunda a biblioteca escolar, em que

professores em desvio de função não conseguem atender satisfatoriamente às necessidades da

instituição, não há profissionais qualificados para tal e, não se podendo contratar alguém que

possa desempenhar esse trabalho, resta às escolas cerrar as portas das bibliotecas, abrindo-as

tão-somente quando algum professor ou aluno requisita esse serviço à direção ou à

coordenação escolar, que vai até a biblioteca e pega o livro solicitado, quando tem. Então o

usuário o utiliza, para novamente fazer o caminho de volta, devolvendo-o à

coordenação/direção que o guarda na biblioteca.

Diante das observações realizadas fica claro que não importa quem trabalharia na

biblioteca. O importante seria mantê-la aberta, para que pudesse atender às necessidades

básicas de pesquisa escolar, ficando a difusão da leitura designada ao espaço da sala de aula,

190

até porque se sabe que não é possível conseguir um profissional da área de biblioteconomia

que teria condições de desempenhar de fato o trabalho de mediação entre o leitor e o livro,

planejando e executando eventos de leitura que dinamizassem o espaço da biblioteca escolar.

Há esforços isolados, por parte de diretores, com o propósito de adquirir livros para a

biblioteca. Seja exemplo a designação de percentual arrecadado em festas promovidas pela

escola para tal finalidade, além das campanhas de doação de livros.

Nas visitas às escolas, o objetivo era verificar a existência de uso das bibliotecas

escolares, a fim de realizar o trabalho de investigação de mediação de leitura ali desenvolvido.

A intenção era encontrar, em cada escola, uma biblioteca, ou que fosse um espaço destinado

para o desenvolvimento das práticas de leitura, de pesquisa escolar, fato este que se

confirmou, pelo menos em relação a espaço físico.

Nesse interstício, pude perceber que o espaço destinado para as bibliotecas é muito

pequeno em todas elas, apresentando-se sombrio, sem luminosidade adequada para a

realização de leituras, além do que, nesse reduzido espaço, se acumula a sala de estudos, que

os alunos nomeiam de trabalhos escolares, acervo bibliográfico e seção de empréstimos,

dificultando assim o ambiente de aconchego e silêncio necessários para a leitura.

De modo geral, não verifiquei nenhuma biblioteca que tivesse reais condições de uso

para a produção de leituras: o mobiliário é impróprio, restos de carteiras, adaptadas em

cadeiras e colocadas em torno de longas mesas, o que dificulta o trabalho individualizado de

leitura, pois os leitores têm, necessariamente, que compartilhar o espaço de leitura com os

outros usuários da biblioteca. As altas temperaturas e a falta de ventilação natural

transformam esses ambientes, pequenos, mal-iluminados e malventilados, em verdadeiras

saunas, que mais afugentam que acolhem seus potenciais usuários. Além do barulho reinante

num espaço que tem necessidade de ser silencioso, para haver a concentração que muitas

leituras exigem.

Muitas vezes, as ‘ditas’ bibliotecas nada mais eram que armários dispostos na sala da

coordenação ou dos professores, onde estavam acondicionados umas poucas enciclopédias e

muitos livros didáticos, os quais eram alocados das sobras da distribuição dos livros no início

dos anos letivos, como acervo das bibliotecas.

No decorrer deste estudo, um perfil dos adolescentes do ensino médio foi se

delineando. Tomei conhecimento de uma série de aspectos que participam da constituição da

identidade desses alunos e dessas alunas. Na maioria das categorias selecionadas para análise,

a questão do gênero se fez relevante.

191

Os resultados indicaram que as mulheres apreciam mais a leitura do que os homens. A

predisposição maior das meninas em relação à leitura possibilita que tenham um desempenho

escolar superior ao dos meninos, uma vez que o texto impresso é ainda o meio que viabiliza a

construção do conhecimento na escola do século XXI.

Os sujeitos da pesquisa – os alunos, as professoras ou a bibliotecária – têm conceitos

muito parecidos em relação à leitura, geralmente relacionados com a aquisição de

conhecimento, com o aprendizado sistematizado, reproduzindo práticas vivenciadas na escola.

Por isso a constante citação dos livros didáticos e dos paradidáticos, vinculados à literatura

cobrada na escola, nos vestibulares.

