Saúde e imaginário popular

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  • 7/31/2019 Sade e imaginrio popular

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    Sade e imaginrio popular1

    Maria Helena Steffens de Castro2

    Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul

    Realizando um cruzamento original entre matrias jornalsticas e o discursopublicitrio, esse trabalho analisa os anncios sobre produtos que tinham como enfoque asade, discutindo as relaes possveis entre esses dois campos da criatividade verbal. Aanlise aborda as pioneiras iniciativas da publicidade gacha, em escala de massa,empreendidas pela Revista do Globo, uma das mais importantes revistas que circulou noBrasil, de 1929 a 1967 e editada na capital do estado do Rio Grande do Sul, a cidade dePorto Alegre. Publicidade e sade, so temas que nunca saem de moda e, quando

    transformados em um s, permitem repensar os fatores que influenciaram a qualidade devida do homem moderno.

    Palavras- chave: sade, publicidade, jornalismo, imaginrio popular.

    A Revista do Globo (RG), que circulou no RS de 1929 a 1967, por sua abrangncia

    e penetrao junto ao pblico, atuou positivamente como auxiliar da educao em sade,

    divulgando planos e aes do Governo do Estado , aes preventivas e hbitos higinicos,

    para serem adotados aos poucos pelos leitores da revista.

    Alguns editoriais explicavam a importncia da criao da RG, como por exemplo:

    O homem moderno e culto no pode prescindir do seu jornal, de um bom livro, de uma

    tima revista, seja como fonte de informaes e conhecimentos, ou para a distrao do

    esprito. A leitura predileta, entretanto, uma boa revista, que rene informaes

    atualssimas, leitura variada, instrutiva e excelente matria recreativa. Penetrando no lar, a

    revista interessa a todos, desde o chefe de famlia e donas de casa, at as crianas. 3 A RG

    era dirigida a ambos os sexos, mas a grande maioria de seu pblico era feminino, j que

    tratava de assuntos leves, abordando assuntos artsticos, literrios e de cultura geral.O editorial de junho de 1929, salientava que a RG editada pela Livraria do Globo,

    um estabelecimento grfico modelar na Amrica do Sul, est em condies,tanto pela sua

    1 Trabalho apresentado ao NP 03 Publicidade, Propaganda e Marketing do V Encontro dos Ncleos dePesquisa da Intercom.2 Jornalista, professora, Mestre em Educao e Doutora em Letras pela PUCRS; organizou o Coordenou oSetor de Difuso Cultural do Museu de Comunicao Social Hiplito Jos da Costa. Leciona Esttica eHistria da Arte e Metodologia de Pesquisa em Comunicao; Coordena o Ncleo de Pesquisa em Cincias

    da Comunicao (NUPECC) ligado ao Programa de Ps-Graduao da Famecos/PUCRS.3 RG, n.4:5

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    2crescente difuso em todas as camadas sociais, como pelo seu aparelhamento tcnico, de

    servir de veculo aos altos interesses do anunciante.

    Junto com as matrias que mencionavam a acelerada modernizao de sua capital na

    dcada de 30, apareciam as que tratavam da competio comercial que obrigava grandescompanhias a recorrerem a processos originais de propaganda para vender seus produtos ,

    muitos deles de medicamentos, contribuindo assim, para disseminar algumas doenas que

    se alastravam pelo estado. Isso mostra que, a divulgao de informaes sobre polticas de

    sade e de medicamentos atravs de peridicos, assume grande importncia, porque atinge

    um pblico numeroso, que se identifica com o que diz o texto genrico, encontrando

    alguma orientao para seus problemas pessoais.

    Os anncios veiculados durante o extenso perodo de existncia da Revista quasequarenta anos constituem pois, uma eficiente matria para o estudo e a interpretao de

    aspectos significativos da relao entre a sade pblica riograndense e a publicidade, uma

    vez que o consumo de opinies, crenas, sistemas de comportamento, hbitos e costumes

    de uma poca so neles apresentados em prosa e verso. A RG assumiu a funo de tornar

    pblica a existncia de determinados produtos, marcas e servios, despertando o desejo em

    seus leitores para os objetos que anunciava, e tornou-se um espao privilegiado de

    divulgao das novidades do mercado brasileiro.

