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Reino de Sangue Julia Donovann

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Julia Donovann

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Espaço para dedicatória.

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Vampiros. Por centenas de anos, nos adoraram. Escreveram livros, fizeram filmes, séries de TV, vídeo games. Cada um com uma versão diferente da ideia básica de um morto vivo que suga a vida das outras pessoas. Já fomos demônios, aberrações genéticas, mutantes, deuses, vítimas de vírus, sedutores, monstruosos e fascinantes.

Quanta besteira.

A verdade é que estamos por aí há tanto tempo quanto os humanos. E, assim como para eles, para nós a nossa gênese permanece um mistério. Ninguém entre nós sabe realmente como viemos parar neste mundo. Somos criaturas vindas do inferno abaixo? Ou apenas estamos infectados por uma gripe ou parasita que se deu bem na escala evolucionária? Somos uma raça completamente diferente ou apenas cadáveres ambulantes que existem graças a alguma magia profunda?

Como os humanos fazem, existem tantas teorias entre nós que ninguém mais realmente se preocupa com isso. Pelo menos eu não.

Eu acredito em evolução, no entanto. O motivo para que haja tantas versões de nós na mídia é que eles realmente existiram em algum ponto da história. Vampiros com asas, alérgicos a prata e alho, ultrassensíveis ao sol,

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metamorfos, e tantos outros. No passado eles precisaram evoluir nestas formas para sobreviver, assim como nós evoluímos agora para nos misturar melhor com os humanos, nos parecendo mais com eles.

Dos mitos e características antigas só o que restou foi a aversão ao sol, embora ninguém mais saia por aí explodindo ou virando cinzas. Não, hoje simples óculos escuros e um bom protetor solar nos permitem ir e vir livremente durante o dia. Só não espere ver um vampiro bronzeado.

Sim, nós temos reflexos em espelhos, assim como cadáveres têm. Embora eu já ter conhecido alguns vampiros que podem se transformar em fumaça ou sombras. Mas esses são antigos, bem antigos. Nós podemos comer uma pizza com bastante alho sem derreter, mas símbolos religiosos muito poderosos ainda nos repelem. Talvez isto seja uma sobra da Idade Média. Algo como um trauma. Ninguém mais anda por aí com asas ou se transformando nos seus animais de estimação.

Nossos corpos estão quase mortos, talvez porque quando recebemos e bebemos o sangue vampiro pela primeira vez nós estamos andando naquela linha tênue entre vivo e morto, naquele momento fugaz antes da vida deixar o corpo para sempre. Estamos presos eternamente neste momento. Por isso, ainda temos as funções corporais básicas. Mas só no limiar. Mal e mal temos respiração e pulso, por isso a temperatura corporal baixa e a palidez. Por exemplo, eu ainda posso comer um cheeseburger e me sentir satisfeito se eu estiver com

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fome. O sangue é o que o meu corpo quer, não o que ele precisa.

Como estamos mais parecidos com humanos, chegamos a um ponto evolucionário em que não precisamos mais tanto assim de sangue para sobreviver. Pelo mesmo motivo, podemos ser mortos dos mesmos modos definitivos que eles, apesar de nos curarmos mais rápidos se ingerirmos sangue. Nossas presas se tornaram retráteis, sendo controladas à nossa vontade. Essa foi a melhor parte da evolução. Quando ingerimos sangue por um período de tempo contínuo, somos mais rápidos, mais fortes, com sentidos e reflexos mais aguçados.

No geral, as características básicas persistem. Somos imortais, sim, mas viver eternamente não tem todo o glamour que a mídia faz parecer que tem. Não podemos entrar nas casas das pessoas sem sermos convidados antes, esta é uma regra que sempre existiu e ninguém nunca entendeu. E precisamos de sangue, vida, para os nossos corpos funcionarem direito.

Como eu falei, não precisamos mais de sangue para sobreviver. Hoje o hábito de bebê-lo regularmente é reservado para aqueles que escolhem continuar com os velhos hábitos. Se um vampiro quer continuar dando uma de super homem, ele vai precisar se alimentar de sangue a cada dois dias. Se ele for como eu e prefere seguir uma vida calma e sem estresse, só irá precisar de sangue uma ou duas vezes a cada duas semanas.

Eu vejo estes outros vampiros que só querem matar e me envergonho. Viciados, é o que eles são. Zumbis que

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em nada pensam a não ser a sua próxima presa. Não precisamos mais do sangue tanto assim, mas os nossos corpos podem ficar viciados nele. Como uma droga. Exceto que é a droga mais poderosa, viciante e letal que existe.

Eu consegui me livrar deste vício. Mais ou menos. Ainda tenho as minhas recaídas eventualmente, mas estas estão ficando mais raras, ainda bem. Trabalhar num hospital ajuda. Os sacos de sangue não servem pois não têm mais força vital neles, mas eu dou um jeito quando me sinto muito fraco.

Os vampiros são tão arrogantes que criaram algo como um governo. Uma monarquia, imagine só. Com reis, rainhas, príncipes e princesas, territórios e até mesmo leis. Como se isso os fizesse menos animalescos.

Os tronos são cedidos aos vampiros mais velhos, os anciões que constituem a 'realeza'. Veja, há uma grande diferença entre ser mordido pelo Rei vampiro de Londres e ser mordido por um vampiro sanguessuga qualquer que espreita os becos à noite. Por isso, os únicos herdeiros possíveis são vampiros de segunda geração, como chamamos os que foram transformados pelo próprio rei ou rainha. Como em qualquer monarquia, quando o monarca morre, o herdeiro mais velho fica com o trono. Funcionou para os franceses, não tinha porque não funcionar para nós.

Eu, é claro, queria distância daquilo tudo. Eu era um enfermeiro, pelo amor de Deus. Eu salvava vidas, não as tomava. Quando eu me sentia fraco demais era só eu

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procurar algum paciente que estivesse inconsciente e tirar uma seringa ou duas de sangue quando ninguém estava olhando. Eu tinha uma boa vida.

Até eu receber a notícia de que Blake Storm, Alto Rei Vampiro de Londres, meu progenitor e criador, estava morto.

E a linha de sucessão era traçada diretamente até a minha porta da frente.

***

Eu tive o azar de ter sido transformado, em algum ponto dos anos 1920, pelo Rei. Até hoje não sei por que diabo ele me escolheu. Eu era músico em uma banda medíocre que tocava nos bares e pubs pela Inglaterra em busca de algum dinheiro para nos alimentar. Não lembro mais dos nomes dos meus companheiros, mas eles eram só o que eu tinha. Eram tempos difíceis. Eles eram a minha família, meus irmãos.

Eu nunca soube por que eu fui o único que foi poupado. Por assim dizer.

Era uma boate nova. Ninguém sabia exatamente o que acontecia lá, mas o rumor era que tudo o que você imaginava e mais acontecia naquele lugar. Na época nós simplesmente achamos que se tratava de bebida, dançarinas e jogatina.

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Eu o notei. Ele havia nos seguido a umas duas apresentações atrás, sentado sozinho a uma mesa no fundo dos bares, nos observando. Apenas eu o notei, mas não falei nada aos outros. Achei que ele só gostava da banda.

Porém, em uma noite quando nós já tínhamos terminado a noitada e estávamos saindo do bar, ele apareceu do nada.

Veja bem, ele não era o tipo de pessoa que nós esperaríamos encontrar na rua, assim. Para começar, ele era negro. Quase. Na verdade, moreno. A sua pele tinha o tom da terra. Eu só tinha visto ou sabido de pessoas como ele servindo em hotéis, bares ou casas de família trabalhando como criados.

Mas aquele homem claramente não era um criado. Ele exalava confiança de cada poro de sua pele. Seus olhos castanhos mais pareciam duas gotas de sangue seco. Seu cabelo liso era luxuoso, curto, e tinha a cor de carvão. O homem também era alto, de porte atlético que transparecia mesmo através de seu sobretudo preto, que o fazia se parecer com uma sombra.

Ele era imponente o suficiente para fazer com que nós, quatro homens adultos, ficássemos paralisados com a sua presença. Era quase algo sobrenatural, como uma aura. Pressentindo isso, ele levantou as mãos em um gesto que deveria ter tido um efeito tranquilizador, mas fez o contrário. Eu notei que as mãos dele eram grandes e fortes. Ele poderia quebrar o pescoço de qualquer um de nós como faria com uma galinha que ia virar assado.

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- Não se assustem. - Sua voz poderosa retumbou, o que não ajudou em nada para diminuir a nossa impressão de que ele iria nos fazer em pedaços. - Eu vim para oferecer um trabalho a vocês.

Demorou um minuto até que eu encontrei voz suficiente para falar. Talvez por que eu era o único ali que já o tinha visto antes.

- Q-que trabalho? Aonde? - Eu vi que eu deveria ter parecido um pouco rude e retraí um pouco. - Quer dizer, desculpe, mas nós nem te conhecemos.

O homem me olhou demoradamente, arqueando uma sobrancelha e eu podia ouvir o meu coração se jogando contra as minhas costelas cada vez mais rápido. Foi a última vez que eu senti aquilo.

Enfim, ele falou novamente.

- A nova boate. Tenho certeza que vocês já ouviram falar dela.

Nós concordamos lentamente, ainda olhando pra ele. Claro que sabíamos. O lugar não tinha nome, como muitos outros em Londres, mas nós sabíamos muito bem de qual ele estava falando.

- Ótimo. - ele falou, vendo que a gente sabia do que ele estava falando. - Poderão beber de graça lá. E serão recompensados. - o homem sorriu. Tinha dentes tão brancos quanto leite.

- Bem, vamos precisar do seu nome. - Eu falei de

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repente, tentando não gaguejar. Muito. Ele continuou sorrindo.

- Blake Storm. - O homem disse e deu as costas, desaparecendo do beco tão misteriosamente quanto tinha aparecido.

E foi assim, o meu primeiro contato com Vossa Majestade Blake Storm, Rei Vampiro da Cidade de Londres.

***

A boate era tudo que imaginávamos que ia ser, e mais. O bar ocupava um lado do estabelecimento inteiro, e todas as bebidas que eu conhecia e muitas que eu não conhecia estavam expostas na parede. Eram precisos três bartenders para servir todo mundo, sem contar os garçons. No centro havia um palco onde as garotas dançavam com pouca ou nenhuma roupa para os homens que estavam lá. Alguns metros à direita era o espaço da banda, onde nós estávamos tocando sem sermos muito notados pelos clientes, mas ainda éramos atendidos pelos garçons e tínhamos uma boa vista das dançarinas.

Os outros não notaram, mas eu sim. A maior parte da clientela bebia algo em taças que era espesso e escuro demais para ser vinho, mas eu achei que era algum drinque novo. E estas mesmas pessoas nos olhavam como se fôssemos bifes, embora alguns dos

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clientes homens também olhassem as dançarinas assim.

Nós nunca tivemos chance. Nosso set já tinha acabado e nós estávamos sentados a uma mesa, bebendo e olhando as garotas. Nós conversávamos sobre.. qualquer coisa quando senti uma enorme e pesada mão no meu ombro, que me fez dar um pulo e olhar para cima, vendo Blake sorrindo para mim.

- Que bom ver que vocês estão se divertindo. Agora, se me permite, venha comigo até o escritório para discutir o pagamento de vocês.

Eu, já bêbado, levantei e concordei, seguindo Blake até um escritório espaçoso e bem decorado. Eu cheguei a estranhar vagamente quando ele trancou a porta, mas algo me dizia que estava tudo bem, enquanto ele andava até mim lentamente.

- Qual é o seu nome mesmo? - ele perguntou suavemente, me olhando.

- Vaughn Shelby Hayden. - eu respondi automaticamente, sem saber exatamente por que eu tinha dado o meu nome completo a ele.

Só me lembro de ter visto Blake se aproximar de mim rápido como uma bala antes de eu sentir os dentes dele na minha veia e minha vida se esvaindo.

***

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Acordei no dia seguinte com Blake me olhando. Eu não me sentia diferente, apesar do frio e da fome.

Lá fora meus amigos estavam mortos. Blake me explicou que eles não tinham sentido dor ou terror algum. Afeta o gosto.

Ele me explicou tudo. Me falou que agora eu tinha uma nova família, um novo modo de viver, um novo corpo. Eu tinha renascido numa versão melhorada de mim mesmo.

Ele disse que meus amigos não tinham morrido em vão, pois vários outros de nós agora estavam fortes novamente graças a eles. Então ele me falou que eu era especial, que ele tinha sentido isso de longe. Blake me contou do reinado vampírico, que era muito mais antigo e poderoso que qualquer outro que já existiu. Ele me contou que ele era o Rei Vampiro de Londres e não tinha herdeiros, até aquele momento.

- Um rei precisa de alguém forte para substituí-lo. Eu passei muito tempo procurando, mas agora sei que encontrei um herdeiro à altura do meu trono. - Eu decidi não lembrá-lo que nós nos conhecíamos apenas a algumas horas. Se bem que provavelmente ele tinha passado um bom tempo me observando à distância de qualquer modo. - Você é o príncipe herdeiro do trono de Londres, Vaughn.

Na época, eu gostei de como aquilo tinha soado. Pareceu certo, como algo a que eu era destinado. Eu sorri e Blake me abraçou como um pai abraça um filho.

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- Bem vindo à corte. Venha, vamos alimentar você, Vaughn. - ele falou, dando um tapa nas minhas costas. Eu sorri para ele, me sentindo realmente importante pela primeira vez na minha vida.

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Então, esta é a minha origem. Eu nem lembrava de nada disso há muito tempo. Eu sou um enfermeiro, oras. Eu tenho uma vida normal. Mas eu senti quando aconteceu. Mesmo antes das duas figuras de preto baterem à minha porta eu sabia o que tinha acontecido.

Eles me olharam e eu suspirei. Eles me chamaram de Sua Majestade, o que me fez rir. Eu perguntei o que tinha acontecido, pois eu sabia que Blake era muito velho e muito poderoso. Só alguém mais velho poderia matá-lo. E eles disseram. Uma luta com o rei de Essex, que quer aumentar o seu poder. Aparentemente foi uma luta justa, e todos achavam que agora Romulus Cole tinha duas das principais cidades da Inglaterra em suas mãos já que não havia ninguém para herdar o trono.

Até que alguém se lembrou de mim.

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- Como você está hoje, senhora Kensington?

- Bem, meu filho. Obrigada.

Eu sorri e chequei os remédios dela de diabetes antes de ir para o outro leito, checar um paciente que estava em coma.

A médica deles, Doutora Collins, geralmente confiava em mim para checar os pacientes e administrar os remédios corretamente. Era o meu trabalho, afinal. Mas eu não sei por que ela sempre me escolhia. Ela era legal, apesar de parecer ter os seus problemas pessoais. Provavelmente com o namorado, ou algo assim. De vez em quando eu a via chateada.

Ela apareceu do meu lado, dando um breve sorriso para mim enquanto checava o paciente. Eu sorri de volta, como cortesia.

Stacie Collins não era feia. Tinha cabelo cor de obsidiana comprido e liso, que mais parecia uma cascata e olhos cinza semicerrados. Era baixa e magra, não tinha exatamente um porte atlético, mas também não era totalmente fora de forma. Sua pele branca era naturalmente pálida e suas maçãs do rosto eram altas, além de seus dedos das mãos serem um pouco gordinhos.

Eu nunca a tinha visto usando outra coisa além do

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uniforme do hospital. Stacie era muito reservada, o que era uma coisa rara naquele lugar cheio de fofocas.

- O que é que você está olhando?

A voz dela me tirou dos meus devaneios. Sem perceber, eu estive encarando-a pelos últimos dois minutos. Se eu tivesse uma corrente sanguínea funcional, eu teria corado naquela hora.

- Nada. – Sorri para ela, tentando soar normal. – Só estava pensando em algumas coisas.

- É melhor que seja sobre os pacientes. – Ela falou, me olhando com uma expressão mal humorada.

- Alguém está de mau humor hoje. – Comentei, para tentar amenizar o clima. – Problemas com o namorado?

Stacie me lançou um olhar gélido que foi mais intenso ainda devido àqueles olhos cor de aço.

- Homens. Tudo tem que ser a ver com vocês, não é? Não lhe ocorreu que eu posso ter outros problemas que não envolvam as partes íntimas de algum homem? Te ocorreu em algum momento que este paciente neste leito que está morrendo pode ser o meu pai?

Eu a olhei por um momento, ainda surpreso, e olhei para a ficha dele.

- Bem, mas ele não é. O sobrenome dele é Aaronson. – Notei.

O olhar dela piorou, como se fosse possível, e ela se

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virou para ir checar outro paciente. Achei que aquele momento era perfeito para uma pausa para cigarro e fui para o vestiário, achar a minha carteira. Mulheres. Quem as entende realmente?

No vestiário, eu me olhei no espelho, inconscientemente procurando por alguma ruga, ou qualquer outro sinal de envelhecimento, embora eu soubesse que não haveria nenhum. E não tinha. Há 70 anos que não havia nenhum.

Continuei a examinar o meu reflexo, suspirando. Os mesmos olhos amendoados cor de jade. O mesmo cabelo ruivo liso que agora ia até um pouco acima dos meus ombros, estando em algum lugar entre curto e na altura dos ombros. A mesma pele cor de papel, o mesmo corpo magro que nunca mudava, não importasse o quanto eu malhasse (foi nos anos 80). Eu era uma fotografia, uma pintura. Imutável, eternamente.

Peguei meus cigarros e saí, botando meus óculos escuros para enfrentar a luz solar que era clara demais para os meus olhos enquanto eu saía do hospital pela porta dos fundos. Botei um cigarro entre meus lábios e acendi, tragando.

Um vampiro enfermeiro. Nem quero saber o que os outros pensam de mim. Só o fato de eu levar uma vida humana comum é ultrajante para eles. Combine o fato de eu ser um enfermeiro e a coisa toda se torna humilhante também. Agora adicione todo o negócio de eu ser o príncipe herdeiro na mistura e eu viro a ovelha negra da família real.

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Foi o que os dois mensageiros me falaram ontem à noite. Agora que meu criador, meu pai, o Rei se foi, eu devo tomar a luta dele por Londres como minha e desafiar Romulus Cole para merecer o meu novo papel como Rei Vampiro de Londres. Que as minhas ações recentes, como abandonar a Família Real e não beber mais sangue eram ultrajantes e vergonhosas, mas que eu ainda podia me redimir.

Que piada. Eu agradeci à notícia e disse a eles que iria pensar na proposta. Até lá eu posso transformar alguém e abdicar do trono, indicando a pessoa. Mas eu não seria rei.

Por que eu faria algo tão idiota quanto desafiar um vampiro que é pelo menos meio século mais velho que eu, se alimenta de sangue regularmente, e é o Rei de Essex a sei lá quanto tempo apenas para ter algo que eu nem quero em primeiro lugar? Seria suicídio. E burrice.

Se bem que, até onde eu sei, é exatamente isso que a ‘corte’ quer.

***

Eu moro sozinho. Sempre foi assim, prefiro desse jeito. Exceto nos velhos tempos, quando eu morava com a Corte e os vampiros mais puxa-sacos ficavam me seguindo para ver se eu precisava que eles limpassem a minha bunda ou algo assim. Mas agora eu moro sozinho

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num flat em Londres, livre de problemas.

Mas eu não vivi sempre assim, livre, leve e solto. Blake queria que eu estivesse perto dele a todo o momento, como se eu fosse um troféu. E eu adorava a atenção, mesmo apesar de eu saber muito bem que eu era um troféu. Afinal, eu tinha ido de um ninguém que tocava para sobreviver, para um príncipe herdeiro.

Morávamos todos num castelo. Um castelo de verdade. Eu nunca tinha nem pisado em um antes de ser transformado. Ele era grande, construído com pedras negras e ficava perto da costa. Contém uma escadaria central feita de mármore vermelho e sempre parecia ser ocupado pelos vampiros residentes, como a Família, as damas, os criados e o resto da corte. O único acesso ao castelo era uma tênue estrada pavimentada, e o traço de sociedade mais perto dele era uma cidade pequena, mas bem povoada.

Blake e os vampiros cortesãos satisfaziam cada capricho meu. Se eu quisesse sangue de uma virgem, de noite havia uma garota usando um vestido branco no meu quarto. Se eu quisesse caçar, Blake me levava à cidade para que eu pudesse escolher qualquer pessoa. Ele me ensinou a encantar as pessoas, como ele havia feito comigo quando me transformou. Me ensinou a caçar, qual emoção que o humano estivesse sentindo no momento resultava em qual gosto no sangue, como lidar com os meus poderes recém descobertos.

Blake também começou a me ensinar sobre o meu futuro papel como Rei. Toda a politicagem, os truques,

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quando ser e quando não ser honesto. Como impor respeito entre os vampiros de modo que eu não fosse acabar sendo vítima de um golpe.

A primeira pessoa que ele torturou na minha frente foi um vampiro. Geralmente eram eles, raramente havia necessidade de torturar um humano. O vampiro que estava preso era jovem, e ele tinha quebrado a lei de discrição, que diz que nós não podemos nos revelar para um grande número de humanos. Este tinha se alimentado praticamente em praça pública, causando caos entre o resto dos humanos ali presentes. Tivemos que encantar uma multidão de gente para que elas esquecessem tudo, sem contar nos livrar dos corpos, mas a história permaneceu como lenda no local.

Meu pai acorrentou o vampiro em um dos porões do castelo e arrancou as presas dele com um alicate, me fazendo assistir. Quando elas cresceram novamente, um mês depois, sendo que o vampiro foi mantido sem sangue e apenas com pão e água, Blake me fez repetir o ato dentário.

Eu lembro que foi a primeira vez que o pensamento de que talvez aquilo tudo fosse um pouco desnecessário passou pela minha cabeça. Eu me lembro do olhar do vampiro ofensor antes de eu hesitar. O olhar de esperança. Mas Blake estava lá me observando, e eu sabia que aquilo era um teste de força moral. Que rei eu seria se eu tivesse compaixão para com infratores da lei? E eu pensei, as regras são mais antigas que qualquer um de nós, e deviam ser daquele jeito por um bom motivo.

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Então eu fiz o que eu devia fazer e arranquei as presas do garoto, embora eu não estivesse aproveitando o momento tanto quanto eu deveria estar. Os gritos não me fizeram sentir poderoso como Blake queria que eu sentisse.

Mais tarde, depois que eu tinha terminado, meu pai sorriu para mim, me oferecendo uma jovem ruiva e falando:

- A cada dia você se mostra ser mais apto para o trono, Vaughn.

Eu sorri de volta, mas não tinha certeza se aquilo era algo tão bom quanto todo mundo queria parecer que fosse.

***

Eu estava com fome. Não a fome de torradas e chá, mas aquela fome visceral que fazia com que eu me encolhesse de dor e tivesse vontade de morrer. Ou de matar.

Eu já estava em casa, depois do meu turno que geralmente é noturno. De dia eu durmo, mas agora já era quase meio dia e eu queria sangue. Mesmo apesar de ainda não sentir fraqueza.

Eu não podia fugir para o hospital e fazer o que eu sempre fazia, que era tirar um pouco de sangue de alguns

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pacientes e beber. Fazer isso de noite ou madrugada era fácil, mas durante o dia é outra história.

Não. Eu respirei fundo, comi um almoço reforçado e me forcei a dormir de novo.

***

Quando eu cheguei ao hospital para tentar ver se achava algum saco de transfusão de sangue ou qualquer coisa que pudesse saciar a sede, eu soube que tinha algo de errado.

Tentar dormir não adiantou. Só o que eu pensava era em beber sangue; pegar alguém e fincar minhas presas nela até a drenar completamente. Para tentar apaziguar este sentimento, decidi apelar para os sacos de transfusão. Mas eles funcionam tão bem quanto beber água quando se está com fome funciona. Não há mais vida neles, não há mais aquele impulso elétrico mágico que havia em uma veia pulsante.

Eu ia entrar e sair, despercebido, até que eu notei como a emergência estava anormalmente cheia. Havia uns cinco feridos de uma briga de bar que acontecera agora a pouco. Todos tinham sido quase totalmente drenados de sangue, os seus pescoços quase desfiados.

Eu me senti congelando. Se era de medo ou ódio, eu não sabia. Aqueles sanguessugas nojentos estavam

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quebrando a lei de discrição em plena luz do dia, como se fossem um bando de animais ferozes. Blake nunca teria aceitado aquilo. Mas, Blake não estava mais por lá para aceitar ou rejeitar nada.

- Nos velhos tempos, ninguém ousaria algo assim. – me virei ao ouvir a voz, olhando para o vampiro atrás de mim. O desgraçado sabia o que eu estava sentindo. Cacete, até onde eu sabia, ele era o responsável por aquilo tudo.

- Que velhos tempos? – Perguntei, apesar de eu já saber do que ele estava falando.

- Os de seu pai, oras. – ele sorriu. – Com ele morto, você se fazendo de humano e Cole ocupado demais quase ganhando a coroa de Londres para se importar com o resto, é natural que as leis sejam ignoradas.

Eu suspirei, olhando para os homens enquanto os médicos tentavam salvá-los. – Eu não vou fazer parte disso.

- Você foi treinado para isso. – O vampiro sibilou atrás de mim.

Parte de mim queria acreditar que só o que eu tinha que fazer era dizer sim, assumir o trono e tudo ficaria bem. Mas eu conhecia aqueles vampiros bem demais. Aquele ataque tinha sido muito bem sincronizado. Aquilo podia até ter sido planejado por eles com o propósito de me forçar a aceitar. Mas não.

Eu olhei para os pacientes e vi Stacie entubando um

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deles urgentemente. Fui até lá para ajudar, ganhando um olhar surpreso da médica, mas ela não recusou a minha assistência. Quando me virei para olhar para trás, o vampiro já tinha ido.

Não. Se aquilo me ajudou a perceber algo, foi que eu não precisava de sangue tão urgentemente assim.

***

- Por que você foi lá me ajudar? Nem era o seu turno. – Stacie me perguntou depois que nós terminamos de cuidar dos pacientes. Conseguimos salvar três, mas os outros dois morreram por causa da perda de sangue.

- Eu estava lá e vocês precisavam de ajuda. – Dei de ombros.

- Bem, obrigada. – ela sorriu para mim e eu dei um breve sorriso de volta, não querendo me demorar muito mais ali. Se eu me concentrasse mais poderia sentir a pulsação da veia jugular dela à distância.

- Sem problemas. – eu falei, me preparando para dar as costas. – Bem, é melhor eu ir. Eu só vim pegar uma coisa que eu tinha esquecido no meu armário.

- É bem mais que meio dia, mas você quer almoçar comigo? – ela perguntou subitamente e eu arqueei uma sobrancelha. Stacie deve ter notado a minha surpresa, pois completou. – É só um almoço tardio de começo de

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turno. É mais um lanche que qualquer outra coisa. Você é o meu enfermeiro em quase todos os meus casos, não podemos continuar fingindo que não nos conhecemos.

- É. – Eu falei, sorrindo. Ou tentando sorrir. – Ok, almoço tardio parece legal.

Enquanto eu a seguia até a cafeteria, eu torci para que

Stacie não acabasse sendo o meu almoço.

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A primeira vez que eu matei alguém foi uma experiência que eu não vou esquecer tão cedo.

Foi logo depois de eu ter sido transformado. Blake queria que eu soubesse como era a experiência de caçar cedo, para eu ir me acostumando.

Por isso, ele me privou de sangue por três semanas. Eu, como estou agora, quase livre do vício, não consigo aguentar isso tudo sem uma única gota de sangue, então imagine como um vampiro jovem, sedento e totalmente viciado ficou, vivendo apenas de comida duas vezes por dia.

Eu estava muito fraco e por isso achei que não fosse conseguir nem correr atrás da presa quando a hora chegasse. Afinal, à medida que tomamos mais sangue nós ficamos mais fortes e rápidos. Mas Blake apenas deu um tapinha nas minhas costas que quase me derrubou e me apresentou ao meu jantar.

Era uma garota, talvez uma mendiga qualquer. Tinha cabelo escuro e vestia um vestido cinza. E estava apavorada. Eles a tinham prendido numa jaula.

Eu soube, no momento em que a vi, que a falta de sangue fresco no meu sistema não seria problema. A sede, o anseio era mais forte. Acho que ela deve ter visto a mudança na minha expressão, porque começou a gritar e pedir para ser solta.

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E eles atenderam ao pedido dela. A soltaram perto de um bosque, para que eu não corresse o risco de ser visto por alguém da cidade. Eu ainda era jovem, afinal.

Foi tudo muito rápido. Ela correu o mais rápido que pôde, mas para os meus parâmetros ela poderia muito bem estar parada que não iria fazer diferença. Eu corri mais rápido do que já o tinha feito antes e foi tão fácil que nem teve graça.

Em segundos eu a tinha deitada na grama, subjugada por mim. Meus instintos controlaram a situação. Eu não era mais um homem, eu era um predador. Minhas presas já estavam à mostra há muito tempo e a pele dela não mostrou muita resistência aos meus caninos que são tão afiados quando navalhas.

Eu lembro que sentir o sangue dela fluindo em minha boca, minha garganta, me alimentando foi a melhor, a mais poderosa sensação que eu já havia sentido na vida. Eu senti que poderia fazer qualquer coisa, ser qualquer um que eu quisesse.

Quando me senti satisfeito, me afastei dela e lentamente voltei a ser eu mesmo, olhando para a garota que observava o céu com uma expressão vaga.

Não tive muito tempo para sentir remorso. Blake já estava diante de mim enquanto eu me levantava, me abraçando. Ele estava orgulhoso de mim, de como eu tinha me saído.

Logo, o contentamento por ter feito Blake orgulhoso se tornou mais importante do que a culpa por ter acabado

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de tirar uma vida, não só nesta, mas em todas as outras vezes que eu cacei.

***

- Você não concorda?

A voz de Stacie me tirou do meu flashback involuntário. Ela me olhava como se esperasse que eu dissesse algo inteligente e incrível.

- Eu acho que... eu não sei do que você estava falando.

Ela virou os olhos em impaciência e eu me senti culpado por estar prestando mais atenção à veia no pescoço dela do que no que ela estava falando.

- Eu estava falando sobre como nós devíamos nos conhecer melhor, já que nos vemos todos os dias.

- É. – Concordei. Embora eu não achasse uma boa ideia ficar muito amigo de garotas bonitas. – É claro. Eu ia mesmo te convidar para um almoço qualquer dia desses.

- E por que não fez isso? – ela perguntou, arqueando uma sobrancelha e me dando um daqueles sorrisos. Engoli em seco.

- Bom, você sabe como é a nossa vida. Sem tempo para o prazer, com a correria do hospital e tudo. Além do

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mais, eu sou só um enfermeiro e você é uma médica. Ia pegar mal.

- Não ia não. – ela riu levemente, olhando para mim, e eu sorri. Não podia ser totalmente impossível eu ter uma amiga humana, certo? – Mas você tem razão, o nosso tempo é curto aqui. Mas Vaughn, nós trabalhamos juntos há tanto tempo e eu mal sei o seu nome todo. Não sei se você mora com os pais ou se mora sozinho, se tem uma namorada, se gosta de trabalhar aqui... – ela continuou e eu ri um pouco, passando a língua pelos meus lábios.

- Bem, eu moro sozinho. E gosto de trabalhar aqui, sempre foi um desejo meu estar na medicina. – O que era verdade. Mas esta é uma outra história. Deixei de lado a pergunta sobre a namorada.

- Por que ser um enfermeiro, então? – Stacie perguntou e eu dei de ombros.

- Eu gosto de ajudar as pessoas. Mas acho que eu ajudo mais sendo um enfermeiro do que poderia ajudar sendo um médico. – Sem contar que ninguém sente muita falta de um enfermeiro que desaparece subitamente do hospital e nunca mais volta. Também não notam se este mesmo enfermeiro não envelhece. Mas eu não mencionei isso. Não achei que ela veria esses pontos como argumentos válidos.

- Talvez você esteja certo. – ela sorriu para mim de novo e eu mordi o lábio. Eu estava recebendo um monte de sinais mistos e não sabia como interpretá-los. Ela estava apenas tendo uma conversa casual comigo? Ela

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queria me levar pra cama? Eu não sabia, então decidi mudar de assunto.

- Mas eu não esperava ver pessoas morrendo. – Falei. – Quer dizer, eu sabia que esse tipo de coisa acontece, mas a gente nunca realmente se acostuma a ver isto, né? – Agora, quanto a se acostumar a matar pessoas...

- Eu sei, eu morria de medo da minha primeira perda quando eu era novata. – ela falou. – A gente nunca se acostuma a ver coisas assim. E o pior são as bizarrices. Como aqueles caras com os furos no pescoço, hoje mais cedo.

Eu a olhei por um momento, de repente desconfiado. Mas eu sabia que ela era humana. Talvez fosse só paranoia minha.

- É, realmente horrível. – Falei, comendo meu sanduíche. – As coisas que acontecem nas brigas de bar, ultimamente.

- Você realmente acha que foi isso? – ela perguntou, franzindo o cenho. Eu apenas dei de ombros.

- O que mais poderia ser?

- Sei lá. – ela falou, insegura. Mas eu sabia do que ela suspeitava. – Eles estavam drenados. E só tinham duas punções no pescoço, nada mais. Mesmo que alguém cortasse as gargantas deles e os penduraria de cabeça para baixo, demoraria dias até o sangue sair completamente. Mas aqueles foram drenados em

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minutos.

- E? – dei de ombros novamente, tentando parecer despreocupado. – Deixe para o legista descobrir as causas. Nós só temos que manter eles vivos.

- Tem razão. – ela sorriu e riu levemente. – Isto é Londres, as pessoas são atacadas dos modos mais bizarros.

- Exatamente. – Sorri, justo quando o meu pager tocou. Ótimo timing. – Bem, tenho que atender isso. – Me levantei, deixando a minha refeição paga. Stacie sorriu para mim, embora eu ainda pudesse ver a preocupação nos seus olhos. – Te vejo por aí?

- Nós dividimos quase todos os nossos pacientes. – ela riu. – Nem sei como o meu pager não tocou também.

Eu ri e voltei para o hospital, suspirando quando já estava fora do campo de visão de Stacie. Espero que ela não seja a minha ruína.

***

Já era quase amanhecer, o que significava o fim do meu turno no hospital. Eu estava acabado, pois depois do almoço/lanche com a Stacie eu quase não tive tempo para nada. Durante a noite e madrugada era quando o hospital ficava mais movimentado, quando os crimes mais aconteciam. Esta era a vida em um hospital, você nunca

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para, nunca tem tempo para você mesmo. Você não tem direito a uma vida social, pois acaba limitado a turnos de 12 horas ou mais, então o seu dia se torna um ciclo eterno onde só se trabalha, come e dorme. O que era perfeito para alguém como eu.

Eu estava cansado, com fome e com sono quando bati o meu cartão e mudei de roupa para ir embora. Minha cama e talvez uma pizza me esperavam em casa e naquele momento aqueles eram os meus objetivos principais. Isso é que é vida. Sem desejos ou sede de sangue, apenas sono e trabalho. As pessoas reclamam da robotização do trabalho, mas para mim aquilo era mais do que suficiente.

Saí do hospital pela porta dos fundos, como sempre, acendendo um cigarro e botando meus óculos escuros que logo apareceria com o nascer do sol. Eu só pensava no meu colchão, quando ouvi uma voz familiar.

- Você não pode fazer isso comigo.

Era Stacie. Mas ela não estava falando comigo. Ela e uma outra mulher estavam abaixo de mim na escada, discutindo em voz baixa. Stacie parecia estar chorando.

- Claro que eu posso. – A outra mulher falou. Espiei um pouco e pude ver que era a Dra Blackburn, a médica chefe da emergência. Ela sempre me assustou um pouco. Ela me lembrava uma estátua humana, com seus olhos cinza meio apertados, que mais pareciam duas janelas refletindo um céu chuvoso, e cabelo preto espesso e ondulado. Ela era bem alta, tinha um corpo voluptuoso e pele branca. Sua testa era um pouco alta demais e seus

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lábios finos complementavam o visual estátua. De qualquer modo, você esperaria ver aquela mulher numa capa de revista, não em um hospital usando jaleco branco.

- Mas Jenna... você vai embora assim? Sem mais nem menos? – Stacie perguntou num choramingo e então falou mais baixo. – E quanto a nós duas?

Eu ouvi a Doutora Blackburn rindo. Soou quase cruel.

- Eu não posso ficar em um hospital público para sempre. Eu recebi uma proposta boa e eu vou aceitá-la. Eles pagam muito melhor. – ela falou. – E Stacie, não se iluda quanto a nós duas. Você e eu sabíamos que era só um passatempo. Você é legal, mas... eu não sou sapata.

Arqueei uma sobrancelha, as escutando. O quê?

- Não... – Stacie falou, soando realmente chorosa. – Você é uma vadia ambiciosa e sem coração que faz as pessoas se apaixonarem e depois pisa em cima delas por prazer. – ela falou um pouco mais alto.

- Se alguém ouviu isso, - Jenna falou lentamente – você pode dar adeus à sua carreira. E pode esquecer a minha ajuda com a sua dívida.

Ouvi Stacie fungando e dizendo:

- Eu não preciso de você. – Antes de se afastar, subindo as escadas. Eu me dei conta que eu estava bem à vista e entrei de novo no hospital, momentos antes de

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Stacie entrar também. Ela me olhou com uma expressão curiosa.

- Você estava ouvindo aquilo? – perguntou, e eu pensei por um momento antes de fazer que sim com a cabeça. Ela fez o mesmo. – Ótimo. – falou em um tom satisfeito e se afastou.

Eu fiquei lá por mais alguns segundos, antes de abrir a porta e dar de cara com a Doutora Blackburn.

- Doutora. – Cumprimentei, mas não recebi resposta enquanto ela passava por mim como se eu não estivesse lá.

A única coisa que passou pela minha cabeça foi que

Stacie estava melhor sem ela.

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Eu estava dormindo quando alguém começou a bater na minha porta furiosamente. Xingando, me arrastei na cama até conseguir pegar o relógio mais próximo e olhei a hora. Sete da manhã. Xinguei um pouco mais e me levantei, indo atender a porta apenas para dar de cara com Stacie.

- Como é que você... – perguntei, confuso. Mas ela me cortou.

- Eu chequei o seu registro no hospital. – Stacie falou rapidamente. – Seu endereço estava lá. Posso entrar?

- Claro. – Falei, virando os olhos enquanto dava espaço a ela. – E você está aqui por que, mesmo?

- Somos amigos agora. – ela falou, toda sorridente. – Certo? Também, você agora sabe do meu segredo.

Virei os olhos, de novo. Estava se tornando um hábito quando eu estava perto dela. Médicos, todos ego maníacos.

- Eu não vou contar para ninguém que você é lésbica.

- Eu não sou. – ela falou rapidamente e eu arqueei uma sobrancelha, olhando para ela. – Eu sou uma ex-lésbica.

- Isso não existe. – Ri levemente, balançando a

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cabeça. Agora aquilo sim era cômico. – Qual é o grande segredo, então?

- O meu relacionamento com a Jenna. – Stacie falou seriamente. – Ela tinha razão em uma coisa, a minha carreira pode afundar se ela quiser que isso aconteça.

- Você me acordou às sete horas da manhã para me falar isso? – perguntei e ela deu de ombros novamente. – Ok. Então me explique como alguém consegue ser uma ex-lésbica.

No momento em que as palavras saíram da minha boca eu soube que tinha falado a coisa errada. Stacie me olhou de um jeito esquisito e sorriu, como uma predadora. Uma parte da minha mente fez uma nota mental que ela daria uma ótima vampira. Eu não gostei daquilo.

- Adivinhe, gênio. – ela falou e começou a andar na minha direção lentamente, o que me fez recuar para trás até eu atingir o sofá e cair deitado nele. Ela aproveitou a situação para montar em mim e me beijar, o que foi estranho e incômodo em um monte de modos diferentes.

Primeiro, eu tinha acabado de acordar, e o sono era uma parte muito importante da minha rotina diária. Segundo, eu tinha acabado de descobrir que ela era gay, mas estava lá tentando abusar de mim sexualmente. Terceiro, depois de uns segundos só o que eu conseguia sentir era o pulso dela, meus olhos fixos na carótida de Stacie. Fazia tanto tempo, e ela cheirava tão bem...

Minhas presas se revelaram sem que eu notasse, enquanto agarrava os braços de Stacie com força e a

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beijava com a mesma intensidade, arfando e gemendo levemente, sentindo todo aquele calor humano intoxicante.

De repente, um grito me despertou do meu transe. Stacie pulou para fora do sofá, uma mão cobrindo a boca e a outra apontando para mim. Me olhei no reflexo da janela que ficava perto do sofá e vi que o estrago estava feito. Minhas presas estavam à mostra, meus olhos completamente negros.