Embora os alunos leitores estivessem próximos às leituras literárias, essas só se davam

sob a intervenção dos professores, restringindo-se especialmente às indicadas nos exames

vestibulares. Do contrário, as leituras preferidas são as de massa ou as de auto-ajuda.

Apesar de a mídia impressa ser dominante, o espaço que possibilitaria maior

envolvimento dos alunos – a Biblioteca Escolar – está fragilizado. Promover uma interação

dinâmica, criativa e prazerosa desse espaço é um desafio para as escolas que pretendem

viabilizar a formação de jovens com aptidões necessárias para exercer a cidadania, ou melhor,

para a formação de leitores aptos a atuar na sociedade em que vivem.

Os locais prediletos dos entrevistados para a realização de leituras se configuram

sempre longe do espaço da biblioteca escolar, sob a alegação do barulho ali reinante, ou do

pouco espaço que existe para a realização de leituras. Isso denota a não-cultura de leitura em

biblioteca no Brasil, além da falta de bibliotecas públicas e escolares que fomentem essa

cultura de leitura.

Ancorada nas observações e nas respostas dos entrevistados a respeito do uso da

biblioteca na escola, ficou clara a idéia de que a formação do leitor passa pelo seu acesso a

livros de literatura de forma livre e constante e que isto está longe de concretizar. A leitura na

biblioteca escolar praticamente inexiste e, quando ocorre, é de forma ritualizada, regrada,

distanciada do prazer, muito mais voltada para a leitura-cumprimento-de-dever passado pelo

professor.

Quanto à leitura dos professores, há em suas respostas forte incidência de textos

técnicos, confirmando o caráter utilitário do conceito de leitura fomentado pelo meio escolar.

Privilegia-se a leitura sobrevivência, através do exercício da profissão. No caso, ler para dar

aulas. Entre todas as possibilidades que a leitura oferece, ler para se informar é o objetivo

mais repetido no discurso dos professores.

192

Ficou claro também que a leitura é conteúdo da disciplina de Língua Portuguesa.

Entretanto, restringir a responsabilidade de formação de leitores e/ou de expansão da leitura

somente aos professores de Português é, no mínimo, uma antipolítica de formação de leitores,

pois quanto mais crianças e adolescentes estiverem expostos aos livros e à leitura mais

leitores ter-se-ão no futuro. Cada disciplina pode explorar, de infinitas maneiras, os livros,

incorporando em suas aulas as obras que sejam mais adequadas aos conteúdos trabalhados.

Assim, o aluno trataria os livros como algo normal, já que sempre esteve presente em seus

estudos. Somente se tratar esse problema com a seriedade que merece, encontrar-se-á a

solução, pois já se percebeu, a duras penas, os prejuízos que a falta de leitura pode trazer.

Entendi nesse estudo que ser mediador é estar disponível para ler o que as crianças

desejam, ouvir o que elas falam, observar o grupo e acompanhar seu desenvolvimento,

possibilitando que todas participem dos momentos de leitura. A partir daí é que se estaria apto

a formar leitores, inseridos em contextos mais amplos, aptos a receber informações, processá-

las e aplicá-las no seu cotidiano, realmente “ler o mundo”. Afinal, cada atividade, cada ato de

comunicação, cada relação humana implica um aprendizado. E, nesse contexto, a Biblioteca

Escolar desempenharia papel relevante. Especialmente ao pensar a biblioteca como espaço

cultural, que pode contribuir para o processo de letramento do leitor em formação. Assim, o

trabalho em comum, a cooperação, a troca, devem ser princípios fundamentais do fazer

bibliotecário.

O trabalho de mediação entre os usuários da biblioteca escolar e os profissionais da

educação que trabalham com a leitura não pode estar pautado apenas na indicação de obras ou

de autores que constam dos manuais de vestibulares das faculdades do País. Para que haja

uma mediação de fato entre a o leitor em formação e a leitura, entre o leitor e o livro, entre o

leitor e o autor, a escola/biblioteca escolar devem promover eventos de leitura que dinamizem

o processo de leitura entre seus usuários. Só assim se poderá dizer que a escola/biblioteca são

mediadores de leitura na construção do sujeito-leitor.

Para que se atinja o objetivo de formadora de leitores, a biblioteca escolar não pode

fechar-se apenas em torno do aluno. Seu posicionamento frente ao professor é

importantíssimo. Ambos, professor e aluno, necessitam usufruir os benefícios que uma

biblioteca na escola pode promover.

