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Matem´ atica III - LEC202 eries num´ ericas e integra¸ ao Texto de apoio ` as aulas volume I Sofia Castro Gothen Faculdade de Economia do Porto Setembro de 2004

S´eries num´ericas e integra¸c˜ao - fep.up.pt · o limite da sucess˜ao de somas parciais e escrevemos X ... Uma sucessao que ´e ou crescente ou de-crescente diz-se mon´otona

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Matematica III - LEC202

Series numericas e integracao

Texto de apoio as aulas

volume I

Sofia Castro GothenFaculdade de Economia do Porto

Setembro de 2004

. . . we say thanks to you students . . .You are the posterity we work for.I can assure you thatwe are bestowing on youthe most glorious gift of all –– plenty of difficult problemsstill unsolved.

Paul A. SamuelsonNobel Banquet Speech (1970)

Introducao

Este volume e o primeiro de dois textos que se destinam a acompanhar, semsubstituir, as aulas da disciplina de Matematica III. Neste primeiro textoencontram-se as definicoes e resultados relativos ao estudo de series numericase integrais, simples e duplos. Sendo um texto de apoio para uma disciplinade matematica, nao se pretende desenvolver nenhuma aplicacao de caractereconomico. Tais aplicacoes serao introduzidas nas aulas de modo, nao soa justificar e indicar os aspectos mais praticos da materia leccionada, mastambem a fazer a ligacao entre esta disciplina e outras da area cientıfica deeconomia.

Com a leccionacao das materias cobertas neste texto pretende-se que sejaadquirida a capacidade para: fazer o estudo da natureza de series numericas,tanto por calculo directo como usando resultados que permitem relacionara natureza de varias series; recorrer a soma de uma serie para aproximar asoma finita de muitos termos e vice-versa; interpretar os varios significadosde um integral bem como proceder ao seu calculo; calcular areas de regioesplanas usando integrais simples e duplos. Neste processo de aprendizagem,espera-se ainda desenvolver o espırito crıtico e a capacidade de relacionarconceitos.

Para os alunos que vao ser avaliados sobre as materias aqui apresentadas,fica uma chamada de atencao relativamente a notacao e resultados a usar:apesar de toda a bibliografia aqui referida poder ser util ao estudo dos temaspropostos, a notacao e os resultados que podem ser utilizados, sem demon-stracao, nas provas de avaliacao sao unica e exclusivamente os referidos nasaulas teoricas e nestes apontamentos.

Resta agradecer aos Drs. Jose Manuel Oliveira e Vıtor Matos os co-mentarios que fizeram a uma versao inicial destas notas. Todos os errosque persistam sao da minha responsabilidade.

1

1 Series Numericas Reais

Neste capıtulo vamos preocupar-nos em saber quando e que uma soma in-finita de numeros reais representa um numero real. Em alguns casos parti-culares em que a resposta e afirmativa, e possıvel encontrar o numero que asoma infinita representa. Nos casos em que nao e possıvel, ou conveniente,saber qual e esse numero, partes finitas dessa soma infinita podem servirpara aproximar o valor desconhecido.

Definicao 1.1. Chama-se serie numerica real ao conjunto de duas suces-soes de numeros reais, (an)n∈N e (Sn)n∈N, relacionadas do seguinte modo

Sn = a1 + a2 + . . .+ an.

Ou, de forma equivalente,

an = Sn − Sn−1.

A sucessao (an)n∈N diz-se sucessao geradora da serie, o termo de ordemn desta sucessao diz-se termo geral da serie, os termos da sucessao geradoradizem-se termos da serie e a sucessao (Sn)n∈N diz-se sucessao de somas par-ciais. Da definicao acima, e claro que e indiferente fornecer a informacaorelativa a sucessao geradora ou a sucessao das somas parciais — dada umadas sucessoes e sempre possıvel encontrar a outra.

Exemplo 1. Considerando a sucessao definida por an = 2n− 1 como suces-sao geradora de uma series numerica real, obtemos para sucessao de somasparciais a sucessao definida por

Sn = 1 + 3 + . . .+ (2n− 1) = n2.

Se sabemos que a sucessao de somas parciais de uma serie numerica reale definida por Sn = 1−1/2n, entao podemos encontrar o termo geral da seriefazendo

an = Sn − Sn−1 = 1− 1

2n− (1− 1

2n−1) =

1

2n.

2

Definicao 1.2. Dizemos que uma serie e convergente se a sucessao desomas parciais tem limite finito. Caso contrario, dizemos que a serie e di-vergente. Para as series convergentes, definimos soma da serie, S, comoo limite da sucessao de somas parciais e escrevemos

∞∑n=1

an = S. (1)

Por abuso de notacao, e frequente a utilizacao do somatorio infinito daexpressao (??) mesmo antes de se ter feito o estudo da serie. Isto e, sem sesaber se o somatorio representa ou nao um numero real.

Caso as expressoes estejam bem definidas, considera-se por vezes as suces-soes com inıcio em zero em vez de um. E importante notar que, nao sendoa inclusao de mais um termo relevante para a determinacao do caracter con-vergente ou divergente da serie, esta inclusao de mais um termo pode alteraro valor da soma da serie.

Exemplo 2. Considere as series

∞∑n=1

an =∞∑n=1

(2n− 1) e∞∑n=1

bn =∞∑n=1

1

2n.

As sucessoes de somas parciais destas series sao as do exemplo anterior peloque a serie gerada por (an)n∈N e tal que

limn→∞

Sn = limn→∞

n2 = +∞

ou seja, a serie diverge.No caso da serie gerada por (bn)n∈N temos

limn→∞

Sn = limn→∞

(1− 1

2n) = 1

ou seja, a serie converge e a sua soma e 1.Daqui se ve que

∑∞n=1(2n − 1) tem apenas significado formal enquanto∑∞

n=112n representa o numero um. ♣

Do que foi dito ate aqui fica claro que para perceber e saber estudarseries numericas e indispensavel conhecer bem as sucessoes de numeros reais.Na seccao seguinte sao apresentados alguns resultados sobre sucessoes jaestudados no ensino secundario.

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1.1 Alguns resultados sobre sucessoes de numeros reais

Seja (un)n∈N uma sucessao de numeros reais. A sucessao diz-se decrescentese

un > un+1 ∀ n ∈ N.

Se se verifica queun 6 un+1 ∀ n ∈ N

entao a sucessao diz-se crescente. Uma sucessao que e ou crescente ou de-crescente diz-se monotona. Caso a monotonia se verifique para desigualdadesestritas, falamos de sucessoes estritamente monotonas, crescentes ou decres-centes.