- Oh meu Deus, é verdade. – Ela sussurrou, me olhando. Fechei os olhos e tratei de me acalmar, retraindo minhas presas enquanto meus olhos voltavam à sua cor verde original. Se meu coração batesse direito ele estaria a mil agora. – É por isso que você é tão frio! Oh meu Deus, e aquelas pessoas... elas foram...

- Mortas por vampiros, eu sei. – suspirei, ainda tentando me acalmar. Se bem que ela parecia estar reagindo muito bem àquilo.

- E você ia me matar? – Stacie me perguntou, o seu cabelo preto já todo bagunçado.

- Não. Pelo menos não de propósito. – falei. – Olhe, não funciona assim. Eu sou um... ex-vampiro.

- Isso não existe. – ela retrucou e eu arqueei uma sobrancelha para ela.

- Também não existem ex-lésbicas.

Ela pareceu que ia tentar se defender, mas então

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desistiu. Eu também desistiria se fosse ela.

- Foi tão óbvio assim que eu não estava a fim? – Stacie perguntou finalmente, com um ar de derrota no rosto, e eu fiz que sim.

- Eu só fiquei alterado por que eu não tenho nenhum contato direto tão...intenso a... muito tempo.

- Então você não faz sexo? – ela perguntou com um riso e eu me senti meio ofendido, embora eu soubesse o quanto aquilo era patético. – Nunca?

- Bem, não nunca. Só... raramente. – falei. – Ei, ou é isso, ou eu começo a sair por aí matando pessoas.

Ela ficou séria, olhando para mim. Poisé. Não era mais tão engraçado, né?

- Então é mesmo verdade... isso não é um trote. – ela falou em voz baixa.

- Não, não é. Se você quiser ver o meu pulso...

Era para o que eu falei ser uma brincadeira, mas ela se aproximou de mim e pegou a minha mão (o que não era muito seguro, sendo que eu ainda estava com os hormônios à flor da pele) e sentiu o meu pulso, antes de olhar para mim.

- Quase não tem nada. – ela murmurou. – Está tão fraco...

- Eu sei. – Falei com um suspiro, antes de andar até a porta e abri-la. – Agora, se não se importa...

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Stacie me olhava como se eu tivesse três cabeças, enquanto eu ia até a porta. Eu não queria ser rude, mandando ela embora daquele jeito, mas também não queria arriscar ficar mais tempo perto dela quando todos os meus instintos me mandavam pular na sua garganta.

Enquanto ela ia embora, eu a chamei, fazendo ela se virar para olhar para mim.

- E não conte isso a ninguém, por que aí eu vou ser forçado a te matar. – falei com um sorriso e ela fez que sim com a cabeça rapidamente, obviamente assustada. Assustar pessoas ainda me divertia.

Fechei a porta, a tranquei, e voltei para o meu quarto, pronto para me forçar a voltar a dormir.

***

Com isso, eu sabia que era hora de fazer as malas e desaparecer, o mais rápido possível. Era o que eu sempre fazia. Quando alguém descobria, ou se eu acabasse matando alguém, ou depois que se passassem nove anos comigo no mesmo lugar, era hora de me mudar. Sempre foi assim e sempre funcionou para me manter vivo, desde o dia que eu decidi sair da Família.

Foi em um jantar real que eu comecei a ver as coisas como elas realmente são. Estavam eu, Blake, a rainha regente (que eram trocadas a cada década. Blake

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era um pouco superficial e se entediava facilmente), mais alguns outros membros da corte que viviam me bajulando e me julgando. Parecia até que nós estávamos numa corte francesa do século XVIII. E eu sei que a corte vampírica atual é durona.

De qualquer modo, o jantar estava indo bem, eu estava conversando com uma das duquesas das terras no norte e medindo as minhas chances de acabar aquela noite com ela na minha suíte real, quando surgiu a conversa sobre profissões. Desde sempre vampiros tiveram vidas duplas, principalmente os vampiros cortesãos. A diferença entre eles e o proletariado é que enquanto os vampiros pertencentes à corte eram mais velhos, e por isso tinham carreiras mais bem sucedidas, a prole era jovem e tinha que sobreviver com empregos comuns. Blake, por exemplo, era dono de uma das maiores firmas de empréstimos de Londres, além de ser um dos gângsteres mais poderosos da área.

Bem, ‘gângster’ faz tudo parecer muito cinematográfico. Digamos que Blake era poderoso no mundo vampiresco e humano e que os seus negócios nem sempre eram completamente limpos.

Voltando à história, começamos a conversar sobre as nossas vidas de antes de sermos transformados. Blake tinha sido um escravo, mas depois de ser transformado e ver o que podia fazer como vampiro, ele matou os seus senhores e transformou os outros escravos, virando o líder deles. Ele nunca falou em que época foi isso. Até onde eu sei, poderia muito bem ter sido tanto na época das grandes navegações quanto como poderia ter sido no

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antigo Egito.

Todos comentaram sobre as suas vidas humanas, seus planos passados, até que Blake olhou para mim, seus olhos negros duros como duas pedras.

- E quanto a você, Vaughn?

- Eu o que?

- O que você queria ser? Com certeza seu objetivo de vida não era ser um músico numa banda decadente. – ele riu e eu senti a primeira pontada de mágoa e culpa. Eu ainda pensava nos meus antigos companheiros de banda, que tinham morrido por minha causa, mesmo apesar de aquilo já ter feito o que, cinquenta anos naquela época? E naquele momento, eu senti raiva de Blake, por ter falado daquela vida tão desdenhosamente. Mas eu consegui sorrir.

- Bem, na época eu não tinha muita opção.

- Mas você deve ter tido planos, não? Ambições?

Lembro de ter pensado por um momento, antes de decidir falar a verdade.

- Eu sempre quis ser um médico.

Uma onda de risos encheu o salão. O tipo de riso que nele se lia ‘como ele é bobinho’. Eu ainda era jovem, então me senti envergonhado, ainda mais quando Blake riu. Então ele pôs uma mão sobre o meu ombro, me dizendo:

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- Amanhã eu vou arranjar um encontro entre você e o médico da corte.

E isso me animou na época, pois a imagem que eu tinha na cabeça era de um vampiro vestido de branco que remendava os vampiros feridos em batalha, sendo ele o verdadeiro herói. Além do mais, Blake não tinha simplesmente tomado o meu desejo de ser médico como algo irrelevante, como os outros haviam feito. E aquilo sim significava algo para mim.

Então eu dei um sorriso genuinamente agradecido a Blake, enquanto mais uma vez eu me esquecia da pontada de raiva, mágoa e culpa que tinha passado por mim momentos antes. Este é o efeito que o Rei tinha. Você não tinha outra opção a não ser amá-lo, mesmo que ele tirasse tudo de você.

***

Eu tinha passado o dia seguinte inteiro animado com a promessa de meu pai, apenas para que ele aparecesse e me levasse para conhecer o médico real.

Eu não havia pensado no meu desejo de muito atrás de ser um médico há muito tempo, mas naquele momento pareceu ser a coisa mais importante para mim. E ter Blake Storm, o meu criador, incentivar o meu desejo significou tudo para mim. Eu vivia para impressioná-lo, afinal.

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Ser um médico, ajudar as pessoas, ser um herói. Sempre pareceu glorioso para mim, mas na época que eu ainda era humano era difícil para alguém como eu estudar medicina. Eu tinha estado naquela banda para sobreviver, afinal. Não por meus traços artísticos, mas para ter dinheiro para almoçar.

Mas com Blake me ajudando, eu poderia ser o médico da corte. Aquilo me animava muito mais do que a ideia de ser rei. Eu seria aquele que realmente ajudava o meu povo, os vampiros. Eu finalmente seria um herói, mesmo que fosse um herói morto vivo.

Blake me chamou e eu soube que era a hora. Eu estava tão animado, como se o meu destino estivesse me aguardando. Fui até o salão principal, onde ficava a escadaria, e segui Blake até os pisos inferiores, as masmorras. Isso já deveria ter sido o primeiro aviso.

Eu o segui até uma das masmorras mais amplas, onde um vampiro nos esperava com uma máscara cirúrgica e alguns instrumentos que eu não reconheci nas mãos. Ao nos ver, ele fez uma reverência, antes de Blake erguer uma das mãos.

- Vaughn quer conhecer o seu trabalho. – ele falou e o médico concordou rapidamente. Ele deve ter achado que aquilo era uma inspeção.

- Sim, suas Majestades. – ele falou, fazendo outra reverência antes de me chamar até uma das macas. – Bem, aqui é onde nós cuidamos das pessoas, as consertamos.

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Fui até a maca e senti toda a minha animação se esvaindo quando vi um humano lá, preso à maca e recebendo soro e sangue.

- Ele é humano. – Falei, olhando para o médico em descrença. Ele fez uma cara de quem ia rir, mas acho que se lembrou de quem eu era e desistiu.

- Sim, Milorde. – ele falou, agora parecendo confuso.

- Mas... eu pensei que você cuidasse dos vampiros feridos.

- Bem, eu cuido, mas só em casos extremos. Eu não tenho um vampiro aqui em baixo há anos.

Olhei para ele, atônito e não entendendo nada, até que senti uma mão pesada no meu ombro.

- O médico Real serve apenas para manter os humanos que temos em cativeiro vivos, Vaughn. – Blake explicou e eu o olhei, não acreditando.

- Cativeiro. E os outros? Os de estimação?

- Bem, eles têm os seus donos, que cuidam deles. De onde você acha que vem o sangue que você bebe nas taças toda noite, garoto? – Blake riu e eu senti novamente aquela raiva incontrolável, a mágoa de ter sido enganado por tanto tempo.

- Então você me trouxe aqui para isso? – Sibilei, sentindo o ódio tão quente das minhas veias quanto o sangue. – Para me provar o quanto que nós conseguimos machucar as pessoas, a troco de que? Correr rápido?

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Enxergar no escuro?

- Quando um vampiro se machuca seriamente, ele só precisa beber sangue o suficiente e a sua cura será mais rápida. Quando isto acontece, é aqui que ele encontra o sangue necessário. – Blake explicou e eu senti a minha cabeça rodar. Ele nunca tinha me incentivado, ele só queria que eu visse o quanto o médico é supérfluo.

Blake agarrou o meu braço e me levou para longe da masmorra, onde ninguém poderia nos ouvir.

- Você será Rei, Vaughn. Eu te escolhi com este propósito. Você vai mesmo me trair agora e começar a agir como um...humano? – Tinha tanta ameaça na sua voz quanto mágoa.

Eu odiava desapontá-lo, mas aquilo era demais. As mentiras, fofocas, planos, traições, ilusões. Foi então que eu vi os vampiros não como criaturas superiores, mas sim como o que eles – nós, realmente somos: viciados comuns.

- Então eu renuncio. – Falei, olhando para o meu criador e tentando não deixar o que eu estava sentindo transparecer pelo meu rosto. – Ache outro herdeiro, por que eu não vou mais fazer parte deste circo de horrores.

- E você vai viver como? Um vampiro comum que se alimenta de lixo? Ou pior, como um humano? – Blake rosnou, escárnio em cada sílaba. Eu dei de ombros e levantei o queixo.

- Talvez. Talvez eu pare de tomar sangue.

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Ele riu e eu dei um passo atrás antes de ele avançar contra mim e me agarrar pelo pescoço, me levantando um palmo acima do chão enquanto esmagava a minha traqueia. Ele me olhou e me empurrou contra a parede, fazendo a minha cabeça bater em uma pedra. Eu quase desmaiei nesta hora, tentando respirar com a minha cabeça rodando.

Eu achei que ele fosse me matar, e naquela hora eu senti medo e mágoa. Mas não por muito tempo, por que eu sabia que a morte não guardava nenhuma surpresa para mim. Eu já tinha visto o outro lado, todos aqueles anos atrás quando eu virei o que sou agora. Eu aceitei o meu destino, e até achei que fosse certo, que fosse Blake quem me matasse definitivamente.

E então, eu caí no chão, arfando por ar e massageando a minha traqueia esmagada. Blake estava com as costas viradas para mim, em pé. Quando ele falou, eu pude sentir a dor que ele sentia.

- Eu quero você fora do castelo até o amanhecer. Você estará para sempre em desgraça entre a Corte e não poderá mais assumir o trono. A partir de agora, você é um plebeu.

Me levantei lentamente, olhando para ele e pensando no que eu poderia dizer. Mas não havia nada. Ao invés, ele recomeçou a falar.

- Se você acha que estando fora da Família não será mais um assassino, logo se verá redondamente enganado.

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- Não. – falei, mais por despeito do que por qualquer outra coisa. – Eu vou parar de tomar sangue, você vai ver.

- E então o quê? – ele perguntou, olhando para mim de novo. – Você vai viver como um humano? Ser um médico? Ajudar pessoas? – Tinha maldade na voz dele e eu tentei não me deixar afetar com aquilo.

- Talvez. É melhor do que ser um assassino.

- Tarde demais para você, garoto. – ele disse e desapareceu nas sombras sem falar mais nada.

Eu fui embora logo depois, só com a roupa que eu estava usando e um pouco de dinheiro que eu tinha guardado. Nunca mais voltei ao castelo e nunca olhei para trás.

Mas isso não me impediu de sentir saudades daquele que me transformou no que eu sou hoje.

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Acordei com o telefone tocando. Eram duas da tarde e eu não havia ido ao hospital no dia anterior. Tinha ficado em casa para arrumar as minhas malas e escolher o lugar para onde eu iria agora que eu tinha sido descoberto. Eu iria para Glasgow.

Ignorei o telefone, mas ele não parava de tocar. Xingando, consegui me arrastar pela cama o suficiente para alcançar o objeto estridente e atender.

- É melhor que isto seja bom.

- Houve outro ataque. – Stacie. Ela parecia assustada. – Dois caras e uma garota, num hotel. Um dos caras não resistiu e a garota já está quase indo. E... tem um outro cara.

- Que outro cara? – perguntei, sem ligar muito os fatos ainda.

- Um esquisito. A polícia acha que ele foi o agressor, então atiraram nele. Ele tem pele fria e quase não tem pulso.

Ah, merda. Por um momento eu tentei passar todas as implicações que aquilo teria pela minha cabeça.

- Bem, o que você quer que eu faça? – perguntei a Stacie.

- Venha aqui e me ajude a entender o que está

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acontecendo. – ela pareceu desesperada, como aquela vez que eu ouvi ela e Jenna conversando. Aquilo não parecia ser bom.

- Tá. – falei, me levantando. – Vou estar aí em dez minutos.

***

Era o meio da tarde. O que diabo aqueles idiotas achavam que iam conseguir atacando pessoas em plena luz do dia? Há um motivo pelo qual a maioria dos crimes aconteça durante a noite. E de todos, os vampiros é que deviam se manter mais noturnos.

A não ser que eles estivessem se mostrando de propósito.

Corri para o hospital, sem nem me preocupar em botar o uniforme. Estava um caos ali dentro, com policiais, parentes, pacientes, médicos de plantão e gente gritando ou chorando. Eu perguntei a uma enfermeira onde estava Stacie e ela me apontou um quarto. Entrando lá dentro, eu vi as vítimas e soube exatamente o que tinha acontecido.

- Ainda bem que você chegou, está um caos aqui. – Stacie falou, mas eu a ignorei e fui examinar um deles, a garota. Mas assim que eu cheguei perto do leito o pulso dela disparou por um segundo e então não tinha mais

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pulso nenhum. Stacie se apressou para pegar o desfribilador, mas eu a impedi.

- Não, não tente nada. Nós a perdemos antes mesmo dela chegar ao hospital.

- Ai meu Deus, agora só tem um e aquela...coisa no outro quarto. – Stacie falou, mas eu a mandei ficar quieta enquanto eu fui examinar a garota de perto. Ela era...normal. Cabelo escuro, morena, bonita, mas absolutamente normal. Não era uma personalidade importante, nem nenhuma governante ou super empresária. Exceto que ela não estava morta.

- Eles não foram mortos, foram transformados. – Falei, sentindo o sangue que não corria pelas minhas ferver. Haviam tantas leis quebradas naquilo que o vampiro responsável não viveria para ver o próximo luar. – Cadê ele? – Sibilei.

- No outro quarto, mas os policiais estão todos em cima dele. – ela falou, parecendo assustada.

- Me leve até ele.

Stacie me guiou até lá, onde dois policiais estavam guardando um vampiro que eu não conhecia. Ela conseguiu tirar eles de lá com uma desculpa sobre termos que fazer uns exames e voltou para o quarto com o vampiro em comatose.

- Seu idiota. – Falei enquanto olhava para ele, mesmo que ele não me ouvisse. – Eu devia arrancar o seu coração por isso.

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- O quê? – Stacie sibilou, olhando para mim, mas eu a ignorei.

- Dê uma transfusão de sangue a ele. Vai fazê-lo acordar. E aí ele vai ser meu.

- Você vai matá-lo. – ela falou com um tom ofendido e eu a olhei seriamente.

- Ele não é humano. Isto é a minha jurisdição agora. Se você quer ser útil, esteja no necrotério quando anoitecer. Aqueles três vão acordar. Fale a eles que a partir de agora, eles não são mais humanos.

Ela me deu um olhar mais ofendido ainda e eu virei os olhos enquanto ela falava freneticamente.

- Nem pensar! Você vai lá e faça isso, eu vou ficar aqui e fazer o meu trabalho, que não envolve vigiar cadáveres. Isso tudo é loucura, você é psicótico.

Eu balancei a cabeça em frustração, olhando para ela e avançando.

- Que droga, mulher! Você vai lá fazer o que eu mando, e eu vou fazer o meu trabalho aqui. Isto é mais importante que qualquer caso que você já teve. – pausei e respirei fundo, enquanto ela me olhava. – Okay. Quando é o anoitecer?

- Três horas, talvez menos.

- Okay. – olhei para ela seriamente, tentando pensar. – Se você realmente quer ajudar, você vai fazer exatamente o que eu disser. Você vai ter que se esquecer

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de toda a medicina que você estudou. Eu não posso fazer isso sozinho e eu não tenho tempo. Então, você vai me ajudar ou não?

Stacie me olhou como se eu tivesse ficado louco, antes de finalmente aceitar com um suspiro cansado.

- O que eu tenho que fazer?

- Me ajude com a transfusão dele e distraia os tiras quando eu tirar ele daqui. Um pouco antes do anoitecer, vá até o necrotério e coloque aqueles três em macas. Quando eles acordarem...

- Acordarem? – ela perguntou, ainda com aquela cara de quem não estava acreditando.

- É. Quando eles acordarem, você diz... – Pensei por um momento. O que dizer? – Okay, sente aí. Eu tenho que te explicar algumas coisas.

Quando olhei para Stacie ela ainda estava me olhando como se eu fosse algum maluco. Minha irritação aumentou consideravelmente com aquilo. Ainda mais quando ela falou:

- Você precisa de ajuda, Vaughn. Ajuda psiquiátrica. Eu posso te encaminhar até um médico daqui do hospital mesmo...

- Não, eles que precisam de ajuda! – eu gritei, não suportando mais aquela palhaçada. Ela quem ainda estava aqui enchendo o saco. Se achava que eu estava doido, por que não foi embora logo? – Olhe à sua volta.

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Você mesma começou a suspeitar. Você me viu outro dia. Você que me chamou aqui, cacete. Agora, você vai me ajudar ou não.

Ela me olhou por um longo tempo, provavelmente preocupada que eu fosse atacá-la. Ou considerando o que eu havia acabado de falar. Até que balançou positivamente a cabeça. Eu suspirei em alívio.

- Ótimo. – falei. – Agora, me deixa começar a contar desde o início...

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- Então você é de uma espécie diferente? – Stacie perguntou, com uma expressão de quem não acreditava em uma palavra do que eu dizia. Eu dei de ombros.

- A teoria mais aceita atualmente é que nós somos um tipo de humano diferente. Assim como tem muitos tipos de felinos, humanos têm tipos diferentes. E eu não falo de cor de pele.

- Então vocês nem sabem a sua origem? – ela perguntou, arqueando uma sobrancelha.

- Vocês também não sabem a sua. – eu retruquei e pareceu ser um argumento bom o suficiente.

- Então como acontece a transformação? Biologicamente falando.

- A transfusão. – Comecei a explicar. – Como eu falei, vampirismo não é exatamente um vírus. É como um parasita que altera o seu comportamento, ou um vício. Tipo, uma vez que heroína entra no seu sistema, é para sempre.

- Na verdade, não. – ela falou e eu virei os olhos em impaciência.

- De qualquer modo, no momento da transformação você está quase totalmente drenado. E aí você recebe sangue de um vampiro, que por algum motivo tem propriedades viciantes. Você fica viciado em sangue.

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- Isso não faz o menor sentido. – ela falou. – Como o corpo de vocês funciona?

- No momento da nossa morte, todo o nosso sangue é substituído por sangue vampírico que, como uma doença, ou vírus ou seilá, se apodera do nosso corpo e faz as mudanças necessárias para que aquele corpo fique viciado em sangue. Por isso que quando ficamos sem beber muito tempo, nosso corpo fica debilitado até o ponto de nós entrarmos em coma e morrer.

- Ainda não faz sentido. – ela falou. – Pensei que vampiros fossem mortos vivos.

- Bem, não do jeito que você conhece. Nossos corações ainda batem, mas muito devagar. Como se estivéssemos eternamente presos naquele momento em que estivemos quase mortos.

- E a imortalidade?

- A teoria mais aceita é que foi o modo como o agente vampírico modificou os nossos corpos. Para ficarmos viciados eternamente e maximizar as chances de contágio. Sem nenhum sangue por mais que... sei lá, dois meses, o vampiro entra em coma e morre. Com o sangue, ele vive para sempre. Qual opção você preferiria?

- E as estacas e cruzes e tudo aquilo? – Stacie perguntou, cruzando os braços.

- Se você receber uma estaca no coração, provavelmente isso vai te matar, certo? – Falei. – E

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quanto aos símbolos religiosos, ainda há teorias. Mas o que se sabe é que se uma pessoa normal, que não tem nenhuma fé verdadeira, jogar uma cruz em um de nós, não tem nenhum efeito. Mas se uma pessoa com fé fizer isso, somos repelidos. Mas fé verdadeira é difícil de achar hoje em dia.

Stacie me olhou e balançou a cabeça, o que me irritou mais ainda. Nós estávamos sem tempo e ela queria contestar tudo que eu explicava.

- Não faz sentido.

- Achamos que é o campo energético ou algo assim. Do mesmo jeito que uma pessoa normal se sente mal perto de uma suástica nazista. Acho que para nós é porque antigamente os religiosos nos queimavam com cruzes e essas coisas, então surgiu um trauma psicossomático. Mas é tão raro quanto um milagre verdadeiro para vocês.

Ela fez que sim com a cabeça lentamente, ainda com aquela cara de quem achava que eu estava louco. Eu esperei ter explicado tudo direito.

- E aquele negócio de vocês não poderem entrar em casas sem serem convidados e não poderem andar ao sol?

Eu simplesmente dei de ombros.

- É uma regra geral e ninguém sabe o porquê dela. Teorias dizem que é por que nós não temos alma. Quanto ao sol, é simples. Com a mutação adquirimos alergia à

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radiação ultravioleta, mas não é forte o suficiente para fazer um vampiro explodir no sol.

- O que é que a alma tem a ver com poder entrar sem ser convidado ou não? – Ela perguntou, arqueando uma sobrancelha em descrença.

- Não sei. – dei de ombros. – Mas é impossível.

Houve uma pausa até que ela falou novamente, me olhando com uma expressão quase que amedrontada.

- E vocês têm? – Perguntou baixinho.

- Tem o que?

- Alma.

Eu ri levemente e a olhei, dando de ombros.

- Não sei. Eu tenho alma? Dizem que a alma é o espírito, a nossa consciência, nossa mente. Eu falo e escuto, vejo e penso. Eu tenho consciência, até demais. Você diria que um paciente em coma é desalmado?

- Não. – ela falou, parecendo acuada.

- Mas ele não pensa, não fala, não age. Ele poderia muito bem estar morto, certo?

- Você sabe que não. – Stacie protestou e suspirou. – Eu não sei. Você não parece desalmado ao meu ver.

- Obrigado. – Sorri, rindo levemente. Olhei no relógio e chequei o vampiro. – Está quase na hora. Vá ao necrotério e tente explicar a eles o que eu acabei de te

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explicar. Eu vou ficar aqui com ele.

Nenhum vampiro deveria acordar da sua transformação sozinho. Tudo aquilo é traumatizante demais, é necessário que haja alguém para explicar o que aconteceu a ele. Stacie concordou e se levantou rapidamente, antes de olhar para o vampiro e então para mim.

- Você não vai matar ele, certo? – ela perguntou e eu tive que rir. Se fosse preciso, eu iria.

- Claro que não. – sorri largamente para ela. – Eu sou um enfermeiro.

***

Depois que Stacie saiu do quarto, eu ainda tive alguns minutos antes que o vampiro à minha frente acordasse. Eu iria puni-lo, o fazer pagar por todas as leis que ele tinha quebrado nas últimas horas.

Eu sentia como se fosse a minha responsabilidade fazer justiça. Aquela era a minha área, a minha vida, e aquele idiota achava que ia se safar só por que não tem nenhum rei no comando. E então eu parei para pensar em algo que não tinha me ocorrido antes: como a Corte estava se virando, sem nenhum governante oficial, e à beira de uma invasão de um reinado rival? Obviamente os mais idiotas estavam se aproveitando do caos para fazer

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o que bem entendiam. Mas eu não podia deixar aquilo acontecer.

Eu tinha que restaurar a paz e a ordem em Londres. Era o meu dever, era para o que eu havia sido treinado durante quarenta anos. Era a minha responsabilidade.

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Stacie desceu as escadas para o necrotério do hospital se perguntando se havia finalmente ficado louca de uma vez. Seus pais falaram que isso ia acontecer quando ela tinha anunciado que faria medicina. Não que eles estivessem se referindo a ir esperar três cadáveres acordarem, é claro.

Ela estava num estado em que se fica quando se vê um filme. Ela via Vaughn, e as presas, e os corpos, e todos os sinais de que o enfermeiro estava falando sério, mas algo dentro dela, a parte que ainda se agarrava desesperadamente à normalidade e à razão, esperava que aquilo tudo terminasse quando ela fosse acordar no dia seguinte.

Mentalmente, ela repassou o que iria dizer aos... vampiros quando eles acordassem. ‘Não se preocupe, você não morreu. Mas agora você é uma fábula’. Ela abriu a primeira gaveta e olhou para o corpo inerte da garota que tinha visto ainda viva apenas algumas horas atrás. Stacie tinha feito tudo o que pôde para salvá-la, mas foi tudo em vão. Ela agora estava lá, deitada, com a pele semelhante a um mármore branco.

Stacie se moveu para abrir a próxima gaveta, onde havia o corpo de um dos dois homens. Este parecia ter

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uns trinta anos, começando a ficar careca. Ela podia ver a marca da dentada no seu pescoço, vermelho contrastando com a brancura da pele. Ela suspirou e balançou a cabeça. Aquilo era tão errado.

Por fim, abriu a terceira e última gaveta, onde estava o corpo do segundo homem. Este era um pouco mais jovem que o outro, mas não muito. Ela se perguntou por que Vaughn odiava tanto os outros, se parecia ser tão bom ser imortal e nunca adoecer.

Stacie checou o seu relógio e virou os olhos, balançando a cabeça. Já era hora do pôr do sol e nada tinha acordado ainda. Ótimo, agora ela tinha imagens de Vaughn rindo até se acabar sobre como a idiota da Stacie engoliu direitinho a sua história sobre vampiros.

E então, o primeiro deles se sentou em um sobressalto, a fazendo gritar de susto enquanto ele enchia os pulmões de ar.

Era o mais jovem. Ele olhou em volta, confuso, até focalizar a médica que o olhava aterrorizada.

- Eu, eu... – ela gaguejou, tentando lembrar o que tinha que falar, mas não conseguindo. – Você é um vampiro agora.

A garota acordou enquanto Stacie tentava explicar, a fazendo pular com o susto. Por último foi o homem mais velho.

- Vocês são vampiros. – ela falou com um pouco mais de confiança, embora eles mal prestassem atenção

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nela. – E... vocês podem sobreviver sem sangue, por que vocês são viciados. E... podem sair no sol... – ela parou quando a garota a olhou e se moveu rápido demais para os seus olhos acompanharem, mas a próxima coisa que Stacie sentiu foram as mãos da vampira na sua garganta, suas presas à mostra.

- Nós temos fome. – O mais velho falou, andando lentamente até as duas, suas presas também à mostra.

Não precisou que Stacie pensasse muito para descobrir que ela seria o café da manhã daqueles três. Bem, eles eram jovens, talvez se ela corresse poderia achar algo com que pudesse se defender. Mas ela logo abandonou esta ideia quando a garota apertou mais o seu pescoço. Era impossível escapar. Eles estavam em maior número e eram mais rápidos.

A vampira foi a primeira a mordê-la. Stacie gritou e tentou afastá-la, surrando e arranhando qualquer parte do corpo da outra que estivesse ao alcance de suas mãos. Mas então o outro lado do seu pescoço foi atacado pelo vampiro mais jovem, e ela rapidamente sentiu que não iria conseguir ficar consciente por muito mais tempo enquanto era drenada.

***

Vaughn esperou até que a transfusão de sangue fizesse o vampiro deitado no leito forte o suficiente para

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acordar, mas ainda fraco demais para não fazer nada estúpido, como atacá-lo. Não demorou muito, afinal ele só tinha levado algumas rajadas, e a chegada da noite ajudava. Lentamente, o outro começou a recobrar a consciência e Vaughn sorriu.

Sem que Stacie soubesse, ele havia prendido o outro à cama. Não fora difícil. Também não foi difícil conseguir alguns equipamentos cirúrgicos como tesouras, pinças, perfuradores, martelos, ganchos, descoladores, bisturis, alicates, afastadores e raspas. Também havia algumas serras, mas Vaughn esperava que ele não fosse precisar delas tão cedo.

O vampiro acordou e se deu conta que estava amarrado, antes de tentar se soltar inutilmente.

- Eu não tentaria isso se fosse você. – Vaughn falou, pegando um alicate e se aproximando. O vampiro o olhou, sua expressão um misto de apreensão e desafio, mas Vaughn apenas interrompeu a transfusão de sangue.

- O que, você agora é Rei? – o vampiro perguntou, rindo. – E a Corte te aceitou?

Vaughn virou os olhos, suspirando levemente pela burrice do outro.

- Não. Eu sou apenas eu. Mas eu não posso deixar você sair por aí transformando pessoas na minha área e se safar.

- Sua área? – o outro riu, embora mantivesse os olhos no alicate que Vaughn segurava. – Você já soa

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como o Rei.

- Eu não te conheço. – O enfermeiro falou com um olhar curioso, o ignorando. – Tem certeza que você faz parte da Corte?

O vampiro preso riu, antes de tossir.

- Eu sou o Barão de Northenden, Edward Sharpe.

Neste momento Vaughn começou a ligar os pontos, e não gostou do que viu.

- Você é da Corte de Essex. – Falou, franzindo o cenho. – Você está com Romulus Cole.

Edward riu maldosamente, olhando para Vaughn.

- Demorou bastante pra entender, Pequeno Príncipe.

- Então vocês são os responsáveis pelos ataques. – Vaughn falou, sua cabeça já rodando.

- Não todos nós. – Edward falou, tossindo mais. – Alguns foram a sua gente.

- Eles não são ‘minha gente’. – Vaughn falou, virando os olhos. Ele odiava ser associado ao outros. – O que vocês estão fazendo atacando pessoas aqui em Londres?

Mas o vampiro permaneceu calado, o olhando. Vaughn suspirou e se aproximou de Edward, segurando o alicate firmemente. Ameaças e promessas não iriam fazer o outro falar, ele sabia disso. Ele também sabia que o

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vampiro diante dele não o conhecia o suficiente para prever o seu próximo movimento.

Vaughn sorriu e agarrou a garganta do outro, apertando o mais forte que pôde.

- Me mostre as suas presas. Se não fizer isso eu vou ter que escolher outros dentes para arrancar.

O vampiro ganiu e suas presas apareceram, enquanto ele tentava se soltar das amarras e respirar ao mesmo tempo. Vaughn sorriu e prendeu o alicate na primeira presa, antes de começar a puxar.

***

Ela iria morrer. Stacie ia morrer por causa de vampiros no necrotério do hospital onde trabalhava, aos vinte e cinco anos, sem ninguém para amá-la, e com a Receita no seu pé. Ela soube disso quando caiu no chão e viu o seu próprio sangue escorrendo.

Mas tinha algo errado. Quer dizer, tudo estava errado, mas além disso ela só estava deitada lá, sozinha. Ninguém estava tentando beber o seu sangue. Eles acabaram? Ela havia morrido finalmente?

Bem, alguém estava morrendo, isso ela sabia. Os sons pareciam ecos de início, mas agora eram mais altos. Pessoas sibilando umas às outras, como gatos. Talvez fossem os três discutindo quem a terminaria. Ela mal

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conseguia abrir os olhos, mas sentiu e ouviu algo sendo arremessado contra uma parede.

Eles eram mais fortes do que ela tinha pensado. Algo líquido respingou no seu rosto e ela passou a língua pelos lábios, sentindo gosto de sangue.

A última coisa que sentiu antes de desmaiar foi ter sido levantada do chão por dois braços fortes.

***

Vaughn já havia arrancado as duas presas de Edward e agora estava cutucando os buracos das balas que ainda não tinham cicatrizado com pinças e ganchos quando a porta do quarto se abriu e um vampiro moreno apareceu com uma Stacie inconsciente nos braços. Vaughn o olhou por um momento, em choque, antes de o vampiro falar:

- Tire esse idiota daí e me deixe botá-la aí. Ela precisa de uma transfusão imediatamente.

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- Sua Majestade, peço permissão para falar livremente.

Eu fechei meus olhos por um momento, tentando me livrar da dor de cabeça e falhando monumentalmente.

- Não me chame assim. Ninguém me coroou e se eu tiver sorte, ninguém vai fazer isso tão cedo.

Nathaniel me olhou e concordou levemente, antes de começar a gritar comigo.

- O que você estava pensando, colocando uma humana, que só descobriu sobre nós ontem, perto de três vampiros recém-criados?! Você não aprendeu nada do que seu pai te ensinou?

O vampiro com um ar indiferente, de pele branca, enormes olhos cor de safira, cabelo liso e sedoso com a cor de um céu nublado que ia até os seus ombros e barba por fazer era Nathaniel Devonshire, o Cavaleiro mais leal do falecido rei Blake. E agora, ele achava que era o meu cavaleiro mais leal.

- Bem, eu não estava pensando direito. Eu estava sem tempo e ela era a única pessoa que eu tinha para me ajudar. – Tentei me defender, me sentindo meio indignado.

- Isso não é verdade, você tem os seus Cavaleiros. Pela Lei, você já é Rei. – Nathaniel falou e eu não

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consegui evitar o riso. Lei. Quem se importa com a Lei?

- Ninguém se importa mais com a Lei. – falei cansadamente, olhando para ele. – Aqueles vermes de Essex estão contaminando as ruas daqui, transformando pessoas a torto e a direito sem que ninguém faça nada para impedi-los ou puni-los. E a Corte londrina é tão ruim quanto. Aposto que nenhum deles choraria se eu morresse ou abdicasse.

Quando olhei novamente para Nathaniel, ele estava sorrindo. Arqueei uma sobrancelha e perguntei por que.

- Você soou como o seu pai agorinha.

Virei os olhos em impaciência e ri, sem humor nenhum.

- Pai. Ele não é meu pai, ele era um vampiro psicótico que me matou só para poder controlar a minha vida eternamente e não ficar uma má imagem na Corte.

Mas eu sabia que aquilo era mais a raiva e a frustração falando e que não era verdade. Não de todo, pelo menos.

- Não fale do Rei Blake assim. – Nathaniel falou e eu suspirei, olhando para Stacie que ainda estava desacordada e recebendo sangue. Grande rei eu era, que nem tinha considerado a possibilidade de três vampiros recém despertos quererem se alimentar da primeira coisa que vissem. Ela ia me odiar agora.

- Por que você a salvou? – perguntei de repente,

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olhando de volta para Nathaniel. – Você não tinha nenhum motivo para fazer o que fez. Eu que fui o idiota que mandou ela lá pra baixo.

- Foi um erro de principiante e você estava nervoso. – ele deu de ombros, falando naturalmente, sem nenhum traço de julgamento na sua voz. Aquilo era novo para mim. – Eu vi que você não desejava mal a ela, então imaginei que você não ficaria feliz se ela morresse por isso.

Concordei lentamente, o olhando. Eu ainda achava que aquilo era algum truque, apesar de eu o conhecer. Ele era Cavaleiro do meu pai – de Blake, então eu o vi várias vezes quando eu morava com a Corte. E o conhecia o suficiente para saber que ele era a pessoa mais leal daquele castelo inteiro.

- Ela vai me odiar quando acordar. – Suspirei.

- Por quê? – Nathaniel perguntou e eu dei de ombros.

– Você é o que, um robô? Ela vai achar que eu a mandei até lá de propósito.

- Milorde, com todo o respeito, por que o senhor se importa? Você nem vai estar mais aqui quando ela acordar.

- O quê? Claro que vou. – falei, olhando para ele surpreso. – Porque eu não estaria aqui?

- Bem, o trono o chama. Você está vendo o que Cole

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está fazendo. Você mesmo disse que não permitiria. E duvido que o senhor vá poder fazer grande diferença daqui deste hospital.

Suspirei novamente, sabendo que ele tinha razão. Todo esse tempo, todos os anos que eu passei fugindo daquele maldito trono foram inúteis. Agora havia uma ameaça de verdade e eu era o único entre os vampiros que se importava o suficiente para querer impedir aquilo.

- Espera aí, quantos anos você tem? – perguntei a Nate.

- Duzentos e sessenta, Milorde. – ele respondeu, parecendo confuso.

- Você é mais velho do que eu. – Notei, franzindo a testa. – Você tem mais direito ao trono do que eu. Se eu quiser renunciar, eu posso te apontar como meu sucessor. Com certeza você vai fazer um trabalho melhor do que eu faria.

Nate me deu um olhar de pura confusão, antes de balançar a cabeça.

- Não, meu senhor. Eu sou apenas um Cavaleiro. Eu sirvo ao Rei de Londres. O senhor só poderia apontar alguém que estivesse na linha de sucessão Real.

Bem, aquilo me desapontou. A Corte e as suas burocracias sem tamanho.

- Vocês não cansam de ficar vivendo como se nós ainda estivéssemos no século quinze? Pois eu canso.

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O vampiro deu de ombros, me olhando, e eu virei os olhos.

- São as regras, eu sei. A Lei. – falei, me sentindo péssimo por ser derrotado por algo invisível. – Okay. O que você sugere que a gente faça agora?

- Vamos voltar para o castelo...

- Viu? – eu o cortei. – Seu plano deu errado antes mesmo de começar. Eu estou banido do castelo e da Corte.

Nathaniel me olhou e arqueou uma sobrancelha.

- Duvido muito. – falou.

Eu o olhei e suspirei, admitindo derrota. Blake tinha me perdoado há uns quinze anos atrás, antes de começar com a sua campanha para me trazer de volta. Eu tinha tentado ignorar este detalhe. Na verdade, eu não queria voltar àquele lugar.

- Okay. – falei, tentando pensar. – Mas eu vou com ela. É arriscado demais deixá-la aqui sozinha. Se vocês andaram me vigiando, os lacaios de Cole provavelmente também fizeram a mesma coisa.

Nathaniel concordou, olhando para Stacie.

- Vai demorar até ela se recuperar totalmente. – ele notou.

Eu o olhei, alternando o foco para Stacie antes de voltar para Nathaniel e por fim menear negativamente a

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cabeça. Eu conseguia ver nos olhos dele a ideia em sua mente, e era inviável.

- Não. – falei duramente.

- Milorde, nós não temos tempo. Este é o único jeito.

- Eu não fazer isso, sem chance. – Neguei de novo, balançando a cabeça.

- O sangue vampírico não serve apenas para criar novos vampiros. Em doses moderadas ele também ajuda a curar, o senhor sabe disso.

Eu o olhei, tentando pensar rapidamente. Stacie teria as minhas memórias, ficaria ligada a mim. Eu gostava dela, mas aquilo era intimidade demais para o meu gosto. Mas se eu a deixasse aqui à mercê dos outros, a situação ficaria pior ainda.

- Eu sei que o senhor não deseja ser rei. – Nathaniel falou enquanto eu decidia o que fazer. – Mas a situação precisa de alguém que tome decisões. Nós não precisamos de um rei agora, mas sim de alguém sensato. E este alguém é você.

Eu sabia que ele só falava o que eu queria ouvir, mas mesmo assim, não estava totalmente errado. Todo esse tempo eu procurei por meios de fazer a coisa certa, de ajudar pessoas. E agora a oportunidade estava ali, dando um tapa na minha cara.