Somente por meio de um trabalho integrado e coerente, entre educação, escola,

professor e biblioteca, é que se poderá transformar a biblioteca escolar num centro de

informação educativo que satisfaça às demandas tanto de seus usuários como dos não-

193

usuários. Para que esta integração se realize é necessário que a biblioteca esteja preparada

para acolher o professor em seu triplo papel de usuário/facilitador/parceiro.

Alienar a biblioteca escolar do processo educativo significa prejuízo. Primeiramente

para o professor, que perde um grande aliado no respeitante ao apoio didático-pedagógico.

Segue-se o prejuízo do responsável pela biblioteca, que vê seus esforços se perderem no vazio

das impossibilidades e, principalmente, os alunos que deixam de ter grande instrumento de

auxílio nas tarefas escolares e enriquecimento cultural na ampliação de seus horizontes e na

formação de uma visão crítica. A biblioteca escolar deve existir como órgão de ação

dinamizadora e não cair na passividade que, às vezes, leva-a a não efetuar um trabalho de

difusão de informação, por não se sentir estimulada e respaldada por aqueles que seriam, em

primeira instância, beneficiados pelo trabalho da biblioteca.

Associado à parceria do professor-leitor, formador de alunos-leitores, há que se ater à

questão da pesquisa escolar, não à pesquisa enciclopedista malcopiada, atividade meramente

prática, rotineira, promotora de reprodução de discurso, mas a pesquisa leitura-interpretação-

síntese, ‘amarração’ de idéias, orientada por professores e bibliotecários que, pautados nas

necessidades reais de novos leitores, ágeis, modernos, busquem nas várias formas de leitura,

reflexões e respostas para seus problemas, abrindo-se o campo das dúvidas, incentivando a

prática das buscas, fomentando o caminho da leitura-fruição.

Para que a biblioteca possa exercer seu papel de mediadora na formação do leitor, há

alguns problemas emergenciais que precisam ser sanados, e o primeiro deles é a biblioteca

existir de fato dentro da escola, inserida no programa educativo da unidade escolar, como

ferramenta de apoio às práticas leitoras da e na escola.

O segundo é a questão da mão-de-obra, que afeta diretamente o desenvolvimento das

atividades de leitura na biblioteca. Esta geralmente não possui profissional

habilitado/capacitado para exercer tal trabalho, gerando assim uma distorção profissional que

leva a um ineficiente desempenho por parte dos profissionais, muitas vezes com ânimo, mas

sem as bases necessárias para desenvolver um trabalho menos improvisado. Isso por efeito da

não-existência de políticas públicas de gestão e de incentivo à biblioteca escolar, que tem por

política oficial a contratação de centenas de professores por um bibliotecário, demonstrando

com isso que há prioridade ao discurso dos professores em relação ao livre acesso às

informações.

E o terceiro é a concepção de ensino que ainda prevalece: a pesquisa que a escola

exige poderia ser feita em qualquer depósito de enciclopédia, e não necessariamente em uma

biblioteca; afinal, o acesso livre à informação é um exercício de liberdade que se desdobra

194

infinitamente. E, como no conhecimento não há nada definitivo, nem o professor nem os

livros, tudo está para ser reescrito, recontado, constantemente.

Urge que haja atualização de acervo na biblioteca, a fim de que esta possa operar

como centro de informação e formação educativas, integrada à escola e à disposição de

professores e alunos, adaptada às exigências das novas gerações, e não apenas como depósito

de livros defasados, desatualizados que se pareçam mais com museus do que com centros de

formação, de dinamização do saber, de inserção de indivíduos no mundo das letras, do

conhecimento, da aventura, da vida...

Urge que a biblioteca se abra para os meios tecnológicos, adotando em seu espaço

aparelhos de computador ligados à internet, inserindo, assim, em seu acervo a possibilidade

de consulta a sites de pesquisa, a bibliotecas virtuais que muito têm a contribuir com a

formação dos novos usuários da biblioteca, com os novos leitores em formação.

O não-fechamento às novas tecnologias a serviço da educação é passo importante que

deve ser dado com urgência pelas políticas de educação, agilizando a inserção digital aos

usuários da biblioteca, aliando assim os serviços da biblioteca convencional aos da biblioteca

digital, pois grande parte dos alunos procura essa fonte fora da escola, sem orientações

didático-pedagógicas, muitas vezes apenas copiando e colando ‘pesquisas’ realizadas. Se a

escola se abrir para essa possibilidade de pesquisa escolar, certamente esse recurso estará

servindo com muito mais eficiência à educação, ao invés de entrar escusamente pela escola.