As sucessoes de somas parciais usadas na definicao das series do exemplo2 sao ambas crescentes. Ja a sucessao geradora (an)n∈N e crescente enquantoa sucessao geradora (bn)n∈N e decrescente.

Exercıcio 1. Prove a monotonia das sucessoes (an)n∈N e (bn)n∈N. ./

Uma sucessao (un)n∈N diz-se limitada se o conjunto dos seus termos elimitado, ou seja, se

∃ a, b ∈ R : a 6 un 6 b ∀ n ∈ N.

Exercıcio 2. Mostre que a sucessao de somas parciais da serie gerada pelasucessao (bn)n∈N do exemplo anterior e limitada. ./

Relativamente ao estudo de sucessoes que foi feito anteriormente recor-damos aqui o seguinte resultado.

Teorema 1.1. Toda a sucessao monotona e limitada e convergente.

Exemplo 3. A luz do ultimo teorema, a serie gerada por (bn)n∈N e conver-gente uma vez que a sua sucessao de somas parciais e monotona e limitada.

Note-se que ja tinhamos chegado a esta conclusao por calculo directo dolimite da sucessao de somas parciais. Esta segunda abordagem garante aconvergencia da serie sem dar informacao sobre a sua soma. ♣

Ha duas classes particulares de sucessoes que passamos a destacar. Dize-mos que uma sucessao (un)n∈N e uma progressao aritmetica se existe r ∈ Rtal que

un+1 − un = r ∀ n ∈ N.

Ao numero r chamamos razao da progressao. A soma dos n primeiros termosde uma progressao aritmetica e dada por

Sn = 12(u1 + un)n.

4

Dizemos que uma sucessao (un)n∈N e uma progressao geometrica se exister ∈ R tal que

un+1

un= r ∀ n ∈ N.

Ao numero r chamamos razao da progressao. O termo geral de uma progres-sao geometrica pode ser escrito, a custa da razao, como un = u1r

n−1. A somados n primeiros termos de uma progressao geometrica e dada por

Sn = u11− rn

1− r.

1.2 Series numericas novamente

Regressando ao estudo de series numericas, notemos que, conforme seja maissimples, podemos usar a soma de um numero finito de termos iniciais da seriepara aproximar a sua soma ou, alternativamente, podemos usar a soma deuma serie para aproximar o valor da soma de um numero finito de termosiniciais.

Exercıcio 3. Calcule um valor aproximado da soma dos 1000 primeiros termosda sucessao (1/2n)n∈N. ./

A seguir vamos estabelecer resultados relativos ao caracter (convergenteou divergente) de alguns tipos particulares de series.

Definicao 1.3. Uma serie diz-se geometrica se e gerada por uma progres-sao geometrica. ♠

Consideremos uma serie geometrica gerada pela sucessao (an)n∈N definidapor

an = arn−1 ∀ n ∈ N

com a ∈ R. A sucessao de somas parciais, (Sn)n∈N, e entao definida por

Sn = a1− rn

1− r.

Da definicao de convergencia de uma serie resulta o seguinte

Teorema 1.2. A serie geometrica∑∞

n=1 arn−1 converge se e so se |r| < 1 e,

nesse caso, temos∞∑n=1

arn−1 =a

1− r.

Exercıcio 4. Demonstre o teorema anterior. ./

5

Nota: Caso o enunciado do teorema anterior definisse a serie como∞∑n=1

arn

terıamos o mesmo resultado relativo ao caracter da serie mas nao a mesmasoma. De facto, a serie poderia ser re-escrita como

∞∑n=1

(ar)rn−1

e, definindo b = ar como o novo termo inicial, a soma viria dada por

∞∑n=1

arn =∞∑n=1

brn−1 =b

1− r=

ar

1− r.

Definicao 1.4. Uma serie diz-se telescopica ou de Mengoli se o seutermo geral e da forma un − un+1. ♠

Dada uma qualquer sucessao de numeros reais (un)n∈N e possıvel definiruma nova sucessao (an)n∈N como an = un−un+1. Esta nova sucessao (an)n∈Ne a sucessao geradora de uma serie de Mengoli.

Devido ao modo como a sucessao geradora e construıda, as series deMengoli tem sucessoes de somas parciais com um aspecto muito simples. Defacto, da definicao vem que

Sn = a1 + a2 + . . .+ an−1 + an

= (u1 − u2) + (u2 − u3) + . . .+ (un−1 − un) + (un − un+1)

= u1 − un+1.

Assim, caso exista, a soma de uma serie de Mengoli e dada por

S = limn→+∞

Sn = u1 − limn→+∞

un.

Exercıcio 5. Mostre que a serie gerada pela sucessao (1/n− 1/(n+ 1))n∈N econvergente e calcule a sua soma. ./

Definicao 1.5. Uma serie diz-se de Riemann se o seu termo geral e daforma an = 1/nα onde α ∈ R+

0 . ♠

O caso α = 1 e ainda particular dentro das series de Riemann e obtemosa serie harmonica. O seguinte resultado, que enunciamos sem demonstrar,e util na determinacao do caracter convergente ou divergente de series emconjuncao com criterios que veremos adiante.

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Teorema 1.3. Uma serie de Riemann e convergente se e so se α > 1.

Os resultados que enunciamos a seguir permitem efectuar operacoes alge-bricas sobre series mantendo, em muitos casos, o controlo sobre o caracterdas mesmas.

Teorema 1.4 (Operacoes algebricas e convergencia). Sao verdadeirasas seguintes afirmacoes:

1. Se λ ∈ R (λ 6= 0) e∑∞

n=1 an e convergente (divergente) entao∑∞

n=1 λantambem o e.

2. Se∑∞

n=1 an e∑∞

n=1 bn sao series convergentes entao∑∞

n=1(an + bn)converge.

3. Se∑∞

n=1 an e convergente e∑∞

n=1 bn diverge entao∑∞

n=1(an + bn) di-verge.

4. Se∑∞

n=1 an e∑∞

n=1 bn sao series divergentes entao nada se pode con-cluir sobre o caracter da serie

∑∞n=1(an + bn).

Demonstracao: Vamos demonstrar o primeiro e o ultimo pontos do enun-ciado do teorema.1. Seja (Sn)n∈N a sucessao de somas parciais da serie de termo geral ane suponhamos que a serie converge. Entao, por definicao, sabemos quelimn→+∞ Sn existe e e igual a S. A sucessao de somas parciais da seriede termo geral λan e

Tn = λa1 + . . .+ λan = λSn

logo, tem limite igual a λS pelo que esta ultima serie converge. A divergenciademonstra-se de modo analogo.

