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Mary Jane Paris Spink ! I I 84 o CONHECIMENTO NO COTIDIANO JAHODA, G. Critical notes and reflections on Social Representations. In: European Journal of Social Psychology, 18:195-209, 1988. JODELET, D. (org.). Les Représentations Sociales. Paris, Presses Universitaires de France, 1989. LANE, S. T. M. e SAWAIA, B. B. Community social psychology in Brasil. Applied Psychology: an International Review, 40(2):119-42, 1991. MARX, Karl e ENGElS, F. A ideologia alemã. Lisboa, Edições Avante, 1988. MOSCOVICI, S. Notes towards a description of Social Repre- sentations. European [ournal of Social Psychology, 18:211-50, 1988. ----o A Representação Social da psicanálise. Rio de Janeiro, Zahar, 1978. ----o The generalized self and mass society. In: HIMMELWEIT,H. T. e -GASKELL,G. (ed.). Societal psychology. Londres, SAGE Publications, 1990. ----o Psicologia social I e lI. Ia ed., Paidós, Barcelona, 1985. REICH, W. Psicologia das massas do fascismo. São Paulo, Martins Fon- tes, 1972. SAWAIA, B. B. A consciência em construção no trabalho de construção da existência. Tese de doutorado. PUC-SP, 1987. SOUZA SANTOS, B. de. Um discurso sobre as ciências. 2" ed., Lisboa, Afrontamento, 1988. THOMPSON, J. B. Studies in the theory of ideology. Califórnia, University of California Press, 1984. ZAVALLONI M. The affective representational circuit as the foundation of identity in new ideas psych. In: New Ideas in Psychology, 4:333-45,1986. ----o L'ef!et de resonance das Ia creation de l'identité et des Représentations Sociales. Universidade de Montreal, 1990, mimeo. 5. O estudo empírico das Representações Sociais Passados 30 anos desde a introdução da Represen- tação Social em psicologia social, a revisão da produ- ção teórico-empírica neste campo surpreende não só pela óbvia fertilidade da produção mas, sobretudo, pela diversidade de objetivos de pesquisa e de proce- dimentos utilizados para a coleta e análise dos dados. O presente capítulo visa, portanto, situar o leitor pe- rante esta diversidade, apontando para as áreas de consenso - que dão ao campo sua unidade intrínseca - assim como para as divergências. Visa, desse modo, fornecer um panorama global das áreas possíveis de pesquisa, remetendo o leitor a pesquisas nacionais e es- trangeiras que possam servir como ilustração para as diferentes abordagens. A diversidade com a qual o leitor interessado se deparará é especialmente desconcertante porque se manifesta tanto na perspectiva multidisciplinar quanto na esfera mais específica da psicologia social. Na perspectiva multidisciplinar vale lembrar que a noção de Representação Social é reconhecida e traba-

RS - M.J.Spink - Capítulo 05

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Capítulo 05 do livro "O conhecimento no cotidiano - as representações sociais na perspectiva da psicologia social" (Mary Jane Spink org.)

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Mary Jane Paris Spink

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84 o CONHECIMENTO NO COTIDIANO

JAHODA, G. Critical notes and reflections on SocialRepresentations. In: European Journal of Social Psychology,18:195-209, 1988.

JODELET, D. (org.). Les Représentations Sociales. Paris, PressesUniversitaires de France, 1989.

LANE, S. T. M. e SAWAIA, B. B. Community social psychology inBrasil. Applied Psychology: an International Review, 40(2):119-42,1991.

MARX, Karl e ENGElS, F. A ideologia alemã. Lisboa, Edições Avante,1988.

MOSCOVICI, S. Notes towards a description of Social Repre-sentations. European [ournal of Social Psychology, 18:211-50,1988.

----o A Representação Social da psicanálise. Rio de Janeiro,Zahar, 1978.

----o The generalized self and mass society. In:HIMMELWEIT,H. T. e -GASKELL,G. (ed.). Societal psychology.Londres, SAGE Publications, 1990.

----o Psicologia social I e lI. Ia ed., Paidós, Barcelona, 1985.REICH, W. Psicologia das massas do fascismo. São Paulo, Martins Fon-

tes, 1972.SAWAIA, B. B. A consciência em construção no trabalho de construção da

existência. Tese de doutorado. PUC-SP, 1987.SOUZA SANTOS, B. de. Um discurso sobre as ciências. 2" ed., Lisboa,

Afrontamento, 1988.THOMPSON, J. B. Studies in the theory of ideology. Califórnia,

University of California Press, 1984.ZAVALLONI M. The affective representational circuit as the

foundation of identity in new ideas psych. In: New Ideas inPsychology, 4:333-45,1986.

----o L'ef!et de resonance das Ia creation de l'identité et desReprésentations Sociales. Universidade de Montreal, 1990,mimeo.

5. O estudo empírico dasRepresentações Sociais

Passados 30anos desde a introdução da Represen-tação Social em psicologia social, a revisão da produ-ção teórico-empírica neste campo surpreende não sópela óbvia fertilidade da produção mas, sobretudo,pela diversidade de objetivos de pesquisa e de proce-dimentos utilizados para a coleta e análise dos dados.O presente capítulo visa, portanto, situar o leitor pe-rante esta diversidade, apontando para as áreas deconsenso - que dão ao campo sua unidade intrínseca -assim como para as divergências. Visa, desse modo,fornecer um panorama global das áreas possíveis depesquisa, remetendo o leitor a pesquisas nacionais e es-trangeiras que possam servir como ilustração para asdiferentes abordagens.