Realizar um trabalho de investigação deste porte implica auto-avaliar-se, desnudar-se

ante as teorias e a análise das práticas vivenciadas. Responder à questão que referencia esse

trabalho é remontar ao início de minha vida profissional que se deu na biblioteca lócus desse

estudo, afinal, foi ali que iniciei minha carreira profissional. O caminho traçado a partir dali

foi longo e denso, o que me deu suporte para o desenvolvimento deste estudo.

Responder ao problema levantado no início deste trabalho é perceber a atuação dos

sujeitos envolvidos na Biblioteca Escolar Rui Barbosa, com vista a promover a formação do

letramento dos alunos-leitores. É, metaforicamente, o mesmo que refletir-me no espelho da

vida, pois as ações observadas no contexto da pesquisa remontam às ações desenvolvidas por

mim quando trabalhava nessa biblioteca. É o mesmo que voltar à longínqua infância e

relembrar as sessões de histórias infantis contadas por meu pai ou às primeiras leituras

buscadas com ansiedade nos jornais que vinham embrulhando as compras feitas no armazém

da cidade. A busca, os anseios, os silêncios e os barulhos dos alunos que pesquisam ou apenas

perambulam entre as prateleiras de livros da biblioteca, folheando uma ou outra revista ou

livro, tem eco nas ações praticadas por professores e bibliotecária de outrora. Isso é, a vida

195

caminhou, houve progresso em muitas áreas do conhecimento. No entanto, voltar à biblioteca

escolar é o mesmo que voltar no tempo, pois tanto nas bibliotecas observadas quanto na

Biblioteca Rui Barbosa, mais densamente investigada, as ações não mudaram. Os alunos

continuam sonhadores, creditam suas esperanças na conta do conhecimento, apostam na

leitura como forma de adquirir esse conhecimento.

É certo que, proporcionalmente ao número de alunos matriculados na escola, poucos

são os que de fato gostam de ler. Todavia, esses refletem em seus depoimentos a mesma

esperança que um dia eu creditara à biblioteca. Penso que poucas são as diferenças existentes

entre os sonhos vividos por mim, na qualidade de leitora a descobrir o mundo, e esses jovens

que descobrem o mundo agora por meio da leitura. Apesar da grande distância temporal ou

das inovações que o mundo moderno imprimiu a seus usuários, a biblioteca continua a

despertar a magia e o sonho, induzindo seus leitores a desvendar o mundo que se encontra por

detrás das letras impressas em suas centenas de livros. A diferença hoje está no fato de que eu

mudei de lado, estou na condição de professora, com capacidade de levar os alunos a

descobrir o livro como fonte de informação, de formação, de prazer, imprimindo-lhes, pouco

a pouco o hábito da leitura. A diferença está, ainda, nas minhas concepções de, agora

pesquisadora, ter capacidade de entender as teorias de leitura, os campos da pesquisa, os

caminhos pelos quais os alunos ou os professores passam para chegar a conhecimentos já

construídos. A diferença está no fato de que, quando o mundo acadêmico já não discute mais

a alfabetização pela alfabetização, mas a alfabetização para o letramento, a biblioteca

continua com seus armários cheios de livros defasados, conservados a duras penas. Sem

condições de atualização constante ou de inserção dos meios digitais em seu arquivo, o

professor continua a transmitir conhecimentos livrescos e o aluno continua a reproduzir esses

conhecimentos.

Discutir o letramento dos usuários dessa biblioteca é, no mínimo, inferir nessa

discussão a necessidade de atualização de referências bibliográficas, de trazer para a luz das

discussões a postura dos profissionais da educação que precisam olhar para a biblioteca

escolar como uma aliada no processo de ensino, colocando-a no centro das discussões

pedagógicas, e assim esse espaço privilegiado de acesso ao conhecimento, de registro de

culturas poderá contribuir para a formação dos sujeitos-leitores.