4. A demonstracao deste ponto consiste em apresentar exemplos de seriesdivergentes que dao origem a uma serie convergente e de series divergentesque dao origem a uma serie divergente. Consideremos as series divergentes

∞∑n=1

n;∞∑n=1

2n;∞∑n=1

(−1)n e∞∑n=1

(−1)n+1.

Temos que∑∞

n=1(n+2n) e divergente mas∑∞

n=1[(−1)n+(−1)n+1] converge.♦

Exercıcio 6. Complete a demonstracao do teorema anterior. ./

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Apresentamos a seguir um conjunto de resultados que ajudam a determi-nar a convergencia ou divergencia de uma serie. A soma da serie tera sempreque ser encontrada com recurso a sua definicao.

Teorema 1.5 (Supressao de termos). Se a uma serie retirarmos um nu-mero finito de termos iniciais obtemos uma nova serie com o mesmo caracter,convergente ou divergente.

Teorema 1.6 (Condicao necessaria de convergencia). Se a serie geradapela sucessao (an)n∈N e convergente entao

limn→+∞

an = 0.

Sendo uma condicao apenas necessaria de convergencia, o resultado an-terior e particularmente util para decidir que uma serie e divergente.

Exemplo 4. A serie de termo geral an = 1− 1/n e divergente uma vez que

limn→+∞

an = 1 6= 0.

Teorema 1.7. Uma serie de termos nao negativos e convergente se e so sea sucessao de somas parciais e limitada.

Os resultados que se seguem sao muito uteis, conhecidos os teoremassobre convergencia das series geometricas e de Riemann.

Teorema 1.8 (Criterio de Comparacao). Se∑∞

n=1 an e∑∞

n=1 bn saoseries de termos nao negativos tais que para n > n0 e an 6 bn entao temos

1. se∑∞

n=1 bn converge entao∑∞

n=1 an converge;

2. se∑∞

n=1 an diverge entao∑∞

n=1 bn diverge.

Corolario 1.1. Nas condicoes do teorema, se bn 6= 0 e

limn→∞

anbn

= α 6= 0

entao as series tem a mesma natureza.

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Exemplo 5. Para determinar a convergencia da serie∑∞

n=1(n + 1)/(n3 +2n+1) usamos o corolario do criterio de comparacao com a serie de Riemann,convergente,

∑∞n=1 1/n2. Temos

limn→∞

(n+ 1)/(n3 + 2n+ 1)

1/n2= lim

n→∞

n3 + n2

n3 + 2n+ 1= 1 6= 0

donde se conclui que a serie dada e convergente. ♣

Teorema 1.9 (Criterio de d’Alembert ou da razao). A serie∑∞

n=1 an,de termos positivos, converge se e so se existe n0 ∈ N tal que para n > n0 setem

an+1

an6 k < 1.

Corolario 1.2. Nas condicoes do teorema anterior, se limn→∞an+1

an< 1 en-

tao a serie converge. Se limn→∞an+1

an> 1, a serie diverge. Caso o limite seja

igual a 1 nao e possıvel tirar conclusoes.

Exemplo 6. Se aplicarmos o corolario anterior as series de Riemann

∞∑n=1

1/n2 e∞∑n=1

1/n

obtemos o valor 1 para o limite. No entanto as series tem natureza distinta.

Exercıcio 7. Determine a natureza da serie cujo termo geral e 1/n!. ./

Exercıcio 8. Mostre que se se verifica a desigualdade do enunciado do Criteriode d’Alembert entao

Sn 61− kn

1− ka1.

Complete a demonstracao deste criterio usando o Criterio de Comparacao../

Uma vez que os resultados sobre convergencia de series se aplicam so-bretudo a series de termos positivos ou nao negativos, e util considerar aseguinte

Definicao 1.6. Uma serie gerada por uma sucessao (an)n∈N diz-se absolu-tamente convergente se a serie gerada por (|an|)n∈N e convergente. Se aserie dada converge mas a serie gerada pela sucessao dos valores absolutosdiverge entao dizemos que a serie e simplesmente convergente. ♠

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Assim, podemos aplicar os resultados de convergencia a serie dos valoresabsolutos seguida do seguinte

Teorema 1.10. Se uma serie e absolutamente convergente entao e conver-gente.

A diferenca entre series simplesmente e absolutamente convergentes ficaclara no seguinte resultado

Teorema 1.11. Se uma serie e absolutamente convergente entao ela con-tinua convergente e com a mesma soma mediante uma qualquer reordenacaodos seus termos. Se uma serie e simplesmente convergente entao existemreordenacoes dos seus termos que a tornam divergente ou, mantendo a con-vergencia, alteram a sua soma.

2 Integracao

A integracao de funcoes pode ser vista por dois prismas diferentes mas naosem relacao: como a operacao inversa da derivacao de funcoes ou como umlimite que permite calcular a area entre uma ou mais curvas planas. Vamoscomecar pelo primeiro ponto de vista e usa-lo na aplicacao do segundo.

2.1 Integral indefinido

Considerar a existencia de um processo inverso de derivacao faz sentido deum ponto de vista nao so teorico mas tambem pratico. Por exemplo, seconhecemos o custo marginal de um processo produtivo, e importante saberdeduzir daı a funcao custo. Um outro exemplo, que sera estudado maisadiante, diz respeito a modelos que sao construıdos relacionando nao so oestado das variaveis mas esse estado com a taxa de variacao de cada variavelnuma equacao que se diz diferencial. Estas equacoes resolvem-se por umprocesso de integracao das variaveis.

Definicao 2.1. Dada uma funcao f , real de variavel real, definida numintervalo [a, b], dizemos que F , definida no mesmo intervalo e uma primitivade f se

dF

dx(x) = F ′(x) = f(x) ∀x ∈ [a, b].

Decorre imediatamente das regras de derivacao que se F e uma primitivade f entao qualquer funcao da forma G(x) = F (x)+C, com C uma qualquerconstante real, tambem e uma primitiva de f .

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Definicao 2.2. Chama-se integral indefinido de f a totalidade das pri-mitivas de f e representa-se por ∫

f(x)dx.