- Tudo bem. – falei, levantando uma das minhas mangas. – Qual é a quantidade que ela precisa para se

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curar e poder vir com a gente?

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Eu não conseguia fazer aquilo de jeito nenhum. Eu nunca tinha deixado ninguém beber o meu sangue, por causa dos riscos óbvios. Além do mais, Stacie iria me odiar mais ainda.

Mas, eu estaria salvando a sua vida.

- Quando vocês tiverem a conexão ela sentirá o que você sente e entenderá as suas ações. – Nathaniel me disse. Eu suspirei e o olhei, sentando em uma poltrona.

- É, obrigado, Yoda. – falei, virando os olhos. Eu sabia que ele estava impaciente por causa da nossa falta de tempo, mas em nenhuma hora ele me apressou. Isso é que é lealdade. Ele mal me conhecia, mas por eu ser o herdeiro, ele confiava nas minhas ações e decisões. Na maioria das vezes, pelo menos.

Eu concordei com a cabeça lentamente, olhando para o saco que agora continha o meu sangue pendurado ao lado da cama e conectado a Stacie. Nathaniel tinha me ajudado a tirar meu sangue, o suficiente para ela acordar ainda como humana, e agora, depois do início da transfusão, nós esperávamos Stacie acordar para sairmos logo dali.

- O que eu faço com o vampiro ofensor? – Nathaniel me perguntou. Pensei por um momento, embora eu já soubesse o tempo todo o que iria fazer com ele.

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- Nós vamos levar ele com a gente. – falei. – Eu quero matá-lo pessoalmente.

Nathaniel me olhou por um momento, antes de concordar silenciosamente.

***

Eram oito da noite quando Stacie acordou, depois de ter ficado desacordada pelas últimas duas horas. O meu sangue havia funcionado mais rápido do que eu havia esperado, o que foi bom. Nathaniel me contou que ele tinha um carro lá fora, pronto para nós três. Ou quatro, no caso.

Quando eu a vi acordando, me apressei em sentar ao lado da cama querendo mostrar a ela que tudo estava bem e que eu não a tinha enrolado. Talvez isso fosse hipocrisia, mas eu queria me manter em contato com aquele meu lado.

Stacie abriu os olhos lentamente e olhou para mim por um momento. Eu tentei sorrir de um jeito reconfortante, esperando que ela fosse entender tudo e me perdoar.

Ao invés disso, ela virou os olhos e virou para o outro lado. Devo dizer que foi bem decepcionante.

- Ah...Stacie? – Perguntei, incerto.

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- Que é? – ela não parecia estar feliz.

- Como...você se sente?

- Como você acha que eu estou me sentindo?

Pensei por um momento antes de responder.

- Eu...não sei. Por isso que eu perguntei.

Ela se virou para me olhar e eu pude quase sentir a raiva emanando dela.

- Eu fui atacada! Você me mandou lá pra baixo e eu quase morri, porque caí na sua besteira!

- Eu sei que foi uma decisão equivocada... – tentei explicar, mas ela me cortou.

- Equivocada? Foi uma das coisas mais idiotas que você já fez! Foi ainda pior do que ter matado aquelas gêmeas em 85!

- Eu...que? – Perguntei, enquanto as palavras dela ainda eram processadas pela minha mente. Stacie também pareceu confusa depois que falou aquilo, me olhando.

- Como eu sei disso?

Como se conta a alguém que ela tem sangue de vampiro correndo nas veias?

- Você tem sangue de vampiro correndo nas veias.

Ah. Assim.

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Nathaniel falou aquilo se intrometendo na conversa. Eu tinha até esquecido que ele estava lá. Stacie olhou para ele e então para mim.

- O seu sangue? Por quê? E quem é ele?

- Você perdeu muito sangue e a gente precisava que acordasse logo, então eu fiz uma transfusão com o meu sangue para que melhorasse depressa. Então... você vai ter algumas das minhas memórias por algum tempo. E este é Nathaniel Devonshire, um...cavaleiro. Da Corte.

Ela me olhou com uma cara de quem não sabia se ria ou se chorava. Eu suspirei. Eu realmente odiei ter que arrastá-la nisso tudo, mas fora necessário.

- Milorde, nós temos que ir. – Nathaniel falou e eu mordi o lábio, ainda a olhando.

- Stacie, você tem que vir com a gente. É para o seu bem.

- Ah, nem pensar. – ela falou, balançando a cabeça. – Eu vou sair daqui, voltar para a minha casa, tomar uma bela xícara de chá e esquecer isso tudo.

O pânico tomou conta de mim. E quando isso acontece, nós fazemos coisas impensáveis. Então eu peguei o sedativo mais próximo sem que Stacie visse, enchi uma seringa com o suficiente para não matá-la e injetei no tubo que estava ligado diretamente à veia dela.

- O que você tá fazendo? – ela perguntou, mas eu fui rápido demais. – Vaughn, não se atreva!...

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O grito dela logo se transformou em um ressonar tranquilo e eu me virei para Nathaniel, que me olhava com uma sobrancelha arqueada e uma expressão engraçada.

- Seus métodos são sutis como uma brisa, meu Senhor.

Virei os olhos, sentindo o sarcasmo. Justo o que eu precisava.

- Ah, é. Eu tenho tudo o que precisa para me tornar um grande rei. Agora, me ajude a levar ela e o outro retardado para o carro sem que ninguém veja.

- Eu posso levar um deles em um piscar de olhos, mas o senhor precisa se alimentar se quiser realizar a mesma façanha.

- Eu já comi hoje. – Falei sem pensar e Nathaniel virou os olhos.

- Se alimentar de sangue.

Eu parei por um segundo, olhando para ele e tentando descobrir se ele estava falando sério ou não. Mas eu sabia que Nathaniel sempre falava sério.

- Eu não posso. – falei rapidamente. – Eu estou limpo há quase três semanas, e mesmo assim...

- Com todo o respeito, já está na hora de tomar sangue novamente. – ele me disse.

Eu parei para pensar. Ele tinha razão, eu já me sentia um pouco fraco, ainda mais com toda aquela

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agitação. Mas se eu tomasse agora eu não sabia o que poderia acontecer. Além do mais, não havia mais sangue ali perto e nós não tínhamos muito tempo. Balancei a cabeça.

- Agora não. – insisti. – Quando nós chegarmos no castelo. Você não tem mais ninguém na área que possa ajudar a gente?

Nathaniel suspirou e pegou o seu celular, mandando uma mensagem e me dando um olhar de reprovação que eu respondi arqueando uma sobrancelha.

- Ajuda estará aqui logo. – ele falou e eu assenti.

Eu só não sabia que ‘logo’ significava dez segundos, que foi o tempo entre Nate mandar a mensagem e uma vampira aparecer na porta do quarto nos olhando.

Circe DuPompadour tinha um ar confiante e convencida por ser uma assassina Real. Ela tinha olhos semicerrados e cinzas como duas moedas de metal. Seu cabelo cor de marfim era liso e espesso, indo até os seus ombros. Circe o usava preso em um coque justo. Seu corpo era atlético e sua pele branca era pálida, comum entre vampiros. Olhando para baixo, notei que os seus pés eram um pouco grandes demais, mas isso não a impedia de ter uma aura assustadora com o seu uniforme de couro preto. Aquilo era um pouco clichê, mas vampiros gostam de ser clichês, principalmente os que pertenciam à Guarda.

Ainda assim ela me olhou e fez uma reverência, o que me fez virar os olhos de novo. Eu odiava aquela

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pompa e circunstância toda que eu nem merecia.

- Dá para vocês pararem com isso de ficar me reverenciando? – falei, irritado.

Então ela me olhou e sorriu de lado.

- Com prazer. – Circe falou antes de olhar para Nathaniel. Enquanto eu notei que ela realmente não tinha nenhum respeito genuíno por mim, era visível quem ela realmente admirava: o vampiro de cabelos cinza à nossa frente. – Qual é o status?

- Uma humana e um vampiro, ambos inconscientes. – Nate falou de um modo prático. – Temos que leva-los para o carro sem que os humanos notem. Ele está no quarto ao lado.

Circe fez que sim com a cabeça e se virou para ir quando Nate a impediu, falando:

- Não o mate. O Rei quer fazer isso pessoalmente.

Virei os olhos quando ele disse isso, prestes a falar que eu não era rei coisa nenhuma. Mas devo confessar que o olhar de Circe antes de sair do quarto foi pura descrença e beirando o desprezo ao ponto de me fazer sentir um pouco ofendido e pequeno diante dela.

Aquilo me deu um pouco de perspectiva. Os vampiros me viam como um intruso na Corte, um dos muitos caprichos e excentricidades do falecido Rei Blake. Eu estava era fazendo um favor a eles e a mim mesmo ao me manter longe. Caras como Nathaniel, esses sim

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mereciam muito mais do que recebiam.

- Senhor, está pronto para ir?

A voz dele me despertou. Ele já estava com Stacie nos braços, como se ela não pesasse nada, apenas esperando a minha ordem. Eu o olhei.

- Me chame de Vaughn. – falei, o cansaço tomando conta de mim. – Eu não mereço título nenhum.

Nathaniel ficou calado, antes de ir até o carro no estacionamento, em uma velocidade rápida demais para os olhos humanos o notarem. Eu suspirei e o segui. Não tão rápido, mas o bastante para não ser visto enquanto tentava não imaginar o que me esperava no castelo.

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O castelo ficava a poucas horas do hospital, mas ainda assim tivemos que fazer turnos no volante. Um dirigia enquanto o outro cochilava e o outro vigiava o nosso prisioneiro. Eu nem sabia mais porque nós estávamos levando o cara. Claro, eu estava puto por ele ter feito o ataque, mas não estava mais em um espírito assassino. Contudo, Nathaniel me deu uma perspectiva que eu precisava.

- Ele violou as regras. Não apenas atacou em público como fez transformações sem aprovação e ainda fez tudo isso em solo inimigo. Você tem todo o direito de estripá-lo, Vaughn.

Eu concordei, suspirando. Novamente as regras antigas. Mas, elas deviam ser eficientes já que eram seguidas há mais ou menos um milênio. Os reis se certificavam de mantê-las cumpridas, custasse o que custasse, e os que não conseguiam eram rapidamente substituídos.

- Eu não quero ser rei. – falei em voz baixa para Nathaniel enquanto ele dirigia e Circe dormia. – Eu nunca quis fazer parte disso, eu fugi justamente para não ter que fazer nada disso.

E então ele me olhou e riu, falando:

- Você acha que é melhor do que nós porque não

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gosta de tomar sangue? Só por que você tem orgulho em viver como humano, quer ser o vampiro bonzinho que não gosta de machucar pessoas? Bem, pense de novo. Quem é melhor, um vampiro que mata para viver...

- Nós não matamos para viver, você sabe disso. A maioria das mortes é por diversão. – eu o cortei, mas ele continuou:

- ...ou o humano que mata por prazer?

- Certo, por que vampiros nunca fazem isso. – Retruquei, o sarcasmo pingando de cada sílaba enquanto eu virei os olhos.

- Não estou falando que nós somos santos. Só estou tentando te mostrar que ser humano não significa ser melhor do que um vampiro. E resolver roubar sangue uma vez por mês não te faz mais humano, só te faz patético.

Eu o olhei enquanto aquelas palavras entravam na minha cabeça, embora eu não quisesse admitir que ele estava certo.

- Eu só quero ajudar as pessoas. – Suspirei por fim, cansado e derrotado.

- Por quê? Por que você se sente mal pelas coisas que fez quando era jovem? Por que acha que ao salvar uma vida, estará anulando outra que tirou? – Ele falou e eu me senti acuado. - Bem, eu tenho novidades para você. Isso não funciona. Se você quiser mesmo ajudar alguém, controle os vampiros e seja um bom governante.

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- E se este não for o meu destino? – perguntei, o olhando.

- Bem, você só irá descobrir se é ou não se tentar. E depois, você tem a eternidade para descobrir se você é ou não o que nós precisamos.

- Mentira. O que eles... nós precisamos é de alguém como você, Nate. Eu sou só... eu. Só quero viver a minha vida sem maiores problemas.

- Nós somos vampiros, garoto. – Nathaniel falou e eu franzi a testa. Há quanto tempo será que ele esteve querendo me chamar de garoto? – O conceito de vida pacata não existe para nós.

Eu apenas suspirei de novo e cruzei os braços, me encostando contra a janela do carro e observando o mundo lá fora.

***

O castelo ainda era familiar para mim. Enquanto eu e Nathaniel levávamos Stacie e o vampiro para dentro, vi a enorme escadaria central na qual levava para os andares superiores e os inferiores. A mesma decoração, exceto que agora havia uns toques mais modernos aqui e ali.

As paredes eram cobertas por um tecido vermelho rico e luxuoso, e decoradas com vários quadros de outros

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vampiros históricos e reis. Blake estava lá em um deles, me olhando de um modo severo. O chão era de mármore preto e branco com detalhes em ouro e havia várias estátuas espalhadas pelo salão principal. Depois do salão, um corredor extenso dava para outros aposentos, como os banheiros e outros salões. Enfim, estava exatamente como há 70 anos.

Stacie, que já tinha acordado, olhava tudo com espanto e talvez até admiração. Pelo menos era o que parecia. Seus olhos observavam cada detalhe do salão central, cada vampiro que passava por nós sem saber o que estava acontecendo.

E por falar nisso, os cortesãos pareceram bastante surpresos em me ver ali, principalmente com uma humana e um vampiro de Essex. Talvez houvesse admiração e talvez houvesse ofensa, mas não havia como negar que aquilo tudo tinha sido inesperado para eles.

Mas não durou muito tempo. Logo um dos cortesãos mais antigos, Charles Demerick, veio nos cumprimentar com uma reverência.

- Sua Majestade. Apesar da nossa surpresa, é meu dever lhe dar boas vindas e expressar a nossa felicidade por ter um novo Rei.

Todos os presentes fizeram reverências e eu virei os olhos, me sentindo mortificado. Mas eu sabia que se eu não demonstrasse a força necessária no tempo em que estivesse ali, eu não poderia realizar os meus planos. E o único jeito de fazer isso era enrolar e evitar ser coroado

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pelo maior tempo possível sem deixar claro que eu não queria ser rei.

Então eu sorri e os cumprimentei.

- Bem, eu ainda não sou rei de nada. E nem serei enquanto não provar o meu valor aqui na Corte, o que eu farei matando Romulus Cole! – falei em voz alta para a pequena plateia que me aplaudiu. Eu era bom naquilo. – Por enquanto, eu não tenho vergonha de dizer que sou apenas o príncipe herdeiro. – Complementei.

Eu podia sentir a falsidade emanando da maioria deles. Eu sabia que eles me consideravam um traidor da raça, mas se eu tivesse sorte, poderia sair daquilo tudo como o filho pródigo.

- Meu senhor, o que nós fazemos com eles? – um deles me perguntou, apontando para Stacie e Edward. Eu a olhei e vi que a médica me olhava com uma sobrancelha arqueada, provavelmente se perguntando o que eu estava fazendo.

- A senhorita Circe DuPompadour pode escoltar a senhorita Collins para os seus aposentos. Ache um quarto para ela. – falei e Circe concordou, obedecendo enquanto subia as escadas com Stacie. Quando elas estavam longe o suficiente eu me virei para Nathaniel, que ainda segurava o vampiro de Essex. – Tranque-o lá embaixo. Depois eu lido com ele.

Nathaniel fez uma reverência e começou a descer as escadas com o vampiro desacordado, enquanto uma vampira me entregava uma taça de sangue com um

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sorriso. Eu sorri de volta, aceitando a taça.

- E quem é você? – Perguntei.

- Violet Barlow. – ela respondeu, ainda sorrindo para mim.

Eu a reconheci vagamente. Ela era uma das damas de companhia da última rainha consorte de Blake. Mas elas eram intocáveis, até mesmo para mim naquela época. Ela tinha um ar agitado e meio metido, com olhos redondos da cor de chocolate amargo. O seu cabelo castanho era liso e luxurioso, usado em um coque. Ela tinha um porte elegante e sua pele parecia estar um pouco seca, além de ela ter uma testa um pouco grande e nariz pequeno.

Usava um vestido marrom, moderno, mas com um toque clássico. Na verdade, aquele castelo inteiro tinha um guarda roupa que parecia com que o século 18 ainda tivesse uma forte influência na moda atual. Eu preferia os meus jeans e camiseta.

Notei que ainda segurava a taça de sangue e todos me olhavam com expectativa, inclusive Violet. Vi que não havia mais volta, eu não tinha escolha. Sorri e esvaziei a taça de uma vez, rendendo aplausos enquanto eu fechava os olhos e sentia o sangue me recarregando.

Eu nunca me acostumei com aquela sensação. Era como estar nas nuvens. Minha visão, olfato, audição, tato, paladar estavam melhores, eu me sentia mais forte, mais vigoroso, mais poderoso. Eu sentia que qualquer coisa era possível para mim.

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E então eu vi Violet sorrindo para mim e parecendo mais animada ainda. Sorri de volta e ela falou.

- Posso te acompanhar até os seus aposentos reais, meu senhor?

E então eu concordei, oferecendo o meu braço. Ela o tomou e começou a subir a escadaria até o último andar, rumo aos meus... aposentos reais.

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Stacie suspirou enquanto se deitava na cama ampla do quarto luxuoso. A menos de cinco horas atrás ela era uma pessoa normal, com um emprego bom, uma vida normal e pacata. Agora, estava numa mansão vampírica.

Era tudo insano, rápido e irreal demais. Vampiros, e um castelo, e reis, e todas as memórias que ela tinha que na verdade não eram dela... As coisas que Vaughn tinha feito... Não era à toa que ele era estressado daquele jeito.

Porém, ela tinha notado uma mudança no comportamento do vampiro depois que eles chegaram ao castelo. Aquele discurso, e o modo como ele se portava diante dos outros... quase parecia que ele estava gostando daquilo tudo.

Bem, devia ser coisa de vampiro. Stacie balançou a cabeça e fechou os olhos, pronta para dormir.

***

Vaughn suspirou levemente ao entrar no quarto enorme. Aquele tinha sido o quarto de seu pai, Blake. Para o vampiro, estar ali, ser chamado de Rei e ter todos o bajulando quase parecia uma traição.

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- Eu lembro de você. – Violet falou donde estava parada, atrás de Vaughn. Ele se virou para olhá-la, um pouco surpreso.

- O quê? – ele perguntou distraidamente, rindo um pouco sem jeito enquanto a olhava. – Perdão, eu ainda estou tentando me acostumar com isso tudo. – Violet riu um pouco e se aproximou dele.

- Eu falei que me lembro de você. Quando você morava aqui.

- Você era dama da Rainha. – ele sorriu para ela, a observando. Vaughn sabia muito bem das intenções de Violet, e provavelmente de todas as outras vampiras daquele castelo: ser eleita a próxima Rainha consorte pelo novo Rei. Ainda bem que não ficaria ali por muito tempo. Ele sentou na cama, finalmente podendo descansar.

- Sim. – ela sorriu de volta e soltou o coque em um movimento gracioso, seu cabelo castanho caindo até os ombros. – Você era um vampiro promissor. Eu não sei o que mudou. – Violet falou enquanto sentava ao lado de Vaughn na cama, o olhando. Ele deu de ombros.

- Eu percebi que... – ele se interrompeu, pensando. Eles tinham que acreditar que ele queria estar ali. – Blake me controlava demais. Eu cansei de ser o brinquedinho dele, então eu fui embora.

- Mas todos falavam que você tinha cansado de ser vampiro. – ela falou, o olhando cuidadosamente. Vaughn riu levemente.

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- Ninguém deixa de ser vampiro. – ele sorriu. – Quando me falaram que ele tinha morrido, eu hesitei um pouco em aceitar o cargo, pois não sabia se estava apto para ser Rei. Mas quando descobri o que Cole está tramando, vi que eu não podia mais recusar o meu destino.

- O que Cole está aprontando? – ela perguntou, franzindo a testa. Vaughn riu e balançou a cabeça levemente.

- Você só me acompanhou até aqui para me mostrar o caminho?

Então Violet sorriu docemente, tocando de leve o rosto de Vaughn.

- Suponho que eu seja o comitê de boas vindas.

Vaughn podia sentir o seu rosto esquentando. Há tanto tempo que esta sensação lhe era estranha. A alegria por estar sentindo aquilo era até maior do que a vergonha por ter ficado vermelho diante de Violet.

- É, suponho que seja.

Finalmente ele poderia agir de acordo com os seus instintos. Sem mais ter que se preocupar em matar alguém acidentalmente. Ele se sentia livre, estando ali com outra vampira.

Quando ele a jogou na cama e começou a beijá-la violentamente, seus olhos já estavam completamente negros.

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***

Stacie não conseguia dormir. Como poderia? Há apenas algumas horas ela tinha estado em coma. Agora a única pessoa em quem confiava naquele circo de horrores estava ocupado demais fertilizando alguém.

Ela também notou pela primeira vez que estava com fome. Tinha sido um longo dia e agora seu estômago reclamava insistentemente. Stacie se perguntou se havia alguma comida humana naquele lugar, enquanto saía da cama e andava até a porta do quarto.

Ao abrir a porta, olhou ao redor, contatando de que não havia ninguém por perto, para então deixar seu aposento. Checou seu relógio. Ainda era madrugada, os vampiros provavelmente estavam fora, fazendo as suas coisas vampirescas.

Cuidadosamente, Stacie saiu do quarto e foi até a escadaria, tentando imaginar onde seria a cozinha ou algo parecido naquele lugar. Se vampiros também comiam comida normal, obviamente teria que ter uma cozinha ali em algum lugar.

Era madrugada e Stacie sabia que ela devia estar dormindo, não só pelo cansaço, mas também porque aquela era a hora em que os vampiros estavam mais ativos, por razões óbvias.

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Mas, seu estômago roncava e ela era literalmente amiga do rei, então Stacie resolveu ir em frente e se aventurar no território vampiro.

Ela se sentiu como uma intrusa enquanto andava pelos vampiros que ainda estavam no castelo, tentando encontrar um rosto familiar ou vagamente agradável e não achando nenhum. Todos eles estavam conversando, bebendo ou fazendo coisas vampirescas. Stacie imaginou se todo dia era daquele jeito, se a vida de um vampiro consistia em festas ilimitadas e sangue. Ela também notou que todos paravam para olhá-la enquanto descia a escadaria enorme.

Em outra ocasião aquilo seria bom, mas naquele momento só significava que ela era o jantar. Ou café da manhã. Enfim. Os vampiros paravam de conversar uns com os outros para olhá-la, o que fez Stacie instintivamente tocar a mordida no seu pescoço e andar mais rápido, evitando olhar diretamente nos olhos dos outros.

Ela já tinha sido atacada uma vez e não pretendia deixar aquilo acontecer de novo. Enfiou a mão no bolso e apalpou a pequena faca cirúrgica que tinha conseguido pegar do quarto do hospital sem que ninguém visse. Stacie não queria confiar sua vida a um vampiro que a tinha abandonado ali assim que viu peitos na sua direção.

- Você parece perdida.

Ela levou um susto ao ver que um dos vampiros estava na sua frente, a olhando com um leve sorriso. Stacie segurou a faca mais forte e o olhou.

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- É, eu estava tentando chegar à cozinha. – falou, olhando em volta e vendo que agora os dois eram observados pelos outros.

- Eu posso te mostrar. – o vampiro falou e Stacie o olhou bem. Ele tinha olhos cinzentos um pouco caídos, como se ele estivesse com sono, mas ele a olhava com curiosidade. Seu cabelo espesso e liso era bege, em um corte repicado e em camadas que caíam sobre sua pele negra. Ele era alto e tinha um porte elegante, que intimidou Stacie um pouco. No momento ele usava um traje feito de couro, que combinava com o estilo vampiro.

- Obrigada. – ela sorriu, ainda segurando a faca no seu bolso.

- Eu sou Desmond Thorn. – ele sorriu. – Mestre de Armas.

- Certo. – ela assentiu lentamente, sem nenhuma intenção de dar o seu nome a ele. – Então, onde é a cozinha?

- Me acompanhe. – Desmond sorriu e Stacie o seguiu, embora mantivesse a faca na mão.

***

Vaughn se sentia bem. Muito melhor de como se sentia nos últimos vinte anos. Tinha tomado sangue sem o medo de machucar alguém, tinha uma garota linda ao

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seu lado (tudo bem que ela tinha segundas intenções envolvidas, mas ele não se importava), tinha conseguido sair de uma seca que durara dois anos e nisso tudo ele não tinha matado ninguém.

Então no geral, as coisas estavam muito boas para ele.

- Por que você está sorrindo? – Violet perguntou ao seu lado, sorrindo preguiçosamente enquanto se aninhava mais perto dele. Vaughn deu de ombros, ainda sorrindo.

- Apenas pensando.

- Sobre o que? – ela riu levemente, traçando linhas imaginárias no peito de Vaughn com um dedo.

- Sobre como eu estou satisfeito. – Ele sorriu.

- É um prazer servir ao meu Rei. – ela sorriu, rindo levemente. Vaughn também riu e balançou a cabeça.

- Não só isso, embora você tenha sido extraordinária. Eu só estou... feliz. Acho que eu não esperava isso quando vim para cá.

- Ninguém esperava. – Violet sorriu. – Mas nós também estamos satisfeitos. Toda a Corte esteve te esperando por um longo tempo.

- Eu sei. – ele falou. – E agora eu estou de volta.

Vaughn se perguntou qual parte do que ele estava falando era honesta.

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***

Desmond guiou Stacie até um aposento que não se parecia em nada com uma cozinha. Claro que quando os corredores começaram a ficar desertos demais ela sacou o que estava acontecendo, mas decidiu esperar para ver. Dar o benefício da dúvida. Talvez a cozinha fosse mesmo muito longe, certo?

Errado. Ela olhou o vampiro um segundo antes dele empurrá-la bruscamente contra a parede e colar o seu corpo no dela. Stacie arfou em surpresa e fechou os olhos, mantendo sua mão perto do bolso.

- Eu espero que você não fale nada sobre como eu sou o jantar, porque aí eu vou ter que chutar o seu saco pelo clichê. – ela conseguiu falar e o vampiro riu levemente.

- Espirituosa. – comentou Desmond, sua boca perto do pescoço de Stacie. – Posso ver porque Vaughn gosta de você.

Ela riu desta vez, tentando não soar como uma garotinha indefesa.

- Nem ele e nem você são o meu tipo.

- Isto é uma pena. – ele murmurou, sorrindo. – E inteiramente irrelevante.

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Quando Stacie sentiu que ele iria mordê-la ela fechou os olhos e agarrou sua faca, movendo o braço do jeito que conseguiu e fincando a lâmina nas costas do vampiro.

Ele sibilou e então a coisa mais estranha aconteceu. Ele não estava mais lá. Só o que Stacie conseguia ver era uma sombra dançando pelo chão e pela parede. Olhando para o chão, ela viu que sua faca estava caída aos seus pés e se abaixou para pegá-la de volta, a segurando firmemente.

Por um breve momento ela imaginou se tinha matado o vampiro. Mas então se lembrou que Vaughn tinha falado sobre alguns deles terem habilidades especiais, como se transformar em sombras ou névoa.

Ela acompanhou a sombra se movendo enquanto respirava rapidamente, segurando a faca. Sabia que não adiantaria sair correndo, aquele vampiro era muito mais rápido do que ela. Sua única opção era ficar e lutar.

Desmond se materializou de novo e rosnou enquanto se aproximava de Stacie, pronto para dar o bote. Ela respirou fundo e apertou mais sua arma, pronta para contra atacar quando fosse necessário. Fechou os olhos quando o viu se aproximando e algo rápido como um gato, mas muito maior, pulou em cima de Thorn, o fazendo cair.

Stacie demorou alguns segundos para perceber que era outra pessoa – vampiro – que tinha atacado Desmond e agora tentava bater nele de qualquer maneira possível – o que era difícil, sendo que ele se transformava em

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sombra.

Um gemido de dor percorreu o corredor fora do aposento e Stacie reconheceu a voz – Circe. Ela olhou em volta, procurando por algo com o que pudesse atacar o vampiro que no momento estava engalfinhado com Circe. Stacie encontrou um castiçal que estava na parede e o retirou de lá, antes de brandir sua faca cirúrgica e bater com o castiçal na cabeça de Desmond com toda a força, aproveitando que ele estava em cima da vampira.

Isso foi o suficiente para desorientar o vampiro e fazê-lo ficar mais lento. Stacie e Circe trocaram um olhar e a médica rapidamente jogou a sua faca para a vampira, que a apanhou com agilidade e a fincou na jugular de Desmond.

Circe tirou a faca do pescoço dele e o moveu de cima de si, levantando com certa dificuldade. Stacie ainda estava em choque, seu corpo inteiro tremendo com a adrenalina.

- Tome. – Circe deu sua faca de volta, ainda suja de sangue. Stacie olhou para a faca, a tomando de volta e limpando o sangue da lâmina no seu casaco antes de enfiá-la de volta no bolso.

- Obrigada. – ela murmurou, olhando para Circe, que tinha uma mão sobre a sua própria costela. A vampira riu.

- De nada. Se bem que você se saiu bem sozinha.

- Ainda assim. – a médica falou, meneando a cabeça. – Eu estaria morta. – ela falou e olhou para o

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vampiro caído, mas ele não estava mais lá. Stacie olhou em volta, confusa. – Eu pensei...

- Não é fácil matar um vampiro. – Circe falou, rindo levemente enquanto segurava o seu lado.

- Ele te feriu. – Stacie notou, franzindo o cenho.

- Não é nada. – a vampira falou, mas Stacie já estava movendo a sua mão para dar uma olhada.

- Confie em mim, eu sou uma médica. – ela falou, olhando o ferimento. Estava vermelho, mas também parecia estar cicatrizado.

- Parece uma queimadura. Como se ele tivesse te cortado com uma lâmina em brasa. Eu não o vi com nenhuma arma. – ela falou.

- Ele tinha uma lâmina escondida. – a vampira arfou e a olhou. Stacie notou que estava com as mãos na cintura de Circe, antes de rir sem graça e se afastar. - Eu vou ficar bem, só preciso de sangue.

Stacie a olhou, ainda meio que em estado de choque. Provavelmente esta foi a razão dela ter falado o que falou em seguida.

- Você pode tomar um pouco do meu.

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Vaughn

Eu fui um idiota. Eu me deixei levar pelos meus...instintos animais e esqueci completamente do que realmente importava naquele momento.

Quando eu soube que Stacie tinha sido atacada – Circe me contou. Algo no seu tom quando ela me falou me fez sentir como um fracassado. – eu a procurei imediatamente, indo até o seu quarto. Bati na porta e a abri lentamente, espiando dentro do quarto.

- Stacie? Você está decente?

Não ouvi nada por alguns momentos e imaginei que ela não estivesse ali, até que ouvi a sua voz:

- Entra.

Adentrei o quarto e olhei para a cama, onde ela estava sentada me fitando. Engoli em seco e sorri um pouco.

- Oi. – falei, me sentindo idiota até por estar ali.

- Oi. – ela respondeu. Eu não consegui ler a sua expressão, podia ser de raiva como podia ser indiferente, ou de dor. Eu esperava que não fosse de dor. Ou raiva.

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- Eu sinto muito. – Falei finalmente, mordendo o lábio. – Mas você sabe que eu tenho que manter as aparências.

- Tudo bem. – ela falou e eu franzi a testa, não sabendo se ouvi direito. E aí ficou mais surpreendente ainda. – Eu não posso esperar que você fique sendo o meu guarda-costas o dia todo. Eu estou num covil de vampiros, me surpreende o fato de eu só ter sido atacada uma vez até agora.

Eu a olhei, tentando notar algum traço de sarcasmo ou ironia no que ela falava, mas não havia nada.

- Eu... Bem, ainda assim. Eu vou designar alguém para te proteger. – falei, tentando amenizar a situação e o meu próprio sentimento de culpa.

- Não precisa, eu sei me defender. – ela virou os olhos.

- Ainda assim. – eu falei, a olhando. – Vou pedir a Nathaniel...

- Pode ser outra pessoa? – ela me interrompeu e eu arquei uma sobrancelha, um pouco confuso. Então ela continuou. – Quer dizer, eu gosto dele, mas eu sei que ele é ocupado demais para ficar me seguindo por aí. E, tem uma pessoa em quem eu confio.

- Quem? – eu perguntei, curioso.

- Circe. – ela falou e eu tive que rir. Stacie apenas deu de ombros.

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Eu a olhei, tentando não rir demais da situação e ela sorriu para mim. Então eu me lembrei de algo. Algo importante.

- Quem te atacou?

Stacie me olhou e mordeu o lábio, aparentemente tentando lembrar. Se os vampiros da Corte queriam atacá-la, eu estaria com mais problemas ainda.

- É... Desmond Thorn. Ele tem um poder esquisito de se transformar em sombra.

Aquele nome não me era familiar. Talvez fosse um vampiro mais jovem que entrou na Corte depois que eu fui embora todos aqueles anos atrás, mas ainda assim era melhor eu checar. Eu sorri para Stacie de um modo que eu esperei ser reconfortante.

- Eu vou achá-lo. Não se preocupe.

Ela assentiu lentamente e eu sorri de volta. Não sei se ela acreditou na minha promessa ou não, mas o que importava era que minhas palavras eram honestas.

- Me lembre qual é o plano, de novo? – ela perguntou e eu a olhei, meu cérebro meio que travando. Plano?

- Ah... – comecei, tentando lembrar. – Eu enrolo a Corte por tempo suficiente para achar um sucessor e evitar ser coroado. Assim eu evito ter que desafiar Cole e, você sabe, morrer em desgraça.

- Mas você pareceu bastante engajado em desafiar

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os outros. Toda aquela conversa sobre a sua área, e tal. – ela deu de ombros e eu mordi o lábio. Eu sabia que desafiar e enfrentar Romulus Cole era suicídio, por isso eu precisava encontrar alguém de confiança e que fosse apto para o serviço. Mas uma parte de mim queria voltar a pertencer a alguma coisa, ter algo pelo qual eu pudesse lutar. Afinal, aquilo tudo fazia parte da minha história. Eu passei boa parte da minha vida naquele castelo, então eu não odiava absolutamente tudo que tinha ali.

- Eu vou falar com Nate. – falei, a olhando. – O mais rápido possível.

Stacie assentiu e eu me lembrei de algo.

- Quem te salvou foi a Circe?

E então ela corou violentamente, antes de dar de ombros de um modo que era para ser displicente.

- É, ela estava no lugar certo na hora certa.

- Okay. – eu falei, não conseguindo evitar um sorriso cúmplice. Stacie pareceu estar sem graça, mas de um jeito engraçado. Para mim.

- O quê? – ela perguntou com um tom em defensiva e eu apenas ri, me dirigindo à porta.

- Nada. – falei com um sorriso enquanto saía do quarto.

***

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Ir falar com Nathaniel, no entanto, não foi o que eu esperava. Bem, eu nem sei o que eu esperava, na verdade. Talvez que ele dissesse que iria caçar e achar Thorn e esfolá-lo vivo em minha honra. Mas eu me encontrei altamente decepcionado.

- Desmond Thorn? – Nate repetiu quando eu falei o nome do vampiro, me olhando de um jeito estranho, como se eu tivesse acabado de contar uma piada.

- É, que tem ele? – perguntei, meio confuso. – Eu não reconheço o nome, mas achei que ele tivesse entrado na Corte depois que eu saí.

Nate riu e balançou a cabeça, ainda me olhando com aquela expressão. Eu vi que aquilo não era um bom sinal.

- Desmond Thorn é o Mestre de Armas de Romulus Cole. Se ele está infiltrado aqui, você está muito encrencado.

- Por quê? – perguntei, arqueando uma sobrancelha. Bem, eu sabia que ter um Mestre de Armas infiltrado não era um motivo de comemoração, mas mesmo assim. – É só a gente capturá-lo e o fazer falar, certo?

- Talvez. – Nate falou, de um jeito meio sombrio. – Mas o problema maior vai ser se alguém mais da Corte souber sobre ele estar aqui. Se eles já souberem, não contaram por afronta. Você vai ser considerado incompetente. Mais do que já é.

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- Mais do que eu já sou? – repeti, surpreso. – Eu nem assumi o trono ainda, como eles podem me considerar qualquer coisa? Eu estou aqui há dois dias! – protestei.

- Exatamente. – ele falou. – Você devia ter achado uma rainha consorte logo que chegou aqui. As pessoas falam. Especialmente sobre Stacie. Os outros se perguntam o que você vai fazer com ela.

Eu suspirei e balancei a cabeça, cansado. Fofocas, sempre as fofocas. Eles não cansam? Desde quando eu vivia ali, tudo o que esses vampiros se preocupavam é em quem fez o que de errado. E quando você está numa posição alta na hierarquia, você vira o assunto principal. Todos esperavam que eu fosse perfeito em tudo o que eu fizesse. Que eu fosse como os outros antes de mim, ou pior – que eu fosse como Blake.

Mas eu tinha outras coisas para me preocupar que eram mais importantes do que qual vampira eu escolheria como consorte. Eu ainda tinha que conter uma infiltração que podia ser perigosa. Não só este Thorn era obviamente um espião, mas o resto da Corte claramente não se importava (talvez por que a maioria queria me ver cair) e não o entregava. E numa Corte como aquela, naquele castelo era praticamente impossível encontrar alguém que não queria ser encontrado.

Além disso tudo, um pensamento ainda me incomodava. Mesmo depois que (se) eu conseguisse pegar Thorn, o que eu iria fazer com ele? Torturá-lo? Para quê, para ele me contar o que eu já sabia? Matá-lo? Para

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começar a guerra que eu queria evitar desde o começo? Simplesmente expulsá-lo? Seria estupidez, ele iria contar tudo o que sabe para Cole.

Era muita coisa para pensar e me preocupar. Por isso, eu sabia o que precisava fazer, mesmo que admitir isso me fizesse gemer em frustração só pela perspectiva de realizá-lo.

Eu tinha que ir ver o Ancião.

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Eu não sei o que os vampiros pensavam na Antiguidade ou o que acontecia com eles para escolherem crianças para serem transformadas. Sério, o que é isso? Eles não tinham adultos para serem transformados? Era alguma coisa a ver com a inocência ou algum fetiche?

De qualquer forma, há uns 800 ou 900 anos atrás alguém achou que seria uma boa ideia transformar um garoto de 14 anos em vampiro. E este garoto aparentemente foi casca grossa o bastante para sobreviver até hoje, sendo o Ancião Neutro da nossa nobre Corte londrina. Ele é Isaiah LaCroix, se bem que eu tenho quase certeza que este é um nome artístico ou sei lá. Em quase um milênio é impossível não enjoar do seu próprio nome.

Ele tinha olhos cinzentos semicerrados, cabelos pretos como carvão, lisos e espessos que pareciam sempre estar ao vento. Ele era alto, apesar de ter um corpo juvenil e tinha pele cor de creme inglês. Suas mãos eram grandes e eu ouvi falar que ele podia entrar nos sonhos dos outros. Se bem que, sendo um vampiro de quase um milênio de idade, o que é que ele não conseguia fazer?

Eu não sabia se era para demarcar a sua posição Neutra, mas ele sempre usava cinza. E, claro, ele não se vestia como qualquer guri de agora, que vive para jogar

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videogame e se masturbar. Não, Isaiah tinha classe. Ele simplesmente ignorava o seu corpo congelado na puberdade e se vestia como um presidente de alguma megaempresa de 45 anos. O que ele era, aliás. Ele era dono de pelo menos três empresas importantes da Grã Bretanha. E agia como... um ancião de 850 anos. O que assustava qualquer um.

Isaiah não era o mais antigo vampiro da Inglaterra, mas ele definitivamente estava na lista dos 10 mais. Quer dizer, ele viu Londres nascer, praticamente. Ele estava lá no incêndio de 1666, na epidemia da Peste Negra, na Guerra de Independência da Escócia, ele conheceu Ricardo Coração de Leão, entre muitos outros reis. Ele sempre esteve lá, observando e cuidando.

Dizem que ele é um guerreiro exímio, o que não me surpreende. Não só ele teve muito tempo para treinar, como também na sua época era normal garotos de treze anos em diante lutarem em guerras.

Eu o conheci uma vez apenas e foi mais do que suficiente. Foi na minha primeira estada no castelo, Blake me levou até ele para saber se Isaiah me aprovava como sucessor. Ele é Neutro, então ele tecnicamente não pode mandar e desmandar na Corte; isso é trabalho do Rei, se estressar com banalidades como controlar um reino. Isaiah estava lá para observar e orientar. E geralmente as suas orientações são seguidas.

Enfim, depois que Blake nos apresentou, Isaiah me olhou pelo que pareceram horas com aqueles olhos cor de aço, e eu senti como se ele tivesse tirado a minha pele

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e me deixado à mostra. Só estar no mesmo cômodo que ele na época já me fez sentir como um insetinho. Eu quis morrer na hora e já estava quase implorando a Blake que o fizesse quando Isaiah finalmente tirou os olhos de mim, o que foi um grande alívio.