A diversidade com a qual o leitor interessado sedeparará é especialmente desconcertante porque semanifesta tanto na perspectiva multidisciplinar quantona esfera mais específica da psicologia social.

Na perspectiva multidisciplinar vale lembrar que anoção de Representação Social é reconhecida e traba-

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lhada em inúmeras disciplinas, embora abordada deformas diversas. Tais diferenças são apontadas porJodelet (1989) que, numa breve revisão do campo deestudos da Representação Social, contrasta o uso que éfeito desta noção nas ciências sociais, na psicologiacognitiva e na psicologia social.

As ciências sociais,segundo [odelet, trazem uma im-portante contribuição na medida em que explicitam a es-treita relação entre 13.sproduções mentais e as dimensõesmateriais e funcionais da vida dos grupos. Entretanto, oestatuto das Representações Sociais enquanto "formascognitivas" não é aí elucidado. As representações são vis-tas como conteúdos cuja operacionalidade é remetida aprocessos que lhes são exteriores. A tendência maismarcante, aqui, é a de situar as representações como ele-mentos constitutivos da ideologia - sendo esta definidacomo um sistema de representações. A ideologia passa aser, dessa forma, o objeto central da pesquisa; sendo, en-tretanto, instância abstrata (ou inconsciente como diriamalguns), o acesso a ela se dá por meio das representaçõesque ela estrutura.

Em nítido contraste.ja psicologia cognitiva enfa-tiza as propriedades estruturais das representações.Focaliza o que é conhecido e como é conhecido masignora quem conhece e de onde conhece. Elimina, assim,a função expressiva das Representações Sociais e suarelação com a vida afetiva e emocional. Em outras pala-vras, de maneira geral, os estudos sobre a cogniçãosocial tendem a abordar a representação como proces-

- . 1 Iso nao SOCIa:)á a psicologfu social, ao enfocar as representa-

ções, busca entender as marcas sociais do cognitivo eas condições cognirivas do funcionamento ideológico.Pensando as repr«isentações como uma forma de co-nhecimento prático, busca entender seu papel na insti-tuição de uma realidade consensual e sua função socio-cognitiva de integração da novidade e de orientaçãodas comunicações e das condutas.,

O ESTUDO EMPiRICO 87

Embora haja consenso quanto aos elementos cen-trais da noção, ou seja, quanto ao seu estatutocognitivo como forma de conhecimento e suas funçõessociais de orientação da ação e da comunicação, a di-versidade é também a marca dominante dos estudosempíricos int~adis~iplinares. Na perspectiva da psicologiasocial, esta diversidade tem suas raízes no debateepistemológico que se trava ao redor da noção de Re-presentação Social.

Introduzida na psicologia social em 1961 median-te publicação da pesquisa de Serge Moscovici sobre aRepresen tação Social da psicanálise (Moscovici, 1961),a noção tem sido o pivô de um rico debate entre ospsicólogos sociais europeus. De um lado, veio ao en-contro dos desejos de psicólogos empenhados em recu-perar as dimensões sociais da disciplina, gerando umacervo de estudos teóricos e pesquisas empíricas que,segundo análise realizada por Leme (1991), vem cres-cendo paulatinamente nas duas últimas décadas. Deoutro lado, suscitou um debate que vem sendo regis-trado em inúmeras publicações especialmentededicadas ao tema (Social Research, 1984; The BrítishJour:zal of Soci~l Psychology, 1985; Journal for the Theory ofSocial Behaoiour , 1987 e European [ournal of SocialPsychology, 1988). Neste debate vários autores aponta-ram para as lacunas conceituais e para as ambigüida-des daí decorrentes; a simultânea atração e frustraçãoem face da vagueza da conceituação, no dizer de[ahoda (1988).

As críticas - centradas basicamente na precarieda-de da formulação conceitual e na falta de rigor dasabordagens metodológicas adota das pelos pesquisado-res da área - remetem a questões relativas à esferaepistemológica ..Remetem, n:ais precisamente, à ques-tao do parad igma dominante de "ciência"; àcontraposição entre teoria como quadro de referênciaconceitual - a tradição clássica na qual teoria é umaforma de olhar para os fenômenos sociais, um guia de

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leitura - e teoria como sistema formal de hipóteses quepodem ser falsificadas por meio do rigor metod o-lógico. A opção moscoviciana é clara:

"Nossa reserva sobre métodos rigorosos é motivadapela necessidadede levar em consideraçãoo potencialde crescimentodo enquadre conceitual.Sendocompa-rativamente recente,nossa teoria certamente tem umlongo caminho pela frente antes de poder serverificávelou falsificável- com a condiçãode (nesseínterim)manter-sefrutífera.(...) Nossa idéia ainda pre-cisa ser estimulada e cultivada,não há nada de ilógicoem admitir isto.Estandoconvencidossobresuas impli-cações, nossa preocupação primeira é de enriquecerseus conteúdos e refinar o enquadre teórico.Ou seja,de lhe dar corpo,de lhe dar forma, uma vez que o ob-jetivo é de desenvolver um domínio de saber originalque nos ajude a compreender o que as pessoas fazemna vida real e em situaçõessignificantes.Não há dúvi-da que para atingir esses objetivostemos que confiarmaisna criatividadedos pesquisadoresdo que em pro-cedimentos conhecidos e testados." (Moscovici,1988:239)

pensamento que sustentam as práticas sociais"(1984:34).