Sendo F uma primitiva de f temos∫f(x)dx = F (x) + C,

com C ∈ R uma constante.Chama-se integracao ao processo de calculo do integral indefinido. Esta

operacao goza das seguintes duas propriedades importantes:

1. [integracao por decomposicao]Se f(x) = f1(x) + . . .+ fk(x) para kfinito entao ∫

f(x)dx =

∫f1(x)dx+ . . .+

∫fk(x)dx

2. Se f(x) = cg(x) com c ∈ R entao∫f(x)dx = c

∫g(x)dx.

Exemplo 7. Conhecida a regra da derivacao das potencias e facil ver que∫xndx =

1

n+ 1xn+1, n 6= −1.

Alem da aplicacao das propriedades acima, ha dois metodos de integracaoimportantes no calculo integral.

Integracao por partes Este metodo baseia-se na regra de derivacao doproduto de duas funcoes que passamos a recordar: sejam F e G primitivasde f e g, respectivamente. Temos

d

dx(F (x)G(x)) = F ′(x)G(x) + F (x)G′(x) = f(x)G(x) + F (x)g(x).

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Integrando o primeiro e ultimo membros da expressao acima obtemos∫(d

dx(F (x)G(x)))dx =

∫f(x)G(x)dx+

∫F (x)g(x)dx⇔

⇔ F (x)G(x) =

∫f(x)G(x)dx+

∫F (x)g(x)dx⇔

⇔∫f(x)G(x)dx = F (x)G(x)−

∫F (x)g(x)dx.

Este metodo aplica-se quando a funcao a integrar tem a forma de umproduto de funcoes, uma das quais tem uma primitiva conhecida.

Exemplo 8. Para calcular o integral indefinido de cos2(x) escrevemos

cos2(x) = cos(x) cos(x)

e, sabendo que (sen(x))′ = cos(x) fazemos

f(x) = cos(x) F (x) = sen(x)

G(x) = cos(x) g(x) = − sen(x)

obtendo ∫cos2(x)dx = sen(x) cos(x)−

∫− sen2(x)dx

= sen(x) cos(x) +

∫(1− cos2(x))dx⇔

⇔∫

cos2(x)dx = sen(x) cos(x) +

∫1dx−

∫cos2(x)dx⇔

⇔ 2

∫cos2(x)dx = sen(x) cos(x) +

∫1dx⇔

⇔∫

cos2(x)dx = 12(sen(x) cos(x) + x) + C.

Integracao por substituicao Trata-se de fazer uma mudanca de variavelque permita tornar a funcao a integrar numa funcao mais simples. Claro queo resultado do processo de integracao deve ser apresentado usando a variaveloriginal. Podemos entao integrar uma funcao f(x) usando uma variavel trelacionada com x atraves de x = φ(t) fazendo

dx = φ′(t)dt

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e substituindo no integral∫f(x)dx =

∫f(φ(t))φ′(t)dt.

Exemplo 9. Para encontrar todas as primitivas de f(x) =1 + ex

e2xconside-

ramos a mudanca de variavel ex = t, donde obtemos dx = dt/t. Substituindono integral a calcular vem∫

1 + ex

e2xdx =

∫1 + t

t21

tdt =

=

∫1

t3dt+

∫1

t2dt =

= − 1

2t2− 1

t+ C = − 1

2e2x− 1

ex+ C.

E importante ter presente que, por mais complicado que seja o aspectoformal de um integral, sabendo que F ′(x) = f(x) qualquer integral da forma∫

f(φ(x))φ′(x)dx

e de calculo imediato e igual a F (φ(x)). De facto, nao de trata de mais quea aplicacao da derivada das funcoes compostas.

Exercıcio 9. Calcule todas as primitivas de f(x) =2x+ 3

x2 + 3x− 7, relembrando

que ln′(x) = 1/x. ./

2.2 Integral definido

Vamos agora considerar a integracao de funcoes com o conceito de soma e decalculo de areas.

Seja f uma funcao real de variavel real definida e contınua num intervalo[a, b]. Para ja suporemos que f apenas toma valores positivos neste intervalo.Se quisermos calcular a area compreendida entre o eixo horizontal, o graficoda funcao f e as rectas verticais x = a e x = b, podemos comecar poraproximar sucessivamente esta area da seguinte forma:

dividimos o intervalo [a, b] em n sub-intervalos de amplitude (b−a)/n nos

pontos x0 = a, x1 = a+b− a

n, . . . , xk = a+ k

b− a

n, . . . , xn = b e, em cada

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sub-intervalo, estimamos o valor de f usando o valor que a funcao toma numdos extremos, por exemplo, f(xk). O valor aproximado da area a calculare dado pela soma das areas dos rectangulos cujo lado e o comprimento dosub-intervalo, xi − xi−1, e altura o valor da funcao num dos extremos. Aaproximacao do valor da area sera tanto melhor, quanto maior for o numerode rectangulos, ou seja, o valor da area e dado pelo

limn→+∞

n∑k=1

f(xk)(xk − xk−1).

Quando este limite existe e e finito dizemos que a funcao f e integravel nointervalo [a, b]. Note-se que a continuidade de f e suficiente para assegurara sua integrabilidade.

Definicao 2.3. Dada uma funcao f integravel num intervalo [a, b], chama-mos integral definido de f nesse intervalo a∫ b

a

f(x)dx = limn→+∞

n∑k=1

f(xk)(xk − xk−1).

Os pontos a e b dizem-se, respectivamente, os limites inferior e superiorde integracao.

O valor do integral definido e a area algebrica da regiao limitada peloeixo horizontal, o grafico de f e as rectas verticais x = a e x = b. ♠

Usando apenas a definicao e facil mostrar que o integral definido goza dasseguintes propriedades:

1. Se f(x) = λ ∈ R entao∫ b

af(x)dx = λ(b− a).

2. Se f(x) = λg(x) com λ ∈ R entao∫ b

af(x)dx = λ

∫ b

ag(x)dx.

3. Se f(x) = g(x) + h(x) entao∫ b

af(x)dx =

∫ b

ag(x)dx+

∫ b

ah(x)dx.

4. Qualquer que seja a funcao integravel f temos∫ a

a

f(x)dx = 0.

5. Se c ∈ [a, b] entao∫ b

af(x)dx =

∫ c

af(x)dx+

∫ b

cf(x)dx.

6. Qualquer que seja a funcao integravel f temos∫ b

a

f(x)dx = −∫ a

b

f(x)dx.

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7. Se f(x) > 0 ∀ x ∈ [a, b] entao∫ b

af(x)dx > 0.

8. Se f(x) > g(x) ∀ x ∈ [a, b] entao∫ b

af(x)dx >

∫ b

ag(x)dx.