Não ousei olhá-lo para ver o que ele fez ou qual era a sua expressão. E eu não soube o que ele falou na mente de Blake, mas deve ter sido algo positivo, por que Blake bateu nas minhas costas ao sairmos, falando sobre eu ter um futuro.

Agora, quando eu perguntei a Nate quando o Ancião teria um horário livre, ele apenas arqueou uma sobrancelha para mim e perguntou:

- E para que você quer vê-lo?

Isso fez eu me sentir um pouco amuado, mas ergui o queixo.

- Porque eu preciso. Você pode agendar um encontro dele comigo?

- E eu sou seu secretário desde quando? – Nate falou e eu me perguntei o que houve com o tratamento de ‘sim, meu Lorde; não, meu Lorde’. Eu suspirei, o olhando.

- Olha, eu não acho que você seja o meu capacho, serviçal, secretário ou sei lá o que, mas neste momento você é a única pessoa em quem confio plenamente neste lugar. E por isso eu estou te pedindo que me ajude, como amigo.

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Acho que isso derreteu um pouco o seu coração, porque Nate fez que sim com a cabeça depois de me fitar por um tempo e concordou em me ajudar.

Agora eu só precisava me preparar física e mentalmente para ir ver Isaiah LaCroix.

***

Eu estava tentando relaxar nos meus aposentos, deitado na minha cama nova e meditando sobre o que aconteceria agora quando escutei uma batida na minha porta. O que não era incomum, sendo que agora eu era importante, mas eu tinha pedido especificamente para não ser importunado.

- Entre. – falei, suspirando enquanto a porta abria. – É melhor que isto tenha um bom motivo. – falei sem abrir os olhos e então eu ouvi:

- Acredito que tenha.

Abri os olhos e olhei para Violet, que sorria delicadamente para mim. Eu franzi a testa sem notar, a olhando com surpresa.

- O que você faz aqui? – perguntei e ela arqueou uma sobrancelha.

- Não posso mais te visitar? Depois daquele dia eu achei que você fosse até mim, mas percebi que você

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deve ter grandes responsabilidades, sendo o nosso governante.

Eu virei os olhos por causa da bajulação.

- Você acha? – falei, tentando deixar o cinismo bem claro. – Eu estive ocupado. Ainda estou.

- Eu soube que você vai ver o Ancião. – ela falou, andando ao meu redor até que se sentou na cama, perto de mim. – Deve precisar de descanso.

- Bem, eu estava tentando descansar, antes de você vir e me interromper. – falei, e sei que soou rude, mas eu não estava com paciência para aquilo, apesar dela ser legal. – E justamente por que eu quero descansar, que você não pode ficar aqui.

Então ela arqueou uma sobrancelha para mim, quase de um modo indignado.

- Eu sirvo para outras coisas também, sabe. – Violet falou e foi a minha vez de arquear uma sobrancelha. – Eu posso te ajudar a relaxar para o seu encontro com ele.

Eu examinei o rosto dela longamente, sabendo que havia segundas intenções ali. Mas eu só não sabia quais. E não custava nada me arriscar. Se ela fosse uma assassina que estava ali para me matar, pelo menos eu teria muitas dores de cabeça a menos.

- Okay. – falei com um sorriso, a desafiando. – Me relaxe.

Violet sorriu e pediu para eu deitar de bruços. Foi o

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que fiz antes de ela sentar em cima de mim e começar a me tocar, me dando uma das melhores massagens que eu já tinha experimentado. Eu sabia quais eram as intenções principais dela, claro. As mesmas que as outras tinham. Mas por algum motivo, eu achava Violet mais... não confiável, mas mais certa. Talvez pela familiaridade.

Ela tocou algum músculo mágico nas minhas costas e eu gemi, fechando os olhos por que aquilo era realmente muito bom. Quase tão bom quanto sexo, mas eu nem podia pensar em nada assim naquele momento. Não só seria embaraçoso, com também iria contra o meu objetivo de relaxar.

- Espero que você saiba que eu não posso estar cansado amanhã. – falei, ainda de olhos fechados e tentando não soar rude.

- Eu sei. – ela falou. – E é só a massagem. - e então ela fez algo que me surpreendeu. Se inclinou e falou no meu ouvido: - Além do mais, eu não sou tão fácil.

Eu ri um pouco e podia jurar que dava para ouvir o sorriso dela.

- Que bom. – falei, antes de gemer novamente quando outro músculo foi tocado do jeito certo. – Fica mais interessante assim.

Ela riu levemente e eu fechei os olhos, já relaxado o suficiente a ponto de sentir sono. Com aqueles toques suaves e firmes, eu adormeci com um sorriso no rosto.

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***

Eu acordei com alguém batendo à minha porta. Ainda meio devagar por causa do sono, eu me levantei da cama depois de constatar que estava sozinho. Chequei o horário, eram 6 da tarde, o que é incrivelmente cedo para um vampiro. Abri a porta do quarto e dei de cara com Nate, que me olhou de um jeito peculiar.

- O quê? – perguntei, confuso.

- A sua reunião com o Ancião é em uma hora.

Imediatamente eu grunhi, me lembrando. Era para eu estar relaxado e descansado, mas só o pensamento de ir encontrar Isaiah já me dava vontade de voltar para o meu apartamento em Londres e continuar a viver como humano.

- Eu vou comer alguma coisa e aí vou me preparar. Obrigado. – falei, olhando para Nate. – Você encontrou Desmond Thorn?

- Não. – ele falou com uma expressão austera. – Nem sinal dele. Provavelmente descobriu que você soube dele e fugiu.

Eu suspirei, afirmando com a cabeça. Deixar um espião escapar não ia ajudar em nada a minha imagem pública.

- Eu não quero iniciar uma guerra com Essex, mas se eu não fizer isso eles vão me considerar fraco. –

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Suspirei.

- Uma guerra em escala total não é necessária. Você pode apenas desafiar Cole. – Nate falou, como se fosse a coisa mais simples do mundo. Eu ri, o olhando.

- Certo. E as chances de eu ganhar dele são quais, mesmo?

Nathaniel ficou calado e eu suspirei novamente. Nestas horas que eu odiava estar certo.

- Eu só quero voltar para a minha casa, para o meu emprego. Mas como eu não posso, eu vou fazer o possível para organizar as coisas aqui dentro.

- Assim espero, meu Senhor. – Nate falou e eu sorri um pouco.

- Okay. Faça um favor para mim, cace Desmond Thorn até onde for preciso. Escolha a equipe que quiser, mas tente achá-lo o mais rápido possível.

Nathaniel assentiu e foi embora, me deixando sozinho no quarto. Eu suspirei e me sentei na cama, momentos antes de ouvir uma batida na porta. Depois que eu mandei entrar, Violet apareceu.

- Bom dia, meu Senhor. – ela falou, fazendo uma pequena reverência enquanto eu a olhava, confuso.

-... Oi. O que você faz aqui?

- Bem, ontem você disse que tinha que se preparar para ir ver o Ancião, então eu tomei a liberdade de trazer

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o seu café da manhã e oferecer os meus serviços.

- E que serviços seriam estes? – perguntei, arqueando uma sobrancelha. Violet sorriu para mim.

- Preparar o seu café da manhã. Organizar o seu dia, te ajudar a se vestir para a sua reunião. O que você quiser que eu faça.

Minha sobrancelha deve ter ido até a minha nuca com esse último comentário.

- Então basicamente, você quer ser a minha secretária? – perguntei, rindo um pouco. Ela apenas sorriu.

- Já que eu vou te cortejar, é melhor que eu o faça direito.

- Eu pensei que você não era tão fácil. – ri levemente, sentando na cama enquanto ela botava a bandeja com o café no meu colo. Sangue, café e croissants. Café da manhã dos campeões.

- E eu não sou. – ela sorriu. – Eu não garanti que os meus serviços fossem se estender à sua cama. A não ser que eu queira.

Eu ri e movi minha mão para pegar o croissant e morder um pedaço dele, antes de hesitar e pegar o copo de sangue, tomando um gole.

***

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- Então, o que você vai conversar com ele? – Violet me perguntou enquanto eu estava em pé na frente do espelho, experimentando ternos. Por que aparentemente eu tinha que vestir um terno para ir ver Isaiah. Vai entender.

Ela estava me ajudando a escolher uma gravata que combinasse com o terno preto, apesar de eu achar que neste caso a gravata preta simples era a melhor opção. Eventualmente Violet concordou, antes de começar a ajeitar o meu terno meticulosamente.

- Só umas coisas que andam me preocupando. – falei, dando de ombros enquanto ela borboleteava ao meu redor. – Eu vou mais para pedir conselhos.

- Mesmo assim, você deve ter algo em mente. Você não pode ir e ter uma conversa casual com ele, como se vocês fossem melhores amigos.

- Eu sei, okay? – falei, virando os olhos. Como se eu já não estivesse nervoso o suficiente. – Eu tenho coisas em mente e eu sei o que eu vou dizer.

- E eu suponho que você não vai me contar o que vai falar a ele. – ela falou em um tom magoado. Eu quase caí naquilo.

- Não. – falei, dando um sorrisinho. – Você é minha... ’assistente’ a menos de duas horas. Confiança se ganha. Agora, posso ir?

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Ela suspirou e deu um passo para trás, me olhando de cima a baixo.

- Okay. Eu queria ter tido mais tempo, mas acho que está decente.

Eu virei os olhos, me olhando no espelho e esperando ver um exemplo de fineza e elegância, mas ao invés disso só o que eu vi foi alguém muito, muito desconfortável em um terno.

- Obrigado pela confiança. – falei, ironicamente. Faltavam vinte minutos para as sete. Era hora de ir. Eu tentei ignorar o modo como o meu coração começou a bater.

- Você sabe as regras. – ela falou, me examinando pela última vez. – Não fale a não ser que ele tenha te dado permissão. Não discorde dele, não o interrompa. Se ele mandar você falar, você fala. Se ele mandar você ficar quieto, você cala a boca. Se ele te mandar sair, você dê uma reverência, o agradeça pelo seu tempo e vá embora. Não o aborreça ou ele vai te matar. Não o entedie ou ele vai te matar. Na verdade, você vai ter que se esforçar muito para sair de lá do mesmo jeito que entrou.

- Esse era o seu discurso para me encorajar? – perguntei, já me sentindo meio enojado.

- Eu tenho fé em você. – Violet falou e sorriu para mim. Por algum motivo aquilo não ajudou muito. Eu suspirei e saí do quarto, me dirigindo ao escritório de Isaiah LaCroix enquanto basicamente tremia de nervosismo.

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Isaiah tinha os seus aposentos no castelo, mas ele passava a maior parte do seu tempo no seu escritório. Ele era presidente ou sócio majoritário de pelo menos três grandes empresas na Europa, mas pela sua idade aparente ele era obrigado a ter um dublê. Um vampiro de confiança que aparentava ter uma idade humana ideal para um presidente. Ele ia às reuniões, assinava os contratos, fazia tudo que um grande empresário fazia, mas na verdade a mente por trás de tudo era um vampiro de quase 900 anos com um corpo de um garoto de 15. Então Isaiah, apesar de não aparecer muito publicamente, ainda era extremamente atarefado. E é por isso que eu nem acreditava na minha sorte quando eu consegui um horário com ele.

Exatamente às sete da noite, eu estava na sala de espera do lado de fora do escritório dele, usando um terno e tentando não parecer nervoso.

Às sete e quinze, a secretária falou que eu podia entrar. Então eu agradeci, me levantei e cuidadosamente abri a porta para o escritório.

Isaiah estava...o mesmo, claro. Do mesmo jeito que eu me lembrava. Um escritório amplo, branco, uma mesa, um laptop, e... ele. Ainda usava o cabelo um pouco acima dos ombros, mais ou menos como eu, e ainda tinha aqueles olhos cor de nuvem de tempestade que combinavam com o terno cinza impecável que ele usava.

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O que eu sempre gostei nele era a falta de arrogância. Não tinha aquele negócio de eu-sou-muito-mais-velho-que-você-então-eu-vou-te-tratar-como-um-inseto. Ele não te ignorava por causa de outros interesses. E foi justamente assim que eu o encontrei. Sentado pacientemente, as mãos juntas sobre a mesa, o olhar sereno sobre mim.

Eu fiz uma reverência desajeitada antes de tudo, tentando não estragar as coisas, até que ele falou:

- Vaughn, pode se sentar. – e fez um gesto para que eu me sentasse na cadeira do outro lado da escrivaninha. Eu fiz que sim com a cabeça, evitando olhá-lo nos olhos, e me sentei silenciosamente. Não fale a não ser que ele dê permissão.

- Então, o que o traz aqui? Faz um tempo desde a sua última estada. – ele falou e eu considerei isso como permissão. Mas aonde era aqui? O escritório ou o castelo? Se eu perguntasse, eu demonstraria fraqueza e ele me mataria. Mas ele falou de estada, então devia ser do castelo que ele perguntou, certo?

- Eu... – eu comecei a pensar se devia falar a verdade ou o conto que eu falava para os outros, mas uma das maiores regras ao falar com ele era não minta.

Só de estar ali no mesmo cômodo que ele eu já sentia aquele aperto familiar, aquela sensação de que ele podia ver dentro de mim e ouvir os meus pensamentos mais obscuros. Provavelmente podia.

- Eu vim porque eu descobri que Cole está

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transformando pessoas sem regulação. – falei finalmente. – E eu sabia que ninguém aqui iria fazer algo a respeito, então eu decidi vir e organizar as coisas.

Eu meio que esperava que ele saltasse da cadeira em fúria quando contasse das transformações, mas aí eu lembrei que ele é Neutro. As suas feições continuavam a parecer feitas de pedra enquanto ele me fitava. Pareceu que ele ficou ali me olhando por anos, sem que eu conseguisse responder ao olhar, até ele falar:

- Mas não para ser Rei.

Eu quase virei os olhos. Quase. Claro, é só nisso que aqueles vampiros pensavam.

- Não. – falei, tentando ficar calmo. – Não é a minha vocação.

- No entanto, você está fazendo exatamente isto. – ele falou e eu olhei surpreso.

- Estou?

Eu me dei um tapa imaginário. Uma pergunta. Ótimo, agora ele iria me esfolar vivo. Eu olhei para baixo e esperei o castigo, mas ao invés ele falou:

- Sim. – Olhei pra cima e ele estava me encarando. – Você veio porque viu que a sua área, Londres, estava sendo ameaçada. Você sabia que o único modo de impedir que o caos dominasse era vir aqui e impor ordem.

- Isso mesmo. – concordei, o olhando e me sentindo animado. Que bom, ele me entendia.

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- Mas por que você decidiu impor ordem? – ele perguntou. – Se você quisesse, você poderia continuar vivendo como plebeu por muito tempo e evitar isso.

- Porque Cole estava transformando pessoas na minha área. – falei, em defensiva. – Se eu não fizesse alguma coisa, ninguém mais faria.

- Sua área. – ele repetiu, com um sorriso. – Isso parece um governante falando.

- É temporário. – falei, tentando me explicar. – É só até eu encontrar um sucessor.

- E o que você vai fazer até lá? – ele perguntou e eu me sentia mais nervoso a cada pergunta. – Fingir? Começar uma guerra?

- Eu... – vi que não tinha resposta para aquilo e comecei a sentir pânico. Até que ele se recostou um pouco na sua cadeira e me olhou profundamente.

- O que você realmente quer fazer, Vaughn? – ele perguntou e eu engoli em seco, me forçando a parar de mentir.

- Eu não quero ser Rei. Nunca quis. Mas eu quero que as minhas ações tenham efeito. Em qualquer lugar, não só aqui. Eu quero restaurar a paz e fazer parte de algo. – acabei desabafando, o que era muito antiprofissional.

Isaiah me olhou atentamente e eu pude sentir aquele aperto no meu peito novamente até que ele falou:

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- E a humana?

Eu fiquei surpreso por um segundo, antes de dar de ombros.

- Eu tive que contar para ela sobre nós. Uma coisa levou a outra e ela acabou aqui. Não sei exatamente o que fazer com ela ainda. Assim como eu não sei o que fazer a respeito dos agentes de Cole que se infiltram no castelo.

- Isto é simples, torture e mate-os. – ele falou, mas eu balancei a cabeça.

- Isso começaria a guerra que eu vim aqui para evitar que acontecesse.

- Desafie Cole, então.

- Isto seria suicídio.

Ele me olhou, arqueando uma sobrancelha.

- É óbvio que você veio para cá sedento de sangue. Um confronto é inevitável e você sabe disso. Sei que você acha que não é páreo para Cole, mas pense assim: se você morrer e ele tomar Londres, que diferença vai fazer para você? Você estará morto mesmo. – ele sorriu levemente e eu mordi o lábio. Belo conforto. – Então você tem três opções. Primeira, fugir, entrar em desgraça e continuar com a sua vidinha miserável enquanto você vê continuamente pessoas mortas ou transformadas e não é capaz de fazer nada para impedir isso.

Ele falou e eu me lembrei das pessoas no hospital e

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os vampiros que atacaram Stacie. Eu não podia ficar sentado sem fazer nada enquanto coisas assim aconteciam.

- Segunda, desafiar Cole e enfrentar a morte certa, mas morrer com alguma honra...

Não, eu queria sair daquilo tudo vivo ainda.

- Ou terceira, entrar em guerra. Daí pode acontecer duas coisas: você perde a guerra e morre com certa honra; ou você ganha e então tem a opção de ficar como Rei ou apontar um sucessor e ser livre para viver como plebeu. Pessoalmente, eu aconselho que você escolha a terceira opção.

Eu mordi o lábio, pensando naquilo tudo. Eram muitas opções, mas a melhor era guerra.

- E se eu renunciar agora, apontar alguém e o deixar lidando com a situação?

Isaiah me olhou seriamente, o que me deu calafrios.

- Você não tem a autoridade para apontar ninguém ainda. E mesmo que você conseguisse isso, dificilmente o vampiro escolhido duraria muito, já que ninguém o respeitaria. Nesta bagunça, Cole facilmente aproveitaria o caos e se infiltraria ainda mais, eventualmente conseguindo matar o rei que você escolheu e assumindo o trono. E então ele te caçaria e te mataria, porque você ainda assim tem sangue Real e por isso representaria uma ameaça. Se este é o seu grande plano, é melhor você entregar a coroa a Cole e se matar logo de uma vez

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para acelerar as coisas.

Eu o olhei por uns segundos, tentando sair do estupor que aquelas palavras me causaram. Droga, ele estava certo. Não importava o que eu fizesse, guerra era a melhor opção. Eu respirei fundo e fiz que sim com a cabeça.

- Tudo bem. É guerra, então. – falei e ele me observou atentamente.

- Se você achar que esta é a melhor opção.

Esses anciões. Eles botam uma ideia que você nem gostava em primeiro lugar na sua cabeça e aí fazem você duvidar da sua decisão de seguir esta mesma ideia. Mas eu decidi assentir.

- Eu sei que esta é a minha única opção.

E então, o inesperado: Isaiah LaCroix, o ancião de quase 900 anos que parecia que nem tinha chegado à puberdade ainda, mas que ainda assim me paralisava de medo só com a sua mera presença, sorriu para mim. Um sorriso de verdade.

- Eu sempre soube que Blake fez a coisa certa ao te transformar.

E naquele momento, eu quase me senti emocionado.

Eu sorri de volta, agradeci efusivamente, fiz outra reverência e saí da sua sala para ir ao meu quarto, onde eu encontrei Nate e Violet me esperando à porta com

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olhares impacientes. Eu respirei fundo e os olhei, odiando o que eu falaria em seguida.

- Estamos em guerra.

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Nathaniel e Violet olharam para Vaughn como se ele tivesse falado que agora iria se dedicar a transformar os vampiros em fazendeiros de repolho. Mas ele ter ficado louco não era tão improvável, considerando que ele tinha acabado de sair de uma reunião com o Ancião.

- Guerra? – Violet perguntou, hesitante. – Mas por quê?

- Por vários motivos. – Vaughn falou, começando a andar de volta para os seus aposentos enquanto os dois vampiros o seguiam. – Transformações ilegais no nosso território, espionagem, tentativa de sabotagem...

- Mas você queria evitar a guerra. – Nate falou, franzindo a testa.

- Eu sei. Mas o Ancião me convenceu que algumas coisas não podem ser evitadas. – Vaughn falou, enquanto olhava em volta freneticamente. Nate o descreveria como... desorientado.

- Meu Senhor, você não acha que deveria descansar?

- Não. – o outro vampiro falou, o olhando. – Isto é guerra. Eu preciso de uma faca. Ou espada. Vocês ainda usam espadas aqui?

Nate prontamente tirou de seu bolso uma faca de

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lâmina curva do tamanho do antebraço de Vaughn e a entregou a ele. Vaughn a aceitou e saiu do quarto com pressa enquanto os dois o seguiam.

- Avisem a todos. – Vaughn falava enquanto descia a escadaria principal com Nate e Violet aos seus calcanhares. – Isto é guerra.

- Eu vou espalhar o recado. – Violet falou rapidamente e desapareceu antes que Nate pudesse impedi-la. Então ele sobrou para tentar botar juízo na cabeça do outro vampiro.

- Eu realmente acho... onde nós estamos indo? – ele perguntou quando viu que Vaughn se dirigia para as masmorras.

- Nosso primeiro ato de guerra. – o outro falou, andando rapidamente pelos corredores rochosos e úmidos até que ele parou diante de uma porta de metal. O guarda o deixou entrar e Nate o seguiu, ainda tentando entender o que estava acontecendo.

Vaughn estava diante do vampiro de Essex que ele havia capturado, Edward. Ele tinha duas grossas algemas de ferro medievais nos pulsos e nos calcanhares, ligadas à parede por correntes grandes. Ele parecia estar fraco e maltratado.

Nate observou enquanto Vaughn o acordava com um forte soco no estômago, fazendo Edward gemer de dor e olhar para o outro vampiro.

- Quantos mais de vocês estão aqui na Corte? –

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Vaughn perguntou, sua voz fria. Nathaniel ainda só observava, mantendo o seu rosto impassível.

O vampiro rosnou para Vaughn, tentando puxar as correntes que o prendiam, mas não tendo nenhum sucesso.

- E por que eu contaria isso? – ele perguntou e foi a vez de Vaughn de fazer algo como um rosnado, apertando a lâmina da faca contra o pescoço do vampiro acorrentado.

- Porque a sua vida depende disso. Você morreria pela Corte? – ele perguntou, sua voz baixa e grave.

Os dois se olharam por um longo tempo, quase como uma disputa para ver quem cederia primeiro, apesar de ser mais do que óbvio. Edward finalmente baixou os olhos e começou a falar.

- Desmond Thorn. – ele falou e Vaughn virou os olhos em impaciência.

- Nós já sabemos dele. Quem mais?

- Jonah Smithe. – o vampiro continuou, um toque de desespero na sua voz. – E Margareth Rockwell. É só isso que eu sei, juro.

Vaughn o fitou por um longo tempo, considerando as informações que acabara que ouvir. Então olhou para Nathaniel, que se mantinha à distância..

- Você sabe o que fazer. – Vaughn falou e Nate assentiu, se virando para a saída e indo fazer o seu

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trabalho.

Segundos antes de deixar a masmorra, Nate ouviu o som singular da lâmina contra pele e encarou Vaughn a segurar a faca emprestada a pouco e agora ensanguentada. Ainda acorrentado à parede, mas agora com o corpo inerte e a cabeça pendendo para baixo, o sangue vertendo da garganta, estava Edward Sharpe.

Quando seu olhar se fixou em Vaughn novamente, o vampiro o encarava de volta de um jeito profundo e sério, os olhos verdes mais escuros do que o normal. Nathaniel reverenciou e saiu, enviando uma mensagem através do celular enquanto subia a escadaria apressadamente.

***

Quando Circe recebeu o recado do Cavaleiro no celular, franziu a testa, mas só por um segundo. Fechou o aparelho e o guardou de volta no bolso da jaqueta de couro preta, pensativa.

- O que foi? Stacie perguntou, notando a atitude da outra. Circe estava no aposento da humana desde que fora designada como sua guarda-costas.

- Vaughn começou a guerra. – ela falou silenciosamente, pensativa.

- Quê? – Stacie guinchou, indignada. – Mas eu pensei que ele tivesse vindo para cá justamente para

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evitar uma guerra.

- Eu sei. – Circe falou, olhando para o horizonte pela janela. – Não é mais apropriado você ficar aqui. Eu vou te escoltar de volta...

- Nem pensar. – Stacie falou, balançando a cabeça. – Eu vou lá falar com Vaughn e fazê-lo mudar de ideia.

Stacie esperou que Circe fosse ignorá-la, mas ao invés disso, a vampira a olhou e assentiu silenciosamente.

- Se é o que você deseja.

Stacie a olhou, mordendo o lábio. Ela ainda não compreendia Circe. Uma hora ela era uma heroína que aparecia na hora certa para salvá-la. E na outra, se tornava completamente impessoal e distante. Era quase como estar com um homem.

Até que ela inclinou a cabeça para o lado e perguntou à vampira.

- Por que você não gosta do Vaughn?

Circe riu levemente, virando os olhos antes de falar.

- Ele é um menino mimado que posa de vítima. Todos aqui na Corte mereceram as suas posições atuais. Bem, talvez exceto as Damas, mas mesmo assim, por causa das Leis antigas, um menino de menos de 100 anos de idade que rejeitou o seu próprio sangue por 40 anos é automaticamente apontado como Rei. A hierarquia deveria ser baseada em idade, não em linhagem.

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Stacie não sabia ao certo o que dizer. Então, decidiu perguntar:

- Quantos anos você tem?

- Cento e setenta e três. – a vampira falou amargamente. – Nathaniel nunca fez nada a não ser servir à Coroa e ele tem duzentos e sessenta, o que o faz mais velho que uma boa parte dos vampiros aqui. Ele sim merece ser Rei.

Stacie mordeu o lábio, enquanto pensava. Então um súbito pensamento passou por sua cabeça.

- Você e o Nate... – ela começou. – Vocês têm...

A vampira a olhou, surpresa, e balançou a cabeça rapidamente.

- Quê? Não! Ele é meu superior, eu nunca pensaria nele deste jeito.

-Ah. – Stacie falou, contendo um sorriso antes de se lembrar do assunto principal e suspirar. – Eu sei que Vaughn não é a mais sábia das pessoas e que desde que chegou aqui ele anda diferente, mas isso não faz dele uma pessoa má. Acredite, ele não queria nem ter vindo para cá em primeiro lugar. Acho que ele está fazendo o possível para fazer uma diferença para o melhor aqui. Quer dizer, não é isso que todos nós queremos no fundo? Fazer uma diferença?

Circe a olhou por um momento e relutantemente concordou.

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- Suponho que sim. Mas eu ainda não tenho motivos para respeitá-lo ou reconhecê-lo como meu superior e muito menos como meu Rei.

- É justo. – Stacie falou, concordando. Ela suspirou e se levantou da cama. – Agora, eu preciso falar com ele.

Circe a olhou seriamente e assentiu.

- Eu vou com você.

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Vaughn

Eu matei um vampiro. Foi tão estranho. Quer dizer, eu já matei humanos, mas matar um vampiro é uma coisa totalmente diferente.

Eu via os olhares dos outros e sabia o que eles estavam pensando. ‘O poder finalmente subiu à cabeça dele’. Mas não. Eu estava centrado. Sabia exatamente o que eu tinha que fazer para escapar daquela Corte e evitar mais mortes. Tudo aquilo, a guerra, os discursos, eram o meu esquema para garantir uma vida pacífica.

E era isso que eu tentava explicar a Stacie, mas por algum motivo ela não acreditava em mim.

- Mas é uma guerra, Vaughn! – ela falava. – Como você vai comandar uma guerra? Como é que uma guerra de vampiros funciona, afinal?

- Discretamente. – Eu sorri. – Relaxe, okay? Confie em mim, eu sei o que eu estou fazendo.

- Não, eu quero saber. – ela falou e eu suspirei. – Como vocês vão fazer essa guerra? Os humanos vão ver ou participar? Você vai subir num cavalo, brandir uma espada e cavalgar pelas pradarias de Lewisham em encontro aos inimigos em uma armadura reluzente?

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Ela estava falando sério, mas eu não consegui deixar de rir ao imaginar a cena que ela descreveu.

- Não, não temos mais cavalos. Mas temos armaduras modernas e alguns de nós ainda preferem espadas às armas modernas. – sorri, olhando para Stacie. – Nós caçamos os outros durante a noite e os matamos. É o que vários reinados têm feito há milênios e a humanidade nunca nem fez ideia. E depois, eu duvido que chegue a isso. – Sorri para ela de um jeito reconfortante. Então olhei em volta e falei mais baixo. – A guerra é o meu modo de ganhar tempo. Só o que eu quero é organizar esta Corte e sair vivo disso tudo para poder apontar um sucessor e ir viver a minha vida em paz. Mas eu não posso apontar um sucessor sem ter autoridade para fazer isso. Eu só vou ter autoridade quando eles me respeitarem e eles só vão fazer isso quando eu fizer algo que prove o meu valor. A guerra é o único jeito.

Stacie me olhou e cruzou os braços, o que não era um bom sinal.

- Guerra é o único jeito? – ela repetiu. – Você veio aqui para impedir uma!

- E eu vou impedir. – falei. – Mas não posso fazer nada se eu estiver morto. O que eu vou estar, se eu desafiar Cole. Quando eles confiarem em mim o bastante, eu aponto Nathaniel como meu sucessor. Ele vai se dar muito melhor como rei do que eu.

Ela me olhou e suspirou, antes de levantar as mãos em sinal desistência.

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- Faça o que quiser. Eu desisto de ficar bancando o seu grilo falante.

E então eu levantei uma sobrancelha, quando um pensamento passou pela minha cabeça.

- Por que você ainda tá aqui? Quer dizer, eu não falo isso pra ser nojento nem nada, mas você é uma humana num covil de vampiros e parece estar se dando muito bem com este fato. Qualquer um de nos pode te matar a qualquer momento, mas você continua aqui me ajudando. Por quê?

Stacie me olhou de um jeito surpreso, mas isto só durou por alguns segundos antes dela dar de ombros e sorrir.

- Lá no hospital eu via coisas realmente desumanas. E então descobri que até vampiros têm leis e códigos de conduta e honra. E isso me fez ver que poucas espécies são tão... destrutivas quanto os humanos. Então eu pensei, pra quê voltar para aquele mundo?

Eu a olhei e ri levemente, pensando na ironia. Quando Stacie perguntou o que era, eu dei de ombros.

- Eu aqui tentando ser mais humano do que vampiro e aí você me diz isso.

- E daí? – ela perguntou e eu ri de novo, embora não houvesse nenhum humor.

- Eu não sei. – ri. – Esse é o problema. Eu nem sei mais o que é melhor ou pior, o que é certo ou errado. Eu

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sempre vi os vampiros como animais sanguinários, mas o que nos difere dos humanos, realmente, além das diferenças biológicas? Nada. E eu não sei mais onde está a minha aliança.

Stacie me deu um olhar que pareceu ser um de pena, o que eu não sei se gostei muito.

- Aqui você tem amigos. Poucos, mas pelos menos é mais do que você tem lá fora. Então, é melhor você descobrir logo de que lado você vai ficar, se quer que seus planos deem certo.

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Eu estava na sala de armas com Nate e outro vampiro da guarda, checando as armas disponíveis para a guerra que não ia acontecer.

Por incrível que pareça, vampiros estiveram em guerras muitas vezes nos últimos séculos. Guerras invisíveis para os humanos, mas muito reais para o mundo atrás do mundo. Eu nunca participei de nenhuma, pois a última foi logo antes do século 20 começar, algumas décadas antes de eu sequer estar andando.

Eu só ouvi falar destas outras guerras, contos e histórias dos vampiros mais velhos me contavam. Na sua maioria eram de reinos rivais, mas algumas foram contra lobisomens, fadas ou fantasmas. Duas raças guerreando pelo direito de possuir mais poder.

Mas esta época já passou. E agora nós tínhamos toda a munição para matar outros vampiros. Armas normais, como pistolas, não são letais para nós, então o armamento era constituído na sua maioria em bestas modernas, machados e até espadas. Os vampiros sempre viram a modernidade e a tecnologia com desconfiança. Um erro que eu não compartilhava, mas não havia como mudar em nada aquela situação.

Além do mais, é bem mais fácil matar um vampiro com um golpe de machado ou espada do que com uma Glock.

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Tudo estava indo bem. Só o que eu precisava era uma ferida aparentemente mortal em plena vista de todos por algum prisioneiro ou outro vampiro, parecer moribundo e apontar Nate como sucessor. Isso me fazia parecer covarde? Com certeza. Mas eu sabia que aqueles vampiros não iam me respeitar, o que só pioraria as coisas no futuro se eu continuasse no trono.

Mas ainda assim, eu sentia que algo estava errado. Como um pressentimento no fundo da minha mente, uma coceira invisível. De algum modo, eu sentia que o meu plano não seria suficiente.

- Ainda serve.

Eu fui tirado das minhas divagações pela voz, me virando para ver ninguém menos que Circe, com uma espada na mão e usando uma.. armadura.

- Você sabe que nós temos roupas especiais de batalha agora, certo? Que têm bem menos que 500 anos? – falei, a olhando. Não que aquela armadura pudesse proteger muita coisa, de qualquer modo. Era basicamente um biquíni de metal com ombreiras de metal. Quem usa isso em batalha? Além de Circe e personagens de RPG, é claro.

Ela olhou para mim como se soubesse o que eu estava pensando. Bem, até onde eu sabia, nem era tão improvável que ela pudesse realmente saber o que eu pensava. Ou talvez eu fosse transparente demais, mas eu preferia pensar que era por causa da primeira opção.

- Me protegeu bem em outros tempos. – ela falou e

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eu decidi ficar calado. Notei que Stacie também estava ali, olhando Circe como se tivesse acabado de descobrir o significado da vida, universo e tudo o mais.

- Peça a ela para te treinar. – falei baixo a Stacie, me aproximando. Ela me olhou rapidamente e balançou a cabeça.

- Eu sou uma médica, Vaughn. – ela falou, me olhando. – Não uma... máquina de guerra como ela.

- Talvez. – dei de ombros, observando Circe golpear o boneco de treino com a espada. Acho realmente que ela seria mais feliz no século XV. – Mas ela pode ser útil para você. E também, você pode passar bastante tempo com ela.

Ela me olhou por um momento e concordou, antes de ir até Circe. Eu vi o modo como Stacie parecia tímida e como a outra sorriu ao concordar com o pedido. Quando elas saíram de lá juntas eu me senti bem, como se tivesse acabado de fazer uma boa ação.

E assim sobramos apenas eu e Nate ali, avaliando armas e descartando as que não serviam mais. De algum modo eu sentia que Nate sabia o quanto eu não desejava guerra nenhuma, mas acho que ele, sendo sempre tão tradicional, não queria me questionar.

Talvez tivesse sido melhor se ele tivesse feito isso. Talvez tivesse evitado que, minutos depois que nós fomos deixados sozinhos, uns seis soldados vampiros entrassem na sala de armas e anunciado a nossa prisão.

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- Prisão? – perguntei, rindo. Aquilo era ridículo demais, até para aquele lugar. – Pelo quê?

- Assassinato. – um deles falou e eu fiquei mais confuso ainda.

- O quê? De quem?

- Edward Sharpe. – um deles falou seriamente e eu não consegui conter o riso. Mas não era um riso do tipo feliz. Eu olhei para eles e vi que aquilo estava realmente acontecendo. Então parei de rir.

- Edward Sharpe era um espião e eu tinha todo o direito de...

- A pena para um vampiro que mata outro é a morte ou prisão. Temos ordem de prisão para você, Nathaniel Devonshire, Circe DuPompadour e aquela humana que você trouxe pela acusação de conspiração. – Um deles continuou falando. – Além disso, você está sendo acusado de assassinato de outro membro real.

- Membro real? – perguntei com um riso. – Edward Sharpe era um espião na minha Corte!

- Ele era o Barão de Northenden, e pelas leis a pena é a morte. – o primeiro falou novamente.

Eu ri, porque o que mais havia para fazer? Então olhei para Nate. Engraçado, ele era o meu Primeiro Cavaleiro, mas era eu quem sempre recorria a ele quando a coisa ficava preta. E naquele momento ele estava impassível enquanto olhava para eles. Se ele achasse

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que lutar era uma boa ideia, já estaria com alguma arma na mão. Então eu olhei de volta para eles e os deixei nos prender antes de nos levar às masmorras.

***

Só depois que nós já estávamos presos e trancados em uma das masmorras, eu fui entender o que tinha acontecido. Sentado no chão de pedra enquanto Nate olhava para fora da cela, eu comecei a pensar com calma.

Eu era o rei fraco e sem autoridade nenhuma. Ao matar um vampiro de Essex (como tentativa de me afirmar como rei publicamente, aliás), eu dei a Romulus Cole a oportunidade perfeita para inventar uma desculpa qualquer e me matar e ao mesmo tempo tomar o meu reino.

Típico. Eu fui vítima de um golpe e nem suspeitei até o último momento. Literalmente.

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Enquanto eu estava preso, me senti até aliviado, de certo modo. Pelo menos lá eu não tinha tantas responsabilidades e preocupações. Na verdade, eu não tinha nenhuma. Só o que eu tinha que fazer era comer e dormir. Parecia ótimo. Nate ficava na dele, provavelmente pensando em algum plano para escapar enquanto eu aproveitava os meus momentos de paz.

Eu também tive tempo para pensar. Foi tudo muito súbito, realmente. Então obviamente tinha um traidor na Corte. Mas como identificar um traidor em meio a um monte de gente que não te suporta e não te quer ali?

Talvez eu merecesse aquilo. Afinal, todos nós íamos eventualmente pagar pelas coisas que fizemos. É a natureza. Decidi comentar isso com Nate, mas ele não pareceu concordar.

- Você fala como se nós fôssemos as criaturas mais vis que já andaram na face da Terra. – ele disse, me olhando de um jeito frio. – De um modo, nós somos. Nós somos humanos sem escrúpulos. Sem limites ou senso de perigo. Nós somos adolescentes fugitivos livres com o carro e o cartão de crédito do pai por toda a eternidade. Nós somos a raça humana em seu estado bruto, os humanos honestos. Você pode condenar isso e continuar negando a sua natureza, mas eu prefiro ser o vampiro que eu sou do que fingir ser um humano que não sou.

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Eu nunca tinha visto Nathaniel daquele jeito. Ele estava realmente nervoso e irritadiço e eu sabia que era parcialmente minha culpa. Ele estava olhando para fora de uma das janelas e eu fiquei lá, pensando no que ele tinha acabado de falar. Nate estava certo, como sempre. Mas estar certo não era sempre uma coisa boa.

- O que você acha que aconteceu? – eu perguntei e ele me olhou, seus olhos cinzentos parecendo duas nuvens de tempestade.

- O óbvio. Romulus Cole usou a sua falta de popularidade na Corte para aplicar um golpe e assumir o reino. Aposto que ele deve aparecer para te matar a qualquer momento. Para nos matar.

Eu olhei para Nate por um momento, o estudando. Ele estava particularmente mal humorado. Claro que estar preso esperando a morte não é algo exatamente relaxante, mas mesmo assim. Então um pensamento súbito passou pela minha cabeça e eu decidi perguntar:

- Faz tempo que você não toma sangue?

Ele me olhou de novo e seus olhos deixaram de ter aquele ar frio e rígido. Ele suspirou levemente e assentiu.

- Dois dias. Eu não sou como você.

Eu fiz que sim com a cabeça, tentando soar confortador.

- Tudo bem, eu também estou entrando nesta fase. Eu bebi sangue por um bom tempo na minha estadia

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aqui, afinal. – falei, olhando em volta da masmorra e lembrando que era impossível escapar de lá. Imaginei quantos reis que um dia já confiaram naquelas masmorras para manter seus presos sob controle também acabaram confinados ali. A ironia chegava a ser poética.

Nate não estava em um bom estado e eu sabia disso. Na verdade, eu cheguei a ficar receoso. Acho que aquela era a sua primeira desintoxicação e um vampiro como ele poderia acabar matando qualquer um que o irritasse minimamente durante o processo. Como eu, por exemplo.

Diabo, provavelmente eles nos colocaram na mesma cela com este propósito. Com certeza estavam achando que Nate acabaria fazendo o trabalho sujo por eles, já que nenhum dos outros sabia exatamente o que fazer comigo. Seria a ironia ideal: o Primeiro Cavaleiro do Rei matando o seu senhor por causa de algo que o próprio Rei pregava, a abstinência de sangue. Alguém lá fora devia estar se divertindo muito.