A complexidade do fenômeno decorre dadesconstrução, no nível teórico, da falsa dicotomia en-tre o individual e o coletivo e do pressuposto daí de-corrente de que não basta apenas enfocar o fenômenono nível intra-individual (como o sujeito processa a in-formação) ou social (as ideologias, mitos e crenças quecirculam em uma determinada sociedade). É necessá-rio entender, sempre, como o pensamento individualse enraíza no social (remetendo, portanto, às condiçõesde sua produção) e como um e outro se modificam mu-tuamente.

Tal enfoque implica um triplo esforço:1. compreender o impacto que as correntes de

pensamento veiculadas em determinadas socie-dades têm na elaboração das RepresentaçõesSociais de diferentes grupos sociais ou de indi-víd uos definidos em função de sua pertença agrupos;

2. entender os processos constitutivos das Repre-sentações Sociais e a eficácia destas para o fun-cionamento social. Entender, portanto: a) opapel das representações na orientação doscomportamentos e na comunicação; b) sua for-ça enquanto sistema cognitivo de acolhimentode novas informações;

3. entender o papel das Representações Sociaisnas mudanças e transformações sociais, no quediz respeito à constituição de um pensamentosocial compartilhado ou à transformação dasrepresentações sob o impacto das forças sociais.

A criatividade a que se refere Moscovici manifes-ta-se tanto na definição dos objetivos de pesquisa, fru-to da complexidade da noção de Representação Social,quanto nos procedimentos utilizados para a coleta dosdados.

Representação Social: uma noção complexa

As representações, no dizer de Denise, Jodelet,"são fenômenos complexos cujos conteúdos devem sercuidadosamente destrinchados e referidos aos diferen-tes aspectos do objeto representado de modo a poderdepreender os múltiplos processos que concorrempara a sua elaboração e consolidação como sistemas de

Assim situadas, portanto, as Representações Soci-ais constituem uma forma de articulação dos quatro ní-veis de pesquisa identificados por Doise (1984):

o nível dos processos intra-individuais que fo-caliza a maneira em que os indivíduos organi-

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zam suas experiências do social, nível este pri-vilegiado entre outros pela psicologia cogni-tiva;

- o nível dos processos interindividuais ou inter-situacionais enfocado por grande parte das pes-quisas em dinâmica de grupo;

- o nível situacional propriamente dito em que seinserem as pesquisas que exploram as diferen-ças (quanto ao poder, identidade social etc.) re-sultantes da posição ocupada em um determi-nado campo social;

- o nível ideológico, no qual situam-se as análisessobre as visões de mundo de determinadas so-ciedades, classes ou segmentos de classes.

A articulação dá-se, evidentemente, mediante acombinação de dois ou mais níveis; combinação estaque resulta dos objetivos específicos de diferentes pes-quisadores gerando, dessa maneira, estudos bastantediversificados.

A diversidade resulta, ainda, da complexidade dofenômeno vista de outro ângulo: a dupla face das re-presentações como produto e como processo.

Enfocada enquanto produto, as Representações So-ciais emergem como pensamento constituído ou cam-po estruturado. Nessa perspectiva a pesquisa visadepreender os elementos constitutivos das representa-ções: as informações, imagens, opiniões, crenças etc.Entretanto, sendo estas sempre referidas às condiçõesde sua produção, a análise dimensional do conteúdotende a ser complementada pela investigação dos fato-res determinantes da estruturação do campo de repre-sentação em questão. Dessa forma, desde logo emergedessa perspectiva uma diferença crucial diante dasabordagens mais tradicionais de cognição social: é con-senso entre os pesquisadores da área que as RepresentaçõesSociais, enquanto produtos sociais, têm que ser sempre referi-das às condições de sua produção.

o ESTUDO EMPÍRlCO 9\

É nessa vertente que se situam alguns dos estudosclássicos sobre as Representações Sociais:a pesquisa deMoscovici (1961) sobre a psicanálise; de [odelet (1989)sobre a loucura; de Herzlich (1969)sobre a saúde! do-ença e de Chombart de Lawe (1984)sobre a criança. Éaqui, também, que se situam as pesquisas que inte-gram o acervo publicado nesta coletânea: o estudo deBock sobre os psicólogos; de Castro, sobre a prostitui-ção; de Schulze, sobre pacientes portadores de câncer;de Arruda, sobre a ecologia e os modelos de desenvol-vimento; de Guareschi, sobre o poder e a autoridadena ótica de crianças de idade escolar; e de Souto, sobreo professor universitário.

Enfocadas enquanto processo, as representaçõesemergem corno pensamento constituinte ou núcleosestruturantes. Nessa perspectiva a pesquisa volta-se àcompreensão da elaboração e transformação das repre-sentações sob a força das determinações sociais, ou àcompreensão do funcionamento e eficácia das repre-sentações na interação social. A pesquisa, nessa verten-te, tende a avançar em duas direções:

1. examinando os mecanismos sociais que inter-vêm na elaboração cognitiva mediante os doisprocessos constitutivos enunciados por Mos-coviei: a ancoragem e a objetivação. Ou seja,procurando explicitar as determinações sociaisdas representações decorrentes da posição ocu-pada pelos diferentes atores sociais, ou explí-citar os modelos coletivos disponíveis para queo indivíduo possa dar sentido a sua experiên-cia social. Perspectiva esta que foi exploradapor Moscovici (1961)e por Kães (1976), entreoutros;

2. analisando as propriedades estruturais das Re-presentações Sociais. Distinguindo, por exem-plo, os aspectos centrais - como o núcleofigurativo - dos aspectos periféricos, de modoa estudar a relação entre representação e com-

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portamento e a dinâmica de transformação dasRepresentações Sociais. É nessa perspectivaque se situam os estudos experimentais desen-volvidos no Laboratório de PsicologiaCognitiva de Aix-en-Provence por Abric (1984a e b) e sua equipe de pesquisadores.