Ao se retomar à epígrafe que inicia essas considerações: “Silêncio: talvez seja a

palavra que melhor simboliza a situação real da biblioteca escolar”, (Silva, 1999) é possível

dizer que há condições de inverter esse quadro e se possa bradar: “Basta de silêncio!” É

preciso que, cada vez mais, pessoas de todas as esferas da sociedade se aliem à causa da

196

biblioteca na sociedade. O trabalho é árduo e deve ser contínuo. Afinal, são quinhentos anos

de cultura de não-leitores, mas não se pode deixar envolver pelo ostracismo e se conformar

com essa cultura de alienação. Deve-se buscar na escola, na biblioteca e em todas as

instâncias organizadas o fomento à leitura, e assim criar condições para sair do estado de

prostração intelectual quase generalizada.

Uma mudança substancial na realidade concreta da biblioteca escolar só será possível

ao se compreender que os problemas dessa instituição não serão resolvidos se forem pensados

isoladamente, assim como o conjunto dos problemas educacionais não será superado ao se

pensar apenas a escola.

Portanto, à medida que a biblioteca escolar se vincular adequadamente com a

comunidade educacional, ela passará a ser o caminho que possibilitará a participação efetiva

na sociedade da informação, gerando oportunidade para as pessoas entenderem e terem noção

dos seus direitos e deveres em uma sociedade globalizada, pois o acesso à informação, nos

novos tempos, significa o investimento adequado para diminuir as desigualdades sociais e as

formas de dominação que foram dominantes na história contemporânea.

É evidente que, com este estudo, não pretendi esgotar o tema, até porque as categorias

de análise eleitas para aprofundar os estudos não permitem que se abordem todos os

problemas da biblioteca escolar, que não são poucos, há outros dados coletados e

armazenados no diário de campo que podem ser retomados sempre que surgirem novos

questionamentos. O banco de dados serve exatamente para isso.

Enfim, este trabalho me proporcionou uma reflexão acerca de um dos problemas que

preocupam educadores, pais, administradores..., conforme manifestado durante toda a

construção deste estudo. Mais que proporcionar-me esta reflexão, este estudo me ofereceu a

oportunidade de rever conceitos, de auto-avaliar o trabalho que desenvolvo em sala de aula

como mediadora do conhecimento, como fomentadora da leitura. Por ser uma leitora

contumaz, acostumada a vários gêneros textuais, sempre procurei passar essas informações

para meus alunos, incentivando-os a ler, comentando sobre livros lidos ou mesmo levando

algum exemplar que estivesse lendo. Este estudo reforçou minha concepção de que, para se

formar leitor é preciso ser leitor. É claro que a construção dos referenciais teóricos,

metodológicos ou pragmáticos desse estudo se constituiu em desafio para mim. Todavia, nada

é comparável ao grande desafio de se formar leitores em contextos tão adversos, tão carentes

de apoio, de material, de recursos humanos e financeiros. Mas, este é o grande desafio dos

educadores!

197

Resta-me a certeza de que aqui está retratada a realidade da biblioteca escolar, um

espaço cultural que pode contribuir para o processo de letramento do leitor em formação, que

clama por espaços, que busca por meio de suas ações, mesmo que limitadas ao empréstimo e

acompanhamento de trabalhos escolares, a formação de alunos leitores.

Neste contexto, o leitor ideal teria de dar conta de condições contextuais que ele traz

da tradição, da história, mas também, que teria que, virtualmente, projetar contextos em que o

processo se manifestaria. Tentando superar a distinção entre semântica e pragmática, sistemas

de significação e semiótica dos processos de comunicação e produção de textos, este

arquileitor projetaria seleções contextuais e circunstanciais, revelando o modo pelo qual um

termo deve ou pode ser usado em certos contextos ou circunstâncias de enunciação. Portanto,

ele pressuporia uma inserção do texto num ou em vários contextos. Tudo isso remeteria,

evidentemente, a uma interpretação não só baseada em subjetividade como também em

interpretação, cujo fundamento não tivesse limites.

Para se formar esse leitor ideal seria necessário que se tivesse uma Biblioteca Escolar

bem adaptada ao ambiente escolar, carregado de motivações, isto é, deveria ser o local, por

excelência, onde a criança aprendesse a gostar de ler, a se interessar pela leitura e pelo livro,

ou por qualquer coisa que represente uma interpretação, uma associação, uma história. Para

merecer tal caráter – a de instrumento dinâmico e interativo – há que considerar como função

primordial, que a Biblioteca Escolar atue como órgão auxiliar e complementar da escola,

facilitando aos alunos o livre acesso aos livros – o mundo fantástico do saber, das descobertas,

dos sonhos, do imaginário conto de fadas ao mundo do assombrado. Bem como a orientação

clara e precisa para o estudo, para a solução de problemas e dos deveres de classe, ou ainda, o

de incrementar as pesquisas referenciando-as, utilizando mais de um livro, sintetizando,

criticando e, fundamentalmente, como apoio informacional ao pessoal docente.