- Quem você acha que nos traiu? – perguntei a ele de repente, querendo começar uma conversa mais leve e tentando não pensar na possibilidade de acabar sendo morto pela única pessoa em quem eu confiava ali.

Nate me olhou de um jeito estranho, como se estivesse falando com um armário de madeira, antes de falar:

- Você quer que eu seja honesto ou que eu seja gentil?

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Pensei por um momento e então decidi que era melhor trilhar o caminho mais difícil.

- Seja honesto.

- Provavelmente Violet. – ele disse sem nenhuma hesitação e eu até me surpreendi. E então parei para pensar um pouco. Bem, fazia sentido. Vampiras como ela faziam qualquer coisa por ascensão social.

- Você acha que eu devia matá-la quando sair daqui? – perguntei e ele arqueou uma sobrancelha enquanto olhava para mim, antes de falar:

- O que te faz acreditar que você vai sair daqui vivo?

Eu olhei para ele por um momento, observando sua expressão austera com aqueles olhos cor de metal cromado. Até que eu vi o esboço de um sorriso conspirador no canto de seus lábios. Foi o suficiente para me fazer sorrir também.

Aquele sorriso me dissera que ainda havia esperança. Esperança que estava lá fora, em algum lugar, na forma de uma humana confusa e uma vampira guerreira que provavelmente me achavam um imbecil àquela altura. Eu só esperava que elas tivessem escapado a tempo e agora estivessem a salvo. Mas as conhecendo, provavelmente estavam.

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Stacie fechou os olhos e mordeu o lábio, sua respiração ficando mais pesada a cada vez que sentia a língua de Circe na pele de seu pescoço. Ela engoliu em seco e suspirou quase que em alívio quando a vampira se afastou, lambendo o sangue de seus lábios lentamente. Seus olhos cinzentos agora estavam negros como carvão enquanto ela olhava para Stacie.

- Obrigada por isso. – ela falou, sua voz baixa.

Stacie fez que sim com a cabeça rapidamente, ainda com a respiração pesada e com a cabeça leve.

- Tudo bem. – ela suspirou, sentindo seu coração batendo mais rápido e assim voltando à pulsação normal. – Se faz você ficar mais forte...

Circe sorriu para ela e olhou em volta. Elas estavam no campo inglês, a alguns quilômetros de distância do castelo. Quando o golpe aconteceu, Circe estava começando a ensinar Stacie a manejar uma espada, o que foi útil quando os cavaleiros chegaram. Depois que Circe conseguiu abrir caminho para as duas, o suficiente para permitir um caminho livre, elas fugiram do castelo a pé, escondidas. Stacie não parou para pensar no morticínio que marcou a sua fuga, mas aproveitou para finalmente ver Circe lutando de verdade. E ver aquilo foi bastante revelador para Stacie, o que a fez se perguntar como tinha sido a vida da vampira até agora.

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- Ajuda. – Circe concordou, sorrindo um pouco. - Já faz um tempo desde a última vez que eu bebi.

- Mas Vaughn me falou que vocês não precisam de tanto sangue assim para sobreviver. – Stacie falou, tentando ignorar a sua própria fome.

- Para ele é fácil falar isso. – a vampira disse, virando os olhos. – Ele não tem que fazer nada além de ficar sentado e brincar de rei. Já nós cavaleiros, precisamos do sangue para exercer a nossa função. Precisamos beber por causa dos benefícios.

- Tipo ficar mais forte, rápido e tal? – Stacie falou enquanto Circe acendia uma fogueira. Elas estavam na clareira de um bosque, isolado suficiente para que elas ficassem protegidas durante a noite.

- É. Não dá pra ser um cavaleiro sem estar na sua melhor forma. – Circe assentiu.

- Mas porque você não trouxe um pouco com você? Quer dizer, eu sei que a fuga foi corrida, mas mesmo assim.

- Eu prefiro sangue fresco. – ela sorriu, exibindo suas presas. Stacie sentiu um arrepio. – Além do mais, eu só posso beber sangue de mulheres.

- Oh? – Stacie falou, arqueando uma sobrancelha em surpresa. – Isso é algum tipo de fetiche ou preferência pessoal?

Circe riu e deu de ombros, se afastando um pouco

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da fogueira enquanto o fogo aumentava.

- Necessidade biológica. Qualquer outro sangue não faz efeito em mim. Não sei por quê. Uma particularidade da minha mutação, suponho. Quase todos têm uma. – ela falou e sorriu de lado. – Por causa disso eu acabei tendo mulheres como... preferência pessoal.

Stacie a olhou e mordeu o lábio, sem ter certeza do que pensar ou sentir naquele momento, então decidiu falar:

- Então eu sou o seu banco de sangue ambulante?

Circe a olhou e riu levemente, tirando uma mecha do seu cabelo loiro do rosto.

- Basicamente. – ela falou e Stacie sentiu seu estômago afundar até que a vampira continuou – Mas você também é uma boa companhia.

- Oh, nossa. Agora eu me sinto especial. – ela falou, virando os olhos enquanto sentava na grama.

- Devia. – Circe sorriu. – Eu gosto de você. E Vaughn também. Se não fosse este o caso, você já estaria morta há muito tempo.

Stacie engoliu em seco, dividida entre se sentir aliviada ou contente. Decidiu se sentir dos dois modos e mudou de assunto.

- Como você se tornou vampira?

- Eu estava na França. – a outra sorriu levemente,

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sem deixar a mudança de rumo da conversa despercebida. – Aonde eu nasci. Tinha decidido vir para a Inglaterra porque todos falavam que era o melhor lugar para se estar. Era o centro do mundo, com a Revolução Industrial. Então eu vim para cá. – ela deu de ombros. – Eu não tinha muitas opções, ou era conseguir trabalho honesto em Londres ou conseguir trabalho desonesto em Paris.

- E isso foi quando? – Stacie perguntou, olhando a vampira com fascínio. Aquilo tudo era irreal e fantástico.

- 1835. Foi um ano difícil. Eu fui para Londres e consegui um emprego numa estalagem. Foi um emprego bom até 1837, quando um dos hóspedes me atacou. Acabou que ele fazia parte da Corte e me transformou porque achou que eu seria uma boa adição à família.

Stacie riu, a olhando enquanto ouvia a história.

- E você foi?

- Claro. – Circe deu de ombros. – O que eu ganharia sendo uma vampira pobre em Londres? Apesar da transformação forçada, eu sou grata pelo que houve. Então eu vim, virei dama de companhia de uma das duquesas e comecei a me interessar por armas. Eu já me interessava antes, mas era impossível ser mulher e ferreira ao mesmo tempo em qualquer lugar. Eu aprendi a lutar e logo fui convidada para entrar na Guarda.

Stacie a olhou por mais alguns momentos e sorriu.

- É infinitamente mais interessante que a minha

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história.

- Conte. – Circe sorriu para ela. – Nós temos a noite toda.

A médica riu levemente e deu de ombros.

- Nada de mais, realmente. Nasci e cresci em Londres, fui fazer faculdade de medicina, arranjei um trabalho e fui raptada por vampiros. – ela riu. – Realmente, nada de mais. Eu... tinha uma... namorada a um tempo atrás, mas foi desastroso. Achei melhor continuar sozinha.

Stacie morria de medo que Circe acabasse achando que ela era uma aberração, ou pior, um estereótipo. Mas a vampira apenas deu um sorriso.

- Dificilmente você vai estar melhor sozinha. Agora, você deve ir dormir.

Stacie a olhou e concordou com a cabeça, antes de se deitar na grama e fechar os olhos. Aquilo tinha sido melhor do que ela esperava. Sem olhares estranhos nem mudança de atitude. Então ela ouviu a voz de Circe:

- Por que uma namorada?

Stacie mordeu o lábio e tentou pensar em algo inteligente para falar.

- Homens não são muito a minha praia. Eu nunca vi utilidade neles nos quesitos... pessoais.

Depois de um momento de silêncio, Circe

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respondeu:

- Nem eu. Isso me faz...?

- Só se você quiser, acho. – Stacie deu de ombros, tentando entender aquela conversa.

- Hm. Você gosta?

- Eu... gosto. – ela falou, ainda confusa. – É o que funciona para mim.

Mais outro momento sem ninguém falar nada e então:

- Hm. Interessante. Vá dormir, amanhã é um dia cheio.

E com isso Circe foi dormir, deixando uma Stacie muito confusa acordada.

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20

Os seus passos ecoavam pelo chão de pedra enquanto ela andava rapidamente pelo castelo. Usava um simples sobretudo preto por cima de uma blusa e calças jeans, e seu cabelo castanho estava preso num rabo de cavalo.

Outros dois vampiros a seguiam de perto, seus dois novos assistentes, por assim dizer. Mas Violet não sabia ao certo se eles eram ajudantes ou cães de guarda, e sabia bem menos quem eles estavam guardando exatamente.

Ela estava nervosa desde que ficara sabendo do golpe, há alguns dias atrás. Pelo menos tiveram a consideração de contar do golpe para ela antes que acontecesse. Cole tinha prometido a ela um título no reinado, em troca de sua ajuda. No início, Violet não soube exatamente o que fazer, afinal ela era apenas uma dama de companhia. Até seduzir alguém tinha sido uma novidade para ela. Mas Violet logo pegou o jeito e aprendeu tudo o que pôde sobre o novo Rei. Ela não seria mais apenas uma sombra insignificante no castelo, uma simples criada. Ela seria muito mais.

Então naquele momento, ela estava andando até as masmorras com pressa. Momentos antes tinha recebido uma ordem de Cole: descobrir onde estavam Circe e a humana, não importava como. Ela não tinha certeza do por que daquela informação ser tão importante, mas

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imaginou que não era da sua conta.

Violet não sabia ainda qual abordagem iria usar, mas quando chegou à porta de metal maciço, achou melhor ir com calma enquanto formulava uma estratégia.

Ela segurava uma lanterna enquanto andava até o guarda, que a olhou com desconfiança.

- O que quer?

- Cole pediu que eu extraísse informações deles. – ela falou baixo, mas alto o suficiente para que os dois prisioneiros pudessem a escutar.

O guarda concordou e ela foi até a porta, esperando enquanto o outro a abria. Uma vez que a porta estava destrancada, Violet olhou para o guarda friamente e o mandou se retirar por 10 minutos. O vampiro não ficou muito feliz com a ideia, mas se afastou enquanto ela entrava na cela e deixava seus dois guarda costas lá fora.

Ela sabia que era arriscado, mas ao pisar dentro da cela, Violet soube o que fazer. Nem mesmo o punho de Nathaniel ao redor de seu pescoço a fez mudar de ideia.

- É melhor você ter uma razão muito boa para estar aqui. – ele falou perto do rosto dela, mais parecendo um animal feroz farejando uma presa.

- Eu vim para ajudar vocês. – ela falou, tentando se desvencilhar do outro e falhando.

- Eu pensei que você tivesse vindo para extrair informação de nós. – Vaughn falou, sua voz vindo de

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algum ponto atrás de Nate que ela não conseguia ver.

- Bem, eu tive que falar isso pro guarda para ele me deixar entrar. – ela falou, arfando pela falta de ar. - Você pode me soltar? Eu trouxe comida e sangue para vocês.

Ela viu os olhos de Nate faiscarem com a menção de sangue, o que era um bom sinal. Ele já estava no processo de desintoxicação. Lentamente ele aliviou o aperto no seu pescoço, até soltar de uma vez. Violet os olhou e suspirou.

- Eu estou do seu lado, cacete. Eu sou a única pessoa em quem vocês podem confiar neste lugar, já que aquelas duas já conseguiram fugir.

- Então elas conseguiram? – Vaughn perguntou, sua voz cheia de esperança. Violet o olhou e fez que sim com a cabeça, embora xingasse mentalmente. Aqueles quatro eram amadores, não havia organização suficiente ali. Dificilmente eles saberiam onde as duas estavam.

- Sim, elas fugiram a tempo. – ela falou, sorrindo como um sinal de reafirmação ao alívio deles. – Vocês sabem se elas tinham algum plano? Se iam para algum lugar?

- Não, a última vez que eu as vi foi um pouco antes do golpe. Minutos antes. – Vaughn falou enquanto andava de um lado para o outro. Mas Violet notou que Nate ainda estava perto dela, a observando, até que ele falou:

- Pra que você quer saber? Não há nada que você possa fazer por elas daqui.

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Nathaniel, sempre o cão de guarda. Ela o olhou bem nos olhos e falou:

- Eu posso contatá-las e oferecer ajuda em segredo. Talvez elas consigam reforço. Eu posso ser os olhos delas aqui dentro.

- Só delas? – Vaughn perguntou, também desconfiado enquanto a olhava.

- Vocês vão ter que confiar em mim, ok? – ela disse, começando a ficar nervosa com a situação. Ela não gostava de ficar nervosa, atrapalhava no papel que tinha que desempenhar.

- Você quer que a gente confie em você? – Vaughn perguntou, se aproximando dela. – Nos tire daqui. Faça alguma coisa concreta ao invés de ficar vindo com comida. Você tinha falado que eu sou o seu rei, então comece a me tratar como qual.

Violet o olhou, sentindo sua paciência se esgotar por completo. Ela já tinha se submetido demais naquela história, e ter um garoto falando com ela daquele modo foi a gota d’água. Seus olhos ficaram negros e se estreitaram enquanto ela avançou em Vaughn e o segurou pelo pescoço, seus dedos longos esmagando a sua traqueia. Quando Nate fez sinal de que ia avançar nela, Violet chamou um dos seus guardas, que entrou na cela como um raio e imobilizou Nathaniel. Ele podia ser mais velho, mas ainda assim estava fraco pela falta de sangue. Ela sorriu para eles e começou a falar com Vaughn:

- Foi divertido, mas agora minha paciência com você

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realmente acabou. Você pode ter uma posição mais alta do que a minha, mas eu ainda sou mais velha e forte. Você não é nada agora. O seu status agora é o mesmo de uma barata. Então você vai me falar onde aquelas duas vadias estão agora ou eu vou fazer da sua vida um inferno.

A sua voz estava estranhamente calma, o que surpreendeu até a ela mesma. Vaughn tentava se soltar e respirar inutilmente enquanto Nate observava, ainda imobilizado e ciente das suas limitações. Ele sabia que não estava em condições de poder lutar.

- E como você vai fazer isso exatamente? – Nate perguntou, a olhando. Havia uma provocação nos seus olhos, apesar dele não poder fazer nada fisicamente. – Vai nos torturar? Arrancar nossos membros? Que plano malvado retardado você acha que vai dar certo na gente? Estou curioso para saber.

- Não. – Violet falou, sorrindo um pouco antes de jogar Vaughn no chão e se ajoelhar ao seu lado antes que ele pudesse levantar, o imobilizando. Ela abriu a pequena garrafa de sangue e a levou aos lábios dele, forçando-o a tomar.

Vaughn lutou de início, tentando manter a boca fechada e afastar Violet, mas a vampira e sua própria sede eram maiores que a sua força de vontade naquele momento. Ele cedeu, fechando os olhos e bebendo o sangue até a última gota, desesperadamente, enquanto Nate assistia com uma expressão de exasperação e frustração.

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Depois que ele terminou, Violet se levantou e saiu da cela com o guarda, ainda sorrindo para eles. Depois que a porta estava trancada, ela falou do outro lado, sabendo que eles escutariam:

- A cada dois dias eu vou dar uma destas garrafinhas a vocês. Talvez eu mude para a cada duas horas, talvez para cada duas semanas, quem sabe. Eu vou escolher quem ganha o sangue. Talvez vocês sejam humanos o suficiente para lidar bem com isso. Mas as nossas ações são imprevisíveis diante deste tipo de sede, como eu tenho certeza que vocês já sabem. Vamos ver por quanto tempo dura a sua humanidade.

E com isso ela saiu da masmorra, seus passos ainda ecoando pelo ambiente de pedra enquanto ela suspirava em alívio. Ela se sentia bem, tinha se saído bem. Tudo daria certo. Ela finalmente teria o título que merecia, ao contrário de Vaughn que nunca tinha feito absolutamente nada para merecer o título de rei. Ela sim merecia, e estava disposta a provar isto.

Vaughn ainda estava deitado no chão, deixando de lado qualquer traço de dignidade enquanto tentava lamber o resto de sangue de suas mãos e rosto. Nathaniel o olhava com uma expressão dura, antes de falar:

- Você sabe o que ela está fazendo, não sabe?

Vaughn terminou de limpar seus dedos e assentiu com a cabeça, embora ela ainda estivesse rodando pela asfixia e o efeito súbito do sangue. Ele podia até sentir sua traqueia se curando e doía. Mas ela ainda não estava curada totalmente e por isso sua voz saiu áspera quando

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ele falou, sua respiração ainda falhando um pouco:

- Ela... eles, querem que a gente acabe se matando. Ou melhor, que você acabe me matando. O que é o mais provável de acontecer.

- Nós precisamos ser fortes. – Nate falou. Seu rosto parecia ser feito de pedra. – Eu duvido que eu chegue a te matar.

- É, eu sei. – Vaughn falou, olhando para o outro. Embora ele estivesse bastante ciente do modo como o cavaleiro olhava para o seu pescoço, o que não lhe dava muita confiança.

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- Você tem um plano? – Stacie perguntou a Circe enquanto elas andavam pela estrada no dia seguinte à fuga. Ela ainda estava com fome, cansada, estressada e sem saber como seriam os próximos dias, o que podia ser bem frustrante para uma pessoa.

- Tenho. – Circe respondeu, conseguindo mascarar o seu cansaço melhor. Mas o sol sobre a sua cabeça ainda a fazia ficar tonta.

Stacie a olhou com expectativa e ao não ouvir nada, perguntou impacientemente:

- Você vai compartilhar o plano comigo ou vai continuar dando uma de misteriosa?

Circe a olhou, finalmente deixando transparecer um pouco do seu cansaço enquanto suspirava.

- Eu vou ver o Ancião.

- Aquele que Vaughn foi ver? Mas ele não está no castelo?

- As pessoas se locomovem, sabe. – Circe falou, não conseguindo evitar a acidez. Ela também tinha direito de ficar sob estresse. – Ele vai estar em um dos prédios da companhia hoje e nós vamos vê-lo.

- E o que você vai perguntar a ele exatamente? –

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Stacie perguntou, se sentindo um pouco acuada.

- Não sei ainda. – Circe suspirou, tentando proteger seus olhos do sol com uma mão.

Stacie a olhou e imaginou qual era o seu papel naquilo tudo, agora que Vaughn estava preso e tudo estava caótico. Na verdade, ela nem mesmo sabia ao certo por que tinha entrado naquilo em primeiro lugar. Ela se sentiu culpada, sabendo que provavelmente era só um peso morto naquele momento e que estava atrasando Circe.

- Quando a gente chegar em... algum lugar, você pode seguir sozinha. – ela falou e Circe se virou para olhá-la. – Eu não vou mais te atrapalhar ou te atrasar. Só... não me mate, se for possível.

Circe a olhou com uma sobrancelha arqueada, confusão pintando o seu rosto.

- Você não é um estorvo para mim. Pelo contrário. – a vampira falou. – Por quê? Você quer voltar para a sua vida normal? – ela perguntou curiosamente.

- Não. – Stacie falou rapidamente. – É que eu pensei... bem, que você fosse ficar melhor sem uma humana sem nenhuma utilidade te seguindo por aí como um cãozinho perdido.

- Eu quero que você fique. – Circe falou seriamente. – Você entrou nisso tudo por um motivo. Nós não sabemos qual ainda, mas obviamente existe um. Então, você fica. – ela falou e sorriu um pouco.

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Stacie sorriu de volta, embora ainda se sentisse um pouco culpada. Mas não demorou muito, pois ela foi distraída pelo carro que apareceu no horizonte. Antes que ela pudesse ter qualquer reação, Circe falou:

- Deite no chão, rápido. – ela mandou e Stacie automaticamente se jogou no chão, enquanto a vampira fazia sinal ao motorista. O carro parou e ela pôde ouvir a conversa.

- Ai meu Deus! Que bom que você apareceu! É a minha amiga, acho que ela desmaiou e eu não sei o que fazer. A gente estava numa festa lá no bosque, mas os caras roubaram os nossos celulares e acho que deram alguma coisa pra ela... – Circe era boa em soar desesperada, Stacie notou enquanto se mantinha imóvel no chão, de olhos fechados.

- Ok , vamos botar ela no carro. – o cara falou, saindo do veículo e começando a andar em direção a Stacie. Ela pensou no que poderia fazer, mas antes que pudesse fazer qualquer coisa, ouviu um gemido abafado. Quando abriu um olho para ver o que acontecia, viu que Circe tinha as presas fincadas no pescoço do cara, enquanto bebia seu sangue.

Ela assistiu em assombro enquanto Circe o largava no chão e limpava a boca, a olhando.

- Vamos.

- Você matou ele! – Stacie guinchou, apontando para o corpo. – Você simplesmente foi e matou ele! Como é que você faz uma coisa dessas assim?! - Circe

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suspirou, virando os olhos.

- Sim e considerando o tempo que você já passou entre vampiros, já era para você estar acostumada. Agora, entre no carro. – Circe falou, já entrando e sentando no banco do motorista.

Stacie olhou para o homem morto à sua frente e tentou não pensar enquanto entrava no carro relutantemente. Circe começou a dirigir em silêncio.

- Foi necessário. – a vampira disse, mantendo os olhos na estrada. Stacie quase não a escutava, sua cabeça estava dormente. Ela não conseguia pensar direito, até que olhou para Circe e perguntou:

- Você vai me matar?

A vampira a olhou e Stacie de algum modo sabia que ela falava a verdade quando disse:

- Eu nunca te mataria.

Aquilo foi estranhamente reconfortante para a humana. Ela fechou os olhos e finalmente conseguiu dormir direito enquanto elas rumavam para Londres.

***

Elas chegaram à cidade enquanto o sol ainda estava visível no céu. À noite era arriscado, ainda mais quando

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não se sabia quem era leal a quem. Não levaram muito tempo, apenas algumas horas para chegar ao edifício no centro comercial de Londres. Era moderno e cintilante e em algum lugar ali dentro, o vampiro mais antigo de Londres controlava metade da cidade.

Isaiah LaCroix tinha um apartamento/escritório naquele prédio e Circe estava estacionando o carro numa ruela perto da entrada enquanto pensava.

- Este é aquele que aconselhou Vaughn a entrar em guerra. – Stacie falou, olhando para Circe. – Foi esta decisão que levou à bagunça que está agora e você ainda vai falar com ele?

- Ele não controla as repercussões dos seus conselhos. Eu tenho certeza que ele teve um bom motivo para aconselhar a guerra. E, se você pensar, é o que vai acabar acontecendo de qualquer jeito. – Circe falou, antes de sair do carro e entrar no prédio enquanto Stacie a seguia.

- Tá, mas se ele é tão importante, ele deve ter todo um exército o protegendo lá em cima.

Circe riu levemente enquanto parava em frente ao elevador e apertava o botão.

- Ele não precisa de exército. Além do mais, ele está nos esperando.

Stacie a olhou, confusa, irritada, cansada e realmente sem paciência para aquilo.

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- Como é possível ele estar nos esperando? – ela perguntou devagar. – Nós saímos do castelo ontem, não temos celular nem nada.

- Eu tive um sonho. – Circe sorriu levemente e Stacie fechou os olhos, desistindo de tentar entender alguma coisa. Então Circe continuou. – Ele entrou no meu sonho e disse que nos esperaria aqui, hoje. Dadas as circunstâncias, eu diria que isto é muita sorte.

- E se for uma cilada e ele na verdade está do lado de quem fez o golpe e sabe que a gente fugiu e nós estamos entrando numa armadilha?

Circe a olhou e deu de ombros.

- É a única coisa que nós temos neste momento. Além do mais, ele é neutro, não toma partidos.

Stacie a olhou e abriu a boca para falar algo sobre os malefícios de fé cega, mas as portas do elevador se abriram e elas entraram. Circe a olhou e apertou o botão para o 42º andar.

***

- Você sabe como se comportar, certo? – Circe perguntou a Stacie enquanto o elevador subia.

- Mais ou menos. – a humana falou, olhando para a outra e estranhando aquela conversa.

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- Basicamente, não fale nada. Tente não pensar em nada, também. Ele pode entrar na sua cabeça. Eu só estou te levando para vê-lo comigo porque é mais seguro para você.

- Então só porque eu sou humana, eu tenho que dar uma de mobília? – Stacie perguntou, franzindo o cenho.

- É para a sua proteção. – Circe repetiu e olhou para Stacie de um jeito apologético.

A humana a olhou e sacudiu a cabeça levemente.

- Sabe, quando você quis ser ferreira e não pôde porque você é mulher, deve ter doído, certo? Antes de virar vampira. Imagino que você pensou 'bem, é isso. Acabou. Eu vou ter que me casar ou virar governanta, ou prostituta'. Certo? – Ela perguntou e Circe suavizou seu olhar. – Quando eu decidi fazer medicina todos acharam que eu estava falando de veterinária ou pediatria, ou enfermagem. Sempre que eu dizia que não, eu seria médica, as pessoas me davam esse olhar mortífero. Aquele olhar de descrença, tipo 'você? Médica?'. Não todas, mas muitas vezes isso foi pelo fato de eu ser mulher. Mas eu fui além das expectativas, assim como você. E agora você está me dizendo para manter a cabeça e o olhar baixos e não vocalizar as minhas opiniões, nem sequer pensar nenhuma opinião porque eu sou... de uma raça inferior. – ela falou, exasperada, enquanto olhava para Circe. – Você realmente acredita nisso?

Circe olhou para ela e suspirou um pouco, passando uma mão pelo cabelo loiro.

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- Você está certa. Eu realmente entendo tudo isso. Mas o que eu estou tentando dizer é que ele pode te matar em um segundo se não gostar do jeito como você olhou para o sapato dele. Só peço para que você tenha cuidado.

- Eu vou ter. – Stacie sorriu um pouco, um sorriso que a vampira respondeu com outro. Mas ela ainda se sentia como se a outra a considerasse inferior. O elevador abriu e elas saíram.

Circe olhou para a porta do escritório de Isaiah e respirou fundo antes de entrar, sendo seguida por Stacie.

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22

Vaughn

Não levou muito tempo até que Nate começasse a sentir os efeitos da falta de sangue. Até eu senti, por causa do sangue que eu fui forçado a tomar. Mas ele sofria mais, porque nunca tinha ficado sem sangue antes por tanto tempo.

Eu já tinha passado por aquilo antes, nas primeiras vezes que eu fiquei sem sangue. O processo é diferente com cada um, mas uma coisa é certa: quanto mais tempo você passa bebendo sangue, pior vai ser o efeito de ficar sem ele.

O efeito geral é dor. Dor excruciante em todo lugar do seu corpo, como se tivesse um bicho devorando as suas entranhas. Isto é a Sede, quando não é saciada. Tudo o que você quer é matar alguém ou morrer, o que vier primeiro.

Nós dois estávamos em fases diferentes do processo. Eu estava na fase bicho-devorando-as-entranhas e estava quase pronto para começar a rolar no chão de dor, mas Nate...

Ele devia estar com uma dor pior que a minha até. E até aquele momento, não tinha deixado nada transparecer. O cara era uma rocha, um monolito. Ele só

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ficava lá sentado, de olhos fechados enquanto eu ficava sentado no outro lado da cela, tentando não gemer pateticamente.

Eu precisava de alguma coisa que nos distraísse, mas o quê? O que poderia distrair nós dois, confinados numa cela, no meio de uma crise de abstinência?

- Você pode me ensinar a lutar?

Nate me olhou como se eu tivesse acabado de perguntar qual era a cor da sua roupa de baixo. Eu apenas dei de ombros.

- Quando?

- Agora. – falei, me sentando com dificuldade. – Para nos distrair. E é útil. Para quando sairmos daqui.

Nate fechou os olhos e balançou a cabeça.

- Nós devemos economizar energia, não gastar mais ainda.

- Nate, temos que fazer alguma coisa além de ficar aqui sendo patéticos.

Eu sabia que era uma estratégia arriscada. Nate podia muito bem acabar me matando se ficasse sem paciência. Nós podíamos até agravar a necessidade de sangue com o esforço físico. Mas era uma distração e pelo menos eu podia não ser mais tão inútil.

Quer dizer, claro que Blake me ensinou a lutar e atirar. Mas isso foi há muito tempo e as coisas mudaram

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bastante desde então. Eu era uma vergonha e se eu soubesse pelo menos me manter vivo em situações de perigo e não ficar dependendo de Nate para me salvar toda vez, já seria um resultado satisfatório.

- Eles vão acabar nos colocando em celas separadas. – ele disse, me olhando de um jeito que me fez sentir meio idiota.

- Eu sei, mas isso não seria tão ruim. Pelo menos não vão mais poder ficar nos manipulando deste jeito. – falei, olhando para Nate e quase implorando para que ele aceitasse. – Eu não sou rei já faz muito tempo. Na verdade, acho que nunca fui. Você daria um rei muito melhor que eu. Mas eu não aguento ser um inútil completo, então eu peço que você faça isso por mim, como amigo.

Ele me olhou e levantou lentamente, andando até mim com uma expressão indecifrável no rosto. Eu nem sei exatamente o que senti na hora. Medo, felicidade, alívio. No geral era esperança. Esperança de que a minha ideia desse certo.

E então tudo o que eu vi foi o punho dele vindo em direção ao meu rosto e eu vi estrelas enquanto caía no chão de costas.

- Lição um, sempre observe os movimentos no inimigo, para saber de onde vem o golpe. – Nate falou, me olhando sem muita expressão enquanto eu tentava levantar. Passei a mão no nariz para ver se sangrava, mas não tinha nada. Ele tinha acertado o meu maxilar e por sorte eu não tinha perdido nenhum dente.

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Consegui me levantar finalmente e o olhei, tentando me preparar melhor.

- Obrigado. – Falei e por pouco não consegui ver o seu braço se movendo novamente, milésimos antes de conseguir desviar para trás.

Algo me dizia que Nate estava de mau humor.

- Bom, isso desequilibra o oponente. – ele falou. – Mas o melhor que você pode fazer é se mover para o lado, assim, você pode acertar o rim do outro. Tente me dar um soco.

Eu o olhei, apreensivo. Eu sabia que aquilo acabaria em dor, mas mesmo assim fiz o meu melhor para acertar a cara dele, mas Nate foi mais rápido e se moveu para o lado antes de me acertar em algum lugar perto das minhas costelas que quase me fez cair de dor novamente.

- Ok, entendi. – Consegui falar, meu rim ainda latejando enquanto eu agarrava minha costela e tentava não vomitar.

- Segunda lição, aprenda a levar porrada. – ele falou e eu fechei os olhos. – Tenha uma resistência maior à dor.

- Eu juro que estou tentando fazer isso. Neste exato momento, aliás. – grunhi, me levantando com dificuldade.

- Tentar não é suficiente. – Ele disse, se sentando novamente no chão de pedra. – Você tem que ter uma motivação. Algo pelo qual lutar.

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Eu me sentei de novo e pensei naquelas palavras. Nate tinha razão, como sempre. Só o que eu precisava era a motivação. Com a motivação certa, eu poderia fazer o que quisesse. Com o sentimento certo.

***

Na manhã seguinte, eu não sentia mais tanta dor, pelo menos não da porrada que eu levei. Claro, a dor constante pela falta de sangue ainda estava lá, sempre. Nunca ia embora. Mas, como eu havia previsto (ou esperado), a ideia de aprender a lutar serviu como uma distração bastante eficaz.

Eu estava meio acordado quando ouvi o som agora familiar de saltos no chão de pedra do corredor. Violet. E julgando pelo som dos outros passos, não estava sozinha.

Eu sabia o que ela ia fazer, mas parte de mim achou por um momento que ela tinha conhecimento do... treino da noite anterior e estava vindo para nos separar. E não pareceu ser uma boa opção. Eu tinha acabado de começar a treinar, a fazer algo certo, não seria justo que eles interrompessem aquilo tão cedo.

Mas para o meu alívio, era apenas o ritual de alimentar um de nós. Alívio que durou pouco, porque assim que a porta da masmorra foi aberta, os dois gorilas guarda-costas de Violet entraram na cela e nos

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imobilizaram facilmente, em parte, porque nós não lutamos.

Violet entrou em seguida, olhando para nós com um sorriso quase sádico e uma garrafinha de sangue que, pra ser sincero, se tornou a minha preocupação principal.

- Olá, garotos. – ela sorriu para nós. – Quem vai ser o sortudo de hoje? Bem, eu pensei bastante e acho que Nathaniel está merecendo mais.

Eu fechei os olhos e abaixei a cabeça, desapontado. Claro, eu gostaria de dizer que fui nobre o bastante para desejar que Nate fosse escolhido, mas eu estaria sendo hipócrita se fizesse isso. Eu queria o sangue. Antes de vê-la forçando Nate a beber, pensei: ‘Por que não eu?’, e até me debati um pouco do aperto do vampiro que me imobilizava, sem sucesso.

A Sede doía mais que tudo naquele momento e eu sabia que só aquilo faria a dor passar. Para quê me desintoxicar? Era idiotice. Eu merecia o sangue, só eu.

Foi então que eu percebi que era aquilo que ela queria, aquela exata reação. Eu engoli em seco, fechei os olhos novamente e tratei de me controlar o melhor possível.

Depois que Nate acabou, eles nos largaram no chão e saíram da cela, sem nenhuma outra palavra.

Houve um momento de silêncio, no qual só se podia ouvir as nossas respirações, ambas arfantes.

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- Você está bem? – ouvi Nate perguntando e virei os olhos.

- Não, é claro que não. Eu estou com dor, quero sangue e sair deste lugar. Como você acha que estou? – falei, sentando no chão enquanto Nate limpava a boca, o que me fez sentir pior ainda.

- Sinto muito. – ele falou e foi se sentar do outro lado da cela. E eu sabia que ele realmente lamentava, porque Nate era este tipo de pessoa. Suspirei, tentando não sentir... nada, para falar a verdade. O quanto menos eu sentisse, melhor.

- Não foi sua culpa. – falei, olhando para a parede de pedra cinzenta à minha frente. – Nós estamos sendo manipulados. Eles querem que isto aconteça.

Nate assentiu em silêncio, antes de perguntar:

- Te incomoda, a traição dela?

Claro que ele estava falando de Violet. Eu não sabia responder àquela pergunta, por haver muitas coisas na minha mente, como o que teria acontecido com Circe e Stacie, ou quando eu beberia sangue de novo. Ou como reprimir aquela raiva inexplicável que sentia por Nate ao ser escolhido para receber sangue ao invés de mim? Eu realmente iria acabar apodrecendo naquela masmorra para sempre? Então fazer questionamentos profundos sobre as motivações de uma vampira gananciosa realmente não estava na minha lista de prioridades.

- Eu realmente não estou me importando com isto

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agora. – falei, o olhando. – Eu sinto raiva, claro, mas está longe de ser a minha maior preocupação.

- Que bom. – Nate falou, fechando os olhos novamente. Eu respirei fundo e tratei de me forçar a dormir.

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23

A primeira coisa que Stacie notou não foi o fato que Isaiah aparentava ter 15 anos de idade. Não, a primeira coisa a capturar a sua atenção foi o tamanho da sala na qual elas estavam. Provavelmente seu apartamento inteiro cabia ali e ainda sobraria espaço.

As duas paredes laterais eram cobertas por enormes estantes de livros que iam até o teto, as duas totalmente cheias. Havia um grande tapete vermelho que ia da porta até o ponto focal da sala, a mesa de trabalho feita de madeira maciça que ficava na parte oposta à porta. Atrás da escrivaninha havia uma janela que ocupava quase todo o espaço da parede. Stacie fez uma nota mental sobre a ironia da presença de uma janela tão grande num escritório que pertencia a um vampiro.

E falando em vampiro, Isaiah LaCroix estava sentado na cadeira atrás de sua escrivaninha, as olhando sem parecer muito surpreso.

- Circe. Senhorita Collins.

Stacie estranhou ao ouvir o seu sobrenome e estranhou ainda mais ao ver um... garoto ali. Ele usava um terno cinza claro que combinava com seus olhos. Mas mesmo assim, era só um menino de uns 15 anos.

Mas então ele a olhou diretamente e seus olhos cor de aço pareciam ter a intensidade de uma tempestade,

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fazendo Stacie sentir algo. Ela de repente percebeu que estava diante da alguém muito, muito antigo e poderoso. Ele emanava força, mesmo estando sentado calmamente. Ela desviou o olhar para Circe e viu que a vampira tinha a cabeça abaixada, em sinal de respeito e talvez para não ter que olhar diretamente para o vampiro.

- Meu senhor. – a vampira falou e Stacie sentiu que olhar para Isaiah era como olhar para o sol por muito tempo. Logo ela olhou para o chão também, sem conseguir pensar em nada para falar.

- Vocês vieram a tempo. Estou feliz por isso. – Isaiah falou com uma voz serena, as olhando. Stacie ainda estava sem entender o que elas vieram fazer ali.

- Eu recebi a sua mensagem e vim o quanto antes. – Circe falou, levantando a cabeça.

- Sim, que bom. Por favor, sentem-se. – ele falou, fazendo um gesto em direção às duas cadeiras no outro lado da mesa. Circe se moveu primeiro, sentando em uma, e Stacie seguiu seu exemplo, escolhendo a outra.

- Então, qual o problema de vocês? – ele perguntou e Stacie olhou para a vampira, que falou:

- Houve um golpe logo depois que Vaughn anunciou a guerra. Os traidores o prenderam com Nathaniel Devonshire e mais alguns de seus homens, mas nós conseguimos fugir antes que eles nos encontrassem.

- E agora vocês querem ajuda para libertá-los. – o Ancião falou, as olhando. Circe concordou e Stacie

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franziu a testa enquanto os observava.

Aquilo não devia ser daquele jeito. Elas entrariam de surpresa, Circe ameaçaria aquele... garoto e elas sairiam de lá com um exército. Não, definitivamente ela não pensou que elas acabariam numa reuniãozinha com Circe de cabeça baixa. Ela não acreditava no que via, era revoltante.

- Essa confusão só aconteceu por que você deu a Vaughn aquele conselho ridículo e idiota de começar uma guerra! – ela falou de repente, sentindo que não podia mais ficar calada. A raiva e frustração de não ter poder para fazer nada e ter que ver as coisas dando errado a impulsionava – Isso tudo é sua culpa, então é melhor você tratar de resolver!

Isaiah a olhava com uma expressão vagamente surpresa, enquanto Circe tinha um olhar quase assustado no rosto. Ela estava assustada por Stacie e pelo que poderia acontecer a ela por causa da sua explosão, um fato que a humana achou bem legal.

Depois de um longo silêncio, Isaiah perguntou:

- Você é da Escócia?

Stacie ficou confusa com a pergunta, tanto que perdeu parte de sua coragem antes de responder:

-... Meus.. avós maternos são de lá.

- Imaginei. – o vampiro falou. – Gente bárbara geralmente vem daquelas áreas. – e antes que Stacie

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pudesse se sentir ofendida, ele acrescentou – Dão ótimos guerreiros. Espírito forte. Você daria uma ótima vampira. Por que você ainda não a converteu, senhorita DuPompadour? – ele perguntou a Circe, que estava estupefata, pega de surpresa com a pergunta.

- Ah... por que... ela não pediu ainda, meu senhor. – ela falou, confusa. – E não houve oportunidade.

- Faça-o assim que puder. – Isaiah falou e então sorriu levemente para Stacie. – Se assim ela desejar, claro.

As duas estavam tão confusas e surpresas pela reação do Ancião que quase não prestaram atenção quando ele recomeçou a falar.

- Respondendo à sua pergunta, eu aconselhei a guerra porque eu sabia que isto aconteceria. Eu sabia que ele acabaria preso assim como ainda sei ser o melhor que poderia ter acontecido a ele.

Stacie levantou uma sobrancelha, descrente.

- Como ficar preso numa masmorra é melhor para alguém? – perguntou, e Isaiah lançou um olhar grave a ela.

- Prisão pode ser uma experiência esclarecedora. Ainda mais vinda de um golpe. Agora ele sabe quem são seus inimigos e quem são seus aliados. Não há mais aquela névoa de dúvida na mente dele. Além do mais, o que não mata, fortalece. Então, eu tenho certeza que da próxima vez que vocês o virem não o reconhecerão.

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Stacie o olhou, cuidadosamente, procurando por algum traço de traição no rosto do vampiro. Não achou nada.

- Podemos pedir ajuda a algum reino? – Circe perguntou, o olhando.

- Kent. – Isaiah disse sem hesitar. – Eles irão ajudar. Expliquem a situação e tenham certeza que eles saibam que Nathaniel Devonshire está preso e é leal ao Rei. Também, falem que eu as mandei até lá.

As duas se entreolharam por um momento e fizeram um aceno de cabeça para Isaiah, em sinal de agradecimento.

- Obrigada por ter sido paciente comigo. – Stacie falou e o vampiro a olhou profundamente.