É inevitável, portanto, que sejam adotados proce-dimentos tambéJ? diversificados para a coleta e a análi-se dos dados. A diversidade aparente, entretanto,contrapõem-se algumas arenas de consenso, duas dasquais são especialmente relevantes, dado que permitemdemarcar um território próprio ou, até mesmo, definirum in-group e um out-group metodológico. São elas:

- ênfase nas condições de produção;- o uso de material espontâneo.Entretanto, embora útil-enquanto forma de siste-

matização do acervo de pesquisas sobre as Representa-ções Sociais - diante da diversidade de abordagens aíinseridas -, a distinção entre produto e processo correo risco de introduzir no debate mais uma falsadicotomia: produto e processos constitutivos, conheci-mento e suas funções sociais estão inevitavelmente im-bricados. Dessa forma, grande parte das pesquisas,aqui referidas como exemplos de estudos das repre-sentações como produto, examinaram, também, os me-canismos que intervêm na elaboração cognitiva. Paraque isso seja possível, faz-se necessário analisar os pro-cessos constitutivos, ou seja, a operação da ancorageme objetivação da elaboração das representações.

Ênfase nas condições de produção

Sendo uma forma de conhecimento, é inevitávelque o estudo das Representações Sociais esteja forte-mente ancorado à esfera cognitiva. Mas, o conhe-cimento, nessa perspectiva, jamais poderia ser enten-dido apenas no nível individual. Sendo produto social,o conhecimento tem de ser remetido às condiçõessociais que o engendraram. Ou seja, só pode ser anali-sado tendo como contraponto o contexto social em queeme!"ge, .circula_e se transforma. O contexto de pro-duçao/ circulaçâo das Representações Sociais está pre-sente nos estudos empíricos de duas formas: medianteo estudo de situações sociais complexas (instituições,comunidades~ eventos) ou focalizando sujeitos, agen-tes, atores SOCIalmentedefinidos: médicos, psicólogos,operários, deficientes físicos etc. Entretanto, mesmonesta segunda estratégia a localização social do sujeito"tem que ir além da mera distribuição da variaçãoquant~ ao nível educacional ou classe social; tem queassurrur a forma de um estudo mais aprofundado emultifacetado de cada grupo de modo a dar conta dao:ientaç~o. específica que suas crenças ou Representa-çoes SOCIaISassumem e das prioridades alocadas aosvalores compartilhados" (Himmelweit, 1990:22).

O estudo das Representações Sociais em situaçõescomplexas aproxima-se das etnografias ou da pesquisa

A imaginação metodológica

A complexidade do fenômeno possibilita, assim, aconvivência quas~ sempre pacífica de diferentes ver-tentes de pesquisa. Permite, como vimos:

- a aplicação de diferentes óticas disciplinares,como acontece com as ciências sociais, a psico-logia cognitiva e a psicologia social;

- o estudo de diferentes níveis de realidade: intra-individual, interindividual, situacional e ideo-lógico;

- a aplicação de recortes diferentes: ênfase noproduto ou no processo; na elaboração das re-presentações; na relação entre representação ecomportamento.

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participante em antropologia. A pesquisa de DeniseJodelet (1989) sobre a Representação Social da loucuraem uma comunidade rural da França, onde havia umsistema de albergamento para pacientes egressos dehospitais psiquiátricos implantado há quase um século,constitui um bom exemplo de pesquisa do tipoetnográfico. Aescolha do campo e da metodologia res-pondeu, segundo a autora, ao desejo de abordar as Re-presentações Sociais em um contexto real, de modo apoder elucidar: as condições de produção e de atualiza-ção das Representações Sociais; seu funcionamento esuas funções, eficácia e transformações. A pesquisa,realizada no decorrer de quatro anos, envolveu váriasfases e utilizou uma variedade de instrumentos para acoleta dos dados:

1. observação participante da vida comunitária,realizada no decorrer da pesquisa, e que visavaapreender as formas de contato que a comuni-dade estabelecia com os doentes mentais;

2. reconstituição da história do Hospital Colôniaaí localizado, utilizando análise dos documen-tos e da literatura relativos ao hospital, assimcomo entrevistas com informantes-chave;

3. caracterização da organização e funcionamentodo sistema de albergamento, utilizando comoinformantes os enfermeiros visitadores;

4. recenseamento das famílias albergueiras utili-zando formulários aplicados pelos enfermeirosvisitadores;

5. entrevistas em profundidade com uma amos-tra representativa de "mães albergueiras". Es-sas entrevistas, obedecendo às característi-cas das Representações Sociais enquanto siste-mas cognitivos, procuraram "cercar" as repre-sentações avançando do particular e concreto(as práticas cotidianas nos albergues) para ogeral e abstrato (as representações da doençamental).

o ESTUDO EMPÍRlCO

A pesquisa de Castro, relatada nesta c 1 t, IW, I,

constitui exemplo raro de pesquisa de tipo etnogr fi (l

desenvolvida no Brasil a partir do referencial t ri, (l

da psicologia social. Realizada no Mangue, Ri d J"neiro, zona de baixo meretrício, visava apreend r .\representações de prostituição na interface entr m rale desvio. Foi desenvolvida em duas etapas: a prim iru,de 1983 a 1986, constituiu-se como pesquisa particip nte; período em que o pesquisador pôde criar uma id ntidade compatível com a tarefa, qualificando-se, p raas mulheres que lá trabalhavam, não mais comootário / freguês em potencial e nem como malandro /explorador do trabalho, mas como aliado. Na segun iaetapa, desenvolvida em 1987, foram realizadas entr ,-vistas com 55 mulheres da zona. As entrevistas vi c

vam obter informações que permitissem entend r: ()conceito de prostituição; a oposição entre famíli (prostituição; a relação com a lei e seus agentes e a org')-nização social do trabalho.