    Uma anlise preliminar das matrias jornalsticas da RG, mostra que, apesar de o

    espao dedicado sade ser aberto s autoridades da rea, as matrias apresentavam uma

    linguagem tcnica e terica, raramente apelando para experincias concretas ou para um

    discurso popular, que pudesse ser entendido e adotado pelos leitores, sobre a preveno das

    molstias. Predominavam nesse perodo, os discursos das fontes oficiais, como rgos de

    governo e especialistas, que divulgavam os decretos aprovados pelo Governo do Estado, os

    programas de campanhas sanitrias,os dados estatsticos de sade pblica, bem como as

    determinaes do Servio Municipal de Higiene e Sade.Tais dados no eramacompanhados de crticas ou orientaes didticas sobre os processos de execuo das

    medidas, privilegiando consecuo finalista e cumulativa de resultados, que s eram

    compreendidos por pblicos restritos e de elevado nvel de aquisio cultural. Dessa forma,

    o jornalismo legitimava o saber dito competente, minimizando outras fontes cientficas de

    informao.

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    3METODOLOGIA

    A pesquisa sobre a publicidade em fontes periodsticas pelos meios convencionais,

    se torna uma tarefa difcil pela variedade dos anncios publicados, pois obriga a manuseiode cada exemplar ou fascculo.Para catalogar os anncios da RG optou-se pelo uso da

    informtica, organizando um banco de dados que armazenasse e processasse o mais

    rapidamente possvel, as informaes captadas nos vrios campos catalogrficos. Foi

    escolhido o programa ISIS (Integrate Scientific Information Sistem), assumido e divulgado

    pela UNESCO.

    Gerou-se ento, numa primeira fase, um catlogo que compatibilizasse com a

    extenso e complexidade do corpus e dos objetivos propostos.Esse catlogo sobre osanncios publicados nos primeiros vinte anos da RG, tem como finalidade tambm, dar

    acesso a qualquer interessado publicidade veiculada nos 493 fascculos da revista,

    funcionando como ncleo gerador de inmeros estudos em diferentes reas do

    conhecimento.

    Nos primeiros vinte anos foram veiculados 25.792 anncios, sendo que todos eles

    foram preenchidos, um a um, de acordo com os campos da ficha catalogrfica. Foi possvel

    constatar ao longo do trabalho que a publicidade ainda no manifestava uma periodicidade

    organizada podendo o mesmo anncio ser veiculado durante meses ou mesmo durante os

    vinte anos da RG sem apresentar nenhuma alterao, como aconteceu com alguns

    anunciantes.Tais caractersticas possibilitaram a reduo do corpus, j que foi formado por

    anncios em sua primeira veiculao, aparecendo 7.069 peas inditas.

    Na anlise sobre o corpus constatou-se o amadorismo da profisso pela falta de

    regularidade tanto na localizao da pgina quanto na periodicidade dos anncios, como

    tambm pela diversidade nos formatos, aparecendo em pgina inteira, em uma coluna ou

    predominantemente no formato de 8x2,5 cm.Entretanto, com o passar dos anos a revista foise aprimorando e dedicando as pginas 15, 17 e 19 exclusivamente publicidade.

    As mudanas foram decorrentes do aumento do nmero de anunciantes que

    expandiu de trinta anncios por fascculo para sessenta a oitenta e cinco anncios a partir

    de 1937. O intervalo entre as alteraes dos anncios era lento e longo, produzindo-se num

    espao de cinco meses em mdia, porque o nmero de produtos era pequeno e no havia

    concorrncia, resultando, ento, escassa demanda para novas campanhas publicitrias.

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    4A anlise enfoca as pioneiras iniciativas da publicidade gacha, em escala de massa,

    com anncios que obrigavam a uma mudana de hbitos culturais e comunicacionais junto

    a uma sociedade dos anos 30, residente em Porto Alegre, localizada no sul do Brasil.O

    apelo destinado a um pblico mais racionalista , para o qual so utilizados argumentosfundados na realidade, mas aliados a sua dimenso simblica, na tentativa de convencer

    sobre a eficcia do produto e obter os benefcios propostos como resultado.

    Os gneros predominantes revelam que a razo da publicidade aproximava

    anunciantes nacionais e estrangeiros, pela necessidade de extrair demandas para produtos

    bsicos, ligados sade, higiene pessoal, alimentao e produtos domsticos. Tais anncios

    se sustentavam e se complementavam com valores ancorados na sociedade da poca,

    marcada pela promessa de substitu-los por outros que garantissem a alegria, a sade e obem estar da famlia. Segundo Castro (2004), a conjugao de todos esses fatores visava

    tornar possvel o estabelecimento de um novo pacto de leitura que conciliasse os valores de

    um discurso ancorado no passado com os valores propagados pela publicidade, como o

    novo e o moderno.