A Biblioteca é uma das forças educativas mais poderosas de que dispõem estudantes,

professores e pesquisadores. O aluno deve investigar, e a biblioteca é centro de investigação

tanto como o é um laboratório para os cientistas.

É indispensável que os responsáveis pelas Bibliotecas Escolares participem do

processo de formação e treinamento de seus atuais e futuros usuários: estudantes, professores

e pesquisadores e, neste sentido, descreve-se a Biblioteca Escolar como elemento integrador e

indispensável entre o ambiente escolar e o desenvolvimento de seus usuários, principalmente

no que se refere à leitura, aos hábitos de ler e a seus aspectos críticos com relação à sociedade

na qual está inserido.

198

Portanto, cabe ao bibliotecário a busca do leitor, ou seja, do usuário da Biblioteca

Escolar. É preciso que o bibliotecário esteja em sintonia com o que ocorre no mundo, no país,

no Estado, enfim, com o que ocorre no dia-a-dia da escola, da comunidade.

Está evidente que o papel do bibliotecário é de grande responsabilidade não só para o

leitor em formação, como também para os professores, funcionários da biblioteca, pais e a

comunidade da qual faz parte.

O bibliotecário ideal para atuar numa biblioteca escolar deve, antes de tudo, ser um

leitor nato – gostar de ler e interpretar, saber inovar, ter energia, imaginação, ambição,

criatividade, descompromisso com as convenções e técnicas bibliotecárias, responsabilidade

profissional, competência, coragem e ter facilidade de escrever e de se expressar.

Não cabe ao bibliotecário fazer a pesquisa para os professores e para os alunos, mas,

sim, orientar e indicar os livros e os pontos de acesso às informações solicitadas. Contudo,

para que isto ocorra, é preciso que o bibliotecário saiba onde se encontra a informação

solicitada e como chegar até ela.

O bibliotecário ideal precisa gostar de ler, compete a ela ler todo e qualquer conteúdo

da abrangência da biblioteca sob sua responsabilidade. Impõe-se que o bibliotecário, ele

mesmo, seja um bom leitor. Precisa sentir a beleza da palavra escrita, precisa viver o prazer da

leitura. Não é possível se preocupar como desenvolver hábitos de leitura nas crianças, se ele

próprio não tiver este hábito, usando-o como exemplo. Aquilo que se faz porque gosta, brota

espontaneamente, facilitando a transmissão do conhecimento, do saber, do fazer.

O que almejo, neste final de trabalho, é assinar que a biblioteca escolar pode ser o

agente de transformação do ensino, desde que ocorram mudanças pedagógicas na escola.

Especialmente no caso do Brasil, que passa neste momento por tantas carências e frustrações

em vários segmentos da sociedade, assentadas – não há como negar – no descompromisso

com a área educacional. Talvez a construção e a conquista coletivas da biblioteca possam

transformar a escola em ponto de reencontro, de participação, de integração e de inserção de

sujeitos – isto é, pessoas hábeis no transformar a sociedade – no mundo letrado, no mundo da

cultura. Afinal, é acanhar-lhe o valor e a importância que a Biblioteca Escolar ao esperar que

execute somente as tarefas técnicas de difusão da informação. Necessário é que ela exerça

influência ativa e dinâmica no ambiente escolar, preocupando-se com a qualidade do seu

acervo e dos seus serviços, com a origem e as necessidades dos usuários, com a

democratização do seu espaço.

É indispensável que haja, por parte dos bibliotecários, uma constante reflexão sobre a

razão de ser do seu trabalho, da necessidade de atualização e de expansão do conhecimento.

199

Assim, mais do que tão-só catalogar, classificar, emprestar, indexar, recuperar, o trabalho do

bibliotecário, comprometido com a mudança e com a socialização do saber, começou a ser

enriquecido com estudos sobre literatura, sobre teoria da leitura, sobre psicologia do usuário,

sobre pedagogia, sobre relações sociais e humanas, enfim, sobre o conhecimento da

comunidade em que está inserida.