Taisestudos demandam tempo e uma forma e p >

cífica de inserção na situação de pesquisa; elemen t sestes que nem sempre estão presentes seja pela car <

de trabalho do pesquisador ou pela ausência de vo c

ção para esse tipo de envolvimento. São mais comuns,portanto, os estudos sobre sujeitos ou grupos soei 1-mente localizados. São vários os enfoques possív isnesta abordagem: estudos focalizados em um gruposocial específico; abordagens comparativas horizontaisenfocando vários grupos em uma mesma sociedadabordagens comparativas verticais comparando difrentes culturas ou formações sociais.

Como exemplo de pesquisas que focalizam gru-pos específicos poderíamos citar os estudos sobr 11Representações Sociais de uma diversidade de cal 'gorias profissionais. Destacaremos, aqui, duas pesquisasobre o trabalho do psicólogo. A primeira, realiz d.\ 1\01

Itália por Palmonari e Zani (1989), procurou re li dt'Ia duas questões: 1) como são constituídas as R pn' 1'1(

I)

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tações Sociais do trabalho do psicólogo diante das exi-gências de fixar o sentid.o ~? c~:mt~úd<?deste t~abal~ona ausência de uma definição institucional >- situaçãoconjuntural da psicologia na Itália na época em que apesquisa foi realizada; 2) q~,:l a relação entre repre-sentações e a tomada de posIçao acerca deste trabalho.Utilizando questionário e análise temática ~as r~sI:'0s-tas, Palmonari distinguiu quatro posturas ideológicasentre os psicólogos entrevistados: ativista político;expert interdisciplinar; psicólogo clínico e psicotera-peuta/ psicanalista.

Em contraste, Bock, em pesquisa relatada nestacoletânea, utilizou entrevista e análise de discurso par.aestudar a relação entre processo de trabalho e consci-ência, em psicólogos de São Paulo, numa perspectivateórica bastante diferenciada da vertente mosco-viciana, na medida em que a Representação Social étomada como mediação empírica da consciência. Vi-sando entender o processo da consciência, a pesquisacentrou-se na análise intensiva do discurso de um pe-queno número de sujeitos (N = 11)considerados repre-sentativos da profissão, buscando aí a representação dapsicologia enquanto ciência e.p;ofissão e a represer;ta-ção de si mesmo enquanto psicólogo atuando em nívelinstitucional, no ensino ou na clínica particular.

Dentre os estudos comparativos horizontais, emque são contrastadas as representaç?es de d~ferentessegmentos de uma determin~d.a SOCIedade,situa-se oestudo já clássico de MOSCOV:CI(1961) so~r~ a Repre-sentação Social da psicanálise. MOSCOVICIestudouamostras representativas de seis grupos: 1) populaçãoparisiense; 2) população de ~l~sse média compreen-dendo aí dois subgrupos definidos d~ a~ordo com. ograu de instrução e o nível ~ócio-ec~~omIco;3) profis-sionais liberais; 4) populaçao operana; 5) estudantesuniversitários e 6) estudantes de escolas técnicas.Moscovici incluiu, também, dois pequenos grupos dasprovíncias para contraste entre o urbano e o rural. Fo-

o ESTUDO EMPÍRICO 97

ram realizadas assim 2 265entrevistas englobando umpequeno conjunto de questões comuns em meio àsquestões especificamente formuladas para dar contadas especificidades dos grupos.

Ainda como exemplo dessa vertente, vale desta-car o "programa de pesquisa" que vem sendo desen-volvido por De Rosa (1987 e 1988) sob~ea~ev~lu~ão.darepresentação de doença mental da infância a VIdaadulta. Programa este que abrange oito anos de ativi-dades de pesquisa utilizando uma abordagem forte-mente marcada pelo enfoque comparativo, seja pelainclusão de grupos variados ou pelo uso de múltiplastécnicas para a coleta de dados. Assim, em uma pes-quisa recente (De Rosa, 1988), foi utilizada uma amos-tra aleatória de 1 884 sujeitos, compreendendo:

- a população profissional (264agentes sanitáriosde várias categorias profissionais e 480 estu-dantes de faculdades diversas);

- a população não profissional (324 crianças. detrês faixas etárias distintas e 794 adultos, paIS eprofessores das crianças entrevistadas).

Os resultados cumulativos desse programa depesquisa têm o mérito de permitir a investigação dosmúltiplos aspectos do objeto de representação de for-ma programática. Esforço este que vem rendendo re-sultados extremamente ricos.

Quanto aos estudos comparativos verticais, a pes-quisa de Arruda, relatada em capí~lo específico dest.acoletânea, constitui um exemplo interessante. Focali-zando a Representação Social da ecologia e dos mode-los de desenvolvimento, Arruda utilizou-se de ques-tionário para estudar as representações de três gruposde estudantes definidos em termos de sua origem geo-gráfica (Europa ou TerceiroMundo) e formação (ecolo-gia e outras). A amostra englobo~ 95 ah~nos de umcurso de especialização sobre o meio ambiente desen-volvido pela Unesco, todos eles provenientes de países

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do Terceiro Mundo; um segundo grupo consistindo de52 alunos, provenientes de países do Terceiro Mundo,matriculados em outros cursos de pós-graduação; eum terceiro grupo integrado por 51 alunos de cursosde graduação em agronomia, provenientes de paíseseuropeus. A análise dos dados revelou a existência deum sistema representacional baseado na relação ho-mem/natureza, sistema este que se sobrepunha às di-ferenças culturais específicas à origem geográfica e/ ouformação.