    A elaborao desse catlogo completo dos anncios publicados na RG, tem como

    finalidade, dar acesso a qualquer interessado aos mais de 60.000 anncios publicados nos

    942 fascculos, todos eles digitalizados e acessados via Internet atravs do endereo

    www.ipct.pucrs.br/letras. No visa oferecer apenas um registro do incio da publicidade

    gacha, mas ser a semente, o ncleo gerador de inmeras pesquisas em diferentes reas de

    conhecimento que, a partir do catlogo, podero se implantadas tendo como fonte o acervo

    da RG.

    A PUBLICIDADE COMO ALIADA DA POLTICA SOCIAL

    Dos 25.792 anncios catalogados, no perodo entre 1929 a 1949, encontrou-se28,80% de anncios sobre medicamentos ou produtos que usavam a sade como apelo

    para a venda., bem como de servios mdicos, dentrios, etc., que eram oferecidos como

    classificados.

    Nos anos 30 a indstria farmacutica no tinha ainda estabelecido regras rgidas

    para o desenvolvimento de campanhas publicitrias e aes de marketing. Diferente da rea

    de bens e servio tradicionais, informava sobre o uso teraputico dos medicamentos e

    concentrava esforos em aes de formao e educao dos leitores na preveno de

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    5doenas, atravs da publicidade. O Departamento Estadual de Sade, dirigido por Dr.

    Coelho de Souza, informava sobre a necessidade dos servios de higiene em um estado

    onde a tuberculose grassa com intensidade, a mortalidade infantil atinge cifras

    desoladoras, as verminoses se espalham pela cidade, a malria e a lepra se constituemmotivos de srias apreenses e onde a varola no foi de todo erradicada.4

    O governo do Estado, ciente de todos esses problemas tomava medidas atravs de

    decretos, para diminuir a mortalidade infantil, as crendices populares e assim combater as

    molstias da populao e a insalubridade do meio ambiente, fator preponderante da

    proliferao de doenas. Se nos anos 30 a energia eltrica era escassa, a gua era suja e,

    beber da torneira sem ferver a gua, era doena na certa.

    Em fevereiro de 1930, o Diretor de Higiene do Rio Grande do Sul, Dr. Fernando deFreitas Castro divulgava seu programa de sade, dando destaque s medidas que seriam

    adotadas pelo governo, como a rapidez no transporte de doentes para evitar a disseminao

    de molstias infecto-contagiosas e a fiscalizao sanitria rigorosa dos gneros

    alimentcios, bem como o combate mortalidade infantil. Tambm apresentava programas

    para combater a febre tifide, as verminoses, a tuberculose, a lepra, a raiva e a peste.

    Para tanto prometia uma fiscalizao rigorosa nas condies higinicas das fbricas

    e ateliers de trabalho, para que esses no continuem a exercer uma influncia direta no

    obiturio das cidades. O governo prometia tambm fiscalizar a manipulao e venda de

    todos os produtos destinados alimentao, principalmente do leite, da carne, das verduras

    e frutas.

    Junto com essas medidas o governo empreendeu a ao construtora que vinha ao

    encontro do desejo de uma classe privilegiada que a cidade expressasse o novo ideal de

    convivncia, cujo ideal tinha que ser Paris. Para tanto foram derrubados cortios e rasgadas

    ruas e avenidas , criadas novas praas, atendendo a demanda por uma nova esttica urbana

    e sociabilidade pblica. Entretanto, os recursos municipais destinados a servios comogua e esgoto, para toda a populao eram bem menores do que o investido em espaos

    para o usufruto da elite porto alegrense.

    Os discursos de autoridades e da imprensa relacionavam as habitaes populares

    sujeira e doena, defendendo os benefcios estticos e higinicos de remover essas

    habitaes do centro da cidade para a periferia, sem mencionar se teriam algum servio

    bsico de saneamento. Para sustentar esse aparato e financiar as transformaes urbanas,

    4 RG,n.250:39

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    6uma reforma fiscal criou novas taxaes, que garantiram esse deslocamento e estimulou os

    negcios dos construtores e especuladores imobilirios no centro da cidade. Como afirma

    Monteiro (1995: 118), nesse sentido, afastar as habitaes populares era higienizar e

    modernizar o centro da cidade, excluindo certos grupos sociais dos benefcios gerados pelamodernizao, criando um cenrio para a o desenvolvimento da pedagogia social

    burguesa, com a transmisso de hbitos, costumes e valores que sustentariam a nova

    organizao social.