9. Qualquer que seja a funcao integravel f temos

|∫ b

a

f(x)dx| 6∫ b

a

|f(x)|dx.

Uma das aplicacoes do conceito de integral definido e o calculo do valormedio que uma funcao toma num determinado intervalo. Comecamos comuma definicao

Definicao 2.4. Chama-se valor medio de uma funcao f contınua numintervalo [a, b] a

1

b− a

∫ b

a

f(x)dx.

Teorema 2.1. Se f e integravel em [a, b] entao existe um valor c ∈ [a, b] talque

1

b− a

∫ b

a

f(x)dx = f(c).

Este teorema da origem a Formula da Media∫ b

a

f(x)dx = (b− a)f(c)

para algum c ∈ [a, b].Para calcular de facto o valor de um integral vamos usar o seguinte teo-

rema.

Teorema 2.2 (Teorema Fundamental do Calculo). Seja f uma funcaointegravel em [a, b]. A funcao F definida em [a, b] por

F (x) =

∫ x

a

f(t)dt

e tal que F ′(x) = f(x).

Demonstracao: Usando a definicao de derivada de uma funcao real devariavel real temos

F ′(x) = limh→0

F (x+ h)− F (x)

h=

= limh→0

[

∫ x+h

a

f(t)dt−∫ x

a

f(t)dt]/h =

= limh→0

∫ x+h

x

f(t)dt/h

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Usando a Formula da Media para a ultima expressao vem∫ x+h

x

f(t)dt/h = f(c)h/h = f(c) c ∈ [x, x+ h]

donde, quando h→ 0, obtemos F ′(x) = f(x). ♦Para efeitos de calculo de integrais definidos, e muito usado o corolario

seguinte.

Corolario 2.1 (Formula Fundamental do Calculo). Seja f como noenunciado do teorema anterior e F uma qualquer primitiva de f . Temosentao ∫ b

a

f(x)dx = F (b)− F (a) = [F (x)]ba.

Exemplo 10. O valor do integral definido entre 1 e 2 de f(x) = x3 e dadopor ∫ 2

1

x3dx = [1

4x4]21 =

1

4(24 − 1) =

15

4.

Dada a formula acima, basta conhecer um primitiva da funcao para cal-cular o integral definido. Isto significa, em particular, que as tecnicas de in-tegracao (por decomposicao, por partes e por substituicao) se podem aplicar.Chamamos a atencao para um cuidado especial a ter na aplicacao da inte-gracao por substituicao. Se para calcular o integral entre a e b de f efec-tuamos a mudanca de coordenadas definida por x = φ(t) entao temos queconsiderar os novos limites de integracao, α e β tais que

a = φ(α) e b = φ(β).

Temos entao ∫ b

a

f(x)dx =

∫ β

α

f(φ(t))φ′(t)dt.

Regressando ao calculo de area por meio do integral definido, notamos querelativamente a este assunto temos suposto, implıcita ou explıcitamente, quea funcao toma apenas valores positivos no intervalo em causa. E claro quenem todas as funcoes satisfazem este pressuposto. Para as funcoes cuja ima-gem muda de sinal no intervalo de integracao, a area geometrica e calculadaatendendo a que, se f(x) 6 0 em [a, b] entao a area geometrica e dada por

−∫ b

a

f(x)dx.

16

No caso de f ser positiva em partes do intervalo de integracao e negativanoutras, divide-se o intervalo de integracao em sub-intervalos onde o sinalde f e constante e usam-se propriedades do integral definido para calcular ovalor da area geometrica. Consideremos o seguinte

Exemplo 11. Seja f(x) = x2 − 1. Para calcular a area geometrica, A,compreendida entre o grafico da funcao, o eixo horizontal e as rectas verticaisx = 0 e x = 2 fazemos

A = −∫ 1

0

f(x)dx+

∫ 2

1

f(x)dx = −[13x3 − x]10 + [1

3x3 − x]21 = 2.

Podemos calcular o valor de areas geometricas compreendidas entre grafi-cos de varias funcoes considerando que se f(x) > g(x) > 0 no intervalo deintegracao entao a area geometrica compreendida entre o grafico das duasfuncoes e dada por ∫ b

a

f(x)dx−∫ b

a

g(x)dx.

Exercıcio 10. Calcule o bem-estar num mercado em que a procura e carac-terizada pela funcao P (q) = 4 − q e a funcao custo e C(q) = q2 + q/10 + 1../

Em toda esta seccao consideramos f uma funcao contınua. E possıvelcalcular o integral de uma funcao descontınua num numero finito de pontosdo intervalo de integracao desde que exista limite finito de f de ambos oslados da descontinuidade. De facto, se f e descontınua em c ∈ [a, b] e existee e finito o limite de f a esquerda e a direita de c entao∫ b

a

f(x)dx = limu→c

∫ u

a

f(x)dx+ limv→c

∫ b

v

f(x)dx.

Outras extensoes do conceito de integral definido sao tratadas na proximaseccao.

2.3 Integrais improprios

Vamos ver em que casos faz sentido falar na area limitada pelo grafico deuma funcao no caso de o intervalo considerado ser infinito ou de a propriafuncao tomar valores infinitos num dos extremos de integracao.

17

Definicao 2.5. Um integral em que, pelo menos, um dos extremos de in-tegracao e ±∞ diz-se improprio de primeira especie. Dizemos que ointegral ∫ +∞

a

f(x)dx

converge se existe e e finito o

limu→+∞

∫ u

a

f(x)dx.

Neste caso tomamos o valor do limite para valor do integral.Se o limite nao existe ou e infinito, dizemos que o integral diverge.

Note-se que no caso de um integral com ambos os limites de integracaoinfinitos, a convergencia do integral obriga a existencia de dois limites finitos,a saber

limu→−∞

∫ c

u

f(x)dx e limv→+∞

∫ v

c

f(x)dx

para qualquer c ∈ R. Se se verificar a convergencia entao∫ +∞

−∞f(x)dx = lim

u→−∞

∫ c

u

f(x)dx+ limv→+∞

∫ v

c

f(x)dx.

Exercıcio 11. Mostre que o integral∫ +∞−∞ x3dx nao converge. ./

Definicao 2.6. Seja f tal que limx→a f(x) = ±∞. O integral de f nointervalo [a, b] diz-se improprio de segunda especie. O integral convergese existe e e finito

limu→a

∫ b

u

f(x)dx.

Neste caso, o valor do integral e igual ao valor do limite.Se o limite nao existe ou nao e finito, dizemos que o integral diverge.