Embora o estudo das Representações Sociais emsituações "naturais" seja considerado um pressupostobásico da pesquisa na área, vale apontar, ainda, para aexistência de um grupo de pesquisadores, muitos dosquais inseridos em pesquisa sobre cognição social, quevem desenvolvendo estudos experimentais em situa-ção de laboratório. Essas pesquisas, como foi mencio-nado anteriormente, visam prioritariamente o estudodas propriedades estruturais das Representações Soci-ais, a dinâmica da formação e transformação destas e arelação entre representação e comportamento. Taispes-quisas, entretanto, têm um estatuto bastante nebuloso.De um lado são citadas como exemplo ao responder àscríticas sobre a falta de rigor metodológico. Porém, deoutro lado, são rejeitadas por pesquisadores que já con-seguiram se libertar dos grilhões positivistas da forma-ção em pesquisa na área de psicologia, em função doestatuto duvidoso do conteúdo social das representa-ções assim acessadas.

Os leitores interessados em aprofundar-se nestedebate são referidos a dois autores: McGuire e Farr.Para McGuire (1986),o campo de pesquisa da cogniçãosocial, no qual estaria inserido o estudo das Represen-tações Sociais, não é mais do que um interlúdio no es-tudo das atitudes - sendo estas o objeto central dapsicologia social. McGuire prevê, assim, uma nova erano estudo das atitudes, dominada não mais pelamensuração (característica da primeira fase) ou pela

o ESTUDO EMPÍRICO 99

dinâmica da mudança (característica da segunda fase),mas pelo estudo de sua estrutura. Postura compatível,portanto, com os estudos estruturais realizados em la-boratório acima referidos.

Farr, em contraste, representando a vertente den-tro da psicologia social que dá primazia ao social sobreo individual (sendo este sempre essencialmente social)manifesta-se francamente negativo a respeito dos estu-dos experimentais de Representação Social.Diz ele:

/I A caracterização da natureza social das Representa-ções Sociais feita por Moscovici se aplica mais no nívelda teoria científica ou do paradigma de pesquisa doque no nível do experimento único dentro desse para-digma. Não seria a descrição de uma RepresentaçãoSocial virtualmente sinonímia ao empreendimento co-mum em ciência que permite com que um determinadogrupo de cientistas continue se comunicando entre si?Como tal, elas só podem estar relacionadas com as tro-cas sociais que ocorrem no nível da comunidade cientí-fica. Como então poderiam ser capturadas e confinadasa algo que ocorre no desenrolar de um único experi-mento? As Representações Sociais nascem e são culti-vadas na sociedade, fora do laboratório. Elas estãomais relacionadas com a Volkerpsychologie de Wundt doque com a sua ciência de laboratório." (Farr, 1984:134)

o uso de material espontâneo

"A conversação está no epicentro do nosso uni-verso consensualporque ela molda e anima as Repre-sentações Sociais e assim lhes dá vida própria."(Moscovici ,1984a:53)"(_) As representações são resul-tado de um contínuo burburinho e um diálogo per-manente entre indivíduos, um diálogo que é tantointerno quanto externo, e durante o qual as representa-ções individuais ecoa~ ou são complementadas."(Moscovici, 1984b:950)E esse diálogo incessante - seja

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ele externo ou interno - que o pesquisador tem queacessar. Daí o uso de material espontâneo, seja ele in-duzido por questões, expresso livremente em entrevis-tas ou já cristalizado em produções sociais, tais comolivros, documentos, memórias, material iconográficoou matérias de jornais e revistas.

Partindo desse refrão metodológico, três formasde obtenção de dados são comumente empregadas:técnicas verbais, técnicas não-verbais e observação.

As técnicas verbais são, sem sombra de dúvida, aforma mais comum de acessar as representações. Oacervo de pesquisas já existente permite traçar algu-mas comparações entre as técnicas verbais empregadaspor diferentes pesquisadores. Há, sem dúvida alguma,uma nítida preferência pelo emprego de entrevistasabertas conduzidas a partir de um roteiro mínimo. Darvoz ao entrevistado, evitando impor as preconcepçõese categorias do pesquisador, permite eliciar um ricomaterial, especialmente quando este é referido às prá-ticas sociais relevantes ao objeto da investigação e àscondições de produção das representações em pauta.As pesquisas de Castro, Bock, Guareschi, Schulze eSouto, relatadas nesta coletânea, fornecem exemplosdesse procedimento.

O questionário utilizado, por exemplo,por Arruda,é uma forma menos flexível e menos capaz de acessaro contínuo burburinho e o diálogo permanente a que serefere Moscovici. Mas, em se tratando de grandesamostras, é talvez o único instrumento viável de coletade dados. Como instrumento de pesquisa, o questioná-rio pode ser enriquecido pela inclusão de um pequenonúmero de entrevistas em profundidade com algunsinformantes representativos de posições sociais consi-deradas relevantes para a formação ou transformaçãodas representações.

Uma outra técnica que vem assumindo importân-cia cada vez maior na pesquisa sobre RepresentaçõesSociais é o uso da associação livre a partir de um pe-

oESTUDO EMPÍRICO 101

queno número de palavras-estímulo. Esta técnica temido favorecida especialmente por se prestar à análise

multivariável que permite superar um dos problemasmais sérios das análises de conteúdo, ou seja, o caráterhermenêutico das interpretações.