    As classes populares adotavam a crena mgica e a medicina natural como forma de

    resistir s enfermidades infecciosas e degenerativas, que se alastravam pela cidade. A RG

    divulgava matrias que criticavam a medicina moderna, por ter como ideal intervir no

    trabalho dos tecidos e rgos com a ajuda de produtos qumicos. J a sade naturalbuscava descobrir os meios de fazer com que o corpo e o esprito ficassem imunes s

    enfermidades, ao cansao e ao temor, sem o uso de medicamentos.

    Como afirma Barros (2003:45) a explicao que a cincia oferece tem duas

    caractersticas fundamentais: por um lado mantm um corpo coerente de conhecimento, de

    tal forma que a lgica e a razo esto sempre atuando e norteando o ato produtivo, embora

    nem sempre se manifeste criativo. Por outro lado, ela oferece um quadro de explicaes

    possveis de um mundo natural que se mostra, cada dia, com mais vigor, extremamente

    complexo.

    Pessoas com algum conhecimento em medicina viravam consultores dos amigos

    que andassem as voltas com achaques, sendo que muitos desses ensinamentos passaram de

    gerao em gerao, da mesma forma que os velhos ditos populares. Prescritos por mdicos

    ou indicados pela teimosia da automedicao, foram conquistando consumidores fiis,

    ainda que sem comprovao cientfica de sua ao farmacolgica. Como lembra Ruschel

    (1971) havia remdio mesmo para coisas mais desafiadoras, como um licor de n de

    cachorro, cip muito conhecido como poderoso restaurador de energias. A crena em suaeficcia contribuiu de forma significativa para sua ao teraputica bem como sua

    divulgao junto aos freqentadores da Confeitaria Central e outros estabelecimento do

    centro da cidade.

    O empirismo e o experimentalismo exerciam suas aes preponderantes no seio das

    classes populares. A supertio continuava latente e avassaladora, junto com a feitiaria, o

    curandeirismo e o mundo obscuro da medicina caseira. Tomava-se elixir para curar amores;

    jo para unheiro; cera de ouvido para fazer desaparecer espinhas vulgares; folhas de batata,

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    7malva e sal para diminuir o inchao das pernas; cinza para picada de cobra, gua de

    bananeira para estancar hemorragias;ch de pele de raposa para apressar e aliviar as dores

    do parto, infuso de anel do rabo da lagartixa para aliviar as molstias nervosas, etc5.

    Como diferenciar a supertio daquilo que poderia ser a indicao promissora deum novo tratamento? Para Scliar (2002), somente entendendo o que realmente acontece na

    realidade, como uma ao farmacolgica eficiente e permanente, mas aliada a sua

    dimenso simblica. Isso porque a crena mgica nada mais que a expresso do

    desamparo do ser humano frente ao desconhecido e a histria da medicina est cheia de

    exemplos assim, alguns dos quais chegaram aos nossos dias, como o hbito de usar

    purgantes e fazer lavagens intestinais, que tinham o poder de limpar o organismo alm de

    purgar a alma , como penitncia.O leitor da RG absorvia um arquivo de informaes sobre a sade, mas sabia, na

    verdade alguns fatos ao acaso, apreendidos em vrias fontes, idneas ou no, que inclua o

    folclore familiar, os textos dos anncios , as indicaes de amigos, e os decretos do

    governo. Ao ingerir algum remdio ou tentar se automedicar, j tinha buscado informaes

    tanto na tradio popular como na publicidade, que era divulgada pelos meios de

    comunicao de massa.