Sendo os integrais improprios divergentes, sabemos que a area limitadapelo grafico de f , o eixo horizontal e os limites de integracao e infinita.

Para decidir se os integrais improprios sao convergentes podemos usar osresultados seguintes, evitando o calculo explıcito do valor do integral.

Teorema 2.3 (Criterios de Convergencia). Sejam f e g funcoes que to-mam valores nao negativos no intervalo [a,+∞] e tais que, nesse intervalo,se verifica f(x) 6 g(x). Verificam-se as seguintes implicacoes

•∫ +∞a

g(x)dx converge ⇒∫ +∞a

f(x)dx converge.

18

•∫ +∞a

f(x)dx diverge ⇒∫ +∞a

g(x)dx diverge.

Se f e g tem limite infinito em x = a entao temos

•∫ b

ag(x)dx converge ⇒

∫ b

af(x)dx converge.

•∫ b

af(x)dx diverge ⇒

∫ b

ag(x)dx diverge.

Para a aplicacao deste teorema e util conhecer famılias de integrais cujanatureza, convergente ou divergente, e conhecida.

Exemplo 12. O integral∫ +∞a

x−2dx (a > 0) converge porque, usando aformula fundamental do calculo integral temos∫ u

a

x−2dx = [−1

x]ua = −1

u+

1

a

e limu→+∞ 1/u = 0 donde, o valor do integral e igual a 1/a. ♣

Exercıcio 12. Averigue se∫ 2

0x−2dx converge. ./

O exemplo e exercıcio acima sao exemplos particulares do que podeser enunciado como um resultado geral. As demonstracoes dos dois lemasseguintes sao um exercıcio que se recomenda.

Lema 2.1. O integral improprio∫ b

0

dx

xα(b > 0) converge se e so se α < 1.

Lema 2.2. O integral improprio∫ +∞a

dx

xα(a > 0) converge se e so se α > 1.

2.4 Integrais duplos

Nesta seccao vamos estender o conceito de integracao a funcoes reais de duasvariaveis reais.

2.4.1 Integracao em rectangulos

Seja f : R2 → R uma funcao contınua de domınio

R = {(x, y) ∈ R2 : a 6 x 6 b ∧ c 6 y 6 d} = [a, b]× [c, d] ,

um rectangulo em R2, tomando apenas valores nao negativos. De modoanalogo ao utilizado para calcular a area entre o grafico de uma funcao realde variavel real e o eixo horizontal, vamos calcular o volume compreendidoentre o grafico de f e o seu domınio. Vamos comecar por aproximar o valor

19

deste volume pela soma dos volumes de paralelipıpedos ja que o volume destafigura geometrica e facil de calcular. Para tal, consideremos uma particao deR em n2 rectangulos

Rij = {(x, y) ∈ R2 : xi−1 6 x 6 xi ∧ yj−1 6 y 6 yj}= [xi−1, xi]× [yj−1, yj] ; i, j = 1, . . . , n.

Note-se que cada rectangulo Rij resulta do produto cartesiano de duas parti-coes:

• uma do intervalo [a, b] em n sub-intervalos determinados pelos n + 1pontos

a = x0, x1, . . . , xn−1, xn = b

• e outra do intervalo [c, d] em n sub-intervalos definidos pelos n + 1pontos

c = y0, y1, . . . , yn−1, yn = d.

Sejam X∗ij = (x∗ij, y

∗ij) um ponto qualquer de Rij e ∆Aij = ∆xi∆yj, a

area de Rij. Supondo as particoes regulares, isto e,

xi − xi−1 =b− a

ne yj − yj−1 =

d− c

n

temos valores constantes para ∆xi ≡ ∆x e ∆yj ≡ ∆y. Logo a area e igualpara todos os rectangulos ∆Aij ≡ ∆A.

Vamos aproximar os valores que a funcao f toma no rectangulo Rij pelovalor que ela toma em X∗

ij. Assim, o valor do volume do solido de baseRij e limitado superiormente pelo grafico de f e aproximado pelo volume doparalelipıpedo de base Rij e altura f(X∗

ij) dado por

f(X∗ij)∆x∆y = f(X∗

ij)∆A.

Logo, o volume do solido de base R e limitado superiormente pelo grafico def e aproximado por

Sn =n∑

i,j=1

f(X∗ij)∆A,

chamada soma de Riemann para f .

Observacao. Quanto maior for o valor de n, tanto maior e o numero derectangulos e tanto menor e a sua area. Rectangulos de menor area corres-pondem a uma melhor aproximacao do volume a calcular.

20

Definicao 2.7. Selimn→∞

Sn = S <∞

e se este valor nao depende da escolha do ponto X∗ij entao f diz-se integravel

em R e representamos S por∫∫Rf(x, y)dA ou

∫∫Rf(x, y)dxdy.

Teorema 2.4. Se f e contınua entao f e integravel em qualquer rectanguloR da forma [a, b]× [c, d].

Observacao. Rectangulos que resultam do produto de dois intervalos fechadosdizem-se rectangulos fechados.

Assim como ha funcoes reais de uma so variavel descontınuas que saointegraveis, tambem ha funcoes de duas variaveis que, nao sendo contınuasem todo o rectangulo R, sao integraveis em R. O teorema seguinte e umaextensao do teorema anterior a este tipo de funcoes.

Teorema 2.5. Se f e uma funcao que toma valores limitados no rectanguloR e tal que o conjunto de pontos nos quais f e descontınua esta contido nareuniao finita de graficos de funcoes reais de variavel real contınuas, entaof e integravel em R.

Exemplo 13. A funcao f definida por

f(x, y) =

{1 se x > 10 se x < 1

.

e descontınua em {(x, y) ∈ R2 : x = 1}. No entanto, pelo teorema anterior,f e integravel em

R = [0, 2]× [−1, 1] .

Exemplo 14. A funcao g definida por

g(x, y) =

{1x

se x > 00 se x 6 0

.

tem um conjunto de pontos de descontinuidade analogo ao da funcao f doexemplo anterior mas nao e limitada em rectangulos contendo o eixo {(x, y) ∈R2 : x = 0}. Logo, nao podemos utilizar o teorema anterior para garantir asua integrabilidade em rectangulos deste tipo. ♣

21

Da definicao e de resultados sobre limites, podemos mostrar que o integralduplo goza das seguintes propriedades:

1. Se f e g sao integraveis em R entao f + g e integravel em R.

2. Se f e integravel em R e c ∈ R entao cf e integravel em R.

3. Sendo f e g integraveis em R temos∫∫R(f(x, y) + g(x, y))dA =

∫∫Rf(x, y)dA+

∫∫Rg(x, y)dA.