- É um privilégio que eu concedo a poucos. Eu vejo potencial em você.

Ela olhou fundo nos olhos cinzentos dele e teve uma visão súbita ou um clarão de informação e lembranças. Um vislumbre de uma fração do poder do vampiro à sua frente, cheio de sangue, mortes e dor. Então ela engoliu em seco, sua cabeça agora doendo um pouco com as informações que recebera e sabendo o quanto tinha sorte de ainda estar viva.

Elas se despediram de Isaiah e voltaram para o carro em silêncio, cada uma absorta em seus pensamentos. A mente de Stacie ainda queimava com as imagens que vira agora a pouco.

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Stacie tentou imaginar o que aconteceria dali para frente. Circe a transformaria? Ela queria ser transformada? Até agora ela não tinha visto muitos pontos positivos em ser vampiro e no fundo ela só queria voltar a ter uma vida comum. Mas do outro lado, era tudo muito excitante, novo e envolvente. E havia Circe...

A vampira, por sua vez, tentava imaginar como seria transformar alguém. A responsabilidade era grande, principalmente na Corte. O que aconteceria no futuro? Elas ficariam presas uma à outra para sempre?

Depois que estavam dentro do carro por coincidência as duas se olharam e ao mesmo tempo deixaram de se preocupar com assuntos mundanos, decidindo em um acordo silencioso se concentrar na missão que se desenrolava perante elas: salvar o reinado de Londres.

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24

Vaughn

Eventualmente a minha percepção de tempo foi para o espaço. Eu realmente não sabia quanto tempo havia se passado desde o golpe. Dias? Semanas? Eu não me importava. Eu nem me preocupava mais em como sair dali. Só o que eu queria era sangue.

Eles venceram. Os outros vampiros. Conseguiram me botar de volta no vício e me humilhar de todas as maneiras possíveis. Eu não sabia o que estava acontecendo lá fora e nem queria saber. Eu estava... confortável com a minha situação patética.

Quanto a Nate, eu realmente não sabia o que passava na sua cabeça. Ele podia muito bem estar planejando tanto a nossa fuga quanto a minha morte. Ele nunca abria a boca para falar nada.

Cacete, com o tempo nós dois paramos de falar.

Eu me sentia como se a melhor opção para todo mundo naquele momento seria a minha morte. Não de um jeito depressivo e suicida, mas de um jeito prático. Todo mundo ficaria feliz se eu morresse naquela masmorra. Stacie poderia ter a sua vida de volta, Nate teria um novo Rei para servir e os vampiros... dominariam a Terra, se dependesse de Cole. Bem, tinha este problema. Mas eu

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Reino de Sangue, por Julia Donovann

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tinha certeza que alguém impediria aquele vampiro sociopata. Alguém mais capaz que eu.

Mas eu sabia que demoraria até que algum dos nobres se lembrasse da minha existência ali embaixo. Por que fariam isso? Nenhum deles se importava.

- Você está sentindo pena de si mesmo de novo?

A voz de Nate me tirou do meu devaneio e eu o olhei, pensando um pouco no que ele disse.

- Suponho que sim. Como você sabia?

- Seu rosto fica com uma certa expressão quando você faz isso.

Eu nunca tinha pensado nisso.

- Eu nunca tinha pensado nisso.

Olhei para Nathaniel e vi o quanto ele parecia estar cansado e faminto. Ele não tinha mais um ar tão altivo, mas de algum modo ele conseguiu preservar a sua dignidade em meio àquilo tudo, ao contrário de mim.

- Eu odeio isso. – falei, fechando os olhos. – Odeio essa dependência, odeio achar que sangue é a resposta para tudo, odeio...

- Ser como os outros vampiros?

Nate sorria para mim, mas era um sorriso quase cruel e eu sabia que merecia aquilo.

- É. – falei, cansado daquilo tudo.

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- Se você odeia tanto ser vampiro, por que não se deixou ser morto décadas atrás?

Esta era a pergunta do milhão.

- Porque... eu odeio ser vampiro.

- Mas você odeia o que os outros vampiros fazem. – ele falou e eu assenti com a cabeça.

- Sim, eu odeio o vício e as mortes, e... -

- Mas você gosta da imortalidade. – ele disse e eu suspirei, sabendo aonde aquela conversa ia dar. – Você gosta de ser diferente, único.... especial.

- Ser um vampiro não é ser especial. – falei e Nate se levantou do lugar onde estava sentado de repente, me assustando um pouco. Subitamente ele parecia ser bem maior que eu.

- E isso é o que você acha. Então por isso você quis ser especial dentre os vampiros. Como se já não o fosse suficientemente. Você resolveu que era mais nobre, mais civilizado, mais... humano que o resto de nós, meras bestas sanguinárias.

- Não, não foi assim. – eu menti desesperadamente, o olhando quase que em súplica e protesto. – Eu tinha... tenho o direito de não querer beber sangue.

- Tem. Mas não de se achar superior ao resto de nós só por causa disso. Olhe só para você agora. Não difere de um humano viciado. Humanos não são os santos que você acha que são. Na verdade, eles podem ser bem

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piores que nós.

- Você acha que eu não sei disso?! – eu falei, não aguentando mais ouvir aquilo. – Eu sei de tudo isso que você está falando, mas eu tenho esperança. Esperança no potencial que humanos e vampiros têm para o bem.

Nate me olhou com desprezo e eu não gostei do jeito como isto me fez sentir.

- Então além de hipócrita, você é iludido.

Eu fechei os olhos e virei para o canto, mas não consegui dormir depois daquilo.

***

3ª pessoa

Violet suspirou quando viu o nome na tela de seu telefone e pensou por um momento em não atender. Em ir embora daquilo tudo e não ter mais preocupações. Mas não. Os seus ganhos seriam grandes demais para jogá-los para o alto assim, apenas por causa de algumas irritações. Era o preço que ela tinha que pagar. E Violet pressentia que a hora de seu pagamento estava chegando. Então apertou o botão e levou o aparelho ao ouvido.

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- Sim?

A voz do outro lado era seca e fria ao mesmo tempo, o tipo de voz que alguém muito doente tinha, o que era mais ou menos o caso.

- Senhorita Barlow, como vão as coisas?

- Sob controle. – ela sorriu, apesar de não ter mais ninguém com ela ali.

- Fico feliz em saber disso. Estou indo para aí amanhã, para dar um fim nesta história e cortar as pontas soltas.

Ela sabia o que aquilo significava. Que não iriam ser apenas pontas soltas que ele iria cortar.

- O senhor vai sujar as mãos? – perguntou curiosa e um pouco surpresa.

- Ainda estou pensando. Eu preferia mandar Thorn fazer isso, mas acho que eu ganho mais credibilidade se eu mesmo o fizer. Como eles estão, aliás?

- Mal, como era de se esperar. – ela falou, sabendo que ele se referia a Vaughn e Nathaniel. – Eu tenho feito o que Vossa Majestade sugeriu, com o sangue, mas eles ainda não fizeram nada extremo um com o outro.

- Que pena, acho que vou ter que sujar minhas mãos afinal. Mas antes vou mandar Thorn para aí, para amaciar a carne um pouco e prepará-los.

- Estarei esperando. – Sua voz saiu animada e ela

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não sabia por quê. – E... quanto ao nosso acordo?

Houve uma pausa e Violet suspeitou que algo não estava direito.

- Nós falaremos disto depois da coroação, senhorita Barlow.

- Sim, mas o senhor já se desfez da sua consorte atual?

- Por que eu faria isso? – a outra voz riu levemente e Violet passou a língua por suas presas.

- Porque a coroação será em pouco tempo e Vossa Majestade precisará de uma rainha que não seja a atual. Nós já conversamos sobre isto.

- Ótimo, se já conversamos então é porque já está tudo certo. – Romulus Cole falou rapidamente, soando estranhamente relaxado. Violet deixou escapar um suspiro de frustração.

- Estarei esperando Thorn e Vossa Majestade. – falou finalmente.

- Sim, sim senhorita Barlow. Adeus. – ele disse e desligou.

Violet olhou para o celular por um tempo, contemplando a opção de jogá-lo pela janela, mas chegou à conclusão de que seria altamente contraproducente se ela o fizesse.

Romulus Cole iria matar Vaughn por formalidade,

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isso era óbvio. Não havia honra naquilo, não havia tradição. Cacete, ele até mandou seu lacaio vir antes para ter certeza que o vampiro preso não fosse oferecer resistência quando a hora chegasse. Entre Vaughn e Romulus, qual era o pior? Ser esposa de um vampiro egocêntrico e psicótico valia o posto de rainha que lhe fora prometido? Correção, rainha consorte. O que era a mesma coisa que dizer prostituta oficial do Rei. Ela realmente queria aquilo?

Ela queria poder, é claro. Ser rainha e mostrar a todos o que podia fazer. Mas ela tinha bastante tempo pela frente.

Vaughn era um inútil, apesar de ter tido certa evolução ultimamente. Ela constantemente os vigiava e observava pelas câmeras da masmorra, para o caso de poder aprender ou descobrir algo que pudesse ser útil no futuro. E Vaughn parecia estar mais... adulto. Maduro, até. Não o suficiente para ser rei, era óbvio, mas pelo menos não era mais tão patético.

Ela fechou os olhos e suspirou. Era a encarregada naquele castelo durante aqueles dias de crise, então era responsável por ter certeza que tudo estava andando nos eixos. Os outros vampiros não se incomodaram com esta mudança de hierarquia. Na verdade, grande parte deles mal se deu conta que havia tido um golpe. Violet sentia falta da época em que os Reis e Rainhas eram as pessoas mais importantes, amadas e temidas dos castelos e reinos. Agora, todo mundo só queria curtir a festa, sem dar a mínima para o ambiente ao seu redor.

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Violet suspirou e tomou um gole da sua taça de sangue, lambendo os lábios lentamente enquanto pensava. Tinha muitas coisas para se preocupar ainda. Mas naquele momento, decidiu ligar o monitor que mostrava a cela de Vaughn e Nathaniel e apreciar a sua bebida enquanto observava os dois vampiros.

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25

Circe e Stacie chegaram a Kent, o condado vizinho de Londres, logo antes do sol se pôr. Passaram pelos distritos de Sevenoaks, Tonbridge & Malling e Maidstone antes de chegarem a Ashford, onde ficava a Corte.

Eles tinham um castelo no interior de Ashford, no qual os turistas raramente iam, em parte, graças ao acordo que os nobres vampiros tinham com o governo da cidade.

Elas foram de carro até a entrada dos portões da propriedade do castelo, onde dois guardas as pararam. Circe abaixou o vidro e os olhou seriamente.

- Sou Circe DuPompadour, da Guarda Real do reinado de Londres. Houve um golpe e nós conseguimos fugir de lá. Isaiah LaCroix nos mandou vir aqui.

Os guardas se entreolharam, aparentemente não muito convencidos do que a vampira falara. Circe suspirou e perdeu a paciência.

- Nathaniel Devonshire está preso com o Rei de Londres, Vaughn Shelby Hayden. Romulus Cole planejou um golpe e vai matar os dois a não ser que vocês nos deixem entrar.

A menção de Nate pareceu surtir efeito, pois eles decidiram abrir os portões, deixando o carro entrar na propriedade. Assim que elas estacionaram e saíram de lá

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se viram na companhia de outros dois soldados.

- Venham conosco, o Conselho quer vê-las. – um deles disse seriamente.

Stacie seguiu os dois junto de Circe, pensando no quão rápido esse conselho se organizou desde os cinco minutos que se passaram depois que elas chegaram. Geralmente essas coisas eram tão demoradas.

- Eu preferia falar com a Rainha. – Circe falou a um deles, franzindo o cenho levemente.

O guarda parou e se virou para olhá-la de um modo estranho.

- Vossa Majestade, a rainha Angela Frost, foi morta semana passada. – ele falou, fazendo Circe ficar mais confusa ainda.

- E quanto aos herdeiros? – ela perguntou.

- O príncipe também foi morto. O Conselho está tentando localizar o próximo na linhagem há dias.

- Quem poderia ter matado a Rainha e o herdeiro? – Stacie perguntou a eles.

- Foi uma emboscada enquanto eles faziam uma visita diplomática em Essex. – O vampiro falou, a olhando estranhamente.

Com a menção de Essex tudo ficou claro para as duas.

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- Romulus Cole? – Circe perguntou.

- Não, na verdade. – O guarda falou, confuso. – Caçadores.

- Ou um grupo se fazendo passar por caçadores. – ela falou, revirando os olhos. – Quem está no comando?

- Ninguém, este é o problema. A Corte está caótica agora, por isso estamos surpresos por vocês aparecerem. – o vampiro falou, antes de ver Stacie aparentemente pela primeira vez. – Quem é você?

- Ela é a minha humana e se vocês tem amor à vida, irão deixá-la em paz. – Circe falou friamente – Agora, me leve ao Conselho. É urgente.

***

O Conselho de Kent tinha apenas três vampiros, nenhum deles pertencendo à linhagem real. Stacie e Circe entraram no cômodo onde eles estavam reunidos junto aos guardas. O cômodo era, na verdade, uma sala com três poltronas vermelhas, uma ao lado da outra, e as paredes eram todas pintadas de preto, com alguns arabescos em alto relevo. Não havia nenhuma janela, apenas a porta.

- Eu posso saber qual o significado disso? – A única vampira dos três falou com ultraje, as olhando surpresa.

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Circe sabia que aqueles três não tinham postos de nobreza tão altos, mas ainda assim sua situação era delicada ali e eles eram mais velhos. Ela fez uma pequena reverência.

- Milady Duquesa de Ashford, sinto muitíssimo entrar em seu território assim, mas nos vemos em tempos desesperados. Londres está caótica. O Rei foi preso em razão de um golpe administrado por Romulus Cole...

- E no que estas informações nos dizem a respeito? – um dos vampiros falou. Circe o reconheceu como sendo o Arquiduque de Canterbury. Ele aparentava ser o mais velho dos três.

- Nós também estamos no meio de uma crise, caso você não tenha percebido. – O terceiro vampiro, Duque de Sevenoaks, falou. Ele parecia ser o mais jovem.

- Sim, mas Isaiah LaCroix me mandou aqui. – Circe falou, tentando se defender. – Ele me assegurou que...

- Isaiah LaCroix? – a vampira riu ao ouvir a menção do nome, antes de ficar séria novamente. – Ele pode ser um Ancião, mas é um Ancião de Londres. Nada tem a ver com o reino de Kent. Então, a não ser que você nos fale de algo mais grave além da nossa própria crise com herdeiros, sugiro que procure assistência em outro reino.

Stacie conseguiu se manter invisível para os vampiros, sem ser notada por nenhum deles até aquele momento. Mas estava preocupada, aqueles três não pareciam estar dando a mínima para o pedido de ajuda delas. Ela viu que Circe não sabia mais o que falar

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julgando pelo modo como os olhava, então se lembrou de algo que Isaiah tinha dito a elas.

- Nathaniel Devonshire também está preso. – ela falou de repente, tentando não se incomodar com a súbita atenção que recebia. – Ele é o Primeiro Cavaleiro de Vaughn.

O Conselho a olhou curiosamente, como se só então tivessem notado que a humana estava ali.

- Isto é verdade? – O mais velho perguntou a Circe, sua voz saindo ríspida e quase urgente.

- Sim, Milorde. – a vampira falou. – Os dois estão prestes a serem mortos enquanto estamos aqui, então por isso eu peço que façam algo agora ou Romulus Cole vai ter o reinado de Kent como a sua próxima ambição, pois eu tenho certeza que a morte de Suas Majestades, a Rainha e o príncipe, foram feitos dele.

Circe não se importava com os olhares que os três lhe deram, variando entre surpresa e dúvida. Ela não devia nada a eles, sua lealdade estava com o reino de Londres.

O Conselho as observou pelo que pareceram horas, todos os três com expressões soturnas nas faces. Até que a Duquesa falou finalmente, sua voz saindo arrastada:

- Nós poremos sua sugestão sob consideração.

Stacie viu uma expressão de derrota no rosto de

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Circe enquanto elas fizeram outra reverência e agradeceram, saindo do cômodo.

- O que acontece agora? – ela perguntou enquanto seguia a vampira pelo corredor.

- Agora nós procuramos outro reino que possa nos ajudar. – Circe falou enquanto andava rapidamente, soando irritada. – Eu devia saber que isto não daria em nada.

- Para onde vamos então? – Stacie perguntou, a seguindo logo atrás.

- Não sei, Stacie. – Circe falou, sua voz soando impaciente. – Não sei se você percebeu, mas eu vou ter que improvisar a partir de agora, então por enquanto eu não sei o que vai acontecer.

A humana concordou silenciosamente e olhou em volta, vendo os vampiros que as observavam com interesse ao seu redor.

Ela estava nervosa ali naquele lugar desconhecido. Tinha a proteção de Circe, mas mesmo assim se sentia inquieta, além de ainda estar com a dor de cabeça que não passava.

Já tinha anoitecido, então havia mais vampiros pelos corredores do que antes, as observando com curiosidade. Alguns usavam roupas normais, como jeans e camiseta, enquanto outros usavam vestes mais chamativas, como vestidos longos.

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Stacie se sentia o prato principal que estava desfilando, mas ela sabia que eles não fariam nada por causa de Circe, que andava rapidamente à sua frente.

Foi aí que ela ouviu. Ou melhor, sentiu o movimento às suas costas, quase como se já tivesse visto aquela cena antes e por isso soubesse o que ia ocorrer. Tudo aconteceu rápido demais para que ela pudesse sequer pensar. Era como se estivesse no modo automático quando meteu a mão no bolso de seu casaco e agarrou o cabo do seu bisturi de confiança que ela sempre mantinha consigo antes de sentir-se girar elegantemente, desferindo um golpe certeiro.

O vampiro caiu aos seus pés, sua garganta aberta por um corte limpo. O sangue pingava da lâmina do bisturi enquanto o cérebro de Stacie tentava processar o que tinha acabado de acontecer, fitando a cena em confusão.

Os vampiros presentes soltaram suas exclamações de surpresa e indignação, fazendo Circe parar de andar e se virar para ver qual era a causa daquilo. Stacie viu o sangue escorrer até chegar aos seus sapatos e foi então que ela soltou o bisturi no chão, cambaleando para trás em choque.

Circe agarrou seu braço subitamente e a empurrou contra a parede com violência, exigindo saber quem ela era. Stacie não entendia nada e tentava explicar que era... ela mesma.

- Como você fez isso então? – Circe perguntou em tom ameaçador, a empurrando novamente. – Você é caçadora?

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- Eu não sei como eu fiz isso! – ela falou, fechando os olhos para evitar as lágrimas. Ela estava tão confusa. Como aquilo era possível? Como conseguiu se mover daquele jeito? Ela mal conseguia se exercitar!

Os olhos de Circe estavam completamente negros enquanto ela observava a humana atentamente e Stacie sentiu sua cabeça latejar mais ainda antes da vampira voltar ao normal, uma expressão confusa em seu rosto.

- Como isso é possível? – ela perguntou para si mesma, sua voz baixa.

Stacie ia dar de ombros quando um dos guardas apareceu, fazendo o desespero crescer dentro dela. Eles iriam matá-la. Por quê? Por que ela tinha sido tão burra a ponto de matar um vampiro?

- O Conselho quer vê-las. – o guarda falou e Stacie suspirou.

***

Ela não esperava acabar em um quarto naquela noite. Esperava muito menos acabar em um quarto de luxo. Depois de ter tomado um longo e revigorante banho no banheiro da suíte, ela vestiu um roupão macio e desabou na cama, fechando os olhos.

O Conselho estava com uma atitude bem diferente depois que ela matou aquele vampiro. Vampiro que, como

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eles descobriram, era um espião da Corte de Essex que estava infiltrado ali há um mês. Nenhum dos outros vampiros cortesãos se importou em saber mais coisas sobre ele, todos pensavam que ele fazia parte de lá.

Os três vampiros do Conselho a agradeceram e ofereceram uma estada em uma das suítes para ela e Circe, antes de anunciarem que elas podiam partir no dia seguinte com quantos soldados quisessem.

E então perguntaram como Stacie sabia do espião. Ela gaguejou enquanto tentava pensar em algo, até que Circe respondeu por ela.

- Como minha humana, eu a treinei para situações de perigo. Devido a este treinamento e seus conhecimentos, ela pôde reconhecer a ameaça a tempo.

- Que coincidência fortuita o fato dele ser um espião. – A Duquesa falou, com uma nota de ceticismo em sua voz.

- Certamente. – Circe falou, sorrindo. – Mas Vossas Senhorias não teriam nada a temer de qualquer maneira. Pois é claro que os nobres de Kent não teriam a mesma indelicadeza e selvageria daqueles bárbaros de Essex de tentar atacar uma humana que já pertence a outro vampiro.

E com isso elas conseguiram uma das melhores suítes do castelo, mais qualquer coisa que quisessem.

- O que você falou lá embaixo foi brilhante. – Stacie falou a Circe, sorrindo enquanto fechava os olhos, deitada

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na cama. – Aqueles três precisam mesmo ser lembrados que não têm posições tão altas quanto gostariam.

Então ela sentiu um peso sobre seu corpo e uma mão ao redor de seu pescoço, apertando. Abriu os olhos com o susto, vendo Circe em cima de si, seus olhos negros novamente.

- Se tem alguma coisa, qualquer coisa, que eu deveria saber, sugiro que me fale agora antes de eu conseguir a informação do modo difícil.

Stacie foi tomada pela confusão e um pouco de mágoa, ao ver o quão pouco Circe confiava nela. Pensou um pouco, mas não conseguiu achar nada de revelador ou interessante.

- Não tem nada. Sério. – ela falou. – Sou só eu, Stacie.

- Pense. – Circe falou e apertou mais a garganta dela, fazendo a humana tossir um pouco.

- Não tem nada, juro. Você pode parar com isso? Não ajuda em nada a minha enxaqueca.

A vampira a olhou cuidadosamente, seus olhos semicerrados.

- Enxaqueca? Desde quando você tem isso? – perguntou.

- Sei lá, desde que a gente saiu de Londres. – Stacie falou, se perguntando por que as suas dores eram importantes.

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Circe a soltou, mas continuou a olhá-la de um jeito confuso.

- Desde que nós saímos do escritório do Ancião?

- Acho que sim. – ela deu de ombros. – Acho que começou quando estávamos lá, na verdade.

Circe a olhou por um longo tempo, antes de mover suas mãos para tocar as têmporas de Stacie com as pontas dos dedos e fechar os olhos, tocando sua testa na da humana. Stacie não compreendeu qual era o objetivo daquilo, mas então sua dor piorou e ela viu outros flashes, iguais aos que viu quando olhou Isaiah nos olhos. Circe se afastou subitamente, com uma expressão surpresa e assustada.

- Que foi? - Stacie perguntou confusa e amedrontada. Ela nunca tinha visto a vampira daquele jeito.

- Isaiah. – Circe falou, lentamente, sua voz um pouco fraca. – Ele deixou um imprint em você, na sua mente. Ele... te Marcou.

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26

Vaughn

Eu me sentia como se estivesse morrendo. Do pior e mais lento jeito possível. Nem quando eu morri de verdade, quando fui transformado, senti tanta dor. Era fogo e gelo ao mesmo tempo, parecia que havia algo me devorando de dentro para fora, roendo meu estômago e intestinos até chegar na pele.

A desintoxicação sempre foi a pior parte e eles conseguiram me fazer sofrer aquilo múltiplas vezes ao me dar sangue esporadicamente. Isso sim é tortura inteligente. Nada parava no meu estômago e eu suava em bicas, deitado no chão sujo da cela enquanto gemia de dor.

Nathaniel ainda não tinha chegado nesse estágio, então ele estava numa situação um pouco melhor que a minha. Ele também suava e obviamente estava com dor, mas era infinitamente melhor em controlá-la do que eu.

Eu estava num estado que meus momentos de consciência variavam, pois a dor e a náusea me faziam apagar a todo o momento. Eu já tinha me desintoxicado antes, sozinho, mas consegui fazer isso porque durante o processo eu não bebi uma gota de sangue sequer. No entanto ali eu poderia receber sangue a qualquer hora e

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não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso, o que só piorava a situação.

Meu desejo de querer morrer só aumentou e eu lembro vagamente de ter pedido a Nate para me matar em mais de uma ocasião. Por sorte, ele recusou.

Não sei o que seria de mim sem Nathaniel. Ele me salvou e me ajudou em tantas ocasiões, sem nunca pedir nada em troca. Ele sim era digno de ser rei, não eu. Eu merecia o que estava acontecendo comigo, mas Nate estava sofrendo apenas por que era leal a mim. Onde estava a justiça nisso?

E foi por isso que eu aceitei tão bem quando vi Desmond Thorn junto de Violet na manhã seguinte na nossa cela. Thorn era um vampiro desprezível, um mero cão de guarda para Romulus Cole que só servia para evitar que seu mestre sujasse as mãos. Eu podia ter passado pouco tempo na Corte, mas eu sabia quem era quem.

Ele entrou na nossa cela com um sorriso assassino no rosto enquanto flexionava os dedos das mãos. Eu estava consciente o bastante para conseguir me levantar do chão e ficar ajoelhado já que não conseguia levantar. O olhei enquanto tentava manter meu último fio de dignidade.

- Você está horrível. – ele disse com um sorriso e eu continuei o olhando. Eu tinha uma ideia do que ele viera fazer e estava preparado. Acontecesse o que fosse, eu não iria me desprender da minha dignidade. Não mais.

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Ele agarrou meu cabelo e me puxou para cima, erguendo-me do chão antes de desferir um soco no meu estômago que só não me fez vomitar porque não havia mais nada para botar para fora.

Tentei me levantar, mas ele me chutou e eu caí novamente, tossindo sangue. O olhei e fechei os olhos, me preparando para o que ainda viria.

E então começou.

***

3ª pessoa

Nathaniel sabia que estava muito fraco para lutar, mas ver Vaughn ser espancado o fez reunir novas forças. Ele não estava tão mal quanto o outro vampiro ainda. Então, se levantou e avançou contra Thorn depois de ele ter chutado as costelas do Rei, caído no chão. Desmond, no entanto, conseguiu empurrar Nathaniel até a parede e fazê-lo tombar com um soco, que o fez ver estrelas. Ainda assim, não era fácil derrubá-lo. Nate investiu outra vez contra o vampiro quando este socava Vaughn repetidamente. Os dois caíram no chão e o Primeiro Cavaleiro conseguiu desferir alguns socos no lacaio de Cole, deixando-o um pouco abalado.

Nate se afastou um pouco para checar Vaughn, mas

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ele já estava desacordado. Essa distração foi aproveitada por Thorn, que se aproximou pelas costas e bateu a cabeça do Cavaleiro contra a parede, o atordoando o bastante para ele não conseguir levantar a tempo. Normalmente ele conseguiria subjugar Thorn, mas sem sangue e em desintoxicação, era um milagre ele ainda estar consciente.

Violet assistia a cena toda da porta da cela, mordendo o lábio inferior em nervosismo. Ela sabia que aquilo aconteceria, mas ver Nate tentando defender Vaughn, mesmo depois de não ter mais forças, a fez repensar algumas coisas.

Ela não estava acostumada com violência. Ali na Corte, assim como os outros nobres, ela raramente tinha que morder alguém para conseguir sangue. Quando isto acontecia, era por capricho. Então, ver Vaughn desmaiado e ensanguentado enquanto Thorn continuava agredindo seu corpo inerte, a fez se sentir... desconfortável.

- Você não acha que já chega? – ela falou a Thorn, hesitante. – Ele nem está mais consciente.

O outro vampiro a olhou, parecendo vagamente surpreso por ela ainda estar ali.

- E daí? – ele riu, chutando Vaughn mais uma vez. – Mesmo assim, por que você se importa? Você não devia estar procurando nobres para casar?

Ela arqueou uma sobrancelha ao ouvir aquilo e observou Nate, que tentava se levantar sem que Thorn

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percebesse. Violet pensou por um momento, passando a encarar Vaughn novamente, que agora era apenas um corpo sangrento no chão.

- Ah, foda-se. – ela suspirou finalmente, antes de andar rapidamente por trás de Thorn e posicionar cada mão em um lado de sua cabeça para quebrar seu pescoço. Não foi o suficiente para matá-lo, mas a permitiu ganhar tempo para morder sua jugular e drená-lo.

Sangue de outro vampiro tem o mesmo valor nutricional que a água tem para um humano. Não sacia a sua Sede, por isso vampiros não se alimentam uns dos outros. Mas em situações como esta, um vampiro pode drenar outro para enfraquecê-lo o bastante.

Violet largou o corpo de Thorn no chão, o sangue ainda pingando de seu queixo e dentes, e voltou-se para Nathaniel, que a observava em silêncio.

- Bem, não fique parado aí. – ela falou rapidamente. – Ache algo para matá-lo.

Nate se levantou e saiu da cela rapidamente, enquanto Violet limpava a boca com as costas da mão. Agachou-se ao lado do corpo desfalecido de Vaughn, atenta ao seu rosto. Parecia uma pintura impressionista, com pinceladas de cor clara em meio ao vermelho vivo. Ela levemente tocou a bochecha do vampiro e seus dedos ficaram grudentos com o sangue. Com um suspiro, Violet os levou à boca e os limpou.

Um ruído de ar se deslocando a distraiu e ela se virou, vendo Nate com um machado na mão. A lâmina

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estava suja de sangue e o corpo de Thorn jazia no chão com a cabeça há certa distância do corpo. Antes que pudesse se levantar, o Cavaleiro já estava com a lâmina do machado no seu pescoço.

- Explique-se. – ele disse e a sua voz era tão fria que Violet se sentiu até um pouco magoada. Ela permaneceu agachada no chão, suspirando.

- Não vou mentir. – falou, se mantendo altiva. – Cole me prometeu várias coisas em troca das cabeças de vocês dois. E eu aceitei a oferta, porque eu não sou idiota. Não suportava Vaughn na época, não suportava a ideia de ver o reino nas mãos de alguém tão medíocre e patético como ele. E se você for minimamente nobre, vai admitir que também se sentiu assim.

Nate a fitou longamente antes de responder.

- Por um tempo. – falou, não tirando a lâmina da garganta dela. – Mas eu esperei para ver se ele melhoraria e foi o que acabou acontecendo. No entanto, eu nunca o trairia.

Ela revirou os olhos ao ouvir isso.

- É, vocês Cavaleiros e a sua ética e moral. Bem, eu também o vi evoluindo, mas foi só porque ele estava preso. Se eu não tivesse feito o que eu fiz ele ainda seria aquele... verme.

- Talvez. – Nathaniel disse, não se movendo. – Talvez não.

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- Olha, eu não vou mais trair vocês. – Violet falou, se levantando lentamente. Nate não tirava o machado da sua garganta. – Pense um pouco. O Primeiro Cavaleiro de Cole está morto. Mesmo que eu não tivesse ajudado vocês, a culpa ainda assim cairia sobre mim. Eu estou fodida de qualquer maneira.

Nate suspirou e abaixou o machado, a olhando.

- O que ele te prometeu?

- Casar comigo e me fazer rainha. – ela suspirou, mal humorada.

- E você acreditou? – Nate riu levemente e Violet deu de ombros.

- Uma garota pode sonhar. Agora pegue ele e vamos sair daqui. Vocês precisam de sangue e precisam agora.

- Para onde vamos? – Nate perguntou enquanto pegava Vaughn em seus braços e o jogava pelo ombro.

- Um lugar seguro. – ela falou, saindo da cela. – Vai ser o suficiente para vocês se recuperarem até Cole chegar.

Nathaniel concordou e a seguiu, levando Vaughn ainda desacordado com eles.

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Stacie olhou para Circe, meio que esperando ouvir trovões depois do modo como a outra falou que Isaiah a tinha Marcado. Mas não houve nenhum.

- E isso significa o que exatamente? – ela perguntou.

Circe a olhou e suspirou levemente. Na verdade, ela parecia estar olhando para a humana de um modo diferente depois de ter percebido a Marca.

- Eu só tinha ouvido falar disso até agora. Nunca vi acontecer, ainda mais com uma humana. – ela falou, parecendo vagamente desorientada. – Acho que você deve saber. Como parte do seu imprint.

Stacie não entendia nada do que a outra falava, mas de algum modo aquilo soava estranhamente familiar. Como se já soubesse, mas não conseguisse lembrar com exatidão.

- Minha cabeça ainda dói. Pode me explicar?

Circe assentiu e pensou um pouco antes de começar a falar.

- Eu não sei como funciona direito, já que isso não acontece há... muito tempo. 850 anos, na verdade. Talvez mais.

- Essa não é a idade de Isaiah? – Stacie perguntou

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e então começou a entender. – Então ele também foi...

- Sim, o Ancião antes dele também fez o imprint nele. Mas isso aconteceu depois que Isaiah já era um vampiro. O Ancião viu potencial nele e o Marcou para ser o próximo, botando o imprint na sua mente. Tudo bem que ele era jovem na época, mas mesmo assim já devia ter uns 100 anos.

- E o imprint é o que, exatamente? – Stacie perguntou, no fundo já sabendo aonde aquela conversa ia dar.

- É... uma transferência de informação. – Circe falou, parecendo preocupada. – Normalmente o Ancião vai fazendo vários imprints no seu aprendiz durante os anos até ele estar pronto e o primeiro é a Marca, que é quando ele escolhe o seu... sucessor.

Stacie arqueou uma sobrancelha enquanto processava as informações que pareciam absurdas demais para ser verdade.

- Então... Isaiah me Marcou para ser a Anciã sucessora a ele? – ela perguntou, sentindo a histeria começar a brotar dentro de si. Circe mordeu o lábio, parecendo pela primeira vez confusa e receosa.

- Tudo indica que sim. – falou.

- Mas eu sou humana. – Stacie falou e então tudo ficou claro. Ela subitamente entendeu porque o vampiro falou que ela era promissora e porque apoiou tanto a ideia de Circe transformá-la. – O que acontece se eu

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permanecer humana? – perguntou devagar enquanto se sentava na cama.

- Eu não tenho certeza. – Circe mordeu o lábio.

- Tente. – Stacie falou, exasperada.

- Eu realmente não sei. – a vampira retrucou. – Como eu falei, isso é bem anterior a... tudo que eu conheço. E desta vez é uma anomalia do padrão, então qualquer coisa pode acontecer.

- Tipo o quê? – a humana perguntou, sentindo mais o desespero e a histeria dentro de si.

- Você pode enlouquecer com as informações. – Circe falou rapidamente. – Mas não tenho certeza se...

- Então eu tenho que virar vampira porque um de vocês me achou interessante? – Ela perguntou, se levantando e começando a andar pelo quarto freneticamente.

- Sinto muito. – Circe falou, parecendo... triste, quase. – Talvez este imprint seja para que você possa acessar uma prévia do conhecimento dele e nos ajudar com a situação geral.

- Altamente improvável, porque o primeiro imprint já configura a Marca. – Stacie falou, se surpreendendo. – Obviamente. – suspirou, notando o quanto já tinha acesso a algumas informações.

Ela não queria nada daquilo, ainda estava estudando os prós e os contras de aceitar ser

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transformada quando aquilo surgiu. Ela queria era ter tido uma opção.

- Eu também estou surpresa. – Circe falou em tom defensivo. – Transformar alguém é uma responsabilidade muito grande para o vampiro, os dois ficam ligados eternamente, mesmo que estejam distantes. E nem sempre a relação continua boa para sempre.

Stacie fechou os olhos, não querendo ouvir mais nada. Ela sabia daquilo que Circe falava e a cada minuto parecia saber de mais coisas. Sua cabeça agora latejava e ainda havia flashes de imagens, memórias. Infinitas memórias de guerras, assassinatos, sangue e o pior, o sentimento de responsabilidade e impotência, resultado da neutralidade. Ela respirou fundo e olhou para Circe, tentando não pensar muito.

- Tudo bem.

A vampira franziu a testa enquanto a observava.

- Você tem certeza?

- Não, e é por isso que eu estou aceitando. Além do mais, não é como se eu tivesse muita escolha.

- Se eu fizer agora dá tempo de você acordar amanhã. – Circe falou.

Stacie deu de ombros, visivelmente abatida, antes de um pensamento passar pela sua cabeça. Era bobo, infantil e idiota, mas seria o seu último pensamento daquela natureza de qualquer modo.

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- Eu só vou deixar você me transformar sob uma condição.

Circe ia protestar falando que nem ao menos queria fazer aquilo, mas desistiu.

- Que condição? – perguntou cansadamente.

- Eu quero um beijo seu antes. – Stacie falou e a vampira a olhou, confusa.

- Um beijo? Para quê?

- É um capricho, ok? – ela falou, irritada. – Um último capricho antes de morrer.

Circe se sentiu mais culpada ainda ao ouvir aquilo e acabou concordando.

- Mas um beijo de verdade. – Stacie falou. – Com sentimento, paixão e tudo mais.

A outra a olhou, ainda estranhando o pedido.

- Ok... Eu vou fazer o meu melhor, acho.

Stacie se sentou novamente na cama, sentindo seu coração batendo rapidamente com a antecipação. Não acreditava que ia fazer aquilo, mas se parasse para pensar, veria que, no fundo, era inevitável.

E então ela sentiu os lábios frios da vampira nos seus e fechou os olhos enquanto lentamente se entregava à situação. Já fazia um tempo que não beijava ninguém e mesmo assim a última pessoa fora... Vaughn.

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Stacie aprofundou o beijo um pouco, se inclinando para frente. Ela separou os lábios e sentiu Circe fazendo o mesmo, antes de sentir suas línguas se tocando quase timidamente.

Neste momento ela deixou de se sentir tímida e fez o beijo ficar mais profundo, puxando Circe mais para perto. A vampira também pareceu ficar mais confortável, pois a beijou de volta e mordeu de leve o lábio inferior da humana.

Circe fez um leve barulho com a garganta e se moveu para fazer Stacie deitar na cama, antes de ficar por cima dela com suas pernas dos dois lados dos quadris da outra. Ela moveu suas mãos por debaixo da blusa de Stacie lentamente, acariciando sua cintura e sentindo o calor da sua pele.

- Você já fez isso antes? – Stacie perguntou ofegante.

- Não com mulheres. – a vampira respondeu. – Por quê? Estou fazendo errado?

- De jeito nenhum. – A outra sorriu e puxou Circe de volta, passando seus dedos pelos cabelos loiros da outra enquanto a beijava. Stacie suspirou e moveu suas mãos para as costas da vampira, a puxando mais para perto antes de deixar seus dedos tocarem a pele da sua cintura.

Circe mordeu o lábio de Stacie novamente e por instinto seus lábios foram para o pescoço da humana, beijando a pele e mordendo levemente.

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Stacie fechou os olhos e mordeu o lábio, gemendo de leve enquanto esperava a dor da mordida. Na verdade, ela se viu até ansiando aquilo.

Circe sorriu e a olhou, se inclinando para falar baixo enquanto seus lábios roçavam nos da humana.

- Eu poderia te morder na coxa, mas não tenho certeza se teria fluxo suficiente para te transformar. Então eu vou fazer do jeito tradicional.

Stacie assentiu antes de Circe se mover novamente e ela sentir seus lábios no seu pescoço mais uma vez. Então sentiu uma dor aguda, mas que era misturada com prazer. Fechou os olhos até se sentir tonta demais para continuar consciente.

***

Circe terminou o processo, lambendo seu pulso que havia mordido para transferir seu sangue para Stacie. Checou as horas e suspirou. O processo de transformação durava em média duas horas, no máximo três. Isso significava que Stacie acordaria bem antes do nascer do sol, de madrugada.

Ela deitou na cama e suspirou, descansando um pouco e se perguntando se havia feito a coisa certa.

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O aposento que Violet conseguiu para esconder Vaughn e Nate não era grande coisa, mas era melhor que uma masmorra. Era um dos quartos das damas de companhia inferiores, que eram jovens demais ou plebeias demais para andar livremente pela Corte. Com a constante ascensão social delas, vários quartos acabavam vazios e esquecidos no castelo.

Nathaniel depositou Vaughn cuidadosamente na cama e examinou o seu estado. Ainda havia muito sangue em seu rosto e ele permanecia desacordado.

Violet apareceu ao lado de Nathaniel, suspirando ao ver Vaughn.

- É melhor eu lavá-lo. Sangue seco é horrível de limpar da pele. – e sumiu de vista ao entrar no pequeno banheiro, antes de ligar a torneira para encher a banheira. Nathaniel a seguiu, se encostando no batente da porta e cruzando os braços.

- Por que você subitamente se importa com o bem estar dele?

Violet suspirou, passando a mão pelo cabelo castanho para mover uma mecha de seu rosto antes de dar de ombros.

- Boa pergunta. Nem eu sei direito. Acho que eu tenho pena dele. Ainda o acho inapto para ser rei, mas

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não sei se ele merece sofrer tanto assim.

Nate riu, balançando a cabeça lentamente.