Este caminho só poderá ser palmilhado pela educação, pela leitura, pela formação de

leitores competentes, ágeis, capazes de interferir na reconstrução do país por meio da leitura,

do conhecimento e da ação.

Este é o caminho! E ele começa na escola. Não sem passar pela biblioteca, para, então,

prolongar-se pela vida.

200

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209

APÊNDICE

Entrevistas

Alunos

1- Relate um pouco da sua história de leitura.

2- Você gosta de ler? O quê? Por quê?

3- Para que serve a leitura na sua vida?

4- O que é leitura para você?

5- Onde você mais gosta de ler? Quantos livros você lê por mês ou por ano? Qual (is)

você leu nesse último ano?

6- O quê te faz envolver-se na leitura?

7- Quando você era criança seus pais liam para você? Que tipo de leitura? Eles te

incentivam a ler?

8- Você leu as histórias clássicas da Literatura Infantil?

9- Há livros na sua casa? De que tipo?

10-Quais são os livros que mais chamaram sua atenção?

11- Você se lembra das histórias lidas ou contadas por suas professoras das series iniciais?

12- Você percebe práticas de leitura em seus professores de hoje?

13- Com que freqüência você vem à biblioteca? Que tipos de livros procura na biblioteca?

14- Você leva livros para ler em casa? Você costuma ler por prazer?

15- Os professores incentivam você a vir à biblioteca?

16- Quais são as indicações que ele(s) sugere(m)? As leituras que você faz são “cobradas”

pelo professor? Como?

17- A bibliotecária sugere livros para você ler? Quais? Ela faz atividade de leitura com os

alunos na biblioteca?

18- A biblioteca apresenta ambiente apropriado para realizar suas leituras?

19- Como se dão as “pesquisas” na biblioteca? Elas são dirigidas? Por quem?

20- Quando um professor manda fazer um trabalho, ele indica a referência bibliográfica?

21- Como você escolhe seus livros de leitura? Que tipos de livros você lê atualmente? Só

os que a escola pede ou você escolhe outros também?

22- Quem mais o(a) influenciou na sua construção de leitor(a)?

23- Para você a leitura na escola deve ser obrigatória?

24- Como você acha que deveria ser avaliada a leitura na escola?

210

25- De que tipo de atividade você mais gosta? (lazer, trabalho, esporte).

26- O que você acha da leitura na internet? Você gostaria de ler um livro eletrônico?

27- Você acha que a internet ajuda ou atrapalha na construção do sujeito leitor?

28- Fala aberta.

211

Mediadores de Leitura Bibliotecária 01-Relate um pouco da sua história de leitura.

02-Você gosta de ler? O quê? Por quê?

03-Para que serve a leitura na sua vida?

04-O que é leitura para você?

05-Onde você mais gosta de ler? Quantos livros você lê por mês ou por ano? Qual(is)

você leu nesse último ano?

06-Você costuma ler por prazer? O quê te faz envolver-se na leitura?

07-Quando você era criança seus pais liam para você? Que tipo de leitura? Eles te

incentivam a ler?

08-Você leu as histórias clássicas da Literatura Infantil?

09-Há livros na sua casa? De que tipo?

10-Quais são os livros que mais chamaram sua atenção?

11- Você se lembra das histórias lidas ou contadas por suas professoras das séries iniciais?

12- Os professores incentivam o aluno a freqüentar a biblioteca? Quais os professores que

mais fazem isso? Quais as atividades mais solicitadas?

13- Os alunos escolhem o que querem ler ou só lêem o que o professor indica?

14- Os professores freqüentam a BE? Em que medida? Quais áreas mais freqüentam?

Quais seus objetivos ali?

15- Você sugere livros para os alunos lerem? Qual o critério que você utiliza para isso?

16- Você faz alguma atividade de desenvolvimento de leitura com os alunos na

biblioteca?

17- A biblioteca apresenta ambiente apropriado para a realização de leituras?

18- Como se dão as “pesquisas” na biblioteca? Elas são dirigidas? Por quem?

19- Quando um professor manda fazer um trabalho, ele indica a referência bibliográfica?

Quais os temas e referências bibliográficos mais solicitados para pesquisas?

20- A história de Mato Grosso é contemplada nestas pesquisas?

21- Como você escolhe seus livros de leitura? Que tipos de livros você lê atualmente?

22- Quem mais a influenciou na sua construção de leitora?