    Os problemas de lceras, sfilis, eram mostrados em anncios com depoimentos em

    que aparecia a foto do paciente, nome e endereo, junto com a exposio do membro

    afetado pela doena , explicando como encontrou alvio dos terrveis sofrimentos tomando

    o reputado Galenogol e a bem da humanidade, pedia para publicar tal atestado. 6 Esses

    tetemunhos apoiavam-se em experincias concretas, o que levava o leitor a identificar-se

    com a situao, assumindo emocionalmente os sentimentos do personagem, pois criavam

    um imaginrio socializador, que possibilitava um desgaste de resistncia, de imposio de

    pontos de vista e de potenciao de valores.( Ferrs,1998)

    Robert Park em seu artigo A notcia como forma de conhecimento afirma que osujeito sente-se motivado a repetir para algum uma notcia importante, gerando

    comentrios e crticas em relao a ela. A partir da discusso, os problemas envolvidos nos

    fatos substituem a notcia, formando muitas vezes uma opinio coletiva. Assim, quando

    assuntos importantes, envolvendo a sade, so colocados em pauta pela revista , tem

    possibilidade de promover indiretamente uma mudana nos hbitos de vida dos leitores,

    pois incentivam a adoo de hbitos de higiene diria, bem como propagam planos de

    5

    RG, n.4, p.396 RG, n.193,p.47

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    8assistncia infncia e adultos, pois a partir do conhecimento j adquirido, agregam novas

    informaes.

    Quanto aos anunciantes , o mercado na dcada de 30 crescia muito e vrios produtos

    ligados alimentao, higiene, aos medicamentos e mesmo aos eletrodomsticos, criavamcampanhas com apelos dirigidos sade da populao.Era o ciclo da propaganda de

    remdios, que desde 1850 era o maior anunciante do mercado Nunca mais um outro setor

    teria a mesma influncia, fora e impacto de mdia.

    Os laboratrios e seus representantes brasileiros descobriram a comunicao de

    massa, inventaram o testemunhal, provocaram os descontos, popularizaram o anncio em

    cores e, mais tarde, viabilizaram o rdio. A sociedade, de acordo com Chrtien (1994),

    fornece aos cientistas o viveiro no qual eles vo se alimentar. Eles encontram nela e em suacultura, as regras, cdigos valores e analogias que alimentam a inveno, as metforas que

    sustentam a vulgarizao, as imagens que do inteligibilidade aos conceitos e modelos

    adotados pela populao.

    Junto com os decretos eram divulgados anncios que explicavam as razes

    cientficas da refrigerao dos alimentos,persuadindo o leitor a adquirir uma geladeira

    Frigidaire, para ter em casa um mdico vigilante que vela dia e noite pela salubridade

    dos alimentos da famlia. 7 Outro anncio da Casa Coates informava que os gneros que

    ingerimos cada dia so verdadeiros viveiros de micrbios e mofo.

    Alm da Nestl, que vendia a sua Farinha Lctea mostrando paisagens suas, em

    que eram alinhadas as palavras: fora, vigor, robustez, a Colgate-Palmolive orientava

    sobre a necessidade de fazer uma eficiente higiene bucal para evitar doenas. A Companhia

    Energia Eltrica Rio Grandense, proclamava o perigo de ingesto de alimentos mal

    conservados e o prazer da mesa com economia e proteo da sade.; O tnico dos

    pulmes, Saphrol, era um produto reconhecido em qualquer prateleira de farmcia; Lysol

    orientava para a mxima limpeza da casa e de desinfeco em caso de doena contagiosa ,alm do hbito de lavar as mos repetidamente; o regulador Sian era o melhor remdio

    contra o padecimento das senhoras; para alcalinisar de pronto a indigesto, o indicado era

    tomar Leite de Magnsia Plillips; para mulheres nervosas receitava-se o regulador

    Gesteira e Ventre-Livre, usado j nos mais adiantados pases do mundo.

    Aparecem clientes fixos como Saphrol, que anunciou na RG por mais de vinte anos

    na RG; Elixir Nogueira, por dezessete anos;Emulso de Scott por dez anos, alm de

    7 RG,n.80,p.85

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    9anncios do Laboratrio Silva Arajo, que produzia o Biotnico Fontoura e o Xarope

    Bromil, entre outros.

    Os apelos da publicidade ento, so claramente elaborados sobre a viso da mulher

    como protetora da famlia, que usa um produto para proteger o marido e os filhos contra asdoenas, livrando-se da poeira, dos germes e dos alimentos estragados. Como afirma

    Carvalho, (1996: 24) ao se concentrar na mulher consumidora, a publicidade acaba

    influenciando hbitos e mudanas de comportamento na famlia. Para que esses hbitos

    fossem adotados pela sociedade, o discurso da publicidade precisava ser informativo,

    explicando sua utilidade e benefcios, funcionando como um servio pblico na propagao

    de conhecimentos preventivos, no sentido de colaborar na profilaxia de doenas.