- Você nos torturava. – falou, a olhando friamente. – Você infligiu dores inimagináveis a nós dois e adorava! E agora espera que eu acredite que você não quer vê-lo sofrendo?

Violet checou a temperatura da água antes de desligar a torneira, soltando um suspiro. Se levantou, mas Nate a empurrou contra a parede com força e se aproximou dela ameaçadoramente.

- A primeira coisa que ele vai me mandar fazer depois de acordar vai ser te matar lenta e dolorosamente. – ele falou baixo. – Me dê uma razão para não o obedecer.

Ela estreitou os olhos e falou:

- É claro, porque você é o cachorrinho dele, certo? Você faz tudo que o Rei mandar, mesmo que ele nem seja Rei de verdade. É uma lealdade comovente, eu devo dizer. Estou o ajudando porque eu não tenho mais nada a ganhar no outro lado. Mas e você, Nate? – ela perguntou baixo, aproximando seu rosto ao do outro vampiro. – Qual é o preço de tamanha lealdade?

Ele estreitou os olhos e agarrou Violet pelo pescoço, a empurrando contra a parede novamente.

- A minha lealdade é para com o reino de Londres e somente isso. Eu sigo os reis que estão no poder

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legalmente, como Vaughn. Ele pode não ser o melhor, mas suas intenções são boas. Se eu achar que ele está saindo da linha, não hesitarei em matá-lo. Então me responda; de nós dois, quem é o verdadeiro cachorrinho?

Ela o olhou com raiva e arreganhou os dentes, mostrando suas presas enquanto tentava se soltar. Ele não tinha o direito de falar com ela daquela maneira. Ela o tinha ajudado! Ela não tinha nenhuma perspectiva de futuro por causa deles agora! Ela poderia ter sido rainha!

Nathaniel em resposta também exibiu seus dentes de forma ameaçadora e lembrou a Violet que, por mais que ele estivesse fraco, ainda era o mais velho. A vampira cedeu e retraiu suas presas, o que fez Nate a soltar lentamente.

- Se você me dá licença, eu vou cuidar dele agora. – ela falou, antes de sair do banheiro e voltar para o quarto para checar Vaughn. Ele parecia estar vagamente melhor, mas o sangue enganava. Violet o despiu, jogando os trapos que eram suas roupas fora, e o pegou nos braços para carregá-lo até o banheiro sem muita dificuldade antes de depositá-lo na banheira cheia de água morna.

- Você vai ficar aí vendo eu dar banho nele? – ela perguntou a Nate com um sorriso irônico.

- Na verdade, sim. – ele falou, austero. – Ainda não confio em você.

Violet revirou os olhos em desaprovação e começou a lavar o rosto e corpo de Vaughn com uma esponja delicadamente, suspirando quando viu que os ferimentos

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dele ainda não tinham cicatrizado.

- Porque será que ele ainda não acordou? – ela perguntou, franzindo o cenho.

- Ele não bebe sangue há algum tempo. Achei que você fosse se lembrar disso. – Nate falou enquanto a observava, encostado na parede. – Ele é mais humano que vampiro agora.

- Só agora? – ela riu levemente e Nate se viu forçado a concordar com um sorriso. – Olha, acho que sei onde encontrar o que vocês precisam, mas você vai ter que confiar em mim.

Nathaniel arqueou uma sobrancelha para ela.

- Eu vou conseguir sangue para vocês. – Violet continuou, levantando. – Você pode terminar de lavá-lo? – ela perguntou enquanto já entregava a esponja ao outro vampiro e saindo do banheiro.

Nate a olhou, desconfiado, mas suspirou quanto à impossibilidade de fazer alguma coisa naquele momento, já que Violet já tinha ido embora apressadamente. Ele se sentou próximo à banheira, jogando a esponja na água que agora estava tingida de vermelho enquanto esperava a outra vampira voltar.

***

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Violet estava demorando demais. Ela tinha ido há duas horas e Nate já pensava em fazer Vaughn beber um pouco de seu sangue, na esperança de que ele acordasse. Mas esta era uma má ideia, porque significaria que ele, Nate, ficaria mais fraco e incapaz de defender a si mesmo e a Vaughn caso algo acontecesse.

Mas, como se ouvisse seus pensamentos, a vampira apareceu no aposento, sorrindo para ele apesar de ainda ter um semblante preocupado. Ela olhou em volta e então Nate a viu segurando um corpo nos braços.

- Me ajude aqui, cacete. – ela falou, entrando no quarto. – Feche a porta e pegue um copo ali na mesa. – Violet colocou o corpo ainda vivo no chão.

- Você levou duas horas para achar um humano? – ele perguntou, arqueando uma sobrancelha.

- Bem, não é como se eu caçasse muito. Eu tive que roubar este aqui da cela dos humanos. Você faz ideia do quanto é difícil transportar um humano neste castelo sem que ninguém veja?

Nate a olhou, descrente, antes de examinar o humano. Era jovem, pouco mais de vinte anos. Ele suspirou e pegou o copo antes de deixar suas presas aparecerem. Seus olhos cinzentos ficaram negros e ele se abaixou para morder o pulso do humano, deixando o sangue escorrer para dentro do recipiente.

- Você não vai beber primeiro? – Violet perguntou e Nate se levantou, segurando o copo.

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- Não. – falou e ofereceu o sangue a ela. – Você vai.

Violet o olhou friamente, irritada com a falta de confiança e gratidão do outro. Pegou o copo com violência e bebeu seu conteúdo em um gole, entregando o objeto vazio de volta para Nate enquanto lambia os lábios.

- Satisfeito? – perguntou. – Não estou morrendo, nem derretendo. Vai confiar em mim agora?

Nate esperou mais alguns minutos, dando o tempo de qualquer possível veneno ou outra substância funcionar, o que não aconteceu. Convencido que o humano estava limpo, encheu o copo novamente com sangue e levou aos lábios de Vaughn, fazendo-o beber.

- O primeiro sangue vai para ele? – Violet perguntou, descrente.

- Ou você fica quieta, ou espera lá fora. – Nate falou sem se virar para olhá-la enquanto fazia Vaughn beber o sangue. – O que vai ser?

A vampira revirou os olhos e não falou mais nada enquanto Nate continuava alimentando Vaughn. Parecia tudo... nobre demais para ela.

Então ela ouviu uma tosse e ao olhar para Vaughn constatou que parte de seus ferimentos estavam lentamente cicatrizando e o vampiro abriu os olhos devagar.

- O que... – Vaughn balbuciou, vendo ela ali. – O

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que você quer? – ele perguntou fracamente e ela sentiu uma pontada de mágoa.

Violet se levantou e o olhou solenemente antes de anunciar:

- Eu os deixarei a sós. – e saiu do quarto, fechando a porta atrás de si antes de se sentar no chão, encostada na parede.

Nate olhou para Vaughn seriamente, ainda o fazendo beber sangue.

- Você está muito ferido. Nós dois devemos beber para recuperar as forças.

Vaughn concordou lentamente, ainda parecendo confuso.

- Porque estou numa banheira?

- Você precisou ser lavado. Pode levantar? – Nate perguntou, cauteloso.

Vaughn mordeu o lábio e tentou ficar em pé na banheira, mas cambaleou e caiu na água.

- Minha costela dói muito. – ele gemeu.

Nate o ajudou a sair da banheira e apontou para o humano no chão.

- Depois de você.

Vaughn o fitou, cansado e machucado demais para formalidades.

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- Cale a boca. – falou e Nate sabia o que aquilo significava, pois, nos segundos seguintes, Vaughn tinha os olhos negros e as presas cravadas no pescoço do humano enquanto Nate bebia avidamente da mordida previamente feita no pulso da vítima, o sangue pingando no chão enquanto os dois se alimentavam juntos.

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Ainda faltava pouco mais de uma hora até que o sol raiasse, então, o quarto ainda estava escuro demais, apesar das velas. Circe não tinha sequer pregado o olho a noite toda, esperando Stacie acordar.

Ela se perguntou se tinha feito a coisa certa ao transformar Stacie praticamente contra a sua vontade. Bem, contra as suas vontades. Mas não tinha alternativa. Era aquilo ou a humana enlouqueceria com as informações na sua mente. Não havia precedentes naquele caso, mas aquele era um risco que ela não quis correr.

E ainda teve o beijo, que fora um tanto quanto... surpreendente. Fazia muito tempo que a vampira não beijava ninguém, menos ainda com aquela intensidade toda. E o mais surpreendente foi o quão bom havia sido. Sendo membro da Guarda ela não tinha tempo ou interesse para pensar em romance, mas de algum modo ela estava ali, divagando sobre um beijo às vésperas de uma batalha.

Sacudindo a cabeça, Circe olhou para o céu pela janela, esperando pacientemente a hora de Stacie acordar.

***

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Stacie acordou em um sobressalto, arfando e tossindo enquanto se acostumava com as mudanças em seu corpo. A cada respiração parecia que ela estava se afogando em ar, o que a fez tossir mais ainda. Ela sentia frio, mas não a incomodava tanto.

- Calma, respire devagar.

Ela ouviu a voz enquanto tossia e obedeceu, puxando um pouco de ar pelo nariz e soltando pela boca. Sua cabeça rodava pela pouca pulsação.

Foi então que ela lembrou o que tinha acontecido. E desejou continuar dormindo.

- Como se sente? – Circe perguntou, preocupada. Ela estava sentada ao seu lado, uma caneca nas mãos. – Ainda está com dor de cabeça?

A menção daquilo fez Stacie notar que por mais que sentisse a cabeça leve e estivesse um pouco tonta, a enxaqueca constante de antes tinha sumido. Então ela soube.

- O conhecimento na minha mente causava as dores. – falou, olhando para o chão. – Um corpo humano comum não suporta esta quantidade de informações.

Circe a fitou, vagamente preocupada.

- Entendo. Você não respondeu como se sente.

Stacie levantou os olhos para ela e suspirou um

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pouco, antes de responder:

- Como se eu tivesse acabado de morrer.

Circe mordeu o lábio, se sentindo mais culpada ainda.

- Beba isso, vai ajudar. – falou, oferecendo a caneca que segurava.

Stacie agradeceu e olhou o líquido espesso que enchia a caneca, antes de tomar alguns goles, tentado esquecer o asco.

Asco que durou pouco tempo, pois depois do sangue começar a entrar em seu sistema, ela percebeu que só queria viver bebendo aquilo para sempre. Todos os seus sentidos se aguçaram e Stacie quase deixou a caneca cair com todas as sensações que dominavam seu corpo. Conseguiu sentir o cheiro da grama molhada de orvalho lá fora, ouvir claramente a conversa de alguns vampiros no andar inferior e mesmo a pouca luz das velas estava cegando-a.

Ela fechou os olhos, querendo bloquear tudo ao seu redor, mas um cheiro era mais forte em suas narinas: o do resto do sangue na caneca. De repente aquilo incitou um desejo ancestral e bruto em Stacie e ela entendeu ser a melhor coisa que já ingerira. Ela tomou todo o resto do sangue, sentindo seu coração batendo mais rápido. Engraçado como ela não notava o ritmo em velocidade normal antes, mas agora era como se estivesse com taquicardia.

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Fechou os olhos, sentindo seu coração se jogar violentamente contra suas costelas enquanto seu corpo inteiro formigava. Olhou para Circe e notou que agora sentia outra coisa: desejo. Sua expressão deve ter mostrado isso, pois Circe se levantou da cama, pegando um espelho de mão da cômoda e entregando-o a Stacie.

Ela a observou por um momento e pegou o espelho, vendo seu reflexo. Seus olhos estavam completamente negros, até o cristalino parecia que tinha sido pintado com tinta nanquim. Sua pele não estava tão pálida quanto poderia estar, pois tinha acabado de beber sangue, mas ainda assim estava pálida o suficiente para fazer seu cabelo negro combinar com seus olhos.

Ela botou o espelho na cama e suspirou.

- Eu não queria isso.

- Eu sei. – Circe falou, se sentando ao seu lado e botando um braço sobre seus ombros.

De repente, tudo veio à tona. Tudo pelo qual ela tinha passado nos últimos dias parecia irreal, como um filme que ela estava vendo ou um livro que estava lendo. Mas ao ver seu reflexo, ver a sim mesma daquele jeito disparou algo que Stacie tinha guardado muito bem dentro de si até aquele momento.

Antes que ela pudesse se conter, as lágrimas já estavam escapando de seus olhos e não pôde fazer nada a não ser chorar como se estivesse de luto no ombro de Circe.

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Afinal, estava mesmo de luto. Por si própria.

***

Por sorte o seu descontrole foi temporário, pois logo Stacie pôde se concentrar e entender o que tinha acontecido. Ela era uma... vampira agora. Mas não qualquer vampira. Ela era a escolhida para ser a próxima Anciã de Londres e agora tinha uma fração pequena do conhecimento de Isaiah LaCroix na sua mente. Mas por mais que esta fração fosse ínfima comparada ao conhecimento total de Isaiah, já era suficiente para ajudá-la.

Por exemplo, ela praticamente já estava acostumada às mudanças de seu corpo, devido ao imprint. Então não precisava de um treinamento muito extenso nem de muitas explicações.

Além disso, ela sabia algumas coisas básicas, como caçar, lutar, encantar e sabia que às vezes podia ler pensamentos soltos nas mentes de pessoas próximas, mas isso ainda era algo raro.

No geral já sabia todo o básico que precisava saber, o que ajudou muito a ela e Circe, pois no dia seguinte ela já estava pronta para fazer o necessário.

E por isso fez questão de observar os soldados que se preparavam para ir a Londres, mesmo não tendo

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certeza do que aconteceria. Ela estava confiante, mas ainda havia uma fração de sua mente que não sabia ao certo se estava fazendo tudo do jeito certo. Stacie sabia o que fazer, mas não sabia se era o correto. Por sorte, Circe estava ali para ajudá-la, e por isto Stacie era grata.

- Por que tanta pressa para voltar a Londres de repente? – a vampira mais velha perguntou enquanto elas esperavam os outros no salão do castelo. Tanto Stacie quanto Circe usavam roupas de combate, trajes pretos de corpo inteiro para as cobrir e proteger que eram reforçados.

- Não sei ao certo ainda. – Stacie falou, ainda bebericando uma caneca de sangue. Estava sentada numa cadeira enquanto Circe estava em pé ao seu lado. – Eu estava esperando que você me ajudasse. Eu só sei que a comitiva não pode se atrasar. Nós temos que estar em Londres até antes do anoitecer.

- Mas por quê?

- Não sei. – a mais nova suspirou. – Mas eu tenho um pressentimento, como uma voz, murmurando em minha mente. Vaughn vai ter problemas, e será hoje à noite a não ser que nós o ajudemos a tempo.

Circe concordou, não contestando o que a outra acabara de falar.

- Você não quer se alimentar direito antes de nós sairmos? – perguntou e Stacie a fitou antes de balançar a cabeça negativamente.

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- Ainda não, mas obrigada. Eu vou me ater a isso aqui por enquanto. – falou, erguendo um pouco a caneca.

- Tem certeza? – ela insistiu e Stacie sorriu um pouco, sabendo que a outra estava se preocupando.

- Tenho. Toda vez que eu penso em... fazer isso eu vejo imagens de gente... – ela parou de falar e fechou os olhos, tendo mais outra sucessão de imagens rápidas em sua mente. Memórias. Memórias de matança, crueldade e tortura, de vampiros se alimentando de humanos por meios indizíveis. Respirou fundo a abriu os olhos, embora não fizesse muita diferença. Os flashes vinham de qualquer maneira.

Então sim, ela já tinha um conhecimento bem extenso sobre como caçar e se alimentar de sangue humano.

Circe pareceu entender, pois pousou uma mão sobre seu ombro, um leve sorriso nos lábios que Stacie não pôde responder.

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30

Elas saíram do castelo ainda de manhã. Três vans grandes, todas pretas, transportavam aproximadamente 30 soldados mais as duas vampiras. Stacie ainda era sensível demais ao sol, então ficou no fundo do carro-chefe, com Circe a ajudando.

Circe estava preocupada com Stacie por permanecer quieta demais enquanto observava a estrada e o caminho por onde a van passava. Os outros soldados as ignoravam enquanto conversavam, brincavam e discutiam estratégias, então elas tinham alguma privacidade para conversar.

- O que nós vamos fazer lá exatamente? – e vampira mais velha perguntou a outra.

- Salvar Vaughn, Nate e os outros. – Stacie falou simplesmente.

- Eu não sei... – Circe falou, após ter hesitado. – Vaughn não fez absolutamente nada de útil até agora.

- Talvez sim, talvez não. – ela sorriu. – Vaughn é... uma pessoa normal que foi atirada contra a sua vontade em uma variedade de situações desconfortáveis para ele. Isso não o desculpa de ser covarde, mas no fundo eu, você e todos os outros sabemos que ele não é uma exceção, mas sim a regra. Ele merece morrer por que escolheu ter uma vida comum?

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Circe a fitou e suspirou um pouco.

- Suponho que não. Mas ele podia ter sido mais heroico.

- Acho que ele não teve a oportunidade de mostrar o seu heroísmo ainda. – ela disse. – Nós não sabemos qual foi o efeito que a prisão teve nele.

- Talvez. – Circe falou, olhando pela janela antes de sorrir um pouco. – Você já soa como Anciã.

Stacie riu um pouco, sorrindo para ela de volta.

- Você acha? Pensei que só estivesse falando minhas opiniões.

- Bem, seja como for, são opiniões fortes. – Circe falou. – E corretas.

Stacie sorriu um pouco antes de voltar a olhar para fora, seu sorriso rapidamente desaparecendo enquanto ela pensava sobre o que Circe falara.

***

No castelo em Londres, num quarto esquecido pelos outros, Vaughn e Nate tinham terminado de se limpar e Violet já tinha saído para se livrar do corpo do humano, deixando-os sozinhos novamente.

- Se Cole vier mesmo para cá, nós temos que matá-

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lo. – Vaughn falou enquanto andava pelo quarto pequeno.

- Não, nós temos que fugir daqui o mais rápido possível e procurar reforços para depois voltar. – Nathaniel falou, sentado no sofá.

- Não, até lá já vai ser tarde demais. – o outro falou, meneando a cabeça negativamente. – Esta é a única chance que nós vamos ter de matar aquele...

- De onde saiu essa coragem toda? – Nate o cortou, arqueando uma sobrancelha. - A não muito tempo atrás você só queria fugir.

- Na verdade, não. – Vaughn corrigiu. – Eu iniciei a guerra, lembra? Eu teria ido em frente com aquilo, se não fosse o golpe. Além do mais, ficar preso me fez perceber algumas coisas.

- Tipo o quê? – o mais velho perguntou, descrente.

- Que eu estou envolvido nisso, querendo ou não. Tudo isso é praticamente minha culpa, então o mínimo que eu posso fazer é dar um fim nesta bagunça.

- E como você planeja fazer isso?

- Matando Cole. – ele falou e Nate riu, fazendo Vaughn virar os olhos. – Cale a boca. É a coisa mais nobre a se fazer. Eu vou desafiá-lo, e fazer o meu melhor para vencer.

- E se você não vencer? Que é a opção mais provável, aliás.

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- Então eu irei morrer com honra.

Vaughn tinha medo da morte, sim. Tinha medo da ideia de enfrentar um vampiro muito mais forte que ele, mas depois de ter passado aqueles dias com a pior dor imaginável, ele se deu conta que não tinha mais nada a perder ou a temer.

E então Nate se levantou, o olhando seriamente. Vaughn pensou que ele fosse falar sobre como aquilo era idiotice, mas ao invés o vampiro falou:

- Você acaba de se tornar o homem que seu pai sempre quis que você fosse.

Vaughn o fitou, e pela primeira vez ele se sentiu orgulhoso com palavras daquele tipo.

***

A comitiva tinha saído há algumas horas, o que significava que já estavam a aproximadamente duas horas de distância de Londres. O caminho tinha sido percorrido pacificamente, com Stacie adormecendo algumas vezes enquanto Circe a observava.

- A luz faz meus olhos arderem. – Stacie falou a Circe enquanto elas finalmente saíam do condado de Kent e entravam em Londres.

- É porque você foi transformada há pouco tempo. –

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a outra sorriu um pouco. – Logo vai anoitecer e você não vai ter esse problema.

- Você fala como se esquecesse que o anoitecer é exatamente o que não queremos que chegue logo. – ela suspirou e olhou para a janela, pensativa. Hesitou um pouco e olhou em volta, mas os outros estavam dormindo ou ocupados com outras coisas. – Eu não sei o que fazer. – Falou baixo à outra vampira.

Circe a olhou, confusa com aquela confissão.

- Como assim?

- Eu não sei... nada. – Stacie falou, tensa. – Não sei qual a minha força, não sei se Cole já está lá ou se ainda vai chegar, não sei nem se Vaughn ainda está vivo. Eu me sinto tão... perdida e confusa, mas ao mesmo tempo tem uma certeza no fundo da minha mente, uma intuição que me diz o que fazer. Mas e se essa intuição falhar e na verdade nós estamos indo de encontro à morte certa?

Circe tocou a sua mão e sorriu de leve.

- Você foi Marcada pelo Ancião, o que significa que você tem uma fração da sabedoria dele. Ele não te escolheu à toa, tenha certeza disso. Você é forte, inteligente e determinada. Se eu não achasse que você estivesse certa nós não estaríamos aqui. – ela falou e sorriu um pouco mais. – Não se preocupe. É bom ter inseguranças. São elas que nos mantêm no chão.

Stacie sorriu de volta e olhou ao redor para se certificar que não tinha ninguém as olhando antes de se

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inclinar um pouco na direção de Circe. A outra sorriu levemente e também se inclinou um pouco na direção de Stacie, mas uma freada brusca da van fez as duas se distanciarem em um sobressalto.

Stacie olhou para os outros soldados, que se levantavam em alerta e também procuravam saber o que estava acontecendo. Talvez um acidente ou algum outro tipo de bloqueio? Circe se levantou e foi falar com os outros enquanto Stacie tentava ver o que acontecia na estrada pela janela.

- Estamos sendo atacados. – Circe falou, voltando a ficar perto dela. - Eu te dei a arma, certo?

Stacie assentiu, se levantando enquanto sacava a pistola.

- Vamos ter que sair do carro? – perguntou, começando a ficar nervosa.

- Acho que sim. – Circe falou, olhando em volta. Stacie se levantou e olhou para fora do carro novamente, vendo que um grupo de vampiros apontavam armas para eles.

- Eles não sabem por que estamos indo para Londres. – Falou, olhando para Circe novamente. – Isso é bom. Mande os soldados atacarem.

A outra vampira lhe lançou um olhar um pouco duvidoso por um momento, que Stacie respondeu com um aceno de cabeça. De algum modo, ela sabia o que fazer agora. A porta abriu e os tiros e a gritaria

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começaram.

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Stacie seguiu Circe para fora da van e da porta pôde ver os outros vampiros, que estavam atirando neles. Alguns usavam os carros como escudo, outros tentavam entrar nas vans.

Ela olhou para a arma em sua mão por um momento, antes de destravá-la e mirar instintivamente na testa de um vampiro que atirava neles por detrás da porta do carro. Apertou o gatilho. Um tiro. O vampiro caiu.

Stacie olhou para a sua própria mão, não entendendo o que acontecia. Ela nunca tinha sequer segurado uma arma antes, quem dirá mirar e acertar alguém daquela distância. Ela sentia como se estivesse em piloto automático novamente, como quando matou aquele vampiro com o bisturi.

Olhou em volta e viu alguém apontando uma arma para ela. Stacie mirou e mais uma vez acertou, sem pensar. Ela procurou Circe, que atirava em um dos carros que faziam o bloqueio na estrada.

Eles não conseguiriam sair dali enquanto houvesse o bloqueio. Pensando rápido, puxou o braço de Circe.

- Me dê cobertura, eu vou tirar os carros de lá.

Circe não teve muito tempo para protestar, pois quando se deu conta, a outra já andava em direção ao carro do meio, que bloqueava a passagem deles.

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Ela não sabia o que a outra estava pensando, saindo daquele jeito no meio dos tiros, mas não teve muito tempo para pensar. De dentro da van começou a disparar tiros contra quaisquer vampiros que pudessem atacar a outra, a mantendo segura.

Stacie viu tudo em câmera lenta, embora soubesse que na verdade a coisa toda devia ter durado apenas alguns segundos. De sua visão periférica pôde ver vampiros em suas laterais, apontando armas para ela e caindo em seguida. Circe era eficiente e rápida. À sua frente viu mais três vampiros guardando o carro, dois atrás das portas e um mais à frente, sem cobertura.

Stacie correu em meio aos disparos, atirando sem parar no vampiro mais à frente e acertando dois tiros em seu peito, fazendo-o cair. Ela podia ouvir as balas zunindo ao seu redor e era bem provável que algumas a tivessem atingido, mas sua roupa especial para combate a protegia da maior parte dos tiros.

Ao chegar perto o suficiente do carro, ela pegou impulso e deu um elegante pulo, aterrissando na parte de cima do carro. Tudo parecia ir bem, até Stacie se desequilibrar um pouco e cambalear para trás, atirando no primeiro que viu, no caso, o vampiro à sua direita que já apontava a arma para ela.

O vampiro caiu e Stacie se virou rapidamente para o da esquerda, mas só o que viu foi o cano da arma dele apontada para si. Num último pensamento lúcido, apontou sua própria arma para a perna do vampiro e atirou antes de ser atingida e cair de cima do carro.

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***

Quando acordou estava deitada no asfalto, vendo Circe a olhando de cima e falando a alguém que ela tinha acordado antes de agarrar seu braço e a puxar para cima, fazendo Stacie ficar em pé.

- Temos que sair daqui, anda.

- O que aconteceu? – Stacie perguntou, ainda tonta.

- Eu que pergunto. – Circe falou enquanto a puxava de volta à van. – Nós já pegamos aquele que você deixou viver e os outros fugiram ao ver você fazendo... aquilo. Temos o caminho livre e um prisioneiro para interrogar.

Elas entraram novamente na van e Stacie viu que o vampiro que fora atingido no joelho estava lá, preso. Os soldados fecharam a porta e ela sentiu o carro se movimentando.

- Se segurem em alguma coisa! – o motorista falou e Stacie só teve tempo de agarrar o banco à sua frente antes da van bater no carro agora vazio, furando o bloqueio. O solavanco a fez ser jogada a uma boa distância de onde estava sentada. Só não caiu no chão porque segurava o banco. Suspirou e se recostou, sentindo que podia relaxar um pouco enquanto o carro andava.

Os outros soldados a olhavam com um misto de

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medo e respeito e Stacie não sabia se queria aquela reação deles. Tudo aquilo que aconteceu, tudo o que ela fizera agora a pouco foi por causa do imprint em sua mente. Não foi Stacie que matou todos aqueles vampiros, foi Isaiah. Ou pelo menos a fração de seus conhecimentos que agora estavam na mente da jovem vampira.

Ainda assim, ela sabia que ainda havia muito a fazer. Em poucas horas o comboio chegaria ao castelo e eles não faziam a menor ideia do que estava acontecendo lá. Por sorte, agora tinham alguém que podia fornecer informações.

Stacie olhou para o vampiro preso e se levantou, indo até ele. Circe a observou curiosamente, antes de segui-la. O vampiro em questão aparentava ter uns trinta anos, com cabelo castanho claro e olhos escuros. Os outros tinham o amarrado e o fizeram ficar no chão da van.

- Qual o seu nome? – Stacie perguntou calmamente, o observando com curiosidade enquanto se sentava à sua frente. Ele a lançou um olhar odioso, antes de seus olhos ficarem negros.

Stacie semicerrou seus olhos enquanto os mesmos enegreciam e ela esbofeteou o vampiro com as costas da mão violentamente.

- O que vocês estavam fazendo tão perto da fronteira com Kent?

Ele a olhou, seus olhos voltando ao normal embora

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ele ainda se debatesse.

- O que você acha? – perguntou, com ironia pingando de sua voz. – Cole vai logo dominar toda essa área. – ele riu. – Estávamos apenas abrindo caminho. Você sabe... preparando o terreno.

- Cole mal consegue dominar o seu próprio reino. – Circe falou, o fitando. – O que está acontecendo na Corte de Londres?

O outro a olhou e revirou os olhos em sinal de desafio, o que resultou em Circe sacar sua arma e atirar no outro joelho dele.

- Cacete! – ele gritou, se debatendo mais. – Sua vadia! Eu vou te matar, eu juro que quando sair daqui...

Stacie pegou sua própria arma e apontou para o peito dele, bem no coração.

- E quem disse que você vai sair daqui? – Perguntou, sorrindo. – Agora cante, canarinho.

Ele a olhou, obviamente mais preocupado enquanto respirava rapidamente. Fechou os olhos antes de começar a falar.

- Só sei o que ouvi. Está uma bagunça. O Rei de lá é um idiota que conseguiu ser preso antes mesmo de ser coroado. Ninguém mais o viu, então com certeza já está morto. Se bem que todos dizem que Cole o manteve preso só para poder matá-lo pessoalmente.

- Ele vai transferir o Rei de lugar então? – Stacie

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perguntou, franzindo o cenho. – Levar ele até Essex?

- Não, idiota. – o vampiro falou. – Cole vai para o castelo de Londres para matar o Rei e assumir o comando.

- Quando ele vai para lá? – Circe perguntou e o vampiro riu.

- Nossa, vocês são muito desatualizadas. – ele disse, sorrindo para Stacie. – Ele saiu de Essex hoje mais cedo. Já deve estar lá a esta altura.

As duas se entreolharam enquanto o vampiro ria histericamente. Sem falar mais nada, Stacie acabou com aquilo de uma vez quando atirou no coração dele, enquanto Circe ia falar ao motorista para dirigir mais rápido.

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Vaughn

Eu ainda sentia os efeitos do sangue que tomei mesmo duas horas depois. Meu coração batia rápido e eu estava inquieto, querendo fazer algo, qualquer coisa. Nate, no entanto, estava calmo e controlado, como sempre. Eu não sei como ele conseguia.

Ainda estávamos naquele quartinho, porque Violet estava lá fora organizando a nossa fuga. Segundo ela, pelo menos. Eu sabia que se me atacassem de novo, eu não me entregaria facilmente. Não depois do que eu passei.

Falando nisso, eu obviamente não confiava em Violet nem um pouco. Eu sabia que ela tinha nos salvado, mas até onde era possível saber, ela estava nos entregando naquele momento. Por isso mesmo que nós não podíamos permanecer ali por muito tempo, como alvos fáceis.

- Nós vamos esperar até ela voltar. – Nate falava enquanto eu andava pelo quarto.

- Nós vamos ser pegos assim. – eu falei, tentando ser razoável. – De novo.

- Eu não deixarei isso acontecer. Além do mais,

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você não está totalmente curado.

- Eu estou bem. – virei os olhos.

Claro que eu não estava 100%. Os machucados mais leves podem ter cicatrizado e eu não estava mais coberto de sangue, mas todo o resto ainda doía. Ainda assim, eu devia estar a uns 65%. Era bom o suficiente para funcionar.

Nate me deu aquela olhada que eu já conhecia, a que ele dava quando sabia que a minha ideia era idiota, mas mesmo assim eu não cederia. Já tinha passado por coisas demais para simplesmente fugir assim. Eu não queria mais ser aquela pessoa que não se importava com nada ao seu redor. Querendo ou não, era a minha responsabilidade e eu aceitava esse fato bem mais agora.

- Então qual é a sua ordem? – ele perguntou e eu tive que pensar um pouco antes de responder.

- Esperamos por ela. – acabei falando, meio que surpreendendo até a mim mesmo. Mas no fundo eu sabia que o melhor seria dar a Violet o benefício da dúvida. Afinal, quando eu cheguei pela primeira vez, ninguém quis me oferecer o mesmo.

Também, eu confiava em Nate e sabia que ele poderia detectar qualquer sinal de perigo a tempo.

Ou pelo menos esperava que sim.

***

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3ª pessoa

Stacie viu finalmente o castelo pela janela da van e mordeu o lábio, se perguntando o que os esperava ali dentro. Não fazia ideia do que estava acontecendo, e só tinha uma vaga informação que Romulus Cole iria para lá... eventualmente. Ela nem sabia quando isso aconteceria.

- O que acontece agora? – Circe perguntou enquanto elas observavam o castelo.

- Não sei. – Stacie suspirou, se sentindo totalmente confusa e impotente.

- Estamos avistando algo vindo na nossa direção. – Um dos soldados falou, olhando pela janela com um binóculo. – Se aproxima rápido. É um... comboio. – ele falou urgentemente. – E vem de Essex, estou vendo o signo Real.

Stacie e Circe se olharam, as duas pensando a mesma coisa.

- Bem na hora. – a mais velha falou e sacou sua arma. – Qual é o plano?

Stacie olhou para Circe e os soldados, pensando por um momento no que poderia fazer naquela situação e então finalmente se deu conta que era a líder ali. Ela fazia as decisões e os outros seguiam suas ordens, simples assim. Ela nunca tinha sido boa em liderar, mas naquele

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momento, Stacie soube o que fazer.

- Entramos e resgatamos Vaughn, Nate e quaisquer outros que estiverem presos injustamente. Eu e você vamos até as masmorras enquanto vocês – e olhou para os soldados – nos dão cobertura. Quem quiser vir com a gente na missão de busca, nos siga.

Os soldados a olharam, vagamente surpresos, mas acataram a ordem.

- O que estão esperando? – Circe falou a eles. – Espalhem a ordem aos outros carros! Digam ao motorista para derrubar o portão.

Todos eles começaram a se mover e falar pelos rádios e uns com os outros enquanto sacavam suas armas e se preparavam. O carro acelerou e Stacie se segurou quando a van deu um solavanco violento, passando direto pelo portão do castelo.

A van freou, eles abriram as portas e Stacie esperou até a cobertura dela e de Circe sair para que elas pudessem segui-los.

Circe foi a primeira a sair, olhando em volta e vendo que o comboio de Essex ainda estava passando pelo portão, logo atrás deles, o que dava uma vantagem às duas. No entanto, mesmo os vampiros do castelo já tinham começado a atirar neles, as forçando a ter que correr até entrar no castelo.

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***

Vaughn

Violet não demorou tanto quanto eu esperava, o que foi de certa maneira bom. Ela chegou ao quarto, um pouco esbaforida enquanto nos mandava levantar.

- Vocês têm que ir, agora. – ela falou num tom urgente enquanto eu me levantava do sofá em alerta. Nate também já estava de pé enquanto ela andava pelo aposento.

- Por quê? – Perguntei, já um pouco desconfiado devido à urgência de Violet.

- Porque está um caos lá fora. – ela falou, e quando eu pude realmente ver o seu rosto eu soube que era verdade. Havia medo de verdade nos seus olhos. – Cole está chegando na propriedade e um outro comboio já derrubou o portão. Não sei se estão com ele ou não, mas sei que este é o momento perfeito para nós sairmos daqui.

A notícia de que Cole estava apenas a alguns metros de distância fez meu estômago gelar, mas eu também sentia outra coisa: o desejo de lutar. Eu queria acabar logo com aquilo, e fazer Cole pagar por tudo que acontecera até agora: os mortos, as transformações, as loucuras..

Violet me olhava com impaciência, visivelmente

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inquieta.

- Então, o quê? – perguntou. – Você vai desafiá-lo? Ele vai te picar em pedacinhos e fazer um ensopado. Você mal consegue andar.

Meneei a cabeça, decidido no que eu iria fazer. Agora era uma questão de honra. Antes eu queria distância da Corte por causa das atrocidades que os vampiros faziam, mas neste tempo eu aprendi a ver que nem sempre nós éramos bestas insanas sedentas por sangue. Como Nate tinha falado, nós somos humanos exacerbados. Livres de responsabilidade e culpa. Mas não todos. Ainda havia alguns de nós que não tinham se tornado nas coisas que eu odiava, que não eram apenas predadores buscando prazer e morte. Afinal, a maioria de nós é preguiçosa demais para sequer caçar.

Isso não queria dizer que somos humanitários. Mas também não somos monstros. E eu acho que é isso que Blake tentou me ensinar a muito tempo atrás.

- Vamos para a sala de armas. – falei, decidido. – De lá eu resolvo o que fazer.

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Stacie e Circe correram para dentro do castelo o mais rápido que conseguiram, com uma chuva de balas às suas costas. No entanto, por mais que elas tivessem tido sorte naquele primeiro momento, ainda havia a recepção não muito calorosa dentro do castelo.

Os vampiros lá dentro pareciam confusos e surpresos pelo súbito ataque, o que os deixou sem ação ao ver as duas ali, sendo seguidas pelos outros soldados. Isso deu a Circe tempo o bastante para agarrar o primeiro vampiro que viu na sua frente, um Barão, e o empurrar contra a parede com violência.

- Onde estão Vaughn e os outros? – ela perguntou enquanto Stacie se protegia atrás de uma coluna.

- Eu não sei, nas masmorras? – o vampiro falou, tentando se soltar. Ele parecia nervoso e agitado, mas era inofensivo. – Eu pensei que ele estivesse morto! O que está havendo?

- Missão de salvamento. – Circe falou, o soltando enquanto fazia um sinal para os soldados darem cobertura.

Ela foi procurar Stacie e viu os outros soldados entrarem no castelo, atirando contra os de Kent que lhes davam cobertura. Ao olhar em volta, viu a outra vampira atirando contra os outros enquanto recuava mais para

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dentro do castelo.

- Vamos. – Circe falou, agarrando a outra pelo braço e a puxando para longe do conflito, em direção à escadaria. – Se ele estiver vivo vai estar na masmorra.

Stacie a seguiu escada abaixo, chegando ao nível inferior do castelo e vendo dois guardas. Eles atiraram assim que as viram, as forçando a se jogar para os lados do corredor para se proteger, atrás de colunas.

Circe esperou até os disparos terem uma pausa e se moveu rapidamente, dando dois tiros certeiros nos guardas, que caíram no chão.

- Você tá bem? – perguntou a Stacie, se virando para olhá-la.

Stacie estava encostada na parede, ofegante e com uma expressão de dor no rosto. Circe se aproximou, preocupada, até ver que a outra segurava uma bala na mão que apertava o lado da sua barriga.

- Tinha me esquecido do quanto isso dói. – Stacie sorriu e moveu a mão, deixando a bala cair no chão e revelando a marca do impacto na roupa protetora.

- Se acostume. – Circe sorriu levemente antes de se virar para andar pelo corredor, checando o interior das celas pelas grades. – Eles não estão aqui. – Falou, se virando para Stacie com uma expressão preocupada no rosto.

Stacie sentia um formigamento em sua pele

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enquanto o ferimento cicatrizava e o tecido se regenerava, então não pôde se acostumar muito na resposta.

- Eles têm que estar em algum lugar. – falou, olhando ao redor enquanto se recompunha.

- Não temos tempo para fazer uma busca pelo castelo. – Circe suspirou, antes de olhar para Stacie com expectativa. – O que você acha que a gente deve fazer?

- Eu sei lá. – Stacie falou, frustrada. – Eu sei que a gente não veio até aqui para nada, então ele tem que estar em algum lugar. Acha que ele conseguiu fugir?

- Talvez, mas não do castelo. Se você sente que ele está por perto, então ainda deve estar na propriedade. Talvez escondido em algum lugar.

- Talvez querendo fugir. – Stacie concordou, pensando. – Se você está escondido e quer fugir de algum lugar no meio de um conflito, para onde você vai querer ir primeiro?

Circe a olhou e sorriu enquanto acompanhava o raciocínio.

- A sala de armas.

***

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Vaughn e Nate sabiam por alto que estava havendo algum tipo de conflito no castelo, mas não se preocuparam em saber os detalhes. Não adiantaria nada e só serviria de distração.

Violet quis servir de guia para levá-los até o armamento, mas Nate se recusou, decidindo que ela cobriria a retaguarda deles. A vampira reclamou a falta de confiança e, assim, os três foram para o piso superior do castelo usando uma escadaria em espiral, ao norte da principal e dava numa saleta não tão usada.

- Eu tenho mesmo que lembrar a vocês que não temos armas e eles têm? – Vaughn perguntou enquanto eles subiam a escada.

- Eu tenho mesmo que te lembrar que a ideia de entrar no conflito foi sua? – Violet perguntou atrás dele.

- Você está livre para fugir se quiser. – Vaughn retorquiu, se virando por um momento para olhá-la.

- De qualquer modo. – Nathaniel os interrompeu, sem olhar para trás. – Nós podemos nos virar sem armas, não se preocupe. Pelo menos eu posso. Espero que vocês também.

Vaughn o olhou e decidiu ficar em silêncio. Dos três ele era o mais jovem e inexperiente, então ficou bastante óbvio que eles teriam que protegê-lo. E precisar ser protegido não era a ideia que o vampiro tinha de heroísmo ou coragem, mas ele conhecia e respeitava as suas próprias limitações.