As associações livres foram utilizadas intensiva-mente por DiGiacomo (1980)em um estudo sobre asrepresentações de estudantes universitários sobre osobjetivos e a liderança de um movimento de protestoocorrido nas universidades belgas em 1978.Neste estu-do foram utilizadas nove palavras-estímulo relativas a:à comissão organizadora (o comitê, sua posição políticade extrema esquerda e a estratégia adotada de greve e dealiança com os trabalhadores); aos próprios estudantes(estudantes e executivos) e outras palavras consideradasrelevantes pelos pesquisadores a partir de um estudo-piloto (poder, extrema direita e assembléia estudantil).

DiGiacomo pediu a 281 alunos da Universidadede Louvain para associarem livremente a uma daspalavras escolhidas aleatoriamente. A partir dessesdados foram compilados dicionários para cada pala-vra-estímulo. As palavras foram então agrupadas apartir das regras clássicas de análise de conteúdo e osagrupamentos foram submetidos à análise multiva-riável. Os resultados assim obtidos permitiram enten-der o malogro do .movimento de protesto estudado,dado que 1/ os estudantes se recusaram a fazer aliançacom o comitê porque eles progressivamente passarama ver o comitê e sua ideologia como estranhos e incom-patíveis com a imagem de si mesmos" (DiGiacomo1980:340).

As associações livres, dado o seu caráter de técni-ca projetiva, têm características semelhantes às técnicasnão verbais. Estas técnicas vêm sendo objeto de reflexãopo: parte de De Rosa que as tem utilizado em suas pes-qUIsassobre a Representação Social da doença mental.Em artigo publicado em 1987,De Rosa contrasta os re-sultados obtidos mediante a utilização do desenho

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com os dados obtidos por meio de entrevistas semi-estruturadas. As técnicas verbais, segundo a autora,tendem a eliciar material que reflete uma versão linearda história da loucura. Assim, os diferentes modelosda historiografia oficial (a visão mística! sagrada; aloucura-crime; a visão medicalizada e a interpretaçãosociopsicológica) emergem sucessivamente nas dife-rentes fases do desenvolvimento cronológico da infân-cia à vida adulta. Em contraste, o uso do desenhopossibilita a emergência de material mais arcaico, compredomínio de imagens mítico-fantasmagóricas, emtodas as fases do desenvolvimento e em todas as faixasetárias estudadas - possivelmente em função do aban-dono regressivo das inibições.

Essa postura, de uso de múltiplos métodos e decomparação intermétodo, suscita interessantes refle-xões sobre a polimorfia intrínseca das RepresentaçõesSociais. Diferentemente do conhecimento dito científi-co, que na sua forma pública tem que se submeter a ummetassistema de regras compartilhadas que lhe dita asnormas do "bem-fazer", o conhecimento do senso co-mum não tem que pautar-se pela lógica e coerência in-terna. Há evidentemente um metassistema de regrasque rege, também nesse caso, o ''bem-fazer''; por exem-plo, regras de cunho ideológico, habitus de classe oumesmo regras ditadas pela tradição. Mas há uma dife-rença considerável de graus de liberdade. A polimorfiaresultante, ou seja, a diversidade de formas que as re-presentações assumem, tem muitas vezes revelado acoexistência de representações arcaicas - resíduos doacervo cumulativo das produções culturais inscritas noimaginário social- e representações novas - produtosdo encontro cotidiano com a ciência que circula atravésdos meios de comunicação. Essa coexistência de repre-sentações novas e arcaicas gera, sem dúvida, fascinan-tes questões sobre a existência de elementos universaisnas representações de objetos socialmente valorizadosque remetem a antigas controvérsias sobre a "mente co-

o ESTUDO EMPÍRlCO 103

letiva" (Allport, 1968)e às novas teorias sobre a memó-ria coletiva inscrita na natureza (Sheldrake, 1988).

Retomando as técnicas de coleta de dados valeapontar, ainda, que, segundo Moscovici'L2 observaçãotem um papel proeminente no estudo das Representa-ções Sociais, dado que nos liberta da quantificação e daexperimentação prematura com a conseqüente frag-mentação do fenômeno estudado. No estado atual doestudo empírico e da teorização sobre as Representa-ções Sociais é "a observação - estimulada pela teoria earmada de métodos analíticos sutis - que nos dará osmeios de entender a gênese e a estrutura das Represen-tações Sociaisj m situ" (1988:241).Fica subentendido,aqui, que Moscovici refere-se à observação sistemática;com isso, preserva algumas qualidades de rigor pró-prias aos experimentos, embora liberando-nos das li-mitações destes. Segundo Moscovici, a observaçãoassim entendida poderá trazer para a psicologia socialos mesmos benefícios que trouxe para a antropologia epara a psicologia do desenvolvimento.

Repensando o rigor

A crítica - ora velada, ora explícita - feita ao pro-grama de pesquisa que se desenvolve ao redor da no-ção de Representação Social subsume a crítica maisgeral feita aos métodos qualitativos como um todo: aqualidade hermenêutica da análise; a falta de rigor dosmétodos utilizados; a impossibilidade - para não dizerindesejabilidade - de explicações causais. Em resumo,a falta de rigor ou de objetividade.

A pesquisa sobre as Representações Sociais, estan-do comprometida com situações sociais naturais ecomplexas - requisito imprescindível para que sejamacessadas as condições de sua produção -, é necessaria-mente uma pesquisa qualitativa, entendendo-se porpesquisa qualitativa "uma tradição específica dentro

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edas ciências sociais que depende essencialmente da ob-servação de pessoas em seus próprios territórios e dainteração com estas pessoas através de sua própria lin-guagem e em seus termos" (Kirk e Miller, 1986:9) .