    A publicidade da RG acompanhava as transformaes urbanas de Porto Alegre, quepresidiam a estruturao da ordem burguesa como criadora de uma nova sociedade, mais

    moderna e agitada, tendo como meta o sepultamento de antigas normas como coisas do

    passado. Faz-se necessrio criar uma imagem social substitutiva que, se bem que

    fortemente distanciada da verdade social, constitui uma realidade destinada a confirmar no

    mais o conjunto da sociedade, mas os novos beneficirios do sistema: a ascendente

    burguesia urbana. (Pesavento, in Cruz (1994:133), que tinha poder aquisitivo para morar

    em lugares com saneamento bsico, desfrutar das transformaes urbanas e sociais

    implantadas pelo governo, alm de fazer compras no comrcio chique da Rua da Praia,

    adquirindo produtos anunciados na Revista do Globo.

    Na dcada de 30 havia em Porto Alegre 19 estabelecimentos comerciais ligados

    venda e manipulao de medicamentos, como farmcias, drogarias e especialistas em

    homeopatias, bem como de produtos mdicos da flora brasileira.

    A assistncia mdica j era um direito adquirido pela populao e no mais uma

    questo de caridade, sendo apoiada por uma tecnologia constantemente aperfeioada. As

    conquistas mdicas conseguiram aumentar a expectativa de vida e diminuir o sofrimentodas pessoas e a publicidade na RG contribuiu para divulgar os avanos da medicina junto a

    seus leitores.

    O DISCURSO DA PUBLICIDADE

    A publicidade reconhecida como um processo de produo pela de formas

    culturais e se afirma ento, como suporte visvel de representao de identidades, j que em

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    10seu discurso afluem diferentes figuras do imaginrio sociocultural. Por isso a anlise do

    discurso publicitrio evidencia um verdadeiro falar cultural e revela, atravs da abundncia

    das configuraes semiodiscursivas, vrias normas ora dominantes, ora divergentes ou

    perifricas. Ser analisado o circuito da palavra configurada, no interior da qual seencontram os sujeitos da fala, institudos na imagem do sujeito enunciador (EUe) e do

    sujeito destinatrio (TUd), que partilham entre si saberes e prticas psicosociais, junto com

    os membros da sociedade.

    Para Charaudeau (1983), todo enunciado tende a intervir persuasivamente no

    destinatrio, com o propsito de modificar suas crenas, suas atitudes e at sua identidade.

    Devido concepo particular que tem do ato de linguagem, o autor desenvolve a noo de

    competncia semiolingustica. Tal competncia resulta da inter-relao entre enunciador edestinatrio, quando est em julgamento o contedo e a legitimidade do discurso proferido

    pelo enunciador.

    A realidade do discurso, portanto, parte da sua historicidade, representada na

    relao entre o que repetvel, ou exterior ao sujeito e a produo da seqncia lingstica

    especfica, onde o sujeito intervm (Castro,2004:44). No anncio do creme dental Odol,

    de comportamento elocutivo, que tem por efeito incitar o sujeito interpretante a se

    identificar com a imagem de mundo apresentada pelo enunciador, aparece a expresso

    horrorizada do dentista gritando: Arear os dentes? Horrvel!.

    Fica evidente a denncia da forma imprpria de limpar com areia da praia , prtica

    adotada nos anos 30, que deveria ser alterada para dar lugar a hbitos novos,

    fundamentados nas descobertas da cincia, legitimadas por especialistas da rea da sade.

    Arear os dentes ainda uma expresso corrente no interior do Rio Grande do Sul ,

    reminiscncia de tempos idos, em que a areia molhada das praias era o nico dentifrcio

    conhecido e com cujo uso as pessoas inutilizavam metodicamente o esmalte de suas

    dentaduras.A abordagem da informao no enunciado leva a defin-la como uma atividade

    discursiva centrada na divulgao de fatos reais e busca alterar a ordem natural do mundo,

    apegando-se constatao e restituio de elementos geradores de desequilbrio, como

    mudar um hbito de higiene adotado por muito tempo, por outro mais moderno. Alm da

    finalidade de informar pelo vis da racionalidade, o enunciador, como pessoa no mundo,

    induz um fazer- crer ao destinatrio, com o objetivo de adeso ao que afirmado no

    anncio, atravs de um pacto de convico, como estratgia para que o consumidor se

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    11identifique com a figura de um destinatrio ideal proposto no texto e assuma os valores e

    um novo modo de vida, propagado pelo anncio.