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Nathaniel foi o primeiro a chegar à saleta, entrando no aposento cuidadosamente e olhando em volta. Vaughn e Violet permaneceram escondidos nos degraus da escada, esperando o outro vampiro dar o sinal de que eles poderiam segui-lo.

Nate tinha todos os seus sentidos aguçados enquanto observava atentamente a saleta, procurando qualquer sinal de ameaça. Ele não sentia nenhum cheiro ameaçador, mas havia ali algo que o fazia ficar em alerta. Talvez fosse Violet. A presença dela era como a presença de um mosquito em um ambiente fechado e escuro, que está sempre zunindo ao seu redor, mas sempre fora de alcance.

Ele esperou, silenciosamente. Talvez estivesse um pouco desacostumado, mas não ficara fora de ação por tempo suficiente para esquecer seus instintos básicos. Nate sabia que, se baixasse a guarda, seria atacado.

Se virou por um milésimo de segundo, apenas para checar os outros dois na escada, e só se deu conta do que acontecia quando já estava caído no chão, com outro vampiro por cima dele, o imobilizando.

O vampiro apertava o pescoço de Nate com força enquanto segurava seu braço, olhando em volta da sala rapidamente.

- Isso é sua culpa. – o vampiro falou enquanto apertava mais a garganta de Nate, que tentava se soltar. – O castelo está um caos e toda esta bagunça e por sua causa! Sua e daquele rei idiota.

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Vaughn se moveu para sair da escada e intervir, mas Violet segurou seu braço e o puxou de volta rapidamente, tampando sua boca com a mão.

- Deixe-o. – ela sibilou. – Você não pode ajuda-lo. Ele pode chamar outros.

Vaughn só pôde observar enquanto Nate se debatia no chão, tentando se soltar. O vampiro que o imobilizava olhou em volta outra vez, pensando ter ouvido algo.

Neste pequeno momento de distração, Nate conseguiu ter forças suficientes para impulsionar seu corpo para cima, empurrando o vampiro até o teto violentamente. Quando desceram, Nate rodopiou no ar junto com seu adversário, durante a queda, na intenção de ficar por cima e adquirir amortecimento ao atingir o chão em um estrondo.

Vaughn olhou a cena, atônito, não entendo exatamente o que acontecera. Só se deu conta que podia sair dali quando Nate se levantou, passando a mão pelo pescoço e examinando o vampiro desmaiado.

- Eu não sabia que você sabia fazer isso. – Vaughn falou, o olhando com surpresa. Pelo olhar que recebeu de Nate, não era o único a desconhecer as habilidades do Cavaleiro.

- Vamos, temos que conseguir armas. – Violet falou e Nate assentiu antes de sair da sala, indo rumo ao armamento com os dois vampiros o seguindo.

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Vaughn

Eu não fazia ideia do que estava realmente acontecendo no castelo até ver os cortesãos fugindo e se escondendo pelos cômodos, falando sobre invasão. Alguns contavam sobre revolução, outros sobre a vinda de Cole e eu não sabia no que acreditar.

Nate conhecia o castelo melhor do que eu, então ele liderava, comigo e Violet às suas costas, confiando no seu instinto. Nenhum de nós teve a oportunidade de falar sobre o que aconteceu a Nate minutos atrás, mas acho que o seu improviso veio como surpresa até para ele. Mas, faz sentido. Ele é bem mais velho que nós, então era normal ter algumas habilidades extras.

Eu não sabia o que esperar enquanto andávamos. Aparentemente havia soldados no castelo, combatendo outros soldados, mas quem era de qual lugar? Os nossos que estavam lutando? A mando de quem? Eu não sabia de nada.

Nate nos levou até a sala de armas sem maiores problemas, já que a maior concentração da luta estava na entrada do castelo. Mas o que eu não contava era que muitos outros vampiros também estivessem rumando ao armamento, procurando meios de se defender durante a luta.

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Nós chegamos ao nosso destino e fomos recepcionados por duas armas apontadas para as nossas cabeças. Eu sabia que eles eram de Londres, mas naquele caos eram todos contra todos.

Nate mostrou as presas para eles, mas não fez nada para atacar por enquanto. Violet estava ao meu lado e parecia estar pensando em um jeito de contornar a situação, mas eu achava difícil isso acontecer.

- Achamos que você estivesse morto. – o que mirava a arma na minha testa falou de um jeito muito conversacional.

- Bem, surpresa! – eu sorri, sem conseguir pensar em nada mais inteligente para falar.

- Esta bagunça é sua culpa! – o vampiro falou, segurando a arma com mais força, prestes a atirar.

Eu fechei os olhos e pensei no quanto aquela situação era ridícula. Tudo aquilo que eu passei, para no final ficar totalmente impotente diante de uma arma. Qualquer movimento que eu fizesse faria os outros vampiros atirarem em nós.

Então eu ouvi um disparo. E outro e depois mais outro. Mas eu não sentia nada. Será que era por que o tiro era na cabeça? Eu já estava morto? Se sim, por que ainda tinha os olhos fechados?

Abri um olho, e não vi nenhum dos três. Então abri o outro e vi Nate e Violet, ainda em pé e vivos ao meu lado. Mas os dois estavam virados para trás, olhando para algo

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que estava atrás de nós. Seguindo a lógica, me virei também e vi o que eles estavam vendo.

Circe e Stacie, em roupas de combate, segurando armas enquanto nos fitavam.

Eu pisquei, levando alguns segundos para entender o que estava acontecendo e falhando. Até que Stacie me agarrou pelo braço e me puxou para dentro da sala de armas enquanto os outros nos seguiam. Circe trancou a porta e elas me encararam.

- Eu sabia que te encontraria. – Stacie falou com um sorriso, que mostrava as suas... presas.

De repente eu senti uma revolta, um ódio crescendo e transbordando dentro de mim como veneno e me virei para Circe.

- Você fez isso? – perguntei, avançando contra ela. Eu não acreditava no que eu via. Depois de tudo aquilo, como eu poderia ter falhado?

- Vaughn, você não entende. – Stacie falou, mas eu a ignorei, ainda encarando Circe com raiva. Ela estreitou os olhos e me empurrou contra a parede, me afastando de Circe. - Eu tenho o imprint de Isaiah. – Stacie falou e de repente eu entendi tudo. – Era a única opção. Ele me escolheu como sucessora.

Eu tive que rir daquilo, antes de olhar as duas e balançar a cabeça.

- Eu pensei que você tivesse mais cérebro. – falei a

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Circe, que olhou feio para mim. Mas eu não me importei. – Isaiah manipulou vocês duas! Ele não é bondoso e legal como todo mundo quer fazê-lo parecer, ele é apenas mais um vampiro.

- Você acha que eu não sei disso?! – Stacie gritou, me surpreendendo um pouco. – Você acha que nós quisemos fazer isso? Você acha que eu quis isso? Não, eu não quis. Só fiz porque a alternativa era enlouquecer! E a última coisa que eu queria era me arriscar para vir te resgatar só para ser tratada assim!

Eu fiquei um pouco surpreso e até assustado pela pequena explosão de Stacie, até porque ela tinha seus olhos completamente negros e suas presas eram aparentes. Além disso, havia certa aura de poder em volta dela, por causa do imprint.

E eu sabia que ela estava certa, mas minha frustração era mais forte do que a razão naquele momento. Tudo que eu defendia, toda a minha luta tinha sido praticamente desfeita, porque Isaiah teve afinidade com Stacie. Porque eu sei que o fato dela ter sido escolhida não foi nada mais do que um capricho dele. Isaiah é sábio, mas ele às vezes é impulsivo, e eu sabia disso muito bem.

- Eu sei, desculpe. – falei, suspirando. – Eu só posso imaginar uma fração do que você passou. Agradeço o que você fez, vindo até aqui para me ajudar.

- Cole está prestes a entrar no castelo. –Circe falou de repente. Ela parecia irritada, mas sempre mantinha a atitude profissional. – Chegamos com ele, praticamente.

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Temos que sair daqui o mais rápido possível.

Nesta hora Violet deu um passo à frente para falar.

- Nosso herói aqui não quer fugir. – ela virou os olhos. – Ele quer desafiar Cole para se sentir melhor consigo mesmo.

Elas me olharam com aquela cara de que me acham um idiota total, mas eu ignorei.

- E por que você faria isso? – Circe perguntou. – Você sabe que isso é suicídio.

- Bem, eu sou impulsivo. – falei, ficando mais irritado.

- Você tem algum tipo de plano? – Stacie perguntou e eu me senti um pouco mal ao ver a expressão de preocupação em seu rosto.

- Ainda não, mas com o tempo... –

- Com o tempo? – Stacie me cortou, arqueando uma sobrancelha. – Com o tempo você morre, é isso que acontece. Você precisa pensar no que vai fazer.

- Aceito sugestões. – falei, já irritado e cansado daquilo tudo.

Stacie mordeu o lábio enquanto me olhava, antes de sorrir lentamente.

- Acho que tenho uma ideia.

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Nós nos munimos de todo tipo de arma que encontramos lá, nos preparando para o que nos esperava lá embaixo. Eu peguei uma pistola e uma espada, porque nunca se sabe o que se vai encontrar em um conflito como aquele. Stacie, Circe e Nate foram pelo padrão mais moderno, pegando as várias armas semiautomáticas que estavam disponíveis.

Nate liderou o grupo, sendo seguido de perto pelas duas vampiras. Eu não gostava nem um pouco de ver Stacie transformada, era tudo uma injustiça tremenda e eu sabia que ela estava odiando aquilo. Não era para aquilo ter acontecido. Eu deveria ter notado que Isaiah tinha um plano secreto. O que me faz questionar se tudo isso foi fruto das suas manipulações. Há quanto tempo será que Isaiah sabe da existência de Stacie? O que foi e o que não foi manipulado por ele?

Fui distraído pelo som de tiros à nossa frente, o que sinalizava que estávamos perto da entrada do castelo. A espada que eu segurava na mão direita parecia ficar mais pesada a cada passo que eu dava. Eu não sabia exatamente porque eu estava levando aquilo comigo, mas um pressentimento me dizia que era para o melhor.

Por precaução, eu botei a espada na bainha e saquei a pistola, seguindo o exemplo dos três à minha frente. Stacie fez um sinal a Nate, sendo retribuída pelo outro a indicar três pessoas à esquerda no próximo

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cômodo. O fato dela sequer saber aquele sinal já me assustava ainda mais do que a visão dela com uma arma.

Avançamos até o salão de entrada e logo senti uma bala zunindo perto do meu ouvido, antes de ver o estado em que estava o hall de entrada. Vários soldados de Kent atiravam contra os de Essex, que usavam uniformes pretos com o brasão do reino no peito. Então, no centro deles, vi Romulus Cole, usando o mesmo uniforme basicamente, mas que era verde musgo e preto ao invés de apenas preto e no brasão também havia uma coroa estampada.

Ele atirava em todos os soldados inimigos espalhados pela sala, dando cobertura aos seus próprios enquanto eles tentavam invadir mais o castelo. Eu, num súbito momento de falta de lucidez, decidi mirar e atirar na direção de Cole. Pensei tê-lo visto cambalear, mas na verdade foi apenas ele desviando da bala. Decepcionado, olhei para o vampiro, apenas para encontrar seus olhos me fitando. O reconhecimento foi visível na sua expressão, enquanto ele fazia uma cara de surpresa. E então um sorriso apareceu em seus lábios.

Romulus Cole era um indivíduo intimidante, principalmente por ser um dos vampiros mais velhos do Reino Unido. E ele fazia questão de se mostrar mais ameaçador ainda pelo seu visual. Tinha grandes olhos castanhos semelhantes a moedas de bronze, cabelo branco e liso até os ombros em camadas e pele pálida. Ele era baixo, mas tinha um porte masculino e altivo. Possuía uma espada e uma arma nas mãos, como eu.

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Engoli em seco e respirei fundo enquanto olhava para Cole e ignorava a luta ao redor. Circe, Stacie e Nate estavam ajudando os soldados Reais e Violet tinha sumido, mas eu não dei importância. Desembainhei minha espada e a empunhei, antes de falar com a voz mais estável que eu consegui:

- Cole! Eu sou o responsável por esta Corte e a sua invasão é ilegal! Retire suas tropas imediatamente ou terei que desafiá-lo em um duelo!

Eu esperava que ele fosse me olhar e rir, ou até mesmo me ignorar, mas ao invés disso, Romulus ergueu sua espada, olhando diretamente para mim e falou, sua voz ressoando pelo salão:

- Então eu aceito o seu desafio.

Engoli em seco e assenti enquanto tentava ignorar os olhares dos outros vampiros ao redor. Até as lutas tinham parado por causa daquilo. Eu e Cole éramos o centro das atenções. Suspirei e assenti para ninguém em particular. Era hora.

A multidão se afastou do centro do salão lentamente, liberando o espaço para o duelo. Era incrível como os vampiros conseguiam ser tão organizados e fieis ao protocolo nas situações mais aleatórias. Eu fui até o centro do salão, indo encontrar Cole que já me esperava lá. Ele me olhava com uma expressão de superioridade que era típica de gente como ele.

Na verdade, todos nos olhavam como se estivessem em um circo. E era mais ou menos aquilo mesmo, para

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ser sincero. Eu tinha certeza que tirando Stacie, todos ali esperavam para ver a minha morte.

E era isso que eu estava pronto para dar a eles.

Ergui minha espada, fitando Cole enquanto ele fazia o mesmo. Seguindo o protocolo, cada um fez uma leve reverência ao outro e tomando as posições, o duelo começou.

Eu nunca tinha sido bom naquilo, apesar de Blake sempre ter insistido que eu aprendesse a lutar usando uma espada, seguindo as tradições. Eu sempre achei besteira e que aquilo era perda de tempo.

Cole desferiu o primeiro golpe, bem mais rápido que eu, e acertou meu escudo com tanta força que senti os ossos do meu ombro estalando. Foi aí que eu deixei de achar aquilo besteira e que treinar era perda de tempo.

Quase larguei o escudo por causa do impacto, mas por sorte os equipamentos modernos são bem mais leves e eu tive mais facilidade para desviar do próximo golpe de Cole.

Eu tentava ver algum espaço, um momento em que ele baixasse a guarda e eu pudesse desferir algum golpe, mas parecia ser impossível. Ele sempre mantinha a guarda fechada e ainda assim conseguia me acertar.

Cole ergueu o braço para me acertar novamente e eu vi uma brecha na sua costela, no momento certo. Aproveitei e ataquei com força, o fazendo recuar um pouco. Mas não muito.

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Continuamos nesta dança descoordenada e eu recebia muito mais golpes do que dava, obviamente. O cansaço e a dor começavam a tomar conta de mim, mas eu permanecia ali, aguentando o que eu pude até Cole se mover mais rápido do que o previsto e me acertou de novo. Eu aproveitei o momento e consegui dar um golpe forte o bastante para fazê-lo cair de joelhos, largando a espada. Então, eu pude realmente ver um detalhe na espada dele.

Doeu menos do que devia. Quando vi o sangue na lâmina de Cole, me dei conta do ocorrido. Olhei para baixo e vi o líquido vermelho esvaindo de mim, do corte na armadura bem ao lado da minha costela direita.

Armadura de merda. Foi só no que consegui pensar antes de cair no chão.

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Nate imediatamente tomou um passo à frente e pegou a espada de Vaughn de sua mão, olhando em volta para os outros vampiros. Todos ali sabiam que o protocolo permitia que o segundo mais alto na hierarquia poderia tomar o lugar do Rei em batalha caso o Rei em questão não tivesse sido morto definitivamente. Circe e Stacie se apressaram para puxar Vaughn para fora do círculo, o arrastando pelo chão enquanto Cole se levantava, fitando Nate.

- Nathaniel Devonshire, você não tem direito de fazer isso. - ele falou, olhando o outro vampiro de cima a baixo com uma expressão de pura descrença.

- Na verdade, eu tenho. - Nate falou, enquanto todos o olhavam, surpresos. Vaughn fazia o seu melhor para conseguir permanecer acordado, mas ainda perdia muito sangue enquanto Stacie tentava estancar o ferimento. Ninguém mais prestava atenção nele, mas Vaughn tentava ver o que estava acontecendo, mesmo estando deitado em uma poça de seu próprio sangue. - Eu venho de uma vertente da linhagem real de Angela Frost, falecida rainha de Kent, o que me faz o sucessor do trono e elegível de lutar em nome do reino de Londres pelo meu posto de Primeiro Cavaleiro do rei.

Vaughn franziu a testa e tentou falar alguma coisa, mas a dor aumentou muito e ele desmaiou enquanto Stacie continuava tentando fazer o sangramento parar,

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mas sem sucesso. Circe apenas observava as cenas em silêncio, pronta para agir se algo acontecesse. Um murmúrio de surpresa ecoou pelo salão enquanto Cole arqueava uma sobrancelha para Nate.

- Eu vejo. - ele falou friamente e olhou de relance para Vaughn, que estava desacordado no momento. - Engenhoso. Mas seu pequeno plano é ineficaz. E caso você tenha se esquecido, Devonshire, quando eu te matar, terei os reinos de Londres e Kent. Como um bônus.

- Veremos. - Nate falou e ergueu sua espada, fitando Cole antes de avançar com um golpe feito com bem mais elegância que os de Vaughn, girando o corpo enquanto golpeava a costela do outro vampiro com força o bastante para fazê-lo se afastar. Mais um golpe bem feito e ele acertou o braço de seu oponente, rasgando a armadura.

Cole teve dificuldades para acertar Nathaniel, mas ainda assim ele era mais velho e forte, o que permitiu que ele conseguisse acertar mais golpes. Nate se movia o mais rápido que podia, aproveitando o fato de que Cole começava a ficar cansado, tentando golpes mais fatais. Desviou de um golpe e lhe acertou o joelho, que já estava ruim, o forçando a recuar.

O vampiro mais velho também começava a perceber desvantagem, e Nathaniel realmente era um oponente que podia ser considerado como um desafio. Arfando e com o joelho esquerdo doendo, Cole decidiu parar de seguir as regras. Com a espada em uma mão, esperou Nate chegar perto o suficiente para poder desferir um

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soco em seu maxilar, o fazendo cambalear, e preparar-se para desferir o golpe certeiro pelas costas com a espada.

Vaughn conseguiu abrir os olhos por tempo suficiente para ver o que Cole planejava e só conseguiu fôlego para gritar um aviso a Nate antes de quase desmaiar novamente, sentindo o seu sangue encharcar suas roupas. Nate olhou para trás e viu Cole se movendo, tendo uma fração de segundo para girar o corpo e dar um golpe fatal no pescoço do outro vampiro.

O sangue voou e houve um segundo de silêncio no salão antes de se ouvir exclamações de surpresa, alegria e raiva pelo aposento. Nate largou a espada no chão e andou até Vaughn, que sorria levemente para ele. Stacie tinha sangue até os cotovelos enquanto tentava fazer o sangramento parar, mas o vampiro já tinha perdido sangue demais.

O ferimento doía mais e mais e Vaughn tinha dificuldades para manter-se acordado por mais do que alguns minutos. Ao descansar a cabeça para o lado, viu Violet lançando um olhar quase orgulhoso para ele, e logo atrás um vampiro mirava a arma na cabeça da vampira, o dedo no gatilho e prestes a atirar. Não levou mais de um segundo para Vaughn pegar a arma mais próxima de si, no caso, a semiautomática de Stacie, e atirar. Mais algumas exclamações de surpresa e ele viu Violet virar-se chocada e entender o que acontecera ao notar o vampiro morto atrás de si. Ela encarou Vaughn novamente e sorriu, recebendo um sorriso cansado de volta antes d’ele se voltar para Nate.

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O vampiro mais velho tinha assistido a este último ato com surpresa e o fitava com uma expressão curiosa, sorrindo levemente. Ele teria rido, mas o momento era um pouco tenso. Nathaniel voltou a ficar sério e se ajoelhou em frente a Vaughn, que respirava com dificuldade, mas conseguia se manter consciente enquanto fitava o outro.

- Meu Senhor. - o mais velho disse e Vaughn virou os olhos.

- Não, Nate. Eu que tenho que te chamar assim. Eu nunca fui rei, você sempre foi o mais apto para isso. E agora que nós não temos mais essa babaquice política e burocrática, eu sei que posso fazer isso. - ele disse e tossiu um pouco. - Nathaniel Devonshire, eu te nomeio o meu sucessor oficial do trono. Com a minha morte iminente, você é o Rei dos reinos de Londres e Kent. Parabéns.

Nathaniel sorriu para Vaughn e concordou com a cabeça antes de se levantar, olhando em volta. Vaughn tossiu novamente e fechou os olhos, enquanto sua consciência se esvaía por completo.

Houve um momento de silêncio breve, seguido por uma solitária exclamação vinda de algum lugar do salão:

- O rei está morto! Vida longa ao rei Nathaniel! Vida longa ao Rei!

O salão inteiro repetiu o brado sem nenhum questionamento, enquanto alguns vampiros fugiam ou corriam em direção a Nate para parabenizá-lo e apertar sua mão. Ninguém notou quando Stacie e Circe

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silenciosamente moveram o corpo de Vaughn para fora do salão.

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Vaughn

Quando acordei, a primeira coisa que senti foi dor. Então, eu me perguntei quando comecei a levar uma vida tão alto risco para ser forçado a conviver com dor na maior parte do tempo. Havia um borrão na minha frente e eu imaginei que fosse o além. Não era nada mau, mas como as pessoas vivam ali se era tudo borrado? E se era o além, por que eu ainda sentia dor?

Lentamente a minha visão tomou foco e eu vi que tinha uma forma oval no meu campo de visão. Então vi um olho, e mais outro, e um nariz e uma boca. Um rosto. Depois de um ou dois segundos, consegui reconhecer o rosto e vi que não era qualquer um. Era o de Violet.

- Ah droga, eu sabia que ia pro inferno quando tudo acabasse. - consegui falar com algo que definitivamente não era a minha voz.

O semblante de Violet mudou e sua expressão não ficou mais tão amigável, antes de sumir. Outra face apareceu e eu reconheci como sendo o de Stacie. Seu cabelo preto caía sobre o meu rosto.

- Oh, é você. - Sorri, como um idiota. Então ela sumiu e eu eventualmente consegui raciocinar o bastante para saber que eu estava deitado em algum lugar. E que, provavelmente, não estava morto.

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Bem, não mais do que eu já sou.

- Como se sente? - Stacie perguntou e eu tive que pensar um pouco.

- Eu não tenho certeza. Eu morri?

Então ela sorriu para mim e foi um pouco reconfortante.

- Só um pouco.

- Na verdade, quase te perdemos. - ouvi outra voz que reconheci como pertencendo a Circe.

- Não tente fingir alívio. - falei, tentando me sentar e desistindo.

Vi Stacie revirando os olhos enquanto me ajudava a sentar lentamente. Eu estava em uma cama e todas elas estavam ali comigo.

- A ferida está cicatrizando, mas vai demorar. Você vai ter que continuar tomando sangue. - Stacie falou e eu me senti mais tonto.

- Certo. Me lembre o que aconteceu, mesmo. - falei, fechando os olhos.

- Cole te feriu gravemente. - Nate falou e era a primeira vez que eu o via ali. - E eu tomei o seu lugar no duelo para derrotá-lo.

- Tá, mas do que isso adianta? - perguntei. - É contra as regras, se ele me derrotou, então ele vence o

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duelo.

- Apenas se ele te matar na frente de todos. - Nate sorriu e dava para ver que ele estava feliz. Só não sabia pelo que. - Se ele apenas te ferir, o próximo da linhagem pode assumir o duelo.

De repente, eu tive a sensação de que já tinha escutado aquilo antes.

- Certo. - falei lentamente, olhando para eles. - Estou assumindo que você o derrotou.

- Sim. - Nate falou com um leve aceno. - E você me nomeou seu sucessor antes de morrer na frente de todos.

Fiz que sim com a cabeça lentamente.

- Mas eu não estou morto. - esta podia parecer a coisa mais óbvia para se dizer, mas nunca se sabe.

- Não. - Stacie falou. - Porque você bebeu muito do meu sangue.

Levei uns dois segundos para entender e então desejei que não o tivesse feito.

- Certo. Porque você agora é uma... anciã. - falei. - Me fala, como pode um vampiro de... alguns dias de idade ser um ancião?

Eu estava sendo um idiota e sabia, mas meu corpo inteiro doía e a prova do meu fracasso estava bem ali na minha frente: Stacie, transformada. Logo ela, que não tinha nada a ver com nada daquilo. Ela não merecia

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aquilo. E merecia muito menos o fardo de ser Anciã.

- Isaiah me escolheu como sua sucessora. Agora, você vai me agradecer ou vai continuar sendo um escroto?

Tive que respirar fundo e me acalmar. Não seja um escroto, pensei. Esses são os seus amigos, tive que me lembrar. O problema era que tudo era confuso demais e a dor realmente acabava com o meu humor. Nathaniel era agora Rei de Londres. Mas como? Ele era apenas um Cavaleiro. Eu o apontei no meu 'leito de morte', certo. Mas ele precisava ter sangue Real para poder ser apontado. E Violet estava ali do nosso lado? Até alguns dias atrás ela estava me torturando, então obviamente tinha algo de errado ali. E eu estava morto, mas não realmente? E Stacie... suspirei e tentei não me culpar mais do que já me culpava. Isaiah a manipulou para concordar com aquilo. Eu tinha certeza daquilo.

- Então eu tenho umas perguntas. - falei e olhei para Violet. - Você está planejando me matar novamente? Ou tomar o trono? Ou nos trair?

Ela me olhou e suspirou, e eu podia jurar que vi um traço de decepção no seu rosto.

- Eu mudei de ideia. - ela falou. - Eu te traí, sim, mas agora estou totalmente do seu lado. Eu sei que pode ser difícil acreditar, mas é a minha palavra ou nada. E além do mais, você me salvou!

Eu a olhei, mais confuso ainda.

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- Desculpe?

- Quando você estava morrendo. - ela falou, parecendo chorosa. Eu não engoli aquilo. - Tinha um vampiro que ia me matar. Já que eu tinha voltado para o time de vocês, sabe. E você atirou nele antes dele poder me matar.

Eu a olhei por um momento e devia estar com uma cara realmente confusa, porque Circe interviu.

- É verdade, eu estava lá. - ela falou pela primeira vez. - Você pegou a arma de Stacie e atirou no vampiro antes dele atacá-la.

Eu estava achando aquilo tudo muito suspeito, mas todos eles pareceram bastante convictos naquele fato, então concordei.

- Okay. A gente faz loucuras à beira da morte.

Parte de mim queria perdoá-la e dizer 'tudo bem, eu vou esquecer as noites que passamos juntos com você me torturando', mas era meio difícil. Cocei minha cabeça e me virei para Nate.

- E você. O que aconteceu que de repente você é elegível? Eu perdi alguma coisa?

Ele sorriu, aquele sorriso de Nate que não era nem um pouco legível.

- Eu sou de uma vertente da linhagem de Kent. Sempre soube disso, mas sempre fui leal a Londres e nunca realmente quis ir a Kent apenas para atrapalha-los.

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- Mas então a rainha e o príncipe foram mortos. - Circe falou. - E Nate se tornou o próximo na sucessão.

- Sempre odiei genealogia vampírica. - falei, suspirando. - E agora você é o rei de Kent e Londres. Eu me lembro de ter te falado isso.

- Sim, quando você me nomeou seu sucessor.

- E você só pode ser Rei quando o presente morrer, no caso eu. - falei. - Então como vocês conseguiram esconder da Corte o fato de que eu estou bem vivo?

Circe e Stacie deram de ombros, me olhando.

- Todos estavam prestando atenção em Nate. - Circe falou. - Você estava desmaiado. Meio morto, na verdade. E ninguém na Corte realmente queria te ver como Rei, então não foi muito difícil convencê-los que você morreu logo depois de ter nomeado Nate.

- Certo. - falei. - Me sinto muito especial agora.

Nate virou os olhos, me olhando com um pouco de decepção.

- Você fala como se você quisesse o cargo. - ele falou, exasperado. - Pelos últimos dias só o que você fez foi reclamar e falar do quanto você odeia o mundo vampiro. E agora você reclama quando tudo deu certo para todos? Você sempre soube que o seu desgosto para com a Corte era um sentimento mútuo. E além do mais, você tem a nós, que te salvamos. Isso não conta para nada?

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Eu olhei para baixo, suspirando. Sabia que ele estava mais do que certo e eu realmente não sabia o porquê de eu me sentir tão derrotado. Mas me lembrei de Stacie.

- Okay, sinto muito. - falei, o olhando. - Eu estou feliz pelo modo como as coisas se ajeitaram. Eu sei que você vai ser um rei melhor do que eu jamais poderia sonhar em ser e estou orgulhoso de você. Sim, eu sempre odiei este mundo, mas agora eu sei que é o meu mundo. O nosso mundo. E não é uma coisa da qual eu posso fugir assim. Eu sei que eu estava errado e sei que o problema não está em ser vampiro ou humano. Está em se deixar se levar ou ter autocontrole.

Todos estavam olhando para mim. Sorrindo. Como se estivessem orgulhosos. Talvez estivessem.

- Mas... Stacie. - falei, a olhando e ela mordeu o lábio. Ainda parecia humana, mas tinha uma nova... aura. - Eu só sinto muito, muito mesmo que você tenha sido pega nesta bagunça. Isaiah te manipulou e eu fui cego demais para enxergar isso a tempo. Aliás, tenho minhas teorias de que talvez ele tenha manipulado todos nós apenas para poder encontrar Stacie.

- Você acha que ele manipulou a guerra? - Violet perguntou, arqueando uma sobrancelha. Eu dei de ombros. - Só para achar Stacie?

- Não é uma hipótese que eu abandonaria facilmente. - falei. - Mas, eu sei que às vezes as coisas não acontecem como planejado, mas mesmo assim não significa que deram errado. - suspirei e olhei para Stacie. -

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Você está feliz assim?

Ela mordeu o lábio novamente e deu de ombros, sorrindo um pouco.

- Não totalmente, mas não há nada que eu possa fazer. - e então ela olhou para Circe e eu entendi. Ela logo iria ir ser treinada por Isaiah. E teria que ir sozinha e ficar lá por um longo tempo.

- Sinto muito. - falei e olhei para Circe, que sorriu para mim. - Eu acho que vou dormir um pouco, se não se incomodarem.

Eles assentiram, lentamente saindo do quarto enquanto eu fechava os olhos e tentava encontrar alguma paz.

***

Acordei com um farfalhar de tecido, graças aos meus sentidos que estavam ultrassensíveis por causa do sangue que eu tomei. Sabia que era Violet mesmo antes dela se sentar ao meu lado na cama, me observando.

- Pensei que eu devia ficar em repouso. - falei, tentando não soar muito mal humorado. Acho que consegui, porque ela sorriu para mim.

- Hora do jantar. - ela falou suavemente antes de se levantar e abrir a porta, deixando entrar uma segunda

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figura no quarto. Era um humano. Eu a fitei e arqueei uma sobrancelha.

- Pensei que eu continuaria tomando sangue da Stacie.

- Ela não pode continuar sendo sua única fonte para sempre. Além do mais, você já está bem melhor e ela está resolvendo uns assuntos.

Ao ouvir a menção da minha melhora, eu tentei me sentar e realmente a ferida estava doendo bem menos. Olhei para o humano, que nos observava nervosamente.

- Me interrompa antes que eu... me empolgue. - falei seriamente, porque eu sabia que Violet não era ainda tão confiável. Ela assentiu e sorriu.

- Você pode levantar?

- Acho que sim. - falei, me movendo para por os pés no chão. - Só não espere que eu faça acrobacias. - e me levantei devagar. Tornei a olhar o humano. Ele estava acostumado àquilo. Bom. Ele andou até mim e fechou os olhos, expondo o pescoço para mim, enquanto eu sentia o cheiro intoxicante do sangue por debaixo de sua pele.

Minhas presas já estavam à mostra e eu nem tinha notado. Por mais que eu sempre falasse o quanto aquilo era animalesco e desnecessário, no momento em que se tem uma jugular à sua frente, é difícil se controlar e ser calmo e recatado.

O puxei para perto e quando me dei conta, já sentia

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o gosto metálico do sangue quente me alimentando. Quase podia sentir meu ferimento cicatrizando mais rápido enquanto fechava os olhos e me deixava levar, sentindo meu coração bater mais rápido.

Pareceu ter passado um segundo quando a mão de Violet tocou meu ombro. Fiz muita força para retrair as presas e então, e me afastar, ofegando levemente. O humano estava pálido, mas ficaria bem. Engoli o resto do sangue em minha boca e me sentei na cama, o fitando.

- Obrigado, pode ir. - falei roucamente e ele foi embora, cambaleando um pouco. Olhei para Violet. - Obrigado, por ter me afastado.

- Você me pediu para fazer isso.

- É, mas não pensei que você fosse fazer mesmo. - dei de ombros e a vi sorrindo. - Quê?

- Voltamos ao início. - ela disse suavemente. - Eu e você, em um quarto, eu te alimentando. Um ciclo completo.

- É. Se não fosse a tortura e traição, eu quase diria que temos um relacionamento. - falei, rindo de leve. Eu estava quase achando aquela situação toda engraçada.

- Na verdade, acho que essas coisas também caracterizam um relacionamento. - ela sorriu e eu mordi meu lábio. Beber sangue realmente não era uma coisa que eu podia fazer toda hora.

- Você já se alimentou? – perguntei, estupidamente,

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e Violet riu antes de se deitar ao meu lado e me olhar. De fato, me lembrava o dia em que eu cheguei ao castelo.

- Já, mas aceito uma sobremesa. - ela sorriu e me beijou, caçando qualquer vestígio de sangue que ainda poderia ter dentro da minha boca com a língua. Pode ter achado, pois logo depois se moveu para deitar em cima de mim. Eu fechei os olhos e a deixei continuar procurando.

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Foi só quando Violet se levantou para vestir suas roupas novamente que eu notei o que ela vestia.

- Vocês ainda usam essas roupas medievais? - ri levemente. - Vocês realmente se levam muito a sério.

Ela me olhou e virou os olhos.

- Não são medievais, são só... tradicionais. Você sabe como nós adoramos tradições. - ela sorriu e eu quase ri. - E além do mais, esta é para ocasiões especiais.

- E que ocasião especial vai ter?

Ela me olhou como se eu fosse retardado e eu dei de ombros.

- A coroação? - ela riu. - De Nate? Sabe, o novo Rei?

Às vezes até eu mesmo acho que sou meio retardado.

- Certo. - falei. - Bem, pena que não posso ir. Mas me conta depois como foi?

Ela virou os olhos de novo e eu arquei uma sobrancelha. Então ela atirou uma roupa para mim.

- Vista isso. Rápido, se puder.

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Reino de Sangue, por Julia Donovann

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Eu a encarei por um momento.

- Ok, acho que depois disso tudo até eu consegui entender que a Corte acha que eu estou morto, então provavelmente não é uma boa ideia aparecer no meio deles assim de repente.

- Eu sei. - ela sorriu. - E é por isso que você vai disfarçado.

- De quê? - perguntei, já temendo a resposta a julgar pelo sorriso dela.

- De meu criado.

Ah, droga.

***

As roupas na verdade eram trapos. Bem, mais ou menos. Mas eram bem menos luxuosas que as dos outros vampiros ali no salão e eu tinha que usar um pano envolto no pescoço para esconder o rosto.

E eles pintaram o meu cabelo. De preto.

E para finalizar, eu tinha que andar com Violet a todo tempo enquanto ela desfilava no meio da Corte.

- Você dá um significado totalmente novo ao termo criado mudo. - ela riu enquanto andava. Em instantes Nate seria coroado. Eu tinha que ficar calado para

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Reino de Sangue, por Julia Donovann

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minimizar as chances de alguém me reconhecer.

- Que bom que você está se divertindo. - falei quando não tinha ninguém por perto. Violet riu, sem olhar para mim.

- Estou mesmo. E você também devia estar. Tudo que você planejou deu certo e todos aqui já se esqueceram de você. Assim que a festa acabar, você pode voltar à sua vidinha de antes.

Pensei por um momento e suspirei. Não, eu iria diversificar desta vez. Agora eu estava em paz com o que eu era, e iria tentar viver uma vida normal... de vampiro. Mas longe da Corte.

- Talvez, talvez não. Vamos ver. - falei e continuamos a andar até a Guarda aparecer, fazendo uma fila à frente do trono. E em pé, estava Isaiah LaCroix, também em vestes tradicionais, cor de cimento. Aquele safado. Aposto que devia estar muito satisfeito consigo mesmo. E ainda se dizia neutro.

- Meus irmãos da Corte, estamos vivendo hoje um dia histórico em que dois grandes reinos se juntam pelo governo de um só Rei: Nathaniel Devonshire. Os nossos reinos sempre tiveram laços... - eu virei os olhos e olhei em volta enquanto Isaiah continuava a realizar o seu pequeno discurso de vitória. Porque afinal, era a sua vitória. Olhei para a esquerda e vi Stacie, também em vestes tradicionais, conversando com Circe, que usava sua armadura de metal. Eu não queria ouvir, mas, com todo o sangue que eu bebi, eu conseguiria escutar até uma conversa em Kent.

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- Eu devia ir, ele vai me chamar a qualquer momento. - Stacie falou e Circe assentiu, parecendo triste.

- Eu sei. - ela sorriu de leve. - Bem, estou feliz que nós conseguimos chegar até aqui vivas.

- Eu também. - Stacie sorriu e era audível o pesar que as duas sentiam. Olhei em volta por um segundo e quando as olhei de relance vi que estavam se despedindo com um beijo. Era injusto aquilo tudo e eu ainda me sentia culpado, mas não havia nada a fazer. Eu só podia assistir de longe enquanto os resultados de minhas ações se desenrolavam. De alguma maneira, todos nós fomos manipulados, mas as ações ainda assim eram nossas responsabilidades.

Isaiah anunciou que tinha uma aprendiz e Stacie passou por mim, sorrindo, antes de ir ficar ao lado do Ancião. Ele a anunciou e todos bateram palmas, menos Circe e eu.

Depois de muito discurso, Isaiah finalmente anunciou a coroação e todos ficaram mudos quando Nathaniel apareceu no salão, usando sua armadura. Ele era realmente impressionante e ficava mais visível ainda quando todos lhe davam seu devido valor. No final das contas, tudo tinha realmente dado certo. Assisti enquanto ele fazia o juramento e Isaiah finalmente pôs a coroa na cabeça de Nate, que levantou para se virar ao público.

Ele não fez nenhum discurso, porque realmente, não tinha o por que. O seu olhar dizia tudo. Ele seria forte o bastante para aguentar o tranco e definitivamente não

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Reino de Sangue, por Julia Donovann

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precisava se preocupar com um não-morto vagando pelo castelo. O olhei e sorri, e ao me ver, ele sorriu de volta.

Estava acabado. O trabalho estava feito. Não valia a pena ficar sentimental e me despedir, porque eu sabia que se eles quisessem, poderiam me achar. Olhei em volta novamente e então vi um par de olhos encontrando o meu olhar. Isaiah olhava diretamente para mim e eu tive certeza de que ele sabia quem eu era. Seu rosto era indecifrável, como sempre, mas eu podia dizer que ele estava satisfeito.

Eu o fitei por um momento e me virei, andando na direção de Circe enquanto os outros estavam distraídos com os drinques.

- Você vai ser uma ótima Primeira Cavaleira. - falei e ela sorriu para mim.

- Eu não acho que este título exista. - Circe riu levemente.

- É melhor do que te chamar de Primeira Dama. Ou Primeiro Cavaleiro.

- Acho que o título correto é Baronesa. - ela sorriu.

- Eu nunca fui bom nestes assuntos de nobreza. - ri levemente e ela me olhou.

- Você vai para onde agora? Não pode ficar em Londres.

- Ah, eu sei. - sorri e dei de ombros. De repente estava com um bom humor. - Talvez Escócia, ou França.

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- Na França tem muitos korrigans. Criaturas estranhas. – ela fez uma careta e então sorriu. - Boa sorte.

- Para você também. E diga a Nate que... bem, ele vai ser ótimo e também lhe desejo boa sorte. E à Violet, ela vai se dar bem.

Circe sorriu para mim e eu pus o capuz por cima de minha cabeça, saindo do salão e do castelo que agora estava estranhamente calmo. Não sabia para onde iria ainda, mas sabia que tinha que ir a algum lugar novo. E eu estava satisfeito.

Eu era um vampiro, e não adiantava querer ser qualquer outra coisa. Era estupidez fingir e eu só estaria mentindo para mim mesmo. Sim, eu poderia matar pessoas de vez em quando e não me sentia muito bem quando fazia isso, mas era a minha natureza. Eu daria o meu melhor para ser a melhor pessoa que eu podia, mas não iria mais me limitar e tentar ser alguém que não sou. Afinal, eu sou apenas humano. Bem, mais ou menos.

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