.Embora tenha por ~aracterística básica o compro-metimento com a pesqUIsa de campo, isso não implicacontraposição com a quantificação ou contradição comas noções de objetividade. A objetividade, em última,análise, é o elemento de sustentação da atividade cien-"tífica, seja esta desenrolada enquanto ciência naturalou ciência social; e, no interior desta, quer se desenvol-~a como pes9ui~a quan~tativa ou .qualitativa. Ser obje-tivo, em essencia, implica assumir o risco intelectualdo erro. Postura esta que remete à aceitação de que háum.a realidade empírica passível de ser decifrada pormeio da reflexão e da pesquisa. Ou seja, a aceitação deque há uma "verdade absoluta", embora não transpa-rente. No dizer de Lefebvre (1983):

o CONHECIMENTO NO COTIDIANO

(\

"A verdade absoluta seria assim o conjunto, a totalida-de infinita das verdades relativas em todos os graus,em todas as escalas. Essa verdade absoluta, para a qualpode tender o pensamento humano (e que seria o aca-ba~ento do saber, a supressão do desconhecido, a to-tahdade do pensamento coincidindo com a totalidadedo universo), é um limite infinitamente longínquo masdo qual nos aproximamos sempre. Neste sentido, ave~dade absoluta realiza-se através das descobertas re- )lativas e dos pensamentos individuais, cujo alcance élimitado," (p. 99)- --'" -

I A superação do conhecimento relativo dá-se "pela/ ~uc~s~ão das gerações humanas e pela cooperação dos

irtd iv íd.uos nesta o}2!.a coletiva que é a ciência")~efebvrel.)983_:1Q.O)./Aobjetividade, portanto, é essen-

cialmente fruto do consenso da comunidade científica.. Ao pensar a objetividade na pesquisa qualitativa,

doís elementos são geralmente considerados: a fide-dignidade dos dados e a validade. Afidedignidade refe-

o ESTUDOEMPÍRICO 105

re-se à possibilidade de obtenção dos mesmos resulta-dos em ocasiões diferentes ou à possibilidade - no casode fenômenos sujeitos à historicidade - de obtenção dedados semelhantes mediante o uso de diferentes ins-trumentos de coletas de dados.

Kirk e Miller (1986) distinguem três tipos de fide-dignidade: (1) a fidedignidade quixotesca, quando omesmo instrumento gera repetidamente a mesma in-formação; (2) a diacrônica, referente à estabilidade daobservação no tempo; (3) a sincrônica, referente ao usode instrumentos ou medidas alternativas. É esta tercei-ra modalidade que tem maior relevância na pesquisaqualitativa de fenômenos sujeitos à historicidade. Daí atendência marcante atualmente nas ciências sociais douso de múltiplas técnicas e instrumentos para cercarum mesmo fenômeno. Técnicas que podem ser com-plementares (como no estudo etnográfico de [odeletsobre as Representações Sociais da loucura, 1989), ouser contrastadas (como nos estudos de De Rosa sobre aRepresentação Social da doença mental, 1987 e 1988).

O uso de multimétodos não é novidade. Já desdea década de 70 Denzin discutia essa estratégia por eledenominada "triangulação". Entretanto, é o sentidodado à triangulação que vem sofrendo profundas mo-dificações, especialmente em função da adoção deposturas epistemológicas construtivistas (Berger eLuckmann, 1966, e Gergen, 1985). Denzin havia intro-duzido a triangulação como estratégia para a vali-dação dos dados adotando o sentido clássico de validadecomo busca da essência do fenômeno na relação entreo real e nossa teorização sobre o real. Tal postura pres-supõe uma única realidade e uma única concepção deobjeto independentemente da abordagem metodo-lógica. Mais recentemente, entretanto, a triangulaçãoperde essa conotação de estratégia de validação emer-gindo como alternativa à validação. Ou seja, emergin-do como forma de aprofundamento da análise e nãocomo caminho para chegar à verdade objetiva. Mais

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especificamente, torna-se um caminho para a supera-ção dos vieses associados a metodologias específi-cas. Sua utilização visa, portanto, à compreensão emprofundidade e à maior segurança na análise inter-pretativa.

Mas, como bem aponta Flick (1992), não se trataapenas de uma mera combinação de métodos e técni-cas: "o potencial da triangulação de diferentes aborda-gens metodológicas está na combinação de diferentesperspectivas de pesquisa e na possibilidade de focali-zar diferentes aspectos do problema em estudo" (p.47). Por exemplo, na possibilidade de combinar proce-dimentos voltados ao estudo dos dois aspectos centraisdas Representações Sociais: o conhecimento que asconstitui e as atividades através das quais elas são pro-duzidas, circuladas e aplicadas; acessando, assim, o co-nhecimento subjetivo - o sentido pessoal que esteconhecimento assume - e as interações sociais, ou seja,a produção e os efeitos das Representações Sociais.

É, portanto, um aspecto sui generis da pesquisaqualitativa o enfrentamento da validade e fidedignida-de mediante a contraposição de interpretações alterna-tivas e metodologias diversificadas. Como dizMoscovici,

"Sejam quais forem as razões, o fato é que apenas umadescrição cuidadosa das Representações Sociais, suaestrutura e sua evolução em vários campos, poderápossibilitar sua compreensão; e uma explicação válidasó poderá emanar de um estudo compreensivo destasdescrições." (1984:67)

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