4. Sendo f integravel em R e c ∈ R temos∫∫R(cf(x, y))dA = c

∫∫Rf(x, y)dA.

5. Se f e g sao integraveis em R e tais que

f(x, y) 6 g(x, y) ∀(x, y) ∈ R

entao ∫∫Rf(x, y)dA 6

∫∫Rg(x, y)dA.

6. Se R1 e R2 sao rectangulos que nao se intersectam, excepto possivel-mente sobre os lados, se f e integravel em R1 e R2 e se R = R1 ∪R2

entao f e integravel em R e∫∫Rf(x, y)dA =

∫∫R1

f(x, y)dA+

∫∫R2

f(x, y)dA.

7. Se f e integravel em R entao

|∫∫

Rf(x, y)dA| 6

∫∫R|f(x, y)|dA.

Para calcular o volume de solidos limitados pelo grafico de funcoes in-tegraveis que tomam valores nao positivos, consideramos a funcao que tomavalores simetricos e usamos ∫∫

R−f(x, y)dA.

22

2.4.2 Integrais iterados

Vamos desenvolver um metodo para calcular o volume de um solido como odescrito na seccao anterior sem recorrer a definicao. Para isso vamos utilizarconhecimentos sobre integrais simples para o calculo da area de uma figuraplana. Suponhamos que o solido (S) cujo volume queremos calcular estacompreendido entre o rectangulo R = [a, b]× [c, d] e o grafico de uma funcaocontınua e positiva em R. Consideremos a interseccao de (S) com um planovertical y = y (constante). A area desta interseccao pode ser calculadausando integrais simples. De facto, para y = y, fixo, definimos uma funcao

g : [a, b] → Rx 7→ f(x, y)

.

A area que pretendemos calcular e limitada pelo segmento [a, b] e pelo graficode g logo, e dada por

A(y) =

∫ b

a

g(x)dx.

Esta construcao define uma funcao area que depende do valor que y toma em[c, d]. A soma dos valores de A(y) para todos os valores que y pode tomar eigual ao volume de (S). No entanto, o numero de valores que y pode tomarem [c, d] e infinito. Tentemos aproximar esta soma infinita considerando umaparticao de [c, d]:

c = y0, y1, . . . , yn−1, yn = d.

Sendo y∗i ∈ [yi−1, yi], a soma infinita que da o volume de (S) e aproximadapela soma finita

Vn =n∑k=1

A(y∗i )(yi − yi−1).

E claro que quanto maior for n tanto melhor e a aproximacao e o volume de(S) e dado por

V = limn→+∞

Vn,

supondo que o limite existe e e finito.Recordando a definicao de integral simples e facil ver que

V =

∫ d

c

A(y)dy.

Este metodo de calculo do volume de um solido e conhecido por Princıpiode Cavalieri.

23

Note-se que

V =

∫∫Rf(x, y)dA

=

∫ d

c

A(y)dy

=

∫ d

c

[∫ b

a

g(x)dx

]dy

=

∫ d

c

[∫ b

a

f(x, y)dx

]dy.

Este ultimo integral e conhecido por integral iterado. De notar tambemque, considerando a interseccao de (S) com um plano vertical x = x (cons-tante) na construcao acima, obtemos um outro integral iterado∫ b

a

[∫ d

c

f(x, y)dy

]dx.

Os integrais iterados permitem calcular o integral duplo usando metodos deintegracao simples.

O valor de ∫ b

a

[∫ d

c

f(x, y)dy

]dx

obtem-se calculando ∫ d

c

f(x, y)dy

o que, supondo x constante, permite obter uma funcao de x que se integraem [a, b]. Para calcular cada um dos dois integrais simples utilizamos, porexemplo, o Teorema Fundamental do Calculo.

Exemplo 15. Calculo de ∫∫Rf(x, y)dA

onde f(x, y) = x2 + y2 e R = [−1, 1]× [0, 1].Vamos comecar por calcular∫ 1

0

f(x, y)dy =

∫ 1

0

(x2 + y2)dy.

Supondo x constante e sabendo que uma primitiva de a+ y2, com a ∈ R e

ay +1

3y3,

24

usamos o Teorema Fundamental do Calculo para obter∫ 1

0

(x2 + y2)dy =

[x2y +

1

3y3

]1

0

= x2 +1

3.

Voltamos a usar o Teorema Fundamental do Calculo para integrar esta funcaode x em [−1, 1], obtendo∫ 1

−1

∫ 1

0

f(x, y)dydx =

[1

3x3 +

1

3x

]1

−1

=4

3.

Um resultado importante para o calculo de integrais duplos e o seguinte

Teorema 2.6 (de Fubini). Se f e integravel em R = [a, b]× [c, d] entao∫∫Rf(x, y)dA =

∫ b

a

[∫ d

c

f(x, y)dy

]dx =

∫ d

c

[∫ b

a

f(x, y)dx

]dy.

2.4.3 Domınios de integracao nao rectangulos

Comecemos com a seguinte

Definicao 2.8. Chama-se regiao elementar a uma regiao D do plano li-mitada por um numero finito de graficos de funcoes reais de variavel realcontınuas. ♠

Ha tres tipos de regiao elementar:

• de tipo 1 ou verticalmente simples quando D e limitada pelo grafico deduas funcoes na variavel x e por segmentos de recta verticais, isto e,

∃ φ1, φ2 : [a, b] → R : φ1(x) 6 φ2(x) ∀ x ∈ [a, b]

eD = {(x, y) ∈ R2 : x ∈ [a, b] ∧ φ1(x) 6 y 6 φ2(x)};

• de tipo 2 ou horizontalmente simples quando D e limitada pelo graficode duas funcoes na variavel y e por segmentos de recta horizontais, ouseja,

∃ ψ1, ψ2 : [c, d] → R : ψ1(y) 6 ψ2(y) ∀ y ∈ [c, d]

eD = {(x, y) ∈ R2 : y ∈ [c, d] ∧ ψ1(y) 6 x 6 ψ2(y)};

25

• de tipo 3 se D e simultaneamente de tipo 1 e 2.

Um exemplo de regiao elementar de tipo 3 e

D = {(x, y) ∈ R2 : x2 + y2 6 1},

a regiao limitada pela circunferencia de raio 1. Podemos descrever esta regiaocomo

(tipo 1)

{(x, y) ∈ R2 : x ∈ [−1, 1] ∧ φ1(x) = −√

1− x2 6 y 6√

1− x2 = φ2(x)}

ou(tipo 2)

{(x, y) ∈ R2 : y ∈ [−1, 1] ∧ ψ1(y) = −√

1− y2 6 x 6√

1− y2 = ψ2(y)}.