23- Para você a leitura na escola deve ser obrigatória?

24- Como você acha que deveria ser avaliada a leitura na escola?

25- De que tipo de atividade você mais gosta? (lazer, trabalho, esporte).

212

26- O que você acha da leitura na internet? Você gostaria de ler um livro eletrônico?

27- Você acha que a internet ajuda ou atrapalha na construção do sujeito leitor?

28- Você fez cursos de como organizar a biblioteca? Qual sua formação?

29- Como você veio trabalhar numa biblioteca?

30- Fale de como está organizada a biblioteca? (arrumação livros, registro, empréstimo,

freqüência...)

31- Para você, qual é a importância da biblioteca na formação do aluno leitor?

32- O que a biblioteca tem feito para desempenhar esse papel?

33- Quais as atividades com leitura programadas pela biblioteca?

34- Qual a relação bibliotecária-professor-aluno?

35- Para encerrar fale um pouco da sua experiência de bibliotecária na construção do

aluno-leitor.

36- Fala aberta.

213

Professores

01-Relate um pouco da sua história de leitura.

02-Você gosta de ler? O quê? Por quê?

03-Para que serve a leitura na sua vida?

04-O que é leitura para você?

05-Onde você mais gosta de ler? Quantos livros você lê por mês ou por ano? Quais você

leu nesse último ano?

06-Você costuma ler por prazer? O quê te faz envolver-se na leitura?

07-Quando você era criança seus pais liam para você? Que tipo de leitura? Eles te

incentivam a ler?

08-Você leu as histórias clássicas da Literatura Infantil?

09-Há livros na sua casa? De que tipo?

10-Quais são os livros que mais chamaram sua atenção?

11- Você se lembra das histórias lidas ou contadas por suas professoras das séries iniciais?

12- Como você escolhe seus livros de leitura? Que tipos de livros você lê atualmente?

13- Quem mais a influenciou na sua construção de leitora?

14- Seus alunos escolhem o que querem ler ou só lêem o que você indica?

15- Você sugere livros para seus alunos lerem? Qual o critério que você utiliza para isso?

Você expõe para eles o objetivo daquela leitura ou daquele trabalho?

16-Você freqüenta a BE? Em que medida? Conhece seu acervo? Quais seus objetivos ali?

17- A diversidade no acervo?

18- Você incentiva seu aluno a freqüentar a biblioteca?

19- A biblioteca apresenta ambiente apropriado para a realização de leituras?

20- Como se dão as “pesquisas” na biblioteca? Elas são dirigidas? Por quem?

21- Quais atividades você trabalha visando o desenvolvimento de leitura junto a seus

alunos?

22- Quando você manda fazer um trabalho, você indica a referência bibliográfica ou deixa

a cargo da bibliotecária? Quais os temas e referências bibliográficas que mais chamam a

atenção dos alunos?

23- Como você trabalha a história de Mato Grosso?

24- Quais as práticas de leitura realizadas por você em sala de aula? Você lê ou conta

histórias para seus alunos? Em que medida? Por quê?

25- Para você a leitura na escola deve ser obrigatória?

214

26- Como você avalia a leitura de seu aluno?

27- De que tipo de atividade você mais gosta? (lazer, trabalho, esporte).

26- O que você acha da leitura na internet? Você gostaria de ler um livro eletrônico?

27- Você acha que a internet ajuda ou atrapalha na construção do sujeito leitor?

28- A forma como está organizada a biblioteca é funcional? Atende as necessidades dos

alunos e as suas?

29- Para você, qual é a importância da leitura e da biblioteca na formação do aluno leitor?

30- O que a biblioteca tem feito para auxiliar na formação do aluno-leitor?

31- Há atividades com leitura programadas pela biblioteca?

32- Qual a relação professor-bibliotecária-aluno?

33- Qual seu curso de formação? Nele você teve contato com a biblioteca? Em que

medida?

34- Como estão suas leituras específicas (tanto metodológicas quanto teóricas)? Você

costuma praticar leituras fora da sua área de atuação?

35- Como você desenvolve seu trabalho visando à formação do aluno-leitor? (livro

didático, textos variados – verbais, não-verbais, mídia, internet, aproveita leituras que

alunos fazem fora do contexto escolar).

35- Para encerrar fale um pouco da sua experiência de professor(a), mediador(a) na

construção do aluno-leitor.

36- Fala aberta.

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