    A campanha publicitria do creme dental Odol, orientava sobre a importncia da ida

    ao dentista duas vezes por ano e a necessidade de escovar os dentes trs vezes ao dia,como forma de proteger os dentes contra a crie e infeces gravssimas nos rgos

    internos, contribuindo com as aes de medicina social adotada pelo governo do Estado e

    divulgada pela RG.

    Os anncios adotavam tambm, um pacto de seduo, criando um imaginrio

    complementar ao explorar diferentes formas de transformar em espetculo as informaes

    do texto. Personagens, lugares, tempo, fatos, contribuam para sustentar os mitos da

    sociedade dos anos 30, que necessitava de informaes sobre os servios de higiene e sadepublicas, para combater as doenas que se alastravam pela cidade. O princpio que define o

    uso desse recurso o da verossimilhana na construo de mundos imaginrios, nos quais

    o eventual consumidor do produto pode projetar-se e identificar-se com os personagens

    criados, convencendo-se de que o produto anunciado possui ao teraputica contra o mal

    que o aflige. Como afirma Marques de Melo (1998): As barreiras entre a cultura de elite e

    a cultura do povo comeam a ser demolidas, em conseqncia do fenmeno das

    socializao produzida pelos meios de comunicao coletiva.

    Observa-se assim, que h predominncia do discurso de persuaso sobre o de

    seduo, pois a publicidade orientava sobre o uso do produto, persuadindo para um

    conjunto de mudanas sociais, na tentativa de convencer sobre a eficcia do produto para

    obter os benefcios propostos como resultado. Da mesma forma ensinava como ministr-los

    corretamente para no mascarar quadros de maior gravidade, como por exemplo, a perda

    definitiva dos dentes ou a aquisio de infeces graves.

    Os profissionais de sade e o governo entretanto, expropriam as subjetividades,

    medos e superties da populao adotando um discurso cientfico, referendado por normase rotinas preestabelecidas. As classes populares no tinham acesso s informaes e pouco

    entendiam das mensagens passadas, permanecendo em silncio, sem condies para mudar

    de hbitos e adotar aes preventivas contra as doenas. Continuava a usar a medicina

    popular e da excentricidade da farmcia domstica a que tinha acesso e procurava os postos

    de sade em caso de doenas mais graves.

    J os anncios publicitrios da RG procuravam ensinar a seus leitores como seguir

    hbitos saudveis, quando procurar um mdico, como seguir o tratamento mdico prescrito,

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    12evitando as superties e as crendices populares.Os textos apresentavam situaes

    compartilhadas pelo imaginrio dessa sociedade, revelando em parte a vida cotidiana e em

    parte o mundo ficcional. Tambm apresentavam cenas que estabeleciam o rompimento

    com hbitos tradicionais da sociedade gacha, como a substituio de um fogo lenhapelo fogo a gs, as efmeras barras de gelo pelas modernas caixas refrigeradoras sem

    gelo ou o hbito de limpar os dentes com areia da praia pelo creme dental, disseminando

    assim, aes educadoras e atitudes positivas em relao modernidade.

    A publicidade ao adotar um discurso informativo, objetivo e direto, auxiliou o leitor

    da RG e a populao em geral, a conhecer e adotar novos hbitos de higiene para gozar de

    sade fsica e mental, contribuindo assim com as metas da medicina social, decretadas pelo

    governo do estado.

    Bibliografia:

    BARROS, Henrique Lins de. Museus e Cincia. In: Souza, Cidoval M. et all. Acomunicao pblica da cincia. Taubat, So Paulo: Cabral, 2003.

    CARVALHO, Nelly. Publicidade: a linguagem da seduo. So Paulo: tica, 1996.

    CASTRO, Maria Helena Steffens de.O literrio como seduo: a publicidade na Revista

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    CHARAUDEAU, Patrick. Language et discours . Paris: Hachette, 1996.

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    FERRS.Joan.Televiso Subliminar: socializando atravs de Comunicaesdespercebidas. Porto Alegre: Artmed , 1998.

    HISTRIA ILUSTRADA DE PORTO ALEGRE. Edio: Companhia Estadual de EnergiaEltrica. CEEERS.

    MELO, Jos Marques. Teoria da comunicao: paradigmas latino-americanos .Petrpolis: Vozes, 1998.

    MONTEIRO, Charles. Porto alegre: modernizao e Urbanizao. PortoAlegre,EDIPUCRS, 1995.

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