Note-se que se uma funcao f : R2 → R e limitada e descontınua apenasna fronteira de uma regiao elementar D entao f e integravel num rectangulocontendo D (ver Teorema ??). Assim, e possıvel calcular integrais duplos emregioes elementares.

Definicao 2.9. Seja D uma regiao elementar e R um rectangulo contendoD. Dada uma funcao contınua f : D → R, definimos o integral de f em D,∫∫

D

f(x, y)dA,

do seguinte modo: seja f ∗ a extensao de f a R tal que

f ∗(x, y) =

{f(x, y) se (x, y) ∈ D

0 se (x, y) ∈ R\D.

Como f ∗ e contınua e limitada, excepto possivelmente na fronteira de D, peloTeorema ??, f ∗ e integravel em R. Definimos∫∫

D

f(x, y)dA =

∫∫Rf ∗(x, y)dA.

Exercıcio 13. Mostre que o valor de∫∫D

f(x, y)dA

nao depende do rectangulo R escolhido para o seu calculo. ./

26

Podemos calcular o integral duplo numa regiao elementar D usando inte-grais iterados como mostra o seguinte

Teorema 2.7. Se f e contınua numa regiao elementar D entao o integral def em D e dado por∫∫

D

f(x, y)dA =

∫ b

a

∫ φ2(x)

φ1(x)

f(x, y)dydx,

se D e de tipo 1, e por∫∫D

f(x, y)dA =

∫ d

c

∫ ψ2(y)

ψ1(y)

f(x, y)dxdy,

se D e de tipo 2.

Demonstracao: Fazemos a demonstracao para regioes elementares de tipo1. A demonstracao e analoga para tipo 2.

SejaD = {(x, y) ∈ R2 : x ∈ [a, b] ∧ φ1(x) 6 y 6 φ2(x)}

com φ1, φ2 : [a, b] → R contınuas. Temos∫∫D

f(x, y)dA =

∫∫Rf ∗(x, y)dA,

R = [a, b]× [c, d] e

f ∗(x, y) =

{f(x, y) se (x, y) ∈ D

0 se (x, y) ∈ R\D.

Para calcular o integral em R vamos recorrer ao Teorema de Fubini e usarintegrais iterados para obter∫∫

D

f(x, y)dA =

∫ b

a

∫ d

c

f ∗(x, y)dydx.

Sendo f ∗(x, y) = 0 se y < φ1(x) ou y > φ2(x), vem∫ d

c

f ∗(x, y)dy =

∫ φ2(x)

φ1(x)

f(x, y)dy,

ficando provado o teorema. ♦

Exercıcio 14. Demonstre o teorema anterior para regioes elementares do tipo2. ./

27

Exemplo 16. Calculo de∫∫

D(1−y+x)dxdy onde D e o triangulo de vertices

(0, 0), (−1, 0) e (0, 1).Definindo

φ1 : [−1, 0] → R e φ2 : [−1, 0] → Rcomo φ1(x) = 0 e φ2(x) = 1 + x podemos escrever

D = {(x, y) ∈ R2 : x ∈ [−1, 0] ∧ φ1(x) 6 y 6 φ2(x)}.Usando o teorema anterior, temos∫∫

D

(1− y + x)dxdy =

∫ 0

−1

∫ 1+x

0

(1− y + x)dydx

=

∫ 0

−1

[(1 + x)y − 1

2y2

]1+x

0

=

∫ 0

−1

((1 + x)2 − 1

2(1 + x)2)dx

=

[1

6(1 + x)3

]0

−1

=1

6.

Para regioes elementares de tipo 3 utilizamos o teorema acima para regioesde tipo 1 ou 2 conforme for mais conveniente ja que∫∫

D

f(x, y)dxdy =

∫ b

a

∫ φ2(x)

φ1(x)

f(x, y)dydx =

∫ d

c

∫ ψ2(y)

ψ1(y)

f(x, y)dxdy.

Exemplo 17. Para calcular∫ 2

1

∫ ln(x)

0

(x− 1)√

1 + e2ydydx,

notamos que e muito difıcil encontrar uma primitiva da funcao em ordem ay mas bastante simples de encontrar uma primitiva em ordem a x. A regiaode integracao e dada pelo conjunto dos pontos que verificam

1 6 x 6 2 e 0 6 y 6 ln(x),

que e de tipo 1. Mas, o mesmo conjunto de pontos pode ser descrito por

0 6 y 6 ln(2) e ey 6 x 6 2,

o que caracteriza uma regiao de tipo 2. Assim, o integral a calcular e igual a∫ ln(2)

0

∫ 2

ey

(x− 1)√

1 + e2ydxdy.

Deste modo, ja o calculo das primitivas e facil. ♣

28

2.4.4 Calculo da area de uma regiao plana

Suponhamos que a regiao D cuja area queremos calcular e elementar de tipo1. Trata-se de uma regiao compreendida entre o grafico de duas funcoes φ1(x)e φ2(x) definidas num intervalo [a, b]. Sabemos calcular a area A da regiaoD usando o integral simples

A =

∫ b

a

(φ2(x)− φ1(x))dx.

Mas, ∫∫D

dxdy =

∫ b

a

∫ φ2(x)

φ1(x)

dydx =

=

∫ b

a

(φ2(x)− φ1(x))dx

pelo Teorema Fundamental do Calculo. Logo,

A =

∫∫D

dxdy

pelo que podemos calcular areas usando o integral duplo.

Exercıcio 15. Mostre que a area de uma regiao plana do tipo 2 e dada por∫∫D

dxdy.

./

3 Bibliografia

[1] R. G. D. Allen, Analisis Matematico para Economistas, Aguilar, Madrid,1978.

[2] A. Chiang, Fundamental Methods of Mathematical Economics, McGraw-Hill, Singapore, 1984.

[3] F. Durao, Licoes de Matemetica – Series Numericas e Integrais, Univer-sidade Portucalense, Porto, 1992.

[4] L. D. Hoffman e G. L. Bradley, Calculus – for Business, Economics, andthe Social and Life Sciences, McGraw-Hill, New York, 1996.

[5] J.E. Marsden e A.J. Tromba, Vector Calculus, W.H. Freeman and Com-pany, San Francisco, 1976.

[6] C. Pires, Calculo para Economistas, McGraw-Hill, Lisboa, 2001.

29